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As Questões Ambientais e a Química

dos Sabões e Detergentes

Elaine Maria Figueiredo Ribeiro, Juliana de Oliveira Maia e Edson José Wartha

Neste artigo, apresentamos um relato de experiências sobre o desenvolvimento de uma proposta de ensino
temático em Química, por meio da abordagem de questões ambientais relacionadas ao uso de sabões e deter-
gentes, produzido e implementado em sala de aula pelo Projeto de Formação Inicial e Continuada de Professores
de Química (PROEXT/2007/MEC-SESU). A proposta articula o conteúdo de Química à abordagem temática,
propiciando a discussão de aspectos sociocientíficos e ambientais, a compreensão de processos químicos no
contexto social e o desenvolvimento de atitudes e valores relacionados à cidadania.

sabões e detergentes, degradação ambiental, ensino de química

Recebido em 04/09/09, aceito em 06/04/10


169

N
os dias atuais, não se pode uma abordagem mais problemati- processos físicos, químicos
mais conceber propostas para zadora, interdisciplinar e contextu- e bioquímicos que passam
um Ensino de Química sem alizada, é proposta por diferentes despercebidos. Como são
incluir, no planejamento da disciplina, correntes no Ensino de Ciências em processos vividos por todos e
temas ou componentes que estejam oposição à fragmentação e descon- não refletidos, espontâneos, a
orientados na busca de aspectos textualização do ensino disciplinar e reflexão sobre eles pode levar-
sociais, econômicos e ambientais do conteudista, como foi observado por nos a níveis acima da cotidia-
contexto em que estão inseridos os Schnetzler e Aragão (1995) ao afirma- nidade. (p. 15)
estudantes. rem que o ensino de química é uma
prática de ensino encaminhada qua- Lutfi (1992) aponta a química do
Neste caso, a química pode se exclusivamente para a retenção, cotidiano não como um modismo,
ser um instrumento de forma- por parte do aluno, de enormes quan- mas dentro de uma concepção que
ção humana que amplia os tidades de informações passivas, destaque seu papel social, mediante
horizontes [...] e a autonomia com o propósito de que estas sejam uma contextualização social, política,
no exercício da cidadania, memorizadas, evocadas e devolvidas filosófica, econômica e ambiental.
se o conhecimento químico nos mesmos termos em que foram Partindo-se do cotidiano e buscando
for promovido como um dos apresentadas na hora dos exames, meios de compreendê-lo, a ele retor-
meios para interpretar o mundo por meio de provas, testes, exercícios namos, mas com um novo olhar, uma
e intervir na realidade, se for mecânicos repetitivos. Nestes últimos nova leitura. É o cotidiano pensado,
apresentado como ciência, anos, não observamos mudanças refletido.
com seus conceitos, métodos significativas na prática docente em O cotidiano como ponto de par-
e linguagens próprios, e como relação ao ensino disciplinar, con- tida será o uso de sabões e deter-
construção histórica, relaciona- teudista e descontextualizado como gentes e a degradação ambiental
da ao desenvolvimento tecno- foi sinalizado já na década de 1990. do Rio Cachoeira nos municípios de
lógico e aos muitos aspectos Como afirma Lutfi (1992), o con- Itabuna e Ilhéus (BA). Ao ser levado
da vida em sociedade. (Brasil, texto do aluno é um campo muito rico para dentro da sala de aula, torna-
1999, p. 86) para a atuação dos professores, pois se o cotidiano analisado, estudado
e pensado na busca de uma nova
A abordagem do conteúdo quími- [...] muitas atividades pre- leitura desse cotidiano, só que agora
co, por meio de temas que permitam sentes no cotidiano envolvem com as palavras e os conceitos da

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química. Desse modo, os conceitos detergentes pelos estudantes. Eles Bases da Educação Brasileira (LDB
químicos são abordados de maneira são levados a identificar se, na pro- n.9394/96) (Brasil, 1996), que pas-
correlacionada com o tema ambien- dução destes, são usados diferentes sou a considerar a compreensão do
tal, buscando novas leituras e novas materiais e tecnologias; investigar se ambiente natural como fundamental
problematizações sobre o tema durante o processo de produção e para a educação básica. Também
abordado. no descarte houve ou não geração a inclusão da área de Meio Am-
Sobre essa nova leitura, Chassot de resíduos; se tais biente como um dos
(1993) considera a ciência como resíduos agridem As propostas para um temas transversais
“uma linguagem para facilitar nossa ou não o ambiente; Ensino de Química devem nos Parâmetros Cur-
leitura do mundo natural [e] sabê-la quais informações incluir, no planejamento riculares Nacionais
como descrição do mundo natural contidas nos rótu- da disciplina, temas (PCN) traz orienta-
ajuda a entendermos a nós mesmos e los são relevantes; o ou componentes que ções para o traba-
o ambiente que nos cerca” (p. 37). Ele que elas significam; estejam orientados na lho do professor: “O
também nos aponta que a elaboração e como interpreta- busca de aspectos sociais, trabalho pedagógico
de uma explicação do mundo natural mos tais informa- econômicos e ambientais com a questão am-
(fazer ciência), como elaboração ções. do contexto em que estão biental centra-se no
de um conjunto de conhecimentos inseridos os estudantes. desenvolvimento de
metodicamente adquirido, é descre- Alguns autores atitudes e posturas
ver a natureza numa linguagem dita [...] acrescentam éticas e, no domínio
científica. Propiciar o entendimento o tema Ambiente ao ensino de procedimentos, mais do que na
ou a leitura dessa linguagem é fazer de CTS (Ciência-Tecnologia- aprendizagem de conceitos” (Brasil,
alfabetização científica. Sociedade), o qual passa a ser 1998 p. 201).
Santos (2007) nos afirma que designado por CTSA (Ciência, A concepção de Educação Am-
Tecnologia, Sociedade e Am- biental que compartilhamos parte do
[...] o letramento dos cida- biente). [...] Esta perspectiva princípio de que não há ciência sem o
170 dãos vai desde o letramento do movimento CTSA aliada homem, seu trabalho e a natureza, e
no sentido do entendimento a uma proposta educacional que os conteúdos e conceitos devem
de princípios básicos de fe- dialógico-problematizadora [...] ser considerados instrumentais bási-
nômenos do cotidiano até a permite que o conhecimento cos para a compreensão da relação
capacidade de tomada de químico seja trabalhado jun- Natureza, Conhecimento e Sociedade
decisão em questões relativas tamente com uma formação (Pedrini, 2000).
a ciência e tecnologia em que crítica, conduzindo à reflexão O objetivo deste trabalho é relatar
estejam diretamente envolvi- sobre suas implicações sociais a nossa experiência na elaboração e
dos. (p. 475) e ambientais. Desta forma, no aplicação de uma proposta de ensi-
decorrer do processo ensino e no de química que desenvolvemos
Diariamente são apresentados às aprendizagem, possibilita-se o em seis turmas de 3ª série do ensino
pessoas, consumidores em potencial, desenvolvimento da capacida- médio, no qual buscamos incorporar
uma série de produtos sobre os quais de de se posicionarem critica- as ideias de CTSA, letramento cientí-
é necessário uma es- mente frente aos fico, abordagem problematizadora e
colha. É necessário Nestes últimos anos, problemas atuais, do cotidiano no Ensino de Química.
decidir quais devem não observamos tanto em nível glo- O fio condutor de nossas atividades
ser adquiridos e que mudanças significativas bal quanto aos re- foi um estudo e uma reflexão sobre
critérios devem ser na prática docente lacionados à sua a degradação do Rio Cachoeira
levados em consi- em relação ao ensino realidade cotidia- provocada por esgotos domésticos
deração nesta toma- disciplinar, conteudista e na, articulando e a questão do consumo e da pro-
da de decisão. Essa descontextualizado como o conhecimento dução de sabões e detergentes na
decisão poderia ser foi sinalizado já na década químico às ques- cidade de Itabuna (BA). A proposta
tomada levando em de 1990. tões sociais e am- foi construída por meio de uma par-
consideração não bientais. (Resseti, ceria entre uma escola pública de
só a eficiência dos 2008, p. 5-6) educação básica (Centro Integrado
produtos para os fins que se dese- Oscar Marinho Falcão – CIOMF)
jam, mas também seus efeitos sobre A ausência de um referencial e uma universidade pública (Uni-
a saúde, seus efeitos ambientais, pedagógico teórico-conceitual para versidade Estadual de Santa Cruz
seu valor econômico, as questões subsidiar as práticas em Educação – UESC) num projeto de formação
éticas relacionadas à sua produção Ambiental é, ainda hoje, uma im- inicial e continuada de professores
e comercialização. Por exemplo, em portante questão. Um marco muito de química (PROEXT/2007-MEC-
nossa proposta, consideramos o importante foi a inclusão da ques- SESu) e desenvolvida no segundo
consumo e a produção de sabões e tão ambiental na Lei de Diretrizes e semestre letivo de 2007 e 2008,

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contando com a participação de 250 em um grupo de estudos de ensino realizamos uma série de atividades
alunos. A escola em questão está de química na UESC. com o objetivo de os alunos fazerem
localizada no município de Itabuna A maioria das atividades foi rea- relações entre o conhecimento quí-
(BA), importante polo comercial da lizada no laboratório de ciências da mico, a tecnologia e suas atitudes
região cacaueira. escola, que conta com um amplo e implicações na sociedade. Primei-
O problema em questão, a degra- espaço, várias bancadas e muita ramente fizemos uma apresentação
dação do Rio Cachoeira e o consumo vidraria e reagentes que, segundo na sala de aula (data show), em que,
e a produção de sabões e detergen- os alunos, nunca tinham sido utiliza- por meio de figuras (matéria-prima de
tes, foi escolhido por permitir estabe- dos durante todo o tempo em que sabões e detergentes) e da analise
lecer as relações entre os conceitos estavam nessa escola. A maioria de rótulos de sabões e detergentes
químicos e as questões ambientais das atividades propostas é de fácil industrializados, iniciamos um es-
e, desse modo, conscientizar nossos execução, não necessitando de ma- tudo sobre as transformações que
estudantes da importância e do papel terial específico, e pode, na maioria ocorrem com os materiais, o meio
do rio em nossa cidade, de como a dos casos, ser realizada em escolas ambiente, as técnicas de fabricação
química pode nos auxiliar e manter onde não há laboratórios de ciências. etc. Apresentamos também tabelas
uma nova relação como o meio Algumas atividades podem ser exe- com dados relacionados às pro-
ambiente e de que fazemos parte cutadas até mesmo na sala de aula priedades físicas dos ácidos graxos
desse meio. por meio de materiais alternativos e usados na fabricação de sabões.
do uso de criatividade e, nesse ponto, Após essa apresentação, solicita-
Desenvolvimento das atividades os alunos sempre nos surpreendem. mos que os alunos relacionassem a
Optamos por descrever o de- estrutura dos ácidos graxos com as
senvolvimento por etapas e não por Etapa 1. Levantar ideias que os propriedades físicas. Nessa etapa,
aulas por termos verificado que o alunos tinham sobre meio ambiente, procuramos dar novos significados
tempo gasto no desenvolvimento da uso racional da água e, principal- à palavra transformação, proporcio-
atividade depende muito da interação mente, semelhanças e diferenças nando aos estudantes atividades no
professor-aluno. Se, em uma mesma entre sabões e detergentes. Esse qual eles deveriam ser capazes de 171
escola e em diferentes turmas, houve levantamento foi realizado por meio estabelecer relações entre a estrutura
essa diferença, é necessário dar tem- de questionário com questões aber- dos compostos e as propriedades fí-
po para que os alunos sejam capazes tas e fechadas. Na mesma aula, sicas e, principalmente, compreender
de estabelecer as devidas relações. identificamos as ideias que os alunos o impacto ambiental provocado pelo
Procuramos, no apresentaram sobre descarte, em local inadequado, dos
desenvolvimento de Não trabalhamos apenas os essas questões e resíduos provenientes da utilização
cada etapa, coletar conhecimentos específicos, iniciamos uma refle- de sabões e detergentes.
dados para que pu- mas também maneiras de xão sobre cada uma
déssemos analisá- organizar o pensamento, delas. Nessa etapa, Etapa 3. Os estudantes identificam
los e refletir sobre de tomar decisões a partir foi possível identificar em suas comunidades processos
eles. Os dados foram de estatísticas e de saber que os estudantes caseiros de fabricação de sabão. Na
coletados nos pré- organizar e coletar dados, não se veem como aula, os alunos tiveram que identifi-
testes que solicitá- interpretando-os, dispondo- responsáveis pela car os reagentes e as quantidades e
vamos aos alunos os e avaliando-os. degradação do Rio comparar esses processos com os
que respondessem Cachoeira, não têm encontrados em livros didáticos e na
antes de iniciarmos a mínima ideia para internet. No laboratório, para cada
cada etapa (problematização e le- onde vão os esgotos domésticos, grupo, foi proposta a produção de
vantamento das ideias prévias dos muito menos das consequências sabão com diferentes reagentes e
estudantes – leitura do problema que provocam na biodiversidade do diferentes processos. Foi fabricado
por meio do conhecimento que já rio. As questões versavam sobre o sabão a frio com óleo de coco, óleo
possuem). Ao final de cada etapa destino dos resíduos de suas resi- de soja, sebo de boi, gordura de por-
realizada, solicitamos aos estudan- dências, de onde vinha a água que co e abacate, todos em solução de
tes que respondessem a algumas usavam, o que faziam com os óleos hidróxido de sódio e com aumento da
questões (aplicação dos conceitos e as gorduras após o uso na culinária, temperatura. Trabalhamos a questão
abordados na atividade – nova leitura se costumavam ler os rótulos dos dos cálculos estequiométricos e da
do problema). Também coletamos produtos adquiridos no comércio, se solubilidade de determinados com-
dados nos relatórios apresentados sabiam a diferença entre um sabão e postos em diferentes solventes e em
pelos estudantes ao final da atividade um detergente etc. diferentes temperaturas.
e de nossas observações no dia a dia
em sala de aula. Esses dados foram Etapa 2. Uso de sabões e de- Etapa 4. Verificação da ação e
organizados após o encerramento da tergentes e suas implicações tec- qualidade de sabões e detergentes.
atividade e levados para discussão nológicas e sociais. Nessa etapa, Nessa etapa, realizamos duas ativi-

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dades experimentais. Na primeira, e detergentes, foi proposta uma primeiro ponto de coleta deveria ser
o objetivo era que os alunos com- atividade no qual os estudantes alguns quilômetros antes da cidade
preendessem a ação dos sabões deveriam analisar e identificar qual o de Itabuna, três pontos dentro do
e detergentes e como essa ação conceito de pH que é veiculado nos perímetro urbano e os demais a cada
também pode provocar danos ao rótulos e/ou comerciais dos produ- cinco quilômetros, até a aproximação
meio ambiente. Realizamos a ativi- tos. Para realização dessa atividade, da região estuarina no município de
dade proposta por Fonseca (1993, fundamentamo-nos na proposta Ilhéus. Ao todo, foram dez pontos de
p. 110) que consiste em colocar pó de Jimenez Liso e cols. (2000) em coleta de água.
de giz sobre a superfície da água em que discutem a influência da mídia Após a coleta das amostras, as
um béquer e realizar sobre as ideias dos garrafas devem permanecer abertas
as observações ini- estudantes sobre por 15 minutos e depois fechadas
A química trabalhada no
ciais. Ao estabilizar pH, ácidos e bases. e armazenadas no laboratório até
contexto escolar precisou
o sistema, colocam- Nesse trabalho, os a próxima semana. Passado esse
assumir a tarefa de
se algumas gotas autores identificaram tempo, as garrafas foram abertas e,
preparar cidadãos para
de detergente ou de muitas coincidên- em vez de recolher o sólido marrom
uma sociedade cada vez
solução de sabão e cias entre os anún- avermelhado (ferrugem) por filtração,
mais permeada pela ciência
realizam-se novas cios e as ideias dos como sugerido pelos autores, opta-
e suas tecnologias.
observações. A partir estudantes. Também mos por lavar e secar a palha de aço
dessas observações, apresentam uma se- (ferro) que estava em excesso na gar-
iniciamos uma discussão sobre rie de atividades sobre como usar os rafa PET e, por diferença, calcular a
tensão superficial e as implicações anúncios para trabalhar os conceitos quantidade que efetivamente reagiu.
da ação dos sabões e detergentes de pH e de neutralização. Fazer o Por meio dessa pequena alteração,
nas águas do Rio Cachoeira e na confronto entre as concepções dos também foi possível determinar a
sua biodiversidade. Também, a par- alunos, as expressas nos anúncios e quantidade de oxigênio dissolvido
tir da estrutura química de alguns os conceitos científicos foi um traba- em água sem ter uma estufa, filtro
172 sabões e detergentes e de suas lho muito relevante. a vácuo e acetona no laboratório da
propriedades físicas, procuramos escola.
discutir o significado de termos Etapa 6. Determinação simples de
como eutrofização, bio e da não oxigênio dissolvido em amostras de Etapa 7. Elaboração de relatórios
biodegradabilidade. Solicitamos água do Rio Cachoeira. Realizamos sobre a situação verificada do Rio
que os alunos apresentassem notí- essa atividade com base na propos- Cachoeira, apresentando todos os
cias sobre desastres ambientais em ta de Ferreira e cols. (2004), com resultados obtidos nas atividades
rios, lagos, mares e estabelecessem pequenas modificações, no sentido desenvolvidas nas aulas de química.
algumas relações com a atividade de adequar as análises com o ma- Esse relatório teve como objetivo ava-
experimental. Nessa etapa, também terial que tínhamos no laboratório da liar como os estudantes estabelecem
analisamos a qualidade dos sabões escola. Inicialmente seguimos o pro- relações entre os conceitos químicos
produzidos e comparamos com os cedimento de pesar vários pedaços e as questões ambientais abordadas
sabões comerciais. Na determinação de palha de aço de aproximadamente na sala de aula.
da qualidade dos sabões e deter- 1,5 g cada – um para cada ponto de
gentes, usamos a atividade proposta coleta de água do Rio Cachoeira –, e Resultados
por Bittencourt Filha e cols. (1999), com o auxílio de um bastão de vidro, Percebemos que nossos alunos
no qual propõem uma avaliação da cada um dos pedaços já pesados tornaram-se mais críticos e reflexivos
qualidade de detergentes a partir do deve ser introduzido em uma garrafa quanto à importância da química na
volume de espuma formado. “Este PET de 2L. Solicitamos que cada gru- vida de cada um deles. Os diálogos,
experimento permite que, a partir de po de alunos coletasse uma amostra quase inexistentes durante as aulas
uma simples reação de formação de em diferentes pontos desse rio. O de química, tornaram-se frequentes;
espuma, a propriedade emulsificante
de sabões e detergentes possa ser Tabela 1: Ideias prévias sobre a composição de sabões e detergentes.
percebida e comparada” (p. 43).
Avaliamos a qualidade dos sabões Categorias Sabões (%) Detergentes (%)
que foram produzidos no laboratório
Não sabe ou não responderam 57,14 68,67
bem como dos sabões e detergentes
comerciais encontrados no super- É feito de glicerina 14,28 4,76
mercado do bairro. Feito de gorduras animal e vegetal 14,28 4,76
Produtos químicos 7,14 19,05
Etapa 5. Medindo o pH de algumas
Respostas evasivas (não consideradas, sem 7,14 4,76
amostras de sabões e detergentes. relação com o tema)
Antes de verificar o pH dos sabões

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Tabela 2: Diferença entre sabões e detergentes na visão dos alunos.
as saídas durante as aulas diminuí-
ram drasticamente; e, talvez, o que
mais nos afetava quando tocava a Categorias Alunos (%)
campainha, indicando o final da aula
Não sabem ou não responderam 42,85
de química, era quando os alunos
gritavam em coro “Graças a Deus!” Sabão é sólido e detergente é líquido 26,19
– palavras que sempre nos incomo- Composição 9,53
dava e nos deixava muito chateados, Detergente é mais eficiente 4,76
pois todo nosso esforço e dedicação
Sabão tem mais utilidade do que o detergente 7,14
não eram reconhecidos –, foi substi-
tuída por frases como “já acabou a Respostas evasivas (sem relação com o tema) 9,53
aula!”, “nossa, que rápido! Nem vi a
hora passar”. e esse fato é justificado devido a sua em proveito próprio como foi identifi-
Durante as atividades, procu- embalagem ser de plástico e, portan- cado em alguns rótulos. Por exemplo,
ramos sempre fazer com o que o to, descartável. Para nós, ficou muito no rótulo de um xampu comercial (pH
aluno expusesse o seu pensamento. evidente que os estudantes tinham 5,5), foi possível verificar a seguinte
Procuramos promover uma ampla muita dificuldade para discutir e apre- informação: “Brilho, força, elasticida-
participação e envolvimento destes, sentar argumentos consistentes tanto de e cabelos saudáveis. Para conse-
conduzindo a argumentação em sobre os sabões como detergentes. guir que os fios recuperem sua força
classe – entre professor/alunos e O importante foi perceber que, e elasticidade é necessário um pH
alunos/alunos. Coletamos dados por logo nas primeiras etapas, essas difi- natural e as vitaminas fortalecedoras
meio da aplicação de questionários culdades iam sendo superadas. Veri- dos xampus “X”.
com questões abertas e fechadas ficamos que, ao final das etapas 1, 2 e O problema nessa informação é
antes e após a execução de cada 3, mais de 93% dos alunos já sabiam que passa a ideia de pH= 5,5 como
atividade, de modo a valorizar seus diferenciar sabões de detergentes sendo pH natural e relaciona esse
conhecimentos, suas ideias prévias, pela composição destes e também valor com a força proporcionada ao 173
sempre procurando avaliar, em cada prever se o sabão, feito a partir de cabelo. Debater com os alunos o que
atividade, como eles estavam rela- determinado reagente, estaria na significa termo natural e discutir se o
cionando a nova informação com fase sólida ou líquida em temperatura pH do produto pode ser considerado
o conhecimento que já possuíam ambiente. Ao final dessas etapas, já “natural”, como afirma a publicidade,
sobre o tema. Essa etapa foi mui- era possível perceber permitiram uma am-
to importante, pois nos apontava que os estudantes pliação do conceito
Ao lidar cotidianamente
aspectos e conceitos sobre os tinham modificado de ácido/base, de
em salas de aula com
quais devíamos nos aprofundar suas ideias tanto pH, de neutraliza-
conteúdos do dia a dia
mais. Indicava-nos, também, de sobre sabões como ção e até de solução
do aluno, a química
que estávamos conseguindo atingir detergentes, ou seja, tampão.
pode muito contribuir
nossos objetivos, que estávamos no passaram a fazer uso Na análise do
para desenvolver nos
caminho certo. dos termos científi- rótulo de um sabão
estudantes uma nova leitura
Logo nas primeiras aulas, foi pos- cos (letramento cien- em pó comercial
do mundo para poderem
sível observar uma grande evolução tífico) nas suas ex- (pH não informa-
atuar conscientemente na
nas ideias dos estudantes. plicações, previsões do pelo fabricante),
sociedade em que vivem.
Na Tabela 1, é possível observar e conclusões. Nas identificamos a se-
que a maioria dos estudantes não outras etapas, deve- guinte informação:
sabe a composição nem de sabões ríamos apenas ampliar essas ideias. “Controle de acidez. Outros sabões
e muito menos de detergentes. Nas etapas 4, 5 e 6, os alunos contém um ácido que pode danificar
Ao serem questionados sobre as tiveram a oportunidade de usar e sua roupa mas o sabão ‘Y’ mantém o
diferenças entre sabões e detergen- aperfeiçoar algumas tecnologias de nível de acidez adequado e conserva
tes, os estudantes responderam de produção e de análise da qualidade as fibras fortes e brancas por mais
acordo com a Tabela 2, o que eviden- de sabões e detergentes. Tiveram tempo”.
cia a dificuldade que eles apresentam que organizar dados e de fazer rela- Nessa informação, foi possível
para diferenciar esses dois materiais. ções entre os dados obtidos experi- perceber que o fabricante sugere
Os poucos que tentaram responder mentalmente e os descritos no rótulo que os sabões em pó são ácidos e
identificam sabões como sólidos e pelo fabricante para construírem ar- que, para roupa, ácidos causam da-
detergentes como líquidos. Fato que gumentos na tentativa de elaboração nos (ideia de diversas campanhas).
nos chamou muito atenção diz res- de modelos explicativos. Também A discussão na sala de aula acon-
peito a quem polui mais: Sabões ou puderam perceber como a indústria teceu no sentido de eliminar a ideia
detergentes? A grande maioria (92%) se apropria dos conhecimentos cien- de que os ácidos são fortes (mensa-
respondeu que o segundo polui mais, tíficos e, muitas vezes, manipula-os gem veiculada pelo fabricante) e de

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São ações, de certo modo sim-
ples, mas que nos fazem acreditar
que é possível um melhor processo
de ensino e aprendizagem em quí-
mica e, ao mesmo tempo, promover
mudança de atitude em aulas de
química. Para nós, ficou claro que os
estudantes estavam conseguindo
relacionar o conhecimento científico
com o contexto em que estavam inse-
ridos, ou seja, estavam fazendo uma
Gráfico 1: Variação da concentração de oxigênio dissolvido no Rio Cachoeira entre os nova leitura da degradação ambiental
municípios de Itabuna e Ilhéus. do Rio Cachoeira, agora por meio do
conhecimento químico.
grande influência nas concepções dentro do perímetro urbano; as 6, 7, 8,
dos estudantes. As atividades de entre Itabuna e o bairro do Salobrinho, Conclusão
analise do pH de diferentes amostras localizado a 14 Km de Itabuna; e as 9 Todo nosso trabalho só foi possí-
com indicadores naturais (extrato e 10, no bairro Salobrinho e no Banco vel pela parceria estabelecida entre
de repolho roxo e/ou beterraba), da Vitória, localizados às margens do a escola pública e a universidade e
segundo a proposta do Grupo de Rio Cachoeira. Os próprios alunos, ao na articulação entre a formação con-
Pesquisa em Educação Química analisarem o gráfico, ficaram bastante tinuada (professores da rede pública)
(GEPEQ, 1998a, p. 15) e da força surpresos com a variação do oxigênio e a formação inicial (licenciandos) de
de ácidos e base (GEPEQ, 1998b, p. dissolvido na água do rio quando professores de química.
34), permitiram, em grande parte, a cortam algum centro urbano, ou seja, Apesar de todo trabalho extra
superação dessas concepções que como a atividade humana interfere na que tivemos: desde o preparo do
174 os alunos apresentavam. Experimen- qualidade da água. Outro aspecto laboratório, as saídas de campo para
to simples como o de colocar pó de que foi possível perceber é que, ao coletar as amostras e, principalmen-
giz em um copo de água, depois, se afastar dos centros urbanos, o te, da mudança de postura em sala
colocar uma gota de detergente e rio parece se autorrecuperar, pois a de aula, tudo isso é compensado
observar o fenômeno (diminuição quantidade de oxigênio dissolvido pela certeza de que não trabalhamos
da tensão superficial da água) e o volta a aumentar. apenas os conhecimentos espe-
estabelecimento das relações do Na última etapa, nosso objetivo cíficos, mas também maneiras de
conhecimento científico (ligações era realizarmos uma avaliação, mas organizar o pensamento, de tomar
de hidrogênio) com a questão do fomos muito além de uma simples decisões a partir de estatísticas e
material em suspensão na água e a avaliação. Nos relatórios, identifica- de saber organizar e coletar dados,
cadeia alimentar dos peixes no Rio mos comprometimento com algumas interpretando-os, dispondo-os e
Cachoeira nos surpreendeu mais do atitudes que eles estavam planejando avaliando-os. Assim, a química
que esperávamos. Tal fato nos indica em suas comunidades para minimi- trabalhada no contexto escolar pre-
que se as atividades em sala de aula zar os impactos ambientais no Rio cisou assumir a tarefa de preparar
forem abordadas dentro de um con- Cachoeira: cidadãos para uma sociedade cada
texto significativo, a aprendizagem é vez mais permeada pela ciência e
mais eficaz. a) Lavar a louça com a torneira suas tecnologias e, ao lidar coti-
Talvez, o resultado que mais fechada e só depois enxaguar; dianamente em salas de aula com
chamou a atenção dos estudantes b) Enquanto toma banho, ao usar conteúdos do dia a dia do aluno, a
foi a questão da determinação do xampu e sabonete, fechar a química pode muito contribuir para
oxigênio dissolvido em água. Cada água do chuveiro. Isso econo- desenvolver nos estudantes uma
grupo realizou a determinação de sua miza água e os sabões terão nova leitura do mundo para poderem
amostra e, ao construírem um gráfico mais tempo para agir e formar atuar conscientemente na sociedade
com a variação do oxigênio dissolvi- as micelas; em que vivem.
do ao longo do rio (Gráfico 1), ficou c) Não jogar óleo de frituras no ralo Foi muito gratificante para nós,
evidente, na própria análise que eles da pia; professores, e para os estudantes tra-
fizeram do gráfico, que eles também d) Conscientizar as pessoas pra balhar o conteúdo químico por meio
são responsáveis pela degradação não ligar a rede de esgoto na de um tema de relevância ambiental
do Rio Cachoeira, pois o oxigênio dis- rede fluvial. e social, problematizando e estabe-
solvido na água cai significativamente e) Ler com atenção os rótulos lecendo relações com determinados
ao atravessar o centro urbano. dos produtos industrializados conceitos químicos e favorecendo
As amostras 1 e 2 foram coletadas e escolher produtos que sejam uma aprendizagem mais enriquece-
antes do centro urbano; as 3 e 4, biodegradáveis. dora e significativa.

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A proposta apresenta algumas bimestres. A principal crítica, tanto de cidadã, mais contextualizada, mais
limitações, pois não é possível dar alunos, pais e da direção da escola, interdisciplinar e menos conteudista
conta de uma série de conceitos é que esses estudantes não estavam e disciplinar.
que geralmente são abordados na sendo preparados para o vestibular.
3ª série do ensino médio, havendo Por outro lado, ao vermos nossos alu-
apenas um maior aprofundamento e nos discutindo, apresentando fortes Elaine Maria Figueiredo Ribeiro (elainefigueiredo5@
ig.com.br), licenciada em Ciências com habilitação
uma melhor compreensão em apenas argumentos por meio das evidências
em Química pela UESC, é professora de química do
alguns conceitos. O desenvolvimento observadas, da capacidade de esta- Colégio Estadual Oscar Marinho Falcão em Itabuna
da proposta e de todos os seus des- belecer relações, do “pouco”, mas (BA). Juliana de Oliveira Maia (julianamaia14@ho-
dobramentos leva um tempo consi- significativo conhecimento químico e tmail.com) é licencianda em química e bolsista de
derado muito longo e, ao se tratar de da capacidade de realizar novas lei- extensão (PROEX) em projeto de formação inicial
uma escola pública, incluem-se todos turas e interpretações sobre a degra- e continuada de professores na UESC. Edson José
Wartha ([email protected]), licenciado em
seus entraves que vão desde greves, dação ambiental do Rio Cachoeira,
Química pela UFSC, mestre em Ensino de Ciências
falta de material, de professores, de deixa-nos com a certeza de estarmos (modalidade Química) pela USP, é doutorando em
apoio da direção etc. Essa proposta caminhando na direção de uma edu- Ensino de Ciências (modalidade química) pela USP e
foi desenvolvida em mais de dois cação mais problematizadora, mais professor assistente do NQCI da UFS, Itabaiana (SE).

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Abstract: The environmental subjects and the chemistry of the soaps and detergents. This paper reports experiments on the development of a proposal of thematic teaching in Chemistry the ap-
proach of environmental subjects related to the use of soaps and detergents, produced and implemented in classroom by the Project of Initial and Continuous Formation of Teachers of Chemistry
(PROEXT/2007/MEC-SESU). The proposal articulates the chemistry content to the thematic approach, enabling the discussion of socio-scientific aspects, environmental and the comprehension of
chemical processes in the social context and the development of attitudes and values related to citizenship.
Keywords: soaps and detergents, environmental degradation, chemistry teaching.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA As Questões Ambientais e a Química dos Sabões e Detergentes Vol. 32, N° 3, AGOSTO 2010

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