Pletsch PDF
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arena das disputas políticas no país. Igualmente revelam a fragilidade do sistema público para
oferecer condições de identificação e promoção de práticas educativas, com suporte pedagógico,
quando necessário, para a aprendizagem e desenvolvimento dessa população.
Palavras-chave: deficiência intelectual; políticas de inclusão escolar; práticas curriculares;
suporte pedagógico especializado.
Introdução1
Os efeitos de uma lei de educação, como qualquer outra lei, serão diferentes, conforme
pertença ela ou não a um plano geral de reformas. (...) A aplicação de uma lei depende das
condições da infraestrutura existente. [a sua aplicação depende da] adequação dos objetivos e
do conteúdo da lei às necessidades reais do contexto social a que se aplica. Enfim, a eficácia
de uma lei depende dos homens que a aplicam (Romanelli, 2010, p. 185).
Este artigo discute a escolarização de pessoas com deficiência, com ênfase para a deficiência
intelectual, no período de 1973 a 2013. Para tal, analisamos documentos federais e dados empíricos
de pesquisas realizadas, a partir de 2009, em diferentes redes de ensino da região da Baixada
Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro. Essa região possui uma população de aproximadamente
quatro milhões de habitantes, é composta por treze municípios e se caracteriza por inúmeros
problemas sociais e educacionais, baixos índices de desenvolvimento humano (IDH), precariedade
nos serviços de saúde e transporte público e violência urbana. Esses e outros problemas são comuns
às grandes metrópoles brasileiras (Pletsch, 2012, 2014).
Em termos metodológicos, empregamos os pressupostos da etnografia por nos possibilitar
uma imersão no campo por meio do uso de diferentes procedimentos de coleta de dados, como a
observação participante (registros em diário de campo), entrevistas semiestruturadas (gravadas em
áudio) e imagens de vídeo (filmagens de práticas pedagógicas em diferentes contextos escolares).
Esses procedimentos possibilitaram conhecer o campo pesquisado, descrever as práticas densamente
e interpretar as ações e relações dos atores sociais pertencentes ao grupo investigado (Pletsch e
Rocha, 2014). Os dados foram cotejados com a literatura especializada e indicadores quantitativos
produzidos por agências federais como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
A partir dessas considerações, entendemos que a escolarização de pessoas com deficiência
intelectual e a própria constituição e institucionalização da Educação Especial no Brasil, precisam ser
analisadas de forma articulada com as mudanças sociais, econômicas e políticas mais gerais pelas
quais o Brasil passou2. Outro aspecto que merece ser sinalizado se refere às diferentes categorias
historicamente empregadas para nomear pessoas com deficiência intelectual, as quais vão desde
débil, excepcional, retardado, deficiente mental e, atualmente, deficiente intelectual. Não cabe aqui
analisar os efeitos epistemológicos de tais mudanças sobre as práticas curriculares e as políticas
públicas dirigidas para essa população. Até porque, como Jannuzzi (1985) consideramos que a troca
1
Este artigo apresenta resultados de projetos financiados pela Fundação de Ampara à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Programa Observatório da Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (OBEDUC/CAPES).
2
Sobre a história da Educação Especial há vasta literatura vide, Jannuzzi (1985, 2004), Mazzotta (1987, 2005),
Bueno (2004), Lobo (2008); Mendes (2010), Rafante (2011) e Kassar (1999, 2004, 2013).
A escolarização de pessoas com deficiência intelectual DOSSIE EDUCAÇÃO ESPECIAL 4
de um termo por outro amortece temporariamente a sua conotação pejorativa, mas não
necessariamente resulta em mudanças concretas e melhoria nas condições de vida e escolarização
desses sujeitos. Para este artigo será utilizado o termo deficiência intelectual, em função das
mudanças propostas pela American Association on Intellectual and Developmental Disabilites (AAIDD,
2010) e pelo fato de figurar predominantemente nos documentos federais recentes. Todavia,
respeitaremos as nomenclaturas originalmente usadas nos documentos e nas citações dos autores
com os quais dialogamos3.
No Brasil, o entendimento das políticas educacionais para pessoas com deficiência intelectual
em curso não pode ser descolada da compreensão da história da educação brasileira em geral. A
partir dos anos de 1930, e com mais intensidade depois dos anos de 1950, a gradativa extensão da
educação se deu estreitamente ligada ao processo de industrialização e desenvolvimento econômico
do país. Até aquele momento, a imensa maioria da população não tinha acesso à escola e vivia no
meio rural. Certamente, nesse período, muitas pessoas com deficiência intelectual passaram
despercebidas, por atuarem em atividades manuais ou na agricultura, que não exigiam a leitura e a
escrita.
A institucionalização oficial da Educação Especial ocorreu em 1973, durante a ditadura
militar, com a criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) e suas Diretrizes
Básicas para a Ação (Brasil, 1974)4. Nos anos oitenta, o CENESP foi renomeado para Secretaria de
Educação Especial (SESPE), a qual foi fechada em 1990, durante o governo de Fernando Collor de
Mello. Em 1992, após a sua saída da presidência, voltou a ser chamada de Secretaria de Educação
Especial e foi extinta em 2011, quando suas ações passaram para uma diretoria dentro da Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).
Até a criação do CENESP poucas iniciativas oficiais haviam sido organizadas para atender
efetivamente as demandas das pessoas com deficiência intelectual. O CENESP objetivava coordenar
as ações políticas educacionais específicas para pessoas com deficiências e foi um marco importante,
pois deu início a ações mais sistematizadas dirigidas à melhoria e à expansão do atendimento
educacional oferecido para esses sujeitos em todas as secretarias estaduais de educação. Por outro
lado, a oferta de vagas era insuficiente e o atendimento continuava funcionando como um serviço
paralelo à educação geral, segundo o qual os alunos que não se enquadravam no sistema regular
permaneciam segregados, a maioria em instituições privadas (Brasil, 1974). Ainda sobre o CENESP
é importante destacar que a sua implementação ― assim como a reforma do ensino primário e
secundário, a reforma universitária e a profissionalização no segundo grau (atual ensino médio) ―
teve forte influência norte-americana, pois foi assessorada por técnicos da Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional, por meio dos acordos MEC/USAID (Kassar, 2013).
Foi a partir desses acordos que tivemos as primeiras iniciativas de formação de professores em
Educação Especial, as quais foram realizadas no exterior, principalmente nos Estados Unidos.
Para Glat & Blanco (2007), foi nesse período que a Educação Especial “rompeu” com o
modelo médico e adotou o modelo educacional, absorvendo os conhecimentos da psicologia da
aprendizagem, que deixavam de enfatizar a deficiência do indivíduo em favor das condições do meio
e dos recursos usados para o desenvolvimento e a aprendizagem do sujeito. É interessante observar,
3 Veltrone (2011) discute os impactos da mudança de nomenclatura de deficiência mental para deficiência
intelectual.
4 Para entender a conjuntura da criação do CENESP sugerimos a leitura de Mendes (2010).
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 5
porém, que foram os médicos os primeiros profissionais a chamarem atenção para a necessidade da
escolarização de indivíduos com deficiência, os quais, em sua maioria, encontravam-se internados
em hospitais psiquiátricos (Jannuzzi, 1985; Glat e Blanco, 2007). Talvez por tal razão, ainda hoje a
concepção clínica da deficiência esteja tão impregnada na cultura e nas práticas escolares, em
particular no que se refere à escolarização de alunos com deficiência intelectual.
Vale mencionar que, antes da criação do CENESP, houve algumas iniciativas pioneiras,
como a criação, durante o período imperial, do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atual
Instituto Benjamin Constant - IBC) e do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atual Instituto
Nacional de Educação de Surdos – INES), respectivamente em 1854 e 1857, para atender aos
interesses da família real. Infelizmente, tais iniciativas constituíram atos isolados, uma vez que não
existiam naquele período legislações e/ou diretrizes para a educação do país. Além disso, o alcance
da sua atividade era baixo. Em 1874 atendiam somente 35 alunos cegos e 17 surdos, numa
população de 15.848 cegos e 11. 959 surdos (Jannuzzi, 1985).
Durante as primeiras décadas da república pouca coisa mudou em termos de acesso à
educação, pois a economia brasileira, ainda predominantemente agroexportadora não requeria força
de trabalho qualificada. Além disso, alguns estados da federação dispensavam os alunos da
obrigatoriedade de frequentar a escola por morarem longe, por serem pobres e/ou por serem
considerados doentes ou deficientes (Pletsch, 2010). Na Constituição de 1934 ficou estabelecido que
a educação deveria ser de competência do Estado, ao qual caberia traçar as diretrizes nacionais. Esta
posição foi reiterada pela Constituição de 1937. Já na Constituição de 1946, pela primeira vez, a
educação foi reconhecida como um direito universal. Nesse período, com base nos preceitos do
pensamento evolucionista e do liberalismo, foram criadas as primeiras classes escolares especiais sob
a supervisão da inspeção sanitária para separar os “normais” dos “anormais”. Seu objetivo era
homogeneizar socialmente as classes de acordo com uma concepção europeia estritamente
organicista da deficiência (Jannuzzi, 1985). Ainda sobre esse período merece destaque a Lei e
Diretrizes de Bases da Educação de 1961 (nº. 4.024) que incluía um artigo específico sobre a
escolarização dos “excepcionais” (termo da época). Esse artigo recomendava que a educação desse
público deveria ocorrer, quando possível, no sistema geral de educação (art. 88), assim como previa
recursos públicos para instituições privadas voltadas a educação das pessoas com deficiência (art.
89).
Também merecem destaque as campanhas dirigidas a categorias específicas de deficiência,
como, por exemplo, a campanha nacional da educação do surdo brasileiro (1957) e a campanha
nacional de educação do “deficiente mental” (1960). Tais ações foram organizadas com o apoio de
instituições filantrópicas em prol dos direitos educacionais e sociais das pessoas com deficiência. Um
dos principais fatores que contribuiu para que ocorressem as campanhas foi a realização dos quatro
Seminários da Infância do Excepcional, organizadas pela Sociedade Pestalozzi, fundada nos anos
trinta em Minas Gerais por Helena Antipoff (Rafante, 2011). É preciso registrar também a criação
de diversas outras associações, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)5 no
Rio de Janeiro (1954), que, assim como a Pestalozzi, rapidamente se expandiu por todo Brasil,
dando origem à Federação Nacional das Associações dos Pais e Amigos dos Excepcionais (1963) e à
Federação Nacional da Sociedade Pestalozzi (FENASP, 1971)6. Cabe dizer que a russa Helena
Antipoff e os seus métodos orientados pela instrução recebida na Europa com a orientação de
Claparéde, veio para o Brasil em 1929 a convite do governo de Minas Gerais para trabalhar na
5
Criada a partir dos parâmetros da Associação de Assistência às Crianças Excepcionais (National Association
for Retarded Children) dos Estados Unidos.
6 Vale apontar que, em 1926, no Rio Grande do Sul, foi criado o Instituto Pestalozzi, a primeira instituição
Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico (Senna et al, 2009; Rafante, 2011; Kassar, 2013). De acordo
com esses autores a participação de Helena Antipoff na fundação do Instituto Pestalozzi influenciou
as ações ligadas à Educação Especial em todo país.
Em outras palavras, o surgimento dessas entidades teve papel decisivo na constituição da
área de Educação Especial no Brasil, muitas vezes “confundindo-se com o próprio atendimento
público aos olhos da população, pela gratuidade de alguns serviços” (Kassar, 2013, p. 46). A criação
dessas instituições se deu pela omissão do Estado em garantir os direitos educacionais e sociais
dessas pessoas, o que obrigava suas famílias a recorrem a instituições de caráter filantrópico-
assistencial. Significa dizer que a Educação Especial, no Brasil, formou-se mediante a criação de
instituições de caráter privado, sob a forma de prestação de serviços, subsidiadas com recursos
públicos (Pletsch, 2010). É o que Jannuzzi (2004) chama de simbiose parcial entre o público e o
privado, a qual, por sua vez, acaba influenciando na definição de políticas públicas para essa área. Na
atualidade, apesar das políticas para o público alvo da Educação Especial priorizarem a educação
pública, tais instituições têm se fortalecido por meio do estabelecimento de “parcerias” com o
Estado. As disputas políticas são constantes, conforme veremos adiante.
Durante a década de 1970, iniciaram-se em nível nacional os movimentos pró-integração e
normalização, sob a premissa básica de que todas as pessoas com deficiências tinham o direito de
usufruir das condições de vida mais comuns ou normais possíveis. Em linhas gerais, a integração
pregava a preparação prévia dos alunos com necessidades educacionais especiais para que
demonstrassem ter condições de acompanhar a turma no ensino regular, mediante apoio
especializado paralelo. Em outras palavras, pode-se dizer que a proposta da integração continuava
tendo como base o modelo médico da deficiência, que centrava o problema nos alunos e
desresponsabilizava a escola, a qual caberia tão-somente educar os alunos que tivessem condições de
acompanhar as atividades regulares, concebidas sem qualquer preocupação com as especificidades
dos alunos com necessidades educacionais especiais (Bueno, 2001; Mendes, 2003; Glat e Blanco,
2007; Pletsch, 2010; Kassar, 2013).
Com base nas propostas advindas desses movimentos, cresceram no Brasil as oficinas em
que os deficientes, especialmente mentais (termo da época), eram preparados para o mercado de
trabalho para a sua posterior “integração” na sociedade. Jannuzzi (2004) nos explica que nas oficinas
eram ensinadas tarefas manuais específicas, em grande medida repetitivas e pouco rentáveis
economicamente. As diretrizes para o trabalho nas oficinas foram descritas no documento intitulado
Habilitação do deficiente mental para o mercado de trabalho (Brasil, 1979), elaborado pela parceria
entre o CENESP e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo. A
proposta da profissionalização já integrava os dispositivos do Projeto Prioritário nº 35, que afirmava
“o quanto seria mais barato educar uma criança infradotada do que sustentá-la durante toda a sua
existência. Educá-la possibilitaria tornar-se útil e contribuir para a sociedade, elevando a renda
familiar” (apud Jannuzzi, 2004, p. 179). Ou seja, o enfoque pretendia tornar as pessoas
independentes, sobretudo financeiramente, mesmo que em empregos de baixa renumeração, para
diminuir os gastos do Estado. Para Souza (2013) isso evidencia que a educação se dava a partir da
teoria do “capital humano”7.
Nas escolas e classes especiais as práticas curriculares eram regidas pela Lei Federal nº 5.692
de 1971, que recomendava tratamento especial aos alunos com deficiências físicas ou mentais, assim
como “os que se encontravam em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados” (artigo 9º). Nesta direção, o currículo oferecido era considerado “especial” por
traduzir os objetivos, conteúdos, métodos e materiais de ensino ajustados às necessidades dos alunos
deficientes. Pata tal, o CENESP definiu diretrizes na “Proposta curricular para deficientes mentais
educáveis”, que avaliava e planejava as ações pedagógicas a partir dos resultados do quociente de
inteligência (QI) apresentados pelos alunos, segundo informações da AAMD8, conforme tabela a
seguir.
Tabela 1
Níveis de deficiência e de escolarização
Níveis (AAMD) Limites de QI Uso escolar
Leve 52-68 Educável
Moderado 36-51 Treinável
Severo 20-35 Treinável para profundo
Profundo ?-19 Profundo
Fonte: Mazzotta (1987, p. 22).
Cabe lembrar que o quociente de inteligência, criado em 1916, é o índice que calcula a
inteligência pela relação entre a idade mental do sujeito e sua idade cronológica (idade mental/idade
cronológica x 100) (Mazzotta, 1987; Mendes, 1995). Os testes de QI eram usados nos anos setenta e
nas décadas anteriores para justificar o encaminhamento daqueles sujeitos que apresentavam
comportamentos sociais não desejáveis para instituições ou classes especiais , assim como para
classificar os alunos em “imaturos”, “prováveis excepcionais” e “maduros” para a aprendizagem
(termos da época). Tal fato, segundo Schneider (2003) contribuiu sobremaneira para ampliar a
segregação em classes ou instituições especializadas dos alunos com deficiência intelectual e outros
que apresentassem problemas de aprendizagem.
O crescimento do número de classes especiais nas escolas públicas regulares durante os anos
de 1970 também foi reflexo da ampliação do acesso dos grupos populares ao sistema de ensino, o
qual desde sempre se apresentou a estes sujeitos com uma estrutura curricular rígida. Assim, muitos
desses sujeitos ― mais da metade da população brasileira vivia então em condições de pobreza a
extrema pobreza (Mendes, 1995) ― acabavam sendo avaliados como “prováveis alunos
excepcionais”, por apresentarem comportamentos considerados inapropriados em sala de aula. Por
isso, eram encaminhados para as classes especiais, nas quais lhes eram oferecidas apenas atividades
pedagógicas reiteradamente simplificadas. Essas classes, ao longo das décadas de 1970 e 1980,
acabaram reforçando os problemas relacionados ao fracasso escolar, evidenciando como nos diz
Ferreira (1992), a “deficiência da escola”.
Nessa direção, Mendes (1995) discute as enormes falhas nos processos de diagnóstico da
deficiência intelectual. Ainda hoje enfrentamos desafios e problemas para diagnosticar e identificar a
deficiência intelectual em função da falta de diretrizes claras e da precariedade de serviços públicos
para realizar essa tarefa. Além disso, histórica e culturalmente, o diagnóstico tem sido focado na
reabilitação e nos déficits dos sujeitos, não atuando em sintonia com as diferentes áreas para planejar
ações e suportes que contribuam com o desenvolvimento das especificidades de cada um.
Resultados de uma pesquisa etnográfica que realizamos em nove redes municipais de
educação da Baixada Fluminense evidenciaram que o laudo era uma exigência para realizar os
encaminhamentos pedagógicos. Em uma das redes de ensino constatamos que, por falta do laudo
clínico, a professora “diagnosticava” a existência ou não da deficiência intelectual a partir das
conhecidas provas piagetianas. Em outra rede, a gestora declarou que, muitas vezes, quando o aluno
8 Ao longo de sua história esta Associação recebeu diferentes denominações. Por exemplo, Mazzotta (1987)
refere-se a ela como Associação Americana de Deficiência Mental. Também já foi denominada de American
Association of Medical Officers of American Institutions for Idiotic and Feeble-Minded Persons. Na atualidade é
denominada de Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD) (disponível em: www.aamr.org,
acessado em dezembro de 2013). O Brasil emprega os pressupostos dessa associação desde os anos de 1960.
A escolarização de pessoas com deficiência intelectual DOSSIE EDUCAÇÃO ESPECIAL 8
não tem laudo e apresenta apenas uma dificuldade na aprendizagem, acaba sendo registrado no
EDUCACENSO9 escolar como deficiente intelectual. Segundo ela, o número de alunos com
deficiência intelectual triplicou de um ano para o outro em função disso. Por outro lado, ela revelou
também que, na dúvida, considera melhor lançar no sistema como deficiente intelectual para garantir
o apoio pedagógico para o aluno que, em sua rede de ensino, somente é oferecido para os sujeitos
“laudados” (termo comumente usado no cotidiano das escolas) (Pletsch, 2012). O laudo não é um
instrumento inocente, e seus usos e implicações variam bastante. A identificação por meio do laudo
pode estigmatizar e marcar negativamente a trajetória escolar dos sujeitos. É o que verificamos em
nossa pesquisa de doutorado realizada no município do Rio de Janeiro ao analisar a trajetória escolar
do aluno Maciel (Pletsch, 2010). No entanto, em outros casos, como a de José contada na pesquisa
de Anache (2011), a incerteza sobre o diagnóstico pode prejudicar o seu atendimento no sistema
público e, consequentemente, o seu desenvolvimento.
Depreendemos então que os dados do governo federal sobre a matrícula de alunos com
deficiência intelectual na classe regular de ensino podem estar sendo camuflados. Mais grave ainda, é
que muitos desses sujeitos podem se tornar deficientes intelectuais quando entram na escola, como
ocorria em décadas anteriores, a partir de avaliações equivocadas. Ou seja, precisamos enfrentar e
discutir urgentemente a questão da avaliação e da identificação, como já nos sinalizava Ferreira em
1992:
Temos também clareza quanto às limitações dos atuais sistemas de diagnóstico [e da]
resistência de discutir alternativas para a classificação vigente. Preocupa-nos o risco de
assumirmos, com receio da estigmatização e empolgados com o discurso da integração
[diríamos hoje, inclusão], uma posição idealista que pode chegar a ignorar a existência
concreta de deficiências ou cair no ‘otimismo pedagógico especial’ (reduzindo a problemática
do deficiente ao discurso da eficiência pedagógica) (p. 106).
9
O Educacenso é uma radiografia detalhada do sistema educacional brasileiro. A ferramenta permite obter dados
individualizados de cada estudante, professor, turma e escola do país, tanto das redes públicas (federal, estaduais e
municipais) quanto da rede privada. Todo o levantamento é realizado por meio da internet. Informações disponíveis em:
http://portal.mec.gov.br . Acessado: em janeiro de 2014.
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 9
abordagem terapêutica e psicológica predominava nas práticas e se detinha — e muitas vezes, ainda
o faz — nas características e dificuldades manifestadas pelos alunos, e não nas possibilidades de seu
desenvolvimento a partir de intervenções educativas.
É importante sinalizar também que foi na década de 1970 que tiveram início os primeiros
cursos de ensino superior para a formação de professores em educação especial, a partir da
promulgação da Lei nº 5.692/71 (Bueno, 2002). Em decorrência dessa lei, a formação em Educação
Especial se tornou obrigatória nos cursos de Pedagogia. Também foram criados no período o
primeiro curso de Licenciatura em Educação Especial na Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) e inúmeros cursos de pedagogia com Habilitação em Educação Especial. Igualmente,
aumentaram os encontros e as pesquisas científicas na área.
A década de 1980 foi marcada pela deterioração dos indicadores sociais na América Latina e
pelo aumento das desigualdades socioeconômicas. Nesse sentido, a “década perdida”, como ficou
conhecida, foi mais perdida para uns que para outros. Paralelamente, o ataque neoliberal contra o rol
de direitos sociais construídos no pós-guerra ganhou força nos países centrais e periféricos
(Hobsbawn, 1995). Em dez anos, as políticas de privatização, ajuste fiscal, desregulamentação da
economia e desregulação financeira já faziam parte da paisagem política mundial. Provocando, entre
outras consequências, a contração do investimento público na educação e na acelerada privatização
no setor.
Nesse contexto, o Brasil vivia o processo de redemocratização, após vinte anos de ditadura
militar. Novas esperanças se apresentavam ao povo brasileiro, que se organizava para exigir maior
participação nas decisões políticas. Tivemos em 1985 a primeira eleição, ainda indireta, na qual José
Sarney, após a morte de Tancredo Neves, tornou-se o presidente do país. Em 1988, uma nova
Constituição foi proclamada, garantindo uma série de direitos sociais, especialmente na educação e
na saúde. Os avanços também apontavam para uma maior descentralização financeira e
administrativa do país, fortalecendo o papel dos municípios na gestão dos recursos a serem
investidos localmente. O texto da Constituição estabelece a educação como dever do estado e determina
que o atendimento educacional especializado para portadores de deficiência ocorra preferencialmente, no ensino regular.
Essas diretrizes sinalizavam uma mudança de concepção sobre o espaço da escolarização das
pessoas com deficiência até aquele momento. Pela primeira vez em termos legais o Estado assumiu a
educação de pessoas com deficiência, prioritariamente em escolas regulares.
Às mudanças legais se somaram as críticas de pesquisadores que, a partir da ampliação da
pós-graduação na área, realizavam estudos mais sistematizados sobre a realidade educacional das
pessoas com deficiência intelectual no Brasil, ampliando o questionamento ao modelo de educação
segregado em escolas e classes especiais. O período também foi marcado por críticas ao ensino
comum pelo fracasso escolar de grande parcela dos educandos, os quais em decorrência disso, eram
encaminhados para o ensino especial com base, em larga medida, na chamada teoria da carência
cultural, que associava as “dificuldades” individuais do sujeito na escola à sua condição social
(Pereira, 2005). Dessa forma, os espaços segregados eram usados como “válvula de escape” ou
“espaços de compensação” da escola regular, que continuava, assim, excluindo parcela significativa
de seu alunado, sobretudo das camadas sociais mais pobres.
No final dos anos oitenta, os resultados das primeiras pesquisas na área e as críticas
crescentes à segregação das pessoas com deficiência enfatizaram ainda mais o discurso em prol da
integração. Porém, as políticas públicas foram marcadas pela descontinuidade das ações e as políticas
assistencialistas continuaram predominando. Do mesmo modo, prosseguiu o apoio técnico e
financeiro para instituições privadas que detinham mais de 50% das matrículas dos quase 106 mil
sujeitos com essa deficiência (Brasil, 1985,1990; Ferreira, 1989; Mendes, 1995).
A década de 1990 se iniciou em meio a sérios problemas econômicos (altas taxas de juros,
desvalorização interna e externa da moeda, ampliação da pobreza, entre outros problemas) e
A escolarização de pessoas com deficiência intelectual DOSSIE EDUCAÇÃO ESPECIAL 10
educacionais. Mais de dois terços das crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos não eram
beneficiados pela escola, em função de três modalidades de exclusão fortemente presentes na
sociedade brasileira, a saber: a) a impossibilidade de acesso; b) a exclusão precoce da escola
(sobretudo com altas índices de evasão); c) a inclusão sem acesso ao ensino de qualidade (Patto,
2000).
Nesse contexto, em termos internacionais, ocorreu a Conferência Mundial sobre a Educação para
Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, em Jomtien, Tailândia, em 1990, que resultou na
conhecida “Declaração de Educação para Todos”. O Brasil participou do evento e da sua
organização, iniciada em 1985 e foi um dos seus signatários. Porém, em função da descontinuidade
dos governos, as metas não foram cumpridas e, em 1993, o país foi convidado para participar,
juntamente com as oito países mais populosos do mundo, da Conferência de Dakar (Unesco, 2000)
para avaliar os encaminhamentos de Jomtien e desenhar novas metas para a educação. Em
consonância com essas diretrizes foi realizada em Salamanca, Espanha, em 1994, a Conferência
Mundial sobre necessidades educativas especiais: acesso e qualidade, que deu origem à Declaração de
Salamanca. Essas declarações, juntamente com a Convenção da Guatemala (1999) e a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências (Brasil, 2008), fortaleceram o discurso em prol dos
direitos sociais e educacionais das pessoas historicamente excluídas, dentre as quais as pessoas com
necessidades educacionais especiais em decorrência de deficiências e outras condições atípicas do
desenvolvimento. Em grande medida fortemente amparada no discurso humanitário e na
universalização da educação básica, a consigna da educação inclusiva se disseminou e
institucionalizou. Os seus princípios foram (e continuam sendo) incorporados ao longo dos anos
noventa nas políticas educacionais brasileiras, sob forte influência de organismos internacionais
como a UNESCO e o Banco Mundial.
As propostas do Banco Mundial para a educação devem ser analisadas pelo ângulo político e
econômico, e não apenas pelo ângulo técnico, como tenta fazer crer o discurso de autolegitimação
daquela instituição (Pletsch, 2010). Trata-se, pois, de desnaturalizar o que aparece como um ato
produto de “boas práticas” de gestão, uma vez que o Banco tem atuado como orientador intelectual
das políticas públicas em educação em inúmeros países (Pereira, 2010). Outra dimensão das
prescrições do Banco para a educação é a sua articulação com uma agenda mais ampla de políticas
de contenção, redução da pobreza e neutralização de tensões sociais. É o que comumente aparece
no discurso dessa instituição como “manutenção da governabilidade”.
Nesse caso, as políticas de inclusão aparecem alicerçadas na finalidade de formação de “capital
humano” e nos mínimos sociais que é explicada por Pereira (2010) como o oferecimento dos
direitos de bem estar social básicos ao cidadão que se responsabiliza pelo seu “sucesso” ou
“fracasso” na escola e em outros âmbitos da vida social. Em outras palavras, enquanto ampliam-se
as políticas de inclusão, continua-se excluindo o sujeito, pois não se oferece condições efetivas para
que ocorra a integração e a mobilidade social no sistema econômico vigente.
Essa perspectiva de análise é confirmada na pesquisa recente de doutorado de Souza (2013)
que analisou as proposições das políticas de educação inclusiva dentro do Sistema ONU para
compreender os impactos dessas diretrizes no desenvolvimento de alunos com deficiência (entre
outros aspectos as relações sociais e a inserção nos processos de ensino e aprendizagem). Com base
na análise dos documentos, Souza conclui que a ideia da erradicação de pobreza relacionada às
políticas educacionais (como, por exemplo, de educação inclusiva) dirigidas para pessoas com
deficiência vêm ganhando destaque, especialmente a partir da década de noventa com a
instrumentalização dos sujeitos para que eles possam buscar suas oportunidades de
desenvolvimento. Mostrou, ainda, que a ideia de acesso à educação e as políticas de inclusão escolar
estão fortemente associadas com aspectos econômicos na medida em que o não acesso pode
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 11
“representar um alto custo para a economia dos países, tanto pelo gasto com assistência social como
pela falta de mão de obra produtiva” (p. 39).
No mesmo ano de Salamanca, o governo de FHC elaborou a Política Nacional de Educação
Especial (Brasil, 1994), que substituiu as Diretrizes Básicas para a Ação do Centro Nacional de
Educação Especial herdada da ditadura (Brasil, 1974). Dois anos depois, aprovou-se uma nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9394/96), dedicando, pela primeira vez,
um capítulo específico à Educação Especial. A LDBEN seguindo os dispositivos da Constituição
de 1988 estabelece que a escolarização das pessoas com deficiências ocorra preferencialmente na
rede regular de ensino. Entre outros aspectos, prevê, quando necessário, o atendimento educacional
em classes, escolas ou serviços especializados com apoio de currículo, métodos, técnicas, recursos
educativos e organização específicos, para atender às necessidades do público alvo da Educação
Especial. Especificamente para as pessoas com deficiência mental (termo usado no documento), a
Lei prevê a terminalidade específica para aqueles educandos que “não puderam atingir o nível
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências” (Art. 59, item II), a
qual é definida como “uma certificação de conclusão de escolaridade ― fundamentada em avaliação
pedagógica ― com histórico escolar que apresente, de forma descritiva, as habilidades e
competências atingidas pelos educandos” (Brasil, 2001, p. 59). A certificação se difere da conclusão
do ensino fundamental, pois segundo Lima (2009), por meio dele é possível identificar o nível de
conhecimento alcançado pelo aluno. A mesma autora denuncia que, ao propor a terminalidade, a lei
não oferece elementos sobre como deve ser realizada, de modo que cada sistema poderá elaborar
critérios e instrumentos de acordo com as suas perspectivas e possibilidades. Essas indicações
podem levar à “expulsão” de muitos alunos do sistema escolar por falta de clareza sobre os melhores
procedimentos a serem seguidos. Ademais, segundo a pesquisa de Lima, os pais são contrários a essa
certificação.
De fato, se levarmos em consideração os avanços das pesquisas sobre o desenvolvimento
humano, avaliar como terminada a possibilidade de aprendizagem de pessoas com deficiência
intelectual não tem amparo científico. Igualmente, a partir do entendimento dos princípios da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, conhecida como
Declaração da ONU (Brasil, 2008) — aprovada como emenda constitucional no Brasil10 ―, que
reconhecem em seu artigo 24 o direito educacional das pessoas com deficiências à educação e ao
aprendizado ao longo de toda a vida, a terminalidade perde sentido legal. Em nossa pesquisa, das
nove redes de ensino apenas uma tinha aprovado em suas instâncias a terminalidade específica e
mesmo assim nunca havia aplicado essa possibilidade, em função da falta de diretrizes e espaços
alternativos para encaminhar os alunos com deficiência intelectual após a certificação. Segundo o
relato de uma entrevistada, a maioria ficaria “preso em casa, sem outro espaço para frequentar caso a
terminalidade fosse aplicada” (Pletsch, 2012).
No Brasil, os pressupostos da educação inclusiva foram incorporados pelo Ministério da
Educação em 2001, com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(Brasil, 2001). A partir dessas diretrizes, a educação inclusiva passou a fomentar o discurso e as
práticas educacionais nas quais os alunos com deficiências e outras condições atípicas do
desenvolvimento deveriam ser matriculados em classes regulares, com o suporte da Educação
Especial (complementar ou suplementar), que poderia ocorrer em sala comum com o apoio do
professor itinerante ou no contra turno em salas de recursos.
Entre outros aspectos, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
de 2001 e a Política de Educação Especial de 1994 regulamentaram a organização e a função da
10
Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009 (Brasil, 2009).
A escolarização de pessoas com deficiência intelectual DOSSIE EDUCAÇÃO ESPECIAL 12
Educação Especial nos sistemas de ensino da educação básica, a continuação do repasse de verbas e
recursos humanos para instituições privadas pro meio de parcerias. Além disso, regulamentaram os
locais de atendimento e as propostas de flexibilização e adaptação curricular em sintonia com os
dispositivos do documento Adaptações Curriculares: estratégias para a educação de alunos com
necessidades educacionais especiais (Brasil, 1998), que integra o conjunto dos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Para os alunos com deficiência intelectual, o documento aponta duas
adaptações principais para as práticas educativas, prescrevendo que as mesmas sejam realizadas em
ambientes de aula que favoreçam a aprendizagem, como, por exemplo, em ateliers, cantinhos e oficinas,
entre outros. Indica também a necessidade de desenvolvimento de habilidades adaptativas, sociais, de
comunicação, cuidado pessoal e autonomia. Ou seja, assim como nas décadas anteriores, para o alunado
considerado deficiente intelectual não se prevê práticas pedagógicas para a aprendizagem formal de
conceitos e conteúdos escolares, dada a crença em sua ineducabilidade.
Para Michels e Garcia (2010), ao indicar que a “educação dos alunos com necessidades
educacionais especiais deve contemplar as diferenças individuais e requer um tratamento
diferenciado dentro do mesmo currículo”, o documento acaba dando “margem a que se pense em
recursos e métodos diversificados para o trabalho pedagógico, com a criação de alternativas nos
processos de aprendizagem”, assim propõem “novos níveis de diagnóstico e prognóstico baseados
na relação entre diferenças individuais e currículo” (p. 218). Certamente a ideia de flexibilização do
currículo sem o reconhecimento da individualidade humana e da complexidade do processo de
ensino e aprendizagem é um aspecto negativo. Todavia, a nosso ver, o debate sobre a flexibilização e
a individualização do currículo para alunos com necessidades educacionais especiais, particularmente
aqueles com deficiência intelectual, passa pelo reconhecimento de suas especificidades em
internalizar a cultura a partir de diferentes instrumentos sociais e psicológicos. Aliás, o
reconhecimento da individualidade deveria ser a diretriz prioritária das práticas curriculares para
qualquer aluno, pois uma educação que se quer humanista não pode ser realizada a partir de
pressupostos curriculares “fordistas”.
Ou seja, no caso específico do público deste artigo, entendemos que o uso de recursos e
estratégias diferenciadas nas práticas curriculares a partir de planejamentos articulados com o
currículo em geral é fundamental e, em muitos casos, imprescindível, como, por exemplo, o uso da
comunicação alternativa para que alunos com dificuldades de comunicação possam desenvolver a
interação social e, consequentemente aprender e internalizar os conhecimentos e bens culturais.
Concordamos com Souza (2013) quando diz que é a partir da mediação em sala de aula e das
interações ali estabelecidas ― com base em propostas pedagógicas individualizadas e desafiadoras
coerentes com as possibilidades (perceptivas, sensitivas, de atenção, mnemônicas, cognitivas e
motoras) de cada aluno ― que ocorre a aprendizagem. Para tal, segundo a mesma autora, o
processo de ensino e aprendizagem para alunos com deficiência intelectual passa pelo oferecimento
de um currículo que privilegie ações que tenham sentido e significado e que possibilitem aos
mesmos a construção de uma rede conceitual cognitiva, motora, afetiva, linguística, entre outras.
Também entendemos que a discussão sobre o currículo escolar passa pela reflexão do que
denominamos de conhecimentos didáticos, os quais, na atualidade, muitas vezes são menosprezados
na formação inicial e continuada de professores, com justificativas do tipo “não há receitas de bolo”.
De fato, o processo educacional é muito mais complexo do que ensinar e aplicar estratégias
pedagógicas flexíveis, mas não podemos negar a importância de práticas pedagógicas diversificadas e
articuladas com referenciais teóricos e metodologias de ensino desenvolvidas a partir do currículo
escolar (Pletsch, 2014). Outro aspecto central sobre o qual é urgente refletirmos se refere ao próprio
conceito de aprendizagem, sobretudo nos casos mais graves de deficiência intelectual. Devemos
ampliá-lo para além dos processos formais de escolarização (os chamados conceitos científicos),
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 13
possibilitando a esses sujeitos formas de participação e interação com o meio social para que
desenvolvam novos modos de ser e agir. Essa defesa é possível a partir da análise sobre os processos
psicológicos superiores presente na teoria histórico-cultural de Vigotski, que sinalizam para a
complexidade do desenvolvimento humano, mesmo quando o sujeito realiza atividades consideradas
simples e repetitivas. A este respeito, uma discussão instigante pode ser encontrada em Kassar
(2013). Todavia, ressaltamos que o debate sobre o currículo não pode prescindir de análises
empíricas que levem em conta a realidade social, econômica e, sobretudo, as políticas educacionais,
pois a sua compreensão e aplicação na escola passa pela sua cultura e pelos interesses dominantes e
ideológicos (Sacristán, 2000; Apple, 2006; Apple e Buras, 2008, Young, 2011). No Brasil, as
pesquisas de Mendes-Lunardi (2008, 2010) e de Silva (2008) analisam criticamente a relação entre
práticas curriculares e a escolarização de alunos com deficiência intelectual.
Em síntese, podemos dizer que a década de noventa e o início dos anos 2000 foram
fortemente marcados pela redefinição do papel do Estado na economia e na sociedade. Na
educação11, as reformas neoliberais foram realizadas a partir da universalização da educação básica
como meio de “controlar” a pobreza e impulsionar a formação de capital humano, segundo a lógica
de “mínimos sociais” prestados pelo Estado, abrindo enorme espaço para o controle do capital
privado no setor. Nesse período, os indicadores sobre a escolarização de alunos com deficiência
evidenciam que, apesar do discurso em defesa da inclusão escolar, as matrículas nas instituições
filantrópicas privadas não diminuíram. Pelo contrário, aumentaram gradativamente durante o
governo FHC, assim como as parcerias público privadas nas políticas sociais em geral. Embora o
Estado tenha assumido pela primeira vez o atendimento de pessoas com necessidades educacionais
especiais em escolas públicas regulares a partir das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica (Brasil, 2001). A análise de Arruda, Kassar & Santos (2006), defende que essa
opção seguia a lógica do ajuste fiscal e da universalização de uma educação básica de baixo padrão,
dado que o custo do atendimento no sistema público regular é menor, se comparado ao
atendimento em instituições filantrópicas. O quadro abaixo nos mostra a concentração das
matrículas no setor privado, apesar das mudanças políticas.
Essa tendência também se evidenciou no caso dos educandos com deficiência intelectual,
que, em 2001, totalizavam 212.996 matrículas. A maioria dos matriculados se concentrou em escolas
e classes especiais (89%) e somente 11% em escolas regulares (INEP, 2001). Isso mostra que,
predominantemente, esses alunos continuavam tendo acesso à educação de forma segregada, fora
das classes comuns do ensino regular, como previa a legislação.
11
Sobre os impactos das reformas na educação sugerimos ver Michels (2006).
A escolarização de pessoas com deficiência intelectual DOSSIE EDUCAÇÃO ESPECIAL 14
Com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva o povo brasileiro viveu novas esperanças em
direção a uma sociedade mais justa. Durante a sua gestão Lula (2003-2010), ampliou
significativamente o investimento público para promoção da inclusão educacional em diferentes
setores. O objetivo dessas políticas contidas no programa de governo era “combater as mazelas
socioeconômicas características da parcela de baixo poder aquisitivo da população e, dessa forma,
promover condições de inclusão social a todos os segmentos da sociedade, em especial aos que se
encontram em situação de desvantagem” (Soares, 2010, p. 31).
As propostas de inclusão se traduziram em políticas públicas para diferentes grupos sociais
pelo Ministério da Educação. A escolarização de pessoas com necessidades educacionais especiais
ficou sob a responsabilidade da extinta Secretaria de Educação Especial que, ainda em 2003,
primeiro ano de governo, implementou o Programa Federal Educação Inclusiva: direito à diversidade em
diferentes municípios do país para disseminar a “educação inclusiva” de pessoas com necessidades
educacionais especiais. De acordo com Soares (2010) e Souza (2013), o programa seguiu um
conjunto de proposições da Organização das Nações Unidas (ONU) centrado na estratégia de
multiplicação da formação de gestores. No caso brasileiro, foram eleitos alguns municípios,
chamados de pólos de formação, que ficaram responsáveis pela multiplicação do conhecimento nos
munícipios de sua abrangência. Esse modelo é utilizado por organismos internacionais como o
Banco Mundial em países pobres e em desenvolvimento, para garantir a expansão e reprodução de
conhecimentos, aqui direcionado para a educação inclusiva.
A estratégia da multiplicação fica evidente no documento “A inclusão social da pessoa com
deficiência no Brasil: como multiplicar esse direito” (Brasil, 2008a), elaborado pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos (SEDH) em parceria com a Coordenadoria Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), promovida a Subsecretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) em 2009. Segundo esse documento, o
efeito multiplicador é eficaz, ao garantir a reprodução de conteúdos, e é mais econômico, na medida
em que forma uma pessoa que deverá multiplicar a informação para muitos. Assim, confirmando as
indicações de Souza (2013), esse modelo tem sido empregado prioritariamente por ser considerado
menos oneroso ao Estado ou de custo eficiente. Ainda de acordo com essa autora, diferentes países
têm mostrado a eficiência dessa metodologia na formação de professores, na utilização de estagiários
como auxiliares de sala de aulas com alunos deficientes inseridos, capacitação de familiares e pessoas
da comunidade e na transformação de escolas especiais em centros de estudo e de suporte
educacional especializado.
Todavia, no caso do Programa Federal Educação Inclusiva: direito à diversidade, o modelo de
multiplicação tem enfrentado inúmeros problemas para a sua operacionalização. Dentre eles,
destacamos: a falta de avaliação e acompanhamento sistemático por parte do Ministério da
Educação, que toma como referência apenas dados quantitativos; a descontinuidade dos governos
municipais, que leva à substituição periódica das equipes e das ações; o grande número de
municípios sob a responsabilidade de um município-pólo; a falta de participação e discussão coletiva
entre os participantes do Programa; as dificuldades enfrentadas pelos gestores do Programa nos
municípios-pólo para gerenciar os recursos financeiros; a distância entre muitos municípios e a falta
de articulação entre os setores responsáveis dos municípios, estados e governo federal (Soares, 2010;
Pletsch, 2011).
Portanto, as metas do programa de disseminar a política de educação inclusiva nos
municípios e apoiar a formação de gestores e educadores, adotando como princípio a garantia do
direito dos alunos com necessidades educacionais especiais de acesso e permanência, com qualidade,
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 15
nas escolas da rede regular de ensino, não tem sido atingidas. Essa realidade se mostra ainda mais
grave ao analisamos as propostas e os mecanismos usados pelas redes de ensino investigadas na
escolarização de alunos com deficiência intelectual, os quais, de maneira geral, vêm sendo
matriculados no sistema comum de ensino sem a garantia de aprendizagem e desenvolvimento (Glat
e Blanco, 2007; Braun, 2012; Glat & Pletsch, 2012, 2013).
No ano de 2007, em consonância com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o
Ministério da Educação lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), fortemente inspirado no
movimento de empresários da educação denominados de “Todos pela Educação”. Para Saviane
(2009), o PDE tem como marca a continuidade do estabelecimento de parcerias público-privadas
em curso desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Entre outras medidas, esse plano
estabeleceu a partir de um conjunto de programas independentes, metas para o acesso e a
permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos,
fortalecendo a inclusão educacional nas escolas públicas (Brasil, 2007).
Nesse contexto, no ano seguinte (2008b), o governo apresentou a atual Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, implementada pelo Decreto nº 6.571/2008,
prevendo o atendimento especializado em salas de recursos multifuncionais e em centros
especializados de referência transformados a partir das escolas especiais. De acordo com o
documento o público alvo da Educação Especial é caracterizado por alunos que apresentam
deficiência de natureza física, mental ou sensorial, alunos com transtornos globais do
desenvolvimento e alunos com altas habilidades/superdotação (Brasil, 2008a, p. 21). Em 2009, o
atendimento educacional especializado foi instituído pelas Diretrizes Operacionais do Atendimento
Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial (Brasil, 2009). Essas
diretrizes indicam que o suporte especializado deve ocorrer no contra turno de forma complementar
aos alunos com deficiências e transtornos globais do desenvolvimento, ou de forma suplementar
para aqueles avaliados com altas habilidades/superdotação.
As indicações desses documentos têm sido amplamente difundidas e orientam as redes de
ensino a se transformarem em “sistemas educacionais inclusivos”, em sintonia com os princípios da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, conhecida como Declaração da
Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecida em nosso país como emenda constitucional
(Brasil, 2008). Para ilustrar o compromisso do Brasil com essa Declaração, o governo de Dilma
Rousseff apresentou para a sociedade brasileira o Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com
Deficiência conhecido como Programa Viver sem Limites, por meio do Decreto 7.612. O seu
objetivo é desenvolver ações em diferentes áreas, como educação, saúde, inclusão social e
acessibilidade, para melhorar a vida das pessoas com deficiências (Brasil, 2011, 2013). O Programa
prevê um gasto federal de R$ 7,6 bilhões, com metas a serem cumpridas até 2014.
No bojo de tais diretrizes e programas, diversas ações começaram a ser implementadas para
intensificar a inclusão social e educacional das pessoas com deficiências, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Dentre elas destacamos, entre outras iniciativas:
o Programa Escola Acessível; a ampliação do número de salas de recursos multifuncionais a serem
implementadas; aquisição de ônibus escolares acessíveis; a ampliação do Benefício de Prestação
Continuada (BPC) na escola12; a formação continuada de professores e gestores prioritariamente por
meio da educação à distância. O quadro abaixo sintetiza dados referentes a alguns desses programas
evidenciando, as metas a serem atingidas até 2014 e os resultados já alcançados até 2013.
12
O BPC é um Programa que garante às pessoas com deficiência o benefício mensal de um salário mínimo. Para recebê-
lo, o sujeito deve comprovar não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família. A
renda mensal familiar per capita deve ser inferior a um quarto do salário mínimo vigente.
A escolarização de pessoas com deficiência intelectual DOSSIE EDUCAÇÃO ESPECIAL 16
Será que as metas serão atingidas até o final de 2014? Fica a questão para reflexão do leitor.
Mas, antes de continuarmos é preciso esclarecer que os dados oficiais muitas vezes são
contraditórios. Por exemplo, de acordo com o Ipea (2013) menos de 10% das escolas brasileiras
possuem salas de recursos multifuncionais no ano de 2011. Por outro lado, a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República afirma que mais de 83% dos municípios do país já possuem
essas salas (Brasil, 2013). Isso mostra a falta de mecanismos para acompanhar, avaliar e unificar
dados de diferentes setores governamentais. No entanto, ambos mostram um crescimento das
matriculas nas escolas comuns regulares, que computam 75% do total de matrículas da Educação
Especial. Do total de 193.000 matrículas em espaços segregados (160.000 ocorrem em instituições
especializadas filantrópicas privadas e 30.000 em classes especiais da rede regular). A maior parte das
matrículas em instituições ou espaços segregados é constituída por alunos com deficiência
intelectual.
Além da contradição entre informações oficiais existe também a sua discrepância em relação
ao empiricamente constatado por pesquisas qualitativas diversas sobre a realidade das redes de
ensino. Esse é um dos resultados da pesquisa do Observatório Nacional de Educação Especial
(ONEESP) desenvolvido sob a coordenação da Profª Eniceia Mendes, da Universidade Federal de
São Carlos, com apoio do Programa Observatório da Educação da CAPES, da qual participam 203
pesquisadores de 16 estados e 20 instituições de ensino superior. Desde 2011, o ONEESP tem
mapeado e analisado o atendimento educacional especializado realizado nas salas de recursos
multifuncionais. Uma das primeiras constatações mostra, a partir de dados de campo coletados nos
municípios, que os indicadores oficiais sobre a implementação das salas de recursos multifuncionais
não correspondem aos dados disponibilizados pelo governo federal. Ou seja, o número de salas é
menor do que aquele indicado pelo governo.
Os dados também mostram a falta de clareza das redes de ensino para realizar o trabalho
pedagógico, que é muito variado e, em muitos casos, está “na mão de pessoas praticamente
amadoras”, diz Mendes (2014). Esses resultados corroboram com os dados de nossos estudos
realizados em diferentes redes de ensino da Baixada Fluminense, que evidenciaram, entre outros
problemas: a) a não instalação do material distribuído pelo Ministério da Educação nas salas de
recursos multifuncionais ― muitas redes receberam os equipamentos tecnológicos (computadores,
impressoras e outros) em 2009 e 2012 não haviam sido instalados; b) falta de acessibilidade
arquitetônica; c) salas de recursos multifuncionais superlotadas.
Também verificamos a falta de clareza dos profissionais sobre como trabalhar nessas salas.
Um dos aspectos sinalizados mostra que o trabalho colaborativo entre o professor do atendimento
educacional especializado da sala de recursos multifuncionais com o professor da turma comum de
ensino é inviável. Nesse caso, os dados indicam que a maioria das redes não tem disponível na carga
horária de seus professores espaço para reuniões de planejamento conjunto. Ainda no que se refere
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 17
reconhecia diferentes espaços e suportes para a escolarização desse alunado, sobretudo em casos em
que não seria possível realizar a inserção na classe comum, inclusive defendendo a coexistência das
escolas especiais filantrópico-privadas. Os primeiros defendiam a matrícula em rede regular como
um direito incondicional; já, os segundos, alegavam que a escola pública não apresenta infraestrutura
adequada para atender a esses alunos. No documento final foi aprovado que a educação de pessoas
com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação deverá
ocorrer preferencialmente em escolas regulares, dando margem aos espaços segregados.
Compreendemos que a educação é um direito universal indiscutível, mas também entendemos
que, em casos específicos, é necessário discutir propostas pedagógicas e de desenvolvimento
humano para além do debate em torno do espaço da escolarização. Nossas pesquisas mostram que,
no caso de alunos com deficiência intelectual severa e múltipla, as demandas extrapolam possíveis
intervenções escolares realizadas no âmbito da sala de aula. Muitos desses sujeitos precisam de
intervenções e suportes intensos em diferentes dimensões da vida, até mesmo para desenvolver
formas alternativas de comunicação e expressão (Pletsch, 2014).
Nesse sentido, defesas unilaterais que universalizam somente uma possibilidade de educação
para essas pessoas acaba excluindo uma parte dos educandos do direito ao acesso a intervenções
diferenciadas daquelas oferecidas pelas políticas públicas. Não nos parece que o debate em torno da
inclusão dará conta dessas questões. Pelo contrário, entendemos que se faz necessário analisar
qualitativa e longitudinalmente o impacto das políticas de inclusão na vida dessas pessoas e conhecer
experiências internacionais, para que possamos refletir sobre as possibilidades que possam contribuir
para mudar o cenário atual de exclusão do acesso ao desenvolvimento por meio da aprendizagem,
sobretudo dos casos considerados severos. Isto não quer dizer que sejamos contra a inclusão escolar.
Não é isso. Temos clareza dos avanços educacionais que essa proposta tem possibilitado para muitas
pessoas com deficiências. Todavia, a partir do acúmulo de estudos e pesquisas já disponíveis no país,
podemos afirmar que uma única proposta política não atende efetivamente a todos. Ademais, o
debate deveria envolver não somente a disputa entre este ou aquele espaço de escolarização, mas
também as condições, os recursos e estratégias que possibilitem de fato o acesso ao processo de
ensino e aprendizagem dos sujeitos.
Para concluir
Após quarenta anos, a escolarização de pessoas com deficiência intelectual no Brasil foi e
continua sendo marcada por contradições e ambiguidades, que vão desde a omissão do Estado no
oferecimento da educação pública, passando pelo período das políticas segregacionistas nos anos
setenta, até as atuais políticas de inclusão, alavancados por organismos ligados à defesa dos direitos
humanos e da redução da pobreza. Nessa agenda, o Brasil tem mostrado que, apesar de seguir as
orientações internacionais não tem cumprido as metas, no caso das pessoas com deficiência
intelectual, pois a maior parte desse público continua segregada em instituições filantrópicas ou até
mesmo sem acesso a qualquer espaço educacional. Os dados do IPEA (2013) mostram que 47,4%
dos beneficiários do benefício de prestação continuada na faixa de zero a 18 anos continuam fora da
escola. Certamente, muitos desses com deficiência intelectual.
Dentro do governo federal as disputas políticas sobre o lócus de escolarização dessa parcela da
população continuam fervorosas. A revogação do Decreto nº 6.571 em novembro de 2011 ilustra a
correlação de forças políticas, bem como mostra as contradições e tensões internas na
implementação das diretrizes internacionais.
Outro aspecto que fica evidente é que, apesar do avanço legal em termos de direitos sociais e
educacionais, tais dispositivos não se traduzem na prática para um contingente significativo de
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 19
Por último, mas não menos importante, cabe sinalizar que é preciso reconhecer a voz dos
sujeitos com deficiência intelectual e suas famílias, ouvindo-os, e não falar por eles. Certamente eles
têm muito a nos dizer e a contribuir.
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Sobre a Autora
DOSSIÊ
Educação Especial: diferenças, currículo e processos de ensino e
aprendizagem
arquivos analíticos de políticas educativas
Volume 22 Número 81 11 de Agosto, 2014 ISSN 1068-2341
Dalila Andrade de Oliveira Universidade Federal de Jefferson Mainardes Universidade Estadual de Ponta
Minas Gerais, Brasil Grossa, Brasil
Paulo Carrano Universidade Federal Fluminense, Brasil Luciano Mendes de Faria Filho Universidade Federal
de Minas Gerais, Brasil
Alicia Maria Catalano de Bonamino Pontificia Lia Raquel Moreira Oliveira Universidade do Minho,
Universidade Católica-Rio, Brasil Portugal
Fabiana de Amorim Marcello Universidade Luterana Belmira Oliveira Bueno Universidade de São Paulo,
do Brasil, Canoas, Brasil Brasil
Alexandre Fernandez Vaz Universidade Federal de António Teodoro Universidade Lusófona, Portugal
Santa Catarina, Brasil
Gaudêncio Frigotto Universidade do Estado do Rio de Pia L. Wong California State University Sacramento,
Janeiro, Brasil U.S.A
Alfredo M Gomes Universidade Federal de Sandra Regina Sales Universidade Federal Rural do Rio
Pernambuco, Brasil de Janeiro, Brasil
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva Universidade Elba Siqueira Sá Barreto Fundação Carlos Chagas,
Federal de São Carlos, Brasil Brasil
Nadja Herman Pontificia Universidade Católica –Rio Manuela Terrasêca Universidade do Porto, Portugal
Grande do Sul, Brasil
José Machado Pais Instituto de Ciências Sociais da Robert Verhine Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade de Lisboa, Portugal
Wenceslao Machado de Oliveira Jr. Universidade Antônio A. S. Zuin Universidade Federal de São Carlos,
Estadual de Campinas, Brasil Brasil
A escolarização de pessoas com deficiência intelectual DOSSIE EDUCAÇÃO ESPECIAL 28
Jessica Allen University of Colorado, Boulder Christopher Lubienski University of Illinois, Urbana-
Champaign
Gary Anderson New York University Sarah Lubienski University of Illinois, Urbana-
Champaign
Michael W. Apple University of Wisconsin, Madison Samuel R. Lucas University of California, Berkeley
Angela Arzubiaga Arizona State University Maria Martinez-Coslo University of Texas, Arlington
David C. Berliner Arizona State University William Mathis University of Colorado, Boulder
Robert Bickel Marshall University Tristan McCowan Institute of Education, London
Henry Braun Boston College Heinrich Mintrop University of California, Berkeley
Eric Camburn University of Wisconsin, Madison Michele S. Moses University of Colorado, Boulder
Wendy C. Chi* University of Colorado, Boulder Julianne Moss University of Melbourne
Casey Cobb University of Connecticut Sharon Nichols University of Texas, San Antonio
Arnold Danzig Arizona State University Noga O'Connor University of Iowa
Antonia Darder University of Illinois, Urbana- João Paraskveva University of Massachusetts,
Champaign Dartmouth
Linda Darling-Hammond Stanford University Laurence Parker University of Illinois, Urbana-
Champaign
Chad d'Entremont Strategies for Children Susan L. Robertson Bristol University
John Diamond Harvard University John Rogers University of California, Los Angeles
Tara Donahue Learning Point Associates A. G. Rud Purdue University
Sherman Dorn University of South Florida Felicia C. Sanders The Pennsylvania State University
Christopher Joseph Frey Bowling Green State Janelle Scott University of California, Berkeley
University
Melissa Lynn Freeman* Adams State College Kimberly Scott Arizona State University
Amy Garrett Dikkers University of Minnesota Dorothy Shipps Baruch College/CUNY
Gene V Glass Arizona State University Maria Teresa Tatto Michigan State University
Ronald Glass University of California, Santa Cruz Larisa Warhol University of Connecticut
Harvey Goldstein Bristol University Cally Waite Social Science Research Council
Jacob P. K. Gross Indiana University John Weathers University of Colorado, Colorado
Springs
Eric M. Haas WestEd Kevin Welner University of Colorado, Boulder
Kimberly Joy Howard* University of Southern Ed Wiley University of Colorado, Boulder
California
Aimee Howley Ohio University Terrence G. Wiley Arizona State University
Craig Howley Ohio University John Willinsky Stanford University
Steve Klees University of Maryland Kyo Yamashiro University of California, Los Angeles
Jaekyung Lee SUNY Buffalo * Members of the New Scholars Board
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas Vol. 22, No. 81 29
Armando Alcántara Santuario Instituto de Fanni Muñoz Pontificia Universidad Católica de Perú
Investigaciones sobre la Universidad y la Educación,
UNAM México
Claudio Almonacid Universidad Metropolitana de Imanol Ordorika Instituto de Investigaciones
Ciencias de la Educación, Chile Economicas – UNAM, México
Pilar Arnaiz Sánchez Universidad de Murcia, España Maria Cristina Parra Sandoval Universidad de Zulia,
Venezuela
Xavier Besalú Costa Universitat de Girona, España Miguel A. Pereyra Universidad de Granada, España
Jose Joaquin Brunner Universidad Diego Portales, Monica Pini Universidad Nacional de San Martín,
Chile Argentina
Damián Canales Sánchez Instituto Nacional para la Paula Razquin UNESCO, Francia
Evaluación de la Educación, México
María Caridad García Universidad Católica del Norte, Ignacio Rivas Flores Universidad de Málaga, España
Chile
Raimundo Cuesta Fernández IES Fray Luis de León, Daniel Schugurensky Arizona State University
España
Marco Antonio Delgado Fuentes Universidad Orlando Pulido Chaves Universidad Pedagógica
Iberoamericana, México Nacional, Colombia
Inés Dussel FLACSO, Argentina José Gregorio Rodríguez Universidad Nacional de
Colombia
Rafael Feito Alonso Universidad Complutense de Miriam Rodríguez Vargas Universidad Autónoma de
Madrid, España Tamaulipas, México
Pedro Flores Crespo Universidad Iberoamericana, Mario Rueda Beltrán Instituto de Investigaciones sobre
México la Universidad y la Educación, UNAM México
Verónica García Martínez Universidad Juárez José Luis San Fabián Maroto Universidad de Oviedo,
Autónoma de Tabasco, México España
Francisco F. García Pérez Universidad de Sevilla, Yengny Marisol Silva Laya Universidad
España Iberoamericana, México
Edna Luna Serrano Universidad Autónoma de Baja Aida Terrón Bañuelos Universidad de Oviedo, España
California, México
Alma Maldonado Departamento de Investigaciones Jurjo Torres Santomé Universidad de la Coruña,
Educativas, Centro de Investigación y de Estudios España
Avanzados, México
Alejandro Márquez Jiménez Instituto de Antoni Verger Planells University of Amsterdam,
Investigaciones sobre la Universidad y la Educación, Holanda
UNAM México
José Felipe Martínez Fernández University of Mario Yapu Universidad Para la Investigación
California Los Angeles, USA Estratégica, Bolivia