Minha Vida Meus Amores
Minha Vida Meus Amores
Minha Vida Meus Amores
Tia Neiva
Copyryght, 1985
Planaltina – DF.
Ilustrações: Vilela
Apresentação
“Tia Neiva” (Neiva Chaves Zelaya) é Clarividente. Sua clarividência, porém não
corresponde a mesma definição ou a idéia generalizada de como a Parapsicologia
no-la apresenta. Essa quase-ciência só diz respeito à paranormalidade, que por
sua vez é apenas a hipertrofia dos sentidos, efeitos da super-excitação por
carência enzimática. A Parapsicologia na verdade nada tem haver com a vida
espiritual.
Tia Neiva é um Ser Crístico, uma missionária no mais amplo sentido, seguidora
da escola de Francisco de Assis, mas que vive e age nestes tempos modernos,
preparando o homem para o próximo Milênio. Para nós, seres comuns, é difícil,
senão impossível, traçar um perfil ou definir o que é a Clarividência de Tia Neiva.
Nossa mente não alcança sua fenomenologia, a não ser pelas coisas que ela se
expressa ou as coisas que acontecem em torno dela. Ela vê o passado próximo e
remoto, o desenrolar do presente e o futuro. Embora ela não goste de fazer
profecias ela realmente é uma Profetisa.
Este livro foi escrito partindo de dois cadernos do acervo deixado por Tia Neiva.
Como outros escritos que ela considerava particulares, esses cadernos só me
foram entregues nos últimos dias de sua vida, quando ela já estava se desligando
do plano físico, havendo dificuldades de contatos conscientes. Talvez devido as
suas dores físicas, o plano espiritual misericordiosamente a mantinha no seu
etérico, parcialmente desligada do envoltório físico, situação essa na qual a
consciência da dor física é menor. Devido a dificuldades de discutir com ela o
plano deste livro, tivemos que interpretar os referidos cadernos e chegamos com
isso a conclusões de que os mesmos foram escritos em épocas diferentes,
relatando os mesmos episódios passados, um de maneira mais simples, pessoal:
outro, de forma mais objetiva, mais próxima da linguagem por ela utilizada
quando em reuniões a nível de mestrado.
Tia Neiva descreveu sua vida entre 1957 e 1969 com algumas reminiscências. Em
1969 a Ordem foi instalada no lugar que hoje se chama “Vale do Amanhecer”,
onde floresceu o sistema iniciático, com seus templos, falanges e sistemas. Ela
planejava contar sua vida também nessa etapa. Mas Deus houve por bem chamá-
la para os planos espirituais, ela desencarnou no dia 15 de Novembro de 1985 e
esse trabalho foi interrompido.
O editor
Uma Mulher entre dois planos
Num estilo vivo, com momentos de humor e de emoção, a Autora nos transporta
ao seu mundo e nos revela seus instantes de angustia, de perplexidade, de luta e
de afirmação. Desfilam diante do leitor atento fatos marcantes na vida dessa
mulher extraordinária, ex-motorista de caminhão começou em Ceres-Goiás, e no
início de Brasília, e que levaram a despertar para uma vida intensa em dois
planos de consciência. A terrena, ou seja, a da viúva de formação católica,
sobrinha de padre e de freiras, que se vê constrangida a enfrentar preconceitos
de toda espécie para poder manter com dignidade seus filhos, ao volante de
pesado veículo de carga. E ela salta de suas páginas envergando seu “culote”,
suas botas de cano alto, enlameadas ou empoeiradas conforme a época, sua
altivez e seu desenvolto que a vida de acampamento produzia em tais
circunstâncias nas pessoas nos primórdios de Brasília, com o despertar de sua
clarividência.
Newton Rossi
Índice
O Jaguar
O “mortinho”
O acidente
Visão do futuro
O Cacique Guerreiro
O castelo
O incêndio
Colegas
O Bispo
Segunda Parte
Os Exus
Amanto
Cascavel
Parto difícil
Isadora
Humahã
O “Chegante”
O jaguar
Filho, não deve interessar ao homem o seu vizinho, mas sim a função que ele
desempenha. É verdade que não podemos separar a obra do seu autor, porém,
quando eu daqui partir dirão “ o doutrinador e a sua doutrina”. Por isso, meu
filho, esqueça essas preocupações de avaliação social, em termos dos
componentes ativos, nesta jornada para o terceiro Milênio. Antes eu pensava
porque essas Amacês não aparecem nos grandes centros, e obtive a resposta:
primeiro, devido ao respeito às velhas teorias do homem, ainda é cedo para
mudar estrutura; segundo, porque Jesus já respondeu a essa questão, quando
considerou que as mentes dos pescadores eram mais sadias, e não quis
desperdiçar o seu pouco tempo de vida na terra discutindo com os rabinos das
sinagogas. Neiva parou, e o silencio se prolongava em torno dela, no crepúsculo
daquela tarde calma e tranqüila. Seu olhar se alongava no infinito nas grandes
coisas da vida. Havia no ambiente um misto de eternidade e doçura. Nestor o
jovem Jaguar da Centúria, sentia as palavras de Neiva. Nada lhe doía mais do
que quando Neiva lhe falava em partida. Porém, quando eu daqui partir. O
Doutrinador e sua doutrina. Quadros lhe passaram pela memória. Neiva sempre
rodeada de gente simples. Vez ou outra um “doutor” na roda. Jesus atento com
aqueles rústicos pescadores. Lembrou-se de uma aula de Neiva em que ela
contara um episódio da vida do Mestre: Ele chegara a casa e Maria, sua mãe, lhe
preparara um aposento arrumado com carinho maternal. Para seus discípulos ela
fizera um arranjo no estábulo. Pela manhã do dia seguinte, ela encontrou o
aposento intacto, e descobriu Jesus dormindo no estábulo com seus rústicos
pescadores.
Neiva e Nestor conversavam.
Neiva voltou de seu enlêvo. Seu discípulo inclinou a cabeça atento. Ver e viver.
Antes que os sinais da angustia nos obriguem, a ver com outros olhos as novas
perspectivas, e nos compliquem. Para se entender, em novas ciências, o que há
de mais simples: amor e Deus. “Por que foi escolhido o Jaguar?”, perguntou
Nestor. Porque ele é um espírito espartano, é o Cavaleiro Verde, o Cavaleiro
especial. Também porque ele vem de um processo penoso, de sua mente
científica na luta de Séculos, neste mesmo solo. Hoje sua percepção nos afirma,
filho, que os tempos chegaram e não dá mais espaço para as polêmicas, mas tão
somente para a sensibilidade do homem iniciado, do homem que não descansa na
grandeza de luta e é agraciado pela grandiosidade das energias trazidas do
Prana, para retirar o que necessita do seu psiquismo particular para as respostas
às perguntas que emergem do fundo de seu coração.
Este homem, este Jaguar é fácil de ser encontrado. Ele é grosseiro e sagas
porque é oriundo das cordilheiras espartanas. Porém, ele não suporta ver alguém
sofrendo; sai logo, aflito, procurando socorrer quem quer que seja. E logo se
torna amável, requintado, afetuoso, sensível às dificuldades dos povos. Sempre
que a missão se apresenta sua mão é forte, seu amor espontâneo; não tem
superstições nem falsos preconceitos. O Jaguar ama verdadeiramente sua
Doutrina e faz dela o seu sacerdócio. Ele acredita na vida e sabe se promover
embora seja boêmio. Sua mente é livre de qualquer crença que não seja
autêntica e não lhe permita ser ele mesmo. Os Jaguares são sabedores de que a
última grande iniciação da humanidade ocorreu pela espontaneidade, unificando e
aproximando o homem da sua individualização. Sabe também, que em todo
nosso universo o homem está sendo sacudido, no fundo do seu ser, de maneira
autêntica e poderosa.
Meu filho, o mundo está bem perto do inevitável, da transformação que afetará
todos os seres de corpo humano. Então filho, sabemos que não podemos ficar a
mercê dessa transformação olhando para o céu, se sofremos os desatinos de
nossos destinos cármicos. Mas, nada temos a temer, pois é sabido que a dor faz o
homem humilde e o amadurece para Deus. Assim será a situação do homem
brevemente, diante do imenso painel da realidade universal. “E como a senhora
vê esse painel?” Vejo que as coisas que hoje desperdiçamos nos faltarão amanhã.
Sem saber que já amanheceu, o homem chorará a falta do céu azul, do sol, da
lua e das campinas verdejantes. Sem saber onde pisar ele estará correndo o
grande perigo da desintegração. Enquanto isso, filho, o homem que já adquiriu as
suas asas, esse estará provido da candeia viva e resplandecente, na sua jornada
missionária para alimentar e reintegrar os que perderam a sua rota. “Será então,
a escuridão de que falam as profecias?” Sim filho, a escuridão é a falta de visão,
do conhecimento das coisas do céu, do homem que é conduzido pela sua mente
sem Deus, e que por isso poderá perder a sua rota e entrar no processo de
desintegração. Eis o perigo dos que levam a vida na inconsciência, sem saber o
que está acontecendo acima ou abaixo de sua cabeça. É triste, muito triste. Filho,
como era triste a vida sem o Doutrinador. Pense na falta de luz, tendo os pés na
beira dos pântanos. Entretanto, Deus, o Grande Deus, o imenso farol deste
universo, que nos deu Jesus seu filho, que tanto sofreu por nós, e cujo grandioso
exemplo de amor continua a emitir do céu luzes para quem precisa, ou para
quem já passou o tempo de brincar, e está consciência de sua jornada
evangélica.
A esse homem nada lhe falta, pois ele sabe que a hora é chegada pela presença
do Verbo que segue a luz evangélica de Nosso Senhor Jesus Cristo, servindo de
uma vida para outra, desintegrando e reintegrando na força absoluta de Deus Pai
todo poderoso. E isso é que representam as Divinas Estrelas do Sétimo Verbo, da
origem do Santo Verbo Encarnado, Deus, Pai e Filho. São elas, Acelos do 2º
Verbo, Ceanes do 2º Verbo, Geiras do 3º Verbo, Gestas do 3º Verbo, Gertais do
2º Verbo, Xênios do 2º Verbo. Vanulos do 3º Verbo, Mântios do 2º Verbo, Taíses
do 3º Verbo. São as estrelas que trazem a faixa evangélica e iniciática da vida e
da morte. Nesse ponto a noite já se alongava silenciosa e o Solar dos Mestres,
como era também chamada a Estrela Candente, se fazia silencioso, ouvindo-se
apenas o chiar do Nêutron, a chamada voz do Silêncio. Nestor ajudou-a se erguer
e a foi conduzindo lentamente para o carro. O Jaguar Executivo procurava
memorizar o mundo de coisas que acabara de ouvir. Neiva lendo seu pensamento
parou ofegante e sorriu. Não se preocupe Nestor que vou lhe dar tudo isso
escrito.
O “Mortinho”
Nem bem acabara de falar quando o médico se levantou, lívido, com as feições
transtornadas, os olhos quase fora das órbitas clamando com voz rouca: “ Meu
Pai, meu pai, oh! Meu Deus!, meu pai, onde?, a senhora está vendo ele, como é
que ele esta?. Não sei se foi aquela cena patética ou se foi o fato de que eu
chegara com esperanças de meu caso ser de simples psiquiatria e poder ser
resolvido com remédios mas, a verdade é que naquele instante, vendo o espírito
de um defunto (que não parava de falar e acenar em direção ao médico), vendo
um cientista alucinado com a simples menção de um mortinho, eu entrei em
pânico, colapso nervoso, nem sei o que. O fato é que me levantei com violência e
tentei sair por onde entrara. Não sei se a fechadura ou trinco emperrou, mas o
fato é que eu sentei o pé na porta com tal violência que a porta abriu ao contrário
e ficou dependurada nas dobradiças caídas. Com a mesma violência entrei no
meu internacional e não respeitei nem seu “queixo seco”, engrenei vigorosamente
e sai sem saber bem o que estava fazendo. Chegando em casa chorei, chorei
muito.
Diga a ele, e apontava o médico, diga a ele que sou Juca, seu pai, eu sei que
você está me vendo, mas ele não me vê, diga a ele que sou Juca, seu pai, eu
morri há dois meses lá no Rio..
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O acidente
É Mãe Yara, vou deixar um mundo que ainda tenho na minha frente, um mundo
que amo, no qual vibro e tudo isso para me tornar uma beata curandeira. “È
verdade filha, se você não tiver uma super-personalidade, vai se tornar uma
“mãe de santo” que é muito pior do que ser uma “beata”. Sim, muito pior no seu
caso, porque a mãe de santo veio preparada para ser isso, uma mãe de santo,
enquanto que você veio para continuar a jornada de Amon-Rá, Aknaton e suas
grandes realizações no delta do Nilo. E o que dizer de Pítia de Delfos com seu
Deus Apolo, hoje unificado em Cristo Jesus, graças a essa mesma Pítia”. Eu
estava muito magoada, imersa em meus próprios conflitos e não podia entender
as misteriosas revelações que Mãe Yara me fazia. Pítia, Amon-Rá, Aknaton. Que
seria tudo isso? “Mas, perguntou Nestor, como era então o seu dia a dia, o seu
trabalho. A senhora ainda dirigia seu caminhão”? Minha vida se complicou muito,
eu me considero uma boa motorista, e até então havia dirigido por muitas
estradas desse Brasil; como você sabe Nestor, nem os carros tinham a mecânica
de hoje e nem as estradas eram pavimentadas, a não ser umas poucas nos
troncos principais. Pois bem Nestor, eu era respeitada pelos meus colegas
justamente por isso, por ser considerada uma boa motorista e boa companheira.
Visão do futuro
“Mas Tia, os espíritos chegavam a esse ponto? Porque isso, não seria mais fácil as
coisas virem de forma mais suave, menos chocante?” Sim, Nestor, teriam sido
mais fáceis, se não fosse minha resistência. Eu tenho uma personalidade forte e
nunca abri mão dela. Mesmo depois, quando já aceitara minha missão, eu pedi ao
Pai Seta Branca que não me obrigasse a abrir mão daquilo que é meu, a
personalidade que desenvolvi nos embates de uma vida boa, mas difícil. E o Pai
sempre me atendeu. É lógico que tive que abrir mão de muita coisa, do meu
temperamento por exemplo. Logo no começo de minha aceitação das coisas eu
via o quadro das pessoas e lhes dizia sem rebuços, sem me preocupar se aquilo
que dizia iria magoar ou não. Só com o tempo é que aprendi a me controlar e só
dizer às coisas que deveriam ser ditas e guardar as outras. Mas aquele dia não
terminou aí. Desisti de ir à casa do meu ajudante e resolvi chegar até o Berocan
onde havia um posto de abastecimento e um restaurante de um casal de
japoneses, meus amigos e velhos conhecidos. Aproveitei a oportunidade e pedi ao
lavador do posto para dar uma lavada rápida na carroceria e no chassi, entrei no
bar e pedi um café.
O homem, muito constrangido, procurava tirar minha mão do seu braço, mais
preocupado com o que a sua namorada pudesse pensar do que com o que eu
estava falando. A mulher por sua vez também procurava tirar a minha mão do
braço do rapaz, e falava com voz ríspida que eu não sei se dirigia a mim ou ao
seu namorado. Sei que se formou uma confusão enorme no ponto, o tumulto
atraindo as pessoas que se achavam no local, verdadeira balbúrdia. Mas,
enquanto isso, o ônibus, de verdade, chegou, as pessoas se espremeram, e o
ônibus saiu. Essas cenas de confusão eram comuns naquele tempo. Havia poucos
ônibus, os horários eram irregulares e até mesmo os itinerários variavam. Daí o
empenho do casal. Voltei assustada para o bar pensando comigo: porque entrara
numa situação dessas? Qual o meu interesse? E os outros passageiros? O
japonês, muito amável, ele e sua senhora, procuravam me consolar. Eu contei a
ele a estória da “TV” na cabeça do homem. Ele não ficou muito convencido, mas,
nesse momento o casal veio chegando onde eu estava, a mulher visivelmente
irritada, falando em voz alta com o rapaz. O japonês então, num gesto
cavalheiresco, procurou contar ao casal a visão que eu tivera, mas não estava
convencendo muito a mulherzinha cheia de ciúmes. A “televisão” sumira da
cabeça do homem.
Nisso ouviu-se um estrondo, como se fosse uma grande explosão. Todos no bar
quedaram silenciosos, um ar de interrogação em cada olhar, e todo mundo correu
para fora. Distante um quilômetro de onde nos achávamos a estrada fazia uma
curva acentuada para esquerda, aliás, até hoje é a mesma, e isso em cima de um
aterro, ficando a curva a uns sete ou oito metros de altura; apesar da guarda de
ferro que acompanhava toda a curva, os desastres ali eram freqüentes. Não deu
outra coisa e do bar do japonês a gente via o povo correndo para o local; o
ônibus havia tombado e a notícia chegou rápido: quatro pessoas estavam mortas!
O casal se aproximou de mim se desmanchando em desculpas. Falavam qualquer
coisa de ficar, devendo a vida a mim e a moça procurava abraçar-me, enquanto
que o japonês falava excitadamente para todo mundo o que eu previra. Como no
consultório do psiquiatra a minha reação foi nervosa. Repeli o casal com seus
agradecimentos e fui saindo de mansinho, calada; algo de muito sério me havia
tocado. Eu podia ver o passado, o presente e o futuro e vira o que ninguém tinha
visto. Esqueci do caminhão e fui caminhando para minha casa que não era muito
longe do local. Pensava. Como seria a minha vida dali em diante? Agora eu
estava convencida de que realmente eu poderia ajudar as pessoas, como havia
ajudado aquele casal. Com a cabeça cheia de pensamentos e o coração
apreensivo andava lentamente. Se eu era essa pessoa, se isso realmente me
acontecera, então eu não iria retroceder. É lógico que tudo estava morrendo, a
partir daquele instante, o meu mundo, o mundo que eu fizera com tanto
empenho, já ia começar a ficar para trás. Chegando em casa encontrei todos lá:
Gilberto, Carmem Lúcia, Raul Oscar, Vera Lúcia, Gertrudes. Eles me olharam
apreensivos e eu contei o que se passara. Também lhes disse que eles não
precisavam mais se preocupar, pois daquele dia em diante eu voltaria a ser
calma, sem eclosões. Choramos todos juntos..
Moço, moço! Não vá neste ônibus, ele vai tombar e a senhora também, vai ser
um desastre horrível.
O Cacique Guerreiro
Seriam cerca de quatro horas da tarde quando Nestor chegou. O Primeiro Mestre
Jaguar costumava sempre chegar à noitinha ou então depois da janta. Nesse dia
o “expediente” de Neiva estava realmente cheio. Nestor ficou num canto do
“sétimo”, como era chamada a sala-escritório-dormitório de Neiva. Estava
realmente difícil conversar com “a chefe” nesse dia. Pessoas entravam e saiam
ininterruptamente, apesar do controle dos “porteiros” e da vigilância do seu
Mario. Pensava Nestor: esse é realmente o maior problema do Vale. Todo mundo
quer falar com Neiva e, apesar da inesgotável paciência dela não consegue
atender a todos”. Nisto entrou um casal com aspecto de roceiros e trazendo pela
mão uma mocinha de quinze anos, magra e visivelmente doente. Nestor prestou
atenção na “consulta” e ficou vivamente impressionado. A mocinha tinha agulhas,
pregos e outras coisas de metal que “apareciam” no seu corpo e quanto mais
tirava, mais aparecia. Neiva olhou, falou muito pouco, chamou um dos Avaganos
que faziam papel de porteiros e mandou que fosse feito um trabalho no Templo.
Despachou os três afirmando que a mocinha iria ficar boa e que os objetos
estranhos iriam parar de aparecer. Tão pronto saíram e Nestor perguntou: “Tia, a
senhora acha que ela vai mesmo sarar?, e esses objetos, de onde vem?, como
pode acontecer?” Magnético animal, fluído, ectoplasma, carma pesado. É isso aí,
Nestor. Onde quer que a moça passe os objetos metálicos de pouco peso são
atraídos e penetram no seu corpo. Naturalmente existe uma falange de espíritos
cobradores ajudando o fenômeno. Mas a base é a mesma de qualquer outro
fenômeno ectoplasmático só que agravado. Se conseguirmos aliviar um pouco a
carga do magnético ela vai melhorar, se também conseguirmos retirar os
cobradores ela pode sarar. Se ela desenvolvesse a mediunidade seria uma grande
Médium. Mas não sei, tudo depende do que eles irão fazer com ela depois que
saírem daqui. Mas a senhora viu as agulhas no corpo dela?. Vi uma ou duas.
Como disse o Mendonça há muito tempo atrás, eu tenho raios X nos olhos. O
Mendonça?, quem era ele? Deixe que lhe conto. Certo dia chegou a minha casa a
esposa do Mendonça, um dos engenheiros da Novacap e muito meu amigo. A
mulher estava com um ar muito aflito e foi logo me dizendo: “Neiva, acho que
estou com uma agulha enfiada aqui no braço esquerdo”, e me mostrou o braço
que parecia realmente um pouco inchado. Como, disse eu, você disse que tem
uma agulha aí? Sim, disse ela, eu estava provando um velho vestido que estou
fazendo, senti cansaço e me deitei um pouco e, sem querer por cima do vestido.
Estranhamente adormeci, embora tivesse sentido a picada quando a agulha
penetrou no braço. Acordei, continuei minhas tarefas e só fui pensar no assunto
quando a dor, já de noite. Agora a dor já saiu do braço, está aqui, perto da
clavícula e eu estou apavorada. Olhei para o Mendonça e vi que ele também
estava preocupado pois conhecia os casos que se contavam a esse respeito; diz-
se que a agulha percorre o corpo todo e que quando atinge o coração a pessoa
morre. O Mendonça era muito meu amigo. Eu costumava transportar o pessoal da
topografia da Novacap e foi assim que nos conhecemos. Quando começaram as
manifestações da minha clarividência o Mendonça me ajudou muito,
principalmente em relação aos meus filhos. Ele sempre tinha uma palavra de
carinho e dava um ar de seriedade onde todo mundo dava apenas palpites e
ainda por cima negativos. Ele era espírita cardecista e tinha a mente aberta. Mas
o mais importante é que ele acreditava em mim.
“Tia, a senhora deve ter passado por muitas experiências desagradáveis, nesse
tempo. Dá para a senhora dizer alguma coisa sobre isso?” Espera Nestor, deixe
acabar de contar a estória da agulha. Dei uma olhada na mulher e, mesmo por
baixo da roupa, vi a agulha no peito dela, colocada superficialmente. Mostrei o
local e eles se encaminharam imediatamente para o hospital. Neiva, disse o
Mendonça quando se despediram se cuide bem, você tem um raio X nos seus
olhos. Mais tarde me trouxeram a notícia de que a agulha havia sido retirada sem
maiores problemas. Com relação as minhas experiências desagradáveis, é
verdade Nestor, elas foram muitas. Hoje eu compreendo a tudo e a todos. Mas
naquele tempo, realmente as coisas me magoavam. Você pode imaginar. Nestor,
eu voltando de um transe em que permaneci totalmente inconsciente, sentir dor
no braço e ver que fui queimada com charuto aceso como teste? Mas Tia, eu não
entendo, porque haveriam de fazer testes com a senhora; não bastavam as
provas que a senhora já dera, como, por exemplo, o caso da agulha? Nestor, meu
filho, para você entender o que se passava é preciso que saiba a posição do
espiritismo aqui na Brasília da Cidade Livre. Havia alguns terreiros e alguns
centros cardecistas e o meu caso, no princípio foi confundido com manifestações
umbandistas. Não havia experiência alguma com a clarividência, nem mesmo
aquela da parapsicologia que naquele tempo era ainda incipiente no País. Bem,
Tia, acho que entendo, aliás, até hoje não creio que ela seja entendida. Sim,
Nestor, por aqueles que entram em contato comigo, ela é entendida. Mas você se
lembra o que lhe disse no começo de nossas conversas: Não basta a minha
clarividência para que o mundo entenda as nossas mensagens; é preciso todo
nosso ritual, o colorido, as construções, as iniciações. Naquele tempo, Nestor,
ainda havia o agravante da euforia da construção de Brasília, as pessoas aqui
estavam na base de aventuras de ganhar dinheiro, de trabalhar, fazer comercio,
mudar de vida e de ambiente. Tudo era mais ou menos improvisado, em barracos
rústicos e clima de aventura. O espiritismo predominante refletia o ambiente. Eu
acho que o Pai quis que fosse assim, para que eu não “nascesse” com vícios
mediúnicos que seriam incompatíveis com a nossa missão. Por isso Nestor, você
pode reparar que desde o começo as coisas que foram registradas , com as
poucas coisas escritas, servem até hoje e todos os registros obedecem a uma
linha harmoniosa, nunca tendo havido uma só contradição entre o que foi
ensinado e o que está sendo ensinado.
Num certo sentido essas adversidades foram muito boas para mim. Muito cedo eu
desisti de querer ser entendida pelos homens e me voltei para os amigos
espirituais. Mas a própria missão exigia e eu tinha que me subordinar aos amigos
encarnados circunstantes, o que, aliás, me ensinou as principais lições. “Parece
Tia, que através do que a senhora está me dizendo a gente pode entender um
pouco do que acontece hoje com Médium principiante” Pois é, meu filho, eu
estava na maior confusão quando mãe Neném apareceu. Ela era uma senhora,
tipo da matrona, daquelas que inspiravam confiança, pela autoridade que exercia.
O único problema era sua formação cardecista que não aceitava Pretos Velhos
nem Umbanda. Isso me trouxe maior insegurança. Sua primeira medida foi
convocar um médium muito conceituado o qual chegou com muita autoridade, na
condição de árbitro. Seu nome era Cisenando e tão logo ele se familiarizou
comigo condenou as minhas maneiras bruscas de agir e não gostou de certas
entidades que se manifestavam por mim. “Neiva, dizia ele, vamos afastar essas
entidades, é para o seu próprio bem, vamos fazer uma reparação para você não
ficar louca e ir parar num hospício”. Entre as “entidades” que ele pretendia
afastar estava o Cacique Guerreiro Tupinambás. Fiquei muito triste quando soube
que esse espírito iria subir e lembrei logo de falar com Mãe Yara. Entre as
providências que Mãe Neném havia tomado para o meu desenvolvimento, estava
a reserva de um canto da casa para os trabalhos espirituais. Dirigi-me para esse
canto com a intenção de ouvir Mãe Yara e lá estavam Mãe Neném e o Cisenando.
Tomei o maior susto pois percebi que não contavam com minha presença, e o
pior é que o Cisenando estava incorporado e, para meu maior espanto, com Mãe
Yara! E pela boca desse médium, ela dizia: “Os espíritos de pouco
desenvolvimento espiritual, que entram neste mundo, permanecem nas
proximidades da terra, na atmosfera densa, na escuridão. Eles são chamados de
espíritos sofredores e sua maior função é atrapalhar o trabalho missionário dos
trabalhadores da última hora. Neném ensine Neiva a assimilar as suas visões.
Faça com que ela retorne a sua segurança, para a grande obra que vocês duas
terão que levantar.
“Mas então Tia, desculpe desviá-la de sua estória que está muito bonita, mas
então como ficamos nisso, qual a nossa atitude diante dos médiuns que dão
comunicações e se dizem inconscientes?. Nestor, antes de mais nada é preciso
respeitar muito o médium de incorporação, o nosso Apará. Mas, realmente o que
acontece é que o médium embora registre, ouça o que ele mesmo está falando,
muitas vezes ele se alheia, procura não registrar, evita ser indiscreto, não quer se
imiscuir na vida alheia, e acaba por realmente não se lembrar do que falou. Esse
é o médium ideal, que segue o conselho de Pai Seta Branca de “comunicar sem
participar”. Isso acontece principalmente com médiuns totalmente conscientes
como, por exemplo, alguns que você conhece como o de Pai Nagô e Pai Zé Pedro.
Bem Nestor, vê se não me interrompe. Tenho medo de não ter tempo de contar a
minha história e sei que ela vai ajudar muito a vocês quando eu partir. Eu estava
naquela fase triste e sem saber o que fazer, quando, um dia Mãe Yara chegou de
mansinho e começou a falar no meu ouvido, e, tão logo eu a vi comecei a me
desabafar. Como?! Disse eu, a senhora me disse tanta coisa bonita, me prometeu
o céu e agora isso, até o Cacique Guerreiro que eu gosto tanto vocês querem
afastar. “Calma, calma, Neiva. Não se esqueça que na vida, quando você está
esperando o céu, a terra esta esperando por você. Sim filha, antes de você subir
ao céu terá que baixar na terra. Não queira que as pessoas pensem como você.
Seja imparcial no seu raciocínio e nada aceite sem entender. Não se esqueça que
ninguém possui a verdade total”.
Mas, Mãe Yara, diga alguma coisa sobre esse médium, diga alguma coisa sobre o
que eu vi. “Neiva, respondeu ela, você não poderá caminhar sozinha. Dê trabalho
aos seus braços. Leve o consolo enxugue as lágrimas dos aflitos, ajude a todos
aqueles que caminham ao seu lado, não atrapalhe para não ficar sozinha. Fique
neutra em relação aquele assunto e volte à normalidade.” As palavras de Mãe
Yara me fizeram refletir muito e passei uns poucos dias sem eclosões. Até que.
Certo dia, cheguei a casa e encontrei minha filha, Carmem Lúcia, com um dente
inflamado e a boca muito inchada. Fiquei aflita e procurei logo tomar alguma
providencia, porém naquele momento alguém me puxou para traz e eu
incorporei. Atirei-me contra minha filha, descompondo-a e tentando machucá-la e
não sei o que mais, pois perdi os sentidos. Quando voltei a mim e soube o que
havia acontecido entrei novamente num terrível conflito. Desta vez a coisa tinha
sido muito pior, eu havia atingido a minha filha, que era a razão de toda minha
luta, minha vida, meus filhos eram como o sangue que corria nas minhas veias.
Mas, na minha vergonha e no meu orgulho, eu, já consciente nos meus sentidos,
comecei a maltratá-la ainda mais.
-Calma, calma, Neiva. Não se esqueça que na vida, quando você está esperando
o céu, a terra está esperando por você.
Nestor chegou zangado. As coisas no seu trabalho não tinham sido satisfatórias e
ele recebeu uma carta de sua mãe pedindo para ele ir vê-la. Ele ama muito sua
velha mãe, mas não gostava da vida na sua cidade natal. Colonizada por russos
católicos a cidade refletia nitidamente os velhos hábitos comunitários e sua
intransigência em relação às coisas espíritas. Ele tinha sido educado no seminário
local e, para os olhos de certas pessoas era um herege. Também nesse dia ele
chegou mais cedo que de costume e Neiva foi logo perguntando o que
acontecera. “Não é por nada, Tia. Eu gosto do meu pessoal e até admiro a
capacidade deles de viver. Eu tenho um velho avô que com quase noventa anos
ainda levanta às quatro da manhã e vai ordenhar as vacas. O velho é um barato,
mas quando se trata de religião é completamente fechado e duro. Quando vou
para lá eu fico feito um peixe fora d’água”. É disse Neiva, eu conheci isso de
perto. Não tanto pela religião em si, mas pela intransigência com os meus
fenômenos, minha vida missionária e minha conduta. Mas a própria adversidade
que me deparava me dava as lições que eu ia aprendendo. E cada dia eu ia me
convencendo mais de que a fé é algo transcendental, é amor e é ternura. E eu
tinha que cortejar e aprender esses valores com aqueles nos quais havia sido
criada e educada. Valores da soberbia e da força dos velhos coronéis dos sertões
nordestinos. Se dissesse a menor mentira ou mostrasse medo de dormir sozinha
num quarto escuro era severamente castigada. Nesse meio havia pouco espaço
para a imaginação e a gente era instada a só acreditar nas coisas que via ou
palpava. E isso foi motivo de muitos conflitos. É meu caro Nestor Sabatovics, a
missão caminha junto com o missionário.
Veja filho, depois dessa aonde eu fui parar. Meu mundo, o mundo meu e de meus
filhos começou em 1950 quando eu era uma viúva recente e com apenas 29 anos
de idade. Raul, meu marido, havia falecido em 1949 me deixando com quatro
filhos: Gilberto com cinco anos, Carmem Lúcia quatro, Raul com dois e Vera Lúcia
com apenas onze meses, além de Gertrudes com doze anos. Gertrudes era minha
afilhada, mas tão apegada a mim que aproveitou uma confusão com sua certidão
de nascimento e fez outra com meu sobrenome. A partir daí nos organizamos
como perfeita célula familiar, pois sempre houve muito amor entre nós, muito
carinho. A única dificuldade foi a de conciliar a independência que já sentia dentro
de mim com a rígida determinação de meus pais, principalmente do velho Chaves
meu pai. Procurando a liberdade econômica como base para uma independência
mais ampla, minha primeira experiência foi montar um “Studio” fotográfico,
mesmo a contragosto de meu pai. “E como foi sua carreira de fotógrafa?”
Interrompeu Nestor. Foi breve. A vida confinada a um cômodo de 3x3 não estava
sendo muito do meu agrado. Naquele tempo eu já começava a sentir ânsias de
correr mundos, saber o que havia através daquelas montanhas. E foi assim que
resolvi ser motorista profissional. Aproveitei de algumas poucas facilidades locais,
juntei tudo que tinha, tirei carteira e comprei meu primeiro caminhão. “E como
era esse carro?”, perguntou de novo Nestor. Era um Ford de cinco toneladas,
1946. “Ah! , já sei, era um Cara de Sapo tipo queixo duro”. Não Nestor meu
caminhão não era “queixo duro” ele apenas não era sincronizado! Reagiu Neiva
com um muxoxo. Daí, da Colônia Agrícola de Ceres, parti para o Brasil afora. “E
seus filhos, a senhora os deixou em Ceres?” Coisa nenhuma! Ficamos todos
juntos, ora na cabine do Ford ora nalguma pensão de currutela, nossa vida era na
estrada. Quando eu tinha alguma viagem mais longa eu alugava uma casa e
Gertrudes cuidava de tudo até a minha volta. Minhas voltas eram sempre uma
alegria renovada. Eu sempre trazia presentes, novidades e fazia umas comidinhas
gostosas, pois era orgulhosa da minha capacidade culinária. E assim essa vida
durou uns cinco ou seis anos. Conheci uma boa parte do Brasil de norte a sul e fiz
muitos amigos, principalmente entre os caminhoneiros.
Certa ocasião cheguei em casa mais ou menos a meia noite e estava com muita
fome. Peguei uma panelinha para esquentar um ovo e, meio desajeitada, queimei
um dedo; cai no meu baixo padrão e, meu Deus! Mãe Yara estava perto e ouviu.
“filha, disse ela, que vergonha! Pensar que esperamos que você seja uma líder
espiritual. Vim para fazer uma prece contigo. O seu Manuel das Emas, o seu
amigo, vai morrer. Na sua próxima viagem mande o Delei com a turma”. Não
lembro se comi o ovo, lembro apenas que estava insegura. Perguntei ao Getúlio
sobre o que ele sabia a respeito do seu Manuel e ele, ao par da minha situação
disse que eu tivesse cuidado e me acalmasse, pois existiam espíritos zombeteiros
e poderia ser alguma interferência. Senti-me inquieta e, pior, eu sabia que não
era verdade aquilo que ele havia dito. E continuei pensando naquelas ofensas; e
se ela não voltasse mais? Na hora do almoço o Delei pediu a chave do caminhão
e foi fazer o serviço para me descansar. Eu esqueci completamente do aviso de
Mãe Yara. Mais tarde eu soube que o seu Manuel caíra morto. Pensei: quem sabe
se eu estivesse rezado com a Senhora do Espaço, como ela quisera na noite
anterior, eu tivesse ajudado o seu Manuel? Tudo passou. Oito dias depois, vi a
noite, com os meus olhos abertos, o seu Manuel das Emas, de pé em uma
estrada luminosa e amarela, com seu chapéu de palha e com a mesma roupinha
que ele sempre usava. Ele deu a entender que continuava a ser meu amigo e
sorria, como se me dissesse:” estou feliz”. Sim Nestor, assim fui tendo visões.
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O incêndio
A rotina da casa Grande continuava inalterada. Pessoas iam e vinham no
caminhar ininterrupto que começava na hora do despertar de Neiva e continuaria
até alta madrugada. Eram cerca de nove horas da noite e Neiva se recostara um
pouco numa cadeira de balanço. Sua velha enfermidade de pulmão não lhe dava
tréguas e há muito ela superava as coisas que a medicina podia lhe oferecer. Ela
existia ainda pela tenacidade de espartana e pelo amor à sua missão. Assim
mesmo o povo ocupava os inúmeros lugares do “sétimo” e Nestor conversava
com os mestres; a maioria do “povo” era de médiuns da Corrente. Ela abriu os
olhos e Nestor sentou-se aos seus pés, ansioso para continuar a história. Sim,
meu filho Jaguar, estou me lembrando agora de uma cena semelhante a essa que
aconteceu ainda no começo de minha missão. Eu acabava de chegar de uma
viagem profissional, estava muito cansada e me deitara um pouco. Alguns
colegas caminhoneiros que estavam de visita, como aconteciam quase todas as
noites, continuaram conversando na roda formada com meus familiares. Embora
estivesse muito cansada não conseguia dormir. De repente um velhinho,
conhecido meu, apareceu trazendo na mão um lampiãozinho de querosene e,
folgadamente, sentou-se na beira da minha cama. Acomodou-se e começou a
falar sem parar. A maioria das coisas que eu ouvia era logo esquecida. Notei
apenas que ele agradecia em nome de Deus tudo o que eu havia feito por ele. Eu
me lembrava dele do tempo da Colônia de Ceres, quando eu havia lhe
proporcionado muita paciência e carinho; ele era um esmoler habitual e dizia que
pedia esmola como missão. Ouvi então quando disse que eu devia trabalhar
muito e eu sorri pensando.
Ele está caduco, mais do que eu trabalho? Logo em seguida, porém me lembrei
que ele já tinha morrido, e que por ocasião de sua morte se descobriu que tinha
até casa de aluguel. Era um espírito de luz. Fiquei toda irradiada e sai correndo
da cama. O encontro realmente me abalara. Mas compreendi que tudo estava
acontecendo conforme Mãe Yara previra. Sabe Nestor, a nossa vida de hoje traz
muitas recordações de meus primeiros tempos. Outro dia eu estava conversando
com o Pedro Izídio, o Mestre Adjunto do Ministro Muyatã. Conversávamos com
animação você sabe não é Nestor, como esses jovens me trouxeram tantas
realizações. Falávamos sobre seus componentes quando entraram algumas
pessoas carregando uma jovem desmaiada. Era realmente um quadro triste e
Pedro imediatamente se dispôs a atendê-la, procurando poupar-me do trabalho.
Isso fez com que eu me lembrasse do meu primeiro desdobramento, vinte e
quatro anos antes e para que eu estava servindo. Hoje tudo estava ali, na
segurança dos Mestres. Vejo como se fosse hoje a minha primeira viagem de
desdobramento. Naquela tarde eu estava preocupada com meu caderno de
contas. Afinal, eu tinha dois caminhões fichados na Novacap e estava um pouco
assustada com as contas. Nas anotações estavam faltando muitas viagens, que
eu havia feito e eu não atinava qual a razão dessa omissão. Tudo estava sendo
feito à minha revelia. Sofri muito com isso com medo daquelas primeiras falhas
na vida prática. Com dor no coração vi logo que eu não sustentaria aquela vida
dupla; teria que optar entre a vida espiritual e a vida material. Pensava, tenho
que descobrir um jeito. Estava assim, nesse desânimo, quando ouvi a voz de Mãe
Yara: “Você filha, descobrirá tudo através dos seus próprios recursos”. Deitei-me,
no mesmo sofá onde estava examinando as contas, totalmente consciente,
sentindo, porém as vibrações aumentarem e diminuírem. De repente fui
arrancada do corpo e senti que era um movimento do mundo extra-sensorial e no
entanto, eu me assustara como se fosse morrer. Senti-me desprendendo do
corpo físico e que minha cabeça rodava. Percebi que algo me segurava; apesar de
minhas faltas para com ela Mãe Yara era a minha salvação.
Rodei, não sei por quanto tempo. Subitamente, como por encanto, me vi diante
de uma grande luz opaca e que não iluminava as imediações; dentro dela estava
tudo claro, mas em sua volta só havia escuridão. Ouvi alguém dizendo:
“Faculdade mediúnica de transporte em desdobramento”. “Sim, responderam
desdobramento”. Eu pensava comigo: desta vez foi diferente, me arrancaram os
bofes. Comecei a sentir ânsia, muita ânsia, mas vi quando chegaram dois
senhores com aspecto de médicos e isso me acalmou. Comecei a ter linda visão,
porém nada ouvia. Transporte em desdobramento. Comecei a me acalmar e
percebi árvores que “caminhavam” e meio assustada, me voltei para Mãe Yara
apontando para as árvores. Ela colocou a mão sobre a minha testa e disse: “Não
tem árvores, olhei!” E realmente não tinha árvores. Fiz outras perguntas e ela me
respondia sempre. Comecei a pensar e percebi que ela me ouvia pela expressão
do meu pensamento. A partir daí continuei fazendo assim com todos que
encontrava: “ouvi” e era “ouvida”. Senti que era a primeira experiência e não
estava sendo tão fácil, conforme eu “ouvi” comentarem. E assim, tive minha
grande e nova experiência. Mais ou menos naqueles dias, digo naqueles dias
porque eu ainda permanecia com aquelas sensações daquele “transporte de
desdobramento”. Eram cinco horas da manhã, quando Pai João de Enoque veio
me avisar para que eu não fosse trabalhar. Dei o meu carro ao Delei e fiquei em
casa. Mais tarde Pai João me disse para comer pouco no almoço e nada a tarde,
dizendo: ”Você terá um lindo trabalho a fazer”. Mais tarde, incorporando no meu
aparelho deu instruções a Mãe Neném para que eu me deitasse e ela formasse
um pequeno grupo de pessoas mais íntimas. Quando chegou sete horas da noite,
comecei a sentir as mesmas sensações da vez anterior, de transporte em
desdobramento, e o procedimento foi o mesmo. Mas, em vez de me achar num
lugar, como anteriormente, me vi numa espécie de veículo que “ senti” ser uma
nave etérica. Em seguida me vi num lugar especial da nave, “deitada em pé”,
sim, porque a “cama” era como que presa nas minhas costas. Nisto ouvi uma voz
com autoridade de comando: “Dezenove horas; não podemos evitar o incêndio do
hotel”.
No meu corpo, meu aparelho vocal repetia as mesmas palavras, e Mãe Neném
anotava. Outra voz dizia: “As vinte e uma horas haverá um grande incêndio.
Como? Iremos esperar? Porque já são dezenove horas e meia”. Eu não tenho
condições de descrever as sensações que eu sentia, e pensava comigo mesma,
será que tudo isto é verdade? Uma chama enorme surgiu de repente,
interrompendo meus pensamentos. Mas tanto meus pensamentos como as coisas
que eu estava cogitando eram verbalizadas pela minha fala no corpo, de forma
que as pessoas que se achavam em torno de meu corpo a tudo acompanhavam.
As chamas agora eram imensas. Eu me sentia mal e daria tudo para não estar
envolvida em tão terríveis irrealidades. Mas independente de eu querer ali estava,
naquele imenso aparelho. De repente notei algo diferente: Mais ou menos a uns
dois metros de onde me achava vi um homem deitado. Sua barba era cerrada, e
o que mais me assombrou foi à constatação de que o seu corpo era pesado, não
como o meu, era um homem de carne e osso. Nisso ouvi a voz de um dos
comandantes dizendo: “Esse é o porteiro do hotel, vão sentir falta dele”. Senti a
nave se movimentar e parar em seguida em cima de imenso conjunto de casas.
Eu estava “deitada” bem junto a uma enorme janela e dava para ver tudo muito
bem. Fora dela que eu vira o incêndio. E do mesmo lugar dava pra ver e ouvir
tudo que se passava dentro da nave. E eu sabia também que tanto eu, como o
porteiro do hotel incendiado, estávamos em missão para evitar uma terrível
epidemia. Não sei como voltei. Só sei que me vi sentada na cama e todos me
olhavam com os olhos arregalados. Senti vontade de fazer um desafio e fui logo
dizendo que tudo não passara de tolice dos espíritos. Foi só dizer isso e Pai João
veio como um raio, mandando-me respeitar o ambiente, pois poderia perder a
voz. Nisso alguém aumentou o volume do rádio que estava ouvindo e se ouviu
claramente a notícia extraordinária: de São Paulo estavam informando que estava
havendo um enorme incêndio em um hotel muito alto, mas que, por um estranho
fenômeno, todos os hóspedes tinham sido salvos, exceto o porteiro que se
achava desaparecido. Até àquela hora não tinham achado o seu cadáver, mas
todos afirmavam claramente tê-lo visto antes do incêndio.
Colegas
Nesse dia Neiva se retirou mais cedo do Templo. Nestor a acompanhou até o
“sétimo” e não sentia vontade de se retirar, apesar de cansado. Ele estava
impressionado com o tom profético de Neiva naquele encontro casual da “sala do
café”. Neiva que também demonstrava cansaço percebeu a avidez do Jaguar e
começou com voz tênue: é filho, observando aquele grupo de jovens, fiz uma
análise deles junto a mim e voltei a 1959. A vida espiritual de então, a mansão
dos meninos. Agora a mansão cultural dos instrutores, as ninfas, os trinos e
enfim a mansão do médium iniciado em Dharma Oxinto. Lembro-me que só via a
mansão, o castelo dos meninos quando eu estava mais cansada e deitada no meu
sofá. Em resumo, eu pagava um preço para ter aquela proteção para os meus
filhos; hoje eu pago também um preço alto para a cultura dos novos filhos e fico
feliz. Entendo o porquê da facilidade com que ele aceita os conhecimentos. Vejo
que o Jaguar entra na vida etérica, vai à sua mansão cultural e, quando soa a
minha mensagem no plano físico já encontra a sua mente clara. Vejo também
que o homem correto é esclarecido por Deus junto à presença Divina, o Prana. As
religiões estão confundindo o homem e tirando o seu respeito para com Deus.
Sim, meu filho Nestor, naquele tempo eu vivia fazendo comparações e muitas
conjecturas naquele labirinto que ficou para traz. Certo dia eu estava preocupada
porque há muito não tinha notícias dos meus colegas. Às sete horas da manhã
ouvimos o ronco do motor Mercedes grande que se encostava à minha porta.
Saímos todos para fora. Era o Nelson, um velho amigo com o qual eu me afinava
muito. Fiquei muito satisfeita com aquela visita. Nelson falou muito, sem parar, e
seu tema principal era me tirar de Brasília. Dizia que me daria um caminhão novo
e que onde eu estava não servia para mim etc. Enquanto ele falava um espírito
se colocou atrás dele e começou a fazer gestos mímicos e eu disparei a rir.
Nelson estranhou o meu jeito e começou a me olhar com ar compungido, sem
entender o meu drama. O espírito começou a “plantar bananeiras” e dar chutes
nas costas de Nelson. Eu falei com o espírito, ao mesmo tempo em que eu falava
com o meu colega e ele começou a se sentir confuso.
Saímos da porta e o espírito, para meu alívio, ficou e tudo começou a correr bem.
Quando voltamos o espírito estava em pé na porta e tudo começou de novo. Eu
ria muito, não conseguia me conter Nelson não quis jantar e começou a falar em
ir embora. Já não falava mais em me levar dali como dizia no começo, quando
chegará. Como foi triste a sua saída! Gilberto, meu filho, dizia: “Não, mamãe não
deve ir, ela aqui trabalha perto de nós”. Sim, eu sei, disse Nelson, é melhor você
ficar Neiva, você já está se acostumando aqui. Nesse momento o espírito deu um
pulo, fazendo novas mímicas e piruetas e eu disparei a rir enquanto Nelson se
despedia dos que ali estavam. Neiva, disse ele, procure um especialista. Você
toda a vida só trabalhou. Só pensávamos em você montada num caminhão.
Procure um descanso, doze anos sem parar de trabalhar é muita coisa. Como
parar?, respondi, e as crianças? Nelson foi embora e eu fiquei com mais uma
frustração. A partir daí comecei a sentir mais na carne a minha prisão. Hoje, meu
filho, eu compreendo como foi difícil a minha vida. Nessa época havia um colega
que morava comigo, chamava-se Getúlio. Ele sofria muito com os problemas que
eu estava enfrentando. E por isso eu cada dia me apegava mais a ele. Contudo,
nosso relacionamento não passava de uma grande dívida transcendental. Não
tínhamos uma vida conjugal normal; éramos dois jovens tocados por uma
missão. Não nos amávamos, porém nos respeitávamos mutuamente. Ele tinha
suas esperanças e eu tinha as minhas. Esperanças de novos encontros ou de
casamento. Eu com quem já me esperava. E minhas esperanças não morriam
apesar de tudo. Pois é meu filho, em 1958 eu já tinha todo esse acervo dentro de
mim. Mas pedia aos espíritos que as coisas não acontecessem. E com toda essa
insegurança que eu vivia, eu continuava a trabalhar na Novacap. Tinha sempre
dois caminhões. Naqueles dias aconteceram muitos fenômenos comigo. Esse que
eu vou contar é do tipo dos que passam desapercebidos pela gente.
Veja filho. Uma senhora de bons costumes veio pedir que olhasse o noivo de sua
filha. As duas ali estavam na minha frente e com um ar de expectativa. A senhora
queria saber se ela faria um grande casamento com Rafael, esse era o nome do
noivo, que morava no Rio e que, no momento estava no apartamento dela.
Mentalizei, como sempre faço, e, qual não foi o meu espanto! Pedi então que elas
mentalizassem o noivo, novamente, e sim, era ele, eu tinha certeza: eu o vi
carregando tudo que havia no apartamento! Olhando para a senhora eu disse:
Dona, ele é um assaltante! Virando-me para a moça eu continuei: não o queira
filha, você vai ter um terrível susto. As duas se levantaram enquanto a moça
dizia: “Louca, ela é louca, vamos mamãe, vamos”. Desapontadas, elas se foram.
Eu, sem saber na ocasião, o que elas haviam dito, fui trabalhar nos tronos.
Depois me senti doente e fui para casa, pedindo ao meu bendito “fenômeno” que
me dissesse algo. Passaram-se mais ou menos três dias quando me avisaram que
havia duas senhoras que me queriam ver. Fui atendê-las. Eram elas. Uma delas
ria e a outra, a moça, chorava. A mãe dizia: Viemos para Brasília, para a casa do
meu filho. Estamos com medo. Foi tudo como à senhora disse. Ele levou tudo e
ficamos com medo que ele voltasse e nos encontrasse lá. Salve Deus! Pensei
comigo mesma, mais um fenômeno da rosa! Na consulta anterior eu vira que elas
seriam mortas pelo “noivo”. Puxei com todo amor as forças dos mundos
encantados dos Himaláias e pedi à minha flor, a minha rosa; o noivo assaltante
iria esperá-las no apartamento para fazer melhor saque, mas, ele teve pressa e
levou tudo que podia, logo.
O Bispo
Eu então marchei para junto do casal gritando: parem com isso gente! A mulher
apontou o dedo para o meu rosto passando o braço tão rápido que quase me
pegou, enquanto que o homem, apontando para mim, dizia: Sai daqui sua
intrometida, não vê que a briga é por sua causa, infeliz! Vá cuidar da sua vida.
Desaforo! Ia eu dizendo, quando a turma do deixa disso me tirou dali. Enquanto
isso o homem continuava a esbravejar contra mim, dizendo coisas sem nexo
como: fala-se no diabo e aparece o rabo. Meu pessoal apressou o carregamento,
colocaram-se na cabine e eu fui parar no outro lado da cidade, com uma vontade
muito grande de chorar. Porém Gilberto e Raul estavam comigo, éramos os três
chefes da casa e eu não podia fraquejar. Debrucei-me sobre o volante e fiquei
amargurando aquela dor. Nisto Pai João chegou. “Foi mexer com a vida dos
outros, teimosa! Eu não falei?” Estou desajustada, vou matá-los! “Baú, baú, se
não matou até agora, não matará mais, nunca mais”. Você está marchando para
um sacerdócio. Feio, muito feio, eu disse. Porém, já fiz concurso de feio e você
nunca fez. Rimos, e eu esqueci o incidente. E a vida passava sem que eu pudesse
fazer coisa alguma. Porém eu já tinha desenvolvido minha mediunidade de
incorporação. Certo dia veio me consultar um casal de jovens namorados.
Queriam saber da Clarividente como seria sua vida de casados. Achei ele muito
bonito e ela muito feia e petulante. Pensei, pensei e não dei resposta. Tomaria
partido e achara ele muito bonito para sofrer ao lado daquela moça. Ô meu Deus,
tomei partido e fui ridicularizada nos planos espirituais! Sim filho, eu era uma
criança e de vez em quando fazia tolices como essas. Custei a entender a mim
mesma qual era a minha missão. Vivia cheia de medos da Igreja, do pecado
mortal etc. Depois do último erro, eu já estava mais doutrinada, quando me
vieram dizer que havia um bispo na porta, querendo falar comigo.
Como? como você sabe, mulher? Porque sou a clarividente que o senhor
procurou.
Gritei meus áis! Que querem fazer comigo? Um sacerdote de Deus! Fiquei por ali,
sem saber o que fazer. Mãe Yara chegou e foi me levando para a Kombi onde se
achava o sacerdote. Ele foi logo me dizendo: “Soube do seu fenômeno e me
perguntou”. Chovia muito e me deixaram sozinha com ele na Kombi, cheia de
medo, porém lembrando-me “dos meus olhos que eu tinha entregue a Jesus”, e
de que não poderia mentir, como por exemplo, dizer que eu não era espírita nem
clarividente. Não tinha por onde escapar. Em que os espíritas se apegam? Na
reencarnação? Mãe Yara veio. Padre fui dizendo, seus pais são dois velhinhos que
são dois santinhos. Deus lhes deu a graça de terem um filho como o senhor, mas
porque eles têm também outro filho que é epilético e vive pelas ruas embriagado?
“Como?, gritou ele, como você sabe mulher? Porque sou a clarividente que o
senhor procurou. Sim, disse ainda, dívidas do passado. Seus pais e o senhor
ainda se endividarão mutuamente. Disse-lhe ainda mais algumas coisas do irmão
dele. Ele deu um gemido, como quem sente uma grande dor. “Realmente, meu
irmão”. E foi despedindo de mim como se sentindo incomodado. Depois, se
possível, se eu pudesse ir até onde ele morava. Tudo que eu lhe disse é verdade.
Não, eu não sairia dali! Tudo foi muito desagradável. Falei com Mãe Yara e ela me
disse que não ficaria só nisso, outros e outros me abordariam. Foi uma dura
experiência, porque realmente eu gosto da Igreja. Fiquei triste por uns dias e
deveras impressionada com o susto do padre. Há outras passagens de minha vida
que podem elucidar muita coisa para você que não estão escritas. Isso eu farei
em outro livrinho. Um velho amigo, chegando de Uberlândia me convidou para a
despedida do Zé e sua noiva. Dirigimos para um pequeno bar e lá ficamos,
cantando e bebendo, todos se despedindo. Voltaram para seus lugares e estavam
apaixonados em me deixar ali em Brasília, na Cidade Livre, no Núcleo
Bandeirante. Tomei novamente cerveja, eu que não tinha desejos por bebidas.
Em toda minha vida eu vivia para meus filhos.
Segunda Parte
De como Neiva conta a sua história para os Jaguares, de forma mais profunda,
menos coloquial, principalmente as lições recebidas de Umahan.
Os Exus
Meus Filhos. Saibam, pois, que quando somos acessíveis, a todos emitimos raios
de luz e amor. Filho, o seu progresso está no seu coração; agora o tempo esta
curto; veja a inquietação que está crescendo em todo universo. Filho, antes de
semear temos que provar se somos humildes, mesmo sendo abnegados como
somos. Aprende a distinguir sempre o BEM e o MAL. Quando o homem retorna
aos planos espirituais, é interrogado para prestar suas contas do tempo prestado
na terra e suas possibilidades. A Fé é a determinação permanente de
pensamentos construtivos; tudo que fazemos com fé e amor atingem o objetivo.
Quando estamos confiantes temos aguçados os nossos ouvidos, sensíveis aos
fenômenos deste mundo, sinal evidente de que não estamos voltados somente
para nós. É a melhor maneira de conhecer nossa evolução, quando não passamos
despercebidos das dores alheias, emitir o amor onde olhamos e sentimos graças
por tudo ou pouco que temos. Filho, aqui esta uma explicação das atividades
transcendentais onde você filho, terá que me ouvir para se conscientizar de sua
missão, e de como se faz um sacerdote, como eu fui preparada, Salve Deus. A
minha vida seguia o curso normal de uma mulher viúva aos trinta e dois anos,
quando começaram os primeiros fenômenos de minha clarividência e começaram,
também, as indecisões e tudo que havia planejado em toda a minha vida, que se
transformava sem que eu percebesse. Sentia apenas como tudo mudava. Em
1959, tive que aceitar e morar na Serra do Ouro, onde ingressei na União
Espiritualista Seta Branca.
Foi o mais terrível martírio pela brusca transformação de toda a minha vida. Meus
filhos Gilberto, Raul Oscar, Carmem Lúcia e Vera Lúcia, estavam na crítica idade
de estudos e desenvolvimento. Renunciei a tudo, porque somente uma lei passou
a existir, o DOUTRINADOR. No dia 9 de novembro de 1959, recebi o primeiro
mantra Mayante. Minha cabeça se encheu de som, quando apareceu um lindo
general do tempo da queda da Bastilha, dizendo chamar-se Claudionor de Place
Ferrate, o qual após contar a sua história, ditou a letra do som que eu estava
ouvindo, formando então Mayante, o mantra de abertura dos nossos trabalhos.
Naquele mesmo dia, eu teria que concluir um grande compromisso sentimental e,
qual não foi a minha decepção, comecei a ouvir Mayante e a sentir desprezo por
tudo que sentia, inclusive um compromisso de nove anos. Eu bem sabia o quanto
iria pagar por aquela renúncia. Porém não vacilei, me desliguei do compromisso e
voltei para minha missão, e de joelhos em frente a Pai Seta Branca, entreguei os
meus olhos a Jesus pela terceira vez. Comecei a reduzir as palavras sem
conseguir vencê-las, procurando sempre harmonizar em mim meus pensamentos
em ações de graças ao meu Reino. Não havia mais ninguém no mundo, fiquei
sozinha esperando alguém que me conhecesse, caminhando solitariamente na
noite, em caminhos invisíveis e sobre os campos vazios. Chorei filhos, chorei
amargamente, porém, ao defrontar-me com alguém tinha sempre um sorriso nos
lábios. Dos requintes dos salões, de uma vida de luxo, conheci a pobreza
inconfundível, mil conselhos e seduções, nada, porém me afastando do bem na
convicção das minhas visões. Aquela mulher moça, cheia de arrogância, perdia
aos poucos o seu orgulho. Filhos, Deus não criou o homem inteiramente livre e eu
precisava me encontrar com alguém do meu nível, que me compreendesse.
Abordada por um grupo Kardecista, pensei em sair dali, daquela serra, pois tive
mais uma decepção, quando disse que estava na missão do Doutrinador e fiquei
confusa. Nesse mesmo dia, um colega de minha confiança, que muito se afinava
comigo, chegou naquele exato momento e qual não foi a minha surpresa,
escandalizou-se, insistiu comigo para que fosse com ele argumentando, “você
está fanática, você vai deixar seus filhos sem estudo”.
Meus filhos. Saibam, pois, que quando somos acessíveis, a todos emitimos raios
de luz e amor.
UESB-Serra do Ouro-1960
Dentro de mim começou um terrível conflito. Sai com ele e fui até Alexânia que
ficava a uns 14 quilômetros dali. A minha cabeça era agora um vulcão e me
sentia realmente irresponsável. Conflitos, conflitos era tudo que tinha na minha
mente. “Eu compro um caminhão e ponho na sua mão e você vai pagando; você
é a única mulher profissional. Você mascateando?” Ele me ridicularizou ao
máximo e despediu-se dizendo com água nos olhos: “Me corta o coração, nunca
mais porei os pés aqui, não quero vê-la nesta miséria, neste fanatismo. Pense em
seus filhos Neiva!” Sentados na estrada ele se despediu e se foi, dizendo que
confiava no meu retorno à estrada e juntos daríamos uma festa. Ouvi uma voz
dizer: “Vai fia!” Continuei sentada ainda na estrada e tapei os ouvidos para não
ouvir o barulho do motor do caminhão. “Vai fia”, disse Vovô Indú na minha
audição. Pensei, como sou querida! Os espíritos preferem que eu desista a me
verem infeliz. Meu colega saiu tão amargurado. Quando me levantei, já vinham
atrás de mim e começaram os sermões. “Neiva, nesta missão em que nós
confiamos a você, não podemos ter um gesto irregular, é feio para nós”. Porém, a
minha dor agora era tão grande que eu mal ouvia aquelas palavras. Resolvi então
continuar a minha farsa de companheira de Getúlio. Assim pude manter um
pouco o respeito, sem causar tanto ciúme. Sim, meu filho, no campo da vida cada
inteligência se caracteriza pelas atribuições que lhes são próprias. Senti, pois que
a estrada é longa e que se processa, a cada passo, lentamente pelo chão. “Sede,
pois, vós outros perfeitos, como perfeito é o vosso Pai Celestial” (Mateus 5:48)
Daquele dia então, transformei a minha vida, e a fiz um facho de luz e amor,
sentindo que as minhas dúvidas eram imortais. Preenchi todas as necessidades,
fazendo das minhas ilusões um clarão de alegria a todos os meus desejos. Aos
poucos fui me realizando com as curas constantes; fui superando as minhas
frustrações, me colocando e passando a viver sob um céu espiritual de uma outra
natureza, da qual dia a dia ia me conscientizando na minha clarividência.
Dois grandes homens com pequenos chifres me seguravam pelos braços num
gesto deprimente, enquanto o rei vociferava: “É inofensiva, tragam-na até aqui.
Já tenho conhecimento dos seus contatos e virando-se para mim continuou
dizendo: sua pretensão é muito grande em querer acordo, quando não tem nem
mesmo um povo para a defender”. Respondi: Vou levantar um poder inicático e
quero fazê-lo após vossa licença neste acordo, para que o seu “povo” não penetre
na minha área. “Já sei muito bem, disse ele, das suas intenções. Eu me
comprometo de não penetrar em sua área, antes, porém vou fazer um teste com
você para lhe fazer sentir a minha força”. Eu disse apenas: Salve Deus! “Quero
ver se você tem proteção, se ela a livrará de mim. Amanhã às três horas da
tarde, vou arrancar todo o telhado de sua casa. Quero ver sua força!” Voltei para
o corpo sentindo o sabor desagradável daquela viagem. Tornei a voltar onde ele
estava, porém em outro local, em outro salão e desta vez tudo foi pior. Ele jurou
na verdade que não tocaria nos meus filhos Doutrinadores, porém só se realizaria
quando medisse sua força comigo. Sustentei sua ameaça três anos, até que um
dia, eu já estava em Taguatinga, senti que as coisas estavam ficando perigosas.
Fui pela terceira vez falar com ele e qual não foi o meu sofrimento: sua ameaça
estava de pé! No meio de risos e deboches ele me disse que às três horas da
tarde arrancaria o telhado de minha casa. Pensei em não ter medo, se ele até
hoje não arrancou, não arrancaria mais. Qual não foi a minha surpresa: uma
velha, dessas que vivem para melhor fazer suas cobrancinhas, mais ou menos às
duas horas da tarde, começou uma das suas. “Ô irmã Neiva, como vai? Eu
precisava tanto falar com você, mas dizem que você não fala com os pobres”. Eu
fiquei possessa com a velha, baixei a vibração, e então só ouvi o urro do telhado,
foi tudo para os ares! Só Deus sabe como fiquei humilhada. Pensei; Neiva você
fracassou apesar de todas as instruções que recebeu.
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Amanto
Voltamos três anos atrás. Isto foi uma experiência; veja meu filho, até que ponto
o espírito espera para fazer a sua vingança. Salve Deus! Decepcionada com o Exu
Seta Flechas, e sempre preparada para o seu ataque, comecei a fazer minha
preparação, quase um ritual, para entrar numa caverna. 1961 estava ainda
cumprindo a minha peregrinação, lembrando-me sempre do que dizia Mãe Tildes:
Neiva, fale somente o que convêm à sua doutrina. Fui então, a cada dia e a cada
hora, me acostumando com as heresias de Mãe Neném. Minhas condições de
amor me davam segurança, sempre a ponto de receber as contradições dos meus
princípios em ricas lições. No dia 9 de junho de 1961 eu estava deslumbrada com
os acontecimentos em meus desdobramentos, quando uma numerosa família me
apareceu. Apertei a mão de um por um, das que me eram estendidas, e me
quedei a ouvir o triste drama. Tudo girava em torno de um certo senhor por
nome Aprígio que havia desencarnado já fazia 30 anos, deixando uma enorme
herança em terras. Este senhor fora um desajustado, a ponto de sua herança
desonesta ter sido feita com sangue, isto é, com jagunços que forçavam as
pessoas, matavam por escrituras, etc. Estava distraída quando alguém pegou no
meu ombro e, para minha surpresa, seu Aprígio, hoje na encarnação de Manoel,
o seu neto, quem mais prejudicado vivia, pois herdara justamente uma terra cuja
escritura era falsa, enquanto que os outros herdeiros já possuíam suas terras em
ordem! Hoje Manoel estava sem nada! Essa terra fora outrora de uma viúva cujo
esposo seu Aprígio havia tirado a vida.
Porém, sempre pensando como vivia o Aprígio Neto, pagando suas dívidas sem
consolação sem sentir, comecei a me lembrar das palavras de Umahan: “Fia!
Desde que há criação no mundo físico, todos vem tentando conseguir uma vida
permanente, mais a lei da própria natureza física é imutável, ninguém escapa das
mãos da morte. A verdade é que ninguém pensa em morrer, envelhecer ou
adoecer. A lei da natureza não muda, não imuniza contra a morte. A ciência
nuclear descobre muito, porém está sempre nas mãos das moléstias, da velhice,
da morte e do nascimento. Sendo assim temos por obrigação corrigir o nosso
conhecimento”. Finalmente, seu Aprígio era Manoel, seu próprio neto, com 23
anos e o mais prejudicado de todos. Tive tanto susto que quase morri. Porém
deslumbrada como estava, à noite fui bisbilhotar a procedência de tudo. Sentei
na minha pequena praça e de longe ouvia o murmúrio de casais chegando dos
seus trabalhos. Em seguida ouvi uma voz: “Ajudar sem participar. Cuidado, você
não devia dizer que o tal seu Aprígio estava reencarnado em Manoel seu neto,
porque não podemos causar ansiedade nos outros pelas ações do nosso corpo,
pelos pensamentos de nossa mente ou por palavras”. Voltei para o corpo um
pouco mais equilibrada. Nesse mesmo dia, uma coisa que não gostaria que me
acontecesse, aconteceu. Meu companheiro me chamou e disse que não fora
possível agüentar tanto e já estava vivendo com outra mulher. Tive um choque e
voltei à estaca zero, não podia admitir o que ouvira. Porém agüentei quase tonta
e sem rumo. Voltei para Umahan para que ele me dissesse o que teria que fazer.
“Fia, me disse, terás que passar por todas as provações. Impusestes ao teu
companheiro viver ao teu lado. Hoje ele se cansou e, pelo que sei de Seta Branca
ele tem uma filosofia adequada para o terceiro Milênio e para uma nova era: o
homem vivendo pelo amor da família, nunca fica infeliz ou aflito por coisas
desejáveis ou indesejáveis criadas pela mente; ele torna-se um devoto puro na
sua personalidade em Deus”. Tudo que o homem forja na mente está errado. O
homem deve se sentir seguro nos seus sentimentos. Vocês não se amam e não
poderão viver assim. Lembre-se sempre que, enquanto tiver um corpo matéria
terá que enfrentar todos os aspectos físico dele, descobrindo o que lhe é
saudável.
Não fuja das leis físicas, através das quais terás que conquistar tua identidade
espiritual. Estás com teu orgulho ferido, porém, tão logo pagues o teu débito te
libertarás desse companheiro. Não te identifiques, falsamente, com o teu corpo
material, grosseiro. Nem consideres que os corpos se relacionam com corpos por
suas propriedades. Cada um gera a sua lei. Não é vantagem inserir teu corpo no
que quer que seja. Continue normalmente respeitando teus sentimentos nas leis
que sempre te regeram. Estou certo? Sim, está certo. Porém eu estava arrasada,
humilhada perante todos na comunidade. E mãe Neném? “O que realmente não
queremos é que sejas frustrada. Neném te reprova porque sua vida conjugal a
traumatizou, a ponto de perder o equilíbrio. Mas esse é um detalhe corriqueiro.
Se tu não fosses uma criatura perfeita não conhecerias com tanto amor os teus
irmãos. Não passes por religiosa simplesmente, pela forma ou pelo nome, não
sejas como um falso profeta!” Eu continuava muito desolada. Ele me olhou e
continuou, com muito amor: Pobre Neiva é tão jovem para saber da morte. Disse
isso como se não me visse ali perto. Dei um gemido como se quisesse arrebentar
o peito. Conhecerá, filha, a verdade e ela te libertará, porque a sua luz
resplandecerá em ti. A tua tarefa deve ser encarada como um santo sacerdócio e
a tua responsabilidade é grande pela força que te foi confiada. Deves sentir a
mais doce e mais humilde tolerância. Sim, tolerância com amor. Detém no lado
bom das pessoas, das situações e das coisas. Cries esperança e otimismo onde
estiveres, em favor dos outros, sem pedir recompensa. Auxilia muito e espera
pouco ou nada. O teu mundo estará sempre aos teus pés, porém nunca acharás
lugar para os teus desejos. Viverás sempre carente porque não terás irmã por
estes vinte anos. A noite iluminará os pequenos diamantes da tua cabeça, porque
caíram das estrelas. O que tens a fazer é marcar o local do teu altar, do teu
sacrifício, para a grande convulsão que está escrita no rumo do largo portão da
nova Aurora. O teu som estará sempre unido aos apelos da noite e do dia. Calei-
me, envergonhada e perguntei o meu nome inicático.
Meus filhos sem estudar, sem eu para criá-los, como será? “Sim, és clarividente,
poderás saber de todo o teu futuro e, queres saber, já estou cansado dos teus
gemidos, assim não chegarás”. Naquele exato momento chegou Mãe Neném
espraguejando: Vou-me embora, não agüento mais estes miseráveis caipiras, só
querem explorar a gente, só querem remédios! Então, simultaneamente eu ouvia
as duas vozes; a pobrezinha não perdia as esperanças, e no meu intimo eu
estava recebendo a minha lição. Envergonhava-me de tudo. Agora quem tinha
vontade de correr era eu. Realmente eu estava ficando indefesa com tantos
problemas. Meus filhos ficaram somente com o curso ginasial e isso me
horrorizava. O tempo não ajudava, estava caindo muita chuva. Comecei a pensar
em como sustentar toda aquela gente se não pudesse mandar buscar mandioca
para fazer farinha, que era do que vivíamos. Nisso parou de chover e me dispus a
sair de casa. Olhei para o céu e uma ave voava bem alto. “Vê Neiva, disse Mãe
Tildes. Vê aquele pássaro a voar. Jamais se ouviu dizer ter caído algum por falta
de alimento. Pois assim também os teus pequeninos filhos, como as aves, tem a
benção de Deus. Não poderás nunca tomar conhecimento de um sonho quando
ele está presente. Fostes iniciada e a iniciação significa estar em contato íntimo
com alguém que está acordado. Todos dizem que no mundo físico os loucos não
gostam de viver, porém é tão difícil um suicídio. Neiva se puderes esperar,
mesmo que seja um ano, tua mente se tornará silenciosa por si,
automaticamente. As perguntas pouco a pouco vão perdendo o sentido. A mente
simples é inteligente e fértil. Estabeleças uma norma para as tuas perguntas e as
gerações se exaltarão em ti. Filha, não queiras saber agora de onde vens e nem
para onde irás. O vento te levará para longe e te dirá tudo; quem vem por ele, te
conhece e te ama. Sim, não cai uma só folha de uma árvore que não seja pela
benção de Deus, pelo vento, sim pelo vento e pela chuva! À noite eu estava
exausta, rolava na cama quase em desespero. De repente adormeci ou me
transportei. Estava agora em uma pracinha, que há muito me era bem familiar.
Bem consciente via e ouvia o que se passava, quando senti alguém sentando
perto de mim.
A Rita sangrava pelos poros e pelas gengivas. Sentei-me ao lado dela e senti
muito sono. Cerca de uma hora depois chegou o medicamento e a fiz ingerir nem
sei como dois vidros de óleo de rícino e uma cápsula de calomelano. Tinha feito
tudo por ordem de Vovô Indú, e porque também não tinha outro recurso, só
havia médico em Brasília a três horas de viagem de carro ou esperando o ônibus,
pois não havia carro. Termina a “operação”, isto é, fazê-la engolir tudo,
começaram a surgir às dúvidas e o medo da minha responsabilidade. Afinal se
tratava de uma jovem de dezenove anos e a mordida tinha sido de cascavel, que
segundo me disseram tinha muitos anéis na cauda. O dia estava acabando de
amanhecer. Saí de perto da doente e fui lá fora tomar um pouco de ar, pois me
sentia sufocada. Encontrei Mãe Neném e ela me encarou como se eu tivesse
cometido um crime, “Neiva, cruz credo! Você está louca! Se essa mulher morrer”.
Eu respondi: Foi Vovô Indú. Quero só ver. Não Mãe Neném, não fale assim pelo
amor de Deus! Ela ficara boa. Cuidado, disse a voz de Vovô Indú, você só poderá
contar com a vitória às seis horas da tarde, dependendo da sua fé e de sua
confiança. Ô meu Deus! Gemi. Lembrei da ciência e da fé, uma lição inicial do
Mestre Umahan. Às três horas da tarde a moça já não falava. Eu perguntei que
fazer? “Na terra você já fez tudo, disseram, porém a força da mediunidade não
tem limites”. Continuei então fazendo as minhas preces. Mãe Neném me chamou.
Não tive tempo de lhe contar direito o meu encontro com Chico Xavier. Ele me
disse que sua clarividência é algo magnífico. Porém você deveria estudar um
pouco, procurar a Federação. Assim como estamos é um pouco perigoso. Você
não acha que está certo? Vá a senhora que eu fico aqui, vá, disse já com
desprezo. Olha Neiva, eu acharia bom se pudesse, porém o Chico é um santo.
A Rita sangrava pelos poros e pelas gengivas. Sentei-me ao lado dela e sentia
muito sono.
Não tenho dúvidas da sua santidade, porém vá. Não quero nada do mundo que
anule a minha personalidade, vá a senhora. E vou lhe dizer mais ou a senhora
fica aqui ou lá. Cruz credo, Neiva! Temos que saber o que é melhor. De mais a
mais, aquelas histórias que você me contou, dos Exus, de fazer tratos com eles,
não gostei. Perguntei: contou ao Chico? Claro, porém ele sorriu. Ô meu Deus!,
por que tudo isso? De que servirão essas humilhações? Olhei para Mãe Neném e
me pus no lugar dela. Talvez fizesse o mesmo. Em meio do calor do conflito, me
chamaram do pequeno ambulatório onde estava a doente. Dado o tom de
urgência de quem chamou fiz menção de correr junto com os outros. Em vez
disso corri par “o que era meu”. Como contei antes, “o que era meu” era na
verdade o lugar embaixo do pequizeiro onde eu ficava a meditar e a fazer meus
transportes, com as pernas penduradas no quase abismo, encostada na árvore
como se fosse numa poltrona. Foi para lá que eu me dirigi. Fui para lá como de
costume, porém uma força grande me impediu e uma voz imperativa me disse:
“Volte!, volte já” Sem entender muito bem, voltei correndo e pensando se aquela
“coisa” era boa, se gostaria que eu me arrebentasse. Coisa horrível! No meio da
corrida chamei Mãe Tildes e ela explicou que era voz direta deslocada pelo
Neutrôn”. Dirigi-me então para o ambulatório e tão grande foi a minha surpresa
que quase desmaiei. A moça estava sentada na cama, sentindo apenas fome.
Mãe Neném e eu nos olhamos com carinho e amor e juntas fomos para o Templo
agradecer a Deus. Voltei e de longe ouvia as meninas cantando, fiquei ali parada
por alguns minutos. Logo surgiu uma linda lua no céu, fiquei sentada no banco de
tábua embaixo da árvore. Gertrudes me trouxe um prato feito que comi na
realidade sem saber o que comera. Sim, muitas coisas aconteceram. Sozinha
naquela serra, com mil preocupações na cabeça. Sozinha, sim, como é triste a
solidão. Lembro das queixas dos “mal amados” e pensando em suas solidões,
comecei a fazer críticas, julgando. Estes também estão sozinhos por falta de
tolerância, finalmente devemos pensar na solidão da velhice.
UESB-Serra do ouro-1960
Parto Difícil
Existe um céu espiritual, existe outra natureza que está além da manifestação e
da não manifestação. Vamos Neiva, preciso, hoje, te levar a prova. Salve Deus!
Naquela madrugada fui até Ponta Negra, a minha triste pracinha, onde sempre
me encontrava com Amanto. Como longas fitas de muitas cores, recamadas de
fios dourados, refletindo mil luzes, pouco a pouco separava os dois planos que eu
simultaneamente visualizava. Quanta beleza triste eu sentia. Era a história de
vidas humanas etéricas, que se espalhavam por todo aquele Vale, de todos os
gêneros. Ali, sim Neiva, me disse alguém. Ali onde descem as trevas da noite, e
sorrindo com ternura no olhar ele me ofereceu uma dádiva secreta, e no fundo do
meu coração esta dádiva brilha. E assim tudo morrerá e tudo viverá, porque Deus
é a natureza. Fechou-se o santuário íntimo da Alta Magia, dádiva esta que
somente o alto limite te fará compreender. Comecei a viver um terrível contraste.
Contando as pessoas os fenômenos de minha viagem, todos dizem: Você que é
feliz Neiva! Não era verdade, eu sofria muito. Minha enfermidade piorava dia a
dia, como também aumentava os enfermos, os desesperados e as despesas, que
eram só minhas. Resolvi fazer uma fábrica de farinha e outra de telhas. A de
telhas o Raul, meu filho, tomava conta e fabricava tranquilamente telhas
coloniais. A farinha eu e a criançada fazíamos. Gilberto com um caminhão puxava
a mandioca, que era a matéria prima. Puxava também barro para as telhas. Nas
horas vagas fazia fretes. Gertrudes tinha uma pequena pensão. Carmem Lúcia e
Vera Lúcia cozinhavam e levavam para as crianças do orfanato. Ninguém
reclamava; pelo contrário, me davam forças para que continuassem. A sabedoria
para ajudar; o amor que inspira a vontade de servir; essas são as tuas
qualidades, Neiva. Certamente ninguém deve acalentar desequilíbrio; raciocínio
sem aspereza; sentimentos sem preguiça; caridade sem pretensão;
conhecimento sem vaidade; cooperação sem exigência; devotamento sem apelo;
dignidade sem orgulho e, por fim, o mais importante dessas palavras do seu
comportamento, respeito sem bajulice.
Confia, siga, trabalhe e continua. Chega meu Mestre, a minha cabeça é pequena.
Isto é o que você pensa! Zele pela tua lâmpada para que as perturbações do
caminho não te façam mergulhar nas trevas. O trabalho é a chama que define a
vida. A fé é o óleo que sustenta e clareia a estrada, para que se acolham na luz
que te cerca. Os casos de dúvidas e dos conflitos nos seres encarnados eram as
armas sempre apontadas para mim. Finalmente, o que é a vida senão a ação
permanente da força sobre a matéria. Sim, em força a matéria se resume se
sintetiza e se define. Sê tu, toda e verdadeira na vida. Tua fé viva, tua lâmpada.
Ô meu Deus! Como poderei seguir? Como será a minha grande luta? Se os
acontecimentos relacionados com a vida reduzem os erros em quem tanto confia.
A força matem este Universo, regido por leis comuns, naturais, numa seqüência
tão lógica! Por que complicar o processo evolutivo? Ô meu Deus! Como irei
explicar ao Doutrinador esta continuação? Eu era toda esta filosofia! Para que ver
tantas coisas? Quem me acreditará? A luz da razão, Neiva. Ninguém se nega ao
espírito da verdade, ele fala uma língua correta, materializada. Existe um Sol
Interior, cujo sol reflete no nosso rosto. É muito equilibrado e ilumina também os
nossos rastros. Então as pessoas que vem nos acompanhando vêem claro o
nosso caminho? Então as pessoas ficam presas em mim? Não Neiva! Ninguém
alcança os teus passos, apenas seguem. Meu Deus! Preferia os meus caminhões.
Neiva! Fixe na Doutrina e em suas revelações alternadas. A força agindo em
obediência às leis evolutivas utiliza-se da matéria no estado primário desta, e
com ela forma corpos e realizam fenômenos incontáveis e indescritíveis, que
escapam a apreciação comum, considerados os limitados recursos deste planeta.
Neiva, amanhã será outro dia, cuida do que puderes, sem te preocupares, com o
futuro dos outros. Nós não temos um futuro definido, porque tudo depende de
nós mesmos. Vamos filha, ânimo! O dia de hoje já nos trouxe muitas
preocupações, por que nos preocupar com o dia de amanhã? Jesus! Sim,
realmente, no outro dia tudo foi diferente. Fui levada a diversas provas, porém já
conscientizada pelo meu consolador.
Isadora
Desprendi-me dos afazeres e fui ao meu “trono”, como chamava o meu canto
embaixo do pequizeiro e lá comecei a pensar nos reajustes a que fui submetida.
Me transportei ao Tibet onde meu mestre Umahan me esperava. Não era muito
do meu gosto aquela sala ou aquele Palácio de Lhasa. Preferia suas lições no meu
corpo, ou melhor, ele se desdobrando e vindo até mim. Porém senti e fui saindo,
quando senti que estava no salão ao seu lado. Ele estava sentado entre dois
candelabros fincados no chão. “Neiva, me disse, Salve Deus! Venha filha, sei o
quanto está sofrendo! Porém serás em Deus muito feliz!” Estou infeliz. Querem
que eu adivinhe. Jogam agulhas no chão escuro para eu achar e apanhá-las. Sim,
eu acho as agulhas, porém uma coisa me entristece: é sinal de que eles não
acreditam em mim. “Salve Deus Neiva, Salve Deus Neiva! Precisas distinguir
entre o verdadeiro e o falso, deves aprender a ser verdadeira em tudo, em
pensamento, palavras e ação. Por mais sábia que sejas, um dia, ainda terás
muito que aprender. Todo conhecimento é útil e dia virá em que possuirás muito,
amor e sabedoria, e tudo se manifestará em ti. Entre o bem e o mal, o ocultismo
não admite transigência; custe o que custar é preciso fazer o bem e evitar o mal.
Teu corpo Astral-Mental se aprazerá em se imaginar, orgulhosamente separado
do físico”. Eu ouvia como se estivesse distante dali. Ele me observou dizendo:
“Neiva! Gostas de pensar em ti mesma. Seta Branca está incessantemente
vigilante, sob pena de vires a falir. Mesmo quando houveres te desviado das
coisas mundanas, ainda precisa meditar fazendo conjecturas. Jesus nos adverte:
Antes de culpar o teu vizinho, porque não ser sincera contigo mesmo?”
A tua vidência é algo sem limite, tens tudo para fazer o bem e o mal. Se fizeres o
mal te destruirás e se fizeres o bem crescerás como a rama selvagem. Não te
esqueças também, que acima de tudo, estás aqui para aprender e para guardar
segredo, mesmo fazendo mistério das tuas revelações. Esforça-te por averiguar o
que vale a pena ser tido. Lembra-te que não se deve julgar uma coisa pelo seu
tamanho. Uma coisa pequena, muitas vezes, tem maior sentido. Não deves
acolher um pensamento somente porque existe nas escrituras durante Séculos.
Deves fazer distinção entre o que é útil ou inútil. Alimentar os pobres é boa ação;
porém alimentar almas é ainda mais nobre e útil do que alimentar os corpos de
quem quer que seja. O rico pode alimentar o corpo, porém somente os que
possuem o conhecimento espiritual de Deus, poderão alimentar as suas almas.
Quem tem o conhecimento tem o dever de ensinar aos outros. A tua
responsabilidade Neiva, será a maior do mundo. Nunca poderás dizer tudo e não
poderá, também, se calar. Dizendo tudo isso, começou a contar este exemplo:
“Eu era muito jovem quando me enclausurei neste mosteiro. Porém, antes de
entrar aqui tive grandes experiências, e eis o que vi: Houve um tempo em que a
Índia era o ponto principal para revelações. Vinha de muito longe curiosos,
romeiros, magos e videntes e viviam por lá a espreita das oportunidades para
suas alucinações. E uma destas aconteceu com a família de um lorde que veio da
Inglaterra, para saber do destino de seu filho recém nascido. O mestre que o
atendeu estava de saída. Os seus companheiros já o estavam esperando na
célebre porteira, para assim cada um ter designada a sua direção. O fidalgo
insistiu, e então o mestre contou, sem amor, o que via no destino do menino:
disse que o filho dele teria um mau destino e deu todo o roteiro de sua vida: em
tal tempo acontecerá isto, em tal tempo será assim. O fidalgo saiu dali em
desespero; o seu filho que até então era a sua alegria, passou a ser a própria
sentença. Daí por diante não fez outra coisa senão sofrer, a espera dos
acontecimentos, por toda a sua vida. Porém nada aconteceu; o jovem foi feliz,
casou-se e nada de mal lhe aconteceu”.
Vale do Amanhecer-1975.
Quanto ao fidalgo seu pai, ele amargurou toda a sua vida. As suas vibrações, não
preciso dizer, destruíram o impensado mestre. Ninguém tem a intenção de
magoar ninguém. Porém o pecado da palavra impensada de um mestre ou
clarividente é algo muito sério. Neiva veja sempre em sua frente um fidalgo, o
homem que sofreu a conseqüência do seu orgulho. Porém nunca faça como o
impensado mestre, nunca participe com alguém. Serás antes de tudo uma
psicanalista. É bem melhor que as pessoas saiam de perto de ti te
desacreditando, do que desacreditando de si mesmas. Volte para o teu corpo
filha, e vá enfrentar as feras, como dizes. Porém saiba que todas são melhores
que tu, elas não tem um ideal como tu, elas sofrem pelo teu incontrolável
temperamento”. Me julgam com se eu fosse uma... porque sou motorista. Agora
para ti tudo é bom no caminho da evolução, e dizendo isso, se fixou, e eu me
senti em casa. Fiquei meditando sobre as coisas que ouvira. Uma das coisas que
Umahan me disse e me impressionou: “Os corpos se deslocam para realizarem as
curas; o serviço é a chama que lhes define a vida e clareia a estrada. Os que se
acolhem nas sombras, entre eles encontrarás os que julgam. Sim, os infelizes que
na terra só souberam julgar os seus irmãos cativos da ignorância e do ódio”. Ô
meu Deus!, é impossível uma mudança tão atroz, porém, não obstante, aos meus
protestos e minha incompreensão inicial, eu estava me evoluindo dia a dia. Tinha
uma lição em cada canto, ia aprendendo a iluminar nas sombras, sempre a
explicar que quem ama na Lei do Auxílio está imune a qualquer tragédia de dor.
Não tinha grandes conhecimentos da Lei do Carma e sofri então a primeira
decepção. Certo dia, eu estava muito atarefada, quando uma bonita e jovem
senhora, me pediu pelo amor de Deus, que eu internasse quatro filhos seus e
mais dois sobrinhos, por conseguinte seis crianças. Vendo uma mãe oferecer seus
filhos, na minha inexperiência, era algo muito sério. Apesar da habitual
intransigência de Mãe Neném, fiquei com os meninos e a mulher se foi.
Acostumada a fazer os meus cálculos, pensei.
Tudo dará certo, organizarei melhor minha fábrica de farinha e tudo seguirá
realmente o curso normal. Nessa noite, na madrugada, vi uma rica passagem no
plano espiritual. Via a linda Isadora se envenenando com o conteúdo de um
grande anel no qual guardava veneno, com o qual tinha envenenado a minutos.
Sabia que Isadora estava encarnada em uma daquelas mocinhas que me enchiam
de cuidados. Porém aconteceu o inevitável, Isadora, atualmente “Nair”, ficou
tomando conta da casa de farinha, e eu, ocupada onde estava não tirava os olhos
da menina. Mesmo assim ela enfiou a mão por baixo da engrenagem, para puxar
a massa da mandioca, e moeu os dedos da mão! Foi horrível e eu me desesperei.
De repente chegou um carro com um senhor, que há muitos dias não aparecia na
UESB e esse senhor era uma de suas vítimas do passado. Tudo aconteceu de
repente. Como apareceram as pessoas, assim se foram, em demanda de Anápolis
cidade vizinha de maiores recursos. Eu fiquei só, só novamente, sentindo aquela
sensação que certas circunstâncias da vida nos proporcionam. Pensei, pessoas
que não conheço pessoas tão insignificantes para mim. Senti a morte. Tentei
partir dali e sair em busca do meu mestre Humahan. Ainda com o coração partido
me lembrava das pragas de Mãe Neném a dizer: “Cruz credo, para que estas
crianças, nesta situação tão precária, nesta serra!” Sim ela tinha razão, porém,
quem nos entregara aquelas crianças? Com amargura no coração cheguei ao
Palácio Grená, onde o meu querido mestre me esperava. Quando o vi senti o meu
coração palpitar de emoção. Desta vez era diferente. Meu querido velhinho, meu
amor, estou só, estou sozinha, me ajude! Fui inventar uma fábrica de farinha de
mandioca e aleijei uma menina! “Não blasfemes, não permito que digas assim.
Destes apenas uma oportunidade a Isadora para se reajustar ao lado de quem fez
tanto mal.
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Olha Neiva!, assim como existe um único Deus, existe uma só verdade. Como
poderá conhecer a verdade, senão na fonte original da vida? A verdade só se
manifesta nos princípios espontâneos e aperfeiçoados. Quando souberes ouvir
claramente a voz da verdade, despertarás as tuas faculdades espirituais e
ouvirás, também, os eternos seres a te abençoar. Um dia um sol, e pequenos
sóis, abrirão a tua alma, e então afastarás muitas coisas do teu caminho,
encontrando com a harmonia do círculo esotérico da justiça e da verdade. Realize
conscientemente a tua individualidade, desenvolvida na consciência humana.
Terás a graça de Deus e farás o elixir da vida, tudo resultante da tua consciência.
É pela caridade que os santos consolam os criminosos da lei de Deus, ou melhor,
os que violam as leis de Deus, por cultivarem a ignorância. O homem, aqui na
terra, se deslumbra com as facilidades que esta rica paisagem lhe oferece. Filha,
existe um átomo, ou partícula anti-matérial, que se compõe das anti-qualidades
do átomo, a anti-matéria. Filha, o átomo que separa o etérico do físico, o
nêutron, este quando isolado um do outro, a matéria, do qual você conhece uma
pequena parte, porém igual, igualzinho a este, e esse mundo está em nossas
cabeças, com leis, ternura e paz. Não existe separação, apenas se separam, isto
é, quando tem separação esta é feita pela compreensão dos seus habitantes. Há
outra vida, como eu já disse, em cima das nossas cabeças. Eu perguntei
espantado: então os aviões arrebentam tudo quando passam? “Neiva, veja bem o
que eu disse anteriormente: é uma questão de velocidade, além dos parâmetros
do mundo material, que determina a anti-matéria chocar-se com a matéria, uma
aniquilando a outra. Essa partícula anti-matéra se encontra no plexo. Ela cresce e
se transforma para sempre se chocar e aniquilar o físico, o corpo matéria,
destrutível, temporário. O corpo físico é feito pelas partículas de sua energia vital,
mais denso, porém sempre é alimentado pela anti-matéria, que é mais sutil”.
Sentia que estava me preparando para alguma coisa boa, porém sempre com um
pensamento que me dava forças: vou embora qualquer dia desses. Sentei no
velho pequizeiro, perto da minha casa, no banco de tábuas feito pelos meus
meninos. Nesse dia eu estava terrivelmente desajustada. Fechei os olhos,
pedindo forças, quando Pai João de Enoque chegou de mansinho. “Fia. Os
espíritos do astral inferior gostam de se aproveitar dos grandes médiuns quando
estão descontrolados. Irritação, perturbação, você tem que ser diferente”. Salve
Deus! Por que seria eu diferente? Pensei: se Mãe Neném é tão sabia, como pode
a minha cabeça guardar tanta coisa? Enquanto isso, os comentários continuavam,
porém em bons termos; todos começavam a sentir o fenômeno do carma. Era
uma tarde fria, eu não me sentia bem e me recolhi. Já estava deitada, a mercê
dos meus pensamentos, quando ouvi os gritos terríveis de um obsedado. Era uma
moça. Saímos todos correndo para o Templo. Mãe Neném fez a abertura e leu o
Evangelho. Começaram as puxadas. Eu ia no mesmo embalo, quando ouvi a voz
de Amanto. Filha, quando chegar um caso desses, leve seu pensamento a Deus e
faça uma pequena concentração até os demais incorporarem. Era tudo tão difícil.
Comecei a ter medo. Em meio daquela confusão me desprendi até Umahan, que
estava lavando o rosto em uma bonita bacia. Ó, me perdoe! Só agora notava que
os horários eram diferentes. Ô filha, disse ele, não existe horário para nós,
somente hoje me pegaste desprevenido. Porém, muitas vezes, eu não estava
sentado naquele tapete como tu me vias, tu me vias sentado, em corpo fluídico.
No entanto, o meu corpo físico, o meu pobre corpo, estava dormindo em cima, no
dormitório, onde dormem também, mais dois outros ramas. Ô meu Deus!, como
é complexa a minha vida! Sim, filha, quanto mais penetramos no mundo
psíquico, mais difícil se trona a marcha da vida. Achamo-nos na situação de
viajantes, que atravessam uma região que antes nunca foi percorrida por alguém.
Tem que caminhar sem um guia, tendo como guia sua própria mente, confiando
apenas na sua orientação e suas defesas.
Neiva, minha Neiva, te encontra ante uma floresta virgem, cujas árvores são
muitas, e o campo da visão é tua consciência diante dos problemas que se
apresentam. Faça Neiva, a maior concentração de tua alma. Demonstre
rigorosamente a tua alma. Demonstre vigorosamente a tua força e faça as coisas
chegarem onde Seta Branca deseja que cheguem. Filha, a força é produzida pela
energia bioquímica, quando a motricidade do sistema nervoso desagrega e
inflama o teu plexo, e ele, instintivamente, emite sua força vital. Vai, filha, eles
na UESB já estão preocupados contigo. Cheguei à casa meio tonta, porém tive
um grande susto quando vi que estava em casa e não no Templo. Perguntei ao
Getúlio, vim do Templo carregada? Carregada como?, veio caminhando, apenas
calada. Até pensamos que você dormiu um pouco na hora da leitura do
Evangelho. Não, não vi nada!, estou ficando louca, qualquer hora dessas você vai
me levar para um manicômio. Salve Deus! Mil coisas aconteceram. Meus filhos
cresciam e eu não via uma maneira de sair dali. Levantei-me cedinho e fui me
sentar no pé de pequi, quando chegou um carro cheio de gente, cujo aspecto era
o pior possível. Pensei: eles estão com fome, me parece que estão vindos de
longe. Vamos fazer alguma coisa para que eles possam comer. Mãe Neném
adivinhou o meu pensamento. Não Neiva, lembre-se do que diz Umahan,
devemos alimentar somente a alma, temos tão pouco para repartir. Sim,
concordei. E rimos bastante. Depois desse dia senti que Mãe Neném também
estava melhor, compreensiva e mais razoável, tornando as nossas dores mais
amenas, nos unindo mais. Apesar do acidente continuamos a fabricar farinha.
Comprei um caminhão de mandioca e com a maior dificuldade mandei Gilberto
meu filho buscar. Gilberto tinha apenas 16 anos e o caminhão era dele. Ele havia
saído às 10 horas da manhã e até àquela hora não aparecia. Fiquei um pouco
aflita e fui até a estrada para me distrair.
Ô meu Deus! Parece que tudo estava marcado para me testar melhor: em vez de
Gilberto eis que chega o Samuel, um velho colega de estrada com o qual tinha
muita afinidade. Meu Deus!, pensei, qual será a reação dele diante da minha nova
vida? Pensei em correr, me esconder, porém, para onde? Nessa época já éramos
90 adultos bem conscientes e todos estavam a minha espreita, não seria possível
me esconder. A essa altura já estavam me chamando. Cruz credo Neiva! Cuidado
com esses motoristas. Porém, desta vez eu não era mais aquela. Levantei os
olhos e disse com amor: não se preocupe minha querida Mãe Neném! Samuel
mostrou-se estarrecido e disse sem vacilar o que pensava de toda aquela
pobreza. Encarou-me e deparou com minha segurança. De repente, tudo mudou
e ele disse: Puxa, colega velha, que mudança! Quem te viu e quem te vê. Estou
gostando, sabe? O Alcides me contou. Como você tivesse quebrado. Quebrei,
disse eu, porém desta vez com segurança. A partir daí tudo foi diferente. Neiva,
disse ele, você escolheu, está realizada? Está tudo certo? Só nós não
entendemos. Somos, realmente, teus amigos, e mais que amigos, irmãos. Mas o
Alcides não se conforma, você sempre nos ajudou, e me abraçando com carinho
continuou, estou feliz em encontrá-la assim, tão segura. Você sempre foi você
mesma, eu a entendo. Eu e Lourdes, minha mulher, já freqüentamos alguns
terreiros e gostamos muito. Salve Deus!, disse Mãe Neném. Eu disse: não sabia
que Lourdes era espírita. Sim, e como! Vou trazê-la aqui se Deus quiser. Lourdes,
a esposa dele, viajava muito conosco disse eu para Mãe Neném. Samuel disse
ainda: Graças a Deus eu vivo pelo mundo para dar conforto à família. Neiva sabe
como somos felizes. E assim Samuel desmanchava toda má impressão que meu
povo tivera. Vamos até Alexania? Vamos também Mãe Neném? Ela aceitou o
convite.
UESB-Serra do Ouro-1960.
O Chegante
Umahan! Falas em sexo? Eu já estou longe de ter uma vida normal. Sim filha, o
sexo não é como o álcool que deteriora os poderes do nosso sol interior, porém
conforme a conduta deforma e desmoraliza o destino do missionário. O escândalo
distancia o missionário de sua missão. Também o homem em sua mente
deformada, deturpa os fatos e as coisas. Todos os homens? Não filha, nem todos.
Porém uma grande parte. Falei no comportamento do sexo, associando a criação.
Dias virão em que os pais não criarão mais seus filhos, os psicólogos e psiquiatras
é que irão criá-los. Salve Deus! Pelas facilidades constantes do homem no
conceito do sexo, perdem suas famílias e não chegam ao término dos seus
destinos cármicos. Ô meu Deus! É tudo tão complexo, e a vida também
complexa, como chegarei lá, meu Mestre? Estou tão cansada, de não ter onde
escorar a minha cabeça. Filha, as projeções mentais, como o próprio nome indica,
dependem exclusivamente do poder e da vontade emissora, de sua capacidade
mais ou menos poderosa no impulso de suas ondas telepáticas. Essas projeções
podem ser mentais ou fluídicas. O teu chegante é um metabólico. “E dizendo
assim, se fechou em seu canto e eu o acompanhei em paz”. Em meu canto dizia:
Ô meu Deus! Quando esta andorinha descansará sua cabeça e quão altos serão
seus degraus? Vai filha. Deves sentir a mais perfeita tolerância por todos e um
interesse tão sincero pelas criaturas e pelas crenças dos que pertencem a outras
religiões, igual a que demonstram pela tua, pois a religião dos outros é um
caminho para o mais elevado, assim como a tua, pois também isso, deve ser feito
pelo nosso amor. Agora tens aberto os teus olhos. Lembra-te filha, algumas de
tuas antigas crenças, de tuas velhas cerimônias, poderão parecer absurdas,
porém mantenhas firme, porque jamais farás as coisas de ti. Ô meu Deus, gemi,
eu perdi a minha personalidade. Umahan disse ainda: Sejas condescente em tudo
e seja benévola em todas as coisas. Vá agora os teus olhos estão abertos, pois
Deus tem os seus planos, e um deles és tu.
Quando despertei, estava no meu corpo, pensando. Aquele velho está caducando.
Fui buscar uma coisa e ele me deu outra. Lá fora todos falavam com os recém
chegados. Sem entusiasmo, meio decepcionada, logo depois já estava na roda,
falando, rindo. Porém o meu pensamento estava seguro do outro lado do mundo.
Ficamos amigos, e mais do que amigos, irmãos, eu e o novo visitante. Com as
dúvidas de ser ele o intelectual esperado por Pai Seta Branca, porém tudo passou
a ser bom. Comecei a me desenvolver melhor, e tinha prazer de tê-lo ao meu
lado, porque ele desvendava com carinho as minhas visões, e eu, muito doente
chegava a sentir melhor. Certo dia Mãe Neném disse: “Neiva, Umahan já sabe
que este homem está se apaixonando por você? Cruz credo, ele não quer nada
comigo”. O visitante vinha vindo em nossa direção e perguntou: Para onde vai
Mãe Neném? Vou para Brasília cuidar da vida, porque não tenho ninguém para
cuidar de mim. Meu filho, você não sabe como é triste a vida de uma mulher
sozinha. Sim, Mãe Neném, eu pretendo passar algum tempo aqui e poderei
ajudá-la. Vou levá-la no meu carro, tenho também algo a tratar em Brasília. E se
apressando, disse: Vamos, Mãe Neném, vamos. Dois dias depois voltaram, porém
eu já sabia de tudo. Neiva, me disse ele, por que você não foi mais franca
comigo? Dizem que você está sem medicamentos porque não pode comprar e
que o Seta Branca está preparando você para um intelectual que irá descrever
com certo critério esta doutrina, Sabe Neiva? O Pai Seta Branca é sábio, porém
você não quer sair daqui? Eu terei todo respeito às coisas do nosso Pai. Por que
você me fala estas coisas? Porque Mãe Neném me pediu para que eu saísse daqui
da Serra e nas entrelinhas outras mesquinharias. Sabe Neiva, me desculpe,
quantos anos tem você? 35 anos, respondi, e você? 41 anos e já estou
aposentado. Tive um princípio de angina e fiquei inutilizado. Sou engenheiro
agrônomo. Se a medicina não progredir tenho os meus dias contados.
Puxa vida, gemi, depois que me encontrei com a espiritualidade, só ouço coisas
tristes. Não Neiva, o que eu estou lhe dizendo, antes talvez nada significasse,
porém hoje lhe toca porque você esta sofrida e sente solidão. Fui desprezado por
minha mulher. Ela queria um filho, porém eu tive uma doença que me impede de
ter filhos. Minha mulher já está casada com outro e, inclusive, tem dois filhos e
eu ainda não me equilibrei. Foi muito brusca a atitude dela. Não esperava e cai,
sem saber quando me levantarei. Você cai facilmente. Pelo que vejo essa saída
com Mãe Neném lhe fez mal. “Mutilou-me”. Você não está preparado para tão
grosseira missão. Neiva, falar em grosseria a seu lado é uma aberração. Sorrindo
porquanto Mãe Neném e Getúlio chegavam. Salve Deus, saudou Getúlio dizendo:
Mãe Neném me disse que você vai embora. Vou Getúlio, tão logo Pai Seta Branca
me libere. Vim para ser útil, mas nada sei fazer. Só sei ficar ao lado de Neiva
recebendo seus ensinamentos que são pérolas. É verdade, disse Getúlio,
magoado com Mãe Neném, fique conosco precisamos de uma pessoa como você.
Não o aborrece ficar ao lado de Neiva? Não, eu e Neiva nos entendemos bem.
Estamos em uma jornada Carlos, Neiva precisa de nós. Agora estamos precisando
de quem faça dinheiro, atalhou Mãe Neném, espírito não enche a barriga de
ninguém. Getúlio ficou agressivo e terminou dizendo: Se os filhos de Neiva
concordassem, eu a tirava daqui. Foi constrangedor. Fiquei na maior frustração
da minha vida. Nisto, Nelson Santos chegou. Era dono de um loteamento em
Nova Flórida. Saí para atendê-lo quando Mãe Neném me chamou: Neiva, cuidado
com esse homem. Ele está apaixonado por você e foi por isso que eu já lhe dei o
“bilhete azul”. Falei que aqui não há lugar para ele. Você está louca, Mãe Neném,
eu sempre soube me manter, e nunca houve nada, nem mesmo insinuações.
Bem, de qualquer jeito você já esta avisada, Salve Deus! Fui falar com Nelson
Santos, mas ele já estava perto. “Meu Deus, disse ele, que clima pesado!” À
noite, todos estavam juntos, menos o nosso visitante. Porém eu me preocupava e
fui dormir. Ouvia de longe os cantos, violões, etc. Nisto me transportei e me vi
diante dele. Ele dizia: Neiva, se você for real, me ouça. Gostaria de ter coragem
de lhe dizer tudo que sinto, pessoalmente. Porém não quero tirá-la de sua missão
e sei também que você não me aceita. Vou embora amanhã. Não quis ouvir mais,
fui para o corpo, meu coração batia descompassadamente, olhei o relógio, eram 3
horas da madrugada, bastava apenas que eu desse vinte passos e estaria com ele
e tudo estaria certo. A certeza de voltar a ficar sozinha era terrível. Pensei: mais
um que eu irei sacrificar. Queria apenas alguém que me ajudasse. Seriam reais
meus pensamentos? Como, sacrificar alguém? Fiquei ali petrificada. Ô meu Deus!
As coisas que eram tão simples para mim, hoje se complicam tanto! Voltei,
adormeci e fui ter com Umahan. Ele disse: “Neiva, tu estás confusa?” Não,
respondi. Neiva, o amor à doutrina de Jesus se resume a todos os sentimentos,
porque todo trabalho sincero nos eleva a alma e traz a benção das lágrimas
consoladoras. Sim Mestre, vim vencer a minha tristeza, o fracasso, a frustração,
o desejo da esperança da própria vida, falta ou perda de um bem ou de um mal,
a minha existência, esta insegurança que me mata, meu Mestre. Verdade Neiva,
pela primeira vez te vejo serena e dolorida. A certeza de ser amada e a
insegurança de amar alguém. Sofres muito, ainda trazes profundas cicatrizes e o
teu espírito honesto não permite que alguém sofresse o que estás sofrendo.
Mestre, você me confunde. Não filha, foi à maneira brutal dos que te cercam, de
sua má interpretação. Preciso dele, Mestre. Não filha, não será ele. Já te disse:
Vinte anos sem irmã ou irmão.
Vendo uma mãe oferecer seus filhos, na minha inexperiência, era algo muito
sério. Apesar da intransigência de mãe Neném, fiquei com os meninos e a mulher
se foi.