Jose Claudio
Jose Claudio
Jose Claudio
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Profº. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza Orientador e Presidente da Banca
Examinadora
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Profª. Drª. Roseli Fischmann Coordenador do Programa de Pós-Graduação
The study of continuity and discontinuity refers to the contingencies of public actions in
periods of power alternation, according to Peter Spink. The subject is not much discussed
in the field of Education. Its deepening is based on strands seeking to reveal the
importance of social structure in the triggering of phenomena such as these. The question
of the case study of the Centros Educacionais Unificados of the City of São Paulo (CEU)
refers to the manifestation of ruptures and permanencies of public actions that concentrate
on Education. Hypotheticaly, there would be combinations of discontinuities and
continuities due to political and financial factors. Identifying processes of discontinuity in
the entity and systematizing the theoretical aspects about the theme are the objectives
involving this qualitative analyse of sociological perspective, that include interviews,
technical visits and studies of documents focusing on transition between the governments
of Mayors Marta Suplicy and José Serra-Kassab. The hypothesis proved incomplete; the
continuities can conceal discontinuities of principles that are established in the essence and
not in shape.
Keywords: Continuity; Permanencies, Discontinuity; Ruptures; Public Politics;
Education Politics; CEU São Paulo.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 5: Acesso dos alunos do entorno dos CEUs, por tipo de escola, Município de São
Paulo - julho/outubro 2004 (média).................................................................................. 220
Tabela 6 : No. de acessos de cada unidade interna do CEU, das escolas externas e acesso da
comunidade....................................................................................................................... 221
Tabela 8: Índice de Vulnerabilidade Juvenil por Tipos de Área, no Município de São Paulo
2000/2005, em uma escala de 0 a 100............................................................................... 224
Tabela 9: Taxa de Mortalidade Juvenil por Tipo de Área entre os anos de 2000 e 2005..226
Tabela 10: Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil no período entre os anos
1991 e 2005. ..................................................................................................................227
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 18
1 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, AS POLÍTICAS PÚBLICAS, A BUROCRACIA E
A ESCOLA .............................................................................................................................. 22
1.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.......................................................................................23
1.1.1 Princípios Da Administração Pública...........................................................................25
1.2 A CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO: ASPECTOS
LEGAIS.............................................................................................................................29
1.3 DESCONTINUIDADE ADMINISTRATIVA: PRINCIPAIS
VISÕES..............................................................................................................................37
1.4 POLÍTICAS PÚBLICAS E A EDUCAÇÃO NO BRASIL........................................... 50
1.4.1 As Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e a Educação no Brasil,
um breve panorama: rupturas e continuidades.............................................................52
1.5 A BUROCRACIA, SEUS SISTEMAS E A ESCOLA........................................................71
INTRODUÇÃO
gestão dos Centros Educacionais Unificados da cidade de São Paulo (CEUs) um provável
momento de descontinuidade de ação política em Educação.
As descontinuidades e continuidades seriam desencadeamentos esperados quando
ocorre a alternância de Poder. Surgiu o interesse em analisar de que forma e que forças
desencadeiam tais fenômenos nas ações públicas em Educação, pois estudos coligidos
indicam a importância da demanda de autonomia dos aparelhos escolares frente à
centralização das decisões no tocante à gestação e implantação de políticas públicas.
A Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação LDB n. 9.394, de
20 de dezembro de 1996, apontam para a descentralização das decisões na burocracia do
Estado como forma de incentivar a criação de saídas locais para antigos problemas que
emperram setores como a Educação, afetos às dificuldades como distribuição de
competências entre as unidades subnacionais e problemas destas últimas em assumir cada
função, além das questões do financiamento e repasse de verbas (BRASIL, 1988; BRASIL,
1996).
Objetiva-se identificar processos de continuidade ou descontinuidade das políticas
públicas em Educação; sistematizar as várias vertentes teóricas sobre o tema; identificar no
Programa dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) da Rede Municipal de Ensino da
Cidade de São Paulo processos de descontinuidade das ações públicas em Educação, e
observar estariam relacionado aos fatores como descentralização da administração pública;
financiamento; sucessão partidária; composição de forças no Governo.
1
É interessante ler O manifesto dos Pioneiros da Educação Nova no Brasil, publicado em 1932 e disponível
em::http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo5/organizacao_gestao/modulo3/quero_saber_mais.pdf
Acessado em: 04 jun. 2017.
23
A partir dessa afirmação, Viegas (2016) passa a citar os grandes teóricos da área, de
forma a ampliar a análise do tema:
2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 64.
3
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 48.
4
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
55.
24
Ainda, segundo Di Pietro (2006, p. 28), o termo “administração” pode ser entendido
“como um vocábulo que tanto abrange a atividade superior de planejar, dirigir, comandar,
como também a atividade subordinada de executar”. No âmbito do espaço público, é através
da Administração Pública que o Estado aplica suas políticas, como evidenciam as palavras de
Odete Medauar (2007):
O administrador da iniciativa privada atua por sua conta e risco, conforme Meirelles
(2005, p. 82), não havendo proibição, ele pode criar novos procedimentos, possibilidade que
não é facultada ao gestor público, pois se a adoção de novos parâmetros não estiver descrita
em lei, mesmo não sendo proibido, não pode executá-la, pois deve ter em mente que
administra para a coletividade, e não para si próprio, ou em prol do seu benefício pessoal ou
de um empresário da iniciativa privada. Por esse motivo, há princípios norteadores da ação da
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Mesmo atendendo fielmente aos dispositivos legais, podem ocorrer casos de um ato
administrativo não ser considerado probo, essa ideia verte para o Princípio da Moralidade,
segundo o qual o agente público deve obedecer à imposição da moral administrativa como
norma de conduta. O agente deverá considerar suas ações focando o bem comum, assim como
considerar o ato administrativo diante não só da norma jurídica como da ética profissional,
uma vez que, mesmo que um ato seja considerado dentro da legalidade, pode não ser
considerado honesto ou lícito. Cardozo (1999, p. 55) entende que em relação aos atos da
administração pública, estes últimos “[...] devam estar inteiramente conformados aos padrões
éticos dominantes na sociedade para a gestão dos bens e interesses públicos, sob pena de
invalidade jurídica”.
Outra ideia que pode levar à composição de um preceito pode partir da seguinte
proposição: Se todos são iguais perante a lei, não há porque tratar os diferentes cidadãos de
maneiras diferentes. Esse juízo converge para o Princípio da Impessoalidade, em que o agente
público, em seu desempenho, deve atender a todos, sem preferência ou aversão. Não pode
expor os cidadãos a situações que envolvam antipatia, vingança e favorecimento. Caso o
agente público promova um desses atos, não se poderia afirmar que seu ato estaria em
desacordo com o princípio da legalidade, contudo, estaria em desacordo com outros preceitos
como o da moralidade e da impessoalidade.
Os atos da Administração Pública, em obediência à Lei e para comprovar isenção dos
agentes públicos, devem ter ampla divulgação, inclusive, para evitar impor prejuízos aos
27
Princípios
Obrigações do Administrador
Gerais
[...] o gerenciamento dos recursos e dos serviços públicos suplanta os limites dos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,
exigindo a observância da supremacia do interesse público, da autotutela, da
indisponibilidade, da continuidade desses serviços públicos, da segurança jurídica,
da precaução, da razoabilidade e da proporcionalidade. (MELLO, 2016, pág. 2)
particular, na questão paulistana, ora em tela, observaram-se fatos relevantes vinculados a este
viés que, mais tarde, serão aprofundados, no que tange, por exemplo, à consulta popular,
instaurada sem discussão, apenas para a devida ratificação burocrática, que pode ocorrer em
algumas instituições escolares e outros setores da burocracia estatal.
Tema central dessa pesquisa, a continuidade se relaciona, de um lado, ao atendimento
de necessidades prementes e inadiáveis da sociedade pelos serviços públicos, que não podem
ser interrompidos como o atendimento hospitalar, fornecimento de água, luz, transporte,
coleta de lixo e tratamento de água, que são prestados direta ou indiretamente, com afirma
Cardozo (1999, p. 63): “[...] as atividades realizadas pela Administração devem ser
ininterruptas, para que o atendimento do interesse da coletividade não seja prejudicado”. De
outro lado, a ruptura da continuidade se relaciona à descontinuidade de concepções,
programas e projetos que, mesmo não essenciais, conferem “personalidade”, princípios e
destinação específica às políticas públicas. Segundo Mello (2016), a continuidade constitui-se
em mais um princípio da administração pública, mas o circunscreve à não interrupção dos
serviços públicos básicos e essenciais.
A seguir, apresentaremos os aspectos legais referentes à continuidade das ações
públicas que, em seus debates, privilegiam a continuidade dos serviços públicos básicos e
essenciais, deixando em segundo plano o debate sobre outros aspectos também relevantes,
como os princípios que organizam e norteiam essas ações públicas.
O Princípio da Continuidade diz respeito aos serviços essenciais, que não podem
deixar de ser prestados. Entretanto, a lei evidencia algumas exceções. A Constituição Federal
de 1988 é iniciada com o seguinte texto:
Bastos (1996) afirma que o serviço público deve ser contínuo e não pode ser
interrompido, deve ser colocado à disposição do usuário com regularidade e qualidade. Entre
31
Filho, através do projeto de lei em tela, pretende conferir transparência e ética às atividades
realizadas na posse do novo mandatário eleito. (BRASIL, 2009)
A partir da análise da correspondência ao Presidente, percebe-se que o termo
“descontinuidade das ações” é jargão sedimentado nos departamentos da administração
pública brasileira, que se conecta à alternância de poder. Não compatibilizando, entretanto,
com a aplicação dada ao termo “discontinuity”, explicitado no título do texto estudado mais
acima, de autoria de Antonio Viñao (2015), que se reportava à Guerra Civil Espanhola (1936
– 1939).
A expressão “descontinuidade das ações” se estabelece de forma efetiva e com muita
força quando da substituição de um governo por outro na linguagem corrente da política
brasileira, sendo que seu uso é mais reticente em outras culturas e línguas. Por outro lado, a
aplicabilidade dos preceitos legais, vinculados à continuidade dos serviços públicos, transigia
quanto à interrupção de programas durante a transição de governo até a publicação da lei
referenciada pela carta do Ministro (Brasil, 2009), não abrangendo, entretanto, programas
iniciados e paralisados dentro de um mesmo governo.
Voltando à discussão sobre o Princípio da Continuidade no âmbito jurídico e sua
importância quanto ao serviço público, como forma de aprofundar um pouco mais seu
conceito, Odete Meduar, autora consagrada, que se refere à figura do sujeito nomeado como
administrado, que seria todo aquele que é o objeto da administração pública:
O Decreto acima, assinado por Fernando Henrique Cardoso, em seu artigo segundo,
impõe a imediata exoneração dos ocupantes de cargos ou funções gratificadas, sem prejuízo
do ressarcimento ao Tesouro Nacional, dos valores por este despendidos em razão do ato
comissivo ou omissivo, como consta no parágrafo segundo, do primeiro artigo do decreto em
tela. Assim como será obrigatória a denúncia dos servidores que concorreram para o dano,
constante no artigo terceiro do mesmo decreto.
O legislador, que no caso é o Poder Executivo, reporta a responsabilização dos
possíveis prejuízos causados pela paralisação em decorrência de greve aos servidores como
um todo e a pena de demissão recai sobre os ocupantes de cargos comissionados. Este
Decreto atualiza o artigo nº 37 da CF/88, e protege o Estado desestimulando movimentos
grevistas e dividindo as categorias no sentido de dividir para dominar.
O artigo 37, da CF/88, não esclarece perfeitamente sobre a primazia da continuidade
da prestação de serviços e o direito dos servidores públicos a fazerem greve, o Supremo
Tribunal é sempre questionado sobre esta demanda e, normalmente, se pronuncia a favor da
continuidade dos serviços, tendo deixado claro que seria necessário uma lei que aclarasse
melhor este dispositivo constitucional. São as chamadas leis complementares que a
Constituição determinou sua criação para regulamentar determinada matéria, mas que exige
quórum qualificado. Enquanto não se consegue sua aprovação, as decisões podem incluir a
promulgação de Decreto, privativo do Poder Executivo, que passa a legislar sobre o caso.
Quando se fala em funcionamento contínuo e regularidade da atividade administrativa,
nas palavras de Genoso (2011), “está se falando não só da necessidade de continuidade do
serviço público, mas também se deve ter em vista a continuidade da própria Administração”.
36
A discussão acima serviu para expor diferentes concepções do que vem a ser a
continuidade nos campos jurídico, administrativo e político, procurou-se demonstrar que a
descontinuidade é o termo prevalente quando se trata da continuidade das políticas públicas
brasileiras e se fosse permitido aventar uma hipótese, aventar-se-ia de que o termo
descontinuidade seria mais usual, uma vez que sua construção semântica parte do Princípio da
Continuidade e seu antônimo natural vem a ser este termo “descontinuidade”.
Os autores ainda afirmam que a “descontinuidade, com seus constantes retornos ao
ponto zero, ao tempo zero, é condição essencial para que possa haver o continuísmo, pelas
mudanças que se destinam a manter inalteradas as relações de saber e de poder”
(COLLARES; MOYSÉS e GERALDI, 1999, p. 216). Como se viu, relacionam o termo
descontinuidade à manutenção do poder e como condição de continuísmo, e as rupturas, uma
vez estabelecidas, apontam novos caminhos: “as rupturas, [...] constituem a essência da
continuidade, ao tecerem novas possibilidades de caminhos por onde a vida possa fluir, nos
diferentes e incertos modos de andar a vida” (op. cit., p. 216).
Collares, Moysés e Geraldi (1999) encontram nas permanências as qualidades da
descontinuidade, agregando o termo continuísmo e as mudanças concebidas para manter as
relações de saber e de poder. As autoras e o autor tratam de diferenciar os termos público e
38
privado em relação às políticas, segundo eles, há que se distinguir política pública de política
privada, e “há que distinguir política pública de plano de governo. Este se define no interior
de uma proposta que, se majoritária eleitoralmente, deverá transformar-se em política
pública”, explicam as autoras e o autor:
[...] porque não basta a aprovação eleitoral de propostas para que a população
assuma como suas as necessidades sociais e as soluções advogadas por planos
governamentais. Numa sociedade como a nossa, há que acrescentar ainda a prática
política em que os planos de governo não são sequer divulgados nos processos
eleitorais. Como em nossa sociedade nem todos podem ocupar o lugar da
enunciação, são alguns que definem as necessidades sociais e, com base em tais
definições, elegem prioridades e elaboram programas que, apresentados ou
sonegados, constituem uma sequência de ações decididas a priori, com as quais se
pretende submeter o andar da vida de todos. (COLLARES, MOYSÉS e GERALDI,
1999, p. 212)
alternância de poder, em que o novo governo que deseja neutralizar as marcas do antecessor,
irá avaliar a relevância mediante ao custo de projetos e impor ou não sua ruptura. Muitas
vezes, para não comprometer sua popularidade, os governos optam por manter alguns projetos
sociais, mas introduzem pequenas intervenções, que aos poucos, irão minar sua força e
importância junto à sociedade.
Em sua análise envolvendo servidores, técnicos, assessores e representantes de
comunidades e outros atores sociais, Spink reconhece que as mudanças de governo, e outros
gestores geram rompimentos em atividades existentes, e haveria entre os funcionários uma
noção internalizada de que as mudanças podem atingi-los, assim o movimento da
descontinuidade administrativa começa a ocorrer mesmo antes de o novo governo assumir,
uma vez que os funcionários ficam nesse delay, e não respondem com a devida efetividade até
que a nova gestão anuncie as suas disposições como encerramento de projetos, que poderiam
deixar de existir ou ter prioridade, congelamento de atividades, dispensa de funcionários-
chave e extinção de programas.
Por sua vez, os trabalhadores não permanentes, detentores de cargos comissionados e
de confiança, são substituídos a cada novo mandato, o que demanda treinamento dos novos
funcionários que os substituirão, além disso, são necessários ajustes da máquina ao novo
planejamento estratégico, como orientação aos funcionários sobre as novas diretrizes de
gestão para atender às novas demandas políticas, segundo Almeida (2009), que distingue uma
série de consequências impactantes como resultado da descontinuidade:
O que a autora diz, é que com as reiteradas trocas de chefia e perante a permanência
dos demais funcionários, estes últimos, insatisfeitos, criam maior identidade entre si e com a
organização, diante das alternâncias desestabilizadoras. Vem a ser uma defesa do grupo
contra os fatores desencadeantes de insatisfação que podem levar os setores à
improdutividade, ou a se estabelecer em círculos ou anéis que se opõem contra as mudanças
propostas e são capazes de manter a máquina em sua inércia funcional. Estes círculos foram
definidos por Fernando Henrique Cardoso.
Se, numa empresa familiar, já é difícil mantê-la em funcionamento com apenas um
funcionário recalcitrante, pode-se avaliar o que ocorre em um universo de mais de dois
milhões de servidores públicos como ocorre hoje no nível Federal (2.216.431 servidores
federais), por outro lado, o país comporta um número excessivo de funcionários de confiança,
segundo o Boletim Estatístico de Pessoal (de setembro de 2016) são quase cem mil
funcionários federais (98.918 ocupantes de Cargos e Funções de Confiança e Gratificações do
Poder Executivo Federal da Administração Direta, Autarquia e Fundação) (BRASIL, 2016, p.
67, 167).
Luiz Felipe D'Avila, em entrevista ao Podcast Rio Bravo, afirma que a
“descontinuidade de políticas públicas no Brasil é um problema mais sério do que a
corrupção”, “Ela é custosa e criminosa”. Segundo D’Ávila, a burocracia é a garantidora da
continuidade das políticas públicas, em sua entrevista, afirma que ao mudar o enorme número
de funcionários colocados em:
[...] cargos de confiança, você muda a estrutura inteira do Estado. E cada vez que
muda a estrutura inteira do Estado, o que eu mais fico preocupado é com a
criatividade de novos governantes em querer começar da estaca zero todo um novo
processo. Então, fala assim: "Vamos jogar tudo pela janela, o que foi feito com a
educação. Agora, esse governo é um marco zero. Vamos jogar tudo o que foi feito
na saúde e criar um marco zero." A descontinuidade de políticas públicas no Brasil é
um problema mais sério do que a corrupção. Ela é custosa e criminosa. (D’ÁVILA,
2014)
Para D’Ávila (2014), a corrupção representa apenas uma perda marginal de algo, o
que seria mínimo, se comparado às perdas que a descontinuidade pode ocasionar, nesse caso,
afirma:
42
Agora, a descontinuidade, essa história de começar do zero, jogar tudo fora, isso é
jogar o patrimônio de uma nação, os erros e acertos que nós fizemos no passado
como formas de moldar melhorias nessa política. Então, é muito importante o Brasil
construir uma burocracia weberiana estável. Veja só, o que é hoje o arcabouço por
trás de toda estabilidade política nos Estado Unidos ou na França ou na Inglaterra é
a existência de uma burocracia sólida e bem formada. Por exemplo, no parlamento
inglês, cada vez que se muda um governo, seja trabalhista ou conservador, muda-se,
no máximo, trezentas pessoas nos cargos de confiança. No Brasil, cada vez que
muda um presidente, mudam-se trinta mil cargos. (D’ÁVILA, 2014)
Luiz Felipe D'Ávila (2014) afirma que a descontinuidade de políticas públicas vem a
ser custosa e criminosa, que começar do zero é jogar fora o patrimônio de uma nação, e
aconselha que se instaure a burocracia weberiana, sólida e bem formada. Diante dos milhares
de cargos de confiança do Brasil, D’Ávila (2014) os compara às poucas centenas de cargos de
outros países, e aponta que a solução estaria na diminuição do número de cargos em confiança
para a melhoria da administração pública.
Se, por um lado, na Administração Pública, é comum ocorrer o fenômeno da
descontinuidade mediante a troca de gestores, como concluíram Spink (1987), Almeida
(1996) e D’Ávila (2014), por outro, a interrupção de projetos, de programas e até mesmo de
obras criados dentro de um mesmo governo, é um fator que precisa ser aprofundado, pois se
trata de outra face do mesmo problema. A descontinuidade pode se estabelecer pelas
mudanças de prioridades e metas dos governos em exercício ou mediante os diversos
contingenciamentos.
Muitas interrupções podem ser desejáveis do ponto de vista da sociedade, como
podem ser consideradas indesejáveis. Mudanças são importantes, entretanto, diante do
interesse da maioria, podem ser consideradas como perda de conhecimento tecnológico ou de
resultados. Voltar ao ponto zero constitui prejuízos segundo D’Ávila (2014). Mas, quando o
povo elege novos governantes, espera que as mudanças se instaurem e que muita coisa
melhore, portanto, é de se esperar que rupturas e descontinuidades sejam consideradas
corretas e legítimas, na medida em que o povo escolheu seu novo governante com base em
suas propostas de mudanças.
Entretanto, como afirmaram Collares, Moysés e Geraldi, (1999, p. 214), mais acima:
“a prática política em que os planos de governo não são sequer divulgados nos processos
eleitorais” apenas “alguns [...] elegem prioridades e elaboram programas que, apresentados ou
sonegados, constituem uma sequência de ações decididas a priori”, faz-se necessário repensar
esta frase para se entender que, de acordo com os autores, o que os candidatos ao governo
pretendem fazer está oculto nas campanhas eleitorais. Este fato parece minar a legitimidade
43
das mudanças.
Como se pode perceber no que foi referenciado acima, a falta de transparência nas
propagandas eleitorais enseja cursos de rupturas alheios ao conhecimento do eleitor,
propositalmente mal informado. As rupturas administrativas podem ocorrer de maneira
evidente ou, como atesta Almeida (1996, p. 6), em texto acima referenciado, o processo se dá
de maneira “não-formalizada”.
Esta falta de transparência da gestão pública brasileira amplia a possibilidade de
institucionalização dos processos de rupturas administrativas e oculta as intenções e
formulações dos gestores. Segundo Raymundo Faoro, o que existe é uma farsa na estrutura
democrática, mediante a formulação das decisões estatais:
Em última análise, a soberania popular não existe, senão como farsa, escamoteação
ou engodo. Já na estrutura normativamente constitucional, democrática na essência,
os detentores do poder participam na formação das decisões estatais, mediante
mecanismos de controle que atuam na participação popular. Não importa que o
encadeamento que vai da cúpula à base esteja enrijecido por minorias diretoras,
contanto que o circuito percorra a escala vertical. (FAORO, 2001, p. 878)
As minorias que fazem parte da cúpula atuam em escala vertical, ajustam-se aos
interesses das elites, e cabe a elas as decisões além do controle da maioria. “A astúcia, a
habilidade, a sagaz manipulação são qualidades psicológicas ajustadas ao comando elitário,
enquanto nos estamentos 5 prevalece a decisão de utilizar a violência, a direção voltada à
eficiência, o cálculo nas intervenções sobre o mecanismo jurídico” (FAORO, 2001, p.878).
As lideranças não surgiram por acaso, estão presentes no contexto brasileiro desde a
colonização, segundo Cunha, “[...] Quando eram parentes ou protegidos de chefes políticos
muito influentes, poderiam ingressar diretamente na política” (CUNHA, 2007, p. 73).
Tal institucionalização é facilitada ainda por uma prática democrática que não é
propriamente brasileira, possui sua base no liberalismo, que é a polarização por parcela
restrita da sociedade dos afazeres políticos, cujos cargos acabam por se transmitir
“geneticamente” aos descendentes, o que enseja a formação de um estamento político,
responsável pela indução das ações políticas. As opções disponíveis não são formuladas pelo
5
Segundo Raymundo Faoro, existe “distinção entre elite e estamento ou elite e classe social foi traçada, em
diversas ocasiões. Basta indicar uma obra conhecida do público brasileiro: Mills, C. Wright. La elite del poder.
México, Fondo de Cultura Económica, 1957, p. 18 e 19 e 335 (n.° 4). Para melhor informação, além da que
oferece o texto: Schumpeter, Joseph. Social Classes. Imperialism. New York, Meridian, 1955, p. 101 e segs.
Aron, Raymond. Novos temas de sociologia contemporânea. Lisboa, Ed. Presença, 1964, p. 31, 158 e 191”.
(p900) [FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação Do Patronato Político Brasileiro, 3ª edição, revista,
2001].
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povo:
E o povo, palavra e não realidade dos contestatários, que quer ele? Este oscila entre
o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação política, e a
nacionalização do poder, mais preocupado com os novos senhores, filhos do
dinheiro. E da subversão, do que com os comandantes do alto, paternais e, como o
bom príncipe, dispensados de justiça e proteção. A lei, retórica e elegante, não o
interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, reserva-lhe a escolha entre opções
que ele não formulou. (FAORO, 2001, p. 886-7)
Mesmo livre para escolher, o povo não se enxerga entre as opções, a democracia se
vincula às prescrições de uma elite cuja arma, segundo Faoro, seria “a mentira com a
usurpação da soberania nacional pela oligarquia da União, pelas oligarquias dos Estados,
pelas oligarquias das municipalidades. Cada uma delas mente, assumindo o nome do regime
constitucional, que absorveu e matou” (FARO, 2001, p. 724). A seguir, a íntegra das palavras
de Rui Barbosa que depois serão citadas, em parte, por Faoro, quando trata do poder:
social, a primeira delas, sem a qual, sufocadas as pretensões justas, explodirá todo o
organismo. Com ela, o trabalhador, restituído nominalmente à condição humana
com o 13 de maio, emancipar-se-á para todas as oportunidades. Sem ela, virá, na
compressão crescente, a tirania, passo derivado da oligarquia, para abrir, "pelo
descontentamento geral, as portas à anarquia, à sedução do povo pela anarquia, à
dissolução do povo pela anarquia. [...] O mundo inteiro o está sentindo. O mundo
inteiro contra ele se reveste de forças morais, elevando as suas concepções da
sociedade, revolucionando as suas leis, democratizando as suas constituições,
entregando aos povos a solução dos seus problemas. "Só o Brasil não vê. Só o Brasil
diverge. Só o Brasil recua. Só o Brasil se acastela na mentira de uma rotina
conservadora, com que a indústria política mascara os interesses da sua
estabilidade". Enquanto é tempo, antes da anarquia — ou antes que o povo a peça?
— urge constituir e organizar a democracia social, com o abandono do
individualismo dos direitos humanos. (FAORO, 2001, p. 724)
O estamento, por sobranceiro às classes, divorciado de uma sociedade cada vez mais
por estas composta, desenvolve movimento pendular, que engana o observador, não
raras vezes, supondo que ele se volta contra o fazendeiro, em favor da classe média,
contra ou a favor do proletariado. Ilusões de óptica, sugeridas pela projeção de
realidades e ideologias modernas num mundo antigo, historicamente consistente na
fluidez de seus mecanismos. As formações sociais são, para a estrutura patrimonial
estamental, pontos de apoio móveis, valorizados aqueles que mais a sustentam,
sobretudo, capazes de fornecer-lhe os recursos financeiros para a expansão — daí
que, entre as classes, se alie as de caráter especulativo, lucrativo e não proprietário.
O predomínio dos interesses estatais, capazes de conduzir e deformar a sociedade —
realidade desconhecida na evolução anglo-americana —, condiciona o
funcionamento das constituições, em regra escritos semânticos ou nominais sem
correspondência com o mundo que regem. (FAORO, 2001, p. 874)
Tal foi ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves
ao fraco e novas forças ao rico, destruíram sem remédio a liberdade natural, fixaram
para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, de uma astuta usurpação fizeram
um direito irrevogável, e, para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram para o
futuro todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria. (ROUSSEAU, s/d,
P. 115)
tais corporações congregam. Isso ficou muito claro na leitura do livro Mauá – O Empresário
do Império de Jorge Caldeira da Companhia das Letras (1995). É possível identificar no
discurso sobre a desigualdade dos Homens de Rousseau, a forma como tal hegemonia se
estabelece atravessando os tempos:
Dado esse caráter do Estado em que o estamento burocrático se perpetua, não é difícil
nesse panorama esperar que não haja descrenças a respeito da descontinuidade das ações
públicas por parte da sociedade, no tocante ao funcionamento de programas e implicar
desmotivação dos envolvidos e desperdício de recursos públicos. De acordo com Fernando
Nogueira (2006), a descontinuidade na Administração Pública representa a:
Nogueira concentra sua atenção nos sintomas do fenômeno como desperdícios, perda
de memória institucional, desânimo, animosidade e tensão entre funcionários de carreira e os
gestores de plantão. De acordo com Almeida (2009), os conflitos entre o corpo de servidores
permanentes e o não permanente, aliado ao descompasso entre os projetos e os novos
objetivos, além da falta de profissionalismo, são tributários da descontinuidade das ações
publicas:
Mudança nos quadros dos agentes públicos: seja no corpo permanente, formado por
servidores efetivos, ou no corpo não-permanente, formado por servidores de livre
nomeação e exoneração;
Descompasso nos projetos: priorização de projetos de curto prazo, onde os gestores
políticos privilegiam aqueles que possam concluir em seu mandato, duplicação de
projetos, projetos importantes encerrados ou que deixam de ter prioridade,
atividades congeladas ou cujos técnicos são dispensados, levando à extinção do
programa;
Conflitos de objetivos: gera pouco empenho em relação aos procedimentos que vão
contra os interesses da nova gestão;
Administração amadora: indivíduos com pouco conhecimento da história e da
cultura da instituição e, muitas vezes, sem o preparo necessário, nomeado por
critérios políticos em detrimento da capacidade técnica. (ALMEIDA, 2009, p. 7)
No exagero das cores, filtra-se uma consequência: o povo quer a proteção do Estado,
parasitando-o, enquanto o Estado mantém a menoridade popular, sobre ela
imperando. No plano psicológico, a dualidade oscila entre a decepção e o engodo. O
divórcio dos mundos estanques, ao tempo que marginaliza a consciência do
dirigente, criando um conflito íntimo, que um de seus mais expressivos
representantes traduziu na fórmula do sentimento brasileiro e a imaginação europeia,
impõe, em outro plano, o cuidado de construir a realidade. Construir com a lei bem
elaborada em um momento, e, em outro, vítima de pressupostos diversos, com o
planejamento, tão decorativo, em certos casos, como a ordenança meticulosa.
(FAORO, 2001, p. 881)
Que se promulgue uma lei para tornar as outras obrigatórias, dizia Nestor Duarte
citado em Faoro (2001, p. 881), é exigir, segundo o autor, “uma ordem política e uma vida
pública que os costumes, a tradição e os antecedentes históricos não formaram”. A usança
ideológica que se faz da interrupção das ações públicas é tradição sedimentada. Entretanto,
tais interrupções podem ser perfeitamente desejáveis.
49
e às mudanças, contextualizando uma luta que tenta minar as diretrizes emanadas dos novos
gestores. Este fator deve ser entendido como aspecto natural da conjuntura da burocracia
estatal, que pode ser combatida à força, com punições de diversos tipos ou pela pacificação
através do diálogo, convencimento e carisma.
Até este ponto, esclareceu-se que ocorrem no interior da administração pública
diversos acometimentos que podem ser entendidos como continuidade, interrupção, rupturas,
descontinuidades e continuísmo e que ocorrências constituem fenômenos que não são
abarcados por um conceito teórico específico.
Percebeu-se que muitos teóricos focam seu estudo nas alternâncias de governo e que já
existe dispositivo legal para evitar tais efeitos que impôs a obrigação da formação das
comissões de transição de governo. Observou-se o jogo de forças que ocorre entre os
funcionários efetivos e os gestores de plantão. Cabe, a partir desse ponto, estudar
continuidades e rupturas administrativas que surgem após a inserção e substituição e
supressão de artigos nas leis estabelecidas, preferentemente vinculadas à Educação.
A Educação pode ser entendida como prática social responsável pela formação
cultural, ética e moral da sociedade, a partir das práticas de socialização baseadas nas relações
sociais favorecidas pelo espaço escolar, que visa privilegiar a preservação da identidade
cultural. Segundo Roseli Fischmann (2014), às propostas de Adorno podemos somar as de
Barrington Moore Jr. 6 , do papel da Educação no desenvolvimento da autonomia moral,
mesmo quando se considera que esta autonomia é muito limitada pelas circunstâncias.
Apoiando-se em Freud7, destaca a importância de que as crianças tenham modelos adultos
com os quais possam assumir compromissos morais, base do adensamento da autoridade (não
autoritarismo) na sociedade. Em suas propostas destaca-se a manutenção da capacidade de se
indignar frente à injustiça e à opressão, portanto, da capacidade de resistência ao arbítrio, o
questionamento do consenso criado e aceito dos processos de dominação.
6
BARRINGTON MOORE Jr. (1913-2005) – Sociólogo político estadunidense, autor da obra “As Origens
Sociais da Ditadura e da Democracia: Senhores e Camponeses na Construção do Mundo Moderno (1966)”, que
corresponde a um estudo comparativo da modernização na Grã-Bretanha, França, Estados Unidos, China, Japão e
Índia, e uma história filosófica do totalitarismo. Entre as suas várias obras também se destaca “Reflexões sobre as
Causas da Miséria Humana (1972) e uma análise da rebelião, Injustiça: As Bases Sociais da Obediência e da
Revolta (1978)”, que expressam a sua reflexão sobre as condições sociais e históricas nas quais a indignação
moral manifesta-se com maior intensidade ao longo dos séculos XIX e XX (BARRINGTON..., 2016).
7
SIGMUND FREUD (1856-1939) – Médico neurologista e criador da Psicanálise, que desenvolveu estudos e
concepções sobre a Educação, à luz da Psicanálise (SIGMUND, 2016).
51
dos países periféricos, cujas sociedades se digladiam sobre o conceito de nação. (BRESSER-
PEREIRA, 2009, p. 108).
Em seu primeiro governo, Vargas enfrentou as elites liberais, que na época eram mais
comprometidas com os interesses internacionais do que com o próprio povo, usou o poder do
Estado para promover um projeto nacional de desenvolvimento e industrialização do país e
formação de Estado-nação independente. Segundo Bresser-Pereira:
“O Estado brasileiro havia sido fundado em 1822, mas fora até 1930 um Estado-
nação dependente, semicolonial, supostamente liberal. Com Vargas, este se torna um
Estado desenvolvimentista. No período 1930-1960, ocorre a refundação da nação
brasileira, que afinal, torna-se razoavelmente independente e passa a realizar
políticas voltadas para seus interesses, de acordo com seus próprios critérios. O
Brasil, em 1930, era "uma economia essencialmente agrícola"; no final dos anos
1950, já era um país industrial.” (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 113)
“Ora, esse projeto abriu espaço para uma democracia consolidada no Brasil. Para
que isso acontecesse, foi necessário ainda que passássemos por uma nova ditadura
militar entre 1964 e 1984 desencadeada pela Revolução Cubana de 1959 e pela
Guerra Fria - por fatores exógenos, portanto-, mas as bases dessa consolidação
democrática já haviam sido estabelecidas pelo grande desenvolvimento que Vargas
comandou nos quase vinte anos que governou o Brasil.” (BRESSER-PEREIRA,
2009, P 117)
Foi nesse contexto que foi gestada a 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) encaminhada ao Congresso Nacional como Projeto de Lei em 1948, e
aprovada em 1961, envolvendo 13 anos de calorosas discussões, que resultaram em sua
54
8
Atualmente, com a organização prevista pela LDBEN 9394/96, o pré-primário equivale à educação infantil e ao
1º ano do Ensino Fundamental, o primário corresponde ao período do 2º ao 5º ano de escolarização do Ensino
Fundamental, o ginásio ao período do 6º ao 9º ano e o colegial ao atual Ensino Médio.
56
9
Na LDB 9394/96, denomina-se Ensino Fundamental e Médio respectivamente.
10
A esse respeito ler: Reflexões sobre a legislação de educação durante a ditadura militar (1964-1985) de
Alexandre Tavares do Nascimento Lira. Disponível em:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao36/materia01/. Acessado em: 17 fev.
2017.
11
A esse respeito ler: Os Princípios de Tyler, de Herbert M. Kliebard. Disponível em:
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol11iss2articles/kliebard-tyler.pdf. Acessado em: 17 fev. 2017.
58
Constava como objetivo geral da Lei 5692/71, a formação para o desenvolvimento das
potencialidades como elemento de autorrealização do educando, qualificação para o trabalho
e preparo para o exercício consciente da cidadania. O legislador tomava a Educação pela
visão utilitarista, centrada na formação do profissional, que se autorrealizaria perante seu
desempenho e exercício de sua profissão. O objetivo geral da Lei descolava a Educação de
sua finalidade, para focar seu objetivo na formação de trabalhadores, cuja autorrealização, se
daria perante a aquisição de conhecimentos simples, a partir dos quais, poderia vir a
desempenhar suas potencialidades no mercado de trabalho.
A Lei 5692/71 introduziu mudanças na LDBEN/61, que redefiniram o primário e o
ginasial como ensino de 1º grau, composto de oito anos, o colegial, separado do ginásio,
passou a denominar-se de 2º grau, composto de três anos. A Lei tornou o ensino de 1º grau
obrigatório de sete a quatorze anos. A formação da criança e do pré-adolescente deu-se
perante a administração de conteúdos e métodos conforme as fases de desenvolvimento dos
alunos. Era obrigatória a conclusão do 1º grau para ingresso no ensino de 2º grau, que
segundo a Lei, destinava-se à formação integral do adolescente. O sentido de formação
integral, talvez se referisse ao ato de integralizar os estudos iniciados nos estágios anteriores.
A Lei investiu na profissionalização, o ensino de primeiro grau fazia a sondagem de
aptidões e promovia a iniciação para o trabalho, o ensino de segundo grau habilitava o
educando a uma profissão que seria fixada em consonância com as necessidades do mercado
de trabalho local ou regional, podendo ser realizada (a habilitação) em cooperação com as
empresas.
Quanto à tão discutida política da inclusão, a Educação Especial, que se destinava aos
alunos superdotados e aos que apresentassem deficiências físicas ou mentais, os textos da
LDBEN/61 e Lei 5692/71, eram bastante inclusivos, entretanto, não estabeleciam
precisamente sobre a formação de profissionais habilitados para trabalhar com este segmento
específico.
A verificação do rendimento escolar ficava, na forma regimental, a cargo dos
estabelecimentos, compreendendo a avaliação do aproveitamento, a apuração da assiduidade e
a certificação de conclusão devidamente registrados no MEC. Diferentemente do texto da
LDBEN/61, a Lei 5692/71 não conferia a mesma autonomia ao docente nesse quesito da
formulação da avaliação.
A autonomia da instituição escolar circunstanciada na LDBEN/61 à escolha de dois
componentes curriculares era ainda mais flexibilizada pela 5692/71 com a imposição de um
rol estabelecido de disciplinas para constituir sua parte diversificada, disponibilizado pelo
59
governo Militar em conferir educação para todos. A falta de espaço físico é importante, mas
não influenciaria tanto na questão do desempenho dos discentes, se estes desfrutassem da
presença de profissionais bem formados. Entretanto, a abertura de tantas vagas forçou que
muitos professores de boa formação começassem a atuar em mais de um emprego, o que pode
influenciar no desempenho do profissional. Mesmo com esse desdobramento, não foi possível
cobrir todas as vagas de professores, prevendo esta situação, ainda na base do improviso,
novamente o governo, agora, o Militar, permite o acesso aos postos vagos a um número
surpreendente de professores que ainda estavam em processo de formação.
Por exigência da Lei 5692/71, para atuar no ensino da 1ª à 4ª séries era necessário que
o professor tivesse habilitação específica de 2º grau e habilitação de grau superior, nas
licenciaturas curta e plena para lecionar da quinta série em diante. Entretanto, a mesma Lei
previa casos de excepcionalidade, permitindo que professores com habilitação para o
magistério ao nível da 4ª série de 2º grau lecionassem até a 8ª série; que professores com
habilitação para o magistério ao nível da 3ª série de 2º grau lecionassem até a sexta série; que
professores com licenciatura curta atuassem no ensino de 2º grau.
Compreendia-se que a aplicação desse instituto seria para situações
excepcionalíssimas, não foi o caso, a demanda por professores era muito grande, além disso,
tratava-se de profissionais da educação, que se sentissem à vontade para lecionar em outras
áreas, não teria problema. Entretanto, a Lei determinava a contratação de candidatos que
concluíram o ginasial para atuar no ensino até a 6ª série, desde que preparados em cursos
intensivos, é bem verdade que a LDBEN/61 instituíra a figura do regente de ensino primário;
e para arrematar, a contratação de avaliados em exame de suficiência regulados pelo Conselho
Federal de Educação para atuar até a 5ª série.
Após o longo período ditatorial, promoveu-se o processo de abertura política e, depois
de muitos debates, instaurou-se a nova Constituição Brasileira em 1988, que previa a
composição de uma nova Lei de Diretrizes e Bases, que foi inaugurada em 1996, não sem
exaustivos debates e acirrada oposição de forças, das quais resultou um vetor que pode ser
considerado conservador, por mais progressivo que se apresente o texto.
Este fenômeno é explicado pela análise de Décio Saes sobre a influência da estrutura
da abertura política sobre a Assembleia Constituinte circunstanciada pelas imposições do
Governo Militar, que saía de cena ao mesmo tempo em que ditava as regras de transição.
Nessas condições, a própria LDBEN/96 repercute, em suas finalidades, os anseios inscritos
ainda na primeira LDBEN/61 como a responsabilidade da Educação pela qualificação para o
trabalho, fora essa permanente insistência, a Lei se mostra preocupada com a valorização da
61
experiência extraescolar, o que na teoria vem a ser uma grande evolução, enquanto na prática
os conteúdos ainda são normalizados pelo Conselho Federal de Educação.
A Lei preocupa-se com o desenvolvimento pleno do educando, muito diferente das
antecessoras, este dispositivo representa fator de grande evolução, se fosse aplicado, não o é.
Na prática, apesar de aumentar a permanência do aluno na escola, o currículo ainda é
gradeado na maioria das instituições escolares, o que engessa e compartimentaliza o
conhecimento. Existem lacunas na Lei, apesar de sua beleza textual, que ainda acomodam na
prática resquícios importantes de antigos problemas, como se pode imaginar que há pela
aplicação de expressões vagas do tipo “preparo para o exercício da cidadania”, “igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola” e “valorização do profissional da educação
escolar”, a Lei não se mostrou eficiente tampouco eficaz na solução dessas questões.
Dentro do clima festivo da abertura política da democracia brasileira, iniciam-se os
trabalhos constituintes para concepção de leis modernas vinculadas à participação popular na
decisão dos destinos da nação, (trabalhos) uma vez contingenciados pela composição de
forças do cenário político brasileiro de então, fazem inaugurar leis dotadas de lacunas, que
irão facilitar a atuação de forças poderosas e desmontar a estrutura democrática que se
delineia no arcabouço legal. Por outro lado, a simples edição de um conjunto de leis não é
capaz de gerar uma reação capaz de parar o movimento de uma estrutura concebida em outro
modelo administrativo. Seria preciso tanto investir em meios, como exigir sua aplicação.
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi apresentado pelo
deputado Octávio Elísio um projeto fixando as diretrizes e bases nacionais adequados aos
parâmetros da nova Carta Magna, que propôs a ampliação dos recursos para educação
pública, tendo o deputado Jorge Hage como relator do projeto, ao qual foram anexadas
emendas e tramitaram negociações em defesa da ampliação abrangência do sistema público e
desenhada a escola democrática. Foram ouvidas várias instâncias em audiências públicas,
apresentaram oposição a alguns pontos polêmicos, dando origem a duas novas versões do
texto original, sendo a última votada na Comissão Educação, Cultura e Desporto da Câmara
dos Deputados, aprovado o Projeto de Lei da Câmara nº 101/1993 foi designado o relator o
Senador Cid Sabóia (PMDB/CE), que retornou à Câmara dos Deputados como substitutivo
elaborado Darcy Ribeiro, o deputado José Jorge foi designado relator, o texto final da LDB
foi aprovado e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, sob o nº 9.394/96 em
20 de dezembro de 1996 (ALVES, 2002).
62
Na edição do dia 23 de abril de 1995, Darcy Ribeiro responde ao artigo do seu colega
em um artigo que justifica a elaboração de um substitutivo, que seria capaz de enfrentar as
mazelas que a educação nacional passaria se o projeto original se transformasse em lei.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto favoravelmente à presente Indicação, por entender que a mesma reflete e
atende às preocupações da nova Lei de Diretrizes e Bases, permitindo a adoção do
regime de progressão continuada pelos estabelecimentos que utilizam a progressão
regular por série. Ressalta ainda essa Indicação, a possibilidade de estes mesmos
estabelecimentos adotarem formas de progressão parcial com avaliações ao longo
das séries e dos ciclos, e não apenas no final dos mesmos. Meu voto é favorável
ainda, e principalmente, por se tratar de uma indicação que reconhece a
complexidade e a amplitude da alteração proposta e que, por isso mesmo,
recomenda o amplo debate na rede e com a comunidade, antes da sua efetiva
implantação. Recomenda, até mesmo, a formulação de um projeto com ampla
participação da comunidade, e amplo esclarecimento a toda a população.
São Paulo, 30 de julho de 1997.
(SÃO PAULO, DOE, em 05/08/97, pp. 12/13)
Sobre a Educação de Jovens e Adultos, em seu Art. 37º, a LDBEN/1996 afirma que a
modalidade se destina aos que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria, cabendo aos sistemas de ensino assegurar o acesso,
gratuitamente, aos jovens e aos adultos, e seu parágrafo segundo assegura o acesso e a
permanência ao trabalhador. Em seu Art. 38º, a LDBEN/96 dispõe sobre os exames supletivos
compreendendo a base nacional como alternativa ao prosseguimento de estudos em caráter
regular.
A Educação Profissional é prevista no Art. 39º, da LDBEN/1996, que propicia o
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva, sendo integrada à educação, ao trabalho, à
ciência e à tecnologia. Podendo ser articulado ao ensino regular, conforme seu Art. 40º, em
instituições especializadas ou no ambiente de trabalho.
Segundo a LDBEN/1996, a Educação Superior deverá abranger cursos sequenciais por
campo de saber, graduação e pós-graduação, e poderá ser ministrada em instituição pública ou
privada, com variados graus de abrangência ou especialização. O Art. 43º prevê, entre outras
finalidades, a de diplomar profissionais para atuar nas diferentes áreas de conhecimento,
promover pesquisa, divulgar conhecimentos culturais, científicos e técnicos através do ensino
e de publicações, prestar serviços especializados à comunidade, promover a extensão.
Em seu Art. 58º, a LDBEN/1996 entende por educação especial a educação escolar
oferecida de preferência na rede regular de ensino, que deverá ser dotada de serviços de apoio
especializado destinado aos portadores de necessidades especiais, em seu Art. 2º, não sendo
possível o atendimento nas classes comuns, este será feito em ambientes especializados,
sendo assegurados aos educandos com necessidades especiais, técnicas e recursos específicos,
para atender às suas necessidades. A Lei prevê término específico àqueles que não puderem
atingir o nível exigido do ensino fundamental em virtude de suas deficiências e aceleração aos
65
instituição, por si só, não é capaz de induzir as condições necessárias para garantir a
autonomia do aluno cego e sua profissionalização. Mesmo a presença do tutor, por melhor
preparado, sozinho, não garante o mínimo, ainda mais se o aluno nunca foi introduzido aos
elementos básicos de relação com o ambiente, como o cego aprender a se locomover com
bengala, ler braile, o surdo interpretar e se comunicar com LIBRAS, e ambos utilizarem
equipamentos a eles não disponibilizados, como celulares com aplicativos apropriados a cada
caso.
Com a instituição da inclusão, houve o desmonte de toda uma estrutura apropriada aos
portadores de necessidades que contava com profissionais devidamente graduados para
atender especificamente a cada caso. Desse desmonte, estabeleceu-se um processo de
descontinuidade que pode ter beneficiado alguns, pelo convívio importante que a criança com
necessidades especiais estabelece com os demais alunos da escola regular, é louvável, mas
restritivo.
Nem toda escola pública dá conta de atender a esta parcela da população e garantir os
recursos e tempo necessários para tornar a criança com necessidades especiais em um
indivíduo autônomo, dentro e fora da instituição. A justificativa do benéfico convívio social
contra a apartação dessas pessoas pode ter promovido seu abandono, apesar da lei ser tão bem
redigida. O Artigo 58, da LDBEN, LEI Nº 9394/96, trata da educação especial oferecida
preferentemente na rede regular de ensino e estabelece que:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais.
§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,
para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for
possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular.
intelectual ou psicomotora;
Ainda, conforme previsto no artigo 60 da referida lei, o atendimento poderá ser feito
em outros locais, quando não for possível a integração nas classes comuns, na prática este
direito é cerceado por diversos fatores, entre eles, fatores econômicos, físicos e pela gritante
falta de profissionais especializados.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, ocorrida em 14/10/2015, debatedores
expuseram o problema relacionado à diminuição dos aportes financeiros do governo federal
para escolas especiais, o Deputado Federal Eduardo Barbosa (PSDB/MG) defendeu o
atendimento especializado: “Nós temos que fazer uma defesa de um sistema educacional
inclusivo, porém, sem abrir mão de todas as possibilidades, que a própria legislação já
permite, que atendam às necessidades dos alunos com deficiência, inclusive, tendo nesse
sistema as escolas especiais” (AGÊNCIA CÂMARA NOTÍCIAS - 15/10/2015).
Quanto à inclusão dos alunos com deficiência no ensino regular, percebe-se que a
intenção do legislador foi excelente, são artigos muito bem logrados, que se fossem
devidamente cumpridos, não se imputaria tanto sofrimento às famílias dos deficientes de
todos os níveis que vão para a escola apenas perder seu tempo, pois muitos se acomodam e
acostumam a abaixar a cabeça durante as aulas, não sendo capazes de manifestar o menor
desempenho, pois não alcançaram a tão desejável autonomia. Sendo dependentes, são alijados
pelos próprios colegas por pressentirem desconforto na desigualdade das interações.
Mediante suas brechas, a lei foi incapaz de dotar a escola de recursos necessários para
atender aos alunos dotados de necessidades especiais. Sua inclusão nas relações naturais é
comprovadamente necessária, mas a escola deveria estar devidamente preparada para acolher
cada aluno respeitando suas limitações, incentivando sua autonomia, de modo a prepará-lo
para a vida. Não sendo nesse nível, a inclusão não passa de uma falácia que nega o básico a
troco de uma integração que não ocorre pela ausência de autonomia do aluno incluso.
Quase vinte anos depois da instauração da LDBEN de 1996, é instituída a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015,
o nomeado Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu Art. 27, prevê o máximo
desenvolvimento possível à pessoa com deficiência assegurado pelo sistema educacional.
fim de melhorar o modo de adequação à lei de inclusão, que pode ser vista por muitos como
um avanço, e por outros, como descontinuidade de todo um programa especializado que havia
destinado ao atendimento de uma importante parcela da população.
Outro aspecto que se destaca nas mudanças ocorridas no final do século XX e início
do século XXI, é a formação docente da educação básica, também tratada na LDBEN/1996,
que determina que a formação de docentes será feita em nível superior, porém, admite a
formação média para atuar na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, e trata da valorização dos profissionais da educação, dispondo sobre o ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, piso salarial, progressão por
titulação ou habilitação e período reservado a estudos. Também praticamente repetindo o
Artigo 206, da Constituição Federal de 1988, dispõe sobre organização do espaço escolar, das
pessoas, do trabalho pedagógico e gestão da escola, e em seu Art. 3º, cujo inciso VIII
determina que no concernente à gestão:
Art. 13º, inciso VI de “colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e
a comunidade” (BRASIL, 1996).
A LDBEN/96 atribui aos sistemas de ensino a definição das normas de gestão
democrática conforme consta no Art. 14:
12
Entre os teóricos que se empenharam em analisar a sua gênese e mecanismo, destaca-se Max Weber (1864-
1920) e seu pensamento sobre a burocracia focada no exército prussiano de Bismarck, cujos estudos sociológicos
partem da análise das organizações e identificam a burocracia como forma de ordenamento das relações humanas.
O diálogo entre os mais importantes teóricos clássicos, como Max Weber, Hegel, Marx e os estudiosos atuais de
diversas correntes filosóficas, constituiu-se em desafio enfrentado para analisar o tema burocracia, que pode ser
observado no texto original, utilizado como base para essa breve explanação, a seguir destacado:
SOUZA, Roger Marchesini de Quadros; COUTO, José Cláudio Diniz. A burocracia, o estado e a educação –
aproximações iniciais 1. Notandum 38 mai-ago 2015 CEMOrOC-Feusp / IJI-Universidade do Porto. p. 70-80.
Disponível em: <http://hottopos.com/notand38/73-80RogerZec.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2015.
72
[...] nas grandes civilizações asiáticas que utilizavam a irrigação, no antigo Egito e
nas civilizações mesoamericanas e andinas, a adequada distribuição de água de um
rio, o cálculo das enchentes anuais, o estabelecimento da periodicidade das
colheitas, a realização das grandes obras de irrigação, requeriam uma organização
complexa e centralizada para poder surtir efeito. Daí o surgimento da burocracia
piramidal dessas civilizações, integrada por funcionários e sacerdotes que, em
diversos níveis, eram responsáveis por determinados setores da atividade social,
respondendo por suas tarefas perante os superiores. (JUSTEN-FILHO, 2005, p. 83)
A burocracia estatal pode ser comparada a uma grande pirâmide constituída por
pirâmides autônomas de mútua influência, capazes de compor um todo a ser comandado a
partir de um núcleo localizado no topo e que ordena o funcionamento das demais. O topo
nuclear exerce sua influência por comandos normativos acatados pelas demais instâncias. Tais
comandos costumam equilibrar as relações conflituosas e impor procedimentos para cada
caso, estendendo, assim, sua área de influência até o indivíduo.
Apesar das inúmeras e aprofundadas concepções à luz das diversas Ciências, a
exemplo da Sociologia, da Economia, Administração e Ciências Políticas, a burocracia, em
uma análise mais objetiva e aclimatada aos novos tempos, apresenta-se como um sistema
social dotado de um mecanismo de padronização dos níveis de comunicação no interior das
mais diversas organizações públicas e privadas e exala uma atmosfera impessoal, que
estabelece o ambiente para a aplicação das leis de garantia de propriedade e de instituições de
direito. Observa-se, inclusive, a burocracia como mecanismo de garantias sociais em pequena
escala, mas, notadamente, voltada aos negócios e direito à propriedade.
Na concepção de Motta (1985), o Estado é uma organização burocrática que tem os
seguintes elementos constitutivos: uma elite política, que geralmente, confunde-se com a
classe dominante e nela se recruta; um corpo de funcionários hierarquicamente organizados,
que se ocupa da administração; e uma força pública, que se destina não apenas a defender o
país contra o inimigo externo, mas, principalmente, a manter a ordem vigente interna.
A burocracia pode ser considerada, tecnicamente, como um setor do Estado que
concebe e concede sua intervenção nos interesses diversos e, como um organismo que pulsa, a
73
burocracia funciona como uma estrutura de poder que concilia com sua força, moldando a
sociedade e se sobressaindo sobre ela. Caracteriza-se, portanto, como uma relação de poder e
força que se realiza no tempo e de acordo com o cenário em que se desenvolve. Comumente,
é dotada de instrumentos que neutralizam as forças antagônicas, equilibrando o jogo de
carências e satisfação de grupos e indivíduos da sociedade. Neste caso, sua peculiaridade
essencial vincula-se à objetividade, em que mesmo compondo a sociedade civil, como
afirmaria Marx, dela se separa, para impor e dominá-la.
Em sua análise em “A Reprodução de Bourdieu e Passeron”, Décio Saes (2007) indica
os elementos que auxiliam na compreensão de como a burocracia do Estado se estabelece e se
legitima:
O foco da análise de Cardoso (1993) está na legitimidade da ação estatal, o autor cita
os técnicos, apáticos à "sociedade civil", para conceber uma nova burocracia e uma nova
classe, a dos funcionários públicos tecnocratas. Grupo responsável pela mediação da
aplicação, ou não, das políticas públicas, ou seja, não basta a decisão política do gestor
público eleito para a aplicação de uma política pública é necessário, diríamos indispensável, o
movimento da burocracia na direção dessa execução, caso contrário, a política não passará de
desejo. Nesse sentido, a continuidade ou descontinuidade das políticas públicas não são
resultado exclusivo da ação dos governantes, mas também da vontade e do movimento da
burocracia responsável pela sua implantação ou mudança.
Cardoso (1993) concebe a representação dos “anéis burocráticos” ao estudar a origem,
composição e atuação do estamento burocrático no interior da burocracia brasileira.
Estamento que se institucionaliza e se sofistica, originando as chamadas "ilhas de
racionalidade", cujo surgimento se dá pela conformação do Estado de característica
patrimonialista, herdada das antigas composições, marcadas pelo clientelismo político, que
segundo Cardoso, terminam por privilegiar os interesses privados (CARDOSO, 1993).
Na conjuntura do Governo Militar, com o enfraquecimento do legislativo e o
fortalecimento de uma base técnica no executivo, os denominados "anéis burocráticos"
ganham outra dimensão e se fortalecem: em torno de um expoente que ocupa um cargo de
poder, cristaliza-se um "círculo de interessados", em prol da solução de problemas estruturais
que envolvam investimentos vultosos. Tal círculo, formado por empresários de variados
segmentos, distingue-se dos lobbies por serem mais abrangentes e heterogêneos, e note-se,
centralizados ao redor do detentor de algum cargo. (CARDOSO, 1993, p. 102).
A importância da contribuição de Cardoso está na demonstração de como o
autoritarismo no Brasil, legitimado pelas políticas populistas ou pela dimensão econômica nos
governos seguintes, teria sido sustentado pelas classes dirigentes e por aqueles a elas
associadas por meio dos "anéis". O autor descreve os lobbies e declina sobre as “ilhas de
racionalidade”, para finalmente, cunhar a expressão “anéis burocráticos”. Observe:
das verbas públicas e outras, eleger prioridades, criar e desenvolver atividades culturais e
esportivas, além disso, providenciar os recursos através de ação entre amigos como festejos,
rifas e doações voluntárias.
O Grêmio Estudantil, como instância escolar discente, é composto por alunos, regido
por estatuto próprio e pode, através de suas ações, exercer influência em decisões de interesse
geral e criar, em consonância com a diretoria, eventos sociais e de manifestação cultural ou
esportiva, de modo que os próprios alunos possam conviver entre seus pares em atmosfera
saudável e criativa. Portanto, as instâncias regidas por estatuto, possuem alguma estrutura
burocrática, por mais simples que seja, mas que, em conjunto, irão compor a burocracia
escolar.
Na escola, diante da comunhão de relações, interações e conhecimentos, há uma
atmosfera carregada de ideologias que são aceitas, discutidas e, por vezes, impostas. Assim,
identificar a burocracia no espaço escolar como ferramenta de imposição de uma vertente
ideológica não é impossível, pois é pela burocracia que as ideologias se estabelecem.
A certificação instaurada pela burocracia escolar, comumente aceita como passaporte
no mercado de trabalho, confere à escola o papel da educação para o trabalho técnico e
profissional. Ensino e mercado, na lógica do capital, são duas coisas que não se desarticulam,
visto que necessitam uma da outra: escola sem mercado não existe (ou seja, por exemplo,
curso técnico sem mercado de trabalho é contraproducente), mercado sem mão de obra
qualificada não se desenvolve, não é capaz de gerar mais-valia de forma ampliada.
Além disso, faz a Educação parecer uma panaceia na solução de todos os problemas
relacionados à evolução social e do próprio indivíduo, pois a escola e a formação escolar
seriam a ferramenta que concede a chance de “uma vida melhor”. É pensamento geral: nos
estudos está a esperança de mudança de condições objetivas para apropriação dos meios de
vida para as famílias.
Ainda outro viés está muito presente na carreira burocrática: a disputa pelos postos de
trabalho, conforme demonstra a experiência cotidiana, este item, inclusive, muitas vezes,
provoca a deterioração das condições de trabalho, até pela falta de emprego pleno e pelo
conjunto de forças instauradas pelas fileiras dos que estão à espera do início de suas
atividades laborais.
Pode-se constatar que o modelo burocrático está presente na organização das
atividades, no nivelamento das tarefas, na divisão do trabalho. Portanto, o conteúdo da
burocracia, mesmo a escolar, é concebido como um processo coerente e adequado.
A burocracia escolar, também composta por outras estruturas burocráticas, apresenta-
79
Deve-se ter em mente que é pelas instituições públicas e seus agentes que as políticas
públicas materializam-se e se estabelecem para a maioria dos casos na escola pública. E é
indispensável considerar que existem tarefas que somente podem ser colocadas em prática
através da burocracia e de seus “anéis”.
Roseli Fischmann (2014) afirma que as escolas públicas são as escolas oficiais, e o
que nelas se faz tem um papel normativo. É por elas que se estabelece e se firma o que se
pode e o que não se pode fazer no sistema educativo em geral, em cada país, e elucida:
Quando se fala em burocracia, dentro da proposta weberiana de tipo ideal, uma série
de atributos e características são colocadas: hierarquia, normas, impessoalidade, para
citar algumas que são de interesse para esta discussão. Propostas em nome da
racionalidade, frequentemente, esses atributos e características são motivos de
comportamentos que nada têm de racionais. Um exemplo eloquente e célebre foi a
alegação dos carrascos nazistas, durante o julgamento de Nuremberg, que seriam
inocentes quanto às acusações de genocídio dos judeus, porque apenas cumpriam
ordens. A existência de normas, necessariamente limitadas a situações previsíveis, a
hiperestasia da hierarquia, tomada como valor em si, e não como dado instrumental,
assim como uma interpretação da impessoalidade tomada pelo lado da
desresponsabilização de quem domina, e não daquele que tem direito, concorrem
para que a organização burocrática, de instrumental dos esforços humanos,
transforme-se em descaracterizadora do potencial humano, em termos de
teleologia.13 (FISCHMANN, 2014, 112)
13
Segundo Fischmann (2014, p. 112): A teleologia como capacidade humana tem um caráter fundador, do ponto
de vista da possibilidade de progresso moral. Teleologia que, unida à intencionalidade, permitirá caracterizarmos
o ser humano como sendo diferente dos demais animais.
80
Não deixa de ser interessante a descrição das We are given an interesting description of the rifts in
clivagens político-administrativas referentes à the political and administrative machinery based on
descontinuidade territorial. flad.pt territorial separation. flad.pt
No caso de descontinuidade das Práticas [...] Differentiated Corporate Governance Practices,
Diferenciadas de Governança Corporativa por the Controlling Shareholder shall have ninety (90)
Companhias do Nível 2, o Acionista Controlador [...] days to tender a public offer [...] gerdau.com.br
gerdau.com.br
Pelo contrário, o impacto é menos 1 por cento em On the contrary, the impact is minus 1 percent at both
ambos os pontos de descontinuidade, mas não é discontinuity points. bportugal.pt
estatisticamente significativo. bportugal.pt
Caso a descontinuidade das Práticas Diferenciadas de Whenever the Company's delisting from the Corporate
Governança Corporativa Nível 1 ocorra em razão de Governance Level 1 is due to cancellation of
cancelamento de registro [...] bmfbovespa.com.br registration as a publicly-held [...] bmfbovespa.com.br
Os números de outubro mostram claramente um Figures in October clearly show the phenomena of a
fenômeno de descontinuidade no mercado de crédito, lack of continuity in the credit market, at a time in
85
Provavelmente, esta grande ocorrência de dísticos brasileiros tenha se dado pelo fato
da procura ter se realizado pela introdução da palavra descontinuidade, em português, no
campo de busca, para traduzir para o inglês.
Com base nessa desconfiança, empreendeu-se a introdução no campo de busca do
termo “discontinuity” do inglês para traduzir para o português, ainda do Dicionário Linguee
(2016). Na tabela que segue, os campos mudaram de posição, a versão inglesa vem em
primeiro lugar. Houve sensível diminuição da ocorrência de artigos que associam o termo
descontinuidade aos termos política, administração e educação:
interrupção. Percebe-se que, quando ocorre a tradução para o termo descontinuidade, o texto é
de origem brasileira.
O experimento na língua francesa se deu a partir da inserção no campo de busca do
termo descontinuidade, na versão do Dicionário Linguee (2016) – Português/Francês, a
palavra descontinuidade é traduzida para “discontinuité”.
A tabela a seguir é dividida em três campos, com se fez acima, apresenta as versões
em português e em francês, ambas sem revisão. Os artigos que surgiram no aplicativo
“external sources” são abaixo apresentados e se referem ao vínculo entre os termos
descontinuidade, política, administração e educação:
pela continuidade é traduzido por “commitiment to continuity”, embora possa haver outros
termos, e inclusive, melhor adequados.
A pesquisa no site Thesaurus.com (2016) deu-se mediante a introdução no campo de
busca das palavras ‘politics’, ‘education’, ‘ruptures’, ‘continuities’, surgiram no campo “More
Answers” uma série finita de artigos dos quais foram destacados apenas alguns que tinham
mais similaridade com o tema dessa pesquisa e, a seguir, apresentados no original em inglês:
O estudo, apresentado no Quadro 8, foi coordenado pelo Instituto Paulo Freire e tem
conectividade com o artigo apresentado em seguida, de autoria de Daniel Schugurensky,
93
intitulado em inglês como “Building Inclusive Communities from Within: A Case Study of
Toronto’s West-Central Neighborhoods”. O estudo de caso é contextualizado nas cercanias da
cidade de Toronto no Canadá, tendo explorado por 25 anos no sistema de ensino público da
província de Ontário sobre as causas e consequências de mudanças do contexto global,
incluindo 16 países.
O artigo cujo resumo acima apresentado compõe um projeto internacional que envolve
16 países e é coordenado pelo Instituto Paulo Freire da Universidade da Califórnia em Los
Angeles (UCLA), o estudo abarca, mediante entrevistas individuais e em grupos, indivíduos
dos segmentos da educação fundamental, educação de adultos e ensino superior que atuam em
suas diversas áreas.
A troca do termo descontinuidade por ruptura melhorou sensivelmente o desempenho
da busca no site Thesaurus.com. Sua primeira página apresenta dez artigos, todos coerentes
com as premissas dessa pesquisa, há exemplos de vários países, incluindo África, Irã, Chile,
OCDE (órgão europeu) e Nevada dos Estados Unidos e os temas tratados são sobre o
94
Quadro 10: Resumo do artigo de Florian Bieber e Harald Heppner “Universities and Elite
Formation in Central, Eastern and South Eastern Europe”.
BIEBER Florian, HEPPNER Harald. Universities and Elite Formation in Central, Eastern and
South Eastern Europe, 2015. Reihe: Transkulturelle Forschungen an den Österreich-Bibliotheken
im Ausland. Disponível em: < www.lit-verlag.de/isbn/3-643-90615-1> Acesso em: 02 nov. 2016.
Higher education and academia have been A educação superior e a academia têm sido
central pillars of the modern state in creating a pilares centrais do Estado moderno na criação
new political and social elite. In Central, de uma nova elite política e social. Na Europa
Eastern and Southeastern Europe, these new Central, Oriental e do Sudeste, estas novas
elites were first educated in the big European elites foram educadas nos grandes centros
centers of higher education, in particular europeus de ensino superior, em particular na
Germany and the Habsburg monarchy. Over Alemanha e na monarquia dos Habsburgos. Ao
time, new national centers of higher education longo do tempo, surgiram novos centros
emerged, often with the role to to strengthen the nacionais de ensino superior, muitas vezes, com
new nation states. Contributions in this book o papel de fortalecer os novos Estados-nação.
explore ruptures and continuities of higher As contribuições deste livro exploram rupturas
education in the countries of Central, Eastern e continuidades do ensino superior nos países
and Southeastern Europe. They focus on da Europa Central, Oriental e do Sudeste. Eles
academic migration, the impact of the nation se concentram na migração acadêmica, o
state on the academia, as well as the impacto do Estado-nação sobre a academia,
Communist legacies and challenges of bem como os legados comunistas e os desafios
transition. da transição.
Quadro elaborado pelo autor (2016).
particulares dos indivíduos e inaugura novos paradigmas para a educação canadense, que
precisa prover meios para que seus novos habitantes sejam bem recebidos. Os estudos tratam
de introdução de metodologias que busquem, nos indivíduos e seus repertórios, meios para
que valorizem suas respectivas culturas e que possam ser indivíduos politizados e exercer sua
cidadania, mesmo em um país estrangeiro.
Os processos migratórios quando são pacíficos e há aceitação, como os acima
estudados, por parte da sociedade, das leis e do governo pode ser considerado virtuoso
mediante o movimento humano. Embora todos saibam que o migrante será explorado, mas ele
vai aproveitar a exploração para, pelo menos, conquistar o direito a uma vida mais digna. Esta
situação é bem diferente das convulsões sociais que ocorrem na Europa de hoje com as
seguidas ondas migratórias de toda a parte do mundo, e notadamente, da África e Oriente
Médio, diante dos limites que os países de destino dispõem para receber e absorver os novos
contingentes imigratórios, de modo a não se instaurar regimes de servidão, barbárie, violência
e tudo mais.
As convulsões sociais ocorrem em países consolidados há séculos. É o caso da
Espanha, e da forma tensa como ocorreu sua unificação, dado o aspecto político envolvendo o
carisma e a beligerância dos Reis Católicos14 do século quinze. Fato que teria determinado a
insatisfação e o culto separatista da região da Catalunha e desencadeado processos de feridas
sociais importantes, que até hoje se encontram abertas.
Na longínqua década de 1930, o movimento revolucionário partido da base social
converteu aspectos de lutas fratricidas, estudadas pelo artigo que procura abordar o
resultado das rupturas no campo da Educação nos anos precedentes, quanto à política
educativa e aos discursos pedagógicos no contexto da Guerra Civil Espanhola (1936-
1939), tanto no Partido do Governo Republicano como no campo "rebelde" ou franquista,
documentado no artigo intitulado “Politics, education and pedagogy: ruptures,
continuities and discontinuities (Spain 1936–1939)” de Antonio Viñao.
Viu-se até aqui que os artigos que tratam das rupturas, continuidades, política e
educação contextualizam a presença do indivíduo em cenários contingenciados por conjuntura
física e política que o acolhe e o move a empreender esforços para se educar. Os artigos
14
O casal de reis Isabel de Castela e Fernando de Aragão do século XV, que unificaram a Espanha mediante
acordos diplomáticos e movimentos de conquistas bélicas, apoiava o Papa e também era apoiado pela Igreja
Católica. Tendo expulsado judeus a partir de 1492, inaugurou sangrenta perseguição religiosa ao instituir no
Estado a Santa Inquisição, financiou as viagens de Cristovão Colombo, com propósitos de conquistas de novos
mercados e territórios, mas de novos povos para conversão e catequização à fé católica.
97
contingente de migrantes, que fixam residência em locais dos mais insalubres e tenta cuidar
da família com a maior dignidade possível, perante todo o seu repertório cultural, que passa a
desprezar, e o despreza ainda mais sua descendência, que incorpora mimeticamente, diante de
seus anseios, a cultura hegemônica difundida pela cidade.
Esse desprezo à sua ascendência cultural causa sempre um sentimento negativo de
“sentir-se à parte” da sociedade da qual o sujeito se autoexclui, e junto aos seus pares ousa
cultivar conteúdo exógeno e contraditoriamente endêmico de territórios abandonados pelo
circuito cultural da municipalidade, são as chamadas áreas de exclusão cultural e social, onde
as pessoas desafortunadas foram compelidas a ir morar, e criaram sua prole em meio a
grandes dificuldades. Crianças nascidas nesse estado de abandono social e familiar têm em
suas escolas, igualmente carentes de tudo, sua única atividade educativa, cultural e social.
Traçou-se rapidamente o perfil da criança destinatária das escolas periféricas de São
Paulo, filho de migrantes, que despreza a cultura ascendente e se sente excluído, o sendo.
Oportunamente, nas páginas subsequentes, este assunto será mais bem aprofundado. Por ora,
é preciso traçar, igualmente, um perfil da escola que essa criança irá estudar.
Nos anos iniciais do século XX, as escolas periféricas eram muito carentes, dotadas de
péssimas instalações, algumas eram construídas dentro de containers de exportação, outras
feitas de madeira e o conjunto de mais de mil escolas não dava conta de absorver a enorme
demanda por vagas. Nessa ocasião, a cidade de São Paulo tinha quase um milhão de alunos
matriculados.
O referido conjunto de escolas também não era homogêneo. As unidades mais
centralizadas eram instituições tradicionais, dotadas de professores antigos e mais experientes
e os discentes provenientes de famílias que tinham acesso aos bens culturais. No outro
extremo, a escola periférica possuía professores menos experientes, poucos equipamentos e
seus alunos, como já foi visto, não tinham acesso aos bens culturais, incluindo aos materiais.
Como nas regiões centrais da cidade, a população estava envelhecida, a demanda por vagas
era melhor, nesse caso, as escolas podiam se dar ao luxo de ter apenas dois turnos, manhã e
tarde. Contrariamente, na periferia, em que a demanda era maior, as escolas contavam com
quatro turnos: manhã, intermediário e vespertino, o período da noite era dedicado à EJA.
Por mais que aspirassem por mudanças metodológicas, no início do século XXI, as
escolas de São Paulo insistiam em manter componentes da linha tradicional de ensino, cujo
objetivo principal é o acesso ao conhecimento, pois essa linha acredita que a formação
depende do domínio e da bagagem de conhecimentos que o aluno conseguiu absorver, porém,
o faz mediante a passividade com a qual assiste às aulas expositivas, acompanhadas de teoria
99
comparativamente à Escola Tradicional, segundo Saviani (2003), esta última foi mais
popularizada, sendo que, na pedagogia tecnicista, o professor não passa de um executor dos
ditames de especialistas. O resultado dessa estrutura educacional é a perpetuação da
ineficiência e da improdutividade e o cliente: a população mais carente e marginalizada.
(Saviani, 2003, p.11)
Toda a conceituação apresentada serve para compreender e refletir sobre as condições,
os princípios e o perfil das escolas destinadas à classe trabalhadora brasileira, e em especial,
dos territórios marginalizados da cidade de São Paulo, e assim, abrir um gancho possível de
abordagem de práticas destinadas àquele segmento social, cuja ascendência é de migrantes e
marginalizados, como já discutido, mas que, em determinada época, foram incluídos e depois
foram excluídos de tais práticas como consequência de fatores de rupturas e continuidades.
A seguir, o Decreto assinado por Jango que se considera que vem “provando, através
da Comissão de Cultura Popular, com vantagem o Sistema Paulo Freire para alfabetização em
tempo rápido”, e que ao mesmo tempo, reconhece o fracasso da alfabetização em massa do
Governo Federal:
O MOBRAL tinha curta duração, apenas seis meses, e o ensino era concebido pelas
técnicas que contribuíam apenas para a aquisição de rudimentos de leitura e escrita sendo
destinado às camadas populares. Este episódio revela que há incursões do poder público no
domínio da Educação contextualizadas no exato momento em que um governo sucede outro,
interrompendo os programas do governo anterior, cuja intenção estaria ligada à manutenção
do status quo por parte das autoridades, ao negar o direito a uma educação diferenciada. O
que converge claramente para a descontinuidade administrativa no nível federal, envolvendo a
educação libertadora para o povo e o nome de Paulo Freire.
103
A Educação não é neutra, apresenta-se como dual, como se observa no caso em tela
situado em um período em que o Estado procurava combater o fracasso dos programas
anteriores da alfabetização de adultos brasileira, dentro de um governo aberto ao diálogo, era
a educação voltada para os anseios do povo, ato contínuo, no governo seguinte se recobre de
conservadorismo e contempla os anseios de uma minoria hegemônica.
Na sucessão, o novo governo instaura novos procedimentos e termina com um
processo e inaugura outro. A análise de Ventura (2016) conceitua e expõe os conflitos entre o
PNAA e o MOBRAL no campo da educação de adultos, diferenciando a educação libertadora
da educação funcional relacionada ao treinamento de mão de obra produtiva e confirma a
suposição da escola dual.
Interessante notar que o fim do PNAA de Freire aconteceu no início da Ditadura
Militar, assim como ocorreu com as outras experiências de educação popular, surgidas no
final dos anos 1950, que visavam conduzir as camadas populares a reconhecer a necessidade
de reformas sociais ou contribuir para a tomada de consciência de que a solução adviria de
mudanças estruturais radicais. O experimento se deu a partir da articulação de movimentos,
campanhas e organizações voltadas para a educação popular, que principiaria a consecução de
mudanças qualitativas na sociedade brasileira. As camadas populares, uma vez
conscientizadas, passaram a exigir sua efetiva participação na vida social e política do país.
Tal processo de politização atraiu a atenção dos grupos dominantes que pressionaram em
favor da descontinuidade dos movimentos, a partir do golpe militar de 1964.
Os movimentos de educação popular se originaram a partir do entrosamento entre
instituições da sociedade política e da sociedade civil. No I Encontro Nacional de
Alfabetização e Cultura Popular, ocorrido em 1963, foram inscritos setenta e sete movimentos
de todo o país, dos quais se podem citar os mais expressivos, considerando-se seus objetivos
político-sociais ou sua metodologia: Movimento de Educação de Base (MEB); Movimento de
Cultura Popular (MCP); Centro Popular de Cultura (CPC); Campanha de Educação Popular
(CEPLAR). (KREUTZ, 1979).
Movimento de Educação de Base (MEB), iniciado em 1961, sofreu intensas
descontinuidades. Ligado à Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), teve apoio
financeiro do Governo Federal, atuou na alfabetização de adultos por meio do rádio. Durante
os anos de Ditadura Militar, sofreu pressões por parte do governo e também da própria Igreja,
mudou seus objetivos gerais e específicos para tentar sobreviver, mesmo desfigurado e
definhado.
104
O Centro Popular de Cultura (CPC) foi criado pela articulação dos estudantes da
União Nacional dos Estudantes (UNE), de artistas e intelectuais como Oduvaldo Vianna
Filho, Carlos Estevan Martins e Leon Hirazman, que apresentavam peças de teatro para as
classes populares. Segundo Kreutz (1979), a criação do CPC foi ensejada pelos debates
ocorridos durante a excursão do Teatro de Arena de São Paulo ao Rio de Janeiro em 1961,
desde então, os Centros se expandiram e suas atividades se avolumaram por todo o país. É
bom frisar que o primeiro Centro foi fundado no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, em
Santo André. Sua proliferação se deu a partir de 1963, com a contribuição da UNE, ano em
que se voltou para os problemas da alfabetização, e para isso, a CPC elaborou seu próprio
material didático, em que procurava valorizar as expressões populares autênticas, mais do que
o conteúdo. Os Centros sofreram descontinuidade a partir de 1964, quando do incêndio das
instalações da UNE.
A Campanha de Educação Popular (CEPLAR) foi criada com o apoio do governo da
Paraíba e da diocese local, por um grupo de jovens da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Paraíba, pertencentes aos quadros da Juventude Universitária Católica, em 1962.
Segundo Porto e Lage (1995) que apresentam a lei de auxílio à CEPLAR:
O Sindicado dos Metalúrgicos de São Paulo, com sede em Santo André – SP, foi um
dos primeiros a acolher as atividades do Centro Popular de Cultura, no qual a presença
ostensiva de intelectuais de esquerda ordenavam suas ações. O envolvimento dos intelectuais
pode ser dar dentro ou fora do governo, seja para instar pelo reformismo ou para acirrar ainda
mais a crise de hegemonia dos grupos dominantes e favorecer o processo de consolidação de
um novo poder hegemônico, segundo Rapôso (1982, p. 35) que afirma que:
107
15
A esse respeito ler o documento: JOVENS E ADULTOS COMO SUJEITOS DE CONHECIMENTO E
APRENDIZAGEM - Breve Histórico da Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: http://viviane.meister-
gamer.tripod.com/id1.html. Acessado em: 05 jun. 2017.
108
pessoas ainda não alfabetizadas para propor a tarefa de aprendizado a ser desenvolvida ao
final do expediente de trabalho, continuando as atividades do movimento, mesmo de forma
contingenciada.
O objetivo geral da EDUCAR era promover e executar programas de alfabetização
incluindo a possibilidade da educação não-formal. Em 1990, durante o Governo Collor, a
EDUCAR, reestruturada, passa a ser denominada de Plano Nacional de Alfabetização e
Cidadania (PNAC), cujo objetivo era reduzir o índice de analfabetismo em 70% em um
período de cinco anos. O PNAC foi extinto em menos de um ano.
O Governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, cria o Programa Alfabetização
Solidária (PAS) para atuar nas regiões Norte e Nordeste do país, posteriormente, o programa
aumenta sua circunscrição e passa a atuar em outras regiões e outros países de língua
portuguesa. O Programa era dividido em módulos de seis meses de duração. No ano de 2002,
o PAS tornou-se uma Organização Não Governamental e passou a se chamar AlfaSol.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva cria, em 2003, o Programa Brasil
Alfabetizado, cujo objetivo ia além da alfabetização, abrangendo a inclusão social de pessoas
não alfabetizadas, contando, inclusive, com parcerias firmadas com instituições públicas e
privadas.
A modalidade de ensino supletivo, um projeto um pouco mais elaborado, criado e
destinado a atender trabalhadores cansados no período noturno, que iam se socializar muito
pouco, somente nos intervalos dos recreios e, de resto, pouco podia exprimir de toda a riqueza
de seu repertório, tão amplo quanto desprezado.
Embora dotada de conteúdos resumidos, a Suplência, por intermédio de seus
professores, buscava atualizar algumas competências e habilidades, de forma excludente, pois
sendo presencial, o cansado aluno trabalhador deveria frequentar um enorme número de aulas
e responder às avaliações minimamente.
A atual EJA – Educação de Jovens e Adultos - cumpre ainda o mesmo desígnio dos
programas que a precederam, reduzir o índice de analfabetismo entre os adultos e oferecer a
escolarização básica, quase sessenta anos depois de Freire ter inaugurado sua pedagogia
dialógica no sertão nordestino.
É possível se falar em continuidade da educação de adultos brasileira desde sua
criação no princípio do século XX, e ao mesmo tempo, abordar as reiteradas intervenções,
contingenciadas por convulsões sociais, como as referidas Revoluções de 1930, 1932, 1945 e
1964, não se desprezando os períodos de reconstrução, que igualmente, impõem rupturas
administrativas como é caso do próprio reestabelecimento da Democracia, que promulgou
109
novo arcabouço legal iniciado com a Constituição de 1988 e LDBEN de1996 e todas as leis
complementares que se seguiram. Além das naturais intervenções praticadas em decorrência
das sucessões de governos, perante as quais se estabeleceram inúmeras fragmentações no
segmento da Educação de Adultos da Educação Brasileira.
Perante tudo o que se expôs e apesar da aparente boa vontade do legislador, percebe-se
que o trabalhador saiu no prejuízo, por ter investido tão-somente na certificação, ficando a
questão da formação relegada ao simples domínio de signos, códigos e significados, que não
dão chance ao pensar produtivo do sujeito, quanto ao lugar que se ocupa e suas contingências,
e em estratégias de libertação.
O segmento da Educação de Adultos da educação brasileira, a despeito das aludidas
fragmentações, atravessou quase oitenta anos, desde sua implantação no Governo Dutra no
lustro final da década de 1940, sob os auspícios do nacionalismo, tendo alfabetizado ou não,
excluído ou não, prestou serviços relevantes à sociedade, a partir das mãos laboriosas e
comprometidas das professoras, que seguravam firmemente nas mãos ásperas dos
trabalhadores, para ensinar-lhes o percurso da letra sobre o papel.
Pode ter sido uma prática equivocada e a professora ter realizado exatamente o papel
social, exigido pelos técnicos dos governos e concorrido para a manutenção do status quo. O
fato é que, este segmento da Educação Brasileira, mediante a suas evidentes fragmentações,
continuou a prestar importantes serviços à sociedade, sua continuidade se estabeleceu perante
as suas rupturas, foi melhor prestar este serviço do que não prestar serviço nenhum.
A descontinuidade se manifesta na Educação de Adultos compondo um percurso
contínuo, porém fragmentado. Mostrou-se a interrupção do Programa Nacional de
Alfabetização de Paulo Freire e os outros movimentos e campanhas de alfabetização, que
tiveram sua interrupção em decorrência do Golpe Militar de 1964. Hoje em dia, esboçam-se, a
todo o momento, descontinuidades de programas educacionais, de todos os níveis, a partir do
ingresso do Governo Michel Temer (PMDB), Vice-Presidente que assumiu a Presidência,
após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT). Valeria a pena analisar a
obrigatoriedade mediante os termos da lei em concernência à manutenção ou fechamento de
cursos ou programas de governo envolvendo a Educação. O Princípio da Continuidade é
preceito constitucional, tema abordado no capítulo anterior, seu conceito precisa ser mais bem
aprofundado a partir daqui.
110
As leis criam os programas que posteriormente serão aplicados pelo Poder Executivo
Federal, do qual faz parte o Ministério da Educação. Através de seu site, o Ministério informa
sobre seus diversos programas e políticas públicas em vigência no país, atualmente, com
abrangência de aplicação em nível nacional, entre eles, o Programa Brasil Alfabetizado, que é
voltado à alfabetização de jovens, adultos e idosos, sendo de ocorrência nacional, prioriza
municípios com taxa de analfabetismo igual ou superior a 25%. Visando garantir a
continuidade dos estudos da referida parcela da população, o Ministério oferece apoio técnico
para a implementação das ações deste programa. (PORTAL BRASIL, 2016)
O Ministério da Educação mantém o Programa Escola que Protege, que é voltado à
promoção dos direitos humanos, defesa de crianças e adolescentes, e enfrentamento e
prevenção às violências no contexto escolar. A formação continuada consiste na sua principal
estratégia da Rede de Proteção Integral. Oferece o Ministério o Programa Escola Aberta, que
é um programa que abre as escolas públicas localizadas em territórios de vulnerabilidade
social nos finais de semana. Visando fortalecer aspectos da convivência, protagonismo
comunitário, a fim de contribuir para valorizar o território e os sentimentos de identidade e
pertencimento. Tenta promover a cooperação e a parceria entre as esferas federal, estadual e
municipal em prol de projetos e ações no âmbito local, oferece atividades educativas, culturais
e esportivas para estudantes e comunidades.
O Ministério da educação dispõe do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em
que seleciona, qualifica e distribui livros didáticos, dicionários e outras obras para escolas
públicas de Ensino Fundamental e Médio. Oferece o Ministério, o Programa Mais Educação,
que consiste na ampliação da jornada escolar, na perspectiva da Educação Integral. O
programa oferece atividades ligadas ao meio ambiente, esporte, lazer, direitos humanos,
cultura, artes, inclusão digital, saúde, alimentação e prevenção no turno oposto ao das aulas
regulares. Por falta de recursos, acaba de ser decretado seu encerramento, pelo Governo
Temer, a partir de 2017, o Programa Mais Educação passa a fazer parte da história da
Educação brasileira.
O Ministério da Educação controla a frequência escolar através do Programa
Acompanhamento da Frequência Escolar, em que auxiliado pelas ações do Programa Bolsa-
Família, neste caso, a frequência é acompanha pela escola em que a criança ou adolescente
estuda, é comunicada através de relatórios regulares. O programa visa ao combate à evasão e
a estimular a progressão escolar (BRASIL. Programas, 2009).
111
É importante citar programas que foram interrompidos e que deram continuidade com
algumas intervenções, como mudança de nomenclatura e aditivo de responsabilidade, para
tanto, basta iniciar pelos programas criados no Governo de Fernando Henrique Cardoso entre
os anos de 1995 e 2003. O Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério)16 diz respeito a uma reserva de 15% em um fundo destinado ao
financiamento do Ensino Fundamental a partir dos recursos transferidos da União para
estados e municípios. A partir de 2006, foi substituído pelo Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb).
No Governo de Fernando Henrique Cardoso, foi criado o Programa Bolsa-Escola, para
estimular a entrada e permanência na escola de crianças de famílias de baixa renda, era
assegurado um valor mensal, desde que os alunos apresentassem frequência superior a 75%.
Ao Programa Bolsa Escola se somaram benefícios que já eram concedidos em outros
programas. Mantido para as famílias carentes através do benefício denominado Programa
Auxílio-Gás, a essa unificação de benefícios e à introdução do cartão de saque bancário
controlado pela Caixa Econômica Federal e aceito nas casas lotéricas, deu-se ensejo à criação
do Programa Bolsa-Família por meio da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Sua
regulamentação se deu por meio do Decreto nº 5.209, de 17/09/2004. A seguir, a íntegra de
seu artigo primeiro em que se observam outros benefícios que já eram concedidos por
diversas secretarias, além do já mencionado Programa Auxílio-Gás:
16
Informações pormenorizadas e comparativas entre os Programas Fundef e Fundeb são
apresentadas no ANEXO A, onde consta o Quadro Comparativo – Fundeb-Fundef, elaborado pelo
Ministério da Educação e a Assessoria de Comunicação Social, em 2007. Outros dados e análises podem
ser verificados na fonte: BRASIL. Quadro comparativo – Fundeb-Fundef. Ministério da Educação.
Assessoria de Comunicação Social. 2007. Disponível em:
<http://ftp.fnde.gov.br/web/fundeb/quadro_comparativo_fundeb_fundef.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2016.
112
No seu Art. 2º, consta no inciso IV, parágrafo 3º, do Decreto que criou o Programa
Bolsa-Família, aqui em sua íntegra: “O valor do benefício mensal a que se refere o inciso II
do caput será de R$ 15,00 (quinze reais) por beneficiário, até o limite de R$ 45,00 (quarenta e
cinco reais) por família beneficiada e será concedido a famílias com renda per capita de até
R$ 100,00 (cem reais)”, este texto foi reformulado várias vezes para inclusão de outras
disposições. Sempre no sentido de melhorar a qualidade do atendimento e a assistência
“à famílias que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza e que tenham em sua
composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0 (zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes até
15 (quinze) anos”, como está disposto no inciso II do mesmo artigo segundo. Como se pode
observar, o arcabouço legal sofre reiteradas atualizações para melhorar e conferir assistência
às famílias, e consequentemente, às crianças em situação de pobreza.
Este conjunto de intervenções legais pode ser interpretado como fragmentações e
esboçam as aludidas “Descontinuidades Administrativas”, que normalmente, não são alvos de
protestos. E, mesmo assim, observam-se variados discursos de populares que se mostram
contrários a qualquer forma de assistencialismo, por parte do Governo. Se for consentido,
abre-se agora um parêntese: Como se os Governos, como se estudou até aqui, não dessem
pesada assistência àqueles que dele se aproximam por meio dos lobbies ou dos círculos
influentes que se cristalizam em torno de um representante do governo, círculos nomeados
por Cardoso como anéis burocráticos - o que acontece em relação à extrema concentração de
renda, característica da conjuntura econômica brasileira, é que este é um fator desencadeante
de pobreza. Além do mais, a criança que nasce não tem nada a ver com as questões que
estruturam o capitalismo ou qualquer outro regime. Sendo crianças, a Constituição protege-as
de pronto, sem haver necessidade de nenhum Programa Bolsa-Família.
Mas como lhe prestar uma assistência direcionada? O Decreto do Programa
Bolsa-Família pode responder, em parte, aos seus direitos constitucionais, a outra parte se
relaciona aos serviços prestados como assistência médica, educação, cultura e lazer, dispostos
na CF/88.
Programas de governo são adequados para proteger os mais necessitados, não há uma
razão porque reclamar contra eles, a não ser pelo fato do numerário ser tão exíguo, o custeio
de uma criança é muito maior do que os singelos reais que o arcabouço legal permite atribuir
às famílias. Alguns poderão se mostrar hostis à assistência prestada pelo governo. São
depreciações feitas a um programa que assiste às crianças que precisam e só isso. Tais
construções ideológicas não irão representar economia para o contribuinte, se o programa for
extinto. Pelo contrário, no capitalismo predatório, crianças morrem de fome, este é o
113
verdadeiro prejuízo da nação, a decretação da morte de seus cidadãos por inanição. Para que
fatos como estes não ocorram, há necessidade de uma defesa, o Governo é o ente mais
qualificado para fazê-lo.
Como se viu acima, os programas são modificados e sofrem descontinuidade de modo
que o governo possa dar cumprimento aos desígnios legais, apesar das vozes em contrário. A
seguir se examina outro projeto. É preciso observar que o quesito da autonomia, presente na
pauta dos discursos políticos e pedagógicos, consta na Constituição de 88 e na LBD de 96, é
fato preponderante para o desencadeamento da descentralização. Nesse sentido, o Ministério
da Educação procurou descentralizar a verba e remeter os numerários diretamente para todas
as escolas públicas, e outras que prestam serviços gratuitos do país, a partir das ações do
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), com o objetivo de desburocratizar a
distribuição de rendas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, e aumentar a
autonomia da escola. (BRASIL, 1998)
Segundo o Decreto nº 2.896/1998, o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) tem
por finalidade prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas públicas e
outras de atendimento direto e gratuito ao público. O Programa objetiva a melhoria nos planos
financeiro, administrativo e didático. Até 2008, o programa contemplava apenas as escolas
públicas de Ensino Fundamental. A partir de 2009, com a edição da Medida Provisória nº
455, de 28 de janeiro de 2009 (transformada posteriormente na Lei nº 11.947, de 16 de junho
de 2009), foi ampliado para toda a educação básica, passando a abranger as escolas de Ensino
Médio e da Educação Infantil. A partir de 2013, ocorreram mudanças na fórmula de cálculo
havendo acréscimo calculado de acordo com número de alunos, localidade da escola e
modalidade de ensino. Como se percebe, o PDDE passou por intervenções, que podem ser
consideradas como descontinuidades das políticas públicas, que, entretanto, aprimoraram o
Programa. (BRASIL, Portal FNDE)
Da mesma forma que a autonomia das unidades de educação foi possibilitada pela
dotação de verbas pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), à medida que os
decretos sofreram alterações, as atribuições dos diretores de escolas também foram afetadas e
seu encaminhamento teve que ser alterado.
114
do Estado e da família. Artigo que não sofreu alterações, em seguida, o artigo ducentésimo
sexto que demonstra os princípios sobre os quais a Educação deve se pautar:
O recente movimento estudantil de 2015 fez o Governo de São Paulo rever o fechamento
de escolas subutilizadas. Entretanto, a verba do custeio de tais escolas, normalmente
centralizadas, onde a população envelheceu, poderia ser direcionada para outras regiões em
que há efetiva demanda.
Esse é um dado, o outro é que apesar de volumosa, a verba é limitada e deve ser utilizada
com parcimônia. A possível descontinuidade de uma unidade escolar, praticamente vazia,
pode ser vista como uma coisa absolutamente benéfica para a sociedade, quando se age de
acordo com os princípios constitucionais como acima expostos, que no caso em tela arbitra o
Art. 37 da Constituição, o Princípio da Publicidade ou da Transparência, em que o governo
convoca a população para discutir os assuntos, esclarecer os motivos e tomar decisões
pautadas nas deliberações. Como se explicita no inciso sexto do artigo 206º, da Constituição
Federal de 1988, acima transcrito, que trata da gestão democrática.
Ainda no veio desse estudo exploratório sobre a Educação e as modificações legais
que a envolvem, o ducentésimo décimo segundo artigo constitucional, abaixo transcrito, trata
das verbas que irão financiar a Educação e de sua composição. O referido artigo sofreu
emendas nos anos de 1996, 2006 e 2009, em seus parágrafos terceiro e quinto, e foi
acrescentado o parágrafo sexto. As modificações visam assegurar a aplicação dos recursos no
ensino obrigatório, trata do salário educação, recolhido pelas empresas, sendo que suas cotas
se dividem proporcionalmente ao número de alunos da rede pública.
A carta Magna sofre emendas que visam adequar as leis aos novos contextos, que são
definidos conforme a sociedade evolui, e impõe novas exigências que antes não eram
previstas em lei. É preciso ressaltar que mesmo muito extensa, a Constituição é aprimorada
mediante as leis complementares (Legislativo) e Decretos e Portarias (Executivo), que
formam o arcabouço legal que irá ditar caminhos contínuos, tortuosos, descontínuos e
superados, pois tiveram um fim.
Um exemplo, o Decreto que determina a criação do Programa Bolsa-Família sofreu
inúmeras modificações ao longo do tempo, Programa que vinha sendo incluído nesse texto à
guisa de alusão aos programas mantidos pelo Governo apesar das críticas. O Decreto que
mantém este Programa foi remodelado inúmeras vezes, por isso, não será possível
reproduzi-lo na íntegra, somente as alterações aplicadas ao Artigo segundo, serão usadas para
exemplificar. As linhas tachadas referem-se aos incisos que sofreram intervenções:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta
gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de
2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de
idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à
saúde.
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de
programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
121
O artigo 208 da CF/88, acima, aponta que é dever do Estado oferecer educação básica
obrigatória e gratuita, e em seu parágrafo segundo, o não-oferecimento ou sua oferta irregular
importa em responsabilidade da autoridade. De forma clara e contundente, manifesta-se que o
serviço educacional não pode deixar de ser oferecido. Não pode ser descontinuado. Não pode
ser interrompido, nem mesmo ofertado de forma irregular. Aí está o fulcro dessa tese.
Em seu inciso primeiro, o artigo 208º da CF de 88, determina que a “educação básica
obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. Esta
determinação não exclui o atendimento aos jovens e adultos, pois assegura a oferta gratuita
para todos os que a ela não tiveram acesso.
O Artigo 208º, inciso VII, parágrafo segundo da CF de 88, conecta o serviço de
educação ao Princípio da Continuidade. Entretanto, é preciso fazer uma ressalva: em seu
Artigo 211º, parágrafo quinto: “A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino
regular". O que não exclui o Ensino de Jovens e Adultos, se o faz, a lei permite, executa de
acordo com suas contingências. Nesse sentido, se a autoridade não possuir condições, supõe-
se, poderá encerrar as atividades do setor. Nessa perspectiva, a população pode demandar a
continuidade da EJA, perante os movimentos populares, sendo inútil uma demanda jurídica,
dado o aspecto legal acima apresentado.
A palavra descontinuidade é o antônimo de continuidade e sinônimo de ruptura e
interrupção e cisão, sua elevada ocorrência nesse texto denota que o termo foi muito
investigado, tendo sido citado por muitos autores, constando no jargão dos setores políticos
como um fenômeno que ocorre na transição de governos. Até aqui se analisou fatores de
rupturas e continuidades administrativas que ocorrem pela alternância de poder, dentro de um
mesmo governo, pelo contingenciamento financeiro, por força de lei, por implicações dos
cargos de confiança, envolvendo ou não críticas.
Pretende-se analisar um estudo de caso em que ocorrem rupturas ou continuidades no
campo da Educação, que será efetivado nos capítulos subsequentes, porém, é oportuno
evidenciar que, ao longo de toda essa explanação, os documentos analisados atam
conectividade com os Estados que prestam assistência aos seus cidadãos. Embora não fosse
122
Saes (2016) indica técnicas de pesquisa que vão além da descrição, que permitem que
se detecte a dominância dos
O autor reconhece que a mera descrição dos processos sociais afasta o pesquisador da
postura científica, por analisar superficialmente a realidade social, uma vez que não
possibilita o vislumbre da totalidade do contexto histórico, exorta para a ampliação da visão,
que abarque a multiplicidade do processo social, que permitirá visualizar a estrutura social e
aprofundar significados. No caso em tela, em que se analisa um caso no interior de uma
instituição escolar, focando na descontinuidade administrativa na Educação, atende-se a
advertência de Saes (2013) para o fato de se entender a instituição escolar como a camada
124
mais superficial da estrutura. Na referida obra, o autor afirma que “a escola também é um
aparelho (ou organização) e uma estrutura (ou, mais precisamente, uma subestrutura integrada
à estrutura social global) e essas são as camadas mais profundas da realidade escolar” (p.
282).
A análise da estrutura social parte do reconhecimento da distinção de diferentes
camadas dos processos sociais, de acordo com o Saes, cabe ao analista avaliar se:
[...] a participação ativa da sociedade civil, numa negociação entre a elite brasileira e
representantes do Parlamento, em que se diluiu a radicalidade da luta pela
democratização educacional, fragmentaram-se as reivindicações, incluíram-se
preceitos neoliberais e se manteve um sistema dual de educação. Se a década de 90
expressou o avanço das políticas neoliberais sobre o mundo, a denominada pauta
comum neoliberal de educação influenciou o debate e, até mesmo, a elaboração da
LDBEN e, mais tarde, a própria organização dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). (FASANO, 2006, p.43)
[...] na visão de Marilena Chauí, pela crise da razão instalada, sobretudo, pelo pós-
modernismo. [...] que a razão possa captar certa continuidade temporal e o sentido
da história, surgindo em seu lugar a perspectiva do descontínuo, do contingente e do
local; a existência de uma estrutura de poder que se materializa através de
instituições fundadas, tanto na lógica da dominação quanto da liberdade e em seu
lugar, o surgimento dos micropoderes que disciplinam o social; [...] surgindo em seu
lugar a Ênfase na diferença, alteridade, subjetividade, descontinuidade, privado
sobre o público.
17
Mesmo ano em que se iniciara a segunda grande mundial. Naquela data, em decorrência de seus conflitos
internos, a Espanha se encontrava arrasada, Franco teve apoio germânico recebendo armas e incursões aéreas de
127
precípuo de abordar o modelo escolar de Ferrer, e estabelecer vínculo com o modo de vida
das comunidades tradicionais.
O tradicional campesinato espanhol era constituído por pequenas comunidades
isoladas, às vezes, constituídas por pouco mais de duzentas pessoas. Pessoas que,
normalmente, reuniam-se para fazer o que o Estado não fazia em questão de infraestrutura.
Por exemplo, se uma ponte caísse, as autoridades se limitavam a ceder os explosivos, para que
a comunidade pudesse extrair as pedras e, assim, consertar a ponte com as próprias mãos.
“Por ser interesse de todos, não havia remuneração”, segundo as declarações de David
Muiños Torneiros (2016)18, depoente que viveu sua infância na Galícia, em Espanha, tendo
imigrado para o Brasil nos anos de 1950.
A tradição, nesse sentido, reporta-se ao que as pequenas comunidades do interior da
Espanha faziam em seu cotidiano, para solucionarem seus problemas de forma comunitária,
através de mutirões.
As crianças também colaboravam e participavam dos trabalhos, segundo Torneiros
(2016), elas executavam os trabalhos mais leves como recolher palha e formar os silos, de
forma a garantir a forragem dos animais no inverno. Segundo Torneiros (2016), os silos eram
comunitários e pertenciam a todos, era destinado a manter a criação do lugarejo, quando não
houvesse mais nada para os ruminantes se alimentarem.
Em outro depoimento, o morador da região de Arouca, em Portugal, Armando Gomes
Martins (2014)19, relata que iniciou trabalhando ainda criança na lavoura e pastoreio e que
nunca parou de trabalhar, sendo que na ocasião do depoimento, contava com oitenta e seis
anos e ainda trabalhava no campo e que sempre que a comunidade precisa, as pessoas se
reúnem em mutirão para colaborar, seja nas propriedades dos vizinhos, nas colheitasm e que
esta prática tradicional não deixou de existir.
Os depoentes citaram o forno comunitário que todos podiam usar para assar o pão; o
lagar que era usado por todos para moer a azeitona e obter o azeite; a escola rústica que a
criança, que não tinha caderno, dispunha apenas de giz e uma pequena lousa de pedra, na qual
iniciava o aprendizado das primeiras letras como exemplos de práticas comunitárias que
estavam entranhadas no processo cotidiano do campesinato ibérico. (TORNEIROS, 2016;
Martins 2014).
David Torneiros (2016) ofereceu o relato acima em contribuição a essa tese, no
sentido de aclarar que o costume tradicional espanhol, ibérico e europeu, de uma forma geral,
do início do século XX, era gregário e colaborativo, experiências brasileiras similares existem
muitas, denominadas de mutirões, que podem evocar experiências do Prefeito Mário Covas
(1983 a 1986), o qual convocou a participação das pessoas das comunidades de bairros
periféricos na consecução do arruamento e asfaltamento de suas próprias ruas. Nas regiões
rurais de todo o Brasil, as pessoas participam de mutirões, palavra também utilizada pelo
governo federal no caso da dengue, campanha conhecida como Mutirão da Dengue. Não
sendo a proposta aqui analisar se há ou não a prática de modalidades de mutirão nos dois
lados do mundo, mas diferenciá-las, Torneiros (2016) destaca que a prática europeia era
cotidiana e que existiam lideranças e havia a instituição de um colegiado para discutir e
deliberar sobre os diversos assuntos que envolviam os interesses da pequena comunidade em
que o depoente foi criado, segundo o qual, essa prática, natural da época, teria favorecido a
criação e a manutenção do modelo de educação dialógica de Francisco Ferrer.
A autonomia preconizada por Ferrer teria influenciado Barcelona que se constituiu em
um centro da revolução libertária e de experimentação de sociabilidade, facilitada pelos trinta
anos de prática da autonomia escolar proposta pelo educador, mas não só por isso, entretanto.
Foi possível um governo sem governantes e governados, a partir da Revolução Social
Anarquista da Espanha (1936 – 1939), segundo Marques (2016), que afirma que o sucesso da
autogestão que se deu na Catalunha, fez-se pela presença da escola de Ferrer. Mas a cultura
campesina precisa ser reconhecida, essa tese entende esse fator como elemento fundamental
ao desenlace de suas conclusões.
Muito se busca referências em território espanhol, pois é fato que as Cidades
Educadoras têm sede em Barcelona e deve haver uma razão especial para isso. Esta entidade
129
duras fragmentan y atomizan en forma creciente al individuo, sólo puede ser global
y permanente. Ya no se trata de adquirir, aisladamente, conocimientos definitivos,
sino de prepararse para elaborar, a todo lo largo de la vida, un saber en constante
evolución y de «aprender a ser».” (FAURE, 1973. P 16, 17)
condições, e, diante da natureza mutável da relação entre sociedade e educação, Edgar Faure
concebe a Cidade Educadora como uma possibilidade real:
Henos aquí llevados más allá de un simple cambio de sistema, por radical que sea
éste. Los que cambian de naturaleza son los términos mismos de la relación entre
sociedad y educación. Una configuración social que situase a la educación en este
lugar, que la otorgase este rango merecería un nombre propio: el de «Ciudad
educativa.» Su advenimiento sólo sería concebible al término de un proceso de
compenetración íntima de la educación y del tejido social, político y económico, en
las células familiares, en la vida cívica. Implica que pueden ser puestas en todas las
circunstancias a la libre disposición de cada ciudadano los medios de instruirse, de
formarse, de cultivarse a su propia conveniencia, de tal suerte que el sujeto se
encuentre respecto a su propia educación en una posición fundamentalmente
diferente: la responsabilidad sustituyendo a la obligación”. (FAURE, 1973, p.243 e
244)
A educação deve se fazer presente em todas as idades da vida, esta é sua verdadeira
natureza, a de ser permanente e global, devendo romper os limites impostos pelas instituições,
esta é a opinião do autor, que não ignora a dificuldade de articular novos objetivos em
oposição à racionalidade do sistema que se opõe à criatividade, à diferença e iniciativa.
Percebe-se sua crítica. Este raciocínio conduziu o autor a enunciar novos conceitos, no sentido
de adotar as leis em privilégio dos direitos à reivindicação.
Além de Faure (1973), as Cidades Educadoras, que deram ensejo à concepção dos
CEUs, tiveram outras contribuições e fontes inspiradoras, entre elas, Ivan Illich (1985)
aparece como uma de suas vertentes conceituais, a proposta da “Sociedade Convivial”, de
aprendizagem em e para a liberdade. Segundo Lopes (2009, p. 56), Illich se caracterizou por
colocar em questão a escola e a industrialização, sua crítica aponta para o aluno como um
produto de uma escolarização, que o torna um consumidor acrítico: Escolarizado para o
consumo, na crítica de Illich (1985), o consumidor moderno se desprende dos valores reais
para servir à estrutura da concentração de renda, desinformado de que suas falsas demandas
forçam a Biota e agridem o Meio Ambiente.
A justa preocupação com o meio ambiente de Ivan Illich (1985) converge para a
postura política do consumidor concebida por Milton Santos (2010), que afirma que o
consumo é encorajador de imobilismos:
20
Francesc Ferrer i Guàrdia (1859, 1909) desenvolveu o método racional, baseado na teoria libertária, no
conceito de educação integral, na cooperação e na relação de igualdade, objetivando a formação do novo homem
e da nova mulher. Para ele, o cientificismo não era um saber neutro, pois os que têm o poder tentam legitimá-lo
134
por meio de suas teses. Foi executado, acusado instigar a revolta da Semana Trágica de Barcelona. Sua Escola
Moderna transformou-se em um movimento internacional, após sua morte, com o apoio dos sindicatos. No Brasil,
foram criadas duas unidades em 1909 e em 1913, e a Universidade Popular de Cultura Racionalista e Científica.
Influenciou Paulo Freire.
135
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
(BRASIL, 1988)
Diante do Artigo 206 da CF/88 se observa que a participação cidadã é preceito legal
inscrito no inciso de número seis, disposto juntamente com os conceitos de igualdade de
condições, liberdade de pensamento e pluralismo de ideias. A lei está correta, não tem
problema nenhum, embora o atributo da igualdade seja relativizado, no que concerne às
condições de vida de cada qual. Talvez, alguns indivíduos não encontrem ânimo para
desfrutar do convívio com seus pares, após enfrentar um dia de trabalho e as condições de
transporte.
Não se trata de relutância, entretanto, existem fatores de ordem pessoal que podem
influenciar o cumprimento dos dispositivos legais. Entre eles, cada pessoa está afeta ao
individualismo, natural do liberalismo, e à falta de tempo decorrente das dificuldades
interpostas pela jornada de trabalho árduo e estressante, pelo transporte irregular e lotado. São
desestímulos oferecidos pela moderna vida urbana às articulações sociais, impostas pelo
legislador de maneira verticalizada a uma significativa parcela da sociedade. Essa parcela de
possíveis usuários dos CEUs pode ter um peso e, por isso, poderá ser lembrada mais adiante.
A metodologia preconizada por Saes (2013) ordena este segmento da tese que procura
tratar de forma totalizante e não apenas de forma descritiva os temas que julga relevantes na
elucidação da descontinuidade administrativa. Nesse sentido, busca evidenciar as contradições
nos textos legais aqui tratados segundo as especificações do autor, buscam-se contradições
nos textos legais a partir da exploração de textos em um ou diferentes níveis da legislação,
sendo que o foco da pesquisa que indicaria o leque de textos legais a ser estudado. Saes (2013,
p. 294) exemplifica convergindo para um dos temas que essa tese se debruça que vem a ser a
gestão democrática:
136
meios, pela participação de sua coletividade, pelos meios de comunicação, por sua
arquitetura.
O movimento das Cidades Educadoras começou a partir do encontro realizado em
Barcelona, Espanha, em 1990, em que ocorreu o I Congresso Internacional de Cidades
Educadoras, naquela oportunidade, um grupo de cidades representadas por seus governos
formularam o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Segundo a Carta
das Cidades Educadoras, elas se reuniram para formular a Carta das Cidades Educadoras de
forma a estabelecer os princípios essenciais com primazia de que “o desenvolvimento dos
seus habitantes não podia ser deixado ao acaso” (ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DAS
CIDADES EDUCADORAS, 1990).
A Carta passou por revisões com a finalidade de adaptar as abordagens aos novos
desafios e necessidades sociais, entretanto, em sua origem, inspirou-se na Declaração
Universal dos Direitos do Homem (1948), no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (1966), na Declaração Mundial da Educação para Todos (1990), na
Convenção nascida da Cimeira Mundial para a Infância (1990) e na Declaração Universal
sobre Diversidade Cultural (2001). A Cidade Educadora tem objetivo permanente de
aprender, como já anunciava Freire, segundo a Carta:
A cidade educadora tem personalidade própria, integrada no país onde se situa é, por
consequência, interdependente do território do qual faz parte. É igualmente uma
cidade que se relaciona com o seu meio envolvente, outros centros urbanos do seu
território e cidades de outros países. O seu objetivo permanente será o de aprender,
trocar, partilhar e, por consequência, enriquecer a vida dos seus habitantes.
(ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CIDADES EDUCADORAS, 1990)
melhoria da qualidade de ensino, pode participar da AICE, mas deve antes de postular a vaga,
cumprir algumas exigências, tais como: Aprovação pela Câmara Municipal; Concordância e
conformidade com os princípios da Carta das Cidades Educadoras; Participação nos canais de
troca, discussão e colaboração da AICE; Troca de experiências por meio do Banco
Internacional de Documentos das Cidades Educadoras (BIDCE); Recolher a anuidade.
A participação das AICE confere algumas vantagens como a de participar e fazer parte
de um grupo de cidades com filosofia e projetos comuns; compartilhar experiências através do
BIDCE e outras mídias; conectar-se diretamente com outras cidades; fazer parte da
Assembleia Geral; eleger e ser eleito para cargos e outras responsabilidades; participar de
Congressos Internacionais (ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES
EDUCADORAS, 1990).
As cidades que fazem parte da Rede Brasileira de Cidades Educadoras, segundo o
Portal do MEC, são: Belo Horizonte, Campo Novo dos Parecis, Caxias do Sul, Dourados,
Jequié, Montes Claros, Porto Alegre, Santiago, Santo André, Santos, São Bernardo do
Campo, São Carlos, São Paulo e Sorocaba (BRASIL, MEC, PORTAL, 2016).
Até esse ponto, indicaram-se os Centros Educacionais Unificados como objeto desse
estudo de caso, procurou-se discutir e conceituar os termos participação, território e Cidade
Educadora como vertentes que ensejaram a criação dos CEUs, buscando-se referência em
Milton Santos (2010), Edgar Faure (1973) e Edson Fasano (2006), como continuidade desses
temas, adiante, serão analisados os ideais que inspiraram os CEUs.
Paulo Freire pode ter sido um dos principais idealizadores do conceito dos Centros
Educacionais Unificados, quando o Educador foi Secretário de Educação nos dois primeiros
anos do Governo Luiza Erundina (PT). Entretanto, também, segundo Perez (2004) e Pacheco
(2009), a conceptualização da instituição sofreu forte influência da Escola-Parque de Anísio
Teixeira, implantada na Bahia, nos anos 1950, que buscava o desenvolvimento integral da
infância, de forma que a criança desfrutasse de espaços para a prática de esportes, a leitura e a
vivência da arte, além do espaço dedicado ao ensino formal.
Os Centros Integrados de Educação Pública, propostos por Darcy Ribeiro e
implantados a partir de 1985 no Estado do Rio de Janeiro, seria outra importante vertente de
inspiração dos CEUs. Como Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, em uma
140
época de crise econômica, em que o crime se organizava e o Estado se retraía, Darcy Ribeiro
propôs o modelo de educação de tempo integral e os Centros Integrados de Educação Pública
– CIEPs, inspirado no modelo da Escola-Parque de Anísio Teixeira.
Darcy Ribeiro, estudioso das questões educacionais, investigou as causas do baixo
rendimento escolar, relacionando-o às poucas horas diárias de frequência escolar e às
contingencias familiares e sociais, segundo o autor, a criança pobre, em seu aprendizado, só
conta com a escola, que tem o trabalho comprometido por conta de parcela dos profissionais
da educação, segundo o autor: “Alguns educadores alienados, envoltos nas névoas da sua
pedagogia pervertida, estão dispostos a afirmar que o fracasso escolar da criança pobre se
deve a deficiências que ela traz de casa” (RIBEIRO, 1986, p. 13). Ribeiro (1986) verificou a
situação permanente de carência das crianças, segundo o autor:
A criança popular urbana, que vive em condições precárias, nas favelas ou nos
bairros pobres da periferia, como em tantas outras regiões do Brasil, é
essencialmente diferente da criança afortunada que vive nas áreas ricas. O pequeno
favelado, comendo pouco e mal cresce raquítico, às vezes, é até prejudicado por
malformações, se a fome ocorre muito cedo ou se é demasiada. Sua fala é também
peculiar e atravessada aos ouvidos da professora. Toda a sua inteligência está
voltada para a luta pela sobrevivência autônoma, em esforços nos quais alcança uma
eficácia incomparável. [...] Ocorre, porém, que todos vão à escola e ali competem;
mas o menino rico não tem jamais de lutar pelo sustento, nem cuidar dos irmãos, e
raramente, cai na delinquência. Nessas circunstâncias, um desempenho natural e
inevitável é valorizado e premiado pela escola; o outro é severamente punido.
(RIBEIRO, 1986, p. 13 - 14)
Ainda o autor detectou o caráter seletivo da escola, que tratava as crianças das classes
populares como iguais às oriundas dos setores privilegiados, excluindo-as, o “nosso pendor
elitista começa na escola primária. Ela, de fato, estrutura-se para educar as classes abonadas e
não o povo, que constitui a imensa maioria de sua clientela” (RIBEIRO, 1986, p. 14). Diante
dessas evidências, o autor questiona:
Como negar, diante destas evidências, que temos uma escola desonesta, uma escola
inadequada? O tato irretorquível é que ela funciona, tomando como sua clientela
própria, normal, uma minoria. Ela é, pois, uma escola para os 20%, não é uma
escola para os 80% da população. Uma escola desvairada, que vê como desempenho
normal, desejável e até exigível de toda criança, o rendimento "anormal" da minoria
de alunos, que têm quem estude com eles em casa mais algumas horas, e que vivem
com famílias em que alguns membros já têm curso primário completo. Como na
imensa maioria das famílias brasileiras não há esta pessoa, desocupada e pronta para
tomar conta das crianças e estudar com elas, a escola não tem o direito de esperar
isto. Funcionando na base dessa falsa expectativa, ela é uma escola hostil à sua
clientela verdadeira, porque sendo uma escola pública, a sua tarefa é educar as
crianças brasileiras, a partir da condição em que elas se encontrem.
Uma degradação tão grande e tão perversa do sistema educacional só se explica por
uma deformação da própria sociedade. Nosso desigualitarismo cruel, que conduz ao
141
Identificadas tais condições, Darcy Ribeiro propôs o Programa CIEPs, que inaugurou
sua primeira fase com 60 unidades, de um total de 500 unidades entregues ao final do governo
Brizola.
Projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a edificação era dotada de três blocos. O
bloco principal era constituído de salas de aula, cozinha, refeitório e área de recreação; bloco
esportivo ou Salão Polivalente, vinha dotado de quadra coberta, vestiários e arquibancadas,
que podia ser utilizado para shows e outras apresentações e o bloco da biblioteca, que incluía
a moradia de alunos-residentes.
Os CIEPs funcionavam das 8 às 17 horas no período diurno, com capacidade para
abrigar até 1.000 alunos do Ensino Fundamental e tinham vagas complementares para jovens
de 14 a 20 anos, no horário noturno (das 18 às 22 horas). Juntos, todos os CIEPs podiam
oferecer um total aproximado de 500 mil vagas. O Programa oferecia atividades esportivas e
culturais, quatro refeições diárias e banho, além de prestar serviços de assistência médico-
odontológico. Em publicação do Jornal do Senado consta que:
O Programa CIEPs enfrentou pesadas críticas, algumas das quais são rebatidas por
Ribeiro (1986), que nega que a instituição fosse voltada o atendimento de poucos, seria:
Pode-se afirmar que, nesse caso, há uma grande aproximação entre os conceitos
fundantes dos CEUs e dos CIEPs, no que diz respeito à valorização da cultura local, como
fator de comunicação entre a escola e a comunidade, nesse quesito, Perez (2010) reconhece
que o Programa CEU beneficiou-se dessa experiência anterior: “Acredita-se ser esta a
principal contribuição do projeto dos CIEPs na elaboração e implantação dos CEUs, embora a
influência arquitetônica também se faça presente”. Segundo a autora,
Gente. Tinham como foco fomentar a educação de tempo integral, destinada aos estudantes do
ensino fundamental, oferecendo programas de iniciação para o trabalho, lazer e programa de
assistência à saúde, como meio de reduzir os efeitos negativos da pobreza sobre as crianças e
adolescentes das áreas periféricas das grandes cidades do país.
Dotado de projeto arquitetônico relativamente simples, sua estrutura possuía quase
duas dezenas de salas de aula, biblioteca, laboratórios, informática, oficinas, teatro, ginásio
esportivo e ambulatório com consultórios médico e dentário. A proposta visava oferecer, em
um mesmo local, atendimento social, escola de tempo integral e promover o envolvimento
com a comunidade, gestão descentralizada e implantar unidades escolares capazes de atender
a uma previsão de aproximadamente seis milhões de crianças.
No acordo estabelecido com os estados e os municípios, ao Governo Federal competia
a elaboração do projeto arquitetônico e a construção das unidades escolares, seus mobiliários
e equipamentos, os Estados se responsabilizariam pela contratação de especialistas e pelo
custeio da instituição, os municípios doariam os terrenos e ficariam responsáveis pela
manutenção dos CIACs. Durante o governo Collor, foram investidos nos CIACs recursos da
ordem de um bilhão de dólares, seu sucessor, Itamar Franco (1992-1994), manteve o
programa modificando seu nome, para Centros de Atenção Integral à Criança (CAICs),
investiria mais 3 bilhões de dólares. Entretanto, o Programa foi interrompido com pouco mais
de quatrocentas unidades funcionando como unidades educacionais tradicionais. Segundo
artigo publicado no Jornal do Senado
periferias dos grandes centros urbanos pode ser enfrentada com acolhimento em regime de
tempo integral em instituições educativas que propiciem condições para seu desenvolvimento
envolvendo educação, cultura, esporte e lazer. Segundo o artigo:
Os CEUs não se destinam apenas aos alunos matriculados nas suas três unidades
educacionais e não se limitam ao saber formal e escolar. Eles oferecem
oportunidades educacionais não-formais para um conjunto maior de pessoas das
camadas populares, historicamente excluídas. A população que os frequenta tem
vivenciado experiências educacionais antes só oportunizadas aos mais privilegiados
socialmente. (PADILHA, 2004, p. 27)
A aprendizagem ocorre durante o lazer, ao assistir filmes, peças teatrais, shows. Pode
ocorrer aprendizagem na participação de oficinas de culinária, artesanato, nas práticas
esportivas. A aprendizagem se evidencia nas palestras sobre saúde, emprego, habitação, meio
ambiente, pelo compartilhamento e apropriação dos espaços, através da vivência democrática,
do pertencimento e do empoderamento. Tais atributos se realizam em um ambiente
arquitetônico propício e com amplificação pública conceituada pela Educação Social.
A participação democrática na gestão constitui-se como um fator de grande
importância na implantação do CEU. Segundo Fasano (2006) a ideia da criação e implantação
dos CEUs teria surgido nas audiências públicas em que os cidadãos presentes e de todas as
idades manifestavam sua vontade em relação aos novos equipamentos que seriam implantados
nas proximidades de suas residências, e um dos pedidos principais foi a instalação de piscina.
O CEU, conforme a proposta inicial, apresentava uma administração diferenciada e
apoiada nos princípios da gestão participativa, composta por lideranças da comunidade e por
um gestor (escolhido pela comunidade e oriundo do quadro da Secretaria de Educação) e,
eventualmente, contava com a participação das Coordenadorias de Ensino das Subprefeituras.
A administração dos CEUs ocorre em um modelo de gestão pública, segundo Pacheco
(2009), estruturada a partir da participação popular envolvendo as várias instâncias
administrativas que atuam em seu interior, dentre elas, o Conselho Gestor e o Colegiado de
Integração, entretanto, sua ação é definida pelo Regimento Padrão, que impõe normas e
diretrizes para o funcionamento da instituição.
Com a implantação dos CEUs, a participação popular ocorreria através do conselho
148
gestor, que vem a ser um colegiado que congrega vários segmentos da comunidade em prol de
uma decisão e pela elaboração conjunta da intencionalidade em promover a qualidade da
Educação, melhorias na própria escola e desenvolvimento da comunidade do entorno.
Além das influências e modelos já enunciados, o Programa CEU, em sua concepção
inicial, despontou como exemplo de gestão e participação democrática e como a experiência
que mais se aproxima dos conceitos da “Cidade Educadora” e da “Educação Cidadã”.
No contexto nacional, Paulo Freire (1997)21 foi quem melhor definiu o conceito de
Educação e Escola Cidadã que estaria associado a uma concepção pedagógica cada vez mais
consolidada, inspirada, direta ou indiretamente, no pensamento deste educador, a Escola
Cidadã:
Freire afirma que a Escola Cidadã é caracterizada pela formação da cidadania, não
podendo ser uma escola para si, pois além de formadora o é libertadora, não sendo autoritária,
é democrática:
A escola cidadã é uma escola coerente com a liberdade, é coerente com seu discurso
formador e libertador. E é toda a escola que, buscando por ser ela mesma, luta para
que educandos e educadores também sejam eles mesmos.
E como ninguém pode ser só, a escola cidadã é uma escola de comunidade, de
companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. Mas é
uma escola que não pode ser jamais silenciosa, nem jamais autoritária. É uma escola
que vive a experiência tensa da democracia. Em outras palavras, implica a
experiência tensa, contraditória e permanente entre autoridade e liberdade.
(FREIRE, 1997)
21 O texto refere-se à parte do discurso proferido por Paulo Freire sobre a Escola Cidadã (1997). Trata-se de um
trecho captado do vídeo sobre a Escola Cidadã, editado pelo Instituto Paulo Freire e disponibilizado no
“YouTube”.
149
e reconstruir a realidade, de se permitir sonhar com um mundo melhor, mais justo e igualitário
a partir da compreensão das palavras, da sua correlação com a realidade experimentada e
vivida e do seu potencial libertador e de transformação.
A Educação Cidadã guarda em si um potencial libertador, como se viu nas afirmações
de Freire, se sua atuação pode libertar, esta modalidade sempre estaria na eminência de um
conflito e sofreria pressões da verticalidade da burocracia do referido estado capitalista.
O já mencionado Projeto de Alfabetização de Adultos, do próprio Paulo Freire, um
exemplo de educação libertadora, implantado no Governo de João Goulart, sua vocação era
alfabetizar, em pouquíssimo tempo, parte da população adulta, mediante a valorização da
cultura local, como atesta Cunha (1999, p. 11) que se refere à mudança de postura
metodológica relacionando a Freire, a educação para o homem em favor da substituição da
aula expositiva pela discussão:
É possível que um marco dessa nova postura tenha sido Paulo Freire, quando relatou
o tema “educação dos adultos e as populações marginais: o problema dos
mocambos”, vinculando analfabetismo e pauperismo (Seminário Regional de
Pernambuco, preparatório ao II Congresso Nacional de Educação de Adultos). Neste
congresso (Rio, 1958), o educador nordestino defendeu a educação com o homem,
denunciando a então vigente educação para o homem. E ainda: a substituição da aula
expositiva pela discussão, a utilização de modernas técnicas de educação de grupos
com a ajuda de recursos audiovisuais, etc. Demonstrou preocupação com
metodologias e, principalmente, com o lugar (social, político, educacional, de
autoridade) a ser assumido por educador e educando.
Em 1993, com apoio das forças conservadoras da cidade, São Paulo passou a ser
administrada pelo prefeito Paulo Maluf, que para a área da educação, nomeou como
secretário o professor Sólon Borges dos Reis. A política educacional da cidade
passou por uma transformação de paradigma que levou a um processo de
descontinuidade do conceito de democratização da educação, no sentido da
construção de uma educação pública e popular. (FASANO, 2006, p. 39).
Segundo Edson Fasano (2006, p. 39), quando Maluf assume a prefeitura de São Paulo,
ocorre uma inflexão na construção de uma educação pública e popular, que é referida pelo
autor com um processo de evidente descontinuidade.
No novo governo Maluf, as decisões administrativas voltaram a ser centralizadas e
passaram a sofrer a influência neoliberal, a administração passa a impor metodologia
empresarial denominada ‘Escola de Qualidade Total’22. Segundo Fasano (2006, p. 40),
O conceito de qualidade total, desenvolvido pela iniciativa privada, teve sua origem
com o fim da II Guerra Mundial, quando a organização de nova lógica de mercado e
produção, de demanda e de produtividade exigia dos capitalistas alternativas
criativas que superassem o pensamento tradicional sobre administração empresarial.
22
Do inglês “Total Quality Control”, uma política empresarial inserida e alinhada com a cultura japonesa, em
que o indivíduo procura produzir com a melhor qualidade na indústria e leva este conceito para todos os
ambientes inclusive para o ambiente doméstico. Antes de sua introdução, os produtos industrializados no Japão
eram rejeitados por sua baixa qualidade. Ao aprimorar o conceito da qualidade total, os produtos japoneses
passam a desfrutar de prestígio no mercado internacional. O modo de vida tradicional do povo japonês facilitou a
incorporação desse preceito empresarial.
151
o interesse pela coisa pública, seus programas, seus bens e serviços”. (ASSOCIAÇÃO
INTERNACIONAL DAS CIDADES EDUCADORAS, 1990).
O Movimento Internacional das Cidades Educadoras define os vinte princípios que
estabelece para orientação dos seus membros no sentido da criação de espaços e programas
pedagógicos que incentivem o associativismo, a organização comunitária, a comunicação, a
diversidade cultural e a educação ao longo da vida.
A seguir, trechos contendo itens que cada cidade educadora deve se esforçar para
dispor ao seu habitante, cuja íntegra se encontra no ANEXO D:
Segundo o trecho, a Cidade de São Paulo firmou o compromisso com outras cidades
educadoras mediante a condução de vários e importantes programas, mas em especial, o
Programa CEU, que é o foco dessa tese. Segundo o texto, os programas, de uma maneira
geral, foram concebidos de forma a atender ao princípio da proteção social, na perspectiva do
atendimento integral às crianças e aos adolescentes da cidade de São Paulo (Educação nº 4,
2003, p8).
A seguir, palavras em construção de um lugar existencial de trocas de experiências,
um território que acolhe e influencia o pequenino e o jovem que o influenciam também, sendo
escola, sendo uma praça pública de saberes que abriga a todos:
155
O CEU
COMO LUGAR
Os lugares são territórios existenciais.
Seja ele berço, sala de aula, praça, cidade.
A escola é território existencial.
A cidade é território existencial.
O CEU assim o será.
Espaço existencial, espaço experiência:
LUGAR!
O que as crianças e jovens aí encontrarem
irá influenciar diretamente na sua relação
com o mundo, com a vida.
A relação com o saber é uma forma de relação
com mundo. (EducAção, nº 4, 2003, p. 10)
Como se pode observar nas palavras poéticas, a cidade e a escola são territórios
existenciais e de experimentação de crianças e jovens com o mundo. É neste sentido que o
CEU é concebido.
Segundo o documento publicado na revista EducAção nº4 (2003), a concepção do
CEU atende a três objetivos específicos: Desenvolvimento integral e educação de qualidade;
Polo de desenvolvimento e gestão compartilhada; Polo de inovações e experiências
educacionais. Adiante, alguns excertos da publicação:
Qualidade Social da Educação significa, para nós, garantir a todo cidadão o acesso
ao conhecimento socialmente produzido e sistematizado, como instrumento de
compreensão do mundo, das relações com a natureza, com a cultura e com a
sociedade e de emancipação individual e coletiva, na perspectiva de construir uma
sociedade justa e igualitária. Não se trata de melhorar estatísticas do atendimento, ou
de garantir a melhor relação custo e benefício, seguindo a lógica do mercado, mas,
sim, caminhar na lógica que considera o sujeito como sujeito de direitos, e a
Educação como direito social. (EducAção, nº 4, 2003, p. 18)
Como se viu, não se trata de melhorar os números estatísticos, mas, oferecer condições
de promover a qualidade social da escola pública que se cristaliza como um anseio da
comunidade como um todo, envolvendo setores da coletividade, mediante o diálogo com os
educadores, universidades e entidades da sociedade, de modo a conceber e promover a
Educação que se anseia:
158
Essa discussão pode se iniciar pela caracterização dos diversos atores que ocupam o
equipamento como o usuário e o ator que o fará funcionar. São variáveis moldadas por
contextos que irão conformar uma fisiologia diversa da retórica proposta a priori.
Este estudo sobre o Programa CEU, sua concepção e implementação situa-se na
sucessão entre os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB), no município de São Paulo, e procura identificar pontos de
cisão, ruptura ou descontinuidade administrativa nessa instituição especificamente e nessa
transição de governo.
Até este ponto, procurou-se aprofundar e analisar os conceitos que deram origem ao
Programa CEU. Tudo indica que a destinação do equipamento foca uma determinada parcela
marginalizada da população da cidade de São Paulo, que precisa ser mais bem qualificada no
sentido de se entender os motivos e circunstâncias que afasta este segmento social das
iniciativas relacionadas à gestão participativa. Esse ponto pode definir aspectos ligados à
descontinuidade administrativa da instituição.
É preciso colher mais informações, não só sobre esta parcela da sociedade como
também dos atores encarregados pelo funcionamento da instituição, para responder à seguinte
indagação de como se manifesta o fenômeno da descontinuidade das políticas públicas em
Educação. A descrição do cenário que permeia aquela parcela social imbricando para uma
análise mais estrita, mais totalizante do usuário do equipamento social e dos trabalhadores da
instituição, suas relações, comportamento e decisões podem dizer respeito aos predicativos da
atuação de forças e distintas vertentes ideológicas.
A prática docente estaria impregnada pela ideologia da classe à qual pertence.
Supõe-se que as ações desse segmento social, de forma consciente ou inconsciente, não
dariam conta de promover as mudanças propostas pela instituição escolar, mesmo
constituindo essa parcela, os atores principais na condução do Programa CEU. É preciso
compreender esse como sendo um dos fatores que possibilitaria a cisão administrativa que se
pretende identificar. Décio Saes (2011, p. 23, 24) afirma que “Não é possível [...]
compreender a fundo o funcionamento do sistema educacional das sociedades atuais sem que
se conheça o papel das ideologias docentes na reprodução desse sistema.”.
Por seu lado, as crianças e os jovens deixaram de ser protagonistas passivos da vida
social e, por conseguinte, da cidade. A Convenção das Nações Unidas, de 20 de
Novembro de 1989, que desenvolve e considera obrigatórios os Princípios da
Declaração Universal de 1959, tornou-os cidadãos de pleno direito ao outorgar-lhes
direitos civis e políticos. Podem, portanto, associar-se e participar em função do seu
grau de maturidade. Por esta razão, a proteção das crianças e dos jovens na cidade já
não consiste só em privilegiar a sua condição, mas também em encontrar o lugar que
verdadeiramente os coloca ao lado dos adultos, considerando-se uma virtude de
cidadania a satisfação mútua que deve presidir à coexistência entre gerações”.
(ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CIDADES EDUCADORAS, 1990)
161
Pode-se observar grande avanço nas conquistas dos direitos dessa faixa etária, quando
o legislador esclarece que os direitos são os mesmos inerentes à pessoa humana, e em outro
artigo, estabelece os deveres do poder público na garantia do direito à vida, e na mesma
162
em escolas improvisadas e caóticas. Talvez, este seja o verdadeiro caráter do termo vago
“direito público subjetivo”. (BRASIL, 1990).
No ECA, o Art. 57 propõe ao poder público o dever de estimular experiências e novas
propostas com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do Ensino Fundamental
obrigatório, este artigo contradita, quase de forma irônica, o caráter de exclusão imposto pelo
Sistema Educacional capitalista. A mesma Lei que já estabelece a obrigatoriedade do ensino,
para esta faixa etária, reconhece que seu Sistema, que deveria ser acolhedor, é, na realidade,
excludente. Nesse sentido, o legislador tenta conter a situação interpondo uma peneira que,
provavelmente, não dará conta de resolver o inerente e arraigado caráter excludente da
Educação brasileira (BRASIL, 1990).
No Estatuto da Criança e do Adolescente, o Art. 58 propõe o respeito aos valores
culturais, artísticos e históricos como forma de garantir às crianças e adolescentes a liberdade
da criação e o acesso às fontes de cultura. A este dispositivo, o Programa CEU daria conta de
atender mediante a contratação de artistas, pelo menos, quando houvesse dotação
orçamentária. Como se terá a oportunidade de verificar mais à frente, sem verba, a instituição
passa a atuar na base do improviso, mediante a aceitação da atuação de artistas voluntários,
nem sempre devidamente qualificados. (BRASIL, 1990).
Ignorando a dificuldade da obtenção de recursos por parte dos municípios para a
aplicação exclusiva na área da Cultura, o Art. 59, do ECA, dispõe que os municípios
estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais,
esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude. Sendo em sua maioria os
municípios brasileiros pobres e também distantes dos grandes centros, este artigo parece
utópico, apesar da boa vontade do legislador.
Mesmo municípios ricos como é o caso de São Paulo, a verba para Cultura é muito
restrita. Foi necessária a concepção de artifícios para que os ricos recursos da Educação
fossem aplicados em eventos Culturais disponibilizados pelos CEUs. O que permitiu o
alinhamento da entidade aos preceitos do Art. 59, do ECA, pois, pelo menos, durante o
Governo Marta, eram oferecidos à população em geral, como também às crianças e
adolescentes, eventos culturais de qualidade e outros projetos. Muitos deles seriam oferecidos
mediante os contratos de parceria público-privada. Por outro lado, o referido Artigo 59, no
CEU, também foi contemplado pela ampliação do acesso às bibliotecas públicas e à internet
através dos telecentros.
O Programa CEU facilitou o acesso aos bens culturais acima descritos por parte da
população e logrou se harmonizar, mediante sua atuação, aos anseios do legislador que
164
redigiu o Art. 71, do ECA, que preconiza, à criança e adolescente, o “direito à informação,
cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.” (BRASIL, 1990).
Todo este conjunto jurídico confere não só às crianças ou aos adolescentes, como a
todos, o direito de uma educação de qualidade com base na participação e aceitação da
pluralidade, convergindo novamente para os pressupostos da UNESCO, e, portanto, para os
princípios das Cidades Educadoras. Porém, como se viu, por melhor que seja a intenção do
legislador, sem recursos financeiros, a Cidade fica impedida de disponibilizar acesso aos
meios preconizados pela lei, mesmo mediante a boa vontade do gestor. A não ser pelo aspecto
importante das parcerias público-privadas ou por artifícios logrados em decorrência de
insurgências lacunares do arcabouço legal, acima referidos, que permitiram a migração da
verba da Educação para a Cultura, no referido exemplo.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDBEN-9394/96 (Brasil, 1996) define que as
instituições, ao elaborarem o seu Regimento, observarão as normas da própria Lei e as do
respectivo Sistema de Ensino. Os Sistemas de Ensino Público são distribuídos nos três níveis:
Federal, Estadual e Municipal. Perante o aspecto da descentralização, a maioria dos
municípios assumiu o primeiro nível da Educação Fundamental, e o Estado se responsabilizou
pelo segundo nível da Educação Fundamental e pelo Ensino Médio.
Esse caráter da descentralização causou extremas distorções, alguns municípios são
incapazes de oferecer o mínimo, enquanto a Cidade de São Paulo possui o mais complexo
Sistema Municipal de Educação. Esse nível de complexidade pode ser percebido quando da
inauguração dos Centros Educacionais, para o funcionamento da entidade, dado seu caráter
novo e intricado, foi necessária a criação de um regimento que dispusesse sobre a fisiologia
de todas as unidades.
O regimento foi especificamente elaborado para ordenar o funcionamento dos CEUs.
Criado através do Decreto n. 45.559, de 30 de novembro de 2004, tendo sido assinado pelo
prefeito em exercício Hélio Bicudo. O Regimento Padrão dos Centros Educacionais
Unificados (SÃO PAULO, CIDADE, 2004) define o conjunto de normas referentes à
organização e ao funcionamento da Unidade e regulamenta as relações entre os diversos
participantes do processo educativo, contribuindo para a realização do Projeto Pedagógico da
Unidade, que adotará o modelo descrito na Portaria, acrescido dos dados que a identificam,
capacidade e outros espaços/recursos não previstos no Regimento Padrão23.
23
Trata-se do PPP (Projeto Político Pedagógico), que para uma parte das unidades escolares brasileiras, não passa
de um libelo burocrático, uma ficção descrita por mitômanos alienados, que revela tudo sobre coisa nenhuma,
165
redigida num incessante control c - control v, que registra a existência de reuniões que não ocorreram e votações
e participações conferidas de modo extemporâneo, mediante a assinatura de atas de participação. Talvez, a
justificativa para isso se baseie no fato de quase todas elas indisporem de tempo, pessoal e não contem com a
presença dos responsáveis na infinidade de reuniões necessárias para concluir todo o procedimento, de acordo
como deveria ser.
166
excerto do Regimento CEU (2004), que apresenta os artigos que se regem o funcionamento
das unidades regulares:
de mais tempo do que os quatro anos de atuação do governo Marta. O período de 2005 a 2009
marca o retorno à proposta neoliberal para a educação paulistana, com a instituição do
Programa Ler e Escrever e do Programa de Orientação Curricular, impostos de forma
autoritária, que prescindiram de discussões envolvendo as várias instâncias da rede municipal,
de acordo com Aguiar (2011), que segundo a autora, este fato pode ter contribuído para os
tímidos avanços educacionais alcançados na gestão Serra/Kassab. Segundo a autora:
disponibiliza várias atividades, que podem ser conferidas a qualquer momento em sua página
da internet, disponibilizada pelo portal da prefeitura.
Havendo vagas disponíveis, a criança, por intermédio do responsável, matricula-se e
passa a frequentar, no modelo dos velhos centros comunitários distribuídos pela cidade. Caso
a criança queira frequentar mais de um dos cursos, também pode. Houve épocas em que o
governo peessedebista chegou a proibir a frequência em várias modalidades, relatou um dos
entrevistados, o que mais à frente poderá ser conferido.
Diante de todas as contingências acima postuladas enfrentadas pelo governo Marta na
consecução da implantação da Educação Contra-Hegemônica nos CEUs, logrou sucesso
pontual, chegou-se a atingir todas as vinte e uma unidades que veio a inaugurar, tendo em
vista um universo escolar dotado de mais de mil unidades escolares espalhadas por todos os
territórios da municipalidade.
Supondo o sucesso levado a efeito por todas as vinte e uma unidades construídas e
inauguradas mesmo que próximo do final da gestão Marta, confirmado pela avaliação
encomendada à Fundação Instituto de Administração/USP (FIA), todo o sucesso por melhor
que tenha sido e avaliado, e considerando sua contribuição para a formação integral de todos
os frequentadores, mesmo que fosse um único, mediados pelas relações de horizontalidade,
caracterizadas por Fasano (2016) como utópicas, mesmo assim, esta evolução pessoal de cada
um dos alunos beneficiados pelo Programa CEU não seria considerada pela burocracia
verticalizada do próprio município. Não serviria para que o aluno passasse de ano, mesmo que
beneficiado pelo referido Art. 57, do ECA (BRASIL, 1990), que propõe ao poder público o
dever de estimular experiências e novas propostas com vistas à inserção de crianças e
adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório.
A estruturação tradicional do ensino, que o Governo Marta não conseguiu desarmar,
representa a força hegemônica contra a qual interpôs com sucesso relativo pequenas
intervenções localizadas em vinte e uma estruturas incipientemente encetadas com pendor
contra-hegemônico, facilmente desarmado pelo governo peessedebista após lograr introduzir
sutis modificações no Regimento Padrão dos CEUs, que modificaram de forma profunda a
estrutura e funcionamento da entidade. No ANEXO B, são apresentados os fundamentos
legais e demais diplomas relativos ao CEU.
A comparação entre os objetivos dos Regimentos das duas gestões Marta (2004) e
Serra-Kassab (2006) revela que este último deixa de propor o desenvolvimento integral, para
propor oportunidade de se frequentar um espaço criativo de construção do conhecimento.
Abandona a ideia do protagonismo infanto-juvenil para se preocupar com equidade social. O
172
A biblioteca conta com grande acervo atualizado e A racionalização das licitações afetou a atualização do
com boa gama de assinaturas de periódicos como acervo e induziu o cancelamento de grande número
jornais e revistas especializadas e de variedade. assinaturas de periódicos, afetando a biblioteca.
O gestor era eleito pela comunidade para fazer parte
de uma lista tríplice. O trio de postulantes ao cargo foi
encaminhado para um curso de capacitação, no final O cargo de Gestor passou a ser preenchido por
do curso, o Coordenador Regional de Educação procedimentos puramente políticos e centralizados.
escolhia um deles, baseado nos dados avaliativos dos
professores do curso.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
secretarias. Mais tarde, com a mudança de governo, ao serem retiradas as demais secretarias
de dentro dos CEUs, a própria SME passou a disponibilizar os funcionários para ocupar os
três núcleos.
Esta postura foi muito criticada, pois ao oferecer ao professor atividades do núcleo de
Cultura, por exemplo, sem que este pertença especificamente ao setor, diante de suas
limitações pessoais, uma vez pedagogo, deixou de propor saídas que poderiam agregar
melhorias à ação do CEU, como se pode verificar nas já mencionadas entrevistas contidas nos
capítulos subsequentes.
Na administração do CEU, cada núcleo é composto pelo coordenador e mais três
coordenadores de projetos, sendo que o Núcleo de Esportes e Lazer difere dos demais, sendo
composto pelo Coordenador Geral e dois Coordenadores de Projetos, Técnicos de Educação
Física e Salva-vidas. O Coordenador do Telecentro é designado pela Secretaria de
Comunicação Social.
O CEU é constituído pelas três unidades educacionais (CEI, EMEI e EMEF),
biblioteca e telecentro. Cada um desses setores possui seu gestor e auxiliares que
desempenham suas atribuições restritas aos seus ambientes de trabalho. Embora,
periodicamente, venham a convergir para compor juntamente com os demais atores o
Conselho de Integração.
O Conselho de Integração congrega todos os gestores das unidades administrativas
que compõem os CEUs para deliberar sobre conteúdos administrativos, manutenção, custos,
composição de verbas para fazer frente às despesas conjuntas inesperadas e, por vezes,
deliberar sobre aspectos pedagógicos, festas comemorativas e outras atribuições. Entretanto,
somente esta instância, por si própria, não é capaz de romper com a lógica da
compartimentalização e blindagem administrativa que se instaurou nos diversos setores da
instituição desde o início.
Conforme o DECRETO Nº 45.559, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2004, que aprova o
Regimento Padrão dos Centros Educacionais Unificados – CEUs, em seu Art. 48 (SÃO
PAULO, CIDADE, 2004), consta que o Colegiado de Integração seria composto pelo Gestor,
Coordenadores dos Núcleos, Diretores das unidades educacionais e o Coordenador do
Telecentro, conforme se observa no texto: “[...] assegurar a integração operacional entre as
diretrizes e prioridades das diversas Secretarias, Coordenadorias e Comunidade, promovendo
a unicidade e organicidade do Projeto Educacional em seus objetivos educacionais, culturais,
esportivos, sociais e políticos”.
O primeiro gestor de cada CEU foi eleito para um mandato de dois anos, a partir de
175
uma lista contendo a indicação de três candidatos, em um processo eleitoral coordenado pela
Coordenadoria de Educação das Subprefeituras, após cumprir algumas exigências como ser
profissional efetivo da Rede Municipal de Ensino há pelo menos três anos, ser fluente no
contato com a comunidade, ser indicado após Curso de Capacitação de Gestores pela
Fundação Instituto de Administração/USP (FIA) e ser aprovado pelo Coordenador de
Educação da Subprefeitura.
Ao assumir, o gestor estava cônscio da importância do respeito ao Regimento Interno,
no sentido de efetivar a organização do CEU de forma democrática, assumindo a tomada das
decisões coletivas; promovendo a participação direta da população e de entidades
representativas; e instaurando processo eletivo dos representantes da comunidade em todas as
instâncias.
Uma das primeiras providências do gestor seria formar uma Comissão de Organização
do Processo Eletivo para o Conselho Gestor do CEU. O Conselho Gestor é a instância
deliberativa responsável por traçar os rumos da instituição. Segundo o primeiro Regimento, o
Conselho Gestor seria formado por 39 membros, sendo 13 funcionários públicos, 13 usuários
e 13 representantes de Organizações Não Governamentais (ONG), sediadas na área de
abrangência da Subprefeitura. O cargo de Presidente do Conselho Gestor seria provido por
eleição realizada entre os pares, assim como ocorre com a eleição dos representantes da
comunidade e dos funcionários.
Os CEUs foram implantados de forma inédita na Cidade de São Paulo, não havia nada
parecido em que se pudesse basear para se impor uma forma de gestão e funcionamento que
abrangesse todas as estruturas físicas e o enorme contingente de participantes que afluiriam
para lá. Mediante esta preocupação, a SME solicitou a normatização das atividades, que foi
desenvolvida pela Fundação Instituto de Administração/USP (FIA), com o objetivo de tornar
clara a responsabilidade de cada envolvido com a gestão do CEU, dos funcionários e usuários.
A normatização foi preparada sob a forma de Projeto de Assessoria à Implementação e
Gerenciamento dos CEUs.
A FIA desenvolveu, a pedido da SME, pesquisas de satisfação dos usuários para
apresentar resultados para discussão e elaboração de planos de ações futuras, mediante aos
Relatórios de Produtos apresenta seus resultados segundo os capítulos:
assim como de espaços como o teatro para a realização de eventos religiosos e até mesmo de
formatura de escolas particulares. Na verdade, uma das principais funções da gestão e dos
demais núcleos é a manutenção de uma agenda em que os usuários irão apontar seu horário.
Esta disputa figadal leva alguns usuários a frequentar os Conselhos da entidade como forma
de defesa e garantia da marcação de seu horário de uso. Basta uma única visita a qualquer
equipamento (como foi feita) para se verificar esta interessante disputa de interesses.
Mas não só isso, pois enquanto os núcleos de cultura e esporte avaliam os pedidos de
utilização de espaços pela comunidade para suas atividades culturais e esportivas particulares,
também criam e buscam eventos para os finais de semana. O Núcleo de Educação,
normalmente, desenvolve projetos com as unidades escolares e assume projetos provenientes
da Secretaria de Educação, mas também do Estado, como é o caso do Projeto Guri de
iniciação musical. De seu lado, os telecentros, administrados pela Secretaria Municipal de
Comunicação Social, atendem aos interessados da comunidade e procuram incluir os antigos
excluídos digitais, pois hoje os celulares tão popularizados cumprem amplamente esta função.
Não são poucas as atividades oferecidas pelos CEUs, seu calendário é muito extenso, todas as
atividades oferecidas são anunciadas nas páginas que cada unidade mantém na internet, estando disponíveis no
portal oficial do município (ANEXO C). Dotado de arquitetura escolar diferenciada e incluindo
populações excluídas no mapa cultural e esportivo da cidade, a implantação do CEU suscitou
grandes controvérsias nos meios midiáticos, cujas discussões suscitaram debates calorosos na
eleição municipal do ano de 2004.
A implantação dos primeiros CEUs demandou grande aporte de verba, por isso, houve
a necessidade da inclusão de um dispositivo legal para um incremento de 30% para 31% do
orçamento municipal destinado para a Educação. Neste sentido, questiona-se a construção de
equipamento destinado à revitalização urbanística como fim precípuo da melhoria da
qualidade da Educação, uma vez que se supõe que a simples presença do equipamento
envolveria o resgate e a inclusão social. A justificativa contábil dos investimentos em obras
arquitetônicas e melhoria urbana destinada a fins de resgate social se sustentaria na ideologia
da promoção de uma educação diferenciada, cujo conceito se instaura na “educação
arquitetônica”, mediante o compartilhamento dos espaços comuns.
Em função do aporte de verbas extras, a proposta do Programa CEU recebeu críticas
severas dos representantes dos partidos políticos de oposição, por ocasião do lançamento do
projeto e comunicado da iniciativa política da Prefeita Marta Suplicy. Como exemplo, pode
ser citada a entrevista de Marta à Revista Época, em 2003:
178
A matéria reporta, ainda, a opinião de especialistas que fazem um balanço dos 10 anos
de CEU, completados em 01.08.13:
CEUs dependem muito do tipo e das pessoas que estão lá. Em alguns lugares, as
equipes são mais afinadas com as demandas comunitárias, em outros, não. Não criou
de fato uma rede, falta integração interna do equipamento, uma articulação da
proposta política da educação", afirma.
Sobre o problema apontado pelos especialistas, a Secretaria de Educação afirma que
pretende melhorar a integração entre CEUs e capacitar gestores e coordenadores
desses equipamentos. "Estamos iniciando um grande processo de formação das
pessoas envolvidas com os CEUs, é uma formação em gestão, mas que passa por
linguagem artística, esportiva e pelos projetos das bibliotecas. A nossa diretriz é que
todos trabalhem coletivamente com um objetivo comum", afirma Martha de Betânia
Juliano, coordenadora dos CEUs. (SOUZA, 2013)
É importante destacar que o Programa CEU foi dividido em duas fases: a primeira, de
2003 a 2004, representa a entrega das primeiras 21 unidades CEU; e a segunda, que se iniciou
em 2005 com a posse de José Serra e, posteriormente, de Gilberto Kassab, que compreende a
construção de mais 24 unidades. Ainda de acordo com Souza (2013) e dos especialistas
entrevistados pela jornalista, diz respeito à continuidade do Programa CEU:
Mesmo assim, e apesar das críticas, os projetos que estavam prontos e já tinham
dotação orçamentária garantida tiveram sua continuidade, mas com algumas modificações,
que podem ser qualificadas com todos os aspectos da descontinuidade das ações públicas.
A seguir, dando voz à população, são transcritos alguns comentários coletados, parte
deles assinados e identificados, outros com pseudônimos, mas que, de uma forma ou de outra,
expressam a aprovação e/ou reprovação do projeto por parte dos usuários dos CEUs, os quais
foram publicados na parte de comentários à reportagem de Marcelle Souza, no site UOL,
intitulada “Após dez anos, CEUs ainda precisam trabalhar em rede e integrar comunidade”
(SOUZA, 2013).
Serra e Kassab fizeram o possível para detonar este ótimo projeto democrático de
integração da periferia. Agora, é a hora de retomar a linha original de protagonismo
da população periférica no uso do espaço público, afinal as possibilidades
propiciadas pelos CEUs são enormes. (HENRIQUE MACEDO)
O grande problema é a ingerência política, são 11 cargos de confiança nos CEUs
que são sempre indicados por políticos e que são trocados a cada mudança de
administração. Assim, não há projeto que seja aplicado em sua totalidade e ainda
desvaloriza os funcionários concursados que são sempre relegados para segundo
plano e desvalorizados. (PGS, usuário do CEU)
Frequento a pista de skate do CEU Cidade Dutra desde a inauguração, e não só eu
como todos os skatistas daqui podemos afirmar que não há o menor interesse por
parte da gestão em ver a comunidade ocupando os espaços, principalmente, a pista
181
Em meio a tantas informações, elogios e críticas, o que permanece ainda como uma
incógnita é se, passados 13 anos da inauguração do primeiro CEU em Guaianazes, a
necessária articulação e trabalho conjunto com a comunidade e as escolas do entorno será
uma realidade promovida e mantida, em vista do fenômeno da descontinuidade estudada neste
trabalho.
182
São Paulo é uma das maiores metrópoles do Hemisfério Sul, cujo desenvolvimento
financeiro, tecnológico e industrial a coloca entre as mais desenvolvidas do planeta. Mas,
apesar desses atributos, progresso e tecnologia instalada, São Paulo não dá conta de
solucionar os problemas recorrentes, que enfrenta concernentes à desigualdade social,
precariedade de moradias, transporte público urbano e acesso a bens e serviços, inclusive, de
ordem cultural, advindos, principalmente, do fluxo migratório contínuo e ininterrupto de
pessoas de outras regiões em busca de oportunidades.
Um importante volume de migrantes e imigrantes chega todos os dias à cidade de São
Paulo, sempre sobrepuja a possível oferta de oportunidades de colocação e acesso ao
emprego, moradia, bens de consumo e serviços. Demartini (2011) identifica intensos casos de
migração interna de aspecto regional, estimulados ou restringidos pelos governos, de acordo
com as necessidades econômicas. Para a autora, o fenômeno do deslocamento relaciona-se às
vivências, desejos e projeto de vida do sujeito ou de grupos que se deslocam, uma vez no
destino, em suas relações, são ao mesmo tempo acolhidos, rejeitados e discriminados.
Ao longo de quase toda a história da cidade de São Paulo, a população era formada
por portugueses, negros, índios e mestiços, aos quais foram somados, no final do século XIX
e meados do XX, imigrantes europeus asiáticos, o que resultou em miscigenação étnica e
racial. O projeto de imigração brasileiro partiu da perspectiva de construção de uma nação
branca, mediante a introdução de trabalhadores europeus, já no século XIX. A partir dos anos
1930, correntes migratórias europeias se estabeleceram facilitadas pelas políticas ameaçadoras
de governantes como Hitler (Alemanha), Salazar (Portugal) e Franco (Espanha), mais
recentemente, as ondas imigratórias do final do século XX são tributárias do movimento de
países latino-americanos, dentre os quais a Bolívia (DEMARTINI, 2011).
A cidade de São Paulo, com ampla gama de oportunidades pelos efeitos do programa
desenvolvimentista iniciado em 1930 com Getúlio Vargas, passou a atrair ondas de migrantes
de todas as regiões brasileiras, intensificando-se nos anos 1950. No gráfico a seguir,
elaborado pela Fundação SEADE, pode-se observar as distintas ondas imigratórias ocorridas
entre os períodos de 1920 a 2000 na cidade de São Paulo.
183
Fonte: IBGE - Censos Demográficos apud [São Paulo Outrora e Agora - Fundação SEADE –
informações sobre a população da capital paulista do século XIX ao XXI, 2004, p. 25].
Ainda segundo o mesmo relatório, nos anos 1970, do número de moradores da capital
paulista, pelo menos, 25% era de outra naturalidade, sendo que no ano de 2000 com 10,4
milhões de habitantes, residiam 3,2 milhões de pessoas não-naturais do Estado, com
predominância para os baianos (778 mil), mineiros (487 mil), pernambucanos (464 mil) e
cearenses (235 mil), entre outros, e 196 mil pessoas nascidas em outros países, notadamente,
Portugal, Japão e Itália. (FUNDAÇÃO SEADE, 2004, p. 48).
estreitos e irregulares, que, muitas vezes, não permitem a necessária intervenção do Poder
Público.
A ocupação desordenada dificulta a urbanização, pois impede uma lógica na instalação
de galerias de águas afluentes (potável), efluentes (esgoto) e pluviais, arruamento, luz, coleta
de lixo, transporte, policiamento, entre outras prestações de serviços. Além de todos estes
problemas, há outras questões, como o risco iminente de morte devido à ocupação das
encostas dos morros que, em dias de chuvas torrenciais, podem deslizar.
O improviso do Poder Público em relação às novas ocupações, envolvendo
intervenções tardias, descoordenadas e morosas por parte das autoridades, denota sua
cumplicidade pelo caráter permissivo e conivente diante da pressão por moradias e dos
reiterados avanços, inclusive, em áreas de preservação ambiental.
A cidade de São Paulo foi fundada em 1554, em um lugarejo dotado de uma
edificação simplificada, onde os padres jesuítas procuravam aprimorar o convívio com os
nativos a partir da introdução de educação de base europeia, contextualizada no movimento
da ‘Contrarreforma’, portanto, de cunho evangelizador.
Capital do Estado de São Paulo, a cidade é centro financeiro de notável importância e
uma das mais populosas do mundo, sendo a mais populosa do Brasil. Seu lema em latim, Non
ducor, duco, significa “Não sou conduzido, conduzo”. Esta frase latina representa muito bem
o poder hegemônico que a cidade de São Paulo exerce sobre o país e sobre o resto mundo.
São Paulo exerce influência econômica e cultural de forma globalizada, o município
possui um dos maiores Produtos Internos Brutos (PIB) do mundo, representando mais de 10%
de todo o PIB brasileiro e quase 40% do PIB do Estado de São Paulo. (IBGE, 2015). Vivem
na cidade pessoas provenientes de mais de 180 países, esta diversidade dota a cidade de
amplo aspecto multicultural de caráter cosmopolita. (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2016).
A cidade de São Paulo exerce e recebe influência de regiões vizinhas que se
expandiram e se conectaram entre si e a própria capital, formando uma única e enorme região
geográfica dotada de semelhanças e diferenças, sendo habitada por cerca de trinta milhões de
pessoas, por isso, a região conjuga aspectos contraditórios de homogeneidade e
heterogeneidade.
A formação desse imenso aglomerado de pessoas e territórios enseja o surgimento da
primeira megalópole do Hemisfério Sul, que se estende ao Vale do Paraíba, à Baixada
Santista, à região de Campinas e compreende as Regiões de Sorocaba e Jundiaí, além das
cidades que já fazem parte da Grande São Paulo: “passa a abranger 173 cidades, em um raio
de pouco mais de 100 km da capital, concentrando 73% da população do Estado, 83% do
186
Produto Interno Bruto (PIB) paulista e 28% do PIB nacional”. (O ESTADO DE SÃO
PAULO, 2012).
A abrangência da administração paulistana não se estende aos demais municípios da
megalópole. Perante as suas dimensões e complexidade, a cidade não é fácil de ser governada.
O governo de Luiza Erundina (1989-1993) propôs a descentralização administrativa do
governo e instituiu as administrações regionais, no sentido de promover o atendimento às
necessidades de cada localidade.
Os governos seguintes de Paulo Maluf e Celso Pitta deixaram de aprimorar este tipo
de gestão, inclusive, alguns dos administradores regionais tiveram seus nomes ligados a
escândalos de diversas ordens, de acordo com Fasano (2006, p. 45), a “administração Pitta,
desde seu início, demonstrou problemas de gestão e improbidade administrativa”.
Aliás, o Governo Maluf impôs, segundo Fasano (2006, p. 40), de pronto, a política
neoliberal que segundo o autor, “resume os seres humanos às relações do mercado.
Transforma os sujeitos em clientes. Para tanto, associam-se produtividade e eficiência a
satisfação dos clientes, entendendo-se tal satisfação como ampliação do consumo”, explica o
autor que a política neoliberal implantada na educação foi bem perniciosa, pois os “alunos são
transformados em clientes, e o sistema educacional deve ser gerido de forma empresarial. O
conhecimento precisa ser consumido; a escola deve preparar seus clientes para o mercado”. É
de se notar, que Fasano (2006), Santos (2010) e Illich (1985) são pensadores que se insurgem
contra os aspectos consumista e mercadológico da proposta da educação neoliberal.
Edson Fasano (2006, p. 45) afirma que com a descentralização proposta por Maluf
e Pitta, as escolas periféricas ficaram abandonadas, ao mesmo tempo em que a presença
do poder público recuava cada vez mais, ficando consignada a culpa do fracasso do
processo educacional aos docentes unicamente.
Entretanto, a descentralização levada a efeito pela política de Maluf, como se verá
adiante, não condiz com os princípios legais inaugurados pela CF/88 e LDBEN/96. O
Governo do PT procurou descentralizar a administração do governo da Cidade de São Paulo.
Já havia experimentado no Governo Erundina (1989 a 1993) e tendo efetivado,
posteriormente, a partir do ano de 2001.
O governo de Marta Suplicy (2001-2004), que sucedeu o Governo Pitta, tratou a
descentralização de forma diferente dos seus precedentes, propôs nova metodologia
administrativa e inaugurou as subprefeituras, as quais eram dotadas de coordenadorias, que
atendiam aos subprefeitos, funcionando à maneira do secretariado municipal. Estas subpastas
187
cidade precisa oferecer, inclusive, para se adequar à lei e, assim, conquistar o privilégio de ser
reconhecida como uma cidade que educa.
A partir desse ponto, se procura maior aproximação na questão social, envolvendo o
destinatário das políticas do Programa CEU, que vêm a ser a criança e o adolescente, sem
necessidade de qualquer levantamento estatístico, se pode afirmar que em referência a esta
parcela social delimitada pela idade, que irá do zero aos dezoito anos e pela região em que
nasce e vive, a maioria frequentará o Ensino Fundamental, irá finalizá-lo determinada parcela,
ainda que apreciável, não corresponderia aos esforços anunciados pelo governo. O Ensino
Médio será o sonho de muitos, sendo a graduação, nesse estágio, muito restrita, enquanto a
graduação não é sonho permitido para a maioria e, para os que almejam, o pagamento das
mensalidades é seu maior pesadelo, e óbice à certificação dos cursos superiores noturnos, por
outro lado, os graduados nas condições precárias que um curso noturno pode oferecer
confrontados no mercado de trabalho, são contingenciados pela baixa qualificação.
A maioria dessa parcela etária iniciará a vida profissional precocemente em funções
subalternas, incentivada pela família que carece do rendimento da prole. Parece haver a
realização da meritocracia no campo de atuação profissional desse segmento social, pois
galgam os melhores rendimentos os que melhor se instruem. Por outro lado, volta-se ao
aspecto contraditório da meritocracia, uma vez que os que mais se destacam são aqueles que
são estimulados mais cedo pelo ambiente, podendo sofrer a influência de parentes ou mesmo
de professores. O mérito, nesse caso, vem a ser do aluno e do ambiente em que esteve imerso.
A diferenciação se dá mesmo em condições presumíveis de igualdade, uma vez que se habita
o mesmo território.
moral nessa situação, somente perdas irreparáveis de vida, para uma parte que se enfileirou
nesse descaminho. Quanto à maioria da comunidade periférica, ela é tida apenas refém da
violência instaurada. As estatísticas demonstram que, nessa guerra, efetiva-se uma espécie de
genocídio, uma vez que a maioria das mortes envolve jovens afrodescendentes.
Instaurada essa situação, em que a maioria da comunidade é refém da violência e
opressão, imposto este sofrimento envolvendo numerosas perdas de vida, o medo se instaura
nessas comunidades, que se multiplicam, na mesma medida em que a violência se expande.
Talvez, a Educação Fundamental, com tantos alunos, não esteja devidamente aparelhada para
dedicar treinamento e atenção tão exclusivos, como aqueles dedicados pelas chefias de
departamentos de empresas que têm apenas alguns jovens aprendizes para orientar. A Lei nº
10.097, de 2000, que altera dispositivos da CLT, em seu art. 403, proíbe qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos de idade:
Art. 403. É proibido qualquer trabalho aos menores de dezesseis anos de idade,
salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.
Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais
prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social
e em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
O trabalho para a faixa etária que vai de catorze aos dezesseis anos é permitido na
qualidade de aprendiz. Esta imposição pode restringir o acesso ao emprego desses jovens.
Percebe-se que a motivação do legislador vem a ser a proteção dessa específica faixa etária,
entretanto, mediante restrições e desqualificação profissional do iniciante. Este dispositivo
legal poderia ser considerado como um tipo de descontinuidade na assistência dessa parcela
carente da população por parte das empresas.
Com campo de trabalho restrito, as crianças e jovens, que antes contavam com a
ascendência de um chefe instrutor, que mediante uma relação de respeito profissional, seria
indutor de valores profissionais na intermediação da empresa com o aprendiz. Por outro lado,
alijado do campo laboral, o jovem conta com a educação que o Estado pode conceder e com o
tão criticado Programa Bolsa-Família, cujos proventos não chegam a atingir o salário que
apenas um desses jovens trabalhadores faria jus.
Parece haver um caráter benevolente por parte do legislador, que pretende que a escola
dê conta da educação integral do aluno brasileiro, sendo que esta faixa etária estaria
plenamente à disposição da conclusão de sua educação integral em todos os aspectos.
Inclusive, o beneficiário do Programa Bolsa-Família teria seu controle de frequência efetuado
pela própria escola. Porém, a frequência, por si, não garante aprendizado por parte do aluno,
191
24 O Mapa foi elaborado baseado no Índice de Exclusão/Inclusão Social (IEX) – Conforme Izique (2003, p.
17), trata-se do “indicador construído pela equipe de pesquisadores que integra o projeto, é uma espécie de
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para
classificar a qualidade de vida dos países, só que ampliado. Enquanto o IDH utiliza quatro indicadores para
avaliar a situação socioeconômica das várias nações, o Índice de Exclusão usa 47 variáveis – que a equipe
de pesquisadores chama de "utopias" – agregadas em quatro grandes áreas: autonomia, qualidade de vida,
desenvolvimento humano e equidade”.
192
[...] o que não foi possível de ser realizado foi o enraizamento do Projeto CEU da
maneira como a Prefeita Marta Suplicy desejava, visto que houve pouco tempo para
isto. Os edifícios do CEU foram considerados cartões de visita para a gestão que o
criou, mas um projeto desta natureza não é composto somente pela parte
arquitetônica e pelos recursos ali disponíveis, leva tempo para ser implantado,
compreendido pelas pessoas e para consolidar um projeto pedagógico, e a não
reeleição de Marta Suplicy impediu ações que dariam maior consistência ao Projeto
CEU, segundo sua análise. (SOUZA, 2010, p. 94)
índice de vulnerabilidade dos distritos do Município de São Paulo referente a 2000, considera
as áreas de vulnerabilidade social e identifica questões de segregação social e violência,
remetendo quesitos como baixa média etária e escolar, alta taxa violência, baixa oferta de
equipamentos culturais, lazer e esportivos, em que a cor vermelha identifica os bairros mais
afastados de grande potencial de vulnerabilidade da juventude, que se estabeleceu pela
expansão da precária ocupação da periferia.
O índice de vulnerabilidade juvenil foi obtido a partir da correlação de diversas
variáveis, combinando variáveis como a taxa de mortalidade por homicídio entre a população
masculina de 15 a 19 anos, de 1999 até 2001, jovens que não frequentavam escola em 1996, e
dados de outros sistemas estatísticos como do IBGE, do Censo Demográfico de 2000 e da
Fundação SEADE. Este índice é apresentado na Figura 1.
Figura 1: Índice de Vulnerabilidade Juvenil – IVJ (2000), distritos do Município de SãoPaulo.
25
Trata-se do PPP (Projeto Político Pedagógico), que para uma parte das unidades escolares
brasileiras, não passa de um libelo burocrático, uma ficção descrita por mitômanos alienados, que revela
tudo sobre coisa nenhuma, redigida em um incessante control c - control v, que registra a existência de
reuniões que não ocorreram e votações e participações conferidas de modo extemporâneo, mediante a
assinatura de atas de participação. Talvez, a justificativa para isso se baseie no fato de quase todas elas
indisporem de tempo, pessoal e não contem com a presença dos responsáveis na infinidade de reuniões
necessárias para concluir todo o procedimento, de acordo como deveria ser.
195
(2005-2008).
Fasano (2006) afirma que o Programa CEU foi concebido para ser um polo irradiador
de cultura, e que seu Projeto Político Pedagógico (PPP) deveria prever uma relação orgânica
entre o local e o global. Segundo o autor, “A vida social, suas relações estruturais e
superestruturais realizam-se na cotidianidade, ou seja, na rua, no bairro, na igreja, nas praças,
no trabalho, na escola.” (FASANO, 2006, p. 13).
Sobre o currículo e a gestão, Fasano (2006) procurou identificar um currículo
potencializador de mudanças em busca da superação da fragmentação nas propostas do
Programa CEU e que pense o ser humano de forma complexa e totalizante, articulando-o ao
processo histórico, que não poderia estar apartado do conceito de gestão democrática e
participação. Dessa forma, o CEU romperia com a ideologia de uma educação de reprodução
da sociedade econômica neoliberal, condicionado um único dispositivo legal, muda sua
vocação.
Quanto ao protagonismo, o referido autor pensa ser este o “[...] ponto fundamental do
processo de formação de sujeitos, articulados organicamente, no sentido do seu
pertencimento, de sua identidade” (FASANO, 2006, p. 14). Nesse sentido, o autor conclui que
o processo educativo precisa vencer a luta contra o dualismo da educação capitalista, o que
parece mais difícil quando se alija a sociedade da participação dos destinos da entidade
educacional.
A questão do pertencimento, mencionada por Fasano (2006), realiza-se pela
participação da comunidade e evolução de sua articulação. Quando da implantação dos CEUs,
formaram-se os conselhos gestores que pareciam mais ativos e plurais. Tais conselhos seriam
formados por representantes e lideranças comunitárias, cuja participação constava no próprio
Regimento Padrão dos CEUs.
Especificamente, tais lideranças comunitárias foram alijadas do processo no Governo
Serra/Kassab, pela publicação Portaria nº 4.672/06 – SME (SÃO PAULO, CIDADE, 2006),
só isso foi suficiente para descaracterizar os Conselhos Gestores. Com a instauração desse
dispositivo, o Conselho Gestor do CEU tornou-se um simples Conselho de Escola, que
funciona apenas com componentes da comunidade especificamente escolar. Esta providência
tornou o Conselho Gestor do CEU em uma instância interna, restrita à família dos usuários e
tão somente, mas, sobretudo, aos funcionários e professores. Está aí, como a simples mudança
de uma letra pode redundar em desperdício das conquistas sociais.
Até este ponto, a tese procurou analisar casos de minorias para compor a totalidade
social destinatária das ações do Programa CEU e discutir sobre as brechas legais que
196
Além dos princípios norteadores da concepção de cidade educadora, Paulo Freire pode
ter sido o grande idealizador do Programa CEU, que também sofreu a influência de Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro, entre outros. Quando secretário da educação, Paulo Freire procurou
organizar e promover o escritório de arquitetura público municipal (EDIF), que a partir de
então incorporou a ideia primaz de que o edifício público seria o estruturador do desenho da
cidade, de moda a valorizar a política de Estado, e não a de governo, conferir continuidade
aos programas, e não sua ruptura a cada troca de governo.
O projeto dos CEUs representa uma experiência exitosa, segundo a arquiteta e
pesquisadora Simone Figliolino (2014, p. 94), que entende que diante da superação de
iniciativas que o antecederam (Escola Parque, CIEPS, CIACS), das quais pode ser
considerado seu herdeiro, pois o Programa CEU constitui-se em um processo de expansão na
educação da Cidade de São Paulo. Segundo a autora, a partir da implantação dos quarenta e
cinco CEUs na Cidade de São Paulo, efetua-se a presença do poder público em regiões
anteriormente abandonadas pelos governos.
Com a construção dos CEUs nos bairros mais distantes da cidade, implantaram-se
concomitantemente benfeitorias como asfaltamento de ruas e calçadas, iluminação pública,
saneamento básico, serviços até então indisponíveis, segundo Figliolino (2014 p. 111), que
compara, entretanto, duas realidades das famílias de baixa renda, quando se refere à
“ocupação de regiões centrais por famílias vulneráveis, nos cortiços e prédios abandonados, a
questão territorial da mobilidade coloca tais cidadãos em uma condição diferenciada, quando
199
No mapa a seguir, consta a localização dos quarenta e cinco CEUs espalhados pelas
diversas regiões de São Paulo, através de um simples exercício mental, pode-se verificar que
todas as localizações estão de acordo com os pontos estabelecidos pelo Mapa In/Ex. Os CEUS
foram construídos em duas fases distintas, à exceção de um, os demais quarenta e quatro
acabaram por ocupar as áreas previamente determinadas pelo governo Marta. A configuração
da primeira fase (vermelha - Marta) é segunda fase (azul - Serra/Kassab) em vários aspectos.
Foi nessa base conceitual que Delijaicov (2001, p. s/n) amadureceu sua concepção,
lograda, entretanto, mediante a interação entre arquitetos e educadores, foi desenvolvida uma
metodologia para a localização dos equipamentos, priorizando-se a definição de sua
200
O Programa CEU procurou inserir seus equipamentos nos locais delimitados pela
sobreposição das dimensões avaliadas no Mapa In/Ex que, inclusive, coincidem com o Mapa
da Violência, apresentado mais acima, nesse capítulo. Definida a localização e diante
deliberações do Orçamento Participativo, equipes articularam-se em busca de terrenos com
dimensões aproximadas de treze mil metros quadrados.
Figura 3: Vista Aérea do CEU Rosa da China, Região de São Mateus – Zona Leste de
São Paulo.
A primeira versão arquitetônica dos CEUs foi composta por três edifícios ou módulos
de formas geométricas simples, segundo Soares (2013, p. 91), que afirma que o maior deles é
destinado à biblioteca, telecentro, refeitórios, padaria comunitária, enfermaria, exposição,
203
livres, de céu aberto, estão localizadas quadras poliesportivas, parque aquático com três
piscinas de diferentes tamanhos, pista de skate e campo de futebol.
Na imagem a seguir, percebe-se a composição dos módulos, seu imponente volume, e
as cores básicas contrastando com as inúmeras pequenas moradias que se enfileiram em ruas
irregulares.
pode perceber na imagem a seguir em que se observa a maioria das residências ainda
inacabadas.
Fonte: CEU, in: Piseagrama on-line, Magazine, n.3, Recreio. June, 2011, Belo Horizonte. Foto: Marcos L.
Rosa.
(2003, s/p.), o teatro da fase vermelha (Marta), ilustrado na Figura 7, localiza-se no primeiro
pavimento e comporta 450 lugares, em poltronas bonitas e confortáveis, sendo dotado de
isolamento acústico, possui ar-condicionado e equipamentos de iluminação com ilha de
comando posterior, além de amplo espaço nos bastidores dotados de camarins e acomodações
confortáveis.
Quanto à quadra coberta que fica sobre o teatro, Melendez (2003, s/p.) explica que a
mesma é dotada de piso flutuante que evita a dispersão de ruídos da prática de esportiva para
o ambiente do teatro. Realmente, em visita técnica, percebeu-se que não se escuta a
movimentação na quadra estando em audiência de apresentação no ambiente do auditório.
Porém, escutam-se os gritos da torcida, em volume alto que repercute no ambiente abaixo.
Ainda aponta a qualidade da cobertura de telhas metálicas dotadas de detalhes que permitem a
entrada de luz natural, o que segundo o autor, torna desnecessário acender as luzes.
Sobre o módulo discoide, que os arquitetos denominavam de “disco” conforme
Melendez (2003, s/p.), é destinado à creche, e segundo o autor, é uma edificação feita em
concreto armado mesclado com estrutura metálica, com acesso central ou por passarela
suspensa entre os dois blocos didáticos, como se pode observar na imagem a seguir (Figura
9). Também se observam que as vidraças são muito baixas de modo que as crianças, mesmo
as mais pequeninas, possam ver o que se passa do lado externo. Tais vidraças foram feitas de
207
acordo com as normas da ABNT, não representaria perigo, entretanto, alguns gestores
resolveram construir uma pequena parede interna com a intenção de oferecer mais segurança.
A ideia original dos arquitetos era que a criança pudesse vislumbrar o lado de fora, pela
justificativa da luz do sol intensa, foram colocadas cortinas, bloqueando totalmente a visão do
lado externo. No piso térreo, do “redondo” há equipamentos de lazer e diversão dedicados aos
pequeninos.
O CEU foi construído para querer-ser-visto por todos os ângulos, ao mesmo tempo
em que se tenta “controlar o caos” da periferia. Para a autora, o CEU torna-se um
fato sociossemiótico, desde que instaurado em certo espaço, desencadeando “um
estímulo ao sujeito da cidade a querer ter, admirar, querer estudar nele”. (ZUIN,
2009, p. 111, 141).
Vejamos que no aspecto visual do prédio, a disposição das cores, das formas
geométricas, do estilo arquitetônico, sustenta que o “tipo” da arquitetura para o CEU
compreende o modelo sugerido pela modernidade, pressupostamente relacionado à
obra de arte mondriana. Os moradores do lugar podem desconhecer Piet Mondrian,
mas inconscientemente, introjeta-o pela visão ao “olhar” o CEU. É da arte
mondriana (fig. 5; foto 12) que traçamos os comparativos entre os traços, as cores,
as formas do prédio do Centro Educacional. (ZUIN, 2009, p.107)
Como cidade e ducadora, São Paulo expande a educação para além do universo
escolar, acenando com a possibilidade da educação não formal através da criação de espaços
209
para o cultivo da cultura, prática de esportes, lazer, e encontros sociais que oportunizam
ensino e aprendizagem a partir da interação entre os indivíduos.
Cabe à cidade educadora oferecer formação, entretenimento, desenvolvimento pessoal,
como forma de eliminar a desigualdade entre os cidadãos, e conferir a unidade ao sistema
humano que Faure preconizou em seu relatório “Aprender a Ser”, de 1972. Neste sentido, o
município de São Paulo estabeleceu políticas locais, visando à concretização de um projeto
educativo global para a cidade, passando a oferecer modalidades esportivas, culturais e de
lazer aos cidadãos.
O Governo Marta inscreveu a cidade de São Paulo como membro da AICE, em 2004,
tendo apontado a rede CEU e sua respectiva reestruturação urbana em áreas periféricas com
elevados índices de exclusão social, como meio de efetiva transformação na “organização da
cidade, no uso dos espaços e edifícios públicos e no grau de acessibilidade do cidadão aos
órgãos, bens e serviços públicos”, segundo Padilha (2004, p. 21), para quem, o programa
CEU foi um exemplo concreto de construção de uma Cidade Educadora, pois consistia em
equipamento urbano agregador da comunidade.
Este setor da tese procura analisar diferenças conceptuais, estruturais e arquitetônicas
envolvendo as duas fases que compuseram a construção dos quarenta e cinco equipamentos
espalhados pela periferia da cidade de São Paulo.
Houve duas fases de construção, pois o governo Marta não teve tempo hábil de liberar
todos os terrenos para a construção, devido ao contingenciamento burocrático envolvendo
várias instâncias burocráticas e órgãos ambientais, para áreas localizadas em zonas de
proteção ambiental.
Todos os terrenos de medidas incomuns, com mais de treze mil metros quadrados e,
especificamente, localizados em áreas de alto índice de inclusão e exclusão, foram comprados
ainda no governo Marta.
Como se dizia anteriormente, a implantação dos CEUs ocorreu em duas fases distintas,
pois o Partido dos Trabalhadores perdeu a eleição no pleito municipal do ano de 2004 para a
coligação liderada pelo PSDB. Acatando a previsão de que perderia o pleito já em março, o
governo Marta decidiu inaugurar os equipamentos já construídos e não iniciar as obras já
devidamente orçadas, como forma de se evitar a paralisação das obras no governo seguinte.
Ao que tudo indica, esta pode ter sido uma boa decisão, pois evitou que ruínas de obras
inacabadas ficassem espalhadas pela cidade, importando em prejuízos de grande monta.
Os CEUs, construídos durante o governo Marta, são identificados com a cor vermelha
e os equipamentos erigidos na gestão do Governo Serra/Kassab são representados com a cor
210
Quadro 13: Comparativo do projeto arquitetônico entre o Regimento Interno CEU 2004 e
2006.
Outras modificações relativas no bloco cilíndrico, seu piso superior foi destinado à
biblioteca e ao telecentro, por isso, as dimensões desses ambientes ficaram muito reduzidas
em relação ao primeiro projeto. Há que se destacar que ao introduzir esses equipamentos em
local de difícil acesso e visibilidade, promove-se o natural afastamento da comunidade, que
no primeiro projeto, tinha acesso facilitado, em função dos referidos ambientes se localizarem
já na entrada do complexo, no andar térreo, apresentando-se como amplo espaço convidativo.
A redução de espaços livres nas áreas externas pode ser notada pela introdução de
paredes de blocos vazados, limitando a área de atividades ao ar livre para as crianças, tal
215
à continuidade, e não à ruptura a cada gestão”. (DELIJAICOV, 2001). Com essas palavras,
percebe-se que o arquiteto tinha em sua preocupação tornar contínuo o Programa CEU,
mediante a sua incorporação ao conjunto de Programas do Município.
Com as palavras de Figliolino (2014), conclui-se que as intenções de Delijaicov
concretizaram-se, apesar do contingenciamento imposto pelas novas gestões municipais, uma
vez que os CEUs continuaram a oferecer atividades esportivas, de lazer e culturais à
população nas regiões periféricas de São Paulo. Nesse sentido, as preocupações do arquiteto
foram contempladas, o CEU pode ser entendido como um programa de Estado e não de
Governo.
Nos espaços urbanos deixados de lado pelo poder público, por serem área de ocupação
desordenada com características de território de fronteira, para onde são expulsos os mais
pobres, uma parcela do bairro evoluiu em suas condições de vida e moradia, enquanto uma
parcela busca, por conta própria, sobreviver aos efeitos da sociedade neoliberal, na opinião de
Figliolino (2014, p. 173), pois há outras regiões que ainda carecem da presença do poder
público.
O Programa CEU representa mais do que a construção de um equipamento de serviços
públicos, procurou realizar intervenções que reduzissem as diferenças sociais, a partir de um
equipamento urbano agregador da comunidade, de arquitetura diferenciada, que, mesmo
sofrendo inúmeras descontinuidades conceituais, continuou a ser implantado na periferia
paulistana, nos governos de Serra/Kassab e a prestar serviços de relevância para a população.
da comunidade no acesso aos locais centrais da cidade. Com isso, a própria população passou
a investir em suas residências que foram valorizadas.
A valorização dos imóveis do entorno e do bairro, de uma forma geral, alavancou os
investimentos e movimentação financeira e o desenvolvimento social da região comércio
como lanchonetes, papelarias, depósito de materiais de construção, etc. Toda essa
movimentação transformou o entorno da instituição, revelando que os investimentos sociais
no CEU deram bons resultados e trouxeram melhoria de vida para a população carente que
vive nas periferias da cidade de São Paulo.
O conceito posteriormente abandonado, de várias secretarias atuando dentro dos
CEUs, que funcionariam como um posto de serviços avançado, oferecendo assistência social,
saúde, esporte e lazer, funcionando segundo um sistema de gestão intersecretarial, poderia ser
um fator de aproximação do governo, facilitaria a prestação de serviços como
aconselhamento, informações e campanhas de prevenção de doenças e orientações de
emprego e renda às pessoas que, pelas dificuldades financeiras, encontram dificuldades de
acessar os locais mais centralizados.
Os CEUs foram implantados de acordo com o Mapa da Exclusão/Inclusão Social, que
identificou áreas do Município de São Paulo com os maiores índices de mortalidade juvenil,
fertilidade e evasão escolar, locais abandonados pelo circuito esportivo cultural e de lazer, que
tivessem grande contingente de jovens desempregados.
O Programa CEU não se restringiu a construir suas unidades, o programa procurou
focar na educação formal e não formal, tentando valorizar a identidade cultural das regiões,
mediante o protagonismo social dentro da instituição, quer pela participação nas instâncias
administrativas, quer na exposição e envolvimento com trabalhos e apresentações de natureza
cultural.
A carência de vagas escolares foi suprida em parte, com a inauguração das escolas
internas dos CEUs, nas três modalidades: creches, Educação Infantil e Ensino Fundamental. O
que serviu para desafogar as escolas que, tradicionalmente, atendiam aos alunos que moravam
em torno do CEU. Segundo o relatório PNUD (p. 48), houve um aumento da oferta de 2400
vagas com a inauguração das unidades escolares do CEU. A tabela abaixo, elaborada com
dados do relatório PNUD, demonstra que as vagas oferecidas por cada unidade multiplicadas
pelas 21 da fase vermelha, contabilizam um total de 50.400 vagas a mais após a entrega dos
CEUs.
218
A tabela demonstra que, com a entrega dos CEUs, houve uma expansão de 30% do
número de bibliotecas, entretanto, todas elas inauguradas em regiões distantes do centro,
abandonadas pelo poder público e que não dispunham desse tipo de equipamento. Em uma
ocasião em que a informática estava apenas dando os primeiro passos, a pauta dos governos
consistia em proporcionar meios para incluir o Brasil no mundo digital, o termo em voga era
“inclusão/exclusão digital”. Os telecentros são laboratórios de informática cujo objetivo é
incluir as pessoas no mundo digital. Com os CEUs, foram entregues 21 telecentros,
ampliando-se em 40% o total desses equipamentos pela cidade, a serem utilizados por
pessoas, que pelas condições financeiras e sociais em que se encontravam, possivelmente, não
teriam acesso à tecnologia naquela época.
220
FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT TOTA MÉDI
L A JUL
OUT
223.8 364.3 508.4 608.9 788.0 1.235. 1.364. 2.057. 1.602. 8.754. 1.565.
84 59 70 99 22 144 886 951 843 558 206
Fonte: PNUD (2004).
Tabela 5: Acesso dos alunos do entorno dos CEUs, por tipo de escola, Município de
São Paulo - julho/outubro 2004 (média).
entre julho e outubro de 2004. Total que se deduz do total mensal médio por unidade de
1.565.206 acessos, que uma vez deduzido os acessos da comunidade interessada em
atividades esportivas e lazer, como se pode observar na tabela abaixo, em que se discrimina o
acesso de cada unidade interna do CEU, das escolas externas e acesso da comunidade.
Tabela 6 : No. de acessos de cada unidade interna do CEU, das escolas externas e
acesso da comunidade.
Figura 13: Tipos de Área/Distritos do Município de São Paulo identificados pelo IVJ
de 2000/05.
No estudo comparativo que utiliza os dados dos IVJ, recolhidos entre os anos 2000 e
2005, detectam-se melhorias nos indicadores que compõem o Índice, que evoluíram em
curvas descendentes em todos os Tipos de Áreas da cidade de São Paulo.
Tipos de Área
Município Ricos Classe Classe Pobres
Componentes
de São Média Média
Paulo Baixa
Total 19 11 13 23 24
Taxa de fecundidade 14 a 2 0 0 2 4
17 anos.
Taxa de mortalidade de 15 5 0 3 5 8
a 19 anos.
Proporção de jovens 15 a 4 5 4 6 4
17 anos que não
frequentam Escola.
Proporção de Jovens de 15 8 6 6 10 8
a 17 anos que não
Frequentam o Ensino
Médio.
Fonte: Fundação SEADE (2007).
225
Tabela 9: Taxa de Mortalidade Juvenil por Tipo de Área entre os anos de 2000 e 2005:
Componente do IVJ Tipos de 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Área Município de São Paul
2000-2005
Taxa de Mortalidade por 215,9 219,1 206,9 180,0 140,5 140,5
Agressões de Homens de 15 a
19 anos (em 100 mil)
Ricas 56,7 51,2 62,3 59,9 57,1 57,1
Classe Média 126,4 120,9 118,6 99,7 80,3 80,3
Classe Média Baixa 228,7 233,2 221,6 198,9 153,0 153,0
Pobres 303,0 311,3 283,4 240,5 189,4 189,4
Fonte: Fundação SEADE (2007) - Fonte: SEP. Convênio SEADE–DIEESE. Pesquisa de Emprego e
Desemprego – PED; Fundação SEADE; Sistema de Estatísticas Vitais.
2000-2005
Fonte: Fundação SEADE (2007) - Sistema de Estatísticas Vitais.
Nota: As taxas referem-se à média para os triênios. – Gráfico adaptado pelo autor.
período, conforme dados disponibilizados pelo PNUD e que podem ser visualizados na
Tabela 9 e no Gráfico 2 apresentados a seguir.
Os dados referentes à taxa de mortalidade juvenil analisada nos dados acima pode ser
comparada com a evolução que se denota ao comparar os mapas abaixo que retratam a ocorrência de
homicídios delimitando as regiões de maior ocorrência por intermédio de concentração de pontos em
manchas. Os dados se referem aos homicídios envolvendo homens entre 15 e 24 anos nos triênio
de 1998/2000 e de 2003/2005.
228
devem ser aplicados com rigor. A entrevista, segundo a definição de Haguette (1997, p. 86), é
um “[...] processo de interação social entre duas pessoas, na qual uma delas, o entrevistador,
tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”. A entrevista,
como instrumento de coleta de dados, constitui-se como a técnica mais utilizada no processo
de trabalho de campo, pois permite aos pesquisadores buscarem informações objetivas e
subjetivas.
Bourdieu afirmou que podemos obter os dados objetivos também através de fontes
como censos e estatísticas, sendo necessário se buscar fontes de dados subjetivos através de
entrevistas, pois estes se relacionam com valores, atitudes e opiniões dos sujeitos
entrevistados. Contudo, pesa a neutralidade do contexto social que não se materializa
simplesmente pela “[...] imposição da problemática”. Aconselha ainda a utilização de algumas
estratégias para “tornar conscientes as disposições primárias socialmente constituídas em vista
de neutralizá-las e as desenraizar” (BOURDIEU, 2008, p. 707; 709).
O planejamento da entrevista, segundo Bourdieu (2008), parte do objetivo a ser
alcançado, da escolha do entrevistado e sua evidente vivência com o tema a ser pesquisado. A
partir de então, torna-se necessário um contato para verificar a voluntariedade e
disponibilidade do entrevistado em marcar o apontamento. A primeira providência a ser
tomada no encontro será estabelecer as garantias e condições legais com o entrevistado, de
forma a salvaguardar suas declarações, preservar a confidencialidade e sua identidade.
O entrevistador deve atentar para a importância da organização do roteiro com as
questões importantes, o cuidado para não introduzir questões arbitrárias, ambíguas,
deslocadas ou tendenciosas (LAKATOS; MARCONI, 1996), além daquelas que conduzem as
respostas do entrevistado. O pesquisador deve também levar em conta a pensamento do
pesquisado e permitir que aflore o aspecto lógico-temporal, de forma a obter uma narrativa
fluída.
As Ciências Sociais, geralmente, utilizam entrevistas estruturadas, semiestruturadas e
abertas. A técnica das entrevistas abertas atende, principalmente, finalidades exploratórias, é
bastante utilizada para o detalhamento de questões e formulação mais precisas dos conceitos
relacionados. A entrevista aberta é utilizada quando o pesquisador deseja obter o maior
número possível de informações sobre determinado tema, segundo a visão do entrevistado, e
também para obter um maior detalhamento do assunto em questão.
A interferência do entrevistador deve ser a mínima possível, este deve assumir uma
postura de ouvinte e, apenas em caso de extrema necessidade, ou para evitar o término
precoce da entrevista, pode interromper a fala do informante, além disso, Bourdieu (2008)
231
aconselha que o pesquisador esteja pronto a enviar sinais de entendimento com gestos e sinais
verbais como de agradecimento, de incentivo, pois o pesquisado deve notar que o pesquisador
está atento e escutando a sua narrativa.
Sobre a transcrição, Bourdieu (2008) sugere que mesmo sendo parte integrante da
metodologia, não se constitui ela, só no ato mecânico de escrever o que foi dito, pois, além
deste, o pesquisador deve procurar simbolizar silêncios, entonações de voz e risos ocorridos
durante a entrevista, pois podem denotar muitas informações significativas. Adverte o autor,
que o relatório da pesquisa situe o leitor de qual lugar o entrevistado fala, seu espaço social,
sua condição social e outros condicionantes, dos quais o pesquisado é o produto. No processo
da entrevista, o pesquisador lerá nas entrelinhas e reconhecerá estruturas invisíveis que
organizam o discurso do entrevistado, pois este último tentará definir de forma consciente ou
inconsciente a situação.
A variedade de material obtido qualitativamente, segundo Martins (2004), exige do
pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do
desenvolvimento de uma capacidade criadora e intuitiva. Neste caso, Martins (2004) reflete
que a intuição não é um dom, mas resultante da formação teórica e dos exercícios práticos do
pesquisador. A metodologia qualitativa, mais que qualquer outra, levanta questões éticas
principalmente, devido à proximidade entre pesquisador e pesquisados. A entrevista é parte da
metodologia com a qual pretendemos analisar, juntamente com os dados que reunimos sobre a
alternância de poder e sua ascendência, a continuidade das ações políticas em Educação.
Complementarmente, ainda de acordo com Bourdieu (2008, p. 707), o questionário
fechado não seria capaz de suscitar respostas aprofundadas, por assim dizer. Ao participar da
pesquisa, a própria possibilidade da “publicação das opiniões assim impostas contribui para
impô-las e assegurar-lhes uma existência social, dando aos pesquisadores a aparência de uma
validação própria e reforçar a sua credibilidade”. Por todas estas questões, uma entrevista de
qualidade deve ser planejada.
O autor desaconselha fazer perguntas diretas, mas as que permitam que o pesquisado
relembre parte de sua trajetória, perguntas que provoquem a memória do pesquisado, de modo
a extrair “[...] as coisas enterradas nas pessoas que as vivem e que ao mesmo tempo não as
conhecem e, num outro sentido, conhecem-nas melhor do que ninguém” (BOURDIEU, 2008,
p. 708).
A entrevista aberta é indicada, geralmente, na descrição de casos individuais, na
compreensão de especificidades culturais para determinados grupos e para comparabilidade
de diversos casos (MINAYO, 1993). Durante a abordagem, o entrevistador introduz o tema e
232
o entrevistado tem liberdade para discorrer sobre o tema sugerido. Esta é uma forma de poder
explorar mais amplamente uma questão. As perguntas são respondidas dentro de uma
conversação informal.
A entrevista, conforme recomendação de Bourdieu (2008), deve ser conduzida de
modo a proporcionar a sensação de bem-estar ao entrevistado, para que ele possa falar sem
constrangimento de sua vida e de seus problemas. Quando isso ocorre, surgem discursos
extraordinários, segundo o autor, que sugere que o entrevistador deixe o informante à
vontade, a fim de que ele possa falar livremente, até mesmo em presença do gravador que,
como instrumento de pesquisa, em alguns casos, pode causar inibição.
Uma boa entrevista depende muito do domínio do entrevistador sobre as questões
previstas no roteiro, segundo Bourdieu (2008). O conhecimento ou familiaridade com o tema
evitará sobressaltos por parte do entrevistador. Perguntas claras favorecem respostas de
qualidade. Goldenberg (1997) também é adepta desta premissa, pois para se realizar uma boa
entrevista, é necessário criar um ambiente de confiança, e de forma alguma, discordar das
opiniões do entrevistado, procurando situar-se na neutralidade, e respeitar o código de ética do
sociólogo.
De acordo com Bourdieu (2008, p. 669), o pesquisador tem o dever de ser fiel ao
transcrever tudo o que o pesquisado falou e sentiu durante a entrevista. O autor também
considera como dever do pesquisador a legibilidade, ou seja, aliviar do texto frases
redundantes ou tiques de linguagem (vícios). Aconselha também a nunca trocar uma palavra
por outra, nem mesmo mudar a ordem das perguntas. E recomenda que, devido a estes fatores,
o próprio pesquisador faça a transcrição da entrevista.
Além dos princípios defendidos por Bourdieu (2008), foram consideradas também as
prescrições metodológicas de Heloísa Szymanski (2010), que dispõe sobre a técnica de
gravação de entrevista em áudio e seus procedimentos de transcrição. Segundo a autora a
gravação em áudio, além de permitir maior liberdade ao pesquisador e pesquisado, ao
entrevistador e entrevistado, é um registro fidedigno da fala, do discurso e diálogo travado por
ambos, que permite reviver o momento da entrevista, tantas vezes quanto necessário para
captar as nuances das falas e informações, além de propiciar um clima de segurança para a
interlocução de ambos. Acrescenta ainda que:
O sociólogo não pode ignorar que é próprio de seu ponto de vista ser um ponto de
vista sobre um ponto de vista. Ele não pode re-produzir o ponto de vista de seu
objeto, e constituí-lo como tal, re-situando-o no espaço social, senão, a partir deste
ponto de vista muito singular (e, num sentido, muito privilegiado) onde deve se
colocar para estar pronto a assumir (em pensamento) todos os pontos de vista
possíveis. E é somente à medida que ele é capaz de se objetivar a si mesmo que
pode, ficando no lugar que lhe é inexoravelmente destinado no mundo social,
transportar-se em pensamento ao lugar onde se encontra seu objeto (que é também,
ao mesmo em uma certa medida, um alter ego) e tomar, assim, seu ponto de vista,
isto é, compreender que se estivesse, como se diz, no seu lugar, ele seria e pensaria,
sem dúvida, como ele. (BOURDIEU, 2008, p. 713)
entrevistados foram alertados de que suas identidades seriam mantidas sob sigilo, e que o
momento estaria descrito em Projeto previamente aprovado pelo Comitê de Ética na pesquisa.
A todos foi solicitado um Termo de Livre Consentimento contido no APÊNDICE B, assim
como se solicitou que os participantes preenchessem seu perfil.
Devido à complexidade e abrangência da temática, optou-se pela Metodologia de
Entrevista Semiestruturada proposta por Bourdieu (2008). Alguns critérios significativos
foram considerados pelo entrevistador ao formular as perguntas diretamente aos
entrevistados: cargo ocupado, área de ocupação, o tempo de experiência dedicado ao CEU e
acesso às informações do Projeto. Com isso, foi possível introduzir novas questões
complementares sobre assuntos emergentes do discurso dos próprios entrevistados.
As entrevistas foram gravadas e transcritas, conforme as prescrições metodológicas de
Heloísa Szymanski (2010), que dispõe sobre a técnica de gravação de entrevista em áudio e
seus procedimentos de transcrição, bem como com base em Haguette (1997), Bourdieu
(2008). As entrevistas basearam-se em temas, que precedem à organização da análise e a
compõem, sendo dispostos nos questionamentos organizados conforme a sequência:
em outra, rareando mais nos dias de semana. O pequeno fluxo de usuários em dias de semana
indicaria que as atividades diferenciadas se concentram mais aos finais de semana. O que
pode promover a ociosidade do equipamento nos dias comuns, motivando o CEU a se tornar
apenas um “escolão”, contemplando a máxima divulgada pela imprensa quando da divulgação
do Programa CEU.
Percebeu-se a presença das equipes de manutenção, limpeza e vigilância, que
pertencem a empresas prestadoras de serviços terceirizadas. Percebeu-se que os serviços são
adequados, e que os funcionários são solícitos e atenciosos. Nos CEU visitados, foram feitas
entrevistas espontâneas com diversas pessoas dentro dos equipamentos, falou-se com vigias e
frequentadores, também com vizinhos dos CEUs. No CEU B, durante um final de semana,
tentou-se uma entrevista com os Coordenadores que estavam de plantão, os mesmos
encontravam-se trancados dentro da gestão, apesar de atender à solicitação para audiência,
não quiseram responder às perguntas, pois, segundo eles, não teriam sido autorizados pelo
Gestor a concedê-las, embora o mesmo não estivesse presente.
Algumas crianças que frequentam o CEU B foram ouvidas, todas responderam que
gostam do local, e participam das atividades oferecidas e do lazer, o que foi confirmado pelo
comerciante com porta aberta pegada à entrada principal do equipamento, em seu relato o
comerciante disse que as crianças gostam muito de frequentar o CEU, que o mesmo passou
quase um ano com as piscinas interditadas. Que as crianças burlavam a segurança e invadiam
as piscinas, pois não estariam de acordo com o uso de carteirinhas e exames médicos. Que, às
vezes, ficavam sentadas sobre um muro alto da frente, esperando que a unidade abrisse e
pudessem se divertir nas piscinas. Que a estrutura rígida da burocracia costuma afastar
frequentadores e provocar as constantes invasões.
Foi realizada uma visita ao CEU B em um domingo muito frio, os salva-vidas estavam
tratando da piscina, embora não tivesse a presença de frequentadores. Havia uma atividade na
quadra envolvendo apresentação de lutas marciais. Pelo que se apurou, para aquele domingo,
estava programada uma única atividade para o período noturno, relacionada a um congresso
religioso. Do CEU B se pode avistar o CEU C e vice-versa, embora possam ser vistos, a
distância entre ambos é grande e, por isso, pode-se afirmar que não compartilham o mesmo
público. São separados por um grande vale repleto por uma infinidade de casas populares,
localizadas em ruas de traçado irregular.
Visitou-se o CEU C, para haver um comparativo com o cenário que se desenhava no
primeiro equipamento visitado no mesmo dia de final de semana. O CEU C fica no topo de
uma colina, sendo rodeado por casas de pequenas dimensões, construídas em alvenaria em
238
ruas de bom asfalto, porém, íngremes e estreitas, o que torna a chegada ao local penosa e
difícil, devido ao traçado confuso das ruas, nomeadas segundo as músicas populares
brasileiras mais consagradas.
Comparativamente, o CEU C é bem mais ativo que o CEU B e muitíssimo mais
frequentado, tirando as piscinas que estavam vazias, talvez, devido a questões climáticas,
mesmo assim, estava presente um pequeno grupo de salva-vidas. A pista de skate estava
lotada, em uma pequena quadra de basquete, alguns jogadores disputavam uma partida ao ar
livre. Havia um clima festivo entre as crianças e frequentadores, apesar do frio. Ouvia-se a
torcida gritar a cada lance, viu-se sair vários times carregando troféus. Procurou-se ouvir as
equipes que deixavam a quadra, tratava-se de um campeonato.
Conversou-se com várias crianças e outros frequentadores do CEU C, que explicaram
que gostavam de frequentar a entidade e que lá afluíam, a fim de participar das várias
atividades oferecidas. Em sua maioria, os frequentadores afirmaram que já tinham
frequentado o teatro e o cinema e que gostavam das piscinas e da biblioteca. Visitou-se a
biblioteca de bom acervo e grande dimensão, que se encontrava limpa e bem iluminada. Fica
localizada em frente ao complexo aquático. Estavam presentes duas bibliotecárias, conversou-
se longamente com uma delas, que disse morar em Santo André e deslocar-se pelo período de
uma hora para trabalhar, ida e volta todos os dias. Disse também adorar sua função, que ajuda
no ordenamento dos acervos e no apoio às pesquisas dos frequentadores, que trabalha no local
há muitos anos, que no princípio, a frequência era maior, que as atividades no parque aquático
costumam produzir muito barulho e que atribui a baixa frequência dos últimos tempos à
biblioteca à democratização da internet, pois facilitou as pesquisas escolares.
Procurou-se um representante da administração do CEU C, que foi encontrado no
interior do teatro. O ambiente é muito grande, possui belíssimas poltronas, é limpo e dotado
de equipamentos de som, iluminação e ar-condicionado. Falou-se com o Coordenador
Cultural do equipamento que, naquele momento, estava passando o som juntamente com
várias bandas de jovens que iriam se apresentar logo mais à tarde. Perguntou-se ao
representante do CEU C, quais seriam as dificuldades de sua função frente ao departamento
cultural, e se as bandas que se apresentariam teriam algum vínculo com o CEU C e quais os
objetivos pedagógicos do Departamento de Cultura.
O Coordenador respondeu prontamente às questões, apesar do frenético aumento do
movimento de pessoas à sua volta. Disse o Coordenador que enfrentava dificuldades na
contratação de novas apresentações, devido às questões burocráticas, que valoriza o trabalho
pedagógico voltado à formação de público. Respondeu que muitos dos integrantes das bandas
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teriam algum vínculo com a instituição, mas que, naquele momento, captara bandas de locais
mais distantes, pois as apresentações que estavam se iniciando se dedicavam a homenagear
Raul Seixas, que seria um nicho bem específico de público. Assistiu-se ao show prestigiado
por grande plateia muito participativa. Apresentou-se o Coordenador como cantor e
violonista, sendo muito aplaudido em seu desempenho. Durante a apresentação, era possível
escutar alguns ruídos provenientes do uso da quadra, que fica sobre o teatro.
Analisa-se a provável ruptura do Programa CEU, por ocasião da transição política da
gestão da cidade e, para isso, previamente, contou-se com o parecer do Comitê de Ética para a
pesquisa, com a finalidade de julgar e decidir pela aplicação de entrevistas, envolvendo
autoridades e outros agentes educacionais, que participaram do referido processo e que
poderiam dar informações e depoimentos importantes para as conclusões deste estudo. O
parecer do Comitê de Ética foi positivo e as entrevistas foram transcritas e analisadas.
Durante visitas técnicas ao CEU A, CEU B e CEU C, localizados nas cercanias de São
Mateus, bairro localizado na Zona Leste da Cidade de São Paulo, entrevistou-se
informalmente, usuários (crianças e adultos), e formalmente, a equipe de trabalho.
Procurou-se conhecer o equipamento, percorrer suas instalações e observar atividades
realizadas em diferentes dias da semana, avaliar o estado físico dos equipamentos e do entorno.
No sentido de entender como se dá a relação entre os usuários e a administração pública
mediante a oferta de serviços públicos em regiões antes abandonadas pelo poder público.
Foram programadas entrevistas com pessoas que trabalharam junto à Secretaria de
Educação em cargos de Secretária de Educação, Coordenador Regional de Ensino, Assessor
da Secretária de Educação e Coordenadora do Projeto de Sexualidade de Adolescentes da
SME. Foram ouvidos professores que podem ter exercido cargos na gestão dos CEUs com a
finalidade de relatar sobre as questões pedagógicas e o envolvimento com as questões que
envolvem a gestão das unidades CEU.
Objetivou-se ouvir os funcionários que prestam serviços na entidade para sentir se
haveria diferenças de posicionamento em relação às funções. Coincidentemente, conseguiu-se
a participação de três funcionárias e que um dia prestaram serviços nas bibliotecas CEUs. A
oitiva de duas das quais foi estabelecida durante a EC (Entrevista Coletiva). Da Entrevista
coletiva participou o Entrevistado GP1, que antes prestara informações em entrevista
individual. Acompanhou a entrevista com a Entrevistada G3, o Entrevistado GP3, professor
de um CEU e usuário do mesmo, prestava serviço na Sala CEU como assessor para o assunto
de políticas públicas.
Grupo 1 - Gestores de Órgãos Centrais – Deste grupo participaram as pessoas que
240
Entrevistada T2 Bibliotecária
Auxiliar de Biblioteconomia
Entrevistada T3
Fonte: Elaborada pelo autor (2016).
Optou-se por recolher o maior repertório possível sobre o tema, definindo já de início
que as entrevistas teriam que se realizar junto aos sujeitos que durante o período de transição
de governo ocuparam postos de comando em setores da administração central. Os discursos
serão dispostos obedecendo à linha temporal que se estende dos trâmites da concepção e
implantação do Programa CEU até as intervenções, que vieram a se estabelecer após a
alternância de poder em que o Governo de Marta é substituído pelo de Serra e Kassab.
244
Nesta dimensão, são abarcados os temas definidos por categorias que irão se
relacionar aos quesitos gestão, burocracia e outras temáticas ligadas à tomada de decisão,
novas formas de gestão, concepções partidárias, articulação social em torno de determinada
reivindicação.
A Entrevistada G4 foi Secretária de Educação do Governo de Marta Suplicy e
procurou explicar como se deu a origem do Programa CEU:
Não tinha a palavra CEU escrita, mas ela falava na questão da qualidade da
educação, até na minha tese tem uma parte do discurso que foi dito para mostrar que
estava lá; não estava falando que ia ser criado o CEU, mas apontava nas questões da
educação, da melhoria da infraestrutura de se ter outras opções para a criança, abrir
unidades, então, tanto no programa de governo como no discurso de posse da Marta
aponta para o que seria o CEU, [...] Aqui em São Paulo, desde 1996, na campanha
do Mercadante, que nós começamos a discutir isso da praça de equipamentos, de ter
alguns equipamentos na praça em serviço de apoio à escola, nós fomos avançando e
levando essa proposta ao longo dos anos para poder chegar em 2001 e fazer, porque
senão como é que você faz uma política dessas? A Marta assumiu em 2001. Em
dezembro de 2001, nós apresentamos a proposta para a população, se ela não tivesse
sendo maturada lá trás, não se conseguiria fazer, nesse tempo, uma proposta dessas.
Não só do governo da Marta, uma coisa mais antiga dentro do PT, tem o setorial que
discute isso, foi uma ideia que foi sendo construída e amadurecida para poder
ganhar corpo aqui, porque senão, não conseguiríamos, não é passe de mágica, você
pode até fazer um prédio grande, mas você não consegue concretizar nessa proposta.
de Janeiro e diziam que era fadado a... Falavam assim: “faziam um movimento
contrário: quando a gente quer fazer escolas menores, mais fáceis de administrar,
vocês criam estas grandes escolas, estes escolões, estes elefantes brancos”.
O Maluf e o Pita não aplicaram os 30% que era obrigatório na educação, quando
entrou o governo do PT, eles reconheceram que esses governos ficaram devendo
dinheiro para educação, e a Marta propunha o aumento de 30% para 31%. Esse 1% a
mais a ser investido na educação era para compensar essa dívida do Maluf e do Pita,
pela não aplicação dos recursos. Esse é o principal motivo de ter aumentado. É o
pagamento de uma dívida dos governos anteriores que não investiram, então, você
246
somava tudo aquilo lá, a Prefeitura não podia por tudo de uma vez, mesmo
reconhecendo a dívida, então, foi proposto 1% a mais para sempre, para compensar
a dívida do Maluf e do Pita. Esse foi o principal motivo. Quando nós propusemos os
31%, era que 25% continuasse aplicado como a LDB e 6% seriam aplicados nas
atividades que considerávamos importantes para o desenvolvimento.
O dinheiro que saiu da educação que o pessoal critica que é a parte de cultura e
esporte, era um financiamento para áreas que estão dentro do CEU e no
equipamento educacional e com uma ação pedagógica envolvida. Essas outras
secretarias tinham um aporte de recurso, mas era muito mais recurso da educação,
porque era um equipamento educacional, não era? A Cultura não tinha um pedaço lá
dentro? O Esporte não era outro e ele só tinha que cuidar? As três secretarias
compartilhavam a gestão e o orçamento desse equipamento, sendo que para a
Educação cabia a maior parte. Os outros recursos que foram destinados à
reestruturação urbana, eu não sei, mas teve muitos, habitação, transporte, secretaria
de obras, foi feito recuperação de córregos, tudo isso. E não era a Educação que
fazia, eram as outras secretarias, houve uma otimização na intervenção do poder
público.
tinha uma pressão popular. As pessoas tinham Serra/Kassab. Se no começo havia uma liberdade da
internalizado este projeto que para elas era bom, que comunidade para entrar aqui, no governo seguinte,
era uma coisa que melhorava a educação que elas começaram a colocar portões, grades, impedindo o
queriam para os seus filhos e ficaram exigindo do acesso de um equipamento ao outro.
governo que ele construísse os CEUs.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
Dos CEUs não teve, porque como nós tínhamos os critérios, mesmo os das escolas,
discutimos muito com eles, porque levamos esses critérios e apresentamos como
seriam os CEUs, e só então, nós validamos. Eles reclamaram porque todo mundo
queria o CEU em sua região, todo mundo queria, mas mantivemos a proposta
original e defendendo os critérios que tínhamos do IDH, da Demanda, porque em
2001, não havia todas as crianças com 7 anos na escola; era obrigatório, mas não
tinha vaga para todo mundo, então, fomos vendo tudo o que era demanda, que
precisávamos criar a vaga, ter mais prédios de escola para diminuir o turno
intermediário, para poder ter só dois turnos durante o dia, que precisávamos
transferir as crianças que estavam nas escolas de lata para as escolas de alvenaria.
Então, cruzamos essas demandas da secretaria com outras, com o mapa da
inclusão/exclusão da Aldaisa Sposati, onde eram os maiores indicadores de exclusão
social, o IDH mais baixo da cidade de São Paulo, onde você tinha o maior número
de jovens desempregados, e fomos costurando várias coisas para poder escolher o
bairro onde ele teria, porque senão, se fosse uma questão de disputa, poderia ser em
qualquer lugar, só que assim, você foge à política do que você está querendo, da
política educacional de ampliar o acesso; eu não posso ter o CEU em todos os
lugares, mas vamos pensar em que rede, tamanho de rede, que pensamos nos
quarenta e cinco na periferia formando um círculo, e só então, implantá-los.
Ela entende que durante os trabalhos dos Orçamentos Participativos, mesmo mediante
as forças e pressões das lideranças, as premissas relacionadas aos locais de implantação dos
CEUs já tinham sido definidas mesmo antes da comunidade se manifestar, estava pronto um
estudo preliminar de localização das entidades, que devia ser acatado, como de fato o foi.
A Entrevistada G4 observou que muitos assuntos foram discutidos com a comunidade:
Tem teatro aqui no centro, vai ter um cinema no CEU, vai ter uma piscina, porque o
centro esportivo não dá conta de atender, então fomos casando estas coisas e
discutimos, mas a escolha dos terrenos não teve uma disputa política de puxar a
corda vai para quem é mais forte, ela seguiu muito esses critérios que eu estou
colocando. E isso foi discutido, teve comunidade que não gostou de estar fora, teve
comunidade que brigou: Cidade Ademar brigou esse tempo todo, agora é que vai
sair o CEU. Lá não era uma questão de identificar necessidade, é que não tinha área,
só agora é que a Prefeitura está tendo condições de comprar uma área para poder
fazer o CEU, então tem tudo isso. No Orçamento Participativo tinha essas disputas,
mas é muito de você levar e discutir: olha tem isso aqui: essa região tem essas e
essas características, essa tem outras e discutir com eles onde era mais necessário.
Tanto que nos quarenta e cinco que a gente planejou, não teve mudança de área.
249
A Entrevistada afirmou que dos quarenta e cinco CEUs planejados não houve
mudança de área e que nos OPs ocorreram disputas para atrair a implantação das unidades nas
regiões de interesse. As diversas reuniões de OPs feitas nas escolas do entorno dos futuros
CEUs permitiu que a população tomasse ciência das finalidades da nova entidade e, assim,
pudesse opinar sobre suas verdadeiras necessidades, de modo que fosse arquitetada uma
estrutura que pudesse abarcar a maioria de seus desejos, segundo G4, sobre a comunidade:
Ela é que teve acesso primeiro à concepção. A população se envolveu muito na
escolha dos terrenos. Para localizarmos, fixamos critérios naqueles baixos IDH,
onde havia muita juventude, era uma época de crise econômica, com muitos jovens
desempregados, nós fomos cruzando; havia uma pesquisa que a prefeitura fez para
ver o que tinha na cidade de equipamentos públicos culturais, esportivos,
educacionais, cruzamos isso: onde faltava equipamentos de esporte, lazer e cultura,
pegamos vários critérios, discutiu-se com a população, porque se não todo mundo
queria um CEU e você não ia fazer em todas as áreas; e sempre colocando a questão
da rede que deveria ter em torno de escolas de proximidade também. Isso porque o
CEU não poderia ser visto como uma escola, ele teria que ser como um polo que
atendesse a toda a demanda da região de São Paulo que propiciasse e a comunidade
entendeu essa concepção e participou muito; participou da escolha dos terrenos, da
localização, opinou sobre o projeto, modificando-o muito. Havia uma comissão de
acompanhamento da obra e essa comissão foi o embrião do conselho gestor, todas as
inaugurações nós discutimos com a comunidade, tínhamos o modelo [...] Discutiram
muito, se apropriaram da ideia que fomos discutir antes e, depois, e que fomos
discutir com a comunidade escolar, com professores e diretores...
As pessoas foram tendo outro envolvimento, eles tiveram uma participação muito
ativa, no livro mesmo tem várias passagens de como eles ajudaram quando tinha que
transferir; se havia escola de lata ou de madeira, a comissão de pais foi nas casas do
entorno para explicar aos outros pais, ajudou para ver quem queria mudar, quem não
queria; a comunidade teve uma presença, como o serviço público tem que trabalhar;
foi uma relação de cooperação, não só de vir em reunião e levantar a mão e apoiar,
mas tinha troca de ideias, eles se sentiram construindo [...] criou esse sentimento
mesmo, não foi algo que chegou e eles passaram a usar depois de inaugurado. Não,
eles participaram passo a passo, faziam mesmo, e ligavam para falar: “hoje, não se
colocou nenhum tijolo”, o “pessoal está fazendo corpo mole”, estão todos bem
preocupados.
[...] este projeto estando sob a coordenação da secretaria, ficaria muito mais fácil de
você conseguir estabelecer as ilações, e o cuidado que tínhamos era de não ser um
projeto que fosse à parte da rede municipal; nós avaliamos isso estudando o caso dos
Cieps, por que o que aconteceu com os Cieps? Um dos grandes problemas que ficou
mais fácil de desconstruir o projeto: é que tinham duas secretarias, sendo que uma
secretaria que cuidava só do Cieps. Era como se tivesse duas políticas educacionais,
e isso não queríamos reproduzir aqui em São Paulo, portanto, estava dentro da
Secretaria de Educação e todas as equipes, e todas as áreas da secretaria
participaram da implantação dos CEUs. Esta foi uma importância de não ser à parte
da Secretaria.
[...] nossa grande referência era a escola-parque e o Cieps foi o que estudamos, foi
aqui acompanhando, aqui nós fizemos um bom estudo para ver quais eram as
251
dos recursos nos locais de real necessidade, afirmou o entrevistado que no Governo de Serra e
Kassab deu-se continuidade às subprefeituras, mas terminou com:
[...] as coordenadorias que estavam vinculadas às Subprefeituras. E, centralizam
novamente, por exemplo, na Secretaria de Educação. E aí, este é outro ataque ao
CEU, porque o CEU tinha como pressuposto essa articulação local das políticas
públicas. Se você tira o poder descentralizado, você tira o poder do CEU.
[...] o nosso princípio não era um escolão! Era um Centro. Um Polo irradiador de
cultura. Um Polo que fosse uma referência que pudesse incluir as escolas do
entorno. E na medida em que incluía as escolas do entorno, a gente estava em
espaços que não tinha nada de valorização do espaço público. Em geral, eram
espaços dominados pelo tráfico de drogas. Então, você não tinha cinema na
periferia, como não tem ainda, os únicos cinemas da periferia continuam sendo os
dos CEUs, até hoje! Dez anos depois, você só tem os CEUs como referência de
cinema, você não tinha teatro, nós triplicamos o número de teatros na Cidade de São
Paulo. Onde? – Dentro das periferias. Você não tinha quadras de esportes, quando
tinham, estavam abandonadas, largadas. Piscina? Piscina era, vou usar este termo,
não sei se é o adequado, mas enfim, era o sonho de consumo daquela juventude. E
não tinha. Eram pouquíssimas piscinas públicas nessa Cidade.
O referido participante informou que, com a implantação dos CEUs, a população que
ocupava um espaço pouco valorizado passou a ter teatro, cinema e piscinas, a iniciativa fez
multiplicar o número desses equipamentos na capital.
O Entrevistado G2 foi assessor da Secretária de Educação durante a implantação do
Programa CEU e segundo ele:
O CEU também tem a obrigação de dar aos excluídos, àquelas pessoas que nunca
tiveram acesso a um teatro, a um cinema. Levar um pouco de Cultura. A Cultura
determina comportamento. A gente entende isso quando trabalha no CEU. Se a
gente criar dentro do CEU uma cultura de compartilhamento, de cooperação, isso
vai gerar um comportamento na perspectiva de uma cidadania futura.
[...] a EMEF, a CEI e a EMEI, elas são autônomas. A minha obrigação é articular,
tentar trazê-los para dentro do conceito CEU. Mas se eles simplesmente disserem
não, eu não tenho como chegar a eles. Se o diretor da EMEF e da EMEI disserem:
“Não, eu não quero participar desse projeto CEU, eu quero trabalhar com a minha
escola autonomamente, eu não quero integrar o conceito CEU”. Ele tem esse direito.
Agora, eu como gestor do CEUtenho a obrigação de convencê-lo ao contrário.
Com tantas variáveis para administrar, realmente, o Gestor do CEU precisa ser talhado
para a função. Somente a capacitação ministrada pela FIA seria insuficiente para que o gestor
fosse capaz de entender os pontos discordantes e levar a efeito as soluções mais adequadas.
Ao participante G1, questionou-se sobre os gestores das unidades regulares serem
autônomos em relação ao gestor do CEU, se isso implicaria alguma problemática, ele
respondeu que este foi um dos limites do Programa CEU:
[...] nós criamos o gestor do CEU que, hierarquicamente, teria que ser, mas nós não
entramos na operação efetiva do Plano de Carreira do Magistério. No Plano de
Carreira do Magistério, quem está acima do diretor de escola o diretor? – O Diretor
regional ou Coordenador de Educação. Quando a gente pensa na questão do Diretor,
o Diretor tem o Coordenador regional que delega, em geral, para o supervisor de
ensino, né? O Supervisor Escolar. Acontece que no CEU, a gente não pode criar
uma ilha de excelência. Então, a gente não queria uma ilha de excelência no CEU.
Se é por concurso público, o CEU também terá que ter um diretor por concurso
público em cada um dos equipamentos. Só que o CEU tem algo a mais que era essa
integração e a presença de um coordenador. E ali, o que acontecia: muitos desses
gestores de equipamento tinham dificuldade de conhecer o gestor do CEU como
alguém que coordenava tudo aquilo. E aí, quando montavam reuniões para discutir
as políticas gerais para aquele CEU, alguns gestores boicotavam, não participavam
da reunião, não reconheciam a orientação do gestor e, portanto, havia ali uma
situação de dificuldade de gestão, este foi um dos limites.
[...] boa vontade política das pessoas. Tá certo! Pode ser uma ingenuidade. Porque
dentro de um Projeto dessa magnitude, pensamos numa série de questões e isto
ficou... Agora, ficou por uma questão de princípio político, porque se a gente
montasse esses cargos, todos como sendo de indicação e confiança, você correria
muito mais rápido com o tempo. Só que, por outro, lado o que você iria criar? Você
iria criar uma espécie de escolas modelos, ilhas de excelência, que era exatamente o
que a gente não queria.
Pode-se concluir, pelas informações prestadas pelo Entrevistado G1, que na gênese do
modelo CEU, contou-se de antemão, com a boa vontade política dos gestores das escolas, que
empiricamente, não foram capazes de responder ao ponderado.
Os CEUs dispõem de diferentes departamentos, chefias e hierarquias atuando em seu
interior, necessário foi pensar em um momento em que se reunissem os gestores, de modo a
alinhar as estratégias para resolver problemas estruturais, verbas e normativas, o Colegiado de
Integração. Outra instância é Conselho Gestor, que é deliberativo e envolve um público muito
maior, segundo o Entrevistado G2, o Conselho Gestor seria democratizante:
Porque todas as nossas decisões, elas são compartilhadas pelo Núcleo de Educação,
pelo Núcleo de Esportes, que compõem a gestão do CEU. Todas as decisões são
compartilhadas em volta da fogueira, falando metaforicamente. Isso reforça o nosso
espírito de equipe. Se a gente acerta, a gente acerta junto. Se a gente erra, a gente
erra junto.
para todos os participantes. Segundo o Entrevistado G3, o “Conselho Gestor do CEU decide
os caminhos, o que será feito ali, se vai ser emprestado, se não vai ser emprestado, se vai ter
grupo de teatro, se não vai ter. Então, isso é totalmente pautado na literatura freireana”.
O Entrevistado G2 se referiu ao acolhimento dos movimentos sociais no interior dos
CEUs, no primeiro momento, e seu distanciamento no governo seguinte: “Os movimentos
sociais aqui para dentro. [...] a rede de proteção social no entorno do CEU, que hoje é
acolhida dentro do CEU e na gestão Serra/Kassab, não. Eles não tinham voz”. O Entrevistado
admitiu que este distanciamento vem se estendendo por longo tempo:
Agora, tenho que admitir que nesses últimos oito anos, uma das coisas que
penalizou o projeto CEU, foi ele se voltar para dentro de si. Nessa gestão
Serra/Kassab, ele ficou como um tipo de “escolão”. Não abriu mais as portas para a
comunidade. O Conselho Gestor já não opinava. Os movimentos sociais já ficaram
fora do CEU. Eles não podiam opinar sobre a educação dos filhos, sobre nada, na
verdade, ele era voltado para dentro.
No Governo, foi discutido o risco de começar uma obra cara que você põe dinheiro
público e os outros pararem a construção e você teria vários elefantes brancos pela
cidade, obras semiconstruídas e com um desperdício enorme de recursos, então,
discutiram de não iniciar, deixar tudo pronto, deixar todas as áreas, tanto que todos
os terrenos estavam já pagos, quando eles chegaram estava tudo em ordem, teve
uma única área que eles mudaram que é o Jardim Três Marias, se não me engano,
em Santo Amaro, porque nós negociamos com um terreno muito grande, ele tinha
sido comprado por várias famílias, que o pessoal faz cooperativa, nós compramos
deles para que comprassem outra área e nós construiríamos o CEU.
Ficou tudo centralizado na Sala CEU. E a Sala CEU começou a gerir a política
intencional de desconstruir tudo aquilo que nós construímos nos últimos quatro
anos. O que é? Afastar os movimentos sociais de dentro dos CEU. E as pessoas que
vieram gerir o equipamento CEU, não tinham mais o perfil de lidar com a
comunidade. Serra/Kassab, não. Era um cara que eles colocavam lá, sem perfil,
alguém que tinha que se reportar apenas à DRE (Diretoria Regional de Ensino).
Sala CEU manteve o controle central do Programa CEU. Em seu começo, era apenas uma sala
de nove metros quadrados, como informa a Entrevistada G3:
O que acontece? Eles tinham um trabalho que chama Programas Especiais. Que é
tudo isso que eu falei para você, que é assim: tudo o que ninguém sabe o que é, é
aqui! Então, todos os Programas de Saúde de outras secretarias, da Secretaria do
Verde, todos esses outros programas vêm pra cá, aí surgiu o CEU. Isto já existia,
surgiu o CEU, aí dentro desses programas especiais, fizeram uma salinha para
organizar o CEU, comprar móveis, organizar a formação dos profissionais, esse
lugarzinho começou a chamar Sala CEU e era aqui dentro desse quadradinho aqui de
três por três. Então, o que aconteceu? Os CEUs foram tomando conta e importância,
e tudo isso aqui ficou sendo conhecido como Sala CEU.
Questionada se a Sala CEU foi criada para centralizar todas as ações dos CEUs e se,
por isso, teria o caráter centralizador, a Entrevistada G3 respondeu que:
[...] aqui é política norteadora, não é centralização, é uma coisa muito fechada,
autoritária, aqui a gente discute as políticas norteadoras pra os CEUs. Aqui as
pessoas têm um pé no que tem que fazer, não é centralizado: - “Oh, vai é isso,
isso...”. Não! Você tem um norte e esse norte que nós temos aqui é a formação,
discutindo aqui algumas questões para que o CEU possa se desenvolver. Então, é o
norte, não é a centralização o que comanda os CEUs, mas sim o norte para que se
crie o novo.
Na afirmação da Entrevistada G3, a sala CEU daria o norte que os CEUs deveriam
seguir como uma rede homogênea, que seria uma espécie de controle que, entretanto, não
suprime o caráter autônomo das instituições. Segundo a entrevistada, é preciso ter uma
direção, caso contrário, afirmou a entrevistada:
Porque eles perderiam a unidade, que não pode perder. Não é porque o CEU é na
Brasilândia ou em Paraisópolis que ele pode, cada um fazer o que ele quiser. Eles
podem, mas eles têm que ter princípios e linha de ação juntos, porque eles fazem
uma ação para a Cidade de São Paulo. Então, eles não podem fazer, cada um, do
jeito que quiser. Tem um mínimo dos princípios que precisam ser pautados sempre,
então, é isso que a gente tem que fazer.
gente vai se responsabilizar também. E criar uma relação de bens patrimoniais, para
a gente saber onde estão as coisas.
No que concerne à autonomia de uma unidade CEU, o que fazer se não há recursos
financeiros para administrar? Responde o Entrevistado G2:
O gestor não tem autonomia de pedir tantas verbas assim para manter a
funcionalidade do CEU, muito difícil essa parte de síndico. Isso incomoda muito. A
gente... Eu acho, inclusive, que nós tínhamos que nos preocupar mais com o Projeto,
com o conceito dessa educação libertadora e a gente perde muito tempo com
isso.[...] a gente perde muito tempo com esta questão do gestor síndico do cano
quebrado, com aquele que está vazando, com a limpeza e muitas questões
burocráticas que emperram um pouco. É pouco o tempo que a gente tem para
desenvolver projetos. Eu acho que a gente tem que avançar. [...] Essa é uma das
coisas que me incomoda demais: o lado síndico do gestor. A gente perde muito
tempo com isso. Por exemplo, entupiu um cano da EMEF. [...] a privada entupiu,
acabou a água, isso é tudo obrigação do gestor. A gente perde muito tempo.
Então, essas políticas é que sim, elas foram descontinuadas pelo Serra e Kassab, de
quebrar esse suporte, ele tirou a Secretaria da Cultura e de Esportes de dentro do
CEU. Isso foi um prejuízo muito grande, porque como ele é um polo cultural, eu não
posso pensar que eu, como professora, vou dar conta de uma política cultural. Eu
posso dar conta de uma política de esportes, porque fora o que eu faço na escola, o
CEU tinha que pensar nessa integração desses alunos, mas de toda a comunidade e
dos outros alunos, então, eu preciso ter um conjunto de profissionais que deem conta
dessa proposta. Não posso achar que eu sozinho com a formação pedagógica para
dentro da escola, vou dar conta dessas políticas.
[...] eles assumem, eles percebem que a população tinha se apropriado disto,
especialmente, a população da Periferia. [...] as pessoas dizem, tem um exemplo,
que eu nunca esqueci, que o sujeito fala assim: “Eu vou dar um exemplo para o
Senhor entender o que significa o CEU para nós: É como alguém que bate de porta
em porta pedindo pão, cada porta que nós batíamos era um governo que entrava, e a
gente suplicava um pão, até que entra alguém, que não só oferece o pão, mas nos
chama para possamos comer juntos e nos convida para sentar à mesa.”
José Serra queria ser candidato a governador e, segundo a Entrevistada G4, “viu que na cidade
isso dele não ter dado continuidade foi um prejuízo muito sério”. Sobre as inaugurações do
Prefeito José Serra, a Entrevistada G4 lembrou-se de detalhes complementando as
informações:
Isso mesmo era a escola e todo o resto tudo em construção, ele inaugurava e o resto
estava tudo interditado. É isso mesmo, agora, eu me lembrei disso. Ele só começou
por causa dessa questão, que ele queria ser candidato a governador e ele viu que na
cidade, isso dele não ter dado continuidade, foi um prejuízo muito sério....
Quando o Serra ganhou, e ele falava que não iria fazer CEU de jeito nenhum, porque
ele criticava muito, esse pessoal invadiu o terreno e o Serra não conseguiu tirar
porque foram parar lá duas mil famílias e não tinha como tirar as pessoas. Então, ele
fez em outro local próximo, na Zona Sul, em um bairro próximo ao Três Marias,
mas os outros, todas as áreas que indicamos foram que viraram CEUs.
A partir das afirmações da Entrevistada G4, percebe-se que o Programa CEU foi
continuado, mesmo a despeito de o novo prefeito insistir que não retomariam as obras, o que
pode ser confirmado nos discursos dos Entrevistados G1, G2 e G4, em que afirmaram que
houve continuidade do Programa durante os Governos Serra e Kassab, apesar da imposição de
algumas intervenções:
261
O custo e o custeio podem vir a ter grande peso nas decisões administrativas de um
governo. Enquanto o custo se extingue com o fim da obra, o custeio se refere à manutenção
dos prédios, pagamento de funcionários e professores, que se inicia com a inauguração e se
mantém como despesa fixa ao longo do tempo. A própria manutenção de elevador e piscinas
tem custo fixo, bombas, máquinas e mobiliários, se vierem a estragar, representam despesas
extraordinárias. Uma das principais críticas ao Programa CEU foi o custo da obra e do
custeio. Questionada se haveria comparativo entre o custo envolvendo as duas fases CEUs, a
Entrevistada G4 respondeu que:
O custo do CEU, na época dele, ele pagou quarenta, cinquenta milhões, você
aplicando a inflação, se tivesse seguido nosso parâmetro, seria muito melhor do que
ele pagou, eu não sei se isso eu coloquei na tese, mas senão, eu vou ter o quadro
comparativo. O dele é muito mais caro com muito menos coisas do que o nosso.
Porque os nossos dezessete milhões envolviam o terreno, o dele não envolvia porque
a gente já tinha pago e ele gasta na construção. Ele pagou muito mais. Tem o estudo
que o professor Amir Kair, economista, fez, ele fez até para o PNUD, depois, o Kofi
Annan [Secretário Geral da ONU] veio visitar, ele foi conhecer o CEU, ele pediu
para fazer uma pesquisa para ver o impacto dos CEUs. Ele encomendou duas
pesquisas, uma para ver se tinha o impacto na educação, foi o pessoal da USP que
falou que não dava em tão pouco tempo para ter o resultado que eles queriam que
medisse e o Professor Amir Kair para fazer o estudo de custo, ele foi secretário de
finanças da época da Erundina, é professor da GV, ele fez essa pesquisa, eu vou te
mandar o trabalho dele. Ele mostra o que o custo do CEU, a obra, talvez fosse mais,
mas o custeio era muito menor do que o de uma escola tradicional. O custeio do
CEU, pela quantidade de pessoas envolvidas no atendimento, o custeio era muito
menor. Ele fez uma análise de todo o orçamento de pessoal de contrato de limpeza,
ele fez tudo no estudo, isso mostra que essa afirmação do Serra é completamente
torta, enviesada.
A Entrevistada G4 afirmou que o maior custo dos CEUs no Governo Marta foi da
ordem de dezessete milhões de reais, incluindo o custo do terreno e que os CEUs construídos
262
no Governo Serra/Kassab teriam chegado a cifras que se aproximaram dos quarenta milhões
de reais, excluído o valor do terreno, pois todos haviam sido comprados na Gestão Marta.
As mudanças arquitetônicas executadas nos novos equipamentos, inaugurados no
Governo de Gilberto Kassab, foram projetadas ainda no Governo de José Serra, algumas
reportagens dão conta de que Serra desejava economizar, demonstram que modificações
estruturais criaram edifícios térreos e, com isso, se economizaria no custeio de elevadores,
este foi um dos fatores que contribuíram para a concepção de prédios horizontais, que
inclusive, ocupam maiores terrenos.
A instituição de um governo popular participativo pode dar margem a colocações de
que os CEUs teriam sido concebidos através das assembleias dos Orçamentos Participativos,
entretanto, é possível localizar tanto no programa de governo como no discurso de posse da
Prefeita Marta, conteúdo que aponta para o que viria a ser o CEU, segundo a Entrevistada G4,
o nome da instituição só veio a surgir depois, e que o programa e o discurso de posse
apontavam para as questões da educação e melhoria da infraestrutura e outras opções para a
criança. Entretanto, malgrado as correntes em contrário, que afirmam que os Orçamentos
Participativos não são nada democráticos e que comprovam que há um jogo de forças das
entidades para atrair os investimentos para suas regiões, a instauração do Orçamento
Participativo, composto por um Conselho formado por representantes das comunidades e das
entidades regionais pode ser encarado como uma lição de democracia, que representaria a
presença de um partido de centro esquerda no poder, que delega ao povo a responsabilidade
dos investimentos em prol da melhoria da qualidade de vida e inclusão social em sua própria
região.
A escolha da localização dos CEUs obedeceu a critérios vários, não se estabeleceram,
a priori, durante a concepção do partido e de governo e que foram apresentados a posteriori às
comissões de Orçamento participativo e, em seguida, levados às regiões onde seriam
implantados para determinar localização definitiva dos terrenos. Segundo a Entrevistada G4,
entre os critérios propostos, estavam os baixos IDH, na ocasião, estava em curso uma crise
econômica, entrou o número de jovens desempregados, foi também estabelecida e
considerada uma pesquisa na cidade sobre a oferta de equipamentos públicos culturais,
esportivos, educacionais, teatro, cinema, piscina e centros esportivos. Nas palavras da
Entrevistada G4: “Onde faltavam equipamentos de esporte, lazer e cultura a gente pegou
vários critérios”. Outro critério considerado foi a centralidade da localização do CEU e
referência às escolas do entorno, ou seja, à “rede [...] de escolas (entorno)”, para as quais e
para a comunidade o CEU, segundo a Entrevistada, não poderia ser visto como uma escola.
263
Só teve uma mudança [...] Nós licitamos quarenta e cinco CEUs, e nós demos início
de obras para os que já tinham regularizado o terreno, estava desapropriado, era de
posse da prefeitura e tudo, nós terminamos de inaugurar em maio de 2004, não
demos início de obra dos outros vinte e quatro, porque já estava certo de que o Serra
era candidato e ele estava batendo, falava que não iam construir os CEUs.
Durante a investigação, surgiu a dúvida se do custo total da obra recaiu sobre os cofres
da Secretaria de Educação, incluindo custo da estruturação urbana em torno dos CEUs, e se o
aumento da destinação de 30% para 31% do orçamento do Município para aplicar na
Educação, aprovado pelos vereadores, teria relação com a construção dos CEUs, sobre este
264
[...] a parte de construção dos CEUs saiu toda do recurso da Educação. A parte do
entorno, para nós implantarmos o CEU, o que fazíamos? Como era uma das
principais políticas da prefeitura e porque entendemos isso também, juntávamos,
falávamos, aqui vai ter esse equipamento, e chamávamos a secretaria de transporte,
de obras, infraestrutura urbana. Juntávamos todas essas secretarias, que deveriam ter
alguma ação no bairro, juntávamos e organizávamos, a partir do CEU, o que
iríamos fazer no entorno, então, não saiu dinheiro da educação para isso, para abrir
rua ou asfaltar, fazer pontilhão em lugar que não tinha, passarela, iluminação, linha
de ônibus, para facilitar a chegada das pessoas, isso saiu das outras secretarias.
O entrevistado G2 explica que a escolha dos terrenos dos CEUs se deu mediante
critérios bem definidos, de forma a levar mudanças importantes para o local.
A diferença é que os vermelhos que são da primeira etapa, esses da primeira etapa,
eles são com quatrocentos e cinquenta lugares no auditório com sala de balé, sala
multiuso, vários outros espaços que não existem aqui. Então, esse aqui tem
cinquenta por cento da qualidade desse outro.
Todos os CEU atendem à comunidade, o entorno. Mas o número de lugares é que é
diferente. Por exemplo, o CEU dessa gestão Serra/Kassab tem cento e oitenta
lugares, o teatro e o da primeira etapa, quatrocentos e cinquenta. Então, é muito
diferente. É mais do que o dobro. Então, os CEUs da primeira etapa, com certeza,
atendem mais. Mas os outros também atendem. Hoje, estão superpopularizados,
portão aberto, todo mundo usando.
26
Veja Figura 2: Mapa com a localização dos 45 CEUs em São Paulo.
266
Outro fator de mudança relevante vem a ser o espaço destinado ao teatro, cinema e
palestras, que no primeiro conceito, era considerado adequado ao público externo dos CEUs,
e na segunda versão, convergiu para o atendimento interno das escolas e do próprio CEU,
uma vez que perdeu em dimensão e conforto.
Ainda, de acordo com G4, tais mudanças provocaram problemas de acesso à biblioteca
e ao telecentro, pois os mesmos ficaram distantes da entrada da instituição, o que pode ter
provocado a diminuição da procura desses equipamentos por parte do público externo, neste
sentido, haveria a desqualificação ou a descontinuidade perpetrada pelo Governo Serra e
Kassab.
A mesma entrevistada alude ao belo componente arquitetônico em forma cilíndrica, do
primeiro modelo do CEU, destinado à creche, naquela concepção, as crianças ocupam o piso
superior, que é revestido por enormes vidraças que circundam o edifício, a partir das quais se
pode admirar a beleza da vista do bairro e também divisar as pessoas que frequentam os
outros ambientes do equipamento. Como as vidraças vão até o chão, até mesmos as crianças
muito pequenas podem treinar sua visão e espairecer com suas descobertas visuais. A parte
inferior dessa construção que também se assemelha a um cogumelo é destinada ao espaço
lúdico onde as crianças podem brincar e se relacionar com o ambiente e tomar banho de sol.
A este setor, a Entrevistada G4 se refere, em suas palavras, “no redondo que é a creche, o
pessoal tinha os janelões, problema de segurança e não era, porque a gente olhou tudo na
ABNT, as crianças tinham que enxergar, pelo tamanho delas, o que estava lá fora e serem
vistas”, por outro lado, se refere às ações do governo que sucedeu o seu, em suas palavras em
tom de crítica: “a creche e o espaço lúdico, [...] fechar em torno do redondo, porque a questão
da segurança, [...] fez meia parede, que quebra a concepção, [...] meia parede [...] o
pequenininho não enxerga.”, no entanto, a entrevistada relativiza a questão das cortinas, que
por sua vez, também interrompem a visão das crianças, “as cortinas [...] problema de sol, eu
acho que até talvez tenham razão”.
A referida entrevistada explica que “conviver com esse [...] com o bebê da sala do lado
[...], crianças maiores respeitarem os pequenos”, ou seja, ao conviver com outras crianças, a
criança aprende a respeitar, entretanto, segundo a entrevistada, ao cercear o convívio, “Ela
cria só com a sala dela [...] pertencimento, a [...] convivência, nisso aqui não se realiza”. Estas
palavras de clareza tão singular representam o mais básico do conhecimento sobre a cognição
que é a facilitação dessa, pelo estímulo que só o convívio com o outro pode ofertar, neste
sentido, a compartimentalização da instituição vocacionada para a aprendizagem que se funda
mediante o convívio para além das matérias formais, que se denomina como conteúdo não
formal, desencadearia fatores de descontinuidade, como a própria colocação de cortinas nas
salas de aulas da creche, em que a proposta original era que elas pudessem ver, através das
268
janelas, o que há no entorno, nas palavras do Entrevistado G1, “a gente não colocava cortinas
dentro das salas de aula. Porque essa é a ideia da interação interno-externo e tal. Eles colocam
persianas, cortinas”, já seria um bom exemplo de descontinuidade não só espacial como da
proposta pedagógica.
Sobre a Educação Infantil, nos edifícios do Governo Marta, as crianças teriam mais
liberdade em seu convívio, pois há um enorme corredor interno em que as crianças podem ser
vistas e se relacionar com as pessoas de todas as idades, nos edifícios construídos no Governo
Serra e Kassab parece ter havido um cerceamento dessa liberdade: para cada sala de aula foi
criado um cercadinho, de modo que a crianças ficassem confinadas e tivessem um maior
controle de cada uma delas. Segundo a Entrevistada G4:
Você pega a área de educação infantil, no novo prédio, que são esses prédios todos
do Serra e do Kassab. Aqui está a sala, aqui eu tenho um cercadinho para tomar sol,
então, a criança na nossa concepção, a porta aqui e ali tinha que andar naquele
corredor imenso, ele tinha que circular, não, a criança tinha que tomar sol aqui,
então, eu fico aqui e aqui. Um chiqueirinho e ganhou outra dimensão.
A catraca continua lá, mas nós desativamos. O que a gente entende? Que o CEU não
é um lugar para você ser barrado na porta. Você não é suspeito primeiro. Você não
pode ser uma pessoa suspeita, só porque você chegou à porta, você tem que entrar,
se acontecer alguma coisa a gente vai encaminhar. Mas você não pode ser, a priori,
suspeito. A priori, você não é bem-vindo. Todo mundo é bem-vindo. Todo mundo
vai entrar. Todo mundo no CEU está, inclusive, escolas, todos, tá todo mundo
absolutamente pautado na observação dos caminhos das pessoas que estão lá dentro,
porque nós temos crianças, filhos dos outros na nossa responsabilidade e a gente tem
um monte de gente andando e se divertindo lá dentro. Então, tá todo mundo olhando
todo mundo, mas não olhando como suspeito, olhando com cuidado, para que as
pessoas possam ficar ali felizes.
Todas essas críticas podem ser acatadas, mas por sua vez, não podem representar um
momento de intensa descontinuidade, afinal, as pessoas que impuseram tais grades, meias
paredes e cortinado tinham uma razão importante para fazê-lo, pois sendo profissionais
preocupados, jamais iriam investir recursos escassos em intervenções desnecessárias. As
razões que envolvem a segurança em uma unidade escolar é dever de todos, entretanto, os
maiores responsáveis em uma instituição tradicional são os gestores, que devem responder por
um ocorrido em todas as instâncias. É um fato que remete para a Entrevistada 3, que em seu
discurso, entende que o gradeamento da instituição foi necessário por razões de segurança e,
às vezes, por solicitação dos próprios usuários.
Entretanto, o gradeamento e a consequente compartimentalização do conjunto
arquitetônico concebido para ser aberto, implica perdas importantes do ponto de vista
pedagógico. De acordo com o Entrevistado G1:
[...] separam os ambientes. Que antes era a ideia da integração, da circulação. Eles
vão gradeando. Você olha, por exemplo, um CEU que está aqui perto da gente que
foi um dos últimos a ser inaugurado, fica aqui no Parque Bristol, CEU Parque
Bristol. Dá pena de olhar aquilo, é tudo gradeado. É completamente contrario à
ideia. A ideia era não ter grade dentro dos CEU.
Não! Não pode deixar! Porque pode sumir criança, pode... Isso nunca aconteceu.
Durante os dois anos, muito pelo contrário, nós vemos problemas... Eu digo isso,
depois, porque eu exerci o cargo de supervisor escolar, quando isto foi... Quando
eles proibiram esta circulação.
Segundo o entrevistado G1, a “ideia era que o CEU fosse aberto mesmo. E a
comunidade estivesse dentro dele se apropriando, que tivesse contato de gerações, portanto,
nós íamos num caminho contrário do Estado”. A argumentação do entrevistado é de que, “na
270
verdade, estas crianças não são separadas no contexto social delas. Portanto, a escola tenta
trazer este contexto social. Tem que propor esta convivência entre as diferentes gerações”.
Portanto, segundo o Entrevistado G1, as “pessoas que atuavam como educadores têm que ser
facilitadores e, ao mesmo tempo, orientadores desse processo de relações. Por isso, a
comunidade circulava mesmo. Então, você tinha pai, você tinha irmãos mais velhos, você
tinha... Tudo isso circulando nos espaços coletivos, comuns”, ponto que é atestado pela
argumentação da Entrevistada G4 sobre o cerceamento espacial:
Fechar os portões para eu ter que me identificar para entrar em uma praça. Não
existe isso, se a concepção é uma praça, um espaço de convivência, eu não posso ter
nenhum impedimento. Eu fecho os portões e autorizo a pôr grade em volta do prédio
da escola. Grade e portão, o que é uma coisa maluca, se eu quero a convivência
intergeracional.
Deve-se pensar com antecedência na questão da segurança para que não hajam
ocorrências desagradáveis, para isso, a presença de salva-vidas nas piscinas é condição sine
qua non para que as mesmas possam ser frequentadas. Da mesma forma, a exigência do
exame médico para a frequência da piscina, que era obrigatório deixou de ser, entretanto,
outras exigências permaneceram.
Os CEUs foram criados com a vocação pela educação não-formal, a ser desenvolvida
nas diversas práticas nos campos da cultura, esporte e educação, a instituição abrange a
educação formal que é ministrada em suas escolas internas. Uma vez administrados de acordo
com os ideais primordiais, os CEUs seriam reconhecidos por oferecer alternativas à educação
271
...porque eram muitas tarefas, e nós precisávamos de apoio para fazer, porque a
secretaria estava envolvida não só com os CEUs, mas com outras mil escolas, nós
tínhamos um milhão de alunos, então, você tinha que ter suporte, mas não foi só
para o CEU. A formação era para toda a Secretaria, o IPF levou a proposta e fizemos
nas escolas o Orçamento Participativo da Criança, fizemos em todas as escolas de
ensino fundamental, foi muito legal o processo, usamos o CEU como polo.
Não era só a FIA. Nós contamos com a FIA, Cenpec e IPF, pois era um projeto
novo, um equipamento muito diferente de uma escola, e nós estávamos vendo o que
seria gerir, porque pensamos na concepção do que seria, mas o nosso conhecimento,
27
Fundação Instituto de Administração (FIA) é uma entidade privada, criada em 1980. Mas sua origem remonta
ao Instituto de Administração (IA) e ao Fundo de Pesquisa do Instituto de Administração (FUNAD), criado em
1959, ligado à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA
USP). A FIA desenvolve projetos de treinamento de executivos e consultoria para empresas públicas e
particulares, além de estudos e pesquisas. Informações prestadas por www.fea.usp.br/administracao/fia.
272
A FIA foi contratada para capacitar gestores que atuariam em uma instituição diferente
das escolas em que pesam os fatores da intersetorialidade e da participação democrática. A
participação do processo de formação do gestor ligado às questões sociais, que traz a
comunidade para participar, dependeu de avaliação final de cada participante que seria
submetida aos Coordenadores de Educação das Subprefeituras. Segundo a Entrevistada G4:
A FIA, depois disso, ficou como suporte para esse gestor, para ir identificando as
necessidades, o que estava faltando: nós tínhamos que criar o regimento, tínhamos
que criar o manual de funcionamento. Porque entramos no equipamento e não tinha
nada pronto, nem estrutura, falamos: Nós vamos entrar sem a estrutura, vamos
discutir um ano para elaborar, qual é a estrutura que o CEU quer, o que vai ter de
regimento, quais são os manuais de orientação administrativa para gerir aquele
equipamento colocando responsabilidade nos indicados, então, a FIA entrou com
suporte nisso.
O Cenpec cuidava de uma parte de formação e uma parte o IPF, mas de formação da
equipe pedagógica das coordenadorias de educação, nós falamos que era a formação
dos quinhentos, porque a cada quinze dias nós tínhamos um encontro com as
equipes pedagógicas de cada coordenadoria e o pessoal que estava indo para o CEU,
para debater o que era não só o projeto, mas pensar o planejamento da secretaria.
Rever as propostas educacionais era um processo de formação contínua de formação
e trabalho e o IPF ele entrou na questão que é mais cara para nós que é a questão da
participação, então, como motivar essa coisa do conselho gestor, tanto que a
responsabilidade maior pela formulação do regimento ficou com o IPF, para nos
garantirmos, queríamos ter garantia da forma de participação das pessoas.
[...] não fizemos nenhuma formação específica para quem ia trabalhar no CEU, nós
tivemos um programa antes que chamamos de vivências culturais, nós fizemos para
quatro ou cinco mil professores, na área de todas as linguagens culturais. Mas não
era para o professor de educação artística, interessava trazer os outros professores,
para eles começarem a ver que outras linguagens poderiam ser utilizadas dentro da
sala de aula ou num outro espaço, que linguagens eles poderiam trabalhar para poder
melhorar essa relação professor – aluno e como despertar a curiosidade, melhorar
este impacto na qualidade, como ele se dá.
A Entrevistada explica que, embora pudessem ter pessoal capacitado para dar início às
atividades dos CEUs, calcularam que poderia não ser possível à SME, sozinha, apresentar ao
público e colocar em funcionamento as aspirações do governo em relação à instituição, assim
28
Foi ensejada a participação deste pesquisador em um dos eventos no ano de 2016.
274
Mas você precisa estar no CEU para fazer isso? Não, eu posso trabalhar minha aula
de forma diferente, eu posso usar outra linguagem, sem ser papel e caneta, e teve
trabalhos belíssimos. Teve escola em que a diretora, a coordenadora, mais o
professor fizeram vivência do segundo e a proposta era formular um projeto e eles,
ao final do curso, fizeram o projeto político-pedagógico da escola, para implantar na
escola. Era muito legal, o pessoal tinha aula de arte dia de domingo e ia. Porque nós
não deixávamos sair em horário de serviço, porque senão o aluno ficava sem o
professor. Então, as condições que davam eram para tudo. Mas assim era uma
semana de imersão nas férias, eram quarenta horas e, depois, era sábado e domingo
durante seis meses, foi uma coisa muito importante, é uma coisa que causou um
impacto muito grande.
Os alunos não podiam ficar sem professores, que foram capacitados durante as férias
em imersão de quarenta horas, e aos sábados e domingos, tendo sido uma coisa muito
importante, para trabalhar sua aula de forma diferente, utilizando outra linguagem, sem ser
papel e caneta, explica a entrevistada. Os debates e aprofundamentos sobre Milton Santos e
Paulo Freire levaram aos professores a possibilidade da incorporação do conceito do
pertencimento e de outra leitura de mundo. Segundo a Entrevistada G4, quando se fala em
CEU, não se trata da parte visual da edificação:
Então, quando você fala no CEU, o que visualizamos é o prédio, mas não foi só o
prédio. O mais importante é o que está para você poder entrar lá. Nessas concepções,
nos debates, de você aprofundar o Paulo Freire. Dos professores terem
conhecimento das coisas do Milton Santos, para entender o que estávamos falando
de pertencimento, mesmo para entender o que o Paulo Freire falava da leitura de
mundo, a importância de você conhecer o entorno.
De acordo com a mesma, os CEUs não podiam ser vistos como instituições separadas
do cotidiano escolar, deveriam, sim, ser vistos como polos, que atraíssem as pessoas,
inclusive, de outras escolas. Para isso, foi disponibilizado transporte escolar.
275
[...] tem cultura, tem teatro, tem cinema, tem esporte das mais variadas modalidades,
“linkado” com o processo pedagógico das unidades que existem aqui no CEU: nós
temos uma CEI (antiga creche, hoje se chama CEI – Centro de Educação Infantil),
temos EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) e temos uma EMEF (Escola
Municipal de Educação Fundamental). Imagina você “linkar” toda essa construção
cultural, esse apelo através do esporte e cultura que são meios privilegiados de
educação com o Projeto Pedagógico da Escola, isso significa ou ressignifica e
desperta nos educandos da escola a grande aventura que é aprender.
O referido participante não compreende que a escola seja capaz de sozinha gerar
mudanças significativas no currículo pelas pressões exercidas. Entretanto, entende que ela
pode ter avanços, se tiver a participação da comunidade. Em sua experiência, o entrevistado
reparou que em decisões desafiantes em que a gestão do CEU se viu insegura, o Conselho
Gestor foi capaz de apoiá-la.
Quanto às aspirações em relação ao CEU se tornar um centro de referência e difusão
cultural, G1 afirmou que esta característica poderia ser aprimorada se o currículo gradeado
fosse rompido, na prática freireana denominada extencionismo:
276
A ideia era a gente conseguir constituir ali um polo de desenvolvimento local. Esse
polo de desenvolvimento local tinha a ver com uma difusão cultural, etc. Por isso, a
ideia era conseguir romper com a ideia de um currículo escolar, fundamentalmente,
gradeado, em que você tinha lá, determinadas disciplinas definidas externamente,
com conteúdos definidos externamente, numa prática que o Paulo Freire
denominava de extencionismo, ou seja: eu vou, e vou revelar a verdade para estes
sujeitos com uma desconsideração da identidade local, numa desconsideração da
identidade dos frequentadores do Centro Educacional Unificado, bem como de seus
familiares.
[...] a gente entende que nosso papel não é aumentar o valor. A gente entende que os
valores que as pessoas têm são importantíssimos. O que a gente coloca é repertório a
mais, para que a pessoas consigam comparar, pensar, refletir. Pode até ser conduzida
uma conversa, mas a gente não entende que nós temos os valores bons, e que vamos
lá para levar os valores bons, não.
Entendemos que os deles são ótimos, temos que levar outros para compor com o que
eles têm para verem se é bom ou ruim. Entendemos que, muitas vezes, não é por a
pessoa não saber ler e escrever, que não é o caso da população, que tem pessoas que
não sabem ler e escrever, mas não é geral, que por isso, ela não tenha competência
para escolher os seus rumos. Saber ler e escrever é uma condição que pode acontecer
ou não, mas que não é determinante. Determinante para nós é que a pessoa tenha
direito de falar e ser ouvida.
É um equipamento em busca da igualdade, é isso que nós somos. Tudo o que se faz
lá: cultura, esporte, educação é pra quê? – Igualdade. Nosso termo, nossa busca é
que as pessoas tenham igualdade, que elas não sejam piores porque moram na
periferia[...]“Olha: aí não é o seu emprego, aí é uma causa social, que é seu
emprego, mas em segunda importância, nós desenvolvemos uma causa social, que é
o quê?
As pessoas favorecidas, normalmente, têm acesso aos bens culturais e esportivos, que
as pessoas da periferia não dispõem, não só por sua condição financeira, como pelas
277
É uma Educação que não visa só dar conteúdos, mas que esse ator, esse cidadão que
passe pelo CEU, ele seja um cidadão de fato, não só com uma formação em si, uma
formação educacional. O que é educacional? É você ter abrangência de que todos
são educadores aqui. Até a pessoa que serve a merenda é educador, o cara que
transporta as crianças é educador.
O CEU foi fundado com o “conceito de Educação em uma forma mais ampla, não se
restringindo só à questão do ensino” nas palavras do Entrevistado G2.
As críticas aos CEUs foram muito pesadas segundo os entrevistados, não só durante a
campanha, mas também quando do lançamento do Programa. Segundo o Entrevistado G1, a
instituição recebeu pesadas críticas envolvendo o termo Escolão, assim que o Governo Serra
assume impõe modificações fazendo como que o CEU acabe incorporando o aspecto do
“escolão”, tão criticado por ele. Segundo o Entrevistado, o processo se inicia pela
burocratização do currículo. Sobre as intervenções do Governo Serra, afirmou o Entrevistado
G1: “Eles vão acabar implantando, porque, daí, passa a ser uma escola tradicional, porque
termina com o conselho gestor aberto, passa a ser um conselho de escola mais fechado. Retira
a participação comunitária mais forte. Burocratiza o currículo.”.
278
Segundo a Entrevistada G4: “A principal perda foi essa quebra do trabalho cultural”.
A atuação dos CEUs em áreas de vulnerabilidade social conseguiu ocupar os jovens em suas
diversas atividades, como afirmou o Entrevistado G1: “A gente tira gente da rua. Essas
crianças que ficavam lá vulneráveis nas mãos dos traficantes e começam a ter piscina,
começam ter esporte, começam ter, enfim, outras atividades, os CEUs tinham orquestras,
orquestras!”.
[...] não tinha essa questão do Conselho Gestor para defendê-lo. Isso não foi um
erro, o erro foi o outro governo entrar e destruir tudo. Essa questão de concepção
que o Senador Darci Ribeiro eles poderiam ter percebido no meio do caminho que
poderia ter um conselho gestor. O erro foi a Globo fazer uma campanha contra o
Brizola, destruiu o Brizola, e Moreira Franco se elege, e destrói os Cieps.
O Conselho Gestor é uma importante ferramenta de administração que poderia ter
protegido o Programa Cieps do processo de ruptura que sofreu, conforme afirmou o referido
entrevistado, a experiência que serviu de base para a proposta da gestão participativa, que
279
veio junto com o Programa CEU e que pode ter sido uma ferramenta para blindá-lo contra
possíveis processos de descontinuidade.
Na concepção do CEUs, a atuação de várias secretarias dentro da instituição daria
ensejo à prática da política intersecretarial, introduzida no governo de Marta, uma vez
descontinuada.
A mobilização da comunidade era prática comum durante o Governo Marta, segundo
GP3, o “Conselho Gestor participa dos debates e das discussões para poder estabelecer o que
é bom para o território CEU, para as pessoas que vivem o entorno do CEU é democratizante”,
conforme afirmou GP1:
Atuavam na entidade outras secretarias além das citadas por GP1, por exemplo, o
telecentro pertence à Comunicação Social. A Saúde e a Assistência Social prestam serviços
importantes dentro do CEU, como palestras e emprego e renda.
O Programa CEU, de acordo com o Entrevistado GP1, sofreu “críticas perversas em
relação à manutenção de um CEU. Ora, é uma verba investida e não gasta, é um investimento!
Antes de se falar qualquer coisa em relação à manutenção de um CEU!”.
No Governo Serra e Kassab, a proposta intersecretarial deixou de ser aplicada ou ter a
mesma força. Segundo GP1:
Governo queria desorganizar, desmantelar toda aquela proposta, a começar pela
redução de gastos do orçamento, tivemos grandes prejuízos. Pouco tempo depois, o
projeto intersecretarial já não existia mais, a Educação, a Cultura e o Esporte não
conseguiram mais manter o mesmo trabalho que vinham mantendo, e foi-se pouco a
pouco desorganizando toda a estrutura.
280
No início, o Conselho Gestor teve uma participação quantitativa muito boa, com o
passar do tempo, houve certo descontentamento com as políticas públicas, quando
da mudança de governo e, houve sim, certo esvaziamento. Eu tive a iniciativa de
fazer a provocação: ou nós vamos unir e lutar e a luta será por meio desse fórum, ou
nós vamos nos enfraquecer pouco a pouco e não teremos a mesma força de antes.
Conseguimos, por meio dessa provocação, causar a reflexão e as pessoas da
281
[...] uma situação singular, pois o gestor do CEU não é chefia dos gestores das
unidades escolares EMEF, EMEI e CEI. Ele é gestor de um equipamento, tanto
quanto os diretores das unidades. Diante disso, o gestor do CEU jamais poderá se
colocar num pedestal hierárquico, onde os demais gestores estariam num nível um
pouco mais assimétrico, desigual.
A administração de uma entidade complexa com o CEU é muito difícil, pode ser mais
complicada se não houver destinação de verbas não só para a manutenção, como para a
contratação de espetáculos e outros eventos. A realidade é que nunca foi destinada ao CEU
verba suficiente. Segundo GP1: “Não tínhamos nenhuma verba, para tentar administrar esta
questão, com a gestão compartilhada”. Muitas coisas são mediadas pela sala CEU, como a
contratação de artistas ou licitação para manutenção das piscinas e elevadores ou contratação
dos seguranças. No caso da troca de uma lâmpada ou parafuso, rejuntamento de piso ou troca
do retentor de uma torneira, é preciso que a unidade tenha recursos para fazer frente a essas
pequenas emergências.
[...] conseguimos colocar o Projeto CEU C entre os dez [...] entre os dez projetos do
mundo, isso tem registro do Congresso das Cidades Educadoras realizado na Cidade
de Lion, na França. [...] Veio uma outra notícia de que nós estávamos classificados
para apresentar no salão central com direito à fala, a debate, onde da América do
Sul, estavam selecionado dois projetos. [...] Criou-se uma expectativa muito grande,
nos preparamos assim de uma forma muito grande, porque era a hora de mostrar este
projeto para o mundo. [...] Governo Kassab porque foi o Alexandre Schneider,
Secretário de Educação, que vetou a nossa ida.
O Kassab não tinha feito tantos CEUs. Então, nós estaríamos apresentando a gestão
anterior. Tinha esse subentendido. Ele não tinha inaugurado tantos CEUs. Anos
depois, o projeto foi avaliado por uma comissão internacional, que viu a relevância
da nossa proposta. [...]
A Prefeitura e a Secretaria de Educação tinham que nos autorizar, nós dependíamos
apenas de uma autorização para representar a Cidade. Não podíamos ir lá, por conta
própria, representar a cidade.
Nós continuamos, mas por uma proposta nossa, da nossa casa. Nós ficamos, só para
deixar claro, na gestão Serra/Kassab para manter a originalidade do projeto, por isso,
nós brigamos muito nesses governos. Fizemos muito enfrentamento, porque nós
queríamos, com toda a nossa alma, dar algumas questões do Governo Marta, que
também teve, porque também a gente fica falando que a coisa era mil maravilhas e
não era, é importante que também se diga que teve problemas e que nós apontamos
os problemas, no entanto, nós ficamos para lutar, para manter muita coisa que nós
achávamos importante que foi criado na origem do CEU.
Precisavam ficar pessoas para opor resistência e lutar por aquilo que o CEU trás de
beneficio social para a comunidade. Como garantia, eu fiquei nessa luta: Houve uma
grande mobilização em defesa do meu nome, que tinha sido eleito, em primeiro
lugar na eleição. Depois de muita conversa com as lideranças, o no governo acabou
283
por acatar a proposta da comunidade. Foi um ganho, pois lutamos muito, inclusive
contra esse próprio governo, é uma contradição, mas a contradição é importante. Eu
fiquei como a resistência. O único gestor do CEU que era de uma linha ideológica
diferente ligada à esquerda, especificamente, ao Partido dos Trabalhadores.
O Entrevistado seria o único gestor do CEU oriundo de uma linha ideológica ligada à
esquerda, em seu discurso, percebe-se que havia uma gestão voltada para as práticas iniciadas
com a inauguração dos CEUs durante o Governo Marta:
Eu fui uma resistência para poder não desorganizar as nossas atividades do CEU.
Resistência: Fizemos um grande mapeamento cultural na região para que os atores
locais viessem a ocupar o CEU, atores das várias linguagens das artes, das várias
modalidades do esporte viessem a ocupar o CEU como protagonista. Não esperamos
muita coisa de fora, porque o Governo já não tinha essa intenção. Foi rico! A partir
do momento que começamos a mapear culturalmente a região surgiram muitos
valores, que estavam escondidos na comunidade. Essa situação que nos motivou a
fazer o mapeamento... O que aconteceu foi maravilhoso, esta oportunidade dessas
pessoas virem: “Não! Não vamos deixar o CEU ocioso, parado, vamos movimentar
o CEU”, foi uma época fantástica.
A ação era nossa, juntávamos as lideranças, fazíamos assembleias e definíamos o
que nós podíamos fazer para manter a originalidade do CEU. [...]
Vamos atender à mesma demanda, ou vamos aumentar! Mas como? Com a própria
comunidade. Sempre eu vou encontrar profissionais na comunidade de várias áreas e
que estavam predispostos a tirar algumas horas de seu dia, de sua noite para prestar
o serviço em prol da comunidade. E aí nós continuamos com volume de movimento.
O CEU tem a cara da gestão. Quando o gestor tem essa visão, predisposição e
intenção, as coisas acontecem.
Por conta desses cortes do governo Serra/Kassab... E, agora, o que nós vamos fazer?
A gente foi procurar a prata da casa! [...]
Vamos mapear a cultura local. Isso foi lindo! [...] Foi legal a gente ter o toque do
início, para poder continuar no outro governo com esses cortes: com diminuição de
muitas coisas, mas a gente conseguiu trazer o que estava com a gente em 2004 para
próxima gestão. Acho que isso daí foi importante, porque se tivesse todo mundo, por
que era todo mundo em cargo de confiança, mas efetivo da rede, se todo mundo
tivesse ido embora, ia-se começar tudo de novo. O processo que nós já tínhamos
feito teria que se começar de novo, e aí pode ser que não teriam esses avanços.
Eu fiquei de 2005 até o final de 2007. O CEU sempre teve autonomia, nós lutamos
para isso e conseguimos mantê-la. O que nós promovíamos não precisava passar
pelo crivo da DRE que é a Diretoria Regional de Ensino ou de SME. Não precisava
passar. Chegou o ponto no final de 2007, que começaram tirar essa autonomia de
que todo o evento que acontecia no CEU precisava passar pelo crivo avaliativo se
acontecia ou não.
Eu fiz uma oposição radical. Inclusive me mandaram cortar alguns eventos, algumas
audiências públicas e uma audiência pública no final de 2007, eu resisti e permaneci
com todo o agendamento, acredito que talvez isso tenha sido a gota d’água para que
cessasse, naquele período, a nossa gestão.
Demorou muito tempo para que a centralidade do Governo Serra e Kassab entendesse que
havia um gestor num longínquo CEU que não acatava o ordenamento que vinha do alto. Segundo GP1
na EC, ao entenderem que o gestor manteve a pauta de audiências públicas, o governo optou pela
destituição do cargo de confiança:
Nós entendemos o CEU como um espaço de convivência. Ali, você tem a questão
do ensino. Você tem a Cultura, Lazer. Você tem o Esporte. Coisas que nossas
crianças eram privadas. Porque essa prática você teria que estar ligado a um clube,
isso requer a demanda, a questão financeira, ou você tinha que ir muito longe do seu
território, do seu espaço, para poder ir a um clube que seja público e gratuito, que
não estava em todos os lugares. Eles utilizam o espaço como um local de
“empoderamento” deles mesmos, e é isso que tem que ser. É o território deles e nós
estamos lá para servir. Isso é que acontece.
[...] mudaria a realidade local, e se constatou nas estatísticas. Quando o CEU foi
implantado, já no segundo ano, as estatísticas mostravam uma queda significativa na
criminalidade dessa região, uma queda acentuada, logo após a implantação do CEU
C, uma região de vulnerabilidade, de extrema violência, drogas, foi constatado de
forma muito clara.
As crianças das escolas externas dos CEUs também são frequentadoras assíduas,
dependem, sobretudo, de condução gratuita para levá-las de sua escola para o CEU, é o que
afirmou GP3:
... você tem um CEU num determinado lugar, no entorno, você tem algumas escolas,
estas escolas também utilizam os CEUs, como a comunidade local também se utiliza
desse CEU. Quando têm algumas atividades, estas escolas, elas têm total condição
de ir até lá. Até às vezes, precisa de condução, é garantida esta condução para que as
crianças da escola possam aproveitar este espaço educativo, seja uma peça de teatro,
seja um show, seja alguma palestra, enfim, aquilo que for de interesse que a escola
em conjunto com o CEU possa estar participando.
A Marta assinou um decreto não mais exigindo exame médico para piscina. [...] As
pessoas que vão entrar na piscina... Vai olhar a roupa e olhar se as pessoas têm
condições. Tem gente que chegou com ferida aí, não entra, não pode. Há a exigência
de passar no lava-pés, aqui na região, o pessoal é meio rural, o lava-pés suja mesmo
sabe?! Passa pelo lava-pés e passa pelo chuveiro. É obrigado. Tem sempre alguém lá
fazendo isso esse papel na entrada. Então, a gente não deixa. Jeans não pode entrar.
286
O CEU funciona das sete horas da manhã às onze da noite. Quando nós chegamos
aqui, em 2013, a gestão fechava às vinte e duas horas, o que me deixava
preocupado. Havia a demanda para fechar às vinte e três. Numa reunião, discutiu-se
este assunto e notou-se que os documentos exigiam que fechassem às vinte e três
horas. Houve uma pressão de times de futebol de salão para o uso da quadra. Foi a
gota d’água.
Véspera de natal, natal, véspera de ano novo e ano novo. Só esses quatro dias de
parada. A gente vai até às vinte e três horas, desafoga a quadra, diminuímos a
pressão, pusemos dois times a mais por dia, são dez times de segunda a sexta,
consegue botar um volume maior de pessoas em mais tempo.
O campo é sede de cinco times que joga na região. O horário nervoso do campo é
domingo de manhã. A pessoa chega aqui e quer reservar o campo, não pode.
O espaço do CEU permite relações de trocas de informações e conhecimento. Sobre este tema,
o mesmo entrevistado explica que esta modalidade de convívio é construtiva:
As relações educativas podem ocorrem entre as pessoas que nem mesmo tenham um
vínculo efetivo com a entidade, pois se opera mediante as relações informais. O Entrevistado
GP3 afirmou que a pedagogia se faz na vivência da relação:
Porque nós entendemos que esta questão dos conteúdos engessados, fechados, eles
possam a ser traduzidos como conhecimentos pedagógicos, mas a pedagogia, ela se
faz no viver, na relação, é isso que o CEU proporciona, e é isso que eu acho que tem
que continuar acontecendo.
O CEU tinha uma proposta nas unidades de Educação trabalhar no turno com seus
alunos e os alunos participarem no contraturno de várias atividades, que não eram
privilégio das escolas do CEU, pois o CEU atendia a todas as escolas do entorno. A
proposta era essa: de não privilegiar as escolas internas do CEU, compostas pela
EMEF, EMEI e CEI. Tinha essa preocupação de atender às escolas do entorno nos
seus contraturnos, porque aí a Gestão através dos núcleos de Educação, Cultura e
Esportes, fazia este trabalho oferecendo várias atividades, nas várias atividades de
esportes, nas várias linguagens das artes e em cursos diversos... Reforço escolar,
enfim, tinha toda uma proposta desses três núcleos atenderem no contraturno os
alunos das escolas do entorno.
cinquenta alunos”. Além dessas atividades que são oferecidas mesmo: “Temos aqui uma
voluntária, que dá aula de pintura em tecido, ela está aqui desde 2004. Usa um andar aqui aos
sábados. Ela tem dez, doze alunas, que já estão ganhando dinheiro”.
Sobre o período integral, GP1 afirmou que:
A Prefeitura não tinha, estruturalmente, como manter a criança aqui, uma criança
que entra às sete da manhã e fica até às cinco da tarde, ela tinha assim, por exemplo,
que ela faria a escola dela normal aqui, o fundamental dela, durante quatro horas...
Cinco horas, e depois, ela teria outros espaços, que seria aqui na gestão. Ela sairia de
lá e viria para a gestão aqui no contraturno, mas não é uma questão obrigatória.
O Reforço teria que ser feito lá na unidade. Poderiam até usar o espaço do CEU,
aqui. Mas teria que ser feito por eles. Eu lembro que, na época, eram cinco aulas
diárias, foi criado o sexto momento.
Havia uma discussão, quem assumiria esse sexto momento? [Que era a sexta aula].
Hoje, já tem a sexta aula na Prefeitura. Eram eles ou éramos nós. O professor não
ganhava para isso. E nós também não ganhávamos para sermos professores.
Assumíamos os alunos e ficávamos uma hora-aula com eles, às vezes, fora da sala
de aula, porque não havia essa... Havia o sexto momento que não estava muito
esclarecido, hoje, foi regularizado ao longo do Governo Serra/Kassab e entrou a
sexta aula [no currículo escolar].
29
A esse respeito, leia especialmente o capítulo 2 da Tese de Doutorado de Denise de Almeida Ostler
intitulada Impacto Da Implantação Do Programa Ensino Integral No Atendimento A Alunos Com Deficiência:
Desdobramentos Em Duas Escolas Públicas Da Baixada Santista, 2017, UMESP.
289
No que se refere a esta diferenciação entre período de tempo integral e educação integral GP1
informa que após a entrada do Governo Serra em relação à Educação Integral:
[...] houve uma queda violenta, pois começou a inchar... Trouxeram outra proposta
de educação integral, mas muito atabalhoada, muito inchada, colocando uma
quantidade de alunos por turma absurda... Houve uma desqualificação da proposta
de educação integral. A experiência de educação integral nos Governos Serra e
Kassab foi muito ruim, fraca e sem planejamento.
Os profissionais continuaram os mesmos, mas com a dificuldade material, acaba
interferindo na qualidade do trabalho. A motivação, os eventos toda uma sequencia
de atividades que tínhamos durante o ano acabou diminuindo bastante e pouco a
pouco houve prejuízos em relação ao Projeto CEU.
Aqui temos o Projeto GURI, eles montam uma orquestra dependendo da atividade,
até apresentam para a gente aqui. O GURI é um projeto diretamente ligado ao
governo do Estado. O Governo anterior trouxe o GURI para cá e a gente... Continua
aí. Eles têm seiscentas e oitenta crianças. As atividades do projeto são canto, sopro,
corda e teclado. Não tem percussão. O Guri está dentro da estrutura do CEU, ele não
aparece aqui, mas dentro estrutura da Cultura tem um andar aqui embaixo (depois eu
te levo lá). No ano passado, tivemos que mandar umas informações, eu me lembro
que seiscentas e oitenta pessoas passaram por eles, o ano passado, até dezesseis
anos.
30
O Entrevistado GP2, gentilmente convidou este pesquisador para conhecer as instalações e assistir o
desenvolvimento das atividades do Projeto GURI.
290
Houve uma diminuição importante, assim como a qualidade caiu porque não havia
mais formação de público. Era muito livre no caso das contratações. Poderia vir
alguém maravilhoso, como também poderia vir pessoas sem a qualificação,
causando prejuízo violento na formação das crianças. Isso por si só já é um prejuízo.
Uma enorme falta de responsabilidade.
Mandavam simplesmente uma peça, por mandar, e a escola vinha por vir. Sem
nenhum trabalho de formação... A não ser que a própria escola tivesse a
pré-disposição de fazer isso com seus professores, que, de repente, até acontece, mas
de forma rara. Na maioria das vezes, as pessoas vêm, marcam, agendam e vêm.
Fazia-se um contrato com a ONG e não havia critérios para a contratação de
profissionais.
O grupo Pessoal Técnico é composto por três profissionais que prestavam serviços nas
bibliotecas dos CEUs antes e depois da alternância de poder, entre os governos Marta e Serra
e Kassab. Seu trabalho junto aos frequentadores veio a extrapolar suas responsabilidades, uma
vez que também estavam dispostas a exercer as premissas da Educação não-formal. A
Entrevistada T1 participou de uma entrevista individual, as outras duas participaram da
Entrevista Coletiva. Os trechos considerados relevantes dos dois momentos serão distribuídos
conforme três dimensões, Gestão, Organização Espaço-Tempo e Dimensão Político-
Pedagógica.
Núcleo Educacional, Cultural e Esportivo, então, cada núcleo responde por seu tipo
de atividade aqui no CEU. Cada núcleo é composto por três coordenadores: o do
núcleo e dois de projetos. Este coordenador de núcleo se articula entre esses dois
coordenadores de projetos.
A mudança que teve dos primeiros Conselhos Gestores para cá, é que a comunidade
acabou se afastando, a gente já não tem tanta participação. Diminuiu a demanda das
pessoas que realmente participavam. Hoje, são pouquíssimos que comparecem. A
gente convida com antecedência, vai leva... Mas surgiu o desinteresse.
292
Se a escola quisesse trabalhar com qualquer tema estruturante como centro do seu
Projeto Pedagógico, Ok. O que ela não podia era destoar disso. E, não. Não tem
nada a ver com o projeto educacional do CEU. Não poderia ter essa quebra. Tinha
que estar em torno disso. O Coordenador de Projeto Interno fazia toda essa... Ele
fazia toda a estrutura das aulas... No Projeto Estruturante, tínhamos quatro temas
estruturantes, que dão base ao projeto de educação do CEU, que transcende a
questão do ensino formal, ele permeia e perpassa por todas as áreas do
conhecimento, além da questão do currículo formal. O aluno vem de outra escola
para ter aula de violão, mas, essa aula de violão precisa estar dentro da proposta de
educação, senão se fragmenta. Por exemplo: na questão ambiental, a EMEF vai
trabalhar em um dos temas estruturantes a questão ambiental, então eixo central da
EMEF seria a questão ambiental que daria a estrutura do projeto de educação do
CEU.
O Projeto Estruturante dotaria de coerência a estrutura pedagógica das entidades que atuam no
CEU. Os entrevistados da EC complementam:
Tínhamos as escolas e tínhamos esses vários segmentos para que todos eles tivessem
um projeto, uma proposta: a biblioteca tinha que ter uma proposta pedagógica. A
praxe é que a escola tenha seu PPP. E nós criamos essa... E o Núcleo de Cultura...
Tem o quê? Qual é o documento do Núcleo de Cultura? Tem que ter um documento.
Tínhamos um projeto para ser desenvolvido pelo Núcleo de Cultura, e a biblioteca
pertencendo a esse núcleo também tinha a sua proposta.
Participavam das RPUs todos os segmentos que atuavam nos CEUs, envolvendo mais
de trezentas pessoas, incluindo os participantes do Colegiado de Integração, empresas de
prestação de serviços, além dos líderes da comunidade, que segundo um dos entrevistados da
EC, estes últimos devem se sentir representados:
A gente acreditava, acredita até hoje que eles têm que se sentir representados,
também. Aqui dentro todo mundo educa, desde o... Salva-vidas. O pessoal da
limpeza estava lá. Não estava todo o grupo, mas tinha seus representantes lá na
reunião pedagógica unificada. O pessoal da segurança, as terceirizadas que
trabalham dentro do CEU eram também contempladas. Todas as empresas que
faziam trabalho dentro do CEU, nós tínhamos a preocupação de dialogar junto.
Cada escola tem sua autonomia, mas dentro do CEU havia a proposta das escolas
estarem alinhadas a um projeto educacional da Gestão (CEU). A escola não poderia
destoar, deveria estar em torno de uma linha mais central. Dávamos abertura através
dos temas estruturantes.
294
A escola não poderia destoar do CEU em que estava inserida. “O projeto interno
trabalhava com a integração do CEU, com a unificação das escolas do CEU, tinha um Projeto
Político Pedagógico que unificava a proposta do projeto educacional do CEU, era para
unificar os projetos políticos-pedagógicos (PPPs) das unidades”, afirmaram os participantes
da EC e acrescentaram que, durante o Governo Serra e Kassab, foram introduzidas mudanças
somente para as unidades escolares:
Durante o processo, todo mundo que era da gestão Marta foi embora. Não todo
mundo na mesma época, mas de tempos em tempos e, naquele final, sobramos só
nós três, no ano de 2007, descaracterizou muitas coisas...
Até o início da gestão do Serra, que ficou dois anos e, depois, quem assumiu foi o
vice que era o Kassab, tinha [...] falava-se muito no termo “escolão”, tinha esse
entendimento do “escolão”. Eu acho que a gente se opôs por conta disso, a gente
sabia que não era “escolão”. A CEI, EMEI e EMEF estavam aqui dentro do prédio,
por uma questão de estrutura, mas a gente não estava para eles. A gente estava para
uma comunidade. Acho que a nossa posição foi justamente essa, de tentar manter,
pois, não era escolão. Como o Serra falava muito na campanha dos “escolões”.
Tinhamos contato com o serviço público através dos postos de saúde. Inclusive,
minha mãe me teve, fez pré-natal num posto de saúde daqui do bairro e tudo mais...
Eu nasci na cidade de Santo André, porque aqui não tinha hospital que pudesse
atender às gestantes, assim, eu nasci na cidade vizinha.
Percebe-se que mesmo em área tão abandonada pelo poder público, havia pelo menos
um posto de atendimento à saúde, importante item que se faz necessário. Em outra
oportunidade, a mesma depoente declarou que estudou em uma escola nas imediações de
onde hoje é o CEU, mas que para prosseguir os estudos, teve que ir para uma uma escola mais
distante. Somente a escola de ensino fundamental e o posto de saúde são incapazes.
Toda a preocupação do governo com a população da periferia paulistana em aproximar
o poder público das regiões mais desassistidas pode ter indicativos de bons resultados que
foram percebidos pelos entrevistados. No quesito da violência, que seria melhor avaliado
mediante dados estatísticos, os mesmos entrevistados afirmaram:
Eu não sei como está hoje, mas, nos primeiros dois anos de funcionamento do CEU,
a polícia militar agendava o teatro para fazer grandes encontros, eu sempre revezava
as aberturas, eu e o Mário, a gente fazia as aberturas e eu ficava sempre lá, um
pouco, para ver o conteúdo daquele encontro, megaencontro. Uma das coisas que
me impressionava era ver o declínio da criminalidade nos arredores do CEU, desse
aqui. Uma queda muito grande, naqueles anos em que nós começamos. Eu digo que
não sei hoje, porque eu não sei se continua caindo ou se estabilizou, mas resgatando
na memória, naquela época, o índice de criminalidade caiu um absurdo, de forma
extremamente importante, dados da própria polícia militar. Esses dados me davam
uma injeção tão grande de ânimo... Nossa!... “Nós estamos fazendo algo de extrema
importância”.
O CEU veio com outra proposta. Ele veio com a proposta social. De colocar ele ali,
plantar ele ali e implantar uma política social no Centro, onde tenha a política
educacional, a política cultural, do esporte e da tecnologia... Enfim. Mas o social
está no centro.
Desde a escolha do terreno dos CEUs, já foi pensado nisso, não foi assim: É o
terreno que está sobrando da Prefeitura... Não. Teve uma pesquisa de uma assistente
social, que levou em conta as áreas de maior vulnerabilidade social.
296
Não era qualquer terreno, tinha que ser um terreno naquele lugar específico de maior
vulnerabilidade. Não adiantava ser o CEU, por exemplo, ao lado da Av. Ragueb
Chohfi, que não apresenta níveis tão grandes de vulnerabilidade social. Tinha que
ser aqui no [...], não adiantava ser ali a um quilometro, tinha que ser aqui.
... eventos ocorrem mais aos finais de semana. Porque durante a semana, por conta
das aulas, e a maioria do público interessado está em período de aula, então, esses
eventos são bem mais aos finais de semana. Não que não aconteça durante a semana.
Acontece sim, são uma peça teatral, assim, que dê para tirar (os alunos) do horário
de sala de aula e participar, acontece. Agora, esses musicais são mais aos finais de
semana, eu sei que grupos da comunidade vêm se apresentar...
A este respeito, reporta-se uma das participantes da EC, moradora da área vizinha a
um dos CEUs, antes de sua implantação, segundo a participante:
As minhas recordações de infância é que aqui era um terreno baldio e que aqui era
um local de desova, tanto de restos mortais, carros... O ônibus que passa aqui, o
Jardim São Francisco, não passava, então, as poucas vezes que eu pegava o Parque
Boa Esperança, que é um ônibus bem frequentado, ele vinha até aqui nesse começo
e quem morava aqui, bem na entradinha do bairro, antes de fazer a curvinha ali do
CEU, tinha muitos problemas com a questão da violência, dominação e tudo o mais.
Então, aqui era um local de desova (terreno do CEU).
Que pena que o CEU não veio quando eu era criança!
Além das atividades esportivas e culturais, havia a ideia do reforço escolar oferecido
para os alunos das escolas no contraturno, dentro do CEU: “O Sexto Momento31 era uma aula
só, mesmo, mas, na Gestão Serra, no Programa São Paulo, é uma Escola, incluíram três ou
quatro aulas a mais [com atividades] de música, robótica, nós os recebíamos no teatro, os
encaminhávamos por turmas... bem no começo”, afirmou-se durante a EC que nesta
estratégia: “As crianças vinham das escolas do entorno e das nossas também, fora do horário
de aula. E foi muito confuso, porque a gente tinha as refeições no meio disso tudo para as
crianças. Batia o horário da escola com quem já estava estudando”.
31
Refere-se ao acréscimo de uma aula no final do período de aula regular a ser desenvolvida no interior do CEU.
Compreende-se que esta aula se desenvolveu no CEU e não na escola, talvez, por falta de condições das escolas,
que tinham o turno intermediário. Observa-se que foi difícil para o CEU administrar o sexto momento sem a
presença de professores específicos para ministrarem as aulas de reforço.
297
Muitas de nossas escolas tinham quatro períodos, então, não dava para fazer uma
escola de seis aulas. Com a construção das novas escolas, elas passaram a ter dois
períodos. Hoje, não temos mais nenhuma escola com três períodos diurnos. O quarto
período seria o noturno. As escolas abriam às sete da manhã, a primeira saída às
onze, o horário da fome entra às onze e pouco, saía às três, e o terceiro período entra
às três e saía às sete horas. Hoje, o horário da fome, não tem mais. As novas escolas
absorveram a demanda, e agora, o aluno pode entrar às sete horas e sair ao meio-dia
e meia. E entrar a uma e sair às seis e meia. Então, dá para ter seis aulas.
Naquele período de 2004, o aluno tinha as quatro aulas dele e a continuidade do
período integral era fora da unidade da EMEF, então, teria que ser assumido aqui
pela gestão. Não ficou muito claro. Tínhamos alunos que vinham frequentar, mas
vinham porque o pai mandava. Não tinha uma obrigação.
O governo Marta lutou para ampliar a rede de ensino e aumentar as vagas escolares.
Com a entrega dos CEUs, o número foi ampliado para, pelo menos, cinquenta mil vagas, além
das outras unidades escolares tradicionais que foram construídas e entregues. Mesmo assim,
apesar de amenizar a situação, somente no Governo Serra e Kassab foi possível diminuir a
quantidade de períodos escolares e introduzir a sexta aula nas escolas regulares. No governo
Marta, a sexta aula era ministrada de forma improvisada e sem a presença de um professor
horista.
[...] as crianças vinham das escolas do entorno, não somente das escolas do CEU,
sendo uma atividade voluntária das escolas que vinham para o CEU, aí acontecia o
que nós entendemos que é educação integral. O aluno participava de um período em
sua escola e vinha para cá à tarde, ou estudava à tarde e vinha para cá de manhã,
para ter ao longo do dia atividades, tanto formal na escola do aluno quanto as
atividades que o CEU oferecia.
Os oficineiros não são exatamente professores, são pessoas que conhecem uma
prática, um modo de operar, de construir, de fazer e são convidados a divulgar, por meio de
oficinas, o seu conhecimento. Segundo a entrevista coletiva, no governo Serra e Kassab, não
houve preocupação com a qualidade das oficinas. De um lado, os participantes da EC
percebem que a falta de interesse veio pela diminuição da qualidade das atividades e pela
interrupção da formação de público, por outro, se houve desinteresse, este pode ter ocorrido
pelo esvaziamento natural, como afirmou a Entrevistada T1:
[...] a oferta de projetos, de espetáculos... Era mais atrativo porque tinha uma
rotatividade maior de eventos acontecendo aqui dentro. Então, aí eles ficavam
299
interessados em saber o que ia acontecer, como que fazia para participar... Alguns
diminuíram, outros mudaram, mas acho que com o tempo foi causando o
desinteresse por parte da comunidade.
[...] ficamos com quatro assinaturas de revistas, duas assinaturas de jornais. E aí, na
mudança, o que acontecia? Muitos, muitos, usuários vinham de domingo atrás
daquele jornal de emprego, atrás daquela página de concurso. Negócio foi... assim...
Cortou drasticamente. Estou falando da biblioteca. O que a gente percebeu também
a questão dos espetáculos, dos eventos que aconteciam, também reduziu muito,
muito, muito, mesmo.
[...] Gestão da Marta ela só estendeu para o CEU a visita dos escritores na
biblioteca, assim a mesma programação que tinha para as outras, nós também
passamos a receber. Era bem interessante esta questão da formação de público,
mesmo. [...] Sábados e domingos tinham horários específicos para peças de teatro,
[...] contação de histórias, tinham os shows que eram promovidos. [...] Chegava
revista de carros. [...] Em 2004m o número de frequentadores da biblioteca era
muito grande. [No Governo Serra e Kassab] deu uma diminuída significativa. Tanto
para espetáculos, escritor na biblioteca, compra de livros. [...] Diminuiu. Não houve
mais a formação de público, a contação de história passou a ser esporádica, [...] só
alguns períodos do ano, final do ano, meio do ano, acontece alguns encontros. [...]
de 2004 pra cá, diminuiu demais o número de revistas. Tínhamos mais de vinte
títulos de revistas semanais, quinzenais e mensais. Jornais, caderno de concursos,
revistas de artesanatos, revistas femininas, revistas maternas. Agora, só temos as
revistas mais conhecidas de informação, não temos mais revistas femininas.
Percebem-se nos discursos das bibliotecárias que no Governo Serra e Kassab foram
diminuídos os investimentos em visitas de autores e de contadores de histórias, entre outras
atividades pedagógicas.
301
CONSIDERAÇÕES FINAIS
comunidade, tal medida reduz o impacto do equipamento sobre a vulnerabilidade social, o que
tornou de fato a instituição no tão criticado escolão, voltado à uma educação dotada de caráter
conservador.
Em estudo do Programa Centros Educacionais Unificados focado na transição entre os
governos dos prefeitos Marta Suplicy e José Serra entre os anos de 2004 e 2005, objetivou-
se identificar processos de continuidade ou descontinuidade das políticas públicas em
Educação, sistematizar vertentes teóricas sobre o tema e identificar, nos CEUs da Rede
Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo, processos de descontinuidade das ações
públicas em Educação, e observar se estariam relacionados aos fatores como
descentralização da administração pública; financiamento; sucessão partidária; composição
de forças no Governo.
Mediante as visitas técnicas e entrevistas realizadas junto a pessoas que prestaram
serviços à entidade durante a referida alternância entre os governos que formaram três grupos
distintos conforme sua área de atuação profissional: Gestores de órgãos centrais, Gestores ou
Professores de unidades CEUs, Técnicos ou Funcionários de CEUs. Inclusive, um exame das
entrevistas convergiu para a constituição de três dimensões: Gestão, Político-Pedagógica e
Organização de Tempos e Espaços.
Durante a coleta de dados, apurou-se junto aos sujeitos que o Programa CEU surgiu
mediante os estudos feitos pelo Partido dos Trabalhadores sobre propostas de escolas já
existentes como Cieps e Escola-Parque. A concepção do CEU se deu por intermédio de um
antigo estudo que vinha se desenvolvendo no Partido dos Trabalhadores, que observou as
experiências de Anísio Teixeira e Darci Ribeiro, pois como afirmou a entrevistada, não seria
possível implantar o Programa se não fosse um ideal antigo. Não daria tempo para a ideia
amadurecer, ganhar corpo e concretizar a proposta, como foi feito, argumentou a entrevistada.
Sobre os referidos governos Maluf e Pita, encontrou-se, na pesquisa de Fasano (2006),
a indicação do forte caráter centralizador e a influência da política neoliberal como elementos
desencadeadores da cisão administrativa concernente ao campo da democratização da
educação, houve: “um processo de descontinuidade do conceito de democratização da
educação, no sentido da construção de uma educação pública e popular. Tal administração,
com decisões fortemente centralizadas e influenciadas pela política neoliberal” (FASANO,
2006, p. 39).
Apurou-se que o Programa CEU sofreu intensas críticas por parte da mídia e da
oposição do PT, antes e durante as eleições, em que denominavam a instituição de “escolão”.
303
A descentralização foi uma iniciativa que marcou o Governo Marta, que introduziu a
política das subprefeituras que tinham orçamento próprio. Cada subprefeitura era dotada de
coordenadorias, que seriam as subpastas (Educação, Saúde, Esporte, Cultura e outras) que, à
semelhança das subprefeituras, também recebiam destinação de recursos para aplicar segundo
as necessidades pontuais das áreas de sua atuação. Houve referência à importância da política
de descentralização com a introdução das subprefeituras e ao importante caráter de ruptura
administrativa nas ações do Governo de Serra e Kassab. O referido governo deu continuidade
às subprefeituras, mas retraiu a política de descentralização ao centralizar as verbas nas
respectivas Secretarias, o que teria ferido a autonomia não só das subprefeituras como das
coordenadorias e afetado as iniciativas locais e o próprio CEU.
O Programa CEU continuou em atividade em decorrência da pressão popular, pois a
comunidade se encontrava articulada para exigir e defender a continuidade do que já conhecia
e esperava. A pressão se evidenciou nas estatísticas, que mostraram o prejuízo político que o
candidato ao governo do Estado, então prefeito da Capital, teria se não continuasse as obras
dos novos CEUs. Ainda em seu curto mandato, de um ano e três meses, inaugurou algumas
unidades escolares que fariam parte de futuros CEUs. Sob este ponto de vista, o Programa
teve continuidade, evidentemente. Porém, o projeto arquitetônico, voltado para a
possibilidade da Educação Integral e Não-Formal mediatizado pelo convívio intergeracional,
foi modificado.
Nas novas estruturas dos CEUs foi aumentado o espaço destinado à Educação Formal
com o aumento do número de vagas escolares e houve diminuição das áreas de convivência.
O que pode ser considerado um fator importante de descontinuidade referido pela maioria dos
entrevistados.
No Governo Marta, perante a possibilidade do PT não se reeleger, as obras dos CEUs
restantes nem mesmo foram iniciadas. A interrupção se deu para que a construção não
sofresse descontinuidade no governo seguinte, ficando assim, espalhadas as estruturas
incompletas pela periferia da cidade, o que, na opinião da entrevistada, poderia causar
prejuízos aos cofres públicos.
Nesse sentido, percebe-se que o próprio governo petista impingiu o caráter de
descontinuidade ao Programa CEU, pelas alegadas razões: O Governo Marta não teve tempo
hábil para liberar os terrenos e iniciar novas obras, a liberação dos terrenos que envolvia
problemas burocráticos, licitações e licenciamento ambiental, com a demora da liberação, se
iniciassem as obras, possivelmente, o governo que entrasse as abandonaria, pelos evidentes
sinais contidos nas pesadas críticas ao Programa.
304
A maioria dos entrevistados concorda que os CEUs foram criados para atender às
áreas de maior vulnerabilidade social, localizadas na periferia paulistana, normalmente,
abandonadas pelo poder público. Nessas condições, os CEUs vieram dotados da política
intersecretarial. Dentro da política intersecretarial, o CEU seria a ponte de ligação entre o
público e a administração, representando avanços entre os órgãos que atuavam nos CEUs, os
telecentros respondem à Secretaria de Comunicação Social, apresentando palestras,
sensibilizações e capacitações atuam as Secretarias de Saúde, Assistência Social, Emprego e
Renda, Cultura, Esporte e Lazer, Educação entre outras.
A política intersecretarial sofreu o impacto da descontinuidade no Governo Serra e
Kassab, que centralizou as ações do CEU especificamente na Secretaria de Educação, que
passou a administrar sozinha toda a estrutura e a arcar com o custeio do funcionamento do
CEU, o que já vinha fazendo antes, os funcionários, em quase sua totalidade, passaram a ser
oriundos da Educação, incluindo aí os coordenadores de núcleo. Esta mudança trouxe
implicações importantes, pois alguns professores de arte ou de educação física que dentro de
uma escola trabalham muito bem em sua área, não possuindo o mesmo traquejo nos meios
culturais ou esportivos profissionais, o que poderia suscitar erros administrativos de todas as
ordens.
A centralização imposta pelo Governo Serra e Kassab advinda com desconstrução das
coordenadorias regionais das subprefeituras, provocou reflexos nos CEUs, afetando o
processo de contratação de pessoal sem perfil adequado para trabalhar junto ao Programa
CEU.
O afastamento dos movimentos sociais, a contratação de pessoal sem qualificação
adequada e a imposição de regras de centralização vertem para a descontinuidade das ações
que o Governo Marta vinha aprimorando no quesito da gestão descentralizada do CEU. Este
contramovimento de centralização acabou polarizando os afazeres do executivo a uma parcela
restrita em detrimento da participação popular: “A lei, retórica e elegante, não o interessa. A
eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou.”
(FAORO, 2001, p. 886-7).
Por outro lado, desde a implantação do Programa, no governo petista, a Sala CEU
vinha se apresentando como aparelho centralizador de ações. Ligada diretamente à Secretária
de Educação, a Sala CEU manteve o controle central das ações do Programa conferindo o
norte que os CEUs deveriam seguir como uma rede homogênea, que seria uma espécie de
controle, que não suprime o caráter autônomo das instituições. Como um órgão central ligado
ao Secretário de Educação, a Sala CEU confere a direção que o conjunto da rede deve trilhar,
306
de Integração, que se o gestor de uma das escolas não quiser participar, não há um dispositivo
que o obrigue, inclusive, ele pode delegar a outra pessoa de sua confiança para a participação
no evento, que já foi quinzenal, podendo ser mensal ou bimestral, ou convocado
extraordinariamente.
O Conselho Gestor é deliberativo e envolve um público maior do que o Colegiado de
Integração. É composto por pessoas da comunidade, funcionários e chefia dos CEUs e se trata
de uma reunião que pode ser entendida como um momento de aprendizagem para todos os
participantes, que complementa o Conselho Gestor e, pautado em uma concepção freireana,
tem o poder de decidir o que será feito em termos pedagógicos, consertos e reformas.
Houve diminuição na participação do público nas instâncias deliberativas da entidade
durante o Governo Serra e Kassab, alguns sujeitos acolhem a ideia de que o distanciamento
foi natural e outros que houve intervenção do governo para que o público se afastasse, pois,
no referido governo, ele, o público, não teve voz.
O Governo Serra, que terminou em março de 2006, aceitou a pressão popular e, em
uma das unidades CEU, confirmou o acesso de um gestor que estabeleceu bases para
resistência às mudanças administrativas. Nos outros estabelecimentos, talvez, o novo governo
não encontrasse resistência. Um dos sujeitos afirmou que durante o “Governo Serra/Kassab,
aqui no município de São Paulo, no conceito CEU, propositalmente, houve uma interrupção
desse processo de gestão compartilhada. O conceito original do CEU, quando ele foi
concebido, visava trazer a sociedade civil para dentro dos CEUs”.
As intervenções no Programa inauguradas durante o Governo Serra e Kassab sofreram
resistências, algumas tão imperceptíveis que somente dois anos após, desencadeou-se a
consequência. A indicação de um professor sabidamente de esquerda para ocupar o cargo de
gestor de CEU. O mesmo teria participado da capacitação da FIA e, durante sua gestão,
aplicou a estratégia das audiências públicas para atrair a comunidade para dentro da gestão.
Exortado a mudar de ideia, manteve a agenda e, consequentemente, foi desligado do cargo.
Os conflitos entre o corpo de servidores permanentes e os não-permanentes, “atividades
congeladas ou cujos técnicos são dispensados” são tributários da descontinuidade, no
entendimento de Almeida (2009, p. 7).
Concordando com Almeida, o estado de espírito dos funcionários públicos também
contribui para o processo de descontinuidade, pois há nesta “fase de confusão até que os
novos ocupantes dos postos se encontrem enraizados; perda da memória institucional;
remanso na presteza causado pela redução do ritmo de ação em períodos de transição;
alteração de projetos já aprovados e sobreposição de investimentos” (ALMEIDA, 2009, p. 7).
308
32
Figura 12, na pág. 215: CEU Aricanduva – perda de espaço comum – fase azul.
311
Capital, que se referiram ao termo “escolão”. Os participantes deram pistas de que após a
alternância, o Governo Serra impôs modificações aparentes ou não, de modo que foram
incorporados os aspectos tão criticados da escola grande e difícil de ser administrada, pois se
aumentou, dentro dos novos CEUs, o espaço destinado à escolas e, assim, foi possível
aumentar-se o número de vagas, as escolas se tornaram muito grandes na versão dos CEUs do
Governo Serra e Kassab.
As intervenções atingiram o Conselho Gestor, que antes seria aberto à comunidade e
se voltou para dentro da instituição, pela interposição de artigos no Regimento Interno dos
CEUs. Num país em que a democracia se restringe a uma elite, a instauração de um conselho
gestor nos CEUs seria também um processo de aprendizado da prática democrática.
Outro processo de aprendizagem participativa que foi encerrado foi o programa de
formação de público em que os atores de peças dispensam um tempo para discutir com a
plateia os fundamentos de sua proposta ou o momento em que os professores do núcleo de
cultura discutiam com a plateia sobre os filmes apresentados no CEU. Este momento
acontecia nas escolas, quando eles iam convidar os alunos para assistir aos filmes que seriam
apresentados nos CEUs. Durante o Governo Marta, havia investimento na cultura. Nos
eventos apresentados durante o Governo Serra e Kassab não houve o processo de formação de
público. No referido governo, não houve critério na seleção dos oficineiros, diminuindo a
qualidade das oficinas.
Os entrevistados qualificaram a Sala CEU, no Governo Serra e Kassab, como um
órgão de natureza centralizadora, cuja função se realizava nas contratações destinadas aos
CEUs e nas quais prevaleciam critérios duvidosos envolvidos na escolha de ONGs. A falta de
interesse do público veio pela diminuição da qualidade das atividades e pela interrupção da
formação de público, pelo esvaziamento natural, pela ausência de atrações artísticas. Uma
mudança detectada diz respeito à contratação de grandes espetáculos acompanhados de
grandes despesas.
No setor das bibliotecas houve economia com o cancelamento de muitas assinaturas de
revistas e jornais de visitas de autores, contadores de histórias e outras atividades que
importaram em perda do trabalho cultural.
As iniciativas que culminaram na instauração do Programa CEU geraram dividendos
importantes para a população da periferia da Capital paulista, segundo a maioria dos
entrevistados. Os bons resultados foram evidenciados no quesito da diminuição da violência
nas áreas de atuação dos CEUs. A presença dos CEUs, em áreas de vulnerabilidade social,
315
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343
APÊNDICES
APÊNDICE A – Comparativos dos Regimentos dos governos Marta e
Serra/Kassab.
Formação
Licenciatura: ____________________________________________
Ano de Conclusão: _______________________
Pós-Graduação:
( ) sim ( ) não
Qual o curso: ________________________________________
Ano de conclusão: ______________________
Dados Profissionais:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
ESCLARECIMENTOS:
_______________________________________
José Cláudio Diniz Couto
Pesquisador Responsável
Doutorando UMESP – Bolsista CAPES/PROSUP
___________________________________
Nome completo
___________________________________
Assinatura
347
__________________________________________________
Local/Data
___________________________________________________
Assinatura e carimbo do responsável da instituição coparticipante
348
As entrevistas visam averiguar sobre a gênese, modelo e atuação dos CEUs nos diferentes
períodos e sua gestão diferenciada e esclarecer sobre mudanças que podem ter se realizado a partir da
transição de governo.
As entrevistas foram realizadas mediante o agendamento com os participantes, algumas delas
foram remarcadas. Foram programadas entrevistas com pessoas que trabalharam junto à Secretaria de
Educação em cargos de Secretária de Educação, Coordenador Regional de Ensino, Assessor da
Secretária de Educação e Coordenadora do Projeto de Sexualidade de Adolescentes da SME, gestores,
349
Grupos de Entrevistados
Grupo 1 – Gestores Órgãos Centrais
Entrevistado G1
Entrevistado G2
Entrevistado G3
Entrevistado G4
Grupo 2 – Gestores e Professores Unidades
Entrevistado GP1
Entrevistado GP2
351
Entrevistado GP3
Grupo 3 – Pessoal Técnico
Entrevistada T1
Entrevistada T2
Entrevistada T3
Entrevistas
Entrevistado G1
Entrevista com Entrevistado G1, realizada nas dependências do Campus Rudge da UMESP,
São Bernardo do Campo – SP.
Entrevista realizada em 23.03.15, entre 20h00 e 21h00, a respeito da implantação e gestão dos
Centros Educacionais Unificados – CEU, na Cidade de São Paulo.
O Entrevistado G1 é professor universitário, tendo atuado no Ensino Fundamental. Atua, hoje,
na formação de professores, nas licenciaturas. Ocupou o cargo de Supervisor de Ensino na Secretaria
Municipal de Educação da Cidade de São Paulo. Durante os anos de 2003 e 2004, período de
implantação inicial do CEU, ocupou o cargo de Coordenador Regional na Coordenadoria de Educação
de uma subprefeitura, no Governo de Marta Suplicy.
Os Centros Educacionais Unificados (CEU) foram concebidos para agrupar diversas
atividades educacionais, culturais, sociais e esportivas, por essa razão, sua gestão abrangeria a área de
atuação de diversas secretarias da Gestão Municipal. Os CEUs teriam sido concebidos e implantados
pela influência das comunidades nos processos da Gestão Participativa, que foi possibilitado pela
descentralização administrativa inaugurada pelo Governo Marta Suplicy.
O interesse da presente entrevista reporta-se à implicação do fator de descontinuidade que teria se
desencadeado a partir da sucessão do Governo Marta Suplicy. Há interesse em saber como se deu a
implantação dos CEU, o desempenho de seus gestores e que tipos de mudanças ocorreram.
Entrevistador: _Entrevistado G1, boa noite! Em primeiro lugar, gostaria de informar ao senhor a
respeito do interesse geral da investigação que estamos realizando:
A descontinuidade das políticas públicas pode estar relacionada a diversos fatores, entre eles, a
alternância de poder, ou aplicação de novas concepções devido à retomada administrativa na mesma
administração. Tais rupturas podem abranger amplo espectro do campo administrativo, envolvendo
várias secretarias, ou mesmo, de forma pontual, pode se relacionar a apenas um programa, um único
projeto pedagógico aplicado em uma única escola, por diversas razões, desde aspectos relacionados ao
financiamento do projeto em si, ou razões desconhecidas que precisam ser avaliadas.
A presente pesquisa está sendo elaborada no sentido de reconhecer a descontinuidade das
ações públicas em Educação como um fator comum, inerente ao processo administrativo, mas, entre
os objetivos, está o de distinguir, especificamente, no campo da Educação, desdobramentos ligados a
este fenômeno administrativo/ pedagógico abrangendo, inclusive, o campo docente e todas suas
implicações. Por isso, a importância dessa entrevista com o Sr. Entrevistado G1, cujas respostas
poderão dar pistas importantes para que esta pesquisa se aproprie convenientemente de observações
que possam levar a termo as conclusões desse trabalho.
Entrevistado G1: _Boa Noite!
Entrevistador: _ O senhor documentou, em sua Dissertação de Mestrado, a fase de implantação dos
Centros Unificados de Educação (CEU), na Cidade de São Paulo, durante o governo de Marta. Em que
setor o senhor trabalhou, e qual função exerceu durante o período de implantação do CEU?
352
Entrevistado G1: _ Eu trabalhei durante o período de 2003 e 2004, foram só dois anos na Diretoria
Regional de Educação de uma subprefeitura. Na época, não se chamava Diretoria... Este nome
diretoria veio depois. Falando em descontinuidade, a própria nomenclatura está aí: chamava-se
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura.
Entrevistador: _ Que função o Senhor exercia?
Entrevistado G1: _ Era Coordenador.
Entrevistador: _ Qual é o papel dessa função em relação à implantação do novo sistema
Entrevistado G1: _ O Coordenador, ele é o responsável... a cidade de São Paulo... Primeiro, assim: A
cidade de São Paulo era uma cidade, em 2003, com uma população de dez milhões de habitantes.
Existia uma discussão que uma cidade com dez milhões de habitantes para uma gestão centralizada era
tornada completamente ineficaz. Houve a proposta da criação das subprefeituras. Porque até então,
antes da gestão Marta, o que existiam eram as administrações regionais. Estas administrações
regionais, elas eram extremamente... acusadas de... desvios de dinheiro, de corrupção, máfia dos
fiscais, era uma coisa assim que vinha lá da administração anterior, que era do Celso Pita.
A Marta inicia o governo e propõe a descentralização da cidade em subprefeituras. Essas
subprefeituras, elas teriam a descentralização do poder, criando dentro delas coordenadorias de
diferentes áreas, então, por exemplo, Coordenadoria de Educação, a Coordenadoria de Saúde,
Coordenadoria de Ação Social. Essas coordenadorias teriam o papel regional de ser como se fosse
uma Secretaria de Educação Regional. Então, você tinha a Secretaria de Educação da Cidade, essa
Secretaria de Educação tinha as suas coordenadorias, mas que não era como uma mera Diretoria de
Ensino, como é hoje. Na verdade, é como se fosse uma subsecretaria, porque as verbas eram também
descentralizadas, ficavam alocadas nas subprefeituras, mas, no caso da Educação, com um valor, por
exemplo, marcado para a Educação com estabelece a Legislação.
Cabia ao Coordenador Regional, gerir a educação regionalmente, mas estimulando a
participação popular. Este era um ponto muito importante: existiam os conselhos, e estes conselhos
que tinham a participação de lideranças de bairros, etc., funcionavam regionalmente e, junto com os
coordenadores de cada uma dessas secretarias, digamos assim, eles geriam os recursos. Isso fazia com
que a política da cidade pudesse ser regionalizada e partir das características locais, estabelecer
prioridades da questão de gastos.
Além disto, outra marca, é que havia uma integração entre as coordenadorias. Então, o
coordenador de educação sentava à mesa do subprefeito, junto com o coordenador de saúde, junto com
o coordenador de assistência social, e aí era possível fazer um planejamento integrado e
intersecretarial, de forma que a gente procurasse fazer com que os direitos fossem garantidos. Se
pensarmos nos princípios dos direitos humanos, quando você tem um desrespeito ao conjunto de
direitos, todos os outros são afetados. Então, pensando em política Pública, a ideia era a
descentralização e integração dessas políticas, de forma que a população pudesse ter, então, garantidos
seus direitos.
Entrevistador: _ Interessante...
Entrevistado G1: _ Então, o que Coordenador fazia, da Educação, era administrar regionalmente, a
Secretaria, como se fosse a Secretaria de Educação. Obviamente, com normativas que saíam da
Secretaria centralizada, mas com uma grande flexibilidade de decisão. Inclusive, recursos. Pensando
como esta política, que era centralizada, se tornava regionalizada. A região, por exemplo, que eu
coordenei, era uma região que, na época, hoje é maior ainda, tinha em torno de quinhentos e cinquenta
mil habitantes, se você pensar que quinhentos e cinquenta mil habitantes é maior que muitas cidades
médias hoje, do Estado de São Paulo.
Entrevistador: _ É muito grande mesmo, e sendo uma região carente, em termos de número de
alunos... Tinham?
Entrevistado G1: _ Eu não me lembro mais o número de alunos, mas nós tínhamos, na época, em torno
de cinquenta e três unidades educacionais na região.
Entrevistador: _ Só naquela região?
Entrevistado G1: _ Só naquela região. Cinquenta e três unidades, se a gente colocar, em torno de mil
alunos, aí você tem o número...
Entrevistador: _ Dez por cento da população...
Entrevistado G1: _ É uma das maiores regiões da cidade. Englobava a subprefeitura [...]. E é um dos
bairros mais populosos. E no caso de [...] nós tínhamos um agravante, é que se caracterizava como o
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segundo bairro na cidade de São Paulo ou distrito da Cidade de São Paulo com maior número de
internação de jovens na FEBEM, hoje Fundação Casa, então, era uma enorme área de exclusão e junto
com essa área de exclusão, de vulnerabilidade social.
Entrevistador: _ A integração das Secretarias visava aos aspectos da vulnerabilidade social?
Entrevistado G1: _ Cuidar? A gente procurava construir uma rede de proteção social. A rede de
proteção social tinha por objetivo enfrentar a vulnerabilidade social.
Entrevistador: _ Obrigado por essas respostas! Em minha leitura de sua dissertação de mestrado, o que
ficou claro é que a participação verdadeira da comunidade na gestão dos CEUs promoveu a sensação
de pertencimento. O que o Senhor teria a dizer sobre este aspecto?
Entrevistado G1: _ Quando eu falo da ideia da descentralização do poder por meio das subprefeituras,
o CEU, ele materializa essa ideia da descentralização. Por quê? Primeiro que os CEUs, eles foram
construídos nas áreas escolhidas onde (quando se olha o mapa da exclusão social) estavam as regiões
de maior exclusão social da cidade. A ideia era conseguirmos constituir ali um polo de
desenvolvimento local. Esse polo de desenvolvimento local tinha a ver com uma difusão cultural, etc.
Por isso, o objetivo era conseguir romper com a ideia de um currículo escolar, fundamentalmente,
gradeado, em que você tinha lá determinadas disciplinas definidas externamente, com conteúdos
definidos externamente, numa prática que o Paulo Freire denominava de extencionismo, ou seja: eu
vou e vou revelar a verdade para estes sujeitos com uma desconsideração da identidade local, numa
desconsideração da identidade dos frequentadores do Centro Educacional Unificado, bem como de
seus familiares.
Para romper esta ideia, os CEUs tinham como princípio a participação comunitária de
diferentes formas, começava pelo conselho gestor. Esse conselho gestor era mais aberto do que o que
hoje conhecemos como conselho de escola. Por que ele era mais aberto do que isto? Porque
compunham o Conselho Gestor representantes da comunidade e não necessariamente dos usuários do
CEU. Então, você tinha, por exemplo, era comum, termos uma comunidade católica, uma comunidade
evangélica na proximidade, e eles tinham uma liderança que podia ser leiga ou clérigo, por exemplo,
esses líderes, se quisessem, podiam se candidatar e participar como membros do conselho gestor.
Você tem em determinados bairros os líderes comunitários, uma associação de bairro, etc. Ali poderia
ter um representante do conselho gestor. Sem contar que alunos tinham assento, alunos de unidades,
fossem de unidades do CEU ou das escolas do entorno.
Porque isso é uma coisa interessante: o CEU tinha atividades abertas. Ele não atendia
exclusivamente a crianças que estavam matriculadas nos equipamentos internos do CEU. Então, você
tinha escolas próximas. Essas escolas próximas usufruíam de atividades culturais e esportivas dentro
deste polo. E essas pessoas, por exemplo, que representavam professores, enfim, poderiam também
compor o conselho do CEU.
Então, a ideia era de que a comunidade, junto com o gestor, pudesse ter esta participação e o
gestor também teve um papel interessante na eleição: nós elegemos um gestor a partir de uma lista
tríplice. Então, funcionava dentro da rede: pessoas que eram funcionários efetivos, que tivessem
habilitação em pedagogia poderiam apresentar um projeto e se candidatar a partir daquele projeto para
ser gestor do CEU. Dentro das pessoas eleitas, quero dizer, dentro das pessoas que se candidatavam, o
conselho gestor do CEU somado aos representantes da diretoria de ensino, então, se reuniam,
discutiam o projeto apresentado, discutiam o vínculo que esse sujeito tinha com a comunidade, se não
tinha, como ele se constituía como liderança, e, tiravam.
Todos os CEU fizeram desta forma, foram tirados três gestores, três candidatos a gestores.
Esses três candidatos a gestores, por meio de um contrato feito com uma faculdade... Com a FIA da
USP. Foram fazer um curso na FIA. De um mês. Dentro deste curso, eles foram avaliados. Após o mês
do curso, os professores que fizeram a avaliação na Secretaria de Educação se reuniram com os
diretores, os coordenadores regionais e falaram: “Dos três nomes selecionados, este tem esta
característica, este tem esta, este teve esta nota, aquela. Nós sugerimos este em primeiro lugar,
aquele...”. O Coordenador Regional, a partir do diálogo com a sua região, dava a indicação de qual dos
três seria eleito. Então, ele passava por um processo, de participação, é verdade que era uma
participação que acabava atribuída no final para o coordenador regional, porque é um cargo de
extremo cuidado e confiança da gestão, mas onde a comunidade era ouvida, e onde a Universidade
também era ouvida.
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Então, não era uma mera decisão. Evitando, por exemplo, que quem fosse ser o gestor, fosse
um indicado desse ou daquele vereador, não era desta forma. Vou falar para você: Existia influência?
Lógico que existia. O próprio coordenador tinha vínculos com determinadas forças políticas. Agora, o
que era interessante, é que a gente tentava reduzir esta influência, pelo aspecto do reconhecimento de
liderança local pela comunidade, como também de conhecimento, digamos assim, técnico. Então, não
era também uma mera indicação.
A ideia da comunidade dentro do CEU, e discutindo, parte do seguinte pressuposto: a escola,
de uma forma muito, digamos assim, mais tradicional, na nossa leitura, se constitui como um Aparelho
Ideológico de Estado. Portanto, o controle que se tem sobre o currículo instituído é muito forte, é
muito forte! E nós não compreendíamos. Eu, Edson, pessoalmente, não compreendo que a escola por
si só, por mais bem intencionada, que possa ter professores, seja capaz de gerar mudanças
significativas no seu currículo. Ela pode ter avanços, a gente encontra brechas, mas para que
consigamos uma maior radicalidade nesta mudança, precisamos de uma participação ativa desta
comunidade, e foi isso que percebíamos: Quando se tinham decisões que eram mais radicais, só
conseguíamos avançar quando a comunidade dentro do conselho gestor bancava.
Porque, em geral, víamos que no interior da escola havia muito temor. Havia da estrutura
física. Havia temor, com alguns cuidados que o pessoal considerava como cuidado, mas que era uma
amarra. Então, vou dar um exemplo, a comunidade podia circular permanentemente nos espaços,
inclusive, nos espaços onde estavam separados para creche, que estavam separados para EMEI, e para
EMEF. E existia uma fala: Não! Não pode deixar! Porque pode sumir criança, pode... Isso nunca
aconteceu. Durante os dois anos, muito pelo contrário, nós vemos problemas... Eu digo isso, depois
porque eu exerci o cargo de supervisor escolar, quando isto foi... Quando eles proibiram esta
circulação.
Porque a ideia era que o CEU fosse aberto mesmo. E a comunidade estivesse dentro dele se
apropriando, que tivesse contato de gerações, portanto, nós íamos num caminho contrário do Estado.
Quando o Estado falou: _ “Olha, você tem que separar, deixar uma escola para os menores e uma
escola para os mais velhos”. A gente dizia que não. Que, na verdade, estas crianças não são separadas
no contexto social delas. Portanto, a escola tenta trazer este contexto social. Tem que propor esta
convivência entre as diferentes gerações. E nós ou as pessoas que atuavam como educadores, têm que
ser facilitadores e ao mesmo tempo, orientadores desse processo de relações. Por isso, a comunidade
circulava mesmo. Então, você tinha pai, você tinha irmãos mais velhos, você tinha... Tudo isso
circulando nos espaços coletivos, comuns do prédio.
Entrevistador: _ O senhor citou a FIA, que é uma empresa ligada à USP. Como foi que tiveram a ideia
de delegar uma função para uma empresa da USP, e por que a própria SME não teria condições de
elaborar esses procedimentos regimentais dos CEU?
Entrevistado G1: _ A Fia, embora ela seja uma empresa regular da USP, é uma forma que a USP tem
de estabelecer parcerias com o poder público. Porque a USP não poderia estabelecê-las, por exemplo,
com a prefeitura de São Paulo, sendo uma Universidade Pública, então, você cria determinadas
instituições, que seria um braço da Universidade, que tem um caráter privado, digamos assim, se é que
posso dizer assim, que a FIA é uma Fundação, então, não é bem um caráter privado, mas que teria
como receber o recurso, e aí estabelecer contratos com órgãos públicos, como aconteceu com a
Prefeitura de São Paulo.
A questão de não ser a Faculdade de Educação, mas um vínculo com a Faculdade de
Administração. Porque este é o vínculo que a FIA acaba tendo. Ela se deveu ao olhar de que se tratava
de um equipamento bastante complexo embora, com um foco fundamentalmente educacional, mas que
exigia desse gestor um olhar também de gestão de sistema. Porque você tinha, lá dentro do CEU, a
Secretaria de Cultura, a Secretaria de Esporte, você tinha lá a Secretaria de Educação.
Todos os CEUs tinham a previsão de estabelecer, o que acabou não acontecendo, uma cozinha
comunitária, essa cozinha comunitária, que, na verdade, era uma padaria comunitária, que tinha a
intenção de ser, um tanto profissionalizante para as pessoas da comunidade, não necessariamente, pais
de aluno, portanto, era para ser motivadora de cooperativas locais. Como o foco era muito maior do
que o foco voltado à Secretaria de Educação, nós compreendíamos que a formação partia sim, tanto é
que escolhíamos um educador, não era uma outra pessoa, era um professor da Rede. Mas só que ele ia
com uma formação que lhe desse a possibilidade de ter um olhar de formação de cooperativa, que ele
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pudesse ter um olhar de integração entre outras secretarias, além da Educação, por isso, foi a escolha,
por exemplo, da FIA.
Entrevistador: _ O gestor tem um cargo indicado, embora escolhido por um processo muito
complicado, ele irá gerir vários departamentos, sobre sua remuneração, seria aproximada à do diretor
de creche, por exemplo?
Entrevistado G1: _ Não, não tem a mesma remuneração. Ele tem a mesma remuneração de um diretor
de escola, acrescido do que chamamos de ANDAS, que é uma gratificação pela função que ele exerce,
não era uma coisa muito além do salário normal, mas ele tinha um salário maior do que um diretor de
creche, um diretor de EMEF. Eu não sei precisar hoje a diferença de salário, mas se eu não me engano,
era ANDAS 12, são códigos, mas é uma gratificação pela função que ele exercia que dava um
diferencial, eu não tenho como precisar, mas eu vou chutar, seria em torno de uns mil reais a mais,
dois mil reais a mais.
Entrevistador: _ Poderíamos fazer comparação, por exemplo, com algum cargo de confiança?
Entrevistado G1: _ Era um cargo de confiança, ele se constituiu, o coordenador do CEU acabou... O
gestor do CEU acabou se constituindo como se fosse um cargo de confiança.
Entrevistador: _ Hoje?
Entrevistado G1: _ Desde aquela época, porque ele passava por todo este processo seletivo, mas ele
recebia a incumbência de levar à frente um projeto que tinha uma identidade, um princípio de política
pública, então, se ele não respondesse a isso, um conselho gestor era reunido, e havia mudança do
gestor do CEU. Agora, ele recebia uma gratificação para este cargo, então, tinha dentro do plano de
carreira que também foi reconstruído durante a gestão da Marta, uma diferenciação salarial para que
ele exercesse a função. Não era, portanto, igual ao salário de um diretor de escola, por exemplo, pela
complexidade.
Entrevistador: _ A remuneração de um gestor de CEU deve ser, então, maior do que a de um diretor de
EMEF, ao mesmo tempo que o gestor deve assumir o comando da hierarquia do CEU, de forma a
harmonizar os diversos setores.
Entrevistado G1: _ Você está indicando os limites do nosso Projeto, foi o seguinte: Nós criamos o
gestor do CEU que hierarquicamente teria que ser, mas nós não entramos na operação efetiva do Plano
de Carreira do Magistério. No Plano de Carreira do Magistério quem está acima do diretor de escola, o
diretor? – O Diretor regional ou Coordenador de Educação. Quando pensamos na questão do Diretor,
o Diretor tem o Coordenador regional que delega, em geral, para o supervisor de ensino, certo? O
Supervisor Escolar. Acontece que no CEU, não podemos criar uma ilha de excelência. Então, não
queríamos uma ilha de excelência no CEU. Um dos pontos era o seguinte: O CEU tem uma EMEF, o
CEU tem uma EMEI, o CEU tem uma creche. Como são compostos esses cargos, em geral na Rede? –
Por concurso público. Se é por concurso público, o CEU também terá que ter um diretor por concurso
público em cada um dos equipamentos. Só, que o CEU tem algo a mais que era essa integração e a
presença de um coordenador. E ali, o que acontecia: muitos desses gestores de equipamento tinham
dificuldade de conhecer o gestor do CEU como alguém que coordenava tudo aquilo. E aí, quando
montavam reuniões para discutir as políticas gerais para aquele CEU, alguns gestores boicotavam, não
participavam da reunião, não reconheciam a orientação do gestor e, portanto, havia ali uma situação de
dificuldade de gestão, este foi um dos limites.
Entrevistador: _ Muito Interessante...
Entrevistado G1: _ Por quê? Porque partíamos do princípio de que se você fizesse assim, você teria
boa vontade política das pessoas. Está certo! Pode ser uma ingenuidade. Porque dentro de um Projeto
dessa magnitude, pensamos numa série de questões e isto ficou... Agora, ficou por uma questão de
princípio político, porque se montássemos esses cargos todos como sendo de indicação e confiança,
você correria muito mais rápido com o tempo. Só que, por outro lado, o que você iria criar? Você iria
criar uma espécie de escolas modelos, ilhas de excelência, que era exatamente o que não queríamos.
Entrevistador: _ Interessante! Sobre a transição entre os Governos Marta X Serra que fatores, no seu
entender, impactaram a continuidade da proposta do CEU nesse período? No período posterior,
quando assume o prefeito Kassab, houve ainda outros fatores?
Entrevistado G1: _ Primeiro, eu quero dizer que quando foi eleito o Serra-Kassab, utilizo
propositalmente a ideia de Serra-Kassab, porque compreendo que eles representavam o mesmo
Projeto. O CEU, desde que foi gestado e pensado, foi motivo de crítica deste grupo, que vem suceder o
CEU. Na época, eles ,junto com a própria imprensa, diziam que se tratava de um “escolão”, de uma
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grande escola, faziam referência aos Cieps do Rio de Janeiro, e diziam que era fadado a... Falavam
assim: “Faziam um movimento contrário, quando nós queríamos fazer escolas menores, mais fáceis de
ser administradas, vocês criam estas grandes escolas estes escolões, este elefante branco”.
Não era isso! Então, o nosso princípio não era um escolão! Era um Centro. Um Polo irradiador
de cultura. Um Polo que fosse uma referência que pudesse incluir as escolas do entorno. E na medida
em que incluía as escolas do entorno, estávamos em espaços que não tinham nada de valorização do
espaço público. Em geral, eram espaços dominados pelo tráfico de drogas. Então, você não tinha
cinema na periferia, como não tem ainda, os únicos cinemas da periferia continuam sendo os dos
CEUs, até hoje! Dez anos depois, você só tem os CEUs como referência de cinema, você não tinha
teatro, nós triplicamos o número de teatros na Cidade de São Paulo. Onde? – Dentro das periferias.
Você não tinha quadras de esportes, quando tinham, estavam abandonadas, largadas. Piscina? Piscina
era, vou usar este termo, não sei se é o adequado, mas enfim, era o sonho de consumo daquela
juventude. E não tinha. Eram pouquíssimas piscinas públicas nessa Cidade.
Então, quando eles assumem, eles percebem que a população tinha se apropriado disto,
especialmente, a população da Periferia. A Classe Média sempre falou mal do CEU. Agora, a
população da Periferia tinha os CEUs como uma grande referência para eles, na minha dissertação,
você deve ter visto que algumas entrevistas que eu faço são muito significativas do que as pessoas
dizem, tem um exemplo, que eu nunca esqueci, que o sujeito fala assim: “Eu vou dar um exemplo
para o Senhor entender o que significa o CEU para nós: É como alguém que bate de porta em porta
pedindo pão, cada porta que nós batíamos era um governo que entrava, e a gente suplicava um pão, até
que entra alguém, que não só oferece o pão, mas nos chama para que possamos comer juntos e nos
convida para sentar à mesa”. Então, isso é de um enorme simbolismo do que aquilo representava para
as populações mais pobres. Sem contar o movimento, ele revitaliza a região. Sabe, surgem novos
comércios, as pessoas pintam as fachadas das casas. Há uma mudança no sentido da autoestima
daqueles moradores. O tráfico recua, porque sabe que o local passa a ser de grande circulação,
portanto, não é mais espaço que o tráfico possa estar.
Nós tiramos gente da rua. Essas crianças que ficavam lá vulneráveis nas mãos dos traficantes
começam a ter piscina, começam ter esporte, começam ter, enfim, outras atividades; os CEUs tinham
orquestras, orquestras!
E o que vai acontecer? – Quando entra o Serra, ele, na campanha, disse que não ia terminar
com os CEUs. Porque também se ele falasse que terminaria com os CEUs, embora eles tivessem
criticado toda a criação dos CEUs, ele se colocaria em contrário à periferia da Cidade. Eles precisavam
dos votos do pessoal da periferia também. E aí, o que acontece? Eles não terminam com o Projeto,
mas terminam com a alma do Projeto.
Então, eles vivem, eles mantêm, eu diria a “plasticidade” do Projeto. Então, está lá o
equipamento, está lá o prédio, só que eles desestruturam aquilo que tinha de potencial no CEU. Eles
administram, a partir de então, de uma forma burocrática, retiram aqueles gestores porque diziam que
eram ligados à administração anterior, colocam gestores nomeados por eles, sem nenhuma
participação de conselho gestor, sem nada. O conselho gestor é ressignificado, não pode mais ter
participação de pessoas que não tenham filhos matriculados no CEU. Então, você veja que a crítica do
“escolão” é o que eles vão acabar implantando, porque passa a ser uma escola tradicional, porque
termina com o conselho gestor aberto, passa a ser um conselho de escola mais fechado. Retira a
participação comunitária mais forte. Burocratiza o currículo. Então, por exemplo, nós não
colocávamos cortinas dentro das salas de aula. Porque essa é a ideia da interação interno-externo e tal.
Eles colocam persianas, cortinas.
Os outros projetos que vão surgir, no Kassab, eles mudam o projeto arquitetônico e separam
os prédios do que é educação fundamental do que é infantil. Separam gerações no interior do CEU.
Separa o teatro. Quer dizer, eles vão fragmentando. Que era exatamente o que a política propunha
superar. Terminam com as Subprefeituras, com as Subprefeituras não, mas com as coordenadorias que
estavam vinculadas às Subprefeituras. E, centralizam novamente, por exemplo, na Secretaria de
Educação. E aí, este é outro ataque ao CEU, porque o CEU tinha como pressuposto essa articulação
local das políticas públicas. Se você tira o poder descentralizado, você tira o poder do CEU. Então, o
que eu vejo: eles dão uma continuidade estética ao Projeto. Estética que eu diga, plástica ao Projeto, de
forma que a população não possa dizer que o CEU acabou. Mas o poder transformador do CEU, ele
foi esvaziado.
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profundamente alienante. Então, o que eles fazem nas descontinuidades é: Há brechas para efetiva
transformação? Eu preciso atacar! Onde não há, nós continuamos, não tem nenhum problema.
Entrevistador: _ O Governo Marta, em sua propaganda, não anunciou os CEUs. Não constava de seu
programa? Como surgiu essa ideia?
Entrevistado G1: _ Nós temos diferentes falas. Uma que eu concretamente acompanhei foram os
orçamentos participativos, estes estavam no plano de Governo: Retomar o Orçamento Participativo.
Então, íamos regionalmente e a população indicava as prioridades de gastos. Que tinha a ver com a
descentralização que eu te falei. Quando chegávamos às regiões periféricas, os pais, e, em geral
tinham alunos também, e a comunidade em geral, a população apresentava os sonhos dela.
Entre os sonhos, em todas as regiões (têm registros do orçamento participativo), o pessoal
falava assim: “Nós queremos escola com piscina”. “Ah, nós queremos...”. “Eu mesmo, quando ouvi
aquilo, achava a coisa mais estranha: Nós aqui pensando em uma qualidade de ensino...”. Mas o meu
pensamento como professor era uma qualidade de ensino mais tradicional. Para ver como a população
tem uma flexibilidade, um olhar, a meu ver, que supera o nosso gradeamento e a nossa burocratização,
enquanto Estado. E eles apontavam uma ou outra Escola. Uma Escola aberta. Então, eles diziam
assim: _ “Olha, as escolas ficam fechadas no final de semana, e nós não temos aonde ir.”.
E a administração começou a ver que um dos espaços de violência era, é ainda, mas, naquela
época, era uma coisa que chamava aos olhos, um dos espaços onde ocorriam desovas de corpos e
cadáveres, era nos espaços públicos: em portão de escola, em calçada de escola. Por que isso
acontece? Porque os locais não são ocupados nos finais de semana. Eram locais fechados,
normalmente, ficavam ermos nas regiões periféricas, passavam a ser um local, por exemplo, de ou
cometer homicídio ou de largar lá. Que era uma “outra” coisa simbólica muito grave. A Escola é um
espaço de vida e estava lá, caracterizado um espaço de morte.
O primeiro passo que se deu, foi o que chamamos de Escola Aberta, nós abrimos as escolas
nos finais de semana, fazendo parcerias com ONGs, com oficineiros, com lideranças comunitárias que
recebiam lá um valor e davam oficinas, eram mães que iam ensinar tricô, eram pessoas que conduziam
a capoeira, e nós abrimos isto. Em pouco tempo, houve uma redução de mais de 30% da violência no
interior e nas imediações das escolas. Foi, então, que começamos a pensar: _ “Opa! Há um indicativo:
É possível pensar algo diferente.”. E no Fórum Mundial de Porto Alegre, de 2002, junto com um
grupo de pessoas do Instituto Paulo Freire, entre eles José Eustáquio Romão, pensaram que
precisavam fazer um projeto que pudesse dar resposta a isso que eles apontavam no orçamento
participativo, e também naquilo que começava a responder a Escola Aberta.
Recuperam exemplos de escolas que pensavam formação integral, que é diferente de tempo
integral, mas uma formação integral que envolve saúde, que envolve educação, que envolve esporte,
que envolve cultura. Eles vão resgatando alguns projetos, entre esses projetos, a ideia da
Escola-Parque, eles vão levantar a própria proposta em Salvador, do Anísio Teixeira, vão considerar o
Cieps no Rio de Janeiro, e constroem, então, este projeto que foi o CEU. Foi um projeto que surgiu
durante o Governo, mas a partir de indicativos que foram dando. É óbvio que também houve um...
(qualquer administração faria isto) um aproveitamento político disto, tentar projetar uma identidade e
ganhar votos. É verdade! Agora, ele surge a partir da legitimidade desse Movimento que eu estou te
falando.
Entrevistador: _ Como surgiu o Projeto Arquitetônico do CEU?
Entrevistado G1: _ O Projeto Arquitetônico levou em consideração esses projetos anteriores: a Escola
Parque era uma experiência que estava nos parques infantis na Cidade de São Paulo, no final dos anos
1930, onde Mario de Andrade havia pensado espaços voltados à cultura infantil, mas que fossem
integrado com Cultura, com a Educação e com o Esporte. Busca também no Anísio Teixeira a
experiência que ele vai propor de uma escola integral em Salvador. Com qual diferença? Com a
diferença de que também eu comentei, de que não era uma escola de tempo integral. Diferente de você
pegar o aluno e falar assim: _ “Entra às oito e saia às cinco da tarde.”. Não é isto! Mas ele tinha a
possibilidade de um currículo flexível, em que o sujeito monta o seu currículo. Por exemplo, eu quero
aula de música em tal horário. Eu quero a aula de usar a quadra coberta em tal horário. Aliás,
lindíssimas as quadras! Tudo com assoalho, uma coisa bonita!
Projeto feito por engenheiros da Prefeitura, não foi um projeto construído por gente de fora. E
esses engenheiros da Prefeitura durante as reuniões diziam: “Bom, que educação que nós sonhamos?”
Vão e constroem o Projeto Educacional do CEU. Ah! Você sabe que dentro do CEU há um outro
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CEU? Que chamamos de Centro de Cultura Indígena, e que foi negociado com as comunidades
indígenas aqui, que é o CECI. Quando foi apresentado o Projeto Padrão, os índios olharam, foram
supereducados, mas falaram assim: - “... mas, isso a gente não quer, isso não tem a nossa cultura.”. E
aí, os CECI, eles têm uma arquitetura diferente com a participação indígena, que busca sempre, em
geral, espaços circulares, que têm a ideia indígena da presença comunitária, da circulação.
Então, o Projeto Geral dos CEU foi apresentado para os índios, mas os índios, por exemplo,
disseram não. Porque uma preocupação que se tinha é a seguinte: Antes de se estabelecer o CEU
primeiro você discutia com a comunidade, que era outra coisa. Então, você definia, mais ou menos, o
terreno, chamava a comunidade e apresentava: _ “O que vocês acham?”. E eles construíam com a
gente, se apropriavam. Uma coisa belíssima, por exemplo, o CEU A, assim que ele ficou pronto, e que
a imprensa começou falar mal, a população deu um abraço simbólico. Eu não sei se ainda tenho essas
fotos. Mas se reúnem, vão lá e abraçam. E você vê o quanto eles já tinham se apropriado daquele
espaço.
Entrevistador: _ Muito obrigado pela entrevista, professor Edson, desculpe tomar seu tempo...
Entrevistado G1: _ Imagina! É um prazer falar sobre isso.
Entrevistado G2
Na verdade, com o advento do Governo Serra/Kassab, aqui no município de São Paulo, com o
conceito CEU, propositalmente, houve uma interrupção desse processo de gestão compartilhada. O
conceito original do CEU, quando ele foi concebido, visava trazer a sociedade civil para dentro dele
Era um conceito de Educação numa forma mais ampla, não se restringindo só à questão do ensino. A
questão do conceito CEU procurava trazer para junto das populações a cultura, o esporte como meios
privilegiados de Educação. No conceito latu. Não é à toa que os CEUs foram construídos onde o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) era muito baixo. Foram propositalmente escolhidos estes
terrenos na Cidade de São Paulo, onde a oferta desses serviços não existia. E quando a gente trouxe o
CEU para a periferia, o objetivo não era só trazer um equipamento de qualidade, era também trazer
toda uma reorganização que favorecesse a população. Quando você coloca um CEU na periferia, você
vai levar transporte, urbanização do entorno, que transforma a cidade numa perspectiva mais
humanizada.
[Menciona que as pessoas ao passarem na frente do CEU acabavam por entrar e conhecer o
equipamento] – Existia um grande trânsito das pessoas dentro do CEU, todos os atores da comunidade
eram envolvidos na construção da Educação do Povo, da cidadania, em si. Então, eu acho que no
Governo Serra/Kassab houve esse distanciamento dos movimentos sociais, a sociedade civil do
entorno do CEU para dentro do CEU, o CEU se fechou. Isso numa perspectiva proposital, porque foi
proposital que isso aconteceu, justamente para que o Povo não tivesse mais voz.
Veja, José Cláudio, no CEU, nós damos voz a todos os segmentos. Agora, sábado, nós vamos
ter uma ação do Tribunal de Justiça, que é o Poder Judiciário dentro do CEU, junto com o Povo.
Então, o CEU tem essa obrigação de abrir as suas portas para atender a todas as reivindicações, todas
as necessidades, transformando o CEU num fórum, num espaço gerador de cultura.
O CEU também tem a obrigação de dar aos excluídos, àquelas pessoas que nunca tiveram
acesso a um teatro, a um cinema. O Prof. Fernando Haddad está para implantar nos CEUs, aqui de São
Paulo, o “SP-Cine”. O “SP-Cine” é um Programa de Cinema que tem como objetivo oferecer um
cinema de qualidade para o nosso Povo nas periferias. Mas não esse cinema comercial: “Duro de
Matar XV”, “Jogos Vorazes L”, não! Um cinema que faça o Povo refletir sobre sua cidadania, sobre
seu dia a dia. Refletir sobre suas práticas. Levar um pouco de Cultura. A Cultura determina
comportamento. Nós entendemos isso quando trabalhamos no CEU. Se nós criarmos dentro do CEU
uma cultura de compartilhamento, de cooperação, isso vai gerar um comportamento na perspectiva de
uma cidadania futura.
Agora, José Cláudio, imagine no espaço aqui, você tem cultura, tem teatro, tem cinema, tem
esporte das mais variadas modalidades, “linkado” com o processo pedagógico das unidades que
existem aqui no CEU: nós temos uma CEI (antiga creche, hoje se chama CEI – Centro de Educação
Infantil), temos EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) e temos uma EMEF (Escola Municipal
de Educação Fundamental). Imagina você “linkar” toda essa construção cultural, esse apelo através do
esporte e cultura que são meios privilegiados de educação com o Projeto Pedagógico da Escola, isso
significa ou ressignifica e desperta nos educandos da escola a grande aventura que é aprender.
Fora isso, José Cláudio, nós temos agora a Universidade Aberta. Imagine você que uma
criança pode entrar aqui na CEI, bebê, e se formar numa universidade. Ela entra aqui na CEI, fica na
CEI, depois vai para a EMEI, depois para a EMEF, nós ainda não temos Ensino Médio, vai fazer o
Ensino Médio, volta e faz a universidade aqui, temos a UAB (Universidade Aberta do Brasil). Só para
você ter ideia, esse ano, aqui, nós vamos ter a Faculdade de Pedagogia, estamos oferecendo cinquenta
vagas. As pessoas que trabalham no entorno do CEU, que querem ser professores, vão ter um curso de
Pedagogia bom, “linkado” com a UNESP (Universidade Estadual de São Paulo). Depois, nós vamos
fazer um convênio com a USP (Universidade de São Paulo). Vamos ter três cursos de pós-graduação
no segundo semestre, hoje também temos a Faculdade de Engenharia de Produção, com vistas no ano
que vem de criar o Mestrado. O que eu quero dizer com tudo isso? Que o CEU se preocupa com a
integralidade. O que é uma Educação Integral? É uma Educação que não visa só dar conteúdos, mas
que esse ator, esse cidadão que passe pelo CEU, ele seja um cidadão de fato, não só com uma
formação em si, uma formação educacional. O que é educacional? É você ter abrangência de que todos
são educadores aqui. Até a pessoa que serve a merenda é educador, o cara que transporta as crianças é
educador. O conceito de Pátria Educadora é isso. Educar o nosso Povo. E o CEU vem de encontro
com essa perspectiva, inclusive, da Presidente Dilma Rousseff. Aqui, nós temos Programa da Cidade
Educadora – a Dilma se baseou aqui. Tudo o que acontece em São Paulo, se desdobra pelo Brasil.
361
E o CEU... É uma coisa muito gostosa de se trabalhar no CEU, agora, eu vou falar como
Gestor do CEU, na verdade, não sou gestor, eu sou um cogestor. Por que eu sou cogestor? Porque
todas as nossas decisões, elas são compartilhadas pelo Núcleo de Educação, pelo Núcleo de Esportes,
que compõem a gestão do CEU. Todas as decisões são compartilhadas em volta da fogueira, falando
metaforicamente. Isso reforça o nosso espírito de equipe. Se nós acertamos, acertamos juntos. Se nós
erramos, erramos juntos.
O CEU tem essa particularidade, ele transpira cultura, ele transpira vida, isso é muito bom!
Agora, tenho que admitir que nesses últimos oito anos, uma das coisas que penalizou o programa CEU
foi ele se voltar para dentro de si. Nessa gestão Serra/Kassab, ele ficou como um tipo de “escolão”.
Não abriu mais as portas para a comunidade. O Conselho Gestor já não opinava. Os movimentos
sociais já ficaram fora do CEU. Eles não podiam opinar sobre a educação dos filhos, sobre nada, na
verdade, ele era voltado para dentro. Hoje, não. Hoje nós temos aqui o Tribunal de Justiça que vem
para dentro. Nós temos a Câmara no seu Bairro. Imagine você, que o Legislativo, ele vem no nosso
teatro ouvir os reclames do Povo. Imagine você, isso que é Democracia! Esse princípio democrático
que todos... (Ninguém é perfeito, para ninguém, mas nós temos que aceitar as pessoas como elas
são...) e o Poder Legislativo, ele vem aqui no CEU, abre as suas portas, faz aqui a Câmara em seu
Bairro para ouvir as demandas do Povo. E isso “linkado”, tudo com a Educação.
[Interrupção: cumprimenta o Prof. Ricardo, apresenta o Bibliotecário e continua...]
Entrevistado G2: _ A nossa biblioteca, aproveitando que ele vai passando aqui, o companheiro
Ricardo, ele faz trabalhos com a Rede de Proteção Social aqui em volta. Por exemplo, nós temos aqui
a UBS (Unidade Básica de Saúde), em que as gestantes vêm aqui tomar orientação aqui dentro do
CEU. Nós temos o CEDECA (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente). Nós temos
nosso Coordenador de Educação, Fernando Prado, que traz os movimentos sociais aqui para dentro.
Temos o Júnior, Coordenador de Esportes, que faz movimento de esporte do entorno, promovendo os
torneios, promovendo a interação da comunidade, o esporte como um meio aglutinador, inclusive,
como instrumento de mobilização social. O esporte, a cultura também. Então, nós temos a rede de
proteção social no entorno do CEU, que hoje é acolhida dentro do CEU. E na gestão Serra/Kassab,
não. Eles não tinham voz.
Entrevistador: _ Eu queria fazer duas perguntas que estão dentro disso que o Senhor falou: Essa
descontinuidade que o CEU sofreu. Eu queria saber como se deu essa ferramenta desarticuladora em
que a Comunidade se afasta do interior do CEU? A mesma ferramenta foi utilizada para transformar o
Gestor do CEU em uma pessoa que atende estritamente à Diretoria de Ensino. Então, o CEU teria
ficado hierarquicamente vinculado à Diretoria de Ensino, e não mais às Diretorias de Cultura e
Esporte, na Gestão Serra/Kassab? Nessa gestão, agora, a Cultura e o Esporte voltam a atuar aqui?
Entrevistado G2: _Primeiro ponto, como eles desconstruíram o Programa CEU? – Mudaram o
Regimento. Simplesmente, o Regimento do CEU previa a participação popular. Os Conselhos
Gestores, ao atuarem e cogestarem o CEU, criaram um Regimento, suprimiram todos os artigos
referentes à participação popular, fazendo com que o CEU se voltasse para dentro de si mesmo.
A segunda parte da sua pergunta, isso foi proposital, né?! A Secretaria Municipal de Educação
começou a abarcar as Secretarias de Cultura e Esporte. É que ela geria tudo isso, acabando com a
perspectiva de gestão compartilhada. Na primeira experiência de CEU, no Governo da Marta Suplicy,
a gestão era compartilhada. Nós ouvíamos o Secretário de Cultura e ouvíamos o Secretário de
Esportes, juntos com a Secretaria da Educação para formularmos as políticas de inclusão social dentro
dos CEU. Com o advento da administração Serra/Kassab isso se anulou.
[Interrupção: apresenta Wagner]
Entrevistado G2: _ Isso se desarticulou, José Cláudio. Nós perdemos essa perspectiva.
[Interrupção: apresenta Wilson]
Entrevistado G2: _ Isso se desarticulou. Ficou tudo centralizado na Sala CEU. E a Sala CEU começou
a gerir a política intencional de desconstruir tudo aquilo que nós construímos nos últimos quatro anos.
O que é? Afastar os movimentos sociais de dentro dos CEU. E as pessoas, que vieram gerir o
equipamento CEU, não tinham mais o perfil de lidar com a comunidade. Hoje, e na gestão da Marta
Suplicy, todos os atores que atuavam na gestão dos CEU tinham que ter um perfil: o perfil
comunitário, isso é, fazer a interlocução com os movimentos sociais e com a sociedade civil no
entorno do CEU. E, na gestão Kassab, não. Serra/Kassab, não. Era um cara que eles colocavam lá, sem
perfil, alguém que tinha que se reportar apenas à DRE (Diretoria de Ensino). Hoje, nós nos reportamos
362
à DRE, mas, à DRE, paralelamente, nos reportamos à Sala CEU, não se chama mais Sala CEU, chama
Projetos Especiais, e CEU, que é um departamento que nós temos lá em SME (Secretaria Municipal de
Educação), que conjuntamente com os gestores dos CEUs, com as equipes, constrói novamente a
política. Estamos reconstruindo a política dos CEUs. Não vou mentir: Tudo é baseado na nossa
primeira experiência, que nós tivemos aqui. Mas estamos reconstruindo, inclusive, as relações
intersecretariais e intersetoriais que foram destruídas na gestão Serra/Kassab.
Entrevistador: _ E buscando a participação e reforçando isso: Popular.
Entrevistado G2: _ Popular. Educação Popular. Educação de qualidade para o nosso Povo. Mas ainda
existem resquícios da administração Serra/Kassab nas unidades que existem dentro dos CEUs. A CEI,
EMEI e EMEF, eles ainda estão isolados.
Entrevistador: _ Sobre esse isolamento, eu gostaria de saber de sua pessoa, que está acima
hierarquicamente, embora o seu cargo seja político, o diretor de EMEF e EMEI, é um diretor
concursado. Poderiam existir aspectos de atritos ou harmônicos, eles também querem que a escola
mude? Como ocorre este relacionamento entre o gestor CEU e o gestor do equipamento escolar?
Entrevistado G2: _ A equipe do CEU, o gestor do CEU, bem como o Núcleo de Educação do CEU,
necessariamente, tem que ser funcionário de carreira, que tenha o perfil comunitário. Eu sou um
profissional de carreira, tenho 28 anos, estou para 29 anos de Magistério municipal e fui convidado a
ocupar este cargo de gestor por conta do meu perfil. No Núcleo de Educação são todos de carreira. O
de cultura e esporte não, são indicações políticas. Nós também somos indicações políticas, mas o
pressuposto básico é que seja de carreira, primeiro ponto. O segundo ponto: a EMEF, a CEI, e a
EMEI, elas são autônomas. A minha obrigação é articular, tentar trazê-los para dentro do conceito
CEU. Mas se eles simplesmente disserem não, eu não tenho como chegar a eles. Se o diretor da EMEF
e da EMEI disserem: “Não, Albano, eu não quero participar desse programa CEU, eu quero trabalhar
com a minha escola autonomamente, eu não quero integrar o conceito CEU”. Ele tem esse direito.
Agora, eu, como gestor do CEU, tenho a obrigação de convencê-lo ao contrário.
Entrevistador: _ É uma luta!
Entrevistado G2: _ E dizer para ele: “Olha, nós estamos aqui em conjunto, não estamos aqui para ser
sua chefia imediata, estamos aqui para ser seu parceiro, para disponibilizar todos os equipamentos dos
CEU: as piscinas, os teatros, os ginásios, para que nós possamos juntos construir a educação das
crianças numa perspectiva mais educadora, mais abrangente, até mais aventureira”. Então, a minha
obrigação é convencê-lo disso. Aí, cabe a mim, cabe à SME, cabe à Diretoria Regional de Ensino,
criar projetos que tragam esses gestores para dentro do conceito CEU. O que é uma luta!
Entrevistador: _ É uma luta! Uma preocupação, a sua função é também dar a manutenção?
Entrevistado G2: _ Como se fosse um síndico de um prédio...
Entrevistador: _ Arrumar a escola também?
Entrevistado G2: _ Essa é uma das coisas que me incomoda demais: o lado síndico do gestor. A gente
perde muito tempo com isso. Por exemplo, entupiu um cano da EMEF.
Entrevistador: _ É sua parte?
Entrevistado G2: _ É! Por exemplo, a privada entupiu, acabou a água, isso é tudo obrigação do gestor.
A gente perde muito tempo.
Entrevistador: _ E ele perdeu essa função (gestor das EMEF), quer dizer que ele está mais folgado,
ponto número um. Ponto número dois, os funcionários são seus ou são dele?
Entrevistado G2: _ São dele.
Entrevistador: _ O da limpeza é dele?
Entrevistado G2: _ O contrato de limpeza é para todas as unidades do CEU, então, é para a gestão...
Entrevistador: _ Atende às escolas?
Entrevistado G2: _ É, mas sempre quando tem um probleminha, eles recorrem a nós, porque temos
aqui uma equipe que cuida das empresas terceirizadas e que prestam serviços aqui. Temos o Sr.
Marcos e a Eliane, os companheiros que trabalham conosco e que são responsáveis pelas empresas
terceirizadas. A empresa terceirizada Vanguarda Segurança, temos outra de limpeza que é a Quali, tem
outra que cuida da piscina. Então, todos eles se reportam a essas duas pessoas aqui da gestão, que se
reportam a mim. Então, quebrou um cano, eu vou ter que fazer uma movimentação para consertar o
cano, seja da CEI, EMEF, EMEI. Entupiu... Por exemplo, vamos fazer uma lixeira aqui... a lixeira
atende às três unidades do CEU. Fazer uma reforma... Quem está fazendo é a gestão. Sendo que nós
não temos recurso para isso. A CEI, EMEI e EMEF têm o PTRF, que é uma verba destinada a eles
363
para custeio e manutenção e compra de novos equipamentos. O CEU tem muito pouco dinheiro para
gerir tudo isso aqui. Está em andamento uma discussão na Secretaria Municipal de Educação de criar
uma verba exclusiva para o CEU, para que possamos gerir esse equipamento com mais qualidade.
Hoje, isso não existe. Então, é muito difícil, é tudo muito burocrático. O gestor não tem autonomia de
pedir tantas verbas assim para manter a funcionalidade do CEU, muito difícil essa parte de síndico.
Isso incomoda muito. Nós... Eu acho, inclusive, que nós tínhamos que nos preocupar mais com o
Projeto, com o conceito dessa educação libertadora e perdemos muito tempo com isso.
[Interrupção: apresenta a funcionária terceirizada da limpeza]
Entrevistado G2: _ Inclusive, nós mantemos uma cordialidade com as empresas terceirizadas nessa
questão de compartilhar. Nós ouvimos. É um fórum permanente de relações libertárias.
Entrevistador: _ A reunião do Conselho Gestor acontece mensalmente?
Entrevistado G2: _ Nós temos uma periodicidade, nós temos uma reunião do Conselho Gestor mensal
e nós temos a APM também, que agora vai ter que abarcar também a questão da UAB, nós vamos ter a
Universidade Aberta, também vai compor a nossa APM. Mais uma atribuição para o gestor do CEU.
Pessoalmente, José Cláudio, nós perdemos muito tempo com esta questão do gestor síndico do cano
quebrado, com aquele que está vazando, com a limpeza e muitas questões burocráticas que emperram
um pouco. É pouco o tempo que temos para desenvolver projetos. Eu acho que temos que avançar.
Entrevistador: _ É um limite, e mais a questão do funcionário público que tem suas peculiaridades, que
na sua posição exige grande jogo de cintura, ao mesmo tempo em que lida com funcionários da
iniciativa privada. É muito difícil, mesmo!
Entrevistado G2: _ Hoje mesmo, ou foi ontem, nós tivemos uma paralisação dos nossos Analistas de
Técnicas Desportivas: Eles foram numa manifestação, é um direito deles. E o público não foi
atendido... É um direito deles. Eu conversei com eles: “Pessoal, vocês não poderiam, deixar a metade,
vai metade?”. (Eles) – “Não, Professor, nós entendemos que é nosso direito de manifestação e estamos
indo na nossa assembleia”. Foram. Eu fiquei sem atendimento para a população. Esse é o (funcionário)
público. O (funcionário) privado tem outras características, você tem que estar sempre em cima, para
que a qualidade do serviço esteja a contento. Senão, podemos dar “a contento” ou não, todo final de
mês recebemos um relatório das empresas que prestam serviços para que nós nos manifestemos se está
a contento ou não. Então, nós temos que ter este olhar crítico também: Se a merenda está sendo bem
servida, se a limpeza está sendo muito bem feita, se a vigilância está sendo bem implementada. E por
aí vai.
Entrevistador: _ Muito obrigado pela entrevista! Só uma última coisa, Entrevistado G2: O senhor teria
mais alguma coisa a acrescentar sobre a implantação dos CEUs, da sua parte, como o senhor atuou?
Entrevistado G2: _ Na construção do Programa CEU, nós fomos, basicamente, os pioneiros, então,
teve muitos erros, assim, nessa questão da gestão compartilhada entre Cultura, Educação e Esporte,
essa questão de manter os equipamentos, nós não tínhamos muito controle. Por exemplo, chegava
equipamento de cultura, como é gestão compartilhada, o Núcleo de Cultura tomava conta. Chegava o
material de esporte, o Núcleo de Esporte tomava conta. Como perdemos a eleição, a maioria dos 20,
21, 22 gestores sofreu processos administrativos por conta de não conseguir organizar esses materiais.
Como eu vou dizer, fazer um relatório de bens patrimoniais. Nós não tínhamos essa expertise, porque
era tudo muito compartilhado. Eu acho que, hoje, nós temos uma experiência um pouco mais
administrativa que visa: “Bom, é compartilhado? Sim. Mas quem vai capitanear esses bens quem vai
saber o que tem e o que não tem? A Secretaria de Educação”. Porque a Secretaria de Educação que
paga isso aqui. É o maior orçamento do Município, da Secretaria de Educação. Então, nós reservamos
o direito de organizar isso. Chega coisa da Cultura, nós vamos ser responsáveis. Chega coisa do
Esporte, nós vamos nos responsabilizar também. E, criar uma relação de bens patrimoniais. Para
sabermos onde estão as coisas.
Nós temos uma comissão aqui capitaneada pelo nosso companheiro Wagner Nils que tão...
(aumenta o volume de voz, dirigindo a outras pessoas). Estou dando uma entrevista aqui...Está
fazendo doutorado... Nosso futuro advogado Dr. Wagner, aqui, ele está responsável pela questão dos
bens patrimoniais...
Wagner: _ Doutorado em quê?
Entrevistador: _ Doutorado em Educação pela UMESP – Metodista...
Entrevistado G2: _ Eu estou falando de sua experiência, Wagner, em relação aos bens patrimoniais, o
cuidado com a coisa pública, a nossa preocupação enquanto servidores públicos de sermos os
364
guardiões da coisa pública. Ressaltando a importância do servidor público. Até mostrando para a
Sociedade a nossa importância. Porque não é todo mundo que acha que a gente é um bando de
folgados: “É... Foi o cara até a aposentadoria que vai...” Não! Nós somos os guardiões da coisa
pública.
Wagner: [...inaudível...] _ Tem até uma coleção que diz o que é funcionário público, eu tenho esses
livros em casa... (risos, Entrevistado G2)... Eu estou acreditando mesmo nisso...
Entrevistado G2: _ Na verdade, não é isso, ouviu, José Cláudio? Nós somos pessoas, atores
preocupados com a questão do bem público. Por que nada querem? Eles querem que funcione tudo
direitinho para o nosso Povo. Por que as coisas públicas têm que ser pelo meio?
Entrevistador: _ Sobre os processos administrativos, a antiga Secretária, que hoje ocupa um cargo na
administração, Maria Aparecida Peres...
Entrevistado G2: _ Sim, eu fui assessor dela no Programa CEU lá na SME na primeira gestão.
Inclusive, eu fiz Projeto Espaço de Convivência do Idoso nos CEUs. Era um projeto que eu tinha,
quando fui assessor dela, que era para trazer o idoso para dentro do CEU. Porque entendíamos que o
idoso tinha que contar a sua história para o jovem, ressignificando a sua atuação, e o jovem estava
informado pelo idoso, quer dizer todo mundo...
Entrevistador: _ Vai ser implantado aqui?
Entrevistado G2: _ Vai. Espaço de Convivência no CEU.
Entrevistador: _ Que coisa legal!
Entrevistado G2: _ E foi base para uma tese que ela defendeu na Alemanha. Foi uma coisa muito
interessante. Foi reapresentado na Câmara Municipal e a Secretaria de Educação já tem se preocupado
em implantar. Seria um colegiado dos idosos aqui, eles já estão aqui, na verdade, fazendo aulas de
hidroginástica, teatro, ginástica orientada, caminhada, enfim... Então, nós traríamos estes idosos para
perto das unidades educadoras EMEF, EMEI e CEI, para contar um pouco dessa história.
Paralelamente, os meninos dos nonos anos ensinariam informática para os idosos nos nossos
telecentros. Quer dizer: Todo mundo ensina, todo mundo aprende.
Entrevistador: _ Integração...
Entrevistado G2: _ Intergeracional.
Entrevistador: _ Este é um dos atributos básicos dos CEUs, que propicia o convívio entre as idades,
pois isso ocorre na Sociedade, e por que privar os alunos de conviver com as várias idades? Por que
eles têm que estar segmentados dentro de grades? O currículo está gradeado até em função disso, não
é?
Entrevistado G2: _ Sim. É muito departamentalizado, o currículo. Sabe, teria que ser mais aberto, mais
solto, e você trazer... Eu acredito, José Cláudio, que o idoso e a criança têm uma relação mais
horizontal. Diferente da criança com o professor.
Entrevistador: _ Com o pai...
Professor Albano: _ Com o pai! Sabe aquela história que o vovô pode tudo? Eu penso que essa relação
horizontal facilita, inclusive, a aprendizagem.
Entrevistador: _ Tem um projeto em Santos, chamado Vovô Sabe Tudo.
Entrevistado G2: [risos]
Entrevistador: _ Ele entra e conta histórias, mais ou menos, dentro desse...
Entrevistado G2: _ Contador de histórias...
Entrevistador: _ Contador de histórias, muito interessante...
Entrevistado G2: _ É nessa perspectiva, inclusive, nós temos um encontro, em junho, chama-se os
Quinhentos do CEU, nós vamos fazer um teatro, eu vou participar da mesa que vai dissertar sobre essa
experiência do Espaço de Convivência do Idoso no CEU. Vamos trazer uma Coordenadora do Idoso
da Secretaria de Direitos Humanos e alguém do Sindicato dos Aposentados do Brasil para dissertar
sobre esse assunto. É um Projeto dentre outros, esse que estou falando para você, mas estou falando
como você tocou no nome da Maria Aparecida Peres, eu fui lá compor a equipe dela, justamente nesta
perspectiva, por isso, me veio à lembrança agora.
Entrevistador: _ Eu gostaria de falar com ela um dia, não sei como encontrá-la.
Entrevistado G2: _ Vou te passar um telefone e você vai falar com o Matias, falar que é meu amigo,
apesar de nos conhecermos hoje, José Cláudio, você vai ter que falar que é meu amigo.
Entrevistador: _ Já sou...
365
Entrevistado G2: [risos...] _ Você está defendendo uma tese, você gostaria de participar da reunião dos
Quinhentos do CEU, sobre esta questão do envelhecimento, é que você vai defender essa tese...
Entrevistada T1
ENTREVISTADA T1 - Essa retomada da Gestão compartilhada, eu não estou muito por dentro, de
como vai funcionar, talvez se você conversar um pouquinho com o Albano, com o gestor, ele está
mais a par disso. Eu ainda não vi nenhum movimento dessa gestão compartilhada que seria um...
(inaudível), ou então vim... Só, que é assim a intenção é que venham projetos da Secretaria, não só da
Secretaria de Educação, poderia vir da Secretaria da Cultura, Secretaria de Esportes, também. Então,
eu ainda não sei como está funcionando esta gestão compartilhada nesta administração atual. Eu ainda
não consegui perceber.
ENTREVISTADOR - Percebi, segundo suas palavras, que quando começou a gestão Serra/Kassab
houve uma ruptura, quero dizer, que o CEU passou a ser apenas um departamento pertencente à
Educação, todos os coordenadores de cultura, educação e esportes eram pertinentes à Diretoria de
Educação. Concorda?
ENTREVISTADA T1 - Isso...
ENTREVISTADOR - A partir de então não havia mais ascendência daqueles departamentos sobre os
CEU.
ENTREVISTADA T1 - Isso...
ENTREVISTADOR - O desejo dessa nova administração é que essas outras duas secretarias de
Esporte e Cultura voltem a atuar no CEU, então se vai restabelecer isso, que é uma coisa que nem
ficou muito tempo, foi encerrado, passaram-se oito anos, agora querem implementar isso.
ENTREVISTADA T1 - Isso...
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ENTREVISTADOR – Obrigado pela resposta! Há alguma chance de se promover nos CEU o que
chamam de Gestão Compartilhada entre as várias secretarias como Cultura, Trabalho, Esporte, Saúde
ou a tendência atual seria concentrar as ações na SME, Secretaria de Educação?
ENTREVISTADA G3 – A gestão compartilhada é um objetivo e é um processo em andamento.
Ontem, mesmo, nós tivemos uma reunião enorme com a Cultura juntando a Secretaria da Cultura e da
Educação para dar a formação para profissionais do CEU, com a Saúde já existe, com o Trabalho, já
existe e com o Esporte existe fortemente. Mas o que acontece é que sempre precisa melhorar. Nós
estamos buscando equalizar essa gestão compartilhada, potencializar a gestão compartilhada e ampliar
as possibilidades de ação. Porque entendemos que todas as ações do CEU são centradas no processo
educacional, mas as outras secretarias têm experiências e conteúdos em outras áreas que nos afetam e
que potencializam nossa ação. Então é muito importante, mas não está fechado, não está pronta. Ela
está em construção, e ela existe. Nesse momento, por exemplo, está sendo escrita a portaria de
regulamentação do Decreto de Gestão Compartilhada com a Cultura. Nós temos uma equipe daqui, um
GT, um Grupo de Trabalho constituindo essa portaria, assim ela sempre está precisando ser revista
estruturada, mas é um desejo literal do Prefeito, do Secretario da Cultura do Secretario da Educação e
do Secretario do Esporte, especialmente. Os outros entram também. Mas, estes três são os que
centralizam as ações principais do CEU.
ENTREVISTADOR – Quantos CEUs já foram construídos?
ENTREVISTADA G3 – Quarenta e seis.
ENTREVISTADOR – Os que teriam sido construídos no Governo Serra/Kassab seriam em maior
número, do que aqueles construídos pelo Governo Marta, não?
ENTREVISTADA G3 – A Marta... Foram vinte e um, mas eu vou te dar um documento que fala isso
direitinho, que aí você já vai compor seus materiais.
ENTREVISTADOR – Obrigado!
ENTREVISTADA G3 - Olha, esses são os da Marta, vinte e um; esses outros são na Serra/Kassab.
Esses três que são indígenas da Marta também e esse agora na Haddad.
ENTREVISTADOR – Obrigado por oferecer! Obrigado mesmo!
ENTREVISTADA G3 – Esse aqui deixa bem divididinho para você. A diferença é que os vermelhos
que são da primeira etapa, esses da primeira etapa, eles são com quatrocentos e cinquenta lugares no
auditório com sala de balé, sala multiuso, vários outros espaços que não existem aqui. Então esse aqui
tem cinquenta por cento da qualidade desse outro.
ENTREVISTADOR – Qualidade e espaço, ou não?
ENTREVISTADA G3 – Qualidade, alcance... Tanto espaço, como equipamento.
ENTREVISTADOR – Era isso que eu queria saber: Os teatros dos CEU implantados na gestão
Serra/Kassab possuem capacidade efetiva de receber um grande público ou sua vocação seria atender
apenas o público interno dos CEU?
ENTREVISTADA G3 – Não. Todos os CEU atendem a comunidade, o entorno. Mas, o número de
lugares é que é diferente. Por exemplo, o CEU dessa gestão Serra/Kassab tem cento e oitenta lugares,
o teatro, e o da primeira etapa, quatrocentos e cinquenta. Então é muito diferente. É mais do que o
dobro. Então os CEU da primeira etapa, com certeza, atendem mais. Mas os outros também atendem.
Hoje, estão super popularizados, portão aberto, todo mundo usando.
ENTREVISTADOR– Sobre a questão cultural, hoje, como se dá a captação de espetáculos a ser
disponibilizados nas diversas unidades dos CEU, aproveitam os artistas locais?
ENTREVISTADA G3 – É um desejo nosso fazer o que nós chamamos de Pró-Arte Território, que é
fazer um edital para contatar essas pessoas da região. O que acontece é que nós temos uma grande
dificuldade, porque essas pessoas não têm a documentação necessária que o Tribunal de Justiça e o
Tribunal de Contas, não é, Ricardo?... Que o Tribunal de Contas quer. Então por exemplo, para nós
temos que contratar um músico, ele precisa ter três notas fiscais, comprovando que ele já foi
contratado por um preço menor do que podemos pagar. Alias, por um preço que temos que pagar a
menor. O que ocorre é que essas pessoas não têm essa documentação. Então, muito difícil! O que nós
estamos constituindo, a nossa equipe aqui, Ricardo, eu, o Grupo de Cultura? Um edital novo, que
possamos reduzir o grau de exigência dessas pessoas, senão elas nunca terão as notas. Elas precisam
começar em algum lugar, como elas não começaram, elas não têm as notas. Então, nós temos artistas
maravilhosos, mas que não podem ser contratados. Porque não tem a documentação necessária.
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ENTREVISTADOR– Muito interessante! Obrigado! Sobre os filmes, como ocorre sua escolha, há
alguma preocupação com o interesse da Comunidade ou a escolha dos filmes se dá a partir uma
seleção pelo critério da qualidade e cultura? Ou seja: “queremos elevar a qualidade dos filmes ou a
gente vai de acordo com os anseios das crianças, o filme da moda”, teria alguma coisa a dizer a
respeito disso?
ENTREVISTADA G3 – Tenho sim: primeiro que é um pouco de cada coisa. Nós atendemos sim o
desejo das crianças, dos professores e das pessoas, porque nós não achamos que temos autoridade para
escolher tudo o que a pessoa quer ver ou tudo o que a pessoa precisa ver. Entendemos que precisa
abrir espaço para colocar filmes de várias linguagens, produções de vários países, curtas metragens,
longas metragens, médias metragens. Porém existe espaço, sim, para passar o que as pessoas
quiserem. Com uma seleção obvia, para não haver nada que seja contrário à idade das crianças, que
não seja nada de grosseria e violência, isso obviamente não vai fazer, porque o espaço público não
promove esse tipo de ideia. Porém, não entendemos que nós estamos aqui qualificados para dizer tudo
o que vai acontecer lá. Existe uma curadoria que é feita entre os gestores de CEU, as pessoas daqui da
nossa sala de trabalho, mas essa curadoria, ela compõem com o que é escolhido lá. Nós não
entendemos que nós somos os iluminados e temos que dizer o que é bom. Entende que temos que
conversar sobre os gostos. Então é aceito e uma das características da nossa programação é que
abrimos para discussão. O importante não é passar o filme acabou vai embora. É abrir um processo de
discussão sobre que elemento é aquele, o que aquilo tem de bom, o que tem de ruim. Então, muitas
vezes, um filme que nós consideramos ruim, ele é um objeto impressionante para se discutir uma
opinião ou uma leitura ética de alguma coisa. Nós não nos sentimos no direito de escolher pelos
outros, não.
Entrevistado GP3– É a questão local, certo? Porque às vezes tem uma visão local que é diferente de
quem está aqui, e o próprio conselho gestor participa dos debates e das discussões para poder
estabelecer o que é bom para o território CEU, para as pessoas que vivem o entorno do CEU.
Democratizante, isso é importante!
ENTREVISTADOR – Entendi, é verdade. Então, o filme poderia ser usado para aumentar o valor
cultural daquela população por discutirem a sua situação, seria isso, então?
ENTREVISTADA G3 – Entendemos que nosso papel não é aumentar o valor. Que os valores que as
pessoas têm são importantíssimos. Colocamos um repertório a mais, para que a pessoas consigam
comparar, pensar, refletir. Pode até ser conduzida uma conversa, não entendemos que temos os valores
bons, e que vamos lá, para levá-los. Não. Entendemos que os deles são ótimos e que levamos outros
para compor com o que eles têm para ver se é bom ou ruim. E entendemos que muitas vezes, que não
é por a pessoa não saber ler e escrever, que não é o caso da população, que tem pessoas que não sabem
ler e escrever, mas não é geral, que por isso ela não tenha competência para escolher os seus rumos. O
ler e escrever são condição que pode acontecer ou não, mas que não é determinante pra nós.
Determinante para nós é que a pessoa tenha direito de falar o que ela acha e ser ouvida, também.
ENTREVISTADOR – Com referência ao pedagógico, os CEU buscam o cultivo de uma prática
libertadora? A dos ideais de Paulo Freire, eles teriam auxiliado a construir a ideia dos CEU?
ENTREVISTADA G3 – Exatamente! Pautada na Teoria Freireana. Toda a estrutura do CEU é
pautada, até a construção, porque o engenheiro que pensou os CEU, os primeiros, que é do Alexandre
Delijaicov, cuja estrutura é pautada na leitura “freireana” de Sociedade e de Educação. Como isso
acontece? Isso acontece de uma forma muito simples: o CEU, por exemplo, tem um Conselho Gestor
que é deliberativo. Então o Conselho Gestor do CEU decide os caminhos, o que vai ser feito ali, se vai
ser emprestado, se não vai ser emprestado, se vai ter grupo de teatro, se não vai ter. Então isso é
totalmente pautado na literatura “freireana”.
[A entrevistada interrompe a entrevista para atender ao telefone o Secretário de Educação Gabriel
Chalita. E sai para tomar providencias]
ENTREVISTADO GP3- Nesse momento eu estou vivendo esta experiência. Fizeram o convite porque
eu vivo o território. Então, é uma troca agora, que está acontecendo, devido ao território, para vir
discutir essas questões aqui dentro, na sala CEU, nessa Coordenadoria de Programas, diferente.
(Entrevistada G3 retorna em meio à fala)
ENTREVISTADA G3 – É, e então, essa correria é assim, porque hoje, o que o Secretário acabou de
me dizer, é que estão trocando uma pessoa de CEU, se eu tenho alguma posição sobre isso, que é uma
moça [...].
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ENTREVISTADO GP3– Eles ajudam muito. Ajudam muito! Há troca e pedagogicamente isso é
brilhante.
ENTREVISTADOR. Verdade!
ENTREVISTADO GP3– É brilhante, é brilhante!
ENTREVISTADOR – Obrigado por essa resposta! Eu gostaria de saber uma última coisinha, que não
está na pauta, mas é uma preocupação minha: Em relação à Sala CEU. A Sala CEU seria um
facilitador de ações dos CEU.
ENTREVISTADA G3 – Na verdade sim. O quê que acontece? Eles tinham um trabalho que chama
Programas Especiais. Que é tudo isso que eu falei para você, que é assim: tudo o que ninguém sabe o
que é, é aqui! Então todos os Programas de Saúde de outras secretarias, da Secretaria do Verde, todos
esses outros programas vêm pra cá, aí: surgiu o CEU. Isto já existia, surgiu o CEU, aí dentro desses
programas especiais, fizeram uma salinha para organizar o CEU, comprar móveis, organizar a
formação dos profissionais, esse lugarzinho começou a chamar Sala CEU e era aqui dentro desse
quadradinho aqui (3 m X 3 m). Então o que aconteceu? Os CEU foram tomando conta e importância e
tudo isso aqui ficou sendo conhecido como Sala CEU.
ENTREVISTADOR – Quando é de Programas Especiais.
ENTREVISTADA G3 – Que não trata só do CEU, que trata das mil e duzentas escolas, não é só do
CEU. Então, o nome CEU, mostra que historicamente o CEU virou uma importância impressionante,
então nós não desprezamos esta rotina e essa evolução histórica. O que queremos dizer é que aqui não
é só isso. Então hoje o nosso nome oficial que está sendo passado por uma reestruturação
administrativa vai ser Coordenadoria de CEU e Educação Integral. Então, é para a cidade inteira e
todas as escolas. Mas, assim, o nosso papel é: toda a programação do CEU passa por aqui, todas as
compras do CEU passam por aqui, todas as escolhas de caminho, formação, tudo do CEU passa por
aqui, por esse lugar, que é a Coordenadoria do CEU, agora não é só dos CEU.
ENTREVISTADOR – É claro, que este é um viés centralizador, mas sem o qual os CEU também não
poderiam funcionar, não é?
ENTREVISTADA G3 – Por que eles perderiam a unidade, que não pode perder. Não é porque o CEU
é na Brasilândia ou em Paraisópolis, que ele pode, cada um, fazer o que ele quiser. Eles podem, mas
eles têm que ter princípios e linha de ação juntos, porque eles fazem uma ação para a Cidade de São
Paulo. Eles não podem fazer cada um, do jeito que quiser. Tem um mínimo dos princípios que
precisam ser pautados sempre, então, é isso que a gente tem que fazer.
ENTREVISTADOR - Estes princípios têm caráter centralizador. Teria sido mais centralizador antes
na Gestão Serra/Kassab? Porque o meu estudo trata exatamente desse tipo de centralização que
descaracterizou os CEU naquele momento. Agora, está tendo mais liberdade para os CEU poderem
trabalhar?
ENTREVISTADA G3 – Eu acho José, que não é, que na verdade, não foi centralizador não, no
Kassab/Serra, ele foi “abandonador”, se é que existe o termo. Não faziam nada. Ficava largado.
Quando se fazia era assim: uma programação, por exemplo, O CEU é Show, eles contratavam vários
shows e mandavam pros CEU. Então, shows caros, mas não era uma coisa de fazer uma política pro
CEU deixar de ser “escolão”, pro CEU deixar de ser condomínio, pro CEU deixar de ser clube. O que
faz do CEU transformar em vez de um “escolão” em um CEU, é todo mundo que está ali dentro, todas
as escolas, todas as pessoas que estão ali, estarem por um projeto de sociedade, isso que faz do CEU
ser CEU. Se nós esquecermos qual o projeto de sociedade que defendemos, aí cada um vai atirar pro
seu lado e vai ser condomínio. Então essa consolidação, porque que forçamos o pé na formação? É o
que o Ricardo está fazendo, o que eu estou fazendo. Porque temos que falar para as pessoas: - “olha:
não é o seu emprego, é uma causa social, que é seu emprego, mas em segunda importância, nós
desenvolvemos uma causa social, que é o quê? – É um equipamento em busca da igualdade, é isso que
nós somos” Tudo o que se faz lá: cultura, esporte, educação é pra quê? – Igualdade. Nosso termo,
nossa busca é que as pessoas tenham igualdade, que elas não sejam piores porque moram na periferia.
ENTREVISTADOR – Igualdade! Eu gostei muito de sua entrevista, da oportunidade que me deu,
Entrevistada G3, fui recebido com muita humanidade aqui. Obrigado!
ENTREVISTADA G3 – Fora o café que a gente não deu.
ENTREVISTADOR – Me ofereceram, sim.
ENTREVISTADO GP3– Só uma observação, que você falou de centralidade, de centralização, aqui é
política norteadora, não é centralização, é uma coisa muito fechada, autoritária, aqui discutimos as
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políticas norteadoras pra os CEU. Aqui as pessoas têm um pé no que tem que fazer, não é
centralizado: - “oh, vai é isso, isso...”. Não! Você tem um norte e esse norte, nós temos aqui é a
formação, discutindo aqui algumas questões para que o CEU possa se desenvolver. Então é o Norte,
não é a centralização o que comanda os CEU, mas sim o Norte para que se crie o novo.
ENTREVISTADOR – Eu gostei muito da sua fala, eu vou anotar, vai ser muito importante,
enriquecedor.
Entrevistado GP2
Entrevista feita com Entrevistado GP2 nas dependências da gestão do CEU C no Município de São
Paulo. Entrevistado GP2 que é gestor do mesmo equipamento desde o ano de 2013, tendo ingressado
para compor a equipe gestora no Núcleo de Educação no mesmo equipamento no ano de 2004.
Entrevistado GP2 atendeu ao pedido de entrevista e forneceu preciosos dados sobre a conjuntura que
envolvia o equipamento após sua inauguração durante o Governo Marta em que fora edificado e
inaugurado, e após por ser participe do mesmo ambiente após a sucessão do governo Marta Suplicy
pelo Governo Serra/Kassab.
O entrevistado inicia descrevendo sua trajetória profissional, procurando descrever seu modo
particular de perceber a administração pública:
Entrevistado GP2: - Sou gestor do CEU C desde 2013. O CEU foi construído em 2003, tendo sido
inaugurado em 8 de novembro de 2003, e eu vim trabalhar aqui no CEU em março de 2004 para
compor a equipe gestora, eu trabalhava na Educação, junto com o Conselho Gestor, em que se
discutia tudo o que acontecia aqui no CEU. Nós, inclusive, definíamos até as demandas do CEU, por
exemplo, das crianças, que vinham estudar no CEU, quem participava das atividades de cultura e de
esporte era da comunidade, nós discutíamos a prioridade para as crianças da região. Não é porque o
professor dava aula, é que tinha prioridade de trazer o filho dele, que morava em Santo André ou
Mauá, a prioridade era para criança da região.
O professor tinha que vir aqui para atender. E, nós discutíamos isso na Comissão de Demanda. Foi um
período de muito atrito porque os professores queriam vir de fora e trazer seus filhos porque achavam
que era interessante este espaço aqui. Por que o professor não podia trazer? Não é porque a gente não
gostava que o professor trouxesse os filhos, é porque a demanda era muito grande. Inclusive hoje em
2016 a nossa creche tem fila de quatrocentas crianças. Tem baixado ultimamente, já foi maior, a fila.
Então não dá para trazer. Essa discussão que ocorria em 2004, nós perdemos ela, quando perdemos a
eleição em 2004, que entra o novo governo o Serra e houve toda uma reformulação aqui, que eu não
sei dizer onde é que eles levaram esta discussão que o CEU parou de ter essa autonomia de discutir a
demanda, por exemplo, nas unidades.
Hoje, um professor que mora em Mauá se ele quiser trazer um sobrinho, o filho ele tem feito isso.
Então, a prioridade hoje não é só para a comunidade. O pessoal de fora vem estudar no CEU. Isso é
que eu tenho observado. Nós não temos como interferir muito nisso, porque essa comissão de
demanda, quando nós voltamos para cá já não estava mais formada. Ela tinha sido desmontada. E, nós
não temos como fazer. Nós temos um conselho Gestor que está funcionando aqui. Mas esta comissão
de demanda não consegue ter uma discussão... O Governo Serra/Kassab deu autonomia para os
diretores das unidades. O CEU tem uma gestão, mas, os gestores daqui não são hierarquicamente
superiores ao diretor da EMEF, do CEI e da EMEI. Somos parceiros, e tem que ser assim mesmo!
Essa Comissão de Demanda foi desmantelada nesses oito anos do governo Serra/Kassab e não
conseguimos retomar até hoje essa questão de priorizar as crianças da região.
Entrevistador: – Como era a administração dos CEUs no tempo do Governo Marta? Houve alguma
mudança no Governo Serra e Kassab?
Entrevistado GP2: - Chegamos aqui em 2013, houve esse desmantelamento, havia em 2004 secretarias
que se juntavam e faziam essa discussão para tocar o CEU. Quando chegamos aqui tudo era da
Educação, porque a Educação dentro da administração pública é o filho rico: tem verba carimbada, o
Município, hoje está destinando 35% da arrecadação para a Educação. Quando a Marta deixou o
governo era 31%. Na Lei Federal é de 25%, a partir da LDB de 1996, a Educação recebe toda uma
verba carimbada, então, o Governo Seguinte (que sucedeu o de Marta): Já que a Cultura e o Esporte
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têm uma renda de arrecadação mínima, e tem o CEU, então deixa que a Educação toque o CEU com a
verba dela.
O Fernando Haddad (PT) no primeiro ano, no comecinho de 2014 assinou a questão da gestão
compartilhada para retomar de novo estas três secretarias: Educação, Esporte e Cultura para fazer parte
da gestão do CEU. Tem um decreto já publicado sobre a gestão compartilhada, para retomar esta
questão dos três núcleos voltarem a ter suas autonomias dentro do espaço do CEU.
Entrevistador: - Já está em ação? O que tem facilitado para o gestor, na contratação de apresentações e
eventos?
Entrevistado GP2: - Em outubro de 2015, pela primeira vez o CEU passou a ter o PTRF (Programa de
Transferência de Renda Federal) que é uma verba destinada à todas a escolas públicas e o CEU como
unidade de gestão, nós nunca recebemos, e nós temos aqui dentro do nosso núcleo de esporte uma
escola: Coordenadora Juliana, dois coordenadores de projetos Tarcísio e a Silvana e sete professores
de Educação Física, que aqui recebem o nome de especialista, que cuidam de 42 grupos de esporte,
cerca de novecentos e cinquenta alunos, então dentro do esporte, você tem uma escola no CEU, que
não é convencional, atendendo crianças de quatro anos, adultos a idosos de oitenta anos que
participam de todo o tipo de atividade: pilates, yoga, natação, hidroginástica, caminhada, times de
futebol, boxe, o que dá em torno de novecentos e cinquenta alunos. Não tínhamos nenhuma verba,
para tentar administrar esta questão, com a gestão compartilhada, uma das primeiras conquistas foi a
vinda do PTRF. Foi uma novidade para gente, nós somos em 46 CEUs, toda documentação, você tem
que estar com a APMSUAC (Associação de Pais, Mestres, Servidor, Usuário e Amigos do CEU) que
deve estar registrado em cartório, deve ter uma diretoria sendo uma empresa privada, que pode receber
uma verba de doação para ser aplicada no CEU. Nós mantivemos em 2013, 2014, 2015 e em 2016
vamos regularizar no cartório, pois se não tivesse a APMSUAC não poderia receber a verba do PTRF
e nós nos 46 CEUs, 12 CEUs conseguiram receber na época certa. O CEU C foi um deles: conseguiu
receber esta verba da APMSUAC no valor de quinze mil reais, dos quais três mil reais podem ser
usados para capital e o restante, doze mil reais para custeio. Com o capital se pode comprar um
aparelho de som e tudo o que for permanente. O custeio é destinado a tudo aquilo que for de consumo:
bola de futebol, e outros bens para atividades com esporte. Estamos gastando esta verba em boa parte
com esporte. São três verbas por ano março, a primeira, sendo a segunda em agosto e a terceira em
outubro. Não sabemos se manterão o mesmo valor, mandamos informações a respeito da quantidade
de pessoas que utilizam o CEU, que usam a piscina, quadra, as pessoas que estão com esses meninos
aqui. Não podemos receber PTRF devido aos alunos da EMEF, que já recebem lá e não podem receber
duas vezes. Não pode haver duplicação. Recebemos por pessoas que não recebem, portanto os que não
são alunos nas unidades de ensino.
Portanto a gestão compartilhada já teve um primeiro: a questão do PTRF que veio a dar uma... Esta
verba de custeio pode ser usada para contratar artistas. Entretanto a dificuldade de se contratar um
artista local, esbarra na questão da legalidade. É muito comum o cara ser um ótimo sanfoneiro, mas às
vezes o cara não tem os documentos. Ele tem que ter o CNPJ para emitir nota. Como é uma verba
federal não se pode pagar assim, como se fosse... Você tem pagar em cheque, precisa da nota fiscal
para justificar. Às vezes você não tem como... Você pode até contratar uma empresa de fora para
tocar, que emita a nota fiscal, mas não pode contratar um cara da região porque não está dentro da
legalidade.
Tentamos puxar esta discussão com o Sebrae para tentar mostrar para o pessoal a importância da
legalidade. Mas não tivemos muito sucesso não. Mas, não desistimos não. Porque esta é uma questão
individual. Nós temos pessoas que... O próprio Entrevistado GP1, mesmo, é um cantor... Tem até CD
gravado e tal... Ele veio trabalhar conosco aqui e eu comentei com ele e ele também não tem CNPJ.
Não é porque a pessoa é um bom artista é que ele vai saber... Então se não tiver uma pessoa, por ele...
É por isso que entra a questão do empresário, o empresário faz as coisas por ele. O pessoal sabe tocar,
mas não sabe cumprir essas exigências burocráticas.
Entrevistador: - O CEU C começou a funcionar em 2003, a partir dessa época já havia esse tipo de
dificuldade na contratação?
Entrevistado GP2: - A Secretaria de Municipal de Educação (SME) contratava e mandava a atividade
para cá: peças de teatro, oficineiros para trabalhar nas escolas.
Entrevistador: Então o contrato era feito pela Sala CEU?
Entrevistado GP2: - Pela Sala CEU, antigamente, era Sala CEU.
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Entrevistador: - Então tinham muitas atividades naquela época. E, agora que você retornou. Já não tem
a mesma possibilidade?
Entrevistado GP2: - Nós estamos retomando as atividades. Tem muita coisa que estamos fazendo aqui.
Eu mostrei isso aqui para você... Isso aqui é uma coisa oficial: estes sete especialistas aqui têm uma
quantidade de alunos, essa bibliotecária tem outros bibliotecários na biblioteca. Temos muitos grupos
que atuam aqui dentro do CEU que são voluntários: jiu jitsu, capoeira, boxe, só para falar na área de
lutas. Judô é contratado pela SME, uma professora que dá aula de judô, ela recebe para isso.
Atividades em que muita gente participa.
Entrevistador: - Em 2004 era assim também?
Entrevistado GP2: - Tínhamos aqui em 2004.
Entrevistador: - Fazia-se pão? Tinha uma padaria?
Entrevistado GP2: - A padaria foi inaugurada aqui em 2004, está aí até hoje. Não chegamos a fazer
pão na época, mas poderiam ter feito. Quando chegamos aqui a padaria estava com todos os
equipamentos dela deteriorando. Agora, ela está servindo como cozinha dos funcionários, e uma
terceirizada que a usa como base de apoio.
Para retomar a atividade de panificação temos que trocar todo o equipamento: forno, fogão... Fomos
atrás, procuramos o SENAI, SENAC, e outra entidade que cuida aqui... Mas, nós nunca tivemos
resposta: vamos montar um ponto para “dar aula de panificação” trazer alguém que queria “aprender”
(ensinar), já apareceu voluntário, que veio por vontade própria... Depois a vida dele mudou, mas...
Entrevistador: - Sobre a questão da cultura, se nós temos aulas, na questão esportiva, como se dariam
essas aulas no campo cultural? Existiriam aulas de instrumentos com sanfona, Jazz...?
Entrevistado GP2: - Aqui temos o Projeto GURI, eles montam uma orquestra dependendo da
atividade. Até apresentam para a gente aqui. O GURI é um projeto diretamente ligado ao governo do
Estado. O Governo anterior trouxe o GURI para cá e nós continuamos... Eles têm seiscentas e oitenta
crianças. As atividades do projeto são canto, sopro, corda e teclado. Não tem percussão. O Guri está
dentro da estrutura do CEU, ele não aparece aqui, mas, dentro estrutura da Cultura tem um andar aqui
embaixo (Depois eu te levo lá). No ano passado, tivemos que mandar uma informações, eu lembro que
eram seiscentas e setenta pessoas que passaram com eles, o ano passado, até dezesseis anos.
Entrevistador: - Teria, como no caso do Esporte, especialistas em Cultura? Seriam apenas voluntários?
Entrevistado GP2: - Temos aqui uma voluntária, que dá aula de pintura em tecido, ela está aqui desde
2004. Usa um andar aqui aos sábados. Ela tem dez, doze alunas, que já estão ganhando dinheiro.
Quando nós promovemos algumas atividades que atraem pessoas, utilizamos aqui... Não se usava,
criou-se uma cultura... a escola, uns tempos atrás cobrava do aluno algumas coisas, dinheiro... Era
possível, mas não era legal. Eu trabalhei em escola que fazia o aluno trazer um ensacado, um enlatado,
esse aluno trazia. Depois esse aluno tinha que comprar na festa junina, se ele quisesse consumir... Uma
coisa meio maluca, não dá para entender a educação nesse formato. Um dos motivos do pessoal odiar
o Hugo Chaves nos primeiros anos do governo dele na Venezuela, se pagava a APM em torno de cem
reais por mês, cada estudante de escola pública. Ele proibiu.
Aqui no Brasil, até hoje tem escola que mantém a arrecadação da APM. Não é ilegal arrecadar, se o
aluno quiser doar para a APM, e sugerir eu queria que vocês fizessem isso aqui, eu vou doar dinheiro e
a APM constrói. Isso não é ilegal. O que é ilegal é você exigir que o menino que não tenha dinheiro dê
dinheiro para uma escola que é rica.
De uns tempos para cá, todo mundo proibiu, e quando nós chegamos aqui em 2013, fizemos a primeira
festa, garantimos o algodão doce, arroz doce e pipoca, tudo com doação, falamos com as empresas que
atuam aqui, doaram o saco de pipoca, o dinheiro para pagar o algodão doce e distribuímos. A criança
que vinha para cá, da EMEI, do CEI da EMEF, vinha e tinha acesso, só que nós abrimos uma exceção,
com umas entidades, por exemplo, o pessoal do esporte que tem aí uns adultos. O pessoal do
CONVIVER, eles têm um grupo grande que precisa de verba, que nós não temos como dar para eles.
Nossa proposta nessas festas é que tivessem eles montariam uma barraquinha para vender salgado,
para vender comida... Eles arrecadavam dinheiro para eles, que fazem umas viagens. Eles já foram
para Campos do Jordão, Valinhos... Com o dinheiro que eles arrecadaram. São todos adultos, a
professora fica sempre junto, orienta às vezes a professora foi fazer uma atividade com os menores, no
outro canto os adultos ficaram aqui e tocaram numa boa.
Nós achamos que não é nenhum problema, consultamos os supervisores, que falaram, não é proibido
porque isso é ilegal, porque isso fere a Lei tal... Mas nós conversamos com a Coordenação Regional, e
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nunca exigimos da criança que ela trouxesse nada para cá. Sempre garantimos pipocas, algodão doce,
para que ela tivesse acesso sem pagar nada e às vezes, um cachorro quente que o pessoal vende lá fora,
um churrasquinho, então a gente chama de economia solidária. Nós não pegamos nada pra gente. Nada
passa pro CEU, fica para esses grupos que são organizados nesse formato, é geração de renda e eles
fazem esses passeios junto com os professores, sem tirar dinheiro do bolso deles.
Entrevistador: O Núcleo de Educação também promove aulas?
Entrevistado GP2: Sim, o Núcleo de Educação é responsável por questões burocráticas que devemos
cumprir. O Núcleo de Educação é responsável por tudo. Os professores daqui levaram os meninos
para disputar um campeonato no SESC no sábado e domingo, eles tiveram que ter lanche, que é pago
pela Prefeitura, o núcleo que responde é o da Educação, deve fazer toda uma documentação,
justificando, o Paulo a Pamela e a Dayana é que respondem por isso. Há essa questão burocrática que
não pode ser outro núcleo. Eles vão sempre reportar à Educação.
Entrevistador: Enquanto eles cuidam da gestão e administração, existiria um pensamento assim, dentro
do conceito do CEU da Educação incluindo Ética... Valores?
Entrevistado GP2: Somos responsáveis por alguns programas que a SME desenvolve, antigamente
chamavam de Contra Turno, o aluno iria de manhã para a escola normal e viria para cá para fazer
alguns cursos aqui oferecidos, lutas, dança. Esse núcleo aqui organiza duas atividades: um curso de
formação de professores para concursos e tivemos três concursos em 2013, 2014, 2015 e 2016,
preparamos esses professores candidatos para fazer a prova, sem cobrar nada. A Cida Perez é uma das
que vem dar aula aí. O Grupo de educadores de CEU C do qual eu também faço parte, o Paulo faz
parte, sendo um grupo um pouco maior de pessoas. Nós dependemos desse grupo, pelo contato com o
Enéas, que foi chefe de Gabinete da Cida Perez, faz parte desse grupo, para chamar a Cida Perez. A
Fátima Antônia que é vice-secretária do Chalita, ela também vem dar aula. E pessoas aqui nossa aqui
da região, elas vêm dar aula dependendo do cronograma do concurso. Esse Núcleo é responsável por
essa atividade. Já chegamos a dar aula para mais de setecentas pessoas no teatro, que cabe quinhentas
e cinquenta, para não superlotar, distribuíram-se as pessoas nas escadas e no palco, com uma tela
abaixada e outro telão no palco. O professor fala lá, aparece na tela grande e uma pessoa vai passando
aqui atrás do palco a segunda tela para que as pessoas possam ver melhor.
Vários professores já estão trabalhando aprovados pelo concurso de 2014, o concurso de 2015, já
aconteceu, mas não foi homologado ainda. Agora vai ter o concurso de 2016 do fundamental II.
Entrevistador:- As inscrições para o curso já estão abertas?
Entrevistado GP2: - Vamos sentar hoje a uma hora da tarde para acertar isso, têm algumas arestas aí
para... Eu já estava pensando aqui dia 13 de março, mas já não vai poder porque, terá uma dedetização
este final do mês dias 27 e 28, o Governo Federal determinou que dias 27 e 28 todos terão que limpar
a sua região. Cancelaram a dedetização e jogaram para os dias 13 e 14. Então já não pode começar
nesses dias. E sábado dia 27 terá uma limpeza para combate da dengue. Então, hoje o pessoal virá e
vamos acertar essa questão. Então isso é tocado por esse núcleo. É muita conversa que é alinhavada. E
outra coisa que ainda não falei, organizamos a partir de 2014, fizemos em 2015 e vamos fazer agora
em maio os casamentos coletivos. Em 2014, casaram aqui 77 casais, teve, inclusive, um casamento
homo afetivo, duas meninas se casaram, saíram com registro. O pessoal falou: mas, pode? Pode, sim!
O cartório falou que pode. No ano passado casaram 88 casais, nenhum casal homo afetivo. E, nesse
ano vamos organizar um para maio. Amanhã à tarde vamos ao cartório acertar esses detalhes. O
cartório entra como parceiro fornecendo toda a documentação e a gente faz a parte... Então esse núcleo
da educação faz essa... Os outros também apóiam. Mas a responsabilidade é do Núcleo de Educação.
Entrevistador: - Inicialmente os CEUs possuíam um conselho gestor e buscava trabalhar no conceito
da educação integral, poderia comentar sobre estes assuntos?
Entrevistado GP2: - Vamos comparar com o Cieps do Brizola no Rio de Janeiro, que foi construído na
primeira gestão do Brizola, que assumiu em 1982, e Montoro em São Paulo. Brizola ele construiu os
Cieps no primeiro mandato. O Cieps tinham uma característica de educação integral, ele já falava lá no
princípio... o Brizola falava: - “o menino lá do morro vai entrar as sete horas da manhã, vai tomar café
da manhã no Cieps, vai almoçar no Cieps, tomar banho à tarde para ir para casa e vai jantar no Cieps e
vai voltar para o morro” ele deixava isso bem claro. O Cieps ele teve um erro, ele não era voltado para
o uso da comunidade, ele era focado só para a educação em sala de aula. Tinha piscina e outros
equipamentos, mas ele não era... estava nos morros e comunidades, mas a comunidade não se
apropriou dele. Ele não tinha essa questão do Conselho Gestor para defendê-lo. Isso não foi um erro, o
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erro foi o outro governo entrar e destruir tudo. Essa questão de concepção que o Senador Darci Ribeiro
eles poderiam ter percebido no meio do caminho que poderia ter um conselho gestor. O erro foi a
Globo fazer uma campanha contra o Brizola, destruiu o Brizola, e Moreira Franco se elege, e destrói
os Cieps.
Só uma perguntinha: A Marta deixou vinte e um CEUs inaugurados em quatro anos. Você sabe
quantos Cieps o Brizola deixou no Estado do Rio de Janeiro? Seiscentos e cinco em quatro ou cinco
anos de governo. Seiscentos e cinco e deixou cento e oitenta para inaugurar. Quando o Brizola voltou
em 1990 o Cieps já não existiam mais. Mudaram totalmente.
Entrevistador: - Na sua opinião o conceito do CEU da Marta, teria sido modificado na nova gestão
Serra/Kassab?
Entrevistado GP2:- Foi. Eu quero voltar... Quando você disse que no CEU, a criança tinha educação
Integral. Vou dar um parecer aqui. A Prefeitura não tinha como, estruturalmente, manter a criança
aqui, que entrava às sete da manhã e ficar até às cinco da tarde, ela tinha assim, por exemplo, ela faria
a escola dela normal aqui, o fundamental dela, durante quatro horas... Cinco horas, e depois ela teria
outros espaços, que seria aqui na gestão. Ela sairia de lá e viria para a gestão aqui no contra turno, mas
não é uma questão obrigatória.
Entrevistador: - Teriam previsto aulas de reforço nesse setor aqui?
Entrevistado GP2: - O Reforço teria que ser feito lá na unidade. Poderiam até usar o espaço do CEU,
aqui. Mas teria que ser feito por eles. Eu lembro que na época eram cinco aulas diárias, foi criado o
sexto momento. Havia uma discussão, quem assumiria esse sexto momento? (Que era a sexta aula).
Hoje já tem a sexta aula na Prefeitura. Era eles ou éramos nós. O professor não ganhava para isso. E
nós também não ganhávamos para sermos professores. Assumíamos os alunos e ficávamos uma hora
aula com eles, às vezes fora da sala de aula, por que não havia essa... Havia o sexto momento que não
estava muito esclarecido, hoje, foi regularizado ao longo do Governo Serra/Kassab e entrou a sexta
aula.
Muitas de nossas escolas tinham quatro períodos, então não dava para fazer uma escola de seis aulas.
Com a construção das novas escolas, elas passaram a ter dois períodos. Hoje não temos mais nenhuma
escola com três períodos diurnos. O quarto período seria o noturno. As escolas abriam às sete da
manhã, a primeira saída às onze, o horário da fome entra às onze e pouco, saia às três, e o terceiro
período entra às três e saia às sete horas. Hoje o horário da fome, não tem mais. As novas escolas
absorveram a demanda, e agora o aluno pode entrar às sete horas e sair ao meio dia e meia. E entrar a
uma e sair às seis e meia. Então dá para ter seis aulas.
Naquele período de 2004 o aluno tinha as quatro aulas dele e a continuidade do período integral era
fora da unidade da EMEF, então teria que ser assumido aqui pela gestão. Não ficou muito claro.
Tínhamos alunos que vinham frequentar, mais vinham porque o pai mandava. Não tinha uma
obrigação.
Esta EMEF que você está vendo ali ... (mostrou a EMEF Aclamado cujo gestor é o entrevistado Jose
Valtene), ela já entra hoje, dentro do conceito da Educação Integral. O aluno entra às sete da manhã e
sai às três e meia da tarde. Só tem uma turma. Essa escola vai fazer parte do complexo nosso aqui. Nós
vamos trazer ela. Ela foi construída de um jeito em que ela não deveria participar. Se tivessem pedido
minha opinião, eu falaria para eles: construa aqui no campo, com a mesma arquitetura do CEU. Até dá
para fazer uma creche embaixo e nós fazemos o campo lá. Mas não pediram nossa opinião chegaram,
construíram a escola ...
Eu fui questionar, o pessoal falou assim: “Tião, essas coisas já estão planejadas cinco anos atrás”. As
coisas vão sendo construídas. Tem verba para ser construída. A escola não foi planejada nesse
governo, e sim no governo passado. Se me pedissem a opinião eu teria dado outra ideia. Mas, ela vai
fazer parte do complexo aqui. Eles têm participado de nossas reuniões aqui. Mas é uma questão de
caridade deles, se quiser participar. Eles não têm obrigação. Se quiserem falar que “não, nós somos
independentes, nós vamos participar do CEU”, eles podem fazer isso.
Mas com a proximidade ideológica do diretor, que é o José Valdene, ele vai participar com a gente.
Entrevistador: - Vocês terão duas EMEFs aqui no complexo?
Entrevistado GP2: - Duas EMEFs. Tem CEU que tem duas EMEIs. Tem a EMEI do CEU e ao EMEI
do lado, que é mais antiga e eles utilizam o espaço. Até porque eles querem... nós temos piscina, eles
podem vir aqui participar, ou então, usar o teatro.
381
Entrevistador: - Você já imaginou, por exemplo, se uma EMEF der uma aula de natação no horário da
aula. Aqui é possível?
Entrevistado GP2: - Eu sou professor de educação física. É possível.
Entrevistador: - As instituições de ensino utilizam a piscina diariamente?
Entrevistado GP2: - O uso é diário. Há um agendamento. Dentro desse agendamento você pode
utilizar a piscina.
Entrevistador: - A EMEF Aclamado poderia colocar aulas na piscina em sua grade anual?
Entrevistado?: - Pode. As EMEFs utilizam como lazer. Solicitam. Agendamos como lazer. O professor
que quiser poderá fazer um calendário para utilizar durante uma hora aula a cada duas vezes por
semana. Ele pode fazer isso. Só não pode bater com...
Entrevistador: - O que acontece com o conselho gestor... As pessoas que vêm de fora, na verdade
querem marcar um horário para a utilização da quadra e outros equipamentos. Não é que estão
tentando ajudar a instituição... Será que é isso? Ou na verdade existe mesmo este desprendimento e,
eles vêm mesmo interessados em defender o todo e não só seu interesse?
Entrevistado GP2: - Os espaços daqui, as pessoas percebem que podem ser utilizados. Por exemplo: O
CEU funciona das sete horas da manhã às onze da noite. Quando nós chegamos aqui em 2013, a
gestão fechava às vinte e duas horas, o que me deixava preocupado. Havia a demanda para fechar às
vinte e três. Numa reunião discutiu-se este assunto e notou-se que os documentos exigiam que
fechassem às vinte e três horas. Houve uma pressão de times de futebol de salão para o uso da quadra.
Foi a gota d’água. Hoje o CEU funciona até as vinte e três.
Entrevistador: - Com três dias de parada durante o ano...
Entrevistado GP2: Véspera de natal, natal, véspera de ano novo e ano novo. Só esses quatro dias de
parada. Nós vamos até as vinte e três horas, desafoga a quadra, diminuímos a pressão, pusemos dois
times a mais por dia, são dez times de segunda a sexta, conseguem botar um volume maior de pessoas
em mais tempo.
O campo é sede de cinco times que jogam na região. O horário nervoso do campo é domingo de
manhã. A pessoa chega aqui e quer reservar o campo, não pode. Durante a semana tem aula aqui, o
pessoal que dá aula para os meninos. O pessoal tem usado outros dias, e poderia ser usado dia de
semana à noite, mas não temos iluminação. Para iluminar um campo desses é caro. Não conseguimos
achar um parceiro que podia botar seis postes de iluminação, assim daria para usar à noite. É uma
coisa que temos que lutar para garantir... e tem a quadra externa que está sendo reformada a piscina
está sendo reformada agora e vai ser entregue no mês de março... estava vazando, é uma piscina aérea,
têm umas movimentações estruturais e tem vazado e em março as três piscinas serão entregues. Nosso
deck é um dos maiores que tem. Em março reinaugura, já entra o frio e para o ano que vem o verão
todinho aí.
Aqui é assim, a molecada vem, viu! A molecada vem.
Entrevistador: - E, vocês interpõem exigências?
Entrevistado GP2: - Olha, já teve exigência, lá em 2004, exame médico. Todo o mês vinha um médico
aqui, e chegou até o Hospital Einstein a mandar médico aqui, eu me lembro da Dra. Mayco. Eu estava
lá fora fazendo a entrada. Passou um helicóptero baixinho aqui, barulhento, disparou o alarme do carro
dela, e ela não acreditou que o helicóptero poderia disparar o alarme.
A Marta assinou um decreto não mais exigindo exame médico para piscina. Porque não tem muito
sentido. O exame médico para piscina... Era uma máfia médica que tem por aí... O pessoal passa no
médico, o médico dá atestado, mas amanhã você pode pegar um problema e ir à piscina e levar o
problema para a piscina. Então qual foi a... As pessoas que vão entrar na piscina... Vai olhar a roupa e
olhar se as pessoas têm condições. Tem gente que chegou com ferida aí, não entra, não pode. Há a
exigência de passar no lava pés, aqui na região o pessoal é meio rural, o lava pés suja mesmo sabe?!
Passa pelo lava pés e passa pelo chuveiro. É obrigado. Tem sempre alguém lá fazendo isso esse papel
na entrada. Então a gente não deixa. Jeans não pode entrar.
Nós aqui não tivemos um problema que os outros CEUs tiveram no ano passado. Fechamos a piscina
em outubro. No Rio de Janeiro, a molecada desceu os morros e foi para as praias. E quem era pretinho
era suspeito e não podia ir para a praia. Um dos motivos era o calor. Aconteceu isso lá no Rio, e em
São Paulo, o CEU começou a ser invadido. O CEU Rosa da China, o CEU São Rafael, o CEU Alto
Alegre... Vários CEUs aí chegavam assim... de quinhentas pessoas e subiam as escadas, os
alambrados, nós não pegamos essa fase aí, porque estávamos interditados aí. E, também nós não
382
tivemos assim invasão assim, pois a nossa piscina não é vista por fora. O pessoal teve que
administrar... Teve gente que chamou a polícia. Aqui nós nunca chamamos a polícia quando tivemos
ameaça de invasão aqui, tentamos dialogar. Imagina a polícia chegar ... E o moleque lá... Xingar o
policial, fala uma bobagem lá, e como é que fica?!
Tem que dar uma educada, fica sempre alguém lá tomando conta, nos revezamos aqui: os três núcleos,
o gestor vai para lá e tal...
Entrevistador: - Esse que é o papel que o Paulo Freire falava estar ali junto com eles, é um momento
de educação. Sobre esse ponto, foi preconizada a aspiração da convivência entre as diferentes idades
aqui dentro da instituição (Inter geracional). Avós que vêem um menino fazer uma coisa errada, numa
conversa, poderia educá-lo melhor o formalismo de uma sala de aula.
Entrevistado GP2: - É um exemplo assim de como o pai, a mãe ou vizinho vê...
Entrevistador: - Este seria o intuito do CEU... Quero lhe agradecer muitíssimo este momento generoso
a mim proporcionado, me ajudou muito mesmo!
Entrevistado GP1
Entrevista feita no dia 23 de agosto de 2017 na sala de geografia da EMEF A, na cidade de São Paulo,
com o diretor da unidade Entrevistado GP1, que é professor de Educação Física do Ensino
Fundamental da Secretaria Municipal de Educação do Município de São Paulo.
Quando da criação dos CEUs o Entrevistado GP1 foi incentivado pelos seus pares e amigos a postular
o cargo de gestor do CEU C que ainda estava em fase de construção. Da lista tríplice ele foi o
candidato mais votado pela comunidade. O candidato a gestor foi encaminhado para cursar o curso de
capacitação oferecido pela FIA instituição da Faculdade de Administração da USP, em que teve
excelente aproveitamento. Mas, não foi escolhido para o cargo de gestor, cabendo-lhe o cargo de
Coordenador de Esportes na mesma instituição.
Quando o Prefeito Serra assumiu, no ano de 2005, o Entrevistado GP1 resolveu permanecer no cargo
em que se encontrava, como forma de opor resistência e procurar contribuir para manter a
integralidade do funcionamento original da instituição. Devido às reivindicações da comunidade junto
ao novo governo, Entrevistado GP1 assumiu o cargo de gestor, que ocupou por três anos. Em sua
gestão promoveu a retomada da participação da comunidade, que teria iniciado o movimento de
esvaziamento das instancias daquela unidade e atrair o interesse das pessoas, motivando-as a
participar da gestão e assim manter os aspectos inaugurais do ideário primordial da instituição com
vistas a uma Educação, em suas palavras, no sentido lato.
Entrevistador: - Entrevistado GP1, no início do governo Marta o senhor já fazia parte de sua equipe?
Entrevistado GP1: - Eu, ideologicamente sempre fui afinado, alinhado com o Partido dos
Trabalhadores. No entanto, a minha militância foi mais especificamente na educação propriamente
dita: na escola, no chão da escola.
Então surgiu a luta pelos CEUs, enquanto equipamento nas periferias da Cidade de São Paulo, e aí
abriu a inscrição para que professores, coordenadores, enfim, nós que somos da rede pudéssemos nos
candidatar para atuar na gestão do CEU. E, naturalmente, aquilo me chamou a atenção, e me chamou
mais atenção ainda, porque era uma proposta em que nós participávamos de uma eleição, em que a
comunidade através de seus representantes, movimentos sociais, associações, conselho de escola,
enfim, podiam votar naqueles candidatos. Foi quando me candidatei até pela indicação de muitos
companheiros que me incentivaram. Aconteceu a eleição no bairro e por meio da qual eu entrei para
fazer parte da gestão do CEU C em 2004. Em 2004 eu entrei como Coordenador do Núcleo de
Esportes. E no inicio de 2005 a comunidade se manifestou para que eu assumisse a Gestão do CEU. A
partir do inicio de 2005.
Entrevistador: - O Governo Marta foi até o final de 2004...
Entrevistado7: - De 2004, quando participei na gestão do Núcleo de Esportes do CEU. Um
companheiro nosso também candidato... Nessa eleição formou-se uma lista uma lista tríplice: os três
mais votados. Fiquei como o candidato mais votado, Antônio Amaral, professor da nossa região e
também militante ficou em segundo e a Cristina em terceiro. No entanto a Coordenadoria poderia
escolher um entre os três para Gestor do CEU. Foi quando o professor Antônio Amaral assumiu a
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Gestão do CEU em 2004 e eu assumi a Núcleo de Esportes. Fizemos um trabalho conjunto. No final
de 2004 houve uma mobilização da comunidade para que eu pudesse assumir a gestão. Foi quando eu
assumi a gestão do CEU.
Entrevistador: Entrevisto 7, no inicio quando o senhor postulou este cargo, a Prefeitura oferecia um
curso na USP através da FIA. O Senhor participou desse curso também?
Entrevistado GP1: - Participei na integra. Uma formação extremamente importante na área da Gestão.
Profissionais contratados muito competentes. Tivemos um momento muito rico. Extremamente rico de
formação na FIA onde nós passamos um período relativamente longo, participando dessa formação.
Entrevistador: - Na época, quem estava na Coordenadoria de Educação de C e Sapopemba?
Entrevistado GP1: - Na diretoria de C estava a professora Hatsue. A partir de 2005.
Entrevistador: - A partir de 2005 mudaram os coordenadores de Educação...
Entrevistado GP1: - Essa questão de mudança de governo. Anteriormente, tivemos a Dalva Franco no
governo Marta na DRE de C, foi Coordenadora da DRE de C.
Vale salientar que no Governo Serra, quando muitos militantes preferiram sair, eu acreditava que
devíamos fazer resistência, e fiz para lutar pela originalidade do Projeto do CEU C, mas também dos
demais CEUs. Precisavam ficar pessoas para opor resistência e lutar por aquilo que o CEU trás de
beneficio social para a comunidade. Como garantia, eu fiquei nessa luta.
Entrevistador: - É muito importante garantir essa conquista das pessoas aqui de C. Os CEUs, em
principio, promoviam o que chamamos de Educação Integral. Que é o que mais ou menos o que a
EMEF Aclamado oferece, onde as crianças podem vir no contra turno, frequentar diversos tipos de
cursos como Imprensa, Desenho, Orquestra entre outros. Como esses cursos eram oferecidos no CEU
C no Governo Marta?
Entrevistado GP1: - O CEU tinha uma proposta nas unidades de Educação trabalhar no turno com seus
alunos e os alunos participarem no contra turno de várias atividades, que não era privilégio das escolas
do CEU, pois o CEU atendia todas as escolas do entorno. A proposta era essa: de não privilegiar as
escolas internas do CEU, compostas pela EMEF, EMEI e CEI. Tinha essa preocupação de atender as
escolas do entorno nos seus contra turnos, porque a Gestão através dos núcleos de Educação, Cultura e
Esportes fazia este trabalho oferecendo várias atividades, nas varias atividades de esportes, nas várias
linguagens das artes e em cursos diversos... Reforço escolar, enfim tinha toda uma proposta desses três
núcleos atenderem no contra turno os alunos das escolas do entorno. Isso é um diferencial da escola A.
A Escola A tem uma proposta de integração das várias atividades dentro do que entendemos como
currículo tradicional. As atividades não são somente no contra turno, elas acontecem também dentro
do turno. O aluno tem aulas de matemática, português e ciências do currículo formal, mas junto a isso,
misturado a isso nós temos aulas, dentro do turno, de capoeira, de dança clássica, as várias danças
populares, afro, xadrez... Enfim, uma série de atividades... Construção de brinquedos... Todas as
atividades oriundas da cultura popular estão imbricadas, interligadas com as áreas acadêmicas. As
culturas populares e acadêmicas acontecem dentro do turno, o aluno não vem só para o contra turno...
Estou falando especificamente da nossa Escola Aclamado. Após as 14 horas eles podem optar por
várias atividades para ir até às 18h30min. A proposta que temos na EMEF Aclamado é mais avançada.
A do CEU já era avançada para a época, mas a da EMEF Aclamado é muito mais avançada nesse
aspecto. Não tem assim um turno que é o currículo formal e outro turno que é o currículo não formal,
porque parece que o currículo formal é mais importante do que o não formal, tende-se a menosprezar
ou diminuir toda a riqueza oriunda da cultura popular, por isso o Governo Haddad estudando a escola
de modelo integral do período da Marta instituiu esta escola de São Paulo que é a única a trabalhar
com este modelo de educação integral em tempo integral.
Entrevistador: Qual é a relação que existe entre este modelo da Escola Aclamado com o modelo de
escola da Marta? Era possível estabelecer este modelo antes? Quando se iniciou o projeto do CEU C?
Entrevistado GP1: Havia essa possibilidade, mas precisávamos de uma escola que pudesse ser piloto.
O CEU poderia ser piloto, mas o CEU tem a proposta de atender as escolas do entorno, por isso não
era possível fazer dentro do modelo que temos no Aclamado, porque o CEU tinha que garantir o
período das outras escolas no seu turno, e atender aqueles alunos que faziam a opção para vir para o
CEU... Por exemplo: o aluno estudava na escola do entorno de manhã e vinha para o CEU à tarde
fazer outras atividades, então não havia uma perspectiva dentro desse modelo que nós temos hoje. Este
modelo tem uma autoria nossa, enquanto direção, nós apresentamos esta proposta para a Diretoria de
Educação de C e para a Secretaria Municipal de Educação de fazer esta integração: quebrar essa grade
384
curricular. O Miguel Arroio escreveu sobre esta questão de quebrar a grade. Eu ficava imaginando:
como seria quebrar uma grade... Nós, no coletivo, vimos a possibilidade de quebrar essa grade, nós
apresentamos a proposta para o Governo e fomos atendidos prontamente. Enxergamos que isso traria
uma riqueza curricular muito grande, em que tudo é território do saber: saber acadêmico, saber
popular... Todos têm importância, e por que não estar juntos? E, por que estarem separados?
Entrevistador: É uma experiência muito rica, que remete a Miguel Arroio. Sobre a intenção original da
Cida Perez para o CEU, que se baseava em conceitos de Paulo Freire, Vitor Henrique Paro e outros
pensadores. Quando imaginaram o CEU estes estariam presentes desde a inauguração do
equipamento? No caso, existia a possibilidade da criança vir no contra turno fazer vários tipos de
esportes dentro dessa linha da educação integral. Havia um grande aporte financeiro para o Esporte,
Educação e Cultura. Nessa época era possível iniciar um sistema novo?
Entrevistado GP1: Cabe esclarecer que no Governo Marta existia um projeto inter secretarial, em que
a Educação dava o tom e as outras secretarias e especificamente de Cultura e Esportes estavam muito
presentes dentro do CEU, que representou um avanço muito grande, pois sabemos que orçamento da
Cultura e do Esporte é infinitamente menor do que o da Educação. Como nós temos um Centro
Educacional Unificado e entendendo que esporte é educação e cultura é educação, houve essa parceria
que criou este projeto inter secretarial que deu sustentação técnica e financeira capaz de apoiar a
Cultura e o Esporte na execução de um extraordinário trabalho. Entraram com toda sua experiência,
toda sua formação. Foi um casamento perfeito que o Governo Marta promoveu de forma muito feliz.
Entrevistador: Este modelo inter secretarial foi capaz de abarcar o problema da exclusão e inclusão
social promovendo o cuidado às crianças. Aldaisa Sposati definiu as regiões em que não havia
assistência, esporte, lazer e cultura. Com a instalação do CEU nessa região implantou-se o teatro,
piscinas, quadras de esportes de modo que todos pudessem participar das atividades. Crianças antes
desassistidas passaram a ter essa assistência.
Entrevistado GP1: É importante lembrar que o CEU vinha na perspectiva da educação integral, sendo
seu foco extremamente social. Trazer cultura para as periferias de São Paulo. Trazer o esporte,
oportunizando o acesso a esses bens públicos. Entendia-se que este fator mudaria a realidade local, e
constatou-se nas estatísticas. Quando o CEU foi implantado, já no segundo ano as estatísticas
mostravam uma queda significativa na criminalidade dessa região, uma queda acentuada, logo após a
implantação do CEU C, uma região de vulnerabilidade, de extrema violência, drogas, foi constatada de
forma muito clara.
Valeu a pena todo o investimento, muitas críticas perversas em relação à manutenção de um CEU.
Ora, é uma verba investida e não gasta, é um investimento! Antes de se falar qualquer coisa em
relação à manutenção de um CEU.
Entrevistador: As maiores críticas foram por conta das chamadas “escolas de lata” construídas no
Governo Pita e que ao invés de erradicá-las, o Governo Marta gastou vultosos recursos, numa média
de dezessete milhões de reais por equipamento, na implantação dos CEU, sendo quarenta e quatro
unidades no plano inicial. A oposição imaginava que ao invés de investir este capital num
equipamento desses, o governo da Marta deveria extinguir as escolas de lata, esse era o tom da critica?
Entrevistado GP1: Sim. Nós temos a defesa de uma escola de qualidade e para a elite isso não era
bom. Para eles a escola para o povão era a que dá para fazer sem grandes custos. O povo está na
escola, o povo está na escola e não importa que escola. Mas é uma escola. Se for de lata, não importa,
está na escola, na visão burguesa. Houve toda uma luta das comunidades, dos movimentos sociais para
que tivesse os CEUs nas periferias como um equipamento de qualidade.
Entrevistador: Essa luta iniciou-se através de audiências públicas, como é que se deram essas
solicitações do povo? Parece que o Governo Marta gostava de ouvir as reivindicações através das
audiências públicas. A própria ideia do CEU teria surgido através delas.
Entrevistado GP1: Era a tônica de o Governo consultar, debater e ouvir a comunidade: seus anseios e
necessidades. Surgiu o debate, ou melhor, foi dado continuidade, sempre existiu essa reivindicação,
mas ela ganhou força por meio dos movimentos, para que pudéssemos realizar esse sonho de um
governo popular. Todo do CEU naquele governo foi de primeira qualidade, de primeira linha. Eu
estava lá e vi chegando, eu sou testemunha disso. Todo o material era de primeira linha. Todo o
material, tudo, tudo... Tanto em qualidade quanto em quantidade.
Entrevistador: Em 2004 quando o senhor coordenava o Núcleo de Esportes do CEU C, no Governo
Marta. Em 2005, no Governo Serra, dois meses após a inauguração da unidade, o senhor assume a
385
Gestão do CEU, sendo militante do Partido dos Trabalhadores, permitiram que o senhor assumisse o
cargo por uma solicitação da comunidade, poderia falar sobre isso?
Entrevistado GP1: Eu fui, na época, o único gestor de CEU, que a comunidade fez um movimento em
defesa de alguém que não pertencia àquele grupo político. Isso é raro. Quando um governo assume
dificilmente se mantém alguém que não tenha a mesma linha ideológica. O gestor Antônio Amaral por
livre e espontânea vontade preferiu sair e a comunidade ficou receosa desse projeto tomar outro rumo.
Houve uma grande mobilização em defesa do meu nome, que tinha sido eleito, em primeiro lugar na
eleição. Depois de muita conversa com as lideranças, o no governo acabou por acatar a proposta da
comunidade. Foi um ganho, pois lutamos muito, inclusive contra esse próprio governo, é uma
contradição, mas a contradição é importante. Eu fiquei como a resistência. O único gestor do CEU que
era de uma linha ideológica diferente ligada à esquerda, especificamente, ao Partido dos
Trabalhadores.
Entrevistador: Deu para o senhor perceber se na época o Governo começou a escassear recursos,
pessoal, demanda de matriculas? O que houve que o novo Governo pode ter influenciado... Mudança
de Regimento dos CEUs... Algum indicio que poderia apontar uma descontinuidade?
Entrevistado GP1: Ficou muito claro, muito evidente que o Governo queria desorganizar, desmantelar
toda aquela proposta, a começar pela redução de gastos do orçamento, tivemos grandes prejuízos.
Pouco tempo depois, o projeto inter secretarial já não existia mais, a Educação, a Cultura e o Esporte
não conseguiram mais manter o mesmo trabalho que vinham mantendo, e foi-se pouco a pouco
desorganizando toda a estrutura. Eu fui uma resistência para poder não desorganizar as nossas
atividades do CEU. Fizemos um grande mapeamento cultural na região para que os atores locais
viessem a ocupar o CEU, atores das várias linguagens das artes, das várias modalidades do esporte
viessem a ocupar o CEU como protagonista. Não esperamos muita coisa de fora, porque o Governo já
não tinha essa intenção. Foi rico! A partir do momento que começamos a mapear culturalmente a
região surgiram muitos valores, que estavam escondidos na comunidade. Essa situação que nos
motivou a fazer o mapeamento... O que aconteceu foi maravilhoso, esta oportunidade dessas pessoas
virem: “Não! Não vamos deixar o CEU ocioso, parado, vamos movimentar o CEU”, foi uma época
fantástica.
Com relação à educação integral, houve uma queda violenta, pois começou a inchar... Trouxeram
outra proposta de educação integral, mas muito atabalhoada, muito inchada, colocando uma
quantidade de alunos por turma absurda... Houve uma desqualificação da proposta de educação
integral. A experiência de educação integral nos Governos Serra e Kassab foi muito ruim, fraca e sem
planejamento.
Entrevistador: Houve remoção de professores, de algum profissional, esvaziamento de profissionais
para lidar com os alunos, mesmo diante da demanda? Ou vieram mais profissionais com menos
qualidade? O que o senhor pode ter percebido?
Entrevistado GP1: Os profissionais continuaram os mesmos, mas com a dificuldade material, acaba
interferindo na qualidade do trabalho. A motivação, os eventos toda uma sequencia de atividades que
tínhamos durante o ano acabou diminuindo bastante e pouco a pouco houve prejuízos em relação ao
Programa CEU. É importante dizer que lutamos contra tudo isso, fomos e fizemos resistência e o
esporte no CEU também permaneceu forte porque nós fizemos todo o mapeamento do esporte na
comunidade e colocamos o esporte no CEU, sem esperar nenhuma ação do Governo. A ação era
nossa, juntávamos as lideranças, fazíamos assembleias e definíamos o que nós podíamos fazer para
manter a originalidade do CEU.
Entrevistador: Passaram a trabalhar com voluntariado?
Entrevistado GP1: Muito, muito...
Entrevistador: Esportes como karatê, capoeira... Eram voluntários que vinham assumir a
responsabilidade junto à comunidade.
Entrevistado GP1: Quando antes eram profissionais da Cultura e do Esporte, que vinham pelas
secretarias... Eu me vi assim: e agora o que é que eu vou fazer? Além dos nossos profissionais lotados
na casa, que têm exercício aqui no CEU, vinham outros profissionais. Depois nós não tivemos esses
outros profissionais. Tivemos que trazer da comunidade de forma voluntária, e vieram. Foi onde
fizemos uma grande diferença.
Entrevistador: - Esta é a resistência que o senhor fala: a participação da comunidade no ensino integral
atendendo as crianças que antes estavam...
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Entrevistado GP1: Elas estavam sob orientação de profissionais que eram contratados via Cultura e via
Esporte, tínhamos profissionais efetivos, que não davam conta da alta demanda. Então, como é que
fazemos? Não atendemos a demanda. Atendemos a uma demanda restrita? Não! Vamos atender a
mesma demanda, ou vamos aumentar! Mas, como? Com a própria comunidade. Sempre eu vou
encontrar profissionais na comunidade de várias áreas e que estavam predispostos a tirar algumas
horas de seu dia, de sua noite para prestar o serviço em prol da comunidade. E aí nos continuamos
com volume de movimento.
Entrevistador: - O CEU C, pelo que eu percebo hoje, é um equipamento extremamente movimentado,
inclusive nos finais de semana. Percebo que a gestão desse CEU busca fazer este movimento.
Enquanto em outras unidades o movimento é menor, ficando praticamente vazios em alguns finais de
semana. Então a importância da gestão, do querer e da influencia da comunidade é extrema.
Entrevistado GP1: - Eu diria que o CEU tem a cara da gestão. Quando o gestor tem essa visão,
predisposição e intenção as coisas acontecem. Público nós temos. A comunidade está aí. Abrir as
portas do CEU de forma organizada, trazendo benefícios para a comunidade é algo que somente
alguns poucos gestores de CEU fazem. Falo com conhecimento de causa. É uma crítica, que faço.
Uma crítica fundada.
Entrevistador: - Voltando ao desmantelamento que o senhor citou, que seria o foco dessa pesquisa, a
mais alguma coisa que o senhor poderia citar, que servisse de fundamento para demonstrar que houve
a intenção do novo Governo de desmontar essa estrutura?
Entrevistado GP1: A Cultura trabalhava na formação de público. Os alunos que vinham para o CEU
para assistir uma peça ou um filme, não vinham somente como espectador, ele tinha uma formação.
Existia uma equipe de formação de público que ia às unidades escolares fazer todo um trabalho prévio
com os alunos e com os adultos da EJA sobre aquela peça, passavam lá dois três dias discutindo,
debatendo, mostrando e provocando a reflexão sobre a proposta daquela obra: música, peça teatral,
cinema. Contavam com toda uma formação prévia e após o espetáculo havia um debate com o próprio
produtor, diretor do espetáculo. Ao vivo com ele ali. No cinema, alguém vem, os próprios atores
vinham para debater e discutir... Isso tudo é para formação do sujeito que pensa. Por que quem não
pensa é pensado, ou senão será pensado.
Entrevistador: - Isso ocorria antes do governo Serra?
Entrevistado GP1: - Sim! Dei um exemplo muito claro do que acontecia e que o novo Governo não
entendia isso como necessário. Houve uma diminuição importante, assim como a qualidade caiu por
que não havia mais formação de público. Mandavam simplesmente uma peça, por mandar e a escola
vinha, por vir. Sem nenhum trabalho de formação... A não ser que a própria escola tivesse a pré-
disposição de fazer isso com seus professores, que, de repente, até acontece, mas, de forma rara. Na
maioria das vezes as pessoas vêm, marcam, agendam e vêm. Naquela época do Governo Marta existia
esta preocupação com a formação. Imediatamente, no Governo Serra isso foi retirado: Músicos com
formação que vinham, através da Cultura, fazer trabalhos com vários instrumentos na comunidade.
Depois disso valorizou-se o trabalho em que as associações e organizações não governamentais
traziam seus oficineiros, que, entretanto não passavam pelo crivo avaliativo e tínhamos problemas
sérios na qualidade desses profissionais.
Dei dois exemplos aí... de desmantelamento, extremamente claros.
Entrevistador: - Ficou claro sim. A terceirização deu a nota do desmantelamento uma vez que eles não
procediam uma procura por profissionais devidamente habilitados.
Entrevistador: - Isso ficou muito claro. Fazia-se um contrato com a ONG e não havia critérios para a
contratação de profissionais. Era muito livre no caso das contratações. Poderia vir alguém
maravilhoso, como também poderia vir pessoas sem a qualificação, causando prejuízo violento na
formação das crianças. Isso por si só já é um prejuízo. Uma enorme falta de responsabilidade.
Entrevistador: - Entrevisto 7, o senhor ocupou dois cargos importantes na administração do CEU:
Núcleo de Esporte e Gestor - fundamentais. Agora o senhor ocupa um cargo de diretor da EMEF
Aclamado. Sobre a relação horizontal entre o gestor de CEU com os diretores das demais unidades
educacionais dentro do CEU. Haveria alguma dificuldade, que o senhor pode ter encontrado de
solicitar a eles suas presenças em alguma reunião e não virem. Poderia haver alguma
incompatibilidade entre os gestores ou desinteresse devido a sua liberdade de ação, pois são também
concursados... O que o senhor poderia falar sobre este assunto?
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Entrevistado GP1: - É uma situação singular, pois o gestor do CEU não é chefia dos gestores das
unidades escolares EMEF, EMEI e CEI. Ele é gestor de um equipamento, tanto quanto os diretores das
unidades. Diante disso, o gestor do CEU jamais poderá se colocar num pedestal hierárquico, onde os
demais gestores estariam num nível um pouco mais assimétrico, desigual. O mais interessante que nós
conseguimos foi nos organizar enquanto colegiado, em que tínhamos representantes de cada
seguimento de dentro do CEU: gestores, coordenadores, coordenador do tele centro, coordenadores de
cada núcleo, todos os gestores representando os seguimentos diversos do CEU. Fazíamos encontros
uma vez por mês quando discutíamos as questões gerais e especificas. Todos podiam dar sua opinião,
sua colaboração e apresentar suas propostas. Dependendo de cada caso caberia ao Conselho Gestor, se
fosse ligado à questão da gestão do CEU, discutido nesse colegiado levar para o Conselho Gestor em
que tenha representantes também dos vários seguimentos do CEU e da comunidade decidir o que
fazer. No entanto, as demandas de cada unidade também eram levadas por seus conselhos para
discutir, aprovar e encaminhar. Tinha e acredito que ainda tenha essa semente, pelo menos aqui no
CEU C permanece. O Colegiado é um movimento importante dentro do CEU, em que todos possam
discutir sobre as várias demandas, independente de fazer parte... Se a questão está lá no teatro, o
diretor da EMEI está discutindo a questão do teatro, se a questão é lá no CEI, o coordenador de
Esporte e o Coordenador de Educação estão discutindo junto com o diretor de CEI e assim nós
conseguimos um movimento importante que nos ajudou bastante na condução de uma gestão
compartilhada.
Entrevistador: - Este é o Colegiado constituído pela chefia de todas as instituições de dentro do CEU
incluindo biblioteca, tele centro e todos os demais, que se reúnem periodicamente para discutir sobre
os assuntos pertinentes à administração propriamente dita. Sobre o Conselho Gestor, ele conta com a
participação da comunidade, funcionários com o objetivo de discutir sobre todas as instancias
necessárias para manter o funcionamento do CEU.
Entrevistado GP1: - O Conselho Gestor é fundamental. Ele tem representantes equivalentes de
funcionários e comunidade. Em suas reuniões são discutidas principalmente as questões voltadas para
o atendimento à comunidade. Enquanto equipamento, como esta comunidade está sendo atendida? Há
uma especificidade do conselho gestor, pode até remeter a uma questão de uma unidade, na pauta, mas
o foco maior é de como esta comunidade está sendo atendida. De que maneira? Ouvir as propostas da
comunidade e então tem uma riqueza muito grande no conselho gestor, em se tratando em que a
comunidade pode a atuar de forma muito ativa.
Entrevistador: - Sobre o Conselho Gestor, no início do CEU, lá em 2004 e depois da entrada do
Governo Serra, houve alguma alteração na estrutura desses dois conselhos? Parece que esvaziou, pois
a comunidade parou de participar. Ou, no seu caso propriamente dito, sim, o senhor conseguiu manter
o Conselho Gestor em funcionamento apesar da mudança regimental?
Entrevistado GP1: - No inicio o Conselho Gestor teve uma participação quantitativa muito boa, com o
passar do tempo houve certo descontentamento com as políticas públicas, quando da mudança de
governo e houve sim, certo esvaziamento. Eu tive a iniciativa de fazer a provocação: ou nós vamos
unir e lutar e a luta será por meio desse fórum, ou nós vamos nos enfraquecer pouco a pouco e não
teremos a mesma força de antes. Conseguimos por meio dessa provocação, causar a reflexão e as
pessoas da comunidade começaram a retornar e retomar as discussões. Houve mesmo uma queda na
frequência, sim. Lutamos para recuperar a participação popular, isso na minha gestão. Não sei como
está este movimento hoje.
Entrevistador: - Dada a proximidade da EMEF A com o CEU C, divididos por uma única rua, o senhor
participaria do Conselho gestor do CEU hoje?
Entrevistado GP1: - Apresentamos uma proposta para participar do Colegiado, porque a Escola
Aclamado fica do lado do CEU é uma unidade que não pertence ao CEU, mas pelo fato de estar muito
próxima e ter muitas parcerias com o CEU participamos do Colegiado e vamos nos candidatar um de
nós para compor o Conselho Gestor, teremos representatividade no Conselho Gestor, nas próximas
eleições do Conselho Gestor.
Entrevistador: - Entrevisto 7, eu estou satisfeito com a entrevista e agradeço muito a oportunidade de
estar aqui, muito obrigado!
Entrevistado GP1: - Eu agradeço, e sempre estarei aqui disponível e predisposto a falar sobre um
equipamento tão importante e significativo na História da Educação Brasileira que remete a Anísio
Teixeira, com a proposta da Escola-Parque, onde o CEU foi buscar esta essência e trouxe benefícios
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importantes, como já falei. Estarei sempre predisposto a falar sobre esta instituição que veio para fazer
a revolução da Educação. No entanto, que precisa de uma gestão pública, de governo para dar apoio
aos gestores que tenham este perfil para fazer a grande transformação na Educação, entendendo
Educação no seu sentido lato, não somente no ensino no sentido estrito. Aí, sim. Nós poderemos dizer
que somos defensores e protagonistas de uma educação genuinamente integral. Muito obrigado!
Estabeleceu-se encontro com um grupo de pessoas que tiveram ligação com o CEU C com o objetivo
de manter conversa entre os participantes, procurando focar os assuntos na transição entre o Governo
Marta do Partido dos Trabalhadores e o Governo Serra do PSDB ocorrida entre os anos de 2004 e
2005. Buscou-se direcionar as discussões para aquele momento histórico e tentar definir diante da
acareação entre os três participantes, buscando avivar lembranças de fatos ocorridos, modificações e
permanências na estrutura da entidade.
O encontro do grupo focal ocorreu em uma pequena sala contigua à biblioteca do CEU C, na terça-
feira, 30 de agosto de 2016, na cidade de São Paulo.
Do encontro participaram Entrevistada T2, atual coordenadora da biblioteca, bacharel em
biblioteconomia, que trabalha há cerca de doze anos na instituição; Entrevistada T3, licenciada em
letras, funcionaria da instituição há treze anos, tendo sido a primeira funcionária a ser contratada para
o CEU C. Entrevistado GP1, que ministra aulas de educação física em escolas municipais, formado em
Educação Física e Pedagogia com Administração Escolar e Coordenação Pedagógica, foi Coordenador
do Núcleo de Esportes do CEU no Governo Marta em 2004, tendo assumido a gestão do CEU em
2005, com a entrada do Governo Serra, permanecendo no cargo por cerca de três anos, hoje é diretor
da EMEF Aclamado que possui uma proposta de grade curricular diferenciada, proposta por ele,
enquanto gestor, e aprovada pela Secretaria Municipal de Educação. Registra-se a ausência da
professora de pintura em tecido Marluce, voluntária desde o início da implantação.
A formalidade do preâmbulo da atividade não se estabeleceu no primeiro momento, pois, o
Entrevistado GP1 se lembrou de aspectos que achou por bem expor. A técnica utilizou a gravação da
voz e a de imagens.
Entrevistado GP1: Quando se fala de Educação Integral, na época da Marta, não vinha com essa
proposta de educação integral, não vinha intitulada Educação Integral, mas o que se fazia era educação
integral, pois se dava a oportunidade das crianças virem de outras escolas do entorno para fazerem
atividades no contra turno no CEU, mas no Governo da Marta não tinha essa coisa do CEU e educação
integral, não, isso veio posteriormente, no governo posterior. E então, surgiram os vários problemas
com relação a essa proposta da educação integral.
Pesquisador: Quais seriam esses problemas?
Entrevistado GP1: Um deles, porque tem vários: inchaço. Na proposta inicial, houve toda uma luta
nossa para poder dar qualidade a essa quantidade. A proposta inicial era lotar turmas.
Pesquisador: Havia ônibus para o transporte dos alunos?
Entrevistado GP1: Não. Na época da Marta...
Entrevistada T2: Que teve o sexto momento, lembra Zé? Que foi o inicio da...
Entrevistado GP1: Esse sexto momento, não foi na época do Serra?
Entrevistada T2: Não.
Entrevistado GP1: Ainda foi na época da Marta...
Entrevistada T2: Da Marta. Era esse termo que eles usaram: Sexto Momento. Era uma aula a mais no
final de cada período de aula...
Entrevistado GP1: Do turno tinha uma aula a mais...
Entrevistada T2: Do turno.
Entrevistado GP1: Eu não me lembrava desse detalhe. É importante isso. Eu achei que esse sexto
momento fosse... Mas, é verdade, não é? É... Até os nossos técnicos de Educação Física vinham para
cobrir um pouco, oficineiros...
Entrevistada T2: Isso. Aí, no Governo do Serra tivemos o São Paulo na Escola, era o primeiro nome
que foi dado, foi como se fosse uma mudança nesse sexto momento, mas com uma amplitude maior. ‘
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ele disse no começo que não iria construir edifícios com vários andares, pois queria economizar com a
manutenção de elevadores, que é cara. Essa é minha pesquisa, meu intuito entender o que houve nessa
transição de governos entre 2004 e 2005, meu objetivo aqui é resgatar a história que vocês viveram no
CEU e a trajetória do CEU focando principalmente nos aspectos que normalmente já foram falados
aqui. Então, eu gostaria de saber como seria o funcionamento do CEU nesse período?
Entrevistada T2: - O horário oficial do CEU era de segunda à sexta das nove horas às vinte e uma
horas e sábado domingos e feriados das nove às dezoito horas, os shows dos finais de semana
aconteciam até às oito horas, se passasse um pouquinho a gente acabava ficando um pouco mais.
Pesquisador: Quando o CEU C foi inaugurado?
Entrevistada T2: O CEU C foi inaugurado em novembro de 2004, mas o pessoal que chegou, a
Entrevistada T3 foi a primeira que chegou, de todo mundo, na estrutura, inclusive chegou na
subprefeitura.
Pesquisador pra Entrevistada T3: - Você ficou na subprefeitura esperando a inauguração do CEU?
Entrevistada T3:- A gente já tinha sido chamado, já tinha saído o nome no DO então a gente foi lá
assumir o nosso cargo. Só que o CEU não estava pronto, estava em construção e não tinha material
nenhum. Chegou um mês depois, aí eu vim. Estava tudo encaixotado, as cadeiras estavam ainda no
plástico. Não tinha nada montado. Nós viemos e começamos para receber os materiais e as pessoas
que estavam chegando. Isso lá em 2003 ainda.
Pesquisador: - Então a inauguração se deu em 2003?
Entrevistada T3: - Em novembro de 2003.
Pesquisador: Então o CEU trabalhou um ano antes de mudar o governo?
Entrevistada T3: - 2004 inteiro.
Pesquisador: - 2004 inteiro, incluindo novembro e dezembro de 2003, então deu para perceber que
havia muitos shows, o material que chegou era de extrema qualidade.
Entrevistada T2: Sábados e domingos tinham horários específicos para peças de teatro, a população já
vinha sabendo que tinha aquele horário tinha peças de teatro, contação de histórias, tinham os shows
que eram promovidos. Na biblioteca, uma vez por mês tinha escritor na biblioteca, então o pessoal já
vinha e sabia que tinha.
Pesquisador: - Seria uma palestra do escritor?
Entrevistada T2: Com escritores. E, não eram escritores pouco conhecidos, não. Eram pessoas do
círculo literário. Não conseguimos trazer Eva Furnari aqui porque ela morava um pouco longe e a
editora que costumava trazê-los... Tivemos pessoas bem conhecidas naquele momento aqui.
Pesquisador: - Deu para entender que o CEU estava estruturado dessa maneira na questão da formação
de público, que na ocasião davam muito incentivo... Imagine trazer escritores aqui para conversar com
crianças... Isso é uma coisa maravilhosa! Uma ideia muito boa e pedagógica.
Entrevistada T2: - Isso já acontecia nas escolas públicas, na Gestão da Marta ela só estendeu para o
CEU a visita dos escritores na biblioteca, assim a mesma programação que tinha para as outras, nós
também passamos a receber. Era bem interessante esta questão da formação de público, mesmo.
Pesquisador: - Eu li uma dissertação de uma bibliotecária que atuou no CEU.
Gisele: - Charlene Kathlen, eu a conheci é minha colega, foi bibliotecária do CEU Azul da Cor do
Mar. Ela foi a primeira bibliotecária a fazer uma dissertação de mestrado, especifica sobre os CEUs,
fez na USP.
Pesquisador: - Com o advento da internet tem diminuído um pouco as atividades da biblioteca?
Gisele: A biblioteca tem que se transformar. O caráter que ela tinha uns anos atrás ela precisa mudar,
que assim a gente consegue atrair as pessoas. Temos que ter computadores, acesso para tablets,
notebook, nós conseguimos sim atrair, pois as pessoas não têm espaço para estudar. A biblioteca faz
esse papel.
Pesquisador: A bibliotecária também faz um papel bonito, de dar a iniciação da leitura para alunos
pequenos.
Entrevistada T2: Nós fazemos a mediação da leitura, o professor traz, fazemos a mediação, não
ensinamos a ler, mediamos aquele primeiro contato com a literatura. As bibliotecas têm um papel bem
importante. Trabalhamos com diferentes faixas etárias.
Pesquisador: Você percebeu se houve uma diminuição de verba para as atividades do CEU após o
governo Marta, isto é, durante o Governo Serra/Kassab?
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Entrevistada T2: - Sim. Deu uma diminuída significativa. Tanto para espetáculos, escritor na
biblioteca, compra de livros. Se é que tinham a intenção de que os acervos das bibliotecas crescessem
cinco por cento ao ano, nunca houve compras de estantes, por exemplo, para dar continuidade ao
acervo. A intenção que se tinha lá em 2004 mudou. Não é mais a mesma.
Pesquisador: - Então diminuiu a verba para as bibliotecas do CEU, no governo Serra/Kassab?
Entrevistada T2: - Sim. Diminuiu. Não houve mais a formação de público, a contação de história
passou a ser esporádica, não houve mais aquela continuidade: Mensalmente ter um encontro, pois
demandam dinheiro, são só alguns períodos do ano, final do ano, meio do ano, acontece alguns
encontros. A continuidade não tem. nós percebemos na compra de livros e na assinatura de periódicos,
também. Tem a questão relacionada com a licitação de periódicos, então, volta e meia temos
problemas com a continuidade disso, e sabemos também que de 2004 pra cá diminuiu demais o
número de revistas. Tínhamos mais de vinte títulos de revistas semanais, quinzenais e mensais.
Jornais, caderno de concursos, revistas de artesanatos, revistas femininas, revistas maternas. Agora só
temos as revistas mais conhecidas de informação, não temos mais revistas femininas. Chegava revista
de carros.
Entrevistada T3: - Quatro rodas.
Entrevistada T2: - O que acabava fazendo um grande volume de pessoas na biblioteca, por conta da
assinatura de revistas. Em 2004 o número de frequentadores da biblioteca era muito grande. De alguns
dias termos que fechar a porta, lembra disso Zé? Fechar a porta, e falar: espera esvaziar, e entra um
por vez. De ficar fila do lado de fora. Tem potencialidade para isso. Precisamos nos adaptar e
mudarmos algumas coisas, tem potencialidade para ter aquele mesmo número de frequentadores. É um
engano as pessoas acharem que a população não lê. Acho que a população não é inserida, incentivada.
Os periódicos são primordiais para o bom funcionamento da biblioteca, a assinatura deles é
fundamental. Nós tivemos, agora, a descontinuidade dos jornais, diminuiu bem no final de semana.
Entrevistada T3: - E na semana também. Todo mundo vem ler jornal de manhã. Se chegarem aqui, não
tem o jornal, vão embora. Ele olha na estante, não tem jornal.
Pesquisador: - O caderno de emprego, eles vinham aqui para pegar anúncios de emprego.
Entrevistada T2: Sim. E não tinha isso de furto, levar embora. Era raro. Coisa rara. Ele vem pesquisa e
deixa e não tem essa questão da posse... é primordial, primordial! A vitalidade da biblioteca se dá
através dos periódicos, também. E da compra de livros, também. Tem que renovar. A gente está com a
situação muito atípica, passaram três ou quatro anos sem a compra de livros...
Entrevistada T3: - 2011 aquela...
Entrevistada T2:- 2011? Acho que foi é, então, mas nós tivemos uma compra de livros há um tempo e
agora teve de novo. E a mais três anos vínhamos pedindo um determinado título que se não comprasse
estávamos prestes a fazermos vaquinha e comprar, mas são muitas séries, não dava para nós. Nós
tivemos há um mês uma compra e veio a coleção inteira do diário. Eu não consigo quantificar a
frequência que aumentou da biblioteca.
Pesquisador: A biblioteca encontra-se informatizada?
Gisele: Nós temos quatro computadores, mas desde o inicio de 2004 nós fomos acostumando o usuário
a utilizar o computador, caso não ache a informação no livro. Nós temos vindo fazendo essa pratica
desde 2004. É tanto que temos quatro computadores, dois dão uns problemas, mas não tem problema
em relação ao uso.
Pesquisador: A internet é lenta?
Entrevistada T2: - é lenta, os computadores da biblioteca são para pesquisa escolar e os do tele centro
seriam para uso livre. Desde a inauguração estamos fazendo este trabalho, então não tem problema.
Escutamos os colegas de fora falando que têm muitos problemas, mas porque não foi feito este
trabalho. As pessoas chegam ao computador: “está livre e eu vou sentar”. Aqui a comunidade tem
muito respeito com o uso do computador. No começo tinha até uma hora, não é Você lembra? A
pessoa ficava até uma hora... hoje não precisa nem fazer mais esse controle: por que a pessoa chega,
faz o trabalho dela, sai e sabe que o outro está esperando. Sabe que é importante as bibliotecas terem o
computador. Essa questão da disponibilidade do WIFI ajudou muito, a não ter esse problema do
computador.
Pesquisador: - O WiFi está disponibilizado aqui no CEU? É só dentro da biblioteca?
Entrevistada T2: - Tem o WiFi livre: a pessoa vem na biblioteca e requer uma senha, que dura uma
semana, sendo renovável. Se a pessoa sair do CEU acaba o sinal.
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Pesquisador: - Que coisa boa! Esta informação tinha me fugido, pois um dos meus entrevistados disse
que, havia este sinal em uma praça pública da comunidade, e eu pensei como seria bom se o sinal
estivesse também disponível no CEU, para que as crianças desfrutassem da internet na segurança do
CEU. Faz tempo que foi liberado este sinal?
Entrevistada T3: Eu não me lembro, mas foi disponibilizado antes do governo Haddad.
Pesquisador: - Os computadores da administração também utilizam este tipo de sinal?
Entrevistada T3: Poderia, mas, nenhum dos computadores funciona com sinal de WiFi. É só mesmo
Entrevistada T2: O acesso ao sinal de WiFi dá um pouquinho de trabalho para adquirir, ele não é livre
como nas praças, concentramos tudo na biblioteca, a pessoa vem na biblioteca, passa o número do RG
dela, cadastramos e disponibilizamos a senha, que vale uma semana. Eu acho que a pessoa pode ter
fala que não tem porque tem que fazer esse processo, que é muito lento, muitas vezes a internet cai
para gerar a senha. Às vezes tem que falar para a pessoa não estou conseguindo gerar sua senha.
Então, pode ser isso que as pessoas acham que a que a praça tem e no CEU não tem, deve ser isso.
Entrevistada T3: - Podemos dizer que a internet é livre com algumas restrições.
Entrevistada T2: - Eu acho que tem que acompanhar a modernidade, senão o CEU acaba ficando
obsoleto, as bibliotecas ficam obsoletas, se não acompanhar, nós não somos contra isso não. Tem o
material, tem o livro, mas a internet é fundamental.
Pesquisador: Sobre a relação entre os profissionais e os níveis de ensino no interior do CEU no Tempo
da Marta: Como os profissionais se davam? Na fala do Prof. Entrevistado GP1 as diversas instâncias
como EMEI, CEI e EMEF estavam afinadas com a Gestão do CEU. Haveria uma relação horizontal
entre a administração central do CEU e as administrações das unidades de ensino. Haveria problemas
de relacionamento profissional nessa dimensão?
Entrevistado GP1: - Onde há um contingente é natural que tenham divergências ideológicas. E, é para
ter mesmo. Por que se não tiver, tem alguém ditando. Tem alguém batendo martelo, e dizendo que é
para ser feito assim, por que ele acredita que seja feito assim.
Nós tivemos gestões democráticas em que cada um tem um perfil, tanto a que nos antecedeu, quanto a
nossa, onde o objetivo era independente das questões de convergências e divergências ideológicas em
relação ao Programa CEU eram que houvesse uma unificação em torno de uma linha, que nós
acreditávamos e continuamos acreditando de educação, isso é fato. É importante deixar claro que não
é somente as escolas, tínhamos segmentos, unidades escolares e segmentos do CEU como o Núcleo de
Educação, Núcleo de Cultura, Núcleo de Esportes, Biblioteca pertencendo ao Núcleo de Cultura,
também se considerava um segmento e o Tele centro.
Tínhamos as escolas e tínhamos esses vários segmentos para que todos eles tivessem um projeto, uma
proposta: a biblioteca tinha que ter uma proposta pedagógica. A praxe é que a escola tenha seu PPP. E
nós criamos essa... E o Núcleo de Cultura... Tem o quê? Qual é o documento do Núcleo de Cultura?
Tem que ter um documento. Tínhamos um projeto para ser desenvolvido pelo Núcleo de Cultura, e a
biblioteca pertencendo a esse núcleo também tinha a sua proposta. Nós por meio do Colegiado de
Integração, nós fazíamos todo um debate, uma discussão para alinhar sistematicamente, acredito que
era uma vez por mês que nos reuníamos...
Entrevistada T3: Não. Quinze dias.
Entrevistada T2: No tempo da Marta, que tentamosu continuar na outra gestão, não foi Zé?
Entrevistado GP1: Nós continuamos, mas por uma proposta nossa, da nossa casa. Nós ficamos, só para
deixar claro na gestão Serra/Kassab para manter a originalidade do projeto, por isso nós brigamos
muito nesses governos. Fizemos muito enfrentamento porque nós queríamos, com toda a nossa a
algumas questões do Governo Marta, que também teve, porque também a gente fica falando que a
coisa era mil maravilhas e não era, é importante que também se diga que teve problemas também e
que nós apontamos os problemas, no entanto, nós ficamos para lutar, para manter muita coisa que nós
achávamos importante que foi criado na origem do CEU. O Colegiado era importantíssimo, nós
conseguimos manter por muito tempo, Conselho Gestor...
Entrevistada T2: Reuniões pedagógicas unificadas...
Entrevistado GP1: As Reuniões Pedagógicas Unificadas que estão no Projeto original do CEU onde...
Não lembro agora, acho que ocorriam três vezes ao ano...
Entrevistada T2: Por volta de três vezes ao ano...
Entrevistado GP1: Nós nos reuníamos todos, todos, todos os equipamentos do CEU...
Entrevistada T2: Unidades, todos os seguimentos que ele acabou citando.
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Entrevistado GP1: Nós nos reuníamos para discutirmos num grande: o Colegiado e os representantes
de cada seguimento e nós levávamos todas as discussões de colegiado, a sigla é RPU Reunião
Pedagógica Unificada e aí nós colocávamos todas as questões tanto do Colegiado quanto do Conselho
Gestor e as demais demandas nesses grandes encontros em torno de trezentas ou quatrocentas pessoas,
chutando, porque o teatro lotava. Poucos CEUs mantêm até hoje essa reunião. Este daqui é um dos
poucos que ainda consegue duas vezes ao ano realizar. Reunir todo mundo e discutir as questões
gerais e mais específicas, para que todos compartilhem daqui. Quero dizer ela é lá da biblioteca, está
acontecendo alguma coisa no CEI, é lindo isso, ela tem a possibilidade de se manifestar para dar a sua
contribuição, uma alternativa para melhorar um atendimento às atividades das crianças no CEI. Porque
ela pertence a isso. Essa questão do pertencimento... E digo mais, não somente nessas reuniões
unificadas, não era somente, lembrando agora representantes das escolas tinha também representantes
da comunidade, das...
Entrevistada T2: - É verdade, dos seguimentos da comunidade de fora, associações de bairro, a gente
tentava trazer as empresas terceirizadas que trabalham dentro do CEU: segurança; limpeza, não dava
para trazer todo mundo, mas pelo menos uma parte. Acreditávamos, acreditamos até hoje que eles têm
que se sentir representados, também. Aqui dentro todo mundo educa, desde a... Salva-vidas
Entrevistado GP1: Bem lembrado! O pessoal da limpeza estava lá. Não estava todo o grupo, mas tinha
seus representantes lá na reunião pedagógica unificada. O pessoal da segurança... as terceirizadas que
trabalham dentro do CEU eram também contempladas. Todas as empresas que faziam trabalho dentro
do CEU, nós tínhamos a preocupação de dialogar junto.
Pesquisador: Este diálogo remete àquilo que nós chamamos de Educação Integral, uma vertente de
pensamento em que todos participam, falam a mesma língua, com o mesmo direcionamento dentro da
unidade envolvendo a relação de todos os profissionais de ensino do CEU.
Entrevistado GP1: Tivemos grandes debates, acirradíssimos de contradições enormes, inclusive eu
protagonizei algumas... risos... Mas, esta contradição é onde nós avançamos: Na contradição nós
avançamos. Essa questão dialética de hoje de eu defender algo e você me contrariar e apresentar outra
tese, que nós vamos discutir, debater e avançar. A nossa proposta não era a minha proposta engolir a
sua ou a tua engolir a minha, a minha desqualificar a sua e a sua desqualificar a minha. Era assim: tem
alguma coisa na sua proposta, que mesmo eu sendo contra, que você apresenta e que vai argumentar a
minha proposta ou vice versa. Isso é uma grande questão da contradição da gestão democrática,
porque se eu for, não tem essa grande discussão.
Nessas duas gestões, não quero entrar muito em especificidades, anterior à minha, também abriu para
o debate. E aconteceram grandes debates.
Pesquisador: Desde a implantação do CEU em um ano já deu para consolidar esse modelo de gestão
democrática...
Entrevistado GP1: Sim. É importante ressaltar que teve essa abertura para o debate. Tínhamos algumas
coisas contraditórias, mas houve a liberdade de se expressar sem retaliação. Eu protagonizei mesmo
grandes debates...
Pesquisador: Antes do Serra? Como coordenador do Núcleo de Esportes o senhor protagonizou
discussões para a construção de uma gestão melhor?
Entrevistado GP1: Sim. A com a preocupação de contribuir.
Entrevistada T2: - Não era só oposição, era para agregar contribuição.
Entrevistado GP1: E com o tempo, hoje se tem esse entendimento.
Entrevistada T2: Tem.
Entrevistado GP1: Nós conversamos sobre aquilo e... Aquele momento foi tenso do debate, que serviu
para avançarmos enquanto proposta.
Entrevistada T2: Acredito que se não estivéssemos no espaço público, teria retaliação. Se, nós
estivéssemos num complexo privado, acredito que isso não teria avançado. Eu acredito pessoalmente
que naqueles quatro primeiros anos do inicio do CEU, eu era de cargo em comissão e depois eu prestei
o concurso e me efetivei. Muita coisa de lá eu trago para hoje, do que é importante fazer, funcionária
pública efetiva daquele período lá, e acredito muito que o espaço público dá abertura para isso. Se nós
estivéssemos em um lugar privado, não sei, acho que teriam as retaliações, sim.
Entrevistado GP1: Eu quero deixar claro, eu tenho um grande apreço tínhamos uma equipe boa, mas
quero aproveitar esse momento, nós tivemos um coordenador do núcleo de cultura, por nome de
Mário, éramos extremamente afinados, que criou várias coisas importantes dentro do CEU, uma delas
395
foi um fórum permanente de cultura, onde os artistas locais se reuniam e produziam com seus eventos
com autonomia, já no governo Serra/Kassab, que cortou muita coisa, e vamos fazer o que? Vamos
mapear e vamos produzir local. E, esses artistas locais protagonizaram grandes eventos com a
coordenação do Mário “Rongui”, isso foi fundamental, também, para que essa cultura local tivesse
acesso. Foi muito interessante porque nós só tínhamos isso, mas não de forma tão presente.
Por conta desses cortes do governo Serra/Kassab... E, agora o que nós vamos fazer?
Entrevistada T2: - Fomos procurar a prata da casa!
Entrevistado GP1: O que vamos fazer? Olhamos de um para o outro, reunidos: e agora? Vamos ficar
esperando uma coisa ou outra com intervalo muito grande de tempo, para poder acontecer as coisas no
CEU? Não! Vamos mapear a cultura local. Isso foi lindo! Queria deixar isso registrado.
Entrevistada T2: - Foi fundamental, também, que nós passamos de uma gestão para a outra. Nossos
cargos não foram... Nossa portaria não foi cessada naquele momento. Foi legal ter o toque do início
para poder continuar no outro governo com esses cortes: com diminuição de muitas coisas, mas
conseguimos trazer o que estava conosco em 2004 para próxima gestão, acho que isso daí foi
importante, porque se tivesse todo mundo, por que era todo mundo em cargo de confiança, mas efetivo
da rede, se todo mundo tivesse ido embora, ia-se começar tudo de novo. O processo, que nós já
tínhamos feito, teria que se começar de novo, e pode ser que não teria esses avanços.
Pesquisador: O Senhor ficou quanto tempo na gestão do CEU após a entrada do governo
Serra/Kassab?
Entrevistado GP1: Eu fiquei de 2005 até o final de 2007. O CEU sempre teve autonomia, nós lutamos
para isso e conseguimos mantê-la. O que nós promovíamos não precisava passar pelo crivo da DRE
que é a Diretoria Regional de Ensino ou de SME. Não precisava passar. Chegou o ponto no final de
2007, que começaram tirar essa autonomia de que todo o evento que acontecia no CEU precisava
passar pelo crivo avaliativo se acontecia ou não. Eu fiz uma oposição radial. Inclusive me mandaram
cortar alguns eventos, inclusive algumas audiências públicas, inclusive uma audiência pública no final
de 2007, eu resisti e permaneci com todo o agendamento, acredito que talvez isso tenha sido a gota
d’água para que cessasse, naquele período, a nossa gestão.
Pesquisador: O senhor deixa a gestão do CEU, faltando um ano para terminar o governo
Serra/Kassab?
Entrevistado GP1: Saio...
Entrevistada T2: Acredito até, que esta postura de cortar “as coisas” foi pensando na eleição, que o
ano seguinte seria ano eleitoral, queriam nos moldar para o segundo mandato do Kassab.
Pesquisador: Queriam isolar vocês...
Entrevistada T2: Eu fiquei depois desse período que o Zé saiu, eu estava em cargo de confiança, mas
logo no início de 2008 teve o concurso, eu já vinha, no período, estudando, e acabei passando.
Consegui ficar aqui onde eu estava então não cortei o vínculo. A gente teve sim mudanças bem
radicais nesse último ano da primeira gestão do Kassab.
Entrevistado GP1: E, nós estávamos no fio da navalha, eu falo, eu enquanto gestor, o Mário enquanto
coordenador de cultura e a Entrevistada T2, enquanto coordenadora da biblioteca. Porque de todos da
gestão Marta, da equipe... nós três.
Entrevistada T2: Só tinha sobrado nós...
Entrevistado GP1: - E, permanecemos com essa proposta de fazer resistência. A Entrevistada T3 ela é
efetiva é concursada e ela sempre esteve conosco, mas ela não corria esse risco de, de repente, darem
uma canetada e estar fora os três... estar fora os três, então, ela não correu esse risco que nós três
corremos.
Entrevistada T2: Durante o processo, todo mundo que era da gestão Marta foi embora. Não todo
mundo na mesma época, mas de tempos em tempos e naquele final, sobramos só nós três, no ano de
2007. Logo depois que o Zé saiu no final de 2007, o coordenador de cultura, acabou se sentindo
afunilado também e foi seguir outros caminhos dele, ele pediu exoneração e eu acabei ficando por
conta do concurso. Então eu consegui ficar aqui, eu tinha intenção de ficar aqui, que é onde eu moro,
nasci, cresci e tudo o mais, tenho afinidade com essa comunidade, então não tinha intenção de ir para
outro lugar. Mas, a gente correu bastante risco para continuar, até porque eles... Porque
descaracterizou muitas coisas...
396
Entrevistada T2: - Não é só isso, o colégio, por exemplo, eu tive que estudar num bairro mais distante
porque aqui não tinha colegial, o ensino médio. A escola ia só até o ensino fundamental. Muitos
amigos ficaram pelo caminho, tenho muito amigos, assim, histórias daqueles que frequentaram... e
acredito que se tivesse um CEU, naquele período... tantas vidas não teriam sido abreviadas.
Alguma coisa que eu lembro, minha criação foi dentro de casa, minha mãe não deixava muito, por
conta desses medos. Perdi um primo na criminalidade... Minha mãe não nos deixava ter muito contato,
mas hoje, adulta, faço essas reflexões lá atrás e vejo... Se tivesse tido um espaço como esse, muita
coisa poderia ter sido diferente. (Começa a demonstrar emoção)
Uma de minhas irmãs era muito boa em handball, inclusive estudou na Metodista, e não podia treinar
nos centros de longe, porque não tínhamos condições e porque não tinha isso de poder levar para
fora... Esse ônibus demorava muito, eu tentei fazer aulas de natação e precisava pegar este ônibus, eu
desisti porque era impossível de pegar esse ônibus, que passava de quarenta em quarenta minutos, eu
tinha a impressão que só tinha esse ônibus para falar que tinha (voz embargada). Esse Jardim São
Francisco que agora nós temos aqui veio depois do CEU. Foi depois do CEU que nós... lembra, né
Zé? de brigas, que era para o pessoal vir, para os funcionários virem trabalhar, tinha que ter um ônibus
que chegasse aqui em cima.
O asfalto já tinha vindo para o bairro, para o Jardim da Conquista, mas muitos lugares precisavam.
Posto de saúde veio, não é Zé? AMA, posto de saúde, UBS vieram para o bairro. Eu tenho a percepção
de que as casas mudaram, a pintura da casa, a pessoa aumentar a casa e o comércio local. Nós
tínhamos uma padaria ali na esquina, agora temos umas três. Tem os lugares que têm restaurantes,
refeição... o comércio local fortaleceu depois da chegada do CEU.
Pesquisador: - A vulnerabilidade que você falou, a partir da implantação do CEU, até pela postura do
pessoal da comunidade, a vida melhorou?
Entrevistada T2: - Melhorou. Não é o que esperamos, mas deu uma mudada bem significativa.
Entrevistado GP1: - Eu não sei como está hoje, mas, nos primeiros dois anos de funcionamento do
CEU, a polícia militar, agendava o teatro para fazer grandes encontros, eu sempre revezava as
aberturas, eu e o Mário, fazíamos as aberturas e eu ficava sempre lá, um pouco, para ver o conteúdo
daquele encontro, mega encontro. Uma das coisas que me impressionava era ver o declínio da
criminalidade nos arredores do CEU, desse aqui. Uma queda muito grande, naqueles anos em que nós
começamos. Eu digo que não sei hoje, porque eu não sei se continua caindo ou se estabilizou, mas,
resgatando na memória aquela época o índice de criminalidade caiu um absurdo, de forma
extremamente importante, dados da própria polícia militar. Colocado lá na tela e eu acompanhei isso,
acompanhava sempre, os encontros deles, a cada dois meses, eles faziam esses grandes encontros.
Esses dados me davam uma injeção tão grande de ânimo... nossa!... “Nós estamos fazendo algo de
extrema importância”.
Entrevistada T2: - Nós falamos que futuramente, daqui a uns vinte anos vamos perceber, vamos saber
o quanto fizemos história, porque agora estamos muito envolvidos...
Pesquisador: É muito diferente de ter construído uma escola em sua opinião?
Entrevistada T2 e Entrevistado GP1: - Muito diferente...
Entrevistada T2: - Demais, não tenho palavras para... É demais porque as várias linguagens estão aqui
presentes, eu particularmente, gostaria de conhecido um violão antes, instrumentos musicais, eu só
vim a conhecer graduada, aqui dentro do CEU. Não tem como... Peças de teatro, eu tinha ido umas
duas vezes. Tudo bem que eu vim para cá eu era jovenzinha, vinte e três anos, mas mesmo assim...
Entrevistado GP1: - Tinha a formação de público no Governo Marta, que imediatamente teve uma
descontinuidade violenta, porque esses formadores iam até as escolas, eu lembro disso, ia ter uma
peça, eles iam até aquela escola que estava agendada, dois três dias antes, faziam todo um trabalho
prévio de que ia acontecer, qual era a proposta da peça para quando esses alunos chegassem ao CEU
eles já estivessem cientes do que se tratava e após isso tinha um diálogo com os atores, com os artistas,
com os produtores das... Era tudo muito casado, isso no governo Marta, no Governo Serra, foi
imediatamente cortado.
Entrevistada T2: - Nós tivemos problemas com os espetáculos vinham, tinham essa preocupação na
Gestão Marta, e depois nós tivemos problema, porque o artista queria mais um espaço para se
apresentar e achávamos diferente, não tinha esse contato, era assim: “me apresentei vou embora”. Não
tinha essa preocupação que tinha na gestão da Marta. E tem uma coisa que acho que é bem
interessante: Na Gestão Kassab, na questão cultural, do espetáculo, ele fez questão de trazer grandes
398
artistas “globais”, então ficou aquela coisa marcada “Fulana” veio aqui: Fernanda Montenegro veio
aqui.
Entrevistado GP1: A Regina Duarte.
Entrevistada T2: - A Regina Duarte veio aqui e ficou marcado aquilo. Eles são caros, mas ficou
marcado na lembrança de muita gente fui ao teatro porque a “Fulana” foi. Na gestão da Marta, não. O
dinheiro que pagava dez, então tinha e era mais fracionado, tinha sempre. Foi uma diferença muito
grande. Eu lembro muito e fiquei, assim, meio revoltada, quando a Fernanda Montenegro veio aqui
tivemos que esvaziar o prédio às duas horas da tarde, tinha o policiamento ao redor, tinha todo um
aparato e a peça, eu não sei se sou muito leiga, mas a peça não era tão primordial, tão, assim, reflexiva.
Não era nada, era porque era a Fernanda Montenegro.
Pesquisador: Quatrocentas e cinquenta pessoas assistiram à peça?
Entrevistada T2: Acabamos colocando muito mais pessoas dentro do teatro, não era intenção da
produção nem nada, foi uma apresentação, tendo feito vários CEUs. E, quando olhávamos no Diário
Oficial o valor que era gasto com a peça e a produção... Tivemos que providenciar fazer ofício ou
memorando para a GCM e polícia para estar ali, pois eram os requisitos para que a atriz viesse para cá.
Apesar de ter sido paga. Ela não veio como voluntária, ela estava sendo paga. Mas tínhamos que fazer
este preparo todo, antes de vir. Foram vários outros artistas que marcaram muito algumas pessoas: “Eu
fui ao teatro porque a Fernanda estava lá”. Tudo o que a gente fez anteriormente, parece que não tem
tanta lembrança assim.
Pesquisador: Entrevistada T3, você está calada?
Entrevistada T3: Eles estavam mais por dentro, mais envolvidos diretamente nessa coisa política. Eu
ocupava um cargo que poderia ser aqui ou na secretaria.
Pesquisador: Você é daqui do bairro mesmo?
Entrevistada T3: Não.
Pesquisador: Então você viaja até hoje para vir até aqui?
Entrevistada T3: É.
Pesquisador: Quais foram suas impressões quando você veio para cá nas primeiras vezes, o ônibus já
chegava até aqui em cima ou você tinha que subir um pouco do morro?
Entrevistada T3: Eu acho que já tinha mudado o trajeto até aqui, porque eu não lembro de ter
dificuldade.
Pesquisador: - Você ia para onde?
Entrevistada T3: Eu vou em direção ao Parque do Carmo. Aqui é relativamente perto de minha casa
leva meia hora para chegar até aqui de ônibus.
Pesquisador: Desde o início, você sentiu que houve algum tipo de melhora no bairro?
Entrevistada T3: O que a Entrevistada T2 falou, eu concordo plenamente, até porque lugar onde eu
moro não é diferente daqui. Era meu primeiro emprego, o primeiro lugar longe de casa que eu saí para
ir trabalhar, isso me assustava um pouco, pelo lugar nem tanto porque é muito parecido com o que eu
moro. Acostumei. Talvez, se eu morasse em um lugar com vizinhança diferente, eu poderia chegar
aqui e me assustar. Porque, realmente, quando você chega aqui num pico de morro e olha para o lado,
se você não está acostumado, assusta.
Pesquisador: Eu estranhei as ruas muito estreitas e íngremes como a Rua Sandália de Prata.
Entrevistada T3: São nomes de músicas
Entrevistado GP1: Tristeza do Jeca...
Entrevistada T2: São da música popular brasileira.
Entrevistada T3: Núvens de Lágrimas.
Pesquisador: - Eu penso na dificuldade que um idoso ou a comunidade encontram para chegar até aqui
em cima.
Entrevistada T2: - A comunidade é guerreira mesmo. Eu aprendi a dirigir aqui no bairro, o meu
professor falou que se eu dirigisse aqui, dirigiria em qualquer lugar. Tinha rua que só descia, pois um
carro um ponto zero não sobe aquela ladeira.
Pesquisador: Então, em sua opinião Entrevistada T3 o bairro melhorou muito?
Entrevistada T3: - Melhorou, porque estamos aqui desde o começo vimos mudar, vimos as pessoas
mudando, um barraquinho virar um sobrado, um butequinho virar um restaurante, não é um mega
restaurante, mas comparado ao que era, hoje tem visual bonito, atendimento que a pessoa está com
toquinha, uniformizada, é diferente.
399
Entrevistada T2: Nós tivemos a visita dos franceses, Zé, lembra? Era um grupo de franceses que veio e
se depararam com a vista do alto do CEU para o bairro, eles falaram assim: “Como é que vocês fazem
para acontecer aqui dentro?”.
Entrevistado GP1: Nós recebemos várias visitas de estrangeiros, pessoas de outros países para
conhecer o modelo. Que foi colocado no Fórum Internacional de Educação em 2003 no Anhembi em
que foi apresentada a proposta CEU e vários representantes de países que estavam lá...
Entrevistada T2: Das Cidades Educadoras...
Entrevistado GP1: Eles entenderam o modelo do CEU, se fosse colocado na prática como estava sendo
desenhado, teoricamente, seria um dos modelos mais avançados do mundo. Essa era uma
responsabilidade muito grande. Quando nós vimos aquilo com as pessoas falando, especialistas do
mundo inteiro falando, dá um frio! Nós vamos dirigir um equipamento, que vai ser referencia não só
em São Paulo, mas para ser referencia para o mundo, de educação pública. Gerou-se toda uma
expectativa em torno dessa operacionalidade do CEU. Quem passa pela gestão e quando eu falo
gestão, eu não falo gestor eu falo os vários cogestores do CEU, nessa proposta onde promove
mudanças muito importantes para a comunidade. Isso por si só, vale a pena o investimento que foi tão
criticado e ainda hoje é. Se eu estou investindo no social, eu estou mudando a vida das pessoas, eu
estou levando cultura. São bens imateriais que elas jamais teriam acesso. Jamais.
Eu gostava de tantas coisas bacanas e bonitas que o Mário falou e deve falar: “A cultura faz a gente
mudar de degrau”, “a cultura promove mudança de um degrau para o outro. Esse degrau cultural faz a
gente enxergar de uma forma diferente. Se nós estamos trazendo cultura para a comunidade, então nós
estamos prestando um serviço maravilhoso”. Essa proposta por si só ela já justifica todo o
investimento da implantação do CEU, sua construção e manutenção. Que é cara, depende. É relativo
você falar...
Entrevistada T2: O que é caro? É caro para quem?
Entrevistado GP1: É muito caro, é muito raro é muito caro, no sentido de muito importante. Na nossa
cultura a gente fala caro, meu caro, tu és alguém muito importante, significante para mim. O CEU é
alguma coisa cara, não no sentido de caro financeiramente.
Está investindo onde? Este dinheiro público esta sendo investido no público, em benefício de pessoas
que nunca tiveram acesso. É fundamental essa sua pesquisa para que as pessoas possam ter esse
entendimento com quem foi protagonista, foi e continua sendo. Porque é assim, eu passei um período,
elas continuam aqui. Eu fui protagonista, sou diretor de uma escola aqui lado, do Aclamado,
continuo... Inclusive existe uma proposta que está se desenhando para que o complexo CEU inclua o
Aclamado. Um CEU com duas EMEFs.
Pesquisador: Eu queria voltar ao assunto das Cidades Educadoras... Foi muito noticiado por aqui?
Entrevistado GP1: Tem encontros das Cidades Educadoras pelo mundo. O Fórum Internacional não
foi um Fórum das Cidades Educadoras, mas tocou muito nessa temática da Cidade Educadora, para
termos uma Cidade Educadora precisamos de espaços educadores, o CEU surge como um grande
espaço educador. O CEU emerge como espaço de mobilização, de formação política, de educação no
sentido lato, não no sentido estrito. Você perguntou: “E se tivessem implantado uma escola?” Escola é
ensino, ensino estrito, CEU é outra concepção, é pensar a educação no sentido lato, sentido amplo, de
formação integral. Então, se eu tenho a perspectiva de Cidade Educadora, o CEU casa muito bem com
essa proposta.
É importante registrar que nós conseguimos colocar o Programa CEU C entre os dez – isso é muito
forte! – entre os dez projetos do mundo, isso tem registro, do Congresso das Cidades Educadoras
realizado na Cidade de Lion na França. Nós nos inscrevemos, nos debruçamos com a colaboração de
todos. Eu fiquei com o Mário mais na dianteira sempre consultando, pesquisando e colocamos nossa
proposta do CEU no papel e mandamos. E, de repente veio a resposta de que estávamos classificados
para apresentar o CEU C, no Congresso das Cidades Educadoras em Lion na França. E depois veio
outra notícia de que nós estávamos classificados para apresentar no salão central com direito à fala, à
debate, onde da América do Sul, estava selecionado dois projetos. (Até me emociono de falar disso!)
estavam selecionando dois projetos da América do Sul. Nós não fomos. Criou-se uma expectativa
muito grande, nos preparamos assim de uma forma muito grande, porque era hora de mostrar este
projeto para o mundo. E o governo Kassab... ou foi Serra?
Entrevistada T2: Foi no Governo Kassab porque foi o Alexandre Schneider, Secretário de Educação
que vetou a nossa ida.
400
Entrevistado GP1: Não fomos representados. Havia muito confronto nosso com a Secretaria de
Educação. Nós sempre fomos uma resistência e eles sabiam disso. E nós não conseguimos apresentar
esse projeto,
Entrevistada T2: E, naquele período, o Kassab não tinha feito tantos CEUs. Então nós estaríamos
apresentando a gestão anterior. Tinha esse subentendido. Ele não tinha inaugurado tantos CEUs. Anos
depois, Zé, você ficou sabendo, que um CEU foi para um Congresso das Cidades Educadoras, talvez
no México? Umas duas ou três vezes depois. Eles foram como CEU, mas foram como CEU da Gestão
Kassab. Eu não vou precisar a data, mas, foi um tempo depois, o Zé já não estava mais aqui com a
gente, mas tempos depois um CEU foi, apresentar alguma coisa de esporte, alguma coisa assim,
diferente.
Entrevistado GP1: - O projeto foi avaliado por uma comissão internacional, que viu a relevância da
nossa proposta.
Entrevistada T3: - Eu tenho que falar que eu lembro muito do envolvimento do Zé. Quando
começamos a conversa não seria uma coisa que eu lembraria, mas assim que o Zé falou e eu me
lembrei dele e do Mário envolvidos no projeto. O Zé, enlouquecido, pra lá e pra cá, procurava o Mário
e me chamava, lembro muito de “cadê” o e-mail disso e daquilo.
Quando teve esse momento de que não ia mais acontecer foi aquele balde, não foi nem de água fria,
foi de água gelada mesmo, o pessoal ficou muito decepcionado. É como a Entrevistada T2 fala: “Hoje
avaliando, naquela época acho que não tínhamos ideia da dimensão da coisa. Hoje sim, se tivéssemos
a chance de mostrar mais para o mundo, as coisas seriam diferentes”.
Entrevistada T2: Naquele momento estávamos envolvidos. Mas, como não fomos? Como? Vai de
encontro à sua pesquisa, que é a descontinuidade das gestões em que o que o outro faz não pode ser
mostrado, é um exemplo muito forte. Sabíamos, na época, que foi por conta disso, que íamos mostrar
uma estrutura da gestão anterior e não era isso que eles queriam.
Entrevistada T3: Foi a primeira quebra dessa continuidade que presenciamos, não estávamos com essa
mentalidade de ter essa perseguição, nem mesmo, de que isso aconteceu por esse motivo.
Entrevistada T2: Eu entrei aqui aos vinte e três anos, há doze anos, era bibliotecária recém-formada,
depois e vim a fazer a pós-graduação, a fazer outras coisas... E o tempo aqui dentro, você vai mudando
as percepções do mundo... Quem eu sou hoje, foi muito importante ter passado por aquele processo
para hoje poder falar e refletir. Eu sabia que era muito importante, ficamos muito chateados, mas hoje
eu fico revoltada, porque não pudemos ir. Extremamente revoltada. Eu fiquei muito revoltada por que
eu fiquei sabendo anos depois, que o outro CEU foi, e acabou caindo a ficha de que o caráter é esse: “
Não fomos porque estaríamos representando a gestão anterior”.
O Zé ia com recursos próprios, eu me lembro dessa época, não é Zé? Não iria precisar de passagem. A
inscrição, que foi paga e que depois não foi devolvida, tinha sido feita com recursos próprios, não era
da Secretaria.
Pesquisador: Vocês iriam em quantos?
Entrevistado GP1: Dois: Eu e o Mário.
Pesquisador: Se o problema não foi do financiamento, o Governo não deixou vocês faltarem?
Entrevistado GP1: Nós não poderíamos nos ausentar dos nossos cargos...
Entrevistada T2: E, nem representar a Cidade de São Paulo! Isso ficou marcado em mim.
Entrevistado GP1: Por conta do que elas colocaram, tinha muito de uma gestão original do CEU, no
projeto tinha muita... Enviamos para a Diretoria Regional de Ensino e para a SME a proposta que
enviamos para o Congresso de Lion. Eu vejo isso como uma forma violenta, muito violenta. Primeiro
gerado por uma miopia, onde não se enxerga a Educação como um instrumento de transformação
social. O que foi feito de bom numa gestão anterior, eu devo continuar, eu devo dar oportunidade
independente de quem estava lá. E, simplesmente, como elas falaram, nós não causaríamos ônus para
a prefeitura, a questão era autorizar. A Prefeitura e a Secretaria de Educação tinham que nos autorizar,
nós dependíamos apenas de uma autorização para representar a Cidade. Não podíamos ir lá, por conta
própria representar a cidade. Nós tínhamos que ter o OK da SME, não estaríamos representando um
trabalho independente, nós estávamos representando uma instituição pública da Cidade, tínhamos que
ter o aval documentado, todo um procedimento legal da Secretaria de Educação. Foi isso o que
aconteceu: Simplesmente não vai, porque não podem se ausentar com essa justificativa rasa e
simples... de não poder se ausentar de seus cargos por determinado tempo. Simples assim. Perdemos a
grande oportunidade de mostrar um projeto da magnitude do CEU C para o Mundo, valeria a pena,
401
perdemos essa oportunidade. Não é que nós perdemos, o Mundo perdeu de ver a Educação no sentido
lato sendo trabalhado mesmo, na prática.
Nós colocamos as atividades que eram desenvolvidas no CEU, procuramos colocar, não só aquelas de
maior desenvoltura e tal, mas as coisas que aconteciam nos vários espaços do CEU: o grupo que vem
dançar samba-rock, o grupo que está jogando capoeira, o grupo que está lá no xadrez, o grupo que está
participando da formação política, o debate da comunidade no teatro, a questão da moradia, enfim,
tinha todo um desenho que dizia por si só, sem precisar de legenda: “Assim se forma o Sujeito”,
“Assim nós oferecemos a Educação”, “Não oferecemos só a Educação na sala de aula – Por que lá é
ensino.”, “Oferecemos tudo isso”.
Pesquisador: Que motivos levaram ao seu afastamento do cargo de gestor do CEU no final de 2007?
Entrevistado GP1: Fui afastado em dezembro de 2007, a motivação maior foi a questão da autonomia,
pois eu acabei não concordando por tudo ter que passar pelo crivo avaliativo da DRE e SME e eu
desrespeitei essa ordem. Inclusive essa audiência não era para acontecer mesmo, não teria que
acontecer porque estava parecendo que eu estava fazendo uma política partidária e isso eu nunca fiz e
nem farei. Elas sabem disso.
Entrevistada T2 e Entrevistada T3: - Éé...!
Entrevistado GP1: Eu não respeitei essa ordem vinda da SME e continuei fazendo os agendamentos da
comunidade: cultural, esportivo, político, encontros de movimentos sociais... Continuei na mesma
rotina e no final de dezembro eu fui chamado. Eu não podia estar desrespeitando as ordens que vinham
de SME e eu falei que sem autonomia não dá para você trabalhar num espaço como o CEU que é
formador de Políticas Públicas. Se você é um formador de Políticas Públicas você tem que fazê-las
acontecer, e formador de público. Se eu não tenho essa autonomia... E houve o desligamento naquela
época, no final de 2007.
Entrevistada T2: Eu nunca tinha sentido isso antes de trabalhar no serviço público, nas empresas
privadas em que trabalhei a gente não sente isso, o servidor público sente muito isso: tem que engolir
sapo de tempos em tempos, por ingerência e por uma série de coisas. Principalmente n´s que
trabalhamos com a educação, com formação de pessoas, tem que de vez em quando, fazer a banda
tocar de uma outra forma. Não é fácil, é aí que o profissional se desmotiva, é aí que ele fala: “não, não
vou ligar mais”.
Entrevistado GP1: Quando falam na questão dos cortes, não é questão de corte de verba para o CEU.
O CEU recebe uma verba muito insignificante para administrar. Agora na gestão Haddad houve uma
melhora aprovou-se o PTRF que é uma verba que as escolas recebem e o CEU não recebia, porque
não é considerada uma unidade escolar, por uma questão de legislação. Só recebia o que nós
chamamos de adiantamento bancário que é extremamente insignificante. Para você ter uma noção:
hoje a verba de adiantamento bancário está em torno de mil e quinhentos reais mensais. Eu lidei com
essa situação e naquela época recebia seiscentos ou setecentos reais mensais. Isso é tudo uma questão
de política interna. Isso é importante: eu fazia todo um trabalho, participava sempre dos conselhos das
escolas: CEI, EMEI e EMEF e colocava a situação da gestão para essas três unidades que recebem
vários tipos de verbas. Se nós somos parceiros aqui dentro, nós temos que ser parceiros em tudo,
inclusive nessa questão. Então, se a cadeira do teatro estava quebrando, EMEI, CEI ou EMEF: “A
cadeira do teatro está faltando um parafuso”; “A maçaneta da porta está quebrada, é por uso, não por
vandalismo, o CEU é muito usado”. É isso mesmo sempre tem a manutenção, a gestão não conseguia
fazer essa manutenção. Isso já no governo Marta e no governo Serra/Kassab eu sempre lidei com isso.
Nunca mudou, mudou agora.
Pesquisador: A manutenção do CEU não seria centralizada em SME?
Entrevistado GP1: Algumas coisas sim. A manutenção de piscinas... Têm algumas coisas sim, outras
não. E essas outras coisas é a gestão que tem que lidar com elas. Por exemplo, o elevador é por conta
da SME, que contrata a empresa de manutenção. As demais coisas, a gestão não tinha condições de
fazer a manutenção nem do bloco da própria gestão, não tinha condições. Eu fazia toda essa parceria
com os Conselhos de Escola das três unidades, para as APMs para intervir nos espaços unificados, e
assim eu conseguia, naquela época, fazer a manutenção do CEU com a parceria das três unidades. E,
decidir isso tudo no Colegiado.
Pesquisador: Vocês teriam mais alguma coisa a acrescentar? Então, após duas horas de conversa tenho
muito a agradecer pela participação de vocês Entrevistada T3, Entrevistada T2 e Entrevistado GP1.
402
Transcrição Entrevistada G4
impactar a qualidade da educação tendo ciência de que isso era um processo longo; então esse
envolvimento da comunidade foi super importante porque eles se apropriaram desde o começo da
escolha, e depois, quando nós pusemos a pedra fundamental de levar a maquete e explicar para eles
como seria, deles acompanharem e opinarem, mudando; você no livro deve ter visto: mudou o teatro,
as piscinas, muitas coisas, em função dessa relação com a comunidade; isso foi uma questão bem
importante; e aqui, no livro, a gente discute muito e na tese é a questão desse sentimento, só deles
participarem opinando como envolveu e respeitou as relações locais; porque eles opinaram até no
nome e foi isso que deu origem a colocarmos nome como as regiões eram conhecidas de cada um;
poder pensar como seria a inauguração, as comissões que foram montadas a partir da elaboração desse
núcleo da comissão de obras, dessa forma, isso tudo facilitou muito essa sensação de pertencimento.
As pessoas foram tendo outro envolvimento, eles tiveram uma participação muito ativa, no livro
mesmo tem varias passagens de como eles ajudaram quando tinha que transferir; se havia escola de
lata ou de madeira, a comissão de pais foi nas casas do entorno para explicar aos outros pais, ajudou
para ver quem queria mudar, quem não queria; a comunidade teve uma presença, como o serviço
público tem que trabalhar; foi uma relação de cooperação, não só de vir em reunião e levantar a mão e
apoiar, mas tinha troca de idéias, eles se sentiram construindo tanto, que até hoje, as pessoas que eram
daquela época e que participam do CEU e ainda vivem no entorno, guardam muitas historias, fazem
questão de falar que participaram; tem gente que estudou no CEU e que hoje é mãe, embora seja
precoce, e que o filho esta lá no CEU, e elas contam o significado que teve para elas. Então é uma
coisa que criou esse sentimento mesmo, não foi algo que chegou e eles passaram a usar depois de
inaugurado. Não, eles participaram passo a passo, faziam mesmo, e ligavam para falar: “hoje não
colocou-se nenhum tijolo”, o “pessoal está fazendo corpo mole”, estão todos bem preocupados.
Teve o Orçamento Participativo onde discutimos as questões de recursos, foi onde nós
apresentamos pela primeira vez a proposta dos CEUs e os critérios das regiões onde eles iriam estar;
nós validamos com a população, fora o pessoal que participava do orçamento participativo, na hora
que nós fomos para a comunidade. Então: para escolher o terreno: teve pessoas do orçamento
participativo que ajudaram, mas só que nós tivemos que nos valer de uma rede muito maior: das
entidades locais, sociedades de amigos de bairro times de futebol que fomos contatando, aqueles que
sabiam onde tinham grandes áreas, foi muito para além do orçamento participativo. No orçamento eles
acompanhavam, os delegados regionais acompanhavam toda a proposta, mas na hora que fomos para o
terreno, depois dele escolhido, que nós apresentamos a maquete do que seria o CEU, o que seria o
CEU, nesse ponto é que a comunidade do entorno se apropriou, poderia ter um representante, o OP
podia estar acompanhando, mas ele ganhou uma outra representatividade, ele ampliou essa
participação.
Entrevistador: Teve algum tipo de disputa para atrair no Orçamento Participativo para atrair o
CEU para suas regiões?
Entrevistada G4: - Dos CEUs não teve, porque como nos tínhamos os critérios, mesmo os das
escolas, discutimos muito com eles, porque levamos esses critérios e apresentamos como seriam os
CEU, e só então nós validamos. Eles reclamaram porque todo mundo queria o CEU em sua região,
todo mundo queria, mas mantivemos a proposta original e defendendo os critérios que tínhamos do
IDH, da Demanda, porque em 2001 não havia todas as crianças com 7 anos na escola; era obrigatório,
mas não tinha vaga para todo mundo, então fomos vendo tudo o que era demanda, que precisávamos
criar a vaga, ter mais prédios de escola para diminuir o turno intermediário, para poder ter só dois
turnos durante o dia, que precisávamos transferir as crianças que estavam nas escolas de lata para as
escolas de alvenaria, então cruzamos essas demandas da secretaria com outras, com o mapa da
inclusão/exclusão da Aldaisa Sposati, onde eram os maiores indicadores de exclusão social, o IDH
mais baixo da cidade de São Paulo, onde você tinha o maior número de jovens desempregados, e
fomos costurando várias coisas para poder escolher o bairro onde ele teria, porque senão, se fosse uma
questão de disputa poderia ser em qualquer lugar, só que assim, você foge à política do que você está
querendo, da política educacional de ampliar o acesso; eu não posso ter o CEU em todos os lugares,
mas vamos pensar em que rede, tamanho de rede, que pensamos nos quarenta e cinco na periferia
formando um circulo, e só então implantar eles. Tem teatro aqui no centro, vai ter um cinema no CEU,
vai ter uma piscina, porque o centro esportivo não dá conta de atender, então fomos casando estas
coisas e discutimos, mas a escolha dos terrenos não teve uma disputa política de puxar a corda vai para
quem é mais forte, ela seguiu muito esses critérios que eu estou colocando. E isso foi discutido, teve
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comunidade que não gostou de estar fora, teve comunidade que brigou: Cidade Ademar brigou esse
tempo todo, agora é que vai sair o CEU. Lá não era uma questão de identificar necessidade, é que não
tinha área, só agora é que a Prefeitura está tendo condições de comprar uma área para poder fazer o
CEU, então tem tudo isso. No Orçamento Participativo tinha essas disputas, mas é muito de você levar
e discutir: olha tem isso aqui: essa região tem essas e essas características, essa tem outras e discutir
com eles onde era mais necessário. Tanto que nos quarenta e cinco que a gente planejou, não teve
mudança de área.
Só teve uma mudança de área no Serra porque ele... nós construímos vinte e um, mas nós
deixamos contratados os outros vinte e quatro, porque o que nós fizemos? Nós licitamos quarenta e
cinco CEUs, e nós demos inicio de obras para os que já tinham regularizado o terreno, estava
desapropriado era de posse da prefeitura e tudo, nós terminamos de inaugurar em maio de 2004, não
demos inicio de obra dos outros vinte e quatro, porque já estava certo de que o Serra era candidato e
ele estava batendo, falava que não iam construir os CEUs. No Governo foi discutido o risco de
começar uma obra cara que você põe dinheiro público e os outros pararem a construção e você teria
vários elefantes brancos pela cidade, obras semi construídas e com um desperdício enorme de recursos
então discutiram de não iniciar, deixar tudo pronto, deixar todas as áreas, tanto que todos os terrenos
estavam já pagos, quando eles chegaram estava tudo em ordem, teve uma única área que eles
mudaram que é o Jardim Três Marias, se não me engano, em Santo Amaro, porque nós negociamos
com um terreno muito grande, ele tinha sido comprado por várias famílias, que o pessoal faz
cooperativa, nós compramos deles para que comprassem outra área e a nós construiríamos o CEU.
Quando o Serra ganhou, e ele falava que não iria fazer CEU de jeito nenhum, porque ele criticava
muito, esse pessoal invadiu o terreno e o Serra não conseguiu tirar porque foram parar lá duas mil
famílias e não tinha como tirar as pessoas. Então ele fez em outro local próximo, na Zona Sul, em um
bairro próximo ao Três Marias, mas os outros, todas as áreas que indicamos foram que viraram CEU.
O que ele fez: mudou o projeto arquitetônico, ele falou muito na campanha que não faria, mas depois,
quando assumiu ele disse que era desperdício, que era uma obra cara e que ele não iria dar
continuidade. Eles fizeram uma pesquisa, e a população mobilizada querendo os CEUs, como o Serra
queria ser candidato a Governador e um dos problemas apontados da população, o desgaste dele na
cidade era que ele não deu continuidade ao CEUs, ele anunciou que iria construir, iria deixar o nome
que não iria tirar a paternidade, que era um nome muito forte não dava para mudar a marca, mas ele
mudou o projeto arquitetônico, ele pediu uma mudança para não ser igual ao nosso, então em muitos
deles tinham tirado piscina, a escola que é verticalizada ele fez três prédios, ele espalhou a área
construída, o que isso representa de prejuízo para o projeto: eu tenho menos área livre para uso da
comunidade, porque se eu tenho um prédio em cima do outro eu ocupo um espaço, quando eu faço três
prédios eu tiro a área livre, então esse conceito dessa área mais livre que você pudesse ofertar para a
população estar participando mais, ele mudou, ele mudou o teatro, fez teatros menores, fez algumas
mudanças no projeto, a biblioteca ele diminuiu de tamanho, aquele redondo, que ele fez que não é a
creche, ele fez o refeitório, em cima a biblioteca, o tele centro. Se eu ponho biblioteca e tele centro em
cima, eu dificulto a entrada comunidade, não é acessível, porque a biblioteca e o tele centro estão no
térreo? E antes de chegar à entrada da escola, porque para a comunidade poder entrar e sair sem
problemas. Porque a biblioteca não é das escolas é para a comunidade usar, o tele centro não é uma
sala de informática da escola, era para a comunidade, então eles tinham que ter fácil acesso, e sem
interferir na rotina das escolas, neste ponto que ele tentou descontinuar, tentou desqualificar e não
conseguiu. Porque como a comunidade estava muito mobilizada, ela conhecia por causa do processo
do OP, onde os CEUs iam ser construídos, mesmo ele desmontando o OP estas pessoas continuaram
mobilizadas e continuaram exigindo a construção dos CEUs. O OP deixou de existir, mas a
comunidade se manteve articulada, organizada e exigiu o que ela conhecia, o que ela queria.
Processo de participação popular, por isso que essa coisa de pertencimento é importante para
discutir. Porque o CEU teve continuidade? Porque o PSDB resolve atender? Não é porque ele é
bonzinho. Porque tinha uma pressão popular. As pessoas tinham internalizado este projeto que para
elas era bom, que era uma coisa que melhorava a educação que elas queriam para os seus filhos e
ficaram exigindo do governo que ele construísse os CEUs.
O Serra deu inicio e construíram alguns, e o Kassab fez todos, nesse outro modelo
arquitetônico, o que descontinuou o conselho gestor, essa questão da participação, como ela não é
valorizada pelos governos de direita, eles escamotearam, então o conselho gestor passou a ser pro
405
forma, eles fecharam acesso, e para você entrar, você tinha que falar o que você ia fazer. Eles tentaram
transformar os CEUs numa grande escola, mas a comunidade foi forçando a porta porque ela queria o
que ela já tinha conhecido, mesmo nos CEUs novos, a população frequentava outros CEUs, dos vinte
e um que deixamos, ela queria para aquele que foi construído, o que ela conheceu no outro, as
atividades culturais, de ter esse espaço, o conselho gestor não foi ativo no Serra e no Kassab, mas
houve resistência. Tanto eles achavam que era importante que no último ano do governo Kassab ele
começou a levar shows de novo para o CEU, as peças de teatro, ele viu que a avaliação dele estava
caindo muito em função do que eles cortaram de oferta de atividades nos CEUs. Restringiu
participação, eles falavam que a criança ou adolescente só podia participar de duas atividades no CEU.
Nunca teve isso, a criança vai lá, a família, o jovem, ele participa ou das oficinas dos cursos oficiais,
ele ocupa aquele espaço, não pode ter restrição de participação.
Entrevistador: Sobre o aumento da destinação de 30% para 31% seriam vinculados à
construção do CEUs e Reestruturação Urbana?
Entrevistada G4: - Nós não colocamos recurso na reorganização urbana, no entorno dos CEUs.
O aumento de 30% para 31%, não foi por causa do CEU. O Maluf e o Pita não aplicaram os 30% que
era obrigatório na educação, quando entrou o governo do PT, eles reconheceram que esses governos
ficaram devendo dinheiro para educação, e a Marta propunha o aumento de 30% para 31%. Esse 1% a
mais a ser investido na educação era para compensar essa divida do Maluf e do Pita, pela não
aplicação dos recursos. Esse é o principal motivo de ter aumentado. É o pagamento de uma divida dos
governos anteriores que não investiram, então você somava tudo aquilo lá, a Prefeitura não podia por
tudo de uma vez, mesmo reconhecendo a dívida, então foi proposto 1% a mais para sempre, para
compensar a divida do Maluf e do Pita. Esse foi o principal motivo. Quando nós propusemos os 31%,
era que 25% continuasse aplicado como a LDB e 6% seriam aplicados nas atividades que
consideravámos importantes para o desenvolvimento que era a questão... o MOVA, (O Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos - MOVA-SP - Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos é
um programa que combate o analfabetismo, oferecendo o acesso à educação de forma adaptada às
necessidades e condições dos alunos jovens e adultos), por exemplo, o Tribunal de Contas não
aceitava que a Educação pagasse, porque não é escola regular. As atividades de cultura também não
são reconhecidas como atividades educacionais, e falávamos que sem essas atividades de cultura de
esporte, os tele centros, nós não conseguiríamos ter uma política educacional que melhorasse a
qualidade, não era uma questão só de infra-estrutura, então nós fomos discutir isso para flexibilizar. Os
31% todo na Educação, 25% aplicado como a LDB mandava e 6 % nessas atividades que julgávamos
importantes que tem impacto na qualidade da Educação. Tanto que a parte de construção dos CEUs,
saíram todas do recurso da Educação. A parte do entorno, para nós implantarmos o CEU, o que
fazíamos? Como era uma das principais políticas da prefeitura e porque entendemos isso também,
juntávamos, falávamos, aqui vai ter esse equipamento, e chamávamos a secretaria de transporte, de
obras, infra-estrutura urbana, juntávamos todas essas secretarias, que deveriam ter alguma ação no
bairro, juntávamos e organizávamos, a partir do CEU o que iríamos fazer no entorno, então não saiu
dinheiro da educação para isso, para abrir rua ou asfaltar, fazer pontilhão em lugar que não tinha,
passarela, iluminação, linha de ônibus, para facilitar a chegada das pessoas, isso saiu das outras
secretarias, não saiu da secretaria da educação. Nós otimizávamos o uso dos recursos públicos. O
dinheiro que saiu da educação que o pessoal critica que é a parte de cultura e esporte, era um
financiamento para áreas que estão dentro do CEU e no equipamento educacional e com uma ação
pedagógica envolvida. Essas outras secretarias tinham um aporte de recurso, mas era muito mais
recurso da educação, porque era um equipamento educacional, não era? A Cultura não tinha um
pedaço lá dentro? O Esporte não era outro e ele só tinha que cuidar? A três secretarias compartilhavam
a gestão e o orçamento desse equipamento sendo que para a Educação cabia a maior parte. Os outros
recursos que foram destinados à reestruturação urbana, eu não sei, mas teve muitos, habitação,
transporte, secretaria de obras, foi feito recuperação de córregos, tudo isso. E não era a Educação que
fazia, eram as outras secretarias, houve uma otimização na intervenção do poder público.
Entrevistador: - Porque decidiram contratar a FIA?
Entrevistada G4: - Não era só a FIA. Nós contamos com a FIA, CEMPEC e IPF, pois era um
projeto novo, um equipamento muito diferente de uma escola, e nós estávamos vendo o que seria
gerir, porque pensamos na concepção do que seria, mas o nosso conhecimento, é da gestão da escola,
não de um complexo em que você fosse envolver a Secretaria da Cultura, Secretaria de Esportes, eles
406
mas poderia ter outro nome, mas lá tanto no programa de governo, que é o que você cria antes de ser
candidato que você apresenta para a sociedade, estavam dadas as diretrizes e, no discurso de posse, ela
aponta para isso, não fala CEU, porque o nome só foi aparecer depois, a questão do projeto
arquitetônico a gente escolheu de forma coletiva, conversando, não só dentro da prefeitura mas com
arquitetos, comunidade para opinar como deveria ser, então ele foi ganhando corpo, mas a orientação
política estava dada, o pessoal fala que saiu do nada, mas não é verdade, é uma coisa que o partido, o
PT tem batalhado há muitos anos. Aqui em São Paulo desde 1996 na campanha do Mercadante, que
nós começamos a discutir isso da praça de equipamentos, de ter alguns equipamentos na praça em
serviço de apoio à escola, nós fomos avançando e levando essa proposta ao longo dos anos para poder
chegar em 2001 e fazer, porque senão como é que você faz uma política dessas? A Marta assumiu em
2001. Em dezembro de 2001, nós apresentamos a proposta para a população, se ela não tivesse sendo
maturada lá atrás, você não consegue fazer nesse tempo uma proposta dessas. Não só do governo da
Marta uma coisa mais antiga dentro do PT tem o setorial que discute isso, é uma coisa, uma ideia que
foi sendo construída e amadurecida para poder ganhar corpo aqui, porque senão a gente não
conseguiria, não é passe de mágica, você pode até fazer um prédio grande, mas você não consegue
concretizar nessa proposta, o risco que foi o que nós estudamos muito com o CIEPs, depois com o
CAIC, CIAC, nossa grande referência era a escola-parque e o CIEPs foi o que estudamos, foi aqui
acompanhando, aqui nós fizemos um bom estudo para ver quais eram as propostas e o que tinham sido
as críticas e os problemas para não repetirmos entendeu? Para aprendermos com os erros deles e nós
conseguirmos avançar, então essa questão da participação, fora que é uma coisa que defendemos
muito, é uma coisa que vimos ter faltado no CIEPs, por mais que o povo tenha ido, eles não ajudavam
a tomar a decisão, essa coisa de ser uma secretaria apartada de programa especial, não fizemos
nenhuma, a não ser essa formação pros gestores, não fizemos nenhuma formação especifica para quem
ia trablhar no CEU, nos tivemos um programa antes que chamamos de vivencias culturais, nós
fizemos para quatro ou cinco mil professores, na área de todas as linguagens culturais. Mas não era
para o professor de educação artística, interessava trazer os outros professores, para começarem a ver
que outras linguagens eles poderiam utilizar dentro da sala de aula ou num outro espaço, que
linguagens eles poderiam trabalhar para poder melhorar essa relação professor – aluno e como
despertar a curiosidade, melhorar este impacto na qualidade, como ele se dá.
Essa preparação que teve para gente poder ir pro CEU foi um passo importantíssimo. Então
essa coisa de que será que não tinha gente, talvez tivesse, mas não íamos dar conta de fazer tudo
sozinhos. Nós fomos buscando parceiros e fomos preparando para poder ter o CEU e mostrar: olha
aqui é um pólo e nós vamos usar outras linguagens. Mas, você precisa estar no CEU para fazer isso?
Não, eu posso trabalhar minha aula de forma diferente, eu posso usar outra linguagem, sem ser papel e
caneta, e teve trabalhos belíssimos. Teve escola em que a diretora, a coordenadora, mais o professor
fizeram vivencia do segundo e a proposta era formular um projeto e eles ao final do curso, fizeram o
projeto político pedagógico da escola, para implantar na escola. Era muito legal, o pessoal tinha aula
arte de domingo e ia. Porque nós não deixávamos sair em horário de serviço, porque senão o aluno
ficava sem o professor. Então as condições que davam eram por tudo. Mas assim era uma semana de
imersão nas férias, eram quarenta horas e depois era sábado e domingo durante seis meses foi uma
coisa muito importante, é uma coisa que causou um impacto muito grande. Então quando você fala no
CEU, o que visualizamos é o prédio, mas não foi só o prédio. O mais importante é o que está para
você poder entrar lá. Nessas concepções, nos debates, de você aprofundar o Paulo Freire. Dos
professores terem conhecimento das coisas do Milton Santos, para entender o que estávamos falando
de pertencimento, mesmo para entender o que o Paulo Freire falava da leitura de mundo, a importância
de você conhecer o entorno. Então nós fomos trabalhando com os professores, as publicações e as
revistas em que discutimos o CEU frente a rede, então tinha toda uma problematização para as pessoas
não olharem o CEU como uma coisa apartada da sua escola, do seu cotidiano, demos condições
quando eu falava aqui que o CEU tinha que ser pólo, nós colocamos ônibus contratado para levar as
outras escolas para o CEU, porque não adianta eu falar que ela é pólo se eu não dou condições dessas
pessoas transitarem. Então essas políticas é que sim, elas foram descontinuadas por Serra e Kassab, de
quebrar esse suporte ele tirou a secretaria da Cultura e de Esportes de dentro do CEU. Isso deu um
prejuízo muito grande, porque como ele é um pólo cultural eu não posso pensar que eu como
professora vou dar conta de uma política cultural. Eu posso dar conta de uma política de esportes
porque fora o que eu faço na escola, o CEU tinha que pensar nessa integração desses alunos e de toda
408
a comunidade e dos outros alunos, então eu preciso ter um conjunto de profissionais que deem conta
dessa proposta. Não posso achar que eu sozinho com a formação pedagógica para dentro da escola vou
dar conta dessas políticas.
A principal perda foi essa quebra do trabalho cultural que agora na gestão Haddad retomou.
Até a população se você fala que vai retomar, mas a população viveu uma experiência de um ano e
meio dos CEU, na nossa gestão, veio a descontinuidade, e você chega falando que vai fazer de novo,
até a população voltar e você estabelecer essa confiança demora, não é estalando os dedos. O pessoal
começa a vir, mas olha desconfiado, ele quer ver até aonde você vai, se a participação vai ser
respeitada. Até onde você vai trabalhar e trazer a parte cultural, que não vai ser explorar os grupos
locais como voluntários. Eles até vão vir, e começa outro debate dessa apropriação e de como você
traz de volta a secretaria da cultura e do esporte. Mas olhando a realidade atual, não pode ser o que nós
idealizamos lá atrás, porque as coisas mudam, elas não são estáticas, as preocupações da sociedade são
outras, nó não tínhamos internet como tem hoje, você não tem o celular como tem hoje, e nele que
você tem tudo, no seu celular. Então você precisa ir se adaptando. Principalmente com os jovens
porque eles chegam, querem participar de outra forma, não é só o seu apoio porque você esta
discutindo. Eles querem opinar, eles querem decidir, eles querem responsabilidade. Quando você
dividi isso com eles você tem ganhos fantásticos. Melhora em muito, isso tudo impacta na qualidade
da educação às vezes o pessoal fala o que isso tem a ver? Tem a ver com a autonomia, com a pesquisa
que eu vou fazer, porque se eu tenho iniciativa de organizar o uso da quadra de skate, eu tenho que
fazer relações com as pessoas eu vou organizar tempos, tudo isso eu vou buscar. Não diretamente, mas
eu uso o que aprendi na escola. Se eu estou contente desempenhando, o pessoal esta vendo que eu sou
legal nisso, eu vou desempenhar aqui na escola, não precisa ser nota boa, esse exames de aferição de
fora, mas isso impacta na vida da pessoa, no desenvolvimento dela.
Entrevistador: - Sobre a divisão de espaços e gradeamento da instituição, o que a Sra. tem a
dizer?
Entrevistada G4: -Fechar os portões para eu ter que me identificar para entrar em uma praça.
Não existe isso, se a concepção é uma praça, um espaço de convivência, eu não posso ter nenhum
impedimento. Eu fecho os portões e autorizo a por grade em volta do prédio da escola. Grade e portão,
o que é uma coisa maluca, se eu quero a convivência inter geracional. Foi fechando, a creche e o
espaço lúdico, vamos fechar em torno do redondo, porque a questão da segurança, no redondo que é a
creche, o pessoal tinha os janelões, tem lugar que fez meia parede, que quebra a concepção, porque diz
que era problema de segurança e não era porque a gente olhou tudo na ABNT, as crianças tinham que
enxergar, pelo tamanho delas, o que estava lá fora e serem vistas, quando eu ponho meia parede aqui,
já o pequenininho não enxerga. As cortinas o pessoal falou, problema de sol, eu acho que até talvez
tenham razão, mas, o pessoal foi criando coisas, nem sei como não colocaram redes de proteção.
Tentaram mudar grades, aumentar as grades.
Você pega a área de educação infantil, no novo prédio que são esses prédios todos do Serra e
do Kassab. Aqui está a sala, aqui eu tenho um cercadinho para tomar sol, então, a criança na nossa
concepção, a porta aqui e ali tinha que andar naquele corredor imenso, ele tinha que circular, não, a
criança tinha que tomar sol aqui, então eu fico aqui e aqui. Um chiqueirinho e ganhou outra dimensão.
Um negócio maluco.
A descontinuidade arquitetônica e a descontinuidade de uma proposta política educacional, o
mais sério é isso, as consequências que isso tem para o projeto político educacional. O cerceamento,
eu deixo fechado, eu evito convivência, eu tenho menor participação, como se essas coisas não fossem
importantes para o desenvolvimento da pessoa, interessa o rendimento que eu vou ter dentro da sala de
aula. O rendimento da nota de português de matemática, só me interessa o que acontece aqui, não no
entorno. Agora como essas pessoas vão cuidar da comunidade, vão desenvolver o sentimento de
pertencimento se nem aqui nesse espaço escolar ela consegue criar isso? Ela cria só com a sala dela.
No pertencimento, a minha convivência, nisso aqui não se realiza, eu tenho que conviver com esse,
tenho que conviver com o bebê da sala do lado. Até para as crianças maiores respeitarem os pequenos,
tem toda uma coisa que foi pensada e ele põe umas grades e separam.
Entrevistador: - E as inaugurações do Serra?
Entrevistada G4: - Ele começou as obras e foi inaugurado já com o Kassab, no segundo
semestre.
Entrevistador: - Ele inaugurou a escola...
409
Entrevistada G4: - Isso mesmo era a escola e resto tudo estava em construção, ele inaugurava
e o resto estava tudo interditado. É isso mesmo, agora eu me lembrei disso.
Ele só começou por causa dessa questão, que ele queria ser candidato a governador e ele viu
que na cidade, isso dele não ter dado continuidade, foi um prejuízo muito sério.
Entrevistador: - Nessa implantação teve a participação da comunidade?
Entrevistada G4: - Na fase deles não. Tanto que você vai ver no final da minha tese, tem todas
as entrevistas, até posso disponibilizar. Eles falam isso, “nós tivemos um CEU de pobre, que é o CEU
do Kassab, ele é menor, é um CEU para pobre, pequenininho que nós não precisamos daquele outro”,
a comunidade foi percebendo tudo isso e elas falavam que é melhor isso do que nada, mas não era o
que eles queriam.
Entrevistador: - Sobre o valor do investimento do CEU.
Entrevistada G4: - O custo do CEU na época dele ele pagou quarenta, cinquenta milhões, você
aplicando a inflação, se tivesse seguido nosso parâmetro seria muito melhor do que ele pagou, eu não
sei se isso eu coloquei na tese, mas senão eu vou ter o quadro comparativo. O dele é muito mais caro
com muito menos coisas do que o nosso. Porque os nossos dezessete milhões envolviam o terreno, o
dele não envolvia porque a gente já tinha pago e ele gasta na construção. Ele pagou muito mais. Tem o
estudo que o professor Amir Kair economista fez, ele fez até para o PNUD, depois o Kofi Annan
(Secretário Geral da ONU) veio visitar, que ele foi conhecer o CEU ele pediu para fazer uma pesquisa
para ver o impacto da dos CEUs. Ele encomendou duas pesquisas, uma para ver se tinha o impacto na
educação, foi o pessoal da USP que falou que não dava em tão pouco tempo para ter o resultado que
eles queriam que medisse e o Professor Amir Kair para fazer o estudo de custo, ele foi secretário de
finanças da época da Erundina, é professor da GV, ele fez essa pesquisa, eu vou te mandar o trabalho
dele. Ele mostra o que o custo do CEU, a obra, talvez fosse mais, mas o custeio era muito menor do
que o de uma escola tradicional. O custeio do CEU, pela quantidade de pessoas envolvidas no
atendimento, o custeio era muito menor. Ele fez uma análise de todo o orçamento de pessoal de
contrato de limpeza, ele fez tudo no estudo, isso mostra que essa afirmação do Serra é completamente
torta, enviesada.
Entrevistador: - Estou muito satisfeito. Muito obrigado pela entrevista e por oferecer o
material.
410
ANEXOS
As cidades representadas no 1º Congresso Internacional das Cidades Educadoras, que teve lugar em
Barcelona em Novembro de 1990, reuniram na Carta inicial, os princípios essenciais ao impulso educador da
cidade. Elas partiam do princípio que o desenvolvimento dos seus habitantes não podia ser deixado ao acaso.
Esta Carta foi revista no III Congresso Internacional (Bolonha, 1994) e no de Génova (2004), a fim de adaptar as
suas abordagens aos novos desafios e necessidades sociais.
A presente Carta baseia-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), no Pacto
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966), na Declaração Mundial da Educação para
Todos (1990), na Convenção nascida da Cimeira Mundial para a Infância (1990) e na Declaração Universal
sobre Diversidade Cultural (2001).
PREÂMBULO
Hoje mais do que nunca as cidades, grandes ou pequenas, dispõem de inúmeras possibilidades
educadoras, mas podem ser igualmente sujeitas a forças e inércias deseducadoras. De uma maneira ou de outra, a
cidade oferece importantes elementos para uma formação integral: é um sistema complexo e ao mesmo tempo
um agente educativo permanente, plural e poliédrico, capaz de contrariar os factores deseducativos.
A cidade educadora tem personalidade própria, integrada no país onde se situa é, por consequência,
interdependente da do território do qual faz parte. É igualmente uma cidade que se relaciona com o seu meio
envolvente, outros centros urbanos do seu território e cidades de outros países. O seu objectivo permanente será
o de aprender, trocar, partilhar e, por consequência, enriquecer a vida dos seus habitantes.
A cidade educadora deve exercer e desenvolver esta função paralelamente às suas funções tradicionais
(económica, social, política de prestação de serviços), tendo em vista a formação, promoção e o desenvolvimento
de todos os seus habitantes. Deve ocupar-se prioritariamente com as crianças e jovens, mas com a vontade
decidida de incorporar pessoas de todas as idades, numa formação ao longo da vida.
As razões que justificam esta função são de ordem social, económica e política, sobretudo orientadas
por um projecto cultural e formativo eficaz e coexistencial. Estes são os grandes desafios do século XXI:
Primeiro “investir” na educação de cada pessoa, de maneira a que esta seja cada vez mais capaz de exprimir,
afirmar e desenvolver o seu potencial humano, assim como a sua singularidade, a sua criatividade e a sua
responsabilidade. Segundo, promover as condições de plena igualdade para que todos possam sentir-se
respeitados e serem respeitadores, capazes de diálogo. Terceiro, conjugar todos os factores possíveis para que se
possa construir, cidade a cidade, uma verdadeira sociedade do conhecimento sem exclusões, para a qual é
preciso providenciar, entre outros, o acesso fácil de toda a população às tecnologias da informação e das
comunicações que permitam o seu desenvolvimento.
As cidades educadoras, com suas instituições educativas formais, suas intervenções não formais (de
uma intencionalidade educadora para além da educação formal) e informais (não intencionais ou planificadas),
deverão colaborar, bilateral ou multilateralmente, tornando realidade a troca de experiências. Com espírito de
cooperação, apoiarão mutuamente os projectos de estudo e investimento, seja sob a forma de colaboração directa
ou em colaboração com organismos internacionais.
Actualmente, a humanidade, não vive somente uma etapa de mudanças, mas uma verdadeira mudança
de etapa. As pessoas devem formar-se para uma adaptação crítica e uma participação activa face aos desafios e
possibilidades que se abrem graças à globalização dos processos económicos e sociais, a fim de poderem
intervir, a partir do mundo local, na complexidade mundial, mantendo a sua autonomia face a uma informação
transbordante e controlada por certos centros de poder económico e político.
417
Por outro lado, as crianças e os jovens não são mais protagonistas passivos da vida social e, por
consequência, da cidade. A Convenção das Nações Unidas de 20 de Novembro de 1989, que desenvolve e
considera constrangedores os princípios da Declaração Universal de 1959, tornou-os cidadãos e cidadãs de pleno
direito ao outorgar-lhes direitos civis e políticos. Podem associar-se e participar em função do seu grau de
maturidade.
A protecção das crianças e jovens na cidade não consiste somente no privilegiar a sua condição, é
preciso cada vez mais encontrar o lugar que na realidade lhes cabe, ao lado dos adultos que possuem como
cidadã a satisfação que deve presidir à coexistência entre gerações. No início do século XXI, as crianças e os
adultos parecem necessitar de uma educação ao longo da vida, de uma formação sempre renovada.
A cidadania global vai-se configurando sem que exista ainda um espaço global democrático, sem que
numerosos países tenham atingido uma democracia eficaz respeitadora dos seus verdadeiros padrões sociais e
culturais e sem que as democracias de longa tradição possam sentir-se satisfeitas com a qualidade dos seus
sistemas. Neste contexto, as cidades de todos os países, devem agir desde a sua dimensão local, enquanto
plataformas de experimentação e consolidação duma plena cidadania democrática e promover uma coexistência
pacífica graças à formação em valores éticos e cívicos, o respeito pela pluralidade dos diferentes modelos
possíveis de governo, estimulando mecanismos representativos e participativos de qualidade.
A diversidade é inerente às cidades actuais e prevê-se que aumentará ainda mais no futuro. Por esta
razão, um dos desafios da cidade educadora é o de promover o equilíbrio e a harmonia entre identidade e
diversidade, salvaguardando os contributos das comunidades que a integram e o direito de todos aqueles que a
habitam, sentindo- se reconhecidos a partir da sua identidade cultural.
Vivemos num mundo de incerteza que privilegia a procura da segurança, que se exprime muitas vezes
como a negação e uma desconfiança mútua. A cidade educadora, consciente deste facto, não procura soluções
unilaterais simples, aceita a contradição e propõe processos de conhecimento, diálogo e participação como o
caminho adequado à coexistência na e com a incerteza.
Confirma-se o direito a uma cidade educadora, que deve ser considerado como uma extensão efectiva
do direito fundamental à educação. Deve produzir-se, então uma verdadeira fusão da etapa educativa formal com
a vida adulta, dos recursos e do potencial formativo da cidade com o normal desenvolvimento do sistema
educativo, laboral e social.
O direito a uma cidade educadora deve ser uma garantia relevante dos princípios de igualdade entre
todas as pessoas, de justiça social e de equilíbrio territorial.
PRINCÍPIOS
-1-
Todos os habitantes de uma cidade terão o direito de desfrutar, em condições de liberdade e igualdade,
os meios e oportunidades de formação, entretenimento e desenvolvimento pessoal que ela lhes oferece. O direito
a uma cidade educadora é proposto como uma extensão do direito fundamental de todos os indivíduos à
educação. A cidade educadora renova permanentemente o seu compromisso em formar nos aspectos, os mais
418
diversos, os seus habitantes ao longo da vida. E para que isto seja possível, deverá ter em conta todos os grupos,
com suas necessidades particulares.
Para o planeamento e governo da cidade, tomar-se-ão as medidas necessárias tendo por objectivo o
suprimir os obstáculos de todos os tipos incluindo as barreiras físicas que impedem o exercício do direito à
igualdade. Serão responsáveis tanto a administração municipal, como outras administrações que têm uma
influência na cidade, e os seus habitantes deverão igualmente comprometerem-se neste empreendimento, não só
ao nível pessoal como através de diferentes associações a que pertençam.
- 2-
- 3-
A cidade educadora deverá encorajar o diálogo entre gerações, não somente enquanto fórmula de
coexistência pacífica, mas como procura de projectos comuns e partilhados entre grupos de pessoas de idades
diferentes. Estes projectos, deverão ser orientados para a realização de iniciativas e acções cívicas, cujo valor
consistirá precisamente no carácter intergeracional e na exploração das respectivas capacidades e valores
próprios de cada idade.
- 4-
As políticas municipais de carácter educativo devem ser sempre entendidas no seu contexto mais amplo
inspirado nos princípios de justiça social, de civismo democrático, da qualidade de vida e da promoção dos seus
habitantes.
- 5-
Os municípios deverão exercer com eficácia as competências que lhes cabem em matéria de educação.
Qualquer que seja o alcance destas competências, elas deverão prever uma política educativa ampla, com
carácter transversal e inovador, compreendendo todas as modalidades de educação formal, não formal e
informal, assim como as diferentes manifestações culturais, fontes de informação e vias de descoberta da
realidade que se produzam na cidade.
- 6-
Com o fim de levar a cabo uma actuação adequada, os responsáveis pela política municipal duma cidade
deverão possuir uma informação precisa sobre a situação e as necessidades dos seus habitantes. Com este
objectivo, deverão realizar estudos que manterão actualizados e tornarão públicos, e prever canais abertos (meios
de comunicação) permanentes com os indivíduos e os grupos que permitirão a formulação de projectos concretos
e de política geral.
Da mesma maneira, o município face a processos de tomada de decisões em cada um dos seus domínios
de responsabilidade, deverá ter em conta o seu impacto educador e formativo.
2 – O COMPROMISSO DA CIDADE
419
- 7-
A cidade deve saber encontrar, preservar e apresentar sua identidade pessoal e complexa. Esta a tornará
única e será a base dum diálogo fecundo com ela mesma e com outras cidades. A valorização dos seus costumes
e suas origens deve ser compatível com os modos de vida internacionais. Poderá assim oferecer uma imagem
atraente sem desvirtuar o seu enquadramento natural e social.
A transformação e o crescimento duma cidade devem ser presididos por uma harmonia entre as novas
necessidades e a perpetuação de construções e símbolos que constituam referências claras ao seu passado e à sua
existência. O planeamento urbano deverá ter em conta as fortes repercussões do ambiente urbano no
desenvolvimento de todos os indivíduos, na integração das suas aspirações pessoais e sociais e deverá agir
contra toda a segregação das gerações e pessoas de diferentes culturas, que têm muito a aprender umas com as
outras.
O ordenamento do espaço físico urbano deverá estar atento às necessidades de acessibilidade, encontro,
relação, jogo e lazer e duma maior aproximação à natureza. A cidade educadora deverá conceder um cuidado
especial às necessidades das pessoas com dependência no planeamento urbanístico de equipamentos e serviços, a
fim de lhes garantir um enquadramento amável e respeitador das limitações que podem apresentar sem que
tenham que renunciar à maior autonomia possível.
- 9-
A cidade educadora deverá fomentar a participação cidadã com uma perspectiva crítica e coresponsável.
Para este efeito, o governo local deverá oferecer a informação necessária e promover, na transversalidade, as
orientações e as actividades de formação em valores éticos e cívicos.
Deverá estimular, ao mesmo, a participação cidadã no projecto colectivo a partir das instituições e
organizações civis e sociais, tendo em conta as iniciativas privadas e outros modos de participação espontânea.
- 10-
O governo municipal deverá dotar a cidade de espaços, equipamentos e serviços públicos adequados ao
desenvolvimento pessoal, social, moral e cultural de todos os seu habitantes, prestando uma atenção especial à
infância e à juventude.
- 11-
A cidade deverá garantir a qualidade de vida de todos os seus habitantes. Significa isto, um equilíbrio
com o ambiente natural, o direito a um ambiente sadio, além do direito ao alojamento, ao trabalho, aos lazeres e
aos transportes públicos, entre outros. Deverá promover activamente a educação para a saúde e a participação de
todos os seus habitantes nas boas práticas de desenvolvimento sustentável.
O projecto educador explícito e implícito na estrutura e no governo da cidade, os valores que esta
encoraja, a qualidade de vida que oferece, as manifestações que organiza, as campanhas e os projectos de todos
os tipos que prepara, deverão ser objecto de reflexão e de participação, graças à utilização dos instrumentos
necessários que permitam ajudar os indivíduos a crescer pessoal e colectivamente.
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O município deverá avaliar o impacto das ofertas culturais, recreativas, informativas, publicitárias ou de
outro tipo e as realidades que as crianças e jovens recebem sem qualquer intermediário. Neste caso, deverá
empreender, sem dirigismos acções com uma explicação ou uma interpretação razoáveis. Vigiará a que se
estabeleça um equilíbrio entre a necessidade de protecção e a autonomia necessária à descoberta. Oferecerá,
igualmente espaços de formação e de debate, incluindo os intercâmbios entre cidades, para que todos os seus
habitantes possam assumir plenamente as inovações que aquelas geram.
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A cidade deverá procurar que todas as famílias recebam uma formação que lhes permitirá ajudar os seus
filhos a crescer e a apreender a cidade, num espírito de respeito mútuo. Neste mesmo sentido, deverá promover
projectos de formação destinados aos educadores em geral e aos indivíduos (particulares ou pessoal pertencente
aos serviços públicos) que intervêm na cidade, sem estarem conscientes das funções educadoras. Atenderá
igualmente para que os corpos de segurança e protecção civil que dependem directamente do município, ajam em
conformidade com estes projectos.
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A cidade deverá oferecer aos seus habitantes a possibilidade de ocuparem um lugar na sociedade,
darlhes-á os conselhos necessários à sua orientação pessoal e profissional e tornará possível a sua participação
em actividades sociais. No domínio específico das relações escola-trabalho, é preciso assinalar a relação estreita
que se deverá estabelecer entre o planeamento educativo e as necessidades do mercado de trabalho.
Para este efeito, as cidades deverão definir estratégias de formação que tenham em conta a procura
social e colaborar com as organizações sindicais e empresas na criação de postos de trabalho e de actividades
formativas de carácter formal e não formal, sempre ao longo da vida.
As cidades deverão estar conscientes dos mecanismos de exclusão e marginalização que as afectam e as
modalidades que eles apresentam assim como desenvolver as políticas de acção afirmativa necessárias. Deverão,
em particular, ocupar-se dos recém-chegados, imigrantes ou refugiados , que têm o direito de sentir com toda a
liberdade, que a cidade lhes pertence. Deverão consagrar todos os seus esforços no encorajar a coesão social
entre os bairros e os seus habitantes, de todas as condições.
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As intervenções destinadas a resolver desigualdades podem adquirir formas múltiplas, mas deverão
partir duma visão global da pessoa, dum parâmetro configurado pelos interesses de cada uma destas e pelo
conjunto de direitos que a todos assistem. Toda a intervenção significativa deve garantir a coordenação entre as
administrações envolvidas e seus serviços. É preciso, igualmente, encorajar a colaboração das administrações
com a sociedade civil livre e democraticamente organizada em instituições do chamado sector terciário,
organizações não governamentais e associações análogas.
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O município deverá garantir uma informação suficiente e compreensível e encorajar os seus habitantes a
informarem-se. Atenta ao valor que significa seleccionar, compreender e tratar a grande quantidade de
informação actualmente disponível , a cidade educadora deverá oferecer os recursos que estarão ao alcance de
todos. O município deverá identificar os grupos que necessitam de uma ajuda personalizada e colocar à sua
disposição pontos de informação, orientação e acompanhamento especializados.
Ao mesmo tempo, deverá prever programas formativos nas tecnologias de informação e comunicações
dirigidos a todas as idades e grupos sociais a fim de combater as novas formas de exclusão.
A cidade educadora deverá oferecer a todos os seus habitantes, enquanto objectivo cada vez mais
necessário à comunidade, uma formação sobre os valores e as práticas da cidadania democrática: o respeito, a
tolerância, a participação, a responsabilidade e o interesse pela coisa pública, seus programas, seus bens e
serviços.
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Esta Carta exprime o compromisso assumido pelas cidades que a subscrevem com todos os valores e
princípios que nela se manifestam. Define-se como aberta à sua própria reforma e deverá ser adequada aos
aspectos que a rápida evolução social exigirá no futuro.