Haja Coracao 100 Anos de Timao

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Haja coração
100 ANOS DE TIMÃO

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Os que semeiam entre lágrimas
cantando colherão.
Salmo 126

O amor é paciente.
Da Primeira Carta de Paulo Apóstolo aos Coríntios, capítulo 13, versículo 3

Não posso conter a emoção,


cem anos dentro do meu coração.
Do samba-enredo da Gaviões da Fiel no Carnaval de 2010

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Este livro é dedicado a todos os
que amam o futebol e, com especial
carinho, ao futebol de várzea de
São Paulo, berço do Corinthians
e de grandes craques.

É também dedicado às memórias


de Flavio La Selva e Alcides de
Souza Piva, o Joca, fundamentais
na criação da Gaviões da Fiel.

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Copyright 2010 Antonio Goulart

Editor geral e de texto


Carlos Moraes
Consultor histórico
Celso Unzelte
Gerenciamento
Vitor Cavalcanti de Arruda
Edição de arte
Mario Cafiero
Designers
Daniel Abrahão e Patrícia Nakazone
Capa e contracapa
Daniel Kfouri

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Índice

Um Sonho Chamado Corinthians 13


1 Um que não sabia o que estava aprontando 16
2 Outros que não sabiam o que estavam aprontando 18
3 Da várzea à Liga 28
4 Tempos de glória, o primeiro tri 38
5 Em busca da casa própria 48
6 Tempos de glória, o segundo tri 60
7 Primeira travessia, 31-37 66
8 Tempos de glória, o terceiro tri 70
9 Segunda travessia, 41-51 76
10 Os anos dourados e seus craques imortais 80
11 A mais longa das travessias 96
12 Os bons ventos da esperança 108
13 A redenção 118
14 O que é ser corinthiano 132
15 A Fiel, seus símbolos, suas igrejas e sua arte 144
16 Os Gaviões no time, na vida e na avenida 152
17 Quando a democracia foi a nossa bandeira 166
18 Neto e os operários do primeiro título nacional 180
19 Marcelinho e o fim do milênio 190
20 Rumo ao Mundial 196
21 Corinthians em prosa e verso, cores e imagens 210
22 O Corinthians do novo milênio 230
23 A mais cruel das travessias 238
24 Rumo ao centenário 254
25 De volta àquela noite, sob o lampião 262

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Um sonho chamado

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CORINTHIANS
ou mineiro de Vargem Bonita, onde o
Rio São Francisco nasce. Cheguei a
São Paulo com meus dez irmãos em
1968, tinha 13 anos e fomos todos
batalhar a vida em Santo André.
Engraçado que, mesmo mineiro e
migrante, eu nunca me lembro de
não ter sido corinthiano na vida.
Oficialmente, digamos assim, meu
encontro com o Timão se deu por
obra e graça do seu Gino, frequentador do bar onde fui
trabalhar em Santo André. Tempos difíceis, aqueles. No país,
na vida e mesmo no meu recém-descoberto Corinthians.
No Brasil, uma ditadura contra a qual, a exemplo do meu
pai, lutei como operário e sindicalista. Em casa, limitação e
pobreza. Televisão, só aos sábados no bar da esquina.
O Corinthians, esse penava um longo jejum de títulos. E,
mesmo assim, era nossa fonte maior de alegria e até de
orgulho. Que esse é e sempre foi, em qualquer circunstância,
o grande milagre de ser corinthiano.
Apesar das dificuldades, eu fazia de tudo para ir até o
Pacaembu ver o Corinthians jogar. Nos campos da minha
primeira memória do time ainda jogam Flávio, Paulo Borges,
Marcial, Bazzani, Luís Carlos, Tião...
Logo me tornei também um devotado Gavião da Fiel.
Ilustração: Daniel Abrahão

Todos os domingos lá estávamos nós, vibrando e batucando,


discutindo o time e o mundo, e abrindo, em plena ditadura,
uma faixa em defesa da Anistia para os exilados políticos,
que essa era uma das batalhas daqueles anos difíceis.

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Entre 100 anos de vida e u
Mais tarde me tornei empresário, político e conselheiro
do Corinthians, mas que fique claro: foi como simples
corinthiano sofredor que decidi organizar este livro para
celebrar os cem anos de um time que é mais que um time,
ou o mais emocionante time do mundo.
Minha primeira e sincera descoberta foi a de que eu não
poderia fazer este livro sozinho. Cem anos é muito Corinthians
para quem pessoalmente viveu apenas uma parte desta
longa e valorosa história.
Então o jeito foi convocar um bom time para me ajudar,
gente boa de texto, pesquisa e fotografia, cada um com
suas ideias e memórias e, principalmente, todos corinthianos
graças a Deus. Trabalhamos sob o signo da Democracia
Corinthiana, sempre com muita liberdade de expressão e
reflexão, que só assim se aprende um pouco com a história
do time. Procuramos nos manter fiéis aos fatos, mas é
possível que, aqui e ali, tenhamos sido traídos pelo coração,
ou corinthianos não seríamos. Fizemos questão de colocar
o nome do fotógrafo ao lado da sua foto porque, muitas
vezes, eles conseguiam dizer com imagens coisas para as
quais não encontrávamos as palavras certas.
Eu fui apenas o regente desta animada e carinhosa sinfonia
alvinegra. De forma que quando, na nossa narrativa, falamos
nós, não é mera figura de retórica: trata-se mesmo de todas
as vozes envolvidas nesta história. De grande valia nos
foram também as obras já publicadas sobre o Corinthians,
fontes preciosas citadas no fim do livro – e comentadas,
brevemente, no capítulo 21. Assim, ao recomendá-las, não
estamos celebrando apenas o Corinthians, mas também
seus historiadores, cronistas, músicos, poetas e cineastas.

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e u m milênio de emoçõ e s
Ficou muito Corinthians de fora?
Ficou muito Corinthians de fora. Infelizmente. Ninguém
pode ser inteiramente justo com cem anos de história,
especialmente quando esta história é a do Corinthians, tão
rica em momentos de glória e travessias difíceis.
Bem sabemos o quanto, especialmente hoje, um time vai
além do craque, da torcida e da bola para abarcar o clube
em si, a sede, a diretoria, a equipe técnica, o patrocinador e
uma forte indústria de mídia e produtos.
Sem negar estas complexas adjacências, nossa história
vai girar principalmente em torno daquilo que para nós é
alma e a graça do futebol: um palco mágico onde 11 craques
com uma bola no pé exibem sua arte diante de uma torcida
que torce e vibra de coração na mão. Os jogadores e os
torcedores são o coração desta história.
A torcida, sempre, porque só ela é eterna, e Fiel. Já os
jogadores serão principalmente focados enquanto vestiram a
gloriosa camisa alvinegra. Enquanto estiveram em comunhão
conosco. Uns mais, outros menos.
Por isso, nossa história não vai-se demorar tanto em erros
ou acertos das diferentes diretorias, ou acertos e manias dos
muitos técnicos. Este não é um livro crítico, mas celebrativo.
Ele pretende celebrar as glórias e agonias da alma
corinthiana durante uma jornada que nos calendários durou
cem anos, mas que para o nosso coração foi como que um
milênio, um milênio de emoções.
Que agora, juntos, do nosso jeito, passamos a narrar.

Antonio Goulart

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1 Um que não sabia o
que estava aprontando

P
Quando, em 1894, or volta de 1884 um menino nascido no Brás, Charles
Miller, filho de pai escocês e mãe brasileira, vai estudar na
Charles Miller Inglaterra, onde aprende a jogar futebol, e joga tão bem
que um dia integra a seleção da sua escola numa partida contra
desembarca na um dos principais times do país, o Corinthian Fooball Club.
Dez anos depois, no dia 18 de fevereiro de 1894, Charles de-
Estação da Luz sembarca na Estação da Luz em São Paulo trazendo na mala duas
bolas de capotão, uma bomba de encher bola, duas camisetas e
com aquela bola um livrinho com as últimas regras do futebol recém-estabelecidas.
Jogador, árbitro e dirigente, Charles William Miller é consi-
e aquele livro, derado o introdutor do futebol no Brasil.
Só que, ao desembarcar aquela tarde em São Paulo, ele não
meu Deus do céu... sabia, não poderia saber, o que estava aprontando.
Ele não imaginava, não poderia imaginar, as diabruras que
brasileiros como Friedenreich, Neco, Teleco, Leônidas, Garrin-
cha, Pelé, Didi, Romário, Sócrates, Rivellino e Ronaldo iam fazer
com aquela bola. O quanto aquilo era com a gente.
Nem como aquele novo esporte logo iria pular os muros dos
colégios e clubes finos para cair nos pés e no gosto do povo, gerar
times, ídolos, cores e lendas, eletrizar a imprensa e emocionar
multidões.
Nem como estava florescendo ali, naquela tarde, uma Seleção
Brasileira que, incerta nos primeiros passos, ferida em 50 no Ma-
racanã, seria redimida na Suécia em 58 para se tornar pentacam-
peã mundial de futebol.
Não, Charles Miller não poderia imaginar, aquela tarde na
estação, o que estava aprontando com aquelas bolas, aquelas
camisetas e aquele livrinho.

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Ilustração: Conceição Cahú

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2 Outros que não sabiam
o que estavam aprontando

P
À luz de um or volta das 8h30 da noite do dia 1º de setembro de 1910,
cinco jovens operários do bairro do Bom Retiro, reunidos
lampião, numa sob um lampião a gás que havia numa esquina da Rua dos
Italianos com a Cônego José Martins, discutiam a fundação de
esquina do Bom um novo time de futebol, ali do bairro, com craques ali da várzea.
Eram eles: Joaquim Ambrósio e Antônio Pereira, pintores de
Retiro, cinco paredes; Rafael Perrone, sapateiro; Anselmo Correa, motorista,
cocheiro de tílburi, e Carlos Silva, trabalhador braçal.
jovens operários Esses cinco teríam alguma ideia, alguma pálida ideia, do que
estavam aprontando?
sonham um time. O ano era 1910, futebol era foot-ball, campo era ground, nos
céus do Brasil brilhava o cometa Halley, em Tietê, no interior de
Que em poucas São Paulo, nascia Elisa Alves do Nascimento enquanto na capital,
que tinha 400 mil habitantes, era lançado o Biotônico Fontoura.
semanas tem nome, Sim, mas naquele ano o tal cometa não foi a única criatura de
nome inglês a brilhar por estas bandas.
camiseta e jogo Em 1910, no Brasil, foi Halley no céu e Corinthian na terra.

marcado Corados x Rebeldes


Em fins de agosto de 1910, o Corinthian Football Club, um
time inglês formado por estudantes da Oxford e da Cambridge,
chega ao Brasil a convite do quase britânico Fluminense para,
vejam só, dar umas aulas de futebol.
E, o que é pior, deu mesmo.
No Rio, tascou 10 a 1 no Fluminense, 8 a 1 em um combi-
nado carioca e depois 5 a 2 em um combinado brasileiro. Em São
Paulo, foi 2 a 0 contra a Associação Atlética das Palmeiras, 5 a
0 num combinado do Paulistano e 8 a 2 num time formado por
jogadores do São Paulo Athletic e do Germânia.
Ilustração: Arquivo Corinthians

Um tremenda humilhação?
Nada, foi uma festa. Onde iam, os Corinthians eram recebidos
com flores, banquetes e discursos. Deslumbrados, os jornais elo-
giavam não só o bom futebol deles, como também aquele porte
garboso, aqueles rostos corados.

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Quanto a nós, pobres de nós. Do nosso futuro no futebol...
Nossos nacionaes eram duramente criticados por um jornal
da época: “No Velódromo jogavam rapazes rebeldes aos train-
Ironias da história. Quase cem anos ning (Romários!) contra homens escravos da disciplina e cuidado-
depois o escritor e colunista esportivo sos da sua boa forma esportiva; discípulos contra mestres con-
José Geraldo Couto escreve em seu sumados; vencedores aclamados universalmente contra modestos
livro Futebol Brasileiro Hoje, desconhecidos”...
lançado pelo Publifolha: Mas o que não faltou foi entusiasmo da torcida, assim descrita
“Dessa perspectiva, Garrincha seria a
pelo jornal O Estado de S. Paulo em sua seção de esportes de 3
síntese perfeita do craque brasileiro.
de setembro de 1910: “E com que sentimentos o público acom-
Fruto do entrecruzamento de três
panhou os diferentes lances do jogo! Só um analysta de almas nos
‘raças’ (branco, negro e índio), ele fez
poderia dar a psycologia dessa multidão nervosa e interessada,
de suas deficiências – a baixa estatura,
as pernas tortas, a inconsequência –
que tem chispas no olhar quando a bola enviada pelos inglezes
fatores de superação de adversários
põe em perigo o gol adversário e fulgurações de allegria quando
supostamente mais fortes e preparados. ella parece ir assignalar a victória dos nacionaes”.
Desconcertou – literalmente – russos, Quanto aos nossos cinco operários sonhadores junto ao poste,
franceses, ingleses e suecos e, ao lado parece que só Antônio Pereira teve dinheiro para ver os ingle-
do negro Pelé, foi entronizado como ses jogar no Velódromo, um estádio para corridas de bicicletas
um dos expoentes de um jogo cada vez construído em 1890 ali onde é hoje a Nestor Pestana e em 1901
mais popular em todo o planeta”. adaptado para a prática do futebol. Os outros só ouviram falar,
mas encantados.

Enquanto isso, na Várzea do Carmo...


Mais que encantados: saíram fortalecidos na sua idéia de fun-
dar um novo time no bairro. O Bom Retiro, com seus seis mil
habitantes, não era tão modesto assim. Abrigava uma Escola Poli-
técnica, outra de Farmácia e até nossa primeira Escola de Odon-
Ilustração: Orpheu Maia – Arquivo Corinthians

tologia. Era, também um bairro de estudantes.


E nem São Paulo estava assim tão pobre de futebol. Já tinha
lá os seus times. O São Paulo Athletic Club, fundado em 1888,
começou com críquete, mas logo abraçou o futebol, enquanto o
Mackenzie se tornava o primeiro clube de brasileiros especifica-
mente fundado para jogar futebol.
Futebol que, por sua vez, já não era só coisa de inglês.
Em 1897 chega ao Brasil uma versão alemã de Charles Miller,
Hans Nobiling, que também trazia na bagagem uma bola e um
ALEXANDRE MAGNANI livro de regras. Ele também funda um time, o Germânia. Surgem
O presidente que, entre 1910/1914, depois, em 1900, o Paulistano e, em 1904, a Associação Atlética
levou o time da várzea à Liga das Palmeiras, que tinha a ver mais com o bairro de Santa Cecília
Paulista de Futebol do que com o atual Parque Antártica.

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Quando, naquela esquina, naquela noite, o Corinthians é

Foto: Antônio Carlos Carreiro – Arquivo Corinthians


sonhado, São Paulo já tinha suas arenas e mesmo um campe-
onato. Jogava-se no campo do britânico São Paulo Athletic, ali
junto à Rua da Consolação, no já citado Velódromo e também no
Parque Antártica. Jogava-se também nos colégios e nas chácaras.
O primeiro campeonato aconteceu em 1902 e o artilheiro foi
Charles Miller, que ele não ia trazer aquelas bolas só para enfeite.
Enquanto isso, enquanto os brancos e os letrados se mediam
pelos clubes, chácaras e colégios, lá pelas várzeas do Tamanduateí
o futebol já corria solto nos pés do povo. Com suas primeiras
ferrovias e empresas de gás, a Várzea do Carmo generosamente
ANTÔNIO PEREIRA
acolhia a primeira geração, a primeira explosão do novo esporte.
Um dos cinco fundadores do
Ali nascia o glorioso termo - futebol de várzea! Ali foram-se for- Corinthians, todo orgulhoso
mando nossos primeiros times varzeanos, o Botafogo, o Argen- em seu uniforme de árbitro
tino, o União Lapa, o Estrela Polar...

E por que não Corinthians?


Quando, pois, aqueles cinco jovens operários ficaram tomados
pela ideia de um novo e bom time, havia clima, referências, infor-
mação, paixão generalizada pelo futebol, o da elite e o do povo.
O que faltava?
Faltava um apoio, digamos, mais substancial, que afinal
aqueles cinco não passavam de simples operários. E um novo time
envolve bola, camisetas, o aluguel de uma sede, um mínimo de
burocracia.
As reuniões prosseguem, animadas, na esquina, na confeitaria
do Afonso Desidério, na casa de Miguel Bataglia ou na barbearia
do irmão dele, Salvador Bataglia. O número do time-base funda-
dor passa para 13, sobe para 16. Um nome importante dessa e da
seguinte fase: Alexandre Magnani, cocheiro de tílburi na Estação
da Luz.
Numa dessas reuniões discute-se, claro, o nome do novo time.
Dois nacionalistas mais letrados sugerem dois nomes de respeito:
Carlos Gomes, nosso grande compositor, e Santos Dumont, nosso
mais famoso inventor. Foi quando Joaquim Ambrósio perguntou:
“E por que não Corinthians?” “Sport Club Corinthians Paulis-
ta”, um outro completou, testando em voz alta o som e a pompa
do nome.
Corinthians – era meio que irresistível. O nome fica tinindo
nos ares, como um cometa, todo um Halley de sonhos e possibi-

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Rua dos Imigrantes, no Bom Retiro, onde na

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de nasceu o Corinthians, em 1910.

Foto: Arquivo Corinthians

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GENTE FINA O Corinthian inglês que nos visitou em 1910 e o elegante campo do Velódromo onde deu aulas de futebol

Fotos: Arquivo Corinthians

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lidades. E de revanche também: afinal, o tal time inglês não tinha
acabado com aqueles clubes dos bacanas lá em cima? Arrasado
no Velódromo? Consta que o próprio Charles Miller apoiava Charles Miller teve um certo passado
esse nome. corinthiano. No dia 20 de abril de
Então não deu outra. Ficou Corinthians, assim no plural. É 1892, ele jogou no Corinthian inglês
que a imprensa paulista dera de chamar o time, Corinthian, ou em um amistoso contra o seu time na

Coríntio em português, pelo nome do conjunto dos seus joga- Inglaterra, o Condado de Hampshire.
O Corinthian ganhou: 1 a 0
dores, corinthians, os coríntios, ou corinthianos. Corinthian,
coríntio, quer dizer habitante da cidade grega de Corinto. Era,
pois, uma homenagem do time inglês à culta e animada cidade
grega de Corinto, famosa por sua cerâmica, arquitetura, amor aos
esportes e também por sua independência em relação às manda-
chuvas da época, Esparta e Atenas. Em Corinto viveu também o
apóstolo Paulo, que, mais tarde, escreveria para as comunidades
cristãs ali formadas duas das suas famosas cartas. As Epístolas
aos Coríntios.
Então ficou como o barbeiro Salvador Bataglia, em alto e bom
som, declamara: Sport Club Corinthians Paulista!
O nome ficou assim mesmo no plural, dando um idéia de ga-
lera. E corinthiano ficou o adjetivo pátrio, que coríntio, com o
perdão do Apóstolo, soa meio são-paulino.

O primeiro jogo
Foto: Arquivo Corinthians

Batizado, tão solenemente batizado, o time agora precisava de


– tudo! Bola para jogar, camiseta para honrar, campo para treinar,
sede para planejar e, claro, um presidente.
Foi escolhido, e aceitou, um fiscal da Light, magrinho e elegan-
te, Miguel Bataglia, irmão do barbeiro Salvador. Não tanto por
suas qualidades esportivas, mas porque um homem benquisto e
amante do futebol. Nas retratos ele aparece de bigode e terno
impecáveis, paletó pespontado, por muitos confundido com fita
métrica.
Miguel aceitou, como se diz hoje, mais para dar uma força.
Logo foi substituído pelo cocheiro e, mais tarde, para ficar no
ramo, motorista de táxi Alexandre Magnani. Esse sim, assumiu
de fato, pegou o time na várzea em 1910 e só largou quando já ACESSÓRIOS
estava perto de ser campeão paulista, apenas quatro anos depois. Os calções eram fortemente
Mas vamos com calma, que nem bola o time tem ainda. amarrados com cinto de couro,
A bola foi adquirida ali mesmo na Rua São Caetano mediante que vai originar uma lenda em
uma vaquinha que arrecadou justo os seis mil réis necessários. Foi torno do primeiro ídolo, Neco

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o primeiro investimento do clube e bom que treinassem vaquinha,
que ela iria se tornar, por um tempo, uma espécie de modelo de
gestão do novo clube.
Agora, é fardar o time.
As camisetas já nasceram brancas, de mangas compridas com
punhos negros, golas negras amarradas por cordões negros. Há
versões de que eram creme e, desbotadas, ficaram brancas. Conta-
se ainda que os calções brancos eram feitos de sacos de farinha.
O fato é que a ideia do time simplesmente pegou no bairro.
Craques da várzea em volta começam a aderir. Do Botafogo, por
exemplo, time temível tanto pelo bom futebol como pelas con-
fusões que aprontava, vieram Amílcar Barbuy, César Nunes, o
NOTA HISTÓRICA Paredão, e com ele, como quem não quer nada, seu irmão adoles-
Primeira notícia da fundação de cente, Manoel, o Nequinho.
um time chamado Corinthians, E assim foi marcado, para 10 de setembro, um sábado, o
cujo fim era desenvolver o já primeiro jogo do Sport Club Corinthians Paulista. E logo contra
apreciado sport bretão (Jornal quem: contra o forte União Lapa, formado por gerentes e fun-
O Comércio de São Paulo, cionários da São Paulo Railway. E no campo deles. A ideia era
22/9/1910) não perder feio e jogar água no fervor dos primeiros jogadores,
torcedores e simpatizantes.
Nada. O União Lapa sofreu para ganhar de 1 a 0. Em casa.
A volta foi triunfante. Foi quase uma vitória e o time já não era
um sonho.

O primeiro Corinthians
No dia 18 de setembro, sem nem saber do filho gerado, o Co-
rinthian Team retorna à Inglaterra. Encantados com o carinho
desta terra, os corinthians ainda tentaram voltar anos depois ao
Brasil, mas tiveram de retornar do porto do Recife: a Primeira
Guerra acabava de estourar e alguns deles serviam ao exército.

Fotos: Reprodução / Arquivo Celso Unzelte


Registrem-se, no entanto, para a História, os dois Corinthians
que atuaram no Brasil entre agosto e setembro de 1910.
Eis o Corinthian que nos visitou: Rogers, Page e Timmis; Tuffy,
Morgan-Owen e Bradel; Snell, Day, Vidal, Brishley e Kerry.
O primeiro Corinthians Paulista entrou em campo com: Felipe
Valente, Rafael Perrone e Atílio Fredi; Francisco Lepre, Alfredo
de Assis e Francisco Police; João da Silva, Jorge Campbell, Luiz
Fabbi, César Nunes e Joaquim Ambrósio.
Entre eles, dois dos cinco fundadores que talvez não soubes-
sem, não poderiam saber, o que estavam aprontando.

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OS PRIMEIROS TRÊS MOSQUETEIROS? A primeira taça do Corinthians foi ganha pelos maratonistas Batista Boni, João Collina
e André Lepre numa corrida de 10 quilômetros realizada no Parque Antártica, em 1912

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3 Da várzea à Liga

O
Time de novo time agora tem pressa. No dia 14 de setembro,
quatro dias depois do primeiro jogo, já está enfrentando
carroceiros? o Estrela Polar. E ganhando: 2 a 0!
Para a História: o primeiro gol do time foi feito pelo centroavante
Imagina: em sua Luiz Fabbi. O segundo, pelo meia-direita Jorge Campbell.
O time agora já tem até campo próprio na Rua dos Imigrantes,
primeira década, hoje José Paulino. Ali foi alugado, por 30 mil réis mensais, um pá-
tio de depósito de lenha que, uma vez capinado e marcado, virou
é campeão paulista, o nosso primeiro, digamos, estádio - o Lenheiro.
Humilde, mas nele o Corinthias viveria seu primeiro momento
encara o Torino da de glória: 5 a 0 contra a Associação Atlética da Lapa, no dia 27
de setembro do ano alvinegro de 1910.
Itália e já tem um Nos anos seguintes o novo time reina na várzea, mas pouca
notícia se tem dos jogos e dos jogadores. Tudo bem: dizem que,
ídolo: Neco, antes de partir para suas grandes missões, os grandes homens
primeiro se retiram para o silêncio dos desertos.
na foto ao lado Com os grandes times pode ser um pouco assim. Pouco se sabe
do Corinthians varzeano. Mas o que se sabe é promissor.
com a camiseta da Em 17 de setembro de 1911 já ousa ir até Campinas para uma
jornada dupla: de manhã, ganha da Ponte Preta (olha ela aí) e à
seleção brasileira tarde faz 3 a 1 no Corinthians campineiro. Era muita saúde.
Em 1912, entre outras vitórias, devolveu a derrota para o
União Lapa, 3 a 1.
Que se saiba, perdeu só uma, para o Ruggerone, 2 a 1. Mas não
se conformou. No jogo seguinte, tascou 6 a 0 no tal Ruggerone.

De bairro, e com orgulho


A verdade é que, a estas alturas, a várzea já não era mais páreo
para o Corinthians, mas voar mais alto também não era tão sim-
ples assim. Voar mais alto significava participar do campeonato
da Liga Paulista de Futebol, jogar no Velódromo lá no centro...
E o Corinthians ainda era time de bairro, levado com paixão,
bom futebol, mas muita dificuldade. Dois nomes heroicos bri-
lham nesses duros primeiros anos, o pintor Antônio Pereira, um

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Foto: Arquivo Corinthians

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Fotos: Arquivo Corinthians

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dos fundadores, e seu amigo João da Silva. De limpar o campo SALVE O CAMPEÃO

a fazer bicos para ajudar o time, esses dois faziam de tudo. An- Na página ao lado, acima, o time

tônio conseguiu trazer para o time um outro português de valor, do primeiro título paulista: Fúlvio,
Casemiro do Amaral e Casemiro
Casemiro do Amaral, centromédio eficaz que terminou se reve-
González, em pé; Police Bianco e
lando o primeiro grande goleiro do Corinthians.
César, ajoelhados; Aristídes, Peres,
Por força das modestas contribuições dos primeiros sócios e
Amílcar Barbuy, Dias e Neco
vaquinhas sem fim, o time já treinava em campo próprio, mas e o
aluguel da sede? Bem, o aluguel atrasou tanto que o dono perdeu DE MEDALHA NO PEITO
a paciência, trancou as portas e declarou os parcos bens do time Abaixo, em foto também de 1914,
– indisponíveis! a taça do título e no peito de cada
Foi quando, à noite, sorrateiramente, um grupo de jovens en- um a medalha oferecida pelo clube
trou pela janela e desapareceu com o patrimônio todo – uma mesa,
um armário, um livro de atas e uma mesa de pingue-pongue...
Esse resgate não passaria de molecagem pura se não tivesse sido
comandado por um adolescente que se tornaria um dos maiores
ídolos corinthianos de todos os tempos: Manoel Nunes, o Neco.
Enquanto isso, na linha de frente, crescia o sonho de disputar,
já em 1913, o campeonato da Liga Paulista de Futebol, criada e
constituída por clubes mais consagrados. Futebol o Corinthians
achava que já tinha para isso e também sócios mais influentes,
como o estudante Ricardo Oliveira e o dentista João Baptista
Maurício que, aliás, viriam se tornar presidentes.
A cartolagem da Liga Paulista até topava que o novo time con-
corresse a uma vaga para disputar o campeonato. Só que, para
isso, teria que vencer os outros postulantes, o São Paulo do Bexi-
ga e o forte Minas Gerais.
A notícia incendiou o Bom Retiro inteiro.
No domingo de 23 de março de 1913, o São Paulo do Bexiga
vence o São Paulo Railway e o Corinthians consegue eliminar o
Minas Gerais por 1 a 0, em jogo duro, gol de Rodrigues.
Durante esse jogo contra o Minas Gerais, um português
chamado Manoel Domingos Corrêa deu de chamar o Corinthians
de “time de carroceiros” em pleno Velódromo. Ao ouvir isso, um
jovem torcedor parte com tudo para cima do português e a muito
custo são apartados. Nome do jovem: Manoel Nunes. Mesmo
sem entrar em campo como titular, Neco já se dispunha a morrer
pelo Corinthians.
No domingo seguinte, Corinthians 4, São Paulo do Bexiga, 0.
O time do Bom Retiro passeou em campo.
E foi assim, com apenas três anos de idade, que o Sport Club
Corinthians, do Bom Retiro, entrou para a Liga Paulista de Futebol.

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O primeiro título
A Liga, a sonhada Liga com seus sete time times mais esta-
belecidos, melhor treinados. Outros campos, outras táticas, outro
ambiente. O Corinthians penou bastante.
Não começou mal. Ganhou do bom Germânia, 3 a 1, e tinha um
bom time. Casemiro do Amaral no gol, César Nunes, o Paredão,
no meio e, lá na frente, o esperto Rodrigues. Mas não bastava.
Para a Liga, não era o bastante.
No primeiro turno, perdeu feio para o campeão, o Americano,
com quem no segundo conseguiu empatar. Ficou em quarto lugar.
Com um detalhe fundamental: nesse último jogo contra o
campeão, o Americano, entra em campo um menino que haveria
de escrever como jogador e como pessoa um dos mais belos capí-
tulos da história corinthiana: Manoel Nunes, o Neco.
E, no ano seguinte, 1914, a coisa ia ser outra.
Em 14, tínhamos uma torcida firme e fiel, e craques como
Neco, Amílcar Barbuy, Bianco, Peres, Aparício, todos formados
nessa grande escola de futebol brasileiro que é a várzea, o terrão.
O primeiro jogo pelo título de 14 aconteceu no dia 12 de abril
no Parque Antártica e serviu como um aviso do que vinha pela
frente: 6 a 0 no Lusitano. E daí para frente foi uma vitória atrás
da outra. Não tinha para ninguém.
Dez jogos, dez vitórias. No fim, campeão invicto.
Artilheiro: ele, Manoel Nunes, o Neco, com 12 gols.

E que venha o Torino


Que ano para o Corinthians, esse de 14. Primeiro título paulista
e primeiro jogo internacional contra o Torino, campeão da Itália.
No primeiro jogo, perdemos, 3 a 0, mas no segundo a coisa
engrossou. Até o finalzinho foi um empate suado, 1 a 1. Aí o ita-
liano Debernardi chuta, a bola explode na trave, bate no chão e
Foto: Rômulo Fialdini – Memorial Corinthians
volta, mas o juiz, ninguém menos que Charles Miller, com britâni-
A MAIS ANTIGA TAÇA
Logo em seus primeiros anos de
ca elegância, decreta que a bola havia entrado: 2 a 1 pra eles.
existência, o Corinthians mereceu
Mas o bom futebol do Corinthians não passou despercebido
da Liga Paulista de Foot-ball esta pelo técnico do Torino, Vittorio Pozzo. E o homem era profun-
bela taça por seus dois títulos damente do ramo, pois viria a ser bicampeão do mundo com a
conquistados em 1914 e 1916. Seleção Italiana nas Copas de 34 e 38.
Nela estão gravados os nomes dos O comentário do grande técnico italiano encheu de orgulho
campeões dos outros anos um time que mal tinha quatro anos de idade: “O Corinthians é

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Ora viva o Coringão: 2 a 1 contra o F

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o Flamengo, em dezembro de 1918
Foto: Arquivo Corinthians

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uma grande equipe. Possui vários elementos que superam muitos
de nossos famosos jogadores. Zaga sólida, médios incansáveis e
dianteiros velozes. O Corinthians é um time que pode ir à Europa
e enfrentar, sem receio, qualquer dos times de lá”.

Escanteado, imita o co-irmão inglês


Ê, Corinthians.
Escolado na várzea, campeão na Liga, agora quer mais. Já pen-
sa disputar, em 1915, o campeonato dos times de elite agrupados
na APEA, Associação Paulista de Esportes Athleticos.
Mas se deu mal. Não pelo futebol, por lambança pura.
A desistência do Internacional de Santos abre uma vaga na
APEA, o Corinthians se desfilia da Liga Paulista, o Internacional
volta atrás e o Corinthians fica a ver navios por todo 1915.
Nem na Liga nem na APEA, mas já bastante famoso, passa o
ano jogando e ganhando jogos pelo interior do Estado. 5 a 0 no
Corinthians de Jundiaí, 5 a 2 no Guarani... Saiu por aí como,
um dia, seu co-irmão inglês andou por aqui, dando aulas de fute-
bol. Empresta também alguns jogadores para outros times. Neco,
para manter a forma, vai jogar no Mackenzie, mas com o nome
de Nunes, porque se sentia outro. O Neco mesmo, esse de alma
nunca saiu do Corinthians.
Foi um ano zicado para o time. Escanteado no campeonato,
pressionado por dívidas, teve inclusive que sair da sua sede do
Bom Retiro, onde nasceu, e alugar outra fora do bairro. Um sa-
crilégio ou uma consciente tentativa de expansão?
Mesmo assim, pinta aí um time de respeito. Não participa
do campeonato de 1915, mas em outubro enfenta a seleção da
poderosa APEA. Perde por 2 a 1, num jogo disputadíssimo.
Em 1916, o time tenta voltar para a Liga Paulista. Mais rolo.
Alegam que ele andara desfigurando a equipe nesse ano parado.
Pode voltar, mas com uma provação: disputar a vaga com o An-
tarctica. Disputa e ganha, 6 a 0. Valeu?
Valeu. Volta à Liga tinindo, picado. Ganha todos os oito jogos
do campeonato, faz 31 gols e toma só três. Campeão invicto.
No ano seguinte, 1917, APEA e Liga unificam o campeonato.
Agora vem chumbo grosso pela frente, times da APEA como Pau-
listano e Palestra têm sólida tradição. O Corinthians fica em ter-
ceiro, mas em 1918 já é vice.
Em 1919, duas grandes alegrias.

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Uma, inaugura seu próprio estádio na Ponte Grande, ali onde
hoje ficam a Ponte das Bandeiras, o Clube de Regatas Tietê. Mais
adiante vamos retomar essa longa e batalhada busca da casa
própria.
A outra alegria foi a primeira vitória sobre o Palestra em jogos
de campeonato, por 1 a 0, gol de Américo. No ano seguinte,
nesse Parque se instalaria a casa definitiva do Palestra, e depois
do atual Palmeiras. Bem, por precaução já estava batizada: 3 a 0!
E assim, aos trancos e relâmpagos, com belas vitórias e al-
guns equívocos, o Sport Club Corinthians Paulista termina a sua
primeira década de vida. Termina bem. Não foi o campeão em 19,
mas apresentou um time de respeito, com um ataque infernal: 75
gols em 17 jogos, média de 4,4 por partida.
Aí vem coisa. A Fiel pressentia. Aí vem coisa.
Foto: Arquivo Corinthians

BOLA DE ÉPOCA
Por volta de 1930 este era o tipo de bola com que o Corinthians de Grané,
Del Debbio, Filó, Rato e De Maria arrasava adversários nacionais e estrangeiros

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4 Tempos de glória,
o primeiro tri

A
Campeão do década de 20 é muito importante para o futebol paulista.
As Ligas estao unificadas, agora quem ganha é campeão
Centenário absoluto. Nessa nova era, três clubes se destacam, se fir-
mam e hão de se encarar para sempre. Nasce o trio de ferro que
da Independência tantas emoções e estádios lotados vai propiciar à cidade. O Corin-
thians, que nasceu Corinthians, eternamente. O Paulistano que,
em 22, repete a dose na década de 30, vai ser sucedido pelo São Paulo. E o Palestra
Itália, que, graças ao gênio do Mussolini, esverdeou na Guerra e
em 23 e 24. teve de virar o Palmeiras.
Na década de 20 esses três heróis começam a roubar a cena, a
Mas a taça mais se respeitar, temer, para a graça e a emoção de quem ama futebol.
E bom para o Corinthians, que saiu na frente.
bonita da época Bem, não em 1921, onde deu azar. É que o Corinthians já
era então o Corinthians, time capaz de milagres no impossível e
foi esta aí ao tropeços inglórios no fácil.
Em 1921, por exemplo, tinha o campeonato nas mãos. Era
lado, a Cântara só ganhar do já eliminado Palestra. O jogo foi no dia de Natal,
triste Natal, 3 a 0 para o Palestra. No fim, deu Paulistano, no
Portugália, ganha mole. Natal mais sem graça. Os palestrinos devem ter deixado as
chuteiras embaixo da cama e Papai Noel atendeu. Ah esse velho
contra o palestra... são-paulino e suas renas fatídicas...
Para piorar, o diário A Capital oferece uma taça para o me-
lhor dos vices, Corinthians e Palestra. O jogo nem termina. Os
palestrinos já eram, de alguma forma, palmeirenses. Revoltados
contra um pênalti marcado, deixaram o campo.

Nasce o rei dos centenários Foto: Rômulo Fialdini – Memorial Corinthians

O jornalista e pesquisador esportivo Celso Unzelte observa que


começava já nessa época uma escrita que até hoje vale. Nas de-
cisões, o Corinthians se sai melhor contra o Paulistano/São Paulo
e este dá mais sorte contra o Palestra/Palmeiras.
1922 foi um ano bem animado no Brasil. Pelo país afora, ce-
lebrações e mais celebrações do Centenário da Independência. Em
São Paulo, a Semana de Arte Moderna reunia no Teatro Munici-

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pal poetas, escritores, músicos e pintores dispostos a bagunçar o
coreto da bem-comportada arte nacional.
Por isso, no futebol, o ano pedia um campeão à altura dos
acontecimentos. E teve: o Corinthians. Nos jogos decisivos, o
time começou assustando a torcida e mais uma vez ficou provado
que o Papai Noel corinthiano não é. Na véspera de Natal, o Pales-
tra nos vence, 3 a 2.
Aí ficou dificíl, mas valeu a escrita: o Paulistano ganha do Pa-
lestra e vai decidir o título contra o Corinthians (olha os três aí).
Nessa decisão, um gostinho muito especial. O time do Bom
Retiro vence o Paulistano na Chácara da Floresta por 2 a 0, um
gol de Tatu e outro do artilheiro do campeonato, Gambarotta.
E teve mais, em 22. Teve mais. Um paulistano ilustre português
radicado em São Paulo, doutor Ricardo Severo, engenheiro, ar-
quiteto, arqueólogo e escritor, institui uma taça, aliás muito bo-
nita, a Cântara Portugália, toda de prata, para homenagear dois
heroicos visitantes, os portugueses Gago Coutinho e Sacacadura
Cabral, os primeiros pilotos a atravessar o Atlântico de avião.
Ora pois, em 9 de julho de 22 Corinthians e Palestra disputam
o cobiçado troféu num Parque Antártica lotado, com a presença
dos dois heróis portugueses nos camarotes.
Gambarotta e Neco, 2 a 0.
E lá ficou para sempre, no Memorial do Clube, a tal Cântara
Portugália, elegante e prateada.

Um Tatu no Jardim América...


Nosso primeiro bicampeonato na vida, em 1923, foi tão fácil,
tão indiscutível, que nem há muito o que dizer.
Campeão do primeiro turno, o Corinthians vai enfrentar os
outros sete classificados para o segundo com seis pontos de van-
tagem. Ganha o título três rodadas antes do fim num 3 a 0 contra
o São Bento da capital. Amílcar, Gambarotta e Peres.
Para cumular, ganha contra o Rio Branco de Americana, 5 a
0, conquistando a Taça Competência, que, entre 1919 e 1927,
punha frente a frente os campeões da capital e do interior.
Nosso tri, nosso primeiro tri, também veio serenamente, nas
asas da bola redonda que o time vinha jogando. A decisão foi em
grande estilo, no Jardim América, 1 a 0 em cima do Paulistano,
gol de Tatu. Um Tatu no Jardim América... Tem símbolo mais
corinthiano? Tempos de glória, tempos de glória.

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Gambarotta e companhia
No ano seguinte, 1925, dois eventos importantes.
Primeiro, o Corinthians poderia ter sido tetra, mas, ao que
que parece, não fez muita questão. Deu-se que o Paulistano cai
fora da disputa e seus pontos não são igualmente descontados
dos clubes participantes. Se isso tivesse acontecido, o Corinthians
seria o campeão, tetracampeão.
Não quis ir para o tapetão e perdeu o título para o São Bento.
Tudo bem, tinha mais o que fazer.
Por exemplo, treinar a Seleção Brasileira que ia disputar um Sul-
Americano em Buenos Aires. Sim, o Corinthians já tinha prestígio
suficiente para testar a Seleção Brasileira em seu modesto estádio
da Ponte Grande. O jogo acontece na tarde de 11 de novembro de
1925, uma quarta-feira. Foi 1 a 1, Nilo para o Brasil e Gambarotta
para os donos da casa.
Gambarotta. Na decisão contra o Paulistano em 22, na disputa
da taça Portugália contra o Palestra, no bi de 23 contra o São
Bento, no 1 a 1 contra a Seleção Brasileira na Ponte Grande – gol
de Gambarotta! Gambarotta. Com esse nomezinho assim meio
palestrino, um tremendo atacante desses primeiros tempos do
Corinthians. Mais tarde, já veterano, Gambarotta muda-se para
Salvador, onde ajuda a fundar o Bahia e convence seus compa-
nheiros a adotar para o clube baiano um distintivo praticamente
idêntico ao do Corinthians.
Quer dizer: o Corinthians arrancou da vázea para o primei-
ro tri em 24 e outras glórias com base num grande e fervoroso
time, e um técnico da maior eficiência, um dos melhores da época:
Guido Giacominelli.

Nossos craques fundadores


É justo que o corinthiano do centenário reverencie aqui alguns
destes heróis dos primeiros tempos.
Amílcar Barbuy, paulista de Rio das Pedras, jogava no Botafo-
go da várzea e foi para o Corinthians em 1913, onde passaria de
centroavante a centromédio. Foi um líder respeitado pelos com-
panheiros e adorado pela torcida. Em 1916, torna-se o primeiro
corinthiano a ser convocado para a Seleção Brasileira. Fica no
time até 1923 e dá quatro títulos ao Corinthians. Mais tarde,
voltaria como técnico.

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Em 1922, os grandes campeões do I

OS IMBATÍVEIS DE 22 Mário, Peres, Amílcar, Rafael, Del Debbio, Gelindo, Neco, Ciasca, Tatu, Gambarotta e Rodrigues

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o I Centenário da Independência
Foto: Arquivo Corinthians

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Aparícios. Em seus primeiros tempos, o Corinthians teve três
bons Aparícios. O meia-esquerda jogou de 14 a 18, foi duas vezes
campeão. Entre 19 e 24, o Aparício ponta-direita fez parte do
time bicampeão de 22 e 23. O terceiro Aparício, também ponta-
direita, jogou de 23 a 33 e teve destacada atuação no tri de 28,
29 e 30.
O ponta-direita Américo Fiaschi (1914-1921) jogava no União
Lapa que venceu o Corinthians (1 a 0) em seu primeiro jogo na
Foto: Arquivo Corinthians vida. Goleador de chute e cruzamentos precisos, foi campeão pelo
Corinthians em 14 e 16, além de autor do nosso primeiro gol
contra o Palestra em campeonatos paulistas. Obrigado, Américo.
O centromédio Ciasca era marcador tão impiedoso que tinha o
apelido de Carrapato.
César Nunes jogou de 1913 a 1920, trouxe seu irmão Neco
para o time e, como centromédio, tinha um apelido que dizia
A taça “Cidade de São Paulo”, tudo: Paredão.
oferecida ao Corinthians pelo título Del Debbio, Armando Del Debbio, jogou de 1922 a 1931,
do I Centenário da Independência
quando foi atuar na Itália. Voltou para encerrar a carreira e na
função de técnico, um dia, em 1939, teve de entrar em campo
para enfrentar o Ypiranga e ajudar o time a ser campeão. Um
dos maiores zagueiros corinthianos de todos os tempos. Ajudou
a conquistar oito títulos estaduais. Como técnico, foi campeão
paulista em 38, 39 e 41.
O já citado Alberto Gambarotta, que deu três títulos ao time,
tinha três irmãos bons de bola, Ítalo, Gambinha e Leone.
Meia-esquerda driblador, Tatu, Altino Marcondes, começou
sendo campeão em 22 e formou com Rodrigues e Neco um dos
ataques mais infernais do time.
Rodrigues, Raphael Rodrigues, fazia gols num tempo em que
do ponta-esquerda só se esperavam cruzamentos. Foi tri em 24.
Rato, José Castelli, ponta e meia-esquerda do tipo driblador e
enjoado, jogou de 21 a 31, foi para a Lazio, da Itália, e voltou em
1933. Fez 201 jogos pelo Corinthians, participou do tri de 24 e
depois do de 30. Foi o autor, em 1930, do primeiro gol noturno
em São Paulo. Durante décadas, entre os anos 50 e 70, Rato foi o
responsável pelas categorias de base do time, ajudando a desco-
brir e burilar ídolos como Rivellino e Wladimir. Técnico tricam-
peão em 22, 23 e 24, Guido Giacominelli foi também diretor de
futebol e oitavo presidente do clube.
E tinha o grande zagueiro Pedro Grané, lendário chutador de
faltas. Num jogo contra o Barracas da Argentina, o Corinthians

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Foto: Arquivo Corinthians

O GRANDE TIME DE 24 Gelindo, Rafael, Rueda, Colombo, Del Debbio e Ciasca; Peres, Neco, Pinheiro, Tatu e Rodrigues.
Abaixo, bola da nossa primeira vitória internacional, 3 a 1 contra o Barracas, da Argentina, em 1929
Foto: Rômulo Fialdini – Memorial Corinthians

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perdia por 1 a 0 quando Grané, com duas faltas lá no meio do
campo, simplesmente vira o jogo diante dos hermanos estarreci-
dos. Seu apelido era 420, famoso canhão alemão de igual poder de
fogo. Uma vez, o goleiro carioca Jaguaré tentou pegar um chute
dele e foi parar com a bola no fundo das redes, o pulso trincado.
Passou a ser o terror dos arqueiros.
Não, não foi por nada que o técnico do Torino com tanto fer-
vor elogiou esse primeiro Corinthians e seus craques. Não foi por
nada que, daqui a pouco, a Itália vai levar boa parte de um outro
Corinthians imbatível.
Dentre todos esses craques, o mais talentoso, apaixonado, efi-
ciente, fiel e longevo talvez tenha sido Manoel Nunes, o Neco.

Neco, o Corinthians em pessoa


Quando o clube foi fundado, em 1910, Neco já andava por
ali, pulando a janela da sede para salvar o patrimônio do clube,
encarando o português que, durante um jogo, chamou o seu
Corinthians de “time de carroceiros”. Foi ele quem doou a se-
gunda bola que o time teve. Em 1913 entra pela primeira vez em
campo com a camisa do Corinthians e só vai deixar o time em
1930, 17 anos depois.
Como o próprio Corinthians, Manoel Nunes nasceu no Bom
Retiro. Estudou no Liceu Coração de Jesus e o pai queria que ele
fosse marceneiro.
Em vão: a bola falou mais alto.
Estreou no Corinthians em outubro de 1913, durante uma
reformulação do time que vinha mal em seu primeiro campeo-
nato oficial pela Liga. No ano seguinte, com 19 anos, é campeão
paulista, artilheiro e titular absoluto. Nesse ano fez também seu
primeiro jogo internacional, contra o Torino da Itália. Em 1917,
estreia na Seleção Brasileira contra a Argentina. O Brasil perde
por 4 a 2, mas dele foi um dos nossos gols.
1922 foi o seu grande ano: campeão paulista pelo Corinthians,
campeão brasileiro de Seleções pela Seleção Paulista e campeão
sul-americano pela Seleção Brasileira. Mas foi no Sul-Americano
de 19 que seu grande futebol assombrou o país.
Na época, o Sul-Americano era, por aqui, uma espécie de Copa
do Mundo, e o Brasil andava meio cansado de ficar sempre atrás
da Argentina e do Uruguai. Mais: o Sul-Americano de 1919 foi
quase uma Copa de 50, só que com final feliz. No mais, tudo mui-

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to parecido. Para honrar o evento, foi construído no Rio um
Maracanã, o Estádio das Laranjeiras, onde até uma Granja
Comary foi improvisada, com os jogadores fazendo treinos
e preparação física, fato raro na época.
O Brasil vence a Argentina por 3 a 1 e enfrenta o Uruguai
na decisão para ser campeão pela primeira vez.
Foi um jogo de arrepiar. Os uruguaios estão ganhando, 2
a 0, quando Neco faz dois e o jogo termina empatado.
Na final extra da decisão, em 29 de maio, depois de um
tenso 0 a 0 no tempo normal, o jogo vai para a prorrogação.
É quando Neco pega a bola lá no meio do campo, avança
pela direita driblando todos os uruguaios que encontra pela
frente, cruza da linha de fundo. Heitor chuta, o goleiro de-
fende e Basílio, aliás, Friedenreich completa para dentro das
redes. Sob o delírio da torcida, Friedenreich honestamente
corre para cumprimentar Neco, como quem diz: o gol foi seu.
Brasil campeão, Neco é recebido na Estação da Luz com
uma das maiores festas que São Paulo viu. É recebido pelo
governador no Palácio dos Campos Elyseos. Em seu valioso
livro, Coração Corinthiano, Lourenço Diaféria conta que,
depois da festa, Neco deu-se conta de que não tinha dinheiro
nem para o ônibus e no dia seguinte, no trabalho, chegou a
ser demitido por abandono de emprego...
Consta que, já durante o Sul-americano, o empresário
carioca Arnaldo Guinle, poderoso dono das Docas do Rio
de Janeiro, fez propostas irrecusáveis para que Neco fosse
jogar no Fluminense. Ele preferiu continuar no Corinthians e
ganhando a vida como balconista numa loja do centro, mais
eventuais bicos como pintor e marceneiro. Numa das suas
últimas enrevistas, declarou: “Naquele tempo, para jogar no
Corinthians, eu tinha que pagar dois mil réis por mês”.
Neco voltará à nossa história. Mas fique aqui registrado
que sua recusa de ir para o Rio em melhores condições co-
moveu a nascente nação corinthiana, que fez dele o símbolo
maior daquilo que o torcedor mais pede no time – garra,
envolvimento, fidelidade.
O Neco foi o nosso primeiro e grande – Fiel!

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5 Em busca da casa própria

T
O primeiro campo, ime de várzea, poucos sócios e sem a retaguarda de um
clube maior, de colônia, já constituído, o Corinthians só
um depósito tinha, para ir em frente, muito futebol, suor e simpatia.
O mais teve que batalhar. Penou até para manter suas modestas
de lenha. primeiras sedes. Saiu da Rua dos Italianos, no Bom Retiro natal,
exilou-se, sob protestos, na Rua dos Protestantes, no Brás, depois
O segundo foi alugou salas na Praça da Sé e na São João.
Por um lado, bom sinal.
feito no braço. Sinal de que, aos poucos, deixava de ser um time de bairro, ca-
seiro, e tomava a cidade com seu entusiasmo pelo futebol e bons
O terceiro resultados em campo.
Mas faltava um estádio.
é a Fazendinha. O Lenheiro da Ribeiro de Lima, onde treinavam, ficava cada
vez mais estreito para as pretensões do time.
Já o próximo... Em 1916, o clube arrenda um terreno ali na Floresta, perto da
Ponte Grande, hoje Ponte das Bandeiras. Floresta era, na época,
um nome merecido. O Tietê ainda era um rio e a Mata Atlântica
expunha ali suas graças como hoje lá em cima, na serra.
Mas o terreno em si era bastante pantanoso e exigiu da torcida
muita mão-de-obra voluntária para dar lugar a um simpático es-
tádio com um campo razoável, arquibancadas dignas, área so-
cial acolhedora. Segundo Tomás Mazzoni em seu livro História
do Futebol no Brasil, de 1950, os jogadores do Corinthians
construíram seu próprio campo: “Nesse ano de 1918, o Corin-
thians inaugurou sua primeira praça de esportes, situada ao lado
da Floresta. Os próprios jogadores corinthianos trabalharam,
na construção do gramado”. Inaugurado no dia 17 de março de
1918 com um vibrante 3 a 3 contra o rival Palestra Itália.
O primeiro gol no primeiro estádio - quem faz? Ele, Manoel
Nunes, Neco. Só podia.
O novo estádio da Ponte Grande foi bastante festejado na épo-
Foto: Alexandre Battibugli

ca, mas infelizmente coincidiu com uma certa maré baixa do time
no campeonato. Como se as energias tivessem sido drenadas para
o novo campo. No campeonato o Corinthians não foi além de
dois vices, em 1918 e 1921.

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Mas o time em si era bom, o segundo tri despontava, os tor-
cedores cresciam, sócios de mais grana iam chegando. Muitos
comerciantes, por exemplo, já faziam questão de anunciar na
revista do time seus produtos e serviços.
Anúncios com um doce sabor de época.
Um alfaiate, o Lalli, comunicava que era só apresentar a car-
teirinha de sócio para usufruir de um bom desconto no terno –
colete incluído!
Villa, um chapeleiro da Rangel Pestana, por apenas dois mil
réis desamassava qualquer chapéu, deixando-o novinho em folha.
Manoel Fonseca garantia a plena eficiência dos seus caminhões
de mudança e a Casa Neves oferecia de tudo, de café e arroz a
selos estaduais e federais.

Fazendinha e Parque São Jorge


É nesse clima mais promissor que, em 1926, o presidente Er-
nesto Cassano ousa comprar um terreno maior, de 33 mil metros
quadrados, no Tatuapé, para um estádio mais definitivo. No local,
um subdistrito do Tatuapé chamado Parque São Jorge, já funcio-
nava o clube Sírio com algumas instalações básicas. O valor, uma
entrada e 12 anos para pagar, foi negociado com dois empresários
sírios, Nagib Salem e Assad Abdala.
O novo estádio é inaugurado no dia 22 de julho de 1928 com
um bem disputado 2 a 2 contra o América do Rio. E o Corinthi-
ans parece que tinha pressa: o primeiro gol do novo estádio foi
feito logo aos 27 segundos de jogo. Autor: De Maria. Assim jogou
o time inaugural: Tuffy, Grané e Del Debbio; Nerino, Sebastião e
Munhoz; Aparício, Neco, Rato, Guimarães e De Maria.
Nem todas as instalações estavam prontas nesse dia da inau-
guração. Mas logo o novo estádio contaria com 74 camarotes,
arquibancadas descobertas para três mil torcedores e as cobertas,
consideradas elegantes na época, abrigavam dois mil torcedores.
Falando em elegância. No dia do jogo inagural o América ofe-
receu ao Corinthians uma taça comemorativa, refinada até no
EM CASA
nome: Char de la Victoire. Carruagem da Vitória.
Desde 1928, o Corinthians Sorte no estádio, azar no campeonato?
tem casa própria, a pioneira e Foi, um pouco, outra vez o que aconteceu. Em 1926, o Corin-
vibrante Fazendinha, palco de thians nem vice conseguiu ser.
grandes acontecimentos. No ano seguinte, 1927, confusão na Liga, agora dividida en-
O diabo é que ficou pequena tre amadoristas e profissionalistas. Disputa o campeonato pela

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Fotos: Arquivo Corinthians

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forte APEA, a Associação Paulista de Esportes Atléticos, chega ao
quadrangular final, mas sua única alegria foi derrotar o campeão
Palestra em pleno Parque Antártica, 3 a 1.
Bem, mas o fato é que o clube havia providenciado um teto
para a sua já crescida família. Os corinthianos já faziam da Fa-
zendinha a sua casa. Em torno do novo estádio foi surgindo a
Cidade Corinthians, uma espécie de Vaticano dessa nova fé, o
corinthianismo.
Um clube que podia contar, praticamente ali, com um rio de
águas limpas, o Tietê, onde cochos de madeira faziam as vezes
de piscina. Os 33 mil metros quadrados iniciais foram, passo a
passo, aumentando para os 160 de hoje. Surgem os dois ginásios
esportivos, as piscinas, o restaurante, a biblioteca, as churrasquei-
ras, os jardins, os bustos e os monumentos. A Cidade Corinthi-
ans. Nossa Meca, nosso Vaticano.
Adolescente e de estádio novo, esse Corinthians no Bom Retiro
nascido e na várzea escolado logo haveria de se firmar como um
time multiclassista, poliesportivo e até globalizado.

Corinthianos ilustres
Multiclassista... Mas o Corinthians não nasceu um time de
operários? Nasceu. Foi criado numa esquina e seus cinco fun-
dadores eram pintores de paredes, ferroviários e trabalhadores
braçais. Seu primeiro presidente pra valer era cocheiro de tílburi,
um taxista de hoje. As primeiras reuniões começavam tarde para
que delas os sócios operários pudessem participar.
Dentre os operários-fundadores, Joaquim Ambrósio e Rafael
Perrone jogaram na estreia e Antônio Pereira foi decisivo na con-
solidação do novo time, os outros dois certamente eram ouvidos
nas primeiras reuniões.
E mais: era um time de bairro, e bairro operário. Bem diferente
dos times da época. O São Paulo Athletic Club, onde Charles
Miller jogava, foi criado e mantido por ingleses. O Mackenzie,
primeiro clube fundado especificamente para jogar futebol, es-
tava ligado a um colégio de elite. O Germânia foi fundado por
um empresário alemão, Hans Nobiling, e era apoiado pela colô-
nia alemã. Ao ser fundado, em 1914, no rastro das passagens do
Torino e o Pro Vercelli pelo Brasil, o Palestra logo contou com o
apoio de italianos novos ricos e do conde Matarazzo em pessoa.
O São Paulo nasceu de remanescentes do Paulistano, clube que

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achava que futebol era um esporte da nobreza e caiu fora quando
o viu popular.
O Corinthians nasceu num bairro e foi ideia de operários. Isso
é inegável. Mas é verdade também que esse time veio ao mundo
com uma luzinha tão própria que logo terminou atraindo e en-
cantando gente de todas as classes e condições sociais. Entre seus
primeiros presidentes estão um estudante de farmácia e um den-
tista. Quando do arrendamento do terreno do estádio da Ponte
Grande junto à Prefeitura, foi crucial a influência de um corin-
thiano ilustre, o intelectual e deputado Alcântara Machado.
Também por ocasião do primeiro estádio, um outro corin-
thiano simpatizante entra em cena para, mais de uma vez, de-
cidir o jogo: Alfredo Schürig, comerciante bem-sucedido, dono
da Fábrica de Parafusos Santa Rosa. Schürig começou facilitando
pregos e parafusos para as arquibancadas de madeira do estádio
da Ponte Grande e, entusiasmado, terminou tirando do próprio
bolso 30 mil contos de réis para a construção do segundo estádio, ELEGÂNCIA
o da Fazendinha, que hoje leva, merecidamente, o seu nome. Foi O troféu Char de la Victoire
presidente do clube de 1927 a 1933. Outros corinthianos ilustres foi um presente do América do Rio
dessa época foram os conceituados irmãos médicos Wladimir e no dia da inauguração da Fazendinha

Alarico de Toledo Piza. em 22 de julho de 1928. O jogo


terminou 2 a 2
A grande biodiversidade social dos primeiro presidentes mostra
o quanto o Corinthians não cresceu como um time classista, bair-
rista e ressentido, mas conquistou aos poucos, generosamente, o
coração da cidade, toda a cidade. Entre seus presidentes, teve de
tudo. Um dentista, João Baptista Maurício; um militar, João de

Foto: Arquivo Corinthians

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O Corinthians tem hoje o maior estadio vi

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io vivo e móvel do país: a Fiel
Foto: Agência Tyba

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Carvalho; um médico, José Tipaldi, mais comerciantes, bancá-
rios, escriturários e até um garçom, Manuel Correcher.

Popular e global
O Corinthians é também, curiosamente, globalizado. Tem
nome inglês ligado a uma famosa cidade grega e, de certa forma,
está presente até nas Escrituras pelas cartas de São Paulo.
Entre seus fundadores e primeiros torcedores encontram-se
imigrantes portugueses, italianos e espanhóis.
As primeiras vitórias eram celebradas com chope da Casa Ger-
mânia, cujo dono era um alemão que facilitava as comemorações
da mesma forma que Schürig liberava os parafusos da sua loja.
Logo nos primeiros anos o Corinthians enfrentou equipes es-
trangeiras, como o Torino da Itália, o Hakoah, dos Estados Uni-
dos, e o Barracas, da Argentina, sem falar da sua brilhante cam-
panha em 1952 pela Turquia, Suécia e Dinamarca. Na década de
30, forneceu importantes jogadores para a Itália. Como foi o caso
do ponta-direita Filó, campeão mundial jogando pela Itália em
1934 por conta do sobrenome da mãe, Guarisi.
Quando, em 1949, um trágico acidente aéreo mata todo o
time do Torino, contra quem jogara em 1948, o Corinthians faz
questão de jogar uma partida amistosa contra a Portuguesa com
a camisa grená do seu primeiro adversário internacional. A foto
deste time foi enviada para a Itália e recebida com emoção pelos
torcedores do Torino.
E quando, em 2000, o Corinthians sagrou-se campeão do
Mundial da FIFA, recebeu uma carinhosa mensagem do Corin-
thian inglês onde confessavam seu orgulho pela glória do seu co-
irmão brasileiro.

Wlamir, o do basquete
O Corinthians nasceu e continua poliesportivo. Fiel a estatutos
que, desde os primórdios, ligavam o futebol à educação física e
à cultura, o Corinthians muito cedo foi-se tornando um clube
poliesportivo. Seu primeiro troféu não foi ganho em campo, mas
numa maratona no Parque Antártica, vencida em 1913 por três
bravos corinthianos de primeira hora, André Lepre, Batista Boni
e João Collina.
E daí para a frente ele fez questão de se manter o clube de fute-

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bol mais aberto a todas as modalidades: vôlei, futsal, basquete,
ginástica, atletismo, remo, ciclismo, pólo aquático, boxe, judô,
tênis de mesa, malha, peteca, tamboréu. Não é por enfeite que seu
Departamento de Remo figura no distintivo, ele existe desde 1929
e só perdeu força por falta de rio. A natação gerou um atleta de
respeito, Roberto Pasqua, futuro presidente. Heptacampeão pau-
lista entre 50 e 56, o basquete corinthiano viveu, na década de 50,
uma época áurea, quando conquistou títulos estaduais, nacionais
e internacionais. Nomes como Wlamir, Rosa Branca e Ubiratan
fazem parte da história do basquete brasileiro, e mesmo o mun-
dial, de todos os tempos.
E mais: se a década de 60, no futebol, andava complicada, no
basquete o Corinthians foi vice-campeão do primeiro mundial in-
terclubes, disputado na Espanha, em 1966; bicampeão sul-amer-
icano, bi brasileiro, estadual e metropolitano. Em julho de 1965,
em partida histórica realizada no Parque São Jorge, o Corinthians
derrota o poderoso Real Madrid da Espanha por 118 a 109. Hon-
ra, pois, a um dos maiores quintetos do basquete brasileiro de
todos os tempos: Amaury, Wlamir, René, Ubiratan e Rosa Branca,
todos da Seleção Brasileira.

O eterno sonho da casa nova


Corinthianos mais modernos podem, às vezes, se sentir um
tanto incomodados porque o novo estádio do Corinthians, eter-
namente anunciado, nunca sai do sonho e prancheta. E não foram
poucas as tentativas. Ainda em 1956 o presidente Alfredo Igná-
cio Trindade anunciava a construção de um estádio à altura da
Fiel Torcida. Na antiga sala de troféus do clube havia toda uma
coleção (ou cemitério?) de maquetes.
Um jornalista, que mais tarde viria a se tornar um fervoroso
pesquisador da história do Corinthians, conta uma história quase
surreal. No dia 10 de novembro de 1978, ele foi com o pai ao
Parque São Jorge para presenciar a doação de um terreno para
o estádio do Corinthians e a exibição da maquete do próprio.
Quem estava presente ao ato? O senhor presidente da República,
Ernesto Geisel, acompanhado por seu sucessor, general João Bap-
tista Figueiredo. Vicente Matheus, presidente corinthiano, teve ali
seu dia de estadista. O menino voltou orgulhoso para casa, onde
contou tudo ao avô, que apenas vociferou, são-paulino: “Nem
você nem seus netos vão ver este estádio”.

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Que pensar de tanto sonho frustrado?
Bom. Primeiro, o Corinthians tem casa, a Fazendinha, e nela,
um vasto e vibrante complexo social-esportivo, com belas pisci-
nas, ginásios poliesportivos, jardins e um Memorial onde com
muito carinho conta, ano a ano, time a time, ídolo a ídolo, gol a
gol, bola a bola, taça a taça, cem anos de paixão.
Tem casa, sim, uma alegre e bem frequentada casa, construída,
aliás, muito antes dos outros clubes.
E tem também uma casa afetiva, o Pacaembu, um estádio mui-
to especial, com uma história muito corinthiana. O Pacaembu
é puro futebol. Ele foi o nosso primeiro Maracanã, o primeiro
grande estádio brasileiro a ser construído para o povo quando,
definitivamente, o futebol pulou os muros dos colégios e clubes fi-
nos. Ele fica numa praça que tem o nome do introdutor do futebol
no Brasil, Charles Miller. Ele abriga hoje um Museu do Futebol
que, através das mais modernas tecnologias de comunicação vi-
sual, conta a história do esporte que mais representa nossa alma,
nosso jeito gingado de ser, sofrer e superar-se. Diga-se ainda: este
belo Museu começa homenageando as torcidas brasileiras justo
embaixo das arquibancancadas onde sofrem e vibram os Gaviões
da Fiel, um dos mais intensos e religiosos casos de amor de uma
torcida por seu time.
Sim, no Pacaembu o Corinthians se sente histórica e espiritual-
mente em casa.
E corinthianos mais místicos acham que o Corinthians nem
deve ter tanta pressa em montar uma dessas arenas aí que mais
parecem um aeroporto onde casualmente, e na ausência de algum
show de rock, se joga futebol.
Acham que vale para o time o que Jesus dizia sobre templos fei-
tos não de tijolo e mármore, mas de corações unidos num mesmo
fervor. Onde a Fiel está, vai com ela, portátil como a Arca da
Aliança, um estádio vivo. A maior lotação do Morumbi até hoje
não foi obra de são-paulinos, mas dos mais de 146 mil corinthia-
nos que lá estavam no segundo jogo contra a Ponte pelo título
de 1977. E de corinthianos foi o maior público “estrangeiro” do
Maracanã até hoje, 70 mil torcedores no lendário jogo contra o
Fluminense em 76. O mesmo tem acontecido no Olímpico, Beira-
Foto: Alexandre Battibugli

Rio, Fonte Nova e Mineirão.


O dia em que a casa nova for construída, que ela reflita a cara
e a história do Corinthians, mas o certo é que o time já tem, com-
provadamente, o maior estádio vivo do Brasil: nós.

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6 Tempos de glória,
o segundo tri

A
Campeão paulista vida é assim e o futebol também. Impasses de toda a or-
dem, pequenos e grandes azares até que, de repente, as
de 28, 29 e 30, o coisas voltam a florescer, a vida se destrava e anda. Foi o
que aconteceu com o Corinthians ali pelo fim da década de 20.
time já tem craques O primeiro estádio, o da Ponte Grande, deu muito orgulho e
pouco título. Já com o Parque São Jorge, inaugurado em 1928,
mosqueteiros a coisa foi diferente. Na Fazendinha, em grama própria, o Corin-
thians deitou e rolou.
e uma torcida Começou ganhando a Taça Balor. Com esse nomezinho estra-
nho, essa taça fora instituída para o vencedor do primeiro turno.
chamada A Fiel. Quem o vencesse três vezes seguidas ficava com ela para sempre.
Vencedor em 23 e 24, o Corinthians em 28 ficou definitivamente
E vejam por com ela. E o melhor: num jogo contra o Palestra, 3 a 0.
E por aí começou.
que Neco é um O time foi campeão, fácil, em 28, 3 a 2 contra a Portugesa na
final. Do Palestra, nem sombra.
corinthiano- Em 29, tivemos a primeira vitória internacional, contra o Bar-
racas da Argentina, 3 a 1 no Parque São Jorge. Com craques como
símbolo Neco, Filó, De Maria, Del Debbio, Gambinha, o goleiro Tuffy e
o demolidor Pedro Grané, o time ganha fama e todo mundo quer
ver o Corinthians jogar. Quando vai a Minas inaugurar o estádio
do Atlético e perde por 4 a 2, a manchete do maior jornal mineiro
foi: “Derrotamos os reis do futebol”.
Ainda bem que reconheceram. Porque na revanche, em São
Paulo, tomaram 11 a 2 no Parque. Gambinha três, Filó três, Rato
dois, Neco dois e De Maria um. Nesse dia, um sábado, 12 de ou-
tubro, Neco ganhava um busto nos jardins do Parque. Começava
se despedir do futebol. Era como que um torneio início da sua
despedida dos campos.
Ah: em 29 ainda o Corinthians ganha o título paulista, um pas-
seio invicto. Na decisão, 4 a 1 contra contra o Palestra, na casa
deles. Demais, demais.
No fim dos anos 20 o Corinthians dá início a importantes fei-
tos internacionais. Em julho de 29, tasca 6 a 1 no Bologna da
Itália e em janeiro de 30 faz 7 a 2 no Tucumán da Argentina.

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Foto: Rômulo Fialdini

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O Campeonato Paulista termina no começo do ano seguinte, 31,
com um jogo memorável em Santos, contra o Santos.
Este jogo em Santos foi, por muitos motivos, memorável. O
Corinthians tem um grande time. O Corinthians está prestes a
cumprir sua maioridade, 21 nos de idade. Era a chance do se-
gundo tri e do oitavo título em 20 anos de existência, desde que
deixara as várzeas do Bom Retiro.
A torcida parece que entendeu o grande momento. Prefiguran-
do a invasão do Maracanã em 76, lota dez composições de oito
vagões na Estação da Luz, em festa desce a serra e invade Santos.
Valeu a pena. Foi 5 a 2 para o Corinthians; Gambinha (dois),
Filó, De Maria e Napoli.
A festa começou em Santos, subiu a serra de trem e teve sua
apoteose na Estação da Luz em São Paulo já no amanhecer de se-
gunda-feira. Conta-se que muitos corinthianos voltaram cantando
em cima do trem, pelo frio da serra, sem camisa, o que resultou
em alguns casos fatais de pneumonia.
Nossos primeiros mártires.

5 a 1, na molecagem
Agora uma pequena história e duas grandes marcas destes tem-
pos felizes.
A história foi testemunhada por ninguém menos que Antoni-
nho de Almeida, o grande, implacável e discreto pesquisador da
história do Corinthians.
Em julho de 1930, o time americano do Hakoah, que incluía
alguns jogadores ingleses, veio disputar alguns jogos no Brasil.
Um deles contra o Corinthians, claro. Antes do encontro, os
gringos foram até o Parque São Jorge, conhecer, dar uma espiada
no treino. Vendo aquela meninada em campo, Aparício, Rato,
Nerino, Gambinha, Peres, ninguém muito parrudo e alto, um
dos gringos da cartolagem perguntou: “Aqui os juvenis treinam
antes?”. Ficou chocado quando soube que aqueles eram os
profissionais. E mais chocado ainda quando, no dia seguinte, seus
gigantescos titulares tomaram 5 a 1 daqueles moleques ariscos,
Rato, Nerino, Gambinha...
Agora, as marcas.
Essa época ficou marcada pelo apelido de Mosqueteiro dado
ao Corinthians. O epíteto foi cunhado num comentário do jorna-
lista Thomaz Mazzoni logo depois da vitória corinthiana contra

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o Barracas da Argentina, numa referência aos personagens de um
romance popular e famoso, Os Três Mosqueteiros, do escritor
francês Alexandre Dumas. Armados de espada e mosquete – os
três mosqueteiros, Athos, Porthos e Aramis, fizeram época sob
o comando do quarto, D´Artagnan. Mas que teriam a ver com
Rato, Nerino, Gambinha e o resto da turma?
Bem, num tempo de muitos romances e, depois, de muitos fil-
mes de capa e espada, o herói mosqueteiro era visto como um
símbolo de valentia, lealdade e senso de humor. Tudo o que a
torcida esperava dos seus ídolos em campo. E o lema dos mosque-
teiros originais caía muito bem para um time de operários: “Um
por todos, todos por um”.
Outro fato vem provar que mosqueteiro era uma palavra da
época. Quando, em 1913, o elitista Paulistano funda sua liga
própria, a APEA, na Liga Paulista só ficam três clubes, dois de
Santos e um da capital, que os adversários gozativamente chama-
vam de Os Três Mosqueteiros...
Claro que os corinthianos tomaram a palavra pelo seu sentido
mais nobre de valentia na luta pelo bem, contra os poderosos
e suas astúcias. Houve até quem desse nome aos mosqueteiros
do time: Nerino, Guimarães e Munhoz, que formaram, nesses
tempos de glória, uma linha média imbatível, o eixo do time nas
vitórias contra o Bologna, o Huracán, o Tucumán e o Hakoah e
que levaram o time ao tri de 28, 29 e 30. Três grandes guerreiros.
Foi dessa época também um outro epíteto glorioso, este uma
homenagem aos torcedores. Sim, quando a torcida de um clube
que já foi considerado “time de carroceiros” consegue lotar 80
vagões para um jogo em Santos é porque já está merecendo ser
honrada para sempre com a mais bela e simples palavra a que
uma torcida de futebol pode aspirar: A Fiel.
Fiel na dor e na alegria, como nos casamentos, dirá um torcedor,
40 anos depois, ao ver seu time cair para a série B do Brasileirão.
Essa fidelidade seria provada em curtas, médias e longas traves-
sias. Aliás, a primeira vem logo aí.
Mas, antes, vamos nos despedir do Neco.

Tira a cinta, Neco


Manoel Nunes, o Neco, jogou 17 anos no Corinthians, foi
campeão em 14 e 16, tricampeão em 22, 23 e 24, tri de novo em
28, 29 e 30. Foi o quarto maior goleador do time, com 235 gols

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em 296 jogos, e seu maior defeito era quase uma qualidade: não
gostava de perder. Cada jogo era, para ele, uma guerra.
Em campo, dava a alma. Brigava. Naquele tempo, os calções
eram amarrados com um cinto de couro. Corre a lenda que Neco,
quando preciso, tirava o cinto para impressionar o adversário,
estimular algum companheiro relapso ou mesmo advertir o juiz.
O fato é que, quando o jogo por algum motivo engrossava ou não

Foto: Reprodução / Arquivo Celso Unzelte


andava, o berro da torcida era sempre o mesmo: “Tira a cinta,
Neco! Tira a cinta, Neco!”
Muitos anos depois, já pai e avô, ele negava, sorrindo, esses
destemperos.
E parece que tudo começou, dizem, num jogo contra o Pales-
tra, quando Neco tirou o cinto para amarrar melhor enquanto
gesticulava reclamando com o juiz. Outros garantem que ele tirou
o cinto foi durante um embate com o goleiro Primo, do Palestra.
NECO PARA SEMPRE Citam até a data, 5 de setembro de 1920.
Além dos 17 anos em campo, uma De que era esquentado não há dúvidas. Em 22, agrediu o juiz
vida inteira de amor ao Timão. por causa de um córner e foi impedido de jogar aquele campeo-
No Sul-Americano de 19, foi nato até o fim do ano. Que, felizmente, só terminou em janeiro
decisivo na conquista do primeiro
do ano seguinte e o Corinthians foi campeão. Em 1928, a cena
grande título do futebol brasileiro
se repete: parte pra cima de um dirigente da Portuguesa que, ar-
mado de revólver, entrara em campo para reclamar de um pênalti
e também não pôde mais jogar naquele ano. Meses depois é per-
doado, para delírio da torcida e discreto apoio da imprensa.
Teve a alegria de fazer coincidir sua última grande atuação com
uma vitória sobre o Palestra, 3 a 0. Já tinha, então, 33 anos e, nas
fotos, aparece quase como um senhor de avançada meia-idade.
Em 1930, joga poucas partidas. Numa delas, em janeiro, inte-
gra o combinado Corinthians-Palestra (quem diria) que enfrenta
e vence o Tucumán da Argentina. Na preliminar, enfrentam-se
os aspirantes do Palestra contra os do Corinthians e Neco, quem
diria, atua como árbitro.
Seu último jogo aconteceu no dia 31 de agosto, quando o
Corinthians, que já era praticamente campeão, empata com o
Internacional. Larga então as chuteiras, mas não o Parque São
Jorge. Cada jogo lá está ele ao lado do campo, de terno e chapéu,
apoiando os companheiros, xingando o juiz.
Quando, na década de 30, boa parte do time é levada para
jogar na Itália e o Corinthians enfrenta anos difíceis, Neco se tor-
na praticamente o técnico, ajuda a remontar a equipe, sugerindo
contratações inteligentes, inclusive a do grande Teleco.

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Fundador, torcedor, aspirante, titular, capitão, técnico, diri-
gente e, novamente, torcedor, viveu todas as emoções que o fute-
bol pode propiciar a um ser humano e foi certamente o corin-
thiano mais íntegro de todos os tempos e uma glória do futebol
brasileiro. Em que pese seu temperamento complicado.
Morreu aos 82 anos no dia 31 de maio de 1977.
Manoel Nunes é hoje uma placa no Estádio das Laranjeiras
por sua brilhante participação no Sul-Americano de 1919, nome
de rua na Vila Romero, na Zona Norte de São Paulo, e um busto
no Parque São Jorge que ele, misteriosamente, haverá de visitar
semanas antes da morte e a poucos meses da grande redenção
corinthiana de 1977.
Neco permanece uma referência eterna para os ideais do
Corinthians. Diante das modernas hesitações e vacilações do
clube, torcedores mais jovens podem se perder em análises as mais
variadas. Já o brado dos mais antigos talvez continue o mesmo:
“Tira a cinta, Neco”.
Foto: Arquivo Corinthians

A taça Washington Luiz celebra


o tricampeonato de 1930.
O Corinthians logo ia perder
para a Itália muitos craques
do timaço que tinha

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7 Primeira travessia, 31/37

O
Eles virão, os leitor nem precisa ser muito perceptivo para notar que
este livro está pontuado, aqui e ali, por tempos de claras
anos difíceis, glórias seguidas de travessias difíceis. Não seria o caso
de maneirar um pouco, extasiar-se nas glórias e passar correndo
as travessias as travessias?
Impossível, porque desse truque o Corinthians sairia como um
complicadas. time qualquer. E o Corinthians não é um time qualquer. Ninguém
trai impunemente seu destino e qualquer torcedor sabe que ser
Essa primeira, de corinthiano é com o mesmo ânimo dispor-se ao êxtase e à agonia,
a eternas idas e vindas entre o céu o inferno. Que o amor pelo
sete anos, começa Corinthians é o único isento da praga maior de todos os amores:
a monotonia.
com nossos craques
De como o nosso Filó virou italiano
sendo exportados
Nossa primeira, difícil travessia começou em 1931, na Itália.
para a Seleção do Nesse ano, a Lazio de Roma encasquetou de formar um belo
time à custa, imaginem, do Brasil. Levou jogadores do Palestra,
Mussolini... e até aí tudo bem; de um outro Palestra, de Belo Horizonte, que
depois virou o Cruzeiro, e até de um certo Atlético Santista, que
hoje nem liga mais para o futebol.
Mas os italianos não eram bobos e o estrago maior foi mesmo
no Corinthians, tricampeão paulista. É bom lembrar que, nessa
época, o futebol nem era ainda oficialmente profissionalizado,
mas informalmente a grana corria solta.
E as liras italianas nos levaram o grande zagueiro Del Debbio,
o habilidoso ponta-direita Filó, e mais De Maria e Rato lá pela
ala esquerda. E quem foi, entre nós, o experiente olheiro que em-
presariou tal êxodo?
Um corinthiano ilustre, Amílcar Barbuy, que saíra do Corin-
thians meio brigado alguns anos antes. Amílcar viria a estabelecer
Foto: Arquivo Corinthians

relações com o filho de Mussolini que, por sua vez, queria que
a Itália brilhasse nas Copas de 34 e 38 e por isso andou caçando
oriundi, descendentes de italianos, pelo mundo inteiro, inclusive
no bom futebol argentino.

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O nosso Filó, Amphiloquio Marques, nem era tão oriundo as-
sim. Era tão italiano que seu pai foi presidente da Portuguesa,
mas por conta de um Guarisi no sobrenome, dizem que materno,
jogou pela Itália na Copa de 34 e viria a se tornar o primeiro
brasileiro campeão do mundo, ainda que com a camisa errada.
Que ano, 1931. Neco, ídolo e alma do time, acabara de dei-
xar o futebol depois de 17 anos de excelentes serviços prestados.
Tuffy, grande goleiro, figura alegre, comuncativa, pega uma pneu-
monia tão de mau jeito que, poucos anos depois, vem a falecer,
aos 36 anos de idade.
Existem jogadores insubstituíveis?
Talvez não, mas não é de uma hora para outra que se consegue
um novo Neco, um Filó ou um Del Debbio. Ou mesmo um Cris-
tian, um André Santos, um Douglas. Um simples William que vai
pra Ucrânia em pleno campeonato pode encurtar o caminho para
uma série B.
Resultado: especialmente entre os anos de 31 e 33, o Mosque-
teiro andou um bom tempo de mosquete emperrado, espada sem
fio e capa caída.
Chegou ao ponto de tentar evitar, em novembro de 33, um en-
contro com o Palestra. Seria expor sua torcida a um vexame anun-
ciado. Mas não teve jeito, foi para o sacrifício. E que sacrifício,
levou uma baita goleada de 8 a 0. Com um time, claro, bastante
improvisado. O goleiro, que tinha o apelido de Onça, era, dizem,
um excelente eletricista. Tinha também um certo Brancácio que,
dizem, era imbatível como polidor de metais. E também um tal de
Chola, que só naquele dia ousou vestir a camisa do Corinthians.
Levamos uma baita goleada.
A crise se alastra, o presidente Alfredo Schürig renuncia.
A torcida anda impaciente, revoltada. Ameaça invadir e incen-
deia a sede do clube que então ficava na Rua José Bonifácio, no
Centro. Não se conforma em ver seu tricampeão despencar para
um humilhante sexto lugar no campeonato de 31, um ainda in-
suportável quinto em 32 e um modesto quarto em 33, colocação
que repete no ano seguinte, 34.

De Neco a Teleco
As primeiras luzes nessa época trevosa vêm do único lugar
onde, em futebol, elas podem vir: do campo, do talento, da bola.
Da inteligência em formar ou contratar bons jogadores.

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No final de 34, chega ao Parque São Jorge, vindo do Britânia
do Paraná, um certo Uriel Fernandes, o Teleco. Apesar do nome
bíblico, um atacante absolutamente endiabrado. Ninguém sabia
como aquele mulatinho magro virava o corpo no ar e, de costas
para o goleiro, acertava o canto, direitinho.
Foi o maior goleador por média de partida da história do
Corinthians e do futebol brasileiro. E talvez do mundo. Que outro
jogador anotou mais por partida, pergunta o pesquisador espor-
tivo Celso Unzelte. Teleco fez 255 gols em 248 jogos. Média: 1,02
por partida. Em toda a sua luminosa carreira, Pelé não passou de
0,93 por jogo.
Ele estreou em dezembro de 34, quando substituiu o atacante
Mamede num jogo contra o Vasco. Mas o mais promissor es-
tava por vir no amistoso seguinte, contra o Palestra, vitória do
Corinthians, 1 a 0. Desde 1929 o Corinthians não ganhava do seu
maior rival.
Com Teleco girando no ar, De Maria voltando da Itália em
1935 (depois viriam Filó, Rato e Del Debbio), o time se acerta e
começa a incomodar.
Nesse ano, chega em terceiro no campeonato e encara o Boca
Juniors no Parque São Jorge, num jogo curioso. O Corinthians
ganhava tranquilamente, 2 a 0, quando tem um pênalti a seu fa-
vor. Prevendo o pior, os argentinos decidem engrossar e se retiram
do campo.
Mas o melhor estava por vir: goleada de 4 a 1 no Palestra em
jogo válido pelo campeonato.
Mas a mais simbólica de suas vitórias nesse ano talvez tenha
sido aquela contra o Vasco no Rio. O Corinthians perdia por 3 a
0. Aí, uma virada histórica e vitória de 4 a 3.
Nítido sinal de que as coisas estavam, virando! De que o Corin-
thians tem como nenhum time esse imitar, em campo, o perde-
ganha da vida da batalha aqui fora. O Corinthians é como a vida.
Depois da goleada do Palestra, a bonança. A primeira travessia
chegava ao fim. Outras viriam, que este parece ser o nosso alvine-
gro destino.
Por isso, vamos em frente, para tempos de glória.

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8 Tempos de glória, o terceiro tri

C
Craques voltam aro leitor, vem mais um tri aí, 37, 38, 39. O terceiro em
29 anos de existência – é pouco? É muito, demais. Mas
da Itália e Teleco, vem à la Corinthians, aos trancos e relâmpagos.
Estamos falando do ano anterior, 1936, um grande ano para o
esse goleador Corinthians: não perdeu um jogo sequer. Entre dezembro de 1935
e março de 1937, ganhou 28 dos 31 disputados. E três empates.
assombroso No Paulista, foi campeão, campeão invicto do primeiro turno,
garantindo a presença na decisão.
aí ao lado, Um ano abençoado, alvinegro de janeiro a dezembro.
Só que o campeonato foi decidido no ano seguinte, 37, entre
começa a brilhar, abril e maio de 37.
E a decisão foi para uma melhor-de-três contra o Palestra, o
brilhar. campeão do segundo turno.
No Parque Antártica, 1 a 0 para o Palestra, gol controvertido,
o time é três vezes falta clamorosa no goleiro alvinegro. No domingo seguinte, 0 a
0 no Parque. Veio a terceira partida, 2 a 1 para o Palestra e lá se
campeão, 37,38 e 39 foi o título de 36.

Ê Corinthians
Mas o time era bom, sabia que era bom. Lá atrás já reinava
Euclides Barbosa, um negrão que tão alto pulava, e de braços
abertos, que pegou o apelido de Jaú, em homenagem a um avião
muito popular na época.
A linha média logo se tornaria famosa: Jango, Brandão e Mu-
nhoz, o bravo e eterno Munhoz, que havia sido tri em 28/29/30.
João Freire Filho, o Jango, era sempre o mesmo em campo,
invariavelmente bom.
José Augusto Brandão, Mestre Brandão, talvez o centromédio
que mais confiança inspirou na história do Corinthians. Primeiro
corinthiano a participar de um Mundial, ao lado do ponta-direita
Lopes, defendeu a Seleção Brasileira em 38.
Lá na frente, Teleco – e não precisa dizer mais nada, ou só repe-
tir: a maior média de gols por partida da história do Corinthians.
Como se não bastasse, de uma excursão pela Bahia, o Corinthians

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Foto: Gazeta Press

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Campeões do primeiro título corinthiano do

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no do futebol profissional, em 37
Foto: Arquivo Corinthians

Da esquerda para a direita: José I, Jaú, Brandão, Teleco, Munhoz, Carlito, Carlos, Jango, Daniel, Carlinhos e Filó; agachado: José II

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trouxe Servílio, Servílio de Jesus, armador preciso e sutil, também
chamado de Bailarino pela leveza com que se movia em campo.
Um avião lá atrás, uma linha média regida por Mestre Bandão, na
frente um artilheiro nato, Teleco, e um bailarino eficiente, Servílio,
e estava aberto o caminho do tri.
Que venha o Palestra.

É com o pé, é com a mão...


Foto: Gazeta Press
E o Palestra veio, no fim daquele ano mesmo.
Em novembro, na antepenúltima rodada, o título do Paulista
estava praticamente sendo decidido no Parque Antártica, com
Corinthians e Palestra frente a frente outra vez.
Uriel Fernandes, o grande Teleco, Um Corinthians renovado, confiante, mas uma contusão amea-
jogou no Corinthians de 34 a 44 e çava tirar Teleco de um jogo que já parava a cidade: era, todos
alcançou a espantosa média de 1,02 sabiam, uma decisão.
gol por partida, uma das mais altas Quando soube que iria substituir Teleco, dizem que o reserva
da história do futebol Zuza praticamente desmaiou.
Resultado: Teleco em campo, contundido e tudo.
O fato é que, aos 20 minutos, ele, Teleco, de cabeça, 1 a 0.
Corinthians campeão.
Bem, aí foi só enfrentar o Juventus, ganhar de um certo Es-
tudantes, mas as faixas já estavam moralmente no peito aquela
tarde contra o Palestra.
E aí, por mais dois anos, não teve para mais ninguém.
Só que, por causa da Copa, o título de 38 terminou sendo de-
cidido em abril de 39 e o jogo decisivo foi entre Corinthians e um
nascente e já bem estruturado São Paulo. O definitivo, o de hoje,
que antes houve um São Paulo chamado da Floresta, campeão,
aliás, de 1931.
O jogo estava marcado para 23 de abril no Parque São Jorge.
Mau prognóstico: o Corinthians, invicto, vinha liderando o
campeonato e um empate bastava. E quando o Corinthians vem
vindo fácil trata-se, não raro, de uma armadilha dos deuses. Isso
todo corinthiano sabe. Só que, dessa vez, os deuses entraram em
campo pelo menos duas vezes.
A primeira, estranhamente, foi durante o primeiro jogo, naquele
23 de abril de 39, em pleno Parque São Jorge. Logo de saída, gol
do São Paulo e, a seguir, os céus se desmancharam sobre o campo
numa chuva bíblica e o jogo teve de ser interrompido.
Na terça, jogou-se o que faltava do primeiro tempo, 24 minu-

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tos, e mais todo o segundo tempo. O Corinthians vai pra cima
com tudo, mas o jogo caminha para o fim, e nada.
Outra vez a mão dos deuses, ou sabe-se lá. O fato é que o meia-
esquerda Carlito escora um cruzamento com a cabeça, ou com a
mão, ele nunca soube, e o juiz dá gol e aguentou firme a pressão
do São Paulo. Saiu ali o empate do título.
Consta que corinthianos menos responsáveis saíram do está-
dio cantando: “Com o pé, com mão, o Corinthians é campeão!”

39, campanha impecável


O tri paulista de 1939 foi festejado no dia 31 de dezembro com
um 4 a 1 sobre o Santos, no Parque São Jorge. Foi uma campanha
impecável. Farta de gols: o time fez 57 e só sofreu 13. Desses gols,
nada menos que 32 foram desse endiabrado Teleco, artilheiro do
Paulista pela quarta vez nos últimos cinco anos.
Foram tempos de glória.
O Corinthians chegava ao seu terceiro tri, coisa que clube ne-
nhum conquistara em São Paulo, nem conquistou até hoje. Que
nos desculpem o Santos de Pelé, o Palmeiras de Ademir da Guia e
o São Paulo de Raí.
Glória, pois, aos grandes heróis dessa época. Já falamos de
Jaú, Brandão, Teleco, mas também havia Lopes, ponta-direita da
Seleção Brasileira, e um jeitoso ponta-esquerda, Carlinhos.
E depois, para mais um título paulista, este de 1941, vieram
o goleiro Ciro Portieri, mais Agostinho e o mineiro Chico Preto,
beques de lei, e ainda Joane e Milani, goleadores de respeito.
Na linha média, Munhoz era substituído pelo grande Dino,
Foto: Arquivo Corinthians

também chamado de Pavão, não pela vaidade, mas pela altivez e


elegância com que se movia em campo. Lá na frente, Teleco, mais
uma vez o artilheiro do campeonato, continuava aprontando.
O Corinthians teve também, nessa época, um grande presiden-
te: o ex-garçom espanhol Manoel Correcher, que dava a vida pelo
Corinthians, e que costumava dizer em espanhol o que em bom
português fica assim:“Certo ou errado, o Corinthians tem sempre
razão”. Em sua gestão, de 35 a 41, levou o time do caos à glória
e foi um dos maiores presidentes do clube.
Para cumular, dois grandes técnicos, Neco e Del Debbio, que Troféu comemorativo do
sabiam tudo de bola e eram, acima de tudo, corinthianos. tricampeonato de 1930 e que bem
Nunca o Corinthians foi tão vitorioso, nem tão de coração expressa um ataque que voava em
montado e administrado. campo – Filó, Rato, De Maria...

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9 Segunda travessia, 41/51

S
Olha eles outra e esta fosse uma história sagrada, e de certa forma é,
este capítulo deveria assim começar: Leitura da Segunda
vez aí, os anos Travessia do Corinthians, 1941-1951.
Sim, porque, como anunciamos, vem aí mais um destes períodos
difíceis. O time nem de deserto, como que nos preparando para o maior deles, no qual
por enquanto nem é bom pensar.
é ruim, vive Mesmo porque esta média travessia, de 41 a 51, foi, de certa
forma, a mais divertida de todas. Campeão paulista o Corinthians
quase chegando não foi, mas, de resto, não houve o que não fosse.
Campeão da Quinela de Ouro em 42, por exemplo.
lá, ganha até uma Nesse ano, as cinco melhores equipes do país disputaram uma
taça que levava o pomposo nome de Quinela de Ouro, um ensaio
espécie de para o futuro Rio-São Paulo. Os jogos foram no recém-inaugu-
rado Pacaembu. De São Paulo, o trio de ferro; do Rio, vieram o
Rio-São Paulo. Mas Flamengo e o Fluminense
Depois de dois empates e uma vitória, em março o Corinthians
título caseiro, que vai para a decisão com o Palestra: 4 a 1, fácil. O campeão dos
campeões...
é bom, nada.
Sem títulos, mas azarando
Nos campeonatos de 42 e 43 o Corinthians se deu ao luxo de
ser bivice-campeão. Dele foi, nesses dois anos, o artilheiro: Milani
em 42, com 24 gols, e Hércules em 43, com 19.
Teve mais, nesses dois anos. Ganhou duas vezes a Taça São
Paulo, um torneio disputado entre os três primeiros colocados do
Paulista do ano anterior. O campeão dos campeões...
E ainda: na primeira vez, ganhou a Taça justo em cima do Pa-
lestra, goleada de 4 a 2. Na segunda, outra vitória sobre o rival
favorito, agora por 3 a 1. Com um detalhe: o Palestra agora já se
chamava Palmeiras. Que nesse ano, 42, estava para ser campeão
invicto quando, no último jogo, tinha que enfrentar o Corinthians.
Perdeu de novo, 3 a 1 de novo. Invicto pra cima de nós?
Em 1944, vamos reconhecer, só ganhamos o Torneio Início
e em 45 fomos, outra vez, vices, e o único time para o qual o

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Foto: Arquivo Corinthians

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campeão São Paulo perdeu. Perdeu por 2 a 1, escapou de goleada,
pois este jogo ficou famoso pelas cinco bolas na trave que o Cor-
inthians mandou. Uma quinela do azar.
Mas olha como as coisas se formam.
Nesse ano, 45, não só o artilheiro foi nosso, Servílio, 17 gols,
como começam a pintar no time nomes devastadores como Claú-
dio, Baltazar...
Que década, essa de 40. Brilhante e azarada.
Dos 20 jogos disputados no campeonato de 46, o Corinthians
ganha 18 e Servílio é de novo o artilheiro, faz 19. Não empata
nenhuma, mas perde para o São Paulo.
O ano de 1947 foi particularmente maluquinho.
De cara, o Corinthians ganha de novo a Taça Cidade de São
Paulo. Começa tomando 5 a 0 da Portuguesa e logo faz 5 a 1 no
já posudo São Paulo de Leônidas.
No Paulista, ainda em 47, o time é vice pela quinta vez em seis
anos e faz de novo o artilheiro, Servílio. Maior alegria: tirar de
novo a invencibilidade do campeão, Palmeiras. 2 a 0.

Baltazar brilha, Luizinho ensaia


As poucas alegrias no Paulista de 48 (quarto lugar) e 49 (quin-
to) foram compensadas com duas importantes vitórias interna-
cionais. O Corinthians ganha do já poderoso River Plate da Ar-
gentina por 2 a 1 e vence também outro visitante ilustre, o Torino
da Itália. Diga-se, só o Corinthians conseguiu vencer o grande
campeão italiano.
A nota triste: no ano seguinte, 1949, esse magnífico time do
Torino, base da Seleção Italiana, é dizimado num desastre aéreo.
O avião em que viajavam os jogadores bate na torre da catedral
de Superga e todos morrem. Em homenagem a eles, o Corinthians
jogaria com camisas grenás um amistoso no Pacaembu contra a
Portuguesa.
No fim de 1949, mais uma compensação ilustre foi a excelente
participação no Torneio Rio São Paulo, que nesse ano voltava em
grande estilo. Começou mal, 6 a 2 para o Flamengo. Azar do São
Paulo no jogo seguinte, 4 a 1 para o Corinthians, com um detalhe
histórico: foi o começo da consagração de Baltazar, que fez três
nessa goleada.
O Torneio entra 1950 adentro e o Corinthians firme, picado.
Passa pelo Palmeiras, 3 a 2, e encara um Vasco que tinha a base

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da Seleção Brasileira da Copa de 50. Começa perdendo e vira
gloriosamente, 2 a 1. O gol da vitória foi feito por Baltazar, de
cabeça, inspirando o famoso samba, da autoria de Alfredo Borba,
que a torcida passaria a repetir extasiada: “Gol de Baltazar, salta
o Cabecinha, 1 a 0 no placar”.
Depois foi a vez do Fluminense, 3 a 1. Depois a Portuguesa, 5 a
3. O título veio em casa com o empate, 1 a 1, contra o Botafogo.
Campeão dos campeões e mal em casa – como pode? Já eram
oito anos sem o título estadual.
O pior é que o time era bom. Faltavam alguns ajustes e eles
começaram sob a regência de José Castelli, o Rato, um grande
técnico e um saudoso ídolo dos anos 20.
Já no time de aspirantes um moleque atrevido, Luizinho, an-
dava arrasando tanto nos treinos quanto nas preliminares. A tor-
cida chegava mais cedo só para vê-lo jogar... Em dezembro de
48, durante um amistoso em Lorena, o Pequeno Polegar faz sua
estreia no time principal.
Logo viriam o goleiro Cabeção, o lateral Idário e o centromé-
dio Roberto Belangero.
O time parecia tão cioso da sua nova era que perder o título
de 50 nem pesou tanto. Como que se guardando para o que viria.

O ENIGMA DA
BOLA QUADRADA
Criada na década de 30, o sentido
Foto: Arquivo Corinthians

desta bola quadrada permanece um


mistério no Memorial do Corinthians.
Alguma brincadeira com a Portuguesa?
Bem, aqui está ela ilustrando este
capítulo sobre uma década sem grandes
títulos. Tempos de bola quadrada...

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10 Os anos dourados
e seus craques imortais

Q
O time dobra os uando um bom time se forma e a diretoria não é obriga-
da a deportar parte dele para a Ucrânia ou a Turquia, aí
anos 50 arrasando, não tem quem segure.
No início dos anos 50 ninguém segurava o Corinthians. Deu um
aqui e lá fora. time cantado em prosa, verso e no samba de Alfredo Borba.
E olha que ainda falta gente boa nesse samba. Cabeção, Rafael
Também, com e Nelsinho. E podiam ser incluídos também um grande e apa-
ixonado presidente de charuto mágico e fala candente, Alfredo
craques como Ignácio Trindade, e um técnico de faro fino, José Castelli, o Rato,
aquele que, como jogador, era considerado o rei do drible dos
este Luizinho aí times tricampeões de 22/23/24 e 28/29/30.
Todos somados fizeram o Corinthians merecer o apelido de
ao lado, já no fim Gualicho, um cavalo da época, famoso por não perder corrida.
Esse Corinthians quase não perdia.
dos seus dias de Mesmo perdendo o Rio-São Paulo de 51, vai atrás do títu-
lo paulista, que desde 41 perseguia. Aí foi campeão, e de forma
glórias, mas que espetacular. Goleada atrás de goleada, 9 a 2 no Comercial, 7 a
1 no Jabaquara, 4 a 0 e 4 a 1 no São Paulo, 4 a 1 no Santos.
glórias No começo, bem que o Palmeiras e a Portuguesa ainda tentaram
seguir de perto esse Corinthians Gualicho, mas terminaram co-
mendo poeira. Com uma goleada sobre o Guarani, 4 a 0 já no
início de 52, o Timão liquida a fatura na antepenúltima rodada.
Com 46 pontos, não tinha pra mais ninguém.
Que grande ano, 1951. O ano do lendário ataque dos 103
gols em 28 partidas, média 3,67 por jogo, única no Paulista e na
história do futebol profissional até ali. Nosso, claro, foi o artil-
heiro do ano, Carbone, meia-esquerda.
Mas o ataque todo era fantástico.
Pela direita, Claúdio e Luizinho. Cláudio, de chutes mortais e
passes precisos, o maior artilheiro da história do Corinthians, 305
gols em 549 jogos. Luizinho, 1,64 metro de altura, o Pequeno
Polegar, moleque driblador, alegria do povo.
Ali pelo meio, Baltazar, Cabecinha de Ouro, dos seus 267 gols
em 402 jogos pelo Corinthians, pelo menos 70 foram de cabeça.
Na ponta-esquerda, o misterioso carioca Mário, que fazia o

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Foto: Arquivo Agência Estado

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que queria com a bola e com os adversários, menos chutar para
dentro do gol, o que devia considerar uma vulgaridade, porque
deixava pra lá, para os outros. Para se ter uma idéia: dos 103 gols
marcados, Carbone fez 30, Baltazar fez 25, Cláudio fez 18, Luiz-
inho fez 13 e esse bom e desapegado Mário só fez um... Não era
disso. Nem precisava.
Na defesa, Gilmar dos Santos Neves, saudado em um cartaz da
torcida como “o supremo guardião do campeão dos campeões”.
Entre os beques, o mineiro Murilo Silva, clássico, e o vigoroso e
raçudo Julião. Depois, na linha média, vinha Idário Sanchez Pei-
nado, símbolo eterno da garra corinthiana, mais o gaúcho Tou-
guinha, guerreiro e habilidoso, e o eficiente Lorena.
“Gol de Baltazar, gol de Baltazar, Todos mereceriam estar no samba de Alfredo Borba.
salta o Cabecinha, 1 a 0 no placar.
O Mosqueteiro ninguém pode derrotar, Show no Uruguai, Turquia, Suécia...
Carbone é o artilheiro espetacular,
Cláudio, Luizinho e Mário, Pois esse Corinthians criou asas e voou. Em 1951 vai partici-
Julião, Roberto, Idário,
par, em Montevidéu, de um quadrangular que reunia o Peñarol,
Homero, Olavo e Gilmar
um combinado uruguaio e o nosso Bangu. Os uruguaios estavam
são os 11 craques que São Paulo vai
festejando o primeiro aniversário da vitória na Copa de 50.
consagrar.”
Em seu primeiro jogo no exterior, o Corinthians chega e
Música e letra de Alfredo Borba
estraçalha em pleno Estádio Centenário: 4 a 1 num combinado
uruguaio. Que não era, aliás, um time qualquer. Tinha quatro
campeões mundiais, Rodriguez Andrade, Hector Vilches, Mathias
Gonzalez e Ruben Morán. O Corinthians nem aí, 4 a 1. Dois de
Baltazar, um do Luizinho e um do Nelsinho.
Só então cai a ficha dos uruguaios. Catimbeiros, exigem que
a decisão entre Peñarol e Corinthians fosse apitada por um juiz
uruguaio, Esteban Marino. O Timão sugere um juiz neutro, ar-
gentino, por exemplo. Os uruguaios fincam o pé e o Corinthians
fez o que tinha de fazer, veio embora.
Volta para ser o bicampeão paulista de 52. Com a entrada de
Gilmar no gol e Roberto Belangero, o Professor, um dos mais téc-
nicos centromédios (hoje volante) da história do futebol brasileiro,
afinando o meio-campo, mais Homero e Olavo garantindo a defe-
GOLEIROS COM ASAS
sa, o que já era bom ficou melhor.
Na virada dos anos 50, Assim reforçado, o time voa mais alto. Faz, pela Europa, um
o time inteiro voa. Nada nelhor giro inacreditável: 15 partidas invictas. A única derrota foi para
para homenageá-lo do que o Besiktas, da Turquia, por 1 a 0, no jogo de estreia. Também,
estes dois grandes goleiros dizem que desceu do avião e entrou em campo.
voadores, Cabeção e Gilmar O mais foi uma festa.

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Fotos: Gazeta Press

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Só para não deixar má impressão na Turquia, fez 6 a 1 no
Fenerbahçe, 1 a 0 no Galatasaray, empatou com a Seleção Turca,
venceu a de Ankara, venceu também a Seleção B da Turquia, ven-
ceu o segundo jogo contra a Seleção A e se despediu com 4 a 2 no
Galatasaray.
Na Suécia, o espetáculo continua. Empata, 3 a 3, contra o AIK
e ganha do Djurgardens, 3 a 2, empata com um combinado de
Copenghague, ganha do Malmoe, 2 a 1, enfia 9 a 3 na Seleção de
Gotemburgo – já preparando o 58?
Na inauguração do Estádio Olímpico de Helsinque, na Finlân-
dia, 5 a 1 contra a seleção olímpica do país.
Na Suécia outra vez, goleia alto o Combinado de Gävle, 6 a 0,
e o de Halmstads/Hamlia, 10 a 1.
A imprensa da época brinda o time com a “Faixa Ouro do
Futebol Brasileiro”.

Batalha no Maracanã
O Corinthians está com tudo. É convidado para ser um dos
representantes do Brasil na segunda edição da Copa Rio, uma
espécie de Mundial de Clubes disputado no Pacaembu e no
Maracanã. E começa triturando, 6 a 1 no vice-campeão alemão,
Saarbrucken, 6 a 0 no Libertad, campeão paraguaio. Vai às
semifinais ao vencer por 2 a 1 o temido Áustria Viena.
O jogo seguinte, contra o Peñarol, se transforma num pesa-
delo. Ou os uruguaios ainda não haviam esquecido os 4 a 1 em
Montevidéu ou o Peñarol era mesmo um time violento.
Foi uma batalha, com três corinthianos gravemente feridos.
Roberto Belangero teve um dedo do pé quebrado, Baltazar, o mo-
lar fraturado e Murilo nunca mais se recuperou completamente
de uma fratura na perna. Ghiggia, o carrasco do Brasil na final da
Copa de 50, fez 1 a 0, mas no no fim deu Corinthians de virada.
2 a 1, dois de Cláudio. Como da vez do baile em Montevidéu, os
uruguaios não querem saber da partida de volta e o Corinthians
se classifica para a decisão contra o Fluminense de Didi e Telê
Santana.
Os dois jogos são marcados no Maracanã. Desfalcado, exaus-
to, o Corinthians perde o primeiro, 2 a 0, e empata o segundo
num jogo duríssimo, 2 a 2.. É vice, um respeitado vice.
No segundo semestre, mais duas alegrias para a torcida.
O time fica para sempre com a Taça São Paulo, conquistada

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que já fora em 42, 43, 47 e 48. O melhor dessa conquista foi um
5 a 1 contra o Palmeiras na decisão.
O Campeonato Paulista de 52 é decidido no começo de 1953.
O Corinthians ganha o título com uma rodada de antecipação.
Antes um pouco, e o melhor de tudo, um 6 a 4 contra o Palmeiras.

Show em Caracas
Em 1953, São Paulo inteira se preparava para celebrar seu
quarto centenário no ano seguinte. O clima já era de euforia.
O Corinthians não vence o Paulista, mas ganha pela segunda
vez o já prestigioso Torneio Rio-São Paulo. Em agosto vai até a
Venezuela disputar a cobiçada Pequena Taça do Mundo, valo-
rizada pela presença de times como Barcelona e Roma, mais a
Seleção de Caracas.
O Timão nem aí: 1 a 0 na Roma, 3 a 2 no Barcelona e 2 a 1 na
Seleção de Caracas, vence tranquilamente todos os jogos. Parece
que um segundo turno não estava previsto, mas o Corinthians
deixou todo mundo mordido e teve de repetir a dose, só mudando
um pouco o placar para não ficar chato: 1 a 0 no Barça, 2 a 0
na Seleção de Caracas e 3 a 1 na Roma, cujo ponta-direita era o
temível Ghiggia da Seleção Uruguaia de 50.
Tá bom assim, posso voltar pra casa?
Voltou com muita festa no aeroporto de Congonhas. Parece
que todo mundo já sabia de cor o novo hino do time, composto
dois anos antes por Lauro D´Ávila. A multidão inteira cantava:
“Salve o Corinthians, o campeão dos campeões”.

Apoteose no Pacaembu
O ano, enfim, do Quarto Centenário, 1954, começa com a
conquista do bi no Torneio Rio-São Paulo, com vitória sobre o
Palmeiras e tudo.
Mas o sonho mesmo era ser o Campeão do Quarto Centenário
de São Paulo, como já fora nos cem anos da Independência, em
1922. Um campeão literalmente histórico.
E tudo caminhava para isso. Sob o comando do carismático
Oswaldo Brandão, o Corinthians vai ganhando todas. Mas, diz
o Senhor, “meus caminhos não são os vossos”. Os do Corinthi-
ans também não. Mesmo com aquele timaço, tinha que haver um
toque corinthiano de sofrimento na sonhada conquista.

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Em pé: Cabeção, Idário, Goiano, Homero, Olavo e Roberto; agachados: Cláudio, Luizinho, Carbone, Souzinha e Baltazar

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Time-base desta era de grandes títulos

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e
s e conquistas no Brasil e fora dele
Foto: Arquivo Corinthians

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E ele veio.
Quando só bastava vencer o Santos na Vila para ser campeão,
o time perde, e por 4 a 1.
Agora, na penúltima rodada, o Corinthians só precisava de um
empate contra o Palmeiras e “por 100 anos serás o campeão”,
como já tinha até uma música celebrando.
Pacaembu, 6 de fevereiro de 1955, decisão do Campeonato
Paulista de 1954 e do título de Campeão do Quarto Centenário.
O Palmeiras entra em campo de azul. Ordem, dizem, de um
pai-de-santo.
Logo aos 10 minutos, Cláudio centra, o baixinho Luizinho
pula entre os gigantes do Palmeiras e Pedro Luiz, no microfone
da Rádio Panamericana, berra: “Goool!!! Esplêndida cabeçada
do mignon avante alvinegro!!!”
Corinthians 1 a 0.
Segundo tempo duríssimo, o Palmeiras empata e, a favor do
vento, ataca sem parar. Gilmar faz milagres, inclusive num chute
à queima-roupa de Humberto, o artilheiro daquele histórico
campeonato paulista.
“...e termina a partida, consagrando Até que o juiz apita e um Pedro Luiz em chamas anuncia no
o Corinthians campeão paulista de microfone da rádio Panamericana o campeão do IV Centenário,
futebol do Quarto Centenário... um título válido, segundo alguns corinthianos, por 100 anos!
Festa máxima, apoteose no Estádio Mas o Corinthians é o Corinthians.
Municipal do Pacaembu. Já algumas Tempos difíceis se anunciam. Então, caro leitor, enquanto
centenas de representantes da maior
é tempo vamos curtir mais um pouco estes momentos recon-
torcida paulista invadindo o gramado,
fortantes, interromper nossa história para celebrar pelo menos
quase que sufocando todos os seus
quatro heróis destes tempos de glória.
jogadores. E assim vibra a família
Em 2008, o jornalista, escritor e pesquisador esportivo Celso
alvinegra, que foi o jogador número
Unzelte convidou 10 renomados jornalistas esportivos para eleger
12 do certame do centenário número
quatro. Ganhando com o Corinthians,
os dez maiores jogadores da história do Corinthians. A partir des-
ganhando pelo Corinthians, ganhando sa enquete, Celso publicou o livro Os Dez Mais do Corinthians,
para o Corinthians o campeonato onde traça um rico perfil dos eleitos. Dentre eles, quatro, quase
mais expressivo dos últimos anos de a metade, integrou o time de ouro da primeira década dos anos
contenda do futebol paulista”. 50 – Luizinho, Claúdio, Baltazar e Gilmar.
É justo que se faça aqui uma breve memória desses ídolos.

El chiquitito número ocho


Vejam que história mais bonita e corinthiana a desse Luiz Tro-
chillo, o Luizinho. Moleque da Zona Leste, desde os 10 anos vivia
ali pelo Parque São Jorge soltando pipa e fascinado por dois cra-

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caços do time, Teleco e Servílio. Bom de bola, fez carreira com-
pleta no time: infantil, juvenil, amador e aspirante. No dia 16 de
abril de 1949 vive a emoção de substituir seu ídolo Servílio num
jogo contra o Santos na Vila Belmiro. Uma semana depois está
jogando ao lado de Servílio num jogo contra o Noroeste. Em no-
vembro começa um jogo como titular em pleno Pacaembu.
É o começo de uma carreira gloriosa. Campeão paulista de 51,
depois de um jejum de dez anos; campeão de 52 com um histórico
gol de letra num jogo contra o Palmeiras; artilheiro da Pequena
Copa do Mundo da Venezuela em 53 e autor do gol que fez do
Corinthians o Campeão do Quarto Centenário.
Numa das suas últimas visitas ao Pacaembu, Luizinho apontou
para as arquibancas vazias e disse com orgulho: “Puxa, eu levan-
tava tudo isso aqui”.
Era pura verdade e muita gente se lembra. Quando a bola
chegava aos seus pés, a torcida fazia um silêncio cúmplice, ma-
roto. No primeiro drible, entoava “Êêêêê!!!” O segundo e mais
um êeeee! No embalo da torcida, ele às vezes exagerava. Tinha
o seu lado Garrincha. Dizem que um dia ousou sentar na bola
diante do centromédio argentino Luiz Villa, do Palmeiras. Ele
negava sorrindo, “devo ter escorregado”...
Foi várias vezes convocado para as seleções paulista e brasilei-
ra. Quando, em 1956, a Seleção Brasileira venceu a Argentina em
Montevidéu pelo Sul-Americano Extra, após dez anos que os dois
países, brigados, ficaram sem se enfrentar, ele não só fez o gol da
vitória como mereceu do jornal El Clarín a seguinte manchete:
“El chiquitito número ocho nos destrozó”.
Apesar de toda a sua brilhante performance em jogos difíceis
fora do país, Uruguai, Venezuela, não teve seu nome lembrado
para a Copa de 54, na Suíça.
Foi o primeiro jogador brasileiro a dizer um palavrão ao vivo
pela televisão. Por ocasião de um jogo contra o Santos pelo Rio-
Foto: Arquivo Corinthians

São Paulo, no dia 25 de abril de 1955, disse ao microfone do


repórter Silvio Luiz, da TV Record, referindo-se ao juiz que o
expulsara: “Foi tudo culpa daquele filho duma puta!” O desabafo
virou até debate na Câmara de Vereadores...
Entre os anos de 65 e 67, Luizinho chegou a jogar algumas
vezes ao lado de Rivellino. Fez sua última partida pelo Corinthi-
ans no dia 21 de setembro de 1967, contra o Bragantino. Mais Taça do Campeonato Paulista de 1954,
tarde foi técnico das categorias infanil e juvenil. No dia 11 de ano do IV Centenário da fundação da
julho de 1994 foi homenageado com um busto nos jardins do cidade de São Paulo

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Parque São Jorge. No dia 25 de janeiro de 1996, entrou breve-
mente em campo no jogo de estreia de Edmundo contra o Cori-
tiba no Pacaembu. Cada vez que tocava na bola a torcida gritava
emocionada o seu nome. A Fiel bem tinha plena consciência de
que estava aplaudindo uma lenda viva.
Luiz Trochillo morreu de parada respiratória no dia 17 de ja-
neiro de 1998. Foi o segundo jogador que mais vestiu a camisa
do Corinthians, 603 vezes, depois de Vladimir, 805. Numa das
suas últimas entrevistas, contou que, na noite redentora de 13 de
Fotos: Gazeta Press
outubro de 1977, ele estava lá, no Morumbi, anônimo no meio da
torcida, “e que aquilo foi de arrepiar”.

Cláudio, o regente
Eis como a Gazeta Esportiva celebrou
a conquista do título do IV Centenário Cláudio Christóvam de Pinho, maior artilheiro da história
contra a o Palmeiras. O baixinho corinthiana, 305 gols em 549 jogos. Baixinho, 1,62 de altura, 60
Luizinho fez 1 a 0, de cabeça, logo aos quilos. Apelido: Gerente. Talvez porque usasse pastinha, era con-
10 minutos de jogo tador e despachante marítimo. Talvez porque fosse um líder em
campo, um regente, mais do que um gerente. Foi bi no Paulista,
bi no Rio-São Paulo, campeão do Centenário - dos seus pés saiu o
cruzamento para o gol do título.
Curioso que na sua estreia no time, dia 7 de maio de 1945,
nosso maior goleador não marcou nenhum num jogo contra o
São Paulo que terminou 4 a 4. Vai ver que para fazer seu primeiro
gol dias depois, e em grande estilo: contra o Palmeiras e contra o
lendário Oberdan Catani. Baixinho danado.
Na Seleção Brasileira jogou menos do que merecia. Quando,
na Copa de 50, estava no auge da sua forma, foi preterido por um
certo Alfredo II. No ano anterior, ajudou o Brasil a ser campeão
sul-americano e nos anos seguintes venceria duas vezes, e com
muito brilho, os uruguaios de um combinado e depois do Peñarol.
O que não poderia ter feito naquela trágica tarde no Maracanã?
Certamente mais do que Alfredo II faria.
Era perito em bola parada. Mais que gerente, um contador:
corria, batia – e caixa! Em 1955, na decisão do Torneio Interna-
cional Charles Miller, com tanta arte e malícia cobrou uma falta
que o goleiro do Benfica, Costa Pereira, comentou estarrecido:
“Ué, mas foi de curvita?” Em tradução aproximada.
O jornalista Juca Kfouri conta que só passou a comer agrião
quando seu pai explicou que Cláudio só era o que era porque –
comia agrião! Mais ou menos como Popeye com o espinafre.

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Cláudio Christóvam de Pinho faleceu no dia 1º de maio de
2000 e seu busto está hoje no Parque São Jorge.

Gilmar, drama e redenção


Gilmar dos Santos Neves veio do Jabaquara de Santos como
contrapeso de uma negociação envolvendo um certo Ciciá, que no
Corinthians não deu certo.
Gilmar deu tão certo que ficou 10 anos no time, de 51 a 61.
Logo no primeiro ano no Parque, vive um drama. O Corinthians
perde por 7 a 3 da Portuguesa e Gilmar é acusado de corpo mole
no desastre e dá lugar a outro bom goleiro, Cabeção.
No ano seguinte, Cabeção é convocado para a Seleção Brasilei-
ra, Gilmar viaja com o Corinthians na brilhante excursão pela
Europa – e arrasa. Em 54 garante a vitória corinthiana num durís-
simo 1 a 0 justo contra a Portuguesa; em 55, na histórica decisão
contra o Palmeiras, pegou tudo. Em 58, na Suécia, só foi tomar
gol no quinto jogo, contra a França. Em 62, no Chile, foi bi mun-
dial com o Brasil.
Quando, em 1990, o Corinthians foi campeão brasileiro pela
primeira vez, Gilmar recebeu as faixas ao lado de Idário e Car-
bone. Dono de uma concessionária de automóveis, sofreu um
sério acidente cerebral-vascular em 2000.
Por ocasião do centenário da FIFA, em 2004, foi eleito um dos
cem melhores jogadores de todos os tempos. Sobre o Corinthians,
declarou um dia para a Manchete Esportiva: “Esse time é uma
religião”.

Baltazar, glória e crepusculo


Ficou famoso como Baltazar, mas, na verdade, se chamava Os-
waldo, Oswaldo Silva. Baltazar era o irmão. O pai, funcionário
do Porto de Santos, proibia os meninos de jogar na rua. Oswaldo
Foto: Arquivo Corinthians
dava um jeito e chegava avisando: “Vim jogar por mim e pelo
Baltazar”. E Baltazar ficou.
Como Cláudio, jogou 12 anos no Corinthians, de 1945 a 1957.
Sua arte para gols de cabeça, 71 dos 267 que fez, se deve à impul-
são fatal, à boa colocação e à clara percepção de onde o goleiro
não estava, que alto não era – 1,75 metro. Esta bola da vitória sobre o São Paulo
Em seu livro Corinthians, minha vida, minha história, meu lembra um jogo festivo: o Corinthians
amor, André Martinez conta uma história deliciosa. Em meados já era campeão do IV Centenário

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Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e M

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e Mário, o fabuloso ataque dos 103 gols!

Foto: Rômulo Fialdini – Memorial Corinthians

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de 50, durante um comício na Praça da República, um candidato
ao governo paulista em altos brados proclama que São Paulo pre-
cisa de um homem de cabeça para governar o estado. Foi mal ele
falar, a multidão repete uníssona: “Baltazar! Baltazar! Baltazar!”
Ele adorava carrões e, quando teve seu Cadillac incendiado,
logo ganhou um Studebaker num concurso de jogador mais queri-
do do Brasil. E ele não era de confraternizar muito com a torcida.
Várias vezes convocado, guardou mágoas do “ambiente de
máfia” que, segundo ele, reinava na Seleção. Na Copa de 50, fez
Foto: Arquivo Corinthians
dois jogos, um no Maracanã, 4 a 0 contra o México, e outro no
Pacaembu, 2 a 2 contra a Suíça. Em 54, na Copa da Suíça, foi
tirado do time a partir das quartas de final. O médico alegou que
ele estaria com um “caroço na perna”... Além de mentira, uma in-
justiça: durante as eliminatórias para aquela Copa, Baltazar fora
o autor de 90% dos gols do Brasil.
O maior goleador corinthiano de todos No Corinthians, encerrou discretamente sua carreira com um
os tempos, 305 em 549 jogos, gol contra num jogo com o Santos, em 57. Envelheceu amargo
Cláudio Christóvam de Pinho com o futebol, a falta de recursos e a saúde abalada. Morreu aos
jogou no Timão de 1945 a 1957. 71 anos, de pneumonia, no dia 25 de março de 1997. Um dia
Com apenas 1,62 m de altura, foi um
declarou que, apesar de todas as decepções, “aprendi a amar o
destes nossos baixinhos geniais
Corinthians com todas as minhas forças”.
Baltazar, como Cláudio, era de Santos.
Santos, o time, muitas frustrações haveria de causar ao Corin-
thians. Mas a Santos, a cidade, o time muito deve sua era dourada
dos anos 50. De Santos vieram Gilmar, Cláudio e Baltazar. Cláu-
dio e Baltazar costumavam, aliás, jogar vôlei na praia do Em-
baré. Claudio, baixinho, levantava e Baltazar, mais alto, cortava.
Exatamente como faziam no Corinthians.

O deserto, primeiros passos


Ao fim desses tempos de glória, qualquer leitor minimamente
corinthiano (se é que isso é possível) já sabe que vem aí um longo
período de deserto, a mais dolorosa e interminável das travessias.
Mas é justo que ele se faça algumas perguntas. Como uma era
dourada dá lugar a uma de chumbo? Como pode um grande time
se desmanchar no ar, assim tão de repente?
Não foi de repente. Foi, como tudo na vida, um processo.
Em 1955, quase foi bi. Na penúltima rodada, virou um jogo de
0 a 2 para 3 a 2 contra o Santos, na Vila, e terminou o campeo-
nato apenas um ponto atrás desse mesmo Santos.

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Em 1956, ainda cravejado de craques, o Corinthians até que
começa bem o ano, faturando o Torneio de Classificação para
a fase decisiva do Campeonato Paulista. Foi bem até as últimas
rodadas e chega a merecer a Taça do Invictos, criada pela Gazeta
Esportiva para o time que ficasse 25 jogos sem derrotas.
O Corinthians fica com ela pela primeira vez e tudo caminha
bem até que, nas últimas rodadas, é ultrapassado pelo São Paulo
e pelo Santos. No jogo decisivo, Gilmar chegou a defender um
pênalti. Não adiantou. O time fica em terceiro.
Depois da era de ouro, começa a do quase.

Foto: Arquivo Corinthians


Em 57, outra vez o Corinthians quase chega lá. Mesmo sem
Baltazar, ainda tem um bom time, Gilmar, Oreco, Cláudio, Lui-
zinho, Rafael. Fica 35 jogos sem perder nenhum, ganha de novo
a Taça dos Invictos, dessa vez em definitivo, para sempre, até hoje
lá está ela no Memorial do Parque São Jorge.
A duas rodadas do fim do campeonato, precisa ganhar do San- Como Cláudio, Baltazar também
tos e perde, 1 a 0. Mesmo assim, para ser campeão, basta vencer jogou no Corinthias de 45 a 57.

o São Paulo, mas perde, 3 a 1. Termina em terceiro outra vez. O Cabecinha de Ouro: dos 267

Em 58, terceiro de novo. Um ano vibrante para o Brasil, gols que fez, 71 foram de cabeça

campeão do mundo com os corinthianos Gilmar como titular e


Oreco na reserva de Nílton Santos, um ano triste para um Corin-
thians já em adiantado estado de fim de festa.
Luizinho, Idário, Olavo começam a envelhecer sobre suas
próprias glórias. Mas ainda conseguem vencer o Santos de Pelé
pelo Rio-São Paulo, 2 a 1; no Estadual, perdem para o Palmeiras,
o que há 7 anos não acontecia em jogos pelo Campeonato Pau-
lista. O time fica em terceiro pela quarta vez seguida.
A série de fracassos decreta, em 1959, a queda do presidente
Alfredo Ignácio Trindade, sobe Vicente Matheus, mas nada de
título. Pior: o Corinthians fica em quinto.
No ano seguinte, 1960, Vicente Matheus tenta comandar
uma reação, que ninguém aguenta mais aquela supremacia toda
do Santos de Pelé. Dizem que com dinheiro do próprio bolso,
Matheus traz do Vasco um sonhado “Pelé branco”, o tempera-
mental Almir, o Pernambuquinho.
E nada. Entre contusões e confusões, Almir mal consegue fazer
cinco gols em 29 jogos. E ainda por cima larga o time para brilhar
justo onde? No Boca Juniors da Argentina.
Tristes tempos. Terceiro lugar no campeonato, Luizinho vai
para o Juventus, Cabeção vai para o Comercial de Ribeirão Preto.
E, no horizonte, um longo deserto pela frente.

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11 A mais longa das travessias

O
Como se explica? s mais radicais vão logo arredondando: foram 23 anos
de espera, de fila e agonia. Os minuciosos amenizam um
Quase 23 anos... pouco. Alegam que, na verdade, entre 6 de fevereiro de
1955, quando o Corinthians foi campeão do Quarto Centenário,
Só que nem só de até a noite de 13 de outubro de 1977, quando conquistou o título
outra vez, passaram-se não 23 anos, mas 22, oito meses, sete dias,
luto e frustrações quatro horas e 36 minutos. Isso de arredondar para 23 já seria
um pouco de masoquismo.
foi essa longa Mas, como em outras travessias, essa foi comprida mas teve
também suas nuances. Nem tudo foi, o tempo inteiro, humilha-
e cruel espera. ção e tristeza. O Corinthians atravessou esses 22 anos corinthia-
namente, aos trancos e relâmpagos. Quedas cruciais e, aqui e ali,
Houve alegrias, luzinhas de esperança.
Mais do que cronometrar anos, dias ou horas, esse período
crescimento, talvez pudesse, com justiça, ser dividido em: Alegrias, alegrias;
Assim não dá; e Quase deu.
fortalecimento
Alegrias, alegrias
Ora, quem pensa que a gente só penou nesses 22, 23 anos, ou
é verde da cabeça ou nada sabe da alma corinthiana.
Vamos agora atravessar um longo deserto de títulos, isso é ver-
dade. Deserto é lugar propício a miragens, isso também é verdade.
Mas nossas muitas vitórias nessa comprida espera não foram, de
forma alguma, miragens. Elas aconteceram de fato.
Sim, ganhamos muito. Não só na vida, aprendendo coisas que
só a dor ensina, mas dentro de campo também.
Ora, vejam só.
No próprio ano do Faz-me Rir, 1961, inaugurando os refle-
tores do Parque São Jorge, tascamos 7 a 2 no Flamengo do Gér-
son e do Dida. E mais 2 a 0 no Santos, pelo Rio-São Paulo, que o
tabu foi só no Paulista.
No ano seguinte, 62, ganhamos a I Taça São Paulo, que reunia
os grandes times do futebol paulista. E mais: com final contra o
Santos, 3 a 1 no Parque e 3 a 3 na Vila Belmiro. No fim do ano,

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Foto: Ed Viggiani

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agora na Fazendinha, outro empate com o Santos, 2 a 2.
Ganhamos, em 1965, o Torneio Pentagonal do Recife, que ho-
menageava a fundação da cidade e reunia os times da casa, mais o
Corinthians e o São Paulo. No jogo contra o Santa Cruz, a estreia
de um mito alvinegro, Roberto Rivellino, e na final, 5 a 2 contra
o Náutico.
Nesse ano ainda, a Confederação Brasileira de Desportos pede
que o Corinthians represente a Seleção Brasileira num amistoso
contra o Arsenal, em Londres. O time sai de um jogo contra o
Foto: Gazeta Press
Santos, a mais de 30 graus, toma o avião, desembarca em Londres
sob um frio intenso, leva dois gols em dois contra-ataques, mas
sai do campo com a torcida inglesa aplaudindo o bom futebol de
Dino Sani, Rivellino, Flávio, Ney...
Da sensacional virada contra o Estão pensando o quê?
Palmeiras em 71, dois corinthianos E tem mais.
saíram consagrados: Adãozinho, de 19 Ganhamos, em 1966, o Torneio Rio-São Paulo, ainda que o
anos, e Mirandinha, autor de dois gols título tenha sido dividido com Botafogo, Santos e Vasco por falta
de datas para o desempate. Nesse ano o Corinthians monta um
Timão, como a imprensa chamava, nome que ficou. Da Portu-
guesa veio um corinthiano nato, o zagueiro Ditão, e do Botafogo,
Mané Garrincha, já com 32 anos e vida bastante aturdida.
Com eles ganhamos a Copa Cidade de Turim, da qual partici-
param a Inter de Milão e o Español, da Espanha.
Em 67, nossa maior alegria foi estragar a festa do São Paulo,
que desde 57 estava também na fila e que, se ganhasse do Corin-
thians, seria, enfim, campeão. Deu empate, Benê aos 44 do se-
gundo tempo, só para sacanear. Aí o São Paulo teve de enfrentar
o Santos e – mais um ano de fila. Como a gente.
Uma alegria menor, vamos reconhecer.
A maior, em 68, 6 de março de 68, foi derrotar enfim o Santos
de Pelé depois de dez anos e 22 jogos pelo Paulista. Dois gols
históricos do carioca Paulo Borges, recém-chegado do Bangu e,
vai ver, com essa missão na vida, sepultar um tabu, e outro do
gaúcho Flávio. A torcida, alma lavada, feliz com Ditão e Luís Car-
los, Buião e Rivellino, Benê e Eduardo, saiu do estádio cantando:
“Com Pelé, com Edu, nós quebramos o tabu”.
Só para completar 68, só para completar: já no jogo seguinte
da vitória contra o Santos, esse mesmo Corinthians aprontou
um virada histórica contra o Palmeiras, 2 a 1: nos últimos quatro
minutos, cabeçada de Ditão e um gol de Benê.
Alegrias, alegrias.

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Querem mais?
Ganhamos, em 1969, o Troféu Apolo V em Nova York, su-
plantando o River Plate na final.
Ganhamos, ainda em 1969, a IV Copa Costa do Sol, em Má-
laga, na Espanha. A final foi dramática. No tempo normal, 1 a
1 contra o Barcelona. Vieram as prorrogações, quatro prorroga-
ções de 15 minutos cada uma! No fim, Gol de Benê, Corinthians
campeão.
Com tanta experiência internacional, ganhamos, em 70, a
Copa do Mundo no México? Aí já é exagero de sofredor, mas lá
estavam nosso Rivellino, o nosso Ado e praticamente nosso Zé
Maria. Alegrias, mais alegrias.
Ganhamos, em 71, o Torneio do Povo, que reunia os times de
maior torcida no país, Flamengo, Internacional, Atlético Mineiro.
Final no Mineirão, contra o Inter, gol de Rivellino. Precisa dizer
que a Fiel estava toda lá?
Ganhamos, ainda em 71, pelo Paulista, um jogo que não foi um
jogo qualquer. Bem, foi contra o Palmeiras, o que também não diz
tudo. E, no entanto, este jogo não sai da cabeça do corinthiano.
Começou cheirando a goleada e humilhação, dois a zero para eles
já nos primeiros dez minutos. Para alegria de Leão, César, Ademir
da Guia, Leivinha, Dudu... Aí, no segundo tempo, algum Neco,
Idário ou mesmo Alfredo Ignácio Trindade baixou no Corinthi-
ans. Logo aos cinco minutos um gênio em fazer e perder gols,
Mirandinha, deixou 2 a 1. E aí veio. O gol do menino Adãozinho.
De uns 40 metros de distância, Leão não viu nem a cor da bola.
Aquilo parece que desequilibrou. Nem o gol do Leivinha con-
seguiu mudar o espírito do jogo. O volante Tião foi lá, invadiu
a área meio na coragem e empatou. Mirandinha, em tempo de
fazer, fez. Corinthians 4 a 3. Ninguém esquece esse jogo.
Bem, talvez ainda se possa dizer que em 73 ganhamos o Tor-
neio Laudo Natel, e contra o Palmeiras, e de virada.
Claro, teve alguns Assim não dá. Mas poucos.

Assim não dá
1961 foi um ano de Assim não dá. O time até andou ganhando
o apelido de Faz-me Rir, um bolero que a cantora Edith Veiga
na época consagrou. Dos 11 primeiros jogos disputados, o time
perdeu sete. No desespero, 27 jogadores e dois técnicos passaram
pelo time num rodízio fúnebre. Gilmar foi brilhar no Santos.

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Foto: Ed Viggiani

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1963 foi outro aninho de lascar. Nono colocado entre os 16
participantes do Paulista.
O Paulista de 1972 era o do ano do sesquicentenário da In-
dependência do Brasil, e o Corinthians sempre foi bom em cen-
tenário. Mas, nada. Nem encostou na concorrência. Em pleno
Pacaembu, sofreu uma derrota histórica para o Juventus, 1 a 0,
gol de Brecha. O que só foi bom para um certo Dudu da Loteca,
que acreditou na zebra e ganhou sozinho o concurso 85 da Lote-
ria Esportiva.
Foto: Gazeta Press
Pior, no entanto, do que o Assim não dá não é o Quase deu.
E esses foram muitos.

Quase deu
O gaúcho Flávio jogou de
64 a 69; em 67 foi o artilheiro No politicamente fatídico ano de 1964, o Corinthians só
do Paulista, superando Pelé. não ganhou o Rio-São Paulo porque o Palmeiras, digamos, não
Nos 2 a 0 do fim do tabu contra demonstrou maior interesse em endurecer um jogo contra o Bota-
o Santos, fez o segundo gol
fogo do Rio. No Paulista, emparelha firme com o poderoso San-
tos. Na penúltima rodada, um jogo histórico. Por duas vezes o
Corinthians de Flávio e Silva fica na frente do Santos de Pelé e
Coutinho. No fim, não tem jeito, 7 a 4 pra eles, com quatro gols
do Pelé. Mas que jogo para a memória do futebol.
Em 66, o Corinthians vem bem no campeonato, mas termina
vice do Palmeiras, e pior: apenas quase quebra o tabu de nove
anos sem vitórias contra o Santos. O jogo estava 1 a 1 e – pênalti
a favor do Corinthians! É hoje? Não foi. Nair cobra e o goleiro
do Santos, Cláudio, defende.
No Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1967, um Rio-São
Paulo expandido e quase um Brasileirão de hoje, o Corinthians
do clássico Dino Sani e um infernal moleque, Rivellino, estraçalha
durante toda a primeira fase, vai para o quadrangular decisivo e,
bem, fica em terceiro.
No Paulista, sonha com o título até uma derrota para o Pal-
meiras, 2 a 0, duas faltas magistralmente cobradas pelo gaúcho
Tupãzinho. Demitido, o técnico Zezé Moreira sai filosofando:
“Esse time não precisa de um técnico, precisa de um psicólogo...”
Em 69, mais quases.
No Paulista, vitórias sobre o São Paulo, Palmeiras e Santos
prenunciam o fim do sofrimento. Mas uma dor maior se abateu
sobre o time, e não veio do campo, veio da Marginal Tietê, onde o
ponta-esquerda Eduardo o lateral-direito Lidu morrem num aci-

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dente de carro, bem perto do Parque São Jorge. Emocionalmente
arrasado, o time não vai bem no quadrangular decisivo.
No Robertão, por pouco o Corinthians não conquista seu
primeiro título nacional. Bastava vencer o Cruzeiro de Dirceu
Lopes, em pleno Mineirão. Começa perdendo, Rivellino empata,
mas ele, Dirceu Lopes, faz 2 a 1.
Em 71 começa o Brasileirão nos moldes atuais e o Corinthians
é, como sempre e apesar de tudo, favorito. E corresponde. Abre
os trabalhos com uma goleada contra o Santa Cruz (4 a 1) e é o

Foto: Gazeta Press


melhor dentre os 20 na primeira fase. Nas finais, ganha duas, em-
pata uma e perde três. Não deu.
No ano seguinte, lá está ele outra vez quase nas semifinais.
Só precisa vencer o, na época, forte Ceará no Pacaembu lotado,
68.961 torcedores. Mas o jogo é complicado. No fim, vitória bem Luís Carlos Galter segura Pelé
corinthiana, gol do cabeludo meia-direta Sicupira, aos 45 do se- no jogo da quebra do tabu. Tabu,

gundo tempo. Um gol bem corinthiano: antes de entrar, a bola diga-se, no Paulista. Fora dele,

bate na trave e na cara do goleiro Hélio Show. nesses 11 anos, o Corinthians venceu
o Santos quatro vezes, três delas
Depois de empatar com o Fluminense, vai decidir a vaga na
pelo Torneio Rio-São Paulo
final contra o o Botafogo no Maracanã. Basta um empate e sai na
frente, Nélson Lopes, aos 10 do primeiro tempo. Mas o Botafogo
tinha Jairzinho, que marca aos 15 do segundo tempo. O empate
basta. Quando faltam 7 minutos para terminar, Nei Conceição
vem estragar a festa. Botafogo 2 a 1. Baldochi ainda empata para
o Corinthians, mas o juiz vê, só ele, um toque de mão do jogador.
Quem aguenta tanto quase?

Pausa para explicar


Rio-São Paulo, Brasileirão, tudo bem. Mas o Brasil não era tão
comunitário como hoje e o Corinthians sonhava mesmo era com
a glória em casa. E não dava.
Por que não dava?
A espera foi não só tão longa como fértil em explicações de
toda ordem. Políticas, sociológicas, místicas e psicológicas...
É coisa contra o povo, desde que o Getúlio morreu não fomos
mais campeões, os populistas alegavam. Só que, por essa mesma
época, o povo estava no poder com o Internacional em Porto
Alegre, com o Flamengo no Rio, com o Atlético em Minas e até
com o Bahia na Bahia.
É falta de profissionalismo, vociferavam sociólogos em geral,
especialmente os alviverdes e os tricolores. O Corinthians não

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Foto: Ed Viggiani

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soube passar da fase romântica para a fase empresarial do fute-
bol. Nem estádio grande conseguiu fazer, coisa que até a Portu-
guesa já tem.
E, por fim, na área mística, havia os supersticiosos e os peni-
tentes, cada um com suas devidas teologias.
É o sapo, diziam os supersticiosos, é o sapo enterrado, bra-
dou um ouvinte durante um programa da Rádio Gazeta. Um dia,
ele contou, a mãe de um jogador injustiçado no clube pegou um
sapo, costurou a boca e pôs dentro de um vidro de sal de fruta
Eno, jurando que por 20 anos o Corinthians não seria campeão.
Tese que, segundo reportagem da revista Realidade, não era
validada por quem de direito: Euclides Barbosa, o Pai Jaú, cinco
anos capitão pelo Corinthians e campeão paulista em 1937. Com
48 anos de umbanda, chefe espiritual de 150 terreiros em São
Paulo, Pai Jaú declarou que o único sapo enterrado no Corinthi-
ans se chamava política interna e não era caso nem de despacho.
Disse mais: que o time andava era mal sugestionado da cabeça e
que devia ser tratado com mais sabedoria. Mal sabia Pai Jaú que o
Corinthians contratara o psiquiatra Paulo Gaudêncio justamente
para dessugestionar o time com terapia de grupo e tudo o mais.
E, na visão do psiquiatra, o problema era excesso de pressão,
a obsessão por um título depois de tantos anos. Os jogadores
tinham de assinar uma espécie de contrato moral com o clube:
ser campeões. Ele conta que, ao chegar lá, ouviu de um jogador:
“Olha aí, mais um que quer que a a gente seja campeão e não uma
pessoa feliz”. Um a um, concluiu Gaudêncio, jogadores que eram
ídolos nos seus times como Paulo Borges, Buião, Ivair, Suingue,
ali iam virando mártires esmagados entre uma diretoria desunida
e uma torcida que “até em treino vibra, aplaude e xinga”.
Nesse clima, floresciam também os místicos penitentes, gente
que por qualquer motivo se sente culpada perante os céus. Esses,
até com certo orgulho, viam no longo jejum uma clara punição
dos céus. Escolados em dores, bem sabem esses corinthianos peni-
tentes quão rápido se arrependem os deuses do pouco que ao seu
pobre time concedem. E se perguntavam as razões: “Foi porque,
logo nos primeiros 30 anos, fomos onze vezes campeões? Foi
porque, em 14 e em 16, por exemplo, ganhamos tudo sem der-
rota e nem empate? Foi porque, de 50 a 55, ganhamos três dos
cinco Rio-São Paulo disputados? Ou foi por acaso aquele 11 a
0 no Santos em 1920? Ou é o nosso maior número de títulos no
cômputo geral? Ou os nossos eternos recordes de público?” Ou

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os três tricampeonatos até hoje inigualados? Ou foram os nossos
quatro títulos invictos também até hoje únicos no futebol pau-
lista? E que agora em 2009 aumentaram para cinco? Sim, porque
para os deuses o futuro é logo ali. E então alguns corinthianos
mais iluminados já podiam, sim, continuar se perguntando, sen-
sitivos. Teria sido porque lá adiante, nos anos 80, ganharíamos
três campeonatos paulistas, assim na maior? E nos anos 90, três
brasileiros, uma Copa Brasil e mais três paulistas? Ou foi porque
tão variadamente resolvemos iniciar o novo milênio com um
Mundial da FIFA, uma Copa do Brasil, um paulista e um Rio-São
Paulo?
A busca de explicações era intensa, delirante.
Mas estamos ainda ali por 1973 e o leitor percebeu que ainda
faltam alguns anos para a redenção. Só que, para chegar lá, não
podemos assim sem mais jogar na vala comum do quase deu uma
certa derrota em 1974 nem um certo levante popular em 1976.
Não, não podemos. Seria fazer pouco da grande alma corinthi-
ana. Do jeito que ela vive suas dores e esperanças.
Aquela derrota em 74 e aquele levante em 76 merecem um
capítulo à parte.
Foi neles que 77 começou.

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12 Os bons ventos da esperança

A
A dor da longa deus assim não dá, bye bye quase deu. Em 1974, o espírito
corinthiano era de agora vai. E o time justificava esse senti-
espera chega ao mento. Começa o campeonato goleando o América de São
José do Rio Preto, 5 a 0. Como quem tinha pressa de chegar lá,
seu auge naquela Rivellino fez nesse dia, na saída de bola do segundo tempo, o gol
mais relâmpago do mundo: simplesmente encobriu o goleiro lá do
tarde, em 74, meio do campo. Em cinco segundos, caixa.
Bons sinais, bons sinais, a goleada e o gol.
no Morumbi. Na última rodada, o Corinthians vai disputar contra o São
Paulo o título do primeiro turno. Time coeso, Ado, Zé Maria,
Nossa alma começa Brito e Wladimir lá atrás, Rivellino, Vaguinho e Zé Roberto na fr-
ente. Basta um empate. Aos dois do segundo tempo, Zé Roberto,
a ser lavada de cabeça. Adeus, São Paulo. Mas no jogo seguinte, o primeiro do
segundo turno, contra o Botafogo de Ribeirão Preto, rolo grosso.
naquela chuva em Rolo grosso, em pleno Parque São Jorge. Deu-se que um certo
Sócrates, do Botafogo, com rara maestria, lança um tal de Ge-
76, num Maracanã raldão e 1 a 0 para o time visitante. Geraldão estaria impedido
e Rivellino vai para cima do bandeirinha. Chutou, não chutou a
lotado – por nós? canela do homem? Cutuquei, reconheceria ele mais tarde. Mas o
juiz faz uma súmula severa e o camisa 10 vai a julgamento, amea-
çado de não jogar mais naquele ano. Tem contra ele o fato de ser
o campeão de cartões vermelhos do time, 13 ao todo.
É julgado no dia 5 de novembro, pega cinco jogos de suspen-
são e, ufa!, pode jogar a final. Mas a verdade é que, com tanta
confusão, o time se atrapalha e o Palmeiras de Dudu, César e
Ademir da Guia ganha o segundo turno.
E os dois vão para a final em dois jogos.
Foto: Daniel Augusto Junior – Editora Abril

Pólvora, amor e paixão


Pacaembu, noite de 18 de dezembro de 1974. Eram decorri-
dos 20 anos desde aquela final contra o Palmeiras que decidiu o
campeão do O IV Centenário, quando ganhou o Corinthians.
Era a primeira disputa direta por um título de campeão paulista
desde 1957, quando ganhou o São Paulo.

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Um jogo maluco. Logo aos 58 segundos, Edu faz 1 a 0 para o
Palmeiras. Dois minutos depois, Lance empata. E ficou nisso.
O mando do segundo jogo era do Corinthians e tudo apontava
para o velho e bom Pacaembu. O técnico Brandão, do Palmeiras!,
sugeriu o Morumbi, onde a renda poderia ser maior. Dizem que
Vicente Matheus se mostrou sensível a este último argumento.
Dizem que o esperto Brandão sabia que a grama recém-plantada
do Morumbi faria patinar mais o time que estivesse mais ansioso.
Morumbi, 22 de dezembro de 1974, um domingo nublado e
triste. Nas arquibancadas, 120.522 torcedores. Destes, segura-
mente, cem mil corinthianos. Mas, como belamente registrou
Carlos Maranhão na revista Placar, o Corinthians não teve mui-
tas chances de vencer “no gramado fofo e enlameado, a batalha
que sua imensa e angustiada torcida ganhou com sobras no ci-
mento frio das arquibancadas pintadas de branco e preto, com
cheiro de pólvora, amor e paixão”.
Ele se referia à comovente entrada do time em campo. Porque
o jogo em si se desdobrou insosso, travado, com toda a pinta de
0 x 0. Não foi. Aos 24 do segundo tempo, o mineiro Ronaldo,
primo do Tostão, o danado, faz 1 a 0 numa bola espirrada.
E ficou nisso. O Palmeiras travou o jogo com uma troca de
passes de um time de craques que há quatro anos jogavam juntos.
O jogo termina.
Pelo estádio todo, um silêncio de Maracanã 50.
No filme 23 Anos em 7 Segundos, o jornalista Juca Kfouri con-
ta que, mesmo na saída, o único ruído que se ouvia era o da sola
dos sapatos contra o chão. Como tambores fúnebres.
O compositor Toquinho lembra que quase não aguentou quan-
do viu um imenso senhor negro chorando em silêncio com o filho
pela mão.
Jogadores tentavam entender a derrota.
De repente o time inteiro foi tomado de uma apatia profunda,
como se a gente tivesse tomado tranquilizante, disse Wladimir.
ALVINEGRO DESPERTAR
Zé Maria conta que foi direto para a casa do zagueiro Brito e
Naquele domingo, 5 de dezembro
de 1976, até as praias do Rio
depois passou uns dias sem sair na rua, de vergonha. Pensou até
amanheceram alvinegras. Meio
em deixar o futebol, se esconder em Botucatu.
de bicicleta, meio Deus sabe como, Honesto, reconheceu que jogou mal, que não conseguiu segu-
Ruço vira o jogo contra a Máquina rar o endiabrado ponta-esquerda Nei e que era tremendamente
Tricolor no Maracanã. Depois foi só injusto que o Orelhinha estivesse levando sozinho uma culpa que,
Tobias segurar nos pênaltis. Enquanto afinal, era de todos.
isso, nas arquibancadas, a Fiel reinava Orelhinha era o apelido do Rivellino.

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Fotos: Gazeta Press

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Fotos: Arquivo Agência Estado

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Roberto Rivellino
Rivellino conta que saiu a pé do estádio e, de cabeça erguida,
caminhou até sua casa, no bairro do Morumbi. Depois lamenta-
ria o lamaçal em que se transformara o campo com aquela grama
recém-plantada. Porém, mais que tudo, lamentaria mais ainda
a lama que respingou sobre sua honra e sua dedicação naquela
tarde irreparável.
Bode-expiatório de uma derrota contra um Palmeiras bem es-
truturado, campeão paulista de 72 e bi brasileiro em 72 e 73,
Rivellino foi vendido ao Fluminense em fins de janeiro do ano
seguinte. Em suas entrevistas no Rio, de muitas maneiras fazia
esta declaração de amor ao time onde reinou por 10 anos: “Deus
não quis eu desse um título ao time, mas o que ninguém vai me
tirar é o orgulho de ter vestido a camisa branca do Corinthians”.
Roberto Rivellino. Rejeitado no Palmeiras por ser considerado
um tanto miudinho, foi levado ao Parque pelo pai palmeirense,
onde se firmou e terminou fazendo, entre 1965 a 1974, 473 jogos
pelo Corinthians.
Entre 65 e 67, Rivellino jogou 137 partidas seguidas com a
camisa do Corinthians, sem ser suspenso e sem se machucar. Rela-
tivamente baixinho, 1,68 m de altura, seu chute potente um dia
imprimiu um crucifixo no peito do goleiro Buticce, do San Loren-
zo, que tentou encaixar uma falta por ele cobrada. No lendário
jogo da quebra do tabu contra o Santos, em 68, foi o melhor
homem em campo e, na Copa de 70, brilhou entre feras. Em 74,
na Copa da Alemanha, fez três dos seis gols brasileiros.
Entre os admiradores confessos do seu grande futebol estão o
alemão Franz Beckenbauer e o argentino Diego Maradona.
Roberto Rivellino. Uma glória nacional e ao mesmo tempo um
atormentado destino corinthiano.
Roberto Rivellino. Vamos reencontrá-lo daqui a pouco, no
REI DO PARQUE FOREVER
momento em que, no lado oposto, volta a fazer parte de um mo-
Colegas de profissão e jornalistas
mento histórico do time.
esportivos consideram Rivellino o mais
completo dos craques que vestiram
a camisa do Corinthians. Estrela
Um êxodo, um levante
entre estrelas na Copa de 70 no
México, melhor jogador do Brasil Quando é que um time, ou alguém, junta os cacos, sacode a
Foto: Gazeta Press

na Alemanha em 74, fez o que pôde poeira e se reinventa? De si cada um sabe, mas com o Corinthi-
pelo seu time do coração durante ans, depois de 74, não foi de imediato. Abalado, ainda penou no
uma das suas mais dolorosas fases Paulista de 75 e depois no de 76.

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Em 76 é quando as coisas começam a virar, pelo menos no
Brasileirão. O time começa a olhar sem medo seus adversários,
sob a regência de um volante pernambucano preciso e compe-
netrado: Givanildo.
Esse novo Corinthians chega e bate no Morumbi o poderoso
Internacional, campeão brasileiro e seriamente a fim de um bi.
Foi 2 a 1.
Como sempre, a Fiel foi a primeira a farejar esse novo Co-
rinthians no ar. Como sempre, generosa. Lotou o Morumbi para
esse jogo contra o Inter, 113 286 torcedores. Já nem aí para 74, e
inflamável, como sempre, à mínima faísca de esperança.
E veio uma semifinal contra o poderoso Fluminense em pleno
Maracanã, contra uma constelação de craques que era então
chamada Máquina Tricolor.
E o que era uma faísca virou um incêndio de grandes propor-
ções. Com centenas de ônibus partindo da capital e do interior.
Um êxodo bíblico. Um levante, uma revoada.
Mais de 70 mil corinthianos lotam 350 ônibus, fazem da Dutra
uma 9 de Julho e tomam com sua paixão a cidade do Rio para ver
o jogo. Está no livro dos recordes, o Guiness Book: foi o maior
deslocamento humano em tempos de paz.
Do Corcovado às praias, era uma mancha só, e alvinegra.
Num famoso cartum do Ziraldo, uma criança se queixa: “Mãe,
caiu um corinthiano na minha sopa”.
O grande escritor Nelson Rodrigues confessa que nunca tinha
visto coisa igual: “O jogo começou na véspera, quando a Fiel
explodiu na cidade. Durante toda a madrugada, os fanáticos
do Timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon,
Ipanema. E as bandeiras do Corinthians ventavam agitadas. Os
corinthianos chegavam aos borbotões. Ônibus, avião, carros
particulares, a pé, de bicicleta”.
O jogo começa, travado.
O Fluminense faz o primeiro.
Meio de bicicleta, meio Deus sabe como, Ruço empata.
No intervalo, um dilúvio desaba sobre o Maracanã.
Nos pênaltis, milagres de São Tobias, 4 a 1 para o Corinthians.
Dizem que a Dutra nem sentiu o peso da volta.
Dizem que em Aparecida do Norte os ônibus passaram flutu-
ando, alados de bandeiras.
Mas o milagre nem foi da santa.
Foi da Fiel.

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Para além do sapo e da sociologia
O Corinthians, nesse levante, como que se descobriu. De alma
forte, absorveu em Porto Alegre a derrota para o Internacional de
Falcão, Batista, Figueroa e Dadá Maravilha, e perdoou os céus
por aquelas duas bolas nas traves do Inter.
Os tempos, no Parque, eram outros. Não fáceis, que Corinthi-
ans... Mas outros. Para além do Quase deu e do Assim não dá, do
sapo e da sociologia, uma nova esperança inundava os ares.
Ninguém sabia como nem por quê, mas aqui e ali começaram a
pipocar sinais de que os longos anos de deserto estavam chegando
ao fim. Que a Terra Prometida estava próxima e logo ninguém ia
precisar ler nos botecos o desalmado aviso “Fiado só quando o
Corinthians for campeão”.
Nessa longa travessia, até que a torcida não parava de aumen-
tar, mas muitos pais já não aguentavam mais alimentar a fé dos
meninos só com glórias passadas.
Num bar atrás da Igreja de Pinheiros, inaugurado em 1954,
último ano do Corinthians campeão, o espanhol Mario Moreno
também não aguentava mais reforçar o arame de 20 garrafas de
pinga dependuradas no teto e que só seriam abertas no grande dia
da redenção.
Como cada corinthiano viveu, no fundo da sua alma, os longos
anos de espera? Isso só cada um sabe.
Uma coisa é certa: ninguém trocou de time e muito menos de
coração. E quem tentou se deu mal. Os compositores Manuel
Ferreira e Ruth Amaral disseram tudo na marchinha que conta a
história do corinthiano que, cansado de sofrer, fez um transplante
e trocou de coração. Mas logo nas primeiras batidas do novo
coração percebeu que, bênção ou madição, o novo coração era
corinthiano também. O refrão da marchinha é de rir e chorar e
todo corinthiano sabe:
Doutor, eu não me engano:
meu coração é corinthiano...
Mas houve, sim, um transplante assim, avassalador, coletivo,
definitivo. Ele se deu numa clínica improvisada ali pelas bandas do
Morumbi, numa certa noite de outubro. Dessa infinita e sonhada
noite todo corinthiano saiu com um coração de criança.

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13 A redenção

T
Aquela noite oda a nação corinthiana sabe como terminou aquela noite,
aquela sagrada noite de 13 de outubro de 1977.
sagrada, 13 de Mas quando e onde exatamente ela começou? Quando os
insondáveis deuses do futebol retiraram enfim a maldição que so-
outubro de 77, bre nós pesava? Difícil saber, eles têm razões que a bola obedece,
mas desconhece.
a Fiel sabe de Ela pode ter sido merecida, por exemplo, naquela tarde em que
o Maracanã todo virou preto e branco, um ano antes. Aquilo foi
cor, faz parte de comover o mais palestrino dos deuses.
Mas ela pode ter sido merecida em outros tempos, outros mo-
da sua Bíblia, do mentos mais delicados e secretos.
Quando, em novembro de 1973, seu Dorvalino, no leito de
seu catecismo e, morte, fez o filho Zé Maria prometer que não deixaria o futebol
sem dar um título ao Corinthians.
para muitos, foi a Ou quando, em 18 de maio de 1977, Manoel Nunes, o Neco,
talvez o maior corinthiano de todos os tempos, visitou pela última
primeira comunhão vez o Parque São Jorge, abraçou alguns jogadores e três meses
depois, aos 82 anos de idade, foi ter um particular com São Jorge
com a vitória. lá no céu.
Ela poder ter sido merecida na véspera, dia 12, quando Wladi-
Mas nunca será mir foi visitar o pai e disse na saída: “Não volto sem o título”.
Ninguém sabe quando foi, mas foi assim.
demais revivê-la
A arrancada
Depois de tantos anos de espera, não pode um time vencer em
paz um campeonato, vendo seus adeversários cair, um a um, a
seus pés?
Pode, e merecidamente. Qualquer time do mundo. Menos o
Corinthians.
Foi um longo e penoso campeonato, aquele de 77. Começou
em fevereiro e só foi terminar em outubro.
O time começou mal, mas a torcida ali, firme, farejando coisas
que só a Fiel fareja. Lotou o Morumbi para a estreia de Palhinha e
viu o time tomar 3 a 0 do Guarani. E logo depois tomou a cidade

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Foto: Sergio Sade – Editora Abril

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de Jaú para ver o time levar outros 3 a 0 do XV. Fiel, lá estava ela
outra vez lotando o Pacaembu para ver o Corinthians enfiar 2 a 0
no campeão daquele primeiro turno, o Botafogo.
A Fiel sabia, a Fiel sabe.
O fato é que o Corinthians foi acordando, venceu bonito o
segundo turno, 2 a 1 contra o São Paulo nas semifinais e 1 a 0
contra o Palmeiras na decisão.
Mas, por uma curiosa lei da época, o Paulista de 77 deveria
ser decidido entre os oito melhores colocados. A Ponte de Carlos,
Dicá e Rui Rei ficou em primeiro no grupo E.
No grupo F, o Corinthians tinha pela frente o São Paulo, a
Portuguesa e o Guarani. Mas os oito times deveriam jogar entre
si. Nas quatro partidas finais do seu grupo, decisivas, o Timão
começou perdendo para o Guarani, 1 a 0 com um gol de bunda,
do Ziza, não era bom sinal.
Agora, ou ganhava os três seguintes ou estava fora.
Ganhou os três seguintes: 1 a 0 no Botafogo em Ribeirão,
Romeu; 1 a 0 no Morumbi contra a Portuguesa, Geraldão; e,
relativamente fácil, 2 a 1 contra o São Paulo no Morumbi, Romeu
e Geraldão outra vez.
Agora, melhor nem pensar, mas só falta a Ponte, campeã do
Grupo E, numa melhor de quatro pontos.
É agora? Melhor nem pensar. Tantos anos, tantos anos.

Um gol e sua liturgia


Morumbi, quarta-feira, 5 de outubro de 1977.
Melhor nem pensar, mas foi 1 a 0, gol de Palhinha, de cara. De
cara mesmo: ele chuta no peito do goleiro Carlos, a bola volta em
cheio contra a cara dele e entra. Gol bem corinthiano, de arder.
Morumbi, domingo, 9 de outubro de 1977.
Pode ser hoje. Melhor nem pensar. Mas pode ser hoje. Aos 42
minutos do primeiro tempo, Vaguinho, 1 a 0. Melhor nem pensar.
Olha aí. Não disse? Falta perto da grande área e eles têm Dicá.
Não deu outra, 1 a 1. Confusão na entrada da área. Eles têm Rui
Rei, oportunista, Ponte 2 a 1. Lá em cima, 146 mil corinthianos
calados, quase como em 74.
Morumbi, quinta à noite, 13 de outubro de 1977.
Melhor não pensar, mas o Corinthians tem a vantagem do em-
pate para jogar por outro empate na prorrogação. Aos 15 minu-
tos, Rui Rei xinga feio o juiz e é expulso. Mas o Corinthians já

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vinha melhor e continuou melhor. Carlos tem que se virar, Tobias
só assiste. O Corinthians está ganhando até nos corners, 12 a 0,
nos cruzamentos da linha de fundo, 10 a 2.
Tudo pronto para um gol fácil, lógico, amadurecido, flores-
cido, merecido.
Mas ele veio sofrido, aturdido, demorado, tortuoso, corinthi-
ano, aos 36 minutos e 48 segundos do segundo tempo, 22 anos,
oito meses e 689 jogos de campeonato paulista depois do último
título. Números no lápis e no coração por Celso Unzelte crono-

Foto: Lemyr Martins – Editora Abril


metrados.
O gol como foi todo mundo sabe, mas vamos lá.
Zé Maria cobra uma falta da direita.
Bola mansinha na cabeça do Basílio.
Fosse outro time, já podia ter sido ali.
Mas Basílio pega de raspão e a bola espirra para o outro lado,
vai cair entre Vaguinho e Polozi lá pelo bico da pequena área.
Vaguinho se antecipa e chuta de esquerda, meio desequilibrado. CORREÇÃO

Já podia ter sido ali. Esta foto de Vicente Matheus


não foi feita na noite sagrada
Mas a bola acerta quase no ângulo da trave do goleiro, no
de 13 de outubro de 77.
coração exposto da Fiel, e volta.
Mas foi como passou sua vida:
Volta, bate no chão, sobe justo para a cabeça de Wladimir, que,
ajoelhado pelo Corinthians
sem goleiro, pode até escolher o canto. Decide cabecear direto a
fim de melhor cumprir a promessa feita ao pai.
Já podia ter sido ali.
Mas a bola bate na cabeça do zagueirão Oscar e volta.
Volta para os pés de Basílio que, entre a rebatida e o sem-pulo,
a empurra enfim para dentro do gol, eternamente.
O resto o Brasil inteiro algum dia viu.
A bola entra, fura a rede, eleva-se pela noite em festa, viaja
até o Parque São Jorge, desenterra um sapo, perde-se em meio ao
foguetório nos céus do Tatuapé, passa por Pinheiros, libera 20
garrafas de pinga no teto de um bar e volta ao Morumbi a tempo
de ver centenas de torcedores atravessando o campo de joelhos,
ou montados nas traves, ou abraçados nas redes como quem en-
fim conquista uma fortaleza longa e desesperadamente sitiada.
Lá no alto a Fiel não arredava o pé e era um tremor só.
Ninguém vai esquecer esta noite e sua festa.
Até em Belém do Pará começou uma carreata pela cidade.
Na Rádio Jovem Pan, o crioulo Joca, símbolo do sofredor
corinthiano do programa de humor Show de Rádio podia cele-
brar enfim o cumprimento de seu sonho tantas vezes anunciado:

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Foto: José Pinto – Editora Abril

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Foto: Lemyr Martins – Editora Abril Foto: Carlos Namba – Editora Abril

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“Mas na noite em que a gente ganhar, São Jorge, pode mandar
desligar a Light que a noite vai ficar toda iluminada a vela de
promessa e perfumada de arruda pelo ar”.
Foi essa, a noite.

Glória aos heróis de 77


Registre-se para a história o time da redenção:

Tobias. José Benedito Tobias nasceu em Agudos no dia 13 de


maio de 1949. Veio do Sport Recife e jogou também pelo Guarani
de Campinas. Em 1976, no lendário jogo da invasão do Mara-
canã, deu a vitória ao Corinthians ao pegar dois pênaltis, um de
Rodrigues Neto e outro de Carlos Alberto Torres. Tinha, por sua
agilidade, o apelido de Gatão.

Zé Maria. José Maria Rodrigues Alves nasceu em Botucatu no


dia 18 de maio de 1949 e chegou ao Corinthians, vindo da Portu-
guesa, no ano de 1970. Campeão paulista em 1977, 1979, 1982
e 1983, ano em que encerrou sua carreira. Foi reserva de Carlos
Alberto na Copa de 70 e titular na de 74. Por seu vigor de corpo
e de alma, era chamado de Super Zé, ou Cavalo de Aço, apelido
inspirado numa novela da época em que jogava. Ferido no super-
cílio durante um jogo contra a Ponte na decisão do Paulista de 79,
fez questão de voltar a campo mesmo com a camisa empapada
de sangue. Consciente do forte simbolismo deste ato, a torcida
em peso aplaudiu emocionada. Durante a volta olímpica que, em
1983, marcou sua despedida do futebol, com igual carinho foi
aplaudido por corinthianos e palmeirenses. Quem ali se despedia
era alguém que, acima de tudo, havia honrado o próprio futebol.

Moisés. Moisés Mathias de Andrade nasceu em Resende, Esta-


do do Rio, no dia 30 de janeiro de 1948, falecido em 26 de agosto
de 2008. Jogou pelo Corinthians entre 1976 e 1978. Cultivava a
fama de xerifão impiedoso, mas só para impressionar a torcida e
o marcador: em 122 jogos pelo Corinthians foi expulso apenas EM ESTADO DE GRAÇA
uma vez. Osvaldo Brandão nos braços da
torcida e torcedores celebrando a
Ademir. Ademir Gonçalves nasceu em Santa Bárbara D’Oeste tomada do forte. Lá no alto, nas
no dia 19 de novembro de 1946 e veio do XV de Piracicaba em arquibancadas do Morumbi, a Fiel
1972. Ele é o zagueiro que, em foto famosa, tenta impedir o gol não arredava o pé e era um tremor só

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Não me prenda, seu guarda, q
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Foto: Sergio Sade – Editora Abril

a, que eu vou ser campeão


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de Ronaldo na fatídica decisão de 1974. Hoje vive em Santa Bár-
bara, onde é comentarista esportivo e dono de uma rádio local.

Wladimir. Wladimir Rodrigues dos Santos nasceu em São Paulo


no dia 29 de agosto de 1954 e, entre 1972 e 1985, tornou-se o
jogador que por mais vezes vestiu a camisa do Corinthians: 805
jogos! Profissional consciente, cabeça adulta e sorriso de menino,
foi campeão pelo Corinthians em 1977, 1979, 1982 e 1983 e um
dos líderes da Democracia Corinthiana.

Ruço. José Carlos dos Santos nasceu no Rio de Janeiro no dia


3 de junho de 1949 e veio do Madureira. Jogou 201 vezes pelo
Corinthians e fez 22 gols. Um deles, histórico: a meia-bicicleta
que arrancou o empate do Fluminense na tarde da tomada do
Maracanã, em 1976. A decisão foi para os pênaltis e o Corin-
thians venceu. Na visão da Fiel, Ruço era um corinthiano nato,
guerreiro incansável.

Basílio. João Roberto Basílio nasceu em São Paulo no dia 4 de


fevereiro de 1949, chegou ao Corinthians vindo da Portuguesa,
fez 253 jogos e 29 gols com a camisa do Corinthians. Será eter-
namente lembrado pelo gol solitário contra a Ponte na decisão de
77. Foi campeão em 77 e 79; entre 1987 e 1992, por três vezes
cumpriu a função de técnico do Corinthians.

Luciano. Luciano José Velozo nasceu em Olinda (PE) no


dia 13 de agosto de 1948, veio do Sport e fez 70 jogos e nove
gols como meio-campista do Corinthians. Na grande noite da
decisão, substituiu o ídolo Palhinha e se saiu muito bem. Logo
aos quatro minutos mandou uma bola na trave. No ano seguinte
foi emprestado e depois vendido para o Juventus. Tinha o apelido
de Coalhada, um personagem do humorista Chico Anysio que,
como ele, usava uma cabeleira black power.

Vaguinho. Wagno de Freitas nasceu em Belo Horizonte no dia


11 de fevereiro de 1949, veio do Atlético em 1971 e por dez anos
foi um temido e veloz ponta-direita. Fez 110 gols em 551 jogos.
Nas finais contra a Ponte, teve atuações brilhantes. No segundo
jogo, fez um belo gol por cobertura; no último jogo, de um chute
seu no travessão teve início a confusão que resultou no gol da
redenção. Foi campeão paulista também em 79.

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Geraldão. Geraldo da Silva nasceu no dia 25 de julho de 1949
em Álvares Machado, interior de São Paulo. Começou no Bota-
fogo de Ribeirão Preto, ao lado de Sócrates. Jogou no Corinthians
de 1975 a 1981. Centroavante pouco refinado, mas matador, fez
91 gols em 280 jogos. Em 77, foi o goleador do time, com 23
gols, quatro contra o São Paulo.

Romeu. Romeu Evangelista nasceu em Esmeraldas, Minas, no


dia 27 de março de 1950. Jogou pelo Corinthians de 1976 a 1980;
em 220 jogos, fez 34 gols, a maioria deles comemorada com uma
alegre cambalhota. Em 77, foi dele o gol de uma decisiva vitória
contra o Botafogo de Ribeirão Preto.

Palhinha. O mineiro Vanderley Eustáquio de Oliveira (Belo


Horizonte, 11-6-1950) veio do Cruzeiro por uma fortuna na épo-
ca. Mas veio para ser campeão. No primeiro jogo contra a Ponte,
fez um gol literalmente de cara. Dono de um futebol inteligente,
em 148 jogos pelo time, marcou 44 vezes. Machucado, não jogou
a última partida, mas foi campeão outra vez em 79, ao lado de
Sócrates, com quem formou uma dupla infernal.

Oswaldo Brandão (18-09-1916 +29-07-1989). Esse gaúcho de


Taquara, que jogou no Grêmio e no Inter, veio para o Palmeiras
Foto: Arquivo Corinthians

em 42, foi um técnico ao mesmo tempo abençoado e fatal na


história do Corinthians, à luz do propício ou cruel signo do 1 a
0. Em 1954, foi o comandante do Campeão do Centenário e do
Torneio Rio-São Paulo. Vinte anos mais tarde, em 1974, era ele
quem dirigia o Palmeiras daquele lúgubre 1 a 0 que nos arrancou
o título no Morumbi. Três anos depois nos redimia com aquele
1 a 0 contra a Ponte. Era um homem severo e paternal, simples e
carismático. Matreiro. Quando o repórter perguntava como es-
tava vendo o jogo, respondia: “Pelos óculos”. Como o time vai
jogar? “De camisa, meia e chuteiras”. Em 77, depois de uma in-
esperada derrota para o Guarani e com três jogos cruciais pela
frente, fechou-se com o time numa sala para de muitas formas
dizer uma coisa só: “Agora tudo depende de vocês”. Na visão do
preparador físico José Teixeira, os jogadores em campo morriam
por Brandão porque bem sabiam que, fora dele, Brandão daria a
vida por eles. Ele conseguia ser ao mesmo tempo um pai acolhe-
dor e um técnico rigoroso. Entre 1980 e 1981 voltou a dirigir o
Corinthians, mas não foi tão feliz, os tempos eram outros.

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OS CAMPEÕES DE 77
Em pé: Zé Maria, Tobias,
Moisés, Ruço, Ademir
e Wladimir;
agachados: Vaguinho,
Basílio, Geraldão,
Luciano e Romeu

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Foto: Conceição Cahú

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14 O que é ser corinthiano

C
Aqui se chega aro leitor. Como nos casamentos, na dor e na alegria, na
doença e na saúde, passo a passo caminhamos juntos da
a um impasse, fundação do time à noite de São Basílio, ao longo de 67
anos de história do Corinthians.
à pobre tentativa Uma emocionante e valorosa história. Saímos de um bairro
operário, com apenas 19 anos de idade fomos duas vezes tricam-
de definir o peões, em 1952 honramos o futebol brasileiro na Suécia muito an-
tes de Pelé e Garrincha, fomos os campeões do primeiro centenário
indefinível, da Independência do Brasil e do quarto da fundação de São Paulo,
aguentamos 22 anos de espera numa fila incômoda, vivemos, en-
de colocar em fim, glórias e humilhações suficientes para, agora, parar um pouco
e perguntar: o que é, afinal, ser corinthiano?
palavras deste O poeta Menotti Del Picchia, um dos participantes da histórica
Semana de Arte Moderna de São Paulo, um dia proclamou, ca-
mundo aquilo que breiro: “O Corinthians é um fenômeno social a ser estudado em
profundidade”.
a outro pertence. Bom poeta, melhor profeta: o Corinthians é um time que até
hoje muito tem confundido estudiosos e aos próprios corinthia-
Mas vamos lá nos, que muito se curtem mas pouco se explicam.
Torcedores de outros clubes alegam que com eles também é as-
sim. Que para cada um seu time é único. E pode até ser verdade e
ai do futebol se assim não fosse.
Mas o Corinthians, está provado, e parafraseando Orwell, é
mais único do que os outros.
No planeta Corinthians tudo é diferente, os corinthianos juram.
Por que diferente?, alienígenas verdes e tricolores se perguntam,
já meio enciumados.
Os corinthianos não respondem. Não sabem.
Ninguém sabe. Nem os corinthianos mais ilustres têm a mínima
ideia de como explicar.
Washington Olivetto, um dos homens mais imaginosos desta
terra, publicitário respeitado no Brasil e no mundo, humildemente
reconhece: “O Corinthians não se explica. É uma religião, profana,
é um combustível de um amor que o coração sente, mesmo quando
os olhos não veem”.

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Foto: Alexandre Battibugli

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Foto: Folha Press

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Juca Kfouri, um dos jornalistas esportivos mais ouvidos do
país, em nenhum dos seus dois livros sobre o Corinthians arrisca
uma definição assim mais definitiva sobre o que é ser corinthiano.
E olha que ninguém mais do que ele tem o direito de tentar. Pelo
Corinthians, ele já viu balançar um casamento, comeu agrião e se
desentendeu com Deus. A história do casamento foi quando sua
primeira mulher lhe disse, logo após a derrota para o Palmeiras
em 74: “Ora, bem, foi só 1 a 0”. Agrião ele conta que só comeu
quando o pai lhe disse que Cláudio, o maior goleador do Corin-
thians, só era o que era porque comia muito agrião. E com Deus o
problema começou quando, depois de muito pedir, não um campe-
onato, mas uma simples vitória contra o Santos, não foi atendido,
mesmo sendo homem de missa e comunhão.
Paulo Gaudêncio, psiquiatra conceituado, autor de muitos li-
vros, e que foi até terapeuta do time, garante que palmeirenses
e são-paulinos há de vários tipos, mas que corinthiano é um só,
integral: “Olha, eu tenho amigo médico, juiz de direito, operário e
é tudo corinthiano de um jeito só, sofrido, apaixonado. Em geral,
quanto mais baixa é a classe, mais importante é o time de futebol.
Com o Corinthians isso não acontece. E a explicação quem me
deu foi a Elisa, empregada doméstica, torcedora-símbolo do time:
o Corinthians é tudo o que a gente tem. Eu nasci pobre, filho de
operário e agora estou do lado de cá. Como muitos dos meus ami-
gos corinthianos incuráveis, psiquiatras, professores, advogados,
subi de classe. Mas às vezes fico pensando. Será que o Corinthians
ainda não é tudo o que a gente tem?”
Celso Unzelte, jornalista e pesquisador esportivo, autor de três
livros fundamentais sobre o Corinthians, também não arrisca uma
definição, mas defende com fervor a teoria da diferença: “O senti-
mento que une a todos nós, corinthianos, é único. Já vi muito jogo
de muito time pelo Brasil afora. A torcida do Corinthians é maior?
É melhor? Não sei, nunca contei. É diferente? Tenho certeza. O
que sei, também, é que um dos sonhos mais perseguidos pela hu-
manidade, o sonho da igualdade, eu até hoje só encontrei no meio
da torcida do Corinthians. Em mais de 40 anos de vida, confesso
que o único lugar do mundo onde eu me senti realmente igual
à pessoa que está sentada ao meu lado foi o estádio de futebol.
Nem mesmo em uma igreja pude viver sensação semelhante. É no DOIS ÍCONES
meio da Fiel que somos todos iguais. Às vezes, acho mesmo que Ao lado, Elisa, a eterna torcedora-
viramos um só. Uma só pessoa, sonhando em preto e branco com símbolo, com Sócrates, craque e
a felicidade”. pensador do time

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Numa entrevista para a revista Realidade, em abril de 1972,
um grande torcedor corinthiano, Didi, que, mesmo sendo cego,
não perdia jogo do Corinthians, declarava o seguinte: “O Corin-
thians é a minha religião. Natal, Páscoa são festas que separam as
pessoas, cada um festeja de um jeito. O gol, não. O gol é a minha
maior experiência de comunhão. Eu pulo e abraço todo mundo
sem saber quem. Mesmo não saberia, porque sou cego. Mas sinto
que nessa hora todo mundo é cego como eu.”
Difícil definir, já se verá, esse amor pelo Corinthians. É forte,
mas nebuloso como tudo aquilo que não é bem deste mundo. De-
rico Schiotti, saxofonista do Programa do Jô, confessa no emo-
cionante livro Fiel 100 anos: “É uma paixão que vai do preto ao
branco em segundos, e depois volta, e depois vai de novo, e depois
volta, e não enjoa”.
É a mais bela e precisa indefinição que se conhece.
Na impossibilidade de definir, vamos brevemente indefinir as-
sim o amor pelo Corinthians: donde vem não se sabe, mas a identi-

Foto: Agência Tyba


ficação é completa, vai além da derrota e da vitória, vira seita, vira
senha, não tem medo do ridículo e pega até no jogador.

Donde vem ninguém sabe...


Quando alguém se torna corinthiano? Dispõe-se para sempre a
este amor sem garantias?
Dois DVDs recentemente lançados, 23 anos em 7 segundos,
sobre a nossa mais longa travessia e Fiel, sobre a saga da série
B, colhem muitos depoimentos sobre o que é ser corinthiano e
em todos se nota que, como queria Chico Mendes, o Corinthians
mistério é um dom divino que não depende da matéria.
No filme Fiel, os depoimentos só confirmam este mistério:
“Nasce com a gente, tá no DNA. E não tem reversão”.
“Eu desde pequeno só dormia com o hino do Corinthians”.
“Existe a realidade e existe a ficção, mas o Corinthians é outra
coisa. E tem hora que a gente chuta pra trás a realidade e a ficção
e só fica o Corinthians”.
AUTO-DE-FÉ
Não deu para entender? Mas é por aí. Não há nenhum mal nes-
sa doce confusão entre mito e realidade, como escreveu na Veja,
Foto: Alexandre Battibugli

Durante o mais simples jogo,


a Fiel viaja sem parar entre o no mítico ano de 1977, o jornalista Renato Pompeu: “Também o
céu, o inferno, o calafrio e o êxtase. Dom Quixote de Cervantes confundiu o simbólico com o real e
E, aí, vale tudo, o esconjuro com as foi caçar moinhos de vento. E que mal há em ser Dom Quixote ou
mãos, o berro na grade corinthiano doente?”

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...mas a identificação é completa
Essa identificação com o time torna-se cada vez mais forte, ab-
soluta. Como diz o atacante Geraldão, herói de 77: “O sujeito
mora lá longe, numa favela, numa rua sem número, mas por ser
corinthiano ele se sente grande”.
Na noite em que o Corinthians estava para, enfim, ganhar o
título em 77, ficou famosa a frase de um torcedor que tentava en-
trar no campo de joelhos diante da policia: “Não me prenda, seu
guarda, que eu vou ser campeão”.
Essa identicação o faz também responsável pela sorte do time –
“se eu não estiver lá, não sei o que vai acontecer” é um sentimento
que atravessa os tempos, os altos e os baixos do time.
Numa bonita cena do filme 23 anos em 7 segundos, um Basílio
já grisalho está entrando para um jogo no Pacaembu, vários corin-
thianos fazem questão de cumprimentá-lo e dizer, com orgulho:
“Eu estava lá!” Eles se referiam àquela noite de outubro, em 1977.
Essa identificação sem limites com o destino do time está ex-
pressa num cartaz registrado pelo fotógrafo Daniel Augusto:
“Corinthians, jogai por nós”. Naquela mítica noite de 1977, outra
faixa pedia: “Eu te amo, não me mates. Seja campeão”.
Há quem formalize essa identificação. Quando, em 2000, o
Corinthians ganhou o Mundial de Clubes no Maracanã, uma
torcedora de Franca conseguiu do juiz que a palavra Corinthiana
passasse a fazer parte do seu nome.

...e vai além da derrota e da vitória


Para o rapper Rapin Hood, o importante é a grande fraterni-
dade que nos une, o resto vem depois.
Neto, ídolo do time, hoje blogueiro e comentarista de tevê, con-
corda: primeiro vem o time e sua mística, depois nós, os jogadores,
os resultados.
Ou como canta o compositor Toquinho, outro corinthiano ir-
reparável – “não importa ser o primeiro”.
DOCE MEMÓRIA
Ou como dizia, no início de 1977, o grande escritor Plínio
Em vários depoimentos Marcos, torcedor do Jabaquara de Santos, mas corinthiano de
para os livros e vídeos dos cem anos, vida e obra: “Esse vai ser o ano do Corinthians. E, se não for,
uma forte e delicada verdade: qualquer corinthiano terá forças para esperar mais 22 anos, ou a
a função do Corinthians no vida inteira por um título, sem esmorecer. A glória do corinthiano
fortalecimento da relação pai-filho é ser corinthiano”.

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Foto: Alexandre Battibugli

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O grande milagre corinthiano, completa Juca Kfouri, foi ver a
sua torcida só engordar durante o mais longo jejum do time...
Ou como Chico Mendes, épico torcedor, um dia assim tentou
misticamente resumir: “Ser corinthiano é um dom de Deus no qual
a matéria não influi. A grandeza do Corinthians está no todo dele.
Ser campeão não é importante. Somos tão felizes que Deus nos
tem punido com essa longa espera – e certas diretorias”.

...vira seita , vira senha


O corinthianismo, essa religião despretensiosa, generosa e so-
lidária, pode ser difícil de definir, mas é largamente e diariamente
praticado. Está no ar. As histórias se multiplicam.
Não indo longe. Quando este livro estava sendo sonhado, dois
jornalistas num restaurante conversavam sobre as pesquisas ne-
cessárias. Na mesa ao lado, um rapaz ouvia tudo interessado e, no
fim, bastante nervoso. Quando os dois jornalistas pensavam que
se tratasse de algum palmeirense bronqueado, o rapaz explode:
“Vocês têm que ouvir o Pedro Paulo! Vocês não podem escrever
este livro sem ouvir o Pedro Paulo!” Explicou: a casa do Pedro
Paulo, no interior de Minas, era um templo, um verdadeiro con-
sulado do corinthianismo.
Os dois jornalistas presentes também tinham suas histórias.
Um deles recebeu em casa um técnico da NET. O homem vestia
um avental imaculado e explicou que o problema era na fiação
lá no forro e tinha que mandar alguém para dar um jeito. Mas
isso já não era com ele. Aí foi olhando, no pequeno escritório, os
pôsteres, os livros, os distintivos do Corinthians, e terminou per-
guntando:
— O senhor é corinthiano?
— Sou.
— Então eu subo.
Já o outro jornalista andara ligando para o depósito de uma edi-
tora atrás de uns livros fora de catálogo. O diálogo com o gerente:
— Qual é o desconto para quem for buscar aí?
— 10%.
— E se for um jornalista aposentado?
— 10%.
— E se for um jornalista aposentado e corinthiano?
— 20%!
E ainda reclamou:

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— Por que não disse logo?
Histórias corinthianas, cotidianas, dariam outro livro.

...não tem medo do ridículo


Quem ama não teme o ridículo, dizem as canções. O que gente
de respeito não faz pelo Corinthians.
Certa vez um vigário, padre Aristides Pimentel, estava batizan-
do um menino, Eberval, quando ouviu no rádio lá fora um gol de
Flávio contra o o Santos. Tomado de santa alegria, convenceu os
pais e o menino passou a se chamar Flávio Eberval...
Tan Tan, outro lendário torcedor corinthiano, enfrentou mil
dificuldades para mudar a data do casamento que caía justo no
dia de um jogo decisivo do Corinthians. Mágoa de noiva ou praga
de sogra, o Corinthians perdeu.
E as superstições, as superstições. Em jogo pela TV, dizem,
Rita Lee pega uma linha da cor da camiseta do adversário e passa
o jogo costurando o ataque deles. Em jogo pelo rádio, Celso
Unzelte baixa o volume cada vez que o inimigo ataca, para tirar
a força. Hortência não tira do dedo o anel da vitória. Toquinho,
para aproveitar a rima, só assiste jogo sozinho. Teve um caso de
torcedor que ameaçou comprar um penico para o pai porque toda
vez que ele ia no banheiro o Corinthians...
E as promessas, as promessas. Dudu Braga, filho do corinthiano
Roberto Carlos, conta que uma vez, por ocasião de um jogo difícil,
prometeu dar a volta no quarteirão – sem calças. Por sorte diz que
tinha uma camiseta do Corinthians bem comprida...
Quem ama não teme o ridículo. No filme Fiel, um empresário
admite: “Puxa, eu tenho 40 anos, sou um executivo e tô aqui pu-
lando e cantando no meio de um bando de loucos. Puxa, como eu
sou feliz”.

...e pega até no jogador


Goiano, o grande zagueiro que veio do Linense e jogou no
Corinthians entre 1952 e 1957: “As lembranças que eu tenho
daquela época são tão boas que dá vontade de nascer de novo só
para jogar no Corinthians”.
Baltazar, que veio do Jabaquara, de Santos: “Aprendi a amar o
Corinthians com todas as minha forças e jamais conseguirei pagar
tudo o que ele fez por mim”.

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Paulo Borges, que veio do Bangu, referindo-se à quebra do tabu
contra o Santos: “Foi a melhor partida da minha vida”.
Sócrates, que veio do Botafogo de Ribeirão Preto: “Se eu pudese,
eu gostaria de ter nascido no Parque São Jorge”.
Neto, que veio do Palmeiras: “O Corinthians sempre foi o time
da minha vida. Sem ele, ficaria faltando alguma coisa para mim
como jogador”.
Marcelinho, que veio do Flamengo: “A camisa do Corinthians
já se tornou uma segunda pele. Nem que eu queira, ela nunca vai
sair de mim”.
Rincón, que jogou na Seleção da Colômbia, no Palmeiras, no
Santos, no Cruzeiro, no Real Madrid, no Napoli, declara no jor-
nal O Fiel: “No Corinthians vivi os melhores e os piores momen-
tos da vida; foi o time com que mais me identifiquei”.

Corinthians, doce memória


Mesmo pouco mencionado, um dos bons frutos de ser corin-
thiano está no fortalecimento deste vínculo nem sempre fácil entre
pais e filhos.
Foi com intensa e, às vezes, incontrolável emoção que alguns dos
entrevistados para o filme Fiel, por exemplo, citaram os grandes
momentos do time vividos ao lado do pai.
“Os melhores momentos da minha infância foram passados nas
arquibancadas do Pacaembu ao lado do meu pai”, diz o jornalista,
editor e corinthiano Marcelo Duarte.
No livro do escritor e designer Lalau, Fiel Cem Anos, o cientista
político Rubens Figueiredo narra uma lembrança rica e sutil de um
jogo do Corinthians contra a Ferroviária a que assistiu no Parque
São Jorge. Lá no campo, Dino Sani dando confiança ao time. Ali,
pertinho, o pai transmitindo confiança na vida: “Ao meu lado, na
arquibancada de madeira, meu pai segurava a minha mão. E eu
tinha a segurança de Dino Sani dentro do campo, e tinha a segu-
rança do meu pai na arquibancada de madeira. De certa maneira,
eles se pareciam. O Corinthians venceu.”

Resumindo
Mas há, neste pequeno grande livro do Lalau, uma história que
talvez resuma tudo o que vem sendo dito sobre ser corinthiano.
Nela, de forma simples e definitiva, entram família, fraternidade,

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fidelidade e uma irretocável história de amor pelo Corinthians.
No primeiro jogo do Timão pela série B, o médico Osmar de
Oliveira, corinthiano irreparável e, durante anos, médico do clube,
vai ao Pacaembu apoiar o time com os filhos e os netos.
Ao seu lado, na arquibancada, um senhor negro de passos
trôpegos e rosto abatido pede licença para contar a sua história.
Ele havia sofrido o terceiro infarto do miocárdio e sabia que
o fim estava próximo. Morava no interior e, com a ajuda de um
amigo, viera ao Pacambu para – se despedir do Corinthians.
O médico abraça o velho torcedor e sente que seus filhos e netos
entenderam ali e para sempre o que é ser corinthiano e o que pode
ser o Corinthians na vida das pessoas.
Foto: Paulo Pinto – Agência Estado

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15 A Fiel, seus símbolos,
suas igrejas e sua arte

U
Um símbolo ma vez não explicado o corinthiano individual, vamos ten-
tar, sem muita esperança, celebrar o corinthiano coletivo,
só pega se bem a torcida.
Da torcida nasceu e floresceu o Corinthians. O jornalista José Ro-
reflete a alma dos berto de Aquino expressou isso numa frase hoje clássica: “Todo
time tem uma torcida. No Corinthians é o contrário. A torcida é
simbolizados. que tem um time”.
Consta que nem precisou do primeiro jogo, em 10 de setembro
Que nos dizem de 1910. Dizem que o primeiro treino do time, ali num campinho
da José Paulino, foi entusiasticamente acompanhado por centenas
a âncora e os de torcedores. Já ouvimos antes o psiquiatra Paulo Gaudêncio di-
zendo que corinthiano é um torcedor que até em treino aplaude,
remos do nosso xinga e sofre.
Numa das suas últimas entrevistas, o gande Neco fala com sau-
distintivo? dade da boa e íntima relação do time com a galera: “Depois dos
jogos, a gente saía abraçado com os torcedores, íamos jantar na
E São Jorge? casa de um ou de outro”.
Também numa das suas últimas entrevistas, convidado a
E o dragão? dar uns conselhos para o time em seu longo jejum de títulos, o
bravo Antônio Pereira, um dos cinco operários que fundaram o
Corinthians, declarou que as diretorias do clube nunca deveriam
esquecer que dinheiro não é tudo num time que nasceu e cresceu
no puro amor pelo bairro e pelo futebol.
Mesmo em relação ao dinheiro a torcida faz o que pode, além
de propiciar as maiores rendas e as melhores negociações com a
mídia e patrocinadores, coisas que alguns marqueteiros nem sem-
pre reconhecem. Quando Wladimir estava renovando o contra-
to, a Fiel achou um jeito de contribuir com as luvas. Quando a
contratação de Marcelinho Carioca foi leiloada através de chama-
das telefônicas, a Fiel simplesmente houve por bem engarrafar as
linhas da Telesp. De tal forma compareceu que, na marra, Mar-
celinho terminou ficando no Corinthians.
Foto: Ed Viggiani

Não é, pois, historicamente justo quando, ouvidos apenas os


empresários, a torcida não é nem levada em consideração na hora
em que, de repente, se vê privada dos seus ídolos. Nem quando

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sua parte mais pobre é punida com ingressos exorbitantes em
jogos especiais, justo ela que, para ajudar o time, não perdia nem
joguinhos anônimos da série B.
A Fiel torcida deve também ser respeitada porque não é uma
massa qualquer, ela tem alma própria, música própria, rituais
próprios. Ela se orgulha de um distintivo que um grande pintor
concebeu e um grande ator explicou. Essa Fiel tem um padroeiro
tão guerreiro como ela e uma torcida organizada cujo símbolo é
NO PRINCÍPIO um gavião, bicho livre que voa alto e enxerga longe.
No princípio eram apenas um C
e um P, de Corinthians Paulista, no Sobre remos e âncoras
peito dos jogadores. Depois as letras
foram-se sofisticando um pouco na Tudo, na história do Corinthians, nasceu caseiro e amoroso,
direção do atual formato
corinthiano, a começar pelo seu distintivo, um símbolo ao mesmo
tempo popular e nobre. Ele foi desenhado na década de 30 por
ninguém menos do que o grande pintor Francisco Rebolo, um dos
fundadores do famoso Grupo Santa Helena, do qual faziam parte
artistas como Alfredo Volpi e Clovis Graciano.
O primeiro distintivo do time era apenas um elegante CP já
presente no peito dos jogadores por ocasião da estreia na Liga
Paulista de Futebol, em 1913. Depois as iniciais deste Corinthians
Paulista foram se sofisticando e se complicando um pouco. Em
1920 o distintivo ganha uma bandeira do estado e, mais tarde,
remos, bóia e âncora como a um clube de regatas convinha. Na
década de 30, com muita graça e limpidez, Francisco Rebolo
estilizou esses elementos náuticos e soprou um vento na bandeira.
E ele não fez isso como um mero artista contratado num frio
estúdio de prestação de serviços.
Francisco Rebolo Gonsales bem que merece ter sua memória
eternizada no símbolo maior do time. Porque foi de coração que
ele o fez. A vida inteira Rebolo teve sérias ligações com o Corinthi-
ans. Quando menino, levava marmita para o irmão José, pintor de
paredes e colega de um dos fundadores do time, Antônio Pereira.
Jovem, Rebolo jogou muito futebol na mesma várzea que gerou
o Timão. Foi um bom ponta-direita de times como o São Bento e
o Ypiranga, sem nunca abandonar a várzea pura, onde jogava no
Paulista de Aninhagem. Convidado para jogar no Corinthians, ele
integrou o elenco do time campeão do Centenário da Independên-
cia, em 1922.
Francisco Rebolo foi um artista que conseguiu impressionar os
críticos sem perder suas raízes populares. Operário, ponta-direita

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e pintor, brilhou tanto nas Bienais de Arte como no Paulista de
Aninhagem. Tem lugar tanto na grande arte brasileira como no
peito anônimo de cada corinthiano que hoje ostenta o distintivo
do clube cujas parcas finanças fazia questão de ajudar doando
quadros.
Rebolo faleceu em 1980, sem ver no distintivo que desenhou as
estrelas douradas dos três títulos nacionais nem a estrela maior do
Mundial de 2000.
A âncora, os remos, a bóia e a bandeira. Muitas leituras já se
fizeram destes gloriosos signos. A mais bonita talvez tenha sido
aquela de Lourenço Diaféria, que o ator e corinthiano Antonio
Fagundes leu num Globo Repórter comemorativo da conquista do
Campeonato Paulista de 1988. Vale a pena ouvi-lo: “Se você olhar
bem direito o distintivo do Corinthians, vai descobrir dois remos
e uma âncora. A âncora é o símbolo da esperança. Os remos so-
mos nós, torcedores corinthianos. Porque o torcedor corinthiano
não tem pressa. Pode ficar vinte anos na espera. Nossa esperança
é de aço, nossa esperança é eterna. O torcedor corinthiano não se
cansa, rema sempre, a favor ou contra a corrente, jamais abando-
na o barco. É nisso que ele é melhor, é nisso que ele é valente. No
distintivo do Corinthians há também uma bandeira. Olhe bem, a
bandeira está aberta. O torcedor corinthiano tem tanta esperança,
e rema tanto, que jamais enrola a bandeira, enquanto a bola rola
em campo. Porque o torcedor corinthiano sabe, que se a bola tem
coração, ela também é corinthiana”.
Este é o eterno recado deste distintivo e vale para o futebol do
time o que seu autor, Francisco Rebolo, dizia da sua arte: “Deve-
se fazer coisas de forma espontânea, com as marcas do amor e do
entusiasmo, para poder se emocionar e emocionar as pessoas”.

São Jorge, um resistente


Um símbolo só pega quando de alguma forma bate com a alma
daquilo que simboliza. O que vale tanto para o nosso distintivo
como para o nosso padroeiro, São Jorge. Historicamente, o nome
veio meio junto com o Parque comprado pelo Corinthians para
construir seu estádio, em 1926.
Mas tudo indica que o santo se deu bem com a Fiel e a Fiel com
ele. São Jorge foi um santo que teve que brigar até para fazer parte
da série A da Igreja.
Sabe-se que foi um soldado romano convertido e martirizado na

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Capadócia (hojeTurquia) pelo imperador Deocleciano, em torno
do ano 303. Segundo a tradição popular, o soldado Jorge foi um
mártir duro de matar. Torturado pela polícia do imperador, resis-
tiu. Arrastado sobre brasas, resistiu. Enterrado vivo, sobreviveu.
Um corinthiano típico. O jeito então foi decapitá-lo. Passou a ser
venerado como um exemplo de fé, perseverança e rebeldia contra
os poderes imperiais. Um corinthiano completo.
Devido à sua história um tanto nebulosa e pouco documen-
tada, bem que a a Igreja andou tentando rebaixar o santo do seu
calendário oficial. Não foi propriamente negado, apenas rebaixa-
do. Quando era cardeal de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns,
teólogo emérito e corinthiano praticante, intercedeu pessoalmente
junto ao Papa Paulo VI para que São Jorge fosse reabilitado. Em
sua Carta Pastoral ao Povo Corinthiano, Dom Paulo diz que “o
Corinthians é o símbolo do povo que não se abate, que sabe que
precisa recomeçar, e recomeça”. Estava aí claramente falando dos
dois, do time e do santo. E também do Brasil da ditadura militar.
REMOS E ÂNCORA A própria imagem de São Jorge é corinthiana na medida em
Aqui também houve uma evolução da que expressa a dura e perigosa batalha da vida. Nela, temos um
bandeira estática no centro do círculo dragão medonho, corpo de serpente, cara de jacaré e garras do
para a inclusão dos símbolos náuticos, Zé do Caixão. Um símbolo do lado difícil, escuro e ameçador da
a bandeira de treze listras desfraldada e existência. E temos o cavalo branco, símbolo das forças do bem e
as cinco estrelas das grandes conquistas. da luz. E temos São Jorge que, com sua coragem e sua lança, está
A arte-final foi obra do pintor Francisco
por nós, corinthianos deste mundo. E não custa lembrar que no
Rebolo na década de 1930
Oriente, China, Japão, o dragão vem a ser, na sua poderosa irre-
alidade, um símbolo grandioso do poder do imaginário, do sonho
revitalizador. No Oriente, até o dragão é corinthiano.
Quando o Corinthians estava caindo para a série B um grupo
de devotos retirou São Jorge de sua capelinha no Parque para, em
procissão, pedir a sua ajuda. Mas o santo caiu do andor e se es-
patifou no chão. O santo sabia. Caiu junto.
E já que estamos na área religiosa. Anos atrás, os jornais publi-
caram o resultado de uma pesquisa sobre a real imagem de Jesus,
cientificamente concebida à luz de como eram os homens palesti-
nos do seu tempo. Deu um homem de traços fortes, moreno. Mais
para corinthiano, foi a conclusão de muitos observadores ali pelas
cercanias do Parque São Jorge. Segundo eles, o Jesus louro e de ol-
hos azuis, visivelmente palestrino, teria sido invenção da Parmalat,
séculos depois.
Mas esta é uma hipótese, vamos reconhecer, sem maiores fun-
damentos científicos.

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Brilhando de novo nos olhos da Elisa
Tem gente que, na ânsia de explicar a profundidade do ser
corinthiano, chega a citar o sombrio e inquieto teólogo dinamar-
quês Soren Kierkegaard: “Somente um interesse apaixonado nos
faz viver plenamente”. À luz dessa frase, pode-se perguntar o que
é, simbolicamente, o Corinthians. Se uma religião, uma nação ou
uma fraternidade única.
Como religião leiga, não deixa de ter santos padroeiros própri-
os, gente que, em vida, muito amou o time e por ele se entregou.
Elisa, a torcedora-símbolo, tornou-se uma dessas devoções.
Elisa Alves do Nascimento nasceu em Tietê, no interior do es-
tado, e muito cedo veio morar na periferia de São Paulo. A paixão
pelo Corinthians foi imediata, simples e avassaladora. Em 1935
conheceu Antônio Pereira, um dos fundadores do Corinthians,
tornou-se sócia do clube em 1941 e quando, em 1945, perdeu o
marido, casou defintivamente com o time.
Cozinheira de patrão são-paulino, não perdia jogo e tinha lugar ARTE-FINAL
próprio entre a torcida. Discreta, fiel, pioneira como torcedora e Da autoria de Orpheu Maia, artista
mulher, ia aos jogos com duas saias para pular bastante. Foi amiga que trabalhou anos para o clube,
de presidentes e jogadores, o goleiro Gilmar foi padrinho do seu foram os retoques finais no distintivo
neto Benedito. desenvolvido por Rebolo. Foi ele quem

Quando faleceu, no dia 1º de agosto de 1987, aos 77 anos, desfraldou a bandeira e definiu melhor
os remos e a âncora. São de sua autoria
foi enterrada, como pedira, coberta pela bandeira do Corinthians.
também os desenhos dos presidentes
Aquela toda branca, com o distintivo do time bordado em lante-
na sala do Memorial do Corinthians.
joulas, fio de seda e purpurina.
Abaixo, o brasão do centenário
As circunstâncias talvez não tenham permitido, mas bem que
seu enterro merecia aquela canção de Laura Tetti e César Vieira
que Inezita Barroso chegou a gravar – No meio do povo Elisa agita
a bandeira/ bandeira que é preta, bandeira que é branca....
Podiam ter sidos recitados também os versos de Gioia Júnior:
Lá vem a bandeira brincando na brisa
lá vem o Corinthians suando a camisa
buscando a vitória que o povo precisa
brilhando de novo nos olhos da Elisa.

Dois devotos e um consulado

Outro símbolo da alma corinthiana foi o presidente Alfredo


Ignácio Trindade, um homem carismático que vivia com o time à
flor da pele, e que costumava descer até o vestiário para decretar

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a obrigação de virar algum jogo difícil com palavras incendiadas:
“Presos nos cárceres, velhos nos asilos, crianças nas favelas, todos
os sofredores deste imenso Brasil esperam de vocês um momento
de alegria e esta alegria está nos pés de vocês!”
Ignácio Trindade fumava charuto, um curioso símbolo de
vitórias corinthianas, iniciado em 1922 com um torcedor roxo,
José Costa Martins, que acendia um charuto a cada gol do time
como convidava os torcedores mais próximos a fazer o mesmo.
Chico Mendes foi outro torcedor-símbolo que não abria mão
do charuto. Como lembra Oswaldo Mendes, autor do texto para
o Calendário do Centenário lançado pela Editora Anotações com
Arte, o último charuto de Chico Mendes foi degustado durante
um solene 4 a 2 contra o Palmeiras. Naquela noite mesmo ele veio
a falecer, foi velar pelo time com São Jorge lá no céu.
Isso num plano quase religioso.
Num plano mais civil, a nação corinthiana multiplica-se em
consulados informais por São Paulo, o Brasil e, vai ver, o mundo
inteiro. Eles são incontáveis.
Só para dar um exemplo.
Em São Paulo, na esquina da Oscar Freire com a Teodoro Sam-
paio, funciona um supermercado, o Luzita. O dono, José Ma-
ria Rio, de origem portuguesa e corinthiano desde os tempos de
Camões, mantém ali um desses consulados corinthianos infor-
mais. Do Luzita partem romarias para os grandes jogos. Ali, em
caso de vitórias do time, são erguidas faixas de celebração ou de
gozações com os palmeirenses e são-paulinos do pedaço. Ali to-
das as quintas-feiras se reúnem amigos torcedores da região ou
fora dela, dirigentes do clube (de todas as correntes) e mesmo ex-
jogadores. Nos últimos anos, até um cenáculo no andar de cima
foi reservado para essas alvinegras eucaristias.
Hoje, 7 de janeiro de 2010, é a primeira do ano, o ano do cen-
tenário. O advogado Geraldo Jabur conta histórias das suas mui-
tas funções no clube. O goleiro Tobias fala da sua dor por não ter
participado do segundo jogo contra a Ponte, naquele Morumbi
NOSSO ARTISTA MAIOR
Em 1936, Francisco Rebolo, criador
lotado em 77. Teria pegado a linda cobrança de falta do Dicá?
do atual distintivo do clube, pintou
Ele não sabe. Mas não abre mão do orgulho de ter segurado dois
pênaltis contra o Fluminense naquela invasão do Maracanã um
Foto: Arquivo Corinthians

este óleo sobre tela, intitulado


Futebol. Há quem diga que se trata ano antes. No fim da reunião, o porco assado foi feito e é servido,
do seu autoretrato com a camiseta e só podia, por um palmeirense, o administrador de empresas José
do Corinthians, de cujo elenco Augusto Belo.
fez parte na década de 20 Tudo dentro da mais santa paz corinthiana.

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000

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16 Os Gaviões no time, na vida
e na avenida

N
Como nasceram, ão é de hoje que as torcidas se organizam, que o Corin-
thians tem sua torcida organizada. Já na década de 40 lá
e com que sonhos, estava uma delas cantando:

os Gaviões da Fiel. Chi Bumbá, lubaraca, lubaraca-á,


zunzunzum, rarrarrá,
E como organizam Corinthians
Corinthians
dentro e fora do Corinthians!

estádio seu grande Como já antes entoava:

e ruidoso amor Que é, que é?


É jacaré? Não é!
pelo time Que que é?
É tubarão? Não é!
Então o que é?
Corinthians! Corinthians!

Com a mesma alma com que hoje canta:

Aqui tem um bando de louco


Louco por ti, Corinthians!
Aquele que acha que é pouco
Eu vivo por ti, Corinthians!
Eu canto até ficar rouco
Eu canto pra te empurrar
Vamo, vamo meu Timão
Vamo meu Timão, não para de lutar!

Ou ainda:

Le e e e leleô
leleô, leleô, leleô
Corinthians!

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Foto: Agência Tyba

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Ou então:

Corinthians
Corinthians, minha vida
Corinthians, minha história
Corinthians, meu amor.

Ou para reanimar o time:

Não para, não para, não para!...

A corinthiana talvez seja a única torcida do mundo que compõe


uma trilha sonora para apoiar seus jogadores favoritos:

É Wladimir, oba! É Wladimir, oba!


Uh, Marcelinho! Uh, Marcelinho!

Gaviões, por que gaviões?


No seio dessa nação criadora e inquieta incontáveis torcidas se
formaram ao longos dos tempos, Camisa 12, Estopim da Fiel, Pa-
tota do Timão, Biônicos da Fiel, Pavilhão Nove, Unidos da Barra
Funda, SWATimão...
Dentre elas, por seu grau de consciência e organização, um gru-
po mais coeso e combativo se formou, a Gaviões da Fiel.
O ano era 1969, time em pleno jejum de títulos, quando, unidos
pela mesma paixão, um grupo de torcedores começa a se encon-
trar também fora do estádio.
Dois líderes se destacam: Flávio La Selva, o místico recém-saído
de um seminário, e Alcides Piva, Joca, do tipo intelectual-guer-
reiro. Havia também o Chico Malfitani, que depois faria carreira
no jornalismo político, o Inaté, emérito tocador de surdo, mais e
ainda o Arthur, Alfredo, Aranha, Igor, Nenê...
Eram de diferentes classes sociais. Inaté vivia na favela da Ver-
gueiro e Chico morava na Alameda Santos, tinha até um Simca
Chambord. Foi na garagem da casa dele que aconteceram as
primeiras reuniões.
Descontentes com os rumos do time e sua diretoria, eles foram
chegando à conclusão de que só reclamar e bater bumbo não adi-
antava. O time ia mal no campo e, fora dele, nas finanças. Joca
era o líder teórico das reivindicações. Eles já formavam, a estas

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alturas, uma torcida consciente e combativa. Nas eleições, con-
seguiram a queda de um presidente, mas logo se sentiram traídos
e usados pelo seguinte.
Tudo isso só fortaleceu a ideia de uma torcida organizada inde-
pendente que, por sugestão do jornalista Brasil de Oliveira, rece-
beu o nome de Gaviões da Fiel.
Por que gaviões? Porque o gavião é uma ave que voa alto, vê
tudo e preza a liberdade, explicam hoje líderes históricos como Ro-
berto Daga, José Claudio Moraes, o Dentinho, e Andres Moreno
Castilho, um espanhol corinthiano de nascimento. Eles só torcem
para que o crescimento quantitativo não venha ferir a qualidade
de independência e rebeldia que deu origem ao grupo.
Às vezes malvistos e até perseguidos por certos cartolas, os
Gaviões resistem, crescem e sua justa febre participativa nos desti-
nos do time talvez tenha sido a primeira semente da futura Demo-
cracia Corinthiana. Porque seu amor pela democracia no futebol
transcendia os muros dos estádios. Já em 1979 uma grande faixa
da Gaviões pedia anistia geral para os perseguidos políticos. Anos
depois, num Morumbi lotado para um jogo contra o Santos, em
meio torcida uma imensa faixa clamava por Diretas Já.
Hoje, com cerca de 90 mil associados, eles são presença certa
nos jogos do time, com sua imensa alegria, seus cantos, sua afina-
da bateria e aquela mítica bandeira de 143 metros de largura que
cobre a curvinha do Pacaembu, solo sagrado da Gaviões.

Paz, humildade e procedimento


A consciência social foi sempre marca do grupo. Na grande
festa dos 29 anos de existência, em 18 de julho de 1998, a Gaviões
conseguiu arrecadar, em meio a um grande show para 15 mil pes-
soas no sambódromo, 14 toneladas de mantimentos. Em sua sede
na Marginal Tietê, a participação nas campanhas do agasalho,
combate ao câncer e auxílio a flagelados já se tornou uma rotina.
Como a sede fica próxima de um bairro carente, na Páscoa há
distribuição de chocolate paras as crianças, brinquedos no Natal
e ainda um almoço comunitário no Dia das Mães. Na parede da
sede, uma placa agradece a Gaviões por sua campanha de doação
de sangue. O slogan foi: “Eu dou o sangue pelo meu time”.
No Dia das Crianças, o galpão-sede se transforma numa mini-
disneylândia com todo tipo de brincadeiras, de segura-peão num
touro elétrico a animados duelos de algodão-doce. Não só crian-

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Foto: Antonio Milena – Editora Abril

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ças da favela próxima participam. Ônibus fretados trazem gente
de regiões carentes de Brasilândia, Freguesia, até de Carapicuíba.
A Gaviões já cedeu um imóvel para crianças vítimas de violên-
cia doméstica e, em 1998, abriu para adolescentes da CASA (ex-
Febem) uma Oficina Produtiva para confecção de adereços car-
navalescos. Um gesto abençoado: com estes adereços a escola foi
campeã no Carnaval de 99.
Assim vivem e vibram os Gaviões em sua sede junto à Marginal
Tietê. Há os membros da jovem e da velha guarda, as grandes tias
torcedoras como Ofélia, Geni, Amélia e Dirce, todos dentro de um
espírito de solidariedade e democracia: em 30 anos de existência,
só duas vezes o presidente ocupou mais de um mandato. Virou
filosofia local a frase de um dos líderes, Júlio Toledo, o Julião: “Às
vezes temos que nos pintar de fosco para que a entidade brilhe”.
Em 1982, por ocasião da Copa do Mundo na Espanha, um
documentário da BBC apontava a Gaviões como um belo exemplo
de torcida organizada apaixonada e solidária.
No enterro de um dos fundadores da Gaviões, o Joca, Roberto
Daga mandou escrever na coroa de flores que homenageava o ami-
go estas três palavras: Humildade, Lealdade, Procedimento. Elas
se tornaram uma espécie de lema dos Gaviões. Decência, gene-
rosidade e respeito são valores cultivados no grupo. Quando, em
1974, Pelé se despediu do futebol num jogo do Corinthians, uma
faixa da Gaviões esbanjava graça e gentileza: Maior que Pelé: só a
Fiel. Depois dos incidentes causados pelas embaixadas de Edílson
na decisão do Paulista de 99, uma grande faixa da Gaviões pro-
clamava nos jogos seguintes: Queremos paz nos estádios.
Mesmo assim, por sua combativa independência crítica, os
Gaviões enfrentaram problemas com as chamadas autoridades.
Em 1995, a liminar de um juiz proíbe as atividades da Gaviões
nos estádios. Dois anos depois a liminar é suspensa, sob a correta
argumentação de que uma entidade comprovadamente séria não
pode ser punida pela falta isolada de um ou outro associado. Justo
como pedia a música Liminar Corinthiana de Ernesto Teixeira e
José Rifai, compositores da Gaviões: Aqui na terra nosso Pai pa-
gou por todos/por que todos têm que pagar por alguns? O curioso,
nisso tudo, é que o juiz que puniu a Gaviões, antes, compôs um
hino exaltando a torcida como “vida dos estádios, alma do fute-
bol, nascida para a festa livre das comemorações populares”...
Não custa lembrar que os psicólogos são unânimes em apontar
o futebol como uma forte, barata e saudável catarse, isto é, in-

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tensa descarga de emoções. O semiólogo francês Rolland Barthes
lembra que em determinadas épocas e culturas o teatro reunia a
cidade inteira para uma experiência comum: o conhecimento das
próprias paixões. E que esta função hoje é exercida pelo esporte.
Em poucos lugares tantos sentimentos humanos podem vir à tona
como durante aqueles 90 minutos de uma partida de futebol. Ali
se vivem, em altas, rápidas e fortes doses, o amor e o ódio, o
perdão e a revanche, o orgulho e a inveja, o medo e a autocon-
fiança, a resignação e a arrogância, a fé e o desespero. Tudo de
brincadeira, que o esporte é essencialmente lúdico. Podem essas
emoções redundar em violência? Podem, excepcionalmente. Mas
nada comparável às violências deflagradas pelas religiões e pelas
ideologias com sua fria capacidade encarnar o Mal e em alguém
ou em algum lugar, e a mais cega necessidade de riscá-los da exis-
tência ou do mapa. Já o futebol sempre foi e sempre será, em es-
sência, uma alegre guerra simbólica onde os soldados lutam de
calças curtas, como meninos, e no fim, às vezes, ainda trocam os
uniformes. Nele, tudo se resolve ali, na bola, ou em infindáveis
gozações durante a semana. Ninguém morre e domingo tem mais.
Filosofias à parte, vamos voltar à Gaviões, que ela ainda tem
mais para contar, na sede e no Sambódromo.

Sábado, cultura e fraldário


Neste sábado, 9 de janeiro de 2010, dois eventos movimentam
ainda mais a animada sede de Gaviões: a Arquibancada Literária,
exposição e venda de livros sobre o Corinthians, e a inauguração
de um fraldário junto aos banheiros.
No pequeno escritório do segundo andar, o papo corre solto.
Quem chega? Rob Cavallini, jornalista britânico que está escre-
vendo sobre o Corinthians inglês e, enquanto mora em São Paulo,
no Tatuapé, também sobre o nosso Corinthians. Ele veio pergun-
tar a que hora sai o ônubus amanhã para o jogo contra o Monte
Azul, em Ribeirão, pelo Campeonato Paulista. Perguntado sobre
qual seria hoje o mais corinthiano e sofredor dos times ingleses da
primeira divisão, ele pensa um pouco e acha que é o Newcastle,
que há 55 anos não ganha um campeonato... Mesmo assim, seus
torcedores não arredam o pé do estádio, 50 mil a cada jogo, há
décadas e décadas. Tudo irmão, tudo irmão.
Quem chega? Sócrates em pessoa. É cercado, aclamado, foto-
grafado e pateticamente abraçado por um torcedor que declara:

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A Gaviões conta e canta na avenida os 10

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os 100 anos de uma paixão sem fim
Foto: Folha Press

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Foto: Folha Press

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Fotos: Folha Press

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“Que Ronaldo, que Roberto Carlos, meu ídolo é este aqui: chuta-
va até pra trás!”
Quem chega? Marlene Matheus. Ela e Sócrates ficam um bom
tempo sentados no sofá de mãos dadas, fraternos. Sócrates fala em
desfilar na Gaviões na Ala da Democracia Corinthiana, Marlene
diz que também topa desfilar junto. Sócrates vibra: “Quem diria,
a família Matheus enfim aderindo à Democracia!”
Vicente Matheus é carinhosamente lembrado. Sócrates acha
que transferiu para ele as brigas que tinha com o pai. Alex, que
já era presidente da Gaviões, lembra o dia em que foi falar com
ele e, de nervoso, ficou abrindo clipes, um atrás do outro. No fim,
Matheus, emérito mão-de-vaca, foi consertando os clips um a um
e no fim disse: “Ó, ainda dá pra aproveitar.”
Um desses corinthianos épicos, Alex até casou ali na sede da
Gaviões, com fundo musical da bateria e bênção do padre Nei,
da Paróquia de Santana, devoto corinthiano. Na campanha pela
série B, passou com mais oito companheiros 12 dias na estrada
dentro de uma van: depois de torcer em Brasília no jogo contra o
Gama, foram a Natal enfrentar ao ABC.... Sócrates lembra de um
dia de gelado inverno em que o Corinthians foi fazer um amistoso
qualquer em Montevidéu: “Um frio de rachar. No Estádio Cen-
tenário, uns 100 uruguaios e uns duzentos corinthianos. Eu me
perguntando: como é que pode?”
Mas o assunto volta à Democracia e Sócrates lembra que não
é só no futebol: dirigentes em geral não gostam muito de povo
organizado e consciente. E mais: o futebol brasileiro vai ser outro
no dia em que os cartolas se preocuparem mais em melhorar o es-
petáculo aqui dentro do que em vender os artistas lá fora.
Sócrates desce para espiar os livros e conhecer o novo fraldário.
O clima é de muita fraternidade e alegria.
Amanhã cedo parte um ônibus de gaviões que, de pá e enxada,
vão apoiar a remoção de escombros em São Luís do Paraitinga,
cidade arrasada pelas enchentes. Com o apoio da subsede da
Gaviões no Vale do Paraíba.

Os Gaviões na avenida
Aos poucos, pelo mérito e força da sua própria batucada, for-
mada por bambas de todas as escolas, especialmente da alvinegra
Vai Vai, cresce entre os Gaviões a ideia de voos próprios no carna-
val paulista. Eles podiam contar, por exemplo, com Vinho Tinto,

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o melhor cuiqueiro de São Paulo, e muitas feras em outros instru-
mentos. Os Gaviões passam então a fazer parte do carnaval pau-
lista com seu bloco próprio, com espetacular sucesso: entre 1976 e
1988, vence 12 vezes e uma vez foi vice-campeã.
Em 93 a escola passou para o Grupo Especial, onde, em 95,
ganha seu primeiro título. Sagra-se campeã do Grupo Especial em
1999, 2002, 2003; por três vezes foi campeã do Grupo de Acesso.
Em 2004, quando tudo apontava para o tricampeonato, os Gaviões
vivem no Sambódromo seu corinthiano destino: um acidente com
um dos carros alegóricos rebaixa a escola. Mas, bons corinthia-
nos, eles voltam e, mais corinthianos ainda, sacodem a poeira para
se tornarem campeões disparados do Grupo de Acesso.
Escritor, cantor e compositor, agitador cultural do time, gavião
desde 1976, Ernesto Teixeira é, desde 84, o intérprete do samba-
enredo nos defiles da Gaviões. Roberto Daga, outro gavião históri-
co, é diretor da bateria e tem honrado um posto que já foi do
famoso Mestre Feijoada. Destaque também para Ianes Tsukalas,
o Grego, que já venceu seis concursos de samba-enredo e compôs
o samba Coisa Boa é para Sempre, que deu à Escola seu primeiro
título no Grupo Especial. Ao assumir a presidência da Gaviões
Torcida, em 1993, José Claudio Moraes, o Dentinho, tão bem es-
truturou a Gaviões Escola que ela foi vice em 94 e campeã em 95.
Em 2010, o enredo celebrou, e só podia, o centenário do clube.
Sob as asas de um imenso gavião semovente, o enredo “Corinthi-
ans... minha vida, minha história, meu amor” pegou o time em
1910 no Bom Retiro e veio com ele, suas glórias e dores, até 2010.
Desfilaram craques como Ronaldo e Basílio, ex-dirigentes como
Adílson Monteiro Alves, um dos mentores da Democracia Corin-
thiana, e Marlene Matheus, a vibração corinthiana em pessoa.
A certa altura, o samba-enredo assim fala do time que celebra:
Derrubou barreiras, questionou!
E quem diria?
Surgiu um ideal: democracia.

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17 Quando a democracia foi
a nossa bandeira

O
Um filósofo difícil não é fácil. De gole em gole a galinha enche o papo.
Depois da tempestade, vem a ambulância.
espontâneo, Isso é uma faca de dois legumes. Jogador tem que ser
completo como o pato, que é um bicho aquático e gramático.
Vicente Matheus, Minha gestação foi a melhor que o Corinthians teve.
Vou inclusive anestesiar os sócios inadimplentes. Por isso, na
e um médico com eleição, todos deviam naufragar meu nome.
E haja o que hajar, o Corinthians vai ser campeão.
nome de filósofo, Nem precisa citar o autor dessas reflexões. E hoje, lá no céu,
Vicente Matheus nem vai se incomodar com toda essa errática fi-
Sócrates, foram losofia que lhe atribuíam na terra. Já em vida não se incomodava.
Para Washington Olivetto, quando, numa festa, ele agradeceu à
personagens de Antarctica pelas Brahmas recebidas, estaria inclusive apenas pro-
fetizando a criação da AmBev.
um movimento que E quando foi a Cuba se tratar de um logotipo, bem sabia que
era de vitiligo que se tratava...
disse a que veio, Nascido em Toro, na Espanha, Vicente Matheus chega ao Brasil
no ano do primeiro campeonato do Corinthians, 1914.
dentro e fora Ainda menino, um dia entrou em campo com a camisa do
Corinthians, num jogo contra o Germânia. Estava ali selado seu
do campo destino, uma paixão sem fim pelo time. Foi o homem que mais
vezes presidiu o Corinthians, de 59 a 61, de 72 a 81 e, por fim,
de 87 a 91. Sem contar o período entre 91 e 93 em que foi vice
plenipotenciário da sua mulher, Marlene.
Pode-se discutir os acertos ou equívocos da suas várias
administrações, mas não a pureza e inteireza do seu grande
coração corinthiano. Tinha fama de autoritário, centralizador e
pão-duro, mas, empresário bem-sucedido, não hesitava em botar
a mão no próprio bolso para ter no Corinthians craques como
Almir e Pa-lhinha. Nesses casos, aliás, revelava-se um negociador
duro mas decente e cumpridor do combinado. No mais, matreiro
e manhoso. Anunciava um tal de Lero-Lero, do Bahia, e vinha de
Biro-Biro, do Sport Recife. Insinuava que ia trazer Falcão, do Inter,
e lá vinha com Sócrates, do Botafogo.
Sócrates. Ironias da história. Matheus, o iletrado, o autoritário,

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Foto: J. B. Scalco – Editora Abril

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Foto: Antonio Lúcio Agência Estado

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traz para o Corinthians um homem com nome e cabeça de filósofo,
e de filósofo da Grécia, berço da democracia. Foi outro grande e
fecundo sacrifício que Vicente Matheus, querendo ou sem que-
rer, fez pelo Corinthians. Porque Sócrates era uma faca de dois
legumes: além de bom de bola, haveria de se tornar o símbolo de
uma era também fora do campo.

Ano sim, ano não...


Retomando nossa história: em 78 o Corinthians não fez feio
no Paulista, mas foi apenas um ano de ajuste da dupla Sócrates-
Palhinha. Foi campeão só do primeiro turno. Segundo Juca Kfouri,
o time ainda estava de ressaca pela festa de 77...
Tudo indicava que 79 seria o ano de um cada vez mais imbatível
Palmeiras. Tão demolidor andava que Vicente Matheus conseguiu
arrastar a decisão do campeonato para o início de 1980, quando
Sócrates, Palhinha e o resto do time já estavam devidamente afina-
dos. As semifinais ficaram para janeiro, Corinthians x Palmeiras e
Ponte x Guarani.
O Corinthians acaba com o poderoso Palmeiras com um gol
de Biro-Biro, de canela, e, como em 77, vai para outra melhor
de quatro pontos contra a Ponte. Só que agora foi mais tranqui-
lo. Ganha a primeira, empata a segunda e vence a última, 2 a 0.
Campeão de 1979!
Já tinha carro com adesivo anunciando: “Já tô com o saco cheio
de ser campeão.” Ou corinthiano cantando, inebriado: “Ano sim,
ano não, o Corinthians é campeão”. Em 68, depois de um jejum de
onze anos contra o Santos, saiu do estádio cantando: “Um, dois,
três, o Santos é freguês!” Corinthiano tem esse lado sobranceiro.
Na ruim, aguenta firme; na boa, com a mínima glória se lambuza.
Tripudia.
Mas o time logo voltaria a si. Aos seus altos e baixos.
Ainda em 80, fomos bem tanto no Brasileiro como no Paulista,
mas sem títulos.
Já 81 foi um destes típicos anos corinthianos, cheio de derrotas
inexplicáveis e viradas que ninguém espera. No Paulista foi tão PELAS DIRETAS LÁ
mal que, no Brasileirão, teve de disputar a Taça de Prata, uma Na véspera das primeiras eleições
espécie de série B para times mal colocados no estadual. Mas tão diretas para governador, Casagrande,
bem se saiu contra times como o Leônico da Bahia e o Colatina um dos democratas mais conscientes
do Espírito Santo que no mesmo ano foi promovido para tentar a da equipe, estimula o comparecimento
Taça de Ouro, onde fez bonito, ficando em quarto lugar. às urnas. Ele e o time inteiro

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Novos ares no Parque
A estas alturas, num Brasil ainda sob ditadura, um vento fresco
de sonho e liberdade começa a soprar ali pelas bandas do Parque
São Jorge.
A estas alturas, o Corinthians já contava, além de Sócrates,
com um garoto comprido e hábil de 19 anos, Walter Casagrande,
e um meia de talento, Zenon, que se juntavam a craques da casa
como Wladimir, Zé Maria e Biro-Biro para formar, com o apoio
de uma diretoria arejada, um bom time em campo e, fora dele,
uma nova visão de relações humanas e profissionais no acanhado
e intimidado mundo do futebol.
E tudo começou, outra vez, com Vicente Matheus.
Naquele final de mandato, em 1981, o presidente Matheus bem
que gostaria de continuar no cargo, mas reeleição era contra os
estatutos do clube e ele apostou no testa-de-ferro errado.
Uma vez eleito com seu apoio, o empresário Waldemar Pires
resolveu atuar por sua própria conta e risco. Não só diminuiu os
poderes do vice, Vicente Matheus, claro, como convidou para ser
diretor de futebol um jovem e voluntarioso sociólogo, Adílson
Monteiro Alves.
E o Corinthians passou a viver uma brilhante, breve e fecunda
era, dentro e fora do campo: a Democracia Corinthiana.

Da democracia pelo futebol

A expressão Democracia Corinthiana teria sido cunhada pelo


jornalista Juca Kfouri durante um debate na PUC de São Paulo.
Em pleno regime militar, ele teria dito, como quem não quer nada,
“lá no Corinthians pelo menos eles estão experimentando a de-
mocracia”.
O movimento não surgiu de repente, foi uma combinação de
fatores que foi reunindo dirigentes, jogadores e mesmo técnicos na
direção de uma maneira de perceber o futebol. O próprio Sócrates,
seu líder mais expressivo, chega ao Corinthians em agosto de 78
e revela-se decisivo no título paulista de 79, mas, com o resto do
time, atravessa maus momentos em 80 e 81.
No final desse complicado ano de 81, o Corinthians faz uma
excursão pela América Central e ali, longe de casa, a boa cabeça
do vice-presidente de futebol, Adílson Monteiro Alves, propicia
dicussões sobre a situação do time, que não era lá muito boa, e

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sobre a melhor maneira de formar uma equipe consciente dos seus
direitos e responsabilidades.
E tudo o que até então vinha de cima, pronto e obrigatório,
passa a ser objeto de debate e votações, do horário dos treinos
à necessidade de concentração. A ideia era que todos participas-
sem do que a todos dizia respeito, da diretoria aos jogadores, do
técnico ao massagista. Até então, como lembrou Sócrates numa
entrevista, o jogador de futebol era tratado de forma paternalista
e autoritária, o que vinha resultar num ser humano infantilizado e
dependente, apesar de todo o eventual sucesso financeiro.
O time, espiritualmente, voltou outro dessa excursão. E as con-
quistas se seguiram, dentro e fora do campo. Uma das primeiras
foi o fim da concentração obrigatória, tese defendida por Sócrates.
Jogadores casados podiam passar a noite com a família, solteiros
deviam se apresentar até as 22 horas da véspera do jogo. Atletas e
comissão técnica passaram a ter direitos sobre a renda dos jogos.
As novas contratações eram democraticamente discutidas. Mesmo
a do técnico. Durante o Brasileiro de 1983, Zé Maria foi escolhi-
do para substituir Mário Travaglini. Sócrates foi voto vencido na
contratação do goleiro Leão, mas depois honestamente concordou
com o acerto dos colegas.
Jogador também pensa, entende de futebol e pode se tornar
parte viva dos destinos e decisão do clube. Essa participação mais
consciente redunda num melhor ambiente, mais envolvimento e
mais alegria de jogar. Há mais dedicação e solidariedade. Quem
ouve e respeita tem o direito de exigir mais. Esse era o espírito da
Democracia Corinthiana.
O jogador é um trabalhador que deve exercer seu oficío e tam-
bém um artista que tem de exibir sua arte à luz da paixão, às vezes
impiedosa, de milhares de torcedores. Mesmo sem grande cultura
formal, ele tem muito a dizer sobre a melhor forma de exercer
sua arte. Havia bons precedentes na história do Corinthians e do
futebol. Homens da estatura de um Neco, Amílcar Barbuy, Ro-
berto Belangero. Luizinho, Cláudio, Didi, Gérson – já não eram
marionetes infantilizadas tão ao gosto de agentes espertinhos ou
diretorias manipuladoras.
Esses conceitos justos e simples logo tiveram o apoio de pessoas
lúcidas e coesas. O presidente Waldemar Pires apoiava Adílson
que, por sua vez, soube se assessorar de pessoas igualmente bri-
lhantes como o publicitário Washington Olivetto na vice-presidên-
cia de markentig, o jornalista José Roberto de Aquino na comu-

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Foto: Sergio Berezovssky

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nicação, o psiquiatra Flávio Gikovate na assistência psicológica
dos jogadores. Esse clima de confiança se estendeu a todos. Frase
do preparador físico Hélio Mafia: “Posso confessar que foi na De-
mocracia Corinthiana que vivi os melhores momentos do futebol”.
O técnico Jorge Vieira também soube lidar com esse momento do
time e Mário Travaglini até escreveu um livro a respeito dela.
Mas nada seria possível sem uma equipe, toda ela boa de bola
e de cabeça. Sócrates, Casagrande, Zenon, Zé Maria, Wladmir,
Juninho, Biro-Biro, Alfinete... Alguns deles, como Wladimir e Zé
Maria, assumiram mais tarde suas vocações políticas, sendo elei-
tos vereadores.
O fato é que, num país sob ditadura e censura, esse Corinthians
democrático mostrou-se corajoso e sensível ao que se passava na
cena política brasileira. E não só entre os jogadores. Já em feve-

Foto: Ronaldo Kotscho – Editora Abril


reiro de 79, antes de uma partida contra o Santos, em meio à tor-
cida corinthiana é erguida uma faixa pedindo anistia para os per-
seguidos políticos. Por ocasião da emocionante vitória de 1977,
o corinthiano Cardeal Arns, um desassombrado defensor dos di-
reitos humanos, havia dito: “Tenho certeza de que a vitória do
Corinthians deve levar a outras vitórias essenciais na vida”. Frase,
na época, do sociólogo Sérgio Micelli: “A esta altura o Corinthi-
ans é menos um time do que uma militância, menos uma torcida
desinteressada do que uma organização embrionária de anseios
populares”.
Nesse clima, às vésperas das primeira eleições diretas para go-
vernador desde 1966, em 1982, o time entra em campo com um
claro recado na camisa: “Dia 15, vote”. Em 1983, na noite em que
se sagraria bicampeão paulista, o time desfraldou em campo uma
faixa de 10 metros: “Ganhar ou perder, mas sempre com demo-
cracia”.
Ganhar ou perder... Uma pequena ou grande revolução não
pode ser medida por seus frutos imediatos, mas pelos novos ventos
que sopra. Só para citar duas das mais grandiosas figuras da hu-
manidade, Martin Luther King e Nelson Mandela não foram ime-
diatamente bem-sucedidos. Mas quis o destino que a Democracia
Corinthiana, além de inovadora, se revelasse também pródiga em
títulos e emoções.
Foto: Arquivo Corinthians

E olha que nos Paulistas de 82 e 83, em plena vigência daquela


democracia interna, o São Paulo tinha tudo para acabar com todos
os sonhos dos adversários.
Vejam como não foi bem assim.

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UM QUE DAVA O SANGUE
Ferido no supercílio durante um jogo
contra a Ponte em 79, Zé Maria insiste
em continuar em campo e a torcida
logo entendeu o significado daquele
sangue na camisa.
Depois de 13 anos, em 1983,
o Super Zé se despede do futebol num
jogo contra o Palmeiras.
Saiu aplaudido pelo estádio inteiro,
incluindo os palmeirenses

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A democracia em campo
O São Paulo tinha tudo para levar o Paulista de 82.
Tinha Waldir Peres, Oscar, Darío Pereyra, Marinho Chagas,
Serginho... Mas o Corinthians contava com a dupla de Sócrates,
mais o goleador Casagrande, o regente Zenon, o inesgotável Biro-
Biro, e ainda os imortais Zé Maria e Wladimir, e um sonho só:
trazer a democracia para o futebol.
Ganhou o primeiro turno e foi para as finais com o São Paulo.
No primeiro jogo deu Corinthians, Sócrates 1 a 0.
No segundo também, Biro-Biro, Biro-Biro e Casagrande. 3 a 1.
Em 83, já com Leão no time, o espetáculo continua.
Nas semifinais, no primeiro jogo contra o Palmeiras, um car-
rapato verde, Márcio Alcântara, cola em Sócrates de tal forma que
o Doutor só de pênatli consegue fazer o gol do empate por 1 a 1.
No segundo jogo, Sócrates já aos 21 minutos humilha seu car-
rapato, faz um 1 a 0 e passa o resto do jogo andando pelo campo
todo, com Márcio Alcântara correndo atrás. A coisa vai ficando
cômica. A torcida percebe e delira.
Na final contra o São Paulo, Sócrates faz o gol da vitória no
primeiro jogo: 1 a 0. No segundo, aos 46 do segundo tempo, passe
de Zenon, de calcanhar, gol do Doutor. Corinthians bicampeão,
apesar do empate por 1 a 1.
A Democracia Corinthiana era tão democrática que mesmo
quem não estava na sua linha de frente podia ser um ídolo do
time. Foi o caso do pernambucano Biro-Biro, com sua fala mansa,
seu futebol dedicado, sua encaracolada cabeleira holandesa con-
trastando com a pele queimada pelo sol do Recife.
Era tão popular que, nas eleições para senador em 1978, rece-
beu, de graça, 60 mil votos, 20 mil a mais de quando, mais tarde,
se elegeu vereador. Em campo, era um polivalente, marcava, ar-
mava e conferia. Na vitória contra a Ponte pelo título de 79, bri-
lhou na meia-direita. Em 82, contra o São Paulo, foi como ponta-
esquerda que enfiou uma bola entre as pernas de Waldir Peres. No
ano seguinte, repetiu a dose contra o São Paulo, só que agora pela
ponta-direita. Em 88 foi um eficiente volante na vitória do título
contra o Guarani. Deixou o Corinthians naquele ano, depois de
10 anos e 589 jogos com a camisa do Timão. Com outra, nunca
repetiu o sucesso.
Mas a Democracia Corinthiana até hoje é tão lembrada, foi
vista de tantas maneiras que ainda merece mais algumas reflexões.

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Liberdade com responsabilidade
A Democracia Corinthiana teve seus críticos ferozes. Claro
que empresários espertinhos e diretorias manipuladoras preferem
jogadores infantilizados e inibidos por um sistema onde, por mais
que joguem bola, como pessoas não amadurecem.
No Corinthians, qualquer tropeço do time era atribuído “à ba-
gunça reinante depois dessa tal Democracia”.
Um fato foi a gota d’água. Nas quartas de final do Brasileiro de
84, Sócrates não pôde jogar porque se contundira num jogo de
futebol de salão em Ribeirão Preto, sua terra. O Flamengo ganha,
2 x 0. Era o cúmulo da permissividade, bradou a oposição, per-
mitir que um jogador ande por aí disputando peladas.
No jogo de volta, em São Paulo, o Doutor estraçalha. Corin-
thians 4 a 1, baile regido por um Sócrates de tornozeleiras, ainda
estava machucado, só que amarelas, que era a cor oficial da cam-
panha Diretas Já.
Naquele ano mesmo, 1984, a exemplo do grande radialista
Osmar Santos, Sócrates vai para a linha de frente da campanha
por eleições diretas para presidente. Participa do histórico comício
de um milhão e meio de pessoas no Vale do Anhangabaú e à revista
Placar declara que não deixaria o Brasil caso a emenda Dante
de Oliveira, que restabelecia imediatamente as eleições diretas
para a presidência da República, fosse aprovada em votação no
Congresso Nacional.
Não foi. No dia 16 de abril, a emenda das Eleições Diretas foi
derrotada por 22 votos num Congresso Nacional omisso. No dia
18 de abril, Sócrates aceita ser transferido para a Fiorentina, da
Itália. Partiu desencantado com a política brasileira.
A Democracia Corinthiana foi e será objeto de discussão no
futebol brasileiro. E é bom para o futebol que assim seja. Aos que
a confundiam com mera bagunça, Sócrates na época respondia:
“Este é o país onde mais se bebe cachaça no mundo e parece que
eu bebo tudo sozinho. [...] Não querem que eu beba, fume ou
pense? Pois eu bebo, fumo e penso. Não fico escondendo as coisas.
É importante ressaltar que nenhum dos jogadores confunde de-
mocracia com anarquia. Ao contrário, quem participa de uma de-
cisão tem mais responsabilidade sobre ela. Como resultado disso
tudo, vivemos menos tensos e mais satisfeitos”.
Um dos técnicos da Democracia, Mário Travaglini, confirma
essa visão do Doutor: “Jamais o time, enquanto eu fui o seu trei-

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nador, esteve acéfalo. O fato de incentivar a participação de todos
os atletas não lhes dava o direito de agir como bem entendessem.
Todos agiam com liberdade, mas preservando a responsabilidade,
os deveres e as obrigações naturalmente impostos pela própria es-
trutura que fomos montando com o passar do tempo”. Travaglini
ainda faz questão de ressaltar que “naqueles tempos da Demo-
cracia, não só a liberdade era exigida, mas o fim das vaidades pes-
soais. E Sócrates dava aula de humildade”.

Uma Seleção sem alma coletiva


Em 1984, o Corinthians quase chega ao tri. Quase. Tem no time
uma constelação de craques comprados em parte com o lucro da
venda do Doutor.
Mesmo assim vai mal no primeiro turno do Paulista, termina
em quarto.
No segundo, reage bonito, ganha 22 em 24 pontos disputados.
Na final, é só vencer o Santos para chegar ao tri, mas perde, 1 a
0, gol de Serginho Chulapa.
Em 85 o time entra em campo com uma chamada Seleção
Corinthiana. Puro jogador de seleção, Carlos, Édson, Juninho,
Wladimir, Dunga, Casagrande, Serginho Chulapa, João Paulo,
Paulo César... E De León, da seleção uruguaia, contratado por
uma fortuna na época. O sonho do Corinthians era celebrar glo-
riosamente seus 75 anos de existência, com a conquista, inclusive,
do Mundial de Clubes.
No Brasileirão, foi eliminado num grupo que tinha o Coritiba,
o Joinville e o Sport.
No Paulista, foi melhor um pouco.
Um pouco. Para ficar entre os quatro finalistas, viveu um mila-
gre. Na manhã em que precisava ganhar do Comercial de Ribeirão
Preto, perde por 1 a 0. À tarde, no Parque Antártica, o Palmeiras,
que precisa ganhar do XV de Jaú para ficar com a vaga, também
perde, 3 a 2. Mas, no fim, a vaga para as semifinais fica com a Fer-
roviária de Araraquara, que ganhara na Justiça os pontos de um
jogo anterior contra o próprio Corinthians.
Enfim, uma Seleção com muito talento e pouca alma. Ou
sem aquela coesão interna, fruto do respeito mútuo, pelo qual a
Foto: Nico Esteves

Democracia tantas batalhas enfrentou. Ao voltar para o Santos


no fim de 85, Serginho Chulapa declarou que vinha de um ano de
férias no Corinthians...

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18 Neto e os operários do
primeiro título nacional

T
Corinthians odo time exige certa dose de amor paciente, mas, no caso do
Corinthians, haja coração.
dos impossíveis. Bem, pelo menos esse amor corinthiano está livre da chaga
maior dos amores deste mundo, que é a monotonia. Essa o corin-
Quando o Paulista thiano não conhece. Ele sabe que o Corinthians tanto complica
jogo fácil como vê baixar um anjo nos mais impossíveis.
parecia perdido, vai Bem que dom Paulo Evaristo Arns, que é teólogo e humanista,
diz em seu livro que duas coisas básicas o Corinthians não para de
lá em Campinas e nos ensinar, a paciência e a esperança.
No período pós-democracia, o Corinthians passou a sonhar
Viola... firme com o grande título que lhe faltava, campeão brasileiro.
E, como vamos ver, chegou lá, em 90. Mas do seu jeito, subme-
Quando nem tendo a Fiel a emoções de toda a ordem, entre trancos, relâmpagos
e, no Paulista, um toque mágico de Viola.
esperava muito ser
87, o ano do gato preto
campeão brasileiro,
Depois de 85, os craques bandeirosos, como Dunga, Serginho,
Tupãzinho estica a De León, vão embora, e chegam os operários remadores, Wilson
Mano, Jacenir.
perna e... Não dá certo logo. Em 86, o time fica ali ali, tanto no Paulista
como no Brasileiro.
No ano seguinte, 87, reencontra seu corinthiano e imprevisível
destino. Faz um primeiro turno pavoroso, chega a ficar sete jogos
sem ganhar nenhum, termina lá embaixo, ao lado do Bandeiran-
te de Birigui. Não foi chamado de Faz-me Rir porque o bolero,
aquele, não estava mais nas paradas.
No segundo turno, dispara, corinthianamente.
Na vitória de 1 a 0 contra a Inter de Inter de Limeira, um gato
Foto: Ricardo Correa – Editora Abril

preto misteriosamente atravessa o campo. Foi um bom sinal.


Como no Corinthians tudo é meio ao contrário, foi o sinal. Dias
depois, num difícil jogo contra a Ponte (sempre ela nas encruzilha-
das), uma bela vitória por 3 a 0.
O time passa 19 jogos sem perder e, na semifinal, vai lá e tasca
5 x 1 no Santos, quatro do centroavante Edmar.

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Foto: Ricardo Correa – Editora Abril

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Foi perder só as finais contra o São Paulo, 2 x 1 e 0 a 0.
Uma pena, mas depois de tanto sapo enterrado, esse louquís-
simo 87 foi o grande ano do gato preto, da maldição reversa.

Viola executa o Guarani


Em 88, mais emoções. Para chegar à final contra o então pode-
roso Guarani, três pedreiras: São Paulo, Palmeiras e Santos.
O São Paulo vencia por 2 a 0 quando um guerreiro chamado
Éverton empata, com direito, no segundo gol, a encobrir o goleiro
Rojas, sim, aquele mártir simulado do Brasil x Chile de 89 no Ma-
racanã. Depois de empatar de novo com o São Paulo e vencer o
Santos, vai enfrentar o Guarani, que tinha Ricardo Rocha, Neto,
Evair, João Paulo e mais as vantagens do empate e da final em casa.
No primeiro jogo, em São Paulo, o gol do ano: Neto para o
Guarani, de bicicleta, quase uma humilhação. Um gol tão fantásti-
co que quase ninguém percebeu que Édson havia empatado para
o Corinthians.
Antes da final em Campinas, tanto ainda se falava na bicicleta
do Neto que Vicente Matheus começou a fazer pouco: “Ora bici-
cleta. Domingo nós vamos enfiar uma lambreta neles”.
Mas o jogo foi tenso, travado, um 0 a 0 com prorrogação e
onde o empate era deles. A hora da lambreta começou com um
chute completamente torto de Wilson Mano. Todo mundo ainda
se lembra: a bola, que ia fora, reencontrou o bom caminho nos pés
de um menino de 19 anos chamado Viola.
Na tribuna de honra, Washington Olivetto, publicitário e corin-
thiano, comentou com Benito Juarez, bugrino e músico: “Maestro,
acho que hoje o Corinthians executou o Guarani. Com Viola”.
Era o vigésimo título do maior campeão de São Paulo.

Quase, quase, puro quase


Aí recomeça. No Brasileiro de 88 o Corinthians vai mal e, no
EXECUTANDO O GUARANI
Paulista de 89, a única alegria foi ver o Palmeiras perder de 3 a 0 Na decisão do Paulista de 88,
para o Bragantino e prolongar seu jejum de 13 anos sem título. Edmar na Seleção, o técnico
89 foi o primeiro ano da Copa do Brasil e, nas quartas de final, Jair Pereira escala o menino Viola que,
contra o Flamengo, o Corinthians emocionou. Perdeu a primeira aos 5 minutos da prorrogação, desvia
no Rio, 2 a 0, precisava tirar a diferença no Pacaembu, mas até os um chute de Wilson Mano e dá o título
24 do segundo tempo o jogo se arrastava num travado 1 a 1. Para ao Corinthians. Para o Guarani,
continuar na competição, o time precisava fazer, no mínimo, 4 a 1. o empate bastava

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E fez: Giba, Eduardo e Neto, 4 a 1. Mas, aí, Júnior, aos 42...
No Brasileiro de 89, mais um quase, um doloroso quase. Briga
pela ponta de seu grupo o tempo inteiro, mas perde pontos em
casa e vê a final acontecer entre Vasco e São Paulo. A única alegria,
ah, essas alegrias do avesso, foi, antes, desclassificar o Palmeiras –
1 a 0. Cláudio Adão, de calcanhar.
No Paulista de 90 o Corinthians só perdeu uma, a primeira,
para o Noroeste de Bauru, mas mesmo assim, ficou fora da final.
No Brasileiro, 90 seria o ano, o grande ano desse time operário
de uma estrela só.

Tupãzinho, do jeito que deu


Sim, o Corinthians vai chegar ao seu primeiro título nacional.
Mas, corinthianamente, na primeira fase foi o sétimo colocado e
foi para os mata-matas cheio de desvantagens.
Dois resultados iguais, vitória do adversário. Decisão na casa
do adversário. Para quem conhece o Corinthians e seu destino,
melhor impossível.
E foi o que se viu.
Contra o Atlético, no Pacaembu, 1 x 0 pra eles.
Em 15 minutos Neto vai lá e faz dois, cada um mais bonito.
No Mineirão, um 0 a 0 bastou.
Veio o Bahia.
A mesma coisa, 1 a 0 pra eles. A mesma coisa pra nós: Neto. Ele
bate um daqueles seus escanteios tão maldosos que só restou ao
volante Paulo Rodrigues fazer gol contra. Neto outra vez, de falta,
2 a 1. Aí, na Fonte Nova, a mesma coisa, 0 a 0.
Veio o São Paulo. O São Paulo do carismático Telê Santana.
Aos quatro minutos, Wilson Mano, meio de joelho, meio de
canela e sem nenhum carisma, faz 1 a 0.
Nem foi preciso o empate no segundo jogo. Porque Fabinho
avança com tudo pela direita, a bola sobra confusa na área para
Tupãzinho empurrar, não se sabe como, para as redes.
Corinthians valente, Corinthians operário, campeão brasileiro.

Nossos primeiros campeões brasileiros


Ronaldo. Ronaldo Soares Giovanelli, nascido em São Paulo no
dia 20 de novembro de 1967, estreou no gol do Corinthians em
jogos de caampeonato em 1988 pegando um pênalti cobrado pelo

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são-paulino Darío Pereyra. Entre 88 e 98, jogou 601 vezes pelo
Corinthians, ficando atrás apenas de Wladimir (805) e Luizinho
(604). Foi campeão paulista em 88, 95 e 97, brasileiro em 90 e
da Copa do Brasil em 95. Às vezes impulsivo e brigão, salvou o
time em jogos decisivos. Em 97, garantiu o título defendendo um
chute indefensável do atacante França, do São Paulo. Ainda em
97, quando uma derrota para o Flamengo no Morumbi significa-
ria o rebaixamento, fez outro milagre num chute de Júnior Baiano.
Depois Edílson fez 1 a 0 e nos economizou uma série B.

Giba. Antônio Gilberto de Souza, nascido em Cordeirópolis,


interior de São Paulo, no dia 7 de março de 1962, veio do Guarani
para ocupar a lateral direita do time campeão brasileiro de 90. Em
quatro anos no time, jogou 211 jogos e fez 17 gols.

Marcelo. Marcelo Kiremitdjian nasceu em São Paulo no dia 6


de novembro de 1966 e foi um dos melhores zagueiros revelados
no próprio clube. Entre 1987 e 1993, jogou 342 vezes pelo Corin-
thians e fez 4 gols. Foi fundamental nas conquistas do Paulista de
88 e do Brasileiro de 90.

Guinei. Valdinei de Paula, paulista de Sorocaba, nascido em 6


de maio de 1969, veio do São Bento em 1990 junto com Tupã-
zinho quando foi campeão brasileiro em dupla com Marcelo.

Jacenir. Jacenir Silva nasceu no Rio, em 11 de novembro de


1959, e jogou 214 vezes na lateral esquerda do Corinthians em
duas ocasiões (1986-1987 e 1990/1992). Em sua melhor fase, foi
campeão brasileiro em 90.

Márcio. Paulista de São José dos Campos, Henrymárcio Biten-


court (19/10/64) foi um volante do tipo xerife de área fundamental
para a conquista do Brasileiro de 90.

Wilson Mano. Wilson Carlos Mano, nascido em Auriflama,


interior de São Paulo, no dia 23 de maio de 1964, foi volante,
lateral, zagueiro, meia-atacante quando necessário, um guerreiro
em todas essas posições nos sete anos e 405 vezes em que jogou
no Corinthians (1986/1992 e 1994). Fez 34 gols com a camisa
alvinegra. Campeão no Paulista de 88 e no Brasileiro de 90, foi o
símbolo desta era de pouca estrela e muito coração.

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Foto: Daniel Augusto Junior

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Domingo,16 de dezembro de 1990: gol de Tupãzinho, primeiro título nacional

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Tupãzinho. Pedro Francisco Garcia. Paulista de Uchoa, onde
nasceu em 7 de julho de 1968, Tupãzinho chegou ao Parque São
Jorge em 1990, vindo do São Bento e, em seus seis anos com a
camisa alvinegra, fez 340 partidas e 52 gols. Muitas vezes saía do
banco para incendiar o jogo e salvar o time. Seu gol contra o São
Paulo, que no dia 16 de dezembro decidiu o título brasileiro de 90,
no panteão da memória corinthiana, está muito próximo àquele
de Basílio, em 77.

Fabinho. Foi ele, Fábio Ribeiro, paulista de Santo André


(26/11/1965), quem deu o passe para o gol histórico de Tupãzinho
contra o São Paulo. Veio do Novorizontino em 1989 e ajudou a
dar três títulos ao Corinthians – o Brasileiro de 90, o Paulista e a
Copa do Brasil de 95. Em 258 jogos, fez 25 gols.

Mauro. Mauro Aparecido da Silva nasceu em Ipauçu, interior


de São Paulo, em 25 de setembro de 1962. Meio esquecido no Pal-
meiras, veio para o Corinthians em 89, como um ponta-esquerda
veloz. Às vezes pegava um banco mas, quando entrava, era para
surpreender. Em 105 jogos, fez 8 gols.

Ezequiel. Ezequiel Ataliba, volante guerreiro, muito querido


pela torcida, paulista de Campinas (19/5/1962), jogou no Corin-
thians entre 1990 e 1995. Fez 254 jogos e 10 gols. Campeão pau-
lista (1995), brasileiro (1990) e da Copa do Brasil (1995).

Paulo Sérgio. Paulo Sérgio Silvestre Nascimento nasceu em São


Paulo no dia 26 de junho de 1969 e afinou seu futebol nos juniores
do Parque São Jorge. Inteligente, versátil, foi campeão do mundo
em 94, nos Estados Unidos. Jogou na Alemanha, aprendeu a falar
fluentemente o alemão e é um exemplo de boa integração cultural
na Europa. Jogou no Corinthians de 1988 a 1993, em 183 jogos
fez 24 gols.

Nelsinho, técnico. Nélson Baptista Júnior (22/7/1950), paulista


de Campinas. Em quatro oportunidades, 1990/1991, 1992/1993,
1996/1997 e 2007, foi técnico do Corinthians, tendo dirigido o
time em 192 jogos. Como lateral-direito, atuou na Ponte Preta,
São Paulo, Santos e Juventus. Foi campeão brasileiro pelo Corin-
thians em 90 e Paulista em 97. Depois de tantas conquistas, em
2007 caiu com o time para a série B.

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Neto. José Ferreira Neto nasceu em Santo Antônio de Posse,
perto de Campinas, em 9 de agosto de 1966. Famoso pelos passes
perfeitos e letais cobranças de falta, e também pela luta contra
a balança e contra o temperamento inflamável. Seu pavio-curto
pelo menos uma vez prejudicou gravemente o time: no Paulista
de 91, cuspiu no juiz José Aparecido de Oliveira num jogo contra
o Palmeiras e por isso não estava presente na final contra o São
Paulo, quando o Corinthians foi derrotado. Mas, não fosse o seu
temperamento, teria vindo para o Corinthians? Porque, em 89,
para tirá-lo do Palmeiras junto com o lateral-esquerdo Denys, o
Corinthians só precisou ceder dois jogadores de menor expressão
(o meia Ribamar e o lateral-esquerdo Dida). Neto ficou no Corin-
thians até 93, e arrebentou. Na conquista do Brasileiro de 90, faz
nove dos 26 gols do time. Em 97, volta ao ao Corinthians para
ser campeão. Torcedores de todo o Brasil acharam injusta a sua
não convocação para a Copa da Itália, em 90. Em seu lugar, um
cracaço testado, foi o carioca Bismarck, uma promessa. Em 227
jogos no Timão fez 80 gols.

QUANDO NETO MANDOU VER


Foto: Ricardo Correa – Editora Abril

Ele teve seus altos e baixos, seus


quilos a mais e seus quilos a menos,
mas a verdade é que, em 90, reinou.
Dos 23 gols do título nacional,
nove foram dele. Nas quartas de final,
acabou com o Atlético.
Nas semifinais, com o Bahia

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19 Marcelinho e
o fim do milênio

F
A década de 90, undado na primeira década do século 20, o Corinthians do-
bra 1990 como campeão brasileiro e entra cheio de espe-
que começou meio rança na última década do segundo milênio da era cristã.
O Bom Retiro, onde, em 1910, o time foi fundado, mudou relati-
assim, lá pela vamente pouco. Já a cidade, o futebol, o mundo...
Só não mudou o destino do time, seu jeito batalhado de chegar
metade, em 95, lá; para cada alegria, muitos sustos; para cada título na rede, tanta
bola na trave.
virou uma festa É só ver esta última década do milênio, a maneira que começa,
a glória em que termina. Puro Corinthians.
de títulos os Até que começa com um título, logo no raiar de 91. Ganha uma
Supercopa do Brasil, disputa que reunia o campeão brasileiro e o
mais variados e da Copa do Brasil do ano anterior. Foi um jogo só, contra o Fla-
mengo, no Morumbi. Corinthians, Neto, 1 a 0.
esperanças as Já na Libertadores...
Bem, classsificou-se em segundo no seu grupo. Aí, contra o Boca
mais justificadas Juniors, pelas oitavas de final, em Buenos Aires, bem que merecia
melhor sorte. Empate suado, 1 a 1, quando o juiz chileno vê mão
na bola numa bola na mão do volante Márcio. Pênalti. Logo de-
pois Guinei comete uma bobeada justo na frente de Batistuta, 3 a
1. No Morumbi, outro azar do Guinei e o jogo termina 1 a 1.
No Brasileirão, ainda em 91, a má sorte continua. No tapetão
o Fluminense elimina o Corinthians das semifinais. No Paulista,
Neto cospe no juiz em jogo contra o Palmeiras e fica fora do
campeonato. Mesmo assim o time vai à final contra o São Paulo,
mas dá com um Raí muito inspirado pela frente.
92 também não resulta num ano bom, nem no Paulista nem no
Brasileiro e nem na Copa do Brasil.
Em 93, os adversários, vamos reconhecer, estão com tudo.
O São Paulo, bom de time, bom de finanças e bom de técnico,
Telê Santana. E o Palmeiras, bem amamentado por um patrocina-
dor de peso, a Parmalat.
Foto: Folha Press

Mas o Corinthians vai pra cima. Corta as asas do São Paulo, 1 a


0, Neto outra vez. Na primeira final contra o Palmeiras, Viola faz
1 a 0 e ainda fuça o gramado imitando um porco. Demais.

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Já o segundo jogo, Corinthians com vantagem do empate, foi
lambança pura. Com três corinthianos expulsos, Ronaldo, Hen-
rique e Ezequiel, o Palmeiras ganha no tempo normal e por 1 a 0
na prorrogação. Tudo bem, coitados, estavam na fila há 16 anos.
Ainda em 93, o Corinthians traz quatro jogadores do surpreen-
dente Mogi Mirim, o lateral Admílson, o meia Válber e os ata-
cantes Leto e Rivaldo. Quase deu certo. Quase: o time conquista
o vice do ressuscitado Torneio Rio-São Paulo e fica em terceiro no
Brasileirão, perdendo um único jogo, para o Vitória, na Bahia.
Vamos pular logo para 95?
Antes, vale lembrar fatos importantes de 94, ano em que o Co-
rinthians, já meio por aqui com as glórias do Palmeiras, tenta se
armar bem para o Brasileiro.
Do Rio chega um baixinho genial e genioso, Marcelinho Cario-
ca. Do Rio Branco de Americana vem um meia-esquerda altamente
técnico, Souza. Tudo craque de futuro no time. Ao contrário do
Branco, que veio da Seleção e que, na decisão do Brasileiro contra
o Palmeiras, deu uma entregada justo para o Rivaldo (já da Par-
malat) que pelo amor de Deus. O Corinthians foi vice.
Mas é bom lembrar também que nesse ano, 94, o Corinthians
foi campeão de uma certa Copa Bandeirantes, que o habilitou para
a Copa do Brasil de 95.
É, tudo somado, 94 foi um bom ano-escada. Ou escola.
As coisas estão se armando, a Fiel pressentia. E chega de Pal-
meiras, já isso era uma certeza.

Seis meses de puro Corinthians


O Corinthians de Souza e Marcelinho entra 95 – desfilando.
Um espetáculo atrás do outro.
Começa conquistando, depois de uma longa espera, a Copa São
Paulo de Juniores. Na avenida, a Escola de Samba Gaviões da Fiel
é a primeira colocada no Grupo Especial.
Que venham o Paulistão e a Copa do Brasil.
A Copa do Brasil foi vencida em grande estilo. Nas semifinais,
CARAVANA DA ALEGRIA
um demolidor 5 a 0 pra cima do Vasco. A seguir, um velho e espi-
Em 95, tudo era festa e a Fiel nhoso tabu, o Grêmio de Porto Alegre.
não largava o time, nem Que também não ofereceu maior resistência. Foi 2 a 1 no Pa-
quando ia ganhar do Palmeiras caembu e quando, no Olímpico, um empate bastava, o novo ídolo
no Estádio Santa Cruz do time, Marcelinho, não deixou por menos: 1 a 0 aos 27 minutos
em Ribeirão Preto do segundo tempo.

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Foto: Ed Viggiani

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Foto: Ricardo Correa – Editora Abril

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Agora, no Paulistão, o Palmeiras.
A decisão foi em Ribeirão Preto. No primeiro jogo, Marcelinho
faz 1 a 0 e eles só empatam ao 45 minutos do segundo tempo,
Nílson.
No segundo jogo, Palmeiras na frente, outra vez Nílson.
Aí, falta para o Corinthians perto da área. O goleiro Velloso
vê, assustado, Marcelinho se agachar e conversar com a bola. Não
deu outra. No ângulo, 1 a 1. O empate bastava, mas o cuca-fresca
do Elivélton, nem aí para o regulamento, vai e faz 2 a 1.
O Corinthians volta de Ribeirão com várias alegrias na baga-
gem. Continuava o campeoníssimo paulista, com 21 títulos. Im-
pedira o Palmeiras de chegar a um tri que só conquistara 60 anos
antes, em 1934.
E mais: pela primeira vez em toda a sua história ganha o jogo
em uma decisão contra o rival.
Taça São Paulo, Copa do Brasil, Paulistão, olha os perigos da
barriga cheia: no Brasileiro daquele ano glorioso ficou lá atrás. De
olho já na Libertadores?
Se foi, não valeu tanto a pena.
Não que o time fosse mal na Libertadores. Sai em primeiro de
um grupo que tinha o Botafogo, a Universidad Católica e a Uni-
versidad de Chile, passa pelo Espoli do Equador e para no Grêmio
depois de uma inacreditável derrota por 3 a 0 em pleno Pacaembu.
Vence o jogo de volta em Porto Alegre, com gol de Edmundo.
Contratado para reforçar o sonho da Libertadores, o Animal não
correspondeu. Canalizou sua animalidade para os companheiros.
Brigou com o roupeiro, brigou com Bernardo e foi colaborar com
o time só em 2000, mas já com a camisa do Vasco.
Mas essa é a próxima história.
Só para fazer justiça com esse segundo semestre de 1996: no fim
do ano, o Corinthians conquista na Espanha o Troféu Ramón de
Carranza, vencendo o Cádiz e o Bétis, ambos por 2 a 0.

Prata da casa, bom volante,


bom lançador, Zé Elias, o Zé da
Fiel, brilhou nas glórias de 95

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20 Rumo ao Mundial

N
O caminho para o uma entrevista, Marlene Matheus, essa grande militan-
te corinthiana, conta que a camisa favorita de Vicente
Mundial de Clubes Matheus era uma completamente pura, sem o nome de ne-
nhum patrocinador. Mas a verdade é que, desde a vaquinha para
teve de tudo: comprar a primeira bola em 1910, o futebol mudara bastante.
Para o bem ou para o mal, o século 20 chega ao fim consagran-
Edílson gozando do nos times a era dos grandes patrocinadores. O próprio Corin-
thians teve o desprazer de ver crescer, entre 93 e 94, um imponente
o Palmeiras, Dida alviverde por conta da Parmalat.
Foi isso? Não, foram os tempos. O Corinthians saiu também
pegando pênalti, em busca de apoio. Uma das primeiras empresas a apoiá-lo, ainda
em 1985, foi a de um outro corinthiano militante, Damião Gar-
o belo jogo contra cia, dono da Kalunga.
Em 97, uma parceria com o Banco Excel propicia ao time a
o Real Madrid e, contratação de craques como o zagueiro Antonio Carlos, o lateral-
esquerdo André Luiz e os atacantes Túlio e Donizete.
enfim, no Maracanã,
Dinei, como em 90
o título
Deu certo? Deu certo, quase certo e errado, que nem só de
dinheiro vive o futebol.
Quase certo na Copa do Brasil, o time foi até as semifinais.
Muito certo no Paulistão. Aí não teve para ninguém. Chegou a
tascar 8 a 2 no Guarani e 5 a 2 no Palmeiras. No quadrangular
decisivo, 4 a 3 no Santos, 2 a 0 no Palmeiras e um empate com o
São Paulo para chegar com honras ao seu 22º título estadual.
Mas o Corinthians é o Corinthians.
No Brasileiro, por pouco não é rebaixado.
Na última hora se salvou com modesto 1 a 0 contra o Flamengo
em casa, gol de Edílson, e depois 2 a 0 em Goiânia justo sobre esse
fatídico Goiás. Por pouco, muito pouco, 2008 não chega antes.
No ano seguinte, 1998, a constelação de astros se completa. O
time já tem Gamarra, Rincón, Edílson, Marcelinho de volta e um
técnico experiente, Vanderlei Luxemburgo.
Foi vice no Paulista, mas fez um Brasileirão impecável.

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Foto: Alexandre Battibugli – Editora Abril

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Foto: Caio Guatelli – Agência Estado

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Na reta final, passou pelo Grêmio, Santos e foi para a final con-
tra o Cruzeiro.
No Mineirão, começa perdendo, 2 a 0, mas vira e empata, com
um gol e depois um bonito passe de Dinei para Marcelinho.
No primeiro jogo do Morumbi, 1 a 1, gol de Marcelinho. No
terceiro, decisivo, outra vez o herói Dinei. Ele substitui Miran-
dinha e deixa Edílson e depois Marcelinho na cara do gol, 2 a 0.
Dinei era o único em campo que também havia sido campeão
brasileiro em 90. Grande Dinei. A Fiel, nessa tarde, gritou alto o
seu nome.

Edílson, o embaixador
A Fiel está feliz. Sente que o time está com tudo para uma
grande passagem de milênio.
E é o que acontece, é o que acontece.
No começo, a torcida estranhou o nome - Hicks, Muse, Tate
& Furst. Menos corinthiano, impossível. Não vai dar rima para
a Gaviões, era uma das ressalvas. Mas esse era o nome do fundo
de investimentos americano que vinha fazer uma forte parceria
com o Corinthians. Nas asas dela, e para coroar um time que já
era bom, no segundo semestre chega do Cruzeiro o goleiro alto,
elegante e terror dos batedores de pênaltis: Dida. E do La Coruña
da Espanha, o centroavante Luizão.
Pois em 99 esse reforçado Corinthians brilhou em casa e pe-
nou fora. No Paulista, festa na final contra o Palmeiras, 3 a 0 no
primeiro jogo.
O segundo foi aquele do show do Edílson, controvertido mas
inesquecível. O Corinthians, que nem precisava ganhar, empatava
em 2 a 2 quando, aos 31 do segundo tempo, Edílson recebe a
bola lá atrás e, em vez de avançar ou passar, dá de ficar fazendo
embaixadinhas, deixando a bola fluir pelo corpo inteiro, como
se estivesse brincando sozinho na praça. Mordidos que estavam,
os palmeirense, Paulo Nunes à frente, partiram para cima dele, o
tempo fechou e o juiz deu por finda a partida. O Corinthians, pela O SENHOR EMBAIXADOR
23ª vez, era campeão paulista. Edílson, Edílson... àquelas alturas
do campeonato e do jogo, 31
Dida x Raí do segundo tempo, o título
já era nosso, não tinha mais
Nas quartas de final da Libertadores, o Corinthians domina o para o Palmeiras. Mas enfim...
jogo contra o Palmeiras, mas perde, 2 x 0. Precisa pelo menos Aconteceu. E a Fiel não esquece

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devolver esse placar no segundo jogo, e devolve: 2 a 0 também,
Edílson e Ricardinho.
A decisão vai para os pênaltis e Dinei e Vampeta desperdiçam
os seus. Fim do sonho.
Mas no Brasileirão, ah no Brasileirão a primeira fase, já com
Dida e Luizão no time, foi um passeio, com direito a empates nos
mata-matas da segunda.
Passeamos pelo Guarani, pelo São Paulo, pelo... espera aí. No
caso do São Paulo tem que detalhar. Nos 3 a 2 do primeiro jogo,
Dida pega dois pênaltis cobrados por um perplexo Raí, na maior.
Os 2 a 1 do jogo seguinte, tudo bem, normal. Nem foi preciso o
terceiro jogo.
Finais contra o Atlético. No Mineirão, 3 a 2 pra eles. Em São
Paulo, 2 x 0, os dois do Luizão.
No terceiro jogo, 0 a 0 e Corinthians campeão. Para ser mais
exato: bicampeão brasileiro!

Campeão do mundo
Para um time do tamanho emocional do Corinthians, qual a
melhor maneira de fechar um milênio?
Ora, fazendo algo igualmente grandioso. Sendo campeão do
mundo, por exemplo.
Pois não é que, em janeiro de 2000, a FIFA resolve organizar
oficialmente seu campeonato mundial de clubes, e a sede é o Brasil,
o país do futebol.
Da Inglaterra vem o Manchester, da Espanha vem o Real Ma-
drid, da Arábia Saudita vem o Al Naser, do Marrocos vem o Raja
Casablanca e da Austrália, o South Melbourne, e mais o Necaxa
do México.
Do Brasil, o Vasco da Gama, campeão da Libertadores em 98,
e o campeão nacional do país-sede, o Corinthians.
Na chave do Corinthians, em São Paulo, Real Madrid, Al Naser
e Raja Casablanca.
No dia 5 de janeiro o Corinthians vence o Raja Casablanca,
no Morumbi, por 2 a 0, Luizão e Fábio Luciano. Dois dias de-
pois, Corinthians e Real Madrid. Edílson, o Capetinha, num dia
verdadeiramente endiabrado, vira o jogo para 2 a 1. Mas eles
também têm seu endiabrado, o centroavante Anelka, que empata
no segundo tempo e ainda perde um pênalti. Ou talvez fique mais
justo dizer: Dida ganha o pênalti.

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Agora, para fazer saldo de gols na chave e ir para a final, o Co-
rinthians precisa ganhar do Al Naser por, no mínimo, dois gols de
diferença. Jogo duro, sofrido, era o jogo da vida deles. No fim, um
2 a 0 suado, Ricardinho e Rincón.
Maracanã, 14 de janeiro, Corinthians e Vasco decidem o título.
Dois timaços, dois galácticos caseiros.
O Vasco vem de Hélton, Paulo Miranda, Odvan, Mauro Galvão
e Gilberto; Amaral, Felipe, Juninho Pernambucano e Ramón; Ed-
mundo e Romário.
E o Corinthians: Dida, Índio, Adílson, Fábio Luciano e Kléber;
Vampeta, Rincón, Ricardinho e Marcelinho; Edílson e Luizão.
Jogo tenso, Fábio Luciano segurando o liso Romário, Odvan e
Mauro Galvão colando em Edílson e Marcelinho.
Nas arquibancadas, 22 mil corinthianos empurrando o time. Já
no meio dos vascaínos, alguns colaboracionitas vestidos de verde,
que nessas horas eles sempre aparecem.
Na prorrogação, mais 0 a 0.
A decisão vai para os pênaltis.
Rincón chuta, a bola bate na trave – e entra.
Romário bate, 1 a 1.
Fernando Baiano, um garoto, mas converte, 2 a 1.
Bate Gilberto – Dida pega!
Bate Edu, outro garoto do Parque, 4 a 2.
Viola, agora no Vasco, podia colaborar. Nada, 4 a 3.
Marcelinho, o maior goleador corinthiano de bola parada de
todos os tempos, ajeita a bola e, como sempre faz, conversa com
ela. Corinthians campeão, decretam os corinthianos mais superfi-
ciais. Sei não, os mais vividos murmuram.
Marcelinho bate, Hélton segura.
Edmundo ajeita a bola. Não seria hora de compensar o que ele
não fez no Corinthians?
Dida tenta adivinhar a mente do vascaíno, mas mente de Ani-
mal é complexa. Dida cai para o canto direito, Edmundo avança e
chuta no esquerdo. Mas pé de Animal também não é fácil, a bola
voa por cima do travessão.
E assim, com um grande time e contra grandes clubes, o Corin-
thians torna-se campeão do primeiro Mundial de Clubes da FIFA.
Mesmo com este título constando, oficialmente e para sempre,
no site oficial da entidade máxima do futebol, www.fifa.com, há
quem duvide da sua legitimidade.
Para esses mal informados incrédulos, um corinthiano prati-

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cante e homem afeito a leis, Sérgio Alvarenga, tem argumentos de
peso. Na visão dele, o Corinthians, mais do que campeão de um
Mundial de Clubes, é, na verdade, o primeiro campeão de um ver-
dadeiro Mundial de Clubes. No formato anterior, ficavam de fora
continentes inteiros – e bons de bola. Não tinha time da África, e
a África já foi campeã olímpica em duas oprotunidades, coisa que
o Brasil ainda não foi. Ficava de fora a América do Norte e olha
aí os Estados Unidos vencendo a poderosa Espanha e finalista da
Copa das Confederações. Dentre os times asiáticos, a Coreia do
Sul já foi finalista numa Copa do Mundo.
Sim, insiste Alvarenga, o Corinthians foi o primeiro campeão
de um torneio que teve representantes da América, da América do
Sul, da Concacaf, da Ásia, da Europa e da Oceania. Nada contra
o formato anterior do Interncontinental de Clubes disputado do
Foto: Alexandre Battibugli – Editora Abril

Japão. Mas o Mundial mesmo começou em 2000 e o campeão foi


o Corinthians.

Nossos campeões mundiais


Dida. Nélson de Jesus Silva, nascido em Irará, Bahia, em 7 de
outubro de 1973, fez 94 jogos pelo Corinthians entre 1999 e 2002.
Seu quase sobrenatural talento para defender pênaltis classificou o
Corinthians no Brasileiro de 99 contra o São Paulo e, no Mundial
de Clubes, contra o Real Madrid e o Vasco.

Índio. José Sátiro do Nascimento nasceu em Palmeiras dos Ín-


dios, Alagoas, no dia 3 de março de 1979. Membro da tribo Xu-
curu-Cariri, só aos 17 anos foi conhecer uma chuteira. Veio para
o Corinthians em 1998, onde se revelou um marcador simples e
eficiente. Foi campeão paulista em 99 e 2001, brasileiro em 98 e
99 e mundial em 2000.
D, DE DECISÃO
Dida e Dinei, duas boas lembranças
Adílson. Adílson Dias Batista, zagueiro do tipo xerifão, pa-
no memorial secreto da Fiel. Dida
ranaense nascido em Curitiba (16/3/68), veio do Grêmio para o
pegando pênaltis que até Deus
Corinthians no ano 2000, para reforçar a defesa no Mundial. duvida, aqueles dois do Raí pelo
Brasileiro, aqueles que nos deram
Fábio Luciano. Nascido em Vinhedo, São Paulo, em 29 de mar- o Mundial em 2000, primeiro
ço de 1975, veio da Ponte também em 2000. Bom de cabeça em contra o Real Madrid, depois contra
Foto: Folha Press

todos os sentidos, na defesa, no ataque e na vida. Seu gol contra o Vasco no Maracanã. Dinei
o Raja Casablanca no Mundial de Clubes foi decisivo para a clas- campeão paulista, brasileiro, mundial,
sificação. A bola nem entrou, mas isso é outra história. arma secreta em jogos decisivos

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Fecha as pernas, Karembeu. O Edílson b

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n bem que avisou

Foto: Paulo Pinto – Agência Estado

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Kléber. Kléber de Carvalho Correia nasceu em São Paulo no
dia 1º de março de 1980. Aos 18 anos já era lateral-esquerdo do
Corinthians, hábil em passes e cruzamentos. Campeão paulista em
99, 2001 e 2003, da Copa do Brasil e do Rio-São Paulo em 2002,
do Brasileiro em 98 e 99, do Mundial de Clubes em 2000. Campe-
oníssimo Kléber. Fez depois uma bela carreira internacional e foi
diversas vezes convocado para a seleção de Dunga.

Vampeta. Marcos Antônio Batista dos Santos nasceu em Na-


zaré das Farinhas, Bahia, em 13 de março de 1974. O apelido vem
da infância e sugere uma mistura de vampiro com capeta. Volante
que defende, arma e chuta em gol, veio do PSV Eindhoven, da
Holanda, e formou com Rincón uma dupla fudamental para as
conquistas do Paulista de 99, os Brasileiros de 98 e 99 e o Mundial
de 2000. Foi ainda campeão da Copa do Brasil e do Rio-São Paulo
em 2002 e do Paulista em 2003. Várias vezes convocado para a
Seleção Brasileira, foi pentacampeão mundial em 2002, na Coreia
do Sul e no Japão.

Rincón. Craque da seleção colombiana em três Copas do Mun-


do, Freddy Eusébio Gustavo Rincón Valencia nasceu em Bue-
naventura, Colômbia, em 14 de agosto de 1966. Veio do Palmei-
ras para se tornar o grande regente do meio-campo corinthiano
nas conquistas do Paulista de 99, dos Brasileiros de 98 e 99 e do
Mundial de 2000.

Ricardinho. Ricardo Luís Pozzi Rodrigues, paulistano nascido


em 23/5/76, foi revelado no Paraná Clube, mas chegou ao Corin-
thians vindo do Bordeaux, da França. Meio-campo inteligente e
habilidoso, arma e conclui com a mesma e elegante eficiência. Peça
importante numa das eras mais felizes do time. Títulos: Paulistas
de 99 e 2001, Copa do Brasil e Rio-São Paulo em 2002, Brasileiro
de 98 e 99, Mundial de 2000. Campeoníssimo Ricardinho.

Marcelinho. A passagem de Marcelo Pereira Surcin, nascido no


MUNDIAL, A FESTA
Rio de Janeiro em 31/12/71, coincidiu com uma profusão de títu-
Primeiro, a hora em que Edmundo los que o fez ídolo da Fiel para sempre. Com 206 gols marcados
decide colaborar e erra o pênalti. em 434 jogos nas três oportunidades em que jogou pelo time,
Fotos: Folha Press

Depois a festa em si, que começou 1994/1997, 1998/2002 e 2006 (mais um amistoso de despedida
no Maracanã, atravessou o Rio em 2010) tornou-se o quinto maior goleador da história corinthi-
e pegou a Dutra ana. Veio do Flamengo quase por acaso, meio brigado que andava

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por lá. Foi decisivo em jogos decisivos: em 95, seu grande ano,
marcou nas duas finais contra o Grêmio pela Copa do Brasil e
contra o Palmeiras na disputa do título estadual. Temperamen-
tal, chegado a um cartão vermelho, declarava-se homem religioso
na vida e, em campo, tinha o apelido de Pé-de-anjo, graças à sua
diabólica habilidade nas cobranças de faltas. O simples ato de se
ajoelhar e conversar com a bola antes do chute já abalava boa
parte da confiança do goleiro. Num Santos x Corinthians, em fe-
vereiro de 96, domingo de Carnaval, Marcelinho recebe a bola de
Tupãzinho, aplica um histórico chapéu de chaleira no zagueiro
Ronaldo Marconato e, de chapa, sem deixar a bola cair, manda
no canto esquerdo do filho do Rei, Edinho. Na tribuna de honra,
Pelé aplaudiu com justiça, o futebol falando mais alto do que o
sangue.Chegou até a sugerir a colocação de uma placa em plena
Vila Belmiro homenageando o gol de Marcelinho. Em 97 ele vai
para o Valencia, da Espanha, mas só fica seis meses. Comprado
pela Federação Paulista, tem seu passe leiloado por telefone: pas-
saria a pertencer ao time cuja torcida mais ligasse solicitando sua
presença. Ora se a Fiel ia perder essa.
Foi decisivo outra vez nas finais contra o Cruzeiro em 98. Ironi-
as da sorte: batedor impecável, perdeu o pênalti que tirou o Corin-
thians nas semifinais contra o Palmeiras na Libertadores de 2000.
Perdeu também aquele outro no Maracanã que quase nos tira o
Mundial de Clubes. Por tudo isso, tinha grito próprio no coral
da Gaviões: “Uh, Marcelinho! Uh,Marcelinho”. Em outubro de
2005, quando ele entrou em campo com a camisa do Brasiliense,
ainda ouviu a torcida gritar em coro, fiel: “Uh, Marcelinho!” .
Em 2006, numa das constantes brigas pelo poder entre a MSI e
a diretoria do clube, Marcelinho, já com 34 anos, vive uma breve
e infausta volta ao Corinthians. Mas vale, no seu caso, o conjunto
da obra. Nos 433 jogos que disputou com a camisa alvinegra,
marcou 206 gols, mereceu três troféus Bola de Prata e uma Bola de
Ouro de melhor jogador oferecidos pela revista Placar. Sua coleção
de títulos pelo Corinthians é grandiosa: Paulistas de 95, 97, 99 e
2001. Brasileiros de 98 e 99, Copa do Brasil de 95 e Mundial de
2000. E mais a Copa Bandeirantes de 94 e Troféu Ramón Car-
ranza em 96.
Deus lhe pague, Marcelo Pereira Surcin, Pé-de-anjo do capeta!

Edílson. Edílson da Silva Ferreira é baiano de Salvador, onde


nasceu em 17/9/1971, e nunca deixou de ser o típico moleque

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brasileiro bom de bola. O Capetinha. Se sua irreverência fez aca-
bar em briga um jogo contra o Palmeiras pelo Paulista de 99, con-
tra o Real Madrid, no Mundial de Clubes de 2000, ela foi muito
útil ao time. Disse que ia enfiar uma bola pelo meio das pernas do
zagueiro Karembeu. Não só enfiou mesmo como fez dois gols e foi
o melhor corinthiano em campo. Títulos no Corinthians: Paulista
de 99, Brasileiro de 98 e 99, Mundial de 2000.

Luizão. Luiz Carlos Bombonato Goulart, paulista de Rubinéia


(14/11/1975). Seu talento de goleador foi decisivo para o Corin-
thians no Brasileiro de 99 nos jogos contra o Atlético. Foi impor-
tante também na Libertadores de 2000. Mesmo com o Corinthians
eliminado, ele foi o artilheiro da competição, com 14 gols. Títulos:
campeão paulista em 2001, do Rio-São Paulo em 2002, brasileiro
em 99 e mundial em 2000.

Fernando Baiano. Apesar do apelido, João Fernando Neto é


paulistano (10/3/99), veio das categorias de base e foi um dos ar-
tilheiros da Libertadores em 99. Além de campeão mundial, foi
campeão paulista em 99, brasileiro em 98 e 99. No jogo contra o
Vasco no pelo Mundial da FIFA, substituiu Edílson, e converteu

Foto: Arquivo Corinthians


seu pênalti na decisão.

Edu. O volante Eduardo César Daudi Gaspar (São Paulo,


16/7/78) revelou-se na Copa São Paulo de Juniores vencida pelo
Corinthianscom um gol dele na decisão contra o Vasco em 98.
No Mundial de 2000, entrou no lugar de Ricardinho e também
converteu seu pênalti. Naquele ano, foi contratado pelo Arsenal,
da Inglaterra. Foi também campeão paulista em 99 e brasileiro em
998 e 99.

Oswaldo de Oliveira, técnico. O carioca Oswaldo de Oliveira


Filho começou no Corinthians como interino de Vanderlei Luxem-
burgo, em 98. Efetivado, vai mal no Rio-São Paulo, volta em 99
para ser campeão paulista, brasileiro e, no ano seguinte, mundial
no torneio da FIFA.Em 2004 voltou a ser técnico do Corinthians.

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21 Corinthians em prosa e
verso, cores e imagens

A
Pelas emoções orelha do livro Coração Corinthiano, de Lourenço Dia-
féria, é assinada por Juca Kfouri, que, por sua vez, começa
que deflagra, citando uma música do Gilberto Gil, em homenagem ao
Corinthians. Por aí já se vê o quanto o Corinthians, um time de
pelo sonho que é, origem operária, se tornou um fenômeno cultural, um cult, como
se diz. Juca, um dos cronistas esportivos mais influentes do país, é
o Timão tem atiçado autor de dois livros sobre o Corinthians, Gilberto Gil foi ministro
da Cultura e Lourenço Diaféria, um dos mais amados cronistas de
poetas, músicos, São Paulo até sua morte, em 2008.
Em dezembro de 2009, por inciativa do Comitê de Preserva-
escritores, cineastas, ção da Memória Corinthiana em parceria com o projeto Autor
na Praça, foi realizada no Parque São Jorge mais uma edição da
teólogos, filósofos, Arquibancada Literária, uma semana cultural de apresentação e
debates com autores de livros sobre o Corinthians, que já são mais
ensaístas... de 70. Nascido para comemorar os 25 anos do fim do jejum em
77, este Comitê se tornou um fecunda referência para corinthia-
nólogos de todas as ciências.
Porque a verdade é que, em prosa e verso, palavra e imagem,
o Corinthians tem sido contado e cantado o tempo inteiro nesses
cem anos de existência. Vamos tentar um breve apanhado do que
poderia se multiplicar em livros e livros. O Corinthians na músi-
ca, no cinema, na fotografia, na literatura, nas artes plásticas, na
história de São Paulo...

Um show inesquecível
Só a partir do capítulo “Dois hinos e mil canções”, do livro
Coração Corinthiano, poderia ser montado, por exemplo, um es-
petáculo musical que muito honraria as festas do centenário do
time. Diaféria cita 28 composições alvinegras. Daria show para
corinthiano nenhum botar defeito:
Foto: Conceição Cahú

Batista Jr. cantando a histórica virada contra o Vasco em 1929.


Passoca entrando em cena com a música Pro Timão.
Orlando Ribeiro intepretando de Alfredo Borba - Campeão do
4º Centenário.

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“Luctar… Luctar… Agora é Elza Laranjeira quem interpreta, do mesmo Alfredo
É nosso lema sempre, para a glória Borba, o antológico Gol de Baltazar.
Jogar… Jogar… Manuel Ferreira e Ruth Amaral arrasam com o imortal “Dou-
E conquistar os louros da vitória
tor, eu não me engano, meu coração é corinthiano”...
E proclamar nosso pendão
E por aí vai, por aí vai. Grandes nomes subindo ao palco:
É alvinegro e sempre há de brilhar
Juvenal Fernandes e Adoniran Barbosa com o samba Corinthia
Fluctuar, viril
– Meu Amor é o Timão.
Para a grandeza e glória do Brasil.
Toquinho proclama, na voz de Sócrates, que “ser corinthiano é
Corinthians… Corinthians…
ir além de ser ou não ser o primeiro”...
A glória será teu repouso Numa canção especialmente composta para o Corinthians, Pau-
E nós unidos sempre… linho Nogueira se sai com esta pérola – Ai Corinthians/quando és
elevaremos teu nome glorioso.” vencedor/ pobre fica milionário/rindo da própria dor.
E tem mais, tem mais. Amor em Preto e Branco, de Rita Lee;
Bandeira do Timão, interpretada pelo velho sambista paulistano
Germano Mathias; Homenagem Rubro-Negra, de Jorge Ben;
Moda do Corinthiano, de Rolando Boldrin; Garra Corinthiana,
de Branca di Neve, ex-Originais do Samba; Camisa, Bandana e
Bandeira, de Celso Viáfora, sobre a queda para a série B, em 2007.

Lauro D´Avila, eternamente


E tem hinos, os dois hinos.
O primeiro, criado ainda na virada da década de 20 para a de
“Salve o Corinthians, 30, letra de Eduardo Dohmen, música de La Rosa Sobrinho, e que
O campeão dos campeões, assim começa:
Eternamente Luctar... Luctar...
Dentro dos nossos corações. É nosso lema sempre, para a glória
Jogar... Jogar...
Salve o Corinthians E conquistar os louros da victória...
De tradições e glórias mil E aí, claro, o já clássico hino que hoje corinthiano nenhum
Tu és o orgulho
poderá recordar sem um frêmito de emoção, composto pelo radi-
Dos esportistas do Brasil.
alista Lauro D’Ávila na década de 50:
Salve o Corinthians
Teu passado é uma bandeira,
O campeão dos campeões
Teu presente, uma lição
Figuras entre os primeiros
Eternamente
Do nosso esporte bretão.
Dentro dos nossos corações...
Durante gloriosa excursão do time em 1952 por campos da
Corinthians grande, Turquia, Suécia e Finlândia, os jogadores faziam questão de can-
Sempre altaneiro tar este hino logo depois do Nacional. Diz Lourenço Diaféria que,
És do Brasil por ocasião da inauguração do Estádio de Helsinque, o Hino do
O clube mais brasileiro.” Corinthians foi aplaudido em pé por 40 mil pessoas.

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Na chegada, cem mil pessoas foram receber os jogadores no
aeroporto de Congonhas e marcharam até o Vale do Anhangabaú
cantando a uma só voz Salve o Corinthians.
Descanse em paz o grande corinthiano Lauro D’Ávila. Seu hino
pegou como talvez o de nenhum outro time no mundo. Ficará,
“eternamente dentro dos nossos corações”.

Audiovisuais
Há também muito Corinthians nas telas, grandes ou pequenas.
Conta Diaféria que a simples leitura de um roteiro do filme Corin- CONCEIÇÃO CAHÚ
thians, Meu Amor, escrito por Id Almeida, chegou a atrair mais de Outra artista plástica de alma
3 mil pessoas ao Parque São Jorge. corinthiana foi a pernambucana

Um dos maiores sucessos do saudoso Mazzaropi foi, e só podia, radicada em São Paulo Conceição

um filme chamado O Corinthiano. Cahú, presente neste livro com a


caricatura de Charles Miller, dos
Em plena Democracia Corinthiana, outro sucesso foi o docu-
campeões de 77 e uma ilustração para
mentário Corinthians, Corinthians, escrito e dirigido pelo jorna-
a Arquibancada Literária (na página
lista e corinthiano Júlio Lerner. A idéia era mostrar o cotidiano dos
anterior). Militante dos direitos da
operários e artistas da bola.
mulher e da sua arte, já em 1977
Ainda na década de 60, tivemos Corinthians, Meu Amor, peça e se firmava como uma das maiores
roteiro de filme de César Vieira, criador do grupo de teatro União cartunistas da revista Placar e por
e Olho Vivo. 30 anos ilustrou com seus bicos-de-
Agora o Corinthians entrou com tudo na área dos DVDs. pena as páginas da Gazeta Mercantil.
Com roteiro e direção de Di Moretti e Julio Xavier, 23 Anos em Chargista, cartunista e caricaturista
7 Segundos revê a redenção corinthiana de 1977 em cenas funda- premiada no Salão de Humor de
mentais e depoimentos emocionados. Piracicaba, colaborou com figurinos
O tocante e preciso roteiro dos jornalistas Serginho Groisman nos desfiles da Gaviões e em 2005
e Marcelo Rubens Paiva faz do documentário Fiel, de Andrea Pas- recebeu na Câmara Muncipal o título

quini, um filme de suspense e glória sobre a dolorosa travessia da de Cidadã Corinthiana. Maria da

série B, em 2008. Conceição de Souza Cahú faleceu


no dia 18 de dezembro de 2007
O filme Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas,
começa com um jogo do Corinthians, aquela suada vitória contra
o São Paulo em 2007, o time já lutando contra o rebaixamento. O
filme conta a dura batalha de Cleusa, uma empregada doméstica
de 42 anos, e seus quatros filhos: um sonha ser jogador de futebol,
outro é frentista e crente, outro é motoboy e pai precoce, outro
sonha conhecer o pai. O cinco têm algo em comum: são corin-
thianos e o Corinthians é um dos poucos momentos de luz na
correria. Em 2008, Linha de Passe concorreu à Palma de Ouro no
Festival de Cannes, onde Sandra Corvaloni, a nossa brava e corin-
thiana Cleusa, ganhou o prêmio de melhor atriz.

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Foto: Paula Prandini
Cleusa, mãe de fibra e corinthiana roxa

Foto: Divulgação

Cleusa no filme Linha de Passe torcendo pelo Corinthians no Morumbi e em casa com os quatro filhos, corinthianos de vida batalhada

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Em memória de Danubia
Foto: Luiz Miyasaka

Durante as pesquisas para os depoimentos do filme Fiel, chamou atenção da equipe


uma torcedora particularmente decidida, naquela tarde chuvosa de 2008, a empurrar
o time de volta para a série A. Era Danubia Cristiana Santos. Só durante o depoimento
ela revelou que estava enfrentando um câncer, mas que mesmo assim não deixava de
ir ao estádio torcer pelo Timão. Foi um dos depoimentos mais tocantes do filme.
Danubia morreu na manhã de 3 de fevereiro de 2010, seu enterro foi acompanhado
por muitos companheiros de torcida e o clube enviou a bandeira que cobria seu caixão.
Fica aqui registrada a Danúbia como os corinthianos sempre a viam em todos os jogos
do time: alegre e vibrante para sempre, acima do tempo e do placar

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Lourenço, a informação emocionada
Agora, depois da música, do cinema e das artes plásticas, vamos
ao vasto Corinthians por escrito. Bem disse o poeta Menotti Del
Picchia, lá por 1922, que o Corinthians era um fenômeno social a
ser estudado em profundidade.
E foi, como foi. Teses, livros, monografias. Mas vamos nos ater
aos livros que se revelaram mais ricos para a composição deste que
vos fala. No final, as indicações de como adquiri-los. Porque há
neles temas fundamentais que transcendem os modestas intenções
desta nossa celebração.
Em Coração Corinthiano, lançado em 1992 pela Fundação
Nestlé de Cultura e infelizmente esgotado, o jornalista Lourenço
Diaféria faz, com rigor e ternura, uma longa e abrangente viagem
pela história do Timão. Aos longo das frementes 414 páginas da
obra, a pesquisa séria convive honestamente com a paixão con-
fessa do autor que, quando pode, se manifesta e se esbalda. Em se
tratando de Corinthians, não podia ser diferente.

Celso, a grande referência


O primeiro grande historiador do Corinthians foi Antoninho
de Almeida, por 60 anos funcionário dedicado do clube que, com
minucioso carinho, passou anos pesquisando e recolhendo docu-
mentos, sem nunca ter publicado nada em livro, apenas em revis-
tas e fascículos. Está sendo estudada uma publicação dos seus
vastos manuscritos. Vastos e misteriosos, que ninguém sabe como
ele conseguiu escrever tanto, uma vez que não tinha as duas mãos.
Mas se houvesse um Troféu Antoninho de Almeida de História
Corinthiana, ele hoje deveria ser entregue, sem dúvidas, ao jorna-
lista e escritor Celso Unzelte, chamado de historiador esportivo.
Professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e comentaris-
ta da ESPN Brasil, Celso publicou três livros que, somados, for-
mam o mais completo painel da história do Corinthians.
Ao longo das 534 páginas do Almanaque do Timão, lançado
pela Placar em 2000 e reeditado em 2005, ele biografa 1.141 joga-
dores, 104 técnicos, ficha 4.828 jogos e celebra os maiores artilhei-
ros e os mais fiéis craques do time. Além dos grandes ídolos, Celso
tem o mérito e a gentileza de resgatar jogadores perdidos na névoa
dos tempos. Não fosse o seu Almanaque, poucos se lembrariam de
que no glorioso Timão já jogaram um Totó e um Bororó, um Bode

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e um Gatão, um Jesus e um Creysler, um Ferrão e um Liquinho,
um Fogosa e um Belacosa, um Beirute e um Espinafre, mais o Plei
e o Pipi, o Lito e o Lolo, e ainda o Onça, o Pardal e o Maritaca.
Em Os Dez Mais do Corinthians, da Maquinária Editora, Celso
Unzelte conta a vida e a obra dos maiores ídolos do Timão, elei-
tos por dez dos mais importantes jornalistas esportivos do Brasil.
Eis os eleitos: Claúdio, Baltazar, Luizinho, Gilmar, Rivellino, Zé
Maria, Wladimir, Sócrates, Neto e Marcelinho. Também foram
lembrados: Neco, Basílio, Carbone, Casagrande, Gamarra, Ro-
berto Belangero, Teleco, Dida, Domingos da Guia, Grané, Idário,
Palhinha, Rincón, Ronaldo (o goleiro), Tevez, Vampeta, Viola e
Zenon. Celso traça um perfil completo de cada um dos dez mais.
Ele não só foca esses grandes craques em seus tempo de glóiria,
mas também como cada um deles exerceu ou exerce na vida essa
suprema sabedoria que é saber passar.
O simples título do seu último livro, lançado em novembro de
2009, é auto-explicativo: Timão 100 anos, 100 jogos, 100 ídolos,
mais uma sólida, intensa e bem ilustrada enciclopédia alvinegra.
Muito ligado a um avô são-paulino que se referia a Sócrates
como “aquele maldito ortopedista”, Celso seguiu o caminho do
pai corinthiano. Convidado por um amigo para colaborar no
Almanaque do Palmeiras, respondeu que poderia ajudar, sim, mas
com a condição de só pesquisar as – derrotas! Dizem que, no fim,
cedeu alguns empates...

Washington, a informação alucinada


Washington Olivetto tem, até agora, dois livros sobre o Timão.
O primeiro, na boa, brilhante e alvinegra companhia do jorna-
lista Nirlando Beirão, se chama Corinthians – é preto no branco,
um primor de realismo fantástico.
Bem que ele poderia contar objetivamente a história do Corin-
thians, mas de repente, corinthiano, não se segura e toma certas
liberdades com os fatos, mesmo porque, como se sabe, os fatos
nem sempre têm razão. Claro: com seus longos períodos de puro
deserto, o Corinthians é mesmo um time propício a miragens e
ilusões. Para Washington, por exemplo, com Gilmar no arco o
Brasil jamais teria entregado aquela Copa para o Uruguai, em 50
no Maracanã... E quem entra em campo para botar as coisas no
lugar, dizer que Gilmar, na época, tinha 20 anos e ainda jogava no
Jabaquara de Santos? Nirlando Beirão, o realista. O livro é todo

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assim. Um voa, delira, o outro segura, explica. Ambos, em grande
estilo. Ganha o leitor.
Já em seu segundo livro, Corinthians x Outros – Os melhores
nossos contra os menos ruins deles, Editora LeYa, Washington
pratica um delírio mais assumido e metódico. Ele escala 14 joga-
dores de um Corinthians ideal e convida amigos para fazer o mes-
mo com seus times do coração – e imaginar como seria o jogo
entre esses times de puros craques de todos os tempos.
Jorge Ben escala o Flamengo, Luis Fernando Verissimo, o Inter,
Jô Soares escala o Fluminense, José Serra escala o Palmeiras...
As partidas são alucinantes.
Marcelinho Carioca tenta fazer um gol de falta no Manga do
Botafogo. Um jovem Pelé entra em campo contra um já provec-
to Ronaldo do Corinthians. A certa altura, Rivellino joga com a
camisa do Corinthians contra um Rivellino do Fluminense.
Pode? Nesse livro pode tudo.
O Corinthians do autor enfrentou os outros com a seguinte for-
AS CAMISAS E SUA HISTÓRIA mação. Em pé: Gilmar, Zé Maria, Dino Sani, Roberto Belangero,
O livro A História das Camisas dos Gamarra, Wladimir e Rincón; agachados: Casagrande, Marceli-
12 Maiores Times do Brasil mostra nho Carioca, Sócrates, Rivellino, Ronaldo, Carlitos Tevez e Neto.
os quase 200 modelos vestidos pelo Técnico: Washington Olivetto, claro.
Corinthians em 99 anos de vida. Uma obra acima do tempo e do placar.
Acima, a primeira, que, dizem, era
creme. Abaixo, a primeira alvinegra
Juca, Roque e o Cardeal
com o primeiro distintivo no peito

Juca Kfouri também tem dois livros sobre o Corinthians. Em


ambos, a mesma briga entre paixão e informação. No fim dos
dois, diga-se, nenhuma das duas sai traída ou arranhada.
No primeiro, A Emoção Corinthians, de 1983, publicado pela
Brasiliense, o leitor acompanha a história do Corinthians tão viva-
mente como se estivesse assistindo, hoje, a um bom jogo do time.
Pela DBA, em 1996, saiu Corinthians Paixão e Glória. Nesse li-
vro, magificamente ilustrado, a mesma história, agora ampliada
em anos, com uma narração mais livre e participação direta de
ídolos como Sócrates e Casagrande Como sempre acontece com
os livros editados pela DBA, o texto do Juca está vertido para
Ilustrações: Daniel Abrahão

o inglês. Fica engraçado ouvir falar no the young Adãozinho e


que Casagrande é um corinthian at heart e que devia ouvir a Fiel
pedindo lá da arquibancada “Please, come back, Casão, you be-
long to Timão”. Bom também ouvir este hino: Hail, Corinthians/
champion of the champions/ eternally/ in our heart... Conhecem?

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Em uma obra preciosa sobre as primeiras décadas do Corinthi-
ans, Neco, O Primeiro Ídolo, Geração Editorial, 2001, Antonio
Roque Citadini conta de que forma, ano a ano, o Corinthians foi
evoluindo das várzeas do Bom Retiro para o tricampeonato de
1930, ano em que Neco se despede dos gramados. Em curiosas
notas de rodapé, Citadini traça um rico e detalhado quadro da São
Paulo dessa época, seus primeiros clubes e crescente urbanização.
Para se ter uma idéia: o capítulo 1922 – O Campeonato do Cen-
tenário é enriquecido com nada menos do que 42 notas.
O corinthianismo está mais para nação ou para religião?
Em seu livro Corintiano Graças a Deus, Editora Planeta, 2004,
Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo entre 1966 e
1998, e corinthiano de fé, não chega a canonizar seu time, mas de-
fende que ele tem, sim, parte com o evangelho na medida em que
traz alegria e esperança para o povo mais sofrido. Mesmo quando
perdemos o jogo, ganhamos mais esperança, diz ele. Um dia, em
Roma, Dom Paulo chegou a defender a figura de São Jorge, um
santo de história meio nebulosa na Igreja. Quanto à canonização PAIXÃO SOLIDÁRIA
de São Basílio 77, pedida por Juca Kfouri no prefácio da obra, A camisa grená que, num jogo em maio
parece que até hoje não deu nem entrada no Vaticano. de 1949, homenageava os atletas do
Torino, falecidos num acidente aéreo.

Ziraldo, Groisman e Lalau. Abaixo, alvinegra listrada clássica

Da fé para o humor.
Em Todo-Poderoso Timão, Editora Globo, 2009, o cartunis-
ta Ziraldo cria um personagem, o Mosquetinho, para contar em
quadrinhos a história do Corinthians.
Do humor para a educação.
Com o Meu Pequeno Corintiano, Editora Belas Letras, 2009,
o jornalista Serginho Groisman e o ilustrador Carlinhos Muller
falam das lições de vida que os grandes momentos do Corinthians
podem trazer para as crianças. E para os adultos também, já que,
como todos sabem, com tanta tentação por aí, nem sempre é fácil
educar um filho na fé corinthiana.
Da educação para a arte.
Em meio à recente onda de publicações alvinegras, é possível
que o pequeno grande livro do publicitário e artista gráfico Lalau,
Lázaro Simões Neto, seja o mais bonito visualmente. É com muita
força e delicadeza que Fiel 100 anos, Panda Books, 2009, har-
moniza fotos emocionantes com depoimentos emocionados. Em
edição primorosa, toda em preto e branco, o livro do Lalau é, até

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hoje, a mais eloquente tentativa de explicar o que é o Corinthians
e o que é ser corinthiano. Isso é impossível, mas nunca uma tenta-
tiva se revelou tão bonita.
Ao sabor dos ventos, modas e patrocinadores, a camisa do Co-
rinthians tomou muitos desenhos e mesmo cores no caprichoso
varal dos tempos. Começou creme, ficou branca de tanto lavar e
branca ficou porque, em não desbotando, era mais barata. Entre
as páginas 60 e 85 do livro A história das camisas dos 12 maiores
times do Brasil, de Paulo Gini e Rodolfo Rodrigues. Panda Books,
2009, o corinthiano pode acompanhar quase 200 modelos vesti-
dos pelo time em 99 anos de história.
Bem no fim de 2009, foi lançado pela Editora Anotações com
Arte um animado e bem ilustrado calendário, o Centenário, que
conta, mês a mês, histórias do Corinthians, seus grandes ídolos
e mais devotados torcedores. A organização é de Fred Rossi e o
texto de Oswaldo Mendes.
O que se tem publicado sobre o Corinthians é uma prova es-
E PARA TERMINAR crita, preto no branco, da extrema biodiversidade cultural e social
Na impossibilidade de registrar a da sua torcida. Dentre os autores, um é jornalista, outro é artista
evolução de todos os modelos, aqui gráfico, outro é administrador de empresas, outro é jurista, outro
ficam a branquinha lisa básica e a é publicitário famoso, outro é o cardeal da resistência à ditadura
listrada dourada da Libertadores 2006. que um dia disse: “Ser corinthiano significa viver com o povo e
Que não nos trouxe tanta sorte continuar em pé quando muitos vacilam”.

Imitando Washington Olivetto


Em nossa pesquisa sobre Corinthians e cultura houve momen-
tos em que retroagimos perigosamente no tempo e no espaço.
Fomos até a Grécia para concluir que Aristóteles era, tudo bem,
palmeirense, Platão, claro, são-paulino, mas que Sócrates, um filó-
sofo de rua, que andava pelas praças de Atenas partejando a ver-
dade, era e só podia ser corinthiano.
Dentre os apóstolos de Jesus, São Paulo era, já por força do
nome, são-paulino; São Pedro, impulsivo e humano, corinthiano
roxo, e Judas, aí é melhor nem falar.
Dentre os grandes cineastas, o refinado Bergman, tudo bem,
era são-paulino, Fellini morreu lamentando não ter feito um filme
sobre o Corinthians e Mussolini, esse não só era palmeirense como
foi o autor do marcial e imponente hino do time. Já o que Mus-
solini estava ali fazendo entre cineastas ninguém soube explicar.
Ah, essa falsa cultura alvinegra.

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Fotos: Arquivo Museu Mazzaropi

HOMENAGEM Amácio Mazzaropi (1912-1981), talvez o mais corinthiano dos cineastas.

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De braços abertos

Com Rivellino, Casagrande, Sócrates e Ronaldo,


Fotos: Folha Press

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Foto: Folha Press

a emoção dos cem anos começou faz tempo


Foto: Ricardo Correa – Editora Abril

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Meninos do parque
Silvinho, Kléber, Gil, honra a
três das muitas pratas da casa.
Foto: Alexandre Battibugli – Editora Abril

Foto: Renato Pizzutto – Editora Abril

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Foto: Alexandre Battibugli – Editora Abril

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A fiel não esquece
Gamarra, Rincón: gracias, hermanos

Fotos: Alexandre Battibugli – Editora Abril

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Nossos cobradores (i)mortais

Fotos: Lemyr Martins – Editora Abril


Zenon e Rivellino, precisão e explosão.

Fotos: Célio Apolinário – Editora Abril

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Fotos: Renato Pizzutto – Editora Abril

Já Marcelinho conversava com a bola no


chão e com os céus negociava o canto certo
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22 O Corinthians
do novo milênio

F
O time entra no undado no último ano da primeira década do século pas-
sado, o Corinthians vai atravessar agora a primeira década
novo milênio entre do novo milênio, rumo ao seu – próprio milênio.
Mas não é centenário?
altos e baixos e Depende. Corinthianos mais profundos não ligam para os
calendários deste mundo. Eles contam com o coração. Foram tan-
até aí tudo bem, é tas as emoções que, em caso de Corinthians, cem anos valem por
mil. Os mais radicais juram que o ano da série B, 2008, durou
o Corinthians. mas simplesmente um século.
Filosofias à parte, como foi esta última década rumo ao, diga-
depois não sabe mos, centenário?
Corinthiana, absolutamente corinthiana. Um título por ano, até
como sair de uma dois, e de repente...
Mas vamos primeiro curtir a glória, fartar-se dela, dela fazer
parceria tão uma boa provisão de alma para a última e talvez mais dolorosa
das travessias.
milionária quanto O Corinthians abre o milênio – corinthiando.
2001 começou de mau jeito. No Paulista, perde os primeiros
misteriosa jogos, até para a Portuguesa Santista, 2 a 1. Cai o técnico, claro.
Com Vanderlei Luxemburgo, ainda rateia um pouco, mas agar-
ra vôo, vence sete jogos seguidos e se classifica para encarar o
Santos nas semifinais.
Na Copa do Brasil, uma festa. Vai atropelando todo mundo, 8 a
1 no Flamengo de Teresina, 3 a 0 no São Paulo do Piauí, aliás, do
Morumbi. É que o time já nem fazia muita distinção.
Nas semifinais do Paulistão, o Santos tem a vantagem de dois
empates. O que começou conseguindo na primeira partida, 1 a 1.
Na segunda, também 1 a 1 até o finalzinho.
Caro leitor: a esta altura, a sua memória já é certamente cúm-
plice da nossa narrativa. E deve se lembrar daquele finalzinho entre
Santos e Corinthians no Morumbi. Já nos acréscimos, 40 segundos
para terminar o jogo, Andrezinho rouba a bola na intermediária,
lança Gil que avança, dribla o zagueiro André Luiz e cruza: Mar-
celinho deixa a boa passar entre as pernas, vem Ricardinho e, num
chute colocado, faz 2 a 1. Desse ninguém esquece.

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Foto: Alexandre Battibugli – Editora Abril

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Depois foi só passar, fácil, pelo Botafogo para chegar ao 24º
título estadual.
Já na final Copa do Brasil, muito azar. Começa ganhando do
Grêmio no Olímpico, 2 a 0, cede o empate e perde a segunda do
Morumbi, 3 a 1. No Brasileiro também termina mal.

Entre altos e baixos


2002 começa prometendo. Dida volta do Milan e Carlos Al-
berto Parreira assume o time.
E foi mesmo um ano bom. Com um time bem ao gosto do téc-
nico, cadenciado, mas lá na frente, soltos, Deivid, Leandro e Gil
faziam das suas.
O Torneio Rio-São Paulo, agora com 16 equipes, foi presa rela-
tivamente fácil até a final contra o São Paulo.
Nesse ano, 2002, tivemos muito São Paulo pela frente.
Nas semifinais da Copa do Brasil, 2 a 0 no primeiro jogo, dois
de Deivid. Foi o que bastou, o 2 a 1 pra eles no segundo jogo não
mudou nada.
Na final do Rio-São Paulo, quatro dias depois, foi um 3 a 2
épico contra o tricolor.
Um belo jogo. Adriano, pênalti, abre o placar, mas aí os três
mosqueteiros da vez, Deivid, Leandro e Gil, foram conferindo lá
na frente. Belletti deixou por 3 a 2.
Quatro dias depois, São Paulo outra vez. Reinaldo para eles
logo aos dois minutos e Rogério para nós, de falta, aos 32 do se-
gundo tempo.
Corinthians campeão do Rio-São Paulo!
Agora, a Copa do Brasil.
Nela vinha uma zebra finalista atropelando tudo, o Brasiliense.
No Morumbi, um duro 2 a 1. Em Brasília, um emérito cobrador
de faltas, Wellington Dias, faz 1 a 0. Deivid, ah, Deivid, não fosse
você. Final 1 a 1. Corinthians campeão.
Agora, o Brasileirão. Aí não deu. Ficamos no quase, o Santos
nos levou o título numa final azarada. 3 a 2 pra eles.
Em 2003 Deivid vai para o Cruzeiro e Parreira para a Seleção.
Foi um ano de alegrias caseiras e tristezas internacionais.
Em casa, o 25º título estadual. E mais: com um revigorante 4
a 2 contra o Palmeiras nas semifinais. Nas duas finais, dose dupla
de 3 a 2 pra cima do São Paulo. No segundo jogo, Liedson e Jorge
Wagner, dois novos contratados, brilharam e decidiram.

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Na Libertadores, tristeza. Um sentimento de que a Libertadores
não é com a gente mesmo. Um time confuso, uma desclassificação
inglória para o River Plate nas oitavas de final em pleno Morumbi.
Em 2004 a Fiel, que andava mal acostumada, viveu o já inima-
ginável, um ano sem título. Pior: mesmo já com Fábio Costa no
gol, o time por pouco não vai para, olha ela aí, a série B do Paulis-
ta, a igualmente temível A2. Fomos salvos pelo São Paulo, que nos
fez o favor de vencer e mandar para baixo o pobre do Juventus,
que não tinha nada a ver com a história.
No Brasileiro, vexame e ressurreição. Começa mal, ronda o re-
baixamento e no fim, sob o comando do técnico Tite, termina num
honroso quinto lugar.

2005, um ano confuso


Time em baixa, clube sem caixa, torcida nervosa, estava tudo
preparado para que em 2005 no Corinthians entrasse em campo
uma das mais arriscadas figuras deste mundo: o salvador. O salva-
dor e as sempre nebulosas fronteiras entre o que ele traz e o que ele
cobra. O que liberta e o que escraviza.
No caso, a salvação baixou com três letras, MSI, Mídia Sports
Investiments, e uma estranha cara nova, a do iraniano Kia Joorab-
chian, nomeado representante de operações do grupo inglês no
Brasil. Se o grupo era inglês ou russo, se seu enviado era repre-
sentante ou interventor, nada disso ficou muito definido. Para nin-
guém, nem para a polícia, ficaram claros os termos do contrato,
a fonte dos recursos e o real poder dos estrangeiros dentro do
Parque São Jorge.
O fato é que o Corinthians virou uma casa tomada, um entre-
posto de craques argentinos.
Bem, craques... Veio Sebá, um becão apenas saudável. Veio
o volante Mascherano, que não exerceu sua misteriosa fama de
craque de uma seleção argentina que por pouco não vai à Copa
de 2010. Veio o técnico Daniel Passarella um técnico que equilibra
rigor e mediocridade. E veio, por 20 milhões de dólares, Carlitos
Tevez, esse sim raçudo e bom de bola, e corinthiano de nascença,
criado que foi numa conturbada favela de Buenos Aires, chamada
de Forte Apache. Com ele, o torcedor, que não se avexa de se
considerar maloqueiro e sofredor graças a Deus, se identificou bas-
tante. Meninos imitavam seu corte de cabelo tipo caminho de rato
e humoristas do Casseta simulavam suas rosnadas entrevistas.

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Decisão do Brasileiro de 2005: m
Foto: Sergio Dutti – Agência Estado

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5: mais emoção no treino do que no jogo

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Fotos: Renato Pizzutto – Editora Abril

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Para completar essa legião estrangeira, o Corinthians repatriou
dois brasileiros, Carlos Alberto e Roger, prontamente liberados
por seus clubes. Para o segundo turno do Brasileiro veio Nilmar,
do Lyon da França. Contundido gravemente num joelho e depois
no outro, ficou seis meses sem jogar.
Com essa turma em campo, como definir o ano de 2005?
Trágico? Nem tanto. Talvez exótico. Ou instrutivo. Ou errático.
Exótico porque não é sempre que se tem parte da seleção argen-
tina em campo e um iraniano dando as cartas.
Instrutivo por ter demonstrado quem nem só com grana e fama
se faz um bom time; a grande lição aconteceu no jogo pela Copa
do Brasil, em abril de 2005, contra o modesto Cianorte do Paraná,
que tascou 3 a 0 no Corinthians de Tevez e Roger e Pasarella. Pas-
sarella deve ter ficado impressionado com o gol de bicicleta do
Binho, do Cianorte.
Errático porque a certa altura do Campeonato Brasileiro, um
juiz, Edílson Pereira de Carvalho, declarou-se culpado pela ma-
nipulação de jogos que tiveram de ser refeitos. Entre os onze con-
fessados, dois em que o Corinthians perdera, para o São Paulo, 3
x 2, e para o Santos, 4 x 2.
Remarcados os jogos, empatamos com o São Paulo, 1 a 1, e
vencemos o Santos, 3 a 2.
O Corinthians avança desperdiçando chances e só na última
rodada é declarado campeão, mesmo perdendo para o Goiás por
3 a 2 em Goiânia, em um jogo melancólico. A torcida vibrou com
seus ídolos mais durante o treino do que no jogo.
Foi um título bastante controvertido, ambíguo, chiado.
Diga-se, no entanto: o Corinthians ganhou seus pontos em
campo, jogando bola, e sem culpa nenhuma no caso da remarca-
ção dos jogos.
Diga-se ainda: o Internacional desperdiçou suas chances tam-
bém dentro do campo ao perder para um rebaixado Coritiba.
E, por tudo, o Corinthians ia pagar caro.
DEIVID E RICARDINHO
Deivid não ficou muito tempo no time,
mas deixou boas lembranças de uma
Copa do Brasil e um Rio-São Paulo em
2002. E como esquecer Ricardinho?
Ali pelo meio do campo, sabia tudo.
E muito nos ajudou no Paulista de 99,
nos Brasileiros de 98 e 99 e ainda no
Mundial de 2000

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23 A mais cruel das travessias

D
Numa triste izem os filósofos da história que quem não aprende com as
tragédias corre o risco de repeti-las.
tarde de 2007, o Aquela tarde de domingo em Porto Alegre, 2 de dezembro
de 2007, foi verdadeiramente insuportável.
inimaginável Então vamos tentar aprender com ela. Entendê-la. Perguntar-se:
2007, a série B – quando começou?
acontece: Para alguns, ela teria começado já em dezembro de 2004, quan-
do foi assinado o contrato com a MSI. Veio nas asas do carma
Corinthians cai ruim que a MSI trouxe para o clube.
Para outros, o grande símbolo da derrocada foi em 2006, quan-
em Porto Alegre do, na decisão da vaga para as quartas de final da Libertadores
contra o River Plate no Pacaembu, a torcida humilhada botou
para a série B. abaixo parte do alambrado. Um ato lamentável, mas também uma
tentativa de derrubar o fosso que existia entre a Fiel e uma ma-
Em outubro de neira de conduzir o time que era alheia ao seu coração. Ali, ainda
que de forma errada, a Fiel queria, de alguma forma, participar.
2008, no Pacaembu, Ali, com o alambrado, o time teria começado a vir abaixo.
Tanto que naquele ano, 2006, no Paulista, ficamos atrás do No-
a volta, a festa. roeste e do São Caetano. No Brasileiro, por pouco não caímos,
sob o comando de um Leão brigado com Tevez. Com o Tevez que
Ê Corinthians um dia, sem maiores explicações, largou o time e foi visto numa
boate em Buenos Aires cantando e dançando cúmbia num con-
junto chamado Los Palmeras...

Finazzi bem que tentou


Era o fim?
Não, o fim veio aos poucos, em 2007. Corinthianamente. De
queda em queda, mas também, corinthianamente, de ilusão em
ilusão, numa mancomunação de acasos que até hoje doem.
Mas, antes de citar alguns, e para que não doam tanto, talvez
um pouco de filosofia ajude.
Em seu livro Aspectos Trágicos do Futebol, o escritor e artista
plástico Nuno Ramos escreve o seguinte: “Tudo parece fácil e con-
catenado quando ganhamos; tudo parece disperso e difícil quando

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Foto: Epitácio Pessoa – Agência Estado

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perdemos. No entanto, é por tão pouco que se ganha ou perde.
O apito final estabiliza violentamente aquilo que, no transcorrer
do jogo, parece um rio catastrófico de mil possibilidades a nos ar-
rastar com ele”. O escritor argentino Jorge Luis Borges fala dos
muitos futuros que o acaso não nos proporcionou.
O poder do acaso. O futebol é o seu reino preferido. Por isso
talvez ele seja tão apaixonante. Por ser tão como a vida que tam-
bém é, o tempo inteiro, lógica e acaso, razão e loteria.
Sob essa luz maior, voltemos a um apequenado Corinthians se
debatendo a caminho da série B.
Foi por um ponto, um pontinho só que ele caiu. E onde esse
pontinho mágico poderia ter sido conquistado? Aquele 1 a 0 so-
frido contra o São Paulo, Betão de cabeça aos 41 do 2º tempo,
não poderia ter-se repetido em outro ponto do descaminho?
Não foi o que aconteceu.
Finazzi bem que tentou. Até abriu o placar naquele jogo contra
o Flamengo do Maracanã. Mas Roger, um ex-corinthiano, tinha
que desempatar naquela arrancada fatal pela esquerda?
Depois, contra o Atlético Paranaense no Pacaembu, 2 a 1 pra
eles até o finzinho. Finazzi de novo, aos 47 do segundo tempo,
empatou.
Depois em Goiânia, contra o Goiás, começamos perdendo,
empatamos ainda no primeiro tempo. No segundo, Felipe até um
pênalti pegou, e cobrado por ele, Paulo Baier. Ficou nisso, 1 a 1.
Contra o Vasco foi um festival de gols perdidos. No segundo
tempo, um cruzamento, uma cabeçada espírita do Alan Kardec
bate na coxa de um zagueiro, Fábio Ferreira, engana Felipe – e
entra! Bem no finzinho, Arce, livre dentro da área, tenta encobrir
o goleiro – e não entra!
Teve corinthiano bradando aos céus que, se é assim, melhor cair
de uma vez e acabar com tanto sofrimento.
Nosso destino estava agora principalmente nos pés dos gaúchos.
Do Internacional, que ia enfrentar em Goiânia nosso concorrente
direto à degola, o Goiás. E do Grêmio, que nos enfrentaria no
Olímpico. O Internacional ainda meio mordido com a perda do
título em 2005. O Grêmio, na dele.
O que se viu então foi um destes requintes de agonia e êxtase
que só corinthiano conhece.
Para permanecer na série A, o Corinthians entra em campo pre-
cisando só de um ponto para rebaixar e o Goiás perder ou empatar
com o Inter em Goiânia.

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Estádio Olímpico, domingo,
2 de dezembro de 2007, a agonia
Da parte do Grêmio, Mano Menezes, o técnico, anuncia que
não ia facilitar no jogo em Porto Alegre.
Verdade: logo de saída, Jonas, de cabeça, faz 1 a 0.
Da parte do Internacional, o técnico Tite garante que não vai
facilitar em Goiás.
Verdade: aos 12 do primeiro tempo, Fernandão faz 1 a 0 para
o Inter.
Corinthians na série A.
Aos 31 o Goiás empata com Élson.
Corinthians na série B.

Foto: Paulo Pinto – Agência Estado

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Aos 30 do primeiro tempo Clodoaldo se antecipa e empata o
jogo no Olímpico.
Corinthians na série A.
Segundo tempo em Porto Alegre e Goiânia. Duas eternidades.
O Goiás não pode ganhar. O Corinthians com um único gol-
zinho se salva.
Pênalti para o Corinthians em Porto Alegre.
Clodoaldo bate, o goleiro defende.
O juiz manda repetir.
Clodoaldo bate, o goleiro defende.
O juiz manda repetir.
Clodoaldo desiste, Moradei vai e enche o pé, Corinthians 2 a 1.
O Brasil inteiro está chocado com tanto favorecimento.
É, só que foi o contrário. O pênalti foi para o Goiás, o goleiro
Clemer, do Inter, defende duas vezes a cobrança de Paulo Baier,
que desiste, Élson converte, o juiz se dá por satisfeito e o Brasil
inteiro nem fica tão chocado.
No Olímpico, em meio às lágrimas e ao profundo silêncio, um
torcedor anônimo ergue um modesto e improvisado cartão avisan-
do: “Eu nunca vou te abandonar”.
Semanas depois, na Rua 25 de Março, em São Paulo, camisetas
com a inscrição “Eu nunca vou te abandonar” até em árabe eram
vendidas.
Em São Paulo, no dia seguinte, um samba do compositor Vladi-
mir Moura Leite, o Magal, assim tentava consolar a Fiel:
...aconteceu, só você não viu,
o Corinthians não desceu
a série B foi que subiu.
Hoje tudo é mais compactado: jovens torcedores se preparara-
vam para viver em um ano o que seus pais haviam vivido durante
quase 23.

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Foto: Paulo Pinto – Agência Estado

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Foto: Niels Andreas – Agência Estado

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Estádio do Pacaembu, sábado,
25 de outubro de 2008, o êxtase
O jogo é contra o Ceará e o Corinthians pode voltar hoje para a
série A com seis rodadas de antecipação. Mas vencer não basta, o
Paraná tem que ganhar ou empatar com o forte Barueri e na casa
do adversário.
Fácil não vai ser, mas o estádio está lotado de fé.
Deus, hoje, é da Fiel, parece que nos ares estava escrito.
Aos oito minutos do primeiro tempo, Herrera disputa na raça
uma dividida com um zagueiro do Ceará, dá um corte de craque
no outro e chuta – na trave!
Parece um outro outubro, aquele de 77.
Como naquela noite de outubro de 77, a bola bate na trave e
volta, agora para Douglas bater colocado, Corinthians 1 a 0.
Aos 16, o Paraná faz o seu em Barueri.
Corinthians na série A.
Aos 23, o Barueri empata com Esley.
Corinthians com o pé na A.
Segundo tempo no Pacembu e em Baureri.
Aos quatro minutos, numa rebatida, Chicão faz 2 a 0.
Aos 34 minutos, pênalti contra o Barueri.
A Fiel fica por um fio.
Fabrício cobra e converte.
O juiz não manda repetir.
O Corinthians está de volta à série A.
A Fiel não cabe em si, a Fiel é canto só.
“O Coringão, voltou, ôoô. O Coringão voltou”.
O jogo termina, 40 mil vozes entoam:
“Eu voltei, agora pra ficar, aqui é o meu lugar”...
Felipe e Dentinho não se aguentam e pulam o alambrado para
os braços da Fiel.
Balões negros sobem aos céus anunciando: “Eu voltei”.
Houve quem lembrasse aquele que muitos consideram o mais
corinthiano dos salmos, o 126:
“Os que semeiam entre lágrimas cantando colherão”.

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Lady Gaga-Poker
Foto: Daniel Kfouri

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Fotos: Daniel Kfouri

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As emoções da volta
Fotos: Daniel Kfouri

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Foto: Daniel Kfouri

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Voltando um pouco a história
Com a queda para a série B, caiu também a velha diretoria do
clube. Com a nova, Andrés Sanchez à frente, uma promissora mu-
dança nos estatutos. Agora, o presidente não pode mais ser reelei-
to e, se quiser concorrer novamente, terá de esperar dois mandatos
dos sucessores. É o fim das dinastias? E mais: o presidente passa a
ser eleito pelo voto de todos os associados e não apenas dos con-
selheiros.
Assim legitimada, a nova diretoria com muito cuidado prepa-
rou o time para a difícil travessia de 2008 na série B.
Do Grêmio, veio o técnico Mano Menezes. A zaga foi reforçada
com uma dupla de respeito, Chicão e William. Na ala esquerda o
próprio Dunga teve que se render a esta boa escolha: André San-
tos. Na ala direita, Alessandro também correspondia.
Cristian veio do Flamengo para xerifar a cabeça de área e sur-
preender lá na frente. Douglas foi um meia-esquerda que, quando
acordava, era para decidir, no chute ou no passe. Lá na frente, a
promessa chamada Dentinho e um tigre chamado Herrera.
Motivado e coeso, esse time não só nos devolveu, com folga, à
série A como não fez feio no Paulista e, por pouco, muito pouco,
não nos dá a Copa do Brasil. Trágicos aqueles 2 a 0 para o Sport
lá no Recife, depois do histórico e bem aplicado 4 a 0 no Goiás
aqui em São Paulo e dos 3 a 1 sobre o próprio Sport no primeiro
jogo daquela decisão.
Muita emoção para um ano só?
Teve mais: ainda no fim de 2008, quem se apresenta para jogar
no Corinthians?
Sim, ele, Ronaldo Nazário, o Fenômeno, três Copas do Mundo
no currículo, aceita trocar Milão pelo Tatuapé.
Dez mil torcedores lotaram a Fazendinha para recebê-lo no dia
12 de dezembro. Entre cantos e fogos, ele logo foi se declarando
“mais um louco num bando de loucos”.
A imprensa do mundo inteiro noticiou.
O que esperar para 2009? Ninguém sabia. Ninguém sabe. A
única certeza, sempre, no Corinthians é que emoções não hão de
faltar. As boas e as outras.
Foto: Daniel Kfouri

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24 Rumo ao centenário

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E quem vai izem os sábios que o ser humano completo é, um pou-
co, bipolar, igualmente capaz de luz e treva, euforia e de-
esquecer o pressão. O ser humano é como o Corinthians, alvinegro.
E dizem também que o contraste é o sal da vida, que o ser humano
primeiro semestre nem estaria estruturado direito para a felicidade contínua, e que
ser corinthiano (isso eles não dizem, mas se entende) que ser corin-
de 2009? thiano, esse eterno viajante entre a tristeza e a alegria, a humilha-
ção e a glória, um jeito até normal e saudável de ser.
Com Ronaldo Por isso, por tudo isso, o Corinthians para tanta gente se torne
mais do que um time e seja também um símbolo e uma pedagogia.
infernizando no Vejam só 2009. Que síntese de cem foi seu último ano antes do
centenário.
Paulista e na Copa Um ano absolutamente bipolar.
Um primeiro semestre só alegria. Essa alegria teve muitos
do Brasil? O time nomes, Felipe, Alessandro, Chicão, William, André Santos, Cris-
tian, Elias, Douglas, Jorge Henrique, Dentinho, Mano Menezes e
todo se acertando? uma alegria maior, Ronaldo.
Ronaldo só foi estrear no time quase três meses depois, no dia
Depois... 4 de março em Itumbiara, pela Copa do Brasil. Depois de Ein-
dhoven, Barcelona, Milão – Itumbiara, Goiás. Só entrou aos 19
do segundo tempo e o Brasil e o mundo ficaram suspensos e logo
lamentando aquela bola que Douglas, fominha, não lhe passou,
livre que estava para concluir e fazer história. Pobre Douglas, teve
de passar a semana se explicando.
Quatro dias depois, o primeiro gol com a camisa do Timão. E
que gol, em que minuto e contra que time. Contra o Palmeiras,
pelo Paulista, em Presidente Prudente, ao 47 do segundo tempo,
empatando o jogo, de cabeça, num escanteio agora gentilmente
cobrado por Douglas.
Como um menino, como se fosse seu primeiro gol na vida, ele
esqueceu todos os títulos e medalhas, correu para a torcida, subiu
no alambrado, que veio abaixo, como o Brasil e o mundo.
Um torcedor fez questão de arrancar um pedaço daquele alam-
brado com um argumento épico: “É como guardar um pedaço do
Muro de Berlim”.

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Foto: Robson Fernandjes – Agência Estado

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Gordinho, baladeiro, rico, empanturrado de glória?
Ronaldo foi desmentindo, um a um, todos os boatos. Gol a gol,
foi ajudando o time a se classificar para as semifinais do Paulista -
Palmeiras x Santos e Corinthians x São Paulo.
No Pacaembu, o São Paulo sai na frente, Miranda, de cabeça.
Elias empata logo depois. E aí, quem não se lembra, aquele canho-
naço do Cristian lá de fora da área, faltando 20 segundos para
terminar o jogo. Rogério Ceni mal se moveu.
Depois, no Morumbi, foi uma festa só. Um passe magistral de
Ronaldo a Jorge Henrique que explode na trave para Douglas con-
cluir, 1 a 0. E aí, ele. Passe comprido de Cristian e Ronaldo deixa
o zagueiro Rodrigo se perguntando cadê o gordo que tava aqui. Aí
foi só desviar do goleiro, Corinthians 2 a 0.
Vila Belmiro, 26 de abril de 2009.
Com dez minutos de jogo, Chicão, uma revelação em cobranças
de faltas com barreira, bate uma, perfeita, 1 a 0.
Aos 25, um chutão sem compromisso de Chicão, a bola sobe
e vai se aninhar no pé direito de Ronaldo, que, com o esquerdo,
desvia do zagueiro Fabão e do goleiro Fábio Costa. Como num
passe de mágica.
E tem mais.
Aos 32 do segundo tempo, Elias lança Ronaldo, que com um
drible de corpo tira Triguinho da jogada e encobre, delicadamente,
o goleiro Fábio Costa.
Lá em cima, na tribuna de honra, Pelé viu e aplaudiu.
Depois, 1 a 1 no Pacaembu e o Corinthians foi comemorar seu
26º título, o quinto invicto da sua história.
Ronaldo é outro homem, feliz.
Tem camisa que cura.

Outra vez na Libertadores


E agora, campeões paulistas, vamos retomar a Copa do Brasil.
Que veio vindo, veio vindo e só foi engrossar nas oitavas de final,
contra o Atlético do Paraná, outro time que, quando o Goiás está
de folga, é bem chegado a atazanar a vida do Corinthians.
O primeiro jogo foi no dia 29 de abril em Curitiba, e foi de
matar. Até os 40 do segundo tempo, Atlético 3 a 0.
Pênalti para o Corinthians. Chicão, nosso melhor cobrador,
bate – na trave!
É o fim, muitos pensaram. Mas era apenas o Corinthians. Cinco

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minutos para terminar e Cristian bate com raiva uma falta de fora
da área. A bola vai indo, faz uma curva dessas que só o hálito do
dragão de São Jorge explica, e entra. Aos 46 Dentinho se aproveita
de uma confusão na área e deixa o jogo por 3 a 2.
No Pacaembu deu Corinthians 2 a 0.
Aí veio o Fluminense. No Maracanã, 2 a 2. No Pacaembu, gol
solitário de Dentinho, 1 a 0.
Veio o Vasco. No Maracanã lotado, 80 mil pessoas vibrando,
Corinthians sem Ronaldo, deu 1 a 1. No Pacaembu um 0 a 0 de
agonias até o fim, Felipe fazendo milagre.
Das finais contra o Internacional todo mundo se lembra, mas
não custa recordar.
A primeira no Pacaembu, 17 de junho, André Santos na Seleção
e, no Inter, Nilmar e Kléber. Marcelo Oliveira vai aos trancos até
a linha de fundo, cruza, Jorge Henrique escora, 1 a 0. Elias cobra
espertamente uma falta, Ronaldo só tira o zagueiro da frente e
toca, 2 a 0. Taison perde um cara a cara com Felipe e fica por aí.
No Beira-Rio, 1º de julho, quem vai esquecer do baixinho Jorge
Henrique pulando mais que toda a defesa do Inter e fazendo 1 a 0?
Noite mágica, um balaço do André Santos e 2 a 0.
Nilmar, que alguma coisa estava nos devendo desde o Parque
São Jorge, perde um gol feito.
No fim, 2 a 2 e – Corinthians na Libertadores!

Eternamente
Volta eletrizante para a série A, título paulista de 2009, campeão
da Copa do Brasil, novos tempos de glória se anunciavam.
Nada, deu Corinthians, o imprevisível. Cristian e André Santos
foram, na cara da torcida, negociados com equipes turcas; o meia
Douglas também se foi. O time como que perdeu o eixo.
Mal no Brasileiro, o time passa a pensar na sonhada Liberta-
dores. E uma nova equipe começa a ser montada. Da Turquia
vem Roberto Carlos. Daquele às vezes cruel Goiás, vem Yarlei.
Daquele Grêmio sempre danado, Tcheco. Do Paraná, uma boa
surpresa, Jucilei.
O time não se classifica para o o quadrangular do Paulista, mas
na primeira fase da Libertadores vai muito bem, passa bem pelo
Racing do Uruguai, pelo Independiente Medellin e pelo Cerro
Porteño do Paraguai.
E aí...

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São Jorge Henrique, jogai por nós
Foto: DanielAugusto Junior

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E aí este livro já estava quase na gráfica quando numa noite de
quarta-feira de cinzas e lágrimas, 5 de maio de 2010, o Corinthians
é eliminado da Libertadores pelo Flamengo no Pacaembu.
A Fiel fez a sua parte, lotou o Pacaembu como já lotara até a
Fazendinha durante os treinos. O time jogou bem, aquele cruza-
mento do Dentinho para o gol de cabeça do Ronaldo foi simples-
mente perfeito. Mas, mesmo ganhando o jogo, 2 a 1, fomos elimi-
nados pelo regulamento.
A nação inteira fica de luto, estrila, é o seu direito.
Aos poucos volta a acreditar, é o seu destino Bem sabe que
aquela camisa alvinegra pode milagres, que anjos baixam quando
menos se espera, que São Jorge, quando quer, fulmina os mais
difíceis dragões.
Já no dia seguinte à eliminação, muitos corinthianos fizeram
questão de sair às ruas com a camisa do time, orgulhosamente. No
domingo, durante o primeiro jogo pelo Brasileirão no Pacaembu
contra o Atlético do Paraná, vitória suada, 2 a 1, já se viam cami-
sas com a seguinte inscrição no peito: Rumo a 2011.
O presidente Andrés Sanchez disse que só há uma maneira de
ganhar a Libertadores: disputá-la muitas vezes. O que pode acon-
tecer até no ano do Centenário, que vai até setembro de 2011.
Cresce a consciência de que a festa apenas foi adiada e que será
tão grande e bonita como a de 13 de outubro de 77, a noite da
redenção, ou como a de 25 de outubro de 2008, a tarde radiante
da volta para a série A.
A Libertadores virá. Com um time operário, como o do primei-
ro título nacional em 90, ou com um time todo estrelado como o
do Mundial em 2000. Virá, corinthianamente. Nosso gol do título
do Quarto Centenário não foi feito por um baixinho, de cabeça, e
não bateu na trave antes de entrar? E quantos chutes e cabeceios
foram necessários para aquela bola entrar em 77?
Nossos caminhos não são os dos outros. Sem o sabor único das
longas esperas, o que seria o Corinthians? Um vulgar Palmeiras?
Foto: Rômulo Fialdini – Memorial Corinthians
Um simples São Paulo?
Vamos, pois, ao Brasileiro, e com a única e corinthiana certeza
de que emoções nunca nos hão de faltar, as boas e as outras. Assim
é a vida e assim é o Corinthians, uma festa em si .
Este, pelo tom, é o fim da nossa história deste centenário que,
de tanta emoção, é praticamente um milênio?
Mas de jeito nenhum. De jeito nenhum. Este livro começou com
uma pergunta e sem respondê-la não pode terminar.

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25 De volta àquela noite,
sob o lampião

E
Que dizer, que ste livro começou se perguntando se, naquela noite de 1º
de setembro de 1910, aqueles cinco operários tinham uma
dizer para aqueles ideia, uma pálida ideia, do que estavam aprontando ao fun-
dar um time naquela esquina, sob aquele lampião.
cinco jovens A resposta hoje se tem.
Não, eles não poderiam imaginar. Mal tinham dinheiro para a
operários com primeira bola de couro, quanto mais para uma bola de cristal.
Não, eles não poderiam imaginar o que viria.
seu sonho aquela Dois tris nos primeiros 20 anos.
Aquelas emoções todas, Neco garantindo tudo, Teleco virando
noite, naquela no ar, o baixinho Luizinho pulando mais alto que todos e selando
o título do Quarto Centenário.
esquina? Cláudio conferindo todas, Gilmar pegando tudo, a cabecinha
de ouro do Baltazar.
Não, nada disso eles não poderiam imaginar naquela noite.
Nem o que veio depois, a longa espera, a dor e a humilhação.
A mágoa unânime de cem mil pessoas naquela tarde de 1974.
Aquela noite sagrada em 1977, eles não poderiam imaginar.
Nem, um ano antes, aqueles 350 ônibus alados de bandeiras e
paixão a caminho do Maracanã.

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Nem um doutor, Sócrates, recuperando em 83 a democracia das
origens.
Nem um menino, Viola, esticando a perna e de um chute torto
colhendo a glória de uma tarde.
Nem um baixinho, Tupãzinho, esticando outra perna e colhen-
do o primeiro título nacional
Nem um Neto deslizando ajoelhado a cada gol.
Nem um pé-de-anjo que tinha parte com o capeta.
O Campeonato Mundial de Clubes? Nem sonhavam.
Como nem poderiam ouvir dali, daquela esquina, o coral de 40
mil pessoas cantando, aquela tarde no Pacaembu: “O Coringão
voltou, o Coringão voltou”.
O Ronaldo dependurado de alegria no alambrado do Pru-
dentão, isso jamais poderiam ver dali, à luz daquele lampião.
Nenhuma das nossas corinthianas paixões, mortes e ressur-
reições – eles poderiam imaginar.
Nem sequer desconfiar da grande e incondicional fraternidade
que estavam criando, aquela noite, naquela esquina.
Então a única coisa que nos resta dizer para eles é muito obri-
gado, tantos anos e tantas emoções depois.

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MIGUEL BATAGLIA ALBINO TEIXEIRA PINHEIRO ALFREDO SCHÜRIG
TODOS OS PRESIDENTES

(1910) (1918) (1930/1933)


Nosso primeiro presidente assumiu Também ficou pouquíssimo tempo Apoiou de todas as maneiras a cons-
mais para dar uma força e ficou três no cargo, tendo sido substituído trução e reformas do estádio do
meses no cargo. pelo vice, Guido Giacominelli. Parque São Jorge, que hoje leva seu
nome. Demitiu-se, com toda a dire-
ALEXANDRE MAGNANI GUIDO GIACOMINELLI toria, após uma feia derrota para o
(1910/1914) (1920/1925 e 1927) Palestra em 1933.
Cocheiro de tílburi, tinha seu táxi Figura importante; além de presi-
puxado a cavalos na Estação da dente, foi também técnico do time JOSÉ MARTINS COSTA JR.
Luz. Alegando “afazeres particula- campeão do Centenário da In- (1933/1934)
res”, renunciou antes de ver como dependência, em 1922, e tri em Comandou o clube num período de
presidente o time ganhar o título 1923/24. crise de 1933 a 1934. Demitiu-se
paulista de 1914. sem concluir o mandato.
ARISTIDES MACEDO FILHO
RICARDO DE OLIVEIRA (1925) MANUEL CORRECHER
(1915) Substituiu por pouco tempo a Guido (1935/1941)
Enfrentou uma grande crise em Giacominelli, que ainda voltaria a Este espanhol de nascimento presi-
1915, quando o Corinthians ficou ocupar o cargo. diu o clube em tempos muito felizes.
fora do campeonato e enfrentou Com ele, o time ganhou o primeiro
sérios problemas de manutenção. ERNESTO CASSANO título profissional, em 1937, e che-
Chegou a um ponto em que a sede e (1926, 1928 e 1933) gou ao tri em 1939. Foi deposto
até os móveis do clube tiveram que Foi quem assinou a escritura de com- por uma lei federal, que impedia
ser penhorados. pra do Parque São Jorge, em 1926. estrangeiros de ocupar cargo de di-
Retornaria ao cargo após a segunda reção em clubes esportivos.
JOÃO BAPTISTA MAURÍCIO gestão de João Baptista Maurício.
(1915/1916 e 1933) MÁRIO HENRIQUE
Era dentista do bairro do Bom Re- JOSÉ TIPALDI DE ALMEIDA
tiro e conhecia o time desde seu nas- (1928 e 1929) (1941)
cimento. Nos anos 30, retornaria Era médico e por duas vezes foi Era delegado da Diretoria de Esport-
à presidência no lugar do demissio- presidente: sucedeu a Guido Gia- es do Estado de São Paulo e assumiu
nário Alfredo Schürig cominelli e a Ernesto Cassano. o cargo mais por uma formalidade
burocrática, como o interventor que
JOÃO MARTINS DE OLIVEIRA FELIPE COLLONA sucedeu Manuel Correcher.
(1917) (1929/1930)
Orador brilhante, ficou pouco tem- Era bancário. Tricampeão em 1930, PEDRO DE SOUZA
po no cargo. em sua homenagem foi composto o (1941)
primeiro hino do clube, intitulado Um Conselho de Paz impôs seu
JOÃO DE CARVALHO “Corinthians”. nome como candidato único. Gra-
(1918) ças a isso, depois dele as eleições re-
Era capitão da Polícia Militar e teve tomaram seu curso normal.
um breve mandato.

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MANOEL DOMINGOS VICENTE MATHEUS ROBERTO PASQUA
CORRÊA (1959/1961, 1972/1981 e (1985/1987)
(1941/1943) 1987/1991) Assumiu em 1985, como uma rea-
Ex-tesoureiro, foi o primeiro presi- Como Trindade, era carismático e ção à Democracia Corinthiana; na
dente eleito depois da crise defla- impulsivo. Empresário bem-sucedi- tentativa de reeleição, em 1987, foi
grada pelo afastamento de Manuel do, famoso por frases engraçadas, derrotado por Vicente Matheus.
Correcher. foi eleito pela primeira vez em 1959.
Voltou ao poder em 1972 (mandato- MARLENE MATHEUS
tampão) e foi reeleito em 1973, per- (1991/1993)
manecendo até 1981. Reassumiu em Lançada pelo marido, que não podia
Fotos: Reprodução / Arquivo Celso Unzelte

1987 e ficou até 1991. mais ser reeleito, tornou-se a primei-


ra mulher a ocupar a presidência de
WADIH HELU um grande clube brasileiro, entre
(1961/1971) 1991 e 1993.
Era o vice de Matheus quando
os dois derrubaram Trindade, em ALBERTO DUALIB
1959. Permaneceu por dez anos no (1993/2007)
poder, de 1961 a 1971. Apesar das Em seus 14 anos no poder, conquis-
contratações caríssimas, não con- tou o maior número de títulos da
ALFREDO IGNÁCIO quistou nenhum título relevante. história do clube. Com o fim da par-
TRINDADE Deu mais sorte como político. ceria com a MSI, terminou renunci-
(1944/46 e 1948/59) ando sob pressão do Conselho e de
Um presidente memorável por seu MIGUEL MARTINEZ sérios problemas com a Justiça.
carisma e palavra inflamada. Ficou (1971/1972)
mais de dez anos no cargo. Pro- Substituiu Wadih Helu mas uma CLODOMIL ORSI
moveu o charuto como símbolo, foi grave crise financeira acabou recon- (2007)
bicampeão paulista em 1951/52 e duzindo Vicente Matheus ao poder. Segundo vice-presidente, assumiu
do IV Centenário, em 1954. interinamente em plena crise no dia
WALDEMAR PIRES 1º de agosto de 2007.
LOURENÇO FLÓ JÚNIOR (1981/1985)
(1947/1948) Foi presidente da chamada De- ANDRÉS NAVARRO
Presidiu o clube entre os dois man- mocracia Corinthiana, entre 1981 SANCHEZ (desde 2007)
datos de Trindade. e 1985. Mesmo tendo Vicente Venceu as primeiras eleições reali-
Matheus como vice, teve uma ad- zadas após a saída de Dualib, em
ministração descentralizada e, como 2007, e reelegeu-se para mais um
diretor de futebol, um sociólogo, mandato, de dois anos, em fevereiro
Adílson Monteiro Alves. de 2009. Pegou o time rebaixado
e comandou a volta à série A, em
2008. Mudou o estatuto para esta-
belecer eleições diretas para presi-
dente e sem reeleição.

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CAMPEONATOS TORNEIOS Interestaduais
TÍTULOS E TAÇAS

Taça Supremacia/Torneio Quinela


Internacionais Internacionais de Ouro – invicto (São Paulo, SP,
I Mundial de Clubes da Fifa/invicto Copa Presidente Marcos Pérez 1942)
(Brasil, 2000) Gimenez/Pequena Taça do Mundo
- invicto (Caracas, Venezuela, 1953) Torneio de Brasília (Goiânia, GO,
Nacionais Torneio Internacional Charles 1958)
Campeonato Brasileiro (1990, Miller – invicto (Brasil, 1955)
1998, 1999 e 2005) Copa do Atlântico (1956) Pentagonal do Recife (Recife, PE,
1956, Corinthians e Boca Juniors, 1965)
Copa do Brasil (1995/invicto, da Argentina, terminaram
2002 e 2009) empatados e faltou data para a Triangular de Goiânia (Goiânia,
decisão GO, 1967)
Supercopa do Brasil
(Corinthians 1 x 0 Flamengo, Copa Cidade de Turim (Itália, Torneio do Povo (1971)
27/1/1991) 1966)
Taça Cidade de Porto Alegre (1983)
Brasileiro/Série B (2008) Torneio Costa do Sol (Málaga,
Espanha, 1969) Estaduais
Interestaduais Torneio Início do Campeonato
Torneio Rio-São Paulo (1950, Troféu Apolo V (Nova York, Paulista (1919, 1920 e 21 – Taça
1953, 1954, 1966 e 2002) Estados Unidos, 1969) Challange, conquista definitiva;
1929 – Taça Benedito Montenegro;
Estaduais Copa São Paulo (Brasil, 1975) 1936, 1938, 1941 – Taça Capitão
26 Campeonatos Paulistas (1914/ Sylvio de Magalhães Padilha; 1944
invicto, 1916/invicto, 1922/23/24, Torneio Feira de Hidalgo (Pachuca, e 1955)
1928/29/invicto, 1930, 1937/38/ México, 1981)
invicto, 1939, 1941, 1951/52, Troféu Doutor Otávio Egídio
1954, 1977, 1979, 1982/83, 1988, Copa das Nações (Los Angeles, (1º turno do Campeonato Paulista
1995, 1997, 1999, 2001, 2003 e Estados Unidos, 1985) de 1922)
2009/invicto
I Torneio Internacional de Verão Taça Cidade de São Paulo
Cidade de Santos (Brasil, 1986) (oferecida pelo prefeito Firmiano
Pinto ao campeão paulista de
II Torneio Internacional de Verão 1922, ano do I Centenário da
Cidade de Santos (Brasil, 1987) Independência do Brasil)

XLII Troféu Ramón de Carranza


(Cádiz, Espanha, 1996)

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Taça Competência: campeão da Taça São Paulo (1962) TAÇAS E TROFÉUS
capital versus campeão do interior
(1922/1923 e 1924) Torneio Laudo Natel (1973) Internacionais
1924, Conquistadas nos anos Troféu Barracas (Corinthians
posteriores. Em 1924 não houve Taça Governador do Estado: 3 x 1 Barracas-ARG, primeira
campeonato do interior, e o segundo turno do Campeonato vitória internacional, 1º/5/1929)
Corinthians ficou com a taça como Paulista (Corinthians 1 x 0
campeão da capital. Palmeiras, 31/8/1977) Taças Cittá de Firenze, Ao Empório
Toscano, Sudan Ovais e Professor
Taça Ballor, campeão do 1º Taça Cidade de São Paulo: 1º Caputto (oferecidas no jogo
turno do Campeonato Paulista, turno do Campeonato Paulista Corinthians 6 x 1 Bologna-ITA,
conquistada em definitivo: três (Corinthians 1 x 0 Santos, 30/7/1929)
vezes alternadas (1923/24 e 1928) 26/11/1978)
Troféu All Stars (Corinthians 5 x 1
Troféu Fasanello (1938) Troféu Centenário (melhor time da Hakoah-EUA, 6/7/1930)
1ª fase do Paulista de 1991)
Taça Henrique Mündel/Festival do Troféu Boca Juniors (Corinthians
São Paulo Futebol Clube (1938) Troféu Cidade de São Paulo 2 x 0 Boca Juniros-ARG, 10/2/1935)
(campeão do 1º turno do
Taça Cidade de São Paulo, Campeonato Paulista de 1994) Copa dos Campeões
conquistada em definitivo: cinco (Independiente-ARG 0 x 1
vezes alternadas (1942/43, 1947/48 Copa Bandeirantes (1994) Corinthians, Mar del Plata,
e 1952) Argentina, 18/2/1986)

Taça Prefeitura Municipal de São Nacionais


Paulo (1953) Taça Mais Querido do Brasil
(Organização Victor Costa,
Torneio das Missões/Taça Tibiriçá através de voto popular, em 1955.
(1953) Resultado: Corinthians, 471 450
votos; Flamengo, 155 300; São
Taça Charles Miller (1954 e 1958) Paulo, 150 150; Palmeiras, 61 500)

Taça dos Invictos, do jornal A Troféu Osmar Santos (campeão do


Gazeta Esportiva: maior número de 1º turno do Brasileiro de 2005)
jogos sem derrota no Campeonato
Paulista (1956, 1957, 1990 e 2009) Interestaduais
1957, Taça conquistada em Char de la Victoire e Taça Vada
definitivo naquele ano. (ambas oferecidas pelo América no
jogo Corinthians 2 x 2 América-RJ,
Torneio de Classificação do 22/7/1928, inauguração do Parque
Campeonato Paulista/invicto (1957) São Jorge)

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Taça Apea – ao “Campeão dos Taça oferecida pelo sr. Celino Taça Sacadura Cabral e Gago
Campeões” do Rio e de São Paulo Ambrósio (Corinthians 3 x 1 Coutinho (Corinthians 6 x 1 Sírio,
(Corinthians 4 x 2 Vasco, Parque Paulista-SC, São Carlos, 15/4/1917) 9/4/1922)
São Jorge, 16/2/1930; Corinthians
3 x 2 Vasco, São Januário, Taça Amílcar Barbuy (Corinthians Taça Cântara Portugália
23/2/1930) 2 x 0 União Brasil, 30/3/1919) (Corinthians 2 x 0 Palestra Itália,
São Paulo, 9/7/1922)
Taça Aliança da Bahia (Corinthians Taça União Brasil (Corinthians 2 x
6 x 1 Botafogo-BA, Salvador, 0 União Brasil, 14/7/1919. Jogo- Taça Joalheria Castro (Corinthians
20/9/1936) treino que valeu taça) 4 x 0 Braz A. C., 25/1/1925)

Taça Prefeitura de Salvador Taça 47 (Corinthians 2 x 0 Taça Guido Giacominelli


(Corinthians 2 x 0 Ypiranga-BA, União Recreativa do Cambuci, (Corinthians 5 x 0 Comercial de
Salvador, 24/9/1936) 28/12/1919) Catanduva, Catanduva, 1º/3/1925)

Taça Linha Circular (Corinthians Taça Neco Taça Agência Ford (Corinthians
1 x 0 Ypiranga-BA, Salvador, (Corinthians 1 x 0 A. A. São Bento, 2 x 1 Rio Branco, Americana,
23/1/1938) 7/3/1920) 6/12/1925)

Taça de Campeões Rio-São Paulo Taça Doutor Arnaldo Vieira de Taça Studebaker (Corinthians 3 x 0
(Corinthians 5 x 2 Fluminense, Carvalho (Corinthians 4 x 1 A. A. XV de Novembro, Jaú, 15/11/1925)
Pacaembu, 23/12/1941) São Bento, 13/6/1920)
Taça Juvenal Plastídio Filho
Estaduais Taça Prefeitura Municipal de (Corinthians 4 x 3 Guarani,
Taça Beneficência Espanhola Guaratinguetá (Esportiva de Campinas, 13/12/1925)
(Corinthians 3 x 0 A. A. Guaratinguetá x Corinthians,
Palmeiras, 1º/5/1915; Corinthians resultado não encontrado. Jogo Taça Lacta (Corinthians 4 x 0
4 x 1 Germânia, 16/4/1916; o realizado em 19/9/1920) Internacional da capital, 1º/1/1926)
Corinthians desafiou e venceu os
campeões das duas Ligas no ano Taça Ida (Corinthians 5 x 0 Paulista Taça Centenário do Uruguai
anterior.) da capital, 30/1/1921) (Corinthians 0 x 0 Sírio, 25/8/1925;
Corinthians 1 x 0 Sírio, 10/1/1926)
Taça Cronistas Esportivos Taça Antarctica (Corinthians 4 x 2
(Corinthians 3 x 0 Combinado A. A. São Bento, 20/2/1921) Taça Guaraná Espumante
Inter/Vicentino, 20/8/1916) (Corinthians 5 x 1 São João,
Taça Ao Preço Fixo Jundiaí, 17/1/1926)
Taça oferecida pelo dr. Alcântara (Corinthians 2 x 1 Seleção Santista,
Machado (Corinthians 4 x 0 Santos, 13/5/1921) Taça Francisco Rei
Taubaté, Taubaté, 8/10/1916) (Corinthians 5 x 1 Primeiro de
Maio, São Bernardo do Campo,
18/4/1926)

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Taça Apea (Corinthians 5 x 1 Sírio, Taça Ministro do Chile TÍTULOS HONORÍFICOS
21/3/1926) (Corinthians 1 x 1 Santos, Vila Galo da Várzea (1910/1913)
Belmiro, 12/10/1928; Corinthians
Taça De Callis (Corinthians 2 x 0 6 x 2 Santos, Parque Antártica, Campeão do Centenário (1922)
XV de Novembro, Jaú, 1º/8/1926) 8/3/1931) Campeão dos Campeões do Brasil
Taça Elixir de Cabo Verde (1929)
Composto (Corinthians 1 x 0 Troféu Liga Paulista (como
Palestra Itália, 8/12/1926) tricampeão paulista de 1937/38/39) Tri tricampeão paulista (único clube
do Estado a alcançar esta façanha)
Taça Adamastor (Corinthians 4 Taça Duque de Caxias (Palestra
x 0 Portuguesa Santista, Santos, Itália 1 x 1 Corinthians, 21/7/1940; Campeão Honorário do Brasil:
19/12/1926) Corinthians 2 x 1 Palestra Itália, Torneio Rio-São Paulo (1950)
12/3/1941)
Taça Fábrica de Gelo Vila Mathias Fita Azul do Futebol Brasileiro: 15
(Corinthians 2 x 1 Portuguesa Taça Manoel Domingos Corrêa jogos invicto no exterior (1952)
Santista, Santos, 9/1/1927) (Corinthians 4 x 1 Palestra de São
Paulo, 27/5/1942) Campeão Internacional dos
Taça Sarmento Beires (Corinthians Invictos: 32 partidas sem derrota
1 x 0 Ponte Preta, Campinas, Troféu Bandeirante, oferecido pela diante de equipes estrangeiras
10/4/1927) Federação Paulista de Futebol ao (1954)
campeão paulista do IV Centenário
Taça Ribeiro de Barros (Corinthians (1954) Campeão dos Centenários (1922 e
3 x 2 Paulistano, 8/5/1927) 1954)
Troféu Lourenço Fló Júnior
Taça Tipografia Carvalho (Corinthians 2 x 1 São Paulo, Campeão Paulista do Século XX
(Corinthians 3 x 2 Portuguesa 25/1/1962; Corinthians 4 x 2 São
Santista, Santos, 7/8/1927) Paulo, 11/2/1962) Pentacampeão paulista invicto
(1914, 1916, 1929, 1938 e 2009)
Taça O Comerciário (Corinthians 4 Taça Piratininga: melhor
x 1 Independência, 30/10/1927) aproveitamento nos clássicos com
Palmeiras, Portuguesa e São Paulo,
Taça Almirante Sousa e Silva equivalente ao título de campeão
(Corinthians 7 x 0 Combinado da paulistano (1968)
Apea, 22/9/1929)
Taça da Solidariedade (Corinthians
Troféu Washington Luís (instituído 0 x 0 São Paulo; nos pênaltis,
em 1926. Posse definitiva do Corinthians 4 x 1, 11/6/1994)
Corinthians, primeiro a ganhar
três vezes seguidas o Campeonato
Paulista, em 1928/29/30)

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LIVROS

FONTES CONSULTADAS
ARNS, Dom Paulo Evaristo – Corintiano Graças a Deus – Editora
Planeta do Brasil – 2004

CITADINI, Antonio Roque – Neco, O Primeiro Ídolo – Geração


Editorial – 2001

DIAFÉRIA, Lourenço – Coração Corinthiano – Fundação Nestlé


de Cultura – 1992

GINI, Paulo – Rodrigues , Rodolfo – A História das Camisas dos


12 Maiores Times do Brasil – Panda Books – 2009

KFOURI, Juca – A Emoção Corinthians – Ed. Brasiliense – 1983

KFOURI, Juca – Corinthians, Paixão e Glória – DBA , Companhia


Melhoramentos de São Paulo – l996

MARTINEZ, André – Corinthians, Minha Vida, Minha História,


Meu Amor – Ícone Editora – 2009

NETO, Lázaro Simões (Lalau) – Fiel 100 anos – Panda Books – 2009

OLIVETTO, Washington – Corinthians x Outros – Leya – 2009

OLIVETTO, Washington – BEIRÃO, Nirlando – Corinthians é


Preto no Branco – DBA – 2002

UNZELTE, Celso – Timão: 100 Anos, 100 Jogos, 100 Ídolos –


Autêntica Editora/Gutenberg – 2009

UNZELTE, Celso – Os Dez Mais do Corinthians – Maquinária


Editora – 2008

UNZELTE, Celso – Almanaque do Timão – Ed. Abril – 2000

FILMES

FIEL - O FILME – Direção Andrea Pasquini – 2009


1977 – 23 Anos em 7 Segundos – Direção Di Moretti – 2009

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Agradecimentos

De uma forma ou outra, muitos


foram os amigos e colaboradores
que tornaram este livro possível,
mas gostaria de destacar, com
especial carinho, minha mulher
Marcia e meus filhos Rodrigo e
Fábio; Duílio Monteiro Alves,
Comissão do Centenário,
Valdir Baptista e David José Costa,
do Memorial do Corinthians;
Ernesto Teixeira e Patrícia Favalle,
do Comitê de Preservação da
Memória Corinthiana e
João Paulo Tonidandel, corinthiano
militante.

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