Serpentine Pavilion de Smiljan Radic
Serpentine Pavilion de Smiljan Radic
Serpentine Pavilion de Smiljan Radic
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.219/7097
As pedras de Smiljan Radic
Desenho de Caroline Anseloni
Do conto ao projeto
A arte literária tem estreitado, cada vez mais, sua relação com o homem, mesmo
diante das inúmeras mudanças ocorridas no percurso da história. Desde os primórdios,
como ciência e representante social, a literatura mantém seu caráter artístico,
permite que as palavras assumam vida própria com novas significações e
representações, manifestando sua legitimidade enquanto arte por meio da ficção (4).
A partir da interpretação do conto O Gigante Egoísta, Radic desenvolve em 2010 uma
série de exercícios projetuais e maquetes que resultam em um modelo experimental,
este, quatro anos depois, com algumas modificações e adaptações se tornou o projeto
do pavilhão da Serpentine Gallery. No conto infantil de Wilde, ao retornar ao seu
castelo depois de sete anos na casa de um amigo, o gigante encontra crianças
brincando em seu jardim, furioso as proíbe de retornar e constrói um muro em volta
do lugar. Passados alguns anos, o jardim, antes repleto de flores e pássaros, é
encoberto pela neve e pelo frio. O gigante percebe que quem fazia do jardim um
lugar bonito e agradável eram as crianças e então, destrói o muro para que elas
voltem a brincar nele.
Analisando a narrativa literária como processo criativo, pode-se identificar
objetivamente alguns elementos estruturais, como tempo, espaço, enredo, personagens
e narrador, tais elementos, a partir da interpretação do conto, tornam-se passíveis
de inserção no discurso arquitetônico. Para entender esta associação da literatura
com a arquitetura, no livro Os olhos da pele, Juhani Pallasmaa descreve:
"A arquitetura é nosso principal instrumento de relação com o espaço e tempo,
e para dar uma medida humana a essas dimensões ela domestica o espaço ilimitado
e o tempo infinito, tornando-o tolerável, habitável e compreensível para a
humanidade. Como consequência desta interdependência entre o espaço e o tempo,
a dialética do espaço externo e interno, do físico e do espiritual, do material
e do mental, das propriedades inconscientes e conscientes em termos de sentido
e de suas funções e interações relativas tem um papel essencial na natureza
das artes e da arquitetura" (5).
A materialidade deste volume é caracterizada pela "pele" que o envolve, uma casca
leve de fibra de vidro, semitransparente, com aspecto frágil que cria variadas e
inusitadas relações.
Lá fora, os visitantes vão ver uma casca frágil suspensa sobre grandes pedras. Esta
concha - branca, translúcida e feita de fibra de vidro - abrigará um interior
organizado em torno de um pátio vazio, onde o entorno natural aparecerá mais baixo,
dando a impressão de que o volume está flutuando. À noite, graças a casca semi-
transparente, a luz âmbar irá atrair a atenção dos visitantes, como um abajur atrai
as mariposas (13).
Durante o dia, essa relação entre a pele e a luz se inverte, vê-se o exterior opaco
e um interior aceso pela luz solar, fornecendo experiências diferentes de acordo
com o horário em que é visitada. A fina espessura de doze milímetros, ressalta a
tecnologia do material empregado no volume, cujas aberturas derivam da planimetria
de roupas de uma revista alemã que foram colocadas de forma aleatória. Segundo
Radic, se as perfurações fossem desenhadas uma a uma por ele, o processo levaria
muito tempo, o qual, devido a proposta de pavilhão efêmero, eles não tinham.
Identifica-se, portanto, a capacidade de Radic em transitar entre outras áreas do
conhecimento e de se apropriar destes saberes ao incorpora-los como elementos de
seu processo criativo, utilizando-os como soluções projetuais inusitadas.
A leveza do volume tecnológico se contrapõe à densa massa das pedras nas quais ele
se apoia, locadas uma a uma pelo arquiteto no terreno estabelecido temporariamente
para esta obra. Este embasamento, se é que se pode denomina-lo assim, nos remete
ao primitivo, fazendo analogia as ruínas da folie que antes existia neste projeto
só pela loucura da forma e agora com as pedras, incorpora o aspecto de ruina. A
pedra, elemento encontrado em outros trabalhos do arquiteto, o interessa
conceitualmente por trazer uma carga histórica e geológica, conferindo ao edifício
certa aparência de provado no tempo.
O vazio interno se torna acessível no momento em que a obra é elevada pelas pedras,
combinando as noções de espaço interior e exterior. O visitante ao acessar o pátio
interno, se sente dentro do edifício, enxerga o exterior através das grandes
aberturas, mas por ali, não é capaz de entrar. Como em um castelo medieval o acesso
é único pelo exterior, podendo ser, caso necessário, controlado.
Cada pedra escolhida e inserida nesta nova topografia nos parece sempre ter estado
lá. Não se imagina que houve um movimento de terra para recebê-las junto ao restante
do pavilhão. O leve e o pesado se complementam, e neste sentido, a arquitetura
segue o curso da natureza, da gravidade, onde o leve é sustentado e estruturado
pela massa densa ligada ao solo. A natureza serve como estrutura e o único pilar,
no formato de apoio tradicional, desaparece. A estrutura torna-se parte desta
paisagem que nos parece natural, paisagem essa, totalmente artificial e controlada.
Como na arte conceitual, sacode os sentidos e os conceitos, mas não precisa tornar
a forma complexa para isso. Instala um ir e vir de ideias e associações, mas esta
instabilidade aparece somente quando se tenta conceitualizar-la e busca-se uma
explicação integradora dela. Este não costuma ser o caso (não tem nem por que ser-
lo) nem de quem a habita, nem de quem a aprecia (14).
Neste contexto, o olhar do arquiteto se volta para o lugar, agora em seu sentido
fenomenológico como local onde o homem habita. Para Radic, o importante é a
atmosfera interior vivenciada em seu projeto e não o seu resultado formal, como
acima retrata Alejandro Crispiani. Desta forma encontra na experiência do usuário
a capacidade de transformar o espaço em lugar, que segundo Norberg-Schulz é a
“concreta manifestação do habitar humano” (15) e, por sua vez, é a partir da
experiência vivenciada que o projeto se relaciona com o local onde está implantado.
Do lugar à experiência
Segundo Montaner, "a experiência contemporânea tem a ver com a interpretação do
subjetivo, da participação e do testemunho humano" (16). No caso do pavilhão, a
experiência do visitante se inicia na chegada, ao se deparar com esta concha
semelhante a uma nave vinda do futuro, que escolheu as ruínas para aterrissar. Um
visitante que desconhece este lugar e o trabalho do arquiteto, provavelmente entende
estas pedras como elementos existentes do lugar e não da obra. Desta forma o lugar,
que neste caso é formado pelas pedras com seus distintos formatos, recebe o novo
volume de forma orgânica, transmitindo uma sensação de pertencimento, como se ele
sempre estivesse ali. A tecnologia presente na concha precisou ser empregada devido
a vontade de aparência de papel machê que Radic buscava ao ampliar para a escala
real o volume que até então era maquete. Como em um protótipo de obra de arte, o
material deveria ser o mesmo; visto que não era possível, ao menos a aparência de
ser feito a mão necessitava ser mantida.
"Os ambientes nos passam a sensação de que o volume está quebrado e temos uma
relação muito boa com o clima e com a paisagem [...] e sentimos, ao mesmo
tempo, o exterior. E o tempo é comprimido nesses ambientes. É um mecanismo.
Mas ao mesmo tempo ele passa a sensação de, como diríamos? - Brutalismo: forte
e cru" (19).
Este pavilhão, cujo programa original era o de abrigar eventos durante o verão,
termina por proporcionar uma experiência multissensorial, que o visitante descobre
em seu percurso circular pelo projeto. O espaço vivenciado, que em sua essência,
não deixa de ser um refúgio fechado em si mesmo, opaco e voltado para um pátio
interno, contempla todos os sentidos que puderam ser percebidos, consciente ou
inconscientemente, pelas pessoas que por ali passaram durante os três meses.
Considerações finais
Ao propor esta investigação sobre o Serpentine Pavilion, procurou-se entender parte
do processo de criação e do método de trabalho de Smiljan Radic. O discurso que
divide o seu método de trabalho em narrativa, modelo experimental e objeto
arquitetônico, nos parece, em um primeiro momento, aleatório e estranho pela
distinção aos métodos tradicionais de projeto. Entretanto, no decorrer da análise,
o método se revela coerente e criativo, resultando em um projeto comovente que
cumpre com o seu propósito de forma inusitada.
Esta metodologia proporciona um novo olhar para o partido arquitetônico, sua relação
com o lugar e com as experiências idealizadas por Radic, desde a concepção até a
apropriação do projeto. Desta maneira, o arquiteto apresenta possibilidades e
caminhos que transformam e ampliam a forma com que se enxerga e se projeta
arquitetura.
notas 1
Desde 2000, a Serpentine Gallery elege anualmente um arquiteto para a realização de um
pavilhão em aproximadamente seis meses, a ser instalado no mesmo terreno do Hyde Park.
O pavilhão fica exposto por aproximadamente três meses, abrigando eventos sociais que
proporcionam a interação com a música, com a arte e com a arquitetura. Após este período,
o pavilhão, assim como uma obra de arte, é vendido e instalado em outro lugar.
2
WILDE, Oscar. El gigante egoísta. Valência, NoBooks, 2011.
3
A primeira edição da conferência Distância Crítica ocorreu em 2012 no congresso Lisbon
Architecture Trienalle em Portugal. O programa inclui um ciclo de conferências em que
os arquitetos convidados apresentam alguns de seus projetos e depois dialogam com
críticos de arquitetura. Na segunda edição, em janeiro de 2015, após se apresentar,
Radic realizou debate com o arquiteto português Joaquim Moreno.
4
JACOB, Márcia Ferreira; SENA, Poliana Brito; PINTO, João Rodrigues. Diálogos e
recriações na arquitetura narrativa literária e cinematográfica de Cidade de
Deus. Litterata – Revista do Centro de Estudos Portugueses Hélio Simões, v. 1, n. 2,
Ilhéus, 2012, p. 176.
5
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre, Bookman,
2011, p. 16-17.
6
ROCHA, Paulo Mendes; VILLAC, Maria Isabel. América, cidade e natureza. São Paulo,
Estação Liberdade, 2012, p. 39.
7
RADIC, Smiljan. Conferência de Smiljan Radic e diálogo com Joaquim Moreno. Segunda
edição da conferência Distância Crítica. Lisboa, jan. 2015
<https://www.youtube.com/watch?v=NDY4FsJmpIw>.
8
Idem, ibidem.
9
Idem, ibidem.
10
KRAUSS, E. Rosalind. La escultura en el espacio expandido en la originalidad de la
vanguardia y otros mitos modernos. Madrid, Alianza, 1996, p. 293.
11
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. 5ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1996, p.
17.
12
RADIC, Smiljan. Op. cit.
13
RADIC, Smiljan. Apud BASULTO, David. Smiljan Radic diseñará el Pabellón de la Serpentine
Gallery. Archdaily, São Paulo, mar. 2014 <www.archdaily.mx/mx/02-343310/smiljan-radic-
disenara-el-pabellon-de-la-serpentine-gallery-2014>.
14
CISPRIANI, Alejandro. El juego de los contrarios. El Croquis, n. 167, Madrid, 2013, p.
28.
15
NORBERG-SCHULTZ, Christian. O fenômeno do lugar. In NESBITT, Kate (Org.). Uma nova
agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo, Cosac Naify, 2006,
p. 443-462.
16
MONTANER, Josep Maria. Del diagrama a las experiencias, hacia una arquitectura de la
acción. Barcelona, Gustavo Gili, 2014, p. 175.
17
RAPPOPORT, Amos. Aspectos Humanos de La forma urbana: hacia uma confrontación de las
ciências sociales com el diseño de la forma urbana. Barcelona, Gustavo Gili, 1978, p.
52.
18
CISPRIANI, Alejandro. El juego de los contrarios. El Croquis, n. 167, Madrid, 2013.
19
RADIC, Smiljan. Conferência de Smiljan Radic e diálogo com Joaquim Moreno. Segunda
edição da conferência Distância Crítica. Lisboa, jan. 2015
<https://www.youtube.com/watch?v=NDY4FsJmpIw>.
20
NORBERG-SCHULTZ, Christian. In NESBITT, Kate (Org.). Op. cit., p. 445.
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