LIMA, Diana - Trabalho, Mudança de Vida Na IURD
LIMA, Diana - Trabalho, Mudança de Vida Na IURD
LIMA, Diana - Trabalho, Mudança de Vida Na IURD
“T RABALHO”,
“MUDANÇA DE VIDA” E
“PROSPERIDADE ” ENTRE FIÉIS DA I GREJA
UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
Introdução
uma grande parte dos pobres deste país tem procurado soluções para os males
que os atingem especificamente na Teologia da Prosperidade? Como esses sujeitos
sociais representam sua experiência de fé?
Com o intuito de dar continuidade à reflexão iniciada em meu doutorado
em Antropologia Social sobre o sentido do êxito material na sociedade brasileira
contemporânea, tenho em conta que, enquanto ela lança mão dos meios de
comunicação para alcançar níveis cada vez maiores de visibilidade, aumenta
também o volume e o teor das objeções levantadas contra a Igreja Universal do
Reino de Deus, defensora da Teologia da Prosperidade, e procuro explicar por
que, a despeito de todas as denúncias contra a Igreja, ela multiplica o seu
número de fiéis. Indo além, procuro explicar por que essa multiplicação acontece
justo na década de 1990.
Em minha tese de doutoramento, procurei compreender o modo como
alguns segmentos da “elite” do Rio de Janeiro vêm se servindo dos elementos
do universo mercantil para criarem – em torno da noção de “sucesso” – um novo
critério classificatório na sociedade brasileira. O objetivo principal, naquele
momento, era desvendar como, a um só tempo, esses segmentos consomem –
material e simbolicamente – os objetos fabricados pelo capitalismo e se inserem
ativamente no mundo da produção capitalista. Neste trabalho, baseei-me numa
análise de material de imprensa sobre a rede de relações conhecida como a
“Nova Sociedade Emergente”, notadamente as colunas sociais do jornal O Globo,
nas quais, pela primeira vez, em 1994, a jornalista Hildegard Angel usou esta
fórmula para apresentá-los à “sociedade” e elogiar o desempenho econômico de
uma seleção de indivíduos recém-chegados à Barra de Tijuca e recém-
enriquecidos através do trabalho empreendedor em negócios, originalmente
pequenos, como padarias, marmorarias, açougues, nos subúrbios cariocas. Apoiei-
me ainda na observação direta do estilo de vida dos integrantes desta rede para
demonstrar o surgimento, na sociedade brasileira contemporânea, de um ethos
que valoriza, concomitantemente, o trabalho empreendedor e o consumo
conspícuo. Tal ethos passou a ser característico de alguns meios sociais
recentemente, quando, durante o governo Collor, o Brasil adotou, em sua política
econômica, os princípios do “mercado livre”.
Neste artigo, reúno-me à produção acadêmica animada pela necessidade
de problematização da visão – inventariada por Mariz (1995) – de que o mundo
neopentecostal é carente de seriedade doutrinária e é integrado, de um lado,
por um corpo clerical de “charlatões”, “enganadores dos pobres” e “mercadores
da fé” e, de outro, por uma coletividade de membros “analfabetos”, “fanáticos”,
“alienados” e “sugestionáveis” (Mariano 1996). A partir de informações sobre a
cosmologia da Igreja Universal do Reino de Deus e de material etnográfico
acerca do compromisso confessional e de suas percepções sobre “mudança de
vida”, levantados no convívio com adeptos da IURD, oriundos das camadas
OLIVEIRA LIMA: “Trabalho”, “mudança de vida” e “prosperidade” 135
Etnografia do pertencimento
Deus seja pensado como um sócio. “O que significa que você vai ter como sócio
o dono do universo.” E embora seja “o sócio que mais atua, porque é dono de
tudo, você ainda sai com a maior parte dos lucros.”
Normalmente, o pastor dedica uma parte do culto ao que Wilson chama
de palestra. Para apoiar sua fala em exemplos de figuras conhecidas que
“venceram na vida”, a despeito dos muitos obstáculos, a cada semana ele distribui
um pequeno texto que, em linguagem muito simples, narra uma dessas histórias
com final feliz, porém marcadas por grandes adversidades. Não me refiro apenas
aos folhetos que divulgam “testemunhos”, como o de uma “empresária” que
(P) Atitude.
(W) Agora tem lance que depende de Deus demais, pra quem
acredita também, né? Porque, pô, pra mim, cara, eu... eu... eu não
conheci meu pai. Não conheci meu pai. Minha mãe, coitada, uma
pensionista do INSS, entendeu? Não tinha, não tinha quem, na
minha família não tinha muitos exemplos. Apesar de ter alguns
familiares meus que são bem e tal de vida, mas eu não venho de
uma família rica. Minha família originariamente não é uma família
rica. Porque eu penso assim: às vezes, quando você tem o exemplo,
tem teu pai, pô e tal, eu acho que fica mais fácil. Então eu busquei
em Deus e encontrei na Igreja. Eu me lembro quando eu larguei
meu emprego. Ó só, que engraçado. Era em 93. Na época eu ganhava
três salários mínimos e eu trabalhava numa portaria de um prédio
comercial na Cidade aí eu tinha Unimed, tique refeição, né, tal.
Aí, quem olhava assim pensava: pô, o cara tem plano de saúde,
cesta básica, um monte de coisa, os direitos que eles agregam. Aí
eu larguei aquilo pra ser camelô. Caramba! Nego ficou maluco
comigo. Aí, meu irmão: ‘Isso aí é a Igreja, é a Igreja, que tem que
ser empresário. Tu quer ser empresário desse jeito, abrindo uma
barraquinha de camelô?’ Eu falei: ‘Mas tudo tem que ter um começo.’
E peitei sair.
que “já chega”, pois é fonte de “vidinha, de miséria, de humilhação”. Não são,
portanto, valores diferentes daqueles caros à ética profissional postulada pelo
mercado pós-social que se instala nos anos 90 do século XX, progressivamente
adorados como coisas sagradas (Durkheim 2003:218-219) pela sociedade brasileira
contemporânea. Segundo os dados demográficos, a grande maioria dos fiéis da
Igreja está na base da pirâmide social brasileira. Esses sujeitos sociais não têm
normalmente acesso a escolas de business, não estão inseridos nas grandes empresas
ou, se estão, não ocupam posições passíveis de participação nos lucros, não têm
investimentos ou coisa que o valha. Mas são atingidos pelos meios de comunicação
e, portanto, integram o circuito social de difusão e discussão dos elementos mais
abrangentes da ideologia individualista bem como dos significados hedonistas
específicos que constituem esse ethos econômico que equaciona linearmente
“trabalho” e “sucesso”, insistentemente sublinhado pela palavra contemporânea
hegemônica. O desejo de consumir um tênis de marca (que levou Wilson a
roubar, na infância) não é, evidentemente, natural.
Alguns autores defendem que a atratividade da IURD aos olhos dos
pobres urbanos brasileiros, largamente expostos ao desemprego ou ao subemprego,
reside na promessa de prosperidade que ela promove através de uma vigorosa
estratégia proselitista13. Essa hipótese não esgota, contudo, a questão de por que
essa denominação pentecostal que professa a Teologia da Prosperidade desde a
sua fundação em 1977 se torna atraente a ponto de ampliar seu número de fiéis
em 25% a cada ano justo na década de 1990. Recorrendo ao artigo de Fry &
Howe (1975), acredito que tal crescimento da Igreja acontece nesse momento
porque é nesse momento que os símbolos que ela articula para formular a
mensagem cosmológica que prega – e mesmo a própria mensagem que defende
– encontram ressonância no sistema simbólico que passa a dar sentido à
experiência social brasileira de modo geral. No contexto social que examino, a
pobreza sempre foi uma fonte de dificuldades. Não obstante, até a década de
1990, os números sobre a penetração da Igreja mostram que o conceito de
compensação neste mundo (central na teologia da prosperidade) não tinha
alcançado a mesma legitimidade religiosa, e portanto o mesmo apelo entre os
pobres, legitimidade esta que ela passa a ter no período em que a exibição da
glória dos “vencedores” começa a ocupar tanto espaço e de modo tão insistente
nos meios de comunicação seculares. Até a década de 1990, confirmando as
palavras de Geertz sobre o sofrimento como problema religioso, os pobres buscavam
na religião orientação sobre “como sofrer, como fazer da dor física, da perda
pessoal, da derrota frente ao mundo ou da impotente contemplação da agonia
alheia algo tolerável, suportável – sofrível, se assim podemos dizer” (1989:76).
Nesse momento, porém, a despeito da contrariedade da família, para quem uma
vida ajustada parece bastante, Wilson não se contenta com os limites de sua
situação atual ou com as perspectivas que ela oferece. E sentindo-se preparado
OLIVEIRA LIMA: “Trabalho”, “mudança de vida” e “prosperidade” 149
pelos saberes encontrados na Igreja que escolheu para si, ele responsabiliza-se
pela demissão de seu modesto emprego de auxiliar de portaria para, ambicionando
os prazeres e as compensações do “sucesso”, apostar na carreira de empresário.
“Porque a reunião ali, acaba sendo uma... palestra também, né?... Ele tenta te
ensinar você batalhar por uma vida melhor, mas com Deus, né?”, conclui ele.
Para além de uma visão de mundo universalista/individualista que prescreve
a todos os que querem ser salvos as mesmas regras claras de conduta (Fry &
Howe 1975; Fry 1978), o pentecostalismo iurdiano da prosperidade oferta uma
alternativa doutrinária. Ou, nos termos de Geertz (1989), um “conjunto de
disposições e motivações” consistente com a visão de mundo mercantil
contemporânea laica, segundo a qual a possibilidade de “sucesso” – e todo o
desfrute que ele propicia – é um forte motor. Ele atrai, assim, para a sua
comunidade sujeitos sociais provenientes dos meios populares que se pensam
como “indivíduos” de “escolhas”14 e “direitos” e que adotaram para si o objetivo
hedonista de “empreender” a substituição do “sofrimento” pela “abundância” em
suas existências terrenas.
“E deu certo. Tá dando, né?”, avalia Jefferson, amigo e correligionário de
Wilson, ao me “dar o testemunho” de sua história durante a primeira visita que
fiz à sua casa. Sentado na sala de estar, de frente à televisão grande de tela
plana e ao equipamento de som e DVD que ocupam boa parte da estante que
decora o ambiente, ele me fornece uma narrativa sobre os benefícios da fé,
seguindo o fio da sua vida profissional. Assim, ele relata que começou a trabalhar
como contínuo aos 15 anos de idade. Ao mesmo tempo em que trabalhava,
“roubava demais” porque “era muito viciado”, ele e o irmão. “Vivia enrolado,
entrando e saindo de emprego porque levava roubo pra vender lá dentro”.
Quando seu irmão foi morto pela polícia, e depois de ele mesmo ter vários
“problemas com a polícia” e até, como ele conta, “um bandido quis mat[á-lo]”,
Jefferson decidiu acompanhar sua mãe à Igreja e “mudar de vida”. “É engraçado
que o pessoal fala que a nossa Igreja pede dinheiro e tal, e a gente não tinha
nada pra dar. Era uma miséria que tu não tem idéia. Só comia passarinha de
boi.” Com o “espírito rendido a Deus”, deixou as drogas e, “por Deus”, passou
a “trabalhar certinho. Mas não dava.” “Não é que ele não tinha coragem pra
trabalhar, quando a gente se acertou, só que é muita humilhação também que
tu tem que ouvir”, intervém sua esposa, enquanto folheava, ao alcance de meus
olhos, álbuns de fotografias que contavam, através de imagens, a história que
Jefferson revisitava em palavras. “Era uma bomba. Porque eu era frentista e
passavam cheque sem fundo e quem recebia era que pagava”, completa ele.
Em 1994, Jefferson começou com uma “barraca de vender pastel” e foi
“fazendo voto com Deus praquilo melhorar.” Há onze anos ele é corretor de
seguros. Montou sua “empresa”, que “à vista de muita gente, não é nada, mas
é, né?, se pensar de onde a gente veio”, e por três vezes, ao longo desses anos,
150 Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 27(1): 132-155, 2007
Conclusão
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Notas
1
A IURD é objeto de uma vasta lista de ressalvas – tais como seu caráter mágico, sua prática de
banalização do demônio, sua feição de agência de prestação de serviços religiosos adaptada às
circunstâncias sociais e às expectativas da clientela, o enfraquecimento das exigências éticas, a falta
de rigor na exegese da Bíblia, etc. (Giumbelli 2001) – cujo comentário está além das pretensões
deste artigo.
2
De acordo com o Censo do IBGE, o número de fiéis da IURD passou de 269 mil, em 1991, para
2,1 milhões no ano de 2000.
3
A reunião de segunda-feira, na Catedral, tem o nome de “Reunião dos 318” ou, também, de “Nação
dos 318”.
4
Na Sede Mundial, mais de uma vez ouvi o bispo falar em quantias monetárias na ordem do milhão.
5
Antes de entrar na análise do lugar do dinheiro na Teologia da Prosperidade pregada na Igreja
Universal do Reino de Deus, vale lembrar que as doações, ofertas, pagamentos e dízimos são uma
realidade no encaminhamento de diversas religiões. É assim com as promessas no catolicismo, com
os despachos e os pagamentos às mães e aos pais de santo nas religiões afro-brasileiras, e é assim
também com o donativo judaico e com o dízimo em outras denominações. Evidentemente, se é
OLIVEIRA LIMA: “Trabalho”, “mudança de vida” e “prosperidade” 153
preciso considerar que o dinheiro atravessa as práticas de outras religiões, é igualmente preciso frisar
que a promessa e o estímulo à “abundância” no mundo são, isso sim, particularidade da Teologia
da Prosperidade.
6
O pagamento do dízimo e de ofertas não é a única forma de expressão do comprometimento ético
do fiel com a Igreja e, acima de tudo, com Deus. A IURD enfatiza a assiduidade do comparecimento
à igreja, realiza “consagrações”, “batismos”, “purificações”, “propósitos” e constantemente reforça
a importância de uma vida condizente com aquilo que seria a vida de uma pessoa que se considera
“de Deus”.
7
O nome dos informantes foi trocado para preservar a identidade deles. Embora essa seja uma prática
costumeira, no caso de uma pesquisa sobre correligionários de uma organização vastamente
estigmatizada, parece-me relevante registrar a preocupação desse citado informante com as minhas
intenções de pesquisa e também com a preservação de sua integridade perante a comunidade. “Há
algum tempo atrás, eu não confiaria. Porque a gente já teve problema. A gente fala e é mal
interpretado. Ou então a pessoa interpreta como quer e leva e bota teu nome na mídia...Já
aconteceu. Não comigo, né? Mas já vi acontecer. Na verdade, não tem nada a ver, não. Cada um
entende como quer. Mas tu chega na Igreja, todo mundo te conhece e aí ‘pô, tu foi falar besteira’”.
8
Não tenho a pretensão de afirmar que todos os fiéis da IURD – e nem mesmo que toda a membresia
da congregação que observo – encontram na vivência confessional o mesmo sentido e experimentam
a mesma satisfação que caracteriza esta rede de amigos que etnografo. Eu não disponho de elementos
para fazer uma tal afirmação. Apenas suponho que aqueles que retornam à Igreja assiduamente não
estejam desapontados em suas expectativas. Todos eles conheceram momentos difíceis em seus
percursos entre a pobreza e o “dar certo”. Em suas narrativas, esses momentos são interpretados
como uma prova imposta por Aquele que tudo sabe, ou seja, Deus. Para eles, vencida essa prova
– que pode durar, como aconteceu com Jefferson, dois anos, período durante o qual ele não
conseguiu vender uma só apólice de seguro corporativo – e atestada a fé incondicional, a recompensa
não falhou em chegar. Uma etnografia daqueles religiosos que se desiludiram com a IURD, embora
não seja facilmente exeqüível, uma vez que as pessoas que deixaram a Igreja encontram-se dispersas,
poderia contribuir, sem dúvida, para o incremento da presente discussão. Quais eram suas
expectativas? De que modo eles se engajaram no alcance de seus objetivos? O que os levou a se
recusar a aceitar a explicação de que não fizeram sua parte, permitindo que o Demônio atuasse sobre
suas vidas?
9
Como diz Mintz: “A igreja, naquilo que proíbe e naquilo que encoraja, fornece uma visão de mundo
que parece ser notavelmente propícia a aspirações de mobilidade crescente em uma sociedade que
está se tornando ocidentalizada. Portanto, os interditos sobre jogo, fumo, e bebida podem ser
equivalentes à salvação compulsória, ou ao menos, à acumulação potencial de capital para outros
fins”. (1964: 266).
10
Ainda que os dados demográficos levantados no Novo nascimento: os evangélicos em casa, na política
e na igreja apontem uma expressiva maioria de mulheres (81% de mulheres para 19% de homens)
na comunidade de adeptos da Igreja Universal do Reino de Deus, tenho observado que, na
congregação do Largo do Machado, ambos os gêneros têm presença equivalente.
11
“Don Gosset, no livro Há poder em suas palavras, afirma: ‘Louvado seja Deus, é verdade que, se
você crê no que está dizendo, você recebe o que diz. Se você diz: Não posso pagar minhas contas,
por exemplo, você não será capaz de pagar suas contas ainda que a Palavra de Deus diga que o
meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em Jesus Cristo cada uma de vossas
necessidades (Filipenses 4:19). Mas se você mudar sua maneira negativa de falar (ou pensar), com
base na promessa de Deus de dar suprimento, você receberá o milagre financeiro de que está
precisando” (apud Fonseca 2000:68).
12
De acordo com Mariano (1996), a “teologia da prosperidade” é louvada nas seguintes igrejas: Igreja
Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Comunidade
Evangélica Sara Nossa Terra, Nova Vida, Bíblica da Paz, Cristo Salva, Cristo Vive, Ministério
154 Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 27(1): 132-155, 2007
Palavra da Fé, Missão Shekinah, ADHONEP (Associação dos Homens de Negócio do Evangelho
Pleno), CCHN (Comitê Cristão de Homens de Negócios).
13
O uso da mídia eletrônica, a localização geográfica dos seus templos, os megaeventos de cura
realizados no espaço público urbano são algumas das medidas proselitistas freqüentemente citadas
na literatura.
14
A própria adesão a uma religião diferente da religião de nascimento, como mostra Duarte (2005),
atesta a influência dos valores do individualismo sobre o comportamento desses sujeitos sociais.
15
Corolla é a marca da linha de carros de luxo da Toyota.
Resumo:
Nos anos 90, com a implementação do “mercado livre” pelo governo Collor, noções
como “produtividade” e “resultados” ganham centralidade na vida econômica brasileira.
Nessa mesma época, é notório, nas classes trabalhadoras, o aumento do número de fiéis
da Igreja Universal do Reino de Deus, defensora da “Teologia da Prosperidade”.
Entendo que o expressivo crescimento da conversão dos pobres brasileiros ao
neopentecostalismo que autoriza o direito dos indivíduos a uma existência terrena de
“prosperidade” incentivando seus fiéis ao trabalho empreendedor, justamente na década
de 1990, e o fenômeno do elogio ao “sucesso” que despontou no horizonte da “economia
de mercado” estão intimamente relacionados. A partir de etnografia em uma
congregação carioca da IURD reflito sobre a imbricação dos dois processos.
Abstract:
Since the 1990s the concepts of “productivity” and “results” have taken center-stage
on Brazil’s economic discourse. Throughout this period the number of Igreja Universal
do Reino de Deus, defender of the Theology of Prosperity, faithful has skyrocketed
among the poor. This church promises a worldly existence of “abundance” and
“prosperity” to those paying the “tithe” and demanding from the Lord a “structure to
work and to fight for life”. Using ethnographic material culled from Neopentecostal
faithful, this paper establishes the connection between both processes.