Case Embraer
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O VOO DA FÊNIX
Caso preparado pela Profª. Marcia Portazio, da ESPM-SP, com a colaboração de Daniel Leme
Silva Bitencourt, ex-aluno do MBA Executivo da ESPM.
Este caso foi escrito inteiramente a partir de informações cedidas pela empresa e outras
fontes mencionadas no tópico “Referências”. Não é intenção do autor avaliar ou julgar o
movimento estratégico da empresa em questão. Este texto é destinado exclusivamente ao
estudo e à discussão acadêmica, sendo vedada a sua utilização ou reprodução em qualquer
outra forma. A violação aos direitos autorais sujeitará o infrator às penalidades da Lei. Direitos
Reservados ESPM.
Março 2008
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RESUMO
O Brasil é o único país em desenvolvimento a ter uma fábrica de aviões entre as quatro maiores
fábricas de jatos comerciais do mundo – a Embraer é hoje a terceira, atrás apenas das gigantes
Boeing e Airbus e na frente da Bombardier. Isso se deve a uma visão de longo prazo feito pelo
governo brasileiro – cujas origens estão na década de 1940 e ao excelente trabalho do ex-CEO
Mauricio Botelho, que transformou uma empresa com dívidas acumuladas, que totalizavam
cerca US$ 1 bilhão, em um player global, decorridos apenas 10 anos. Em abril de 2007, Botelho
passou o bastão da presidência da Embraer a Frederico Fleury Curado, sucessor que preparou
durante esse período que liderou a nossa Fênix brasileira. Esse case descreve as origens e a
bem-sucedida gestão de mudança no processo de privatização da Embraer. Analisa as trans-
formações ocorridas na sua filosofia de gestão empresarial, implantação de uma administra-
ção de resultados, plano de ação de longo prazo, lançamento de novos produtos, parcerias e
alianças estratégicas e foco no cliente. Vendo a evolução desde a sua criação até os dias atuais,
os problemas enfrentados nesses quase 40 anos de vida, as soluções encontradas para esses
problemas, os diferentes comandos e formas de ver os problemas, e a dificuldade em mudar
um ícone do orgulho tecnológico do Brasil em uma empresa líder no mercado global.
PALAVRAS-CHAVE
Embraer, privatização, gestão de mudanças, gestão empresarial, gestão de negócios, adminis-
tração de resultados, desenvolvimento sustentável
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Sumário
1. Introdução.............................................................................................................................. 5
12. Referências.........................................................................................................................25
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INTRODUÇÂO
Folha de São Paulo. 5 de janeiro de 1994. Aviões no buraco. Uma empresa com muitos
problemas para honrar seus pagamentos está à beira da concordata ou da falência. Dificilmente
receberá novos empréstimos - para consegui-los terá que explicar muito bem como vai sair do ver-
melho. O Governo, no entanto, quer que o Senado o autorize a assumir uma dívida da alquebrada
Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica. O Ministro Fernando Henrique Cardoso explicou
que o Governo pretende pagar as contas da estatal dos aviões para “preservar a tecnologia nacio-
nal” e a “capacidade da empresa de produzir aeronaves”.
Folha de São Paulo. 9 de fevereiro de 1994. Petista participa de ato na Embraer. O Presi-
dente nacional do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, deve participar hoje de um ato público, às 17h06,
em frente à Embraer, em São José dos Campos (97 km a nordeste de SP). Ele vai discursar contra
a privatização da empresa, marcada para o dia 24 de março. Às 15h, Lula tem encontro marcado
com o superintendente da Embraer, Ozires Silva.
Folha de São Paulo. 30 de março de 1994. Embraer tem prejuízo de US$ 77,1 milhões. A
Embraer fechou o ano de 93 com um prejuízo de CR$ 25,155 bilhões (US$ 77,1 milhões pelo
dólar livre de 31 de dezembro de 93). Este é o quarto ano consecutivo que a estatal tem prejuízo.
Folha de São Paulo. 28 de abril de 1994. Passeata contesta leilão da Embraer. A passeata
pelo Dia de Protesto e Mobilização pela Embraer, em São José dos Campos, reuniu ontem cerca
de mil funcionários da estatal, segundo a Polícia Militar e organizadores do movimento.
Folha de São Paulo. 7 de maio de 1994. Embraer demitirá 1.471, prevê consultoria. Um re-
latório preliminar da empresa de consultoria Deloitte prevê que a Embraer teria que demitir 1.471
dos atuais 5.600 funcionários. A redução serviria para adequar seu efetivo à produção de aviões
e seria uma medida a ser tomada após a privatização. O documento foi apresentado ontem pelo
Comitê em Defesa da Embraer Contra a Privatização. A Deloitte foi uma das consultorias externas
contratadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para avalia-
ção técnico-econômica da Embraer.
Folha de São Paulo. 20 de julho de 1994. Sindicato quer impedir o leilão da Embraer. O
Sindicato dos Engenheiros de São José dos Campos encaminhou anteontem duas representações
à Procuradoria Geral da República no Estado para tentar impedir o leilão de privatização da Em-
braer, marcado para 4 de agosto. As representações pedem abertura de inquéritos para investigar
possíveis irregularidades no processo de venda da estatal.
Folha de São Paulo. 22 de agosto de 1994. Embraer paga salário. Os salários de agosto
dos 5.600 funcionários da Embraer serão pagos integralmente e dentro do prazo. A afirmação
foi feita no último sábado pelo superintendente da empresa, Ozires Silva, 63, durante a festa
de comemoração dos 25 anos da Embraer. Na última quinta-feira, o Ministro da Aeronáutica,
Lélio Viana Lobo, afirmou no Senado que seu ministério havia feito empréstimo para pagar
os salários de julho dos funcionários da Embraer. O Ministro disse que não sabia como seriam
pagos os salários de agosto.
Folha de São Paulo. 17 de setembro de 1994. Embraer tem prejuízo de R$ 66,4 milhões. A
Embraer fechou o semestre com um prejuízo de R$ 66,4 milhões.
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As manchetes e notícias dos principais jornais nacionais não deixam dúvidas. O ano de
1994 ficaria marcado para sempre na história da Embraer. Este ano foi o ápice da crise que a
empresa vinha enfrentando desde o final dos anos 80.
A empresa que nasceu do sonho de uma nação de desbravar as fronteiras do subdesen-
volvimento e dominar a arte de fabricar seus próprios aviões, suplantando todas as barreiras
e dificuldades para alcançar o desenvolvimento científico e tecnológico que lhe permitisse a
realização desta aventura que apaixona a humanidade desde os tempos imemoriais, parecia
estar com seus dias contados. Tudo indicava que a falência seria inevitável.
A Embraer, que outrora havia sido um gigante no setor aeronáutico, parecia um pássa-
ro abatido que perdia as forças em pleno voo e, mortalmente ferido, mergulhava em desci-
da vertiginosa, sem ser capaz de escapar de seu destino cruel, o desaparecimento. Se esse
destino se confirmasse, junto com o desaparecimento da Embraer, pereceriam também o
sonho e o orgulho de toda uma nação.
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110 mil horas de trabalho foram necessárias para a realização do projeto de construção do primei-
ro protótipo Bandeirante. Ao todo, o projeto levou mais de três anos para ser concluído e contou com
a participação de um grupo de aproximadamente 300 pessoas, na sua maioria engenheiros aeronáu-
ticos formados pelo ITA, liderados pelo então major-aviador Ozires Silva e assessorado pelo francês
Max Holste, criador do Nord 262, cuja participação foi decisiva para o desenvolvimento do projeto.
O Engenheiro Ozires foi quem deu partida para o projeto Bandeirante, porque já tinha a
visão de que o Brasil, pioneiro na aviação com Santos Dumont, embora muito fértil em criar
protótipos, tinha falhado até então em produzir aviões industrialmente. Esse grupo que se de-
dicou ao protótipo do avião Bandeirante tinha verdadeira obsessão de que aquilo era apenas
um passo intermediário para se chegar à fabricação do avião.
Mas o desafio estava apenas começando. Apesar de todo entusiasmo causado pelo suces-
so do protótipo Bandeirante, a ideia de uma indústria aeroespacial era muito avançada para
a mentalidade empresarial brasileira daquela época que via na equipe que liderava o projeto
um grupo de jovens inexperientes, absolutamente sonhadores. O fato da maioria deles serem
jovens de aproximadamente 25-30 anos de idade, com pouco tempo de experiência profissio-
nal e sem nenhuma experiência empresarial, corroborava com essa ideia, fazendo com que os
empresários da época não acreditassem na viabilidade de um empreendimento como esse.
Sem ajuda do setor privado, mas antevendo as possibilidades de comercialização do Bandei-
rante fabricado em série, o Governo brasileiro decidiu-se pela fundação da Embraer. A saída foi a
criação de uma empresa de capital misto, com aportes do Governo, que colocaria 10 milhões de
dólares e manteria o controle acionário com 51% das ações. O restante seria investido pela inicia-
tiva privada, através de um programa de incentivo fiscal que permitia às empresas interessadas
deduzirem 1% do imposto de renda devido à União, investindo em ações da nova companhia.
Desta forma, em 19 de agosto de 1969, sob a liderança do Ministério da Aeronáutica, o
Presidente da República Arthur da Costa e Silva assinou o decreto de criação da Embraer des-
tinada à fabricação em série do avião Bandeirante.
A Embraer tornou-se operacional a partir de 2 de janeiro de 1970 ocupando um terreno de 2,5
milhões de metros quadrados, próximo ao aeroporto de São José dos Campos, tendo como efetivo
um grupo de 150 profissionais contratados dentre as cerca de 300 pessoas que faziam parte da
equipe que havia projetado o Bandeirante no CTA. Entre eles, é claro, o próprio Ozires Silva, Diretor-
Superintendente da nova empresa. Uma ausência significativa foi a do francês Max Holste, que se
mudou para o Uruguai uma vez que não acreditava na produção do Bandeirante em série.
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Era uma empresa que em nada se parecia com a Embraer de hoje. Era uma empresa nascente
que, como bem perceberam os empresários que se recusaram a investir em sua criação, não tinha em
seus dirigentes e na própria cultura um traço industrial, uma herança industrial. Eram essencialmente
visionários, pessoas que queriam construir algo. Pessoas que tinham certa intimidade com tecnologia
avançada característica do mundo aeronáutico, mas careciam de uma cultura empresarial.
No entanto, o que lhes faltava em experiência empresarial sobrava em garra e empreen-
dedorismo. Boa parte dessa visão empreendedora deve ser creditada ao então Maj. Ozires Sil-
va, que reuniu disposição e competência técnica com uma grande interação e entendimento
entre os componentes da equipe que liderava, o que resultou em um time coeso, com ampla
visão do futuro, fatores que se revelaram decisivos para a decolagem da jovem empresa.
Logo a carteira de produtos da empresa aumentou, incorporando, ainda em 1970, o avião
agrícola EMB 200 Ipanema, em 1971 o planador EMB 400 Urupema e o jato de treinamento
avançado EMB 326 Xavante. Em 1972, a empresa entregou o primeiro EMB 110 Bandeirante,
versão serializada do antigo projeto desenvolvido no CTA e que atendeu tanto o segmento da
aviação militar como a então nascente aviação regional.
Aliás, no segmento de aviação militar, vale ressaltar a importância da parceria entre a Embraer
e a FAB nessa época, uma vez que, por um lado a compra de aviões pela FAB - 80 Bandeirantes (C-
95 na versão militar) e 112 EMB-326 Xavantes - e a transferência de dois projetos em andamento
para a Embraer - o planador Urupema e o avião agrícola Ipanema - garantiram a sobrevivência da
companhia nos primeiros anos; e por outro, a Embraer proporcionou a modernização da frota da
FAB que, na época, operava com aviões obsoletos, oferecendo aeronaves mais modernas, mais
rápidas e mais eficazes, além de garantir a qualidade do trabalho de manutenção pós-venda.
Aos poucos, outras aeronaves começaram a fazer parte da carteira de produtos da empresa, não
somente fruto de seus próprios projetos, mas também através de parcerias que foram sendo firmadas
ao longo do tempo e que permitiram a transferência de know-how e tecnologia.
O primeiro contrato deste tipo, firmado em 1973 entre a Embraer e a Northrop Aircraft Corp. dos
Estados Unidos, previa a produção de componentes para o programa de caça supersônico F-5E Tiger II.
Outro importante acordo de cooperação foi assinado em agosto de 1974, com a norte-ame-
ricana Piper Aircraft, que concedia à Embraer licença para fabricar os bimotores EMB 820 Navajo
e EMB 810 Sêneca, um dos modelos de maior sucesso no país, com mais de 800 unidades já co-
mercializadas, os monomotores de quatro lugares, o EMB 710 Carioca, o EMB 711 Corisco e o EMB
712 Tupi, além dos aviões de seis lugares o EMB 721 Sertanejo e o EMB 720 Minuano.
Ainda na década de 70 a Embraer anunciou suas primeiras vendas da aeronave EMB 110
Bandeirante para o transporte comercial de passageiros, para as empresas Transbrasil e Vasp
e em 1975 começou a exportar seus aviões, primeiramente para a Força Aérea Uruguaia, em
1976 para a Marinha do Chile, em 1977 para a Força Aérea do Togo, na África.
Para se ter uma ideia do sucesso que a Embraer alcançou nesse período, em 1976, apenas sete anos
após sua criação, a Embraer registrou a entrega do 100º. Bandeirante, do 100º. Xavante e do 300º. Ipanema.
A popularidade do Bandeirante atravessou fronteiras e fez com que ele permanecesse em
produção contínua por praticamente dezoito anos, durante os quais foram fabricados e en-
tregues 500 unidades a clientes civis e militares em 36 países. Várias novas versões foram de-
senvolvidas tanto para os mercados civis como para os militares. Neste último, talvez o mais
notável seja o EMB-111 “Bandeirulha”, desenvolvido para patrulhamento marítimo e ainda em
uso pela FAB. O Bandeirante acabou se transformando em uma das aeronaves mais vendidas
na sua categoria, além de ter sido uma das que mais contribuiu no desenvolvimento do trans-
porte aéreo regional no mundo. O Bandeirante foi o avião que colocou a Embraer no cenário
mundial de aviação e fez dela uma empresa de renome internacional.
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Ao longo das décadas de 70 e 80 outros projetos desenvolvidos pela Embraer vieram a se
somar a sua carteira de produtos, ajudando-a a se projetar cada vez mais no cenário mundial.
Dentre os quais se destacam o EMB 121 Xingu (1976), o primeiro avião pressurizado projetado
e fabricado pela Embraer; o EMB 312 Tucano (1980), um treinador militar turboélice, que em
suas diferentes versões se tornou o mais vendido no mundo em sua categoria; o EMB 120 Bra-
sília (1983), sucessor do Bandeirante, já num nível superior, um avião pressurizado e que voava
mais alto e mais rápido, refletindo a 2ª geração de aviões voltados para o transporte regional e
se mostrou uma das aeronaves mais econômicas na categoria de 30 a 40 passageiros e, final-
mente, o AMX, um caça bombardeiro subsônico de ataque ao solo desenvolvido em parceria
com as italianas Aelenia (ex-Aeritalia) e Aermacchi para a FAB.
Esse último programa teve uma grande repercussão para o crescimento da Embraer em sua
expressão no mundo da indústria aeronáutica, uma vez que a empresa participou não só na
fase de produção, mas também na fase de projeto de um avião sofisticado como era, e ainda é
o AMX, o que significava uma enorme responsabilidade e enormes investimentos na capacita-
ção da Embraer. A Embraer deu um salto tecnológico com o AMX.
Ao final da década de 70, com a obtenção de sucessivas certificações internacionais, aviões
fabricados pela Embraer começaram a ganhar espaço no cenário mundial e, pouco a pouco,
aviões brasileiros passaram a voar nos céus dos Estados Unidos e da Europa.
Outro fato importante para o desenvolvimento da Embraer ocorreu em 1978 quando o en-
tão Presidente americano Jimmy Carter sancionou a lei chamada de The Airline Deregulation
Act of 1978 que desregulamentou o transporte aéreo regular nos EUA. Até então o transporte
aéreo nos EUA era controlado pelo Governo Federal, apenas algumas empresas podiam voar,
caracterizando uma indústria presa e amordaçada, mas com a nova lei as empresas passaram
a decidir autonomamente pelas rotas, tipos de aeronaves, frequência das viagens e preços das
passagens, o que causou uma verdadeira explosão no mercado aeronáutico americano, prin-
cipalmente no segmento do transporte aéreo regional.
Neste momento, configurou-se uma situação ideal para o Bandeirante, uma vez que um
grande número de empresas pequenas que transportavam pessoas quase que como pequenos
ônibus aéreos, começou a proliferar. Eles eram chamados Commuters porque ligavam pequenas
cidades. E nesse ambiente o Bandeirante encontrou um mercado bastante promissor. Eram pou-
cos aviões com características favoráveis a esse novo mercado e a Embraer conseguiu certificar
o Bandeirante nos Estados Unidos. A partir daí começou a se produzir muitos Bandeirantes. Em
dois ou três anos havia quase 200 aviões Bandeirantes operando nos Estados Unidos.
Esse foi o 1º estágio para a chamada aviação regional e logo a Embraer percebeu a impor-
tância deste mercado e procurou habilmente se tornar equilibrada entre aviação civil e aviação
militar evitando a excessiva dependência de um único tipo de mercado.
Inicialmente, a comercialização no exterior era feita por meio de empresas locais que eram
remuneradas pelo sistema de comissão sobre as vendas, mas como aumento das vendas tor-
nou-se imprescindível que a empresa montasse algumas bases de ação fora do Brasil. Foi assim
que em 1979 foi estabelecida a subsidiária Embraer Aircraft Company (EAC), sediada em Fort
Lauderdale, na Flórida, EUA, e em 1983 a Embraer Aviation International (EAI), sediada em Pa-
ris, França, ambas com o objetivo de concentrar atividades de marketing e vendas e de prover
apoio técnico adequado aos clientes das suas respectivas regiões.
A primeira foi estabelecida com a missão de atuar na América do Norte e a segunda
na Europa, África e Oriente Médio.
Fato interessante é notar que essa vocação de alçar voos no cenário mundial do mercado
aeronáutico já estava presente na visão empreendedora dos fundadores da Embraer, mesmo
antes de sua criação. Na ata de reunião do grupo que se dedicou a desenvolver o Bandeirante
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em abril de 1965, quando então se decidia pela escolha de um motor para o Bandeirante, a
discussão ocorreu em torno de várias opções, mas, no fim, o que fez com que a opção final re-
caísse na turbina PT6 fabricada pela Pratt & Whitney Canada (PWC), foi justamente o raciocínio
de que estavam construindo um protótipo, que algum dia esse protótipo seria produzido em
série e que posteriormente seria exportado. Como a PWC detinha uma rede mundial de ofici-
nas de apoio ao produto, este fato constituiu fator importante na escolha. Atitudes como esta
refletiam o espírito pioneiro do grupo que viria a dar origem à Embraer, uma vez que não havia
avião, não havia protótipo, de fato ainda não havia nada e eles já estavam sonhando com a ex-
portação de um produto que para operar no exterior precisava ser certificado e homologado
em outros países. E quem iria homologar um avião de uma fábrica brasileira?
O que o tempo viria demonstrar é que esse grupo de idealistas sonhadores era, na verdade um
grupo de visionários que, na década de 60, sonharam com tudo o que está acontecendo hoje. A
Embraer haveria de se tornar um gigante no setor aeronáutico e ganharia os céus do mundo inteiro.
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Por fim, em 1991 houve a 1ª Guerra do Golfo, com consequências para a elevação do pre-
ço do petróleo e desaquecimento da economia mundial. Nesta época, ninguém queria avião,
ninguém precisava de avião. Os aviões estavam sobrando nos desertos. O transporte aéreo
sofreu muito com essa situação o que resultou uma enorme recessão no mercado mundial da
aviação, com redução drástica das encomendas da Embraer.
Além de todo esse cenário desfavorável a Embraer passou a sofrer as consequências
adversas de sua condição de empresa estatal que, por questões de legislação, deve satis-
fazer uma série de exigências e cuidados a que empresas privadas não estão sujeitas.São
cuidados necessários que precisam ser tomados, afinal, trata-se de dinheiro público, mas
que acarretam dificuldades extras para a condução do negócio, uma vez que impactam
diretamente flexibilidade, a agressividade e a rapidez que o mercado demanda e, muitas
vezes, a Embraer se viu prejudicada nessa tarefa.
Como empresa pública a Embraer também passou a acumular algumas incompetências
muito comuns em empresas estatais e implicaram vícios administrativos, provocando a perda
de eficiência - havia dificuldade para admitir e demitir funcionários; as decisões, muitas vezes,
eram políticas e não privilegiavam os negócios.
Além disso, era um período em que a atividade sindical era muito aguerrida, mais
combativa do que nos dias atuais.
No início da década de 90 a Embraer era uma empresa destroçada, uma empresa com o
estigma de fracassada, em que seus empregados tinham perdido o amor próprio, sentindo-se
humilhados porque a Embraer passara a ser o símbolo de uma empresa que não tinha dado
certo. Mais uma empresa estatal que tinha vivido à custa das benesses governamentais.
A soma de todos esses fatores adversos só fez acelerar a crise da Embraer. Em 1990 a Embraer
contava com 12.400 empregados e, ainda como empresa estatal, fez seu primeiro grande corte
demitindo 4.322 pessoas. Toda a diretoria foi substituída e, pela primeira vez, a Embraer foi dirigi-
da por pessoas que não tinham nenhuma conexão com o seu passado. Subitamente a empresa
encontrava-se refém porque não dispunha de caixa, os sindicatos estavam muito agressivos e de
certa maneira dominavam o dia-a-dia da empresa. Não havia encomendas, não havia credibilida-
de, era uma empresa que devia, não pagava e seu destino natural parecia ser a falência.
Também concorreu para este estado de coisas um projeto de grande porte, no qual a Em-
braer embarcou em 1987 e que não teve sucesso. Tratou-se do Programa CBA-123 ( a sigla
“CBA” corresponde à expressão Cooperação Brasil-Argentina), um acordo de cooperação entre
o Brasil e a Argentina no setor aeronáutico - o projeto de um avião turboélice para 19 passagei-
ros, com o nome comercial de Vector, de concepção moderna e avançado tecnologicamente.
Inicialmente o programa contabilizou cerca de 150 intenções de compras de clientes poten-
ciais, mas o compartilhamento das atividades e a integração das equipes técnicas do Brasil e da
Argentina aumentaram os custos do projeto que acabaram em muito excedendo o previsto,
obrigando a um reajuste no preço final da aeronave que acabou sendo rejeitada pelo mercado
e nenhuma das 150 intenções de compra foi concretizada.
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CBA – 123
O programa fazia parte da plataforma adotada pelos Presidentes Alfonsin e Sarney como
bandeira para o Mercosul. Uma parceria das indústrias brasileira e argentina. Como estatal,
a Embraer se sujeitou às influências políticas e embarcou num programa no qual ela não
tinha nenhuma segurança da aceitação de encomendas. Os programas de desenvolvimento
de novos aviões não são pequenos. Demandam investimentos brutais. Se eles forem bem
sucedidos podem dar garantia de receita durante anos para a empresa, mas se forem mal
sucedidos podem levar a companhia à falência.
A Embraer subitamente se viu diante de situação dramática: o programa havia requerido in-
vestimentos totalizando US$ 300 milhões obrigando a empresa a captar recursos no mercado re-
correndo a empréstimos bancários de curto prazo, a juros altos, para financiar seus projetos e girar
seus próprios negócios. Isso levou-a a uma ciranda financeira que resultou em passivo a descoberto
da ordem de US$ 1 bilhão, paulatinamente estrangulando suas atividades operacionais.
Financiamentos altos, inflação descontrolada, fracasso comercial do CBA-123 e retração do
mercado mundial da aviação. Esse foi o dramático final da década de 80 para uma empresa
que no início dos anos 80 foi tão bem posicionada e com programas tão sólidos.
Em junho de 91, o Eng. Ozires Silva, que havia deixado a Embraer em 86 para assumir a
presidência da Petrobras e, posteriormente em 1990, tinha assumido o cargo de Ministro da
Infra-estrutura do Governo Collor, voltou a Embraer e encontrou uma empresa completamen-
te problemática que o colocou diante de um quadro extremamente desafiador. Mas seu re-
torno foi um alento, porque ele havia criado a Embraer e durante os anos sob sua direção a
Embraer havia sido vitoriosa. Com a volta do Eng. Ozires foi negociado um empréstimo do
Governo Federal de U$ 480 milhões. Embora esse empréstimo tenha sido logo consumido por
pagamentos, ele proporcionou fôlego adicional e uma sobrevida à empresa.
Mesmo com todo o esforço empenhado, a situação da Embraer continuava crítica. A
situação exigia medidas draconianas e novas demissões foram inevitáveis, com a dispensa
de 2.500 dos 8.300 funcionários da época.
Em janeiro de 92, na 1ª reunião daquele ano, o Cel. Ozires declarou que a única ponta
de esperança para a empresa era a privatização. Em seu livro A decolagem de um sonho 1 (1)Silva, Ozires. A
(2005) o Cel. Ozires relembra: decolagem de um
sonho, p. 594.
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Foi um período de muitas preocupações e de intensas reflexões. Sabia que tudo o que se
fizesse naqueles momentos iria afetar definitivamente a vida da empresa no futuro. Não adian-
tavam os argumentos dizendo-se que a recessão era mundial e, o que ocorria com a Embraer,
era um reflexo da conjuntura internacional. Tudo soaria como retórica e em nada ajudaria.
Muni-me da coragem necessária, chamei alguns colegas da antiga Diretoria da empresa e,
um dia, sentados em torno da nossa tradicional mesa de reuniões, expus-lhes: “Estamos perante
problemas muito sérios. Vamos precisar de estratégias novas e criativas. Assim proponho defen-
der a privatização da Embraer. Não será possível enfrentar a difícil conjuntura internacional, que
temos vigorando hoje no mundo, numa empresa amarrada pelo enorme conjunto de restrições
gerenciais imposto pelo nosso acionista controlador maior, o Governo Federal.” (p.594)
O sonho não podia terminar assim. Afinal, a mesma garra, disposição e competência téc-
nica que fizeram a empresa superar todas as dificuldades na época de sua criação, agora so-
madas à experiência empresarial e a um vasto conhecimento do mercado, impeliam aqueles
que um dia contrariaram todas as previsões e fizeram esse gigante decolar a continuar lutando
para que a Embraer não se deixasse abater como um pássaro ferido. A privatização era a única
saída para escapar de um destino cruel, o desaparecimento.
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Para o leilão de privatização algumas restrições de caráter estratégico foram impostas pelo
Governo Federal, todas refletidas na chamada Ação de Classe Especial (Golden Share). E assim
foi publicado o edital fixando o preço mínimo de venda da empresa em US$ 295 milhões.
No momento em que o Governo decidiu pela privatização da empresa, começaram as resistências.
Os primeiros foram os metalúrgicos que travaram conflitos com o Governo. Para minimi-
zar esta oposição, a estratégia adotada foi visitar empresas que foram recém privatizadas no
País junto com representantes sindicais. Foram realizados debates nessas empresas sobre os
detalhes da venda das ações e isso acabou dando resultado, pois os sindicalistas diminuíram
um pouco a oposição. Outra medida - consequência de entendimentos em nível de Congresso
Nacional – foi um acordo com os novos donos da Embraer para garantir o emprego dos funcio-
nários, por um período de seis meses após a privatização. Posteriormente, esta lei foi apelidada
de “lei do perde-perde” porque perdeu o empregado, com a ansiedade e a angústia que se
estendeu por seis meses; perdeu a empresa, que teve de gastar US$ 50 milhões a mais do que
o necessário; perdeu o acionista, que teve adiado o retorno sobre o investimento.
Outro grupo resistente foi o do alto escalão da Aeronáutica, alegando que a Embraer era
fundamental para a soberania nacional e para o domínio tecnológico do país.
Na política, um grupo de 28 deputados federais e 5 senadores liderados pelos Presidentes
do Senado e da Câmara Federal também se opuseram à desestatização. Eles defendiam o in-
vestimento em ciência e tecnologia para tirar a dependência externa do país, neste contexto.
Por parte da sociedade também ocorreram manifestações contra a privatização.
Os únicos que defenderam a privatização foram os Presidentes da República: Fernando
Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Eles mantiveram-se firmes na posição de
transformar a Embraer em uma empresa rentável de gestão privada.
Em uma análise rápida, podemos identificar algumas razões para a resistência a mudança
por parte destes grupos. A mais importante e de consenso geral era a perda da especialização,
da soberania e tecnologia. Junto a esse pensamento vemos o medo dos militares de perder
influência, autoridade e o controle da empresa. Para os sindicalistas e empregados a preo-
cupação era a perda real dos empregos, devido ao enxugamento previsto e a compreensão
limitada que eles tinham sobre os benefícios que a privatização traria para a comunidade.
O ex-Ministro da Aeronáutica Lélio Viana Lobo, que foi um dos que conduziram o pro-
cesso de privatização, disse na época: “Quando assumi o Ministério da Aeronáutica, eu co-
nhecia bem todo o processo e entendi que a privatização era a única solução possível para
se equacionar os problemas financeiros da Embraer e mantê-la no mercado. No regime
orçamentário, com as restrições que a legislação brasileira impõe a gestão das empresas
estatais, não havia outra solução a não ser tocar a privatização.”
Com duas tentativas de venda fracassadas, desta forma, a Embraer foi a leilão na Bolsa de
Valores de São Paulo na tarde do dia 7 de dezembro de 1994 e o controle da empresa passou
inicialmente para as mãos de um grupo representado por quatro instituições: os grupos finan-
ceiros Bozano Simonsen e Wasserstein Perella, e os fundos de pensão Previ e a Sistel que assu-
miram o controle da empresa com 40% do total de ações. A Embraer foi vendida por US$ 146,7
milhões, “na época, todo mundo achou que iríamos perder muito dinheiro com a empresa.
Mas nós acreditávamos que poderíamos transformar a companhia, que fazer aviões com alta
tecnologia no Brasil era um negócio viável.” disse o empresário Júlio Bozano do grupo Bozano
Simonsen à revista Exame em 30 de julho de 1999.
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O voo da Fênix, a reestruturação da Embraer
Apesar da crise enfrentada, os aviões da Embraer nunca deixaram de voar no mundo por falta
de peças de reposição ou de assistência técnica. A empresa tinha consciência de que a assis-
tência técnica era essencial para manter sua credibilidade no mercado.
Com a privatização, a Embraer começou a passar por um profundo processo de rees-
truturação, cujo objetivo principal era adotar um modelo empresarial que trouxesse efi-
ciência, qualidade, competitividade e as melhorias necessárias para atuação da empresa
visando o êxito no cenário mundial.
Antes da privatização, a estrutura organizacional da Embraer era bastante verticalizada e
rígida por ser ligada ao Governo Federal, não tinha flexibilidade para mudanças. Era um mode-
lo bastante conservador e centralizador, com pouca liberdade para os funcionários, não per-
mitindo liberdade nem iniciativa de seus funcionários, o que promovia demora no tempo de
resposta para questões internas, provocando uma comunicação deficiente e mantendo uma
distância entre as lideranças e seus colaboradores e atraso nas ações exigidas pelo mercado.
Era composta por uma Superintendência e seis Diretorias - Industrial, Técnica, de Produção,
Comercial e Programas Militares, Financeira e Administrativa.
Havia 10 posições funcionais:
1. Diretoria;
2. Assessor de Diretoria;
3. Gerente de Divisão;
4. Assistente de Gerente;
5. Assessor de Gerente;
6. Chefe de Seção;
7. Subchefe de Seção;
8. Supervisor;
9. Encarregado;
10. Líder.
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A primeira medida do novo dirigente foi alterar o organograma, privilegiando então o setor
comercial que funcionava de forma centralizada.
Com a reestruturação criaram-se diversas Diretorias visando à modernização e evolução
da empresa. As Diretorias receberam o título de Vice-Presidências atendendo uma exigência
do mercado aeronáutico. Alguns dos Vice-Presidentes Executivos são estatutários, ou seja, são
responsáveis legalmente pela companhia. A Diretoria abrange, também, outros Vice-Presiden-
tes que não são responsáveis legais como os diretores estatutários.
Desta forma, o organograma da Embraer ficou assim constituído:
• Conselho de Administradores
• Diretor Presidente Vice-Presidente Executivo para Mercado de Aviação
• Comercial Vice-Presidente para o Mercado de Aviação
• Executiva Vice-Presidente Executivo para Mercado de Defesa e Governo
• Vice-Presidente Executivo de Engenharia e Desenvolvimento
• Vice-Presidente Executivo de Operações Industriais Vice-Presidente Executivo Corporativo e
de Relações com Investidores
• Vice-Presidente Executivo de Comunicação Empresarial
• Vice-Presidente de Desenvolvimento Organizacional e Pessoas
• Vice-Presidente de Relações Externas
O novo CEO, um sujeito enérgico, emocional, que está sempre no meio das pessoas.
Mas, que acima de tudo, é um perseguidor de resultados e que faz questão de que as pes-
soas à sua volta ajam da mesma maneira, mostrou determinação no processo de reformu-
lação, mudando o foco da empresa da área técnica para a econômica. Fez a parte política
percorrendo gabinetes em Brasília, e na administrativa viajou pelo mundo para consolidar
suas ideias, de uma política de verdade e transparência, nas sedes da empresa, e disse: “só
existe uma Embraer, a multinacional brasileira e que atua em várias regiões. E vamos parar
com esse negócio de nós e eles. Nós somos um só”.
Outra atitude tomada foi visitar também os clientes, mostrando a nova face da empresa,
e essa talvez tenha sido a mais difícil. “Nos três primeiros meses eu visitei o mundo, correndo
aos nossos então clientes, ou clientes prospectivos, mostrando a eles como estava a empresa e
que ela ficaria diferente. E um cliente da França me disse: Você é o quinto senhor aqui nos últi-
mos três anos. Como posso aceitar o que está falando? Eu respondi: Você tem de aceitar o que
estou dizendo, porque eu estou lhe dizendo e eu vou fazer acontecer o que estou lhe falando”,
disse Botelho. Esse era o grau de desconfiança que o mercado tinha da empresa.
Além disso, implementou um modelo de liderança matricial, onde o ocupante não possuía
uma denominação de cargo atrelada à estrutura organizacional e nem mesmo a uma identifi-
cação na estrutura, justamente para atuar como um consultor e facilitador em todo o processo
de trabalho. Botelho disse: “Status, posição, quadrinho em organograma não tem valor ne-
nhum, valem zero. O que tem valor são as pessoas e seus programas, as pessoas que entendem
com clareza qual é o seu papel no processo produtivo. As pessoas que têm visão concreta de
qual é a sua missão e de quais resultados haverão de alcançar. Tem valor a equipe, o conjunto
das pessoas que, em sinergia, vai fazer mais do que uma só.”
Foram dois anos duros, com ajustes do quadro de empregados e com um grande problema de man-
tê-los motivados, após essas demissões. A vitória se deu quando Botelho colocou a diretoria do sindicato
em um círculo e disse: “Quero conversar com vocês sem nenhuma reserva. Mas, se nossa concorrência
tiver acesso ao que eu vou falar, estaremos liquidados. Todos se comprometeram e eu abri os livros da
Embraer, num quadro absolutamente terrível. Também mostrei o que as empresas que sobreviveram a
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situações semelhantes tinham feito e o que as que morreram deixaram de fazer. Então o sindicato deci-
diu colocar em assembleia. Foi quando o presidente do sindicato me disse: Eu não posso apresentar essa
proposta sem que você aceite o mesmo ônus que está impondo a nós. Eu nem o deixei acabar a frase.
Disse: Está fechado... Eu perderia remuneração nas mesmas bases. Os diretores, os gerentes e os conse-
lheiros fecharam comigo. Acho que o turning point ocorreu quando não o deixei acabar essa frase... Foi
uma virada de credibilidade. Tudo isso ajudou na nova fase de sucesso da Embraer no final de 1997 após
uma ampla reestruturação e redução de custos que deixaram a empresa enxuta.
Os resultados falaram por si só. Em 1998 a Embraer foi classificada como uma das 50
melhores empresas para se trabalhar no Brasil; os lucros geraram 2.243 novos empregos;
uma receita bruta de 90% sobre os resultados de 1997; as exportações somaram US$ 1.168
bilhões; e a produtividade multiplicou por seis se comparado à época estatal, tudo isso com
um investimento de R$ 148 milhões de reais.
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Como a Embraer vinha da maior crise da sua história e de uma mudança radical na parte
administrativa era necessário ter organização e informar os funcionários da empresa sobre o
que estava acontecendo e o que estava sendo planejado para que a empresa saísse do buraco.
Esse processo foi levado tão a sério que a empresa conseguiu fazer com que fosse vista pelos
funcionários como uma fonte de informações muito mais segura do que os próprios sindicatos.
Para garantir que todas as unidades da Embraer no Brasil e exterior recebessem as mesmas
informações e seguissem a mesma linha foram criadas algumas ferramentas como:
• Em Tempo: comunicação estratégica e dos planos de ações do CEO com os emprega-
dos, via e-mail e quadros de notícias pela Embraer;
• Para Líderes e Gestores: comunicação interpessoal entre gestores e equipes, via e-mail;
• Intranet: com informação rápida e atualizada;
• Embraer Notícia: jornal mensal para a disseminação da Cultura e Integração;
• Quadros de Avisos: comunicação com o pessoal operacional que não usa e-mail;
• Faixas e Banners: para chamar a atenção para campanhas e assuntos;
• TV Embraer: vídeos informando sobre a empresa, produtos e comunicados do
CEO para os empregados.
Mauricio Botelho transmitiu a sua visão de que todos precisavam vestir a camisa da empre-
sa e remar na mesma direção. Com o seu carisma e transparência a sua liderança sempre foi
muito admirada pelos seus empregados. Isso ajudou a Embraer a sair de uma situação difícil
para a posição de terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo.
A visão de negócio e a escala de valores da Embraer se tornaram mais objetivas e menos
idealistas. Nesse contexto a empresa reconheceu a importância das parcerias e alianças estra-
tégicas, que se tornaram indispensáveis no desenvolvimento dos novos projetos.
O mercado estava exigindo a criação de jatos regionais, para substituir os turboélices, por
isso foi lançado o EMB 145, que depois recebeu o nome de ERJ 145, o primeiro jato regional da
Embraer, com capacidade para até 50 assentos.
Como a empresa não possuía recursos necessários para desenvolver sozinha o projeto e
enfrentava o descrédito quanto ao sucesso do programa no mercado internacional, a Embraer
mostrou determinação e criatividade ao fazer um modelo de parcerias de risco, hierarquizan-
do a cadeia de fornecimento em três grupos: os parceiros (que assumiram riscos financeiros
nos projetos), os fornecedores (entregavam peças, partes e serviços encomendados pela em-
presa) e os terceirizados (vendiam a Embraer serviços por homem-hora).
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Nesse modelo, o próprio parceiro é que projetaria partes do avião e investiria no programa sem ter a
prévia garantia de ter o retorno esperado. A Embraer assim dividiu o investimento com quatro parceiros,
que assumiram todos os riscos e ajudaram a transformar o ERJ 145 em um dos aviões mais vendidos
do mundo. Todo o processo de parceria de risco foi idealizado e conduzido pelo Vice-Presidente de En-
genharia e Desenvolvimento Satoshi Yokota, que disse: “não tínhamos dinheiro nenhum. A solução foi
buscar parceiros de risco, fornecedores importantes participariam do projeto e entrariam com algum
capital”. E com essa estratégia, a Embraer foi capaz de desenvolver um jato com o menor custo possível.
Para auxiliar no cumprimento do lançamento e vendas do novo jato, os novos acionistas in-
jetaram US$ 500 milhões entre janeiro de 1995 e agosto de 1996. Em 1995 também, a Embraer
conseguiu um financiamento junto ao BNDES no montante de US$ 120 milhões para terminar
o projeto. Recursos do PROEX, Banco do Brasil, Ministério da Fazenda e Ministério da Indústria,
Comércio e Turismo foram vitais para a recuperação econômica e competitiva da Embraer.
Após a privatização a Embraer procurou não perder o foco no cliente e desenvolveu a área de com-
pra e venda de aeronaves comerciais. Implantou assim, um sistema onde os aviões usados poderiam
ser utilizados como pagamento parcial de aeronaves novas, procedimento conhecido como “trade-in”.
Por incrível que pareça a Embraer não tinha até a sua privatização uma visão estratégica de
longo prazo. Isso só surgiu com a criação do PA (Plano de Ação) em 1996, onde foram impres-
sos os compromissos da empresa com os seus clientes, empregados e acionistas. Projetando
uma visão de cinco anos, sendo acompanhado e avaliado mensalmente e revisto anualmente
ou sempre que existisse necessidade devido a alguma mudança no cenário.
Inicialmente, o estudo do PA era terceirizado por empresas de consultoria externa e finali-
zado com o apoio de todas as áreas da Embraer. Devido ao grande risco que estava correndo
em ter informações estratégicas vitais elaboradas por terceiros, em 1998, a Embraer criou a
área de Inteligência de Mercado, que passou a assumir essa responsabilidade e inseriu defini-
tivamente o planejamento estratégico na cultura da empresa.
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Um dos grandes trunfos da Embraer sempre foi a busca e incorporação de novas tecnolo-
gias, inclusive na sua infra-estrutura industrial.
O processo inicial e de transferência e aquisição de tecnologia se deu de forma excepcional e
inédita na história da indústria nacional. A Embraer acabou focalizando seus esforços nas tecno-
logias-chave que determinam o avião como produto final, privilegiando estrategicamente o do-
mínio e a capacitação tecnológica nas áreas de aerodinâmica, fuselagem e integração de projeto.
Foi a primeira empresa nacional a utilizar e criar o Centro de Realidade Virtual (CRV) em 2000
fruto de um investimento de 2,2 milhões de dólares. O CRV é uma ferramenta poderosa para
antecipar problemas, garantir velocidade e segurança na tomada de decisões, reduzir erros no
processo e diminuir ciclos de produção, pois elimina a necessidade de criação de mock-ups (ma-
quetes em tamanho real) dos aviões para testes e ensaios estruturais. Tudo é projetado em 3D
com um grau de realismo e precisão que ajuda na redução de tempo e recursos pela empresa.
Isso ajudou a Embraer a bater mais um recorde mundial. Em apenas 32 meses projetou,
fabricou e voou com um avião, o EMBRAER 170, membro da família EMBRAER 170/190, dando
início à fase de teste e ensaios em voo. Em seis meses, de fevereiro a agosto de 2002, a Embraer
aprontou seis protótipos para ajudar nos ensaios e demonstrações em eventos.
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A Embraer devolveu a acusação, usando argumentos muito parecidos. E em julho de 1998,
Brasil e Canadá solicitaram a Organização Mundial do Comércio (OMC) que averiguasse even-
tuais transgressões as regras do comércio. A disputa jurídica terminou empatada, mas termi-
nou com retaliações de ambas as partes. O Canadá jogou pesado e acabou prejudicando ou-
tros setores nacionais dizendo que a carne brasileira estava contaminada com a “vaca louca”.
Outra medida tomada pelos canadenses foi quando a Bombardier colocou um anúncio num
jornal de grande circulação em São José dos Campos, em busca de engenheiros especializa-
dos. Um QG de recrutadores foi montado em um hotel a poucos metros da Embraer. E cerca de
20 funcionários da empresa foram contratados pela concorrente. Perder seus melhores talen-
tos é tudo o que não pode acontecer a uma empresa de alta tecnologia. Assim um dos maiores
desafios de Botelho foi atrair e reter essas pessoas.
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Seu ciclo foi marcado por ações pautadas sempre por valores éticos e morais muito fortes como
a honestidade, a integridade e a humildade. Esses valores sempre estiveram presentes em todas as
suas ações. É assim que ele vê a Embraer vencendo os grandes desafios que virão pela frente.
Em uma de suas mensagens de final de ano a seus empregados demonstra seu estilo de lide-
rança: “Meus caros companheiros, quero encerrar essa mensagem ressaltando aquilo que consi-
dero um dos diferenciais estratégicos da Embraer: a garra, a paixão e a determinação das nossas
pessoas em alcançar os resultados propostos, perseverar na sua busca e nunca aceitar uma derrota!
É essa atitude, conjugada com a agregação de conhecimentos e capacidades, que nos fez
chegar onde chegamos. E eu acredito fortemente que será pelo esforço, denodo e competên-
cia de cada um de vocês que vamos continuar trilhando o caminho do sucesso, sempre com o
propósito de satisfazer os nossos clientes, como fonte dos nossos resultados. Vamos em frente,
com força e com alegria no coração!”
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Sede da Embraer em São José dos Campos, SP
Responsável por projetar, fabricar e dar suporte a aeronaves para os mercados de aviação
comercial, executiva e de defesa, conta com aproximadamente 24 mil funcionários espalha-
dos pelas unidades - Eugênio de Melo (SP), Gavião Peixoto (SP), ELEB e Faria Lima em São José
dos Campos (SP) e a Neiva em Botucatu (SP) e no exterior - EUA,França, Portugal, Cingapura,
China (onde possui uma fábrica na cidade de Harbin e um escritório em Pequim).
O ano de 2006 marcou o início de uma nova era na Embraer, foi anunciado no dia 23 de
janeiro de 2006 a nova reestruturação societária da empresa. Com isso ela foi a primeira com-
panhia brasileira de porte com capital totalmente pulverizado.
Essa foi a mudança mais importante desde a privatização, porque amplia as possibilidades
de obtenção de recursos financeiros para o desenvolvimento dos programas de expansão e,
também, fortalece a Administração e sua relação com os acionistas, por meio da adoção das
melhores práticas de governança corporativa. É o que pensa Maurício Botelho, antigo CEO.
Com isso, ele passa a ser o novo Presidente do Conselho de Administração (chairman). No
seu lugar foi nomeado como CEO da Embraer o ex-Vice-Presidente Executivo para o Mercado
de Aviação Comercial, Frederico Fleury Curado. É preciso entender a relevância de uma su-
cessão: se for bem-feita leva a empresa à continuidade; se for malfeita, pode destruí-la. Para
Botelho, a sucessão não ocorre pontualmente, ela deve ser trabalhada ao longo dos anos,
internamente, ainda mais no Brasil, onde não há muita oferta de profissionais para a área e
num setor de competição tão violenta.
“Fazer a empresa crescer é um enorme desafio! E eu estou certo de que Frederico Fleury
Curado, meu sucessor na Presidência da Embraer a partir de abril de 2007, terá sucesso nessa
empreitada. Eu, como Presidente do Conselho de Administração, estarei voltado para apoiá-lo
na construção do nosso futuro”, afirma Botelho.
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Da esquerda para a direita, Frederico Curado - o novo presidente da Embraer - com Mauricio Botelho e Artur Coutinho.
Para o futuro o desafio é com o crescimento. Os novos desafios ficam por conta de superar obs-
táculos relacionados à qualidade, produtividade e eficiência operacional. Afinal, não basta vender
os produtos, é preciso entregar o que se vende, nos prazos contratados e na qualidade e desempe-
nhos especificados, satisfazendo as expectativas dos clientes e garantindo a sua fidelidade.
Nos próximos cinco anos, a Embraer prevê investimentos significativos. Os recursos serão
destinados ao lançamento de novos produtos, certificações das atuais aeronaves, desenvolvi-
mento de tecnologia, capacitação industrial, além da abertura de centros de serviços no exterior.
O número de entregas de aviões saltou de 135 unidades para 169 em 2007 e cerca de
200 em 2008. Para acomodar aumentos de capacidade de produção nas diversas linhas,
as cinco unidades industriais (em São José dos Campos, Gavião Peixoto e Botucatu) pas-
sarão por reformas e adaptações.
Com a reestruturação societária e a obtenção da classificação de risco “Investment
Grade” melhores condições de captação de recursos financeiros se abriram, viabilizan-
do os planos de franca expansão.
Frente a este cenário, se você fosse um dos integrantes do Conselho de Administração
da Embraer, quais seriam as propostas que você apresentaria para o novo CEO Frederico
Fleury Curado? Com toda a inovação e mudanças em andamento nos dias de hoje, existem
inúmeras novas oportunidades para crescer. Quais são elas? Como a Embraer deve se posi-
cionar frente a elas? Como a empresa deve expandir seus negócios? Deve continuar focada
no modo como atendia o mercado até agora? Quais as estratégias que deve adotar? Quais
as mudanças e ações que deve implementar?
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Questões para discussão
1. De um modo geral, além dos aspectos levantados por este estudo de caso, o que mais con-
tribuiu para a consolidação do sucesso da Embraer?
4. Que considerações você faria a respeito do tipo de estratégia adotado pela empresa?
Referências
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DRUMOND, Cosme Degenar. Asas do Brasil: Uma História que Voa pelo Mundo. São Paulo: Mi-
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Papers:
ROCHA, Maria Laura da. Diplomacia, Tecnologia e Defesa: O Itamaraty e a Captação Internacio-
nal de Tecnologia Sensível para o Setor Aeroespacial.
BERNARDES, Roberto. Universidade de São Paulo. The Embraer Case, Privatization and
Managment Change from Technological Imperative to Market Focus.
HARVARD BUSINESS SCHOOL, 20 de outubro de 2000, no. N9-701-006 – Embraer: The Global
Leader in Regional Jets.
Datamonitor, Reference Code 16511, de Agosto de 2004 – Embraer – Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.
Relatórios Anuais:
Embraer de 1999 a 2005
Apresentações:
Institucional da Embraer
Parte Histórica da Embraer
Documentos:
Press Releases da Embraer
Linha do Tempo
Jornal Bandeirante, de 1992 a 2006
Embraer Noticias, edição 41, 2007, ano 6
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Artigos:
Revista EXAME, no. 13, edição 691, ano 32, de 30 de junho de 1999
PANKAJ, Ghemawat – Note on Privatization in Brazil. Case HBS no. 799-025
PANKAJ, Ghemawat – Cia, Bozano Simonsen of Brazil: Partnering in Privatization. Case HBS no.
799-037 Financial Times, 2 de agosto de 1999, Aircraft Builder Embraer flies the Flag for Brazil.
HSM Management, no. 67, ano 12, volume 7, março – abril 2008
Site:
www.embraer.com.br
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