Direito Processual Civil II

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Tema I

O processo de conhecimento. Procedimento comum e especial. Procedimento ordinário. Petição inicial.


Conceito. Requisitos. Petição inicial e documentos. Distribuição.

Notas de Aula1

1. Processo de conhecimento

É sabida a existência de três grandes tipos de processo: o de conhecimento, o de


execução e o cautelar. Hoje, mesmo com a vigência do processo sincrético, não está perdida
a importância desta tipificação, porque, mesmo que insertas as fases dentro do mesmo
processo, cada uma guarda suas particularidades rituais.
A sede do estudo, aqui, é o processo cognitivo. O processo de conhecimento
objetiva definir uma situação que está juridicamente indefinida. Por isso, toda sentença de
processo cognitivo tem, antes de qualquer propósito, a declaração da situação jurídica, para
após assumir o caráter condenatório, constitutivo, ou meramente declaratório.
Hoje, o processo sincrético objetiva também, além da definição da situação jurídica,
a própria satisfação prática da eventual condenação, dividindo-se em fase de conhecimento,
a que visa a definir a situação, e fase de execução, que se presta a entregar o bem da vida
decorrente da prestação condenatória.
A cognição do juiz é o próprio ato de conhecer, de, tomando ciência dos fatos,
decidir aquilo que lhe é posto. O objeto da cognição, portanto, não é idêntico ao objeto do
processo.
O objeto do processo é o mérito, o pedido, a pretensão do autor, a exigência de
submissão do próximo ao interesse material próprio. Mas este conceito não é pacífico,
havendo quem defenda que o objeto do processo é o próprio conflito de interesses
qualificado pela pretensão resistida, ou seja, a lide posta diante do juízo, forma o objeto do
processo.
Já o objeto da cognição vai além do pedido, ou da lide, indo além do objeto do
processo. Antes de chegar ao pedido, o juiz vai exercer cognição sobre diversos elementos e
aspectos, que são alheios ao objeto do processo. Em primeiro lugar, vai conhecer de
questões preliminares ao mérito, sobre condições da ação e pressupostos processuais; em
seguida, enfrenta questões prejudiciais de mérito, que são indiretamente referentes ao
mérito, antecedentes lógicos do pedido – quando, reconhecidas ou não, trarão decisão
calcada no artigo 269 do CPC. E por fim, enfrenta o mérito. Destarte, o objeto da cognição
é formado por este trinômio, questões preliminares, prejudiciais e mérito.

1.1. Classificação da cognição

Marinoni classifica a cognição horizontal e verticalmente. No plano vertical,


classifica-se em cognição exauriente, sumária e superficial.
A cognição é exauriente quando o juiz alcança grau de certeza em sua decisão, o
que se dá, por exemplo, na sentença do processo de conhecimento. Por ser assim pautada,
em juízo de certeza, a cognição exauriente empresta à sentença a habilidade para adquirir a
imutabilidade da coisa julgada material.
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Aula proferida pelo professor Sérgio Mandelblatt, em 22/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 1


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Há decisões em que o juiz trabalha ainda sem fazer o juízo de certeza, dada a
necessidade de solução de algum aspecto que eventualmente poderá ser complementado.
Nestes casos, a cognição é sumária, pautada em juízo de probabilidade, quase certeza.
Exemplo em que este juízo é feito é o das sentenças exaradas nos processos cautelares, ou
na antecipação dos efeitos da tutela.
E há ainda a cognição superficial, que se trata de juízo de verossimilhança, e não de
probabilidade, em que o juiz calca sua decisão em pressupostos de possibilidade das
alegações. Este juízo de verossimilhança, de possibilidade, é feito nas liminares das ações
cautelares, por exemplo: a própria sentença cautelar é feita em juízo de probabilidade,
bastando, para a liminar neste processo, o juízo de possibilidade, a cognição superficial.
Por esta diferença entre verossimilhança, que é possibilidade, e a probabilidade, é
que o caput do artigo 273 do CPC se demonstra atécnico:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
(...)”

O legislador quis dizer, ali, que se trata de juízo de probabilidade, e não de


verossimilhança, pois se a prova é inequívoca, há mais do que mera possibilidade, e como
visto, a antecipação da tutela é feita em cognição sumária, em juízo de probabilidade, e não
em cognição superficial.
A cognição em linha horizontal, por sua vez, pode ser ilimitada ou limitada. Será
ilimitada quando o juiz tiver condições de conhecer todas as questões que pairam sobre a
controvérsia, e é limitada quando o juiz tem óbices a que conheça de alguns aspectos.
Exemplo de cognição limitada existe nas ações possessórias: no curso destas ações, é
vedado ao juiz conhecer de assuntos referentes à propriedade, devendo ater-se à discussão
da posse, abstendo-se de conhecer sobre o domínio.
E veja que uma classificação não exclui a outra. A cognição pode ser limitada
exauriente, ilimitada exauriente, ilimitada sumária, etc.
Bom exemplo de limitação à cognição é o de prejudicial externa. O juiz, num
processo em que se pleiteia reparação civil de danos provenientes de ilícito penal, não
poderá ter a prejudicial externa, consistente na condenação ou absolvição criminal, por si
conhecida e resolvida. Ser-lhe-á negado este conhecimento. Mas isto não significa que não
poderá julgar o ilícito civil, conhecendo dos aspectos não-penais que o fato posto diante de
si permitir. A cognição será limitada aos aspectos relevantes à definição civil da
responsabilidade.

1.2. Procedimentos

O processo de conhecimento pode seguir procedimento comum ou especial. O


comum, pode ser ainda ordinário ou sumário. A definição de qual rito será seguido em uma
demanda é feita por eliminação: se não for hipótese de procedimento especial, será comum;
dentro do comum, se não for sumário, será ordinário. Simples assim.
O rito ordinário, portanto, é aquele que se estuda mais aprofundadamente, pois nele
corre a maioria absoluta das demandas, e, nas demais, ainda é fonte subsidiária de
normatização.

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O procedimento ordinário é composto por quatro fases: fase postulatória, que se


inicia na petição inicial, e finda na resposta do réu (ou na réplica2, se houver, sendo que
alguns autores enquadram a réplica como providências preliminares, já na segunda fase);
fase de saneamento, que vai das providências preliminares até a audiência preliminar, do
artigo 331 do CPC; fase instrutória, que consiste na produção de provas; e a fase decisória,
propriamente dita.
Ao final do saneamento, o juiz verifica se pode julgar desde já o processo; se não
for possível, marca a audiência de instrução e julgamento, do artigo 331 do CPC, a não ser
que as partes deixem clara a impossibilidade de conciliação, ou se a demanda versar sobre
direito indisponível:
“Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes,
e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência
preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes
intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto,
com poderes para transigir.
§ 1o Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 2o Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos
controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas
a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se
necessário.
§ 3o Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa
evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o
processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2o.

Se não for caso de realização de audiência, o juiz saneará o feito por escrito, através
do “despacho saneador”, que é de fato uma decisão interlocutória.
Na fase probatória, todas as provas a serem produzidas e juntadas o serão, e o
processo será posto a termo pela sentença, encerrando a atividade cognitiva do primeiro
grau de jurisdição. Veja que primeiro grau de jurisdição não é sinônimo de primeira
instância: esta expressão pode ser empregada em qualquer grau de jurisdição, identificando
a competência originária de um processo.
Voltando à fase postulatória, é nela que o autor narra os seus argumentos e faz os
pedidos, contrapostos pelo réu. A petição inicial e a contestação, postas uma de frente a

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Se não há argüição de preliminares ou prejudiciais, respectivamente defesas indiretas processuais ou de
mérito (que são fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor), não existe necessidade de
réplica. De fato, a réplica feita quando não é necessária consiste em desequilíbrio processual, dado que ao
autor são abertas duas oportunidades de manifestar-se, e ao réu apenas uma. Fora das hipóteses dos artigos
326 e 327 do CPC, não deve haver réplica. Veja:

“Art. 326. Se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro


lhe opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será
ouvido no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de prova
documental.”

“Art. 327. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301,
o juiz mandará ouvir o autor no prazo de 10 (dez) dias, permitindo-lhe a produção
de prova documental. Verificando a existência de irregularidades ou de nulidades
sanáveis, o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a 30
(trinta) dias.”

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outra, formam a exata noção da lide que se discute. A sentença será um espelho da lide
fixada na fase postulatória. Analisemos, então, o primeiro ato postulatório, a petição inicial.

1.3. Elementos relevantes da petição inicial

O artigo 282 do CPC estabelece os requisitos da petição inicial:

“Art. 282. A petição inicial indicará:


I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;
II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e
do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido, com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - o requerimento para a citação do réu.”

Além destes, há ainda o artigo 39, I, do CPC, que demanda o apontamento do


endereço do advogado:

“Art. 39. Compete ao advogado, ou à parte quando postular em causa própria:


I - declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço em que receberá
intimação;
(...)”

A causa remota de pedir é a relação jurídica original entre as partes do processo; a


causa próxima, o evento violador do direito do autor, oriundo da relação remota narrada.
O pedido imediato é a prestação jurisdicional que o autor pretende; o pedido
mediato, o bem da vida que se almeja.
O pedido mediato deve ser certo e determinado, e não ou determinado, como diz o
artigo 286 do CPC. O bem da vida deve ser determinado quanto à qualidade e quantidade,
podendo ser genérico nos casos excepcionais dos incisos deste dispositivo:

“Art. 286. O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular
pedido genérico:
I - nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens
demandados;
II - quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do
ato ou do fato ilícito;
III - quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser
praticado pelo réu.”

Havendo impossibilidade de quantificar o pedido, este será genérico. Nunca se


admite, porém, o pedido incerto, que será aquele sem delimitação da qualidade.
Quando o pedido for genérico, a sentença, que em regra deve ser líquida, poderá ser
ilíquida.
Os pedidos podem ser cumulados, nos termos do artigo 292 do CPC:

“Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de
vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:

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I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;


II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento,
admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.”

A cumulação, em sentido estrito, pode ser simples ou sucessiva. Há cumulação


simples quando os pedidos são absolutamente independentes, uns dos outros, e, a rigor,
poderiam ser deduzidos em petições diversas, sendo reunidos por conveniência do autor. Há
cumulação sucessiva quando a procedência do segundo pedido depende da procedência do
primeiro, havendo esta relação de dependência, de prejudicialidade (não significando que
necessariamente o segundo será provido se o primeiro o for).
A cumulação, em sentido amplo, será eventual ou alternativa. Se os pedidos postos
cumulados requerem do juiz que, na impossibilidade de deferimento do primeiro, defira o
segundo, e, na impossibilidade deste, um terceiro, e assim por diante, há cumulação
eventual: na eventualidade de não ser julgado procedente um, que se proveja outro, e assim
por diante, criando ordem de preferência, que deve ser observada pelo juiz. A cumulação
alternativa, na verdade, não se trata de cumulação, mas sim de um só pedido, que se refere
às formas alternativas de cumprimento de uma só obrigação.
Sobre o valor da causa, se este valor for legal, ou seja, se a lei exige que
corresponda a algum parâmetro, poderá ser determinada sua correção pelo juiz, de ofício.
Se o valor for arbitrado, sua retificação só poderá ser suscitada em impugnação pela parte
ré.

1.4. Distribuição

A distribuição serve para tolher a escolha do julgador, resguardando o juiz natural.


Considera-se proposta a demanda, provocada a jurisdição, no momento em que se
dá a distribuição da petição inicial (ou mero despacho de encaminhamento, quando o juízo
é único).
A citação do réu, por isso, não pode ser tida por pressuposto de existência do
processo, mas sim de validade. O processo já existe na propositura da ação, e apenas vai se
angularizar quando da citação.
Se o autor não pagar devidamente as custas, em prazo máximo de trinta dias, para o
que será intimado pelo juiz, poderá ser determinado, de ofício, o cancelamento da
distribuição (falta de preparo é falta de pressuposto formal de validade):

“Art. 257. Será cancelada a distribuição do feito que, em 30 (trinta) dias, não for
preparado no cartório em que deu entrada.”

Esta decisão desafia apelação, pois é de extinção sem resolução do mérito, na forma
do artigo 267, IV. Mas veja que a apelação que aqui é cabível é a do artigo 296 do CPC,
peça excepcional que abre possibilidade a que o juiz se retrate, pois não houve citação,
tratando-se de situação análoga à do indeferimento da inicial:

“Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no
prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão.
Parágrafo único. Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente
encaminhados ao tribunal competente.

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Se há reconvenção, ou denunciação da lide, sem realização do preparo, estas


também sofrerão cancelamento de sua distribuição. Sendo este o caso, a decisão de
cancelamento é formalmente interlocutória (mesmo que tenha conteúdo material de
sentença terminativa), e por isso desafia agravo de instrumento.

Casos Concretos

Questão 1

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Ajuizada ação de despejo, o autor deixou de efetuar o respectivo preparo no prazo


de trinta dias. Certificada a falta de preparo pelo escrivão, o juízo, independentemente de
intimação do autor, determinou o cancelamento da distribuição.
Pergunta-se:
a) Está correta a sentença?
b) Qual o recurso cabível, em tese, contra a decisão?
c) Caberia o cancelamento da distribuição no caso de o autor ter efetuado o
preparo muito após o prazo de trinta dias?
d) É cabível o cancelamento da distribuição por insuficiência de preparo?
e) Se o juízo somente percebeu a falta de preparo depois de contestada a demanda,
porque alertado pelo réu, pode ainda ser determinado o cancelamento da
distribuição?

Resposta à Questão 1

a) Não, a intimação é necessária. A sentença é nula.

b) O recurso de apelação do artigo 296, pois a decisão é uma sentença.

c) Por medida de economia processual, não seria necessário o cancelamento da


distribuição.

d) Sem que seja dada oportunidade para o autor complementar, não; tendo sido
aberto prazo, poderá cancelar.

e) A hipótese será de extinção sem resolução do mérito, por falta de pressuposto


processual, vez que já há citação, não cabendo cancelamento de distribuição.

Questão 2

O Condomínio Alfabeta ajuizou ação de cobrança de cotas condominiais, alegando


que os réus infringiram o regulamento interno do condomínio, estacionando veículos na
rua local, considerada de uso comum, não efetuando o pagamento das respectivas multas.
Os condôminos contestaram, dizendo que o autor não indicou os dias em que as
infrações ocorreram, o local e os veículos que estacionaram irregularmente, nem o valor
das infrações.
Acrescentou ter o condomínio se limitado a requerer a condenação dos réus ao
pagamento de quantia não indicada.
Diante do caso concreto, DECIDA.

Resposta à Questão 2

A falta dos requisitos da inicial, in casu, é patente. É devida ao réu, em apreço ao


contraditório, a causa de pedir e o pedido expressa e precisamente consignados. Carente

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dos requisitos, a petição deve ser considerada inepta: os pedidos são incertos, e as causas de
pedir, indefinidas, no caso.

Questão 3

Antes de o magistrado determinar o cancelamento da distribuição (art. 257, CPC),


deverá determinar a intimação do demandante, na forma do art. 267, par. 1º, CPC, para
que o mesmo, em 48 horas, providencie a regularização do processo?

Reposta à Questão 3

Sim. A jurisprudência é pacífica neste sentido, e, por analogia, a súmula 132 do


TJ/RJ é aplicável:

“Súmula 132, TJ/RJ: A intimação da parte para fins de extinção do processo na


hipótese do art. 267, parágrafo 1º do Código de Processo Civil, poderá ser
determinada de ofício pelo juiz.”

Tema II

Pedido. Conceito. Objeto mediato e imediato. Relevância jurídica. Interpretação. Pedido certo e pedido
genérico. Espécies de cumulação de pedidos. Modificações qualitativas e quantitativas dos pedidos.

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Notas de Aula3

1. Pedido

A petição inicial possui um núcleo essencial, composto pelas partes, pelo pedido, e
pela causa de pedir. Estes elementos compõem o que tecnicamente se chama de demanda.
Do ponto de vista do autor, a petição inicial retrata a materialização do seu direito
de ação, e do ponto de vista do Estado, a petição possibilita a deflagração da atividade
jurisdicional, tirando o Estado-juiz da inércia. E o pedido assume grande importância, neste
núcleo essencial da inicial.
Pedido, portanto, é um dos elementos da demanda, que materializa o direito de ação,
deflagrando a atividade jurisdicional.
O pedido tem quatro aspectos de grande relevância: ele delimita a pretensão;
vincula a atividade jurisdicional; define o órgão com atribuição para julgá-lo 4; e define o
rito processual a ser adotado.
O pedido também pode ser conceituado como a pretensão material e processual
deduzida em juízo. O conceito de pedido vem se transformando, dado ao processo
sincrético que hoje vige: ao findar a cognição, se o réu não adimplir a obrigação consignada
na sentença, ao autor, credor, caberá peticionar pelo cumprimento forçado da sentença. E
veja que esta petição, este pedido, é executivo, alheio ao conceito clássico de pedido, mas
ainda assim o sendo. Além deste caso, há pedidos em diversos momentos do processo: em
declaratórias incidentais, em produção de provas, pedido contraposto nos juizados, pedidos
em incidentes processuais, etc. Por isso, chamar o pedido de pretensão deduzida em juízo é,
hoje, o conceito que se aplica a qualquer dos casos.
O pedido, como dito, pode ser pretensão material ou processual, e tem relação com
a classificação em pedido mediato ou imediato. O pedido imediato é processual, vez que se
destina a obter medida jurisdicional de cunho eminentemente processual, prestação judicial
processual; o pedido mediato, por sua vez, é material, vez que se destina a obter o bem da
vida almejado pelo autor.
Em alguns momentos, a pretensão material pode ficar em segundo plano, diante da
pretensão processual. Como exemplo, as tutelas liminares, divididas em tutela antecipada e
tutela cautelar: sabe-se que a tutela antecipada tem natureza satisfativa, e a cautelar tem
natureza instrumental. Na cautelar, portanto, a pretensão processual sobrepõe-se à matéria,
pois o que se pede é que o processo seja efetivo, e que a decisão judicial tenha a autoridade,
quando prolatada, pois o bem da vida, que ainda será posto à discussão, precisa ser
resguardado antes, ou de nada servirá a pretensão satisfativa material adiante.
Já a tutela antecipada é eminentemente material, pois consiste na entrega do bem da
vida antecipadamente, visando a tutelar o direito subjetivo das partes.

1.1. Características, ou requisitos do pedido


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Aula proferida pelo professor Felippe Borring Rocha, em 23/9/2008.
4
Sobre esta terceira função, o STJ, recentemente, definiu que a competência para pedidos relacionados a
uniões homoafetivas é da justiça de família, e não das varas cíveis, como alguns pretendiam por entenderem
que a competência das varas de família vem exaustivamente estabelecida. O STJ entendeu que o pedido é que
é responsável por definir esta competência, e como diz respeito ao reconhecimento de unidade familiar, é da
vara de família.

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A primeira característica do pedido é que ele deverá ser certo, determinado e


concludente. A certeza do pedido deflui da clareza, precisão e lógica de seus termos. O
pedido sem clareza, definição do objeto ou lógica, é incerto. Pedido certo é o
qualitativamente delimitado. O pedido é determinado quando ele é quantificado, é
delimitado quantitativamente. E pedido concludente é aquele que conduz a uma conclusão
coerente com os argumentos que o ensejam, ou seja, diz respeito aos argumentos deduzidos
na causa de pedir.
O artigo 293 do CPC estabelece ainda que o pedido deve ser interpretado de forma
restritiva. Veja:

“Art. 293. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se,


entretanto, no principal os juros legais.”

Esta interpretação restritiva significa que as características do pedido devem ser


observadas de forma rigorosa, sob pena de se violar, se não o forem, o próprio
contraditório. O juiz tem o dever de determinar a emenda da inicial, se for identificada
carência de algum destes requisitos, sob pena de indeferi-la.
O advento da informalidade do juizado especial, todavia, flexibilizou esta
interpretação restritiva dos pedidos. A mesma liberdade se vê no juízo de família, pois a
protetividade dos filhos permite a adequação de pedidos mal formulados. Por isso, debalde
esta previsão legal do artigo 293 do CPC, a instrumentalidade das formas tem permitido a
interpretação relaxada dos pedidos, a fim de que a tutela jurisdicional alcance a melhor
efetividade.

1.1.1. Pedido genérico

O pedido genérico consiste numa exceção à sistemática dos requisitos do pedido,


posto que consiste numa indeterminação quantitativa. Excepcionalmente, é permitido ao
autor formular pedido que não quantifique sua pretensão. E, sendo este o caso, o juiz
poderá também exarar sentença ilíquida.
O artigo 286 do CPC traz as hipóteses:

“Art. 286. O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular
pedido genérico:
I - nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens
demandados;
II - quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do
ato ou do fato ilícito;
III - quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser
praticado pelo réu.”

As ações universais, do inciso I, são aquelas que versam sobre universalidades de


bens, e têm clássico exemplo no inventário e partilha, e na falência.
O inciso II determina que se o autor não puder dimensionar o pedido, quando do
ajuizamento da demanda, seu pedido poderá ser genérico. Exemplo clássico é o que se
passa quando o autor reclama que o réu custeie tratamento de saúde, decorrente de acidente

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que a este é imputado. Se o tratamento está em curso, o pedido não pode ser quantificado,
vez que o valor do tratamento não está ainda definido quando da formulação do pedido.
O inciso III do artigo em comento determina que se as informações que são
necessárias à quantificação do pedido estiverem em poder do réu, o autor poderá consignar
pedido genérico, o qual será definido no curso da ação. É exemplo deste caso a ação de
prestação de contas.
Se o pedido for genérico, a sentença poderá ser ilíquida, quando então demandará
liquidação. Diga-se, a liquidação, hoje, para a maior parte da doutrina, pode ser realizada
mesmo se o recurso da sentença ilíquida for recebido no efeito suspensivo, porque se
entende que a liquidação não tem condão de causar qualquer tipo de prejuízo às partes, pois
não importa em expropriação de bens.
O caso do inciso II do artigo 286 do CPC é o único em que se admite pedido
genérico no rito do juizado especial. Veja que a Lei 9.099/95 não detalha qual será a
solução dada pelo juiz, vez que ali não cabe sentença ilíquida, mas o artigo 475-A, § 3º, do
CPC será aplicável:

“Art. 475-A. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua
liquidação.
§ 1o Do requerimento de liquidação de sentença será a parte intimada, na pessoa de
seu advogado.
§ 2o A liquidação poderá ser requerida na pendência de recurso, processando-se em
autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com
cópias das peças processuais pertinentes.
§ 3o Nos processos sob procedimento comum sumário, referidos no art. 275, inciso
II, alíneas ‘d’ e ‘e’ desta Lei, é defesa a sentença ilíquida, cumprindo ao juiz, se for
o caso, fixar de plano, a seu prudente critério, o valor devido.”

Assim, calcado em juízo de equidade, o juiz buscará arbitrar com justiça valor que
provavelmente seja suficiente ao cumprimento da obrigação, devendo o autor, se não
entender este valor correto, dele recorrer, ou com ele se conformar – caso em que, se for
insuficiente futuramente, nada poderá fazer.

1.2. Pedido implícito

O CPC admite expressamente algumas situações em que o pedido implícito é


admitido, como a condenação em ônus sucumbenciais, que não precisa ser requerida pelo
autor, visto ser automática. Não é errado consignar este pedido, mas ele será apreciado
como se fosse feito. Outro exemplo é o pedido de juros e correção monetária.
Mais recentemente, o pedido de multa de dez por cento, referente ao artigo 475-J do
CPC, tem parte da doutrina entendendo-o como implícito:

“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já


fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da
condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a
requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei,
expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
(...)”

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O uso do termo “será” indicaria esta natureza implícita. Todavia, a questão é


controversa, havendo parte da doutrina que entende que este pedido deve ser expresso,
pelas peculiaridades da pretensão satisfativa, que pode ser abdicada pelo autor.
Também as prestações de trato sucessivo, quando deduzidas em juízo, induzem
pedido implícito, referente às prestações vencidas no curso do processo.
Outra situação, esta extralegal, é a que permite o pedido implícito quando a situação
exigir a interpretação ontológica dos pedidos autorais. A interpretação lógico-sistemática,
compreensiva, permite que pedidos declaratórios, por exemplo, se convolem naturalmente
em condenatórios, quando a declaração deixar clara uma obrigação a ser cumprida.

1.3. Cumulação de pedidos

Como se sabe, o processo é uma relação jurídica externada através de um conjunto


de atos, compondo o chamado procedimento. Todo processo tem, no mínimo, uma relação
jurídica, que pode ser angular (ou triangular), ou bilateral. O que define esta relação é o
pedido, e se houver mais de um pedido, há pluralidade de relações jurídicas.
Destarte, a cumulação de pedidos assume três formas: a subjetiva, a objetiva e a
mista. Cumulação objetiva é a que conta com vários pedidos; é subjetiva quando o mesmo
pedido é dirigido a várias partes; e é mista quando se tem ambas as situações; mais de um
pedido, e mais de uma parte a quem são dirigidos.
A cumulação pode dizer respeito a uma relação jurídica nova, ou à relação jurídica
originária. Por exemplo, se há reconvenção, há a relação jurídica originária – autor em face
do réu –, e a relação jurídica nova, do réu em face do autor. Neste caso, há cumulação
objetiva autônoma. O mesmo não se dá no pedido contraposto, pois não se forma outra
ação: a cumulação, ali, é objetiva incidente.
A cumulação pode ser originária ou sucessiva. É originária quando vem na própria
petição inicial; e é sucessiva, por óbvio, quando há adução superveniente de pedidos (ou de
nova parte em face de quem o pedido é feito). São exemplos de cumulação superveniente a
inclusão de novo réu no pólo passivo, a inclusão de novo pedido em declaratória incidental
(ou qualquer ação incidental), etc.
Também nas intervenções de terceiros há cumulação superveniente, se a intervenção
for ad coadjuvandum. Se for ad principale, como na assistência simples, não há cumulação,
pois o assistente apenas adere à postulação ordinária já existente. Da mesma forma, o
amicus curiae, que pode postular, se o fizer, estará criando cumulação de pedido.
A cumulação de pedidos pode também ser própria ou imprópria: na própria, o autor
pretende realmente dois ou mais objetos. Pode ser cumulação própria simples ou própria
sucessiva. Suponha-se que o autor pretende danos morais e materiais: é cumulação própria
simples. Se o autor pretende um objeto, e, sendo acolhido, um outro, sucessivo, ele quer
ambos os objetos, mas um depende do outro: há cumulação própria sucessiva. Por exemplo,
se um autor quer a resolução do contrato e a devolução dos valores, a devolução dependerá
da resolução do contrato, em regra – um pedido é prejudicial, e outro prejudicado.
A cumulação imprópria, ao contrário, é aquela em que o autor pretende apenas um
dos objetos consignados, podendo ser alternativa ou subsidiária. Na alternativa, o autor
pretende um ou outro bem, não importando a ordem; na subsidiária, o autor quer um dos
pedidos, e se impossível, o outro, subsidiário, ser-lhe-á satisfatório: há ordem a ser seguida.
Casos Concretos

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Questão 1

José Ribeiro ajuizou ação de conhecimento em face do DETRAN, formulando


pedido declaratório de não ser o seu veículo produto ou objeto de crime. Alega o autor que
o réu recusara-se a proceder à vistoria anual do veículo, como vinha fazendo anualmente,
em razão de haver constatado uma irregularidade no último número do chassi, o que
motivou a apreensão e remessa do bem à Delegacia Metropol, para fins de realização de
perícia. Considerando devidamente instruído o feito, o magistrado proferiu sentença
condenando o réu a efetivar a competente vistoria e julgando extinto o pedido de
declaração de não ser o veículo produto ou objeto de crime, com fundamento na
impossibilidade jurídica. Responda fundamentadamente:
1) Houve julgamento extra petita, uma vez que o único pedido formulado pelo autor
foi o declaratório?
2) Considerando o artigo 286 do CPC, pode o juiz fazer uso da interpretação
compreensiva, que abrange o sentido lógico-sistemático, em detrimento da
interpretação literal, com vistas a dar solução mais justa à lide?
3) Cabe reconhecimento judicial de pedido implícito?

Resposta à Questão 1

1) Não: há o pedido implícito de obrigação de fazer, no sentido de efetivar a


vistoria. Não há alteração do pedido, e sim interpretação compreensiva,
considerando o pedido implícito, em prol da boa prestação jurisdicional.
Há que se ressaltar, porém, que ainda há quem defenda posição legalista,
entendendo extra petita este tipo de julgamento, por alhear-se realmente ao pedido.

2) A sentença dá exatamente a interpretação mais justa, exatamente lógico-


sistemática, da situação posta a julgamento, e por isso a interpretação ontológica,
compreensiva, é a que deve prevalecer.

3) O CPC admite expressamente algumas situações em que o pedido implícito é


admitido, como a condenação em ônus sucumbenciais, que não precisa ser
requerida pelo autor, visto ser automática.
Como dito, além das hipóteses legais, é exatamente este reconhecimento que
é feito quando se dá interpretação ontológica do pedido expresso.

O TJ/RJ assim entendeu, na apelação 2002.001.24054:

“PEDIDO. CRITERIO DE INTERPRETACAO. PEDIDO. Interpretação


Compreensiva. Inocorrência de Julgamento Extra Petita. Na trilha da
jurisprudência do STJ, o pedido é aquilo que se pretende com a instauração da
demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógica-sistemática do afirmado
na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só
aqueles constantes em capítulo especial ou sob rubrica dos pedidos, com o que se
prestigia o princípio constitucional da efetividade da prestação jurisdicional.
Desprovimento do recurso.”
Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

"A" propõe ação de indenização por dano moral em face da empresa "B", em razão
de inclusão indevida do nome daquele em cadastro de devedores inadimplentes. O pedido
de indenização é formulado sem indicação, pelo autor, de quantia certa. É empregado o
procedimento sumário, por ter o autor atribuído à causa o valor de 60 salários mínimos.
Pergunta-se:
A) É cabível o pedido genérico neste caso?
B) Admitido que fosse pelo juízo o pedido genérico, poderia o autor, em caso de
procedência da demanda, apelar para obter do órgão judicial ad quem aumento do
valor da indenização?
C) Pode o juízo, considerando que a demanda seguiu o procedimento sumário em
razão do valor, condenar o réu em quantia superior a 60 salários mínimos?

Resposta à Questão 2

a) Por incluir-se no inciso II do artigo 286 do CPC, é cabível. O STJ, na súmula


326, dá a entender que este entendimento prevalece, porque não há sucumbência
do autor que recebe valor menor do que pediu – ficando claro que se o autor
quantifica, de fato, estará apenas estimando um patamar norteador. Veja:

“Súmula 326, STJ: Na ação de indenização por dano moral, a condenação em


montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”

Contudo, há quem defenda que deveria ser determinado o valor pelo


autor, porque ninguém melhor que ele para medir o quantum que compensará o
seu dano moral, e porque o réu não poderá discutir o valor em primeira instância
(pois este ainda não existe), mas apenas após a condenação, em segundo grau.

b) Se o autor pediu arbitramento do dano moral, não poderia recorrer, pois


careceria de interesse, vez que qualquer valor ser-lhe-ia satisfativo da pretensão,
e não havendo sucumbência, não há interesse recursal. O STJ, entretanto,
entende pacificamente que se o dano moral for considerado irrazoável pelo
autor, o recurso é cabível.

c) Se o autor optou pelo rito sumário, em razão do valor da causa,


automaticamente optou por abdicar de qualquer valor superior ao teto. O mesmo
se passa nos juizados especiais.
Haveria que se cogitar, porém, se a opção pelo rito for ratione materiae,
e não ratione valorem, quando então não teria sentido o valor da casa limitar o
dano moral.

Veja a posição do STJ, no informativo 133 desta corte:

“DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. QUANTIFICAÇÃO.


Houve ajuizamento de ação de indenização por dano moral contra a Fazenda
estadual, porque divulgara, por intermédio da Vigilância Sanitária, notícia
infundada e precipitada de que os palmitos em conserva industrializados pela
autora estavam contaminados pelas bactérias do botulismo. Porém o Tribunal a

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

quo considerou a inicial inepta por falta de pedido líquido e certo. Considerando
que a quantificação do dano moral contra pessoa jurídica é extremamente difícil,
em razão da inexistência de dispositivo legal específico, a Turma entendeu que
essa estimativa deve ser feita por arbitramento, pois os referenciais legislativos
existentes, tais como os arts. 1.549 e 1.522 do CC, a Lei de Imprensa e o CDC,
assim indicam proceder. Precedente citado: REsp 8.768-SP, DJ 6/4/1992. REsp
406.585-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 7/5/2002.”

Tema III

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Indeferimento total ou parcial da petição inicial. Natureza da decisão e meios de impugnação. Procedimento
adotado quando o indeferimento é com fundamento no art. 295 do CPC. Pressupostos para o juiz proferir
julgamento liminar de mérito (art. 285-A) e procedimento a ser adotado posteriormente.

Notas de Aula5

1. Indeferimento da petição inicial

O indeferimento da inicial é uma medida extrema. Quando a petição inicial é


elaborada, ela deve observar o artigo 282 do CPC, já transcrito (e o artigo 39, I, como
visto). A peça deve vir acompanhada de documentos indispensáveis à propositura daquela
ação, como explicita o artigo 283 do CPC:

“Art. 283. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à


propositura da ação.”

Caso estejam ausentes ou defeituosos os requisitos do artigo 282 ou os documentos


do artigo 283 do CPC, a petição poderá ser indeferida. Mas antes disso, como esta medida é
muito extrema, o juiz deve propugnar a emenda da peça.
A emenda se presta a corrigir equívocos, esclarecimento da redação ou juntada de
documentos indispensáveis. Se não for possível aperfeiçoar a peça, em nenhum sentido, a
emenda não será procedida.
A emenda pode ser possibilitada pelo juiz mais de uma vez. A lei não prevê quantas
vezes pode o juiz propugnar emendas, mas a jurisprudência vem entendendo, em atenção à
instrumentalidade das formas, que pode haver quantas emendas se fizerem necessárias,
antes da citação do réu.
O advogado não precisa refazer toda a peça, quando instado a emendá-la. Basta
produzir uma nova peça cumprindo aquilo que foi-lhe instado a resolver. Mas se preferir
refazer peça por inteiro, nada o impede: como a lei não é expressa, vige a liberdade das
formas. A fim de evitar que haja prejuízo ao réu, é interessante que se unam as peças, inicial
e emendas, especialmente quando há mais de uma emenda.
Se a emenda não for suficiente para sanar o problema da inicial, somente então será
caso de indeferimento. As hipóteses de indeferimento estão no artigo 295 do CPC, e é
importante perceber que o termo “indeferimento” carrega necessariamente, aqui, a idéia de
vício insanável na peça. Quase sempre, diga-se, o indeferimento indica vício, no processo.
Veja:

“Art. 295. A petição inicial será indeferida:


I - quando for inepta;
II - quando a parte for manifestamente ilegítima;
III - quando o autor carecer de interesse processual;
IV - quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219,
§ 5o);
V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à
natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se
puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal;
VI - quando não atendidas as prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira
parte, e 284.

5
Aula proferida pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 23/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando:


I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
III - o pedido for juridicamente impossível;
IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.”

O indeferimento da inicial só pode ser feito antes da citação do réu. Isto não
significa que se o vício porventura permanecer após a citação, estará convalidado, por
preclusão. O que ocorrerá é que, ao invés de indeferir a inicial por conta deste vício, após a
citação o juiz irá extinguir o processo, em uma sentença terminativa, nos termos do artigo
267 do CPC: as mesmas hipóteses que permitem o indeferimento, após a citação,
permitirão a extinção do processo conforme o estado. Se o juiz não indefere liminarmente a
inicial, ainda assim poderá extinguir o feito, quando da oportunidade do julgamento
conforme o estado, julgamento imediato da lide no momento final do saneamento.
O indeferimento, logicamente, por se motivar por vício processual, não resolve o
mérito. Há apenas um caso de indeferimento em que há enfrentamento do mérito: a
hipótese do artigo 295, IV. Havendo prescrição6 ou decadência, a petição será indeferida,
apesar de se tratar, em verdade, de uma impropriedade se valer de indeferimento, para esta
hipótese, porque a sentença será definitiva, na forma do artigo 269, IV, do CPC – com
resolução do mérito, faz coisa julgada material:

“Art. 269. Haverá resolução de mérito:


IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
(...)”

1.1. Indeferimento total ou parcial

O indeferimento total é a situação em que nada da peça pode ser aproveitado. Já o


parcial, terá lugar quando apenas alguns aspectos da peça não forem admissíveis. Exemplo
de indeferimento parcial é o de um pedido absolutamente inepto: se uma inicial vem
pedindo a revisão de um contrato entre autor e réu, e de outro contrato entre autor e pessoa
que não é o réu, este segundo pedido precisa que o contratante ausente esteja no pólo
passivo. Se, instado a retificar o pólo e incluir o contratante, o autor não o fizer, haverá o
indeferimento parcial da inicial, apenas no que tange a este pedido.
A decisão de indeferimento parcial, para a maior parte da doutrina, tem natureza
jurídica de decisão interlocutória. Mas veja que a questão é problemática, desde que o
conceito de sentença foi alterado. Para ser sentença, bastaria que a situação se enquadrasse
nos artigos 267 ou 269 do CPC, como hoje dispõe o artigo 162, § 1º, do CPC, alterado pela
Lei 11.232/06:

“Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e


despachos.

6
O artigo 219, § 5º, ao permitir pronunciamento de ofício da prescrição, trouxe problemática ao próprio
conceito de prescrição: o réu poderia renunciar a prescrição, em regra, mas se o juiz a reconhece de ofício
antes mesmo de o réu ser citado, esta oportunidade lhe é retirada. Por isso, a questão é controvertida, e há
autores, como Alexandre Câmara, que sustentam que é imperativa a citação do réu para oportunizar-lhe a
renúncia. De outro lado, há quem defenda o indeferimento liminar pela prescrição, porque o réu não deve ser
importunado por demandas fadadas ao insucesso, e, neste aspecto, a prescrição está em favor do réu, e não
contra ele. O STJ vem entendendo desnecessária a citação do réu, permitindo a prescrição de ofício.

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts.
267 e 269 desta Lei.
(...)”

E veja que a decisão de indeferimento parcial incide no artigo 267, I, do CPC,


porque, ao contrário do indeferimento liminar total, o processo continua seu curso, sendo
citado o réu. Por isso, por incidir no artigo 267, I, do CPC, esta decisão teria natureza de
sentença:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


I - quando o juiz indeferir a petição inicial;
(...)”

É por isso que alguns autores, como Tereza Wambier, entendem que hoje o processo
tem, de fato, diversas sentenças, e este seria um caso. Outro caso seria o da prescrição de
parte de uma dívida, prosseguindo o processo até o julgamento do mérito do restante do
débito.
O problema deste entendimento é que a sentença parcial desafia apelação. Como
poderia haver apelação desta sentença intermediária, se este recurso é processado dentro
dos autos? Por conta desta perplexidade, os autores que defendem que há mais de uma
sentença no mesmo processo trazem o conceito de apelação por instrumento, similar ao
agravo de instrumento.
Mas veja que não há como prosperar esta tese, pela vedação imposta pelo princípio
da taxatividade dos recursos: a parte não pode criar recurso, apenas podendo se valer
daqueles que a lei prevê. Mas ressalte-se que, na prática, especialmente na justiça federal,
há quem admita esta apelação, colhendo as cópias e dando prosseguimento ao feito na parte
não indeferida.
Alexandre Câmara, salientando que os artigos 267 e 269 estão dentro do capítulo do
CPC que trata da formação, suspensão e extinção do processo, defende que, para ser
sentença, é necessário que seja encerrada alguma fase processual, de conhecimento ou de
execução, ou seja, é imperioso que haja extinção de alguma coisa. Estes indeferimento
parcial, portanto, só poderia ser decisão interlocutória, que desafia recurso de agravo de
instrumento. E mais: o próprio artigo 267 do CPC, no caput, dispõe que “extingue-se” o
processo, e esta decisão não extingue coisa alguma.
O indeferimento total, por sua vez, é claramente uma sentença, posto que extingue o
processo, e desafia apelação. Mas veja que se trata de uma apelação extremamente peculiar:
é um dos raros casos em que a apelação permite juízo de retratação, na forma do artigo 296
do CPC:

“Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no
prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão.
Parágrafo único. Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente
encaminhados ao tribunal competente.”
Outros casos em que a apelação permite retratação, além do 296 do CPC, são os
previstos nos artigos 285-A, § 1º, do CPC, e 198, VII, da Lei 8.069/90 (ECA):
“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo
já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos,

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da


anteriormente prolatada.
§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não
manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao
recurso.”

“Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude fica


adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º
5.869, de 11 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores, com as seguintes
adaptações:
(...)”
VII - antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de
apelação, ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá
despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no prazo de cinco
dias;
(...)”

Veja que a alteração da sentença, em regra, só é possível nas hipóteses do artigo 463
do CPC:

“Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:


I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou
lhe retificar erros de cálculo;
II - por meio de embargos de declaração.”

A retratação permitida pelo artigo 296 não pode ser feita de ofício, ou seja, não é
possível ao juiz reconsiderar a decisão sem que a apelação tenha sido admitida. Uma vez
admitida a apelação, somente então poderá se retratar; inadmitida a apelação, a sentença
não pode ser reconsiderada de ofício.
Indeferida totalmente a inicial – o que se dá, como visto, antes da citação –, o autor
poderá apelar. Admitida a apelação, e não reconsiderada a decisão, o recurso terá
seguimento. Então surge a questão: o réu será cientificado desta apelação para oferecer
contra-razões? E, se for, será citado ou intimado?
Imagine-se que seja indeferimento por prescrição ou decadência: se o tribunal
reformar a sentença, o processo voltará à primeira instância, e o réu deverá ser citado. Ao
ser citado, poderá este réu alegar a mesma matéria novamente, ou seja, poderá alegar
prescrição ou decadência, ou esta matéria estará preclusa, por já ter sido decidida?
Debalde estas perplexidades, assevera a doutrina, e o STF tem julgados dispondo
neste sentido, que não há que se citar nem intimar o réu: a apelação não terá contra-razões,
qualquer que seja a matéria do indeferimento. Se porventura o julgado for reformado, aí
sim o réu será citado, mas para contestar. Neste momento, como é a primeira manifestação
do réu, a mesma matéria poderá novamente ser suscitada, não tendo precluído para a
defesa.
Mas há quem defenda, minoritariamente, em apreço ao devido processo legal, que o
réu deverá ser intimado ou citado para contra-arrazoar a apelação do indeferimento, sendo o
único meio de haver sua participação neste ponto, e por isso a preclusão se operaria.
No processo penal, o recurso contra a rejeição da denúncia, situação similar, é
matéria sumulada, no verbete 707 do STF, que impõe a intimação do réu para contra-
arrazoar:

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Súmula 707, STF: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para


oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a
suprindo a nomeação de defensor dativo.”

Já o artigo 285-A do CPC, que adiante será mais bem abordado, traz sentença de
improcedência, do artigo 269, I, do CPC. O § 2º deste artigo 285-A, acima transcrito,
determina que será citado o réu para contra-arrazoar a apelação que combate esta sentença.
Há, portanto, uma tendência a adotar este posicionamento que já é até mesmo sumulado no
processo penal.
Pelo ensejo, passemos à análise do artigo 285-A do CPC.

1.2. Julgamento liminar do mérito

O artigo 285-A do CPC surgiu por causa dos juizados especiais federais. Criada a
competência destes juizados pela Lei 10.259/01, os órgãos físicos não foram imediatamente
instalados. Por isso, as varas federais passaram a cumular a competência dos juizados, e
houve enorme acúmulo de feitos. Os juizes federais, então, passaram a julgar liminarmente
o mérito de ações, quando improcedente, construindo este raciocínio, que acabou por se
positivar, agora, no artigo 285-A do CPC.
É claro que a procedência jamais poderia ser decidida liminarmente, sendo
imperativa a citação do réu, dado o prejuízo que lhe acarretaria. O artigo 285-A jamais
poderia prejudicar o réu, a rigor. Contudo, novamente nos juizados especiais federais, há
movimento vanguardista que tem julgado liminarmente procedentes os pedidos em algumas
ações. A respeito, vide o enunciado 2 do Fonajef:

“Enunciado 2, Fonajef: Nos casos de julgamentos de procedência de matérias


repetitivas, é recomendável a utilização de contestações depositadas na Secretaria,
a fim de possibilitar a imediata prolação de sentença de mérito.”

Esta situação parece ofender completamente o contraditório, mas há peculiaridade,


que se vê neste enunciado: há contestações padronizadas, depositadas pelos réus
contumazes na secretaria dos juizados, que servirão para contraditar a ação, e suprir, com
isso, o devido processo legal. É solução altamente eficaz para a repetição de ações.
Dito isto, passemos à análise do artigo 285-A em seus termos. Vale novamente a sua
leitura:

“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo


já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos,
poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da
anteriormente prolatada.
§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não
manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder
ao recurso.”

O texto deste dispositivo é bastante criticado, a começar pela expressão “matéria


controvertida”: antes da citação do réu não existe matéria controvertida, pois o que
controverte qualquer matéria é a contestação.

Michell Nunes Midlej Maron 20


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A matéria “unicamente de direito”, tecnicamente, é aquela que não depende de


prova de nenhuma circunstância fática para sua solução, mas de mera interpretação de
normas. Quando a lei usa este termo, deve ser este lido como matéria de fácil prova, e não
unicamente de direito, pois o juiz sempre analisará algum fato, e nunca apenas o direito: o
juiz não está analisando nada em tese, e sim um caso concreto.
O artigo exige apenas que no juízo tenha havido sentença de casos idênticos, de
total improcedência. Há aqui algumas considerações a serem feitas: a sentença paradigma é
do mesmo juízo, e não do mesmo juiz. A lei não exige que a decisão seja escorada em
súmula, bastando o julgado anterior do mesmo órgão, em que pese haver quem defenda que
é necessária a escora em súmula do STF ou do STJ, como Marinoni o faz. Nem mesmo o
próprio STJ, instado sobre o tema, entende como Marinoni: não se exige a súmula.
Os “casos idênticos”, na verdade, não precisam ser idênticos, e sim similares, pois
para serem idênticos seria necessária presença de mesmas partes, pedidos e causa de pedir,
o que seria coisa julgada, e não este instituto. De fato, há ainda outro problema, pois o texto
diz “sentença”, no singular, e “casos idênticos”, no plural: seria bastante uma sentença, ou
seria necessária pluralidade de julgados daquele juízo? A jurisprudência tem em tendido
que basta uma sentença em caso similar pretérito para ser aplicável o artigo, mas há
julgados em que se exige mais de um julgado (como o faz o TRF da Terceira Região).
Como já se adiantou, é necessário, textualmente, que tenha havido total
improcedência, mas a procedência liminar tem ocorrido nos juizados federais.
Quando o juiz aplica o artigo 285-A, sua decisão desafia apelação do autor, e, como
visto, esta permite juízo de retratação, em cinco dias. Caso o juiz mantenha a decisão, o réu
será citado para responder ao recurso. Se a sentença for mantida pelo tribunal, haverá verba
honorária imposta ao autor? Veja que antes do recurso, não havia, pois não havia sequer
citação em conhecimento. Tendo sido citado para contra-arrazoar, haverá condenação em
honorários, pois que há agora advogado a defender o réu? O STJ, em recente
jurisprudência, tem entendido que sim, há condenação em seara recursal.
Veja que o termo “responder ao recurso” implica ainda em outra problemática: se o
tribunal dá provimento ao recurso do autor, poderá modificar o resultado material da
sentença, ou seja, julgar imediatamente procedentes os pedidos?
O entendimento mais comum é que o termo “resposta ao recurso” consiste em
contra-razões, e não em contestação. Por isso, o provimento ao recurso não pode inverter de
plano a situação, implicando em condenação. E há ainda outro motivo: após a apelação, os
recursos cabíveis são de fundamentação vinculada, ou seja, só podem versar sobre
inconstitucionalidade (recurso extraordinário) ou ilegalidade (recurso especial), o quer
tolheria insanavelmente a defesa do réu, que não contestou e jamais poderá discutir os fatos
nas oportunidades que ainda lhe restam.
Há julgados que, entretanto, entendem que esta resposta ao recurso é uma
contestação, de fato: ao responder, o réu citado (e veja que o termo é citação, e não
intimação para resposta, para contra-razões, o que reforça esta tese) pode consignar toda a
matéria que desejar, que seria cabível em uma contestação, não estando prejudicado,
portanto. No entanto, o primeiro entendimento é majoritário.
No esteio desta dinâmica, que privilegia tremendamente a celeridade em feitos
repetitivos, o legislador processual fez constar outra hipótese semelhante no CPC, pela Lei
11.382/06: o artigo 739, III. Veja:

“Art. 739. O juiz rejeitará liminarmente os embargos:

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

I - quando intempestivos;
II - quando inepta a petição (art. 295); ou
III - quando manifestamente protelatórios.”

Esta hipótese é até mais ampla do que a do artigo 285-A. Exige-se, para rejeição
liminar dos embargos (que têm natureza de ação), apenas que sejam manifestamente
protelatórios – o que se trata de mérito, sentenciando na forma do artigo 269, I, do CPC. E
esta situação, de manifesta protelação, é muito mais aberta do que as condições do artigo
285-A do CPC (não exige sequer o julgado precedente paradigmático do mesmo juízo).

Casos Concretos

Questão 1

X propôs ação de indenização por danos morais e materiais em face de Z,


alegando, na petição inicial, que seu filho fora atropelado pelo réu, quando este dirigia
seu automóvel de forma imprudente. Em conseqüência do atropelamento, a vítima veio a
morrer.

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

O réu contestou a demanda, argüindo, preliminarmente, que a petição inicial não


atende ao requisito do art. 282, III, do CPC, pois não indicou com precisão o fato em que
se funda. Argumentou o réu que é vaga e insuficiente a alegação de que dirigia o seu
veículo de forma imprudente. Disse que seria imprescindível descrever o fato
caracterizador da imprudência, sob pena de ver dificultada a sua defesa.
Pergunta-se: Merece acolhida a preliminar argüida pelo réu?

Resposta à Questão 1

A petição não é inepta. Pela teoria da substanciação, basta que seja narrado o fato e
o fundamento, que a verificação amiudada destes elementos será feita no curso da
demanda. A descrição fática não se atém a detalhes, e sim à menção do fato.
Poder-se-ia entender, outrossim, que a mera narrativa de que houve negligência não
é descrição fática, necessária à substanciação, e por isso seria sim inepta a inicial.
Prevalece, porém, o primeiro entendimento.

Questão 2

Verônica ajuizou ação de obrigação de fazer em face de DFA Empreendimentos


LTDA., objetivando que a demandada seja compelida a apresentar os documentos
necessários para o fim de lhe assegurar o direito de propriedade e a lavratura das
respectivas escrituras, sob pena de multa de 30% sobre o valor pago, a título de perdas e
danos, além da suspensão das prestações mensais até a legalização, fixando-se prazo para
tal. A autora alega ter adquirido imóveis residenciais da referida empresa através de
Promessa de Compra e Venda de unidades autônomas no prédio situado na rua X, mas que
tomou conhecimento da precariedade do título de propriedade da Ré por meio de certidão
do RGI, onde segundo consta, a ré não é proprietária dos imóveis prometidos, mas apenas
sua promitente cessionária. O juiz determinou a emenda da inicial por considerá-la
confusa e ininteligível. E em seguida extinguiu o processo sem julgamento do mérito por
não ter a autora atendido à determinação. Pergunta-se:
1) Agiu corretamente o juiz?
2) Quais os vícios que ensejam o indeferimento da inicial?
3) Pode o juiz determinar a emenda da inicial mais de uma vez?

Resposta à Questão 2

1) Depende: se o vício era de possível sanação, o juiz deveria ter propugnado a


emenda novamente. Se não havia como sanar o vício, o indeferimento era mister.
2) São os presentes no artigo 295 do CPC, sendo que a prescrição e decadência são
análises meritórias.

3) Sim, quantas vezes forem necessárias, até ficar clara a impossibilidade de se


sanar o vício.

O TJ/RJ, na apelação cível 2002.001.20826, assim se manifestou:

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“OBRIGACAO DE FAZER. PETICAO INICIAL. INDEFERIMENTO.


EXTINCAO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MERITO. ANULACAO
DA SENTENCA. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
PELO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (ART. 639, CPC). INDEFERIMENTO
DA INICIAL SOB ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE A MESMA SER
NOVAMENTE EMENDADA, APÓS DUAS OPORTUNIDADES, SEM
PREJUÍZO A DEFESA DA DEMANDADA. PETIÇÃO INICIAL QUE,
EMBORA SE MOSTRE ALGO CONFUSA, NÃO SE APRESENTA COMO
ININTELIGÍVEL. INDEFERIMENTO QUE SOMENTE. SE JUSTIFICA
QUANDO O VÍCIO APRESENTA TAL GRAVIDADE QUE IMPOSSIBILITA A
DEFESA DO RÉU OU A PRÓPRIA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
ANULAÇÃO DA SENTENÇA PARA FINS DE PROSSEGUIMENTO DO
PROCESSO. PROVIMENTO DO APELO.”

Questão 3

O art. 285-A do CPC, que permite o indeferimento liminar da petição inicial com
resolução de mérito, ofende o Princípio do Devido Processo Legal? Em caso negativo, esta
sentença deve estar lastreada em verbete de súmula de Tribunal Superior?

Resposta à Questão 3

Não. A garantia do devido processo legal apenas significa que é necessário o


seguimento de um processo adequado para que a lide seja dirimida, e não há nada que
indique que o uso desta improcedência liminar vicie a resolução da lide: o processo é o
adequado.
A sentença de improcedência liminar pode calcar-se em um só julgado
anteriormente proferido no mesmo juízo, para a maioria da doutrina e jurisprudência.
Sequer se exige pluralidade de julgados pretéritos, quanto mais súmula. Há, contudo, quem
defenda que é necessária súmula de tribunal superior, ou ao menos do tribunal em que corre
o processo em questão.

Tema IV

Citação. Conceito. Sistemas de citação. Indispensabilidade da citação. Citação válida e nula. Falta de
citação. Conseqüências da falta ou da nulidade de citação. Suprimento da falta ou da nulidade de citação.

Notas de Aula7

7
Aula proferida pelo professor Marco Antônio Rodrigues, em 24/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

1. Citação

Citação é o ato de comunicação processual através do qual é dada ciência ao réu da


existência de uma demanda, possibilitando-lhe a resposta.
Diante desta definição, ficam claras duas finalidades da citação: dar conhecimento
da lide ao citado; e permitir-lhe o contraditório em tal demanda. A resposta à demanda é um
ônus processual, e não uma obrigação, pois se realizada implica na possibilidade de um
julgamento favorável ao réu – é ato que, se praticado, pode trazer benefícios ao réu, e se
não realizado, pode acarretar prejuízos ao revel.
A citação se insere nos atos de comunicação processual, ao lado das intimações. A
intimação, porém, é de somenos importância diante do que a citação representa, vez que
apenas comunica às partes a ocorrência de um ato processual, ao passo que a citação é
responsável por trazer o réu ao processo.

1.1. Sistemas de citação

A citação pode ser realizada em sistema direto ou indireto. A citação direta consiste
naquela feita diretamente ao réu ou ao seu representante legal, e é a regra geral. A citação
indireta, por sua vez, se dá por meio de terceiros que tenham alguma vinculação com o réu.
Esta citação indireta não se trata da citação ao representante legal, que é direta,
como visto. Trata-se da citação feita ao procurador legalmente habilitado, ou seja, o
procurador que a lei erigiu. É indireta porque o réu, propriamente dito, ele mesmo ou seu
representante, não é quem recebe a citação, e sim um terceiro que é vinculado ao réu.
Exemplo claro é o do advogado com poderes especiais para receber citação: em regra, a
procuração judicial não entrega ao mandatário este poder, mas se o mandante optar por
fazer constar tal poder, o seu advogado, que não é representante, e sim mandatário, poderá
receber a citação em seu nome.
Outro exemplo de citação indireta vem no artigo 215, § 1º, do CPC:

“Art. 215 Far-se-á a citação pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao


procurador legalmente autorizado.
§ 1o Estando o réu ausente, a citação far-se-á na pessoa de seu mandatário,
administrador, feitor ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles
praticados.
(...)”

Este dispositivo cuida de caso bem específico, quando o réu estiver ausente: sequer
são exigidos os poderes especiais concedidos pelo réu aos terceiros ali mencionados. A
doutrina diz que este § 1º confere poderes presumidos às pessoas ali arroladas. Como o réu
tem autonomia sobre sua vontade, nada impede que consigne vedação a esta citação ao
mandatário enquadrado ali, mas este afastamento de nada valerá, pois a lei entrega este
poder às pessoas ali mencionadas, e não pode ser este afastado por ato da vontade do
mandante.

1.2. Indispensabilidade da citação

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A citação é um ato indispensável para o processo, pois é o mecanismo de integração


do réu à relação processual. Mesmo na jurisdição voluntária, em que não há lide, a citação
dos interessados (e não réus) é indispensável, como expressa o artigo 1.105 do CPC:

“Art. 1.105. Serão citados, sob pena de nulidade, todos os interessados, bem como
o Ministério Público.”

O processo, em verdade, passa por uma formação gradual, se compondo e se


triangulando, em momentos diferentes. Veja o artigo 263 do CPC:

“Art. 263. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja
despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara.
A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados
no art. 219 depois que for validamente citado.”

Veja que, segundo este dispositivo, o processo já existe entre autor e juiz, desde o
despacho inicial da petição, ou da distribuição da própria ação. Existe entre autor e juiz,
mas não existe ainda para o réu (é por isso que há, desde então, a litispendência para o
autor, mas não para o réu). A formação do processo para o réu, contudo, só se opera quando
da sua citação: somente ali se aperfeiçoa a angularização processual plena.
Assim, é a citação que torna o processo existente para o réu, e portanto é
indispensável. Mesmo por isso, a citação é considerada um pressuposto processual de
existência para o réu, vez que o processo somente existe para o réu desde sua efetivação.
Esta natureza jurídica da citação merece comentários mais aprofundados. Cândido
Dinamarco entende que os pressupostos processuais não se dividem em dois planos, de
existência e validade: há um só plano. Mas como todos os atos processuais são atos
jurídicos, a maior corrente entende que há, sim, divisão em três planos, como qualquer ato
jurídico: existência, validade e eficácia (tripartição pontiana dos atos jurídicos).
Sendo adotada a concepção tripartite, a análise de enquadramento de um elemento
no plano da existência ou da validade da relação jurídica processual é bastante
controvertida, aduzindo-se ainda à análise os pressupostos processuais negativos. Vejamos.
São pressupostos processuais de existência da relação processual: partes capazes
(havendo divergência quanto a quem é parte, efetivamente); órgão jurisdicional; demanda;
e citação. Assim determina, por exemplo, Nelson Nery Júnior.
Mas há quem entenda que a citação não é pressuposto processual de existência, e
sim de validade do processo. Esta corrente defende que o processo não existiu para o réu,
quando a citação for inválida, mas existia intrinsecamente, entre autor e juiz. Veja que se o
pressuposto processual de validade estiver defeituoso, o resultado é a invalidação de atos
processuais, retornando ao estado em que se encontrava antes. Mas a falta da citação, mais
do que acarretar o retorno do processo ao que era antes, leva a que jamais tenha existido
para o réu, e por isso a corrente da inexistência tem certa força.
Em que pese a controvérsia, é fato que o vício na citação faz a sentença inexistente
para o réu, mas não para o autor, que terá efeitos da demanda infrutífera – ou seja, existiu
processo para o autor8.
8
Pessoalmente, entendo mais coerente se tratar de pressuposto processual de validade, pois a existência do
processo deve ser considerada intrinsecamente, ou seja, não faz sentido entender que o processo não existiu
para o réu, mas existiu para o autor: ou ele existiu em si, ou não. Sendo pressuposto de validade, o processo
existiu, não tendo efeitos sobre o réu, sendo inválido e ineficaz para este.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Casos há, inclusive, que por não haver prejuízo ao réu, a sentença proferida em
processo sem citação terá efeitos para autor e para o réu. É caso de prescrição, por
exemplo, verificada no saneamento, tendo havido defeito na citação: aproveita a ambos,
mesmo o réu não tendo sido devidamente citado. Neste caso, inclusive, autor e réu sequer
poderão pretender nulificar a sentença, pois a invalidade da citação não trará benefício
algum, a nenhum deles: pas de nulitè sans grief.
Pelo ensejo, são pressupostos de validade do processo, para quem comunga da tese
que a citação é pressuposto de existência: capacidade de estar em juízo, capacidade
postulatória; órgão jurisdicional competente e imparcial; e demanda regularmente
formulada. A falta de um pressuposto de validade não acarreta extinção sem resolução do
mérito, ao contrário do que determina o artigo 267, IV, do CPC:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


(...)
IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo;
(...)”

A jurisprudência tem entendido que se aplica a teoria das nulidades processuais, ou


seja, se procurará corrigir os atos possíveis, ou apenas declarando nulidade, quando
impossível o aproveitamento, retornando o processo até o ponto em que seja necessário.
Pressupostos negativos são aqueles que não podem estar presentes para que a
relação processual se desenvolva. O artigo 267, V, do CPC, os apresenta:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


(...)
V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa
julgada;
(...)”

Prosseguindo na análise da citação como pressuposto processual de existência,


como se explica a possibilidade de que o réu argua vício deste ato, ou mesmo sua
inexistência, se para ele o processo sequer existe? É mais um paradoxo não solucionado por
quem defende esta natureza da citação (depondo a favor da sua configuração como
pressuposto de validade).

1.2.1. Argüição de invalidade da citação

O primeiro mecanismo para argüição da invalidade da citação é a mera petição nos


autos, pois é questão de ordem pública, e o juiz poderia, até mesmo, dela conhecer de
ofício. Também na impugnação ao cumprimento de sentença é possível esta argüição, como
diz o artigo 475-L, I, do CPC:

“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:


I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

O vício pode ser alegado também nos embargos à execução, como dispõe o artigo
741, I, do CPC:

“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar


sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
(...)”

Caso haja execução contra a Fazenda Pública, se esta não foi citada no processo de
conhecimento, caberá ajuizamento da ação autônoma de embargos à execução, e nestes
embargos, poderá a Fazenda argüir nulidade ou falta da citação. Ressalte-se, pelo ensejo,
que a impugnação ao cumprimento de sentença não é ação autônoma.
Haveria ainda possibilidade de ação rescisória contra sentença de mérito transitada
em julgado, calcada no artigo 485, V, quando a citação do processo em que tal sentença foi
exarada for viciada:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
(...)
V - violar literal disposição de lei;
(...)”

Todavia, o STJ não admite esta rescisória: o raciocínio desta corte é que se o
processo sequer existiu para o réu, não pode este ajuizar ação, pois não há, para ele, título a
ser discutido. Deverá, o réu, ajuizar uma ação declaratória de inexistência da sentença (ou
nulidade da sentença, para parte da doutrina). Veja o entendimento do STJ, proferido no
informativo 308 desta corte:

“AÇÃO RESCISÓRIA. NULIDADE. PROCESSO. FALTA. CITAÇÃO.


A Turma reiterou que a ação rescisória não pode ser utilizada para reconhecer a
nulidade do processo por falta de citação. Na hipótese, o trânsito em julgado da
sentença não atingiu os autores, que não foram partes na primeva ação justamente
pela falta de citação, daí impossível o manejo da rescisória diante da falta de
pressuposto lógico. Incabível, também, substituir essa ação por outra, dada a
especificidade da rescisória, que não deve comportar alargamentos a permitir servir
de meio indireto à declaração de nulidade processual. Precedentes citados: RMS
6.493-PA, DJ 20/5/1996; REsp 62.853-GO, DJ 1º/8/2005; REsp 26.041-SP, DJ
13/12/1993, REsp 94.811-MG, DJ 1º/2/1999. AR 771-PA, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, julgado em 13/12/2006.”
A ação declaratória buscará declarar a inexistência da sentença para a parte da
doutrina que entende que a citação é pressuposto de inexistência, pois se o processo sequer
existe para o réu, a sentença é uma parte deste que é igualmente inexistente. Assim entende
Tereza Arruda Alvim. Outra corrente defende que se trata de nulidade da sentença, por
entender que a citação é pressuposto de validade, tendo o processo existido para o autor e
juiz – a citação servindo para estender os efeitos para o réu –, e, sendo assim, a sentença
resta invalidada pelo prejuízo causado ao réu não citado, ou citado de forma falha. Assim
entende Freddie Didier, dentre outros.
E veja que a ação de declaração, de inexistência ou de nulidade, é imprescritível,
dada a severidade do vício.

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

1.3. Instrumentalidade das formas e a citação defeituosa ou inexistente

Faltando a citação, ou sendo esta nula, em regra ocorrerá a nulificação de todos os


atos processuais dali em diante, do momento em que se daria (ou se deu de forma viciada) a
citação.
Ocorre que a vigência, aqui, do princípio da instrumentalidade das formas, pode
demandar aproveitamento do processo, pois é isto que este princípio apregoa: se o ato
viciado atingir, sem prejuízos, a finalidade a que se dispõe, será convalidado. Veja o caput
do artigo 154 do CPC:

“Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada


senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados
de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
(...)”

Assim, o processo, como um todo, pretende atingir sua finalidade, antes de tudo,
que é a prestação jurisdicional.
Como dito, a convalidação só é possível se não prejudicar as partes: trata-se do
princípio do prejuízo, ou do aproveitamento dos atos processuais, extraído do artigo 250,
parágrafo único, do CPC:

“Art. 250. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos
que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a
fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais.
Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não
resulte prejuízo à defesa.”

O artigo 214, §§ 1º e 2º do CPC, regulam esta instrumentalidade aplicada à citação:

“Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.


§ 1o O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação.
§ 2o Comparecendo o réu apenas para argüir a nulidade e sendo esta decretada,
considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da
decisão.”

Na falta ou imperfeição da citação, o réu poderá adotar uma de três condutas.


Primeiro, poderá vir ao processo apenas para argüir o vício, sem nada mais fazer (sem
contestar, por exemplo), caso em que, se o juiz reconhece o vício, declara nulidade do ato,
pois não há como aplicar a instrumentalidade da citação, se o réu não se defendeu, pois a
convalidação da citação haverá prejuízo para este réu, dada a conseqüente revelia pela falta
da contestação. Assim, aplica-se o § 2º deste artigo 214, ou seja, nulifica-se a citação, e
conta-se dali o prazo para contestação (não sendo necessária a repetição da citação, pois a
própria intimação da decisão de nulidade é considerada citação do réu, nesta hipótese9).
Pode o réu, ao contrário, contestar e argüir o vício, na mesma oportunidade: não
haverá nulidade do ato citatório, se assim o fizer o réu, considerando-se aproveitado o ato,
nos termos do § 1º do artigo 214 do CPC, ou seja, há aplicação plena da instrumentalidade

9
Veja que há, então, uma “relativa instrumentalidade”, pois a citação, mesmo nulificada, não é repetida.

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

e do aproveitamento dos atos processuais, e o réu não será prejudicado pelo defeito na
citação – o comparecimento espontâneo supre a falta ou defeito da citação.
Mas pode ser que venha o réu a juízo apenas para contestar a demanda, ignorando o
defeito da citação, sequer argüindo o vício. Neste caso, o juiz igualmente ignorará o defeito,
aplicando-se novamente o tratamento dado ao comparecimento espontâneo do réu.

1.4. Repetição e renovação da citação

A repetição e a renovação da citação são situações bem diferentes.


A repetição se dá quando se encontra algum vício na citação, e o juiz, constatando-
o, determina que nova citação seja realizada.
A renovação, por sua vez, consiste na situação em que uma nova citação será
promovida, em virtude de uma nova ação que é agregada à ação original, ou em virtude de
um novo pedido que altera a ação original, como exemplifica o artigo 321 do CPC:

“Art. 321. Ainda que ocorra revelia, o autor não poderá alterar o pedido, ou a
causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova
citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de 15
(quinze) dias.”

Veja que, diferentemente da repetição, não há qualquer problema, qualquer defeito


na citação original: há nova citação por alteração substancial no pedido, ou nova ação
agregada ao processo.

1.5. Recorribilidade do despacho liminar de conteúdo positivo

Grande controvérsia há na doutrina acerca da natureza do despacho liminar de


conteúdo positivo, o “cite-se”. A discussão reside na sua configuração em despacho
meramente ordinatório ou decisão interlocutória, e, dependendo de qual natureza se lhe
atribua, o ato será, respectivamente, irrecorrível ou recorrível. Para que um ato seja
recorrível, deve ter conteúdo decisório, como estabelece o artigo 504 do CPC:

“Art. 504. Dos despachos não cabe recurso.”

Se o “cite-se” for considerado mero despacho, não tendo caráter decisório, é


irrecorrível, posto sua incapacidade em afetar a esfera jurídica de nenhuma das partes.
Anteriormente, havia ainda a divisão em despachos e despachos de mero expediente,
quando os primeiros poderiam até ter algum caráter decisório, mas nunca nos de mero
expediente, que não teriam conteúdo decisório qualquer. Hoje, não se diferenciam os
despachos entre si, pois o artigo 504, supra, os engloba, desde 2006, em uma categoria
única, sendo sempre sem conteúdo decisório algum.
José Carlos Barbosa Moreira defende que o “cite-se” é, de fato, uma decisão
interlocutória, pois quando o juiz determina-o, está, por conseqüência, admitindo a petição
inicial – e isto é uma decisão de alta importância, inclusive. Há ainda que se considerar que
o “cite-se” pode até mesmo envolver uma outra decisão implícita, que diz respeito à
gratuidade de justiça: se o autor a requer, e o juiz expede o “cite-se” sem dela tratar, estará
implicitamente deferindo-a, pois autorizou o processamento da inicial sem recolhimento
prévio de custas – decisão que desafia agravo pelo réu.

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Mas há a outra parcela da doutrina, que defende que o “cite-se” é um mero


despacho, sem qualquer conteúdo decisório. Assim entendem por que crêem que o juiz não
está decidindo nada, nem mesmo sobre os requisitos da demanda – pressupostos
processuais e condições da ação. Nesta tese milita, por exemplo, Tereza Arruda Alvim. Este
entendimento é minoritário.

Casos Concretos

Questão 1

Em ação proposta por correntista em face do Banco, na qual o primeiro pede a


revisão de cláusulas de contrato bancário, foi o Banco réu citado por oficial de justiça. A
citação se fez na pessoa do gerente da agência bancária onde o autor mantém sua conta. O
Banco réu, no prazo de resposta, apresentou petição apenas para argüir a nulidade da
citação, argumentando que a citação se realizou em pessoa que não tem poderes de
representação do Banco, o que se comprova pelo estatuto social. Pergunta-se: pode ser
considerada válida a citação?

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Resposta à Questão 1

O artigo 12, VI, do CPC, estabelece quem representa a pessoa jurídica e, portanto,
teria poderes para receber a citação:

“Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:


(...)
VI - as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os
designando, por seus diretores;
(...)”

Entretanto, de outro lado, o artigo 223, parágrafo único, prevê que quando o réu for
pessoa jurídica, pode receber a citação quem tenha poderes de gerência ou de
administração:

“Art. 223. Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou chefe da secretaria


remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz, expressamente
consignada em seu inteiro teor a advertência a que se refere o art. 285, segunda
parte, comunicando, ainda, o prazo para a resposta e o juízo e cartório, com o
respectivo endereço.
Parágrafo único. A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o
carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo. Sendo o réu pessoa jurídica, será
válida a entrega a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração.”

In casu, a pessoa que recebeu a citação não se enquadrava em um caso ou outro, e


por isso, tecnicamente, a citação seria inválida.
Mas a jurisprudência do STJ tem outro entendimento, remansoso, de que aqui vige a
teoria da aparência, não havendo qualquer nulidade. Isto porque, em nome da boa-fé, se
aquele que recebeu a citação não fizer constar ressalva expressa de que não conta com
poderes para tanto, será considerada válida a citação.
Assim se manifestou o STJ, como se pode ver no seu recente informativo 366:

“CITAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. FUNCIONÁRIO.


Trata-se de ação para obter indenização por danos morais por cobrança indevida de
serviços não contratados e inscrição em cadastros de proteção ao crédito. Citada
por mandado, a ré manteve-se revel, com sentença julgada procedente, fixando a
indenização dos danos morais acrescida do dobro do valor cobrado indevidamente,
cancelados os registros. Entretanto, foi cassada a sentença por considerar-se nula a
citação realizada na sede da ré e recebida por funcionária sem poderes. No caso, a
Turma reiterou o entendimento da validade da citação de pessoa jurídica por meio
de funcionário identificado como representante da empresa. Precedentes citados:
REsp 744.643-SC, DJ 12/3/2007; REsp 739.397-RJ, DJ 2/8/2007, e REsp 234.577-
MG, DJ 18/3/2002. REsp 931.360-MA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado
em 2/9/2008.”

Ressalte-se, ainda, que se se tratar de processo corrido nos juizados especiais, o


artigo 18, II, da Lei 9.099/95 estabelece que basta a entrega a empregado da pessoa
jurídica:

“Art. 18. A citação far-se-á:

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria;


II - tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao
encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado;
(...)”

Questão 2

Verbatim do Amazonas Ltda ajuizou ação em face de Verbatim Corporation, com


sede na Califórnia, EUA, pretendendo obter declaração de vigência de 9 (nove) contratos
celebrados entre vários participantes, inclusive com mais 2 empresas controladas pela
demandada. A citação da demandada foi ordenada por carta rogatória, de cujos termos
constou que a resposta deveria se dar no prazo da lei. Verbatim do Amazonas requereu a
decretação da revelia, porque, juntada a rogatória, o prazo da contestação fluiu in albis.
Verbatim Corporation veio, então, aos autos e arguiu a irregularidade da relação
processual pois dependia da citação das demais empresas que participaram do negócio
jurídico como litisconsortes necessários. O juiz deu ciência às partes de que faria o
julgamento antecipado da lide. Decisão irrecorrida, seguindo-se a sentença nos seguintes
termos: "Isto posto, julgo procedente a ação e declaro a plena vigência dos contratos
celebrados entre as partes, em todas as suas cláusulas, esclarecendo que os efeitos desta
sentença atingem apenas as partes que participaram da relação jurídica processual
(Verbatim do Amazonas e Verbatim Corporation). Condeno a ré nas custas e honorários
que arbitro em 20% do valor da causa". Está correta a sentença? Caso não esteja, aponte
seus eventuais equívocos.

Resposta à Questão 2

Há diversos erros na sentença. Primeiro, não se julga procedente a ação, mas sim os
pedidos. Segundo, o litisconsórcio é necessário pela natureza da relação jurídica, e, estando
ausente um dos participantes necessários, o juízo deveria ter aplicado o artigo 47, parágrafo
único, do CPC, determinando ao autor que promovesse a citação do litisconsorte necessário
ausente.
Além disso, não há que se falar em revelia, pois a ausência de litisconsorte
necessário determina que o processo não pudesse ter prosseguido, inclusive porque o prazo
para contestar contar-se-ia da juntada aos autos do último mandado de citação.
Outro erro é a expressão “prazo de lei”: esta expressão não pode ser utilizada,
devendo contar do mandado a advertência do artigo 285 do CPC, sem a qual não há que se
falar em revelia:

“Art. 285. Estando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a


citação do réu, para responder; do mandado constará que, não sendo contestada a
ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo
autor.”

Além de tudo, a consignação final da sentença, de que esta atinge apenas quem
participou da relação processual, é menção tecnicamente incabível, dada a previsão do
artigo 472 do CPC, que prevê exatamente esta situação, sendo dispensável esta redação, na
sentença:
A respeito, vide o REsp 436.838:

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“PROCESSO CIVIL. PRAZO PARA A RESPOSTA. O prazo da contestação só


inicia após a juntada aos autos do mandado de citação de todos os litisconsortes
necessários; a revelia de um desses litisconsortes, decretada sem que os demais
tenham sido citados, não produz efeitos, e a sentença proferida neste contexto é
nula. Recurso especial conhecido e provido.”

Questão 3

A Fazenda Pública move ação rescisória contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça, que lhe foi desfavorável. Os réus da ação rescisória, funcionários públicos
aposentados, alegam em preliminar de contestação a falta de citação de outros réus,
litisconsortes necessários. O Tribunal de Justiça julga a rescisória considerando a
Fazenda Pública carecedora do direito de ação, sem, no entanto, apreciar a preliminar de
falta de citação ou mesmo o mérito. A Fazenda Pública interpõe recurso especial e o
Superior Tribunal de Justiça afasta a carência de ação e determina ao Tribunal de Justiça
que prossiga no julgamento da rescisória. O Tribunal de Justiça prossegue no julgamento
sem apreciar a preliminar de falta de citação e provê, em parte, o pedido da Fazenda
Pública. O acórdão transita em julgado. Pergunta-se: os réus, litisconsortes necessários,
poderão promover ação declaratória para combater o acórdão proferido, fundando seu
pedido na ausência de citação?

Resposta à Questão 3

Sim. A citação, indispensável, permite aos que não participaram do processo


ajuizarem a ação declaratória de nulidade (ou de inexistência, para alguns). Descabe a
rescisória porque não existiu o processo para os réus que não foram citados.
A respeito, veja o REsp 194.029:

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. QUERELA NULLITATIS.


CABIMENTO. LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE
TODOS OS RÉUS.
É cabível ação declaratória de nulidade (querela nullitatis), para se combater
sentença proferida, sem a citação de todos os réus que, por se tratar, no caso, de
litisconsórcio unitário, deveriam ter sido citados. Recurso conhecido e provido.”
Tema V

Destinatário da citação. Lugar da citação. Inadmissibilidade da citação em determinadas ocasiões. Citação


do demente. Efeitos materiais e processuais da citação. Renovação e repetição da citação. Modalidades de
citação: a) quanto ao destinatário (pessoal, real e ficta); b) quanto à forma (postal, por Oficial de Justiça e
por editais).

Notas de Aula10

1. Destinatários da citação

O artigo 215 do CPC, como visto, traz a regra: a citação faz-se na pessoa do réu ou
de quem possa representá-lo, sendo direta ou indireta. Mas há algumas situações que
10
Aula proferida pelo professor Marco Antônio Rodrigues, em 24/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

demandam comentários específicos. O réu absolutamente incapaz, por exemplo, será citado
por meio do seu representante, pois ele não tem capacidade para estar em juízo sozinho,
pois não tem capacidade de governo sobre seus atos.
O réu relativamente incapaz, por sua vez, demanda citação bifronte: será citado o
próprio réu e o assistente legal deste.
As pessoas jurídicas e pessoas formais são citadas por meio das pessoas que são
apontadas no artigo 12 do CPC. Pela relevância deste artigo para o tema, vale trazê-lo na
íntegra:

“Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:


I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores;
II - o Município, por seu Prefeito ou procurador;
III - a massa falida, pelo síndico;
IV - a herança jacente ou vacante, por seu curador;
V - o espólio, pelo inventariante;
VI - as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os
designando, por seus diretores;
VII - as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a
administração dos seus bens;
VIII - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de
sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 88, parágrafo
único);
IX - o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico.
§ 1o Quando o inventariante for dativo, todos os herdeiros e sucessores do falecido
serão autores ou réus nas ações em que o espólio for parte.
§ 2o - As sociedades sem personalidade jurídica, quando demandadas, não poderão
opor a irregularidade de sua constituição.
§ 3o O gerente da filial ou agência presume-se autorizado, pela pessoa jurídica
estrangeira, a receber citação inicial para o processo de conhecimento, de
execução, cautelar e especial.”

Como curiosidade, no Rio de Janeiro, o Estado é representado pelos procuradores,


mas a citação é recebida exclusivamente pelo Procurador-Geral.
Como dito, o advogado pode receber citação quando o cliente lhe conferiu especial
e expressamente tal poder. Mas há que se atentar para uma situação peculiar: nas ações
incidentais, mesmo sem poderes especiais para receber citação, o advogado poderá fazê-lo.
Assim sustenta Leonardo Greco, e o artigo 57 do CPC apóia sua tese:

“Art. 57. O opoente deduzirá o seu pedido, observando os requisitos exigidos para
a propositura da ação (arts. 282 e 283). Distribuída a oposição por dependência,
serão os opostos citados, na pessoa dos seus respectivos advogados, para contestar
o pedido no prazo comum de 15 (quinze) dias.
Parágrafo único. Se o processo principal correr à revelia do réu, este será citado na
forma estabelecida no Título V, Capítulo IV, Seção III, deste Livro.”

A oposição, que é uma ação incidental, é exemplo em que expressamente se conta


com a citação na figura do advogado – poder que sequer pode ser excluído pelo cliente. De
fato, é medida de extremo implemento da celeridade e economia processual, devendo
prevalecer este entendimento em todas as ações incidentais.

2. Lugar da citação

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Como dispõe o artigo 216 do CPC, a citação será realizada em qualquer lugar em
que o réu se encontre:

“Art. 216 A citação efetuar-se-á em qualquer lugar em que se encontre o réu.


Parágrafo único. O militar, em serviço ativo, será citado na unidade em que estiver
servindo se não for conhecida a sua residência ou nela não for encontrado.”

Isso significa que não há qualquer vinculação do local de residência ou domicílio do


réu para sua citação: onde quer que seja, esta poderá ser feita.
Mas há alguns casos de impedimentos legais da citação, inadmissibilidade da
citação em determinadas circunstâncias, previstas no artigo 217 do CPC:

“Art. 217. Não se fará, porém, a citação, salvo para evitar o perecimento do
direito:
I - a quem estiver assistindo a qualquer ato de culto religioso;
II - ao cônjuge ou a qualquer parente do morto, consangüíneo ou afim, em linha
reta, ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete)
dias seguintes;
III - aos noivos, nos 3 (três) primeiros dias de bodas;
IV - aos doentes, enquanto grave o seu estado.”

Este artigo objetiva proteger alguns direitos do réu, como sua liberdade de religião,
ao luto, às bodas e à situação de enfermidade. Não se trata, no entanto, de inadmissibilidade
absoluta da citação, pois as hipóteses não terão oponibilidade à citação se representarem
risco de perecimento ao direito em jogo.
Dirceu de Aragão defende que estas limitações só se aplicam para a citação na
figura do réu, pois são hipóteses em que seu direito pessoal deve prevalecer, o que não
ocorre se a citação for feita na figura do representante legal ou procurador constituído com
tais poderes.
O artigo 218 do CPC traz ainda outra situação peculiar:

“Art. 218. Também não se fará citação, quando se verificar que o réu é demente
ou está impossibilitado de recebê-la.
§ 1o O oficial de justiça passará certidão, descrevendo minuciosamente a
ocorrência. O juiz nomeará um médico, a fim de examinar o citando. O laudo será
apresentado em 5 (cinco) dias.
§ 2o Reconhecida a impossibilidade, o juiz dará ao citando um curador,
observando, quanto à sua escolha, a preferência estabelecida na lei civil. A
nomeação é restrita à causa.
§ 3o A citação será feita na pessoa do curador, a quem incumbirá a defesa do réu.”

3. Efeitos da citação

A citação tem efeitos processuais e materiais. O artigo 219 do CPC trata deste
assunto:

“Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz
litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em
mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 1o A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

§ 2o Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao


despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável
exclusivamente ao serviço judiciário.
§ 3o Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90
(noventa) dias.
§ 4o Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos
antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição.
§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.
§ 6o Passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão
comunicará ao réu o resultado do julgamento.”

Mas veja que estes efeitos somente decorrem da citação válida, pois se houver caso
de falta ou nulidade da citação, o artigo 219 não operará seus efeitos.

3.1. Efeitos processuais

O primeiro efeito da citação válida, e este é de cunho processual, é tornar prevento


o juízo. A prevenção significa que o juízo é o que terá prioritariamente a competência para
apreciar a demanda, e as demandas eventualmente conexas ou contidas. A definição do
juízo prevento é importante quando se tratar de eventual necessidade de modificação de
competência. Há dois requisitos para que a modificação de competência se opere: o mesmo
juízo ser competente para todas as ações, e a presença de risco de decisões contraditórias.
Havendo estas condições, o juízo prevento é o que reunirá as ações, e a prevenção se
determina pela citação válida.
Há, no entanto, que se consignar um aparente problema sobre o momento em que se
constata a prevenção, decorrente do artigo 106 do CPC:

“Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma
competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro
lugar.”

Veja que este artigo estabelece que a prevenção se determina pelo despacho,
enquanto o artigo 219 prevê que a prevenção é induzida pela citação válida. Assim se
resolve este aparente conflito: no artigo 106, a expressão “mesma competência territorial”
deixa claro que o despacho só induz a prevenção quando se tratar de juízos compreendidos
na mesma base territorial (comarca, na seara estadual, e seção judiciária, na federal). Se os
juízos concorrentes são de bases territoriais diferentes, a norma a ser seguida é a do artigo
219, estando prevento o juízo que alcança a citação válida.
O segundo efeito da citação válida, também efeito processual, é a indução à
litispendência. O artigo 219 estabelece que a citação válida induz litispendência, e esta,
como visto, se trata de um pressuposto processual negativo, ou seja, a ação só é admissível
se inexistir uma ação idêntica já em curso. Mas veja que o conceito de litispendência, neste
artigo 219 do CPC, é mais intrínseco do que a litispendência que consiste na preexistência
de outra ação: trata-se de fazer com que esta ação, onde há a citação, torne-se o paradigma
para as eventuais ações ulteriores idênticas que porventura venham a ser propostas.
Significa, em última análise, pendência de causa – litis pendentia –, ou seja, aquela causa
em que se alcançou a citação se tornou pendente para o réu (pois já era pendente para o
autor desde a propositura da ação).

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A pendência de causa, de fato, tem diversos reflexos, inclusive a delimitação de


fraudes à execução: é desde a citação válida na ação de conhecimento que, por haver
litispendência, os atos do réu tendentes a torná-lo insolvente serão considerados
fraudatórios à execução.
O terceiro efeito processual da citação válida é fazer litigiosa a coisa. Caso a
demanda diga respeito a uma coisa ou direito, a partir da citação válida se deixa certificado
que aquela coisa ou direito é objeto de um litígio. Sendo objeto de relação litigiosa, a
alienação da coisa ou do direito não alterará a legitimidade das partes: mesmo que o
proprietário de um bem em discussão o aliene, não perderá legitimidade para estar no
processo, discutindo-o, mesmo não sendo mais proprietário da coisa. Veja que, neste caso, a
sucessão processual é admissível, pois o adquirente do bem pode pretender adentrar no
feito, mas esta sucessão só será realizada se o oponente admitir, nos termos do artigo 42 do
CPC:

“Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato
entre vivos, não altera a legitimidade das partes.
§ 1o O adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o
alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária.
§ 2o O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo,
assistindo o alienante ou o cedente.
§ 3o A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao
adquirente ou ao cessionário.”

Havendo concordância da parte contrária, ocorrerá a extromissão do alienante,


sucedendo-se no pólo pelo adquirente.
Quando houver litisconsórcio passivo, a citação de cada réu tornará litigiosa a coisa
para ele, e não apenas após a última citação, como se poderia pensar. É desde sua citação
que o réu sabe que a coisa é litigiosa.

3.2. Efeitos materiais

Dois são os efeitos materiais da citação válida, efeitos sobre a relação jurídica que é
traduzida naquele processo.
O primeiro efeito material é a constituição do réu em mora: o autor deu ciência ao
réu o conhecimento da sua obrigação inadimplida. Contudo, este efeito não se opera
sempre, pois como a mora diz respeito à relação material, os artigos do direito material que
dela tratam são relevantes, quais sejam, os artigos 397 e 398 do CC:

“Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo,


constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação
judicial ou extrajudicial.”

“Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em


mora, desde que o praticou.”

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Assim, se a mora for ex re, na forma do caput do artigo 397 e do artigo 398, estará
constituída desde quando inadimplida a obrigação, e não pela citação, que só terá este efeito
quando da mora ex personae. E, diga-se, mesmo a mora ex personae pode já ter sido
constituída anteriormente, pela interpelação, na forma do parágrafo único do artigo 397,
quando então a citação também não terá este efeito.
O segundo efeito material da citação válida é a interrupção da prescrição. O artigo
202, I, do CC, tem relevante previsão para este tema:

“Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-
se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
(...)”

Novamente, há o conflito entre norma prevendo que o mero despacho é suficiente


para determinar este efeito, como o faz este artigo 202, I, e norma prevendo que o efeito
vem da citação válida. Mas aqui o conflito é real, e não aparente, como o é na questão da
prevenção. Qual norma prevalece, então, a que empresta este efeito ao “cite-se”, ou a que
exige a citação válida?
Há dois entendimentos na doutrina: o primeiro defende que prevalece o artigo 219
do CPC, porque o inciso I do artigo 202 do CC, na sua parte final, determina certo subjugo
de seu teor à norma processual, ao expressar que deve ser respeitado o prazo e a forma da
lei processual – e a lei adjetiva exige citação válida.
A corrente contrária, capitaneada por Freddie Didier, por sua vez, entende que
prevalece a norma do artigo 202, I, do CC: a prescrição é interrompida pelo “cite-se”, pois
se aplica o critério cronológico da resolução de antinomias legais, e sendo ambas normas
gerais, o CC é norma posterior que trata do assunto, prevalecendo sobre a lei anterior, o
artigo 219 do CPC.
O STJ, no REsp 822.914, optou pela posição que atribui ao “cite-se” a interrupção
da prescrição:

“(...)
IV - PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO PELO DESPACHO QUE DETERMINOU
A CITAÇÃO NA CAUTELAR.
1. A prescrição ocorre quando o titular do direito não exerce, no prazo legal, ação
tendente a proteger tal direito. A inércia é o requisito essencial da prescrição.
2. O despacho do juiz que determina a citação na ação cautelar preparatória tem o
condão de interromper o prazo prescricional referente à pretensão principal a ser
futuramente exercida (Art. 202, I, do novo Código Civil).”

Na prática, esta discussão perde importância, por conta do § 1º do artigo 219 do


CPC, que estabelece que a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação,
e este será, em regra, o momento da interrupção. E veja que esta é, de fato, a regra mais
justa: o autor deixou sua inércia desde o momento em que propôs a ação, e a prescrição
deve ser fulminada quando há atitude do autor em busca de seu direito.
Mas veja que o artigo 219 ainda traz uma previsão de prazo máximo para que a
citação se efetive, desde a propositura da ação, sob pena de não haver interrupção da
prescrição: o prazo de cem dias, resultante da soma dos prazos previstos nos §§ 2º e 3º.

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Atente-se que este prazo só é oponível ao autor se o ato que atrasa a citação for imputável a
ele, pois do contrário, não tendo dado causa ao atraso, ele não poderá sofrer esta
penalidade. Neste sentido, a súmula 106 do STJ assim dispõe:

“Súmula 106, STJ: Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora
na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o
acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”

Exemplo de ato imputável ao autor seria deixar este de recolher as custas


corretamente; ato inimputável é a demora do cartório em promover um ato ordinatório
qualquer.

4. Modalidades de citação

As citações se dividem em dois grandes gêneros: citações reais e fictas. Citações


reais são aquelas em que efetivamente houve a ciência da demanda pelo réu. Nas citações
fictas, há a presunção de que o réu foi cientificado da demanda, sem que haja certeza de sua
real ciência.
Como as citações fictas criam situação de potencial prejuízo para o réu, que pode
ver-se integrado a processo sem que sequer tenha sabido da sua existência, o legislador
resguardou-lhe o contraditório na figura do curador especial: para o réu revel, citado
fictamente, será nomeado um representante especial, vez que a probabilidade de que o réu
não tenha sido cientificado da demanda é bem alta.
O curador especial tem o dever de defender o réu, não podendo praticar qualquer ato
dispositivo, e se o fizer, será nulo.
As modalidades de citação subdividem em espécies, dentro de cada gênero, real ou
ficta. Vejamos cada uma das espécies.

4.1. Espécies de citações reais

São espécies de citações reais a postal e a feita pelo oficial de justiça.


A citação postal, hoje, é a regra do processo civil, por força do artigo 222 do CPC:

“Art. 222. A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, exceto:
a) nas ações de estado;
b) quando for ré pessoa incapaz;
c) quando for ré pessoa de direito público;
d) nos processos de execução;
e) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de
correspondência;
f) quando o autor a requerer de outra forma.”

A pessoa jurídica recebe a citação postal na pessoa de um de seus gerentes, vigendo,


para o STJ, a teoria da aparência, como visto. Para a pessoa física, a entrega da citação
postal deve ser feita ao próprio citando. Veja o artigo 223 do CPC:

“Art. 223. Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou chefe da secretaria


remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz, expressamente
consignada em seu inteiro teor a advertência a que se refere o art. 285, segunda

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

parte, comunicando, ainda, o prazo para a resposta e o juízo e cartório, com o


respectivo endereço.
Parágrafo único. A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o
carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo. Sendo o réu pessoa jurídica, será
válida a entrega a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração.”

O STJ, no informativo 315, deixa claro seu entendimento sobre a citação postal da
pessoa física:

“CITAÇÃO. AR. PESSOA FÍSICA.


A Turma reiterou o entendimento de que a citação de pessoa física pelo correio
deve obedecer ao disposto no art. 223, parágrafo único, do Código de Processo
Civil, considerando indispensável a entrega direta ao destinatário. No caso, cabe ao
carteiro colher o ciente como prova do aviso de recepção por ele assinado, sem o
que não tem validade o ato de comunicação e acarreta a nulidade do ato citatório,
dada sua relevância processual. Assim, subscrito o aviso por outra pessoa, cabe ao
autor o ônus de provar que o réu, embora sem assinar o aviso, teve conhecimento
da demanda que lhe foi ajuizada, uma vez que a presunção de recebimento pode
causar lesão gravíssima ao demandado, mormente em razão da deficiente prestação
de serviços de portaria e condomínios nas residências. Precedente citado: EREsp
117.949-SP, DJ 26/9/2005. REsp 884.164-SP, Rel Min. Castro Filho, julgado em
27/3/2007.”

A citação por oficial de justiça, por sua vez, será cabível quando for vedada a
citação postal, o que se vê nas alíneas do artigo 222 do CPC. Por exemplo, quando estiver
em jogo algum interesse de pessoa jurídica de direito público, ou nos processos de
execução, será necessária a citação pelo oficial de justiça.

4.2. Espécies de citações fictas

São modalidades de citação ficta a citação por hora certa e a citação por edital.
A citação por hora certa demanda dois pressupostos, um objetivo e um subjetivo. O
pressuposto de caráter objetivo consiste no comparecimento do oficial de justiça ao local da
diligência por três vezes, sem obter qualquer êxito. O pressuposto subjetivo trata-se da
suspeita de ocultação do réu, ou seja, não basta que o oficial tenha comparecido três vezes
sem sucesso: é necessário que este insucesso seja devido à má-fé do réu, que se esconde
para não ser citado (se não é certa esta ocultação, deve ao menos haver sérios indícios desta
situação).
A citação por hora certa tem o procedimento tratado, de forma auto-explicativa, nos
artigos 227 a 229 do CPC:

“Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em
seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de
ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho,
que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a citação, na hora que designar.”

“Art. 228. No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de


novo despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do citando, a fim de
realizar a diligência.

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

§ 1o Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se


das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha
ocultado em outra comarca.
§ 2o Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da
família ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.”

“Art. 229. Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta,
telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência.”

O artigo 229 exige comunicação adicional ao réu, de forma a preservar suas chances
de contraditar no processo. Se esta regra for desrespeitada, o STJ entende que a citação será
nula, mesmo já tendo sido feita.
A citação por edital, a seu turno, se opera nos casos previstos no artigo 231 do CPC:

“Art. 231. Far-se-á a citação por edital:


I - quando desconhecido ou incerto o réu;
II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar;
III - nos casos expressos em lei.
§ 1o Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar
o cumprimento de carta rogatória.
§ 2o No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua
citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de
radiodifusão.”

Ao contrário do que se passa na citação por hora certa, na citação por edital não é
exigido o requisito subjetivo a ensejá-la, qual seja, a suspeita de ocultação do réu. Os
requisitos que demandam a citação por edital são todos objetivos, previstos nos incisos
deste artigo 231.
O inciso III determina que a citação por edital se dará nos casos expressos em lei.
exemplo desta previsão está no artigo 942 do CPC:

“Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando


planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o
imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar
incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no
inciso IV do art. 232.”

O inciso II traz hipóteses bastante peculiares, pois se refere à inacessibilidade do


local em que o réu se encontra. A inacessibilidade a que este dispositivo se refere, em
princípio, é a física: locais de acesso extremamente difícil, como o pico de uma montanha.
O § 1º deste artigo 131 cria outra hipótese de inacessibilidade, a jurídica: consiste
na negativa de cumprimento da carta rogatória pelo país em que o réu se encontra.
Há ainda um caso de inacessibilidade que a doutrina vem admitindo: a
inacessibilidade social. Consiste na impossibilidade de se alcançar o réu em locais em que
as condições sociais impedem a entrada dos meios de comunicação, como em favelas onde
há constantes conflitos armados, por exemplo. Alexandre Câmara defende esta
inacessibilidade.

4.3. Citação eletrônica

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A Lei 11.419/06, que trata da informatização do processo, prevê diversos atos


processuais por meio eletrônico, inclusive a citação. Até mesmo os autos do processo
seriam digitalizados, e a própria contra-fé seria eletrônica.
A citação eletrônica seria até mesmo utilizada em processos ajuizados em face da
Fazenda Pública, sendo inclusive mais plausível e factível em processos contra os entes
públicos.
A implementação do processo eletrônico depende da criação de sistemas pelos
próprios tribunais, e o alto grau de tecnologia da segurança demandado ainda não permite
sua implementação, hoje, na maior parte dos tribunais brasileiros.
A citação eletrônica, pela sistemática da lei que a criou, é considerada citação real,
pois entrega o processo como se abrisse vista pessoal à parte citada. Veja o artigo 9º, § 1º,
da Lei do Processo Eletrônico:

“Art. 9o No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações,


inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei.
§ 1o As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à
íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado
para todos os efeitos legais.
(...)”

Perceba que, se não fosse real, a Fazenda não poderia ser assim citada, como
autoriza a lei, pois a Fazenda Pública não pode ser citada de forma ficta.

Casos Concretos

Questão 1

João e sua esposa propuseram ação divisória de imóvel em face de Jofre e outros
com pedido julgado procedente pelo juízo monocrático.
Os réus apelaram para anular o feito por defeito de citação, tendo o Tribunal
acolhido o recurso.
Retornando os autos à vara de origem, os autores observaram que os réus,
intimados do acórdão por publicação no D.O., estavam desde então citados, visto que a
nulidade da citação faz incidir o disposto no art. 214, § 2º do CPC. Assim sendo
pleitearam o julgamento antecipado da lide, tendo em vista que os réus deixaram
transcorrer o prazo para a contestação, conforme art. 330, II do CPC.
O juiz acolheu essa argumentação e julgou procedente o pedido.

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Os réus novamente apelaram, sustentando que o prazo para a defesa só começaria


a correr depois do retorno dos autos à vara de origem, intimados que fossem, através dos
seus procuradores, do despacho que ordenasse o cumprimento do acórdão.
Assiste razão aos apelantes ou o juiz agiu corretamente? Justifique.

Resposta à Questão 1

Assiste razão aos apelantes. O artigo 214, § 2º, do CPC, prevê que, comparecendo o
réu apenas para argüir a nulidade da citação, esta se considera feita desde o momento em
que houver a intimação da decisão sobre a nulidade, mas esta regra só se aplica, na sua
literalidade, quando a argüição da nulidade se passar em primeiro grau de jurisdição. Se a
nulidade for declarada em segundo grau, a contestação não poderá ser lá realizada, e por
isso não se aplica o artigo 214, § 2º, como expresso. Por isso, o STJ entende que é da
intimação em primeiro grau do acórdão de segunda instância, com o retorno dos autos à
vara de origem, que se conta este prazo.
A respeito, veja o REsp 73.186:

“CITAÇÃO. NULIDADE. INICIO DO NOVO PRAZO. ART. 214, PARAG. 2.


DO CPC. DECRETADA EM SEGUNDA INSTANCIA A NULIDADE DA
CITAÇÃO DO REU QUE COMPARECEU AOS AUTOS APENAS PARA
ALEGA-LA, CONSIDERA-SE EFETUADA A CITAÇÃO COM A INTIMAÇÃO,
DO REU OU DE SEU ADVOGADO, DO RETORNO DOS AUTOS A VARA DE
ORIGEM.”

Questão 2

Túlio propôs ação de indenização por danos morais em face do Banco X, pelo fato
deste ter transferido a totalidade do numerário contido em sua conta-corrente para uma "
conta poupança", razão pela qual, vários cheques foram devolvidos por falta de provisão
de fundos e em conseqüência, o autor teve seu nome inscrito no cadastro de emitentes de
cheques sem fundos e SERASA, vindo a sofrer até mesmo problemas de saúde, já que
durante seus 86 anos nunca deixou de honrar com suas obrigações.
O Banco réu, após o prazo de sua contestação, pede a nulidade da citação por ter
sido efetivada pelo correio na pessoa de funcionário sem poderes para recebê-la e alega
ofensa aos arts. 12 e 215 do CPC, além da violação ao contraditório e ampla defesa.
Conclusos os autos, decida.

Resposta à Questão 2

Tecnicamente, o réu teria razão, mas para o STJ a citação é perfeitamente válida,
pois aqui vige a teoria da aparência, e para tal tese, basta que haja a presunção forte da
ciência da pessoa jurídica, como o há, in casu. Se a pessoa que recebeu a citação não
informou não ter poderes para tanto, nada há a reparar no ato citatório.
Ressalte-se que se o caso correu em juizado especial, é ainda mais simples a
solução, pois o artigo 18 da Lei 9.099/95 autoriza a citação de qualquer empregado.
Assim se posicionou o TJ/RJ, na apelação cível 2001.001.26123

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“RESPONSABILIDADE CIVIL DE BANCO. APONTE DO NOME COMO


DEVEDOR INADIMPLENTE. SERVICO DE PROTECAO AO CREDITO
(S.P.C.). DANO MORAL. INDENIZACAO. PROVIMENTO PARCIAL.
CITAÇÃO. Pessoa Jurídica Teoria da Aparência. Efetivação na Pessoa de Preposto
Que Se Apresenta Corno Representante Legal do Banco. Validade Do Ato
Citatório. O fato de um funcionário de banco se apresentar ao Oficial de Justiça
como chefe do expediente, dizendo-se apto a receber qualquer comunicação pela
instituição, faz com que, pela teoria da aparência, seja tal ato considerado válido,
mormente pelo fato de ter sido proporcionado tempo suficiente para as
providências a serem tomadas pelo banco que, inclusive, concedeu carta de
preposto ao citado funcionário para que comparecesse à audiência.
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA, Devolução Indevida de Cheques por
Insuficiência de Fundos, Inclusão do Nome do Correntista. no SERASA e SPC.
Fato do Serviço. Indenização por Dano Moral. Se o banco, sem o consentimento
do correntista, transfere o saldo da sua conta corrente para a poupança, em
conseqüência devolve os cheques por ele emitidos por insuficiência de fundos e,
ainda, inclui o seu nome no rol dos maus pagadores, dá causa ao dano moral pelo
que responde independentemente de culpa. Recurso parcialmente provido.”

Questão 3

É admissível a citação por hora certa:


A) Na execução?
B) No procedimento do juizado especial cível?

Resposta à Questão 3

A) Sim. Em que pese certa controvérsia, o STJ entende que é possível, tendo
sumulado a matéria no enunciado 196 de sua súmula:

“Súmula 196, STJ: Ao executado que, citado por edital ou por hora certa,
permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para
apresentação de embargos”

A corrente que entende descabida esta citação se fundamenta pela


gravosidade da figura do arresto, da “pré-penhora”, mas o STJ defende que não
há qualquer incompatibilidade entre este arresto e a citação pro hora certa.

B) O enunciado 5.2 dos juizados especiais veda esta modalidade de citação, porque
não é compatível com a celeridade e economia processual que são buscadas nos
processos dos juizados:

“Enunciado 5.2.: Citação por hora certa. Inadmissibilidade. Não é cabível a citação
por hora certa em sede de juizados especiais cíveis.”

Todavia, as turmas recursais admitem que o oficial de justiça, sem


perpassar o procedimento da citação por edital, dê o réu por citado.

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Tema VI

Resposta do réu. Teoria geral da exceção. Acepções diversas do termo "exceção". Objeção e exceção.
Espécies de exceções/defesas: a) processuais/instrumentais (peremptória ou dilatória); b)
meritórias/substanciais (direta ou indireta). Casos em que a lei prevê a réplica (art. 326 e art. 327, CPC).

Notas de Aula11

1. Resposta do réu

A possibilidade dada ao réu de se defender vem das garantias constitucionais da


ampla defesa e do contraditório, princípios constitucionais processuais de elevada estatura.
A natureza jurídica da resposta do réu é de ônus processual. Não é uma obrigação,
pois o réu não está obrigado a responder à demanda que é proposta em face dele, e também
não é uma faculdade, pois caso deixe de oferecer resposta, há conseqüências negativas

11
Aula proferida pela professora Flávia Pereira Hill, em 25/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

desta inércia, o que não haveria, em caso de mera faculdade. Por isso, a doutrina é pacífica
em caracterizar a resposta do réu como um ônus.

1.1. Prazo para resposta

O prazo para resposta, no procedimento comum ordinário, é de quinze dias a contar


da citação do réu, na forma do artigo 297 do CPC:

“Art. 297. O réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita,
dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção.”

A contagem deste prazo é a padrão, do artigo 184 do CPC, excluindo-se o dia de


início e incluindo-se o último dia.

“Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o


dia do começo e incluindo o do vencimento.
(...)”

É prazo peremptório, não admitindo alargamento ou redução pela vontade das


partes.
O dies a quo da contagem do prazo vai variar, de acordo com o meio de citação do
réu operado. Constam as hipóteses do artigo 241 do CPC:

“Art. 241. Começa a correr o prazo:


I - quando a citação ou intimação for pelo correio, da data de juntada aos autos do
aviso de recebimento;
II - quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos
autos do mandado cumprido;
III - quando houver vários réus, da data de juntada aos autos do último aviso de
recebimento ou mandado citatório cumprido;
IV - quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou
rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida;
V - quando a citação for por edital, finda a dilação assinada pelo juiz.”
O STJ, em recente julgado, exarou posição pertinente ao inciso IV deste artigo 241:

“REsp 472.554. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E


APREENSÃO. REVELIA APLICADA. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE.
MATÉRIA DE FATO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOCUMENTO. VISTA.
DESPACHO ULTERIOR PARA MANIFESTAÇÃO DAS PARTES SOBRE
PROVAS. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DE NULIDADE. CERTIDÃO
CARTORÁRIA MERAMENTE CONSIGNANDO DATAS DE RETIRADA E
DEVOLUÇÃO DOS AUTOS PELO PRÓPRIO ADVOGADO DA PARTE RÉ.
CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO.
I. Aplicada a pena de revelia com base em sucessão de fatos peculiares à espécie, a
controvérsia jurídica não tem como deles ser dissociada, o que afasta a
admissibilidade do especial, ao teor da Súmula n. 7 do STJ.
II. Inexistência de cerceamento de defesa da parte, porquanto além de não haver se
manifestado em momento ulterior à juntada do documento, este constitui-se
meramente em certidão cartorária atestando a retirada e restituição dos autos pelo
próprio advogado dos réus, fatos, evidentemente, do seu conhecimento.
III. Recurso especial não conhecido.”

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Mesmo não tendo, neste caso, sido juntado o mandado, esta falta de juntada foi
decorrente de ato que o STJ julgou expediente malicioso do advogado do réu, e a
contestação foi tida por intempestiva.
A dilação fixada pelo juiz, a que alude o inciso V deste artigo, é a que é referida no
artigo 232, IV, do CPC:

“Art. 232. São requisitos da citação por edital:


(...)
IV - a determinação, pelo juiz, do prazo, que variará entre 20 (vinte) e 60
(sessenta) dias, correndo da data da primeira publicação;
(...)”

Um outro julgado curioso sobre o tema é o REsp 1.020.729, no qual o STJ entendeu
inexistente a juntada de um mandado aos autos que foi efetivada por estagiário do cartório:

“PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO POR OFICIAL. MANDADO.


INFORMAÇÃO DEFASADA CONSTANTE DO SISTEMA DE
INFORMÁTICA. CONTAGEM DO LAPSO TEMPORAL DO ATO
CONCRETO CERTIFICADO NOS AUTOS. DEVER DE FISCALIZAÇÃO IN
LOCO DA PARTE, DIRETAMENTE NOS AUTOS DO PROCESSO. JUNTADA
DO MANDADO, TODAVIA, POR ESTAGIÁRIA DO CARTÓRIO. ATO
PROCESSUAL DE ESCRIVÃO. INEXISTÊNCIA. ART. 168 DO CPC.
MATÉRIA PREQUESTIONADA E LEVANTADA EM CONTRA-RAZÕES.
JUSTA CAUSA VERIFICADA. TEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO.
REVELIA INSUBSISTENTE.
I. Compete à parte verificar, diretamente nos autos, a sucessão dos atos processuais
ou acompanhá-los pela imprensa, quando for esta a hipótese, não podendo servir
de escusa à inobservância dos prazos recursais a circunstância de ter-se baseado
em informação colhida do sistema de informática da Vara ou do Tribunal, cujos
lançamentos oficiosos, eventualmente, se acham desatualizados em relação ao
andamento efetivo do processo (Corte Especial no EREsp n. 503.761/DF, Min.
Felix Fischer, DJU de 14.11.2005).
II. Ainda que válida a objeção apresentada, e sufragada pela jurisprudência da
Corte Especial, com relação ao noticiário oficioso de ato processual veiculado pela
internet não dispensar a aferição da veracidade nos autos da parte interessada, a
juntada de mandado citatório efetuada por estagiária, em violação ao art. 168 do
CPC, fato inconteste dirimido pelo aresto estadual argüido em contra-razões, é tida
como inexistente, e não gera o efeito de deflagrar o início do prazo para contestar.
Revelia não configurada.
III. Recurso especial não conhecido.”

Havendo litisconsórcio passivo, aplica-se o artigo 191 do CPC:

“Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão


contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para
falar nos autos.”

Em combinação com este artigo 191, aplica-se o inciso III do artigo 241, que
determina que o termo a quo, deste prazo que agora é de trinta dias, será a juntada aos autos
do último mandado cumprido.
Num caso curioso enfrentado pelo STJ, havendo dois litisconsortes passivos, tendo
sido um dos réus citado e o respectivo mandado juntado aos autos, o outro deixou de

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

constituir advogado, e não contestou. O primeiro réu, crendo que seu prazo seria em dobro,
pois presumiu que o segundo réu teria constituído advogado diferente, apenas contestou em
prazo posterior aos quinze dias, mas anterior aos trinta que entendia corretos. Veja que, sob
a moldura legal, o prazo seria simples, pois nunca houve mais de um patrono na causa;
todavia, o STJ, no REsp 683.956, resguardou a boa-fé do primeiro réu, mesmo porque ele
não teria como adivinhar que o segundo réu não constituiria patrono algum. Veja:

“PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.


TEMPESTIVIDADE. RÉUS DIVERSOS. PRAZO PARA CONTESTAÇÃO
DOBRADO. BENEFÍCIO QUE DEPENDE APENAS DA CERTEZA DA
DIVERSIDADE DE PROCURADORES DOS LITISCONSORTES. CPC, ART.
191.
I. A regra do art. 191, do CPC, que confere prazo dobrado para contestar quando os
réus atuem com procuradores diversos, tem aplicação independentemente do
comparecimento do outro litisconsorte à lide, bastante que apresente a sua defesa
separadamente, mediante advogado exclusivo, sob pena de se suprimir, de
antemão, o direito adjetivo conferido à parte que, atuando individualmente, não
tem como saber se o co-réu irá ou não impugnar o feito. In casu, tempestiva a
exceção de incompetência apresentada antes da contestação.
II. Recurso especial conhecido e provido.”

Desde quando a revelia for decretada, porém, é claro que o prazo será simples.
Para a Fazenda Pública ou o MP, o prazo é quadruplicado, na forma do artigo 188
do CPC:

“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para


recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

Para Barbosa Moreira, o termo “responder”, neste artigo 188, açambarca


contestação e reconvenção, mas não as exceções. Desta forma, para este autor, para a
Fazenda ou o parquet contestar ou reconvir, o prazo é quadruplicado; para opor exceções, é
simples. O STJ, no entanto, assim não entende, incluindo as exceções no prazo em
quádruplo, e vai além, estendendo este prazo em quádruplo até mesmo para a impugnação
ao valor da causa. Veja:

“Resp 8.233. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE


INCOMPETENCIA OPOSTA PELA FAZENDA PUBLICA. PRAZO A SER
OBSERVADO. A FAZENDA PUBLICA TEM DIREITO DE OPOR EXCEÇÃO
DE INCOMPETENCIA NO PRAZO QUE TEM PARA CONTESTAR (ART. 188
DO CPC). EXEGESE DA MENCIONADA NORMA DE DIREITO
PROCESSUAL, ONDE CONTESTAR, SEGUNDO OS MESTRES, TEM O
SENTIDO DE RESPONDER. RECURSO DESPROVIDO.”

“AgRg no REsp 946499 PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL -


AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA -
PRAZO DA FAZENDA PÚBLICA - NECESSIDADE DE PERÍCIA.
1. A interpretação sistemática do art.188 c/c art.261, CPC, impõe a conclusão de
que o prazo deferido à Fazenda Pública para formular incidente de impugnação ao
valor da causa é abrangido pela contagem em quádruplo.
2. O art.188, CPC, afirma que se contará em quádruplo o prazo para contestar,
quando a parte for a Fazenda Pública. O art. 261, CPC, prescreve que o réu poderá
impugnar, no prazo da contestação, o valor atribuído à causa pelo autor. O

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

incidente de impugnação ao valor da causa tem prazo de exercício serviente ao


homólogo lapso para contestar. Se a Fazenda Pública tem o necessário e justo
privilégio de contestar no prazo quádruplo, o ato de impugnação deverá ser
manifestado em idêntico intervalo. Imaginar diversamente é quebrar o paralelismo
das formas e a lógica da técnica processual prestigiada no CPC.
(...)”

Humberto Theodoro Júnior, em caso em que há litisconsórcio entre a Fazenda


Pública e um particular, defende que o prazo em quádruplo é exclusivo para a Fazenda
Pública, não beneficiando ao particular: este terá, sim, o prazo em dobro, porque subsume-
se ao artigo 191 do CPC, pois a Fazenda tem seu procurador, e o particular o seu advogado.
Também os beneficiários da justiça gratuita que forem patrocinados por defensor
público ou advogado indicado pelo Estado terão prazo em dobro, na forma do artigo 5º, §
5º, da Lei 1.060/50:

“Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-
lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas
horas.
§ 1º. Deferido o pedido, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária,
organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias
úteis o advogado que patrocinará a causa do necessitado.
§ 2º. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido,
caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou
Subseções Municipais.
§ 3º. Nos municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do
Brasil. o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do
necessitado.
§ 4º. Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e
que declare aceitar o encargo.
§ 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida,
o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado
pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-
lhes em dobro todos os prazos.”
O § 2º do artigo 214 do CPC, já bem abordado, trata do comparecimento espontâneo
do réu aos autos. Vindo apenas com a finalidade de argüir nulidade da citação, a data em
que o réu for intimado da decisão em que o juiz reconhece a nulidade da citação será o dies
a quo do prazo para contestar. O § 1º deste artigo estabelece que, havendo a contestação já
na mesma oportunidade da argüição da nulidade da citação, esta será tempestiva, se for
realmente constatada a nulidade.

“Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.


§ 1o O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação.
§ 2o Comparecendo o réu apenas para argüir a nulidade e sendo esta decretada,
considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da
decisão.”

O artigo 298, parágrafo único, do CPC, apresenta outra situação peculiar:

“Art. 298. Quando forem citados para a ação vários réus, o prazo para responder
ser-lhes-á comum, salvo o disposto no art. 191.
Parágrafo único. Se o autor desistir da ação quanto a algum réu ainda não citado, o
prazo para a resposta correrá da intimação do despacho que deferir a desistência.”

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Os demais réus, que terão o processo prosseguindo contra si, terão o prazo para
resposta correndo desde a intimação desta desistência. Se o juiz homologar a desistência de
um réu, e dentre os remanescentes houver algum ainda não citado, observar-se-á para este
réu a regra geral do artigo 241, III, do CPC, ou seja, o prazo começará a correr desde a data
de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido. Esta
dinâmica, inclusive, já foi alvo de julgado no STJ – REsp 727.065 –, quando esta corte
anulou decisão que considerava revel o réu com base apenas na aplicação do artigo 298,
parágrafo único, sem considerar o que dispõe o artigo 241, III, do CPC:

“PROCESSUAL CIVIL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DESISTÊNCIA DA


AÇÃO EM RELAÇÃO A UMA DAS RÉS. INTIMAÇÃO PESSOAL. ART. 298,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. CONTESTAÇÃO. PRAZO.
I. O prazo para contestar a ação, na hipótese de desistência da ação em relação ao
co-réu, somente se inicia a partir da intimação da decisão que a deferiu. Na
ausência de procurador constituído pelos réus remanescentes, a intimação será
pessoal (art. 238 do CPC).Precedentes.
II. Recurso conhecido e provido.
(...)
Ora, era de se esperar que a recorrente aguardasse a citação da co-ré para o início
do prazo, que poderia até ser em dobro, para contestar a ação (REsp n. 436.838-
AM, Min. Ari Pargendler, 3ª Turma (artigos 191, 241, III, e 298, todos do CPC).
Ocorrida a desistência da ação em relação aos demais réus, dever-se-ia aguardar a
intimação do despacho que a deferira, no caso necessariamente pessoal.”

Outra situação peculiar é o artigo 173, parágrafo único, do CPC:

“Art. 173. Durante as férias e nos feriados não se praticarão atos processuais.
Excetuam-se:
I - a produção antecipada de provas (art. 846);
II - a citação, a fim de evitar o perecimento de direito; e bem assim o arresto, o
seqüestro, a penhora, a arrecadação, a busca e apreensão, o depósito, a prisão, a
separação de corpos, a abertura de testamento, os embargos de terceiro, a
nunciação de obra nova e outros atos análogos.
Parágrafo único. O prazo para a resposta do réu só começará a correr no primeiro
dia útil seguinte ao feriado ou às férias.”

O STJ, anteriormente, entendia que se o réu contestasse, suponha-se, no terceiro dia


do seu prazo para resposta, e no décimo dia apresentasse reconvenção, não haveria
problema algum: ambas as respostas seriam tempestivas e hábeis. Hoje, porém, o STJ
entende de forma clara que, apresentada a contestação, nenhuma outra resposta será
possível, pois que se operou a preclusão consumativa. Veja o REsp 31.353:

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÕES DE MANUTENÇÃO DE POSSE E


CONSIGNATÓRIA. PEDIDO RECONVENCIONAL PARA A RESCISÃO DO
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
APRESENTAÇÃO DA RECONVENÇÃO APÓS A CONTESTAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. CPC, ART. 299.
INADIMPLÊNCIA CONTRATUAL E CORREÇÃO MONETÁRIA DO SALDO
DO PREÇO SOLUCIONADAS À LUZ DA INTERPRETAÇÃO DE
CLÁUSULAS E DOS FATOS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

NS. 5 E 7-STJ. PREQUESTIONAMENTO, ADEMAIS, DEFICIENTE. SÚMULA


N. 211-STJ.
I. A ausência de prequestionamento impede a apreciação da controvérsia em toda a
sua extensão, em face do óbice da Súmula n. 211 do STJ.
II. Firmado pelo Tribunal estadual, soberano no exame da prova e do contrato, que
a obtenção de financiamento não constituia condição do pacto, e que inexistia
vedação à correção monetária do saldo do preço, portanto insuficiente o valor
consignado sem atualização, a matéria não tem como ser revista, nos termos das
Súmulas ns. 5 e 7 desta Corte.
III. Aplica-se o princípio da preclusão consumativa, adotado pela uniforme
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à regra do art. 299 do CPC, de sorte
que tardio o pedido reconvencional apresentado após o oferecimento da
contestação pelo mesmo réu, ainda que antes de terminado o prazo original de
defesa.
IV. Recurso especial conhecido em parte e provido, para julgar extinta a
reconvenção e, conseqüentemente, a pretensão rescisória do compromisso de
compra e venda.”

Já a oposição de exceção não tem o condão de fazer preclusa a defesa, que poderá,
ainda, contestar ou reconvir após a exceção. Veja, neste sentido, o REsp 457.710:

“EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. Contestação. Preclusão. O fato de o réu ter


contestado a ação não significa tenha aceito implicitamente o juízo, pelo que pode
também oferecer exceção de incompetência. Se apenas suscitasse a exceção,
correria o risco de ver rejeitado o seu pedido, sem suspensão do processo, com
perda do prazo para contestar. Não se aplica ao caso a teoria da preclusão
consumativa porque a exceção foi protocolizada antes, embora no mesmo dia.
Preliminar de preclusão rejeitada. Recurso conhecido e provido.”

1.1.1. Prazos especiais para resposta

Em procedimentos especiais, o prazo para resposta, por vezes, é mais exíguo. Veja o
artigo 890, § 1º do CPC:
“Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com
efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.
§ 1o Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar
pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde houver,
situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se
o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a
manifestação de recusa.
(...)

No rito sumário, o artigo 278 do CPC determina que a contestação poderá,


inclusive, ser realizada em audiência, que poderá ser oral:

“Art. 278. Não obtida a conciliação, oferecerá o réu, na própria audiência, resposta
escrita ou oral, acompanhada de documentos e rol de testemunhas e, se requerer
perícia, formulará seus quesitos desde logo, podendo indicar assistente técnico.
(...)”

Nos juizados especiais, o artigo 30 da Lei 9.099/95 admite também a contestação


em audiência:

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 30. A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa,
exceto argüição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma
da legislação em vigor.”

O artigo 902, II, do CPC, traz também prazo exíguo para a resposta da ação de
depósito, prazo de cinco dias:

“Art. 902. Na petição inicial instruída com a prova literal do depósito e a


estimativa do valor da coisa, se não constar do contrato, o autor pedirá a citação do
réu para, no prazo de 5 (cinco) dias:
I - entregar a coisa, depositá-la em juízo ou consignar-lhe o equivalente em
dinheiro;
II - contestar a ação.
(...)”

A ação de anulação de títulos ao portador também tem prazo menor de


contestação, de dez dias, na forma do artigo 912 do CPC:

“Art. 912. Ocorrendo destruição parcial, o portador, exibindo o que restar do


título, pedirá a citação do devedor para em 10 (dez) dias substituí-lo ou contestar a
ação.
Parágrafo único. Não havendo contestação, o juiz proferirá desde logo a sentença;
em caso contrário, observar-se-á o procedimento ordinário.”

A ação de prestação de contas tem prazo de cinco dias para a contestação, na forma
do artigo 915 do CPC:

“Art. 915. Aquele que pretender exigir a prestação de contas requererá a citação
do réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, as apresentar ou contestar a ação.
(...)”

Por fim, o Decreto-Lei 911/69 trazia no artigo 3º, § 1º, prazo de apenas três dias
para contestar a busca e apreensão em alienação fiduciária, mas esta previsão foi alterada,
em 2004, quando o prazo passou a ser de quinze dias, na forma do atual artigo 3º, § 3º. Veja
o antigo § 1º e o atual § 3º deste artigo:

“§ 1º Despachada a inicial e executada a liminar, o réu será citado para, em três


dias, apresentar contestação ou, se já tiver pago 40% (quarenta por cento) do preço
financiado, requerer a purgação de mora.”

“Art 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou


terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciàriamente, a qual será
concedida Iiminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do
devedor.
(...)
§ 3o O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da
execução da liminar.
(...)”

1.2. Modalidades de resposta

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

De acordo com o artigo 297 do CPC, três são as modalidades de resposta pelo réu,
as consabidas contestação, reconvenção e exceções. A contestação será alvo de estudo
amiúde adiante, dada sua relevância.
Dinamarco e Didier defendem que, na verdade, a análise sistemática do CPC faz
depreender que as modalidades de resposta vão além destas três mencionadas, como a
impugnação ao valor da causa ou à gratuidade de justiça, ou o incidente de falsidade
documental, etc. Mas a doutrina, em geral, não passa, no tema resposta do réu, das três
modalidades assim nominadas pelo legislador.
A reconvenção consiste, de fato, em um contra-ataque, mais do que uma mera
resposta. É uma ação incidente no bojo do mesmo processo, em que o réu original se torna
autor, formulando pedidos contra o autor original.
O artigo 297 do CPC traz também as exigências formais da resposta do réu. Reveja:

“Art. 297. O réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita,
dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção.”

Assim, a resposta do réu deve ser escrita (no procedimento comum ordinário), e
deve ser dirigida ao juiz da causa, mesmo se se tratar de exceção de incompetência. Mas
veja que pode parecer estranho que o réu se dirija, formulando postulação, a juiz que
entende incompetente: parece ser contraditória, esta atuação. Todavia, vige aqui o princípio
da competência sobre competência, do alemão kompetenz-kompetenz, que determina que o
juiz é competente ao menos para declarar sua incompetência, ou seja, há sempre ao menos
este mínimo de competência em todo juízo.
A clara separação entre a relação jurídica de direito processual e a de direito
material é um marco significativo na análise das espécies de defesa. A relação processual,
relação de ordem pública, se inicia com a propositura da ação, pelo autor, e se angulariza,
se aperfeiçoa, com a citação válida da parte ré, quando então jungem-se os três grandes
personagens do processo – autor, juiz e réu.
A relação jurídica de direito material, por sua vez, é a própria controvérsia de direito
travada entre as partes, é o próprio objeto do litígio entre parte autora e parte ré. Se for um
direito público o que a fundamenta, a relação será de direito público; se for privado, a
relação é privada. A relação jurídica de direito material será revelada na causa de pedir e no
pedido mediato formulado pela parte autora.
Se duas relações jurídicas são contidas no processo, há defesas que serão pertinentes
a uma, e outras que serão referentes a outra: há defesas de direito material, e defesas de
direito processual. Vejamos, então, as defesas processuais e as defesas de mérito.

1.2.1. Defesas processuais

São também chamadas defesas instrumentais, ou defesas de rito. Estas defesas, por
óbvio, se insurge contra aspectos formais, que dizem respeito apenas à relação jurídica de
direito processual.
Classificam-se as defesas processuais em peremptórias, ou próprias; ou dilatórias,
impróprias.
A defesa peremptória é aquela que, caso acolhida, põe fim ao processo, sendo este
extinto sem resolução do mérito. São exemplos clássicos a alegação defensória de ausência
de pressupostos processuais ou de condições da ação.

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A defesa dilatória, por sua vez, quando acolhida, não enseja a extinção do processo,
mas apenas a regularização de um vício formal. O que ela acarreta é apenas um
dilargamento do processo, um prolongamento do seu curso, para que seja regularizado o
vício alegado e constatado. Exemplo claro é a alegação da nulidade da citação, ou as
exceções, em geral.
O provimento jurisdicional de acolhimento de uma defesa imprópria, dilatória, é
uma decisão interlocutória, pois, como se viu, o processo não se extingue. Mas há exceções
em que uma defesa que, em tese, seria dilatória, acaba por se demonstrar, no caso concreto,
peremptória. Imagine-se, por exemplo, uma irregularidade de representação da parte autora:
o juiz fixará prazo para a regularização da representação, mas se este prazo correr in albis,
ou se a parte não cumprir corretamente a regularização determinada, a confirmação e não
sanação do vício fará com que o processo seja extinto.

1.2.2. Defesas materiais

As defesas de mérito, como visto, dizem respeito à relação material entremeada no


processo. É chamada também de defesa substancial, portanto. Classicamente, divide-se a
defesa material em direta e indireta.
A defesa substancial direta consiste no ataque imediato às alegações fáticas da parte
autora: a parte ré nega categoricamente os fatos, ou, se não os nega, diverge das
conseqüências jurídicas destes fatos. Marinoni traz bom exemplo: se o autor alega contrato
de locação descumprido, pleiteando despejo do réu, e este responde afirmando que não há o
contrato alegado, há defesa direta, negativa dos fatos alegados pelo autor; se, d’outrarte, a
parte ré confirma a existência do contrato, mas o reputa com natureza diferente da de
locação – não podendo ser procedido despejo, portanto –, também se trata de defesa direta.
A defesa indireta de mérito consiste naquela em que a parte ré alega ocorrência de
fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito da parte autora. Veja que o réu não
renega os fatos alegados, mas aduz argumentos que, se verazes, alterarão o tratamento
dispensado ao direito do autor.
A defesa indireta vem textualmente prevista no artigo 326 do CPC:

“Art. 326. Se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe
opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido
no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de prova documental.”

Vale consignar que alguns doutrinadores mais antigos chamam impropriamente a


defesa processual de defesa indireta, pelo que é mister atentar para esta confusão criada em
alguns textos.
Há ainda quem, como Humberto Theodoro Júnior, divida as defesas de mérito
também em dilatórias e peremptórias, nos moldes da mesma divisão feita nas defesas
processuais. Exemplo de defesa de mérito dilatória seria uma retenção por benfeitorias
realizadas na coisa, defesa que por si só não causa a improcedência do pedido, mas pode
alterar o curso do processo, dilargando-o. E seria defesa de mérito peremptória a alegação
de prescrição, ou de pagamento do crédito reclamado.
Há determinados processos, peculiares, em que o próprio mérito é uma questão
processual. Em regra, o mérito se consubstancia na relação material, mas há casos em que o

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

mérito é questão processual. Exemplo é a ação rescisória que se funda em incompetência


absoluta do juízo prolator da sentença rescindenda, na forma do artigo 485, II, do CPC:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
(...)
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
(...)”

Outro exemplo é o dos embargos à execução, em que a própria ação tem por mérito
questão processual ocorrida no processo de execução. Ao refutar o mérito, nestes casos, o
réu estará tratando de questão processual, mas ainda é defesa de mérito, pois este é uma
questão processual, nestas ações.

1.2.3. Exceção vs. objeção

O termo “exceção” tem uma acepção bem ampla, em geral, no tratamento dos
autores sobre o tema. Em regra, exceções são todas as defesas que se referem a
impedimento, suspeição ou incompetência do juízo.
Por outro lado, o sentido estrito do termo “exceção” só pode se referir a argüição de
matéria de defesa que depende necessariamente da manifestação pela parte ré, não podendo
ser conhecidas de ofício pelo juiz. Bom exemplo é a exceção de contrato não cumprido, a
exceptio non adimpleti contractus: é preciso que a parte ré argua esta matéria, não sendo
dado ao juiz dela conhecer de ofício – é exceção em sentido estrito, portanto. Da mesma
forma, a exceção de incompetência relativa do juízo, ou a de compromisso arbitral.
Quando a matéria em questão for passível de conhecimento de ofício pelo juiz, sem
que seja necessária a provocação da parte ré, não se trata, em análise estrita, de uma
exceção, mas sim de uma objeção. Como exemplo, o impedimento ou a suspeição, ou a
incompetência absoluta, ou ainda a litispendência.
Como dito, o termo “exceção”, em amplo sentido, abarca ambas as matérias –
exceção stricto sensu e objeção –, pois o legislador emprega este termo para identificar o
instrumento pelo qual serão deduzidas estas questões em juízo. São as exceções
instrumentais, ou seja, o instrumento de defesa denominado “exceção”, que pode conter
matéria de exceção estrita ou objeção.
Há inclusive defesas de mérito que são objeções, quais sejam, a decadência e, desde
há pouco tempo, a própria prescrição, ou a nulidade absoluta de um negócio jurídico, como
dispõem os artigos 168, parágrafo único, e 424 do CC:

“Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer
interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer
do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo
permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.”

“Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”

1.2.4. Sede de apresentação das defesas

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A regra, no processo civil, é que a parte ré reúna toda a matéria de defesa na sua
contestação, seja defesa de mérito, seja defesa processual. Daí vem a aplicação do princípio
da eventualidade, ou concentração, que será mais bem abordado adiante. O legislador,
quando pretender que alguma matéria venha em instrumento apartado, fará constar esta
exigência expressamente, como o faz para as exceções de incompetência, impedimento ou
suspeição.

Casos Concretos

Questão 1

a) Qual a diferença entre as defesas processuais dilatórias e as peremptórias?


b) Dentre as defesas indicadas no art. 301 do CPC, quais são as dilatórias e quais
as peremptórias?
c) Existe questão preliminar de mérito?

Resposta à Questão 1

a) As dilatórias apenas atrasarão o julgamento do feito. As peremptórias, de


outro lado, põem fim à relação processual, sem resolução do mérito.

b) São dilatórias as defesas dos incisos I, II (que, se alegada após a


contestação, causa responsabilização do réu pelas custas do retardamento), VII
(conexão e continência, mesmo que não venha expressa esta), VIII e XI.

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

São peremptórias as defesas dos incisos III, IV, V, VI, IX e X do artigo


301 do CPC. Todas elas, se reconhecidas, causam a extinção do processo.

c) Há duas formas de interpretar esta expressão, uma encarando todas as


preliminares existentes, quando então o termo técnico seria preliminar ao
mérito, e não preliminar de mérito, porque não é matéria do mérito, e sim
anterior a este; e outra referente às matérias que, mesmo fazendo parte do mérito
da ação, devem ter sua análise priorizada em relação às demais – e por isso seria
preliminar “com natureza de mérito”. Não passa de defesa meritória, mas se
utiliza o termo preliminar para deixar claro que estas questões devem ser
analisadas antes de se prosseguir ao restante do mérito. A decisão que as acolhe,
portanto, é uma sentença de resolução do mérito.
São exemplos clássicos de preliminares de mérito a prescrição e a
decadência, pois são matérias que devem ser resolvidas antes de todo o restante,
vez que se forem acolhidas tornam despicienda a análise de todas as matérias
restantes.

Questão 2

Em uma ação indenizatória, o réu reconhece a procedência do pedido. Ocorre que


o juiz verifica a ausência de capacidade postulatória do autor. Como deverá o juiz
extinguir o processo, pelo art 267, IV ou pelo art. 269, II do CPC?

Resposta à Questão 2

Dinamarco enfrenta diretamente esta questão, chamando esta sentença de falsa


sentença de mérito. O reconhecimento do pedido, a homologação de acordo, e a renúncia
ao direito em que se funda a ação são os casos que este autor identifica como falsas
sentenças de mérito.
O juiz, para Dinamarco, deve restringir-se a uma análise superficial das questões
assim postas, para depois então apenas homologar o ocorrido, a fim de emprestar os efeitos
coercitivos da decisão judicial a eles. Há cinco pontos que o juiz deve analisar antes de
proceder a tal homologação, ao que se chama de juízo de delibação: a efetiva existência do
fato a ser homologado (reconhecimento, renúncia ou acordo); a disponibilidade dos direitos
envolvidos; a efetiva titularidade do direito pelos que dele dispõem; a capacidade das
partes para transigir, própria capacidade para estar em juízo; e a adequação da
representação das partes em juízo. Faltando um só destes requisitos, o juiz deve indeferir a
homologação.
No caso, o juiz verifica que o quinto requisito está ausente: a representação está
irregular. Sendo assim, não poderá o juiz homologar o reconhecimento do pedido, e o
processo deverá ser extinto na forma do artigo 267, IV, do CPC.

Questão 3

Aparecida ajuizou ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda


com pedido liminar de retomada do imóvel em face de José, em razão deste ter pago

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

apenas metade do sinal e duas das sessenta parcelas convencionadas, inadimplindo no


restante do preço. O juiz indeferiu o pedido liminar de retomada, por entender descabida a
concessão em procedimento ordinário e determinou a emenda da petição inicial,
adequando-a ao requerimento próprio. A demandante interpôs agravo de instrumento,
mas, antes mesmo do juízo de admissibilidade deste recurso, requereu a desistência do
pedido de reintegração de posse, o que foi homologado pelo juízo a quo, tudo isso, antes
da citação do demandado. Aparecida então ajuizou Ação de reintegração de posse,
distribuída por dependência da ação de rescisão, tendo o juiz designado audiência prévia
de justificação, na qual julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, por entender
caracterizado o fenômeno da litispendência. Agiu corretamente o juiz? Há litispendência?
E continência? A alegação de litispendência é uma forma de defesa processual própria ou
imprópria? E a alegação de continência?A litispendência e a continência podem ser
reconhecidas de ofício pelo juiz?

Resposta à Questão 3

Agiu errado o juiz, pois não há litispendência: se a parte autora desistiu do pedido, o
qual caracterizaria tal situação se fosse mantido, fez com que a relação não mais contivesse
tal pedido, não havendo causa para entender litispendente, portanto. Tampouco há
continência (chamada pela doutrina de litispendência parcial), pelo mesmo motivo, ou seja,
a inexistência do pedido que foi alvo de desistência.
A litispendência é uma defesa processual própria, peremptória, que enseja extinção
do processo sem resolução do mérito, na forma do artigo 267, V, do CPC. A continência, de
seu lado, é defesa processual imprópria, dilatória, porque apenas posterga o julgamento dos
processos que serão reunidos no juízo do processo que tem o objeto maior, e não a extinção
do feito.
Ambas podem ser reconhecidas de ofício, sendo matérias de ordem pública.

Questão 4

O que entende por questão preliminar e questão prejudicial? Elas são alcançadas
pelos efeitos objetivos da coisa julgada ? Explique o entendimento.

Resposta à Questão 4

A questão preliminar é defesa processual, devendo ser examinada pelo juiz antes do
mérito, mesmo porque pode impedir que o mérito seja julgado. A prejudicial, por sua vez, é
defesa material que deve ser analisada antes da principal, por ser logicamente antecedente a
esta, por seu exame influenciar o julgamento do mérito.
As questões preliminares sequer dizem respeito ao mérito, pois são defesas
processuais, e por isso é claro que não sofrem efeitos objetivos da coisa julgada – mesmo se
acolhidas, a sentença é terminativa. As questões prejudiciais, igualmente, não integram o
mérito, mesmo sendo questões de direito material, pois como são questões prévias, fazem
parte apenas da ratio decidendi, e não do dispositivo da decisão – também não sofrendo
efeitos da coisa julgada.

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Excepcionalmente, quando a prejudicial vier na forma de ação declaratória


incidental, aí então será parte do dispositivo, e fará coisa julgada material.

Tema VII

Contestação. Forma e prazo (comum ou especial). Princípio da eventualidade e novas teses defensivas
apresentadas posteriormente (art. 303, CPC). Ônus da impugnação especificada. Questões preliminares (art.
301, CPC) e sua distinção com as questões prejudiciais (internas ou externas).

Notas de Aula12

1. Contestação

A contestação é conceituada pela doutrina como o instrumento pelo qual o réu vai
opor defesas processuais ou de mérito à pretensão deduzida pela parte autora. Assim como
a petição inicial é o instrumento da demanda, a contestação, paralelamente, é o instrumento
de defesa.
A contestação conta com alguns requisitos formais, presentes na lei, e
complementados pela doutrina. No procedimento comum ordinário, a contestação é

12
Aula proferida pela professora Flávia Pereira Hill, em 25/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

necessariamente escrita, nos termos do artigo 297 do CPC, já transcrito; no procedimento


sumário e no sumariíssimo, pode ser oral, em audiência.
Segunda exigência formal é o endereçamento da peça ao juiz da causa, ainda que
seja argüida a incompetência do juízo, pela vigência da competência sobre a competência,
como já se abordou.
O réu deverá identificar-se em sua peça, promovendo quaisquer alterações
porventura necessárias em sua qualificação.
O artigo 300 do CPC traz outro requisito formal:

“Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa,


expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e
especificando as provas que pretende produzir.”

A parte ré deverá apresentar na contestação, então, toda a matéria de fato e de


direito que fundamente sua defesa, além da especificação de que provas pretende produzir.
Esta exigência da parte final, sobre as provas, que vem também no artigo 396 do CPC, é
requisito corriqueiramente relativizado na praxe jurídica, pelo que se criou o famigerado
despacho de especificação de provas, em momento posterior do processo, criação
costumeira do processo civil que hoje é consagrada. Assim, este requisito da contestação,
hoje, é satisfeito com o mero protesto genérico, na contestação, pela produção de quaisquer
provas admitidas em direito.

“Art. 396. Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art.
297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.”

O que a jurisprudência não admite é que as partes retenham propositadamente o


documento, para apresentá-lo apenas posteriormente, nuance que deve ser observada em
nome da boa-fé processual. Se verificado que o documento já estava em poder da parte, e
ela não o apresentou juntamente com a respectiva peça, ele não será admitido.
A súmula 231 do STF guarda pertinência com este assunto. Veja:
“Súmula 231, STF: O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que
compareça em tempo oportuno.”

Partindo da análise deste enunciado, mesmo que seja decretada a revelia do réu,
mesmo sendo desentranhada dos autos a contestação, os documentos anexos à contestação
permanecerão nos autos, pois, afinal, foram apresentados ainda na fase postulatória, e
portanto em tempo hábil. Este raciocínio, mais do que apenas interpretar a súmula em
comento, implementa princípios de direito probatório à perfeição, como o da aquisição
processual da prova, por exemplo, que determina que a prova pertence aos autos, e não às
partes, desde quando apresentada.
O réu vai requerer a providência correspondente a sua defesa, qual seja, a extinção
sem resolução do mérito, se a defesa for processual própria, ou a improcedência do pedido,
se a defesa for meritória, nada impedindo que sejam consignados ambos os pedidos na
mesma contestação, como se verá. É também da praxe que o réu requeira a condenação da
parte autora nas verbas de sucumbência.
O artigo 38 do CPC exige que o réu apresente, junto com a contestação, o
instrumento de mandato para seu advogado; no artigo 39 do CPC, há a exigência da
indicação do endereço para recebimento das intimações. Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou
particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do
processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do
pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber,
dar quitação e firmar compromisso.
Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em
certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei
específica.”

“Art. 39. Compete ao advogado, ou à parte quando postular em causa própria:


I - declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço em que receberá
intimação;
II - comunicar ao escrivão do processo qualquer mudança de endereço.
Parágrafo único. Se o advogado não cumprir o disposto no n o I deste artigo, o juiz,
antes de determinar a citação do réu, mandará que se supra a omissão no prazo de
48 (quarenta e oito) horas, sob pena de indeferimento da petição; se infringir o
previsto no no II, reputar-se-ão válidas as intimações enviadas, em carta registrada,
para o endereço constante dos autos.”

Ditos os principais requisitos formais da contestação, passemos à análise do


conteúdo das matérias desta peça.

1.1. Conteúdo da contestação: princípio da eventualidade

O artigo 300 do CPC, já transcrito, assevera que compete ao réu alegar toda a
matéria de defesa na contestação. A regra, portanto, é a concentração de toda a matéria de
defesa neste momento, nesta peça. Trata-se, aqui, da vigência do princípio da
eventualidade, ou concentração.
Destarte, seja defesa processual, seja de mérito, deve haver a concentração na
contestação. Sempre que houver exceção a esta concentração, ela virá expressamente
prevista na lei, como é o caso das exceções de incompetência relativa, impedimento ou
suspeição, defesas processuais que devem ser argüidas em instrumento apartado da
contestação.
Tendo em vista que a eventualidade exige a concentração das matérias na mesma
peça, aparece como resultado lógico a possibilidade de consignação, pelo réu, de defesas
contraditórias entre si. Mesmo que pela lógica as afirmativas não possam ser feitas
concomitantemente, o réu deverá tecê-las assim mesmo, pois não terá outra oportunidade
para fazê-lo no processo: se deixar de consignar alguma tese defensiva, não poderá fazê-lo
adiante, pois operou-se a preclusão consumativa da defesa.
Mas há exceções a esta preclusão consumativa, em que será permitido que o réu
deduza novas teses após a apresentação da contestação. Constam do artigo 303 do CPC:

“Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando:


I - relativas a direito superveniente;
II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;
III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e
juízo.”

Vejamos cada uma destas hipóteses em separado.

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

1.1.1. Direito superveniente

O direito é superveniente, na forma do inciso I deste artigo, combinado com o artigo


462 do CPC, quando há fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, ocorrido
depois da contestação, devendo-se ler ampliativamente este artigo 462 (pois dele só consta
depois da propositura da ação”). Veja:

“Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo
ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em
consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a
sentença.”

Ainda com relação ao inciso I do artigo 303, o artigo 22 do CPC apresenta


importante ressalva:

“Art. 22. O réu que, por não argüir na sua resposta fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor, dilatar o julgamento da lide, será condenado nas
custas a partir do saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor na causa,
o direito a haver do vencido honorários advocatícios.”

Destarte, na primeira oportunidade que for dado ao réu em manifestar-se nos autos,
deverá trazer este direito superveniente, sob pena de arcar com as custas decorrentes do
retardamento – mesmo sagrando-se vencedora ao final.
Repare que se o fato ocorre antes da contestação, em regra, não pode ser
considerado direito superveniente. Todavia, se porventura este fato impeditivo,
modificativo ou extintivo pretérito não chegou ao conhecimento do réu a tempo de sobre
ele falar na sua contestação, poderá ser tido por superveniente, e, como tal, poder ser
deduzido após a contestação?
Há duas correntes a disputar o tema. A primeira, majoritária, entende que o artigo
303, I, do CPC, deve ser interpretado restritivamente, ou seja, o direito não será
considerado superveniente: só é assim considerado o direito surgido após a apresentação da
contestação, e não descoberto após a contestação. A segunda corrente, capitaneada por
Cândido Rangel Dinamarco, entende que esta argüição tardia é possível, desde que
comprove não ter tido ciência de tais fatos a tempo de mencioná-los na contestação.
Calmon de Passos, reforçando esta tese, busca fundamento em analogia do artigo 517 do
CPC:

“Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser
suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força
maior.”

Se este artigo 517 autoriza argüição de “fatos velhos de conhecimento novo” em


grau recursal, não há como se obstar esta argüição em primeira instância: se a inovação
recursal, que é ainda mais excepcional pela supressão de instância, é permitida, que dirá a
inovação ainda em primeiro grau, após a contestação. É argumento bastante preciso.

1.1.2. Matérias cognoscíveis de ofício

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

O inciso II do artigo 303 determina que as questões de ordem pública, se podem até
mesmo serem conhecidas de ofício pelo juiz, nada obsta que sejam a este noticiadas pelo
réu, mesmo após a contestação. Veja: se a matéria, para ser conhecida, prescinde de
qualquer provocação, esta provocação, se realizada, não causa qualquer anormalidade
processual, mesmo se feita após o momento em que fora dado ao réu consigná-la.
O artigo 267, § 3º, do CPC, impõe que, neste caso, este atraso causado pela
desatenção do réu seja punido com os ônus processuais. Veja:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


(...)
IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo;
V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa
julgada;
VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade
jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
(...)
§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto
não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI;
todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar
nos autos, responderá pelas custas de retardamento.
(...)”

1.1.3. Autorização legal

Mesmo se a questão não puder ser conhecida de ofício, se a lei expressamente


consignar que é matéria que pode ser tratada em qualquer momento processual, o artigo
303, III, deixa claro que poderá vir após a contestação.
O artigo 211 do CC de 2002 é um exemplo:

“Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-
la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.”

1.2. Ônus da impugnação especificada dos fatos

Ao lado da concentração, a impugnação especificada dos fatos é outro pilar de


conformação da contestação. A sede legal é o artigo 302 do CPC:

“Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados
na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo:
I - se não for admissível, a seu respeito, a confissão;
II - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei
considerar da substância do ato;
III - se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
Parágrafo único. Esta regra, quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos,
não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério
Público.” (grifo nosso)

O termo “precisamente” é o que sintetiza este ônus: é necessário que o réu trate
especificamente de cada fato posto na inicial, não bastando a negativa geral como defesa.

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Veja que a questão só se torna controvertida, no sentido jurídico, quando é expressa


e especificamente refutada pelo réu. Do contrário, é considerada incontroversa, e por isso
presumida verdadeira.
Como é ônus, a ausência da impugnação específica acarreta resultado desfavorável à
parte ré, qual seja, o efeito material da revelia: a presunção de veracidade dos fatos
alegados pela parte autora e não refutados especificamente pelo réu.
Mas veja que este artigo traz diversas exceções a este efeito da presunção de
veracidade, os quais serão mais bem abordados adiante.
O artigo 320, I, do CPC, trata da impugnação específica quando há litisconsórcio
passivo:

“Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo


antecedente:
I - se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
(...)”

O efeito a que alude o caput é a presunção de revelia. Tanto quanto possível, se as


alegações refutadas disserem respeito a todos os litisconsortes, basta que um dos réus o
tenha refutado para elidir-se a presunção de veracidade. Se, no entanto, houver alegação
dirigida a um só dos consortes, e este não a refutar, estará atingida pela presunção.
O parágrafo único do artigo 302 traz os casos em que se admite a contestação por
negativa geral, sem sofrer a presunção de veracidade, sem padecer do prejuízo do ônus não
cumprido da impugnação específica.
Há que se fazer menção ao artigo 273, § 6º, do CPC:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
(...)
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
(...)”

Este dispositivo relativamente novo cria outro efeito da não impugnação específica
dos fatos: o pedido incontroverso autoriza a antecipação de sua tutela. O artigo 330, I, do
CPC, traz previsão similar, ainda mais relevante:

“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:


I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de
fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;

Assim, o fato incontroverso autoriza não só a antecipação da tutela a que se refere,


como autoriza, se for o caso, o julgamento antecipado da lide.
É claro que a reconvenção não afasta a revelia: não havendo contestação, a revelia
se instala, mesmo que haja reconvenção, justamente por conta da falta de impugnação
específica dos fatos que se verifica, nesta situação.

2. Questões preliminares e questões prejudiciais

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

As questões preliminares e prejudiciais são espécies que pertencem ao gênero


questões prévias, questões que são antecedentes lógicos ao julgamento final do mérito. O
objeto da cognição do juiz passa tanto por questões de ordem processual quanto questões de
mérito, de direito material, questões que se referem à admissibilidade do julgamento do
mérito quanto questões que serão decisivas para o próprio julgamento do mérito. As
questões que ditam se o juiz poderá ou não adentrar no mérito são as questões preliminares;
as que influenciam como este mérito será julgado são as prejudiciais.
Perpassada a análise das questões prévias, somente então o juiz adentrará no
julgamento do mérito do processo, que é a questão principal do feito.
Questões preliminares são aquelas previstas nos artigos 301 e 267 do CPC, e, por
conceito, são aquelas que decorrem da formulação de uma defesa processual, seja
peremptória, seja dilatória.
Questões prejudiciais, por sua vez, são aquelas cujo exame antecede a questão
principal por simples lógica, pois delas depende o modo como a questão principal será
resolvida. É de se ressaltar que são sempre questões de direito material.
Tecnicamente, há que se falar que o juiz não decide a questão prejudicial: ele
somente decide a questão principal, o mérito traçado nos pedidos. A questão prejudicial
será por ele analisada, mas será apenas incidentalmente observada, fazendo parte da ratio
decidendi, mas não do dispositivo. O enfrentamento da questão prejudicial faz parte da
fundamentação da sentença, mas não de sua parte decisória.
Isto significa que, não fazendo parte da questão principal, e portanto não
participando do mérito, não estará inclusa no dispositivo, e a análise da questão prejudicial
não fará coisa julgada material, não sofre efeitos objetivos da coisa julgada.
Todavia, há um instrumento processual que permite que a questão prejudicial passe
a integrar o mérito, e passe, portanto, a participar do dispositivo, fazendo então coisa
julgada. Trata-se da ação declaratória incidental, que será tema específico adiante.
A questão prejudicial tem três características essenciais: trata-se de um antecedente
lógico à questão principal; conta com superordinação sobre o mérito, a questão prejudicial
influencia diretamente no exame da questão principal, ou seja, a principal depende da
solução dada à prejudicial (a principal subordina-se à prejudicial); e é autônoma, ou seja,
nada impede que esta questão seja enfrentada como uma questão principal, ela própria, em
outro processo.
Três são as diferenças que podem ser claramente apontadas entre preliminares e
prejudiciais: a preliminar só existe se examinada em conjunto com a questão principal,
enquanto a prejudicial pode existir de forma autônoma; em regra, a preliminar é uma
questão processual, enquanto a prejudicial é questão de direito material; e, por fim – e esta
expressão sintetiza bem as diferenças –, a prejudicial determina como o mérito será julgado,
enquanto a preliminar determina se o mérito será julgado.

2.1. Classificação das questões prejudiciais

Classificam-se as questões prejudiciais de acordo com dois critérios: quanto ao


processo em que são suscitadas, e quanto ao ramo do direito ao qual pertence a questão
prejudicial.
Quanto ao processo, a questão prejudicial pode ser interna ou externa: a questão é
interna se for suscitada no mesmo processo em que for analisada, ou seja, no mesmo

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

processo em que o mérito que dela depende for ser resolvido. A prejudicial é externa, por
óbvio, quando for suscitada em processo diverso daquele em que a questão principal
subordinada for ser resolvida, ou, ainda, quando ela for a própria questão principal de outro
processo. Vislumbra-se, inclusive, conexão entre o processo em que a prejudicial externa é
questão principal e aquele em que há questão principal a ela subordinada.
Quanto ao ramo do direito, a questão prejudicial pode ser homogênea, se pertence
ao mesmo ramo do direito da questão principal; ou pode ser heterogênea, quando pertence
a ramo do direito diverso daquele a que pertence a questão principal. Exemplo de
prejudicial homogênea é uma alegação de compensação em ação de cobrança; heterogênea,
a autoria de fato criminoso como ensejador de danos indenizáveis na esfera cível.
Vale consignar que, sendo este caso de prejudicial externa heterogênea da seara
criminal, o juiz cível pode sobrestar o feito até que a prejudicial criminal (que é principal
no processo criminal em curso) se resolva, a fim de evitar decisões altamente conflituosas e
contraditórias.

Casos Concretos

Questão 1

O fato ocorrido antes da contestação, mas que só tenha chegado ao conhecimento


do réu após decorrido o prazo para contestar, pode ser alegado posteriormente?

Resposta à Questão 1

Em regra, não: há preclusão consumativa, pois o direito não pode ser considerado
superveniente, e por isso não se subsume à exceção do artigo 303, I, do CPC. Todavia, há
doutrina que defende que a comprovação da descoberta de tal fato pelo réu somente após a
contestação, é suficiente para torná-lo argüível em separado, em momento ulterior.
Prevalece, porém, o primeiro entendimento.

Questão 2

Citado em ação de cobrança pelo procedimento ordinário, o réu apresenta


contestação no 12° dia. Percebendo que deixara de invocar a prescrição e o seu direito à

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

compensação de créditos, o réu, no 15º dia, apresenta petição com a finalidade de aditar
sua contestação e argüir essas duas questões.
Pergunta-se: É admissível, em geral, o aditamento à contestação, se essa ocorre
ainda no prazo de resposta? As questões trazidas pelo réu na petição de aditamento, ainda
no prazo de resposta, podem ser apreciadas pelo juízo?

Resposta à Questão 2

A regra é que não caiba aditamento da contestação, mesmo no prazo. Pela


concentração, a eventualidade preconiza que seja apresentada toda a matéria defensiva em
uma só oportunidade. Apresentada contestação, opera-se a preclusão consumativa para
qualquer outra alegação. Esta é a regra geral.
Entretanto, as objeções, matérias de ordem pública, podem ser alegadas a qualquer
tempo, na forma do artigo 303, II, do CPC. Como a prescrição, de acordo com recente
reforma, passou a ser cognoscível de ofício, é matéria que hoje pode ser alegada a qualquer
tempo, e por isso, no caso concreto, excepcionalmente, a alegação poderia ser feita, mesmo
após a contestação – havendo a conseqüência do artigo 22 do CPC, todavia.

Questão 3

Princípio da Eventualidade.
a) Conceito jurídico-processual;
b) Seu objetivo e utilidade;
c) Qual o outro princípio processual que o assegura?

Resposta à Questão 3

a) Trata-se de princípio que preconiza que todas as alegações defensórias devem


ser concentradas em uma só oportunidade, na contestação, sob pena de se operar
a preclusão.

b) O objetivo é permitir que o processo se desenvolva em fases segmentadas bem


delineadas, sem que se permita haver retrocesso processual a fases já superadas,
pela preclusão. E a utilidade é a própria celeridade e ritmo processual.

c) É assegurado pelo princípio do ônus da impugnação específica, que exige a


delimitação dos argumentos defensivos, sob pena de presunção de veracidade
dos fatos não impugnados especificamente.

Michell Nunes Midlej Maron 68


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Tema VIII

Revelia. Conceito. Efeitos materiais e processuais. Comentários ao art. 320 do CPC. Nomeação do curador
especial e o seu papel no processo civil. Revelia no processo de execução e no processo cautelar. Revelia na
ação monitória e nos embargos do executado. Revelia na reconvenção.

Notas de Aula13

1. Revelia

Por conceito simplista, revelia é a ausência de contestação no prazo e forma legais.


É fundamental, porém, não se confundir a revelia com os seus efeitos, processuais e
materiais.
O efeito principal da revelia é a presunção juris tantum de veracidade das alegações
autorais, comportando, portanto, provas em contrário. É claro que esta presunção não
significa, modo algum, que o juiz esteja obrigado a julgar procedentes os pedidos autorais;
a presunção apenas reforça a tese autoral defendida, tornando-se um meio de prova nas
mãos do autor – a confissão presumida –, mas nada impede que, valorando todo o conjunto

13
Aula proferida pelo professor Sérgio Mandelblatt, em 26/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

probatório, o juiz julgue improcedentes os pedidos do autor, mesmo com os efeitos da


revelia vigentes.
Este efeito, a presunção de veracidade dos fatos, é o efeito material da revelia, pois
se diz respeito a fatos, diz respeito ao mundo material mais do que ao processual, atingindo
o direito material discutido no processo.
Como dito, a revelia também produz efeitos processuais, exclusivamente atinentes
ao meio processual. O primeiro efeito processual é a inocorrência de intimação do réu dos
atos processuais, desde quando revel: seus prazos passam a correr em cartório, a partir da
publicação do ato. Atente-se que esta publicação nada tem a ver com a publicação no
Diário Oficial, a qual é uma das formas de intimação, e não será realizada para o réu.
Publicar o ato, em sentido estrito, é tornar público, ou seja, é o momento em que o ato se
aperfeiçoa e deixa de estar apenas na esfera do seu prolator, passando a integrar o processo.
Por exemplo, uma decisão proferida em audiência, é pública desde o momento em que for
proferida; um ato escrito do juiz é público desde o momento em que é juntado aos autos. É
desta publicação que se conta o prazo para o revel.
Mas veja que se o revel tiver advogado constituído no processo, este efeito
processual da ausência de intimações não mais se opera. Se porventura o réu revel não
contestou, nem constituiu advogado, não será intimado; mas se mesmo sem contestar
constituiu patrono, as intimações deverão ser regularmente procedidas. E veja que esta
intromissão do advogado pode se dar a qualquer momento, ou seja, o réu que era revel e
não constituíra advogado pode fazê-lo a qualquer tempo, e receber o processo no estado em
que se encontrar; desde então, as intimações deverão ser regulares (sem que os atos
perdidos por este réu retroajam jamais). A respeito, veja a súmula 231 do STF:

“Súmula 231, STF: O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que
compareça em tempo oportuno.”

Há ainda um segundo efeito processual da revelia, presente no artigo 330, II, do


CPC: o julgamento antecipado (ou imediato, como preferem alguns) da lide:

“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:


(...)
II - quando ocorrer a revelia (art. 319).”

Veja então que, ocorrida a revelia, se o juiz entender que não mais há que se
produzir provas, diante das já existentes e da presunção de veracidade das alegações do
autor, poderá julgar o feito no estado. Mas veja que não estará obrigado a proferir sentença,
muito menos a, proferindo-a, julgar procedente o pedido do autor. Ainda vige o livre
convencimento motivado, e o juiz pode, até mesmo, se auto-instruir, na forma do artigo 130
do CPC:

“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as


provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou
meramente protelatórias.”

1.1. Revelia no rito sumário

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

No rito sumário, a revelia ocorre em hipóteses um tanto diferentes. Suponha-se que


realizada a audiência do artigo 277 do CPC, nem o réu nem seu advogado comparecem: a
revelia é clara. Mas imagine-se que, nesta audiência, o réu comparece, mas não conta com
advogado: será revel?
Veja que sem patrono constituído, o réu não terá capacidade postulatória, e por isso
não poderá contestar. Será, sim, revel, então.
De outro lado, imagine que o réu não comparece á audiência, mas constitui
advogado, o qual se apresenta, e apresenta contestação: há revelia?
Veja o artigo 277, especialmente o § 3º:

“Art. 277. O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de


trinta dias, citando-se o réu com a antecedência mínima de dez dias e sob
advertência prevista no § 2º deste artigo, determinando o comparecimento das
partes. Sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em dobro.
§ 1º A conciliação será reduzida a termo e homologada por sentença, podendo o
juiz ser auxiliado por conciliador.
§ 2º Deixando injustificadamente o réu de comparecer à audiência, reputar-se-ão
verdadeiros os fatos alegados na petição inicial (art. 319), salvo se o contrário
resultar da prova dos autos, proferindo o juiz, desde logo, a sentença.
§ 3º As partes comparecerão pessoalmente à audiência, podendo fazer-se
representar por preposto com poderes para transigir.
§ 4º O juiz, na audiência, decidirá de plano a impugnação ao valor da causa ou a
controvérsia sobre a natureza da demanda, determinando, se for o caso, a
conversão do procedimento sumário em ordinário.
§ 5º A conversão também ocorrerá quando houver necessidade de prova técnica de
maior complexidade.”

Assim, no rito sumário, é necessária a presença da parte para afastar a revelia, ou


basta a presença do advogado constituído?
Grande parte da doutrina entende, pela redação do § 3º, e pela própria utilidade
desta audiência, que a revelia só se afasta se o réu estiver presente, ou se nomear preposto 14
com poderes para transigir. Assim defendem Carreira Alvim e Athos Gusmão Carneiro,
dentre outros. Outra parcela da doutrina entende que a presença da parte é dispensável, se o
advogado perfeitamente constituído estiver presente. Assim se posicionam Alexandre
Câmara e Sérgio Bermudez, pois a revelia decorre da ausência de contestação, e o
advogado apresentará contestação, neste caso. Vale dizer, este é o entendimento do TJ/RJ.

1.2. Exceções à presunção de veracidade

O artigo 320 do CPC prevê três exceções ao efeito material da revelia, em que não
haverá presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, mesmo estando ausente a
contestação. Veja:

“Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos


afirmados pelo autor.”

“Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo


antecedente:
I - se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
14
Athos Gusmão Carneiro assevera ainda que mesmo a pessoa natural pode se fazer representar por preposto.

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

II - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis;


III - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei
considere indispensável à prova do ato.”

Na primeira hipótese, do inciso I, naquilo que a contestação do litisconsorte puder


ser aproveitada aos demais, não se operará a presunção de veracidade, mesmo por uma
razão lógica: não se podem presumir verdadeiros os mesmos fatos para uma parte, e
controversos para outra. Veja que se opera a revelia, e os ausentes não serão intimados, mas
o efeito material não se operará.
A hipótese do inciso II é bem óbvia: se o réu não pode dispor de seu direito, e a
presunção de veracidade atribui à inércia do réu a natureza de confissão presumida, tácita,
não pode haver este efeito se o réu não pode confessar de modo algum. Se assim suceder,
ou seja, o réu for revel mas seu direito for indisponível, o juiz, nas providências
preliminares, deverá intimar o autor a dizer quais provas pretenderá produzir, ao invés de
presumir verdadeiras as alegações.
Nesta hipótese do inciso II, inclusive, incluem-se as hipóteses em que a Fazenda
Pública deixar de contestar, ou contestar intempestivamente. A respeito, veja os seguintes
julgados:

“CONFISSÃO E REVELIA – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – A


pena de confissão e revelia não é aplicada à pessoa jurídica de direito público,
porque seus direitos são indisponíveis, necessitando de tutela legal para transigi-
los, remunerá-los, confessá-los e outras atividades inerentes à Administração
Pública. (TST – RR 78.223/93.0 – Ac. 5ª T. 324/94 – Rel. Min. Wagner Pimenta –
DOU 15.04.94)”

“PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. PESSOA JURÍDICA


DE DIREITO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA DE REVELIA: ARTS. 320, II E 333,
I, CPC. PROVA, ADEMAIS, DESFAVORÁVEL AO AUTOR. APELAÇÃO
DESPROVIDA.
A AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO DO RÉU PESSOA JURÍDICA NÃO INDUZ
REVELIA PORQUE SEUS DIREITOS SÃO INDISPENSAVEIS (ART. 320, II,
CPC). EM CASOS TAIS, FICA O AUTOR COM O ÔNUS DA PROVA
QUANTO AO FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO (ART. 333, I, CPC).
NÃO PROVADO O FATO, DEVE O PEDIDO SER JULGADO
IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TRF 1ª Reg. - AC
89.01.23976-MG - Rel. Juiz HERCULES QUASIMODO - DJ 29.09.94, p.
55.220)”

Quando não se operar o efeito material da revelia, qualquer que seja a hipótese,
menciona o artigo 324 do CPC a atitude a ser tomada pelo juiz:

“Art. 324. Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando que não ocorreu o
efeito da revelia, mandará que o autor especifique as provas 15 que pretenda
produzir na audiência.”

O inciso III, por fim, estabelece que se a inicial não vier acompanhada de um
documento essencial à prova do ato, não se poderá presumir que este ato, carecedor de
prova indispensável por força de lei, seja verdadeiro. Exemplo claro é o de uma relação
15
Como curiosidade, este é o único caso em que a lei determina que haja a expedição do despacho de
especificação de provas, mesmo que a praxe tenha tornado comum este despacho em qualquer situação.

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

jurídica que demande prova do casamento: este só se prova pela certidão de casamento, e se
o autor alega ser casado, mas não junta a certidão, mesmo que o réu não conteste a alegação
de casamento, não se poderá presumir que seja esta alegação verdadeira.
Há ainda mais duas exceções à presunção de veracidade no CPC, nos artigos 52 e
9º, II. O artigo 52 trata da assistência:

“Art. 52. O assistente atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos
poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido.
Parágrafo único. Sendo revel o assistido, o assistente será considerado seu gestor
de negócios.”

Se o assistente intervir, o réu revel terá nele a figura do seu gestor de negócios, que
se trata de um substituto processual, gestor da posição processual do réu na lide, sem
qualquer poder de disposição material pelo réu, contudo, não podendo transacionar ou
renunciar, por exemplo. Ressalte-se que se trata, aqui, do assistente simples, pois se for
assistente litisconsorcial, a hipótese é a já mencionada situação do artigo 320, I, do CPC.
O artigo 9º, II, traz figura de majorada importância: trata-se do curador especial.
Veja:

“Art. 9o O juiz dará curador especial:


(...)
II - ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.
Parágrafo único. Nas comarcas onde houver representante judicial de incapazes ou
de ausentes, a este competirá a função de curador especial.”

A citação por edital e a citação com hora certa, como se sabe, são citações fictas, nas
quais não há certeza de que o réu teve realmente ciência da lide. Sendo assim, ao quedar-se
revel, há forte indício que jamais teve ciência efetiva da lide, pelo que seria injusto que se
operasse plenamente o efeito material da revelia. De forma a equilibrar este grande
desfavor em que este réu se encontra, o legislador previu-lhe esta figura do curador
especial, curador à lide.
Na justiça estadual do Rio de Janeiro, este papel é desempenhado pela defensoria
pública; na justiça do trabalho, há os advogados dativos e os escritórios modelo, que
desempenham este papel pro bono.
Veja que é uma situação bem peculiar, em que um patrono assume a defesa do
passivo sem sequer ter qualquer conhecimento dos fatos, sem sequer conhecer o seu
patrocinado. Por isso, a lei ainda lhe garante uma outra benesse, a fim de minimizar sua
desvantagem processual: não está, o curador à lide, sujeito aos ônus da impugnação
específica, trazidos no artigo 302 do CPC, já bem abordado. O curador especial poderá
fazer, validamente, e sem induzir à presunção de veracidade, uma contestação por negativa
geral.

1.3. Declaratória incidental de prejudicial e revelia

Havendo revelia do réu, o autor poderá pleitear declaração incidental de uma


questão prejudicial qualquer. Mas veja que é situação um tanto peculiar, pois a declaratória
incidental tem por pressuposto a formação de questão prejudicial controvertida que se quer
fazer constar do dispositivo, e, havendo revelia, a situação não se controverteu: o réu não a

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

fez controvertida, pois não contestou-a. Mesmo por isso, há autores que defendem que seria
descabida a declaratória incidental.
Contudo, em casos concretos é comum se verificar situações em que, apesar da
revelia, a relação jurídica acaba se tornando controvertida, como nas próprias exceções ao
efeito material, já arroladas. Tem lugar, então, por expressão legal, a declaratória incidental,
com a ressalva que o artigo 321 do CPC consigna:

“Art. 321. Ainda que ocorra revelia, o autor não poderá alterar o pedido, ou a
causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova
citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de 15
(quinze) dias.”

Por este dispositivo, fica claro o cabimento da ação declaratória incidental, mas o
autor deverá promover nova intentada citatória do réu revel.

1.4. Confissão ficta em depoimento pessoal vs. confissão ficta por revelia

É de suma importância não se confundir a confissão que se opera quando o réu se


nega a prestar depoimento pessoal para o qual foi intimado com a revelia. De fato, as
circunstâncias se assemelham em efeitos – ambas induzem presunção de veracidade de
fatos não impugnados pelo réu –, mas a motivação é diversa, assim como o momento
processual: a confissão ficta no depoimento vem na fase instrutória, enquanto a da revelia
vem logo na fase postulatória, e uma vem da falta de contestação, enquanto outra da
negativa de prestar depoimento.
1.5. Revelia na reconvenção

A reconvenção, modalidade de resposta do réu, tem natureza jurídica de ação de


conhecimento, em que o autor original se torna réu. Se porventura este autor, que ora é réu,
quedar-se inerte em contestar a reconvenção, será réu revel na reconvenção, sem qualquer
problema interpretativo. A situação é idêntica a qualquer revelia, em qualquer ação comum,
sem ressalvas.
Aplicam-se, inclusive, as hipóteses excepcionantes dos efeitos materiais da revelia,
exceto a nomeação de curador especial, porque o reconvido não é citado, e sim intimado
para contestar a reconvenção, na pessoa de seu advogado – não havendo possibilidade
lógica de haver citação por edital ou por hora certa, pressupostos para necessidade de
curador especial.

1.6. Revelia em embargos à execução

Aqui, aplica-se o mesmo raciocínio da reconvenção: como os embargos têm


natureza jurídica de ação autônoma, processo de conhecimento, não havendo contestação
do embargado, há revelia, pura e simples.
Veja que o raciocínio é para os embargos, e não para a própria execução: o
exeqüente é quem ficará revel, se não contestar os embargos opostos pelo executado. Na
própria execução, ou seja, no rito em que há exeqüente como ocupante do pólo ativo e
executado como ocupante do pólo passivo, a situação jurídica já está definida, e não há que

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

se falar em revelia do executado que não responde à execução – o direito já é certo, não
havendo fatos a serem presumidos verdadeiros, mas apenas obrigação a ser satisfeita.

1.7. Revelia em ação monitória

A ação monitória dedica-se exclusivamente a atribuir exeqüibilidade a um título


escrito que carece de força executória, por algum motivo qualquer. Na monitória, a defesa
do réu é uma contestação, mesmo chamada de embargos. Sendo ausente a defesa, haveria
revelia?
Veja que é o réu, na monitória, quem vai provocar o contraditório, através dos
embargos monitórios, que seguem rito ordinário. Recebida a inicial, é expedido um
mandado monitório, e se o réu, em quinze dias, não apresenta embargos ou paga a
obrigação do título, este estará constituído, o que indica uma peculiaridade tremenda: a
inicial da monitória, munida do título, já conta com presunção de veracidade na sua
própria essência, ou seja, se o réu não inaugurar o contraditório, apenas prossegue o feito
com a veracidade do título consolidada, formando-se o titulo executivo judicial pela
simples conversão da presunção em certeza, conversão do título extrajudicial inexeqüível
em título judicial executável.
Assim, não é o não oferecimento de embargos pelo réu da monitória que faz
presumir veracidade nas alegações do autor, mas sim a própria propositura da ação, com o
título, que já conta com esta presunção, a ser afastada pelos embargos. Destarte,
tecnicamente, não haverá efeitos materiais da revelia, nesta ação. Não é porque o réu não
embargou que há a presunção: esta sempre existiu. Neste sentido, por todos, Humberto
Theodoro Júnior.
1.8. Revelia no processo cautelar

A lei é expressa: há revelia e seus efeitos materiais neste processo. Assim dispõe o
artigo 803 do CPC:

“Art. 803. Não sendo contestado o pedido, presumir-se-ão aceitos pelo requerido,
como verdadeiros, os fatos alegados pelo requerente (arts. 285 e 319); caso em que
o juiz decidirá dentro em 5 (cinco) dias.
Parágrafo único. Se o requerido contestar no prazo legal, o juiz designará
audiência de instrução e julgamento, havendo prova a ser nela produzida.”

Ressalte-se, porém, que a revelia na cautelar jamais contamina o processo principal,


quer seja contemporâneo, quer futuro. Sendo revel na principal, da mesma forma, não será
automaticamente revel na cautelar incidental: sempre terá que ser citado no outro processo,
quer haja revelia no cautelar, quer no principal. A revelia em um não contamina o outro.

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Casos Concretos

Questão 1

Maria ingressou em juízo com ação de separação judicial litigiosa em face do seu
marido Caio, alegando gravíssima violação do dever matrimonial de fidelidade.
O réu, citado pessoalmente não contesta.
O juiz saneia o processo e determina a realização de AIJ para que a autora
comprove os fatos que alega, tendo em vista que a indisponibilidade do direito em jogo
inviabiliza a presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial.
A autora requer a reconsideração da decisão, ao argumento de que, se era possível
o casal se separar consensualmente, como se poderia falar em indisponibilidade do direito
em litígio?
Decida o pedido de reconsideração.

Resposta à Questão 1

As partes podem dispor dos efeitos do direito, o qual é, em si, indisponível, de fato.
Sobre o direito indisponível, as partes não podem transigir, mas os efeitos destes direitos
são transacionáveis. É por isso que o MP intervém, a fim de resguardar estes direitos
indisponíveis. Destarte, a autora deverá, de fato, provar suas alegações, pois não há efeito
material da revelia, vez que os efeitos são passíveis de acordo: o que não seria admissível

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

seria, por exemplo, uma separação consensual sem preencher o tempo mínimo de
casamento. Não há que se reconsiderar.

Questão 2

Em procedimento ordinário movido por FELIPE em face do BANCO JC S/A, o Juiz,


não admitindo que o Réu fosse representado na audiência por intermédio de preposto,
decretou a sua revelia. Inconformado, o Banco interpôs agravo de instrumento para
impugnar tal decisão. Sustenta que não se pode falar em revelia depois de contestado o
feito e que a designação do preposto é formalmente regular, conforme a "carta de
preposição" acostada às fls. 20 dos autos. Decida, indicando fundamentos de fato e de
direito aplicáveis ao caso.

Resposta à Questão 2

É claro que não há revelia, pois esta é, de fato, a carência da contestação. O que
poderia se passar, aqui, era a confissão por ausência do réu, mas sequer isso será cabível,
porque o preposto está regularmente constituído, e nada há a reparar na representação. Por
isso, errada a atuação do juiz.
O TJ/RJ assim se posicionou no agravo de instrumento 2001.002.15600:

“REVELIA. REPRESENTACAO DAS PESSOAS JURIDICAS. DEPOIMENTO


PESSOAL. PREPOSTO. PERICIA CONTABIL. FALTA DE HABILITACAO
ESPECIFICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVIMENTO PARCIAL
REVELIA E PENA DE CONFISSÃO. Distinção. Depoimento da Parte. Preposto.
Se revel é aquele que não contesta a ação, não pode ser considerado como tal o réu
que, depois de oferecida a resposta, deixa de atender a intimação para depoimento
pessoal, caso em que a sanção cabível é a pena de confissão. E da tradição de
nosso direito processual que, em se tratando de pessoa jurídica, o depoimento da
parte possa ser feito por meio de preposto, ainda que não seja o seu diretor, desde
que a designação tenha sido regular. PERÍCIA. Capacitação Técnica do Perito. A
profissão de economista, sendo mais ampla do que a de contador, capacita para a
realização de perícia, mormente quando esta não é rigorosamente contábil.
Provimento parcial do recurso.”

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Tema IX

Impugnação ao valor da causa. Prazo e forma para esta matéria ser veiculada. Possibilidade de o juiz
retificar ou não de ofício o valor da causa, quando este é critério determinante do procedimento ou da
competência do juízo. Conseqüências da decisão para o processo. Recursos. Impugnação à gratuidade de
justiça. Prazo e forma para esta matéria ser veiculada. Conseqüências da decisão para o processo. Recursos
(Lei nº 1.060/50): princípio da fungibilidade.

Notas de Aula16

1. Impugnação ao valor da causa

Antes de tudo, é importante definir qual é o fundamento para que exista a


necessidade de se atribuir valor a toda causa judicial. Há dois efeitos para o valor da causa,
um processual e um tributário: o efeito processual do valor da causa é a fixação do
procedimento e da competência, quando forem estes aspectos considerados ratione
valorem17; o efeito tributário é o de servir, tal valor, como base de cálculo para a taxa
judiciária, tributo remuneratório da prestação jurisdicional do Estado.
Veja que esta função de base de cálculo da taxa judiciária não é sempre assumida
pelo valor da causa, pois há casos em que a base de cálculo será diferente do valor da causa.
Por exemplo, o Código Tributário Estadual estabelece, no artigo 125, II, que a base de
16
Aula proferida pelo professor Sérgio Mandelblatt, em 26/9/2008.
17
O valor da causa assume, também, pelo costume processual, a função de parâmetro estimativo opcional
para condenação em honorários advocatícios, quando não há valor de condenação, por haver improcedência
dos pedidos, por exemplo.

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

cálculo da taxa judiciária em ações renovatórias de contrato de locação é de vinte e quatro


vezes o valor deste aluguel, enquanto a Lei 8.245/90, no artigo 58, III, estabelece que o
valor da causa nesta mesma ação será a soma de apenas doze aluguéis. Veja:

“Art. 125. Nas ações relativas a locações, considera-se como valor do pedido:
(...)
II - nas ações renovatórias, inicialmente, o aluguel mensal que o autor oferecer
pagar, multiplicado por 24 (vinte e quatro); se a decisão final fixar aluguel superior
ao proposto na inicial, será devida a taxa calculada sobre a diferença entre o
aluguel proposto e o fixado, relativo a 24 (vinte e quatro) meses;
(...)”

“Art. 58. Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do art. 1º, nas ações de
despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessório da locação, revisionais
de aluguel e renovatórias de locação, observar - se - á o seguinte:
(...)
III - o valor da causa corresponderá a doze meses de aluguel, ou, na hipótese do
inciso II do art. 47, a três salários vigentes por ocasião do ajuizamento.
(...)”

Pela especialidade, neste caso, prevalece o Código Tributário Estadual, mas em


geral o valor da causa assume esta função de base de cálculo da taxa judiciária.
O réu poderá impugnar o valor da causa atribuído pelo autor, sendo mesmo uma
resposta autônoma, alheada das demais – contestação, reconvenção e exceções. O objetivo
do réu em impugnar o valor da causa é, na prática, desestimular, por vezes, o autor em
prosseguir na lide, pois se o valor da causa for alto, poderá gerar custas violentas na
sucumbência. Se a impugnação a um valor da causa atribuído pelo autor for julgada
procedente, a majoração operada pelo juiz poderá desestimular o autor a prosseguir no
feito, por representar um complemento muito alto a ser pago a título de taxa judiciária.
Pode haver caso em que o contrário se verifique: o réu, vendo que provavelmente
sucumbirá, impugna o valor da causa que considera excessivo, a fim de minorar a taxa
judiciária que terá que reembolsar ao final do processo.
Também pode ser que o rito escolhido em razão do valor da causa seja, ao entender
do réu, inadequado, e por isso a impugnação teria o condão de, procedente, fazer com que o
rito se convertesse. Por exemplo, causa posta pelo autor em rito sumário, ratione valorem,
pode despertar impugnação pelo réu, a fim de trazê-la ao rito ordinário, por ser o valor
atribuído à causa menor do que o realmente devido.
A impugnação, que tem natureza de incidente processual, deve ser oferecida no
prazo de resposta, em peça escrita, apartada de qualquer outra modalidade defesa, e será
autuada em separado, em autos que correrão apensos aos principais. Por óbvio, o processo
não fica suspenso. O réu que contesta e não oferece a impugnação antes ou
concomitantemente à contestação, não mais poderá impugnar o valor da causa: estará
operada a preclusão consumativa. Assim se faz a exegese do artigo 158 do CPC, pois
realizada a contestação, estará precluso o que nela (ou ao seu tempo) tinha lugar:

“Art. 158. Os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais


de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção
de direitos processuais.”

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A parte autora terá cinco dias para responder à impugnação, e, subseqüentemente, o


juiz terá dez dias para decidir, se não for necessária produção de nova prova neste incidente
processual de impugnação.
Como se trata de um incidente processual, a decisão da impugnação é interlocutória,
e desafia agravo de instrumento.
O parágrafo único do artigo 261 do CPC, que sedia este instituto, traz previsão
bastante controvertida na doutrina:

“Art. 261. O réu poderá impugnar, no prazo da contestação, o valor atribuído à


causa pelo autor. A impugnação será autuada em apenso, ouvindo-se o autor no
prazo de 5 (cinco) dias. Em seguida o juiz, sem suspender o processo, servindo-se,
quando necessário, do auxílio de perito, determinará, no prazo de 10 (dez) dias, o
valor da causa.
Parágrafo único. Não havendo impugnação, presume-se aceito o valor atribuído à
causa na petição inicial.”

A questão controvertida é se poderia o juiz, de ofício, determinar a alteração do


valor atribuído à causa. Há, antes de se adentrar na controvérsia, que se distinguir os
critérios de fixação do valor da causa. Veja: a causa pode ter seu valor imposto pela lei, ou
ser um valor estimado. Os artigos 259 e 260 trazem valores legais a serem atribuídos às
causas ali mencionadas:

“Art. 259. O valor da causa constará sempre da petição inicial e será:


I - na ação de cobrança de dívida, a soma do principal, da pena e dos juros
vencidos até a propositura da ação;
II - havendo cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores
de todos eles;
III - sendo alternativos os pedidos, o de maior valor;
IV - se houver também pedido subsidiário, o valor do pedido principal;
V - quando o litígio tiver por objeto a existência, validade, cumprimento,
modificação ou rescisão de negócio jurídico, o valor do contrato;
VI - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais, pedidas pelo
autor;
VII - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, a estimativa oficial
para lançamento do imposto.”

“Art. 260. Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em


consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual
a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo
superior a 1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações.”

Estes valores legais devem ser obrigatoriamente observados. Mas a lei não trata de
todas as hipóteses possíveis, e por isso surgem casos que não são solucionados em critérios
legais, e quando assim o for, cabe ao autor, discricionariamente, arbitrar o valor que
entender correto e suficiente, correspondente ao valor econômico que busca.
Feita esta distinção, doutrina e jurisprudência entendem, de forma uníssona, que em
se tratando de valor legal, o juiz pode determinar a correção ex officio, pois estará apenas
fazendo com que a lei seja observada.
Contudo, quando o critério não for legal, sendo valor estimado pelo autor, de forma
subjetiva, há severa divergência: a posição majoritária defende que o juiz não pode retificar
de ofício este valor, sendo necessária a impugnação pelo réu. Esta corrente parte de uma

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

interpretação sistemática, pois o princípio da inércia, princípio dispositivo, exige que não
pode o juiz atuar sem provocação, quando a questão é dada à atuação das partes. A regra é a
inércia, somente podendo haver atuação oficiosa quando o interesse em jogo for de
natureza pública.
Por isso, quando o legislador especifica na lei algum critério objetivo para o valor
da causa, o respeito a este critério é questão de ordem pública. Quando deixa à
discricionariedade das partes, a fixação será mero interesse privado.
A corrente minoritária, que encontra amparo até mesmo no STJ, ampara-se
exclusivamente no princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Ainda que não haja
impugnação do valor estimado da causa pelo réu, entende esta tese que o valor
excessivamente alto ou excessivamente baixo em relação ao pedido mediato, ao bem da
vida, ao propósito econômico buscado pelo autor, não é razoável, e pode ser retificado de
ofício pelo juiz.
Veja que o juiz e o escrivão são responsáveis pela exatidão do recolhimento da
taxa judiciária, na forma do artigo 30 da Lei Estadual 3.350/99, e por isso é que exerce esta
função fiscalizatória do seu recolhimento:

“Art. 30 - Incumbe ao Juiz, com a colaboração do Escrivão mediante certidão, e à


Secretaria do Tribunal a verificação do exato recolhimento das custas e taxa
judiciária antes da prática de qualquer ato decisório.”

O valor da causa, quando servir como elemento fixador do rito ou da competência,


permite ao juiz que indefira a inicial, se inadequado o valor atribuído. Ele não modificará o
valor da causa estimado, mas determinará que o adeque, sob pena de indeferimento da
inicial, na forma do artigo 295, V, do CPC:

“Art. 295. A petição inicial será indeferida:


(...)
V - quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à
natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se
puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal;
(...)”

Intimamente ligada ao valor da causa está a questão da gratuidade de justiça. Pelo


ensejo, passemos ao estudo desta situação processual.

2. Gratuidade de justiça

Quando a parte requer a concessão do benefício de gratuidade de justiça, ela está


almejando a isenção do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Para
tanto, para que haja tal concessão, a lei expressa apenas um requisito: a declaração de
hipossuficiência econômica, em que o requerente atesta que não tem condições de pagar as
custas processuais sem detrir seu próprio sustento ou o sustento de sua família. Veja os
artigos 2º e 4º da Lei 1.060/50:

“Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes
no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja
situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de
advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”

“Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples
afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as
custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua
família.
§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos
termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.
§ 2º. A impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do
processo e será feita em autos apartados.
§ 3º A apresentação da carteira de trabalho e previdência social, devidamente
legalizada, onde o juiz verificará a necessidade da parte, substituirá os atestados
exigidos nos §§ 1º e 2º deste artigo.

Mas veja que o juiz, que é quem decide se concede ou não a gratuidade, não está
obrigado a aceitar tal declaração como verdadeira. Significa, sim, que o juiz não pode
indeferir a gratuidade com o fundamento de que a parte só fez constar esta declaração. Veja:
para indeferir a concessão, se o juiz tiver a impressão que a parte pode pagar as custas,
deverá fundamentar sua negativa em outros aspectos percebidos, ou seja, deverá investigar
a necessidade de que haja realmente este benefício, determinando à parte que junte provas
tais que afastem a suspeita de que há condições em pagar tais custas. O que a declaração faz
é criar presunção de insuficiência de recursos, mas esta presunção pode ser afastada por
provas – é relativa, portanto.
A lei não faz qualquer distinção entre pessoas naturais e jurídicas, ambas podendo
receber o benefício. Contudo, a hipossuficiência da pessoa jurídica é mais difícil de se
verificar, efetivamente, mas não é impossível que exista. Exemplo claro é uma pessoa
jurídica que esteja em recuperação judicial, ou uma que não tenha fins lucrativos.
Outra situação cabível é o indeferimento da concessão, mas com o adiamento do
pagamento das custas para o final do processo. Nada impede que o juiz, indeferindo a
gratuidade, postergue o pagamento dos valores para o final da lide, quando a parte poderá,
até mesmo, desincumbir-se desta obrigação, vez que pode triunfar.
A gratuidade pode ser requerida e concedida a qualquer tempo do processo, pois
trata-se de um benefício atinente à situação econômica da parte. Se, no curso do processo, a
parte que inicialmente era economicamente capaz de custear o processo, tornar-se
economicamente hipossuficiente, pode o juiz conceder-lhe a gratuidade superveniente
(jamais estornando custas pagas, porém). Da mesma forma, a parte que recebera
originalmente o benefício, e tornou-se capaz de custeio no curso do processo, terá o
benefício revogado, e deverá pagar as custas dali em diante. Veja os artigos 1.060/50
pertinentes:

“Art. 6º. O pedido, quando formulado no curso da ação, não a suspenderá, podendo
o juiz, em face das provas, conceder ou denegar de plano o benefício de
assistência. A petição, neste caso, será autuada em separado, apensando-se os
respectivos autos aos da causa principal, depois de resolvido o incidente.”

“Art. 7º. A parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a revogação
dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento
dos requisitos essenciais à sua concessão.

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Parágrafo único. Tal requerimento não suspenderá o curso da ação e se processará


pela forma estabelecida no final do artigo 6º. desta Lei.”

“Art. 8º. Ocorrendo as circunstâncias mencionadas no artigo anterior, poderá o


juiz, ex-offício, decretar a revogação dos benefícios, ouvida a parte interessada
dentro de quarenta e oito horas improrrogáveis.”

Há uma particularidade técnica que é muitas vezes ignorada pelos juizes: na


sentença, quando a parte sucumbente contar com a gratuidade, deverá haver condenação
em verbas de sucumbência, com a respectiva isenção logo após, isenção que será
responsável pela suspensão da execução de tais verbas por cinco anos. Isto porque se no
curso destes cinco anos ocorrer alguma alteração que faça possível a cobrança de tais
verbas daquela pessoa, a isenção cairá por terra, e a execução poderá prosseguir (passados
os cinco anos sem alteração, aí então prescreve o crédito sucumbencial). No entanto, o que
se vê na praxe, erroneamente, é que os juizes simplesmente deixam de condenar a parte
sucumbente nas custas processuais, em função da gratuidade de justiça – retirando a
possibilidade de constituição daquele crédito. Assim se depreende do artigo 12 da lei em
comento:

“Art. 12. A parte beneficiada pelo isenção do pagamento das custas ficará obrigada
a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família,
se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer
tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.”

A gratuidade, em regra, é requerida e deferida (ou indeferida) nos próprios autos,


vindo quase sempre no corpo da inicial ou da contestação. Todavia, a lei não pretendia que
assim fosse travada a discussão sobre a gratuidade: percebe-se que, a rigor, teria natureza
de incidente processual, devendo correr em autos apensados aos principais. A praxe, o
costume processual, no entanto, não implementou esta natureza.
É por conta desta diferença entre a norma e a prática que a previsão legal de que a
decisão de gratuidade desafia apelação pode soar tão mal. Veja:

“Art. 17. Caberá apelação das decisões proferidas em consequência da aplicação


desta lei; a apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando a sentença
conceder o pedido.”

De fato, o costume processual é tão arraigado, que a decisão de gratuidade tomada


no curso do processo, nos mesmos autos, não poderá jamais desafiar apelação: assume
natureza de questão incidental, e a sua resolução vem em decisão interlocutória, e desafia
agravo de instrumento. Mas se porventura a parte requerer a gratuidade em peça autônoma,
em autos apartados, a decisão será sentença, e, na letra da lei, desafiará apelação (sequer se
falando em fungibilidade recursal, em um ou outro caso).

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Casos Concretos

Questão 1

Antonio moveu ação de cobrança em face de José Carlos atribuindo à causa valor
superior ao somatório do principal, da pena e dos juros vencidos até a propositura da
ação. O magistrado, sem que o réu tenha impugnado o valor atribuído à causa no prazo
legal, de ofício, reduz o valor atribuído à causa aos patamares legais. Indaga-se: Poderia
o magistrado, sem que tenha havido demanda autônoma de impugnação ao valor da causa
proposta pelo réu, reduzir de ofício o valor atribuído à causa sem violação ao artigo 261
do Código de Processo Civil?

Resposta à Questão 1

Sim, pois é hipótese de valor da causa legalmente estatuído, que pode ser retificado
de ofício pelo juiz, diferentemente do que seria se fosse valor dado ao arbítrio da parte
autora.
O STJ, no REsp 753.147, assim se posicionou:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO


535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO APRECIADA. VALOR DA CAUSA.
ALTERAÇÃO EX OFFICIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no entendimento de que deve
a parte vincular a interposição do recurso especial à violação do artigo 535 do Código de
Processo Civil, quando, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, o tribunal a quo
persiste em não decidir questões que lhe foram submetidas a julgamento, por força do
princípio tantum devolutum quantum appellatum ou, ainda, quando persista desconhecendo
obscuridade ou contradição argüidas como existentes no decisum.

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

2. Decidindo o Tribunal a quo todas as questões suscitadas, não há falar em violação do


artigo 535 do Código de Processo Civil, à ausência de omissão qualquer a ser suprida.
3. Em havendo conseqüências que o valor da causa acarrete ao andamento do feito ou ao
Erário Público, esta Corte Superior de Justiça pacificou já entendimento no sentido de que é
possível ao magistrado, de ofício, ordenar a retificação do valor da causa, ad exemplum,
quando o critério de fixação estiver especificamente previsto em lei ou, ainda, quando a
atribuição constante da inicial constituir expediente do autor para desviar a competência, o
rito procedimental adequado ou alterar regra recursal.
4. A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que, em sendo os embargos do
devedor parciais, o valor da causa deve corresponder à diferença entre o total executado e o
reconhecido como devido.
5. Recurso provido.”

Questão 2

Caio propõe ação indenizatória em face de Tício e requer, na petição inicial, o


benefício da gratuidade de justiça previsto na Lei n.º 1.060/50, o que foi deferido pelo
juízo. Validamente citado, o réu, além de contestar, interpõe o recurso de agravo, na forma
retida, no prazo legal, pugnando pela revogação do benefício. Em sede de contra-razões, o
agravado pugna pela inadmissibilidade do recurso, eis que seria cabível apelação, na
forma do art. 17 da Lei n.º 1.060/50. O recurso deve ser admitido?

Resposta à Questão 2

Deve, pois o pedido processual da gratuidade é arrematado por decisão


interlocutória, sendo impropriedade entender que cabe apelação, pois esta não seria
compatível com o processamento do processo. Só será cabível apelação quando o pedido de
gratuidade vier consignado em peça apartada, processando-se em autos apensados ao
principal.
Há ainda que se considerar que o agravo deveria ser de instrumento, mas como foi
interposto pela parte contrária à que recebeu o benefício, entende-se correta a forma retida;
fosse recorrente a parte prejudicada por eventual indeferimento da gratuidade, a forma do
agravo seria de instrumento.

Questão 3

Determinada associação, sem fins lucrativos, requereu a gratuidade de justiça,


juntando aos autos declaração de seu representante, na forma do art. 4º, da Lei no
1.060/50, de que não possui recursos para custear o processo. A parte contrária, ao ser
citada, apresentou impugnação à gratuidade anteriormente concedida, forte no argumento
de que não basta a mera afirmação de miserabilidade, mas sim, a efetiva demonstração de
hipossuficiência, o que seria inexistente nos autos. Também objetou que há uma
banalização dos requerimentos de gratuidade de justiça, desvirtuando a intenção do
legislador, que era a de possibilitar o acesso ao judiciário daqueles que realmente
necessitam. Após a regular tramitação do incidente, os autos retornaram conclusos. Como
o magistrado deve decidir?

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

De fato, há procedência nos argumentos do réu, mas não há que se falar em prova da
hipossuficiência se a sociedade é sem fins lucrativos: a jurisprudência é forte em entender
que basta a declaração de hipossuficiência. Veja que nada impede que o juiz requeira novas
provas, mas pode (e dever) manter a concessão.
O STJ, no REsp 994.397, assim se posicionou:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA SEM FINS


LUCRATIVOS. CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA
INDEPENDENTEMENTE DE PROVA DE MISERABILIDADE. CABIMENTO.
1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que as pessoas
jurídicas sem fins lucrativos fazem jus ao benefício da assistência judiciária
gratuita independentemente de prova, eis que em seu favor opera presunção de que
não podem arcar com as custas e honorários do processo. Precedentes.
2. Recurso especial conhecido e provido.”

Tema X

Exceção como modalidade de resposta. Legitimidade, prazo, forma, juízo competente para o oferecimento e
alteração introduzida pela Lei nº 11.280/06. Matérias. Procedimento quando a matéria alegada for a
suspeição ou o impedimento. Procedimento quando a matéria impugnada for a competência relativa do juízo.
Possibilidade ou não de o juiz conhecer de ofício da competência relativa ao nulificar a cláusula que
estabelece foro de eleição em contrato de adesão (art. 112, parágrafo único, Lei nº 11.280/06).

Notas de Aula18

1. Exceção

Há mais de um significado para a palavra exceção. Pode ser modalidade de resposta,


ou mesmo sinônimo de tese defensiva, quando se tratar, por exemplo, da exceptio non
adimpleti contractus. Neste tópico, será abordada como modalidade de resposta, tratada no
CPC dentro do capítulo “resposta do réu”, que tem início no artigo 297 do código adjetivo.
Desde já, aponte-se que a exceção não é apenas oferecida pelo réu, também
podendo o ser pelo autor. A exceção, modalidade de resposta, serve para ventilar as
matérias impedimento, suspeição e incompetência relativa. Para o autor, porém, limita-se o
instituto à suspeição e impedimento, não podendo argüir incompetência relativa, pela
simples lógica de que foi ele quem elegeu a distribuição territorial do feito, não tendo
lógica alguma em redargüir sua própria escolha.
Sobre a forma da exceção, diz o CPC que, qualquer que seja a matéria, é necessária
a sua feitura sob a forma de uma petição inicial, havendo dispositivos que, de fato, parecem
dar a entender que se trata de uma ação autônoma. Veja os artigos 310 e 311, por exemplo:

“Art. 310. O juiz indeferirá a petição inicial da exceção, quando manifestamente


improcedente.”
18
Aula proferida pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 29/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 311. Julgada procedente a exceção, os autos serão remetidos ao juiz


competente.”

Ocorre que estes artigos, e todos os demais que possam passar esta idéia de
autonomia, são atécnicos. A exceção realmente é autuada em apenso, como estabelece o
artigo 299 do CPC, mas não se trata de exercício de direito de ação, jamais. Veja:

“Art. 299. A contestação e a reconvenção serão oferecidas simultaneamente, em


peças autônomas; a exceção será processada em apenso aos autos principais.”

Destarte, é seguro dizer que a exceção tem natureza jurídica de incidente


processual, mesmo sendo autuada em apenso. Por isso, a natureza jurídica da decisão que
julga a exceção é de decisão interlocutória (dispensando, inclusive, o relatório, ao contrário
do que a praxe demonstra). Julgado o incidente por esta decisão interlocutória, não há
condenação em honorários, mas pode haver condenação em custas da parte sucumbente no
incidente, se custas houver, na forma do artigo 20, § 1º, CPC:

“Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que


antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também,
nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
§ 1º O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o
vencido.
(...)”

Sendo decisão interlocutória, desafia agravo retido, pela regra geral, mas é de se
notar forte entendimento de que quando o juiz decide sobre competência, há urgência tal
que motiva a forma de instrumento para o agravo, justamente para evitar nulidade de atos
posteriores, se incompetente.
Pode haver caso em que o tribunal é quem vai apreciar a exceção, como ocorre
quando se trata de impedimento ou suspeição. Nestes casos, um desembargador relator
decidirá monocraticamente a exceção, em regra, nos termos do artigo 138, § 2º, do CPC:

“Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:


(...)
§ 2o Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.”

Sendo este o caso, a decisão desafia agravo interno, inominado, na forma do artigo
557, § 1º, do CPC:

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível,


improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal
Superior.
(...)
§ 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para
o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o
processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Vale ressaltar que quando se tratar de exceção de incompetência relativa, a lei exige
que o excipiente consigne expressamente qual é a competência territorial que entende
correta. Assim diz o artigo 307 do CPC:

“Art. 307. O excipiente argüirá a incompetência em petição fundamentada e


devidamente instruída, indicando o juízo para o qual declina.”

Veja que o artigo fala em indicação do juízo, mas o correto, e possível, dada a livre
distribuição, é que indique apenas a base territorial que entende devida (a não ser que o
juízo apontado seja vara única).
As causas que indicam impedimento ou suspeição do magistrado são aquelas
trazidas no artigo 134 e 135 do CPC:

“Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou


voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou
como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou
decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou
qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral
até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em
linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na
causa.
Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o
advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao
advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.”

“Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:


I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de
parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das
partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas
do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.”

Ressalte-se, porém, que o juiz poderá declarar-se suspeito por motivo alheio a este
rol, que não pode ser considerado exaustivo. Pode o magistrado entender-se suspeito,
declarando motivo de foro íntimo, que sequer precisa ser revelado.
É de se perceber que os motivos de impedimento são mais objetivos que os motivos
de suspeição, como deixa patente o inciso I do artigo 135: a amizade ou inimizade capital é
relação cuja demonstração é de alta subjetividade.
Todos os critérios de impedimento e suspeição também se aplicam também a
servidores, aos membros do parquet, a peritos, etc.
A suspeição parece guardar relação com a incompetência relativa, assim como o
impedimento tem certa semelhança com a incompetência absoluta. Assim como esta pode

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

ser alegada a qualquer tempo, o impedimento também o pode, debalde o artigo 305 do CPC
estipular prazo:

“Art. 305. Este direito pode ser exercido em qualquer tempo, ou grau de
jurisdição, cabendo à parte oferecer exceção, no prazo de 15 (quinze) dias, contado
do fato que ocasionou a incompetência, o impedimento ou a suspeição.
Parágrafo único. Na exceção de incompetência (art. 112 desta Lei), a petição pode
ser protocolizada no juízo de domicílio do réu, com requerimento de sua imediata
remessa ao juízo que determinou a citação.”

O que se passa, quando o excipiente demora em suscitar o impedimento ou a


incompetência absoluta, perdendo este prazo, é que se sucumbir na exceção, estará
responsável por todas as custas do retardamento, mesmo se triunfar na causa, ao final
(lembrando que o termo a quo do prazo ali contido é da data em que teve conhecimento do
fato). Até mesmo em sede de ação rescisória, estas matérias são argüíveis.
A suspeição, e a incompetência relativa, se não forem alegadas no momento correto,
no prazo em que a lei estabelece, precluirão. A competência, que era relativa, prorrogar-se-
á, e a suspeição deixará de poder ser suscitada – o juiz deixa de ser suspeito.
O dies a quo do prazo de argüição, como visto, é o dia da ciência do fato a ser
argüido. Na incompetência relativa, esta ciência é dada pelo próprio recebimento da inicial
pelo réu, começando a contar desde a juntada do mandado ou AR aos autos. O inicio do
prazo para argüir suspeição ou impedimento é matéria de prova, devendo a parte que os
alega comprovar o momento em que soube do motivo ensejador.
Não existe incompetência relativa superveniente, sendo sempre originária. Já a
suspeição e o impedimento podem surgir ou serem descobertos no decurso do processo.
Caso de suposta suspeição que já foi ventilado na jurisprudência é o de juiz que,
tendo exarado sentença, teve-a anulada. Quando isto ocorre, este juiz deverá prolatar nova
sentença, e por isso suscitaram-lhe a suspeição, por já ter se manifestado sobre aquele
mérito, na sentença anterior, anulada. Neste caso, porém, os tribunais não têm entendido
que se trata de suspeição.

1.1. Exceções na execução

Pode haver exceção na execução? A regra é que possa. Todavia, há que se tecer
breve digressão sobre uma particularidade surgida após a reforma operada na execução. Os
títulos executivos judiciais não mais são executados em apartado, mas sim nos autos
originais, e desafiam impugnação, e não embargos, como anteriormente. Os embargos do
devedor de título judicial, hoje, se destinam apenas à seara da execução contra a Fazenda
Pública, tendo sede no artigo 741 do CPC. E no inciso VII deste artigo 741 estabelece o
legislador que é nos próprios embargos que serão opostas as exceções de incompetência,
impedimento ou suspeição:

“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar


sobre:
(...)
VII - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento
do juiz.
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Ocorre que logo no artigo subseqüente, 742, o CPC estabelece que as mesmas
exceções serão oferecidas juntamente com os embargos, e não nos próprios embargos,
como dispõe o artigo 741, VII. Há, portanto, clara antinomia.

“Art. 742. Será oferecida, juntamente com os embargos, a exceção de


incompetência do juízo, bem como a de suspeição ou de impedimento do juiz.”

A solução apontada pela doutrina é a seguinte: se a defesa da execução for se


concentrar apenas em exceções, ou seja, se nada mais for alegado a não ser uma exceção,
esta deverá ser consignada por meio dos embargos. Se, além das exceções, forem alegadas
outras matérias de defesa, estas matérias deverão vir nos embargos, e a exceção deverá vir
em peça apartada – sempre no mesmo prazo dos embargos, quinze dias.
Sobre o prazo dos embargos, houve alteração deste pela Lei 11.382/06,
determinando-lhes quinze dias, quando antes eram dez, tal como expressa o artigo 738 do
CPC:

“Art. 738. Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da


data da juntada aos autos do mandado de citação.”

Há ainda que se ressaltar que este prazo do artigo 738 é geral para embargos à
execução (que será também o prazo para excepcionar), mas há grande discussão sobre qual
é o prazo para a Fazenda Pública embargar. Isto porque o artigo 730 do CPC fala em dez
dias, e o artigo 1º-B da Lei 9.494/97 traz prazo de trinta dias. Qual se aplica?

“Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a
devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo
legal, observar-se-ão as seguintes regras:
(...)”

“Art. 1o-B. O prazo a que se refere o caput dos arts. 730 do Código de Processo
Civil, e 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n o
5.452, de 1o de maio de 1943, passa a ser de trinta dias”

Esta estranheza motivou a propositura da ADC 11 no STF, a fim de se consolidar a


constitucionalidade deste artigo 1º-B. Esta ADC ainda se encontra em curso, mas já há
deferimento de liminar suspendendo todos os processos em que se discuta a
constitucionalidade deste dispositivo. Veja:

“EMENTA: FAZENDA PÚBLICA. Prazo processual. Embargos à execução.


Prazos previstos no art. 730 do CPC e no art. 884 da CLT. Ampliação pela Medida
Provisória nº 2.180-35/2001, que acrescentou o art. 1º-B à Lei federal nº 9.494/97.
Limites constitucionais de urgência e relevância não ultrapassados. Dissídio
jurisprudencial sobre a norma. Ação direta de constitucionalidade. Liminar
deferida. Aplicação do art. 21, caput, da Lei nº 9.868/99. Ficam suspensos todos os
processos em que se discuta a constitucionalidade do art. 1º-B da Medida
Provisória nº 2.180-35.”

Veja que este artigo 742 do CPC pode ser usado em qualquer execução, e não
apenas naquelas em que a executada é a Fazenda Pública. Sendo assim, este raciocínio se
aplica de forma geral para a execução, e mesmo para a impugnação: havendo outra matéria

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

diversa da exceção, esta autua-se em apartado; havendo somente a exceção a ser argüida em
defesa, vem esta no corpo da impugnação (e sempre, em um ou outro caso, no prazo da
impugnação de quinze dias).

1.2. Exceções na cautelar

É possível que haja oposição de exceções na cautelar, e, novamente, serão opostas


no mesmo prazo da contestação. Como este prazo, na cautelar, é de cinco dias, este também
será o tempo de que dispõe o excipiente para oferecimento da respectiva exceção. Veja o
artigo 802 do CPC:

“Art. 802. O requerido será citado, qualquer que seja o procedimento cautelar,
para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que
pretende produzir.
Parágrafo único. Conta-se o prazo, da juntada aos autos do mandado:
I - de citação devidamente cumprido;
II - da execução da medida cautelar, quando concedida liminarmente ou após
justificação prévia.”

1.3. Forma de argüição

Como visto, o prazo para oferecimento da exceção é sempre paralelo ao da


contestação ou dos embargos, dependendo do rito, e a forma será em apartado ou na própria
peça de embargos, quando da execução ou impugnação, dependendo das matérias que
forem também alegadas.
Mas quando forem ser argüidos mais de um motivo de exceção, ou seja, quando for
argüida na mesma oportunidade a exceção de incompetência relativa e suspeição, por
exemplo? Será feita a argüição plural em uma única peça?
Esta argüição de mais de uma exceção não poderá constar de uma só peça. Isto se dá
porque o processamento de cada matéria de exceção é diferente das demais. Veja que até se
poderia admitir impedimento e suspeição argüidos em uma mesma peça, porque há
identidade no processamento de ambas, mas jamais se pode cumular em uma só peça
alegações de impedimento e de incompetência relativa, ou suspeição e incompetência – o
processamento é completamente diverso.
Hipoteticamente, imagine que foram oferecidas as três ao mesmo tempo, em peças
diversas. A lei não estabelece uma ordem de apreciação das exceções, mas a doutrina
entende que deve ser respeitada uma ordem, baseada na gravidade da exceção: primeiro,
deverá ser apreciado o impedimento; em seguida, a suspeição (se veio na mesma peça do
impedimento, será praticamente concomitante a análise de ambos); e, por último, decididas
as exceções de impedimento e suspeição, somente então decidirá a exceção de
incompetência relativa.
Esta ordem é bastante lógica, pois se o juízo for tido por incompetente, somente
seus atos decisórios serão anulados, mas se há impedimento ou suspeição, todos os atos
praticados por aquele juiz são nulos – ou seja, são vícios mais graves, realmente.

1.4. Suspensão do processo

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Recebida a exceção de impedimento ou suspeição do juiz, este suspenderá o


processo, na forma do artigo 306 do CPC:

“Art. 306. Recebida a exceção, o processo ficará suspenso (art. 265, III), até que
seja definitivamente julgada.”

Nelson Nery defende que a suspensão ocorre desde quando há o oferecimento da


exceção, mesmo que este artigo 306 diga que é da data do recebimento. Alexandre Câmara,
fazendo interpretação harmônica deste dispositivo, entende que ocorrerá a suspensão
realmente desde o recebimento, mas com data retroativa ao oferecimento. Isto é bastante
relevante quando se tratar, por exemplo, de caso em que a exceção foi oferecida, mas não
houve contestação: se fosse suspenso apenas desde o recebimento, sem retroação, e este
recebimento levasse trinta dias, por exemplo, o prazo para contestar estaria perdido. Se, ao
contrário, a suspensão retroage à data do oferecimento, e este se deu no quinto dia da
citação, por exemplo, mesmo que a exceção seja recebida dali a um mês, o excipiente ainda
terá dez dias para contestar, pois o processo considerar-se-á suspenso desde o quinto dia,
data do oferecimento da exceção.
Imagine-se situação peculiar: réu oferece exceção de suspeição contra um juiz, mas
no meio tempo entre o oferecimento e o recebimento o processo é posto sob guia do juiz
tabelar (o substituto da vara, por exemplo). Poderia, este juiz sem suspeita, conduzir o
processo, até que seja julgada a exceção?
Em que pese a situação parecer permitir esta condução do processo, isso não será
possível, pelo só fato de que há de se respeitar a divisão de trabalho entre os juizes, o que é
um comando severo do próprio CNJ. Por isso, a suspensão do processo é imperativa. Na
verdade, o processo sequer vai às mãos do tabelar.
Nada impede, de outro lado, que haja a resolução de medidas urgentes, as quais
serão solucionadas pelo desembargador para o qual for distribuída a urgência, na forma do
artigo 266 do CPC:

“Art. 266. Durante a suspensão é defeso praticar qualquer ato processual; poderá o
juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes, a fim de evitar dano
irreparável.”

1.5. Contraditório nas exceções de impedimento e suspeição

Os artigos 312 a 314, disciplinando as exceções de impedimento e suspeição,


deixam bem claro que a exceção não demanda oitiva da parte contrária, ou seja, não há que
se contraditar tal argüição. Veja:

“Art. 312. A parte oferecerá a exceção de impedimento ou de suspeição,


especificando o motivo da recusa (arts. 134 e 135). A petição, dirigida ao juiz da
causa, poderá ser instruída com documentos em que o excipiente fundar a alegação
e conterá o rol de testemunhas.”

“Art. 313. Despachando a petição, o juiz, se reconhecer o impedimento ou a


suspeição, ordenará a remessa dos autos ao seu substituto legal; em caso contrário,
dentro de 10 (dez) dias, dará as suas razões, acompanhadas de documentos e de rol
de testemunhas, se houver, ordenando a remessa dos autos ao tribunal.”

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 314. Verificando que a exceção não tem fundamento legal, o tribunal
determinará o seu arquivamento; no caso contrário condenará o juiz nas custas,
mandando remeter os autos ao seu substituto legal.”

Se o juiz reconhecer sua suspeição ou impedimento, nenhum problema se apresenta:


o processo será remetido para o tabelar, que o assumirá. Não havendo tabelar na mesma
vara, o processo segue para tabelar de outra vara (mas esta dinâmica varia de acordo com
cada tribunal). Veja que pode até mesmo ocorrer um efeito cascata, ou seja, o tabelar
também se considerar suspeito, e assim o processo vai de mão em mão, até que algum juiz
não seja suspeito ou impedido.
Se o juiz que se viu excepcionado não se considerar suspeito ou impedido, o
incidente será desapensado e remetido ao tribunal, quando o relator vai decidir
monocraticamente, desafiando agravo interno, ou mesmo os recursos excepcionais. Mas
surge uma questão: se o juiz que negou seu impedimento ou suspeição for assim
considerado pelo tribunal, ou seja, se o excipiente tiver razão, o juiz será considerado
sucumbente no incidente. Sendo assim, poderá ele recorrer da decisão do tribunal?
A jurisprudência, que é bem escassa, entende que é cabível o recurso, mas ele
precisa contratar advogado, pois não tem capacidade postulatória própria.

1.6. Impedimento de servidores e auxiliares

Se a exceção for argüida em face de servidor ou auxiliar do juízo, o responsável


pelo seu julgamento é o próprio juiz, ouvindo apenas aquele que foi alvejado pela exceção.
Esta exceção em face de servidor não suspende o processo, como se vê no artigo
138, § 1º, do CPC:

“Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:


I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos
previstos nos ns. I a IV do art. 135;
II - ao serventuário de justiça;
III - ao perito;
IV - ao intérprete.
§ 1o A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição
fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe
couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem
suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a
prova quando necessária e julgando o pedido.
§ 2o Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.”

Outra ressalva que se deve fazer é que os assistentes técnicos das partes jamais
poderão ser tidos por impedidos ou suspeitos. Por óbvio, se são contratados por uma das
partes, são parciais por conceito, e o artigo 422 do CPC expressa esta lógica:

“Art. 422. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido,
independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de
confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.”

1.7. Procedimento na incompetência relativa

Os artigos 307 a 311 do CPC tratam do processamento desta exceção:

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 307. O excipiente argüirá a incompetência em petição fundamentada e


devidamente instruída, indicando o juízo para o qual declina.”

“Art. 308. Conclusos os autos, o juiz mandará processar a exceção, ouvindo o


excepto dentro em 10 (dez) dias e decidindo em igual prazo.”

“Art. 309. Havendo necessidade de prova testemunhal, o juiz designará audiência


de instrução, decidindo dentro de 10 (dez) dias.’

“Art. 310. O juiz indeferirá a petição inicial da exceção, quando manifestamente


improcedente.”

“Art. 311. Julgada procedente a exceção, os autos serão remetidos ao juiz


competente.”

Além destes dispositivos, vale trazer a previsão da súmula 33 do STJ:

“Súmula 33, STJ: A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.”

Assim, fica claro que a incompetência relativa é de fato uma exceção, enquanto as
demais, impedimento e suspeição, são tecnicamente objeções, que podem ser conhecidas de
ofício pelo juiz.
O artigo 112, parágrafo único, em conjugação com o artigo 114 do CPC, trazem
uma previsão peculiar:

“Art. 112. Argúi-se, por meio de exceção, a incompetência relativa.


Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão,
pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo
de domicílio do réu.”

“Art. 114. Prorrogar-se-á a competência se dela o juiz não declinar na forma do


parágrafo único do art. 112 desta Lei ou o réu não opuser exceção declinatória nos
casos e prazos legais.

Se há foro de eleição, ou seja, se a parte pode dispor sobre a competência, trata-se


claramente de competência relativa; e estes artigos fazem com que o juiz possa nulificar a
cláusula de eleição de foro ex officio, criando uma peculiaridade, especialmente diante da
súmula 33 do STJ, supra.
Esta situação peculiar se justifica pela natureza abusiva que se percebe em cláusulas
de eleição de foro em contratos de adesão. É, de fato, uma incompetência relativa
pronunciada de ofício, mas que só ocorre por ser privilegiada a facilitação da defesa em
contratos em que há a disparidade das partes.
Nas relações de consumo, a previsão do foro do domicílio do consumidor é expressa
no artigo 101, I, do CDC:

“Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços,


sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as
seguintes normas:
I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A jurisprudência do TJ/RJ trata da subversão desta norma do CDC como caso de


incompetência absoluta, mesmo se tratando de competência territorial, por entender que
ofendem interesse público, na medida que subverte o direito de defesa constitucionalmente
erigido, além de prejudicar o acesso à justiça. Veja que este mesmo argumento seria
transponível ao artigo 112, parágrafo único, do CPC, mas a jurisprudência, por enquanto, é
atinente apenas às relações de consumo.
Sendo incompetência relativa, a exceção conta com prazo de quinze dias, e a
manifestação do excepto conta apenas com dez dias, nos termos do artigo 308 do CPC,
supra.
Havendo necessidade, o juiz poderá até mesmo designar audiência de instrução e
julgamento, na forma do artigo 309 do CPC, acima transcrito.
O artigo 305 do CPC, já transcrito, traz ainda uma novidade: se o réu foi citado por
carta precatória, ele poderá oferecer a exceção de incompetência relativa na sede do
deprecado ou do deprecante, mas a exceção de incompetência dirige-se exclusivamente ao
deprecante, pois é sobre este juízo que versa: é ele quem se vê questionado em sua
competência, e é ele quem julgará, e não o deprecado. O deprecante é o juiz natural da
causa.

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Casos Concretos

Questão 1

Certo advogado argüiu a suspeição de um magistrado alegando inimizade capital


entre ambos. O juiz, ao receber a petição, recusou-se a reconhecer a suspeição, afirmando
que sua imparcialidade não estaria afetada, apesar de realmente se considerar inimigo do
advogado. Como deve se posicionar o Tribunal? A suspeição é ou não procedente?

Resposta à Questão 1

A suspeição é extremamente subjetiva, e o rol de causas que a ensejam não é


exaustivo. A casuística é que vai revelar se a parcialidade estará comprometida ou não.
Particularmente, neste caso, entendo que não. A inimizade do juiz pelo advogado não
impede que seja imparcial em relação à parte por ele defendida. Fosse ele inimigo do autor,
do cliente, aí sim haveria de ser considerado suspeito. Por isso, entendo que o tribunal deve
considerar improcedente a suspeição.

Questão 2

Durante o processo, ainda no primeiro grau de jurisdição, o réu ofereceu exceção


de impedimento contra o magistrado que o presidia. O juiz não reconheceu o impedimento
e o Tribunal determinou o arquivamento da exceção. Findo o processo, que foi julgado
procedente nos dois graus de jurisdição, o réu ajuizou ação rescisória alegando o
impedimento do magistrado de primeiro grau. É possível que a ação rescisória seja
conhecida no mérito em tais circunstâncias?

Resposta à Questão 2

Há um óbice ao conhecimento da rescisória neste caso: o efeito substitutivo da


apelação. Significa que é o acórdão que passará a existir no processo, no lugar da sentença,
assim como estabelece a previsão do artigo 512 do CPC:

“Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão


recorrida no que tiver sido objeto de recurso.”

Por isso, o acórdão é que passa a existir no lugar da sentença, e este acórdão foi
proferido por desembargadores que não são suspeitos ou impedidos. Por isso, a sentença

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

não tem qualquer peso, vez que o juiz não mais tem a voz no processo: se houve vício em
sua atuação, tendo este sido impedido, não há mais relevância, vez que sua decisão não
mais subsiste no feito. Por isso, a rescisória não pode ser conhecida.
Mas veja que se o juiz praticou diversos outros atos que tenham sido influenciados
por seu impedimento (conduziu audiências, produziu provas), mesmo se a sentença deixou
de existir, substituída pelo acórdão, as bases de todo o processo podem estar ainda viciadas
pelo impedimento. Se assim for, a rescisória poderá ter procedência.

Questão 3

Os motivos geradores de impedimento e suspeição também se aplicam ao órgão do


Ministério Público, ao serventuário da justiça, ao perito e ao intérprete? E ao assistente
técnico? Nesses casos há suspensão do processo?

Resposta à Questão 3

Os motivos aplicam-se a todos que devem agir com imparcialidade. Das pessoas
mencionadas, apenas o assistente técnico pode ser parcial, pelo que não se exige dele o
pressuposto negativo do não-impedimento. Ademais, este entendimento é expresso nos
artigos 138 e 422 do CPC.
Não há suspensão do processo, por expressa previsão no artigo 138, § 1º, do CPC.

Michell Nunes Midlej Maron 97


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Tema XI

Reconvenção. Conceito. Natureza jurídica. Condições gerais de legítimo exercício do direito à ação
reconvencional. A legitimação e o interesse processual.

Notas de Aula19

1. Reconvenção

Apesar de ter-se enquadrada na lei como modalidade de defesa, a reconvenção trata-


se de verdadeiro contra-ataque do réu ao autor. Isto porque a reconvenção não contém
matéria de defesa das alegações postas pelo autor na sua inicial, contendo, ao contrário,
alegações de fatos que fundamentam pretensão diversa por parte do réu em face do autor.
Na reconvenção, o réu não apresenta defesas processuais ou de mérito: ele narra fatos e faz
pedidos referentes aos fatos narrados.
O réu que não apresenta contestação é revel, como se sabe, e o principal efeito da
revelia, efeito material, é a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor. E veja
que a reconvenção, como não consigna defesa, não afasta a revelia, se o réu que reconvém
não contestou, pois os fatos não foram impugnados, vez que a reconvenção não se presta a
isto.
O prazo da reconvenção é o mesmo da contestação, mas perdido este prazo, nada
impede que o direito que seria fundamento da reconvenção seja distribuído como um
processo autônomo. Não há qualquer efeito negativo. E mais, diga-se: o processo autônomo
poderá até mesmo ser distribuído para o mesmo juízo, pois está prevento pela conexão.
Veja que pode haver excepcional situação em que a defesa de mérito, direta ou
indireta, se transformará na própria causa de pedir de uma reconvenção. Esta
excepcionalíssima situação seria caso em que a reconvenção se demonstraria substitutiva à
contestação, afastando o efeito material da revelia. Este caso será abordado amiúde adiante.
A reconvenção, em regra, segue o seguinte ritmo: o autor original, na sua ação em
face do réu, narra determinados fatos; o réu, em defesa, apresenta contestação, e suponha
que apresente uma defesa de mérito indireta qualquer – fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor. Quando a reconvenção é oferecida, esta é uma segunda ação
que corre nos mesmos autos, na qual o réu faz seus pedidos, e não impugna fatos (isso é
reservado à contestação); para tanto, para pedir o que deseja na reconvenção, o réu tem que,
ele próprio, narrar fatos que o fundamentem – afinal, é uma ação própria. E é nesta
narrativa dos fatos da reconvenção que surge a conexão com a ação principal: os fatos que
ele narra na inicial da reconvenção devem ter conexão com os fatos narrados na inicial
19
Aula proferida pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 29/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

original do autor, ou com os fatos que representam seu fundamento de defesa na


contestação.
Em regra, a reconvenção é autônoma. Ocorre que se o fato alegado na reconvenção
for conexo com os fatos narrados na contestação, quais sejam, fatos alegados em defesa
pelo réu – e não conexos com a inicial do autor –, a conexão só se opera, por simples
lógica, se estes fatos já foram narrados na ação principal. Portanto, este é o caso
excepcional em que a reconvenção depende da contestação ter sido feita, vez que se não
foi, não há como reconvir, pois não há conexão bastante para tanto.
Em regra, não é admissível a reconvenção em ritos especiais. Isto porque a
reconvenção acarreta, como visto, uma cumulação de pedidos, apenas com os pólos
invertidos, e o artigo 292 do CPC exige que para a cumulação de pedidos o rito de cada um
deles deve ser compatível com os demais – o que, em regra, só ocorre se o rito for
ordinário, tanto que o § 2º deste dispositivo admite cumulação entre pedidos de
procedimentos diferentes, pelo autor, se optar pelo ordinário:

“Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de
vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:
I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento,
admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.”

Há que se atentar que há ritos que começam especiais, mas em determinado


momento se convertem em ordinário. Quando assim for, a reconvenção será possível, desde
que a conversão ocorra em tempo hábil. Como exemplo, na ação de depósito: o ato
processual que converte este rito especial em ordinário é a contestação, e, portanto, poderá
o réu contestar e reconvir, pois a reconvenção já será processada em rito ordinário, não
encontrando qualquer óbice. Da mesma forma, na ação monitória: a defesa neste rito, que
se chama embargos monitórios, converte o rito para ordinário, e a apresentação da
reconvenção é possível, desde então.

1.1. Reconvenção vs. pedido contraposto

A diferença é bem simples. Veja: o rito sumário, por exemplo, admite pedido
contraposto, na forma do artigo 278, § 1º, do CPC:

“Art. 278. Não obtida a conciliação, oferecerá o réu, na própria audiência, resposta
escrita ou oral, acompanhada de documentos e rol de testemunhas e, se requerer
perícia, formulará seus quesitos desde logo, podendo indicar assistente técnico.
§ 1º É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, desde que
fundado nos mesmos fatos referidos na inicial.
(...)”

Significa, então, que o réu poderá consignar pedido em seu favor, na mesma peça,
mas sem trazer novos fatos: os fatos que fundamentam o pedido do réu devem ser
exatamente os mesmos narrados como fundamento da inicial do autor.

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Exemplo clássico é o do artigo 275, II, “d”, do CPC, as ações acidentárias de


veículos terrestres em rito sumário:

“Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:


(...)
II - nas causas, qualquer que seja o valor
(...)
d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;
(...)”

Nesta ação, suponha-se que o autor narra o acidente, e imputa a responsabilidade ao


réu, pedindo ressarcimento dos danos; o réu poderá, na contestação, narrar o mesmo
acidente, e, imputando responsabilidade ao autor, pedir ele próprio ressarcimento. O fato é
o mesmo, e não um novo fato conexo fundamentando o pedido do réu, como ocorre na
reconvenção.
Embora os fatos sejam os mesmos, a existência de um pedido faz com que o réu
esteja em exercício de direito de ação. A diferença é que quando a ação é exercida na
reconvenção, há a criação de uma nova relação processual, enquanto o exercício do direito
de ação no pedido contraposto não tem este condão: a relação processual continua a
mesma. O réu continua sendo réu, mas pode fazer pedido.
A possibilidade de haver pedido contraposto, como o há no rito sumário, impede
que haja reconvenção? De fato, não caberá reconvenção no rito sumário, dada a
concentração que ali se faz presente. A assertiva de que não cabe reconvenção porque já há
o pedido contraposto, o que traria perda do interesse na reconvenção, não é totalmente
correta.
O pedido contraposto também é cabível nos juizados especiais, na forma do artigo
31 da Lei 9.099/95:

“Art. 31. Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular


pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos
mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.
Parágrafo único. O autor poderá responder ao pedido do réu na própria audiência
ou requerer a designação da nova data, que será desde logo fixada, cientes todos os
presentes.”

Dada a autonomia da reconvenção, que se trata de uma nova ação, nova relação
processual dentro do mesmo processo, a extinção da ação original não reverbera na
reconvenção: esta prosseguirá. Veja o artigo 317 do CPC:

“Art. 317. A desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga,


não obsta ao prosseguimento da reconvenção.”

Se o autor da ação que corre em rito sumário, por exemplo, desiste da ação original,
o pedido contraposto do réu, enquanto exercício do direito de ação, não se extinguirá,
repetindo-se o que ocorre na reconvenção. Ainda que o autor desista da ação, o processo
seguirá até que o pedido contraposto seja julgado.

1.2. Reconvenção e ações dúplices

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Ação dúplice é aquela em que as posições de autor e réu confundem-se em certa


monta. Veja: há o autor provocando a jurisdição, e há o réu sendo acionado. Todavia, a
relação jurídica material é de tal sorte que o deslinde da causa, a sua resolução, vai resultar
em efeitos que seriam os buscados por um autor, mesmo que quem triunfe seja o réu.
Entenda: na ação dúplice, a sucumbência do autor não deixa o réu apenas na mesma
condição que se encontrava antes do processo; o réu terá resultado da prestação
jurisdicional como se tivesse pretendido algo em juízo, sem que tenha, efetivamente, feito
qualquer pedido.
Um exemplo aclara a questão: na ação declaratória, se o autor perde, a sentença
será uma declaratória negativa de seu direito. Diante da relação material, esta declaratória
negativa é exatamente aquilo que o réu buscaria, se ele fosse autor de uma ação contra
aquela pessoa. Por isso, basta ao réu contestar a ação declaratória, que se o seu direito for
melhor, a sucumbência do autor tem o mesmo efeito de uma procedência de um pedido do
réu – não sendo, portanto, necessário pedido contraposto ou reconvenção. A mera
improcedência do pedido do autor, nas ações dúplices, consiste no êxito da pretensão do
réu.
Outro exemplo de ação dúplice é o das ações possessórias: em uma reintegração de
posse, não precisa o réu pedir, contraposta ou reconvencionalmente, a sua manutenção na
posse. Basta contestar a reintegração, pois se esta for improcedente, já estará mantida sua
posse.
Nas ações dúplices, se o autor desiste, e o réu concorda, há extinção do processo,
pois não há exercício qualquer de direito de ação pelo réu.
Neste diapasão, não haveria que se falar em reconvenção na ação declaratória,
simplesmente porque não haveria qualquer interesse processual nesta medida. Se basta a
contestação, a reconvenção não terá qualquer sentido. Mas veja o que o verbete 258 da
súmula do STJ diz o contrário:

“Súmula 258, STF: É admissível reconvenção em ação declaratória”

Na verdade, é mesmo cabível a reconvenção em ação declaratória, mas a finalidade


desta reconvenção não é a mera providência que já será alcançada na eventual
improcedência do pedido autoral. A reconvenção nesta ação deverá prestar-se a outra
finalidade, como por exemplo a constituição de algum direito: se a ação for declaratória, e a
reconvenção constitutiva, ou mesmo condenatória, há claro interesse em que seja julgada. A
reconvenção só carece de interesse quando a pretensão do réu na reconvenção for
simplesmente a improcedência do pedido autoral – para tanto, a contestação basta.

1.3. Natureza da conexão na reconvenção

A conexão que enseja a reconvenção, a teor do caput do artigo 315 do CPC, não é a
mesma conexão que se verifica no artigo 103 do CPC:

“Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a
reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
(...)”

“Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o
objeto ou a causa de pedir.”

Michell Nunes Midlej Maron 10


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Diz a doutrina e a jurisprudência que a conexão mencionada no artigo 315 é muito


mais tênue, não precisando haver comunhão de objeto ou causa de pedir, como se exige no
artigo 103. Basta, para se configurar conexa a causa, que haja simples afinidade entre os
fatos de uma e de outra ação.
Mesmo se exigindo apenas esta afinidade perfunctória, se o juiz entender que não há
esta conexão, a reconvenção não será admitida. Será, então, necessária a propositura de
uma ação autônoma pelo réu.
1.4. Legitimidade para oferecimento da reconvenção

Apenas o demandado na ação original terá legitimidade ativa para oferecer


reconvenção. Somente o réu pode preencher o pólo ativo da ação de reconvenção.
Quanto ao pólo passivo da reconvenção, igualmente, a regra é que somente o autor
da ação original possa ocupar tal posição. Assim, a reconvenção só permite a presença dos
mesmos participantes originais do processo, apenas com a inversão do pólo. Todavia, no
pólo passivo da reconvenção, pode ser posta outra pessoa além do autor da ação original,
ou seja, pode ser formado litisconsórcio passivo na reconvenção, integrando pessoa que não
estava no pólo ativo da ação original ao lado do autor desta?
A doutrina vem admitindo esta possibilidade, mas apenas se o litisconsórcio passivo
a ser formado entre o autor primitivo e o terceiro for necessário. Se se tratar de
litisconsórcio passivo facultativo, o pólo passivo da reconvenção não poderá ser assim
formado.
Quando se encontrar, na ação original, a figura do substituto processual, contra
quem proporá o réu sua reconvenção, contra o substituto ou contra o substituído? A relação
material é entre substituído e réu, enquanto a relação de direito processual é entre substituto
e réu. Qual será observada?
A doutrina entende que a reconvenção será contra o substituto processual, se este
puder manter esta qualidade na reconvenção. Mesmo sendo o direito material do
substituído, continuará o substituto exercendo sua função, agora como substituto no pólo
passivo. Este entendimento depreende-se do artigo 315, parágrafo único, do CPC:

“Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a
reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando
este demandar em nome de outrem.”

Veja que o dispositivo em comento pode parecer exatamente o oposto, mas ali se vê
a expressão “demandar em nom de outrem”, o que significa que se está falando do
representante processual, e não do substituto: este demanda em nome próprio por direito
de outrem, ou seja, a contrário senso, o que se veda ali é a reconvenção contra o
representante, e não contra o substituto.

1.5. Requisitos formais da reconvenção

A reconvenção é feita em peça autônoma, e não na própria contestação, por


interpretação literal do artigo 299 do CPC:

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“Art. 299. A contestação e a reconvenção serão oferecidas simultaneamente, em


peças autônomas; a exceção será processada em apenso aos autos principais.”

Se o advogado fizer esta união na mesma peça, estará, a princípio, nula, mas a
instrumentalidade das formas pode fazê-la aproveitável, se a redação deixar de forma
extremamente clara, capitular, as alegações de cada matéria, da contestação e da
reconvenção.
Quanto ao prazo, a reconvenção deve ser procedida em quinze dias, tal qual a
contestação. Seguindo a sorte do prazo da contestação, quando este se dilata, também se
dilarga o prazo da reconvenção. Por exemplo, a Fazenda Pública dispõe de prazo
quadruplicado para contestar, pelo que a reconvenção (e as exceções, diga-se) também
terão seus prazos fixados em quádruplo. Esta é a exegese ampliativa do artigo 188 do CPC:

“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para


recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

Note que o artigo 299, supra, fala que a contestação e a reconvenção devem ocorrer
de forma simultânea. Sendo assim, suponha-se que o réu contesta em um dia – décimo dia,
por exemplo –, e, ainda no prazo, digamos no décimo segundo dia, apresenta reconvenção,
esta não será admissível, mesmo que aparentemente tempestiva. Assim ocorre porque não
só o réu descumpriu a exigência da simultaneidade, do artigo 299, como operou-se a
preclusão consumativa deste ato de reconvenção. Mas a jurisprudência não é pacífica neste
sentido, mesmo que a maioria dos julgados reconheça esta preclusão20.

20
O mesmo raciocínio se tem operado na emenda à contestação, quando o réu, ainda no prazo, pretende
adicionar argumentos que se esquecera de fazer constar na contestação. Entretanto, o STJ tem admitido esta
emenda da contestação quando a matéria adicionada for de ordem pública (a qual, a bem da verdade, poderia
vir alegada em peça inominada, sequer precisando ser considerada uma adição à contestação).

Michell Nunes Midlej Maron 10


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Casos Concretos

Questão 1

Caio ingressou em juízo com ação de consignação em pagamento em face de certa


empreiteira, a fim de discutir o valor das prestações da compra de um imóvel em
construção que estava adquirindo com a sua esposa. A ré contestou e ofereceu
reconvenção, pleiteando a rescisão do contrato de compra e venda em razão da
inadimplência de Caio. A reconvenção é possível nesse caso?

Resposta à Questão 1

A reconvenção, em ações de consignação, é admissível, a não ser que se trate da


hipótese do artigo 896, IV, do CPC:

“Art. 896. Na contestação, o réu poderá alegar que:


I - não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida;
II - foi justa a recusa;
III - o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento;
IV - o depósito não é integral.
Parágrafo único. No caso do inciso IV, a alegação será admissível se o réu indicar
o montante que entende devido.”

Neste caso, há uma discussão se se trata de pedido contraposto pela diferença, ou


ação dúplice, em que a contestação baseada no depósito a menor já bastaria. De uma ou de
outra forma, não é admissível reconvenção, neste caso peculiar.
Nos demais casos, a reconvenção é cabível na consignação. Ocorre que, no caso
concreto, a relação material de condomínio entre autor e esposa demanda que ambos
estejam presentes no pólo passivo (de fato, deveriam estar presentes já no pólo ativo da
ação original, proposta pelo marido). Surgiria a dúvida, então, se na reconvenção o pólo
passivo poderia ser litisconsorte, pois traria ao processo pessoa que não estava presente
primitivamente.
A doutrina resolve que é possível formar-se o litisconsórcio na reconvenção com o
autor e pessoa alheia, quando se tratar de litisconsórcio necessário. Sendo exatamente este o
caso, a reconvenção é perfeitamente admissível.

Questão 2

Mévio ajuizou ação de cobrança em face de Tício alegando que este lhe dera um
"golpe" numa compra e venda, acusando-o de estelionatário, ladrão e inescrupuloso e
requerendo, ao final, sua condenação para a devolução das arras que haviam firmado o
negócio.

Michell Nunes Midlej Maron 10


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Tício contesta veementemente as acusações e ingressa com reconvenção em face do


advogado signatário da inicial, ao argumento de que as expressões usadas eram
desnecessariamente ofensivas, fora do amparo da imunidade profissional do causídico.
O juiz não recebe a reconvenção e determina que a inicial seja distribuída
livremente, afirmando que o caso não se enquadra nas hipóteses legais que permitem o
pleito reconvencional.
Está com a razão o juiz?
Justifique a resposta.

Resposta à Questão 2

A reconvenção deve ser feita em face do autor da ação original, e não em face do
advogado do autor. Esta reconvenção, de fato, trata-se de uma ação autônoma do réu
primitivo em face do advogado, em nada sendo conexa à original, e não havendo
legitimidade no pólo passivo da reconvenção: deverá haver ação autônoma, em livre
distribuição. Acertou o magistrado.

Questão 3

Nos autos de Ação de Separação Judicial em que é autor Carlos e ré Janaína,


apresentou a demandada contestação, no décimo dia, e reconvenção, no décimo terceiro.
Sobrevindo a sentença, esta julgou extinto o processo reconvencional (art. 267, IV, do
CPC), ao entendimento de que a reconvenção entregue depois da contestação, ainda que
no prazo da resposta, resultou intempestiva, posto que o art. 299 do CPC determina que as
duas espécies de respostas sejam oferecidas "simultaneamente", havendo portanto
preclusão consumativa. Agiu corretamente o juiz?A contestação, depois de apresentada,
poderia ser aditada, se a ré ainda estivesse no prazo do art. 297 do CPC?

Resposta à Questão 3

Agiu corretamente. A reconvenção não pode ser apresentada após a contestação,


pois há, de fato, preclusão consumativa – entendimento modernamente adotado no STJ. O
mesmo raciocínio se opera para a contestação “bifásica” que pretende o enunciado: uma
vez apresentada a peça, não há como se aditar a defesa, pois estará preclusa, mesmo ainda
no prazo. Entretanto, o STJ tem admitido esta adição de argumentos, desde que sejam de
ordem pública.
O STJ, no REsp 132.545, de 1998, pensava de forma contrária à preclusão
consumativa, entendimento que hoje não mais prevalece. Veja:

“PROCESSUAL CIVIL - CONTESTAÇÃO E RECONVENÇÃO, AMBOS


APRESENTADOS NO MESMO PRAZO DA RESPOSTA - INTERPRETAÇÃO
TELEOLOGICA E SISTEMATICA DO ART. 299 DO CPC.
I - NÃO OCORRE A PRECLUSÃO CONSUMATIVA, QUANDO AINDA NO
PRAZO DA RESPOSTA, CONTESTAÇÃO E RECONVENÇÃO SÃO
OFERTADOS, EMBORA A RECONVENÇÃO TENHA SIDO ENTREGUE
DEPOIS DA CONTESTAÇÃO.
II - RECURSO NÃO CONHECIDO.”

Michell Nunes Midlej Maron 10


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Demonstrando a adesão desta corte à preclusão consumativa, mais moderna, veja o


REsp 31.353, de 2004:

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÕES DE MANUTENÇÃO DE POSSE E


CONSIGNATÓRIA. PEDIDO RECONVENCIONAL PARA A RESCISÃO DO
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
APRESENTAÇÃO DA RECONVENÇÃO APÓS A CONTESTAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. CPC, ART. 299.
INADIMPLÊNCIA CONTRATUAL E CORREÇÃO MONETÁRIA DO SALDO
DO PREÇO SOLUCIONADAS À LUZ DA INTERPRETAÇÃO DE
CLÁUSULAS E DOS FATOS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS
NS. 5 E 7-STJ. PREQUESTIONAMENTO, ADEMAIS, DEFICIENTE. SÚMULA
N. 211-STJ.
I. A ausência de prequestionamento impede a apreciação da controvérsia em toda a
sua extensão, em face do óbice da Súmula n. 211 do STJ.
II. Firmado pelo Tribunal estadual, soberano no exame da prova e do contrato, que
a obtenção de financiamento não constituia condição do pacto, e que inexistia
vedação à correção monetária do saldo do preço, portanto insuficiente o valor
consignado sem atualização, a matéria não tem como ser revista, nos termos das
Súmulas ns. 5 e 7 desta Corte.
III. Aplica-se o princípio da preclusão consumativa, adotado pela uniforme
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à regra do art. 299 do CPC, de sorte
que tardio o pedido reconvencional apresentado após o oferecimento da
contestação pelo mesmo réu, ainda que antes de terminado o prazo original de
defesa.
IV. Recurso especial conhecido em parte e provido, para julgar extinta a
reconvenção e, conseqüentemente, a pretensão rescisória do compromisso de
compra e venda.”

Michell Nunes Midlej Maron 10


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Tema XII

Requisitos específicos de admissibilidade da reconvenção: a conexão, a competência do juízo, a


uniformidade procedimental e a pendência, no primeiro grau de jurisdição, da ação originária. Convivência
da reconvenção com o procedimento sumário. Procedimento da reconvenção. Reconvenção e extinção do
processo originário ou do reconvencional. Reconvenção em ação rescisória.

Notas de Aula21

1. Reconvenção

Sob o prisma da propositura e instrumentalização, a reconvenção é verdadeira ação.


É também uma modalidade de defesa do réu, como o próprio CPC a chama, em que o seu
oferecimento acarreta ampliação do objeto da cognição a ser exercida no feito pelo
magistrado. Para Alexandre Câmara, trata-se de um contra-ataque.
Alguns autores, por tratá-la como uma ação, trabalham com interesse de agir,
interesse processual, bem como a finalidade deste instituto. É por isso que a reconvenção,
por vezes, não pode ser feita em determinados procedimentos.
Como ação, precisa de uma petição inicial que a propugne, e também tem que
preencher todos os requisitos de uma ação, quais sejam, os pressupostos processuais e
condições do seu regular exercício.
A finalidade, o interesse processual da reconvenção, então, é obter um resultado
prático que não seria possível mediante o oferecimento de simples contestação. Veja que a
matéria de defesa ventilada pelo réu na contestação só é observada pelo juiz na
fundamentação de sua sentença; se o réu propõe reconvenção, a matéria que ali oferece será
alvo do dispositivo da sentença – fazendo coisa julgada que não seria obtida na mera
contestação.
É por isso que, em regra, não é possível reconvir em ação declaratória, por exemplo.
Isto porque a ação meramente declaratória possui natureza dúplice, e neste tipo de ação, o
resultado favorável ao réu é obtido na mera procedência de suas alegações em sede de
contestação, não havendo interesse processual em reconvir, portanto. Mas há que se ter
cuidado a um detalhe, partindo da análise da súmula 258 do STF:

“Súmula 258, STF: É admissível reconvenção em ação declaratória”

Não há qualquer erro nesta súmula, tampouco há qualquer erro no raciocínio feito
em relação à natureza dúplice da ação declaratória. É, de fato, impossível reconvir em ação
declaratória, quando a providência puder ser obtida pela mera contestação; quando não for
possível, a reconvenção terá interesse, e é por isso que Freddie Didier diz que só será
cabível a reconvenção em sede de ação declaratória se o réu nela exercer pretensão diversa
da meramente contrária à exercida pelo autor da ação principal. Caso o réu, na

21
Aula proferida pelo professor Fabrício Rocha Bastos, em 30/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 10


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reconvenção, pretenda apenas negar o pedido do autor, não será admissível esta
reconvenção, por ausência de interesse-necessidade – basta-lhe, para tanto, contestar, que
obterá sentença22 favorável, satisfatória de sua pretensão.
Na reconvenção, há o que se chama de cruzamento subjetivo da lide, pois ocorre a
clara troca de posições processuais: o autor da principal se torna réu da reconvenção, e o
autor da reconvenção é quem era réu da ação principal.
Vale trazer uma questão peculiar: caberia reconvenção quando o pólo ativo da ação
principal estiver um substituto processual? O parágrafo único do artigo 315 é relevante:

“Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a
reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando
este demandar em nome de outrem.”

A expressão “demandar em nome de outrem”, para grande parte da doutrina,


identifica substituição processual, pois entende que se trata de pessoa que atua em nome
próprio por direito de outrem, e, sendo assim, estaria vedada a reconvenção. Todavia, a
leitura desta expressão que seria mais acurada é de que se trata de representação
processual, em que o autor estaria atuando em nome alheio por direito alheio. Destarte,
somente quando o autor estivesse sob representação estaria vedada a reconvenção, e não
quando se tratasse de substituição processual.

1.1. Requisitos da reconvenção

1.1.1. Tempestividade

Para definir a tempestividade é necessária a análise dos artigos 297 e 299 do CPC:

“Art. 297. O réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita,
dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção.”

“Art. 299. A contestação e a reconvenção serão oferecidas simultaneamente, em


peças autônomas; a exceção será processada em apenso aos autos principais.”

22
Aqui cabe enfrentar uma questão periférica: a sentença declaratória pode ser executada? O artigo 584 do
CPC, revogado pela Lei 11.232/05, descrevia a “sentença condenatória” como título executivo judicial. Hoje,
o artigo 475-N, I, do CPC, estabelece que a “sentença que reconhece uma obrigação” é título executivo
judicial, e não apenas a condenatória. E a sentença declaratória reconhece a existência ou inexistência de uma
relação jurídica, que pode ser obrigacional – e seria, portanto, executável. Ocorre que tem prevalecido a tese
de carência de necessidade desta execução da sentença declaratória, pois ela é satisfativa da pretensão do
autor – que era meramente declaratória –, ao contrário da sentença condenatória, que positiva a obrigação,
mas não é satisfativa da pretensão, demandando necessariamente a fase executória para tanto. É por isso que
alguns autores dizem que a ação declaratória sofre apenas a chamada execução imprópria, que consiste na
mera leva da sentença a registro, para fins de publicidade e consolidação do direito (como ocorre na
usucapião e na ação de investigação de paternidade).
Suponha-se, agora, uma sentença de improcedência qualquer, que sabe-se que tem sempre natureza
declaratória negativa, ou mesmo uma sentença de improcedência em uma ação meramente declaratória de
inexistência de uma relação obrigacional (que, dúplice, terá por efeito positivar a existência de tal relação).
Esta sentença, que contém cunho econômico, e é improcedente, é caso especialíssimo em que uma sentença
de improcedência poderia ser executada, por ter conteúdo econômico. A questão é altamente controvertida.

Michell Nunes Midlej Maron 10


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É importante se perceber que tempestividade não é critério que se resume apenas ao


prazo, mas também à observância do momento processual para a prática do ato. Assim, a
observância do prazo assinado no artigo 297 e da regra do artigo 299 deve ser conjugada: o
primeiro trata do prazo, o segundo do momento processual.
Como é cediço, se o réu oferta apenas a reconvenção, sem contestar, o juiz poderá
decretar-lhe a revelia. Veja o artigo 319, caput, na sua primeira parte:

“Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos


afirmados pelo autor.
(...)”

No entanto, parte da doutrina – por todos, Nelson Nery – vem sustentando que se o
réu, ao oferecer a reconvenção, observou nesta peça o ônus da impugnação específica, esta
terá forças de contestação, afastando a revelia. Pelo ensejo, vale dizer que, mesmo havendo
contestação tempestiva, a revelia pode ainda ser decretada, se houver incapacidade
processual ou irregularidade na representação, como exprime o artigo 13, II, do CPC:

“Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da


representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável
para ser sanado o defeito.
Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:
I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II - ao réu, reputar-se-á revel;
III - ao terceiro, será excluído do processo.”

1.1.2. Conexão

O artigo 315 do CPC, há pouco transcrito, é a sede do estudo deste requisito. Dali se
colhe que a conexão deve ser feita entre a reconvenção e a ação principal, ou entre aquela e
a matéria de defesa. Há que se ter dois cuidados aqui: este requisito da conexão não se
confunde com o instituto clássico da conexão como causa de modificação da competência,
do artigo 103 do CPC. Barbosa Moreira deixa claro que a conexão, enquanto requisito da
reconvenção, se trata de uma linha tênue, exigindo apenas uma afinidade bastante diáfana,
enquanto a conexão do artigo 103 do CPC é baseada em identidade de aspectos das ações:

“Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o
objeto ou a causa de pedir.”

Então, basta a afinidade entre os objetos ou causas de pedir para que seja reputada
conexa a reconvenção.

1.1.3. Identidade de partes

O artigo 315 do CPC, supra, traz a assertiva de que “o réu pode reconvir ao autor no
mesmo processo”. A doutrina interpreta esta exigência como a necessária inclusão, no pólo
passivo da reconvenção, da parte autora da ação principal. Surge uma questão: pode haver
reconvenção subjetivamente mais ampla do que a ação principal, ou seja, é possível, por
meio da reconvenção, ocorrer a formação de litisconsórcio no pólo passivo, que era
inexistente no pólo ativo da ação principal?

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Há duas correntes sobre esta questão. Freddie Didier e Barbosa Moreira entendem
inadmissível a reconvenção subjetivamente mais ampla, diante da redação do artigo 315 do
CPC, que exige que os pólos da reconvenção sejam preenchidos por autor e réu do mesmo
processo. Barbosa Moreira defende que a legitimidade ativa na reconvenção pertence
somente ao réu, e a passiva somente ao autor. O STJ, no REsp 274.763, deixa clara sua
opção por esta primeira tese, ao menos no que toca a legitimidade ativa:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE IMÓVEL –


TÍTULO NÃO OPONÍVEL AOS AUTORES – RECONVENÇÃO POR QUEM
NÃO É PARTE NO PROCESSO - INADMISSIBILIDADE - FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA 211/STJ.
I – Impossível ao réu, em sede de ação reivindicatória ajuizada por quem detém
título de propriedade, dizendo exercer a posse em nome de seus pais, nunca citados
para integrar à lide, pretender defendê-la ao argumento de que os pais possuem
outro título, oponível aos requerentes, qual seja, compromisso de compra e venda
celebrado com os pais dos reivindicantes.
II – Não citados para a ação reivindicatória, não é lícito aos promitentes-
compradores deduzirem pretensão em sede de reconvenção.
III – A reivindicatória pressupõe um proprietário não-possuidor que age contra um
possuidor não-proprietário, desprovido de título capaz de contrapor-se ao
apresentado pelo autor.
IV – O comprovado domínio do autor, aliado à posse sem justo título do réu, cuja
alegação de usucapião ordinário não restou comprovada, em linha de princípio,
conduz à procedência da reivindicatória.
Recurso especial não conhecido.”

A segunda corrente, capitaneada por Dinamarco, entende perfeitamente cabível a


reconvenção subjetivamente mais ampla. O primeiro argumento é que não há qualquer
vedação legal, mas o seu argumento mais forte é que, vedando a inclusão de um terceiro
por meio da reconvenção, encerra uma situação inócua, e contrária à economia e celeridade
processual, vez que este terceiro que não pôde ser réu na reconvenção será acionado em
ação autônoma pelo autor da reconvenção, e quando o for, esta ação será distribuída por
dependência para o mesmo juízo, ou haverá ali a reunião, mesmo se a ação for livremente
distribuída, dada a redação do artigo 253 do CPC:

“Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:


I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;
(...)”

Há ainda um argumento praticamente irredarguível desta segunda corrente: se o


pólo passivo da reconvenção exigir a formação de um litisconsórcio necessário, a vedação
da inclusão do litisconsorte necessário que não era autor da ação principal afigura-se
cerceamento de defesa inadmissível, pois impossibilitaria o uso da reconvenção (que é
modalidade de defesa), e mais: despertaria a invocação do artigo 47, parágrafo único, do
CPC – a suposta intervenção iussu judicis:

“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela


natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para
todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos
os litisconsortes no processo.

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os


litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto
o processo.”

Neste caso do litisconsórcio passivo necessário, então, mesmo que prevaleça a


primeira corrente, pela negativa da ampliação subjetiva, é inquestionável a admissibilidade
da inclusão na reconvenção do litisconsorte alheio ao processo.

1.1.4. Competência

A fixação da competência para a reconvenção trata-se de um critério funcional


horizontal de competência, ou seja, a demanda permanecerá correndo perante o mesmo
órgão jurisdicional, como exige o artigo 109 do CPC:

“Art. 109. O juiz da causa principal é também competente para a reconvenção, a


ação declaratória incidente, as ações de garantia e outras que respeitam ao terceiro
interveniente.”

Vejamos uma hipótese peculiar: se o autor original reside em uma comarca, e o réu
em outra, e a ação corre na comarca do autor, a reconvenção deve ser proposta no mesmo
juízo, ou seja, na comarca do autor da ação principal.
O autor principal é intimado a contestar a reconvenção, na forma do artigo 316 do
CPC:

“Art. 316. Oferecida a reconvenção, o autor reconvindo será intimado, na pessoa


do seu procurador, para contestá-la no prazo de 15 (quinze) dias.”

Mesmo que o legislador só tenha falado em contestação, pode o autor principal, réu
da reconvenção, valer-se de qualquer modalidade de defesa, inclusive de nova reconvenção.
Mas veja que, pela lógica, não poderia argüir exceção de incompetência relativa, porque a
definição da competência já se operou na ação principal, tendo sido definida por ele
mesmo. Todavia, se o caso for de desrespeito à competência de juízo, como o é, se há o
desrespeito ao artigo 109, tratar-se-á de incompetência absoluta, por violar critério de
competência funcional horizontal. Neste caso, há clara possibilidade de argüir
preliminarmente a incompetência absoluta, em preliminar de contestação.
Como dito, a reconvenção da reconvenção não encontra qualquer óbice,
funcionando nas mesmas bases da reconvenção primária, normalmente.
O artigo 316, supra, estabelece que há intimação, e não citação para a contestação.
Parece indicar, a opção legislativa por este meio de comunicação, que não se cria, na
reconvenção, uma nova relação jurídica processual, porque se fosse criada nova relação, o
reconvindo deveria ser citado para inaugurar sua participação nesta. È certo, no entanto,
que nova relação é de fato criada, com o cruzamento subjetivo.

1.1.5. Petição inicial em separado

A reconvenção é proposta em peça autônoma, em regra, mas hoje se vislumbra na


doutrina uma certa flexibilização desta regra, pois toda declaração de uma invalidade é
ultima ratio, pela instrumentalidade das formas. Assim, se o réu reconvir no bojo da peça

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

de contestação, se for claramente identificável uma e outra “peça dentro da peça”, não
havendo prejuízo para o reconvindo ou para o próprio juízo, nada impede que o ato seja
aproveitado.
O indeferimento da inicial de reconvenção é questão que suscita alta indagação. De
fato, a divergência sobre a natureza jurídica desta decisão e o recurso que desafia é a
mesma discussão que se vê na denunciação da lide e na ação declaratória incidental.
Vejamos.
O artigo 162, § 1º, do CPC, trouxe o novel conceito legal de sentença, e o § 2º, o de
decisão interlocutória:

“Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e


despachos.
§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts.
267 e 269 desta Lei.
§ 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve
questão incidente.
(...)”

A doutrina critica veementemente a redação deste § 1º. Antes da Lei 11.232/05, este
dispositivo dizia que “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou
não o mérito da causa”, ou seja, considerava, para conceituar sentença, as conseqüências
do ato, que se entendia ser a extinção do processo. Esta redação sempre foi também
bastante combatida, pois o que põe termo ao processo não é nem nunca foi a sentença, mas
sim o trânsito em julgado desta, à época (hoje, nem mesmo este trânsito o faz, pois o
processo é sincrético, em regra).
Em verdade, a sentença sempre foi o ato pelo qual o juiz põe fim à sua atividade
judicante, sendo os atos continuativos após a sentença as atividades dedicadas à satisfação
do direito positivado na sentença.
Como se vê na atual redação do artigo 162, § 1º, o legislador passou a considerar o
conteúdo do ato para defini-lo como sentença, deixando de considerar as conseqüências.
Esta definição é hoje criticada, mesmo que não haja mais referência a “pôr termo ao
processo”, ou seja, mesmo tendo sido atendidas as críticas a esta expressão. A maioria da
doutrina, hoje, critica este conceito legal porque defende que, para ser sentença, além do
conteúdo consignado na lei, é necessário que tenha também um de três efeitos possíveis,
quais sejam: o fim da relação jurídica processual; o encerramento da instância; ou o
encerramento de fase, etapa ou módulo processual.
Destarte, voltando ao tema, a doutrina entende que seja sentença a decisão que,
incidindo numa das hipóteses dos artigos 267 ou 269 do CPC, incide também em um dos
três efeitos mencionados.
Havendo indeferimento da inicial da ação principal, não há que se discutir: trata-se
de sentença, porque incide numa hipótese do artigo 162, § 1º, qual seja, a do artigo 267, I,
e também externa o fim de uma relação jurídica processual.
Pois bem. Mas e a decisão de indeferimento da inicial da reconvenção, seria
sentença, ou decisão interlocutória?
A reconvenção tem autonomia da ação principal, como fica bem claro na leitura do
artigo 317 do CPC:

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 317. A desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga,


não obsta ao prosseguimento da reconvenção.”

Se for seguida a literalidade do artigo 162, § 1º, a decisão de indeferimento da


inicial de reconvenção é uma sentença, porque incide na hipótese legal do artigo 267, I, do
CPC. Mas esta não pode ser a leitura do dispositivo, e por isso a doutrina defende
majoritariamente que se trata de uma decisão interlocutória, sob o fundamento de que o
indeferimento da reconvenção não incide em nenhum dos três efeitos que se exigem para
configurar a sentença: não extingue relação jurídica processual; não encerra instância; e não
encerra fase, etapa ou módulo processual.
Poder-se-ia cogitar se extinguiria ou não a relação jurídica processual, dada a
autonomia da reconvenção diante da ação principal. Mas veja que, como se disse antes, o
reconvindo é apenas intimado para contestar a reconvenção, e por isso entende esta tese que
o legislador não emprestou à reconvenção a natureza de nova relação jurídica processual,
mesmo havendo a autonomia. Mas a corrente que defende que se trata de sentença, defende
que há, mesmo, esta nova relação jurídica processual, diante da autonomia da reconvenção,
e por isso estariam preenchidos os requisitos para configurar sentença: incide no conteúdo –
(artigo 267, I, do CPC) e incide no efeito (fim de relação jurídica processual).
Vê-se que a discussão é deveras intrincada, mas a corrente majoritária defende que
se trata de decisão interlocutória, e encontra mais um argumento extrínseco: o recurso que
se dedicaria a atacar esta decisão, se fosse considerada sentença, seria uma apelação em
meio ao curso do processo, o que se chamaria de apelação por instrumento, inadmissível,
em regra, por ser criação de recurso inexistente na legislação (ofendendo a taxatividade dos
recursos).

1.1.6. Compatibilidade de procedimentos

Para caber a reconvenção, os procedimentos da ação principal e da reconvenção


devem ser compatíveis, e não pode haver vedação legal ao instituto.
Nos juizados especiais, por exemplo, não cabe a reconvenção por vedação expressa,
constante do artigo 31 da Lei 9.099/95:

“Art. 31. Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular


pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos
mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia.
Parágrafo único. O autor poderá responder ao pedido do réu na própria audiência
ou requerer a designação da nova data, que será desde logo fixada, cientes todos os
presentes.”

Nos procedimentos especiais, a reconvenção somente será cabível após o rito ser
convertido em ordinário, e se o for a tempo de haver a prática deste ato (ou seja, se a
conversão se der a tempo de contestar). A súmula 292 do STJ traz esta previsão expressa
para a monitória, mas a leitura pode ser transposta em todas as ações de rito especial (pois a
monitória é uma ação de conhecimento de rito especial):

“Súmula 292, STJ: A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão


do procedimento em ordinário.”

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Há procedimentos especiais que jamais se convertem em ordinário, e nestes, por


óbvio, não cabe reconvenção.
Existem procedimentos especiais que são convertidos em cautelares, e nestes casos,
não há cabimento de reconvenção, porque não cabe reconvenção em processo cautelar
algum.
Nas ações possessórias, a reconvenção seria cabível? Veja o artigo 922 do CPC:

“Art. 922. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua
posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes
da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.”

Assim, é lícito ao réu deduzir pedido contraposto, na própria contestação, mas não
reconvenção. Daqui se colhe uma regra geral: sendo admissível o pedido contraposto, não
há interesse processual na reconvenção, sendo descabida.
No rito sumário, então, a situação é controvertida, havendo duas teses sobre o
cabimento da reconvenção: para a primeira tese, majoritária, não é cabível, por não haver
interesse processual, na medida em que seria suficiente o pedido contraposto no bojo da
contestação, conforme preceitua o artigo 278, § 1º, do CPC, e pela concentração dos atos:

“Art. 278. Não obtida a conciliação, oferecerá o réu, na própria audiência, resposta
escrita ou oral, acompanhada de documentos e rol de testemunhas e, se requerer
perícia, formulará seus quesitos desde logo, podendo indicar assistente técnico.
§ 1º É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, desde que
fundado nos mesmos fatos referidos na inicial.
(...)”

Há, porém, tese contrária, minoritária, que defende que é cabível a reconvenção no
rito sumário porque a lei não mais a veda, como fazia no revogado § 2º do artigo 315 do
CPC, que assim dispunha (sobre o antigo sumariíssimo, hoje sumário):

“(...)
§ 2º Não se admitirá reconvenção nas causas de procedimento sumaríssimo.”

Além disso, esta tese se fundamenta também no artigo 280 do CPC, que igualmente
não veda a reconvenção:

“Art. 280. No procedimento sumário não são admissíveis a ação declaratória


incidental e a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso de terceiro
prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro.”

Para esta tese, a reconvenção só não será admissível quando for baseada nos
mesmos fatos narrados na inicial original, porque então realmente não terá interesse
processual, pois o pedido contraposto é suficiente para atender ao réu. No entanto, se a
reconvenção vier calcada em fatos diversos da inicial, mas conexos, não há óbice a sua
efetivação no rito sumário, sendo, de fato, medida de economia processual.
Pelo ensejo, vale consignar um esquema gráfico que bem ilustra a diferença entre
estes institutos:

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

ReconvençãoPedido contraposto
Formulado no bojo da contestação.

Formulada em petição autônoma.

Não amplia o objeto da demanda.

Acarreta ampliação do objeto da demanda.

Funda-se nos mesmos fatos narrados na inicial.


Pode haver inovação fática.
Procedimentos em que é cabível:
- Juizados;
- Possessórias;
- Sumário;
- Ações dúplices.
Procedimentos em que é cabível:
- Ordinário;
- Especial, após conversão em ordinário;
- Sumário (havendo controvérsia);
- Ações dúplices (havendo controvérsia).

1.2. Julgamento da reconvenção

Defende a doutrina, com base no artigo 318 do CPC, que o julgamento da


reconvenção ocorre na mesma sentença:

“Art. 318. Julgar-se-ão na mesma sentença a ação e a reconvenção.”

Mas veja que a sentença só será formalmente a mesma, ou seja, será um só corpo
decisório, mas materialmente serão duas sentenças, uma para cada ação.

Casos Concretos

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Questão 1

Em ação pelo procedimento comum sumário, na qual não foi possível chegar a um
acordo, o réu contesta e apresenta reconvenção, formulando pedido conexo com os
fundamentos da defesa.
A reconvenção é viável?

Resposta à Questão 1

Há duas teses sobre o cabimento de reconvenção em rito sumário: para a


majoritária, é inviável, pois o meio correto para deduzir tal pretensão é o pedido
contraposto, como expressamente consigna o artigo 278 do CPC – carecendo a
reconvenção de interesse processual.
A segunda corrente entende, de outro lado, que é cabível se os fatos deduzidos
forem diversos daqueles narrados na inicial, quando então haveria interesse.

Questão 2

João, locatário de José, propõe em face deste ação para ressarcir-se de danos
pessoais que alega terem lhe sido causados por agressão física do locador.
José nega haver agredido João; diz que os ferimentos, ocorridos por ocasião de um
tumulto, tiveram outra causa. Quer, por seu turno, demandar João, afirmando que este,
pelo comportamento escandaloso no episódio, infringiu o regulamento do edifício e, por
conseguinte, o contrato de locação, que o obrigava a respeitá-lo; deve, assim, ser
despejado.
É possível o pedido reconvencional?

Resposta à Questão 2

Absolutamente impossível, por completa ausência de conexão, ou seja, não há


qualquer relação entre as causas de pedir. Mesmo que a conexão que se exige na
reconvenção seja bastante singela, neste caso, nem de longe está presente. Além disso, o
despejo tem rito especial, incompatível com o pedido indenizatório.

Questão 3

Apresentando o réu Thiago reconvenção, sem, entretanto, contestar a demanda,


deverão os fatos por ele argüidos na peça de resposta - se contrapostos faticamente aos da
ação - serem levados em consideração pelo juiz no julgamento conjunto de ambas as
ações?

Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A falta da contestação, em princípio, induziria à revelia, que não seria afastada pela
reconvenção, pelo que os fatos alegados pelo autor seriam presumidos verdadeiros. Se as
alegações da peça de reconvenção, no entanto, forem suficientes e precisas para afastar a
presunção de veracidade que se passou na ação principal, mesmo continuando decretada a
revelia, a presunção de veracidade não pode mais subsistir, porque se trataria de uma
desconsideração da verdade real: o conjunto probatório de ambas as ações, principal e
reconvencional, formarão a convicção do juízo.

Tema XIII

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Providências preliminares. Ação declaratória Incidental. Fatos impeditivos, modificativos, extintivos do


processo.

Notas de Aula23

1. Providências preliminares

O momento processual das providências preliminares é após a fase de resposta do


réu, oferecendo este resposta ou não. Com efeito, a primeira providência preliminar do juiz
é justamente verificar a ocorrência ou não da revelia, manifestando-se acerca dos efeitos
desta, já bem abordados anteriormente. Vejamos uma a uma as providências preliminares
possíveis.

1.1. Decretação da revelia

Mesmo já tendo sido estudados os efeitos da revelia, vale consignar alguns detalhes:
é possível a aplicação do efeito material da revelia, qual seja, a presunção da veracidade das
alegações do autor, sem que tenha sido decretada a revelia. Isto ocorre nos casos do artigo
302 do CPC, já analisado amiúde, consistente na inobservância dos ônus da impugnação
especificada. Outro detalhe é a possibilidade de decretação de revelia sem aplicação dos
seus efeitos: trata-se da revelia irrelevante, estudada quando da análise do artigo 320 do
CPC, que é a sua sede legal.
Outro efeito da revelia é a possibilidade de alteração da demanda, na forma do
artigo 321 do CPC, já transcrito, e que exige que mesmo sendo o réu revel se faz necessária
nova citação, quando alterar-se a demanda.
Há ainda que se mencionar a sanatória parcial da revelia, que se depreende do
parágrafo único do artigo 322 do CPC:

“Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos
independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório.
Parágrafo único O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o
no estado em que se encontrar.”

A doutrina diz que o caput deste artigo só será aplicável ao réu revel ausente, ou
seja, aquele que, validamente citado, não contesta, não comparece ao pleito, nem constitui
patrono nos autos. Para este réu, de fato, os prazos correm sem atenção a intimação alguma.
Todavia, o parágrafo único deste artigo traz o dito efeito sanatório: se o réu comparecer ao
processo, a qualquer tempo, estará sanado este efeito processual da revelia, ou seja, o réu
passará a ser intimado de todos os atos processuais, dali em diante.
O artigo 334, IV, do CPC consigna ainda outro efeito derivado da revelia: afasta o
ônus da prova em favor do autor, se o réu padece do efeito material da revelia:

“Art. 334. Não dependem de prova os fatos:


(...)
IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.”

23
Aula proferida pelo professor Fabrício Rocha Bastos, em 30/9/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

O STJ entende que quando é aplicada a presunção de veracidade, o ônus da prova é


invertido em desfavor da parte contra a qual se presume a veracidade. A respeito, veja o que
é dito no REsp 618.625:

“Processo civil. Recurso especial. Julgamento do mérito recursal. Reconhecimento


implícito da legitimidade para recorrer. Fraude à execução. Art. 593, inciso II, do
CPC. Presunção relativa de fraude. Ônus da prova da inocorrência da fraude de
execução. Lei n.° 7.433/1985. Lavratura de escritura pública relativa a imóvel.
Certidões em nome do proprietário do imóvel emitidas pelos cartórios
distribuidores judiciais. Apresentação e menção obrigatórias pelo tabelião.
Cautelas para a segurança jurídica da aquisição do imóvel.
- Se no julgamento do recurso, o Tribunal adentra no mérito recursal,
inequivocamente conhece do recurso. Como a legitimidade para recorrer é um dos
pressupostos intrínsecos de admissibilidade dos recursos, ao tratar do mérito
recursal, o Tribunal reconhece implicitamente a legitimidade para recorrer.
- O inciso II, do art. 593, do CPC, estabelece uma presunção relativa da fraude, que
beneficia o autor ou exeqüente, razão pela qual é da parte contrária o ônus da prova
da inocorrência dos pressupostos da fraude de execução.
- A partir da vigência da Lei n.° 7.433/1985, para a lavratura de escritura pública
relativa a imóvel, o tabelião obrigatoriamente consigna, no ato notarial, a
apresentação das certidões relativas ao proprietário do imóvel emitidas pelos
cartórios distribuidores judiciais, que ficam, ainda, arquivadas junto ao respectivo
Cartório, no original ou em cópias autenticadas.
- Cabe ao comprador do imóvel provar que desconhece a existência da ação em
nome do proprietário do imóvel, não apenas porque o art. 1.º, da Lei n.º 7.433/85
exige a apresentação das certidões dos feitos ajuizados em nome do vendedor para
lavratura da escritura pública de alienação de imóveis, mas, sobretudo, porque só
se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que toma mínimas
cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição.
- Tem o terceiro adquirente o ônus de provar que, com a alienação do imóvel, não
ficou o devedor reduzido à insolvência, ou demonstrar qualquer outra causa
passível de ilidir a presunção de fraude disposta no art. 593, II, do CPC, inclusive a
impossibilidade de ter conhecimento da existência da demanda, apesar de constar
da escritura de transferência de propriedade do imóvel a indicação da apresentação
dos documentos comprobatórios dos feitos ajuizados em nome do proprietário do
imóvel.
Recurso especial não provido.”

É de se salientar, porém, que se não houver o efeito material da revelia, não pode
haver esta inversão do ônus probatório. É o que deixa claro o artigo 324 do CPC:

“Art. 324. Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando que não ocorreu o
efeito da revelia, mandará que o autor especifique as provas que pretenda produzir
na audiência.”

A revelia pode ainda operar um efeito especialíssimo: pode causar a constituição de


um título executivo. É o que se passa na ação monitória, como se pode ver na previsão do
artigo 1.102-C do CPC:

“Art. 1.102-C. No prazo previsto no art. 1.102-B, poderá o réu oferecer embargos,
que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos,
constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma do Livro I,


Título VIII, Capítulo X, desta Lei.
§ 1o Cumprindo o réu o mandado, ficará isento de custas e honorários
advocatícios.
§ 2o Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados
nos próprios autos, pelo procedimento ordinário.
§ 3o Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo
judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro I,
Título VIII, Capítulo X, desta Lei.”

Assim, mais do que presumir qualquer veracidade, neste rito o título ganha desde
logo a executividade quando há revelia, porque a presunção de veracidade já existia ab
initio, aqui.

1.2. Abertura de prazo para réplica

Os artigos 326 e 327 do CPC são a base legal desta situação:

“Art. 326. Se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe
opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido
no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de prova documental.”

“Art. 327. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301, o juiz
mandará ouvir o autor no prazo de 10 (dez) dias, permitindo-lhe a produção de
prova documental. Verificando a existência de irregularidades ou de nulidades
sanáveis, o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a 30
(trinta) dias.”

Veja que o legislador não se valeu do termo réplica em momento algum, sendo este
nomen uma criação do costume processual.
A abertura para réplica só se justifica quando o réu trouxer fatos novos ao processo,
alegações novas que sejam impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor.
Exemplo clássico de fato impeditivo é a prescrição. Sobre este instituto, hoje ainda
paira controvérsia sobre a sua declaração ex officio, mesmo sendo expressamente
autorizada por lei desde 2005, quando a prescrição for declarada pelo juiz antes da citação,
ou seja, liminarmente. O problema é que, quando declarada neste momento, o réu fica
impedido de se manifestar em renúncia à prescrição, caso o queira.
Veja: sendo uma causa de indeferimento da inicial, a prescrição é declarada no
despacho24 liminar negativo, com resolução de mérito, por tratar de solução do direito
material.
Exemplo de fato modificativo é a exceptio non adimpleti contractus, que altera a
forma com que o direito do autor se exerce. Outro exemplo é a compensação. Por sua vez,
exemplo de fato extintivo é a decadência.
Todas estas matérias se tratam de um mesmo gênero, qual seja, o das exceções
substanciais. Em regra, havendo exceção substancial, é caso de réplica, mas quando o réu
alegar a exceção substancial em sede de reconvenção, não há réplica. Mas veja que este
caso é ainda mais excepcional do que aparenta, porque muitos autores simplesmente não

24
Este termo “despacho” deve ser utilizado com cautela, vez que há casos em que vai se tratar de verdadeira
sentença, como no próprio caso da prescrição.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

admitem esta exceção substancial em sede de reconvenção, ao fundamento de que estas


exceções podem ser feitas em contestação, carecendo a reconvenção de interesse, portanto.

1.3. Designação de curador especial

Veja o artigo 9º, II, do CPC, a súmula 196 do STJ, e o artigo 4º, VI, da Lei
Complementar 80/94:

“Art. 9o O juiz dará curador especial:


I - ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem
com os daquele;
II - ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.
Parágrafo único. Nas comarcas onde houver representante judicial de incapazes ou
de ausentes, a este competirá a função de curador especial.”

“Súmula 196, STJ: Ao executado que, citado por edital ou por hora certa,
permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para
apresentação de embargos.”

“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:


(...)
VI - atuar como Curador Especial, nos casos previstos em lei;
(...)”

Também o artigo 302, parágrafo único, do CPC, é relevante:

“Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos


narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados,
salvo:
(...)
Parágrafo único. Esta regra, quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos,
não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério
Público.”

A natureza jurídica da atuação do curador especial é de substituição processual, para


a maior parte da doutrina, mas há quem defenda que se trata de representação.
Quando houver curador especial, Leonardo Greco defende que a coisa julgada que
se formará será secundum eventum litis, porque só poderá alcançar o substituído se lhe for
benéfica.

1.4. Fase de saneamento do processo

Inicialmente, ressalte-se que a atividade saneadora é constante, nunca deixando o


juiz de estar atento à fiscalização do processo. Contudo, a doutrina aponta o momento
processual mais propício para esta atividade, localizado entre a fase postulatória e a fase
instrutória.
Nesta fase, o juiz analisa a presença ou não de invalidades, primeiramente. As
invalidades podem ser originárias, em decorrência da ausência de requisitos de
admissibilidade, como as condições da ação e os pressupostos processuais; ou podem ser
vícios supervenientes, ocorridos no curso da fase postulatória, até então.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A segunda atividade do juiz, nesta fase, é a fixação do objeto da instrução


processual, ou seja, a delimitação dos pontos controvertidos da lide.
Há que se abordar, neste tema, se esta fase saneadora tem ou não eficácia preclusiva
dos seus elementos. Veja que, comumente, o ato do juiz que evidencia a completitude desta
fase é chamado de despacho saneador. Contudo, trata-se de decisão interlocutória, tendo,
por vezes, amplo espectro decisório. Sendo assim, esta decisão teria eficácia preclusiva, ou
seja, os preceitos ali fixados serão de análise futura vedada?
Suponha-se que o juiz, nesta decisão, faça constar que o feito está saneado, sem
qualquer vício. Poderá, no futuro deste processo, o juiz voltar atrás, entendendo que o
processo tem algum vício de origem, ou superveniente, mas anterior a tal decisão?
Duas teses disputam o tema, sendo uma absolutamente majoritária, encampada por
Luiz Fux, Marinoni, entre outros. Esta corrente entende que não há eficácia preclusiva, com
base nos artigos 267, § 3º, 301, § 4º, e 303, II e III, todos do CPC, significando, em suma,
que as matérias de ordem pública não precluem jamais. Veja:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


(...)
IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo;
V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa
julgada;
VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade
jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
(...)
§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto
não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI;
todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar
nos autos, responderá pelas custas de retardamento.”

“Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:


I - inexistência ou nulidade da citação;
II - incompetência absoluta;
III - inépcia da petição inicial;
IV - perempção;
V - litispendência;
VI - coisa julgada;
VII - conexão;
VIII - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;
IX - convenção de arbitragem;
X - carência de ação;
XI - falta de caução ou de outra prestação, que a lei exige como preliminar.
(...)
§ 4o Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria
enumerada neste artigo.”

“Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando:


I - relativas a direito superveniente;
II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;
III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e
juízo.”
A conjugação destes dispositivos deixa claro não só que a atividade saneadora
perdura por todo o feito, não se encerrando na dita fase de saneamento, como também que

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

os requisitos de admissibilidade da demanda são matérias de ordem pública, e, sendo


cognoscíveis de ofício a qualquer tempo ou grau de jurisdição, não sofrem preclusão.
Mas há tese minoritariíssima, mas com a adesão pesada de Barbosa Moreira,
Freddie Didier e Calmon de Passos, que defende que a decisão de saneamento opera, sim,
preclusão. O primeiro argumento desta corrente é que o próprio artigo 267, § 3º, do CPC,
supra, na verdade não impede o exame das matérias, mas obsta o seu reexame. E este
argumento conta ainda com um reforço, consistente no fato de que mesmo estas matérias de
ordem pública, em sede de recursos excepcionais, demanda o prequestionamento, o que
demonstra que já houve o exame delas anteriormente.
Outro argumento é a própria recorribilidade das decisões interlocutórias: se há
cabimento de recurso destas decisões, significa que o que se pretende alcançar é justamente
a preclusão de tais matérias.
Mais um argumento é construído na leitura conjunta dos artigos 267, IV e VI, acima
transcrito, e 268 do CPC:

“Art. 268. Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que
o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem
a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado.
Parágrafo único. Se o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo pelo
fundamento previsto no no III do artigo anterior, não poderá intentar nova ação
contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a
possibilidade de alegar em defesa o seu direito.”

Se o juiz extingue o processo por falta de requisitos de admissibilidade, quer


condições, quer pressupostos, o autor até poderá refazer a demanda, mas deverá ter suprido
a falta que deu causa à extinção. Do contrário, o processo será extinto do mesmo modo, sob
o mesmo argumento, sem que o Judiciário possa reapreciar a matéria: o reexame será
impossível, por ter havido eficácia preclusiva25.
Os artigos 471 e 473 do CPC ainda trazem mais um reforço a esta tese:

“Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à


mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no
estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi
estatuído na sentença;
II - nos demais casos prescritos em lei.”

“Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas,


a cujo respeito se operou a preclusão.”

Se o juiz reconheceu que o feito está saneado, estes artigos impossibilitariam nova
discussão sobre elas.
Ao contrário, se a decisão saneadora reconhece a existência de vício, terá eficácia
preclusiva? A discussão simplesmente se repete.

25
De qualquer forma – consigno aqui opinião pessoal –, o juiz estaria revendo a matéria, nem que seja para
reafirmar a ausência do requisito de admissibilidade carente da primeira vez. Do contrário, se sequer chegasse
a apreciar a matéria, a extinção seria por coisa julgada (se se tomar esta decisão por formadora de coisa
julgada), e não por carência do mesmo requisito que causou a extinção da primeira vez. Entendo falho este
argumento, portanto.

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Se a parte recorre da decisão de saneamento, e ao alcançar o tribunal, este reforma


ou confirma a decisão, o acórdão opera o efeito substitutivo da decisão recorrida, como se
sabe. Neste caso, poderá o juiz, em momento posterior, voltar atrás da decisão saneadora
recorrida (e substituída pelo tribunal)?
A maior parte dos autores, inclusive os que defendem que não há preclusão na
matéria tratada na decisão saneadora, entendem que não poderá o juiz mais rever sua
posição sobre a matéria, pois neste caso estaria desconstituindo decisão que não é mais sua,
e sim do tribunal, que substituiu a sua decisão (mesmo que para mantê-la integralmente).
Seria violação de critério hierárquico, situação em que o juiz estaria revogando acórdão,
decisão que não é de sua lavra, e que é de órgão superior.
Suscitar-se-ia, aqui, a discussão entre a prevalência do critério hierárquico ou da
cognição exauriente, exatamente por ter o juiz se aprofundado mais no conhecimento da
matéria, após aquela decisão saneadora, na fase probatória: exauriu sua cognição, e pode
esta resultar em posição diversa daquela exarada pelo órgão superior. As decisões mais
recentes do STJ têm dado prevalência à cognição exauriente (tendendo a inverter a
concepção atual, portanto).

1.5. Designação de realização de audiência preliminar

Esta providência preliminar depende de certa flexibilidade do juiz, pois o caso


concreto pode indicar que não há qualquer possibilidade de conciliação, quer seja esta
impossibilidade jurídica – os direitos não admitem transigência –, quer seja
impossibilidade fática – as partes não acenam com nenhum intento conciliatório.
Havendo possibilidade fática e jurídica da conciliação, o juiz designará data para a
audiência.

1.6. Verificação de necessidade de intervenção de órgãos alheios ao processo

O juiz terá que verificar, nesta fase, se a hipótese é caso ou não de intervenção
obrigatória de alguns órgãos estatais, como o MP, em diversas hipóteses; o Cade, na forma
do artigo 89 da Lei 8.884/94; a CVM, na forma do artigo 31 da Lei 6.385/76, etc.

“Art. 89. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o Cade
deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.”

“Art. 31 - Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na
competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para,
querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a
contar da intimação.
(...)”

1.7. Julgamento conforme o estado do processo

Encontrando o juiz o processo no estado que mencionam os artigos 329 e 330 do


CPC, ele porá fim à atividade julgamentícia neste mesmo momento. Veja:
“Art. 329. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, II a V,
o juiz declarará extinto o processo.”

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:


I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de
fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;
II - quando ocorrer a revelia (art. 319).”

O artigo 330 limita sua aplicação apenas às hipóteses expressas nos seus incisos.
Veja que o juiz jamais poderá combinar o artigo 330 com as hipóteses do artigo 267 do
CPC, pois este artigo 330 trata de julgamento de mérito. Havendo caso do artigo 267,
incide na previsão do artigo 329.
O inciso II do artigo 330 não é aplicável pelo simples fato de ter havido decretação
da revelia: é necessário que esta tenha seu principal efeito, a presunção de veracidade das
alegações autorais.
A cognição que enseja a utilização do artigo 330 é exauriente, e jamais sumária. O
magistrado só pode se valer deste julgamento imediato do mérito se já formou plenamente
sua cognição. É claro que não se confunde a cognição sumária com o rito sumário: neste
rito, pode acontecer de a cognição, neste ponto do processo, já ter sido exauriente, quando o
artigo 330 será plenamente aplicável. Não há qualquer relevância de qual seja o rito: desde
que a cognição tenha sido exauriente, o artigo 330 é invocável, em rito ordinário ou
sumário.
Outro aspecto fundamental, daí decorrente, é que nunca será possível o julgamento,
neste estado, secundum eventum probationem, ou seja, por insuficiência de provas, de
acordo com as provas já produzidas. Isto porque, se ainda há toda a fase probatória pela
frente, não pode o magistrado contentar-se com o que material probatório que já tem diante
de si, julgando por insuficiência de provas se ainda há possibilidade de extensa produção de
provas. Estaria o juiz inviabilizando o direito constitucional das partes em produzir provas,
quando o rito ainda lhes permitiria tal produção.

1.8. Ação declaratória incidental

O interesse processual na ação declaratória incidental se depreende dos artigos 5º e


325 do CPC:

“Art. 5o Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja


existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes
poderá requerer que o juiz a declare por sentença.”

“Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor
poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença
incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no
todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5o).”

A principal finalidade da ação declaratória é transformar uma questão prejudicial de


mérito em questão principal, a fim de que seja alcançada pelo dispositivo da sentença,
fazendo coisa julgada material. Do contrário, a questão prejudicial seria apreciada apenas
em sede de fundamentação, e não seria alcançada pela coisa julgada material.
Questão altamente relevante se apresenta neste tópico: poderia o réu de uma ação
ordinária qualquer alegar, em ação declaratória incidental, tese de inconstitucionalidade de
alguma norma?

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A resposta é negativa. Veja: a alegação incidental de inconstitucionalidade, no


exercício do controle difuso, é matéria prejudicial de mérito, e só pode ser assim
configurada. O juiz, no controle difuso, não pode enfrentar a matéria de
inconstitucionalidade em outro lugar de sua decisão senão na fundamentação. Jamais
poderá, no dispositivo da sentença, enfrentar e declarar a inconstitucionalidade de norma
qualquer, pois se o fizer, estará alçando seu controle difuso à categoria de concentrado,
claramente usurpando competência do STF (ou do tribunal de justiça, se o paradigma é a
Constituição Estadual).
Neste sentido, se a finalidade da ação declaratória incidental é transformar a questão
prejudicial em questão principal, ou seja, transportar sua resolução para o dispositivo,
fazendo-a alcançada pela coisa julgada material, estaria subvertendo os limites do controle
difuso de constitucionalidade. Além de usurpar a competência dos tribunais, não tem
legitimidade para propor o controle concentrado, o que estaria fazendo aqui, por via
transversa.
Pelo ensejo, vale trazer uma questão periférica: a fundamentação da sentença
influencia a formação da coisa julgada?
A resposta, aqui, é positiva: a pergunta não é se a fundamentação faz coisa julgada,
o que teria resposta inegavelmente negativa, e sim se influencia na coisa julgada, quando
fica claro que é relevante em geral (pois é dali que o juiz conclui seu dispositivo, o qual
transitará em julgado), e, expressamente, quando se tratar de coisa julgada secundum
eventum probationem, já abordada: havendo falta de provas, a coisa julgada se atém ao que
pôde ser provado.
O juízo competente para conhecer da ação declaratória incidental é o mesmo da
principal, seguindo o critério funcional horizontal do artigo 109 do CPC, o mesmo que
determina a competência para a reconvenção:

“Art. 109. O juiz da causa principal é também competente para a reconvenção, a


ação declaratória incidente, as ações de garantia e outras que respeitam ao terceiro
interveniente.”

O artigo 5º do CPC, acima transcrito, consolida os requisitos necessários à


admissibilidade da declaratória incidental. São eles: existência de controvérsia sobre a
prejudicial, e dependência da lide principal em relação à questão prejudicial.
É legitimado à declaratória incidental o autor e o réu, mas há um detalhe: na
verdade, quando o réu for autor da declaratória incidental, esta, na verdade, será uma
reconvenção. Pelo ensejo, é interessante traçar quais sejam as diferenças entre a ação
declaratória incidental e a reconvenção: a primeira pode ser oferecida por ambas as partes,
enquanto a segunda só pelo réu; a declaratória precisa do oferecimento da contestação, a
reconvenção não; a declaratória incidental não acarreta ampliação do objeto da demanda,
enquanto a reconvenção o faz; e há relação de dependência entre a incidental e a principal,
que não se vê na reconvenção.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Em procedimento comum ordinário, depois de devidamente citado, o réu contesta


negando a existência do fato constitutivo do direito do autor. O juiz determina, então, que
o autor se manifeste em réplica. Apresentada a peça, o magistrado determina que as partes
especifiquem as provas que pretendem produzir, justificando-as. Agiu corretamente o juiz?

Resposta à Questão 1

Quanto à réplica, esta só é devida em casos de alegações de fatos novos,


impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Por isso, não seria, a rigor,
caso para que esta fosse realizada, vez que a contestação foi mera negativa das alegações
fáticas já consignadas nos autos.
Quanto ao despacho de produção de provas, é ato processual surgido do costume.
Veja que, pela literalidade da norma, a única situação em que seria cabível esta
determinação judicial de especificação de provas é aquela constante do artigo 324 do CPC,
mas o costume criou esta praxe processual bastante arraigada.
Em suma, errou quanto a réplica, e quanto à especificação de provas; porém, quanto
a esta última, a praxe suplanta a literalidade normativa.

Questão 2

João ajuizou ação reivindicatória em face de José e sua esposa Maria. No prazo da
resposta, apenas Maria apresentou contestação, onde suscitou a nulidade do contrato de
compra e venda. João ofereceu demanda declaratória incidente para obter o
reconhecimento da validade do título. Citados os réus para oferecerem resposta à
declaratória, José argüiu em preliminar, falta de interesse, por ter sido revel na ação
principal. Pergunta-se: É admissível a demanda incidente? Justifique.

Resposta à Questão 2

É admissível, sim, a declaração incidente, pois seu escopo é tornar coisa julgada a
prejudicial, que seria mera ratio decidendi, em parte integrante do dispositivo. Há a
controvérsia – questão da nulidade –, e a solução da questão principal depende da solução
de tal prejudicial, em nada influindo a revelia.

Questão 3

GM Leasing S/A deu para José, em arrendamento mercantil, um automóvel da


marca vectra, pelo prazo de 12 meses. Após o pagamento das duas primeiras prestações,
José, com dificuldades financeiras, deixou de pagar as subseqüentes, razão pela qual a
Empresa ajuizou ação de reintegração de posse. Regularmente citado, José contestou e
formulou demanda declaratória incidente, em que propôs uma decisão acerca da nulidade
do contrato de "leasing". Sustentou ausência de poderes dos representantes da Empresa
para firmarem o contrato, o que o maculou de nulidade. O juiz rejeitou liminarmente a
demanda incidente por falta de interesse de agir, uma vez que o tema suscitado
incidentalmente, poderia tê-lo sido na contestação. Da decisão, José interpôs agravo de

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

instrumento, com o argumento de que não pretendia simplesmente o conhecimento e a


apreciação incidenter tantum da nulidade do contrato mas uma decisão principaliter, na
sentença, o que faria com que tal decisão alcançasse a autoridade de coisa julgada
material. O Tribunal não conheceu do recurso de agravo, ao fundamento de que o
provimento que extingue ação declaratória incidental tem natureza de sentença, sendo
portanto adequado o recurso de apelação. Indaga-se:
1) Qual a natureza jurídica do provimento que rejeita liminarmente a declaratória
incidente? Qual o recurso cabível desta decisão?
2) Qual a natureza jurídica do provimento que julga a declaratória incidente em
conjunto com a demanda principal? Qual o recurso cabível desta decisão?
3) Ainda subsiste na Teoria Geral dos Recursos o Princípio da Fungibilidade ?
Justifique.

Resposta à Questão 3

1) Trata-se de uma decisão interlocutória – havendo quem a chame de sentença


incidente –, pois a declaratória é uma ação incidente posta a termo, e cabe
agravo de instrumento.

2) Trata-se de sentença, desafiando apelação.

3) Sim. Havendo boa-fé do recorrente, e não havendo erro teratológico na


interposição do recurso, nem aproveitamento do prazo errôneo do recurso
interposto, há que se admitir a fungibilidade, em prol do devido processo legal
substantivo.

A respeito, veja a ementa do REsp 323.405:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL. EXTINÇÃO


SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. SENTENÇA INCIDENTE. ART. 325, CPC.
JULGAMENTO ANTERIOR À AÇÃO POSSESSÓRIA PRINCIPAL.
NATUREZA DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Contra a "sentença" que põe fim à ação declaratória incidental, cabe agravo de
instrumento se a ação versar, como no caso, questão prejudicial ao julgamento da
principal e for julgada anteriormente a esta, liminarmente ou não, dada a natureza
de decisão interlocutória.
II - Ocorrendo extinção apenas parcial do processo(v.g., quando indeferida a
declaratória incidental, a reconvenção ou excluído um dos litisconsortes), o recurso
próprio é o agravo.”

Tema XIV

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Julgamento conforme o estado do processo. Extinção do processo. Julgamento antecipado da lide. Audiência
preliminar. Saneamento do processo.

Notas de Aula26

1. Julgamento conforme o estado do processo

Há quatro fases dentro da fase de conhecimento, a postulatória, a de saneamento, a


instrutória e a decisória. Passada a fase postulatória, há a fase saneadora do processo, que
conta com duas atividades principais: as providências preliminares e o julgamento
conforme o estado do processo. E é esta última atividade que será tema de estudo, aqui.
Veja que julgamento conforme estado do processo não significa necessariamente
julgamento. Por vezes, o processo não terá seu mérito enfrentado, pois algumas medidas
deste capítulo não implicam em extinção do processo.

1.1. Extinção do processo

A sede legal é o artigo 329 do CPC:

“Art. 329. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, II a V, o
juiz declarará extinto o processo.”

Assim, pode-se dizer que esta é a fase processual em que haverá a extinção do feito,
sem resolver o mérito, ou haverá a resolução do mérito; ou, ainda, se procurará sanear o
feito para futuro julgamento.
O artigo 329, supra, deixa claro que o processo poderá ser extinto, desde logo, nas
hipóteses ali mencionadas. Quando menciona que havendo as hipóteses do artigo 267 do
CPC o processo será extinto, o dispositivo está correto; contudo, quando fala em extinção
do processo por incidência no artigo 269, II a V, o dispositivo é impreciso. Veja:

“Art. 269. Haverá resolução de mérito:


I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;
II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido;
III - quando as partes transigirem;
IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.”

Isto porque, quando há resolução do mérito, a extinção do processo não é o termo


que deveria ser empregado, e sim o próprio termo resolução do mérito. No caso, por
autocomposição (incisos II, III e V) ou por reconhecimento de decadência ou prescrição
(inciso IV). Veja que o termo extinção do processo não é bem empregado, nestes casos,
porque o eventual descumprimento da decisão acarreta prosseguimento do feito para a fase
satisfativa coercitiva – não tendo sido extinto o processo, portanto.
Parte da doutrina fala de outra espécie de julgamento conforme o estado do
processo que, mesmo não sendo expressa neste artigo 329, pode dele ser depreendida: trata-
se da decisão que parcialmente extingue o feito sem resolver o mérito, ou que o resolve
apenas parcialmente. Exemplo de extinção parcial, julgamento conforme o estado do

26
Aula proferida pelo professor Marco Antônio Rodrigues, em 1/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

processo, seria o de ilegitimidade de apenas um dos integrantes de pólo passivo


litisconsorte, quando então haverá extinção parcial do processo: o feito continuará em face
do réu legitimado, tendo sido apenas parcialmente extinto, com base no artigo 267, VI, do
CPC. Este caso é chamado de extinção imprópria do processo.
Exemplo de resolução parcial do mérito é quando há cumulação de pedidos, e, ao
chegar nesta fase, apenas um deles é julgado improcedente por se constatar a prescrição. O
juiz, então, resolverá parcialmente o mérito, na forma do artigo 329, combinado com o
artigo 269, IV, do CPC, dando prosseguimento até a decisão final do outro pedido.
Nestes casos, de extinção parcial ou resolução parcial do mérito, qual é a natureza
jurídica de tais decisões: sentença ou decisão interlocutória?
Segundo o novo conceito de sentença, trazido no artigo 162, § 1º, já bem estudado,
bastaria que houvesse a incidência de um artigo ou outro – 267 ou 269 do CPC –, e o ato
seria sentença. Todavia, a doutrina processualista entende que não são sentenças, na
verdade, pois carecem do necessário efeito das sentenças, qual seja, o encerramento da fase
de conhecimento, da relação jurídica processual: mesmo estando preenchido o critério do
conteúdo, forma adotada no artigo 162, § 1º, não havendo este efeito, não é sentença.

1.2. Julgamento antecipado da lide

O artigo 330 do CPC traz uma segunda previsão de julgamento conforme o estado
do processo, chamada de julgamento antecipado da lide. Veja:
“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de
fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;
II - quando ocorrer a revelia (art. 319).”

Na verdade, tecnicamente, esta hipótese deveria ser chamada de julgamento


antecipado do mérito, e não da lide, porque o juiz não julga a lide, e sim o objeto do
processo, traçado no mérito.
O inciso I estabelece que, sendo a questão unicamente de direito, o julgamento
antecipado será possível. Contudo, há crítica a ser feita: em verdade, nenhuma causa é
unicamente de direito, à exceção das ações em que se dá controle objetivo de normas legais
(como o controle abstrato de constitucionalidade). Sempre haverá análise de questões
fáticas pelo juízo. É por isso que se diz que, na realidade, este inciso I se limita às hipóteses
in fine enumeradas, ou seja, sendo a questão de direito e de fato, não demandar produção de
mais provas.
Destarte, quando a causa estiver madura para resolução do mérito, dispensando
novas provas, o juiz poderá desde então proferir sentença; sendo necessária maior
instrução, o artigo 330, I, não permite julgamento imediato do mérito.
O inciso II deste artigo traz um dos efeitos processuais da revelia, consistente na
possibilidade de se julgar a causa desde já, se há o efeito material da revelia. Se não forem
presumidas verdadeiras as alegações, não será possível o julgamento com base neste inciso
II. Veja que é conclusão lógica: a causa só estará madura se não forem necessárias mais
provas, e isto só pode ocorrer na revelia quando se presumem verdadeiras as alegações da
parte autora.

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Mas veja que, mesmo se não houver o efeito material da revelia, ainda assim poderá
ser julgado antecipadamente o mérito, se porventura as provas produzidas forem suficientes
para tanto – recaindo, então, no inciso I deste artigo 330.
O julgamento antecipado do mérito é uma faculdade ou um dever do juiz?
Há precedentes no STJ no sentido de que o julgamento antecipado não é mera
faculdade, e sim dever do juiz. Assim entende, esta corte, por análise sistemática do artigo
130 do CPC, especialmente na sua parte final:

“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as


provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou
meramente protelatórias.”

O juiz tem que indeferir diligências inúteis, e, sendo caso do artigo 330, qualquer
nova diligência probatória seria inútil. Julgar imediatamente, então, é um dever.
Quando o juiz julga antecipadamente o mérito, o faz com amparo no artigo 269, I,
do CPC, pois as demais causas do artigo 269 enquadram-se no caso de julgamento
conforme o estado do processo previsto no artigo 329, como visto. Este julgamento do
artigo 330, então, é sempre pela improcedência ou procedência do pedido.

1.3. Audiência preliminar

Se não for caso de aplicação dos artigos 329 e 330, o juiz verificará a aplicabilidade
do artigo 331 do CPC:

“Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes,
e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência
preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes
intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto,
com poderes para transigir.
§ 1o Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 2o Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos
controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas
a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se
necessário.
§ 3o Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa
evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o
processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2o.”

Nesta audiência, não se trata, por óbvio, de julgamento da lide, mas sim de
preparação para futuro julgamento.
Esta audiência é cabível em casos de direitos que admitem transação, como diz o
artigo. Até 2002, quando este artigo foi alterado, a audiência era cabível em casos de
direitos disponíveis. Esta alteração se deu porque há direitos indisponíveis que admitem
transação, a exemplo da Fazenda Pública, quando litigante: mesmo que seja regra geral a
indisponibilidade do interesse público – pelo que sequer tem contra si o efeito material da
revelia –, é possível a transação, se o meio para alcançar o interesse público for justamente
a transação (como quando a perda da causa for certa).
A audiência preliminar tem diversas finalidades. A primeira é tentar a conciliação
das partes; não havendo êxito, passa-se ao que dispõe o § 2º deste artigo, que estabelece

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que o juiz deverá resolver as questões processuais pendentes, ou seja, sanear mais uma vez
o processo. Em seguida, a terceira atividade da audiência é a organização da fase
probatória, definindo os pontos a serem provados, e as provas a serem produzidas.
Por conta desta pluralidade de atividades é que esta audiência não pode ser chamada
de audiência de conciliação, como o era anteriormente. A conciliação é apenas um dos atos
que ali têm sede.
Esta audiência pode deixar de ser realizada, se as partes não vêem chance de
conciliação. Há quem defenda, porém, que não é possível a dispensa desta audiência, e, se
dispensada, seria causa de nulidade do processo, dali em diante. O fundamento de quem
assim se posiciona, a exemplo de Dinamarco, é exatamente a pluralidade de atividades
desenvolvidas nesta audiência, suas múltiplas finalidades, e não apenas a conciliação.
Predomina, porém, a corrente que entende dispensável esta audiência, porque todas as
demais atividades que lá têm sede não dependem de realização de audiência para serem
realizadas.
O comparecimento pessoal das partes não é necessário, podendo estar representada
por preposto ou por procurador, como o próprio artigo 331 diz. Como a preposição, ou a
constituição de procurador, são feitas por instrumento de mandato, seguem as regras deste
contrato, previsto no CC. Inclusive, pode o preposto ou procurador ser pessoa relativamente
incapaz, na forma do artigo 666 do CC:

“Art. 666. O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser
mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com
as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.”

Surge uma outra questão: pode o advogado atuar simultaneamente como preposto?
Veja o que dispõe o artigo 23 do Código de Ética da OAB:

“Art. 23 - É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente,


como patrono e preposto do empregador ou cliente.”

Mas veja que no caso da audiência preliminar, a jurisprudência tem entendido que
não se aplica esta vedação do artigo 23, supra. Isto porque se o advogado, que é procurador,
tiver poderes para transigir, atuando como procurador estará representando seu cliente, e,
naturalmente, suprirá sua presença nesta audiência.

1.4. Decisão saneadora do processo

Esta decisão tem lugar quando a conciliação for infrutífera, ou quando não for caso
de audiência preliminar. Esta decisão se presta a resolver questões processuais pendentes,
fixar pontos controvertidos, e definir as provas a serem produzidas. Em suma, organiza o
feito para incursar na fase probatória.
Esta decisão foi chamada de despacho saneador por muito tempo, mas é muito
claro o seu conteúdo decisório para que possa ser assim chamada. Por isso, é pacífico se
tratar de decisão saneadora. O artigo 338 do CP, inclusive, corrobora este entendimento:

“Art. 338. A carta precatória e a carta rogatória suspenderão o processo, no caso


previsto na alínea b do inciso IV do art. 265 desta Lei, quando, tendo sido

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requeridas antes da decisão de saneamento, a prova nelas solicitada apresentar-se


imprescindível.
(...)” (grifo nosso)

Tal decisão teria eficácia preclusiva, ou seja, impediria que o juiz revisitasse seus
termos, decidindo posteriormente, de forma contrária, sobre os temas ali tratados?
Como já se pôde adiantar nesta questão, a doutrina se divide, prevalecendo a tese
de que as matérias de ordem pública ali enfrentadas não geram preclusão para o juiz,
porque a própria lei permite que sejam conhecidas de ofício a qualquer tempo e grau de
jurisdição. Para as partes, porém, haveria preclusão, porque se a decisão é recorrível, e a
parte não interpôs o recurso, estará preclusa sua irresignação (nada impedindo que o juiz,
ouvindo mera petição das partes, possa manifestar-se alterando a decisão, posto que para
ele não preclui).
Calmon de Passos, ao contrário, minoritariamente, como dito, raciocina que preclui
também para o juiz, justamente por ser ato recorrível, ou seja, tendente a alcançar
estabilidade, em algum momento – preclusão que se opera quando escoa o prazo para
recurso, fazendo coisa julgada formal.

Casos Concretos

Questão 1

Em ação de responsabilidade civil, o réu, devidamente citado, oferece contestação,


deixando de impugnar determinados fundamentos constantes da inicial. Instado a se

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manifestar em réplica, o autor requer o julgamento antecipado da lide, consoante


determina o art. 330, I, do CPC, por entender estar o feito maduro para tanto. No entanto,
o juiz indefere o requerimento, designando a audiência do art. 331 do CPC. Nesta ocasião,
ultrapassada a fase de conciliação, o juiz dá por encerrada a audiência, deferindo às
partes a apresentação de razões finais, por memoriais. Pergunta-se: Foi correta a decisão
judicial? A ausência de impugnação especificada acarreta conseqüências processuais? Há
críticas à denominação de audiência de conciliação? Qual a sua finalidade? É
obrigatória? Quantas e quais são as correntes que enfrentam esta questão?

Resposta à Questão 1

Se não há provas a serem produzidas, nada há que se fazer em audiência, e a decisão


foi incorreta. Deveria ter sentenciado o feito, julgado antecipadamente o mérito, pois a
causa estava já madura.
A ausência de impugnação específica acarreta presunção de veracidade daqueles
fatos não impugnados, na forma do artigo 302, caput, do CPC.
A audiência não se presta apenas à conciliação, e por isso o seu melhor nome é
audiência preliminar, como a lei consigna. Há diversas finalidades além da conciliação.
Sua finalidade, além de promover conciliação, é a de fixar pontos controvertidos e
organizar as provas que serão produzidas.
Não é obrigatória, podendo as partes renunciar ao concílio. Mas há quem entenda-a
imperativa, havendo duas correntes a disputar o tema – prevalecendo a primeira, porém.

Questão 2

O Banco do Milhão S/A propôs em face de Revestimentos e Decorações Ltda. Ação


Monitória com a qual pretende obter o pagamento de valor de duplicata, objeto de
contrato de desconto, ou, alternativamente, a formação do respectivo título executivo. No
curso do processo, as partes litigantes acostaram aos autos instrumento através do qual,
"sem ânimo de novar", os réus confessaram que são devedores da importância reclamada
na inicial e se comprometeram a pagá-la em 13 prestações mensais. Pactuaram também
que o não pagamento de qualquer das parcelas previstas no respectivo pagamento
acarretaria o seguimento do processo. À vista do instrumento que lhe foi apresentado, o
que deve fazer o juiz da causa?

Resposta à Questão 2

Não se aplica o artigo 269, III, do CPC, combinado com o artigo 329, pois a
composição não se implementou de forma integral: pactuado que ficou que o não
pagamento das parcelas imporia prosseguimento do feito, o juiz deveria suspender o
processo enquanto o acordo estivesse em cumprimento, até seu termo.
A respeito, veja a apelação cível 1996.001.4836, do TJ/RJ:

“AÇÃO MONITÓRIA. Superveniente confissão de dívida e moratória. Transação.


Inconfiguração. Extinção do processo, com solução do mérito. Descabimento. Não
há transação no acordo de vontades através do qual as partes litigantes, sem
intenção de dar fim, desde logo, à relação jurídica controvertida, apenas criam as

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condições necessárias à obtenção desse resultado, em momento ulterior, ou seja


após o cumprimento da obrigação, pelos devedores, no prazo que para tal fim lhes
foi concedido. A confissão de dívida, acompanhada de moratória, não é transação,
porque lhe faltam os elementos essenciais à sua configuração. É prematuro o
decreto de extinção do processo antes do advento do termo ou da condição a que
está submetida a transação. Apelação provida. Sentença reformada.”

Questão 3

A audiência de conciliação, prevista no art. 331 do CPC é facultativa ou


obrigatória? O juiz que a preside fica vinculado ao efeito?

Resposta à Questão 3

Há duas correntes, prevalecendo a que defende se tratar de momento processual


facultativo, pois é possível que as partes renunciem à conciliação por não vislumbrarem
possibilidade de acordo, e as demais providências não demandam realização de audiência
para serem tomadas.
O juiz que preside a audiência não está vinculado ao feito, pois não há colheita de
provas, e o respeito ao princípio da identidade física do juiz só se impõe quando este colhe
provas.

Tema XV

A prova. Conceito. Objeto. Destinatário da prova. Ônus da prova. Inversão do ônus da prova e dispensa do
ônus da prova. Sistemas de avaliação das provas. Valoração das provas. Classificação dos meios de prova.
Provas de fora da terra. Provas ilícitas. Provas emprestadas.

Notas de Aula27
27
Aula proferida pelo professor Marco Antônio Rodrigues, em 1/10/2008.

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1. Teoria geral da prova

Prova é todo elemento que contribui para a formação do conhecimento do julgador


sobre as alegações de fato controvertidas. As provas trazem para o julgador uma
reconstituição daquilo que as partes alegaram.
A distinção entre verdade real e verdade formal, distinção hoje sem muito mais
sentido, pretendia que no processo penal se buscasse uma verdade efetiva sobre o que
acontecera – verdade real –, enquanto no processo civil a verdade formal seria suficiente,
sendo bastante aquilo que as partes conseguiram provar no processo. No processo civil,
então, a efetiva formação da reconstituição real dos fatos não se fazia necessária, bastando a
verdade processualmente alcançada.
Hoje, esta diferenciação não mais tem qualquer sentido, porque qualquer processo
deve buscar a formação da melhor verdade possível, ou seja, a verdade mais próxima da
realidade possível. Exemplo dessa tendência é o poder autoinstrutório do juiz, que, crendo
insuficientes as provas carreadas pelas partes, poderá comandar a produção de outras, na
busca da maior verdade possível.
Mesmo por isso, o termo verdade real foi substituído na dogmática pelo termo
verdade possível. Inclusive, falar-se em verdade real é, de fato, uma falácia, posto que a
revelação da realidade só seria possível em se tratando de constatação do próprio fato, ou
seja, o juiz só teria real certeza de um fato se o presenciasse, ele próprio. Trabalhando com
versões dos fatos, a verdade possível é aquela que convence o juiz de uma ou outra tese.
Objeto da prova, o quê deve ser provado, como dito, são as alegações de fato
controvertidas, pois ao juiz se impõe saber o direito (iura novit curiae). No entanto, há,
como é cediço, situações em que não serão provados fatos, e sim direitos. O artigo 337 do
CPC assim determina:

“Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou


consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.”

Mas há que se consignar uma restrição a esta regra: o ônus de provar direito
consuetudinário, municipal, estadual ou estrangeiro só se impõe à parte quando, na
comarca, não for comum sua aplicação. Se for de comum sabença, o direito deve ser sabido
também pelo juiz, escapando-se à regra excepcional do artigo 337. Novamente, iura novit
curiae, mesmo se tratando de norma daquelas ali constantes (como uma lei municipal
invocada na própria comarca do município em que atua o juízo).
Nem toda alegação de fato será objeto de prova. Como dito, somente demandarão
prova as alegações de fato que sejam controvertidas. Por isso, se há certeza sobre os fatos,
se não há controversão, não há necessidade de prova. O artigo 334 do CPC enumera os
fatos que prescindem de prova, justamente pelo grau de certeza que demonstram:

“Art. 334. Não dependem de prova os fatos:


I - notórios;
II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III - admitidos, no processo, como incontroversos;
IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.”

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Especialmente nos incisos I a III, há certeza, e por isso não há necessidade de


provas (o inciso III trata dos fatos não contestados). No inciso IV, contudo, os fatos contam
com presunção legal de sua existência e veracidade (como ocorre na revelia, em regra), e
não com certeza. Por isso, neste caso, se a parte contrária produzir prova que afaste esta
presunção, assim se dará. A presunção dispensa prova da verdade, mas não afasta a
possibilidade de prova da inverdade da alegação do fato. Veja que, fosse caso de presunção
absoluta, nada haveria que a afastasse, nenhuma prova seria relevante.

1.1. Aquisição processual da prova

São destinatários da prova as pessoas que esta intenta convencer, ou as partes do


proceso. Há destinatários diretos e indiretos. Destinatário direto, na verdade, é um só: o
juiz, o órgão julgador. O objetivo da prova é exatamente convencer o julgador da verdade
daquele fato alegado. Consectário deste destino direto é que, uma vez produzida a prova,
esta passa a pertencer ao processo: uma vez que se destina ao juiz, se for produzida, é
adquirida pelo processo – o que se chama de princípio da aquisição processual da prova.
Sendo adquirida pelo processo, a prova passa a poder ser utilizada pelos
destinatários indiretos, quais sejam, as partes, tanto a que a produziu quanto as demais.
Como a prova se torna elemento integrante do processo, todos que dele participam podem a
ela se referir, quer quem a produziu, quer a parte contrária. Também por isso, se denomina
este princípio da aquisição processual da prova de princípio da comunhão da prova.
É de tal relevância este princípio que pode resolver até mesmo a atribuição de ônus
da prova às partes: se o processo estiver suficientemente instruído, é despiciendo se
questionar a quem incumbia qual prova, pois, desde que já se encontram produzidas,
pertencem ao processo, e se prestam a embasar a decisão em favor de quem provou ou da
parte contrária.
Entretanto, casos em que não se deu a devida formação do material probatório
demandam a análise do ônus da prova, para saber que tese deixou de ser fundamentada por
provas, e, se for o caso, pender o julgamento para a parte contrária.

1.2. Ônus da prova

Ônus difere de obrigação: ônus é a atividade que deve ser realizada por alguém, sob
pena de que este alguém, descumpridor do ônus, sofra alguma conseqüência negativa. O
descumprimento do ônus é prejudicial a quem o descumpriu, e não à parte contrária, como
ocorre no descumprimento da obrigação: não se cumpre ônus em favor de ninguém, mas
sim em favor próprio, enquanto a obrigação é sempre cumprida em favor da parte contrária,
causando-lhe prejuízo se inadimplida. A resposta do réu, por exemplo, é um ônus a este
imposto; se não responde, poderá sofrer prejuízos decorrentes da revelia.
Como o descumprimento da obrigação causa prejuízo a outra pessoa, ela cria uma
exigibilidade de seu cumprimento. O ônus, ao contrário, não pode ter seu cumprimento
forçado a quem dele se incumbe, pois se descumprido, somente esta pessoa será
prejudicada.
Dito isto, fica claro que provar suas alegações é um ônus, e não uma obrigação. A
parte que não comprova sua alegação, pode ter prejuízo próprio, apenas, qual seja, o
julgamento desfavorável.

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Barbosa Moreira divide o ônus da prova em subjetivo e objetivo. Ônus subjetivo


consiste nos esforços que a parte deve envidar para a produção da prova que leve ao
julgamento favorável a si. É a quem incumbe uma determinada prova. Já o ônus objetivo
são as regras para julgamento da demanda, na falta de provas.
Assim, nas situações em que não existem provas suficientes para o julgamento da
demanda, o juiz deverá verificar com precisão quem não cumpriu com o seu ônus, a fim de
cumprir sua obrigatoriedade de julgamento da questão. Do contrário, será violação ao
acesso à justiça e à inafastabilidade do Judiciário, pois o juiz, abstendo-se de julgar, estará
deixando de prestar o que dele é exigido, enquanto Estado jurisdicional. É proibido ao juiz
deixar de julgar (princípio da vedação ao non liquet), mesmo carecendo de provas.
Em síntese, faltando provas, quem não cumpriu o ônus de provar arcará com o
prejuízo do julgamento desfavorável; havendo amplo material probatório produzido, o juiz
julgará a questão com base nelas, independentemente de quem as produziu ou deveria ter
produzido.
O CPC traz as regras de distribuição do ônus probatório no artigo 333:

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:


I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da
prova quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”

O critério principal é o da autoria da alegação de fato: quem alegou o fato deverá


prová-lo, em regra. Se o autor alega fato constitutivo de seu direito, deverá prová-lo; o réu
que alega fatos que contrariam o direito do autor (fatos impeditivos, modificativos ou
extintivos), deve provar tais fatos. Esta é a regra geral da distribuição das provas, como se
vê nos incisos I e II do caput deste artigo.
O ônus do réu, então, consiste na prova da defesa indireta de mérito que este
porventura tenha consignado. Veja que se o réu traz defesa direta, esta consiste em uma
negativa da alegação do autor, sem apresentar novos fatos ao processo. Por isso,
imaginando caso em que haja apenas pedido do autor e defesa direta do réu, se o autor não
produz provas constitutivas do seu direito, o réu não precisa se preocupar em produzir
provas desconstitutivas daquele direito: o autor é quem sucumbiu no seu ônus de provar
aquilo que alegara. De outro lado, se traz somente uma alegação indireta – por exemplo,
algum fato impeditivo –, esta alegação apresenta fato novo, e este fato deve ser provado
pelo réu
Veja que se o autor não prova a constituição do direito, será sucumbente da mesma
forma; mas se prova sua constituição, e o réu não o desconstitui, ou, se apresenta apenas
defesa indireta, não faz prova do fato novo que alega, sucumbirá o réu. Repare que se o réu
consigna apenas defesa indireta, consiste esta atuação em verdadeiro reconhecimento da
constituição do direito do autor, atacando-o por via transversa, diversa da negativa direta.
A regra do artigo 333 do CPC é estática, valendo como regra geral. Todavia, esta
regra pode se tornar um problema para a efetividade do processo, e para a própria justiça,
porque não leva em conta nenhum aspecto de igualdade material, de isonomia entre as
partes. Esta regra se funda em uma igualdade formal entre as partes, e portanto, quando as

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partes estiverem em posições materialmente desiguais, esta regra pode levar a situações de
alta injustiça. Por conta disso, o legislador consumerista previu algumas regras especiais de
distribuição do ônus probatório, em que atribui regra especial de distribuição, ou permite a
inversão do ônus probatório. Antes de ver tais hipóteses, vale dissertar sobre o que se passa
quando se inverte o ônus da prova.
A inversão do ônus da prova não significa a exata noção do que a expressão pode
passar, pois fosse assim, entender-se-ia que ao réu caberia provar o fato constitutivo do
direito do autor, e ao autor os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos de seu direito –
o que é um absurdo, em termos. Na verdade, então, a alteração que se opera é a cisão da
atividade de prova dos fatos constitutivos em dois níveis: o de probabilidade e a de certeza.
Na verdade, então, o que se faz na inversão é dar ao autor, por causa de sua
hipossuficiência técnica, o direito de que a mera verossimilhança das suas alegações seja
bastante para constituir seu direito, não se exigindo a certeza, como em regra. Na verdade,
o autor continua tendo a responsabilidade de provar a constituição de seu direito, mas basta
provar verossimilhança, e não certeza, como deveria, fosse regularmente distribuído o ônus.
Ao réu, pesa a mesma responsabilidade por provar seus fatos novos, se houver –
impeditivos, modificativos ou extintivos –, mas, além disso, pesa também a
responsabilidade por comprovar fatos desconstitutivos do direito do autor, o que não seria
sua incumbência, em regra, quando o autor não comprovou a constituição do seu direito,
pois como se sabe, se não há, na regular distribuição, a certeza da constituição do direito
pelo autor, se o réu nada provar ainda terá a decisão a seu favor.
Em suma, então, são efeitos da inversão a suficiência da probabilidade do direito do
autor, e a necessidade de que o réu prove desconstituição de tal direito.

1.2.1. Ônus da prova em relações de consumo

O artigo 38 do CDC traz a atribuição de ônus da prova de informações veiculadas


em comunicações publicitárias, ou seja, atine a caso em que se discute propaganda
enganosa:

“Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação


publicitária cabe a quem as patrocina.”

Este artigo prevê que o ônus incumbe exclusivamente a quem produz a propaganda.
Não se trata, tecnicamente, de uma inversão do ônus probatório, e sim de uma atribuição
específica de tal ônus: é uma regra específica de distribuição do ônus, dedicada apenas a
este caso expresso.
Aplica-se este ônus por especialidade da regra, descartando o artigo 333 do CPC.
Veja que não se trata de inversão do ônus geral, trazido no CPC, porque pode haver caso
em que a aplicação deste artigo 38 do CDC conduz à própria dinâmica geral; pode
acontecer de o autor da propaganda, fornecedor, ser o autor da ação, e esta prova que dele
se exige é prova constitutiva de seu direito – seguindo-se a mesma dinâmica do artigo 333
do CPC, portanto.
Outra regra consumerista, esta sim, realmente inverte o ônus probatório. Encontra-
se no artigo 6º, VIII, do CDC:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

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(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências;
(...)”

Nesta regra, há, de fato, observação do artigo 333 do CPC, para tornar invertida a
sua previsão. Esta inversão precisa que estejam presentes os requisitos ali previstos, quais
sejam, a hipossuficiência do consumidor, e a verossimilhança nas alegações.
A hipossuficiência do consumidor, que fundamenta a inversão do ônus da prova, é a
técnica. Há três espécies de hipossuficiência: a econômica, que se trata da escassez de
recursos para custeio do processo, e que é amenizada por instrumentos específicos, quais
sejam, a gratuidade de justiça e a defesa patrocinada pela Defensoria Pública; a
hipossuficiência jurídica, que se trata da dificuldade em se defender em juízo, que pode ser
sanada pela constituição de advogado, que, como dito, pode ser a própria Defensoria
Pública; e a hipossuficiência técnica, que é justamente oriunda do pouco ou nenhum
conhecimento técnico do produto consumido, e que dificulta especialmente a produção de
provas em relação a este produto. Somente a hipossuficiência técnica, como dito, enseja a
inversão dos ônus probatórios.
O STJ, no informativo 364, exarou com clareza sua posição sobre o tema: se o
consumidor não conhece, na maior parte das vezes, o próprio funcionamento do produto,
não poderá se exigir que faça prova técnica do mau funcionamento deste, devendo o ônus
da prova de bom funcionamento recair sobre o fornecedor . Veja:

“ÔNUS. PROVA. SAQUES. CONTA BANCÁRIA.


A questão consiste em determinar o cabimento ou a inversão do ônus da prova (art.
6º, VIII, do CDC) em ações que discutem a realização de saques indevidos de
numerário depositado em conta bancária. Explica a Min. Relatora que a
hipossuficiência a que faz remissão o inciso VIII do art. 6º do CDC não deve ser
analisada apenas sob o prisma econômico e social, mas, sobretudo, quanto ao
aspecto da produção de prova técnica. Sendo assim, a hipossuficiência técnica do
consumidor, na hipótese dos autos, de saques não autorizados em conta bancária,
dificilmente poderá ser afastada pelo total desconhecimento, por parte do cidadão
médio, dos mecanismos de segurança utilizados pelo banco para o controle de seus
procedimentos e ainda das possíveis formas de superação dessas barreiras a
eventuais fraudes. Logo, no caso, impõe-se a inversão do ônus da prova ao
fornecedor do serviço (o banco) a fim de ser respeitado o CDC. Isso posto, a
Turma deu provimento ao recurso para remeter os autos ao juízo de primeiro grau
a fim de que prossiga o julgamento na esteira do devido processo legal.
Precedentes citados: AgRg no REsp 724.954-RJ, DJ 17/10/2005, e REsp 727.843-
SP, DJ 1º/2/2006. REsp 915.599-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
21/8/2008.”

O segundo requisito para que se justifique a inversão é que as alegações do


consumidor sejam verossímeis. Ser verossímil significa que as alegações devem parecer
verdadeiras, devem guardar senso de probabilidade de sua veracidade.
Veja que o dispositivo fala em hipossuficiência ou verossimilhança. Por isso, surge
a questão: são requisitos cumulativos ou alternativos?
Há duas correntes sobre o tema. A primeira defende que o emprego da conjunção
alternativa “ou” determina que os requisitos são alternativos, bastando a presença de

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verossimilhança ou a hipossuficiência técnica para justificar a inversão. Esta corrente ainda


se fundamenta na natureza de ordem pública que se imprime ao CDC como um todo, como
prevê o artigo 1º deste codex, e, sendo assim, tais normas demandam a máxima efetividade
que for possível, com o maior favorecimento ao consumidor – o que se majora pela
alternatividade, em face da cumulatividade defendida pela segunda corrente. Veja:

“Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor,


de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170,
inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.”

A corrente que defende a cumulatividade dos requisitos, por seu turno, também
encontra bom argumento. Defende que se a inversão é um instituto que foi criado para
promover a igualdade material entre as partes, a inversão que se fundamentasse em apenas
um dos requisitos, e não em ambos cumulados, acabaria por inverter também o próprio
quadro de desigualdade: ao invés de se produzir igualdade material, estar-se-ia criando
situação em que o fornecedor estaria, agora, em posição processualmente desfavorável, ou
seja, não promoveu-se a igualdade, e sim a inversão da desigualdade, tornando quem era
superior em inferior – e não em pólo paritário.
Se fossem alternativos os requisitos, surgiriam situações bastante injustas, de fato.
Imagine-se que um consumidor tem todas as condições de provar sua alegação, ou seja, não
tem hipossuficiência técnica, mas, ao mesmo tempo, suas alegações são verossímeis: esta
verossimilhança inverteria o ônus em favor de quem não precisava de tal inversão. Da
mesma forma, se o consumidor é tecnicamente hipossuficiente, mas consigna alegações
absolutamente inverossímeis, seria invertido o ônus pelo primeiro requisito, fazendo recair
a prova desconstitutiva daqueles fatos absurdos sobre o fornecedor.
Destarte, apenas a cumulatividade realmente parece implementar a mens do
dispositivo, que é a promoção da isonomia, e por isso é a tese mais coerente (e portanto
prevalente), dada a interpretação sistemática e teleológica que deve prevalecer.
A inversão do ônus da prova, na seara consumerista, pode ser propugnada ou
realizada de ofício. Se o CDC é, como um todo, norma de ordem pública, tudo que dele
emana é cognoscível e aplicável de ofício.

1.2.2. Inversão do ônus da prova em relações não consumeristas

Há relações jurídicas que, mesmo não sendo de natureza consumerista, demonstram


clara disparidade entre as partes, inclusive demonstrando a presença dos mesmos requisitos
exigidos para a inversão do ônus da prova que se fazem presentes no CDC.
Sendo assim, nestas relações, a aplicação direta do artigo 333 do CPC criaria
situação injusta, nos mesmos moldes das relações de consumo. Atenta a tal risco, a doutrina
desenvolveu a teoria das cargas probatórias dinâmicas, tese encampada pelo STJ. Se a
relação é de injusta distribuição dos ônus probatórios, mas não se aplica o CDC, por não se
tratar de relação de consumo, será aplicável esta teoria.

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Tal teoria, proveniente do direito argentino, determina que é possível que haja a
redistribuição do ônus da prova, do artigo 333 do CPC, mesmo não se tratando de relação
consumerista. Se o julgador perceber as circunstâncias em que verifica que uma das partes
tem excessiva dificuldade em fazer prova das suas alegações, em nome da igualdade
material, seria possível inverter o ônus.
Três são os principais fundamentos que justificam a aplicação desta teoria.
Primeiramente, como dito, a busca pela igualdade material; além disso, a existência do
dever de cooperação entre as partes processuais, se exigindo daquele que pode produzir a
prova que o faça, a fim de esclarecer a questão, e aprimorar a cognição judicial; e o próprio
poder instrutório do juiz, constante do artigo 130 do CPC, que lhe permite comandar a
prova que bem entenda, se relevante para sua cognição.
O STJ, no REsp 69.309, criou precedente importante sobre o tema:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. MEDICO. CLINICA. CULPA. PROVA.


1. NÃO VIOLA REGRA SOBRE A PROVA O ACORDÃO QUE, ALEM DE
ACEITAR IMPLICITAMENTE O PRINCIPIO DA CARGA DINAMICA DA
PROVA, EXAMINA O CONJUNTO PROBATORIO E CONCLUI PELA
COMPROVAÇÃO DA CULPA DOS REUS.
2. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CLINICA, INICIALMENTE PROCURADA
PELO PACIENTE.
3. JUNTADA DE TEXTOS CIENTIFICOS DETERMINADA DE OFICIO PELO
JUIZ. REGULARIDADE.
4. RESPONSABILIZAÇÃO DA CLINICA E DO MEDICO QUE ATENDEU O
PACIENTE SUBMETIDO A UMA OPERAÇÃO CIRURGICA DA QUAL
RESULTOU A SECÇÃO DA MEDULA.
5. INEXISTENCIA DE OFENSA A LEI E DIVERGENCIA NÃO
DEMONSTRADA.
RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.”

O TJ/RJ vem aplicando a carga dinâmica em diversas hipóteses, podendo trazer


como exemplo as relações em que se discute os expurgos inflacionários dos planos
econômicos. Veja a ementa da apelação cível 2008.001.43355:

“APELAÇÃO CÍVEL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PEDIDO DE


EXIBIÇÃO EXTRATOS PELO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO.
APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA.
POSSIBILIDADE. Uma vez comprovada a titularidade da poupança, pode o
poupador formular pedido para que a Instituição financeira apresente os extratos de
conta-poupança no próprio bojo do processo de conhecimento. Vê-se bem que esta
Corte, na esteira do pensamento do STJ, já sedimentou ser devida a apresentação
dos extratos de conta-poupança pela instituição financeira, levando em conta o
disposto no artigo 355 do CPC através da aplicação da moderna teoria da carga
dinâmica da prova. Precedentes do TJ/RJ e do STJ. CASSAÇÃO DA SENTENÇA
E PROVIMENTO DO RECURSO COM FULCRO NO ARTIGO 557, §1º A DO
CPC.”

1.3. Sistemas de valoração da prova

No direito brasileiro, existiram três grandes sistemas de valoração da prova: a prova


legal; a íntima convicção; e o do livre conhecimento motivado, ou persuasão racional.

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

A prova legal consiste na prova tarifada, em que cada meio de prova tem um valor
determinado. Sendo assim, cada prova tendo um valor, aquela parte que somar maior valor
de prova será a vencedora. Veja que o juiz, aqui, não examina a prova em si, mas apenas
contabiliza o valor de cada prova, somando e dando a vitória processual a quem alcançar
maior valor final.
Há um resquício deste sistema, hoje, que se vê no artigo 227 do CC:

“Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se


admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário
mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.
Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova
testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.”

Assim, se não há outra prova senão a testemunhal, os contratos de valor superior a


dez salários-mínimos de referência simplesmente não poderão ser provados. A prova
testemunhal, sozinha, não teria valor, nesta hipótese (sendo praticamente uma rejeição
tarifária a esta prova).
O sistema da íntima convicção, por sua vez, é aquele em que o juiz decide
exclusivamente conforme suas convicções pessoais, sem necessidade de vincular-se às
provas, modo algum. Neste sistema, o juiz não precisa se fundamentar nas provas do
processo, sem valorar, de qualquer forma, as provas produzidas. É interessante perceber
que este sistema existe no direito brasileiro, mas não no processo civil: é este o sistema
probatório adotado no julgamento do tribunal do júri, pelo conselho de sentença.
A regra geral, portanto, no direito brasileiro, é a adoção do sistema do livre
conhecimento motivado, da persuasão racional. Neste sistema, o julgador decidirá a
demanda conforme seu convencimento, mas o fará embasado nas provas dos autos, ou seja,
seu convencimento deverá ser compatível com as provas carreadas aos autos. Sendo
motivado, significa que o juiz deverá fundamentar a sua decisão, e o fará atentando para as
provas produzidas.

1.4. Liberdade das provas

No Brasil, vige o princípio da liberdade das provas. O artigo 332 do CPC assim
determina:

“Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que
não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em
que se funda a ação ou a defesa.”

Segundo este dispositivo, então, vê-se que é possível a utilização de todas as provas
que não sejam vedadas pelo direito, quer sejam os meios de prova nominados ou
inominados na legislação processual.

1.4.1. Provas ilícitas

Esta liberdade das provas remete ao artigo 5º, LVI da CRFB, que estabelece a
inadmissibilidade das provas ilícitas:

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“(...)
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
(...)”

A leitura do artigo do CPC apenas reafirma o que a vedação direta da CRFB impõe:
se não é admissível a prova ilícita, é porque esta não é meio legal ou moralmente legítimo
para tanto.
A doutrina analisa que nem sempre, em processo civil, a prova ilícita será mesmo
inadmissível. À luz do caso concreto, Barbosa Moreira e Vicente Greco Filho defendem
que se o bem jurídico em jogo, ponderado com a vedação constitucional, tiver peso maior,
preponderará sobre a vedação à prova ilícita. Se, aplicada a proporcionalidade, a vedação
tiver menor importância diante do bem que se pretende proteger com o uso da prova ilícita,
esta será admissível. Mas há uma segunda corrente, de Luis Roberto Barroso, que entende
inafastável a vedação das provas ilícitas, ao argumento de que o artigo 5º, LVI, da CRFB,
não deixa qualquer margem à ponderação, dada a concretude desta norma. Hoje, prevalece
esta segunda tese.
No processo penal, diga-se, prevalece a ponderabilidade, por conta do bem jurídico
que é contraposto à vedação: a liberdade, direito de alta valia, é sempre posta em risco para
os réus do processo penal.

1.4.2. Provas emprestadas

Consiste na prova que foi produzida em processo anterior, e trazida como elemento
probatório em outro processo.
Em regra, desde que seja respeitado o contraditório por aquele que sofrerá os efeitos
da prova emprestada, esta prova é plenamente admissível. Vale o exemplo: imagine-se que
tenha havido a produção de uma prova testemunhal em um determinado processo, e esta
testemunha veio a falecer. Em novo processo, posterior à morte daquela pessoa, no qual
contendem as mesmas partes do processo em que foi produzida a prova testemunhal
irrepetível, será perfeitamente cabível o uso da prova emprestada, trazendo-se cópia da ata
do depoimento daquele processo para este.
Imagine-se agora que um terceiro ajuíza ação em face do réu da ação em que se
produziu a prova testemunhal, e pretende usar o depoimento lá colhido: este será
igualmente passível de empréstimo, vez que o réu da ação em curso é o mesmo da época da
produção da prova, ou seja, pôde contraditá-la em sua formação.
Outro caso, porém, é o de uma ação proposta por um dos participantes da ação
original, em que se produziu a prova, em face de um terceiro: esta prova não poderá ser
trazida por empréstimo, porque o réu da ação em curso não teve oportunidade de
contraditar a prova, e por isso não seria correta esta utilização.
Veja que as provas documentais, em regra, não encontram qualquer óbice ao
empréstimo, pois são provas que podem ter-se contraditadas a qualquer tempo, por
qualquer pessoa.

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Casos Concretos

Questão 1

Em demanda versando acerca de relação de consumo, o autor/consumidor teve


deferido o pedido de benefício da assistência judiciária gratuita, na forma da lei
n°1.060/50. O magistrado, após determinar a inversão do ônus da prova na forma do
artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, determinou ainda que fosse
realizada a perícia, devendo a ré suportar os honorários de perito. Pergunta-se:

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A) O deferimento de assistência judiciária gratuita é compatível com a inversão do


ônus da prova?
B) Agiu corretamente o magistrado?

Resposta à Questão 1

a) Sim. A assistência judiciária gratuita busca combater desigualdade econômica,


hipossuficiência econômica de uma das partes, ao passo que a inversão do ônus
da prova tem por escopo sanar desigualdade técnica. Nada impede, portanto, que
haja a necessidade de ambos os institutos, por ser a parte hipossuficiente
econômica e tecnicamente, ao mesmo tempo.

b) O juiz errou em impor os ônus financeiros da inversão da prova à parte ré,


porque a inversão dos ônus probatórios não acarreta a inversão dos ônus
financeiros da prova. Veja: a inversão impõe a quem não teria que produzir uma
prova a sua produção, mas as regras de custeio devem manter-se como estavam:
cada parte custeia a que requer, e se for prova requerida pelo juiz, o ônus
financeiro é do autor.

A respeito, veja o que diz o STJ no REsp 639.534, objeto do informativo 267:

“Assistência judiciária gratuita. Inversão do ônus da prova. Perícia. Precedentes da


Corte.
1. O benefício da assistência judiciária gratuita e a inversão do ônus da prova não
são incompatíveis.
2. A simples inversão do ônus da prova, no sistema do Código de Defesa do
Consumidor, não gera a obrigação de custear as despesas com a perícia, embora
sofra a parte ré as conseqüências decorrentes de sua não-produção.
3. O deferimento da inversão do ônus da prova e da assistência judiciária, pelo
princípio da ponderação, impõe que seja beneficiado o consumidor, com o que não
cabe a orientação jurisprudencial sobre o custeio da prova pericial nos termos da
Lei nº 1.060/50.
4. Recurso especial conhecido e provido.”

“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INVERSÃO. ÔNUS. PROVA.


Ao cuidar de REsp remetido pela Terceira Turma, a Seção, ao prosseguir o
julgamento, reafirmou que a simples inversão do ônus da prova, no sistema
preconizado pelo CDC, não acarreta à respectiva parte o custeio das despesas,
embora essa fique sujeita aos efeitos de não a produzir. Assim, não há qualquer
incompatibilidade entre a benesse da assistência judiciária gratuita e aquela
inversão, pois, pelo princípio da ponderação, há que se beneficiar o consumidor
por não prevalecer a orientação jurisprudencial sobre o custeio da prova pericial
nos termos da Lei n. 1.060/1950. REsp 639.534-MT, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, julgado em 9/11/2005.”

Questão 2

Andréia ajuizou ação de despejo em face de Lúcia, através da qual objetiva a


retomada do imóvel urbano em virtude da locatária ter cometido infração contratual,
consistente em sublocar ou emprestar o imóvel alugado à Maria, com a qual não tinha

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

qualquer relação de parentesco, sem o seu consentimento. Na inicial, a autora juntou o


contrato de locação, no qual consta na cláusula 17, "que o imóvel não poderá ser
sublocado ou emprestado, no todo ou em parte, sem o consentimento escrito do locador,
não podendo, também, o presente contrato ser cedido ou transferido sem esse
consentimento, sob pena de grave infração contratual". Em contestação, a locatária pediu
a improcedência do pedido alegando que a locação foi ajustada intuitu familiae. O juiz,
marcou audiência de instrução e julgamento para colher o depoimento pessoal de Andréia,
esta porém, não compareceu a mesma. Autos conclusos, decida, especialmente quanto a
aplicação do § 2º do art. 343 do CPC.

Resposta à Questão 2

O não comparecimento só poderá induzir pena de confissão se restarem preenchidos


dois requisitos, quais sejam: a parte precisa ser intimada para comparecimento, e no
mandado de intimação deve constar a expressa e inequívoca menção de que esta pena será
imposta. Esta previsão é expressa do § 1º do artigo 343 do CPC, e por isso condiciona a si a
aplicação do § 2º do mesmo dispositivo. Sendo assim, se não houve menção expressa, não
há confissão.
A respeito, veja a ementa do REsp 2.340:

“DEPOIMENTO PESSOAL. PENA DE CONFISSÃO. EXEGESE DO ARTIGO


343, PARAGS 1. E 2. DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL. CONFIsSÃO
FICTA. A PENA DE CONFISSÃO, - MEIO DE PROVA, ALIAS, QUE CONDUZ
A UMA PRESUNÇÃO RELATIVA, E NÃO ABSOLUTA -, SOMENTE PODERA
SER APLICADA SE NO MANDADO INTIMATORIO CONSTAR
EXPRESSAMENTE, PARA CIENCIA INEQUIVOCA DO INTIMADO, QUE SE
O MESMO NÃO COMPARECER OU SE RECUSAR A DEPOR, SE
PRESUMIRÃO VERDADEIROS OS FATOS CONTRA ELE ALEGADOS. NÃO
E BASTANTE A SUCINTA MENÇÃO A ''PENA DE CONFESSO''. RECURSO
ESPECIAL NÃO CONHECIDO.”

Questão 3

Pela mesma sentença foram julgadas duas ações conexas. A 1ª, de cobrança,
proposta por Administradora de cartão em face de Renata, visando o pagamento de
determinada quantia, acrescida de juros de mora, multa contratual e correção monetária,
decorrente de fatura não paga do cartão de crédito; a 2ª, de indenização a título de dano
moral, proposta por Renata em face da mesma Administradora, decorrente da inclusão
indevida do seu nome no Serasa, na qual afirmou ter pago o que estava lhe sendo cobrado
na 1ª demanda. O juiz julgou procedente o pedido da 1ª, atendendo conclusão de prova
pericial deferida a autora, de que era falso o comprovante de pagamento, e improcedente o
pedido da 2ª. Renata, então, interpõe apelação ao fundamento de cerceamento de defesa,
alegando que, embora tivesse protestado pela produção de prova pericial, seu pedido foi
indeferido pelo juiz na audiência preliminar e que a mesma era indispensável para
conferir firmeza ao magistrado da prática abusiva de juros e anatocismo e que ainda a
decisão saneadora afrontou o CDC no que concerne à inversão do ônus da prova. Deve o
Tribunal dar provimento ao recurso ? Justifique.

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Resposta à Questão 3

Há um óbice violento à apreciação de tal matéria pelo tribunal: ela deveria ter sido
impugnada por meio de agravo de instrumento, contra a decisão de saneamento que
denegou a prova. Sendo assim, a falta do recurso à época fez preclusa a matéria, e a
apelação não deve ser provida.
Mas observe-se o seguinte: a matéria de ordem pública não preclui para o juiz,
segundo a maior parte da doutrina, e por isso, mesmo tendo sido preclusa para a parte a
argüição desta matéria, mera petição poderia propugnar ao juiz que reconhecesse tal
cerceamento.
A respeito, veja a ementa da apelação cível 2002.001.9895, do TJ/RJ:

“DESPACHO SANEADOR. PROVA PERICIAL. DEFERIMENTO.


PRECLUSAO. RECURSO DESPROVIDO
SANEADOR IRRECORRIDO. Preclusão Temporal. Não tendo sido deferida a
prova pericial na decisão de saneamento do processo, ocorre a preclusão temporal
se a parte não interpõe o recurso pertinente. Fica, assim, impossível reapreciar o
pedido de prova técnica na via recursal. Se, por outro lado, a prova pericial
efetivada é conclusiva no sentido da falsidade do pagamento alegado, lícita é a
cobrança da divida. Desprovimento do recurso.”

Tema XVI

Prova documental. Confissão. Prova testemunhal. Prova pericial. Inspeção judicial. Exibição de documento
ou coisa. Prova dos usos e costumes.

Notas de Aula28

28
Aula proferida pelo professor Felippe Borring Rocha, em 2/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

1. Provas em espécie

O estudo das provas, em processo civil, parte-se em dois momentos: a teoria geral
das provas, que já se pôde abordar, e as provas em espécie, que trata das modalidades de
provas que são previstas no ordenamento. Como se viu no estudo da teoria geral das
provas, o Brasil adota um sistema aberto, ou atípico, em que qualquer prova que não é
vedada pelo ordenamento é admitida, não precisando ser nominada nos diplomas legais
para ser admissível. Desta forma, o rol de provas específicas que será estudado é
meramente exemplificativo, pois qualquer outra prova que se venha a criar, se não violar
princípios ou leis expressas, será admissível.
O estudo, então, é baseado em análise dos artigos que tipificam as espécies de prova
nominadas. Vejamos, portanto, as principais provas típicas do processo civil.

1.1. Depoimento pessoal

De início, cumpre traçar a diferença entre depoimento pessoal e interrogatório.


Vejamos os artigos do CPC que dispõem sobre estes institutos:

“Art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o


comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.”

“Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte
requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de
instrução e julgamento.
§ 1o A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se
presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou,
comparecendo, se recuse a depor.
§ 2o Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o
juiz lhe aplicará a pena de confissão.”

O artigo 342 traz o interrogatório. Este instituto tem três características


fundamentais: é uma iniciativa do juiz, ou seja, faz parte do poder autoinstrutório do juiz;
pode ser realizado em qualquer fase do processo, até mesmo recursal; e pode ser realizado
em qualquer audiência, quer seja uma das ordinariamente realizadas, quer em audiência
especial, exclusivamente realizada para sua colheita.
O depoimento pessoal vem no artigo 343 do CPC, e conta também com três
características próprias: é requerido pelas partes; o depoimento pessoal só é colhido em
audiência de instrução e julgamento; e induz à pena de confissão, quando a parte
regularmente intimada não comparece, ou comparece e se recusa a depor.
Postas as diferenças, os artigos subseqüentes se dedicam a reger as duas formas de
colheita de declarações das partes. Veja:

“Art. 344. A parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de


testemunhas.
Parágrafo único. É defeso, a quem ainda não depôs, assistir ao interrogatório da
outra parte.”

“Art. 345. Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe
for perguntado, ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias
e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.”

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 346. A parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não


podendo servir-se de escritos adrede preparados; o juiz lhe permitirá, todavia, a
consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos.”

“Art. 347. A parte não é obrigada a depor de fatos:


I - criminosos ou torpes, que lhe forem imputados;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de filiação, de desquite e
de anulação de casamento.”

Alguns destes dispositivos merecem comentários mais profundos. O artigo 345


estabelece uma espécie de pena de confissão mais branda, no seguinte sentido: se o
depoente comparece e se dispõe a depor, não poderá sofrer pena de confissão. Contudo, se
se valer de evasivas, poderá acontecer de a situação ser análoga à situação em que a parte se
negaria a depor, ou seja, depõe mas deixa de esclarecer o que é devido, praticamente tendo
os mesmos efeitos de não depor – merecendo interpretação quase como se tivesse se
negado a depor.
É preciso, porém, aplicar-se com razoabilidade este dispositivo. Imagine-se que o
depoente, questionado diretamente, responda com toda a evasiva possível, não permitindo
depreender-se de sua resposta nenhuma conclusão concreta: é certo que praticamente se
negou a responder, e por isso o juiz pode tomar-se por confessa aquela questão,
presumindo-se verdadeiro o fato perquirido, em desfavor do depoente. Em suma, é a
confissão daqueles fatos que se recusa a responder, somente, e não de todos os fatos
alegados pela parte contrária.
Veja que, para que esta pena de confesso – a geral ou esta do artigo 345 – seja
validamente aplicada, é necessário que a parte intimada tenha sido expressamente
informada de tal pena, quando de sua intimação. Assim se vê expressamente no artigo 343,
§ 1º, supra.
Se a parte é intimada a prestar depoimento pessoal, e não comparece, sofre a pena
de confesso. Mas se a parte é intimada para interrogatório, e não comparece, não sofrerá
esta pena, pois como o artigo dedicado ao interrogatório, 342 do CPC, não impõe esta
pena, não pode ser aplicada. Todavia, curiosamente, se a parte intimada ao interrogatório
comparece, mas se vale de evasivas, sofrerá a imposição do artigo 345 do CPC (que é
aplicável a ambos os institutos, como dito), tendo a pena de confesso sobre cada fato que se
furtou a responder com clareza.
O artigo 347 do CPC traz as limitações ao depoimento e interrogatório. O parágrafo
único deste artigo, que retira os efeitos da exceção do caput e incisos, só se aplica quando
os fatos forem conexos ao que se discute no processo, ou seja, se o fato questionado em um
dos processos ali mencionados – filiação, separação e anulação de casamento – em nada
guarda pertinência com o tema destes processos, a parte não é obrigada a responder.

1.2. Confissão

O conceito de confissão se encontra na parte inicial do artigo 348 do CPC:

“Art. 348. Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao


seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.”

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Consiste, então, em uma declaração por parte de um dos integrantes da demanda, na


qual ele reconhece um fato que é favorável à parte adversa. A própria lei já faz menção às
espécies de confissão, que serão judicial ou extrajudicial, conforme diz o artigo supra, ou
espontânea ou provocada, como menciona o artigo seguinte, 349 do CPC:

“Art. 349. A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão


espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos autos;
a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela parte.
Parágrafo único. A confissão espontânea pode ser feita pela própria parte, ou por
mandatário com poderes especiais.”

A confissão judicial é, por óbvio, aquela feita em juízo, em alguma oportunidade


processual, enquanto a extrajudicial é feito em momento alheio ao processo, fora do juízo.
A classificação da confissão em espontânea ou provocada, na verdade, é uma
subdivisão da confissão judicial, diferenciando-se quanto ao momento processual em que
ocorre. Assim sendo, a confissão judicial provocada é aquela feita durante o depoimento
pessoal, enquanto a espontânea é a realizada em qualquer momento processual diverso da
colheita do depoimento pessoal.
O artigo 350 do CPC traça o limite subjetivo da confissão:

“Art. 350. A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando,
todavia, os litisconsortes.
Parágrafo único. Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre
imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro.”

Mas repare que, mesmo que formalmente não se atribua efeito da confissão de um
litisconsorte aos demais, é claro que terá peso implícito na decisão, sobremaneira se a
confissão for de fatos comuns a todos os litisconsortes.
O parágrafo único traz a segunda limitação da confissão: nas ações de bens imóveis
em que haja pessoas casadas, a confissão deve ser um ato composto para ser eficaz: devem
confessar ambos os cônjuges, ou a confissão de nada vale. Veja: se o cônjuge precisa da
presença do outro para ajuizar ação desta matéria, em litisconsórcio necessário, na forma do
artigo 10 do CPC, não teria sentido que pudesse confessar qualquer fato sozinho.

“Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor


ações que versem sobre direitos reais imobiliários.
§ 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações:
I - que versem sobre direitos reais imobiliários;
II - resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos
praticados por eles;
III - fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja
execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens
reservados;
IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus
sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente
é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados.”

Outro limite à confissão vem no artigo 351 do CPC, que é autoexplicativo:

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 351. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a
direitos indisponíveis.”

O artigo 352 do CPC faz uma diferenciação que é um tanto criticada pela doutrina:

“Art. 352. A confissão, quando emanar de erro, dolo ou coação, pode ser
revogada:
I - por ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita;
II - por ação rescisória, depois de transitada em julgado a sentença, da qual
constituir o único fundamento.
Parágrafo único. Cabe ao confitente o direito de propor a ação, nos casos de que
trata este artigo; mas, uma vez iniciada, passa aos seus herdeiros.”

Na hipótese do inciso I, a doutrina defende que seria mais acurado se fosse realizada
a revogação no mesmo processo em que realizada a confissão, pois seria medida de
economia: não seria necessária a formação de outro processo, correndo em apenso, como se
dá se for seguido o que este artigo determina. Deveria, portanto, ser mero incidente
processual, e não ação anulatória autônoma.
A hipótese do inciso II, contudo, é correta, pois somente mediante ação rescisória se
poderia atacar aquela sentença moldada por confissão viciada. Funda-se, esta ação, no
artigo 485, VIII, do CPC:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
(...)
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em
que se baseou a sentença;
(...)”

1.2.1. Confissão extrajudicial

O artigo 353 do CPC trata do tema:

“Art. 353. A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a


represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou contida
em testamento, será livremente apreciada pelo juiz.
Parágrafo único. Todavia, quando feita verbalmente, só terá eficácia nos casos em
que a lei não exija prova literal.”

O legislador fez uma diferenciação quanto á eficácia da confissão extrajudicial: se


uma parte confessa à outra, em momento alheio ao processo, esta confissão tem a mesma
eficácia da judicial; já a confissão extrajudicial feita a terceiro, ou contida em qualquer
escrito (ampliando-se o termo “testamento”), terá eficácia relativa, a ser medida pelo juiz –
tendo menos força probatória, em regra.

1.2.2. Indivisibilidade da confissão

Veja o preceituado no artigo 354 do CPC:

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 354. A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser
invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for
desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente lhe aduzir fatos novos,
suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de
reconvenção.”

Aqui há que se mencionar a diferença entre a confissão qualificada e a confissão


complexa. Confissão qualificada é aquela em que o confitente reconhece o fato, mas atribui
a este uma qualificação jurídica diferente da que era pretendida pela parte adversa que o
alegou. Como exemplo, o declarante que reconhece haver recebido dinheiro de quem
alegou este fato, mas não o fez a título de empréstimo, e sim a título de doação, ou
pagamento.
A confissão complexa, de seu lado, é aquela em que o confitente reconhece o fato
alegado pelo autor, mas opõe outro fato, que impede a pretensão do autor em relação a tal
fato. Exemplo clássico é aquele em que o autor alega que o réu lhe deve dinheiro que
emprestara, ao que o réu reconhece tal empréstimo, mas alega já tê-lo pagado.
Veja que o artigo 354, supra, determina que as confissões não são divisíveis, em
regra, mas na parte final traz a excepcional cindibilidade da confissão, quando for da
espécie complexa.
É importante perceber a relevância desta cisão: ao sanear o processo, o juiz vai
definir os pontos controvertidos do processo. Se o réu reconhece, por exemplo, ter recebido
dinheiro do autor a título de empréstimo, mas aduz que já pagou, não haverá necessidade de
se provar o empréstimo em si, tendo se tornado fato incontroverso; a discussão passará a se
concentrar no ponto que é agora controvertido, qual seja, a existência ou não do pagamento
alegado pelo réu.

1.3. Exibição de documento ou coisa

Este meio de prova, extremamente literal no CPC, consiste, em verdade, em um


procedimento cautelar, e não tecnicamente em um meio de prova. Por isso, mesmo estando
no capítulo das provas, não demanda maior aprofundamento, por ora. Veja o artigo que
inaugura o tema, no CPC:

“Art. 355. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache
em seu poder.”

1.4. Prova documental

A principal problemática, sobre este meio de prova, é justamente definir o que seja o
conceito de documento, ou melhor, que tipo de termo é ou não é um documento. A
modernidade trouxe uma infinidade de meios de comunicação, por exemplo, e cada
inovação tecnológica apresenta inovação que suscita dúvidas sobre a sua natureza
documental. Como exemplo, o e-mail.
Assim, a doutrina traça um conceito extremamente abrangente de documentos:
documento é todo meio dentro do qual fique registrada a ocorrência de um fato. Neste
diapasão, não só o e-mail, mas até mesmo o disco rígido de um computador pode ser
considerado documento, com correção técnica.

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Por conta dessa amplitude conceitual, o documento, hoje, tem baixo grau de
confiabilidade, pois como os sinais eletrônicos são de turvação e deturpação bastante fácil,
a veracidade dos documentos é bastante questionável.
Veja os artigos mais relevantes sobre este meio de prova, no CPC, os quais, bastante
literais, dispensam muitos comentários, senão em alguns poucos aspectos que serão vistos:

“Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também
dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em
sua presença.”

“Art. 365. Fazem a mesma prova que os originais:


I - as certidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das audiências, ou
de outro livro a cargo do escrivão, sendo extraídas por ele ou sob sua vigilância e
por ele subscritas;
II - os traslados e as certidões extraídas por oficial público, de instrumentos ou
documentos lançados em suas notas;
III - as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial
público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais.
IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas
autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for
impugnada a autenticidade.
V - os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado
pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que
consta na origem;
VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular,
quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo
Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas
em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e
fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.
§ 1o Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do
caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo
para interposição de ação rescisória.
§ 2o Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro
documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu
depósito em cartório ou secretaria.”

O inciso IV deste artigo 365 traz uma boa novidade: o advogado pode autenticar a
cópia de documento oriundo do mesmo processo, para uso alhures, administrativamente.
Outra inovação relevante é a do inciso VI deste artigo: aqui se encontram as bases
do processo eletrônico, dos autos virtuais, que vem regulado na Lei 11.419/06.
Os artigos seguintes, 366 a 371, trazem normas que melhor estariam na Lei de
Registros Públicos (e por isso mesmo, alguns lá se repetem):
“Art. 366. Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público,
nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.”

“Art. 367. O documento, feito por oficial público incompetente, ou sem a


observância das formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma
eficácia probatória do documento particular.”

“Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado,


ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.

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Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a


determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato
declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.”

“Art. 369. Reputa-se autêntico o documento, quando o tabelião reconhecer a firma


do signatário, declarando que foi aposta em sua presença.”

“Art. 370. A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou
impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito. Mas, em
relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular:
I - no dia em que foi registrado;
II - desde a morte de algum dos signatários;
III - a partir da impossibilidade física, que sobreveio a qualquer dos signatários;
IV - da sua apresentação em repartição pública ou em juízo;
V - do ato ou fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do
documento.”

“Art. 371. Reputa-se autor do documento particular:


I - aquele que o fez e o assinou;
II - aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;
III - aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a
experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos
domésticos.”

O artigo 372 traz, outrossim, norma processual bastante relevante: o documento não
impugnado é tido por presumidamente verdadeiro. Veja:

“Art. 372. Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular,
alegar no prazo estabelecido no art. 390, se lhe admite ou não a autenticidade da
assinatura e a veracidade do contexto; presumindo-se, com o silêncio, que o tem
por verdadeiro.
Parágrafo único. Cessa, todavia, a eficácia da admissão expressa ou tácita, se o
documento houver sido obtido por erro, dolo ou coação.”

Os artigos 387 a 389 tratam da falsidade documental, que deve ser argüida em
incidente processual na primeira oportunidade dada à parte que crer em tal falsidade, após a
juntada do documento. Veja:

“Art. 387. Cessa a fé do documento, público ou particular, sendo-lhe declarada


judicialmente a falsidade.
Parágrafo único. A falsidade consiste:
I - em formar documento não verdadeiro;
II - em alterar documento verdadeiro.”

“Art. 388. Cessa a fé do documento particular quando:


I - lhe for contestada a assinatura e enquanto não se lhe comprovar a veracidade;
II - assinado em branco, for abusivamente preenchido.
Parágrafo único. Dar-se-á abuso quando aquele, que recebeu documento assinado,
com texto não escrito no todo ou em parte, o formar ou o completar, por si ou por
meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário.”

“Art. 389. Incumbe o ônus da prova quando:


I - se tratar de falsidade de documento, à parte que a argüir;
II - se tratar de contestação de assinatura, à parte que produziu o documento.”

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Genericamente, tais são os momentos em que as partes poderão juntar documentos:


na inicial, na réplica, na contestação, e ambas as partes no saneamento do processo.
Imediatamente após a juntada, na primeira oportunidade, a parte contrária deve argüir a
falsidade, sob pena de preclusão.
Todavia, se tratando de documentos novos ou documentos que não puderam ser
apresentados antes, poderão ser juntados após este marco. Aqui há que se traçar a diferença
entre documentos material e formalmente novos: documento materialmente novo é aquele
que retrata um fato que ocorreu posteriormente aos momentos processuais corretos para
juntada; documento formalmente novo é aquele que ocorreu antes dos momentos propícios,
mas que por algum motivo só puderam ser produzidos após o momento correto. Exemplo
claro de documento formalmente novo é um exame de DNA, que retrata fato anterior ao
momento processual da juntada, mas só pôde ser produzido após. Materialmente novo, uma
fotografia de um fato ocorrido após o saneamento.
Veja que a regra, anteriormente, na jurisprudência, era a admissão apenas de
documentos materialmente novos, mas hoje a questão é mais flexível, admitindo-se a
juntada de documentos formalmente novos. Veja o que dispõem os artigos 396 a 398 do
CPC:

“Art. 396. Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art.
297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.”

“Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos
novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados,
ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.”

“Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos,
o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.”

O artigo 398 guarda relação direta com o contraditório, e se aplica inclusive para os
litisconsortes, ou seja, a qualquer parte que não aquela que juntou o documento.
O artigo 399 do CPC traz algumas novidades importantes, incluídas recentemente
nos seus parágrafos:

“Art. 399. O juiz requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de


jurisdição:
I - as certidões necessárias à prova das alegações das partes;
II - os procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a
União, o Estado, o Município, ou as respectivas entidades da administração
indireta.
§ 1o Recebidos os autos, o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável
de 30 (trinta) dias, certidões ou reproduções fotográficas das peças indicadas pelas
partes ou de ofício; findo o prazo, devolverá os autos à repartição de origem.
§ 2o As repartições públicas poderão fornecer todos os documentos em meio
eletrônico conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata
de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento
digitalizado.”

Os parágrafos deste artigo vieram para adiantar a tendência eletrônica do processo


moderno, a informatização processual, regulada pela Lei 11.419/06. Outro exemplo desta

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

tendência vem no artigo 541 do CPC, especialmente no parágrafo único deste dispositivo,
referente aos recursos especiais por dissídio jurisprudencial:

“Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na


Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente
do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:
I - a exposição do fato e do direito;
II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.
Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o
recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela
citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia
eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela
reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte,
mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os casos confrontados.”

Destarte, vê-se que nos documentos deste caso específico, não se exige o sistema de
autenticação próprio que se exige para os documentos eletrônicos do artigo 399 do CPC.

1.5. Prova testemunhal

Consiste na prova colhida a partir do depoimento de quem, não sendo parte, foi
arrolado no processo. É o depoimento de quem não for parte do processo29.
Para que haja testemunho, é necessário que haja colheita direta do depoimento. Se a
testemunha não for ouvida diretamente pelo juiz, ou seja, se há sua declaração em outro
momento, e suas palavras forem reduzidas a termo e trazidas aos autos, se trata de prova
documental, e não testemunhal.
Surge aqui um problema, no depoimento colhido por meio digital, a chamada
colheita remota do depoimento, na qual o juiz se encontra em um lugar, e a pessoa que
depõe se encontra fisicamente em outro local. No processo penal, esta questão é bastante
controvertida, mas no processo civil a questão é mais simples: é prova testemunhal,
plenamente conceituada, a que for tomada por meio remoto. Inclusive, o CNJ planeja
extinguir colheita direta de prova oral por carta precatória, transformando todos os atos de
colheita em eletrônicos, ou seja, o próprio deprecante seria o juízo tomador dos
depoimentos, por meio digital.
O sistema de colheita da prova oral é o presidencialista: o juiz ouve a pergunta feita
pela parte, e a refaz à testemunha. No processo penal, o sistema, que antes era assim, agora
é o direto, ou seja, a parte inquire diretamente a testemunha.
A prova testemunhal é regulada no CPC a partir o artigo 400. No artigo 401, se
encontra previsão que repete a que é consignada no artigo 227 do CC:

“Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo


valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em
que foram celebrados.”

29
Vale dizer que o perito, quando chamado a falar sobre seu laudo, não é testemunho: está apenas
esclarecendo a prova técnica, e não depondo.

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Há quem diga, minoritariamente, que este artigo é inconstitucional, por impor óbice
por vezes intransponível à prova de alguns negócios jurídicos. Mas veja que o artigo
seguinte, 402, e o artigo 404, mitigam esta regra de forma significativa:

“Art. 402. Qualquer que seja o valor do contrato, é admissível a prova


testemunhal, quando:
I - houver começo de prova por escrito, reputando-se tal o documento emanado da
parte contra quem se pretende utilizar o documento como prova;
II - o credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita
da obrigação, em casos como o de parentesco, depósito necessário ou hospedagem
em hotel.”

“Art. 404. É lícito à parte inocente provar com testemunhas:


I - nos contratos simulados, a divergência entre a vontade real e a vontade
declarada;
II - nos contratos em geral, os vícios do consentimento.”

Estas exceções não vêm previstas no CC, que consigna a regra de forma absoluta. É
de se entender, então, que prevalece a normatização do CPC, que melhor implementa a
ampla defesa.
O artigo 405 do CPC regula quem pode e quem não pode atuar como testemunha.
Vale reproduzir a íntegra:

“Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes,
impedidas ou suspeitas.
§ 1o São incapazes:
I - o interdito por demência;
II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que
ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não
está habilitado a transmitir as percepções;
III - o menor de 16 (dezesseis) anos;
IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes
faltam.
§ 2o São impedidos:
I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou
colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou
afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao
estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute
necessária ao julgamento do mérito;
II - o que é parte na causa;
III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o
representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou
tenham assistido as partes.
§ 3o São suspeitos:
I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a
sentença;
II - o que, por seus costumes, não for digno de fé;
III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo;
IV - o que tiver interesse no litígio.
§ 4o Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou
suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de
compromisso (art. 415) e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.”

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O § 4º deste artigo trata de figura de alta relevância: o informante do juízo. Esta


figura é aquela pessoa que, considerada suspeita ou impedida, ainda precisa ser ouvida,
dada a alta importância que suas declarações podem representar para o deslinde da causa. A
diferença é que, dada a suspeição ou impedimento, o informante não será obrigado a prestar
compromisso com a verdade, e se com ela faltar, não tendo prestado tal compromisso, não
será considerado crime de falso testemunho.
Da testemunha, todavia, se exige que preste este compromisso, e a falta com a
verdade é fato típico penal. Assim determina o artigo 415 do CPC:

“Art. 415. Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer


a verdade do que souber e lhe for perguntado.
Parágrafo único. O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem
faz a afirmação falsa, cala ou oculta a verdade.

Se a testemunha se negar a prestar compromisso, o juiz pode descartar sua oitiva, ou


optar por ouvi-la como informante. Assim, vê-se que uma nota característica da natureza
testemunhal de um depoimento é a prestação do compromisso.
O artigo 406 do CPC trata das limitações não da pessoa que depõe, como na
suspeição e impedimento, mas quanto aos fatos a serem testemunhados:

“Art. 406. A testemunha não é obrigada a depor de fatos:


I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes
consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.”

No inciso I, inclui-se o companheiro, em união estável.


A prova testemunhal é produzida de acordo com o rol de testemunhas apresentado
por quem requer a prova. No sistema do CPC, a apresentação do rol independe da
necessidade de intimação das testemunhas. A finalidade da apresentação prévia do rol é
permitir a contradita, que é a argüição de suspeição ou impedimento pela outra parte,
prevista no artigo 414 do CPC:

“Art. 414. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarando o nome por
inteiro, a profissão, a residência e o estado civil, bem como se tem relações de
parentesco com a parte, ou interesse no objeto do processo.
§ 1o É lícito à parte contraditar a testemunha, argüindo-lhe a incapacidade, o
impedimento ou a suspeição. Se a testemunha negar os fatos que Ihe são
imputados, a parte poderá provar a contradita com documentos ou com
testemunhas, até três, apresentada no ato e inquiridas em separado. Sendo provados
ou confessados os fatos, o juiz dispensará a testemunha, ou lhe tomará o
depoimento, observando o disposto no art. 405, § 4o.
§ 2o A testemunha pode requerer ao juiz que a escuse de depor, alegando os
motivos de que trata o art. 406; ouvidas as partes, o juiz decidirá de plano.”

Veja que se o motivo para fundamentar uma contradita só for descoberto no curso
do depoimento da testemunha, esta não será descartada, mas o juiz poderá levar em conta
tal suspeição ou impedimento ao sopesar o valor do depoimento, minorando o seu valor
probatório na fundamentação.
O artigo 407 do CPC determina prazo regressivo para a apresentação do rol de
testemunhas:

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

“Art. 407. Incumbe às partes, no prazo que o juiz fixará ao designar a data da
audiência, depositar em cartório o rol de testemunhas, precisando-lhes o nome,
profissão, residência e o local de trabalho; omitindo-se o juiz, o rol será
apresentado até 10 (dez) dias antes da audiência.
Parágrafo único. É lícito a cada parte oferecer, no máximo, dez testemunhas;
quando qualquer das partes oferecer mais de três testemunhas para a prova de cada
fato, o juiz poderá dispensar as restantes.”

Assim como o prazo do artigo 277 do CPC, o decêndio para a audiência, este prazo
se conta excluindo o dia da juntada do ato, e o primeiro dia útil anterior será o termo a quo.
Mesmo que o parágrafo único indique que podem ser arroladas até dez testemunhas,
a prática indica que apenas as três testemunhas por fato, ali mencionadas, é que são
realmente ouvidas.
O artigo 408 trata das hipóteses em que a substituição de testemunhas é permitida:

“Art. 408. Depois de apresentado o rol, de que trata o artigo antecedente, a parte
só pode substituir a testemunha:
I - que falecer;
II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor;
III - que, tendo mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça.”

Discute-se se este rol é exemplificativo ou taxativo. Se for considerado taxativo, a


troca de testemunhas por motivos diversos seria impossível, mas a doutrina mais moderna
tem defendido que é rol exemplificativo, pois há fatos que, não previstos ali, são tão ou
mais relevantes para justificar uma substituição do que as hipóteses legais. Como exemplo,
a testemunha que tem sido intimidada, ameaçada.
O artigo 411 do CPC traz uma regra processual de reverência, excepcionando o
local da prática da colheita do depoimento de algumas figuras:

“Art. 411. São inquiridos em sua residência, ou onde exercem a sua função:
I - o Presidente e o Vice-Presidente da República;
II - o presidente do Senado e o da Câmara dos Deputados;
III - os ministros de Estado;
IV - os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do
Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do
Trabalho e do Tribunal de Contas da União;
V - o procurador-geral da República;
VI - os senadores e deputados federais;
VII - os governadores dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal;
VIII - os deputados estaduais;
IX - os desembargadores dos Tribunais de Justiça, os juízes dos Tribunais de
Alçada, os juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais Regionais
Eleitorais e os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito
Federal;
X - o embaixador de país que, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa ao
agente diplomático do Brasil.
Parágrafo único. O juiz solicitará à autoridade que designe dia, hora e local a fim
de ser inquirida, remetendo-lhe cópia da petição inicial ou da defesa oferecida pela
parte, que arrolou como testemunha.”

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

O artigo 412 do CPC deixa claro que há dois meios de fazer com que as
testemunhas venham a juízo, quais sejam, o arrolamento com ou sem pedido de intimação:

“Art. 412. A testemunha é intimada a comparecer à audiência, constando do


mandado dia, hora e local, bem como os nomes das partes e a natureza da causa.
Se a testemunha deixar de comparecer, sem motivo justificado, será conduzida,
respondendo pelas despesas do adiamento.
§ 1o A parte pode comprometer-se a levar à audiência a testemunha,
independentemente de intimação; presumindo-se, caso não compareça, que desistiu
de ouvi-la.
§ 2o Quando figurar no rol de testemunhas funcionário público ou militar, o juiz o
requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir.
§ 3o A intimação poderá ser feita pelo correio, sob registro ou com entrega em
mão própria, quando a testemunha tiver residência certa.”

A ordem da oitiva das testemunhas é trazida no artigo 413 do CPC:

“Art. 413. O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente; primeiro as


do autor e depois as do réu, providenciando de modo que uma não ouça o
depoimento das outras.”

O artigo 416 do CPC estabelece o sistema presidencialista da colheita do


depoimento, já mencionado:

“Art. 416. O juiz interrogará a testemunha sobre os fatos articulados, cabendo,


primeiro à parte, que a arrolou, e depois à parte contrária, formular perguntas
tendentes a esclarecer ou completar o depoimento.
§ 1o As partes devem tratar as testemunhas com urbanidade, não lhes fazendo
perguntas ou considerações impertinentes, capciosas ou vexatórias.
§ 2o As perguntas que o juiz indeferir serão obrigatoriamente transcritas no termo,
se a parte o requerer.”

Os §§ do artigo 417 do CPC são outras manifestações da tendência à informatização


do processo:

“Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia


ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e
pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação.
§ 1o O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso
da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a
requerimento da parte.
§ 2o Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2 o e 3o do
art. 169 desta Lei.”

1.6. Prova pericial

Este meio de prova consiste na análise técnica ou científica de determinados fatos,


realizada por perito ou pessoa capacitada naquela área, para auxiliar a compreensão pelo
juiz das questões postas em julgamento. A regulamentação da matéria tem início no artigo
420 do CPC:

“Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando:


I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico;
II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III - a verificação for impraticável.”

O exame é a análise feita de coisa ou pessoa; vistoria, a análise de lugar; e


avaliação é a análise que importa em quantificação. Há perícias que, de uma só vez,
contam com os três escopos. Imagine-se uma vistoria de uma casa para análise dos danos
causados às coisas, e quantificação do valor demandado para reparo – há os três objetivos
no mesmo ato.
O primeiro passo da perícia é o requerimento das partes ou a determinação ex
officio pelo juiz desta prova. Em seguida, nomeia-se o perito, fixando prazo para a entrega
do laudo. Na prática, o juiz nomeia o perito, questiona a este se aceita o encargo, e quais
serão seus honorários, mas não fixa prazo, deixando que o próprio perito diga qual será o
prazo para realizar a prova.
Adiante, as partes, depois de intimadas da produção da prova, indicam assistente
técnico para formulação de quesitos, se o quiserem. Há que se atentar que os quesitos são
desde já formulados, e não em momento posterior, mesmo que a praxe demonstre que os
juizes admitem nova oportunidade, após a nomeação do assistente, para formulação de
quesitos. Se o juiz não o fizer, estará preclusa a indicação de quesitos, pois o momento
correto é na nomeação do assistente.
Indicado o assistente técnico, e formulados os quesitos, o perito tem que comunicar
às partes que vai realizar a perícia, e esta pode ser acompanhada pelas partes que assim
desejarem.
Após a realização efetiva da perícia, o expert vai produzir laudo pericial, que será a
representação escrita das conclusões da análise, e que será juntado aos autos.
Nos juizados especiais, como é sabido, não se admite comumente a perícia, mas o
motivo é que não há ali recolhimento de custas ou taxas, e por isso a perícia seria sempre
gratuita, o que é inviável, e, além disso, seria ato realizado em audiência, dada a oralidade,
comparecendo o perito em audiência para apresentar seu laudo – igualmente inviável, na
prática. Veja que a perícia não é expressamente vedada, mas é de tão difícil realização,
neste rito que fica faticamente incompatível.
Apresentado o laudo, é dado às partes impugná-lo. Há quem apresente, e quem
admita, formulação de quesitos suplementares nesta impugnação, mas tecnicamente estes
quesitos só podem ser apresentados durante a realização da diligência, como dispõe o artigo
425 do CPC:

“Art. 425. Poderão as partes apresentar, durante a diligência, quesitos


suplementares. Da juntada dos quesitos aos autos dará o escrivão ciência à parte
contrária.”

A impugnação pode ensejar vista ao perito, para esclarecer os pontos questionados,


ou marcar uma audiência para ouvir o expert sobre tais questões. Pode, ainda, o juiz acolher
a impugnação que suscite substituição do perito, nomeando um outro e refazendo a prova.
Terminada a perícia, o juiz pode determinar prosseguimento do feito, se satisfeito,
ou determinar realização de nova perícia, se entender que aquela não sanou a questão que
pretendia esclarecer.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

1.7. Inspeção judicial

Consiste na diligência em que o próprio juiz, pessoalmente, se desloca do juízo para


avaliar pessoas ou coisas, a fim de formar juízo de valor sobre elas.

“Art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do


processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que
interesse à decisão da causa.”

Em regra, as provas são produzidas na sede do juízo, e a inspeção é uma exceção.


A inspeção direta, que é a única admitida no CPC, é feita pelo juiz, o qual pode se
fazer acompanhar por peritos, a fim de explicar-lhe o que for visto. Veja:

“Art. 441. Ao realizar a inspeção direta, o juiz poderá ser assistido de um ou mais
peritos.”

Neste caso, pode ser concomitante, na mesma diligência, a realização de perícia e


inspeção.
No juizado especial, admite-se a inspeção indireta, realizada por pessoa de
confiança do juiz, como se vê no artigo 35 da Lei 9.099/95:

“Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua
confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.
Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento
das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa
de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado.”

Casos Concretos

Questão 1

Em razão de um litígio envolvendo a discussão acerca da validade de um contrato


que gira em torno de R$ 1.000.000,00, o autor produziu prova oral em audiência,
esgotando todo o tema da controvérsia. Inexistindo outras provas a serem produzidas, o
juiz, de oficio, determinou a realização de prova pericial, responsabilizando o réu pelo
pagamento das despesas com o perito judicial. A sentença foi prolatada, no sentido de
acolher o pedido do autor, considerando ter logrado provar o fato constitutivo de seu
direito. A decisão judicial é passível de alguma crítica? A determinação da produção de

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

prova de ofício pelo juiz pode representar maltrato a algum princípio do processo?
Compatibilize os preceitos dos arts. 130 e 1107 do CPC. A inversão do ônus da prova
encontra algum permissivo legal? Com ela deve ser invertido o ônus financeiro? A
confissão difere do reconhecimento do pedido? Qual é a sua natureza jurídica?

Resposta à Questão 1

Há duas críticas a esta decisão: a imputação da responsabilidade financeira da prova


ao réu está incorreta, pois quando o juiz determina, de ofício, a produção de qualquer
prova, o ônus financeiro desta incumbe ao autor, como regra geral do artigo 33 do CPC.
Outra crítica é a inadmissibilidade de que seja utilizada apenas a prova oral para comprovar
negócios jurídicos superiores a dez salários mínimos, trazida no artigo 227 do CC.
O poder autoinstrutório do juiz não ofende a inércia ou a imparcialidade, como se
poderia suscitar, porque a busca pela verdade real compele a que o juiz encontre a melhor
verdade possível para a resolução do litígio, e seu poder de autoinstrução é um instrumento
de promoção desta busca.
Acerca da compatibilização dos artigos 130 e 1.107 do CPC, vale a transcrição de
ambos:

“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as


provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou
meramente protelatórias.

“Art. 1.107. Os interessados podem produzir as provas destinadas a demonstrar as


suas alegações; mas ao juiz é licito investigar livremente os fatos e ordenar de
ofício a realização de quaisquer provas.”

O artigo 1.107 do CPC está situado na jurisdição voluntária, mas o que este
dispositivo quer dizer, em verdade, é que na jurisdição voluntária a atividade probatória do
juiz é concorrente, enquanto na jurisdição contenciosa, a atividade é suplementar: no artigo
1.107, a iniciativa probatória do juiz não depende do ritmo da atividade probatória das
partes, enquanto no processo contencioso, o artigo 130 determina que só é dado ao juiz
provar aquilo que as partes não provaram ou não conseguiram provar de maneira adequada.
Acerca da inversão do ônus probatório, se encontra permissivo legal apenas nas
relações consumeristas, no artigo 6º, VIII, do CDC. A responsabilidade pelo custeio da
prova, no entanto, permanece com a mesma pessoa que deveria ter produzido a prova,
porque a inversão, na verdade, é só referente à desconstituição do direito do autor, que é
imposta ao réu: se a prova serve à desconstituição, o ônus financeiro é do réu; se a prova
serve à comprovação de verossimilhança, o ônus financeiro incumbe ao autor. Não se
invertem, portanto, os ônus financeiros da prova.
A confissão difere claramente do reconhecimento do pedido. A confissão diz
respeito apenas ao fato que fundamenta a pretensão, enquanto o reconhecimento do pedido
diz respeito à própria pretensão processual. De forma bem plana, se a parte reconhece que
existe dívida a ser por ela paga, está confessando (mas poderá aduzir defesa, direta ou
indireta); quando diz que vai pagar tal dívida, está reconhecendo o pedido – não oferecerá
defesa alguma. Por fim, a natureza jurídica da confissão é de meio de prova, enquanto o
reconhecimento da procedência do pedido tem natureza de ato jurídico processual
dispositivo (para alguns, ato de composição entre as partes, ato negocial).

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Questão 2

Qual a diferença - se é que alguma existe - entre confissão qualificada e confissão


complexa?

Resposta à Questão 2

A confissão qualificada ocorre quando há o reconhecimento do fato alegado pela


parte contrária, mas sob outra qualificação jurídica: reconhece ter recebido dinheiro, mas
não a teor de empréstimo, e sim de doação, por exemplo. A complexa, por sua vez, consiste
no reconhecimento do fato, mas também na adução de novo fato que altera a pretensão
autoral. Vale dizer, ainda, que a confissão complexa é a única que escapa à indivisibilidade
da confissão, segundo o artigo 354, fine, do CPC.

Questão 3

Até que fase do processo pode a parte promover a juntada de documentos? Que
princípio (s) confere (m) suporte à resposta?

Resposta à Questão 3

Em teoria, só poderia haver juntada até o momento do saneamento do processo, pois


todos os momentos de juntada teriam passado, até então: a inicial, a contestação, a eventual
réplica, e o próprio saneamento. Mas há que se consignar que a parte pode, a qualquer
tempo, juntar documentos formal ou materialmente novos, ou documentos que não
puderam ser juntados antes, por força maior.
O MP, quando custos legis, pode produzir prova documental a qualquer tempo, na
forma do artigo 83, II, do CPC:

“Art. 83. Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público:


I - terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do
processo;
II - poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer
medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade.”
Da mesma forma, pode o juiz determinar a apresentação de qualquer documento, a
qualquer tempo.
Pela gama de exceções, percebe-se que a regra da juntada dos documentos não pode
ser aplicada literalmente, devendo ser observada com certa liberdade, mesmo em casos
diferentes das exceções expressas, sempre em busca da melhor verdade no processo.
Em fase recursal, porém, a regra é um tanto mais rígida, a teor do artigo 517 do
CPC: só se mitiga em caso de força maior. Veja:

“Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser
suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força
maior.”

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Tema XVII

A audiência de instrução e julgamento. Conceito. Princípios informativos: concentração, imediatidade,


oralidade e identidade física do juiz. Atos preparatórios. Publicidade. Adiamento e suspensão. Estrutura.
Abertura. Conciliação. Instrução. Debates orais.

Notas de Aula30

1. Audiência de instrução e julgamento

O processo de conhecimento (ou o processo como um todo) se desenha como um


verdadeiro sistema combinatório: a realização de um ato abre uma gama de possibilidades a
30
Aula proferida pelo professor Felippe Borring Rocha, em 2/10/2008.

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serem seguidas, e a opção feita abre nova gama de opções, e assim por diante, se
encadeando os atos até o termo do processo.
Dentro desta estrutura encadeada, surge, genericamente, a possibilidade de
realização de duas audiências, a de conciliação (hoje chamada preliminar) e a de instrução e
julgamento. Mas veja que nenhuma das duas é obrigatoriamente realizada, pois,
dependendo dos atos praticados, o sistema combinatório não as incluirá como opção do
deslinde. Por exemplo, se a petição inicial for indeferida, sequer haverá a audiência
preliminar, quanto mais a audiência de instrução e julgamento (doravante AIJ).
A audiência preliminar, então, é ainda mais facultativa, em que pese Dinamarco crer
obrigatória: só se a realizará quando as partes pretenderem conciliação, pois o saneamento,
sua outra finalidade, pode ser feito por escrito, sem necessidade de audiência.
A AIJ só se justifica se houver prova oral a ser produzida. Não havendo prova oral a
ser colhida, a AIJ não é necessária. Quando for realizada, a AIJ é o último ato da fase
instrutória do processo, inclusive sendo nela proferida a sentença 31, se possível, ou aberta
conclusão para prolação posterior da sentença.
Veja que, então, quando a AIJ for realizada, ela é o marco divisório entre a fase
instrutória e a decisória do processo.
A AIJ possui quatro fases: preparatória, conciliatória, probatória e decisória. Veja
que, então, se trata mesmo de uma audiência de conciliação, instrução e julgamento, porque
a intentada conciliatória, pelo julgador, é uma fase necessária na AIJ.
A fase preparatória é a designação de data e intimação das partes. A audiência
começa com o pregão das partes, e tem início, desde já, a tentativa de conciliação.
Frustrada, passa-se à colheita de provas, pela ordem: depoimentos pessoais; depoimentos
testemunhais; oitivas de peritos; e debates orais, culminando em alegações finais.
A última fase, decisória, não consiste apenas em proferir sentença, pois o juiz pode
decidir outras questões prévias à sentença.

1.1. Princípios da AIJ

A AIJ é regida por três grandes princípios: princípio da oralidade, da identidade


física e da concentração. A oralidade significa que, em regra, a prova colhida na AIJ é oral.
A identidade física significa que o juiz que encerra a AIJ é vinculado à produção da
sentença. E a concentração determina que é na audiência que se concentram os atos
probatórios, ressalvados os marcos para juntada de documentos, anteriormente.
Uma das principais características da AIJ é a unidade, ou seja, a audiência, em
regra, não é cindida, e quando for partida, na forma do artigo 455 do CPC, será apenas
temporalmente cindida, mas não logicamente partida: é a mesma AIJ, tendo seguimento em
outro dia (o termo técnico é suspensão, e não adiamento, quando isto ocorre).

“Art. 455. A audiência é una e contínua. Não sendo possível concluir, num só dia,
a instrução, o debate e o julgamento, o juiz marcará o seu prosseguimento para dia
próximo.”

31
Há interessante previsão, neste caso: se o juiz profere qualquer decisão em AIJ, antes da sentença, o agravo
que é cabível é somente o retido, porque a próxima fase será a decisória, e o próximo passo natural é a
sentença (podendo haver conversão da conclusão em diligência, em determinados casos).

Michell Nunes Midlej Maron 16


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Havendo excepcional cisão da AIJ, o juiz que a encerra é o que se vincula à


prolação da sentença. Contudo, na casuística, se um juiz inicia a colheita da prova, e outro
finaliza, é fato que qualquer dos dois (de preferência aquele que participou mais
intensamente da colheita) poderá validamente prolatar sentença, sem violar a identidade.
A AIJ é dirigida pelo juiz, contando com poder de polícia processual: deve colher as
provas e zelar pela urbanidade de todos os participantes da audiência.

1.2. Adiamento da audiência

A AIJ, no termo legal, só se adia por dois motivos, como esclarece o artigo 453 do
CPC:

“Art. 453. A audiência poderá ser adiada:


I - por convenção das partes, caso em que só será admissível uma vez;
II - se não puderem comparecer, por motivo justificado, o perito, as partes, as
testemunhas ou os advogados.
§ 1o Incumbe ao advogado provar o impedimento até a abertura da audiência; não
o fazendo, o juiz procederá à instrução.
§ 2o Pode ser dispensada pelo juiz a produção das provas requeridas pela parte
cujo advogado não compareceu à audiência.
§ 3o Quem der causa ao adiamento responderá pelas despesas acrescidas.”

Há, contudo, uma infinidade de motivos lógicos, porém inominados, que ensejariam
adiamento da AIJ, como qualquer hipótese de força maior ou fortuito relevante.

1.3. Sustentação oral de alegações finais e apresentação de memoriais

A apresentação de memoriais não é uma regra, como comumente se pensa.


Entretanto, a praxe demonstra que é muito mais comum a apresentação deste termo escrito
do que a sustentação oral de alegações finais.

Casos Concretos

Questão 1

Em apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de


alimentos, Simone, vencida, alegou a nulidade da sentença sustentando não ter sido
observado o Princípio da Identidade Física do Juiz uma vez que a sentença foi prolatada
por outro magistrado quando aquele que presidiu a audiência de instrução e julgamento se
encontrava de férias. A prova produzida na audiência não foi utilizada na sentença. Fábio,
apelado, argumenta, por sua vez, que a hipótese é de competência relativa, conforme art.
132, 2ª parte do C.P.C., e, no mérito, que separação judicial com culpa recíproca não

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

enseja a obrigação alimentar, além do mais a apelante é sócia-gerente na empresa do


casal e que seria enriquecimento ilícito pleitear alimentos. Decida a questão.

Resposta à Questão 1

Qualquer forma de afastamento do juiz, inclusive férias, permite que o juiz


substituto assuma o feito e prolate sentença em lugar daquele afastado, sem qualquer
invalidade. A identidade física é altamente mitigável.
A respeito, veja o julgado da apelação cível 2003.001.11018, do TJ/RJ:

“SEPARACAO JUDICIAL. CULPA RECIPROCA DOS CONJUGES.


OBRIGACAO ALIMENTAR. INEXISTENCIA. PRINCIPIO DA IDENTIDADE
FISICA DO JUIZ.
JUIZ. Princípio da Identidade Física. Vinculação Mitigada. Não se reveste de
caráter absoluto o princípio da identidade física do juiz. A celeridade processual e a
falta de prejuízo são motivos suficientes para desvincular do processo o juiz que
iniciou a audiência e concluiu a instrução. Na expressão legal "afastado por
qualquer motivo", é de ter-se como englobadas também as férias ou licença
dojulgador. ALIMENTOS. Separação Judicial. Culpa Recíproca. Inexistência de
Obrigação Alimentar. No caso de separação judicial com fulcro em culpa recíproca
não há obrigatório alimentar entre os coresponsáveis. Desprovimento do recurso.”

Questão 2

Mesmo depois de removido para outro juízo da mesma comarca, o juiz prolatou
sentença em processo que já lhe estava concluso antes da remoção. A parte vencida apelou
em busca da nulidade da sentença sob o argumento de que o juiz prolator da decisão não
tinha mais competência para tal. Aduz que mesmo que já tivesse encerrado a instrução, a
vinculação havia cessado, pelo que o processo deveria ter sido enviado ao substituto legal.
Pergunta-se: A sentença padece do vício alegado pelo apelante ? Justifique.

Resposta à Questão 2

Não há vício. Se o juiz abriu conclusão, o processo é de sua competência,


independentemente de onde se encontre, quando prolatar a sentença. Mais do que poder
proferir esta sentença, é um dever deste juiz que tem os autos conclusos fazê-lo,
independente de qualquer movimentação que haja em sua lotação.
Tema XVIII

Sentença: conceito. Classificação: terminativa e definitiva; declaratória, constitutiva, condenatória,


mandamental e executiva lato sensu. Estrutura: art. 458, CPC. Vícios: Sentença extra, citra ou ultra petita.
Sentença determinativa.

Notas de Aula32

1. Sentença

32
Aula proferida pelo professor Ademar Vidal Neto, em 3/10/2008.

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

O conceito de sentença, como se sabe, foi alterado pela Lei 11.232/05, modificando
a redação do § 1º do artigo 162 do CPC:

“Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e


despachos.
§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts.
267 e 269 desta Lei.
(...)”

Até então, prevalecia o conceito de sentença traçado por Barbosa Moreira, que dizia
que sentença “é a decisão do juiz que põe fim ao processo em primeiro grau de jurisdição”.
Uma segunda corrente, minoritária, mas tecnicamente correta, defendia que sentença “é a
decisão do juiz que dá uma resposta aos pedidos formulados pelo autor, em primeiro grau
de jurisdição”. Veja que esta segunda corrente era tecnicamente correta porque o juiz, de
fato, pode eventualmente continuar atuando e decidindo no processo, após a prolação da
sentença – a exemplo da sua decisão de primeira admissibilidade da apelação.
Existia ainda uma terceira corrente, que hoje ganha relevância, que defendia que a
sentença se define por seu conteúdo, ou seja, só é sentença a decisão proferida pelo juiz que
se imiscua numa das hipóteses dos artigos 267 e 269 do CPC. Veja que esta corrente, que
era bastante inexpressiva, parece ter sido a adotada pelo legislador reformador, mas, como
se verá, não se resume apenas à leitura literal do dispositivo. Como se sabe, a Lei 11.232/05
veio consolidar o processo sincrético, que já vinha desde 2002 com a Lei 10.444 para
obrigações de dar coisa certa ou de fazer ou não fazer, implementando o sincretismo nas
execuções de obrigações de pagar quantia certa. Para tanto, foi necessário alterar o conceito
de sentença, que passou a ter a redação agora observada.
Imagine-se a seguinte hipótese: havendo litisconsórcio passivo, o juiz acolhe
alegação de ilegitimidade passiva e exclui um dos réus, dando prosseguimento ao feito em
relação ao outro co-réu. Esta decisão, antes da alteração de 2005, era claramente
interlocutória, pois, a prevalecer a tese majoritária da época, esta decisão não punha fim ao
processo em primeira instância, não podendo ser sentença.
Hoje, interpretando-se gramaticalmente o novel § 1º do artigo 162, chegar-se-ia à
conclusão que esta decisão seria sentença, pois seu conteúdo está no artigo 267, VI, do
CPC, e, na literalidade, é o bastante para a configuração da sentença. Surge, para quem
assim interpreta, sério problema: qual recurso é desafiado por esta decisão?
Veja que a hibridez de uma decisão de saneamento que extingue o processo para um
co-réu e dá seguimento para outro cria uma perplexidade na definição do recurso cabível.
Sendo sentença, seria apelação, mas como apelar intermediariamente em um processo? E se
se interpuser agravo de instrumento, não há identificação deste recurso com uma sentença,
pois é dedicado a atacar decisões interlocutórias. E, diga-se, nunca será possível, diante de
uma só decisão, interpor mais de um recurso, pelo principio da unirrecorribilidade, da
singularidade recursal.
Diante desta perplexidade, há mesmo quem defenda que seria cabível espécie de
apelação por instrumento, o que é uma criação onde a lei não permite, ou seja, é criação
não-legislativa de uma nova espécie de recurso – subvertendo gritantemente a taxatividade
dos recursos.
Por conta disso, a doutrina mais sensata vem e critica o problema na sua raiz: o
conceito de sentença. Na verdade, sentença não é apenas aquilo que o § 1º do artigo 162

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

dispõe; ali, o legislador traçou apenas um início de conceito, que precisa ser
complementado por outros elementos. Vejamos.
Barbosa Moreira e Nelson Nery Júnior estabelecem que, para ser sentença, é
necessário que haja o preenchimento do conteúdo legal, ou seja, é necessária a incidência
em um dos artigos ali mencionados, 267 e 269 do CPC, somada ao principal efeito que se
espera da sentença, qual seja, pôr fim ao processo em primeiro grau de jurisdição.
Somente assim, dizem, soluciona-se a problemática de decisões que incidem em hipóteses
do conteúdo legal, dos artigos 267 ou 269, em momento intercorrente do processo (como
no exemplo dado, da parcial extinção do litisconsórcio).
Destarte, pode-se sintetizar um conceito moderno de sentença: é o ato do juiz que,
incidindo numa das hipóteses do artigo 267 ou 269 do CPC, põe fim ao processo em
primeira instância.
Assim, aquela decisão de saneamento que excluiu um dos co-réus, continua sendo
decisão interlocutória, desafiando recurso de agravo, portanto.

1.1. Classificação das sentenças

A primeira classificação que se encontra é a que divide as sentenças em


terminativas e definitivas. Sentença terminativa é a que extingue o processo sem resolver o
mérito da lide, sendo por isso chamada de sentença anômala, uma vez que o objetivo do
processo não foi alcançado, qual seja, resolver a pretensão material que foi resistida,
demandando a pacificação estatal. As hipóteses de sentenças terminativas estão no artigo
267 do CPC.
Sentença definitiva, por seu turno, é a que resolve o mérito, alcançando o fim que se
espera do processo. Estão arroladas as suas hipóteses no artigo 269 do CPC. Veja que a Lei
11.232/05 promoveu pequena alteração no caput deste artigo, que merece comentários:

“Art. 269. Haverá resolução de mérito:


(...)”

A redação anterior deste artigo dispunha que o mérito seria julgado, enquanto hoje
se vê que é resolvido. Esta alteração é técnica, porque quando o processo chega ao fim por
transigência das partes, por exemplo, ou quando o autor renuncia ao direito, o processo terá
fim com o mérito solucionado, mas sem que o juiz tenha julgado a lide: a resolução do
mérito veio por conta de atividade das partes, e não do juiz, que sequer incursou na
apreciação do mérito.
As sentenças definitivas comportam subclassificação, havendo duas correntes a
disputar qual seja a melhor definição de cada espécie. Trata-se da classificação trinária e da
classificação quinária das sentenças definitivas. Vejamos.

1.1.1. Classificação trinária

Esta tese divide as sentenças que resolvem o mérito em meramente declaratórias,


constitutivas ou condenatórias. A sentença declaratória é a que se dedica a pôr fim a uma
crise de incerteza, posta diante do juiz, que é instado a fulminar tal dúvida, dizendo se há ou
não o direito pretendido. A constitutiva, por sua vez, cria, extingue ou modifica relação
jurídica. A condenatória, é a que declara a existência do direito, mas contém ainda a ordem

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

para cumprimento de obrigação inadimplida, relativa a tal direito – soluciona crise de


inadimplência.
Pontes de Miranda formulou a tese de que para se identificar uma sentença, é
necessário revelar seu conteúdo preponderante, porque em verdade toda e qualquer
sentença é declaratória, sendo que a constitutiva e a condenatória, além de declarar o
direito, contêm algo mais, que é, respectivamente, a constituição (ou modificação, ou ainda
extinção) de relação jurídica, ou a autorização para execução forçada. O conteúdo que
preponderar será o identificador da sentença.
Toda sentença de improcedência é declaratória negativa, porque o juiz
simplesmente diz ao autor que ele não é titular daquele direito que invocou.
A classificação trinária é amplamente adotada, em detrimento da quinária, por ser
minimalista, sem elaborar o que não deveria ser elaborado, e por isso muito mais precisa.

1.1.2. Classificação quinária

Além da classificação das sentenças exposta na tese trinária, repetida por esta
classificação quinária, esta tese elabora conceitos que subdividem as sentenças
condenatórias, criando duas vertentes autônomas, a executiva lato sensu e a mandamental.
Como dito, a sentença condenatória declara o direito, e impõe ao condenado a
execução forçada. É fato, portanto, que toda sentença condenatória põe fim a uma crise de
inadimplemento, quer seja de pagar uma quantia devida, quer seja de entregar um bem
qualquer. Entretanto, os adeptos desta classificação quinária preferem traçar uma diferença
quanto ao modo como a sentença condenatória será executada: se o inadimplemento é de
pagar quantia, o procedimento é o da execução por quantia certa, ou cumprimento de
sentença; se a obrigação imposta na condenação é de dar, será seguido o rito de execução
apropriado.
E este meio diverso de execução é o que diferencia as sentenças executivas lato
sensu, como nas obrigações de dar, das mandamentais. A sentença executiva lato sensu tem
no seu conteúdo a obrigação que é positivada, a forma de cumprimento, e a sanção pelo
descumprimento. São executivas lato sensu, por exemplo, a sentença da ação de despejo e
as possessórias.
As mandamentais, por seu lado, enfrentam divergências sobre seu conceito mesmo
entre os adeptos da classificação quinária, mas a maior parte entende que é uma simples
ordem, um comando para realizar determinada atividade. O descumprimento da sentença
mandamental pode até mesmo tipificar o crime de desobediência.
Veja que a classificação quinária é um tanto desnecessária, e imprecisa, pois toma
por base para classificar a sentença os seus efeitos, e não a sua essência. Por isso, prevalece
amplamente a classificação trinária.

1.2. Estrutura da sentença

Toda sentença deve observar uma estrutura formal, prevista no artigo 458 do CPC:

“Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:


I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do
réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do
processo;

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;


III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe
submeterem.”

Assim, é imperativo que a sentença tenha relatório, fundamentação e dispositivo.


No relatório, o juiz permite que as partes controlem a sua atividade, demonstrando
que compulsou o processo, perscrutando cada ato ali realizado, e portanto estando
plenamente ciente de tudo que ocorreu – estando, por isso, apto a julgar.
A Lei 9.099/95 dispensa expressamente a feitura do relatório no artigo 38, porque a
simplicidade do rito e a boa parte de atos praticados oralmente faz presumir-se que o juiz
conheceu dos fatos do processo, não precisando demonstrar tal ciência por escrito.

“Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve


resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório.
Parágrafo único. Não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida, ainda
que genérico o pedido.”

Depois do relatório, vem a fundamentação da sentença. A CRFB alçou a


necessidade de fundamentar decisões a status de princípio constitucional, previsto no seu
artigo 93, IX:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá


sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(...)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente
a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no
sigilo não prejudique o interesse público à informação;
(...)”

Esta obrigatoriedade é a verdadeira legitimação diferida do Poder Judiciário, pois,


como se sabe, seus membros não contam com o voto popular para exercício do poder que
lhes é entregue. É só na observância da fundamentação que se pode perceber que os
motivos do julgador condizem ou não com o que o ordenamento jurídico prescreve. Só ali
se verá se os direitos foram respeitados, e se foram cumpridos os preceitos garantidores da
justiça. É, portanto, instituto diretamente ligado ao Estado democrático de direito, pois sem
que o juiz precise justificar sua decisão, ditaria aquilo que bem entendesse, sem ser passível
de questionamentos. Por isso, a fundamentação é absolutamente indispensável.
A parte dispositiva é aquela em que o juiz, efetivamente, dá solução ao que de si foi
requerido pelo autor, reconhecendo procedente ou improcedente seu pedido, ou entendendo
que não foi regularmente exercido o direito de ação. Na parte dispositiva, o juiz tem que
responder a todos os pedidos que foram consignados, e tem que se ater a eles, somente e
nos moldes feitos, não podendo extrapolá-los ou ignorar-lhes qualquer parte. Assim o é pela
vigência do princípio da adstrição, ou congruência entre os pedidos e o dispositivo,
princípio que será detalhadamente abordado adiante.

1.2.1. Vícios estruturais da sentença

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Havendo falta ou defeito em cada um dos elementos desta estrutura, cada vício
ensejará uma conseqüência.
Faltando o relatório, a sentença é nula: não preenchendo a estrutura exigida na lei,
há vício de nulidade. Mas atente-se ao seguinte: não é pela simples informalidade do
relatório que a sentença é nula, sem ressalvas, pois o processo é instrumental. Veja:
imagine-se que o juiz, mesmo sem capitular a sentença, sem expor clara e expressamente
que parte de seu decisum é relatório, que parte é fundamentação e dispositivo, deixa bem
claro que perscrutou amiúde o processo, ou seja, no corpo da fundamentação aponta, passo
a passo, os atos processuais relevantes. Esta sentença não pode ser nulificada: o relatório
não está fisicamente traçado, capitulado, mas está entremeado na própria fundamentação.
Veja que os princípios que regem a teoria das nulidades processuais partem da
premissa que o ato deve ser salvo, e a nulificação de um ato é sempre a ultima ratio. Sendo
assim, esta sentença não é nula, pois na verdade não carece de relatório – o tem diluído na
fundamentação. Se alcançou o objetivo – demonstrar que o juiz leu o processo –, a
instrumentalidade das formas e o não prejuízo fazem válido o ato.
Se o vício é na fundamentação, este sim é absolutamente impossível de ser
superado. Se a sentença não conta com fundamento, é absolutamente nula, nada podendo
mitigar esta imposição constitucional da motivação.
O problema é quando a sentença tem, sim, fundamentação, mas esta é deficiente.
Como exemplo, a fundamentação emprestada, expediente criado pela jurisprudência de
segunda instância, que consiste na utilização, na decisão de segundo grau, dos fundamentos
da própria decisão revista, ou seja: o tribunal, desejoso em manter a sentença na
integralidade, por entender que não tem nada a ser reformado, simplesmente consigna que
se vale dos mesmos fundamentos da sentença, sem ressalvas. A doutrina critica este
expediente, entendendo que se trata, de fato, de uma ausência de fundamentação, porque o
tribunal deveria revisitar passo a passo as argumentações do juiz, e criar seu próprio
fundamento, mesmo que seja apenas prestigiando as assertivas do juiz de primeira
instância. Contudo, a jurisprudência adota esta fundamentação emprestada com freqüência.
O STF, no RE 235.800, entendeu plenamente constitucional esta forma de fundamentação,
indo além: pode até mesmo ser adotada a fundamentação do parecer do parquet, sequer
sendo necessário que seja o fundamento da sentença. Veja:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCURADOR DO MUNICÍPIO DE SÃO


PAULO. LEI N.º 10.430, DE MARÇO DE 1988, ART. 42. TETO
REMUNERATÓRIO. VANTAGENS PESSOAIS. ACÓRDÃO QUE ADOTOU
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Não vulnera os princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa o acórdão que, parcialmente,
adota como razões de decidir parecer de membro do Ministério Público que atua
na instância de origem. Incide o óbice da Súmula 283/STF no apelo do recorrente
que alega, de forma genérica, a inconstitucionalidade da legislação local que lhe
reduziu os proventos, sem discriminar as vantagens de caráter pessoal que foram
suprimidas, deixando, com isso, de questionar um dos fundamentos suficientes do
acórdão recorrido, alusivo ao art. 39, § 1.º, da Constituição Federal, na redação
anterior à EC 19/98. Recurso extraordinário não conhecido.” (grifo nosso)

O defeito no dispositivo é ainda mais grave. A sentença sem dispositivo é


inexistente, e não meramente nula. A lógica é simples: a finalidade da sentença é, em última
análise, uma só – decidir. Se o juiz decide, de fato, no dispositivo, que é a parte em que se
declara, constitui ou condena, não havendo dispositivo, simplesmente não há sentença.

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Pode ocorrer de haver dispositivo presente, mas defeituoso. Os vícios do dispositivo


podem tornar a sentença ultra, extra ou citra petita. A sentença ultra petita contém vício
quantitativo, pois entrega ao autor mais do que este pediu; a sentença extra petita é aquela
que dá ao autor coisa diversa da que foi requerida, sendo eivada de vicio qualitativo; e a
sentença citra petita, ao contrário, deixa de enfrentar algum pedido feito, sobre ele não se
pronunciando33.
Havendo estes vícios quantitativos ou qualitativos, a solução deve ser orientada
pelos princípios que informam a teoria das nulidades. Sendo assim, é de se ter em mente a
instrumentalidade das formas, o não prejuízo e o aproveitamento dos atos. Destarte, se a
sentença for ultra petita, esta será salva pela simples anulação da parte excedente ao
pedido: não é necessário que se anule toda a sentença, mas apenas a parte desta que
exacerba aquilo que foi pretendido pelo autor. Neste sentido, veja o que diz o STJ no REsp
29.425:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO ALEM DO PEDIDO. REDUÇÃO.


SENDO CERTO O PEDIDO, QUANTO AO VALOR DA INDENIZAÇÃO,
REDUZ-SE A ESTE O CONSIGNADO NO ACORDÃO RECORRIDO, QUE
DECIDIU A CAUSA, SEGUNDO AS PROVAS, SEM NECESSIDADE DE SUA
ANULAÇÃO.”

Sendo extra petita, duas situações podem ocorrer: pode o juiz dar ao autor aquilo
que pediu, e mais alguma coisa que não foi requerida. Sendo este o caso, aplica-se o mesmo
raciocínio da sentença ultra petita: a sentença será anulada apenas na parte excedente,
alheia ao pedido, e mantida na parte atinente ao pedido. Outrossim, pode haver sentença
extra petita que ignora o pedido, dando ao autor apenas algo diverso do que requerera.
Neste caso, não há como salvar o ato, e a sentença deve ser integralmente nulificada.
Se a sentença for citra petita, a questão é mais séria. Se o juiz ignorar um dos
pedidos feitos pelo autor, mas enfrentar os demais, poderá ser convalidada a sentença, na
parte que foi correspondente ao pedido? Veja que a sentença, de fato, é inexistente na parte
que não enfrentou pedidos feitos. Por isso, prevalece o entendimento de Barbosa Moreira,
que diz que, sendo inexistente na parte que ignora pedidos, não há como se salvar o ato –
tornando-se inexistente como um todo.
Outros autores, como Leonardo Greco, entendem que não pode ser considerada
inexistente como um todo, porque mesmo defeituoso, há o dispositivo, não sendo
inexistente – sendo nula, então.
Considerando-se a inexistência, tese majoritária, a conseqüência é que o autor
poderá renovar seu pedido ignorado, sem precisar desconstituir a sentença citra petita –
demanda que será distribuída para o mesmo juízo, por dependência, e só repetirá o pedido
ignorado. Levando em conta a tese minoritária, da nulidade, a conseqüência é que a
sentença citra petita deverá ser desconstituída, em recurso ou ação rescisória, e não apenas
ignorada.
Mas há ainda outros vícios que podem contaminar a sentença, tais como aquele que
se vê no parágrafo único do artigo 459 do CPC:

33
Não se confunde, a sentença citra petita, com a infra petita, que é plenamente válida, pois nesta última o
juiz não deixa de enfrentar nenhum pedido, mas dá apenas parcial procedência a este.

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“Art. 459. O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em


parte, o pedido formulado pelo autor. Nos casos de extinção do processo sem
julgamento do mérito, o juiz decidirá em forma concisa.
Parágrafo único. Quando o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao juiz
proferir sentença ilíquida.”

Veja que há um erro neste dispositivo: na verdade, a sentença ilíquida é vedada


quando o pedido for líquido, e não certo. Certeza e liquidez não se confundem: certeza é o
an debeatur, e liquidez é o quantum debeatur. O pedido certo, por vezes, não é liquido, e
sendo certo mas ilíquido, é permitida a sentença ilíquida. Sendo o pedido líquido, todavia,
não pode o juiz proferir sentença ilíquida, e se o fizer, é nula, pois não responde
corretamente ao pedido pelo autor.
O STJ, a respeito desta situação, editou o enunciado 318 de sua súmula, que dispõe
que o interesse recursal para sanar tal vício é somente do autor:
“Súmula 318, STJ: Formulado pedido certo e determinado, somente o autor tem
interesse recursal em argüir o vício da sentença ilíquida.”

É claro que o réu não tem interesse em combater este vício, pois o pedido que foi
atendido a descontento foi do autor, e não seu, vez que será necessária liquidação que seria
descabida, fosse dada plena atenção pelo juiz ao dispositivo líquido que era devido.
Há ainda um outro vício a ser apontado, previsto no artigo 460, parágrafo único, do
CPC:

“Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa
da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso
do que lhe foi demandado.
Parágrafo único. A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica
condicional.”

Isto significa que a sentença condicional é vedada. O juiz não pode prolatar
sentença condicional, que é considerada nula. Sentença condicional é aquela que relega a
um momento posterior a comprovação do fato constitutivo do direito do autor. Exemplo
bem óbvio do conceito de sentença condicional seria o de um dispositivo que contivesse a
seguinte redação: “condeno o réu ao pagamento de cem mil reais, se o autor demonstrar que
os seus prejuízos preenchem este valor”. Ora, esta comprovação teria que ter sido feita na
fase cognitiva do processo, e se o autor não o fez, a sentença deveria ter sido de
improcedência, e não de condenação condicional.
Não se pode confundir esta vedação à sentença condicional em si mesma com a
sentença que julga relação jurídica sujeita a condição ou termo, que é válida – e devida,
pois não pode o Judiciário deixar de julgar qualquer relação que seja a si submetida. Se a
relação é sujeita a condição ou termo, o artigo 572 do CPC assim expõe:

“Art. 572. Quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o
credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou
que ocorreu o termo.”

É muito simples: o juiz resolve a questão, porque o autor comprovou os fatos


constitutivos de seu direito, mas a sentença só será exeqüível quando se implementar a
condição suspensiva ou o termo, ou seja, quando a própria obrigação material se consolidar.

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Veja que só se justifica a propositura de ação para resolver relação condicional


quando a condução desta, pelo devedor, sinalizar que à época em que a obrigação material
se tornar exigível, ou seja, no implemento da condição ou termo, haverá inadimplemento –
fundando o receio que ampara a pretensão, desde já.

1.3. Sentença determinativa

A identificação desta espécie de sentença não se trata de uma classificação de


sentenças, e por isso é trazida em tópico diverso. São sentenças determinativas aquelas que
passam, de certa forma, a integrar a relação de direito material que foi debatida no processo
em que foi proferida. Exemplo bem claro é a sentença que diga respeito a relações jurídicas
continuativas.
Imagine-se uma relação de débito alimentar: o pai, condenado a prestar alimentos,
tem na sentença que foi contra si proferida a determinação do conteúdo de sua obrigação,
ou seja, a obrigação natural material era de prestar alimentos, mas o quantum só passou a
existir no mundo material a partir da sentença. Foi a sentença que determinou o conteúdo
da relação material.
Outro exemplo é o das relações baseadas em tipo aberto: se a norma contém
elemento indeterminado, a interpretação dada pelo juiz é determinante para o conteúdo da
relação jurídica atinente.

Casos Concretos

Questão 1

Antonio moveu ação em face de João em que pretendia a condenação do réu ao


ressarcimento de prejuízos que alega ter suportado em razão de ilícito extracontratual
perpetrado. O magistrado proferiu sentença em que condenou João ao ressarcimento de
prejuízos que viessem a ser demonstrados em liquidação. Pergunta-se:
a) A sentença proferida pelo magistrado é válida?
b) Nosso ordenamento admite sentença condicional?
c) Se o magistrado, ao proferir a sentença, criasse uma condição de eficácia do seu
pronunciamento, como por exemplo, estabelecendo uma prestação do autor para
que pudesse executar a sentença, a decisão seria válida?

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Resposta à Questão 1

a) Não. O artigo 460 do CPC determina que as provas do prejuízo sejam feitas no
curso do conhecimento, e a liquidação se presta apenas a apurar e quantificar
aquilo que foi provado, e não para ter provados, no seu curso, os prejuízos
alegados. Trata-se de sentença condicional, inadmissível.

b) Não, pois não é admissível que a sentença tenha eficácia condicionada à prova
de qualquer coisa no futuro: as provas devem ser produzidas antes da sentença,
servindo como bases para esta.

c) Também não: o magistrado não pode criar uma providência a ser tomada pelo
autor, para que este tenha o seu direito. Não pode condicionar aquilo que se
espera da jurisdição – dizer o direito – a nenhuma condição alheia aos fatos já
estabelecidos no processo.

Questão 2

É correto afirmar que o magistrado esgota sua função jurisdicional ao proferir


sentença de mérito? O que representa a assertiva de que os efeitos da sentença são fixados
por imputação? É possível permitir a instauração de uma execução forçada a uma
sentença meramente declaratória? Qual a diferença entre a classificação das sentenças
com base nos seus efeitos e no seu conteúdo? Estabeleça a diferença entre sentenças
executivas lato sensu e sentenças condenatórias. A tutela antecipada pode ser concedida
no corpo da sentença? Demonstre a divergência sobre o tema. Como fluem os juros
quando se trata de ilícito absoluto? E no ilícito relativo? E se se tratar de responsabilidade
objetiva?

Resposta à Questão 2

Não: ainda pode exercer atos posteriores que são atos de jurisdição, em regra
satisfativos, e, para além disso, o artigo 473 do CPC admite alterações por ele procedidas,
só sendo-lhe vedada a revisão substancial da sentença.
Para a teoria que entende que a sentença é simples imputação, os efeitos que a
sentença produzirá são expressamente previstos na lei, e o juiz apenas imputa a uma das
partes, se sucumbente. Mas confunde-se, esta tese, ao dizer que os efeitos da sentença são
da lei: é o conteúdo da sentença que está na lei (constitutivo, declaratório ou condenatório).
O artigo 475-N, I, do CPC, parece permitir a execução de sentença declaratória,
porque esta também reconhece obrigação, como ali está disposto que é característico ao
título executivo judicial. No entanto, a sentença declaratória não é executável, porque

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

carece-lhe interesse: a pretensão do autor, que é fulminar uma dúvida, é completamente


satisfeito na procedência da declaração.
Quanto aos efeitos, as sentenças não apresentam diferenças, vez que estes são
alheios à sua forma. Quanto à forma, são constitutivas, declaratórias ou condenatórias,
(para a classificação quinária, há ainda a executiva lato sensu e a mandamental) e, quando
de improcedência, sempre declaratórias negativas.
A condenatória cria obrigação a ser cumprida, enquanto a executiva lato sensu,
proferida em casos de posse ilegítima, é executada na ordem determinada e sob medida
coercitiva para cumprimento, e a mandamental é a mera ordem consignada pelo juiz –
sendo ambas também condenatórias.
Sim, pode, pois se dedica a propiciar a execução provisória da sentença, que seria
obstada pela apelação recebida no efeito suspensivo. A divergência recai sobre sua
necessidade ou não, vez que somente em caso de apelação com efeito suspensivo seria
necessária, mas se não há recurso, a antecipação perde o sentido. E ainda há uma atecnia
que gera outra divergência: o juiz, ao antecipar o efeito, o faz depois da sentença, o que não
lhe seria permitido, pelo artigo 463 do CPC. Mas não é tese encampada pela maioria da
doutrina, tampouco pela jurisprudência.
Quanto aos juros, no ilícito absoluto, responsabilidade aquiliana, eles contam da
data do evento danoso, a teor da súmula 54 do STJ:

“Súmula 54, STJ: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual.”

No ilícito relativo, contratual, contam desde a citação, na forma do artigo 405 do


CC:

“Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.”

Na responsabilidade objetiva, as regras são as mesmas, dependendo da natureza do


ilícito.

Tema XIX

Sentença: publicação, intimação, correção e integração. Critérios para a fixação de honorários e


condenação de custas na sentença. Fixação de sucumbência quando o vencido é beneficiário de gratuidade
de justiça. Fixação de sucumbência no mandado de segurança e na ação civil pública.

Notas de Aula34

1. Fatos novos e a sentença

O artigo 462 do CPC permite que as partes tragam fatos novos, surgidos no curso do
processo, se influenciarem na resolução da lide. Veja:
34
Aula proferida pelo professor Ademar Vidal Neto, em 3/10/2008.

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“Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo,


modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz
tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de
proferir a sentença.”

O conceito de fato novo é dividido em duas espécies: ou se trata daquele que


ocorreu realmente após a propositura da ação – fato materialmente novo –, ou o fato que,
ocorrido em momento anterior, não era conhecido pelas partes ao tempo da propositura da
ação – fato formalmente novo.
Veja que se a parte tinha conhecimento do fato, mas não o trouxe ao processo no
momento oportuno – na propositura, pelo autor, e na resposta, pelo réu –, não será
admissível. Quando for cabível, alegando-se o fato novo, o contraditório é essencial:
sempre que for trazido ao feito, o juiz deverá, imediatamente após a sua admissão, abrir
vista à parte contrária.
O fato novo não pode extrapolar os limites da demanda, ou seja, não pode alterar a
causa de pedir ou o pedido feito pelo autor, na forma do artigo 264 do CPC, que trata do
princípio da estabilização da demanda:

“Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de


pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as
substituições permitidas por lei.
Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese
será permitida após o saneamento do processo.”

Exemplo clássico em que esta alteração não se faz possível é quando o autor
ingressa em juízo reclamando indenização por danos sofridos em sua integridade física. No
curso do processo, o autor falece em razão das lesões. Veja que é fato ocorrido no curso da
demanda, e é materialmente novo, devendo ser levado em consideração pelo juiz, mas
desse fato não pode surtir alterações do pedido: não poderão os sucessores do autor falecido
pleitear outras providências oriundas daquela morte, como custeio do enterro, majoração do
dano moral, etc.
Destarte, a sentença ficará adstrita à causa de pedir e pedido originais, e os fatos
novos apenas encaminharão o convencimento do juiz.

2. Alterações da sentença após a publicação

O artigo 463 do CPC estabelece que a sentença publicada é inalterável, a não ser
para correção de erros materiais (tais como erros datilográficos) ou erros de cálculo (que
são também, a rigor, erros materiais). Veja:

“Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:


I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou
lhe retificar erros de cálculo;
II - por meio de embargos de declaração.”

A redação deste artigo, diga-se, foi outra que se fez alterada pela Lei 11.232/05, pois
seu caput não estava mais compatível com o conceito de sentença, vez que mencionava
encerramento da atividade jurisdicional do juiz.

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O que este artigo veda é que o juiz reaprecie questões que foram objeto de decisão,
e não que dê novas decisões, em outros momentos pós-sentença (como o faz, por exemplo,
na concessão de antecipação de tutela de eventual recurso interposto, por ele admitido).

3. Fixação de honorários advocatícios

O princípio regente da fixação dos honorários é o da causalidade: responde pelos


honorários aquela parte que deu causa à necessidade de contratação do advogado. Quem
deu causa à propositura da ação é quem fez necessária a contratação de advogado pela outra
parte. Se a parte triunfar no processo, significa que seu pleito era fundado, e a parte
contrária, por resistir indevidamente à pretensão, terá que arcar com a despesa que impôs à
parte vitoriosa, qual seja, o pagamento dos honorários do advogado. Se for o autor, sua
pretensão era indevida; se for o réu, sua resistência era indevida.
Não é a sucumbência que determina a obrigação dos honorários: mesmo que em
regra a causalidade e a sucumbência sejam concomitantes, pois quem perde é quem deu
causa à despesa contraída pela outra parte, pode ocorrer de o processo ser extinto por falta
de interesse de agir superveniente. Veja: a ação que se demonstrava necessária, ab initio,
pode se tornar desnecessária em momento intercorrente, pelo fato de o réu simplesmente
passar a realizar voluntariamente aquilo que o autor pretendia que realizasse – é o que se
chama de perda do objeto. Sendo este o caso, o prosseguimento da demanda se tornou
inútil, e o processo será extinto por esta carência de interesse-necessidade.
E veja que, sendo assim, o juiz, na sentença, apenas vai constatar que uma das
condições da ação deixou de existir, e, formalmente, quem triunfou foi o réu: a extinção por
carência de ação, formalmente, é boa para o réu. Todavia, é bem claro que o réu foi o
responsável pela propositura da ação, em primeiro momento, porque sua condução material
era, ao início da ação, a de resistente à pretensão do autor. Destarte, quem deu causa à
despesa com honorários foi o réu, e mesmo que tenha a sentença sido favorável a ele, ser-
lhe-á imposta a obrigação de pagar os honorários da parte contrária.
É claro que se as condições da ação jamais estiveram presentes, o autor foi quem
deu causa às despesas pela errônea propositura da ação, e é ele quem suportará o encargo.
Os critérios para quantificação dos honorários advocatícios vêm no artigo 20, §§ 3º
e 4º, do CPC:

“Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que


antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também,
nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
(...)
§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o
máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:
a) o grau de zelo do profissional;
b) o lugar de prestação do serviço;
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço.
§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não
houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções,
embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa
do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Nas hipóteses do § 4º, o valor será equitativamente arbitrado pelo juiz: há, sim certa
liberdade em medir o valor correto. Não se pode, jamais, confundir a apreciação eqüitativa
com a atribuição de valores irrisórios, o que é bastante freqüente nos casos em que a
Fazenda Pública sofre os encargos de honorários – equidade é justiça, e os honorários
devem atender ao que se espera do trabalho desenvolvido.
Quando há beneficiário de gratuidade de justiça, e ele for quem deu causa à despesa,
a condenação ao pagamento de honorários deve ser realizada da mesma forma. Contudo, o
artigo 12 da Lei 1.060/50 estabelece que, condenado, não será exigível dele esta obrigação,
senão quando, e se, sua situação econômica se alterar. Passados cinco anos desde o trânsito
em julgado da condenação, se não houver alteração, a dívida fica prescrita. Veja:

“Art. 12. A parte beneficiada pelo isenção do pagamento das custas ficará obrigada
a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família,
se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer
tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.”

No mandado de segurança, não há condenação a pagamento de honorários


advocatícios, qualquer que seja o resultado do mandamus. A matéria é sumulada, no STF,
no enunciado 512, e no STJ, no enunciado 105:

“Súmula 512, STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de


mandado de segurança”

“Súmula 105, STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação


em honorários advocatícios.”

Nas ações coletivas, os honorários advocatícios existem, mas são fixados de forma
peculiar, por força do que dispõe os artigos 18 da Lei 7.347/85, e 87, do CDC:

“Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação
da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas
e despesas processuais.”

“Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este código não haverá adiantamento de
custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem
condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de
advogados, custas e despesas processuais.
Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores
responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em
honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade
por perdas e danos.”

Assim, a regra geral é que o autor destas ações, se deu causa às despesas indevidas,
não será condenado ao pagamento destas, pelo mesmo raciocínio que se faz no mandado de
segurança: a ação tem cunho de alta relevância social (pois defende direito coletivo, lato
sensu, e o mandamus combate atos ilegais de autoridades), e por isso deve ser fomentada,
sendo que o vislumbre da condenação sucumbencial, muitas das vezes, inibe a propositura
da ação que seria legítima.

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Mas aqui, diferentemente do mandado de segurança, a isenção é dada apenas ao


autor: se a causalidade apontar para o réu como causador da ação e da despesa, este será,
sim, condenado em honorários.
Repare que se for comprovada a má-fé da parte autora, as ações coletivas imporão a
esta pagamento de custas, e, no caso das ações consumeristas, serão violentamente altas, a
teor do parágrafo único deste artigo 87 do CDC.

Casos Concretos

Questão 1

João ajuizou em face de José ação de indenização, objetivando reparação pelos


danos emergentes e lucros cessantes decorrentes da paralisação de uma construção sua.
Baseou seu pedido na responsabilidade objetiva prevista no art. 811, I, do CPC. Alega o
autor que o demandado ajuizou ação de nunciação de obra nova, com embargo liminar
concedido, com o pedido julgado procedente em 1º grau e reformado por maioria pelo
Tribunal de Justiça. Sustenta que se não fosse o embargo, que acarretou a paralisação da
obra por três anos, teria lançado no mercado unidades imobiliárias suscetíveis de renda,
cuja fruição lhe foi impedida pelo fato de não ter concluído a obra no prazo visado. Traz

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prova do dano alegado na inicial, como o acréscimo no custo final da obra, e que a
paralisação provocou o retardamento no lançamento das unidades autônomas e na sua
comercialização, pelo tempo respectivo. O demandado, em contestação, sustentou a
impossibilidade de se invocar a responsabilidade objetiva do art. 811, I do CPC, pois a
ação de nunciação de obra nova não tem caráter cautelar e que o direito à tutela jurídica
do Estado só pode provocar dano indenizável, se pleiteado de forma temerária ou de má-
fé; e que isso não ocorreu, pois não foi reconhecido na sentença proferida na nunciatória.
O juiz julgou o pedido indenizatório procedente, reconhecendo que o demandado litigou de
má-fé na ação anterior, mas afastou a incidência do art. 811, I, do CPC. Pergunta-se: Agiu
corretamente o juiz? Justifique. Qual a natureza jurídica da sanção oriunda do
reconhecimento da litigância de má-fé? É compensatória ou punitiva? Se o juiz não a fixar,
haveria preclusão?

Resposta à Questão 1

Se uma ação cautelar causa prejuízo indevido ao requerido, o requerente responderá


objetivamente por aqueles danos causados pelo deferimento da cautelar. Sendo assim, o
requerente poderá ser processado pelo requerido, com escopo de buscar a reparação pelo
dano causado. Veja o artigo 811 do CPC:

“Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento


cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida:
I - se a sentença no processo principal lhe for desfavorável;
II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não
promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;
III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos
no art. 808, deste Código;
IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de
prescrição do direito do autor (art. 810).
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento
cautelar.”

Neste caso da nunciação de obra nova, contudo, o artigo 811 do CPC, não se aplica:
a ação não é, tecnicamente, uma cautelar, e este dispositivo é específico para tais ações.
Tendo sido a liminar uma concessão de antecipação de tutela, o artigo 811 é descabido, para
parte da doutrina.
Mas há, todavia, quem defenda, com acerto, ser este artigo aplicável, baseado na
fungibilidade dos provimentos de urgência, do artigo 273, § 7º, do CPC:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
(...)
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza
cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a
medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

Encampando esta tese, o juiz agiu mal. E não parou por aí: mesmo entendendo que
não se aplica o artigo 811, entendeu que houve má-fé na obtenção da liminar, condenando-
o, portanto, e esta condenação pela má-fé não foi requerida pela parte contrária. Desta

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forma, fica claro que o juiz julgou extra petita, ferindo a congruência, a adstrição. O juiz
afastou o motivo da condenação pedida, e, modificando por sua conta a causa de pedir
remota (pois a má-fé é alegação fática, e não desdobramento jurídico da conduta),
condenou o demandado por motivo que ele próprio identificou (valendo dizer que se fosse
mera correção da causa de pedir próxima, fundamento do pedido, não haveria problema
algum). Alterar a causa remota é extrapolar a congruência, em clara atuação extra petita.
O STJ, no REsp 154.353, assim se manifestou:

“PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA-PETITA. Fere o princípio da


adstrição o julgado que aprecia a causa além do pedido formulado na inicial.
Recurso especial conhecido e provido.”

Quanto à natureza da condenação por litigância de má-fé, esta é uma sanção pelo
mau uso, abuso, do direito de agir. Assim, em abstrato, é claramente punitiva, e não
compensatória, nem dedicada a compelir ao cumprimento de qualquer obrigação, como as
astreintes. No caso concreto, a litigância de má-fé não impôs multa, mas sim se prestou a
ser causa de pedir de indenização.
Se o juiz não aplicar a multa pela litigância de má-fé, esta não preclui, podendo ser
constatada e aplicada a qualquer tempo, e em qualquer grau de jurisdição.

Tema XX

A coisa julgada. Conceito. Importância do instituto. Coisa julgada formal, material e soberanamente
julgada. Eficácia da sentença não transitada em julgado. Momento de formação da coisa julgada. Efeitos da
coisa julgada: vinculativo, sanatório e preclusivo (julgamento implícito). Coisa Julgada e Preclusão.

Notas de Aula35

1. Coisa julgada

O conceito de coisa julgada vem consignado no artigo 467 do CPC:

35
Aula proferida pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 6/10/2008.

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“Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

Este conceito legal é um tanto estranho, pois ali se vê que a coisa julgada é formada
quando não mais há cabimento de “recurso ordinário ou extraordinário”. Esta definição
legal, segundo Barbosa Moreira, é oriunda de uma má tradução do código processual civil
italiano, em que a coisa julgada é passível de afastamento por recurso extraordinário.
Outro erro deste artigo é definir coisa julgada como efeito, eficácia dada à sentença.
Esta concepção há muito se abandonou na doutrina pátria, porque este efeito desapareceria
quando a obrigação consignada na sentença, por exemplo, fosse adimplida, e a coisa
julgada desapareceria – o que não procede. Por isso, esta definição legal não tem muita
relevância para o estudo deste instituto.
No Brasil, a maioria absoluta dos doutrinadores conceitua a coisa julgada como uma
qualidade jurídica que torna imutável o conteúdo da sentença. Desta forma, se a obrigação
eventualmente prevista na sentença for adimplida, esta deixará realmente de ter efeitos, mas
o conteúdo, imutável, não perderá a qualidade de coisa julgada. Neste sentido entendem,
dentre outros, Ada Pellegrini, Marinoni e Humberto Theodoro Júnior.
De outro lado, há alguns autores que conceituam a coisa julgada como situação
jurídica, como Freddie Didier e Alexandre Câmara. Esta teoria, de fato, é uma mescla entre
as duas primeira teses apresentadas, tratando a coisa julgada como uma situação em que se
encontra a sentença, que por um lado tem o conteúdo imutável, e ao mesmo tempo tem
também alguns efeitos, dentre eles o efeito negativo de impedir o ajuizamento de demanda
idêntica, pelo óbice da coisa julgada.
A importância da coisa julgada é que se trata de instituto que implementa
fortemente a segurança jurídica. Sendo formada a coisa julgada, aquela questão sobre a
qual versa terá se estabilizado, não podendo, em regra, ser revisitada. Como a segurança
jurídica é um princípio, é ponderável, e veremos adiante alguns casos em que se cogita da
relativização desta imutabilidade, em prol da justiça e do interesse público.
Outra importância deste instituto, que não é muito abordada, é que foi por força da
coisa julgada é que se desenvolveram melhor os conceitos dos elementos da ação: o que se
vedava, anteriormente ao desenvolvimento do conceito de coisa julgada, era a repetição da
mesma ação; para impor a coisa julgada como qualidade, dada sua força, foi necessário se
desenvolver os elementos da ação – partes, pedido e causa de pedir, a tríplice identidade –,
para que se pudesse identificar com segurança se uma ação estava sendo repetida ou não, e
assim obstar-se ou não sua resolução pelo Judiciário.
O momento de formação da coisa julgada é simples; ocorre assim que há a
preclusão das vias impugnativas, ou seja, quando não mais couber recurso, quer porque
esgotadas as possibilidades, quer porque expirado o prazo in albis, a última decisão transita
em julgado. A coisa soberanamente julgada, como se verá, se forma após dois anos da
formação da coisa julgada material.

1.1. Coisa julgada formal, material e soberana

Há três estágios de coisa julgada, bem definidos: a coisa julgada formal, a material,
e a coisa soberanamente julgada. Veja que se trata de uma escala de força: a coisa julgada
soberana, antes foi coisa julgada material; esta, por sua vez, antes de ser material, foi coisa

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julgada formal. A escalada é obrigatória, iniciando-se na coisa julgada formal. Sendo assim,
vejamos cada uma destas qualidades jurídicas.
Coisa julgada formal é a qualidade que torna imutável o conteúdo da decisão,
apenas naquele processo em que foi exarada. Significa, portanto, que a discussão da
relação material que foi decidida não poderá ser retomada naquele processo, mas não fica
impedida a rediscussão da relação material em outro processo.
A coisa julgada material é a que, além de impedir a discussão da matéria no mesmo
processo em que a decisão se formou, também impede que seja rediscutida em qualquer
outro processo que venha a ser instaurado, à exceção da ação rescisória, por prazo de dois
anos, que é dedicada exclusivamente a atacar decisões com este trânsito em julgado
material. Vê-se claramente, portanto, a escalada da coisa julgada formal para material, pois
esta é também formal.
Por último, a coisa soberanamente julgada nada mais é do que a sentença feita coisa
julgada material que, passados os dois anos desde a sua formação, não mais está sujeita à
ação rescisória: é o que se chama de preclusão máxima, pois nada é capaz de pôr abaixo a
sentença soberanamente julgada. Repita-se, porém, que há hoje modernas discussões sobre
a relativização da coisa julgada, que permitiria alterar até mesmo a coisa soberanamente
julgada. O tema será abordado amiúde, adiante.
A sentença que faz coisa julgada formal, em regra, é da espécie terminativa, ou seja,
das que incidem no artigo 267 do CPC. A material, bem como a soberanamente julgada, em
regra é sentença definitiva, incidente no artigo 269 do CPC. Nesta regra geral, a sentença
terminativa só faz coisa julgada formal, e a sentença definitiva faz coisa julgada material e
formal, como dito, pois que esta é ínsita à material, e quando soberana, tem em si insertas
tanto a formal quanto a material.
Fugindo às regras gerais acima consignadas, há excepcional coisa julgada soberana
que se forma mesmo antes do prazo de dois anos da ação rescisória: assim o é na sentença
de mérito prolatada no juizado especial, como dispõe o artigo 59 da Lei 9.099/95:

“Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento
instituído por esta Lei.”

A inadmissibilidade da rescisória faz com que a sentença que alcança o trânsito em


julgado material seja imediatamente também coisa soberanamente julgada.
Há ainda casos em que a sentença que incide no artigo 269 do CPC só faz coisa
julgada formal, e não material. Uma destas exceções é a sentença de mérito alcançada em
processos coletivos, se tratando de coisa julgada secundum eventum probationis ou
secundum eventum litis. Estas expressões, em que pese parte da doutrina entender
sinônimas, são institutos diferentes. Vejamo-los detalhadamente.

1.1.1. Coisa julgada secundum eventum probationis vs. secundum eventum litis

Tomando como exemplo uma ação civil pública, imagine-se que o juiz chega ao
final e constata que as provas não foram suficientes para condenar o réu. Esta sentença será
de improcedência, na forma do artigo 269, I, do CPC, e se trata de decisão secundum
eventum probationis, segundo as provas produzidas. Neste caso, mesmo transitando em
julgado, o legitimado poderá ajuizar uma nova ação, mesmo se tratando, como se trata, de
uma sentença de mérito. Assim autoriza o artigo 16 da Lei 7.347/85:

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“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”

No processo individual, não há esta regra. Mesmo por falta de provas, a sentença de
mérito, no processo individual, faz coisa julgada material.
Como a sentença secundum eventum probationis, no processo coletivo, não faz
coisa julgada material, a ação rescisória não tem cabimento, pois não encontra objeto: para
combater a sentença, basta ajuizar nova ação, com novas provas.
A coisa julgada secundum eventum litis, de seu lado, é um pouco diferente: trata-se
da coisa julgada in utilibus, que é aquela em que sua imutabilidade só se opera se for para
beneficiar o demandante individual açambarcado pelo titular de uma ação coletiva. Veja:
no processo coletivo, a titularidade do representante – do MP, por exemplo – só se justifica
para otimizar a prestação jurisdicional, pois o direito em si dá legitimidade isolada a cada
um dos indivíduos que sofrerão aqueles efeitos da tutela coletiva. Assim, se o julgado for
procedente, o trânsito em julgado é formal e material, mas há possibilidade de que o
particular escolha entre quedar-se satisfeito com a decisão, ou ajuizar ação individual para
melhorar o resultado. Se o julgamento, ao contrário, for improcedente (à exceção da
improcedência por falta de provas), também faz coisa julgada formal e material apenas no
âmbito coletivo, mas o particular que tenha o direito fica livre para entrar com a ação
individual, a fim de obter provimento. Assim, a coisa julgada é de acordo com a própria
tradução da expressão – de acordo com a solução da lide.
Assim se resume, então, a coisa julgada secundum eventum litis: sempre faz coisa
julgada para o réu e para o autor do processo coletivo, procedente ou improcedente (à
exceção da improcedência por falta de provas, secundum eventum probationis, que cai
diante de novas provas, como visto); e, para os titulares individuais do direito, cabe, na
procedência, a escolha por satisfazer-se com ela, ou ajuizar ação própria para tentar
resultado individual melhor; e na improcedência, sempre poderão ajuizar a ação individual,
se quiserem.
Há ainda, nos processos coletivos, a seguinte peculiaridade: mesmo antes do seu
termo, se o titular individual do direito preferir, poderá ajuizar ação individual. É o que se
chama de right to opt out. Da mesma forma, em sentido inverso, se há demanda individual
em curso, e uma ação coletiva sobre o direito que se discute for proposta, pode o autor da
individual pedir sobrestamento de seu feito, de forma a aguardar o resultado da ação
coletiva, e a ele se sujeitar se for favorável. É o right to opt in, que vem consignado no
artigo 104, usque 103, do CDC:

“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa
julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com
idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do
parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo
improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando
se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

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III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as
vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão
interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria
ou classe.
§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os
interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão
propor ação de indenização a título individual.
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da
Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por
danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste
código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que
poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.”

“Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do


art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da
coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo
anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua
suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da
ação coletiva.”

Há ainda um artigo, absolutamente absurdo, que limita territorialmente o alcance da


coisa julgada coletiva. Trata-se do artigo 2º-A da Lei 9.494/97:

“Art. 2o-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por
entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados,
abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação,
domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o
Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial
deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade
associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados
e indicação dos respectivos endereços.”

Este artigo veio ao direito por meio da medida provisória 1.590/97, e, mesmo
absurdo, permanece vigente, pois a medida foi convertida na Lei 9.494/97.

1.1.2. Coisa julgada em processo cautelar

O processo cautelar, para a maioria absoluta da doutrina, como Câmara ou Fux, tem
seu próprio mérito, que se trata da pretensão ali exercida, que não se confunde com o
processo principal (em que pese Humberto Theodoro Júnior entender, isoladamente, que a
cautelar não tem mérito por não haver lide, fazendo associação um tanto imprecisa).
Sendo assim, existindo o mérito cautelar, surge a questão: a coisa julgada da
cautelar é material, ou é sempre formal?
Em regra, a sentença cautelar não faz coisa julgada material, mas apenas formal,
exceto quando pronunciar a prescrição ou a decadência do direito que se quer assegurar.
Todavia, há ainda outros casos em que a sentença cautelar, tecnicamente, faria coisa julgada
material, e um exemplo que poderia assim ser identificado é dado por Dinamarco, qual seja,
o do capítulo da sentença relativo à condenação em custas e honorários advocatícios: se

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não transitar em julgado esta condenação, significa que sua execução será para sempre
provisória, o que soa bem estranho.
Outro caso: imagine-se que uma cautelar de arresto tome a posse de um táxi, em
liminar, ficando este na posse do requerente por seis meses. Na sentença da cautelar, o juiz
revoga a liminar, e julga improcedente o pedido – bem como o faz na ação principal. Neste
caso, o parágrafo único do artigo 811 do CPC, plenamente aplicável, determina que o juiz,
na própria sentença de improcedência da cautelar, possa apurar o dano causado pela
liminar. Este capítulo, de apuração do prejuízo, é também um capítulo de sentença cautelar
que faria, para a doutrina, coisa julgada material, e não somente formal. Veja:
“Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento
cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida:
I - se a sentença no processo principal lhe for desfavorável;
II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não
promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;
III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos
no art. 808, deste Código;
IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de
prescrição do direito do autor (art. 810).
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento
cautelar.”

Em verdade, a lógica da corrente que, com acerto, traça a regra geral de que a
sentença cautelar não faz coisa julgada material, mas somente formal, assenta na previsão
do artigo 807 do CPC:

“Art. 807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo


antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo,
ser revogadas ou modificadas.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará
a eficácia durante o período de suspensão do processo.”

Ora, uma decisão que pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo, não pode
ter a qualidade de coisa julgada, imutável, pois é expressamente mutável. Mas veja que esta
regra só pode ser aplicada em sentenças de procedência das cautelares, pois se for
improcedente, a coisa julgada é material, como se depreende do próprio parágrafo único do
artigo 808 do CPC:

“Art. 808. Cessa a eficácia da medida cautelar:


I - se a parte não intentar a ação no prazo estabelecido no art. 806;
II - se não for executada dentro de 30 (trinta) dias;
III - se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento do
mérito.
Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a medida, é defeso à parte repetir
o pedido, salvo por novo fundamento.”

Mesmo sendo esta a regra geral, as exceções apontadas são bastante corretas. Em
suma, a sentença cautelar de procedência só faz coisa julgada formal, mesmo transitando no
artigo 269, I, do CPC – havendo as exceções dos capítulos que fariam, para parte da
doutrina, coisa julgada material, acima vistas, além da prescrição e decadência –, mas a

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sentença cautelar de improcedência, na forma do artigo 808, parágrafo único, do CPC, faz,
sim, coisa julgada material.
Outro argumento, de Leonardo Greco, que embasa o entendimento de que a cautelar
somente faz coisa julgada formal, é o de que as decisões prolatadas em cognição sumária
não fazem, nunca, coisa julgada material. Assim, como a cognição na cautelar é sumária,
até mesmo na sentença, de procedência ou improcedência, esta nunca faria coisa julgada
material.

1.1.3. Coisa julgada na jurisdição voluntária

Os processos de jurisdição voluntária têm, claro, mérito a ser resolvido, mas


qualquer que seja a decisão esta só fará coisa julgada formal, nunca material. Isto porque a
jurisdição voluntária é gestão estatal de interesses privados, e por isso não pode ter a
qualidade tão severa da coisa julgada material.

1.1.4. Coisa julgada formal com efeitos de material

Há sentenças terminativas que, mesmo fazendo coisa julgada formal, têm efeito
análogo ao de coisa julgada material, pois exercem o principal dos efeitos, qual seja, o
óbice à rediscussão da matéria decidida. Trata-se da sentença que decide pelo artigo 267, V,
pelo que vem consignado no artigo 268 do CPC:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


(...)
V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa
julgada;
(...)”

“Art. 268. Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que
o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem
a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado.
Parágrafo único. Se o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo pelo
fundamento previsto no no III do artigo anterior, não poderá intentar nova ação
contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a
possibilidade de alegar em defesa o seu direito.”
Destarte, a sentença que extingue o processo por perempção, litispendência ou coisa
julgada, impede que nova ação seja conhecida, se versar sobre a mesma discussão.

1.1.5. Sentenças falsamente terminativas ou falsamente definitivas

Imagine-se que o réu argua ilegitimidade passiva, e o juiz, ao final do processo,


constate que, pelas provas trazidas, realmente nada tem a ver com a ação proposta. Esta
sentença será pela improcedência, ou será extintiva pela falta da condição da ação?
Pela teoria da asserção, a sentença tem que ser definitiva, ou seja, se houve provas
suficientes para demonstrar que o réu não deveria estar no pólo passivo, é porque o pedido
em face dele é improcedente, e deve transitar materialmente em julgado. Só seria sentença
terminativa, por carência de legitimidade passiva, se esta fosse percebida sem necessidade
de provas, ou seja, se fosse um erro teratológico de apontamento do pólo passivo, por
exemplo – quando então faria coisa julgada apenas formal.

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Contudo, há quem julgue esta lide, com provas da ilegitimidade, em sentença


terminativa, sem incursão no mérito. É imprecisão que não deve prosperar, porém, sendo a
sentença falsamente terminativa – devendo fazer coisa julgada material, portanto, mesmo
extinguindo pelo artigo 267, VI, do CPC.
Outro exemplo é o do mandado de segurança: se for concedida a segurança, a
sentença é de mérito, fulcrada no artigo 269, I, do CPC. A denegação da segurança, por sua
vez, é mais complexa: pode se dar por causa terminativa, ou por enfrentamento do mérito,
respectivamente fazendo coisa julgada formal e material. Todavia, há um severo problema a
ser abordado: se a denegação da segurança for por ausência de direito líquido e certo, há
que se definir a natureza do direito líquido e certo no mandamus: se se tratar de condição
especial da ação mandamental, a sentença que assim se justifica é terminativa, pois não
enfrentou o mérito – fazendo apenas coisa julgada formal; se se entender que se trata de
prova pré-constituída, pois este rito não conta, em regra, com fase instrutória 36, e, por
compor o próprio mérito do writ, a sentença que assim se fundar será definitiva – artigo
269, I, do CPC, improcedência por falta de provas –, e portanto, fará coisa julgada material.
No processo civil, a tese prevalente é a que entende como prova pré-constituída, pelo que a
sentença assim exarada faz coisa julgada material.
Veja que o STF parece adotar tese que a improcedência, para o impetrante, não faz
coisa julgada material, pelo que se depreende da sua súmula 304:

“Súmula 304, STF: Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo


coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.”

1.2. Eficácia da sentença não transitada em julgado

Seguindo-se a classificação trinária, a sentença declaratória somente gera efeitos


após o seu trânsito em julgado, e nunca provisoriamente. A mesma regra se passa na
sentença constitutiva, que só cria, extingue ou modifica alguma relação quando há o seu
trânsito em julgado – havendo exceções, como a sentença de interdição, que é constitutiva
e gera efeitos imediatos, na forma do artigo 1.184 do CPC:
“Art. 1.184. A sentença de interdição produz efeito desde logo, embora sujeita a
apelação. Será inscrita no Registro de Pessoas Naturais e publicada pela imprensa
local e pelo órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando
do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da
curatela.”

A sentença condenatória, por sua vez, gera efeitos desde logo, permitindo a
execução provisória, ou cumprimento provisório, na forma dos artigos 475-I, § 1º, e 587 do
CPC:

“Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A


desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos
dos demais artigos deste Capítulo.
§ 1o É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando
se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito
suspensivo.

36
A prova pré-constituída é dispensada, realizando-se uma excepcional “mini-fase instrutória”, quando a
prova estiver em poder da autoridade coatora.

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§ 2o Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é


lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a
liquidação desta.”

“Art. 587. É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória


enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do
executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739).”

Mas nem sempre a sentença condenatória terá efeitos imediatos, pré-trânsito: basta
haver interposição de um recurso com efeito suspensivo, e a eficácia estará suspensa.
Outro caso seria o da sentença condenatória contra a Fazenda Pública que, na forma
do artigo 2º-B da Lei 9.494/97, não permite execução provisória:

“Art. 2o-B. A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em
folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou
extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser
executada após seu trânsito em julgado.”

Este artigo, assim como o 2º-A, antes mencionado, se mantém vigente, pois a Lei
9.494/97 é exatamente a conversão da medida provisória 1.570/97.

1.3. Efeitos da coisa julgada

São três: vinculativo, sanatório e preclusivo.


O efeito vinculativo, trazido no artigo 472 do CPC, é sinônimo de eficácia subjetiva
da coisa julgada, ou seja, a decisão transitada, em regra, só vincula quem participou do
processo, quem tenha participado do contraditório. Mas há exceções: o substituído
processualmente, por exemplo, não participa do processo, mas é vinculado à sentença
transitada.
Veja que, sendo assim, o substituído processualmente pode pedir para entrar no pólo
correspondente, operando a extromissão do substituto, mas somente se o contendedor
admitir; se não admite, pode entrar no feito como assistente litisconsorcial.
Outra hipótese em que pessoas alheias ao processo são atingidas pela coisa julgada é
o litisconsórcio facultativo unitário: sendo o direito resolvido um só, sendo o pleito
incindível, aqueles que poderiam ter participado mas não o fizeram sofrerão a coisa
julgada, qualquer que seja. Como exemplo, uma ação anulatória de assembléia de
condôminos: os condôminos que não adentraram no feito serão alcançados pela coisa
julgada 37. A anulatória de um concurso público seria exemplo ainda mais pacífico.
O processo coletivo também será uma exceção se o autor, o parquet, por exemplo,
for considerado legitimado extraordinário; se for considerado legitimado ordinário, não é
exceção.
O efeito sanatório também é bem simples: com o trânsito em julgado, todos os
vícios do processo são convalidados, quer sejam nulidades relativas ou absolutas. Os vícios
de inexistência, contudo, persistem, não sendo sanados pela coisa julgada: não há como
convalidar algo que nunca existiu.

37
Alexandre Câmara entende que se trata, esta anulatória de assembléia, de litisconsórcio necessário unitário.

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Outro vício que não se convalida é o transrescisório: o vício que pode ser discutido
mesmo após o prazo da rescisória não é sanado, nem mesmo pela coisa soberanamente
julgada. Como exemplo, a sentença inconstitucional, que será mais bem abordada adiante.
Há ainda os vícios da rescindibilidade, que não são sanados: consistem nos vícios
que autorizam a ação rescisória, e que, portanto, existem mesmo após o trânsito em julgado.
Veja que há vícios que eram nulidades, mas quando do trânsito em julgado, transformam-se
em rescindibilidades. A rescisória, de fato, só se presta a revelar vícios, e não a promover
análise de fatos, à exceção do artigo 485, VII, do CPC, em que o objetivo da ação é discutir
a justiça da decisão:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
(...)
VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência
ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar
pronunciamento favorável;
(...)”

O último efeito é o preclusivo, chamado de julgamento implícito, que vem no artigo


474 do CPC:

“Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e


repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao
acolhimento como à rejeição do pedido.”

Significa, este efeito, que tudo o que não se consignou no processo, por ficção
jurídica, é como se tivesse sido alegado implicitamente, e julgado implicitamente. Trata-se
de um efeito que impede novas ações por alegações que não foram feitas pelas partes, por
ofensa à coisa julgada, na forma da teoria da identidade da relação jurídica material (pois
não seria, pela tríplice identidade, coisa julgada).

Casos Concretos

Questão 1

Caio propôs em face de Tício ação cautelar de sustação de protesto de cheque


alegando prescrição da pretensão do credor ao recebimento da soma correspondente.
Por sentença que transitou em julgado, o juiz da causa julgou procedente o pedido
cautelar, na forma da inicial. Ulteriormente, Tício propôs em face de Caio ação de
cobrança da mesma dívida. Na contestação, Caio levantou preliminar de coisa julgada,
argumentando que, diante do reconhecimento da prescrição, na Ação Cautelar, o
pagamento da dívida não pode ser exigido em juízo. Pediu a extinção do processo, sem
julgamento do mérito, na forma do disposto no artigo 267, VI, do Código de Processo
Civil. Caio tem razão? Por quê?

Resposta à Questão 1

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O pedido de Caio, na cautelar, foi a sustação do protesto, e é o dispositivo desta


sentença de procedência que transitou em julgado. Se o motivo da decisão no sentido de
determinar a sustação foi a prescrição, isto é irrelevante: o motivo não transita em julgado.
Sendo assim, a ação de cobrança não poderá ser extinta pela coisa julgada, pois o
juiz, na cautelar, não pronunciou a prescrição: pronunciou o direito à sustação. Destarte,
Caio não tem razão, pois a ação deverá prosseguir para julgamento meritório.

Questão 2

Tício intentou uma ação reivindicatória em face de Mévio. O objeto da ação era um
apartamento. No decorrer do processo e após a citação, Mévio alienou o imóvel a Caio.
O feito, todavia, prosseguiu tendo como partes Tício e Mévio. O pedido acabou
sendo julgado procedente e a sentença transitou em julgado.
Tício requereu então ao juiz da causa a sua imissão na posse do imóvel, então
ocupado por Caio. Este, ao ser intimado para desocupar o imóvel, interpõe embargos de
terceiro, sustentando que não podia ser alcançado pela coisa julgada formada em processo
do qual não fora parte.
Indaga-se:
a) O processo inicial poderia seguir contra Mévio mesmo depois da venda do
imóvel a Caio? Justifique a resposta.
b) Tem razão Caio ao interpor embargos de terceiro? Por quê?

Resposta à Questão 2

a) Sim, mas desde então atuaria Mévio com legitimidade extraordinária


superveniente, vez que atua em juízo em nome próprio por coisa alheia, em
simples substituição processual.

b) Na verdade, deveria ter ingressado como sucessor processual, ou como


assistente litisconsorcial, pois o direito que passou a titularizar permitiria sua
entrada. Se não ingressou no processo, de uma ou outra forma, estará alcançado
pela coisa julgada, na forma do artigo 42, § 3º, do CPC:

“Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato
entre vivos, não altera a legitimidade das partes.
§ 1o O adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o
alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária.
§ 2o O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo,
assistindo o alienante ou o cedente.
§ 3o A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao
adquirente ou ao cessionário.”

Questão 3

Servidora pública, postulou pela via mandamental, em face do Estado do Rio de


Janeiro, o reconhecimento do seu alegado direito de ver integrado nos seus proventos de
aposentadoria a parcela relativa à Gratificação de Encargos Especiais, que recebia,

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quando na atividade, a título de direito pessoal, incorporada aos seus vencimentos por
força da regra constante do artigo 4º da Lei Estadual nº 2365/94. À unanimidade de votos
da turma julgadora, o Colendo Órgão Especial denegou a ordem, fundado no argumento
de que o artigo 4º da lei Estadual 2365/94, que serviu de base à impetração, foi declarado
inconstitucional, pelo mencionado Órgão Especial. Transitado em julgado o respectivo
acórdão, a mesma servidora voltou a juízo para postular o mesmo direito através de uma
ação de conhecimento, submetida ao procedimento comum ordinário. Diante do caso
concreto e analisando o artigo 15 da Lei 1533/51 e Súmula 304 do Supremo Tribunal
Federal, decida.

Resposta à Questão 3

Não é possível a renovação do pleito em outro processo. O motivo que ensejou a


denegação da segurança indica que a autora simplesmente não tem o direito que pleiteia,
tendo ficado esta inexistência consolidada pela coisa julgada. Fosse questão fática que não
pôde a impetrante provar à época, pois a instrução no mandamus é prévia à propositura, a
via ordinária poderia ser acessada.
O TJ/RJ, na apelação cível 1998.001.11939, assim se posicionou:
“MANDADO DE SEGURANCA. COISA JULGADA MATERIAL.
RENOVACAO DE PEDIDO DENEGADO EM MANDADO DE SEGURANCA.
INADMISSIBILIDADE. ART. 15. ART. 16. LEI N. 1533, DE 1951. CARENCIA
DE ACAO. DECLARACAO DE OFICIO. EXTINCAO DO PROCESSO SEM
JULGAMENTO DO MERITO
Mandado de Seguranca. Declaracao de inexistencia do direito material litigioso.
Coisa julgada material. Formacao. Renovacao do pleito, em outro processo, da
mesma ou de diferente natureza. Inadmissibilidade. Lei n. 1.533, de 31.12.51.
Artigos 15 e 16. Supremo Tribunal Federal. Sumula n. 304. Exegese. Aplicacao. O
acordao que, em sede mandamental, declara inexistente o direito material litigioso,
para o qual se veio a juizo pedir tutela, faz coisa julgada material, constituindo
obice intransponivel `a renovacao do pleito, em outro processo, da mesma ou de
diferente natureza. Carencia da acao. Declaracao "ex officio". Extincao do
processo sem julgamento do merito.”
Tema XXI

Formas de argüição da coisa julgada. Limites objetivo e subjetivo da coisa julgada. A coisa julgada nas
sentenças determinativas. A coisa julgada nos processos coletivos. A coisa julgada no mandado de
segurança. A coisa julgada e o reexame necessário (art. 475, CPC). A coisa julgada nas ações de estado. A
relativização da coisa julgada: histórico, mecanismos processuais e conseqüências. Comentários aos arts.
741, parágrafo único e 475-L, parágrafo1º, ambos do CPC.

Notas de Aula38

1. Formas de argüição da coisa julgada

Uma vez que haja formação de coisa julgada em um processo, se o autor ajuíza
novamente a mesma ação, o réu deverá argüir a ofensa à coisa julgada em preliminar de
contestação. Se não o fizer neste momento, no entanto, poderá argüir em momento

38
Aula proferida pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 6/10/2008.

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posterior, pois o artigo 301, § 4º, e o 267, § 3º,do CPC, permitem ao juiz conhecer de ofício
daquela matéria:

“Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


(...)
V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa
julgada;
(...)
§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto
não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI;
todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar
nos autos, responderá pelas custas de retardamento.”

“Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:


VI - coisa julgada;
(...)
§ 4o Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria
enumerada neste artigo.”

Como se vê, o réu que perde o momento da argüição responde pelas custas que
possam ter advindo do retardamento.
A coisa julgada pode ser argüida em sede recursal, pois como se percebe, a matéria
é argüível a qualquer momento (sempre com esta ressalva das custas lhe serem impostas).
Até mesmo em sede de rescisória a matéria é alegável, como dispõe o artigo 485, IV, do
CPC:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
(...)
IV - ofender a coisa julgada;
(...)”

Passado o prazo da rescisória, formada a coisa julgada soberana no processo em que


deveria ter sido argüida a coisa julgada em um primitivo, pode haver ainda esta argüição?
Veja que, neste caso, haverá duas decisões soberanamente julgadas e contraditórias. Como
solucionar esta situação?
A doutrina majoritária, e a jurisprudência, defendem que prevalecerá a segunda
coisa julgada soberana formada. Alexandre Câmara argumenta que a coisa julgada tem
essência de lei entre as partes, lex inter partes, e, por isso, aplica-se o critério temporal de
antinomias legais: lei mais nova revoga a anterior sobre o mesmo tema.
Poul Erik Dyrlund, também encampando a tese de que a segunda prevalece, traz
outro argumento: se prevalecesse a primeira coisa julgada, a rescisória seria inútil, pois ela
existe justamente para evitar que a segunda prevaleça, ou seja, indica que este seria o
caminhar normal, se transitar soberanamente em julgado a segunda.
Há, de outro lado, autores que entendem que prevalece a primeira decisão, ao
argumento de que há sentenças que não têm aptidão para transitar em julgado, pois vão
contra a CRFB (pois ofende à coisa julgada formada), e por isso a segunda não teria esta
aptidão, vez que a primeira se solidificou como regra imutável. Assim entendem, por
exemplo, Dinamarco e Nelson Nery.

Michell Nunes Midlej Maron 19


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2. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada

O limite subjetivo da coisa julgada, já abordado, atine às pessoas que participaram


do processo, em regra autor e réu, mas há exceções, como mencionado. Há casos em que o
legislador pretendeu limitar estes efeitos, como no caso das associações, já visto (artigo 2º-
A da Lei 9.494/97).
Outro exemplo de eficácia subjetivamente limitada vem do já mencionado artigo 16
da Lei 7.347/85, em que se lê que apenas aquelas pessoas que sejam jurisdicionados dentro
da base territorial do órgão prolator da decisão:

“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”

Esta previsão é altamente controvertida, e tremendamente criticada pela doutrina,


pois o correto é que toda decisão judicial tem validade em toda a extensão do território
brasileiro – a jurisdição é una.
Quanto aos limites objetivos, contudo, a questão é mais tranqüila: só transita em
julgado o dispositivo da sentença. Isto é conclusão que se obtém a contrário senso do artigo
469, I, do CPC:

“Art. 469. Não fazem coisa julgada:


I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença;
II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.”

Se não fazem coisa julgada os motivos, mesmo que determinantes, e o fundamento,


só faz coisa julgada o dispositivo.
Pode ocorrer caso em que o fundamento, mesmo sem transitar em julgado, produz
efeitos fora do processo em que se fez presente, atingindo até mesmo terceiros: trata-se da
exceptio male gesti processus, exceção do processo mal gerido. Veja: o terceiro pode ficar
vinculado ao fundamento de uma decisão, na forma do artigo 55 do CPC:

“Art. 55. Transitada em julgado a sentença, na causa em que interveio o assistente,


este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar
e provar que:
I - pelo estado em que recebera o processo, ou pelas declarações e atos do
assistido, fora impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença;
II - desconhecia a existência de alegações ou de provas, de que o assistido, por
dolo ou culpa, não se valeu.”

Imagine-se a seguinte situação: um autor pretende anular uma escritura imobiliária,


alegando que sua produção foi fraudulenta, pois o escrivão agiu com dolo. Neste processo,
o escrivão intervém como assistente simples da parte ré, a fim de manter válida a escritura.
Se neste caso o juiz anular a escritura, dando provimento ao pedido, sob o fundamento de
que o escrivão atuou realmente com dolo, este fundamento não fará coisa julgada, mas se o
réu que teve a sucumbência, aquele que teve a escritura anulada, ingressar contra o escrivão

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

por seu prejuízo, o escrivão não poderá defender ausência de culpa ou dolo, pois esta
questão foi solucionada como motivo do processo inicial. Não poderá alegar a matéria que
é considerada “justiça da decisão” do primeiro processo, salvo se comprovar alguma
hipótese dos incisos do artigo 55 supra, ou seja, a exceção do processo mal gerido. Sua
defesa, então, só poderá contrariar o fundamento da primeira se provar que o primeiro
processo foi mal conduzido pelas partes.

3. Coisa julgada em sentenças determinativas

Sentenças determinativas são, em breve suma, aquelas que impõem obrigações de


trato sucessivo. Exemplo claro é a sentença de alimentos, ou a que condena o INSS a pagar
benefício previdenciário (ou, em outra seara, a própria sentença penal condenatória).
Esta sentença faz coisa julgada material? A Lei 5.478/68, no artigo 15, dispõe que a
sentença de fixação de alimentos, por exemplo, não faz coisa julgada material, pois, em
tese, a obrigação pode ser revista a qualquer momento, sendo esta também a interpretação
dada por Nelson Nery às demais sentenças de relações continuativas. Veja:

“Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a
qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos
interessados.”

O artigo 471, I, do CPC também passa esta idéia:

“Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à


mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no
estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi
estatuído na sentença;
II - nos demais casos prescritos em lei.”

Mas há quem defenda exatamente o oposto, como o faz Barbosa Moreira, ao


argumento de que quando se altera a relação continuativa, não se estará alterando a
sentença, e sim formando nova pretensão, com novo fundamento a ser julgado – é uma
nova ação, portanto. Em alimentos, por exemplo, o pedido de alimentos original tem causa
na relação de parentesco; o pedido de revisão, por seu turno, tem causa de pedir na
alteração fática da necessidade do alimentando e da possibilidade pagadora do alimentante.
Teria, portanto, transitado materialmente a primeira sentença, mas outro processo pode
discutir aspectos variantes da relação continuativa.

4. Coisa julgada e reexame necessário

Quando se impõe o reexame necessário da sentença, como no caso em que a


Fazenda Pública é sucumbente em valor superior a sessenta salários-mínimos, esta fará
coisa julgada se não houver o reexame, e ninguém impugnar esta falha?
Antes de responder à questão, é necessário que se identifique a natureza jurídica do
reexame necessário. De início, é pacífico que não se trata de recurso, por diversos motivos
que não vêm ao caso (mesmo que o CPP assim o chame, de “recurso de ofício”). É bastante
comum a tese de que o reexame necessário seja uma condição de eficácia da sentença,

Michell Nunes Midlej Maron 19


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sendo tese bem coerente. Mas a tese que prepondera, no entanto, é a que parte da análise da
súmula 423 do STF:

“Súmula 423, STF: Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso
“ex officio”, que se considera interposto “ex lege”.”

Assim, conclui esta corrente que o reexame necessário é condição para o trânsito
em julgado da sentença, e sem ele, a sentença pode ser revista a qualquer tempo.

5. “Coisa julgada inconstitucional”

É bastante comum o uso da expressão “coisa julgada inconstitucional”, mas é termo


impreciso. Barbosa Moreira, tratando do tema, observa que há, de fato, dois fenômenos
diversos: a relativização da coisa julgada e a sentença inconstitucional que transita em
julgado.
Relativização da coisa julgada é, em termos de dicionário, ignorar a imutabilidade
adquirida pela sentença. Esta mitigação já acontece, regularmente, na ação rescisória, ou na
revisão criminal, em processo penal. Assim, a coisa julgada não é, e nunca foi, absoluta,
pois há relativizações sobre ela incidentes desde sempre, sendo previstas até mesmo na
própria CRFB, como se vê no artigo 108, I, “a”, por exemplo:

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:


I - processar e julgar, originariamente:
(...)
b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes
federais da região;
(...)”

Assim, os meios de relativização são legais, e se justificam, em regra, pela presença


de vícios graves, ou pela severa injustiça de uma decisão transitada materialmente em
julgado.
A sentença inconstitucional, por outro lado, é aquela que aplica lei inconstitucional.
Sendo assim, quando se tratar de sentença inconstitucional, há uma diferença marcante: na
relativização, qualquer que seja o motivo, se atinge sentença que efetivamente transitou em
julgado; na sentença inconstitucional, todavia, a aplicação da lei inconstitucional não
geraria, a rigor, coisa julgada, ou seja, seria naturalmente inapta a transitar materialmente
em julgado. Desta forma, não haveria coisa julgada inconstitucional jamais, e por isso o
termo “coisa julgada inconstitucional” é impreciso.
Neste diapasão, sequer se poderia ajuizar ação rescisória de sentença que aplica lei
inconstitucional, pois se não transita em julgado, a rescisória careceria de pressuposto
principal, qual seja, decisão transitada materialmente em julgado. Sendo caso de sentença
inconstitucional, a via correta para se argüir a inconstitucionalidade seria a impugnação, na
forma do artigo 475-L, § 1º, do CPC, ou os embargos à execução, na forma do artigo 741,
parágrafo único, também do CPC:

“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:


(...)
II – inexigibilidade do título;
(...)

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

§ 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também


inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou
interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatíveis com a Constituição Federal.”

“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar


sobre:
(...)
II - inexigibilidade do título;
(...)
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo,
considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo
declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal
Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”

Há autores que trabalham esta inconstitucionalidade como um vício transrescisório,


e como a lei não dispõe sobre o modo de tratamento deste vício, defendem que se trate dele
da mesma forma que o vício mais grave é tratado, qual seja, a inexistência: analisar-se-á a
inconstitucionalidade da sentença qualquer tempo, por meio de mera petição, por querella
nulitatis, que é ação declaratória de nulidade (no caso, de inconstitucionalidade), ou mesmo
por ação rescisória.
Veja que, entretanto, esta ação rescisória para discutir inconstitucionalidade de
sentença não tem sido admitida pelo STJ, que se atém às hipóteses do artigo 485 do CPC
para sua admissibilidade. E sobre a querella nulitatis, Barbosa Moreira defende que esta
ação sequer deveria existir no Brasil, porque sempre há meio mais simples de solucionar
aquilo a que esta ação se presta: no caso da sentença inconstitucional, este meio seria a
mera petição.
Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes suscita ainda outro problema: se a decisão que
se entende inconstitucional for de tribunal superior, a primeira instância poderia dizê-la
inconstitucional? É questão que não tem solução.
Luiz Fux, radical, é completamente contrário a qualquer hipótese de revisão de
sentenças inconstitucionais, bem como qualquer relativização alheias às hipóteses legais,
em prol da segurança jurídica.
A relativização, como dito, é mais simples, pois se vê que realmente há coisa
julgada formada, que será afastada ou pelo vício que se apresente, ou pela injustiça da
decisão. Esta injustiça, como causa à relativização, é expressamente contemplada na
rescisória, no caso do já visto artigo 485, VII, do CPC.
É interessante consignar que a relativização por injustiça da decisão teve origem em
casos em que a Fazenda Pública se via obrigada a arcar com indenizações altíssimas em
ações de desapropriação. A fim de possibilitar que estas indenizações fossem revistas, à
época o legislador fez constar do CPC um inciso X no artigo 485, que tinha o escopo de
permitir exatamente esta rescisão.
Este dispositivo não permaneceu vigente, pois a medida provisória que o criou não
foi reeditada ou convertida em lei. O STJ, entretanto, continuou entendendo que esta
indenização poderia ser revista, pois ponderando a segurança jurídica da coisa julgada e o
interesse público na integridade de seus cofres, este teria maior peso.

Michell Nunes Midlej Maron 20


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Na esteira deste entendimento, surgiu a discussão sobre a revisão das investigações


de paternidade quando surgido o exame de DNA. Este, considerado prova formalmente
nova, permitiria uma ação rescisória pelo artigo 485, VII, do CPC, mas o que fazer quando
os dois anos já se expiraram?
Barbosa Moreira entende que o termo a quo dos dois anos deveria ser considerada a
data da ciência do resultado do exame, e não desde o trânsito da sentença.
Outros autores defendem que, na verdade, ações de estado, como a investigação de
paternidade, não se submetem a prazo, ou seja, não sofrem decadência ou prescrição. Se
uma ação de estado pode ser ajuizada a qualquer momento, a rescisória, igualmente, pode
ser ajuizada a qualquer momento, sequer tendo termo a quo.
Neste assunto, do DNA, o STJ tem entendido que sequer se exige a ação rescisória:
basta fazer o mesmo raciocínio da coisa julgada secundum eventum probationis, ou seja, ao
que fora considerado pai, ou ao filho que não foi reconhecido, seria dado o direito de
ajuizar ação própria sob o argumento das novas provas surgidas.

Casos Concretos

Questão 1

Tício, dizendo-se filho de Caio, propôs em face do afirmado pai Ação de Alimentos.
Respondeu Caio alegando que não é o pai da criança.
O juiz repeliu essa alegação; em decorrência, afirmou a existência da relação de
parentesco e, por sentença transitada em julgado, julgou procedente o pedido inicial e
condenou o réu a pagar ao autor alimentos de R$ 2.000,00 (dois mil reais), por mês.
Ulteriormente, Caio propôs em face de Tício Ação Negatória de Paternidade.
Respondeu Tício, com preliminar de coisa julgada, fundando-se no argumento de
que a questão da existência da relação de parentesco já foi decidida, no sentido afirmativo,
por sentença transitada em julgado, proferida nos autos da anterior ação de alimentos. O
juiz rejeitou a preliminar e julgou procedente o pedido inicial, por sentença que também
transitou em julgado. Diante do que se decidiu, na segunda ação, Caio requereu ao juiz da
primeira que declare extinta sua obrigação de pagar os referidos alimentos de R$ 2.000,00
(dois mil reais) mensais. Sustenta que não pode continuar a pagar alimentos a quem
sentença transitada em julgado declarou que não é seu filho.
Indaga-se:

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

Depois de ter afirmado existente a relação de parentesco, na Ação de Alimentos, o


juiz podia ter afirmado a sua inexistência, na Ação Negatória de Paternidade?
Deve ser deferido o pedido de Caio de declaração da extinção da obrigação
alimentar, em decorrência do que se decidiu na Ação Negatória de Paternidade?

Resposta à Questão 1

Sim, inclusive é exemplo clássico utilizado por autores como Marinoni e Ovídio
Batista, pois na ação de alimentos, o parentesco é fundamento, e não dispositivo, não
fazendo coisa julgada, portanto. As sentenças são contraditórias, mas não são juridicamente
incompatíveis.
Se a ação negatória for procedente, a revisão dos alimentos é possível, pois a
sentença ali prolatada é determinativa, por determinar relação continuativa. Mas veja que
deve ser feita esta revisão em ação autônoma, e não nos próprios autos.

Questão 2

Luiz propôs em face do Hospital Cardoso Ltda. ação de exibição de documentos. O


pedido foi julgado procedente, por sentença transitada em julgado, da lavra da juíza da 5ª
Vara Cível da Comarca da Capital. Ulteriormente, o réu pediu à magistrada sentenciante
declaração de incompetência da Vara Central e de nulidade de todos os atos decisórios,
nela prolatados, a partir do argumento de que a sociedade tem sede em Cascadura e,
portanto, a ação deveria ter tido seu curso numa das Varas Regionais de Madureira, não
perante o juízo absolutamente incompetente da 5ª Vara Cível da Comarca da Capital.
Diante do caso concreto, decida.

Resposta à Questão 2

O efeito sanatório do processo convalidou este vício de incompetência absoluta.


Alcançando a coisa julgada, não há que se falar em nulidade, que foi sanada pela preclusão.
Não há nenhuma invalidade a ser alegada.
O TJ/RJ, no agravo de instrumento 2000.002.05209, assim entendeu:

“SENTENCA TRANSITADA EM JULGADO. COISA JULGADA MATERIAL.


INCOMPETENCIA ABSOLUTA DO JUIZO. DECLARACAO INCIDENTAL.
INADMISSIBILIDADE. ACAO RESCISORIA. NECESSIDADE
Sentença. Declaração incidental de incompetência absoluta do Juízo que proferiu
decisão de mérito, transitada em julgado, e de nulidade da mesma decisão, por ter
sido proferida por Juízo averbado de absolutamente incompetente.
Inadmissibilidade. Obstáculo representado pelo efeito sanatório da coisa julgada
material. Código de Processo Civil. Artigo 474. Aplicação. O efeito sanatório da
coisa julgada material obsta `a declaração incidental de incompetência absoluta do
Juízo que proferiu sentença de mérito transitada em julgado e constitui obstáculo
intransponível `a declaração incidental de nulidade da mesma decisão, que se diz
ter sido proferida por Juízo absolutamente incompetente. Principio da
intangibilidade da coisa julgada material. Caráter relativo. Possibilidade de
discussão da matéria em sede de ação rescisória. Código de Processo Civil. Artigo
485, II, "fine". O principio da intangibilidade da coisa julgada material, que não e'

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EMERJ – CP II Direito Processual Civil II

absoluto, não impede que a questão pertinente `a incompetência absoluta do Juízo


que proferiu a sentença de mérito, transitada em julgado, seja reagitada, em sede
própria, que e' a da Ação Rescisória, contemplada no artigo 485, II, "fine", do
Código de Processo Civil. Agravo desprovido. Decisão interlocutória confirmada.”

Veja que, na verdade, poderia haver ação rescisória, pois o vício de incompetência
absoluta foi transformado em rescindibilidade, desde o trânsito em julgado.

Questão 3

Em abril de 1985, João, menor impúbere, representado por sua mãe Maria, ajuizou
ação de investigação de paternidade, cumulada com pedido de alimentos, em face de Ivan ,
a qual foi julgada improcedente por insuficiência de provas tocante à indigitada
paternidade. Em janeiro de 2004, o mesmo menor ingressou com nova ação de
investigação de paternidade, cumulada com pedido de pensão alimentícia, em face do
mesmo réu, sob a alegação de que à época do ajuizamento da 1ª ação o exame pelo DNA
ainda não era disponível, postulando, assim, a realização dessa prova. Aduz que a
sentença da 1ª demanda, não concluiu categoricamente que o demandado não fosse seu
pai biológico, julgando improcedente o pedido "porque a prova reunida era insuficiente
para se afirmar a paternidade imputada". Sustenta que não permitir o ajuizamento de nova
ação, agora que tem à disposição o exame de DNA, método científico que não lhe estava
disponível naquela época, é o mesmo que condená-lo ad aeternum a não ter paternidade.
Em contestação, Ivan arguiu preliminar de coisa julgada, por haver ação idêntica
anteriormente ajuizada com julgamento de mérito e trânsito em julgado. Requereu a
extinção do processo com base no art. 267, V, do CPC. Você é o juiz da causa. Decida,
fundamentadamente.

Resposta à Questão 3

Não há coisa julgada a ser reconhecida. O STJ vem admitindo esta nova ação, por
entender que é prova formalmente nova, e portanto se aplica a teoria da coisa julgada
secundum eventum probationis.
Neste sentido, veja a ementa do REsp 226.436:

“PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE


AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO
IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA.
MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA.
EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.
I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de
investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de
indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e
considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA
ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o
ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com
sentença julgando improcedente o pedido.
II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de
perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um
juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito.

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Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição


da verdade ficta pela verdade real.
III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de
investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de
respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no
reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa
julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e
as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão.
Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem
de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade".
IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que
atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.”

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