Jean Yves Leloup

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2/3/2018 UNIPAZ

Entrevista com Jean Yves Leloup (Carlos Aveline)

O Barulho da Floresta Que Brota

Jean-Yves Leloup é um dos pensadores importantes do mundo contemporâneo. Nascido em 1950, na França, ele é um cidadão do
mundo. Filósofo, terapeuta transpessoal, teólogo, ele é padre da igreja ortodoxa na França, e traduziu e interpretou textos bíblicos.
Seu pensamento é poético, universalista, multidimensional. Conferencista reconhecido internacionalmente, ele vem regularmente
ao Brasil proferir seminários organizados pela Universidade da Paz.

Para Marie de Solemne, uma estudiosa da sua obra, “a considerável força da palavra de Jean-Yves Leloup é que ela é
sistematicamente informada, ao mesmo tempo, por uma reflexão filosófica, psicanalítica e espiritual”. Os livros de Jean-Yves estão
publicados em vários idiomas e fazem sucesso no Brasil. Entre os seus últimos lançamentos estão “Amar ... Apesar de Tudo” e “A
Arte da Atenção”, ambos da Editora Verus. A entrevista a seguir foi concedida na sede da Unipaz, em Brasília.

Pergunta – Você é sacerdote da igreja ortodoxa...

Jean-Yves Leloup - A ortodoxia é a tradição das origens do cristianismo. Inicialmente, o cristianismo era uma comunhão de igrejas.
Havia a igreja de Jerusalém, a de Antióquia, a de Éfeso, a de Roma. Foi só no século 12 que a igreja de Roma se separou. As
diferentes igrejas ortodoxas preservaram a tradição de comunhão e permaneceram unidas apesar das diferenças.

Pergunta - Você acredita em Astrologia?

Jean-Yves Leloup – O homem é uma parte do universo e depende dos astros. Isso faz parte da sua unidade com o cosmo. Gosto
das palavras de Santo Tomás de Aquino, que diz que os homens dependem dos astros, mas são maiores do que eles. Não somos
completamente determinados pelos astros. O homem é uma mistura de natureza e de aventura. Creio na Astrologia, mas não no
determinismo.

Pergunta – Quando você diz que aceita postulados da Astrologia, essa é uma opinião pessoal ou é um consenso em sua igreja?

Jean-Yves Leloup – Na igreja ortodoxa há diferentes teólogos, com pontos de vista diversos. A linha de pensamento em que estou
engajado respeita a Astrologia. A consciência da relação do homem com o universo, a consciência da sua liberdade e a consciência
daquilo que o ser humano faz em relação ao universo – essas são questões muito tradicionais.

Pergunta – No seu livro A Arte da Atenção, você define o oceano como “um deserto em movimento”. O deserto parece ser um dos
seus temas constantes. Se para você o deserto é uma metáfora, ele simboliza o quê?

Jean-Yves Leloup – Simboliza o silêncio – o silêncio de onde vem a palavra e para onde a palavra volta. O deserto é também uma
metáfora da vacuidade – a vacuidade de onde vem o mundo e para onde esse mundo volta. Quando estamos no deserto, nesse
espaço de silêncio, nós nos aproximamos dessa vacuidade essencial e não somos distraídos pelas formas. Entramos em contato
com o que não tem forma — a origem de todas as formas.

Pergunta – Você acredita em reencarnação?

Jean-Yves Leloup – A reencarnação é uma explicação possível. Ela é importante para dar-nos um sentido de responsabilidade e
para colocar-nos em contato com as conseqüências dos nossos atos. A idéia de reencarnação está ligada à idéia de justiça e à lei
do Carma. O Evangelho diz que o que você planta, você colhe. Nesse sentido, a idéia da reencarnação pode ser útil. Mas os
http://www.unipazrecife.org.br/2015/textos.php?id=13
grandes sábios da Índia dizem que a reencarnação 1/4 e
é uma crença popular e uma forma de interpretar o que está além do espaço
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do tempo. Crer na reencarnação é acreditar na continuidade do espaço-tempo. Por isso, há uma diferença entre reencarnação e
ressurreição. O objetivo humano é sair do ciclo da reencarnação e atingir um estado de ressurreição que está além da necessidade
de reencarnar e constitui uma libertação. Quando perguntaram ao indiano Ramana Maharshi para onde ele iria depois da sua
morte, ele respondeu: “irei para onde sempre estive”. Ele não fala de reencarnação, nem do encadeamento de causas e efeitos. Ele
destaca que há dentro de nós algo que está livre da roda de causas e efeitos, livre do samsara. É esse estado de despertar que
devemos descobrir.

Pergunta – O que é Deus? É uma entidade antropomórfica que toma decisões como se fosse um ser humano, com seu hemisfério
cerebral esquerdo, que gosta ou não gosta, que se apega ou rejeita algo? Ou Deus é apenas uma Lei Universal?

Jean-Yves Leloup – Cada um tem sua religião conforme o seu nível de consciência. Nossa imagem de Deus é feita de acordo com
o que a nossa consciência pode conter. É por isso que existem imagens de Deus muito infantis – Deus como uma grande mãe ou
um grande pai, como uma fonte de segurança. Meister Eckhart escreveu que, para alguns, Deus é como uma vaca leiteira, algo que
tem que suprir as nossas necessidades. Para outros, Deus é aquilo que coloca em ordem a sociedade humana e o universo, é a lei
natural. Para outros, ainda, Deus é apenas uma palavra, e tudo o que podemos pensar de Deus não é Deus, mas apenas a nossa
representação dele. Assim, também, o que conhecemos da matéria não é a matéria, mas apenas o que os nossos instrumentos de
compreensão nos permitem perceber. Por isso, quando usamos a palavra Deus, é bom saber do que estamos falando. Ao longo da
nossa vida pessoal, nossa imagem de Deus pode mudar. Aquilo que a gente aprendeu no catecismo, em outro momento ganha
outro significado. O que aprendemos sobre Química no primeiro grau não é o que aprendemos na universidade. Às vezes, no
entanto, ficamos fixados nas imagens da escola de primeiro grau. O mais importante, claro, é a nossa experiência. O que quero
dizer quando falo de Deus? Que experiências estão por trás dessa palavra? Para mim, essa é uma experiência de serenidade, de
silêncio, de amor, e de luz.

Pergunta – Em seus livros, você aborda “a memória do corpo”.

Jean-Yves Leloup – O corpo é a nossa memória mais arcaica. Tudo aquilo que uma criança viveu fica guardado na forma de
impressões em seu corpo. Quando tocamos um corpo, tocamos toda essa memória. Assim, você não pode tocar determinadas
pessoas em determinadas áreas, porque ali há registros de memórias antigas. Karl Graf Dürkheim dizia que quando fazemos
massagem em alguém, não estamos tocando um corpo, estamos tocando uma pessoa. O corpo é animado, pleno de memórias.

Pergunta – Como você vê a relação entre o individual e o social? Penso que ficamos capengas se nos engajamos na transformação
social sem fazer uma autotransformação, mas também ficamos incompletos se tentamos uma autotransformação sem levar em
conta a sociedade ao nosso redor.

Jean-Yves Leloup – É importante observar as duas coisas. Isso me faz lembrar do que me disse um rabino em Jerusalém: que
nunca haverá paz, em Jerusalém, enquanto o ser humano não fizer a paz dentro de si mesmo. E fazer a paz em Jerusalém significa
fazer a paz nos diferentes bairros. O bairro judeu, o bairro árabe, o bairro cristão, etc. Nós também temos que construir essa paz
nos nossos diferentes bairros, o bairro do coração, o bairro da mente, o bairro do corpo. Se fizermos paz em nosso próprio interior,
poderemos fazer a paz no mundo. Há uma interpenetração do individual e do social. Quando eu me preocupo com a sociedade, eu
me transformo. Cuidar do outro me revela a mim mesmo. Quando conheço o outro, conheço a mim mesmo. O Evangelho de São
Tomé diz que o Reino está no interior e no exterior. Se o Reino estivesse somente no interior, poderíamos abandonar o mundo e
viver apenas em meditação. Se o Reino estivesse só no exterior, não teríamos que meditar, e poderíamos ocupar-nos o tempo todo
da sociedade. Mas o que Jesus fala é que o Reino está dentro e fora, e eu acho que esse é o segredo do amor. Porque o amor é
aquilo que o ser humano tem de mais interior e, ao mesmo tempo, ele tem conseqüências no mundo exterior.

Pergunta – Qual é o impacto que a busca espiritual dos indivíduos tem, ou que deveria ter, sobre as estruturas sociais? A nossa
cultura espiritual, hoje, não deveria incluir uma preocupação explícita com mudanças sociais?

Jean-Yves Leloup – Não há oposição entre o que é interior e o que é exterior. Cada um deve seguir aquilo que o espírito lhe inspira.
Para alguns, é através da ação que se ama.
http://www.unipazrecife.org.br/2015/textos.php?id=13 Para outros, é através da meditação ou da oração. A ação e a contemplação são2/4como
os dois olhos em um mesmo olhar. Às vezes o amor nos convida à interiorização. Em outros momentos o amor nos leva a agir, a
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produzir. A única condição necessária é que façamos todas as coisas a partir do melhor de nós mesmos. Não se deve comparar a
ação de Madre Teresa com a ação de um eremita dentro de sua gruta. Cada um age da sua maneira pelo bem-estar da
humanidade.

Pergunta – Como você vê, hoje, a marcha da evolução humana?

Jean-Yves Leloup – Vejo a humanidade em uma situação de apocalipse, entendendo a palavra apocalipse como revelação. Há algo
desmoronando, e há também algo que está nascendo. Nós escutamos o barulho do carvalho que cai, mas não escutamos o barulho
da floresta que brota. Ouvimos o ruído das torres desmoronando, mas não escutamos a consciência que desperta. No mundo de
hoje há muitas coisas que desmoronam, e em geral falamos das coisas que fazem ruído, mas não falamos das sementes de
consciência e de luz que estão germinando.

Pergunta – Qual o significado do ascetismo no caminho espiritual?

Jean-Yves Leloup – O ascetismo é um caminho para prazeres mais sutis.

Pergunta – O que separa uma religião da outra?

Jean-Yves Leloup – Creio que é a ignorância, junto com a vaidade e o desejo de poder. Quando você conhece o outro, você o
respeita. Se não há desejo de poder, há lugar para todos. Em um canteiro de flores há lugar para as flores azuis, para as brancas, e
cada uma delas cresce em direção à luz.

Pergunta – O que as religiões têm a ensinar umas às outras?

Jean-Yves Leloup – Cada uma pode ensinar às outras a sua diferença, o que a distingue. Não podemos fazer um buquê, se todas
as flores tiverem a mesma cor. Se todas as pessoas pensam igual, então elas não pensam mais. O pensamento dos outros
estimula o nosso pensamento. A maneira como os outros consideram o absoluto me permite relativizar minha própria maneira de
considerar o absoluto. Isso me impede de construir um dogma e me leva a um conhecimento mais profundo.

Pergunta – Como você vê o Brasil?

Jean-Yves Leloup – Tenho a impressão de que o Brasil não tem uma coisa ou outra, ele tem todas as coisas. E há a riqueza da
natureza, a riqueza das culturas mescladas. Mas sinto que no mundo político há alguma coisa artificial. Sinto que há uma
esquizofrenia. O Brasil tem uma coisa muito forte, espontânea, próxima do paraíso, talvez, mas há também algo que impede o
surgimento desse paraíso.

Pergunta – Existe uma relação entre a atenção e o desapego...

Jean-Yves Leloup – Se estivermos realmente atentos, estaremos dentro de um instante. Só podemos estar atentos instante a
instante. Mas se estivermos atentos a esse instante estaremos desapegados em relação ao instante anterior. A atenção é a arte de
viver no momento presente, e para isso é preciso estar livre do passado e do futuro. A arte da atenção é a arte de estar no
presente. O presente está ligado ao passado e ao futuro, mas ao mesmo tempo ele está desapegado em relação a eles. Isso me
faz pensar em umas palavras de Buda que têm relação com uma das perguntas feitas há pouco. “Se você quiser conhecer sua vida
anterior”, disse o Buda, “esteja atento para o que você é e faz hoje”. Aquilo que você é hoje é o resultado do que você foi. Se você
quiser conhecer a sua vida futura, esteja atento para o que você é e faz hoje. Porque o que você é hoje constitui a origem do que
virá mais tarde. Há também as palavras de Cristo, “não olhe para trás e não se preocupe com o futuro, mas faça bem aquilo que
você tem de fazer no momento presente”.

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[ Esse texto de Carlos C. Aveline, que transcreve uma entrevista com Jean-Yves Leloup, foi publicado originalmente na revista
“Planeta”, de São Paulo, edição de outubro de 2002. ]

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