CAROZZE - Tese Sobre Oneyda PDF
CAROZZE - Tese Sobre Oneyda PDF
CAROZZE - Tese Sobre Oneyda PDF
SÃO PAULO
2012
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho,
por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e
pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação da Publicação
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
IEB/SBD02/2012 DD 780.981
Nome: CAROZZE, Valquíria Maroti
Título: A menina boba e a discoteca
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr.__________________________________Instituição:_________________________
Julgamento________________________________Assinatura:_________________________
Prof. Dr.__________________________________Instituição:_________________________
Julgamento________________________________Assinatura:_________________________
Prof. Dr.__________________________________Instituição:_________________________
Julgamento________________________________Assinatura:_________________________
Para Victor
AGRADECIMENTOS
Figura 2 - Funcionários manuseando discos e cartaz com dizeres sobre música sinfônica e
ópera, no acervo da Discoteca Pública Municipal de São Paulo
Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para milhões. In: Revista do Globo
. 26 jan. 1946. p.44.
Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga
Centro Cultural São Paulo......................................................................................210
Figura 3 – Duas estudantes ouvindo música em cabine da Discoteca Pública Municipal de São
Paulo
Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para milhões. In: Revista do Globo.
26 jan. 1946. p.45.
Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga
Centro Cultural São Paulo......................................................................................211
Figura 4 - Sala Luciano Gallet, auditório da Discoteca Pública Municipal de São Paulo,
quando instalada na sede à Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 278
Reportagem: Mais um motivo de orgulho para S. Paulo: a nova Discoteca
Pública. s.d.
Doc. 8121 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga
Centro Cultural São Paulo.......................................................................................307
LISTA DE TABELAS
Tabela do Capítulo 1 - Tabela 1.1 - Compositores e Composições sobre Poemas de Oneyda Alvarenga/
Data.........................................................................................................................................................36
Tabela 4.2 - Nação (natal) dos Compositores/Ocorrência de compositores nos Concertos por
país........................................................................................................................................................285
ANEXO B...............................................................................................................................352
Transcrição do texto integral da entrevista de Oneyda Alvarenga concedida ao Diário da
Noite – 17/08/1938) “Entrevista dada ao Diário da Noite em 17-8-38
ANEXO C...............................................................................................................................357
Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje: Como encara Castro Alves na literatura
brasileira
ANEXO D..............................................................................................................................360
Transcrição integral dos textos de carta e entrevista concedida a Jorge Andrade, da revista
Visão:
Estudiosa de folclore
ANEXO E...............................................................................................................................365
Transcrição do texto integral da entrevista de Oneyda Alvarenga para o Estado de Minas
Oneyda escritora de A menina boba e literatura
12
INTRODUÇÃO
realizadas por Oneyda Alvarenga, naquele contexto do Departamento de Cultura, nas décadas
de 1930 e 1940. Importância que faz fundamental a divulgação da informação dessas fontes
primárias.
Também é traçado esboço do perfil literário de Oneyda Alvarenga e a opinião
que críticos e escritores tinham de suas poesias, bem como se vê o panorama das várias faces
artísticas e científicas de Oneyda Alvarenga e observações críticas elogiosas a seu respeito,
fazendo ver que Oneyda foi reconhecida como séria profissional, nas décadas de 1930 e 1940.
No Capítulo 2, Primórdios e perfis, dentro da esfera histórica, social e
política, se vê o início da configuração de instituições com metas educativas e culturais no
Brasil. O capítulo gira em torno da criação do Departamento de Cultura do Município de São
Paulo sob o ideal de “realizar cultura liberta da influência política”, e são esboçados os passos
de tentativas de criação de um Instituto Brasileiro de Cultura, federal, que geraria depois, um
Instituto Paulista. Este, por sua vez, absorveria o Departamento de Cultura do município,
dentro do qual seria criada uma Rádio-Escola, ao mesmo tempo que incorporaria o
Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo... mostrando-se, enfim, que
nada disso, com exceção do Departamento de Cultura, se efetivou, revela-se como a
Discoteca Pública Municipal, já estabelecida com a função de apoio à Rádio (que não
aconteceu), toma para si funções extras – como se verá.
No capítulo 2 se trata ainda da questão dos intelectuais que ocuparam os cargos
públicos, na década de 1930, no Departamento de Cultura do Município de São Paulo,
discutindo seus objetivos ligados a ideais e seus perfis profissionais.
No Capítulo 3 - Nacionalismo e... nacionalismo, passando por conjecturas
sobre nacional, popular, nacionalismo pelos autores mencionados no texto e nas referências
bibliográficas, situa-se a posição de Mario de Andrade no panorama cultural da época.
Como introdução ao que se vai desenvolver em Americanismo musical, faz-se
uma breve explicação de como Mario de Andrade considerava o pan-americanismo e os
latino-americanismos, com seus distanciamentos da realidade de cada país: como
impedimentos da verdadeira expressão nacional (e universal) na Arte. Aborda-se o
desempenho do musicólogo teuto-uruguaio Curt Lange, na luta pela valorização da música do
continente americano e, em publicações de autoria de Flávia Toni, o que significaram as
pesquisas musicais de Mario de Andrade, dando relevo à audição de discos ( “música
mecânica”.)
14
Nesta dissertação será respeitada a grafia nas transcrições de textos das décadas
de 1930 a 1950 - quando for o caso de transcrição, tais textos não serão trazidos para a norma
culta vigente. Assim, será conservada a grafia das poesias de Oneyda Alvarenga, textos e
transcrição dos repertórios de Concertos de Discos; textos dos Anexos – encontrados nos
documentos originais consultados no Arquivo Histórico do Centro Cultural São Paulo e em
livros da Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo; como
das notas e comentários de Mario de Andrade em fontes encontradas no Arquivo do Instituto
de Estudos Brasileiros e nos livros da Biblioteca Mario de Andrade, do mesmo Instituto.
Os documentos pesquisados para esta dissertação no Arquivo Histórico
Municipal de São Paulo estão relacionados à administração de Mario de Andrade, quando foi
diretor do Departamento de Cultura. Os documentos observados possuem teor de ordem
burocrática e permitiram o mapeamento de trâmites legais, como contratação de funcionários
(Oneyda Alvarenga; músicos para a Rádio-Escola - entre outros); financiamento de viagens de
profissionais nomeados, como Rubens Borba de Moraes e Sérgio Milliet, a trabalho, quando
atuaram no Departamento de Cultura; até detalhes ínfimos (como compra de pó de café...) -
mostrando que Mario de Andrade prestava contas à prefeitura de movimentos mínimos, em
sua gestão. Porque sua função foi descortinar uma realidade de bastidores ao que constitui
objeto de real interesse para esta dissertação, esses documentos não serão descritos ou citados
18
aqui, com exceção da solicitação de alto-falantes para a Rádio Escola, que Mario de Andrade
dirigiu a Fábio Prado, prefeito de São Paulo na década de 1930.
TRAÇOS BIOGRÁFICOS
2 Nobel teve dois filhos: Ieve Evei Alvarenga e Gamelin Nilo Alvarenga, pai da sobrinha-neta de Oneyda
Alvarenga, Juliana Alvarenga, a quem se devem estas informações mais detalhadas sobre a família.
19
CAPÍTULO 1 ONEYDA
1. Oneyda Alvarenga
3 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 7.
4 Id., p. 6.
5 Ver Capítulo 1 desta dissertação.
6 Ano da edição do livro ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo:
Duas Cidades, 1983. 308 p.
7ANDRADE, op. cit.
20
Fotografia do Grupo de estudos de História da Música no escritório da casa de Mario de Andrade, à Rua Lopes
Chaves. Da esquerda para a direita: Carlos Ostronoff, Sonia Stermann, Oneyda Alvarenga, Mario de Andrade e
Climène de Carvalho. Data – 1934. Fundo Mario de Andrade, Série Fotografias, Código MA – F – 1484.
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
8 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
65.
21
muito querida pela família – a mesma Sebastiana para quem Mario de Andrade pediu que
jogasse a chave na rua, quando ele chegasse do Rio de Janeiro para ver a família, na época em
que saiu do Departamento de Cultura; a mesma Sebastiana que abrirá a porta do sobrado da
Rua Lopes Chaves para Paulo Duarte e o jornalista Múcio Borges, em 1970. Era a alegria da
vida de estudante de Oneyda.
Mas, relembraria Oneyda Alvarenga anos depois, num balanço que faz de sua
vida como diretora da Discoteca Municipal, o fato que mais – senão o único – a fez subir aos
voos altos da liberdade foi o veredicto de Mario de Andrade, ao afirmar que ela era poeta.
9 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 12.
10 No Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, há uma fotografia do
casamento, pertencente ao Acervo Mario de Andrade; Código de Referência MA-F-1554 – Descrição: Oneyda e
Sílvio Alvarenga com Mario de Andrade, seu padrinho de casamento. [1937] No verso, a dedicatória: “Rio, 6-X-
1937/ Para dindinho Mário, como lembrança do enforcamento da discotecária.”
11 Ibid., p. 67.
12 Ibid., p. 21.
22
o estudo de piano em tempo de férias; ora sua inclinação para a vida simples no interior de
Minas Gerais, longe do meio urbano. Mas depois, ela enveredará por um caminho sem volta.
Deste jeito é que o diretor do Departamento de Cultura conta como Oneyda foi
realmente inserida no contexto da Discoteca Pública Municipal. Depois disso, segue-se a
longa e profícua trajetória da musicóloga, com seu rápido amadurecimento intelectual no
campo das pesquisas e música folclórica. Todo seu desempenho no âmbito da Discoteca
Pública Municipal de São Paulo.
Revista de História de América, em 1948, no México, entendeu que Oneyda Alvarenga tinha
critérios bastante minuciosos e rigor científico para atuar com pioneirismo no campo da
musicologia da América. Saltava mais aos olhos, então, não o gênero - feminino/masculino –
mas o perfil da estudiosa; seu caráter independente, quando da necessidade de se abrir
caminhos, principalmente na seara do estudo e ensino da assustadora, temível música
contemporânea.
Oneyda Alvarenga seria, então, a diretora da Discoteca do município,
independentemente da orientação de Mario de Andrade. E assim calculara ele:
primeiramente, pelas adversidades do panorama do poder político, em 1938, teve de se afastar
do Departamento de Cultura; pela segunda vez, em 1945, desta vez, quando teve de se
ausentar da vida. Oneyda Alvarenga há muito não dependia mais do mentor e, depois de
descortinado o universo da criação da música contemporânea e das técnicas de composições
de vanguarda, a partir do que se estudava no grupo de alunos que frequentava a casa de
Mario, naquelas quartas-feiras, abria caminho sozinha. No Compêndio de História da Música,
Mario de Andrade, ao fechar o livro com o capítulo Atualidade, naquela que foi a 2ª edição,
de 1933, além de se mostrar escandalosamente aberto à técnica revolucionária – como, por
exemplo, a plena aceitação do aparelho eletromagnético, um “Instrumento de Ondas Etéreas”,
moderníssimo (veja-se a época), inventado pelo russo Theremin -, ainda fazia referência a
uma discografia de ponta. Ora, pelos estudos realizados para esta dissertação, é fácil deduzir
que o autor só não mencionou o que ainda não havia sido gravado. Mais abaixo se verá que
Oneyda Alvarenga não apenas utilizou gravações não citadas por Mario de Andrade em seus
Concertos de Discos, na Discoteca Pública Municipal, como, por si, descobriu compositores
(e respectivas obras) que constituíam novidades de difícil deglutição, pelo público leigo.
Aliás, a senda aberta por Mario de Andrade era trilhada também por Murilo
Mendes. Este escreveu, entre1946 e 1947, uma série de artigos sobre música 19. Já no primeiro
deles, que dá o título à coletânea publicada anos depois pela Edusp, Formação de Discoteca,
percebemos no rol que traz de compositores os mesmos nomes que Mario de Andrade
indicara em seu Compêndio, mais de uma década antes. Dentro do contexto crítico de Murilo
Mendes há tamanha sofisticação, que suas sugestões ao leitor ao mesmo tempo têm amplitude
Consultada cópia xerográfica. - com trechos das respectivas críticas, coletadas por Oneyda Alvarenga, ao redigir
“Referências Críticas.”
19 MENDES, Murilo. Formação de discoteca e outros artigos sobre música: matéria publicada originalmente
no suplemento “Letras e Artes”, do jornal carioca A Manhã, entre 1946 e 1947. São Paulo : Eudsp, 1993. 166p.
(Memória,17)
25
e síntese. Ainda hoje, o ouvinte, tanto leigo quanto músico (mas principalmente o leigo), pode
voltar a essa fonte como válida.
Oneyda Alvarenga, como não podia deixar de ser, com todo seu cabedal de
conhecimento sobre música erudita contemporânea, pelos caminhos que a função da
Discoteca Pública Municipal tomava então, na formação do ouvinte leigo (mais adiante será
mostrado como isso se deu), se empenhou durante anos na tentativa de calafetagem da
formação musical dos consulentes da Discoteca. O mais difícil, não é preciso repisar, era
despertar o gosto do leigo refratário pela composição contemporânea... Então, pra animá-lo
Oneyda empregava o estratagema sublime. Buscava no acervo da Discoteca e em seus
recursos didáticos o arsenal de fogo da música contemporânea, abrasivo aos ouvidos como a
folha da urtiga, e sapecava com ele um concerto de música mecânica no pé-do-ouvido do
público. Isso o ouvinte ficava em silêncio, pra depois, muitas vezes, pedir repetição. Oneyda
lendo textos.20 (Abaixo, esses concertos de discos serão esmiuçados, quando se fizer
abordagem dos serviços da Discoteca Pública Municipal de São Paulo.)
Quando se trata de Oneyda Alvarenga, há que se atentar aos reflexos múltiplos
de alguém que se desdobrava, ao mesmo tempo que agregava em seu perfil características
que, se podem ser analisadas em separado, são indissociáveis no resultado do desempenho da
diretora da Discoteca Pública Municipal.
20 Parafraseando ANDRADE, Mario de. Macunaíma. Rio de Janeiro: Agir, 2007. p. 33.
21 BANDEIRA, Manuel. Nota sobre a Menina Boba. In: Para todos, n. 3, abril, 1939. n. p.
26
...o piano de estreia, em que eu pensei que ia ser mesmo pianista. Doce
ilusão! Você me arrancou do caminho que me traçara e, em vez de sons
musicais e poéticos, me atirou num papelório que não sei como, não me
sufocou. Foi bom? Foi ruim? Estou no fim da vida e ainda não sei; (…) não
sei se terá valido a troca.(...) o sonho substituído. Sonhos não se trocam (…)
às vezes a gente tem dessas sapitucas contra o passado (...)23
A Oneida lá se partiu (…) para Varginha, com uma carta de pianista meio
malmerecida ainda (…) Vai se encafuar numa cidade falsa (…) Me desgosta
pensar nela, eu quero muito bem ela (…) Bem de bem (…) Só de longe em
22 ALVARENGA, Oneyda. A menina boba. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1938. p.21. - Último verso do
poema XI Me embasbaco diante de uma flor.
23 ALVARENGA, Oneyda. Ai, saudades! (Texto dirigido a Mario de Andrade.)
24 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.11. Texto introdutório à edição.
25 MORAES, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. 2.ed. São
Paulo : Edusp, 2001. p.578-9. (Correspondência de Mario de Andrade, 1)
26 Ibid., p.604.
27
[? 1935]
Murilo,
mando-lhe três poemas que considero absolutamente admiráveis. Não sei se
tua opinião será a mesma, porém me esforcei por escolher da Oneyda coisas
das mais profundas e que mais competissem com o espírito da Revista
27 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.190.
28
Acadêmica. Está claro que nem de longe estes versos serão esquerdistas.
Nem a Oneyda que eu saiba é propriamente esquerdista. Tem uma vaga
tendência apenas, e mesmo esta pouco se entremostra nos versos dela,
geralmente falando de amor e sempre demasiado individualistas ainda. Estes
são justo os que considero como uma primeira angústia de indivíduo dela se
sentindo demasiado insolúvel no seu solitaríssimo individualismo.28
28 No n. 15 (nov. 1935) a Revista Acadêmica publica Três poemas de Oneyda Alvarenga e Foi Sonho, de Mario
de Andrade. São os poemas: Não há mais pássaros nos galhos quietos; Vidas longínquas passando na minha...;
As gentes estranhas caminham no escuro
29 Mario de Andrade costumava receber livros publicados dos próprios autores, a fim de escrever seus pareceres
críticos sobre as obras. Geralmente esse exemplar era mantido fechado – os vários cadernos que compunham o
miolo do livro, naquela época, vinham com as páginas fechadas e era necessário o uso do abridor cortante, como
os de cartas. O crítico preferia adquirir um segundo exemplar, em cujas páginas fazia seus manuscritos que,
depois, se transformariam no texto crítico: era o chamado “exemplar de trabalho”.
29
“Depois” (…)
“Fusão do eu e do não-eu 14 – 26 – 39 -82 - 86”
queria ser eu.) e XIII (Quietude impregnante da sombra...), respectivamente das páginas 58 e
59, fazem parte de A Menina Exhausta; os das páginas 73 (I, Oh! noite pasmada como um
olho cego!) e 77 (V, Minha alma se feriu nas pontas agudíssimas da sombra.), são de
Noturnos30.
Dentre eles, os que trazem anotações de Mario de Andrade são:
O poema VIII, Vontade de me diluir, de me fluidificar...): uma chave a lápis,
abarcando os quatro primeiros versos:
O poema da p.20 (X, Doçura...), também com uma chave a lápis, abrangendo
os quatro últimos versos da primeira estrofe:
Mario de Andrade também assinala com uma chave a lápis os versos 6º, 7º e 8º
da segunda estrofe do poema da p.29 (sem número, Você não pode ser na minha vida):
Como si me esquecesse
De que as lutas, os cansaços, as tormentas
São o meu bem na vida.
Me apago
Feito uma árvore esguia que se afunda na noite...
Mario de Andrade assinala ainda o poema inteiro da p.77, (V, Minha alma se
feriu nas pontas agudíssimas da sombra.):
Até que enfim, cansada desses roxos poemas de sua Insolubilidade, a Menina
Boba, numa boa bobice, canto alacre de deliciosa feminilidade, promete
mudar de rumo, buscar outros tons de sensibilidade, terminando este livro
que é quase historiado, com o Canto Voluntarioso. Mas femininamente, a
imagem que surge é a de mudar de vestido (Citar a última estrofe.)
31 Vide texto integral no ANEXO C, p. 357-9 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Como encara Castro
Alves na literatura brasileira]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem indicação de
entrevistador.Entrevista. Datiloscrito, 14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 – (da mesma
forma) Consultada cópia xerográfica.
34
(...) a origem das relações assimétricas de gênero foi sempre uma questão
presente nas mais diversas áreas do conhecimento. Tome-se como exemplo a
literatura, área na qual várias autoras, em tempos e espaços diferentes,
indagaram sobre o caráter da superioridade atribuído ao homem e sobre o de
submissão relacionado à figura da mulher. Algumas delas , extrapolando
suas obras literárias, buscaram em outros campos um entendimento maior da
complexidade existente nas relações de gênero, o que se traduziu em uma
enorme contribuição para o avanço teórico da discussão.34
32 Vide texto integral das respostas concedidas a Laís Corrêa de Araujo, no ANEXO E, p. 365-70: Texto integral
da entrevista de Oneyda Alvarenga para o “Estado de Minas”, entrevistadora: Laís Corrêa de Araujo. Entrevista.
Datiloscrito, 26 de janeiro de 1962, cópia carbono, 5 p. Doc. 8150 - (da mesma forma) Consultada cópia
xerográfica.
33 ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de romance: as mulheres e o exercício de ler e escrever no
entresséculos 1890-1930. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. p.65.
34 TOFFANO, Jaci. As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag: o paradoxo feminista. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2007. p. 28. E Jaci Toffano ilustra seu texto, citando, de Simone de Beauvoir, O
Segundo Sexo - “Nós não nascemos mulheres, mas nos tornamos mulheres.”
35
desenvolvido do que o interior de Minas Gerais, e era tudo - isso se entrevê nitidamente pelo
teor de cartas trocadas entre a musicóloga e Mario de Andrade, ou deste com Manuel
Bandeira ou Murilo Miranda. Mas é bom lembrar que existiam influências cruzadas (universo
profissional/universo da criação artística/almejos de paz/curiosidade científica/vida ideal) na
formação daquela menina de Varginha. Oneyda Alvarenga teria declarado à sua amiga
Climène de Carvalho (também aluna do Conservatório e participante do grupo de estudo de
História da Música) que gostaria de se retirar para o interior de seu Estado natal e “criar
galinhas” (naturalmente, continuaria escrevendo poesias...) Esse contexto também é abordado
por Maria de Lourdes Eleutério35, quando menciona a obra de Júlia Lopes de Almeida,
Correio da Roça. Ora, sendo a autora conceituada no panorama literário do Brasil e séria
pesquisadora na área agrícola (era colaboradora das revistas Chácaras e Quintais e
Almanaque Agrícola Brasileiro), sua obra Correio da Roça atribui às suas personagens -
mulheres que, vendo-se entregues à própria sorte na esfera de sua propriedade rural - a
decisão de mudar o destino de uma situação econômica em derrocada por meio de seu
desempenho enquanto trabalhadoras. Mas todo esse enredo está circunscrito num mundo de
paz ideal, longe da cidade, em que as mulheres requisitam leituras “para espantar o tédio”.
Enfim, se essa obra foi publicada em 1913 e ecos desse mundo de paz entre plantas e animais
chegam até o ano de formação de Oneyda Alvarenga, no Conservatório Dramático e Musical
de São Paulo, a poeta que dirigiu a Discoteca Pública estava inserida num contexto realmente
complexo. Apesar da pureza da Menina Boba, Oneyda Alvarenga não conseguiria mais
resistir à tentação de sua própria curiosidade intelectual. E a poeta penderia muito mais para a
Etnologia e Musicologia, escolhendo trabalhar menos como criadora literária e intérprete do
piano.
(…)
Como essas casas grandes,
Silenciosas, luminosas,
Rescendendo sossego e acolhimento,
Em que a gente entra e vai ficando
Adormecida na paz de umas paredes brancas.37
37 ALVARENGA, Oneyda. A menina boba. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1938. p. 29.
38 Ibid., p. 52.
39 Os dados do quadro acima foram obtidos a partir de informações constantes em pesquisas para o trabalho
apresentado por Luciana Barongeno no Seminário Oneyda Alvarenga, um pouco, aos 30 de junho de 2011, no
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
37
As leituras de poesia realizadas por Oneyda Alvarenga... para além das origens
simbolistas, das influências, encontramos, na carta de 01 de julho de 193246, uma auto-
40 MORAES, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. 2.ed. São
Paulo : Edusp, 2001. p. 395. (Correspondência de Mario de Andrade, 1)
41 Do livro de Mario de Andrade, Remate de males. In: ANDRADE, Mario de. De pauliceia desvairada a
café: poesias completas. São Paulo : Círculo do Livro, 1982. 374 p.
42 MORAES, op. cit., p. 580-1. (Correspondência de Mario de Andrade, 1)
43Do livro de Mario de Andrade, Remate de males. In: ANDRADE, Mario de. De pauliceia desvairada a
café: poesias completas. São Paulo : Círculo do Livro, 1982. 374 p.
44 ANDRADE, Mario de. Querida Henriqueta: cartas de Mario de Andrade a Henriqueta Lisboa. 2. ed. Rio de
Janeiro : José Olympio,1991.212 p.
45 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 306-9.
46 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
28-9.
38
avaliação crítica madura daquela poeta de dezenove anos de idade. Tendo lido, por orientação
de Mario de Andrade, A Escrava que não era Isaura, o autor recomendando essa leitura com
finalidade de iniciar Oneyda nas letras modernistas, a aluna projeta uma luz tão violenta
quanto desconcertante em seu próprio arcabouço de poeta – como quem dissesse: minha obra
não poderia ser diferente. Oneyda Alvarenga compreendeu muito bem a imagem poética da
obra de Mario de Andrade. Mas admite que sua criação não poderia ser assim, como a dele e
de outros modernistas. A poesia que Oneyda identifica como “louca” é alcançada pelo seu
julgamento crítico e é também alvo de sua admiração – mas ela não mente jamais, para
agradar ao mestre, quando afirma que sua sensibilidade poética é de outra natureza (as origens
de sua inspiração se enraízam em outros campos.) Não para por aí a análise atilada da moça.
Ela consegue tranquilamente enxergar a necessidade de equilíbrio entre sensibilidade e
inteligência, na feitura da poesia moderna, segundo as propostas d'A Escrava, de Mario. Mas
Oneyda questiona o processo de “desintelectualizar” a poesia, opondo a essa ideia a
intervenção do próprio intelecto no decifrar da linguagem, da imagem poética. Na visão de
Oneyda Alvarenga, tão jovem, somente com sua sensibilidade silenciada (alijada para seu
devido lugar) e se valendo dos conhecimentos teóricos por ela adquiridos a respeito de
associação de imagens é que foi possível a ela, leitora, não classificar os modernistas como
“loucos”. Ao final de suas conjecturas, Oneyda permite a Mario de Andrade “rir à vontade de
suas tolices”. Mas por trás dessas tolices falava a voz racional da pesquisadora que vai
resultar na maior projeção de Oneyda Alvarenga como folclorista do que como poeta. Mario
de Andrade parabeniza o progresso da aluna47, ao ganhar desenvoltura poética, depois de
outras leituras. Mas atribui esse avanço à “inteligência” e à “veia poética” da moça. Discute
largamente a obra incipiente de Oneyda Alvarenga na carta de 10 de julho de 193248,
analisando versos em separado, dispensando à aluna tratamento de poeta. Mario de Andrade
critica verso por verso; cada ideia de Oneyda ele questiona, nesse princípio de abertura, por
onde envereda a influência do modernista. Mas o tecido começa a se esgarçar e se entrevê
uma recalcitrante racionalidade predominante em Oneyda, quando, na carta de 02 de janeiro
de 193349, Mario de Andrade, criticando profissionalmente os versos enviados pela moça –
por essa época, ainda estava em férias, em Varginha, Minas Gerais -, denuncia claramente a
47 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
31.
48 Até a publicação do livro A Menina Boba, em 1938, são frequentes as exaustivas e detalhadas orientações
críticas de Mario de Andrade, por carta, aos versos de Oneyda Alvarenga.
49 ANDRADE, op. cit., p. 38-41.
39
invasão do prosaico na poesia da aluna. Ele acusa seus versos de “Prosaicos principalmente
porque parecem prosa e se confundem muito com ela.” Assim, muitas vezes a obra de Oneyda
Alvarenga não consegue prescindir da explicação. Muitas vezes, o advérbio de modo se
incorpora naturalmente no poderoso ritmo da poesia de Oneyda Alvarenga: “E te acolheria
suavemente” poema VI de Domaram-te, andorinha!50 e “(...) de viver tudo,/De viver
completamente”51, de A menina boba; noutras, mais raras, parecem vir explicar formalmente
algum pensamento ao leitor: por exemplo, no verso “Um ponto final colocado
bruscamente”52, de Brusca Andorinha e os versos “Aumentam miraculosamente,/ Gesticulam
incompreensivelmente (...)”53, do poema IX de A menina insolúvel - o que revela um peso
grande da razão; da interferência do pensamento lógico que escapa à percepção (falta de
traquejo no manejar de recursos poéticos, ou características modernas na obra?) de Oneyda no
que ela queria transpirar para a vida como poesia. O poema sem nome, dentro de Verso e
prosa (como o título já indica...), cujo primeiro verso é “Ontem tentaram me amolar não sei
porque.”54, é mais prosa poética do que poesia. Também apresenta versos como: “Com
ímpetos de dizer a todo o mundo uma porção de desaforos,”55 e “O Cantico dos Canticos tem
para mim, alíás,/Um defeito gravíssimo (...)” e “Qualquer Salomão mascate deste mundo
compra-e-venda,/Menos o Salomão que fez aquele livro cheirando a santidade.../ Ora bolas!
(...)”56 Ainda como se verá mais adiante, quando da parte das conferências sobre História da
Música e concertos de discos acompanhados de textos apresentados na Discoteca Pública
Municipal de São Paulo, Mario de Andrade não deixa, por várias vezes, de lembrar a Oneyda
que faça seus comentários críticos mais palatáveis ao público leigo, incluindo traços
anedóticos ou curiosos da biografia dos compositores contemplados em suas explicações e
audições. Na verdade, Mario de Andrade tentava suavizar a “secura”57 do texto de Oneyda
Alvarenga. No texto introdutório do livro Cartas, ela se lembra da acusação feita pelo crítico:
“Você e o Sergio Milliet são as pessoas mais secas que eu conheço!”58
50 ALVARENGA, Oneyda. A menina boba. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1938. p. 68.
51 Ibid., p. 18.
52 Ibid., p. 29.
53 Ibid., p. 89.
54 Ibid., p. 35.
55 Id.
56 Ibid., p.36.
57 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.150.
58 Ibid., p. 14.
40
Discoteca pública Municipal de São Paulo levava Oneyda ao campo da escrita de cunho
didático, sobre música. Ainda no mesmo texto introdutório do livro Cartas59, a musicóloga
revela uma manifestação do pensamento de Mario de Andrade, entre amigos, que pode ter
sido (ou não) ato-falho do modernista; uma opinião fugitiva da sua consciência – e até mesmo
de Oneyda Alvarenga, que não dá mostras, pelo menos por escrito, de ter se ressentido com o
fato. Aconteceu que, segundo relato de Oneyda Alvarenga, numa noite boêmia, n'O
Franciscano60, Mario de Andrade teria comentado com os demais: “Tudo errado. Eu não
devia ter aceito o Departamento de Cultura e a Oneida devia ter tido seis filhos.” Se Mario de
Andrade não tivesse aceito o cargo tão insistentemente oferecido por Paulo Duarte,
provavelmente teria escrito mais, era lógico. Mas e Oneyda Alvarenga? Teria filhos e não
escreveria poemas? Em contrapartida, em carta a Paulo Duarte61, escrita no Rio de Janeiro, no
dia 01 de maio de 1939, Mario de Andrade tece comentários significativos, quando, afirma
que, se o Norte (do Brasil) está à frente do Sul na produção da prosa, “nós” (do Sul - e isso se
levando em conta alguém de peso como Manuel Bandeira), na poesia, “ganhamos na maciota
com o genial Murilo Mendes, e Vinicius , e Carlos Drummond, e Oneida , e Cecília Meireles,
e Guilherme, e Adalgisa, e Augusto Meyer.” Se elencada entre tais poetas Oneyda Alvarenga
não foi devidamente valorizada por Mario de Andrade, então não o seria em mais nenhuma
condição.
O ano era 1947 e era clara a posição crítica do periódico e da escritora, num
momento em que o mundo se ressentia da vivência da realidade em que grassaram nazismo e
fascismo; quase não havia sutileza no questionário, na esfera histórica e política em que se
moviam - até onde podiam. Há ainda uma anotação manuscrita de Oneyda Alvarenga, na
última página da entrevista: “'Hoje'. Publicada com cortes.”63
63 Ver texto integral do documento, no ANEXO C, p. 357-9, desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Como
42
Desde os meus onze anos, me destinaram e me destinei à música como profissão, e a ela
juntei logo, por amor igual mas sem pensar em meio de vida, a literatura.67
Mario de Andrade dirigiu seu foco de atenção à aluna Oneyda Alvarenga, não
como intérprete - mas como musicóloga, dada a trajetória dessa aluna que frequentava as
aulas de História da Música e depois redigiu, como trabalho de conclusão de curso do
encara Castro Alves na literatura brasileira]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem
indicação de entrevistador.Entrevista. Datiloscrito, 14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 –
(da mesma forma) Consultada cópia xerográfica., nesta Dissertação.
64 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-6. 29 nov. 1938.
65 Ibid., p. 156.
66 Ibid. p. 205. 27 de out. 1939.
67 Ibid., p. 5. Texto introdutório escrito por Oneyda Alvarenga para a edição do livro Cartas.
43
68 Ibid., p. 56. Oneyda Alvarenga, na carta de 30 de julho de 1933, fala a respeito desse trabalho – à época,
chamado de “tese”. Na carta de 19 de agosto de 1933, falando do andamento desse trabalho que estava sendo
finalizado em Varginha, Oneyda Alvarenga escreve: “(...) se posso lhe mandar hoje pelo correio a bela droga que
a minha tese ficou.” Acontece que “a bela droga” foi encarada depois, por Mario de Andrade, como livro
totalmente sério, A Linguagem Musical, digno de ser divulgado, conforme se vê pela carta dele, de 26 de
dezembro de 1934. In: ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas
Cidades, 1983. p. 71.
(O último capítulo d'A lingiuagem musical, redigido por Oneyda Alvarenga, quando estudou ª Copland,
terá grande peso na prática dos concertos de discos, analisados no último capítulo desta dissertação.
69 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. 247 p.
70 Ibid., p. 17.
71 Ibid., p. 233-47.
72 TONI, Flávia Camargo. Mário e Marias. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo: IEB,
1994. n.36 p. 172.
44
São Paulo, vemos que o caminho do virtuosismo era desaconselhado por Mario de Andrade.
O virtuose, com sua trajetória individualista, facilmente se inclinava à vaidade. Mario escreve:
“O que me orgulha é a professorinha anônima do Bexiga ou da Moóca, a mulher de
Taquaritinga ou Sorocaba, que ensina seu Beethoven ou, dormidos os filhos, inda soletra aos
ouvidos da rua algum noturno de Chopin.”73 Deve-se atentar ao ano em que é proferido esse
discurso: 1935 (publicado em 1936) – ano da criação da Discoteca Pública Municipal.
Oneyda, que se formara no mesmo Conservatório, no ano anterior, era nada menos que a
diretora da instituição. Mario de Andrade, ao final de seu discurso, menciona o interesse que
se nota em grande número de jovens por concertos; de proletários por bibliotecas circulantes;
de crianças por bibliotecas; de mais e mais pessoas por cursos de Etnografia.
Finalizando, Mario de Andrade explica que “não despreza o indivíduo e sabe
glorificar as criações.”74 O que acontece é que o tempo era de “luta por uma realidade mais de
todos”. O músico que o paraninfo via como ideal teria papel voltado mais para o coletivo.
Uma educação consistente no início de uma carreira musical poderia formar virtuoses
também – afinal, quem interpretaria Debussy, Beethoven, etc., se não soubesse interpretar
bem? Quem poderia fazer parte de uma orquestra? -, mas antes de tudo, importava formar
músicos. Músicos conscientes, como queria Mario de Andrade, da História Social da Música.
Por assim dizer, essa formação de músicos conscientes já não era aquela, do século XIX,
principalmente, ou do início do século XX, voltada a moças “casadoiras”, que soubessem
tocar alguma coisa ao piano (este, parte do dote, do mobiliário da casa que se habitaria ao
constituir família), do mesmo modo que saberiam bordar. A essa geração formada nos anos
1930 é que pertenceu Oneyda Alvarenga.
Aliás, já despontavam na década anterior situações que favoreceram o
surgimento de mulheres pianistas, cuja carreira era levada a sério, antes de qualquer outro
aspecto da vida. Em seu livro As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag, Jacy Toffano
escreve sobre a trajetória de Antonietta Rudge (1885-1974), Guiomar Novaes (1894-1979) e
Magdalena Tagliaferro (1893-1986), mostrando por meio das peculiaridades de cada uma que
a questão da jovem que se dedicava ao estudo de piano começava a levar a carreira de
intérprete a terrenos inusitados, até então75. Mesmo o perfil dessas pianistas já avançava sobre
73 ANDRADE, Mario de. Cultura musical: (Oração de paraninfo dos formandos de 1935, do Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo.) São Paulo : Departamento Municipal de Cultura, 1936. p. 13.
74 Ibid., p. 7.
75 TOFFANO, Jaci. As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag: o paradoxo feminista. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2007. p. 35. - “Até que a gravação se tornasse rotina na carreira musical dos intérpretes
modernos, a crítica especializada representava a maior credencial para o artista.” - a ligação do intérprete com a
45
o campo de estudos e se manifestavam ações na área da cultura. Jacy Toffano 76 escreve sobre
a fundação da Sociedade de Cultura Artística, fala do papel de Antonietta Rudge: “Para se ter
uma ideia de como era premente a criação, em São Paulo, de entidades que se encarregassem
de promover o progresso cultural e educacional a exemplo do Rio de Janeiro”, criou-se a
Sociedade de Cultura Artística, que “pretendia organizar palestras e concertos numa mesma
noite.”
Acresce que Dalila Vasconcellos de Carvalho, também escrevendo sobre
mulheres que tiveram início da formação pianística no anos 1920, escolhe os exemplos de
Helza Camêu (1903-1995) e Joanídia Sodré (1903-1975) que, por vários motivos se afastaram
da carreira de pianista, justamente quando esta era, no início do século XX, um espaço de
consagração entre as mulheres. Dalila questiona o tema do ponto de vista das configurações
sociais que levaram estas pianistas a desempenhar funções tidas, à época, como
“masculinas”77 (Joanídia Sodré foi pianista, regente e diretora da Escola Nacional de Música e
Helza Camêu pianista, musicóloga e compositora.) Vale lembrar que Helza Camêu, mais
velha do que Oneyda Alvarenga, também veio a ser musicóloga, escrevendo sobre música e
realizando palestras. Nos anexos desta dissertação se encontra um texto publicado no Jornal
do Comércio, do Rio de Janeiro, aos 28 de maio de 1961, referenciando Oneyda Alvarenga e
Helza Camêu como “acatadíssimas autoridades” no assunto folclore.
A partir da década de 1940, o trabalho científico de Oneyda Alvarenga sobre
Folclore e Etnologia, áreas em que ela estabelecia conceitos como uma das autoridades
pioneiras na América Latina, já era sólido o bastante para angariar apreciações positivas de
críticos, escritores, musicólogos e jornalistas da América e da Europa, como Carlos
Drummond de Andrade, Sever Pop, Alcântara Silveira, Edemundo Lys, Luís Ellmerich, Laís
Correia de Araujo, Jorge Andrade, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, Roger Bastide (em várias
cartas), Sergio Buarque de Hollanda, Antonio Alatorre (mexicano), Vicente T. Mendoza
(mexicano), Otavio Bevilacqua, Fernando Mendes de Almeida, Andrade Muricy, Lauro
Ayestarán (musicólogo uruguaio), Knut Brodin (musicólogo norueguês), O. C. Cabot
mídia, nos anos 1920, era , na verdade, com a imprensa (jornais.) À época de Oneyda Alvarenga já se podiam
calcar os programas de concertos sobre gravações – e a relação era outra. O concerto, como se conformou depois
da passagem da ópera para a pianolatria, enfocava o intérprete, sua performance. O pianista deixara de ser
acompanhante do canto e passava a ser estrela, um ser quase mágico – o que Jaci Toffano vai mostrar que a
realidade estava longe disso, dados os processos de disciplina, durante os anos de formação de cada pianista.
76 Ibid., p. 84.
77 CARVALHO, Dalila Vasconcellos de. Renome, vocação e gênero : duas musicistas brasileiras. São Paulo,
2010. 149p. [FFLCH] Tese. p. 7.
46
78 Ver ANEXO A, p. 339-51 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Oneyda Alvarenga: referências críticas.
[Trechos de críticas escritas em correspondências e de artigos publicados em periódicos, sem assinatura.]
Datiloscrito, [1938/68], cópia carbono, 10 p. Doc. 8069 - (da mesma forma) Consultada cópia xerográfica. Ver
também ANEXO D, p. 360-4 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Carta e entrevista cedida a Jorge
Andrade sobre estudos folclóricos.]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para a revista Visão. Transcrição do texto
integral, entrevistador: Jorge Andrade. Carta e entrevista. Datiloscrito, 06 de agosto de 1960, 6 p. Doc. 8150 - (da
mesma forma) Consultada cópia xerográfica.
47
2. Primórdios: panorama
Lutar por uma nova arte significava lutar para criar novos artistas
individuais, o que é um absurdo, porque não se podem criar artificialmente
os artistas. Deve-se falar de luta por uma nova cultura, ou seja, por uma nova
vida moral, que não pode não ser intimamente ligada a uma nova percepção
da vida, até se tornar uma nova maneira de sentir e de ver a realidade, e tão
intimamente entranhada com o mundo, com “artistas possíveis” e com as
“obras de arte possíveis”.79
banquete, Oswald de Andrade proferiu discurso em que declarou, com o apoio de outros
modernistas ali presentes, que a nova geração de escritores estava disposta a fazer frente aos
passadismos na literatura e na arte); o artigo Na maré das reformas, de Menotti del Picchia,
onde o escritor fixa bases do programa de ação renovadora a ser desenvolvido; polêmicas e
embates, durante o ano de 1921, em torno do que se combatia (passadismo, parnasianismo,
romantismo e outras correntes que já se consideravam antiquadas); a divulgação de poemas e
trechos de prosa da nova escola, pela imprensa; e a posição dos jovens artistas frente ao
futurismo: a adesão, em alguns momentos, mais forte; em outros, a rejeição. De qualquer
forma, eles se deixavam chamar de futuristas, mesmo os que não o fossem, porque o
momento exigia uma tomada de posição, ainda que provisória, para que se desencadeasse a
reação modernista. Fato é que Oswald de Andrade lança a poesia de Mario de Andrade,
atribuindo-lhe características de futurista, o que leva este último, mesmo sob protestos, a sair
de sua postura tímida e assumir a liderança dos modernistas.
Essa pontuação de Brito vem situar a atuação daquelas pessoas que
frequentavam a Vila Kyrial, na década de 1920 e que não podiam ser outras, ao ocuparem
cargos administrativos na década de 1930, na gestão da cultura brasileira. Sergio Miceli
chama-as de intelectuais cooptados pelo Estado:
Diante dos dilemas de toda ordem com que se debatiam por força de sua
filiação ao regime autoritário que remunerava seus serviços, buscaram
minimizar os favores da cooptação lhes contrapondo uma produção
intelectual fundada em álibis nacionalistas. Pelo que diziam, o fato de serem
servidores do Estado lhes concedia melhores condições para a feitura de
obras que tomassem o pulso da nação e cuja validez se embebia dos anseios
de expressão da coletividade e não das demandas feitas por qualquer grupo
dirigente. Dando sequência à postura inaugurada pelos modernistas, esses
intelectuais cooptados se autodefinem como porta-vozes do conjunto da
sociedade, passando a empregar como crivos de avaliação de suas obras os
indicadores capazes de atestar a voltagem de seus laços com as primícias da
nacionalidade. Vendo-se a si próprios como responsáveis pela gestão do
espólio cultural da nação, dispõem-se a assumir o trabalho de conservação,
difusão e manipulação dessa herança, aferrando-se à celebração de autores e
obras que possam ser de alguma utilidade para o êxito dessa empreitada.83
83 MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 216
84 TONI, Flávia Camargo. A missão de pesquisas folclóricas do Departamento de Cultura. São Paulo:
Centro Cultural São Paulo, 1983. p. 9-11.
49
também o avesso desse panorama: a situação econômica do Estado nos anos 1920. A
hegemonia política de São Paulo emanava, por assim dizer, do poder econômico alicerçado na
produção agrícola: o cultivo do café. Com a crise de 1929 e a queda da importação de
produtos manufaturados da Europa que, antes, o Brasil não produzia, São Paulo
industrializou-se. Com a perda do poder econômico, a oligarquia cafeeira desestabilizou-se
politicamente também.
Além disso, em 1926, a criação do Partido Democrático que, ao mesmo tempo
que era constituído por pessoas da classe média tradicional e ligadas aos cafeicultores, era
representativo de ideais de uma nova geração progressista. Entre essas pessoas, estava Paulo
Duarte, que teve papel decisivo na articulação de um órgão público responsável pela cultura.
Assim como foi ele também o responsável pela nomeação de Mario de Andrade como diretor
do Departamento de Cultura do município. Dos anos 1920 aos 1930, aconteciam também
levantes militares, no Brasil, como a Revolução de 1924, a Coluna Prestes, a Revolução de
30, tudo levando de roldão o poder da política do café com leite, a independência de São
Paulo. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder central, São Paulo viu-se em mãos de
interventores e a Revolução, que antes o povo aclamara como moralizadora.
A posição de Mario de Andrade, diante da Revolução teve um avanço e,
depois, um recuo, do que se infere do texto de Mario de Andrade: ramais e caminho85. O
entusiasmo inicial de Mario de Andrade pela Revolução de 1930 diminui, pouco depois da
eclosão dos acontecimentos: suas crônicas mostram ambivalência e críticas à oligarquia
paulista. Em 1931 começa a aderir à Revolução Paulista; defende o caráter democrático do
movimento; passa por uma posição separatista em relação a outros estados do Brasil e, depois
da derrota dos constitucionalistas, mostra seu bairrismo transmudado em ideal paulista, quase
repugnado com a ideia de país/pátria/Brasil86. Na crônica Peneirando, publicada no momento
posterior à vitória da Revolução de 1930, ele escreve que “o nós vencemos”87 já começava a
ser dolorido, uma vez que começavam as atitudes oportunistas por parte daqueles que
mostravam suas reais intenções no âmbito político, ao apoiar o movimento, ganhando cartas
de recomendação, dentro do que se chama “empreguismo”. Agora, se percebia, resultava em
prejuízos na esfera da independência do Estado. Telê Ancona Lopez analisa a mudança de
ideias de um Mario de Andrade que, desiludido com a Revolução, começa a exaltar São
85 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 61-2.
86 Ibid., p. 62-3.
87 Ibid., p. 222.
50
Paulo. Em 1931, já totalmente bairrista, não chega a perceber sua atitude. Já em 1933 critica a
revolução Paulista; como “intelectual engajado”, se dá conta da “importância social e política
do nacionalismo e do internacionalismo.”88
Mas São Paulo permanecia pólo da cultura nacional, embora não o fosse pelo
movimento modernista, em si. E era justamente a liderança cultural que desejavam, na década
de 1930, pessoas como Paulo Prado, Mario de Andrade, Antônio de Alcântara Machado,
Henrique da Rocha Lima, Randolfo Homem de Mello, Nino Gallo, Rubens Borba de Moraes,
Sérgio Milliet, Elsie Houston89, entre muitos outros; vários ligados ao Partido Democrático,
todos eles à intelectualidade.
O papel que tinha o Departamento de Cultura, já em 1936, ano seguinte ao de
sua criação, quando se responsabilizou pela programação faustosa90 – três récitas em
dezembro de 1936, com apresentação de Noite de São Paulo, escrita por Alfredo Mesquita e
musicado e regido por Dinorá de Carvalho –, com a finalidade de angariar fundos em
benefício do Preventório Santa Clara de Campos do Jordão. Sendo que, apenas a verba da
primeira noite é destinada ao Sanatório – a renda das outras duas foram para o Departamento
de Cultura. Tratava-se da despedida de Armando Salles de Oliveira do governo do Estado e o
público do espetáculo da noite de estreia, assim como os organizadores (intelectuais e artistas)
também faziam parte da elite – cultural e/ou econômica da cidade. Flávia Toni faz alusão aos
“tempos de paz”, ainda em 1936, após a tumultuada época das Revoluções de 1930 e 1932,
quando lembra que havia tolerância à incoerência – visto que a métrica e a rima eram
incoerentes, naquele ano – dentro da esfera política em que atuavam esses intelectuais.
Há dupla mão, na relação entre os intelectuais que formavam o germe do
Departamento de Cultura e os propósitos políticos, na década de 1930. Por um lado, o poder
político lançava mão do patrimônio cultural de que dispunha – bibliotecas, discotecas, etc. -,
usando-o como recurso de formação do povo, o mais depressa possível, eliminando, assim, “o
perigo das ideias comunistas”. Ou seja, havia a intenção de reforçar o sentimento “paulista”,
forjar rapidamente o sentimento nacional. De outro lado, os intelectuais, segundo Barbato
88 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 223-5.
89 TONI, Flávia Camargo. A missão de pesquisas folclóricas do Departamento de Cultura. São Paulo:
Centro Cultural São Paulo, 1983. p. 13.
90 TONI, Flávia. Noite de São Paulo: a despedida de Armando de Salles Oliveira. In: MATOS, Edilene (org).
Cavalcante, Neuma (org). Lopez, Telê Ancona (org). Lima, Yêdda Dias (org). Nogueira, Arlinda Rocha (colab).
Toni, Flávia Carmargo (colab). Bellotto, Heloísa Liberalli (colab). Hutter, Lucy Maffei (colab). Batista, Marta
Rossetti (colab). Lima, Yone Soares de (colab). A presença de Castello. São Paulo, Humanitas/FFLCH/USP,
Instituto de Estudos Brasileiros, 2003. p. 235-40. Cronologia.
51
puramente cultural, na ação dessas pessoas. A movimentação entre decisões na área da cultura
e a política eram sutis: o poder central, emanando dum Estado forte, viabilizava a
concretização de objetivos coletivos. Por um lado, refazia, às pressas, o conceito de nação, do
ponto de vista tradicionalista; por outro, coletivizando o saber, ia ao encontro aos ideais de
setores intelectuais, para os quais a visão nacionalista era outra.
Apesar de tudo isso, num segundo momento, Mario de Andrade reconheceria
que era impossível seu desempenho administrativo, ocupando um cargo público, desvinculado
da política; da ação política. Com o golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, quando
Mario de Andrade viu-se obrigado a deixar o Departamento de Cultura, a realidade mostrava
que essa política da cultura não era independente do poder político – embora este, com
interesses de construir a ideia de nação, tivesse dado margem de liberdade aos intelectuais que
não compartilhavam da ideologia antidemocrática (vide os objetivos da utopia nacional-
popular, que encontrava caminhos de aproximação entre intelectualidade e povo, pela
primeira vez, no Brasil.) Em sua palestra “O Movimento Modernista”, de 1942, Mario de
Andrade, de certa forma, lamentava-se por algumas posturas assumidas anteriormente,
quando declarava que, mesmo sem abandonar valores eternos (porque, para ele, isso seria
impossível; nem seria honesto), o homem público não estaria em condições livres de furtar-se
ao seu dever para com os outros; o intelectual não deveria “esconder-se”, ainda que fosse na
aparente neutralidade da elaboração dum texto literário, ou mesmo técnico. Então, chamava a
isso covardia e afirmava se estar numa idade política que não permitia individualismos. Ou
seja, era uma declaração onde reconhecia a necessidade do comprometimento político, em
detrimento de uma posição mais cômoda.
Retomando os primórdios da situação geradora do futuro Departamento de
Cultura, Barbato Júnior96 localiza, no tempo da Primeira República, uma demanda cultural.
Mas, dada a falta de mercado de bens simbólicos, havia impossibilidade de iniciativa estatal,
então. Ele fala sobre dois momentos distintos, na esfera da difusão cultural: a década de 1920
e seus salões, como o da Vila Kyrial e, com a queda destas reuniões – devido a situações
desconfortáveis de desencontros de interesses políticos, sociais, artísticos e intelectuais, no
mesmo espaço, o que refletia o panorama geral, que mudava a cada dia, em São Paulo -, fala
do segundo momento. Daquele em que se redefiniam as relações sociais e políticas: só haveria
condições de realização no circuito público via mediação do Estado. Falando desta passagem
A escola primária gratuita está dentro do plano mais geral da educação popular,
que Comte chama de “proletária” - a única com a qual o governo (o Estado) deveria arcar, não
se encarregando de ensino universitário.101
O Rio Grande do Sul castilhista e borgista foi o estado que mais atenção voltou
à escola primária e ao ensino técnico-profissional, ao mesmo tempo que a política republicana
dispensava a exigência de títulos aos cidadãos que pleiteassem o exercício de qualquer
profissão liberal – o que retardou a criação de instituições estatais de ensino superior.
Segundo Bosi, o positivismo veio ocupar o poder nacional nos anos 1930,
quando a coalizão tática de repúblicos sulinos e tenentes arredou das decisões o liberalismo
oligárquico já declinante.102
Uma observação a ser feita é que, em seu texto, Alfredo Bosi menciona o
modelo de educação em que o Brasil espelhava-se, então: a do Uruguai. Não só a educação
em São Paulo preparava-se para uma reestruturação, a partir de meados da década de 1920,
com parâmetros neste modelo educacional, como o programa de ensino de música, no
Uruguai, recebia direcionamento altamente didático de Francisco Curt Lange, alemão
naturalizado uruguaio. Este musicólogo ajudou a implantar o Serviço Nacional de
Radiodifusão do Uruguai (SODRE), em 1929, onde também organizou uma discoteca. Sobre
isso se discorrerá, nesta dissertação, quando se tratar de Discotecas na Europa e na América.
Concordava-se que a educação seria uma boa aliada à política, desde que ela
funcionasse como instrumento capaz de forjar uma elite dirigente. Com a criação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, como núcleo da Universidade de São Paulo,
buscava-se, ao mesmo tempo, formar-se elites culturais que recuperassem o prestígio perdido
103 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 304-5.
104 ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados"e a política cultural em São Paulo: o departamento de
cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938)Elizabeth França Abdanur; orientador Jorge Coli. SãoPaulo: s.n.
1992. p. 29-52.
56
de São Paulo, e formar “consciência” política de “luta contra o comunismo” que “deveria se
dar principalmente no campo ideológico e cultural.”105
Em 1936, Rubens Borba de Moraes fora nomeado diretor da Biblioteca
Pública Municipal e se defrontara com a dificuldade de constituir um corpo de
biblioteconomistas qualificados - o único curso de Biblioteconomia existente até então era o
da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, voltado para uma formação de caráter erudito. Para
atender à urgência de equipe técnica, Rubens Borba de Moraes organizou um curso de
Biblioteconomia, que, de 1936 a 1939, funcionou com o apoio do Departamento de Cultura
da Prefeitura de São Paulo e, em março de 1940, ficou sob responsabilidade da Escola Livre
de Sociologia e Política de São Paulo. Entre os primeiros professores, estavam o próprio
Rubens Borba de Moraes e Adelpha Rodrigues de Figueiredo.106
É muito importante, aqui, mencionar-se a inclusão do curso de
Biblioteconomia, em 1940, justamente na Escola Livre de Sociologia e Política, - o curso já
havia sido e mantido pela Prefeitura de São Paulo, desde 1936, visando a organização das
informações, dos saberes, portanto. (Por isso “ A formação de técnicos e administradores
especializados...”) Essa, a formação que Oneyda Alvarenga não teve, devido ao momento em
que se formou em Música, que coincidiu com sua entrada quase que imediata para o
Departamento de Cultura, em 1935. No entanto, ela sanou essa ausência de formação
bibliotecária, não só ao catalogar o material áudio-visual e bibliográfico, como também ao
dirigir a Discoteca Pública Municipal, buscando quase todos os recursos em sua formação de
musicóloga, além de trocas de informação com o próprio Mario de Andrade, que já
organizava seu acervo pessoal, e com Francisco Curt Lange, como se verá adiante.
Tendo sido criado o Departamento de Cultura de São Paulo, pelo Ato nº 861,
de 30 de maio de 1935, estruturado como apresenta-se abaixo, segundo Flávia Toni107, em sua
reprodução do folheto comemorativo do primeiro aniversário da instituição, feito por Mario
105 ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados"e a política cultural em São Paulo: o departamento de
cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938)Elizabeth França Abdanur; orientador Jorge Coli. SãoPaulo:
s.n., 1992. p. 29-52.
106 http://www.fespsp.org.br/_bib.htm
107 TONI, Flávia Camargo. A missão de pesquisas folclóricas do Departamento de Cultura. São Paulo:
Centro Cultural São Paulo, 1983. p. 16. O quadro do Departamento de Cultura está reproduzido
sumariamente, enfocando apenas as Divisões e atendo-se somente à de Expansão Cultural.
57
de Andrade:
Divisão de Expansão Cultural
Que incluía:
1)Teatros, Cinemas e Salas de Concertos
2)Discoteca Pública
108 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 55.
109 Ibid., p. 50.
58
indicou o nome de Mario de Andrade para o cargo de diretor do Departamento de Cultura, não
como um dos mais aptos para exercê-lo, mas como o “único” capaz disso, o prefeito ainda
não conhecia Mario de Andrade – tudo o que ouvira sobre ele é que era “um futurista”, além
de cabotino. Paulo Duarte apresentou, então, Mario de Andrade a Fábio Prado e, graças à sua
articulação, conseguiu convencer o primeiro a aceitar o cargo, (depois de muitas renitências
do escritor), e o segundo a aceitar os planos do Departamento de Cultura, de autoria do
próprio Paulo Duarte, bem como a nomeação de Mario para a diretoria.
Que Instituto era esse, a que Paulo Duarte se referia? Nas mencionadas
reuniões informais de Paulo Prado, anos antes, alguém, que ele não pode precisar quem, falou
sobre:
110 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 50.
111 Ibid., p. 154-5. E permaneceria nesta situação, até o golpe fascista de 10 de novembro de 1937.
112 ANDRADE, Mario de. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade
(1936-1945). Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1981. (Publicações da Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. n.33) p. 25.
59
afirmação que a criação do Departamento de Cultura e do SPHAN deu-se “em linha reta” a
partir da “reavaliação modernista.” Porque a preocupação com a integração de todo o
universo da produção cultural viria a ser a visão renovada da geração modernista, em relação
à geração dos românticos, no que tangia à observação da terra.
Mario de Andrade e Rodrigo M. F. de Andrade, ambos com perfil intelectual,
ambos escritores no exercício de cargos públicos, procuravam coletivizar o saber, até então
separado em saber “culto” e saber “popular”, conforme situa Lélia Coelho Frota, na
apresentação do livro.
Mario de Andrade pensava no SPHAN com visão abrangente, valorizando o
conhecimento “culto” ao lado do “popular”. Segundo explica Antônio Cândido, isso se deve
ao momento de
Imaginando que tal tarefa deveria caber a um órgão ministerial, ele talvez se
espelhasse no exemplo italiano de criação de uma Discoteca do Governo,
como noticiara aos leitores de sua coluna do Diário Nacional, em 1928. No
anteprojeto, ele vai além: propõe que as músicas que nosso povo cantava e
dançava fossem elevadas à categoria de um bem da cultura imaterial, uma
vez que seriam gravadas, filmadas e inclusive catalogadas em livros de
tombo.114
113ANDRADE, Mario de. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade
(1936-1945). Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1981. (Publicações da Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. n.33) p. 23.
114 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC, 2004. p. 44-5.
60
o mapeamento musical do país em duas instâncias: uma nacional e outra paulista. A nacional,
Mario de Andrade formaliza em 1936, ao ser indicado por Gustavo Capanema - então
Ministro da Educação e Saúde – e por Rodrigo de Mello Franco de Andrade para redigir o
anteprojeto.
Mas esse anteprojeto não obtém aprovação e Mario de Andrade transfere para a
Discoteca a incumbência do mapeamento musical do Brasil. Sergio Miceli relaciona a decisão
governamental a interesses de reforçar o poder de uma classe dirigente, afirmando:
115 MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 360.
116 Id.
117 Ibid., p. 360-361.
61
de 1937, para Paulo Duarte, Mario de Andrade escreve, a respeito dos planos para o SPHAN:
“Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização. Não disseminados
Organismos outros que salientem no povo o valor e a glória do que se defendeu, tudo será
letra morta, gozo sentimental e egoístico de uma elite.“118
O que importava, então, ao grupo de intelectuais que vinham do movimento
modernista pertencia à ideia de preservar o conhecimento residente nos bens imateriais, para
disseminá-lo. A situação era delicada. Paulo Duarte escreve que, enquanto o projeto de lei que
criava o SPHAN era discutido na Câmara dos Deputados, o projeto de sua autoria, para
criação do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo, que resultaria no
Instituto de Cultura, esperava apenas cópia do projeto de lei da Câmara. Mario de Andrade
recomendara que Paulo Duarte tivesse tato e esperasse a aprovação do projeto do SPHAN,
que fora o ministro Capanema quem pedira a redação do ante-projeto – e Mario de Andrade
não queria melindrá-lo. Por fim, o ante-projeto redigido por Mario de Andrade transformou-
se em projeto-lei, em 1937, por intermédio de Alcântara Machado, junto a Getúlio Vargas.
Rodrigo Melo Franco de Andrade ficou encarregado da execução do ante-projeto e Mario de
Andrade, seu representante em São Paulo.119
Portanto, naquele momento, Mario de Andrade viu a responsabilidade pela
recuperação e pela guarda desses bens restrita à esfera administrativa do município de São
Paulo.
N'Os mandarins milagrosos120, Elizabeth Travassos enfatiza profissionais
que,como Mario de Andrade e Béla Bartók, surgem em determinados momentos da História
para recuperar valores artísticos, como patrimônio da humanidade.
Nordeste, entre dezembro de 1928 e março de 1929, Travassos pontua algumas relações:
“(…) há dois pólos criativos – elites artístico-culturais e povo -, entre os quais se passam as
trocas decisivas para a fertilidade cultural.”122 Essa ideia pode se complementar com o
pensamento de Alfredo Bosi, quando fala a respeito da transição que a cultura faz entre os
níveis popular, erudito, universitário, de meios de comunicação de massa.123
Elizabeth Travassos acrescenta a isso que Béla Bartók e Mário de Andrade
entendiam “por cultura o complexo de atividades do espírito, filosofia, ciência, moral,
religião, mas sobretudo literatura e arte.” Distanciavam-se “tanto do 'intelectualismo' dos
antropólogos evolucionistas ingleses quanto da visão 'jurídica' da cultura como corpo de
regras que caracterizaram matrizes importantes da antropologia.” Ela explica que a cultura à
qual se referiam não se relacionava com a prática inerente à realidade. Mas à cultura
desinteressada, próxima do termo alemão Kultur, formando “uma antítese com a ideia de
civilização.”124
Travassos escreve que Bartók, uma vez que não aprovava a concorrência das
formas da cultura popular para a interação entre grupos sociais, ressentia-se da semicultura
(rejeitava a semicultura) de poetas urbanos na formação das danças dramáticas.125 Analisando
as críticas de Adorno126 à cultura popular nas sociedades capitalistas, Travassos lembra a
convicção que tinha o filósofo de que somente reduzidíssimas parcelas da população
poderiam produzir música que expressasse consciência crítica – ideia que se firmou nas
décadas de 1930 e 1940, durante os regimes totalitários na Europa.127
122 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (Coleção Antropologia social) p. 17.
123 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 308-45.
124 TRAVASSOS, op, cit., p. 18.
125 Ibid., p. 21.
126 Elizabeth Travassos se refere a duas fontes por ela pesquisadas: ADORNO, Theodor. Philosophie de la
nouvelle musique. Paris : Gallimard, 1962. [1948] E ADORNO, Theodor. Impromptus. Serie de artículos
musicales impresos de nuevo. Trad. E notas de Andrés Sánchez Pascual. Barcelona : Laia, 1985. [1922-68]
(Papeles, 451)
127 Ibid., p. 91.
63
128 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (Coleção Antropologia social) p. 118.
129 Ibid., p. 122.
130 No Arquivo Mario de Andrade, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, encontra-
se correspondência passiva de Mario de Andrade. Das cartas de Roquete Pinto ao musicólogo, do final dos
anos 1920 e início dos anos 1930, de fato há conteúdos referentes à leitura que Roquete realizou de escritos
de Mario de Andrade, sobre música, baseados em pesquisa folclórica. Além disso, Mario de Andrade trocou
informações com Roquete Pinto sobre vocábulos e traduções da língua da tribo Terena, como se vê em carta
de Roquete, de 29 de maio de 1929. Roquete Pinto indica-lhe como fonte de pesquisa vocanulários de
Castelneu e de Visconde de Taunay. In: PINTO, Edgar Roquete. [Carta] 29 maio 1929, Rio de Janeiro, SP,
BRASIL. [para] Mario de Andrade. São Paulo. Datiloscrito, autógrafo; 2 folhas. Informações sobre tribos
indígenas.
Acervo: Mario de Andrade. Código de Referência: MA-C-CPMMA, nº5823. Série: Correspondência de
64
Observa-se (...) a ligação direta entre Roquete Pinto e Mario de Andrade, que
embora tivessem trajetórias distintas, tinham similar interesse de construção
da idêntidade nacional através do estabelecimento de determinados
parâmetrso culturais, sendo que ambos compreendiam os intelectuais –
portanto, eles mesmos – como vangaurda desse processo. O fenômeno
revelava-se não apenas brasileiro: tratava-se da apropriação do folclore
(tradição rural transmitida oralmente) pelo gênero erudito.134
por quem quer, e insensivelmente por quem não quer (…) Mas para que essa
obrigação seja real, (…) não devemos (…) contar com o rádio das casas de
família nem das vendas de esquina. Poderá se afirmar (…) que noventa por
cento destes rádios não se ligarão com a Rádio Escola.137
137 SÃO PAULO (CIDADE). Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936. Dispõe sobre pedido de instalação
de alto-falantes e linha telefônica para transmissão da programação da Rádio Escola em logradouros
públicos, deito pelo diretor do Departamento de Cultura, Mario e Andrade, ao prefeito Fábio Prado... São
Paulo, 3 p., 1936. p. 1.
Ver no capítulo 3, p.138-9 desta dissertação, a crítica que Mario de Andrade faz à programação da Rádio
Educadora paulistana.
138 Id.
139 Id.
Cópia de documento constante do Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Grupo Departamento de
Cultura, Arquivo Histórico de São Paulo (Arquivo Histórico Municipal), cedida por Vera Cardim.
140 Id.
141 Ibid., p. 2.
67
Andrade e aquilo que Antonio Candido142 escreve em O direito à literatura. Para Candido,
nas sociedades que mantêm a desigualdade, é também injusto o acesso à literatura (embora
haja esforço por parte de governos mais esclarecidos, como na época do Departamento de
Cultura.) Fato é que, a despeito do que se pode julgar erroneamente, muitas vezes,
representantes das camadas mais pobres desejaram ter acesso ao que se chama cultura erudita.
Na verdade, as culturas erudita e popular se tocam e uma sociedade justa garantiria os direitos
humanos, o que inclui a fruição da arte e da cultura em todas as modalidades e em todos os
níveis. O que Mario de Andrade argumenta na continuação de sua solicitação é:
142 CANDIDO, Antonio. O direito à literatura e outros ensaios. Coimbra [Portugal] : Angelus Novus Editora,
2004. 288 p. (Ensaio literatura )
143 SÃO PAULO (CIDADE). op. cit., p. 2.
144 SÃO PAULO (CIDADE). Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936. Dispõe sobre pedido de instalação
de alto-falantes e linha telefônica para transmissão da programação da Rádio Escola em logradouros
públicos, deito pelo diretor do Departamento de Cultura, Mario e Andrade, ao prefeito Fábio Prado... São
Paulo, 3 p., 1936. p. 2.
Cópia de documento constante do Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Grupo Departamento de
Cultura, Arquivo Histórico de São Paulo (Arquivo Histórico Municipal), cedida por Vera Cardim.
145 Id.
68
ficará certamente muitíssimo diminuída de sua eficiência e raio de ação.”146 - não sem antes
explicar que deixara passar o carnaval, para poder melhor informar a possibilidade das
despesas planejadas: “... por desgraça, a verba da Reserva acha-se agora por tal forma
alcançada, que apesar da utilidade enorme deste empreendimento (…) já não pode mais ser
despendida.”147
A resposta do prefeito veio datada de 19 de março de 1936: “De acordo. Fábio
Prado” 148
Mas, até 1938, ainda segundo Paulo Duarte, a Rádio Escola ainda não se tinha
efetivado e não se cogitava das instalações necessárias, devido ao custo alto. Esperava-se
também a consolidação dos serviços já instalados em pleno desenvolvimento. Pensou-se em
trabalhar em parceria com emissoras existentes, a fim de irradiar as programações do
Departamento de Cultura, de modo que a Discoteca tivesse contribuição decisiva, com seus
discos e gravações – isso estava previsto em lei.
Mas Fábio Prado, por esta época, deixou da Prefeitura, devido à pressão do
Estado Novo – e o mesmo aconteceu a Mario de Andrade, em relação ao Departamento de
Cultura. O projeto da Rádio Escola desfazia-se, em consequência do desmonte de toda a
estrutura de formação dos conjuntos musicais e programações eruditas começaram a ser
esvaziadas, seguindo política contrária à do Departamento, até então. Mario de Andrade, em
1939, já no Rio de Janeiro, escreve a Paulo Duarte, este já exilado, a carta “mais violenta” que
este possuía do companheiro, acusando o vandalismo aos bens culturais: “Os nossos
agrupamentos musicais estão no momento de rodar por água abaixo!”
No entanto, havia mais uma polêmica em torno do caso da “nunca criada”
Rádio Escola, ao que indica um trecho de carta enviada a Paulo Duarte, em 03 de abril de
1938, do Rio de Janeiro, num tom dos mais melancólicos que Mario de Andrade poucas vezes
usou: “Falhei até contra você, deixe que eu lhe diga esta queixa, tanto no caso da Rádio
Escola a que me opus, as razões que dei diante do seu anteprojeto, como no caso do
Turismo.” A este comentário, Paulo Duarte adiciona uma nota de rodapé, onde explica apenas
que: “Mario foi contra o incentivo ao Turismo e contra a Rádio Escola que eu teimava em
146 SÃO PAULO (CIDADE). Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936. Dispõe sobre pedido de instalação
de alto-falantes e linha telefônica para transmissão da programação da Rádio Escola em logradouros
públicos, deito pelo diretor do Departamento de Cultura, Mario e Andrade, ao prefeito Fábio Prado... São
Paulo, 3 p., 1936. p. 1.
Cópia de documento constante do Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Grupo Departamento de
Cultura, Arquivo Histórico de São Paulo (Arquivo Histórico Municipal), cedida por Vera Cardim. p. 3.
147 Id.
148 Id.
69
149 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p 159. 03 abr. 1938. Paulo
Duarte reproduz, na íntegra, os Artigos, de 228 a 232, da Seção VI, do ato 1 146, que compreendia as Seções
Turismo e Divertimentos Públicos (separadamente); assim como as competências e atribuições de ambas. A
Seção de Turismo continha, em suas competências a propaganda da cidade de São Paulo, visando atrair turistas e
tornar a cidade conhecida. Paulo Duarte, dentro deste ato, também incluiu atividades culturais, no sentido de
divulgar costumes e tradições populares. Mario de Andrade não concordava, ao que se deduz, em que a Rádio
Escola funcionasse dentro desta Divisão de Turismo.
“A 10 de Novembro de 1937, estavam prestes a executar-se com estudos feitos, vários dos dispositivos
acima” [refere-se aos Artigos - do Ato 1 146 – citados] “A Divisão de Turismo devera ser instalada a 1 de Janeiro
de 1938.”
Mas Prestes Maia, após o 10 de novembro, substituiu o referido Ato 1 146 por uma lei. E a Divisão de
Turismo e Divertimentos Públicos foi extinta.
150 BARBATO JUNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o
Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2004. p. 148.
70
2.2 Perfis
152 GRAMSCI, A. Escritos políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, v. 2, p. 424.
153 ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados"e a política cultural em São Paulo: o departamento de
cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938) Elizabeth França Abdanur ; orientador Jorge Coli. São
Paulo, s.n., 1992. 178 p.
154 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla
Bartók. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 236p. (Coleção Antropologia social)
155 MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 436p.
72
de ser cultural de um Departamento, nesta Loanda156, numa carta a Paulo Duarte. E o próprio
Paulo Duarte desvela nomes que vieram à tona, quando da nomeação dos envolvidos no
Departamento de Cultura:
156 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 37.
“Isso foi num tempo antidiluviano em que se falava na existência de um Departamento de Cultura que teve a
estupidez de ser cultural nesta Loanda.” Carta de Mario de Andrade a Paulo Duarte, de 1941.
157 Ibid., p. 71.
158 Ibid., p. 32.
159 Id.
73
Milliet deixou uma situação semelhante, na Faculdade de Direito, onde era bibliotecário, para
assumir a chefia da Divisão de Documentação Histórica e Social (ele seria transferido para a
Divisão de Bibliotecas, em 1943.) Para ajudá-lo, foi chamado Bruno Rudolfer, professor de
Geografia Humana da Universidade de São Paulo. A Divisão das Bibliotecas comportava a
Biblioteca Pública Municipal; Biblioteca Infantil, para a qual foi designada Alice Meireles
Reis; Bibliotecas Circulantes; Bibliotecas Populares e outras, que fossem criadas.
Segundo Paulo Duarte160, a política de seleção de acervos, até então, era
tacanha. A Biblioteca Pública Municipal norteava suas aquisições pelo gosto do público e não
oferecia obras de boa qualidade. Sérgio Milliet e Rubens Borba de Moraes trouxeram ideias
avançadas da Europa, novos conceitos de Biblioteca e formação biblioteconômica – formação
até então inexistente no Brasil, sendo já uma espécie de tradição intelectuais decadentes
ficarem responsáveis por bibliotecas.
160 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 72.
161 Ibid,. p. 73.
74
3. Nacionalismos
162 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p.105.
163 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo : Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 84.
76
no mercado. Por isso, quando se analisa o paralelo entre o que Mario de Andrade indica, ao
final de cada capítulo da obra, no que concerne a dsicografia, e o material que Oneyda
Alvarenga usava nos seus Concertos de Discos, percebe-se claramente que obras de Vivaldi,
Schultz e outros não constam do rol sugerido pelo musicólogo – embora este tivesse
desenvolvido texto sobre esses autores. Da mesma forma, vê-se que Oneyda Alvarenga usou
gravações que não aparecem na obra de Mario – basta verificar a data de composição de
algumas músicas, para concluir que as gravações eram posteriores a 1933 -, ou mesmo a
diretora da Discoteca apresentou ao público ouvinte compositores contemporâneos que Mario
de Andrade sequer havia mencionado no livro – logicamente tais autores ficaram conhecidos
depois da edição. Voltando ao panorama geral da política cultural na América, García Canclini
escreve:
massa”, “do culto e do popular.” À época da criação da Discoteca Pública Municipal de São
Paulo, o mercado ainda estava no princípio de sua ampliação. No caso, ainda havia uma outra
fronteira, tão larga quanto minada de nuances, que separava os gostos, determinados pelo grau
de instrução: as próprias classes sociais, já que as elites tinham acesso à educação e as classes
desfavorecidas começavam a vencer o analfabetismo, ou semi-analfabetismo.
165 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 160.
166 Ibid., p. 160-1
78
industrialização, vistos assim, alijados de seu lugar de origem, cria o que García Canclini167
chama de “ser nacional”. Este, agora, já “aistórico”, cuja origem “mítica” sobreviveria, no
caso, num museu, ou numa coleção qualquer que seja, apenas como parte remanescente; o
objeto visto como modelo estético e simbólico. Ele está, então, fora de seu universo primeiro,
onde seu significado provavelmente poderia ser outro.
Então, García Canclini criticará a falta de critérios com que se estudou e que se
167 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 161.
168Ibid., p. 161.
169 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 236 p. (Coleção Antropologia social)
170 GARCÍA CANCLINI, op. cit., p. 211-2.
79
colecionou folclore e arte popular, na América Latina, ponto que não cabe aqui desenvolver,
tampouco entrar em detalhes. Mas vale lembrar que essa crítica acusa uma catalogação
superficial desses materiais, causa que levou a se exaltarem os produtos populares, sem,
contudo, situarem-nos em seu contexto social, dissociando-os da relação com as práticas
cotidianas em que foram feitos. À época do Departamento de Cultura de São Paulo, no
entanto, a justificativa para que se recuperassem e catalogassem o material sonoro – e é muito
importante que se reforce que o material musical folclórico, nas décadas de 1930 e 1940, era
denominado popular (e não folclórico) -, com sentido etnológico, foi recuperar e preservar
valores artísticos primitivos, como patrimônio da humanidade, conforme se viu acima, pela
análise de Elizabeth Travassos, a respeito das pesquisas de Bártok e Mario de Andrade.
sobre folclore brasileiro, que desembocaram no Clã do Jaboti173, passando pelas viagens
etnográficas que Mario de Andrade empreendeu pelo Norte e Nordeste do país, na observação
e recuperação de material folclórico, que seria incorporado e desgeograficado em
Macunaíma, na década de 1920, até a instituição do Departamento de Cultura, órgão público,
já em 1935, com a organização dos saberes nacionais, a preocupação era socializar o
conhecimento. Essa disseminação do conhecimento musical folclórico, disposto em
fonogramas numa discoteca pública é o primeiro passo para a materialização da função da
Discoteca Pública de São Paulo, cuja função seria alcançar a própria produção da música
erudita, caracterizando-a como nacional:
173 “(...) a maioria dos poemas de Clã do Jaboti, já se pode ver que domina uma razoável informação sobre
tradições brasileiras (…) Rastreando suas leituras etnográficas e folclóricas, pelas datas das edições,
encontra-se um dado precioso no caso de Rã-txa-hu-ní-ku-i: Gramática, textos e vocabulário caxinauás, obra
especializada de Capistrano de Abreu, oferecida por Luís Aranha [a Mario de Andrade]. Aedição é de 1914,
mas, a dedicatória datada de 1925, mostra que exatamente nesse momento, Mario se interessava por
Folclore.” In: LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo:
Duas Cidades, 1972. p.77-8.
Tanto Clã do Jaboti, quanto Macunaíma foram publicados na década de 1920. Mas as pesquisas já vinham de
antes.
174 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 199.
175 Ibid., p. 196.
176 ANDRADE, Mário de. O castigo de ser. In: Diário Nacional, São Paulo, 6 dez., 1931.
81
si. O que ocorre é que o alcance pode permanecer limitado, enquanto as iniciativas de
expansão cultural não estiverem acompanhadas por um forte programa educativo paralelo,
conforme se verá nas conclusões da diretora da Discoteca Pública Municipal. Mas este é um
assunto que, pelas dimensões do alcance das discussões, talvez seja tema para outro
trabalho179.
E é dentro desses parâmetros de nacionalismo e de todas as circunstâncias
históricas, que se entende o americanismo e o nacionalismo musical, na América.
Vale lembrar que a maioria do público da Discoteca era composta por leigos.
179 Mais abaixo se verá, pelas avaliações de caráter didático do musicólogo Curt Lange, a perene preocupação
com a formação musical das crianças do Uruguai, cujos desempenho e desenvolvimento, este professor
vinculava à esfera educativa e, principalmente, da formação familiar.
180 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho. São Paulo: Duas Cidades, 1972. p. 227.
181 Ibid., p. 228.
182 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla
Bartók. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (Coleção Antropologia social) p. 122.
83
183 BUSCACIO, Cesar Maia. Americanismo e nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e
Camargo Guarnieri (1934-1956). Tese (Doutorado em História Social). Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2009.
p. 16-7.
184 Ibid., p. 20.
84
O que Curt Lange 185 propunha era “uma fusão absoluta de sentimentos raciais
distintos, para o desaparecimento gradativo de preconceitos estreitos, fomentados em cada
uma de nossas Repúblicas por núcleos estrangeiros, para a eliminação de diferenças nacionais
de diversos caracteres, rumo à estruturação inseparável de um pensamento orgânico e
disciplinado”. Para Buscacio186, “O americanismo de Curt Lange embasava-se, portanto, na
valorização dos fatores etnológicos e sociológicos dos povos, os quais deveriam ser estudados
em estreita relação com sua história.” Uma vez estudados esses aspectos, seria entendida a
relação entre passado e futuro das sociedades latino-americanas, garantindo, assim, a partir do
fortalecimento da identidade de cada país, a identidade coletiva. Naquele contexto histórico, a
formação cultural foi considerada muito importante, uma vez que, permitindo que as nações
alcançassem a consciência de sua própria identidade, os interesses do coletivo seriam
sobrepostos aos interesses das elites locais.
No documento Americanismo musical, escrito pelo próprio C. Lange187, em
1934, o autor procura chamar a atenção dos músicos e musicólogos latino-americanos para a
importância da obtenção e do intercâmbio de informações acerca das origens e da produção
da música nacional dos países do continente, como fator fundamental para a formação do
novo artista latino-americano e de sua expressão.
Dentro dos propósitos do americanismo, Curt Lange defende a necessidade de
se firmarem as feições da criação musical latino-americana por meio do conhecimento e da
pesquisa da evolução da música no continente. C. Lange chama a atenção para a urgência de
se resgatar o conhecimento dos “motivos nacionais”, (a “raiz folclórica”), a fim de evitar a
mera repetição de padrões europeus de composição, o que não contribuiria para que os novos
compositores encontrassem os traços que caracterizariam a música nacional nascente. Ele
escreve: ”Nunca chegou nação alguma a seu ponto máximo, imitando culturas que o
houvessem alcançado em outras nações.”188
Alegando que poucos músicos do continente conhecem as manifestações
musicais de países vizinhos, ou até mesmo de seu próprio país, C. Lange comenta esse
desconhecimento sobre a evolução histórico-cultural da América e assinala a obrigação dos
185 BUSCACIO, Cesar Maia. Americanismo e nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e
Camargo Guarnieri (1934-1956). Tese (Doutorado em História Social). Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2009.
p. 19.
186 Ibid., p. 20.
187 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical: la sección de investigaciones musicales, su creación,
propósitos y finalidades. Montevideo: Inst de Estudios Superiores, 1934. p. 5-15.
188 Ibid., p. 11.
85
Curt Lange menciona também a “Novena Semana Musical del Reich”, onde o
doutor Eugenio Bieder falou sobre “Música y técnica”, subdividindo suas exposições em dois
temas:
a) a rádio escolar;
b) o disco como meio da pedagogia musical aplicada.194
192 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica. Separata de Anales de Instrución Primaria. Montevideo,
abril e junho de 1934, e tomo I de 1935. p. 153.
193Ibid., p. 182.
194 Ibid., p. 185.
195 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC, 2004. p. 9.
196 Id. Discos de música popular serviam ao prazer e ao estudo matinais. Estado de São Paulo. Cultura São
Paulo, p.4, 09 out. 1993.
87
indicando o valor dos discos populares sul-americanos para a pesquisa. Ele cita: “Certos
gêneros populares infensos à influência universalista das cidades (A Moda caipira) (Certos
discos de feitiçaria carioca) (O disco africano que possuo)”197
A importância do fonógrafo como instrumento de apoio às pesquisas em
documentos sonoros, por Mario de Andrade, fica clara, quando se lê o apêndice do livro A
música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade, intitulado Discos e fonógrafos24.
Nesse artigo, Mario de Andrade comenta nada menos do que a novidade que era, então, a
audição de discos como recurso didático:
197 Vê-se que a longa e constante pesquisa do autor desembocaria em seus textos, como em Macunaíma, ou,
mais tarde, no texto da ópera bufa brasileira Malazarte.
198 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC,
2004. p. 267.
199 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 361.
88
Mario ainda chama a atenção para pontos tão importantes, que faria falta
mencionar aqui sua alusão à nossa musicologia ainda iniciante (em 1944, está claro), diante
desses espaços vazios do conhecimento da música brasileira em seus períodos divididos e
nomeados de acordo com nossas necessidades classificatórias: colonial, imperial,
republicano... ou como escreve o próprio Mario de Andrade: nosso “filológico amor das
nomenclaturas. Eu creio que ainda não é tempo de se conseguir um conhecimento mais
profundo e profuso da nossa evolução musical. Só muito por alto e, assim mesmo só no
sentido sociológico e não no tecnicamente musical, é que a podemos conhecer.” E Mario
ainda “prevê” que, com a evolução dos estudos monográficos, no futuro serão possíveis
generalizações idôneas. Estas observações acerca desse artigo parecem convergir para a
abordagem que Oneyda Alvarenga fazia em seus Concertos de Discos, visando, a partir de
seus inúmeros, salteados recortes da História da Música, na composição de seus repertórios
voltados ao público leigo, nada mais do que a possível reconstituição da História Social da
200 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed.
da UNICAMP, 1998. p. 150.
89
Música.
Talvez Mario de Andrade achasse que o seu dever fosse fazer o que tinha feito:
escrevera um artigo onde incitava os pesquisadores brasileiros da área de música a
participarem do sexto Boletín Latino-Americano. Ou porque achasse que a pesquisa de Lange
ainda estivesse muito no início.
201 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed.
da UNICAMP, 1998. p. 147-8.
A saber, as seções se desenvolveriam assim: “1ª - Etnografia e Folclore, atribuída a Luiz Heitor e Bsílio
Itiberê: A música dos indígenas brasileiros; Os instrumentos de música dos índios brasileiros; A música do negro
brasileiro; Os instrumentos de música do negro brasileiro; A música popular brasileira; Instrumentos de música
populares no Brasil; Estudos sobre os diversos gêneros de música popular brasileira. 2ª – História, ao cargo de
Renato Almeida: Música colonial: A ópera no Brasil; A música sinfônica brasileira; A música de câmara no
Brasil; A música para piano no Brasil; O canto em português no Brasil; O advento do nacionalismo na música
brasileira; O período contemporâneo; Estudos sobre os principais compositores brasileiros. 3ª – Ensino, ao cargo
de Vila Lobos e Lourenço Fernandez: História do ensino musical no Brasil; O ensino profissional de música no
Brasil; A música nas escolas brasileiras; Estudos sobre os grandes educadores musicais. 4ª – Vida musical, sob a
orientação de Andrade Murici: História da vida musical brasileira; A organização oficial; Orquestras, bandas
militares e particulares; Sociedades musicais; Rádio, Fotografia, Bibliotecas musicais, Estudos sobre os grandes
intérpretes brasileiros do passado e de hoje; Musicologia e crítica musical.”
202 REMIÃO, Cláudio Roberto Dornelles . O Mário de Andrade de "Número especial". In: XXIV Simpósio
Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e multidisciplinaridade: território e deslocamentos: anais do
XXIV Simpósio
90
Coli cita também Evolução social da música no Brasil, de 1939, inserido nos
Aspectos da música brasileira, em que Mario de Andrade analisa as fases da caracterização da
música que virá a ser nacional. À época, o pragmatismo baseado no coletivo, em detrimento
do individual, é que nortearia a composição erudita brasileira. Portanto, o gênio, o virtuose, o
bizarro, naquele momento, não interessava. A fase demandava sacrifício, por parte dos autores
203 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. p. 32.
204 REMIÃO, Cláudio Roberto Dornelles . O Mário de Andrade de "Número especial". In: XXIV Simpósio
Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e multidisciplinaridade: território e deslocamentos:
anais do XXIV Simpósio : “Poucos anos depois de finda a guerra, e não sem antes ter vivido a experiência
bruta da Semana de Arte Moderna (…) Villa Lobos abandonava (…) sistematicamente o seu
internacionalismo afrancesado (...)”
205 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 17.
91
206 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. p. 18-9.
207 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed.
da UNICAMP, 1998. p. 203.
208 Ibid., p. 202.
209 Ibid., p. 201.
92
Tendo essa consciência, Curt Lange percebeu rapidamente que deveria apelar
para os músicos latino-americanos. Daí sua correspondência com o compositor brasileiro
Camargo Guarnieri, que desempenhou também importante papel na congregação de músicos
215 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 291.
216 Ibid., p. 290.
217 Ibid., p. 80.
94
218 NEVES, José Maria das. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981. p. 13.
95
a música, - com exceção da de Villa-Lobos, que já encontrara soluções para sua expressão,
desde a década anterior, resultado de suas pesquisas sobre motivos folclóricos -, teve de
percorrer ainda alguns caminhos, para conseguir se libertar da tradição européia.
A música brasileira encontrava suas próprias vias de identidade. Mario de
Andrade que, além de figurar entre os escritores centrais do movimento modernista brasileiro,
era musicólogo e crítico de arte, considerou a Dansa Brasileira, de Camargo Guarnieri,
composta em 1928, como um marco, no panorama musical. Foi por meio do contato
estabelecido entre o compositor e Mario de Andrade, que este último conheceu o musicólogo
Curt Lange, interessando-se por suas conferências sobre educação musical.
Elizabeth Travassos cita a racionalização da estética nacionalista sintetizada em
proposições:
219 TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro : Zahar, 2000. p. 15.
“Ideias de Mario de Andrade expostas no Ensaio sobre a música, verdadeiro manifesto do modernismo
nacionalista.”
220 ANDRADE, Mario de. Música, doce música. São Paulo: Martins, [1963]. 420 p.
221 Ibid., p.17-24. Artigo escrito para leitores ingleses. Publicado no “Anglo-Brazilian Chronicle”
comemorativo da visita do Príncipe de Gales ao Brasil, 1931.
96
Mas, além disso, a estruturação dos cursos dentro da Escola Livre de Sociologia e
Política e o Departamento de Cultura (este, estreitamente ligado àquela), passava por critérios
de Sergio Milliet e Bruno Rudolfer. As várias pesquisas que se realizavam sobre a cidade de
São Paulo, segundo Patrícia Raffaini225, estavam ligadas aos interesses da administração de
Fábio Prado, preocupado em que esta fosse eficiente, ao conduzir o mais rápido possível os
imigrantes e seus filhos – crianças nascidas no Brasil – a um processo de nacionalização. Por
este motivo, buscava-se o maior rigor científico nestas pesquisas: o Departamento de Cultura
contribuindo com informações exatas, para que a administração municipal não falhasse.
Segundo Flávia Camargo Toni227, os amigos de Mario de Andrade sabiam que ele
organizava suas informações em seu Fichário Analítico e Meyer, quando encomendou a
redação do anteprojeto a Mario de Andrade, já sabia de sua intimidade com a lexicografia,
porque conhecia seu projeto para a Gramatiquinha da fala brasileira.
índice onomástico – tudo sob várias autorias, evidentemente especialistas em cada assunto. O objetivo das
diferentes abordagens de cada assunto, era, além de enfatizar o nacional, atender um público abrangente: desde
ginasianos e pessoas com baixo nível intelectual até especialistas. Mario de Andrade, em seu ofício dirigido ao
ministro Capanema, aborda o assunto da criação de um Instituto Nacional de Música, que fosse para a música
como eram o Serviço do Patrimônio e o INL, respectivamente para as artes plásticas e para a literatura.
227 ANDRADE, Mario de. A enciclopédia brasileira. São Paulo: Edusp, 1993. 107 p. (Memória, 16) p. 166-
75.
228 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935.
99
229 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 281-4.
Em 1935, a Discoteca Pública Municipal de São Paulo começa a ser organizada e, em 1936, é
inaugurada. Portanto, na mesma época – e não depois – em que Mario de Andrade lia os artigos do periódico Le
Ménestrel citados aqui.
100
Escreve o autor:
- Óperas e operetas
- Música séria
- Música ligeira
- Música de dança
- Drama
- Sessões infantis
- Pregações religiosas
- Informações/Comunicados
- Conferências/Discussões
- Diversos (sem classificação)
230 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 289-93.
101
- Rádio da Suíça
231 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 333-5.
102
232 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 333-5.
233 Ibid.
103
- Rádio na Dinamarca
- Rádio da Áustria
234 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 369-70.
235 Período entreguerras.
236 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1936. p. 17-8.
104
ouvintes, ocorre uma mudança na programação: todas as noites, passou a haver duas emissões
mais breves: uma parte com música ligeira, a outra com música séria.
A programação, desde o início, foi dividida em quatro grupos bem definidos:
música, literatura, ciências, informações.
Na continuação, pelo artigo de 17 de janeiro de 1936, vê-se que a rádio
austríaca era claramente veículo de propaganda do governo e fortemente voltada para a
educação:
- Rádio da Bélgica
Huth comenta que o serviço musical passou, neste ano, por grandes
transformações, em virtude de nova ampliação no programa. O número de músicos
contratados para a rádio também aumentou.
- Rádio da Tchecoslováquia
Arno Huth interrompe a série de artigos sobre rádios europeias para escrever
239 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1936. p. 32.
240 Id.
106
241HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1936. p. 33-4.
107
244 COEUROY, André. Panorama de la radio: avec un exposé technique de Jean Mercier. Paris: KRA, 1930.
240 p.
109
Quando se chega à parte do livro de Coeuroy intitulada Pour une politique des
programmes pode causar surpresa – talvez até ao próprio Mario de Andrade245 - o fato do
245 Mais abaixo, p.138-9 desta dissertação, será mostrada a crítica contundente que Mario de Andrade fez à
programação da Rádio Educadora paulistana. Pelo que se vê, na França a situação não era tão diferente: a
nota sem assinatura de autor, denominada La grande pitie de la radiophonie, publicada no v. II, de 1926, nas
p.92-3, trata de problema bem semelhante – embora não idêntico. O autor fala da fraca qualidade da
110
autor registrar sua insatisfação com o que ele chama de “salada”: a programação de música
erudita que o autor ouve numa mesma tarde de domingo. Na França, na Áustria e na Espanha
e na Itália se ouviram obras as mais popularizadas, mais ao gosto do público e outras,
desconhecidas, porém irrelevantes, sem que os grandes nomes da música desses países
constassem do repertório do dia. Fora a falta de critério – o que levou Coeuroy a acusar a
mescla de conteúdo sem objetivos. O autor ressalta também que a programação se definia
quase sempre conforme a decisão do diretor de cada rádio. Vem mostrar ainda que, estatísticas
feitas, se viu que o ouvinte da Inglaterra, em comparação com o da Alemanha, em 1929, tinha
preferências pela música e programas religiosos, enquanto que o segundo dava mais atenção
aos programas informativos. Uma estatística norte-americana indicava que o público ouvia
muito mais “música clássica” do que qualquer outro tipo de música. Já na Alemanha, os
programas de música tinham elevado bastante seus repertórios, mediante a exigência de
personalidades como Maurice Ravel e Paul Valéry, entre outros. E é relevante lembrar que o
autor clamava que, naqueles dias, que ele chamava de “atualidade mundial”, na qual
fervilhavam as rádios educativas em países estrangeiros, assunto que Mario de Andrade
seguia daqui com atenção simultaneamente, era necessário adotar a postura das rádios alemãs,
dando ênfase a uma unidade em torno de determinados assuntos intelectuais e artísticos, ainda
que se sacrificasse o que Coeuroy chamava de “tríplice fórmula” do rádio: informar, ensinar,
distrair. No caso, da perspectiva dos europeus mais preocupados com o futuro, o sacrifício
recairia sobre o “distrair”, em favor de divulgar o mais rápida e metodicamente possível
conteúdos de conhecimento, em todas as áreas. Principalmente no que concernia à música
(percepção e preocupação coincidentes na política de Curt Lange.)
Já foi anteriormente mencionado que esta obra, Panorama de la radio, não teve
nenhuma sinalização, nenhum vestígio grafado por Mario de Andrade. Porém, levando-se em
conta a alta possibilidade dele não só haver lido, como ainda incorporado conceitos e ideias a
seus planos futuros da rádio-escola paulistana, cumpre observar que Coueroy dedica muitas
programação radiofônica da época, na França. A queixa fica mais no âmbito da mistura de eruditos e ritmos
da moda. A audição puramente erudita era bruscamente sacudida por um charleston, da última moda, por
exemplo. A nota se finaliza com a ênfase em se imitar países vizinhos, como a Inglaterra, a Suíça e a
Alemanha –, onde as programações eram bem delineadas, apresentando diferentes conteúdos, em diferentes
horários. Da mesma forma, o artigo La musique des ondes, assinado por H.P. (provavelmente Henry
Prunières, que assinou vários artigos sob o mesmo título, sempre criticando a incompetência do pessoal das
transmissões radiofônicas da França), na Revue Musicale v. XIII, n.129, de 1932, p.251-3, traz a crítica do
autor em relação às más transmissões e da mediocridades dos programas irradiados pela França (T.S.F.) e
pela Áustria – mas elogia a programação e a qualidade de transmissão da Inglaterra. E começa também uma
série de artigos da T.S.F., explicando seus critérios de programação musical, e seu papel de difusora
educativa.
111
246 EMMANUEL, Maurice et al. L'initiation a la musique: a l'usage des amateurs de musique et de radio.
Paris: Tambourinaire, 1935. 402 p.
112
inexpérimenté de sympathiser du primier coup avec des musiques inconnues.”247 Essa ideia
expressa é a chave que abre caminho da árdua tarefa de Oneyda Alvarenga, como diretora da
Discoteca Municipal, ao tentar familiarizar o público ouvinte do auditório da instituição com
a música contemporânea – e músicas de outras épocas também, estranhas aos ouvidos leigos.
Foi com base nesse conhecimento que se empenhavam na atividade didática musical as
pessoas que trabalhavam com isso – como se vê, na França, observadas as devidas
proporções, não devia ser tão diferente. Porém, o exemplar de L'initiation a la musique a
l'usage des amateurs de musique et de radio, disponível na Coleção Mario de Andrade, na
Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, perdeu o
intervalo de páginas 131-194. Por esse motivo, se perdeu o começo do dicionário de obras (a
partir da p. 195 o primeiro nome a aparecer é Borodin, não sendo, portanto, muitos os
compositores citados anteriormente), organizado por ordem alfabética de sobrenomes de
compositores. A seleção é muito bem cuidada e todos os compositores apontados pelo livro
haviam sido contemplados por Mario de Andrade, quando escreveu seu Compêndio de
História da Música e suas obras constavam do acervo da Discoteca Pública Municipal.
247 Ibid., p. 6.
248 SAO PAULO (ESTADO). Servico de Radio e Cinema Educativa. Circular n. 24 instrucções sobre o
serviço de radio e cinema educativo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1934. 26 p.
113
(...)
4 – Música fina de canto, conjuntos instrumentais, coros, etc., de um mesmo
compositor em cada programa, precedida de breve biografia do mesmo
acompanhada de uma notícia crítica histórica.
5 – Músicas nacionais obedecendo da mesma forma o programa para música
fina.
6 – História da música brasileira. Folclore musical brasileiro.
No mesmo ano (1934), Getúlio Vargas baixava o Decreto249 que dispunha sobre
a concessão e a execução dos serviços de radiodifusão. O documento foi redigido e impresso
em 1935, no Rio de Janeiro, capital federal, documento que Mario de Andrade também
manteve em sua biblioteca.
249 BRASIL. Decreto n. 24655 de 11 de julho de 1934 dispõe sobre a concessão e a execução dos serviços
de radiodifusão e da... Rio de Janeiro: Off Correios Telegraphos, 1935. 8 p.
114
Argentina declarava que a ação da rádio educativa não seria nunca paliativo ao ensino do
governo e nunca substituiria a importância deste. No ano de 1939, Mario de Andrade já estava
no Rio de Janeiro, totalmente afastado de suas funções de diretor do Departamento de Cultura
de São Paulo e da rádio-escola paulista já nem se cogitava mais. Também publicadas pelo
Ministério do Interior da Argentina foram as Transmissões experimentais da Escola do Ar:
apostilas de repasse de aulas radiofônicas, de francês, inglês e italiano – infelizmente sem
nenhum indício de data. Mas provavelmente da década de 1930.250
250 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Argentina. Ministerio de Justicia e Introducion Publica.
Transmisiones experimentales de la escuela del aire frances (lecciones de repaso). Buenos Aires : Talleres
Graf Correos Telegrafos, 19--. 33 p.
Id. Transmisiones experimentales de la escuela del aire ingles (lecciones de repaso). Buenos Aires :
Talleres Graf Correos Telegrafos, 19--. 37 p.
Id. Transmisiones experimentales de la escuela del aire italiano (lecciones de repaso). Buenos
Aires : Talleres Graf Correos Telegrafos, 19--. 19 p.
251 AMERICAN SCHOOL OF THE AIR RADIO ESCUELA DE LAS AMERICAS: teache's manual 1940-41.
New York : Columbia Broadcasting System, 1941. 95 p.
252 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Receptores de radiodifusión para escuelas. Buenos Aires :
Talleres Graf Correos Telegrafos, 1940. 15 p.
115
folheto de programas em português, previstos para março de 1944, transmitidos dos Estados
Unidos para o Brasil253. A capa traz uma fotografia de vista noturna de Nova York, à esquerda
e acima; abaixo e à direita uma fotografia do Vale do Anhangabaú, à noite. Nas seis páginas
da programação, fotografias de monumentos e praças dos Estados Unidos, sempre ao lado de
fotografias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A programação era transmitida no período
noturno e compreendia: Música de Manhattan; Orquestra Sinfônica da N.B.C.; A Vida em
Hollywood; Noticiários vários; Música para violino; Música de dança; Música semi-clássica
(!); Bandas militares; Banda da Marinha dos Estados Unidos; Valsas famosas; O clube do
Swing; Intermezzo; Música do nosso país; Música Pan-Americana... Ainda há um informe, na
capa posterior do folheto, à direita da fotografia do “Obelisco em honra a Washington, capital
dos Estados Unidos”, tendo a seu lado um discreto desenho amarelo, representando uma torre
de transmissão radiofônica: “Estes programas não são periódicos. Sua publicação depende do
número e da importância das modificações às quais estas transmissões estão sujeitas.” A
mescla da programação, o interesse, ao mesmo tempo, em agradar outros países e em divulgar
às nações americanas vizinhas o estilo de vida (cultura) norte-americano, obedecia a uma
ordem de valores. Que “importância das modificações” seria essa? Seriam substituições por
programações mais voltadas para a propaganda norte-americana, ou para a valorização de
outros países? Ou seriam noticiários com caráter de urgência (a época era da 2ª Guerra
Mundial.)
253 PROGRAMAS DE ONDAS CURTAS EM PORTUGUÊS DOS ESTADOS UNIDOS PARA O BRASIL:
março 1944. São Paulo : Coordenador Assuntos Interamericanos, 1944. n. p.
254 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Argentina. Ministerio de Justicia e Introducion Publica. Plan
experimental de transmisiones organizacion. Buenos Aires : Talleres Graf Correos Telegrafos, 1939.9 p.
116
255 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Reorganizacion de los servicios de radiofusion. Buenos Aires :
Correos Y Telegrafos, 1939. 30 p.
256 Id. Problema del idioma en la radiodifusion.. Buenos Aires : Correos Y Telegrafos, 1939. 32 p.
117
mostrar que essa preocupação não estava morta para o idealizador da Discoteca e da Rádio-
Escola. (Mesmo pode ser objeto de um outro trabalho de pesquisa, referente ao emprego da
linguagem no rádio...) Mario de Andrade ainda grifa as margens de Reorganización de los
servicios de radiofusión, quando há referências à crítica de concessão das rádios educativas a
particulares e quando os autores defendem a ideia da intervenção forte do Estado na
radiodifusão. Se por um lado o Decreto do governo Vargas, visto acima, destaca o direito do
Estado de intervir a qualquer momento e retirar a concessão das mãos de particulares, por
outro, idealizadores de programações culturais, como Mario de Andrade, concordam com esse
mesmo direito, mas visando outros objetivos. Por exemplo, controlar a qualidade e a
quantidade de propagandas veiculadas em meio a um programa de música erudita – isso,
como se viu acima, foi discutido nas críticas de Mario de Andrade, publicadas entre 04 e 11
de janeiro de 1931, no Diário Nacional.
Na lista de livros que Mario de Andrade adquiriu sobre o assunto, pode ser
citado ainda o Boletim da Emissora Nacional257, rádio portuguesa, publicado em 1935, no
qual Mario de Andrade apenas assinou seu nome na página de rosto e sobre a programação.258
As estatísticas apresentadas a partir da página 95 são bem descritivas e se referem a uma vasta
programação. Por esses dados, Mario de Andrade pode saber – e talvez Oneyda Alvarenga se
basear, a fim de realizar as estatísticas da Discoteca Pública Municipal, afinal, essa publicação
é do ano em que a Discoteca foi criada – o “movimento musical” 259 das apresentações do mês
de dezembro de 1935 e o “movimento falado”260 das palestras sobre política, religião,
pedagogia, etc., etc., além de assuntos como crítica literária e cinematográfica; Estado Novo;
programa infantil - e outros. Acompanham quadros estatísticos extensos e detalhados, ao
final dessa parte da revista. A parte de “Serviços Técnicos“ apresentava dados referentes a
horas de transmissão; número de retransmissões e duração de retransmissões. Seguem-se
muitas páginas de relatório do 2º semestre de 1935, separando as informações por
apresentações de diferentes instrumentos.
Tendo sido levantada a bibliografia lida por Mario de Andrade ao longo dos
257 GALVÃO, Henrique. Boletim da Emissora Nacional. Lisboa : A Emissora, 1935. n.5. 134 p.
258 Ibid., p. 95.
259 Ibid., p. 95-6.
260 Ibid., p. 97.
118
261 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p. 106.
262 Id. p. 107.
119
amálgama de valores que se sobrepunham no resultado de toda essa ação – desde a reação dos
ouvintes e consulentes da Discoteca, até a constituição do próprio público. Qual era o
aproveitamento real disso, o que gerava, em que resultava toda aquela organização do saber
musical?
263 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 249.
120
uma renovação na música nacional. Quais então, seriam “as contradições que atingiam o
povo”, neste sentido? As influências estrangeiras, a deformação ou perda dos elementos
folclóricos, o poder invasivo do rádio, na época, veiculando músicas estrangeiras... tudo que
deveria ser combatido, ou olhado com distância crítica – naquele momento. O que o
intelectual vislumbrava e que, supostamente, o povo não percebia.
A arte dirigida ao público (na visão de Mario de Andrade), se pode transpor,
ainda e sempre pelo julgamento do diretor do Departamento de Cultura, esse ideal aos
serviços de informação oferecidos, a um só tempo, a um público que não exclui intelectuais
que, por sua vez, teriam a função de possibilitar o alcance aos conhecimentos anteriormente
apenas de uma elite, num processo que, dentro da chamada Ação Cultural, desdobra-se
indefinidamente. E nisto está o valor da organização de uma documentação, seja ela musical,
ou de outras naturezas.
O nacional estaria ligado aos anseios coletivos por conquistas alcançadas por
intermédio e representação da classe que exerce a hegemonia; o popular, passaria pelas ideias
críticas de intelectuais (estes, populares) que aproximam o povo da consciência, por meio da
compreensão histórica.
Mario de Andrade explica, por sua linha de raciocínio, que, dada a importância
do estudo da música folclórica nas escolas de música, essa medida de preservação das
expressões populares por parte do governo, reforçava a “italianidade da música italiana.”
265 TONI, Flávia Camargo. Missão: as pesquisas folclóricas. In: Revista USP , São Paulo, n. 77, 2008 .
Disponível em:<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
9892008000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 13 Out 2010.
266 Para Ortega y Gasset, o Estado nacional se preocupou em estabelecer fronteiras, língua e raça, cuja função
não seria outra senão assegurar a unidade de cada nação. Ou seja, não eram fronteiras, língua e raça
anteriores à nação (determinantes da nação); antes, por sua pluralidade e diversidade dentro de determinados
territórios, seriam “estorvos” a ser dominados energicamente. Assim, o Estado tratou de aplainar as
diferenças, porque não era a comunidade nativa que determinava a nação. In: ORTEGA Y GASSET, José. A
rebelião das massas. 2.ed. Rio de Janeiro: Ibero-Americano, 1962. p. 239.
E Gramsci também escreve: “(...) a unidade da língua é um dos modos externos e não exclusivamente
necessário, da unidade nacional: em todo caso é um efeito e não uma causa.” In: GRAMSCI, Antonio.
Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p.106.
267 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p.105.
122
272 A Discoteca di Stato, atual Istituto Centrale per i Beni Sonori ed Audiovisivi, foi instituída em 1928, sobre a
base do primeiro fundo italiano de documentação sonora que, ao final de 1924 recolhia testemunhos orais dos
protagonistas da Grande Guerra. Em 1939, teve reconhecida sua função de arquivo sonoro nacional. Após a
transferência, no segundo pós-guerra, teve sua atual sede, com a instituição do Archivio etnico linguistico-
musicale. In: http://www.icbsa.it
273 ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. Belo Horizonte : Itatiaia, 2006. 150 p.
274 TONI, Flávia Camargo. Missão: as pesquisas folclóricas. Disponível em:
< http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/missao/textos_frameset.html>. Acesso em: 10 mar. 2009.
275 Id. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo : SENAC, 2004. p. 264.
124
nacionais”.
Conforme a descrição elaborada por Mario de Andrade das fases pelas quais
deveria passar a evolução da música nacional, na década de 1930, quando da criação da
Discoteca Pública Municipal, estava-se na etapa nacionalista, isto é, na etapa em que a
manifestação musical do Brasil tomava consciência de si mesma.
O uso dos fonogramas e das demais informações a eles anexadas e catalogadas,
constituiria a base de pesquisa por parte dos compositores, ou seja, dos agentes responsáveis
pelas novas expressões musicais de então. Haveria relação direta entre a utilização da
Discoteca e a produção da música nacional. Os fonogramas traziam o elemento folclórico, o
qual, na opinião de Mario de Andrade, não deveria ser mero fornecedor de temas indígenas ou
africanos, a serem escolhidos isoladamente. O nacionalismo musical, como pregava Mario de
Andrade, teria de ser renovador, como o próprio Modernismo. Segundo José Maria das Neves:
276 NEVES, José Maria das. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981. p. 48.
277 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. 383 p.
125
Andrade, quando Oneyda Alvarenga veio a ser sua aluna. É neste livro que Mario de Andrade
vai ler sobre “A primeira coleção oficial de discos” - da Áustria278 e sobre “Os 'Arquivos
Sonoros' da Biblioteca do Estado de Berlim.”279 Segundo Charles Wolff, por volta de 1902 (a
data exata é 1899) foi fundada na Academia das Ciências de Viena, a “Phonogrammarchiv”,
cronologicamente a primeira das coleções oficiais de discos.
278 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 59.
279Ibid., p. 53-5.
126
Mas o que interessa nisso tudo, quando o foco se afasta daquele momento de
entusiasmo geral com a criação das primeiras coleções de registros sonoros, é o rastreamento
da leitura de Mario de Andrade. A bibliografia de seu tempo, que ele lia e acompanhava
vorazmente, sempre alerta ao que era editado, no caso, fora do Brasil, veiculado pelas
periódicos estrangeiros que assinava, essa bibliografia vem se mostrar atual, quando olhamos
para os anos que precederam 1935, ano da criação da Discoteca Pública Municipal e, mais
precisamente quando rememoramos o que escreveu Oneyda Alvarenga em seu relatório
(elaborado em 1941 e publicado em 1942.)
280 Ver ANEXO B, p. 352-6 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Entrevista dada ao Diário da Noite.
Discoteca Pública Municipal de São Paulo e documentação musical. Transcrição do texto integral, sem
indicação de entrevistador. Entrevista. Datiloscrito, 17 de agosto de 1938, cópia 'B' carbono, 6 p. - (da
mesma forma) Consultada cópia xerográfica.
127
dividido em sete zonas fonéticas, representada cada uma por dois indivíduos – um culto, outro
inculto – cada um leu um texto-padrão contendo todos os fonemas da língua cuja dicção era
importante controlar. E os outros três discos pertenciam à coleção de vozes de homens ilustres
do Brasil. Destinada a ser um documentário histórico, esta coleção ficou paralisada, por
“razões várias” - (Oneyda Alvarenga não especificou, na época. Mas eram questões de ordem
política, com a entrada do prefeito Prestes Maia, no governo Vargas.) Nos discos desta
coleção foram registradas as vozes de homens proeminentes como o compositor Camargo
Guarnieri, o pintor Lasar Segall, o escritor José de Alcântara Machado e outros.281
I – Musique Classique
II – Musique populaire et Folklore
III – Disques Divers
Mario de Andrade deixa de assinalar muitas páginas. Mas marca com “X“, com
grafite, ou “ >” com lápis vermelho, sequências de música erudita. Todas as páginas de
discografia de gravações de Bach, por exemplo; algumas composições de Mozart; Beethoven;
Dvorak; César Frank; Mahler; Grieg; Fauré; Duparc; Ravel; Debussy; Hindemith; Gounod;
Liszt; Rossini; Donizetti; Brahms; Moussorgsky; Stravinsky - entre outros. Composições de
Verdi... Mario não assinala nenhuma.
281 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 9.
128
vezes, como se verá abaixo, na análise dos concerto de discos elaborados por Oneyda
Alvarenga, o código da gravação usada pela diretora da Discoteca não correspondia ao código
da gravação sugerida por Mario de Andrade, em seu Compêndio de História da Música – a
gravadora era outra.
- Na parte do catálogo dedicada aos “Discos Exóticos”, que trazem gravações de músicas
folclóricas de vários países, podemos encontrar atentos sinais do musicólogo, à margem,
escolhendo discografia da maioria dos países elencados;
-No grupo que abrange “Music-Hall Français”, Mario de Andrade não faz nenhuma anotação;
- Repertório de “Tangos argentins”; “Le bal Musette” ou “Les danses a l'accordéon” e “Les
pianistes de jazz” - nenhuma anotação;
- Entre os discos de “Disques divers”, Mario de Andrade assinala três de gravações de cantos
de pássaros.
le 18 juin 1929”. Mario leria o livro depois de haver escrito seu texto do Compêndio. No
máximo, na mesma época da edição de seu livro. O fato do musicólogo não assinalar alguns
compositores significa então, não que estava coletando nomes para incluir em seu trabalho.
Mas a fim de incluir em lista de discos a serem adquiridos. Como ainda não havia sido criada
a Discoteca Pública, esses discos entrariam para sua coleção particular. Na primeira edição do
livro de Mario de Andrade não foi incluída discografia, como foi na segunda, de 1933.
Brunswick Parlophone
Columbia Pathé
Gramophone Pathé-Art
Odeon Polydor
Blanche Or
Brune Orange
Ch (chamois) V (violette)
282 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 351.
131
Outro artigo que Charles Wolff achou por bem incluir em seu livro é o de
autoria de Pierre Mac-Orlan, intitulado Disques, retirado de Le Crapouillot284. Pierre Mac-
Orlan começa abordando a evolução dos aparelhos toca-discos, sua qualidade espantosa para
“nós, homens de 1927”!... Homens costumeiramente blasés, a quem esses aparelhos que
funcionam com “agulha” podem proporcionar “emoção”, “dando à nossa vida um elan”... E
passa a tratar do prazer que podem proporcionar audições de discos. Mas note-se a ênfase que
dá ao canto popular, bem no diapasão do momento (décadas de 1920 e 1930) - no mesmo tom
que Mario de Andrade conceberia a função de uma discoteca pública: a música popular teria
para ele um poder atraente singularmente contagioso. Os povos se deixariam atrair, sem
compreender o extraordinário sentimento nacional contido na canção entoada por meninas,
marinheiros, operários, soldados, crianças e às vezes por pessoas marginalizadas da
sociedade. E escreve a partir de suas impressões pessoais, afirmando que quando fazia
funcionar seu toca-discos, não ouvia “música clássica”, isto é, a música como uma arte, mas
ouvia “a planície que vem de longe como o vento passa ao longo das linhas ferroviárias”; a
emoção de uma canção folclórica transmitida por uma voz inglesa seria diferente da emoção
expressa por uma voz francesa, como de uma Mlle. Mistinguett, por exemplo; um coro
popular russo teria sua qualidade nacional, ao expressar uma melancolia exclusivamente
russa; a voz profunda e quente de uma mulher negra; a voz do gaúcho que traz o ritmo do
tango... enfim, o autor faz menção ao nacional contido em cada música, conforme a origem
expressa nas gravações. Pierre Mac-Orlan ainda comparava o poder de evocar a
“sentimentalidade de uma raça” contido na literatura de cada país, por meio de características
identificadoras, com o igual poder que residiria na música nacional. Procurando mostrar que
naquele momento já havia condições para isso, as pessoas deveriam escolher seus discos
como escolhiam seus livros. Ele também alertava para a existência de “maus discos, como da
existência dos maus livros.” Enquanto a literatura se situa nitidamente numa época, ajudando
a aprofundar ou desenvolver um ideal social, penetrando os leitores aos poucos, basta um
olhar a um catálogo de discos novos para que “nosso espírito se encha de ímpeto”. Ele
afirmava que os (“bons”) discos seriam os reflexos da “sentimentalidade de um povo.” Note-
se que ele não afirma que é a música que traduz esses reflexos – mas o disco.
283 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
284 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 362.
132
De forma bem parecida com o que vai escrever Murilo Mendes, mais de uma
década mais tarde, em suas críticas no jornal A Manhã – que posteriormente reunidas
originariam o livro Formação de discoteca e outros artigos sobre música, - o pequeno livro
que Mario de Andrade comprou, de autoria do espanhol Arias Gómez287, intitulado El
gramófono moderno, aborda o mesmo tema. O que a princípio pode parecer um texto técnico
sobre gramofones se revela fonte de indicação de boa parte da discografia que ganhou vida
ativa na Discoteca Pública de São Paulo e em seus Concertos de Discos. São várias páginas
que, embora não mostrem o mínimo sinal de anotações de Mario de Andrade às margens do
texto, podem ser comparadas, em muitos pontos, à discografia constante do Compêndio de
História da Música, do musicólogo – e que Oneyda Alvarenga utilizou o quanto pode, em
seus programas dirigidos aos ouvintes do auditório. E, como fará didaticamente Murilo
Mendes, mais tarde, Arias Gómez também procura reunir grandes grupos de interesse ao
285WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 370.
286 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC, 2004. p. 26.
287 ARIAS GOMEZ, Jose. Gramafono moderno. Bilbao: Espasa-Calpe, 1931. 163 p.
133
I. Discos de banda
II. Discos de orquestra
III. Discos de música instrumental
IV. Discos de música vocal
V. Discos de música de câmara
288 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, 1929 10(4). p. 192.
289 CATALOGO DE DISCOS VICTOR 1927 COM MATERIAL BIOGRAFICO, ANOTACIONES SOBRE
OPERAS, FOTOGRAFIAS DE ARTISTAS Y OTRA.... New Jersey,:Victor Talking Machine, 1927. 312 p.
134
Barítonos, Discos por – Véanse los discos por “Amato”, “Badini”, […]
solos de barítonos por solos de barítonos que se encuentran bajo em
encabezado de las óperas.
Barth, Hans, Pianista
Al Mar (MacDowell) [código da gravadora]
Baile de Brujas [código da gravadora][…]
Mais adiante:
o livro Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois commentaires de disques
avec exemples musicaux de Coeuroy e Jardillieré de 1931.
Também o catálogo da gravadora Parlophon290, que traz na capa não só a
informação: “Discos publicados Julho 1928- Junho 1929”, como ainda o manuscrito a lápis de
Mario de Andrade “Lido prá Discoteca”. A clareza da letra do musicólogo parece mais uma
pista para pesquisadores futuros, do que uma informação para ele mesmo se lembrar – ou
seria para Oneyda Alvarenga? Depois de assinalar gravações de música popular brasileira
(tangos, maxixes, foxtrots, sambas e emboladas nortistas da “Orchestra Pexinguinha-Donga”;
canções; canções sertanejas, valsas e choros), o musicólogo traça uma linha sinuosa a lápis
(grafite) e escreve (também com grafite): “Veja em seguida Discos Artísticos”, indicando que
se deveria ignorar o intervalo de páginas a seguir, onde estavam os códigos e informações
sobre gravações de discos populares estrangeiros e passar às gravações de... óperas italianas –
aquelas óperas de Puccini, Verdi, Leoncavallo - tão odiadas por Mario de Andrade e sua
discípula Oneyda Alvarenga. Mario de Andrade, no entanto, assinala gravações de óperas
italianas – das mais atraentes ao grande público: Cavalleria Rusticana; Tosca; La Bohème;
Rigoletto... Também assinala gravações de Wagner, algumas de Beethoven; Grieg; Mozart;
Saint-Saëns e coros de cossacos. Mario de Andrade, no entanto, assinalou todas essas
gravações com lápis vermelho, o que pode significar que escreveu na capa do catálogo e a
indicação de se passar diretamente às gravações de discos artísticos num momento posterior.
Visaria a formação de acervo de sua discoteca particular e, depois, da Discoteca Pública
Municipal?
No Catálogo geral da gravadora Odeon291, 1929-1930, Mario de Andrade vai
assinalar muitas gravações de música popular brasileira – aquelas que ele ouviria em sua
vitrola. Na página dos choros brasileiros, o musicólogo escreve a lápis, na margem inferior:
“Chôro parece indicar idea de solo e acomp. pequeno [?], pra populares V. toda esta serie”.
São quatro choros de Pixinguinha, interpretados por ele mesmo, com acompanhamento de
violão e cavaquinho; três choros de Luiz Americano, também interpretados pelo compositor,
com acompanhamento de piano e banjo e um choro de Dermeval Netto, interpretado por D.
Guimarães, com acompanhamento de piano e banjo.
Quando se faz comparação entre a discografia do Compêndio de História da
290 PARLOPHON CATÁLOGO GERAL DOS DISCOS JULHO 1928 - JUNHO 1929. Rio de Janeiro:
Papelaria Meier, 19--. 1v. n. p.
291 CATALOGO GERAL 1929-1930. Rio de Janeiro, Odeon, 19-? n. p.
136
Música, edição de 1933, com o catálogo da gravadora Victor292, de 1930 (c1918), fica muito
visível que Mario de Andrade assinalou e adquiriu muitas das gravações indicadas. A edição
anterior do Compêndio de História da Música foi de 1929; o musicólogo vai citar códigos
das gravações correspondentes aos do catálogo Victor Records na edição de 1933. Assim, por
exemplo, no catálogo293 estão muitos dos códigos de gravações de obras de Liszt, como
algumas das Rapsódias Húngaras que constam do Compêndio. Ainda nesse catálogo de
1930294, se encontram algumas das Sonatas de Beethoven que estão indicadas na discografia
do catálogo; como ainda algum Quarteto de Schubert295; como ainda a Suíte em Si Menor, de
Bach, que Mario de Andrade no catálogo Victor296 e citou em seu Compêndio297 – e que
Oneyda Alvarenga usa no repertório de seu 8º Concerto de Discos, de 05 de setembro de
1938. Ela usa, neste caso a mesma gravação, da Victor. Nem sempre é assim, porque nem
sempre a Discoteca Pública Municipal pode ou optou por adquirir as mesmas gravações
citadas por Mario de Andrade (e que ele havia adquirido para sua discoteca particular.) Mas se
vê que a discografia é praticamente a mesma, independentemente da gravadora – a não ser
naqueles casos mais recentes, quando Mario de Andrade já havia morrido e Oneyda
Alvarenga continuou o trabalho de pesquisa, principalmente ao acompanhar os rumos e as
novidades da música erudita contemporânea, a fim de incorporar essas composições ao acervo
da Discoteca e aos programas de suas audições didáticas de discos. Esse catálogo Victor
Records, de 1930 vem a ser, então, uma das principais fontes utilizadas por Mario de Andrade
antes da criação da Discoteca Pública Municipal, dada a quantidade de obras assinaladas por
ele e que correspondem às suas indicações discográficas, na 2ª edição do Compêndio.
Ainda da Odeon, pertence à coleção Mario de Andrade o catálogo de discos de
1931298, também contendo gravações de música popular brasileira: marchinhas, cocos,
emboladas, canções, modas de viola, discos humorísticos, etc. Também ressalta os intérpretes,
como Elsie Houston, Stefana de Macedo – entre muitos outros. Não há anotação marginal de
Mario de Andrade. Inclusive há duas páginas coladas que ele sequer abriu.
292 EDUCATIONAL CATALOG AND GRADED LIST OF VICTOR RECORDS FOR HOME, SCHOOL AND
COLLEGE. New Jersey : RCA Victor, 1930. 277 p.
293Ibid., p. 68.
294 Ibid., p. 105.
295 Ibid., p. 106.
296 Ibid., p. 59.
297 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 88.
298 CATALOGO GERAL DOS DISCOS BRASILEIROS. São Paulo: Columbia, 1931. 103p.
137
299 CATALOGO DE DISCOS NACIONAES E ESTRANGEIROS ODEON. Rio de Janeiro: Casa Edison,
1934. 48p.
300 CAMARASA, Antonio. Antología sonora : una magnifica empresa en el mundo de la música. Rosario,
Argentina : Ed. del autor, 1937. 31 p.
301 CLARK, Evans. Catalogue of latin american and west indian dances and songs in the Record
collection. New York : S.N., 1941. n. p.
138
edição é de 1942. Como essa obra é pessoal de Mario (e não da Discoteca Pública Municipal)
e contém gêneros brasileiros, argentinos, cubanos... com índices de títulos, intérpretes e
códigos das respectivas gravadoras, pode ser que parte dessas obras indicadas no catálogo já
fizessem parte da Discoteca Pública Municipal. O catálogo provavelmente estaria na
biblioteca de Mario de Andrade como obra de referência de músicas e danças populares.
302 ANDRADE, Mário de. Taxi e crônicas no Diário Nacional. São Paulo, Livraria Duas Cidades, Secretaria
da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976. p. 303-19.
303 Ibid., p. 305-6.
304 Termos empregados pelo autor.
305 MORAES, Marcos Antonio de. "Música de pancadaria" rádio, polêmicas, cartas etc. São Paulo, 2002. In:
139
O trecho abaixo foi transcrito do texto de Francsico Curt Lange, quando este
Calendário de Cultura e Extensão, São Paulo, p. 2-3, ago. 2002.
140
306 Ver p. 55, nesta dissertação, onde se menciona a educação do Uruguai como modelo para a brasileira. Em
todos os âmbitos da educação – nos dois países – havia, por um lado, a intervenção forte de um Estado
controlador; por outro, a vertente onde se encontrava Curt Lange, alemão naturalizado uruguaio, com sua
preocupação didática de erradicar a lacuna de conhecimento na área musical.
307 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical: la sección de investigaciones musicales, su creación,
propósitos y finalidades. Montevideo: Inst de Estudios Superiores, 1934. p.22-3.
308 Id. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín Latino Americano de
Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 197-262.
309 LANGE, op. cit.
141
Comparando a educação musical do Uruguai - que ele via como uma possível
nação música, apesar do “atraso” em que se encontrava – com a da Alemanha e da Áustria310
– países que, na época, estavam à frente, neste assunto -, Curt Lange311 acreditava que os
liceus deveriam dar uma educação musical adequada à idade e nível de conhecimento aos
jovens (que já se moviam, com essa idade, numa esfera em que podiam alargar seus
conhecimentos.) Assim, entrariam eles na universidade com outra formação. Acreditava que o
liceu deveria ensinar musicalmente o que não se estudaria mais na universidade.
310 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín
Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 205-7.
Na época o disco era visto por gravadoras, escolas e instituições da Europa como elemento pedagógico
de grande (eficiente) alcance.
311 Ibid., p. 171-2.
312 Ibid., p. 207.
313 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín
Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 207.
142
A citação é longa. Mas vem a ser ilustrativa, no caso. O aspecto do rádio não só
314 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín
Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 205-7.
315 Ibid., p. 198.
316 Id. Americanismo musical. In: Boletín Americano de Música. Montevieo : Lumen, 1936. Ano II.
317 Não se pode “atribuir aos meios eletrônicos a origem da massificação das culturas populares. Esse equívoco
foi propiciado pelos primeiros estudos sobre comunicação, segundo os quais a cultura massiva substituiria o
culto e o popular tradicionais. Concebeu-se o 'massivo' como um campo recortável dentro da estrutura social,
com uma lógica intrínseca, como a que tiveram a literatura e a arte até meados do século XX: uma subcultura
determinada pela posição de seus agentes e pela extensão de seus públicos.” In: GARCÍA CANCLINI,
Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo : Edusp, 1997. p.255.
(Ensaios latino-americanos, 1)
318 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 256.
143
preocupava Curt Lange, que o via, ao mesmo tempo, como arma de luta contra a perda das
raízes musicais da América - ao disseminar músicas de outras culturas - e de instrumento a
favor da disseminação da educação musical gratuita, incutindo o conhecimento da música
erudita. Além disso, o texto de García Canclini mostra como o uso estratégico do rádio pode
ser percebido sob pontos de vista até contraditórios:
319 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 256.
320 KATZ, Israel J. (ed.) Libraries, history, diplomacy, and the performing arts: essays in honor of Carleton
Sprague Smith. New York: Pendragon, 1991. 459 p. (Festschrift Series, n.9)
144
características peculiares à formação da costa Leste dos Estados Unidos: ele era um “homem
de Harvard, de religiosidade cristã” e cultivava valores cívicos (liberdade e democracia.).
Mas, apesar de típico norte-americano, trazia todo um vínculo com a cultura europeia.
Era impossível L. H. Corrêa de Azevedo não associar a postura do adido
cultural a seu momento histórico. Em 1940, época do presidente Roosevelt, os Estados
Unidos da América faziam intervenção na Segunda Guerra Mundial e viram-se na situação
urgente de conquistar a solidariedade internacional – esta era essencial, no caso. A expansão
da música, assim, naturalmente, fazia parte dessa política de boa vizinhança: a Casa Branca
decidira que, para agregar outras repúblicas do hemisfério Sul, teria de desenvolver uma ativa
ação em relação aos outros países, especialmente na área da cultura.
Em outubro de 1939, o United States Department organizou um plano de
eventos musicais, visando estabelecer boas relações inter-americanas. Como resultado dessa
conferência, duzentos delegados percorreram as três Américas, neste período e posteriormente
também, com o intuito de conhecer melhor a América Latina e seus valores.
Durante este período, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo321 foi bibliotecário da
então chamada Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil (hoje Universidade
Federal do Rio de Janeiro.) Ele recebia muitos desses emissários do new ideal, que vinham
para começar a descobrir quais os valores culturais do povo latino-americano e, claro,
estabelecer vínculos amistosos com o Hemisfério Sul. Sprague Smith estava entre esses
emissários e, por ser da mesma geração de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo e muito
diplomático, veio a ser seu amigo. O adido cultural permaneceu no Brasil durante o período
de 1942 a 1945 e estabeleceu fortes laços com intelectuais e artistas do país. Entre eles, Lidy e
Francisco Mignone, Antonio Sá Pereira e Mario de Andrade. Mas, com a partida de Sprague
Smith para São Paulo, em 1944, seu contato com Luiz Heitor ficou menos frequente.
Contudo, em 1947, quando Luiz Heitor foi diretor da Seção de Múscia da UNESCO,
colaborou mais ativamente com Sprague Smith.
De sua estadia no Brasil, Sprague Smith levou impressões da vida do país, que
refletiram-se em seus escritos publicados, assim como de suas atividades desenvolvidas.
Além de toda a relação entre os objetivos da formação de discotecas, no
período, uma linha de tensão dividia o interesse comum na organização dos conhecimentos na
321 Luiz Heitor Corrêa de Azevedo atuou como bibliotecário sem formação acadêmica, como se verá, mais
adiante, segundo informações de Mercedes Reis Pequeno, musicóloga que organizou os acervos da Discoteca
Nacional do Rio de Janeiro.
145
área de música e dos propósitos didáticos, do ponto de vista internacional. Carleton Sprague
Smith e Curt Lange tinham formações musicais muito semelhantes. Porém, enquanto o
primeiro portava o ideal de seu país e preocupava-o a rápida apreensão do conhecimento do
conjunto cultural da América-Latina, Lange, que naturalizara-se uruguaio (e que não pode
entrar nos Estados Unidos da América, quando veio da Alemanha), trabalhava no sentido de
congregar esforços dos músicos da América, acreditando na necessidade do controle do
Estado forte, que estendesse seu raio de ação a toda atividade didática musical, visando
rapidamente aprimorar o saber do povo.
Antes de apresentar as impressões de Carleton Sprague Smith sobre os acervos
musicais da América do Sul, é conveniente mostrar de que modo Mario de Andrade
concordava com o intercâmbio de informações entre Brasil e Estados Unidos e as ressalvas do
musicólogo brasileiro à ideologia que permeava o pensamento do estrangeiro. Mario de
Andrade pediu encarecidamente a Oneyda Alvarenga e a outras pessoas que receberiam
Sprague Smith: “Eu pedia a vocês meus amigos que o juncassem de amabilidades, é um tipo
humano, apesar de acreditar que democracia é ou são os USA com linchamento, racismos,
Chinatown, Sacco e Vanzetti etc.”
Ora, Mario de Andrade entendia a música norte-americana e, apesar de
reconhecer seus grandes méritos, mantinha sempre a vigilância crítica. Aos 12 de outubro de
1944, quando a situação da Guerra perturbava o escritor brasileiro, revoltado contra a
opressão do nazismo e do fascismo, ele escreve um artigo intitulado Música Universitária,
publicado na coluna Mundo Musical, da Folha da Manhã, alertando também para a
dominação norte-americana:
Carleton Sprague-Smith, com efeito, redigiu seu relato de cada discoteca que
conheceu na América Latina:
322 Aqui, onde o adido cultural analisa com criticidade as discotecas latino-americanas, em comparação às dos
Estados Unidos da América, verifica-se que Mario de Andrade comenta justamente o contrário, em carta a
Oneyda Alvarenga: o interesse de Spivake, da Biblioteca do Congresso, de Washington, pela organização da
Discoteca Municipal de São Paulo faz com que Mario de Andrade se vanglorie da organização mais científica
da idealizada por ele e Oneyda Alvarenga.
323 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p. 19-20.
147
324 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p.19-20.
148
325 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p.25-26.
- Discoteca da Bolívia
327 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31.
329 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 29.
- Discoteca da Bahia
331 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 21.
332 Ibid.,. p. 21.
152
1) Departamento Fonográfico
a) Folclore musical brasileiro.
b) Música erudita de São Paulo.335
c)Arquivo da Palavra (discos das vozes dos brasileiros bem conhecidos para
estudos de fonética)
2) Museu Etnológico
Folclore - destina-se principalmente aos instrumentos musicais populares
brasileiros - independente da seção de música folclórica
3) Arquivo de documentos manuscritos folclóricos
4) Seção de Cinema - anexo ao departamento de folclore musical brasileiro.
333 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 22.
334 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII.
335 Gravações de Carlos Gomes, Artur Ferreira, João Sousa Lima, Francisco Casabona, Dinorah de Carvalho,
Francisco Mignone, A. Cantú, João Gomes de Araújo e Camargo Guarnieri.
153
O Arquivo da Palavra tem apenas 17 gravações. Destas 17, 14 são uma série
de estudos de pronúncias regionais
De Fevereiro a Julho de 1938, a D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] financiou
uma expedição folclórica ao Nordeste do Brasil e os membros da expedição
que ficaram responsáveis pela coleta do material eram altamente capazes.
Foram reclhidos 1500 itens. A este material foram adicionadas 28 gravações
de congadas mineiras, cateretês, canas verdes, etc. No Museu Etnográfico
ficaram arquivados instrumentos musicais brasileiros, com finalidade de
estudos.
Com todo esse material valioso, a D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] atende o
público com vantagem. Além disso, disso, compositores, músicos e artistas
podem estudar música popular brasileira e suas origens.
O arquivo tem 382 fonógrafos, manuscritos musicais e uma pequena
coleção de filmes de 35mm folclore-etnográfico.
O arquivo de matrizes é principalmente para as matrizesvoltado à música
popular brasileira registrada por casas comerciais. Sabe-se que, logo que a
gravação não interessa mais ao público, nem ao distribuidor, um material
valioso, muitas vezes, é jogado fora.
A D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] pediu às empresas comerciais para não
destruir suas matrizes, mas dar-lhes para o Arquivo. Claro, se eles
precisarem de novo, A Discoteca está sempre disposta a devolvê-los. A RCA
Victor deu ao arquivo 57 matrizes da música popular brasileira. E a
Colômbia e a Odeon mantêm todas as matrizes que o Arquivo considera de
valor.
Na D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] há cabines privadas, com ar-
condicionado, permitem que as pessoas possam ouvir discos sem serem
perturbadas. O equipamento fonográfico está localizado fora das cabines,
mas um amplificador torna possível a audição dos disco de forma clara. Os
equipamentos são controlados por botões elétricos, fora da cabines, por
fincionários. Há duas razões para isso: - Em primeiro lugar, a pessoa não tem
que fazer muito trabalho e, por outro, os fonógrafos não são manipulados
pelo público.
A biblioteca de música tem cerca de 5 .286 partituras e manuscritos que
serão disponibilizados ao público, assim que
forem catalogados.
Existe uma pequena coleção de livros, discos e partituras na Biblioteca
Pública Municipal, como também na divisão da
D[iscoteca]P[ública]M[unicipal]. O Conservatório Dramático e Musical
(localizado à Avenida São João, 269) contém alguns manuscritos coloniais.
O secretário da organização prometeu-me que iria enviar uma lista das
músicas compostas antes de 1850 (de algumas partes da América Latina.)
Uma excelente seleção de manuscritos e músicas publicados foi apresentada
154
***
Esta breve panorâmica das Bibliotecas Musicais da América Latina pode dar
uma ideia aproximada da situação geral. Com algum apoio financeiro, boa
parte do progresso poderia ser feita. Uma viagem de estudo pelo continente
sul resultaria num grande serviço, parando-se o tempo suficiente em alguns
dos lugares mais importantes, para uma melhor avaliação musical.336
336 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 22-25.
337 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical. In: Boletín Americano de Música. Montevideo, Lumen,
1936. Ano II, Tomo II. p. 117-30.
155
American music American?”338 Vê-se que Mario de Andrade – como também fará,
paralelamente, Oneyda Alvarenga – acompanhava o surgimento de compositores
contemporâneos no cenário da música mundial. Da mesma forma, no mesmo número da
revista The Musical Quarterly, Mario de Andrade leu um artigo assinado por Greorge Pullen
Jackson339, intitulado Stephen Foster's debt to American folk-song. Ora, basta a menção do
título para projetar a importância deste compositor norte-americano. Bastaria: mas Oneyda
Alvarenga reforçava a grandeza dessa importância, ao incluir obras de Foster em seu
Concerto de Discos, realizado no dia 20 de junho de 1940. A saber, as músicas: I dream of
Jeanie with the light brown hair, Beautiful dreamer e outras... ou seja, toda a pesquisa de
Mario de Andrade levava Oneyda Alvarenga a continuar indefinidamente o mosaico que,
afinal, ia compor a História da Música. Quando a diretora da Discoteca Pública Municipal
concretizava o que preconizavam essas leituras no plano prático – e didático -, ela procurava
reconstituir a História Social da Música na mente coletiva dos ouvintes leigos, num processo
de aprimoramento de gostos.
Há ainda um artigo escrito por Virginia Larkin Redway340, chamado A New
York Concert in 1736341, que certamente Mario leu; como leu também, assinado por N.
Lindsay Norden, o artigo A new theory of untempered music342; como tomou ciência de
canções folclóricas de primitivos povos que ocupavam o país (Estados Unidos) e até
manifestações musicais e danças folclóricas do Hawai343; significativo da época em questão é
o artigo escrito, em 1938, por Winthrop S. Boggs: Music and stamps344 (sobre músicas que
inspiraram desenhos de selos postais – se isto não está ligado diretamente à valorização das
nações e suas honrarias, nada mais estará); o artigo de Marian Hannah Winter, American
Theatrical Dancing from 1750 to 1800345, também publicado em 1938, onde Mario de
Andrade vai confirmar o caráter coletivizador e socializante da música para teatro dos Estados
Unidos – e que Oneyda Alvarenga, por sua vez, vai exibir na prática em Concertos de Discos,
338 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1936-. p. 140.
339 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1936-. p. 154.
340 Ibid., p. 170.
341 Ibid., p. 170-7.
342 Ibid., p. 217-33.
343 Ao mesmo tempo que os Estados Unidos procuravam conhecer até a exaustão as fontes musicais de seus
domínios, pretendiam impor sua cultura a outros povos. Aludindo a esse fato, Mario de Andrade escreve:
'Hoje a Federação [Nacional dos Clubes Musicais] estende seus tentáculos culturais até o Alaska, as Filipinas
e Hawai, a toda parte da nação mandando em intercâmbio as suas orquestras, as suas massas de coros e os
compositores nacionais. '(p.23) ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Leuzinger,1941? 26 p. (Lições da vida americana, 3)
344 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1938. (1) p. 1-10.
345 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1938. (1) p. 58-73.
156
“Another cup-, libation-, wine-bearer was our good friend the United States of Brazil.” Fazia,
evidentemente, parte da política da boa vizinhança.
351 ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26 p.
(Lições da vida americana, 3)
352 Ibid., p. 12.
353 Ibid., p. 18.
158
solo primitivo já foi incorporado à composição erudita nacional de maneira bem resolvida.
Mais adiante, no capítulo 4, ao se mostrar os repertórios de Concertos de Discos da Discoteca
Municipal, será possível averiguar que - não gratuitamente - essas duas composições dos
autores contemporâneos norte-americanos (Arranha-céus e Um americano em Paris) serão
usadas didaticamente por Oneyda Alvarenga, nas audições públicas semanais: a primeira foi
executada e a segunda mencionada em texto explicativo sobre Gershwin. E Mario de
Andrade vai mais além, quando questiona se o internacionalismo da música norte-americana,
na atualidade que vivia, não seria o lado mais humano e feliz do cosmopolitismo.354
Já que Mario de Andrade chama a atenção para a “grande lição histórica
da arte musical dos Estados Unidos”, é preciso lembrar que ele dá ênfase ao que chama de
“força social” dessa arte. Para o musicólogo, é essa força que serve de base para a função
social das discotecas – um fato ligado a outro: a função social das discotecas; a
democratização do conhecimento musical; a função didática das discotecas. Mario de
Andrade conclui que a força social da música nos Estado Unidos viria de sua sistematização
de seus primórdios corais, ligados ao puritanismo religioso.355
Falando da vaidade nacional dos Estados Unidos, “inigualável entre os povos
contemporâneos”, Mario escreve:
Hoje os Estados Unidos têm a sua semana da música nacional (…) E não só
de música nacional como de música panamericana, preocupados da
cooperação musical com esta América do Sul, como o provou a
interessantíssima Conferência sobre Relações Musicais Interamericanas,
realizada em Washington, em outubro do ano passado356(…) aliás, só havia
norte-americanos e o pensamento norte-americano, com mais apenas a voz
desse admirável sonhador e realizador que é o musicólogo Curt Lange. Os
países sulamericanos não foram ouvidos, embora eu não tenha forças (…)
para condenar essa atitude de panamericanismo solitário (…) Ainda
recentemente, (…) o novaiorquino Carleton Smith, embora fazendo um
estudo de egoística incompreensão, muito chewingunizado, sobre a situação
musical sulamericana, tinha (…) esta observação dolorosa mas profunda em
relação a todos nós: 'Muitas vezes (…) tenho a impressão de que nós, norte-
americanos (…) sentimos mais profundamente do que os sulamericanos.'
354 ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26 p.
(Lições da vida americana, 3) p.1 9.
355 Ibid., p. 21.
356 Referente a 1939. A expressão musical dos Estados Unidos, conferência de Mario de Andrade foi realizada
no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no dia 12 de dezembro de 1940 e publicada depois –
segundo página do IEB, a publicação é de 1940. Em carta de 18 de abril de 1941, Carleton Sprague Smith
escreve para agradecer e elogiar o “pequeno” estudo de Mario de Andrade: “A expressão musical dos EUA”.
In: SMITH, Carleton Sprague [Carta] 18 abr. 1941, Nova Iorque, EUA. [para] Mário de Andrade. São Paulo.
1 folha. Comentário sobre a repercussão do texto de Mario de Andrade “A expressão musical dos Estados
Unidos”.
159
Neste seu trabalho358, Mario de Andrade ainda vai abordar o rádio norte-
americano, a vulgarização da hora de educação musical/radiodifusão educativa359, a criação
ianque dos meios de mecanismos da socialização da música, mencionando ainda a
importância da educação musical do povo norte-americano ('panorama incomparável de
musicalização social de um povo'), quando descreve o incentivo que se dá ao grande público,
tanto de médias, quanto das grandes cidades, a formação sempre coletiva: de corais,
orquestras, bandas, programas de óperas gratuitas - e a frequência do povo nos concertos.
Assim, quando toca no assunto das discotecas:
Nas bibliotecas das cidades há sempre uma discoteca anexa, com serviço
circulante dos próprios discos; sem contar as discotecas de serviço científico
especializado, como a de Washington, que já superou em riqueza o
Phonogramm Archiv de Berlim, conta atualmente para mais de 50 mil
fonogramas de raças primitivas ou folclóricas do mundo inteiro. Por meio do
fonógrafo e dos discos distribuídos gratuitamente, uma instituição já
conseguiu aumentar de mais de 50% a frequência espontânea a concertos,
numa cidade de tipo médio.360
Para ter-se visão do que era a função das discotecas – pelo menos no Brasil –
podemos traçar um paralelo, no mínimo interessante, entre a Discoteca de São Paulo e a do
Rio de Janeiro.
Segundo informações de Mercedes Reis Pequeno361, o acervo da Seção de
Música da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro começou a ser formado mediante um
trabalho de “garimpagem”, no 4° andar da Biblioteca Nacional, onde estava localizada a
Coleção Teresa Cristina, que pertencera ao imperador, na qual encontravam-se não só livros
sobre música, mas também partituras musicais que haviam pertencido à imperatriz
Leopoldina. Também havia uma vasta coleção de músicas de salão recebidas por exigência
da Lei de Contribuição legal. Foi com a compra da Coleção Abraão de Carvalho (19.000
peças, entre as quais obras dos séculos XVI, XVII e XVIII), em 1953, que o acervo se
estruturou. A aquisição de livros do exterior, inclusive as Obras Completas dos grandes
compositores (Bach, Beethoven, etc.) as coleções Monumenta, compradas na Alemanha, tudo
isso fazia parte de uma complicada rotina de obtenção de verba, etc. Com isso, foi adquirido
material de Vivaldi, madrigais ingleses, obras do período Barroco, Renascença, entre muitos
outros.
361 Relacionando a criação da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, em 1935, ano em que começou sua
organização, para ser inaugurada em 1936, com o aparecimento de outras discotecas dentro e fora do país, na
mesma época, buscamos informações junto a Mercedes Reis Pequeno (criadora e diretora da Seção de Música da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, de 1942 até 1990.) Ela teve dupla formação: piano, pela Escola de
Música da então Escola de Música da Universidade do Brasil, atual UFRJ e bibliotecária, formada pelo curso
intensivo oferecido pelo DASP. Como aluna de Luís Heitor Corrêa de Azevedo, na cadeira de Folclore da UFRJ,
interessou-se pelo trabalho de pesquisa na área de música sob orientação dele. Muito mais tarde, convidada a
trabalhar com Charles Seeger, diretor da Seção de Música da então União Panamericana (hoje OEA) em
Washington, DC Teve também a oportunidade de secretariar Carleton Sprague Smith, quando adido cultural dos
EEUU no Rio de Janeiro.
A diretora da Seção de Música da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro teve contato por correspondência com Oneyda Alvarenga a propósito da
existência da Associação Internacional de Bibliotecas de Música. Na década de 1940, Mercedes Reis Pequeno
buscou contato com outras discotecas e bibliotecas de música. Mas Oneyda Alvarenga foi das poucas pessoas
que se interessaram em colaborar com a AIBM.
161
lay-out e a própria diretora da Seção da tarefa , auxiliada pelo pessoal das gráficas, incumbia-
se das tarefas de montagem dos catálogos. Além disso, a Seção de Música da Biblioteca
Nacional patrocinou concertos, como a apresentação do Quarteto Iacovino; conferências,
como a realizada pelo etnomusicólogo Antony Seeger; criou-se ainda, com o professor e
conferencista Hans Joachim Koellreutter, um Centro de Documentação de Música Alemã
Contemporânea.
O Rio de Janeiro também teve uma Discoteca Municipal, que, já na década de
1930, funcionou no Edifício Andorinha. Na época, o acervo estava catalogado, porque
dispunha de bibliotecários. A Discoteca Municipal possuía gravações de Villa-Lobos feitas
nos trabalhos do compositor em escolas.
Além da natureza do acervo da Seção de Música da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro ser de caráter um pouco diferente do da Discoteca Pública Municipal de São Paulo,
o que, obviamente, direcionava a política de divulgação do acervo de cada uma das duas
discotecas, conforme seus raios de ação, não se cogitou da criação de uma rádio-escola
vinculada à Seção de Música da Biblioteca Nacional. Mas vê-se que ambas mantiveram
durante o tempo todo o caráter didático, quanto ao atendimento ao público.
Porém, dentro do âmbito da coleta e organização da música brasileira, o
trabalho de Mercedes Reis Pequeno teve relevo, do ponto de vista da divulgação da música
latino-americana no que concernia à uma urgência, do momento histórico, em se conhecer
esta música, suas características, suas peculiaridades: a tradução dos aspectos culturais – a
mescla de culturas de cada país americano. Sistematizar o conhecimento das diferentes
culturas para além de ampliação do conhecimento, sem dúvida; como busca da expressão
americana, mas também como forma de controle?
Entre 1947 e 1949, Mercedes Reis Pequeno trabalhou ao lado de Charles
Seeger, musicólogo e diretor da Seção de Música da União Pan-Americana (atual OEA.)
Tendo à sua disposição uma biblioteca, partituras musicais, periódicos, etc., sua função era
pesquisar e atender às solicitações que vinham, por correspondência, por telefone, etc., sobre
a música e a vida musical na América Latina. Era, basicamente, um serviço de referência,
divulgando a cultura musical latino-americana. Neste período, publicou-se também uma
História da Música no Brasil, em edição bilíngue (inglês /português.)
Mercedes Reis Pequeno trabalhou também, no Rio de Janeiro, com Carleton
Sprague Smith, quando este esteve na cidade. Mercedes Reis Pequeno confirma a grande
163
363 ANEXO B, p. 352-6 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Entrevista dada ao Diário da Noite.
Discoteca Pública Municipal de São Paulo e documentação musical. Transcrição do texto integral, sem indicação
de entrevistador. Entrevista. Datiloscrito, 17 de agosto de 1938, cópia 'B' carbono, 6 p. - (da mesma forma)
Consultada cópia xerográfica.
364 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 64.
165
365 SÃO PAULO (CIDADE). Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Cultura. Centro Cultural São
Paulo. Sociedade de etnografia e folclore. São Paulo : CCSP, 2004. (Série Catálogo Acervo Histórico) p. 5.
366 ANDRADE, Mario de. A situação etnográfica no Brasil. Jornal Síntese, Belo Horizonte, vol.1, nº 1, out. de
1936.
367 Marta Amoroso ilustra bem a situação do momento: “Mario de Andrade trazia para a Sociedade de
Etnologia e Folclore e para o Departamento de Cultura o desdobramento de antigos projetos pessoais. “
Marta Amoroso se refere à estreita ligação, à necessidade mesmo, dos fundamentos nas raízes das formas
populares de criação, quando da expressão de linguagem artística popular. “As notas deixadas por Dina Lévi-
Strauss nos auxiliam a qualificar a natureza de empreendimento que estava por trás do fazer etnográfico nas
cidades e entre as populações ameríndias. O conceito de folclore associado à antropologia se afastava da
busca do pitoresco e do exótico para ir ao encontro da dinâmica da sociedade em sua expressão viva (…)
'Uma coleção de objetos sistematicamente reunidos constitui verdadeiro arquivo '(…) Uma coleção
etnográfica não é uma coleção de obras de arte, mas representa uma cultura e seu interesse consiste nisto
(...)” In: SÃO PAULO (CIDADE). Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Cultura. Centro
Cultural São Paulo. Sociedade de etnografia e folclore. São Paulo : CCSP, 2004. (Série Catálogo Acervo
Histórico) p.73.
368 SÃO PAULO (CIDADE). Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Cultura. Centro Cultural São
Paulo. Sociedade de etnografia e folclore. São Paulo : CCSP, 2004. (Série Catálogo Acervo Histórico) p. 6.
O trabalho foi publicado sob o título de Etudes Cartographiques des Tabous Alimentaires et de Danses
Populaires.
166
369 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.118-120. 6 jul. 1935.
168
Quem é o ouvinte? Será aquele que ouve. (…) porém em arte ouvir é mais
do que isso. Nem todos os que ouvem uma obra musical a estão ouvindo
realmente. Carece saber ouvir. Ouvinte é o ser psicológico que toma uma
atitude desinteressada de contemplação diante da manifestação musical. (…)
o ouvinte toma uma atitude de absoluta passividade pela qual ele adquire
370 Em 1938, Fábio Prado deixou a prefeitura, para entrar, Prestes Maia, com o Estado Novo, Mario de
Andrade também deixa o cargo de diretor do Departamento de Cultura. Prestes Maia aboliu o projeto da Rádio-
Escola, quando extinguiu a Divisão de Turismo e Divertimentos Públicos. Isto estava dentro das atitudes que
levaram ao desmonte do Departamento de Cultura.
371 CARVALHO, Henri de. Mario de Andrade e o estro romântico de sua propositura estético-musical:
expressão da determinação histórica no capitalismo hiper-tardio. São Paulo: PUC, 2009. Tese. p. 147.
372 Introdução à estética musical foi escrita em 1926. Nesta época, Mario de Andrade ainda não tinha
começado a fazer da audição de discos uma prática de rotina. Na segunda edição do Compêndio, de 1933, Mario
de Andrade já indica, ao final de cada capítulo, uma discografia que vai nortear a formação do acervo da
Discoteca Pública Municipal, em 1935 – apenas dois anos após, portanto.
373 A consciência da responsabilidade social estaria, para Mario de Andrade, atrelada às questões ligadas à
relação música e ouvinte. In: COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo
musical. Campinas, SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 19.
169
374 ANDRADE, Mario de. Toni, Flávia Camargo (pesq).Souza, Gilda de Mello e(pref).Mammi, Lorenzo
(coment). Introducao à estética musical. São Paulo, Hucitec, 1995. Mariodeandradiando. p. 65.
375 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística. In: Mundo musical. Campinas,
SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 347-8. Aaron Copland afirma que as pessoas que se dizem amantes da música,
ouvem música para entrar no mundo dos sonhos, numa atmosfera de escape. Assim, vão a concertos não pela
música, mas por esse efeito.
376 Ibid. Coli faz menção ao artigo Os Tanhauseres, escrito por Mario de Andrade e publicado na Folha da
Manhã, aos 10 de fevereiro de 1944. No texto de Mario, aparece citação a Aaron Copland. Jorge Coli aponta
para o interesse de Mario nessa relação do ouvinte com a música, que o leva a derivar em pensamentos, vagar
por ideias e imagens. No caso, Mario, ouvinte de um concerto no qual devaneou, o resultado foi esse artigo no
qual se critica satiricamente a própria arte pura.
377 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
308 p. 2º parágrafo de carta de 18-V-1940, de Mario de Andrade a Oneyda Alvarenga. p. 235.
378 Ibid., p. 236. Carta de 12 de julho de 1940. Única vez que Mario de Andrade usa o tratamento superlativo,
se permitindo brincar com Oneyda Alvarenga, justamente neste intervalo de transações de material
fonográfico e visitas de estrangeiros à Discoteca Pública de São Paulo.
379 Ibid., p. 240. Carta de 17 de julho de 1940. Mario de Andrade começando assim sua carta, prepara Oneyda
para atender solicitações de norte-americanos, pedidos referentes a consultas aos fonogramas da Discoteca.
170
380 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
206. 27 out. 1939.
381 Ibid., 12 abr. 1940.
382 Id., ibid.
383 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
206. 12 abr. 1940.
171
Mas isso não sem antes recomendar que Oneyda deixasse claro a Spivacke que
os fonogramas eram “nossos”; e que o norte-americano “que mandasse” discos virgens, para
que a troca fosse razoável e Spivacke não “ganhasse” no número da documentação.385
algum -, ela poderia, por sua vez, propor a Turner utilizar apenas o texto, porque o interesse
desse pesquisador era puramente linguístico - e não musical.
Seguindo a trilha das muitas leituras de Mario de Andrade, nas obras impressas
que constam hoje da Coleção Mario de Andrade (antigo acervo particular do autor),
disponível na Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros, é possível confirmar com clareza
o embasamento teórico do estudioso a partir de informações que analisou, considerou e
coletou acerca de rádios educativas e formação de discotecas no período entreguerras e
durante a Segunda Guerra Mundial. Levando-se em conta que o ano em que Mario de
Andrade ocupou o cargo de diretor do Departamento de Cultura foi 1935, se vê que essas
leituras foram anteriores, contemporâneas e posteriores à criação dos projetos da Rádio-
Escola e da Discoteca Pública Municipal, levando o musicólogo a decisões, reflexões e
questionamentos sobre os assuntos em foco: preservação da memória sonora e audição de
discos (música mecânica), com prévia escolha de discografia como metodologia de educação
173
387 DETHERIDGE, Joseph. Chronology of music composers. Birmingham, Eng.: J. Detheridge, c1937. 2 v.
388 LIMA, Rossini Tavares de. Noções de história da música. 2. ed. Sao Paulo : Casa Wagner, 1929. 96 p.
389 DEBUSSY, Claude Achille. Monsieur croche antidilettante. Paris : Bibliophiles Fantaisistes, 1921. 144 p.
174
3.16.1 Bibliografia lida por Mario de Andrade e, num segundo momento, por seus
alunos do grupo de estudos semanais: História da Música
Uma das principais obras que Mario de Andrade consultou foi a de André
Coeuroy, Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois commentaires de disques
avec exemples musicaux390. De início, chama a atenção a anotação de Mario de Andrade na
página de guarda do livro: “Dic – As anotações, palavras, etc. aproveitáveis pro Dic estão
indicadas na margem pelo sinal X.
390 COEUROY, André; JARDILLIER, Robert. Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois
commentaires de disques avec exemples musicaux. Paris: Librairie Delagrave, 1931. 238p.
175
programmas adoptados nos cursos normaes e gymnasios391, Mario de Andrade analisou, nesta
publicação não datada, o modo como era dirigido aos estudantes a história da música nas
escolas de Campinas. O programa resumido procurava conciliar conhecimento dos períodos e
compositores. Mario de Andrade estaria, neste caso, interessado em saber como se dava a
metodologia de ensino para pessoas em idade escolar. O autor não deixa de mencionar Carlos
Gomes, como ícone do estudo da música na cidade.
nos final dos anos 1800, porém este, no Brasil. O autor expõe ideias muito “peculiares”, em
sua introdução, quando compara a música ocidental (europeia) com a de outros lugares – para
ele, por exemplo, “A cantiga dos negros Mandingues é (...) specimen raro (…) dispertam-nos
a impressão anterior de cantos animalisados” e “A [música] dos Egypcios, Arabes, Persas e
Turcos, sobrecarregada de ornamentos (…) é enervante e sensualista como estas nações
(...)”396 Como se vê, o texto não era exatamente uma pérola do despojamento de preconceitos
raciais e culturais... Obviamente Mario de Andrade não compartilhou dessas opiniões de
Marciano Brum – vide as opiniões expressas de Mario de Andrade, por exemplo n'A
expressão musical dos Estados Unidos397, a respeito da música negra – na América. E assim,
Brum segue, ora chamando de “mesquinha”398 a música da Europa e do Oriente Médio das
épocas dos antanhos e “rudes”399 as dissonâncias, quando ainda se ignorava a harmonia.
Elogia, contudo, a “magestósa”400 arte moderna... Ainda assim, vale a pena encontrar um
sinal marginal de Mario de Andrade, a lápis401, que faz entender o porquê do interesse do
musicólogo no livro. Marciano Brum, no que chama “trabalho recreativo e bréve”, procura
engrandecer a música do Brasil e particularmente a do Rio Grande do Sul (seu Estado natal.)
Mario de Andrade assinala o trecho que cita as “balladas jocósas” do boi Espácio, rabicho da
Geralda, sapo do Cariri, etc., com a explicação de Brum sobre a origem portuguesa dessas
músicas. Aí estava o objeto que Mario de Andrade estudou muito. Além disso, Marciano
Brum apresenta gráficos de ondas físicas de efeitos de várias sonoridades – o que, para 1897,
era bem moderno. Brum não deixava de ser um estudioso: seu livro mostrava passo a passo a
evolução da música – desde a “música cósmica” (capítulo bastante eclético, em que Brum
discorre sobre Pitágoras; Beethoven, Wagner, Gluck, Berlioz, poesia dos sons da natureza,
vozes dos animais e até... órgão dos gatos!), passando pela música dos “povos selvagens”; das
“tribus bárbaras”; pela origem “fabulosa” da música; pelas teorias musicais dos povos antigos
e contemporâneos; Idade Média e Renascença (Europa); teorias musicais primitivas (gregos e
música profana medieval europeia); teoria da música moderna (escalas tonais e
“enharmonismo”.)
Bevilacqua, 1897. 342 p.
396 BRUM, Marciano. Através da música: bosquejos históricos. Rio de Janeiro, Officinas Graphicas de I.
Bevilacqua, 1897. p. 3.
397 ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26p.
(Lições da vida americana, 3)
398 Ibid., p. 5.
399 Id.
400 Id.
401 Ibid., p. 123.
177
402 TIERSOT, Julien. Notes d'ethnographie musicale. Paris : Fischbacher, 1905. 139p.
403 RIEMANN, Karl Wilhem Julius Hugo. Storia universali della musica. Torino : Societa Tip-Editrice
Nazionale, 1912. 422 p.
404 LANDORMY, Paul. Histoire de la musique. 2. ed.. Paris : P. Delaplane, 1911. vi, [7]-358 p.
178
Weber e Wagner. E a terceira parte chega em autores como Berlioz; Gounod; Charpentier;
César Franck e ainda , no último capítulo, eslavos, escandinavos, espanhóis, suíços – e, para
concluir o livro, Debussy.
Um outro livro dos mais antigos sobre História da Música adquirido por Mario
de Andrade é o de Combarieu405, de 1913, já buscando o musicólogo brasileiro fundamentação
teórica nos autores estrangeiros sobre nacionalismo musical. Na página de guarda do livro,
encontramos a seguinte anotação de Mario de Andrade:
405 COMBARIEU, Jules. Histoire de la musique. Paris : Armand Colin, 1913-1920. p. VIII.
406 UNTERSTEINER, Alfredo. Storia della musica. 4. ed. Milano : Ulrico Hoepli, 1916. 492 p. (Manuali
Hoepli)
407 DANDELOT, Arthur. Résumé d'histoire de la musique. 3. ed. Paris : Senart, 1915. 190 p.
408 DORET, Gustave. Musique et musiciens. Lausanne : Foetisch Frères, [1915]. 338 p.
179
(...) muito folgo (…) em te ver definir cada facto da evolução musical dentro,
e só dentro, da sua respectiva epoca e zona, descritas em toda sua latitude.
Porque, para definir muitas vezes o caracter de uma qualquer composição,
não são suficientes todos os elementos tecnicos que possamos reunir em
redor dum tema; e porque o espirito duma epoca e duma nação natural é que
penetre todos os produtos gerados dentro delas.
O livro editado por Percy Buck, The Oxford history of music414, em 1929,
apresenta um capítulo chamado Aspectos sociais da música na Idade Média – revelando,
portanto, que o estudo da História da Música sob análise dos aspectos sociais já não era
409 SÁ, Bernardo Valentim Moreira de. Historia da musica. Porto : Casa Moreira de Sá, 1920. p. v.
410 PANNAIN, Guido. Lineamenti di storia della musica. Napoli : Fratelli Curci, 1922. 256 p.
411 SCHUMANN, Robert. Scritti sulla musica e i musicisti. Milano : Bottega di poesia, 1927. 259 p.
412 NEF, Karl; ROKSETH, Yvonne. Histoire de la musique. Paris : Payot, 1925. 375 p. (Bibliothèque
historique)
413 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, n. 6, p. 86, 1926.
414 BUCK, Percy C. Oxford history of music. 2.ed. London : Oxford, 1929. 239 p.
180
novidade para Mario de Andrade há, pelo menos, quase uma década. E eram esses aspectos
que o autor de Macunaíma via como diretrizes para os textos de autoria de sua aluna Oneyda
Alvarenga, enquanto musicóloga.
Bastante grifado por Mario de Andrade é o livro de Tierstot, 419 La musique aux
temps romantiques, de 1930, que aborda o romantismo na França, na Alemanha e na Itália e
que analisa também os aspectos do movimento nas várias décadas do século XIX. Pela
divisão de assuntos, o livro deve ter interessado muito a Mario de Andrade, para a construção
de seu Compêndio de História da Música. - ele faz uma anotação a lápis, na falsa página de
rosto, destacando as considerações do escritor Victor Hugo sobre a obra do compositor
Weber420. Aliás, de Tiersot, Mario de Andrade adquiriu vários livros, sendo que deve ter se
interessado particularmente pelos escritos do francês sobre etnografia musical e recuperação
de canções populares. Jorge Coli analisa esse interesse de Mario de Andrade nos aspectos da
música romântica, em seu livro Música final, ao criticar os artigos Claude Debussy I e II 421;
Pelléas et Mélisande422; Do teatro cantado: psicologia da criação423 (escritos em 1943); Do
meu diário [B] anexo.424
simples a Mario d Andrade, escrita com caneta tinteiro, traz grifos à margem do texto apenas
até a página 13. No final da edição, o autor agrupa no apêndice427 partituras de músicas
medievais (Ode di Boezio; Kalenda Maja; Canzone di Enrico duca di Brabante; Chanson de
Croisade... e muitas outras), com transcrições feitas no século XIX e iluminuras várias,
mostrando, inclusive, instrumentos da época. Ora, mesmo Mario de Andrade tendo sua
formação musical antes de ser professor do Conservatório Musical de São Paulo, esse estudar
infinito do musicólogo vem no contraponto à realidade da maioria dos alunos formados pelo
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, como já se escreveu acima, no capítulo 1428,
a respeito das falhas sob aspectos teóricos, na educação musical daquela instituição. Mario de
Andrade e Oneyda Alvarenga devem certamente sua apropriação de repertórios à leitura de
livros como esse de Gaetano Cesari, por exemplo. E às leituras de outros tantos livros,
catálogos de gravadoras e revistas, realizadas pelo grupo de estudos de História da Música,
semanalmente reunido na casa da R. Lopes Chaves429, que complementavam a educação
musical formal do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Mesmo essas canções
medievais que vão aparecer tão didaticamente lá nos Concertos de Discos de Oneyda
Alvarenga (podem não ser exatamente as mesmas citadas aqui), comprovam uma perene
preocupação em não deixar adormecer no tempo composições menos conhecidas – o que seria
deixar passar ótimas oportunidades de disseminação musical aos ouvintes leigos.
No livro de Dyson431, o modernista escreve um texto bastante claro, o que faz parecer que
seria destinado a outros leitores – provavelmente uma crítica. Ou talvez quisesse inserir suas
observações num livro posterior. Trata-se do assunto audição/ouvinte: apesar de julgar as
considerações finais do autor “excelentes", Mario de Andrade nota que a ideia do autor,
quando diz que se pode obter plena satisfação e aprovação do público de um auditório
apresentando apenas músicas do passado (no caso, Dyson cita Bach), pode ser um pouco
falha, se levarmos em consideração que o “passado” é mais compreensível ao público, do que
“certos presentes”. E que “ninguém suportaria ter em casa um músico que nos fizesse
diariamente ouvir só música dele!” Estavam aí considerações estreitamente relacionadas com
o que se passaria na realidade das audições públicas da Discoteca Pública Municipal – o livro
de Dyson é de 1933 e os Concertos de Discos da Discoteca paulistana só começariam em
1938. (Embora desde 1935, ano em que se cria a Discoteca Pública Municipal, Oneyda
Alvarenga já possuísse todos os recursos teóricos para montar os programas de Concertos de
Discos que se apresentaram depois.) E, como se viu acima, por todas as estatísticas e
conclusões de Oneyda Alvarenga, Mario de Andrade já tinha plena noção da realidade do
gosto do público desde os anos 1920, pelo menos.
431 DYSON, George. Progrès de la musique: histoire de la musique en Europe depuis le Moyen Âge jusqu'a
nos jours. Paris : Payot, 1933. 203 p. (Bibliothèque musicale.) p. 182-3.
432 BAUER, Marion. Twentieth century music how it developed, how to listen to it. New York, : G. P.
Putnam's Sons, 1933. xii, 349 p.
184
Mario de Andrade, quanto dos repertórios dos concertos de discos elaborados por Oneyda
Alvarenga.
433 DUMESNIL, René. Histoire de la musique illustrée. Paris :Plon, [1934]. 286 p. (Collection Ars et
historia)
434 WOLF, Johannes; GERHARD, Roberto; ANGLÈS, Higini. Historia de la música. Barcelona : Labor,
1934. 1 v.
435 LUCIANI, Sebastiano Arturo. Mille anni di musica; trentasei tavole fuori testo. Milano : Ulrico Hoepli,
1936. 161p.
436 STEWARD, Margaret. Mignone, Francisco. Historia da musica contada a juventude. São Paulo : E S
Mangione, 1935. v. 1.
437 À p. 213 desta dissertação.
185
Mario de Andrade, por sua vez, foi citado muitas vezes no livro de Renato
Almeida, História da Música Brasileira441, – obra que o musicólogo lê e na qual deixa
anotações. Renato de Almeida, aliás, menciona também relatos de Koch-Grünberg, seus
estudos sobre instrumentos musicais indígenas. Sobre Luciano Gallet, além de toda biografia
e trajetória na área musical, Renato Almeida442 ainda menciona o importante fato de o
compositor haver tentado orientar a radiodifusão, entre seus esforços de impor a música
brasileira como assunto sério.
438 ANDRADE, Mario de. Cartas. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 210-1.
439 REYS, Emma Romero Santos Fonseca da Câmara. Divulgação musical: programas, conferencias, criticas.
Lisboa : Seara Nova, 1937. v 4.
440 GABEAUD, Alice. Histoire de la musique. Paris: Larousse, 1939. 202 p.
441 ALMEIDA, Renato. História da música brasileira. Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1926. p. 47.
442 Ibid., p. 461.
186
443 FIGUEIREDO, Guilherme. Miniatura de história da música. Rio de Janeiro, C. E. B. [i.e. Casa do
estudante do Brasil], 1942. 240 p.
444 ALALEONA, Domenico. Noções de história da música. São Paulo : Ricordi Americana, 1941. 198 p.
445 ANDRADE, Mario de. Música, doce música. São Paulo: Martins, 1963. p. 359-62.
Em carta de julho de 1927448, João da Cunha Caldeira Filho envia notícias a seu
ex-professor Mario de Andrade sobre seus estudos em Paris. Caldeira Filho se matriculara no
curso de História da Música, ministrado por André Pirro. Tratava-se de um curso superior, que
Caldeira Filho, a princípio, pensara que abrangesse todo o panorama da História Musical. Mas
ficou sabendo que estudariam a cada ano um período – no ano em questão, 1927, por
exemplo, seria estudada a música francesa e a italiana do século XV. Pirro não admitia que
seus alunos conhecessem a História sem que se conhecessem as obras – tanto que a prova que
o professor impunha exigia que se identificassem os temas dados. Caldeira Filho entra em
muitos detalhes, conforme quer relatar todos os aspectos contemplados pelo curso de Pirro e
acaba concluindo que seria “trabalho para uma existência.”
para cursos ginasiais, admirada por Mario de Andrade. Teve, no entanto, entraves com as
reformas de ensino impostas em 1940, que não permitiam o uso de livros escritos pelo próprio
professor, na prática educacional – o que resultaria absurdo, no caso da dinâmica didática
idealizada por Caldeira Filho. Mas não seria o caso, aqui, de relatar em detalhes essa
metodologia, permanecendo apenas no esboço da postura do ex-aluno de Mario de Andrade -
e deste, em relação às preocupações com o ensino musical no Brasil, passando pelas vias
sociológicas.
(…) precisa é ler umas duas ou três estéticas gerais; si possível uma história
da Estética; e alguns livros de estética parcial, especializada, como (…) os de
Lalo, l'Art et la Vie Sociale, La Beauté et l'Instinct Sexuel, a Psychologie de
l'Art de Delacroix, a Psychanalise de l'Art de Baudoin454, (…) a poética de
Aristóteles. Como livros gerais a pequena Esthetique do Lalo, a Estética do
Croce, o Esquisse d'une Philosophie de L'Art de Edgard de Bruyne (...)”
Além das leituras de livros, Mario de Andrade leu também sobre História da
Música em muitas revistas da área musical. Nas críticas e ensaios da Revue Musicale, citando
uma delas, assinada por ele no intervalo de 1925 a 1940. É de se observar que maioria dos
artigos sobre Stravinsky, por exemplo, traz anotações de Mario de Andrade, à margem do
texto.
“1 Primórdios da Música
2 Música Grega
3 Teorias Musicais da Idade Média
4 Flamengos
5 Madrigalistas
6 Origem da Ópera
7 Escolas de Ópera Italiana
8 Outras escolas de ópera
9 Bach Haendel
10 Gluck Haydn
11 Mozart Beethoven”
457 BEKKER, Paul. Musikgeschichte als Geschichte der musikalischen Formwandlungen. Stuttgart :
Deutsche Verlags-Anstalt, 1926. p. 88.
191
458 BEKKER, Paul. Musikgeschichte als Geschichte der musikalischen Formwandlungen. Stuttgart :
Deutsche Verlags-Anstalt, 1926. Materiale Grundlagen der Musik. Wien, Universal, [c1926]. 21 p.
459 Id. Von den Naturreichen des Klanges; Grundriss einer Phänomenologie der Musik. Berlin: Deutsche
Verlags-Anstalt, 1925. 75 p.
460 Id. Beethoven. [2. Aufl.]. Stuttgart : Deutsche Verlags-Anstalt, 1922 [c1912]. 623 p.
461 Id. Das deutsche Musikleben. [3. Ausg.]. Berlin : Deutsche Verlags-anstalt, Vereinigt mit Schuster &
Loeffler, 1922. xxiv, 236 p.
462 Sonia Stermann e José Bento Ferraz se casaram, depois de se formarem no Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo.
463 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
178.
192
estudos sobre o que se publicara sobre História da Música, quando da realização de concertos
de discos e textos (por Oneyda Alvarenga) e trabalhos teóricos pelos três ex-alunos citados
aqui.
464 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 10, n. 3, p. 257-62, 1929.
193
cantos editados, são fornecidas algumas informações sobre cada uma delas e, se possível,
também uma bibliografia crítica. Os estudos mais técnicos e mais especializados formam a
segunda seção, “trabalhos concernentes à música”, voltados sobretudo a pesquisas voltadas
para a música oriental e popular. A unidade de uma coletânea de melodias se dá geralmente
segundo uma região musical; por vezes, para mostrar o parentesco entre uma ordem de cantos
de países os mais diversos, essa unidade será, então, determinada por determinados gêneros. A
harmonização, sem ser totalmente banida, é raramente acrescentada. A coleção tende a
apresentar o documento exato, a música tal como é executada em seus país de origem, com ou
sem harmonização ou acompanhamento rítmico, negligenciando a questão das facilidades de
execução. Esta é um texto sem anotações de Mario de Andrade.
465 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 10, n. 11, p. 189, 1929.
466 Ibid., v. 10, n. 8, p. 122-41.
194
sobre uma aldeia de Bucovine e de uma região de Bessarabie habitada por uma população
bem específica. Coeuroy e Clarence também destacam, entre outros, os arquivos de discos
que faziam parte da Biblioteca de Copenhague, que possuíam tanto registros de canções
populares, quanto de vozes de grandes políticos, economistas, artistas e do próprio rei.
Vale a pena ainda observar que, de 1929 para 1930, a Revue Musicale aumenta
visivelmente a quantidade de publicação de artigos sobre os assuntos discos e música
mecânica.
A obra que Mario de Andrade escreveu sobre História da Música e que vai ser
analisada aqui se trata da segunda edição do Compêndio de História da Música – e não da
primeira. A primeira edição é de 1929 e não possuía indicação de discografia, no final da cada
capítulo, como acontece na segunda edição, de 1933. Aliás, foi essa obra que originou, em
1942, a Pequena História da Música468. Devido à constante referência a códigos de discos, na
discografia do Compêndio de História da Música, Mario de Andrade monta um índice de
abreviaturas das casas gravadoras da época, indicadas na discografia, ao final de cada
capítulo. Esse índice se encontra em página não numerada, logo após o índice dos capítulos469.
Assim:
“DISCOTECA
ABREVIATURAS
V.: Victor
H.: His Master's Voice (da Inglaterra)
G.: Gramophone (La Voix de sou Maitre, ramo francês)
O.: Odeon (ramo francês)
C.: Columbia
P.: Polydor
Pat.: Pathé
Parl.: Parlophon (numeração francesa)
M.: Melodian
467 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. 211 p.
468 Id. Pequena história da música. São Paulo : Livraria Martins, 1942. 286 p.
469 Mario de Andrade redige uma nota, onde explica que se ele lançou mão destas “distinções desagradáveis”
(referentes a Victor; His Master's Voice e Gramophone), é porque não era possível designar alguns discos por um
título só: cada ramo da Companhia tinha suas gravações particulares, ou mesmo exclusivas.
196
B.: Brunswick
U.: Ultraphone (marca francesa)
Z.: Zanophone (marca inglesa)
Okeh.: Marca ianque
Decca: Marca ianque
A.: Arte-Phone, do Brasil
O. B.: Odeon, do Brasil
C. B.: Columbia, do Brasil
P. B.: Parlophon, do Brasil”
470 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 99.
471 Id. Quatro pessoas. Belo Horizonte : Itatiaia, 1985. p. 98.
Mario de Andrade comunica a Oneyda Alvarenga, por carta, no dia 25 de julho de 1939, suas dúvidas sobre o
projeto desse romance. Afinal, em 1943, decide parar de escrever o livro, considerando que, em plena Guerra
Mundial, não deveria perder tempo com romances psicológicos. O que importa aqui, no entanto, é justamente
o período, a passagem da década de 1930 para a de 1940, momento em que havia todo aquele interesse
mundial pela música mecânica e do surgimento da Discoteca Pública de São Paulo e quanto isso permeava
tanto a obra literária do escritor e a realidade cotidiana que cercava as pessoas.
197
nos estudos de Mario de Andrade – rastreadas as fontes bibliográficas lidas por ele, desde a
década de 1910, até a de 1940, sempre se encontrou, à margem dos textos, a palavra
manuscrita: “Ritmo”. Mas voltando à escassa discografia: também seria difícil não relacionar
essa ausência de música indígena com a urgente necessidade de se efetivar logo essa coleta de
fonografia de música primitiva, no Brasil. (Mario de Andrade cita, obrigatoriamente, o
trabalho de Köch-Grunberg, etnógrafo alemão que efetuou gravação de mitos e lendas dos
índios Taulipang e Arekuná; como também os fonogramas do Museu Nacional do Rio de
Janeiro, trabalho de Roquette Pinto. Mas, o mais relevante é que ele escreve: “Não existem
discos à venda com música ameríndia brasileira.”472) Assim, depois de dois anos da
publicação dessa edição do Compêndio, que inclui discografia, a criação do acervo da
Discoteca Municipal de São Paulo, em 1935, vem como resposta ao capítulo tão breve e tão
eloquente (por suas “ausências”) do livro de Mario de Andrade. Naqueles fonogramas
preciosos que a Missão de Pesquisas Folclóricas trouxe para São Paulo, finalmente estava a
preservação de uma parcela representativa das manifestações da música primitiva (e
folclórica.)
Todo esse trabalho demandado pelo Departamento de Cultura era o resultado
pragmático dos estudos de Mario de Andrade. Se voltarmos a atenção para leituras de revistas,
de 1930, podemos entender que o musicólogo considerava bom que o Brasil se apressasse e
seguisse outros países, por exemplo:
No artigo de Henri Barraud, Le disque et la musique populaire: une mission
d'enregistrement en Tchéco-Slovaque, na Revue Musicale473, Mario de Andrade assinala
trechos que tratam sobre ritmo das danças búlgaras e das danças da Boêmia, com suas usuais
trocas de ritmo. Ainda na Revue Musicale474, também há anotações de Mario de Andrade nos
artigos reunidos sob o título Les disques exotiques. O primeiro, assinado por Philippe Stern, é
Chansons de Rabindranath Tagore. Mario de Andrade anota a palavra “Pathé”475, à margem
direita do texto em que há menção a três discos de música do poeta e compositor indiano
Tagore, pela gravadora Pathé. No outro artigo, da mesma forma, Mario de Andrade assinala a
margem esquerda476, onde o texto apura os cantos indígenas da tribo Os-Ko-mon (assinado
472 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 9.
473 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 11, n. 106, p. 39-44, 1930.
474 Ibid., v. 11, n. 106, p. 54-58, 1930.
475 STERN, Philippe. Chansons de Rabindranath Tagore. In: La Revue Musicale. Paris : Éditions de la
Nouvelle Revue Française, v. 11, n. 106, p. 55, 1930.
476 HERSCHER-CLÉMENT, J. Disques de folklore peau-rouge de l'Amerique du Sud. In: La Revue Musicale.
Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 11, n. 106, p. 56, 1930.
198
477 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
178.
199
originando cópias que foram cedidas para esta pesquisa. Os Concertos de Discos começaram
em 20 de julho de 1938 e seguiram se efetuando periodicamente até 18 de junho de 1942.
Houve um intervalo de onze anos, nessas apresentações, porque a sede que a Discoteca
Pública Municipal ocupou, à R. Florêncio de Abreu (e que não era a mesma da década de
1930, na mesma rua – mais abaixo serão fornecidos mais detalhes sobre isso), não possuía
lugar adequado para apresentações musicais. Os Concertos voltaram, então, a ser realizados
em 30 de julho de 1953. Os documentos aqui reproduzidos e analisados têm seu limite de data
em junho de 1958. Dentre estes noventa e nove programas de discos, apenas trinta e sete
tiveram recuperados os textos didáticos478 que os acompanhavam. Esses textos também foram
encontrados no Arquivo Histórico do Centro Cultural São Paulo, onde foi realizada sua
digitalização, com cópias para este trabalho.
Oneyda Alvarenga começou a realizar os Concertos de Discos, como se viu, na
década de 1930 e continuou a programação pelas décadas de 1940 e 1950, aparentemente
sem alterar substancialmente os repertórios. Isso porque o que se dispunha como período era
simplesmente a totalidade da História da Música. Oneyda Alvarenga planejava Concertos de
Discos que incluíam como tema desde composições da Idade Média (sempre tendo-se em
conta que, se gravações desse período medieval já eram raras, que dirá da música da
Antiguidade...), até a época contemporânea.
Por essas observações se pode ver que, preservando o plano didático de
disseminar a História Social da Música e conhecimento sobre estética musical, Oneyda
Alvarenga só poderia mudar alguns aspectos da programação ao acrescentar composições
contemporâneas, que surgiam o tempo todo – o que ela fez, mantendo-se atualizada no campo
da música erudita.
Aos 26 anos de idade, à frente da Discoteca Pública Municipal, sem a presença
de Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga concede uma entrevista em agosto de 1938, ao
jornal Diário da Noite, esclarecendo a função e os serviços prestados (consultas de discos)
pela Discoteca:
479 Anexo B, p. 352-6 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Entrevista dada ao Diário da Noite. Discoteca
Pública Municipal de São Paulo e documentação musical. Transcrição do texto integral, sem indicação de
entrevistador. Entrevista. Datiloscrito, 17 de agosto de 1938, cópia 'B' carbono, 6 p. - (da mesma forma)
Consultada cópia xerográfica.
480 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
150-1. 6 out. 1938.
481 Ibid., p. 151. 8 out. 1938
202
Oneyda Alvarenga pensou, então, que talvez fosse melhor apenas atender aos
pedidos do público quando não fugissem muito dos planos educativos da Discoteca. Mas
tinha certeza de que, sendo assim, o interesse dos ouvintes diminuiria. Ela afirmava que era
preciso “ver” o que era público, sabendo da existência daquelas pessoas que reclamavam do
“peso” dos repertórios. Na continuação da carta, Oneyda Alvarenga enumera pedidos e
sugestões do público que são, no mínimo, hilários – porém não mais do que as próprias
reações de Oneyda, que, indignada, chama a um amante da música alemã de germanófilo.
(Certamente a musicóloga não tinha nada contra os compositores alemães: em seu livro sobre
as pianistas da geração anterior à de Oneyda Alvarenga, Jaci Toffano483 revela a passagem da
preferência da ópera para as composições germânicas. Os pianistas começam a eleger, para
interpretar, os autores alemães. No início do século XX, apresentam composições francesas,
seguidas de espanholas e italianas. Também enfocam os russos. Para Toffano, isto tudo deriva
de um processo de imitação dos moldes europeus, uma vez que os músicos brasileiros
também estudavam na Europa. É possível relacionar isto com a escolha de repertórios, na
época de Oneyda, pela observação de seus programas de concertos de discos. Basta verificar
que Oneyda Alvarenga usou, como estratégia didática nas audições públicas, Bach e
Schumann, de longe em número superior de vezes, em relação aos outros compositores, como
será visto adiante.
Pelos trechos das cartas acima, vê-se que os propósitos eram didáticos, antes de
mais nada. Assim sendo, pode-se entender que todo o proceder era previamente pensado e
nada era incluído ou excluído gratuitamente dos programas, como se verá abaixo. E, na
preparação de Concertos de Discos, conforme se pode observar nos repertórios dos programas
da Discoteca Municipal, analisados no capítulo 4, também percebe-se claramente quando
Oneyda Alvarenga revisava os Concertos anteriores, a fim de repetir repertórios, ou não, nos
482 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-5. 29 nov. 1938.
483 TOFFANO, Jaci. As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag: o paradoxo feminista. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2007. p. 39-40.
203
Quanto aos concertos propriamente ditos, Oneyda, com raras exceções, sempre
os dividiu em duas partes. Na primeira, procurava mostrar obras contemporâneas, ou de outras
épocas menos difundidas, como Renascimento. Na segunda parte, buscava ir ao encontro ao
gosto do ouvinte, conciliando autor mais popularizado com obras menos ouvidas. Aqui
convém observar o que Mario de Andrade ponderava esse auto-questionamento da discípula,
quando se interrogava sobre a honestidade que deve se dirigir aos ouvintes: no artigo Música
universitária, publicado na coluna crítica Mundo musical, da Folha da Manhã, aos 12 de
outubro de 1944. A respeito do que as pessoas, na década de 1940 começavam a classificar
como “música erudita”, ou “música fina” (!), Mario de Andrade escreveu:
Nesses Concertos de música mecânica, Oneyda lia textos de sua autoria sobre
cada compositor a ser apresentado, baseando-se em pesquisas bibliográficas sobre História da
Música. Estabelecendo o compositor como tema central de determinada audição de discos,
Oneyda Alvarenga necessariamente falaria sobre o século a que pertencia o autor; e também
sobre escola e nação de origem do compositor. Ao mesmo tempo que se esforçava para
aprimorar o gosto dos ouvintes, ela tecia o ensino de história da música, ao longo do intervalo
de 1938 a 1958485, sempre levando o público a relacionar autor/país/data.
Na carta de 29 de novembro de 1938,486 dirigida a Mario de Andrade, Oneyda
Alvarenga questionou se a Discoteca não deveria abrir espaço para sugestões do público.
Porque o público havia diminuído em razão da restrição de publicidade dos concertos e
palestras487, que antes Oneyda podia expor em cartazes, em frente ao Teatro Municipal. Mas
484 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. 420 p.
485 Entre janeiro/1944 a julho/1953, em razão de más condições da sede em que esteve instalada a Discoteca
Pública Municipal, à R. Florêncio de Abreu, não houve concertos de discos.
486 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-5. 29 nov. 1938.
487 Quando a Discoteca ocupou a sede da Av. Brigadeiro Luís Antônio, dispôs de ótimo auditório. Mas o
público semanal chegava, no máximo, a trinta pessoas.
204
Oneyda também sabia ainda que muitas pessoas se afastavam dos concertos por acharem os
repertórios muito eruditos. Pela análise dos programas destes Concertos488, vê-se que a
Discoteca não abriu mão do didatismo das audições - que não podiam deixar de lado o
objetivo de incutir nos ouvintes novas preferências; ao mesmo tempo, diminuindo a
importância que se dava a obras como a ópera. Quando Mario de Andrade critica a ruptura
entre a música-espetáculo e o elo socializante da música, que une as pessoas no coletivo, ele
como que acusa composições como a ópera de dissociar a arte de sua função social. Isso vai
desembocar no discurso de Oneyda , quando, naquela entrevista concedida ao Diário da
Noite, em 1938, une a urgência de recorrer ao poder socializante da música ao pragmatismo
didático dentro da esfera de ação da Discoteca Pública Municipal. Uma das saídas para
resolver o “problema grave do gosto pela ópera italiana”, e problema porque traz implicações
de ordem social, seria desenvolver a compreensão da música contemporânea e sua função
pelo público.
E é em Como ouvir música , último capítulo de A Linguagem Musical, livro
inédito de Oneyda Alvarenga489, que a autora revela a estrutura por trás das técnicas indicadas
ao leigo, principalmente, possibilitando a ele constituir-se um ouvinte de fato, perante a
audição do novo. Baseando-se em Aaron Copland, Oneyda ensina de maneira simples como o
ouvinte leigo pode (e deve) fixar sua atenção, desde o início da audição de qualquer obra
musical, sem perder o fio condutor da melodia, a fim de apreender o conjunto da obra -
discernindo a qualidade de uma obra independentemente se a melodia lhe agrada, ou não :
488 Destes Concertos de Discos, temos hoje os programas documentados nos Arquivos do Centro Cultural São
Paulo (todos) e do Instituto de Estudos Brasileiros/Universidade de São Paulo (no Arquivo do IEB, alguns, da
década de 1930).
489 ALVARENGA, Oneyda. A Linguagem Musical. Datiloscrito, 1945. Arquivo Mário de Andrade, Instituto de
Estudos Brasileiros, USP. A obra inédita de Oneyda Alvarenga é objeto do doutorado de Luciana Barongeno no
Programa de Pós-Graduação em Musicologia do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo.
205
Neste capítulo tão didático, Oneyda Alvarenga desvela de uma vez o que
norteava seus concertos de discos. Ela escreve claramente a respeito do que se deve fazer para
combater atitudes estagnadas diante de obras desconhecidas e, portanto, estranhas:
diárias e os jornais só publicavam uma vez por semana essas notas, sempre mal colocadas. Os
anúncios que mais atraíam o público eram os enormes cartazes na frente do Teatro Municipal.
Mas Prestes Maia os proibiu – aliás, proibiu qualquer anúncio “vistoso” a esse respeito.
Se o público diminuiu com o acanhamento da publicidade, conclui-se que os
programas da Discoteca, embora eruditos e didáticos, atraíam o público comum, da rua, que
atentava para cartazes. Se aquela sociedade da década de 1930 se interessava a esse ponto por
programas considerados “cultos” e o poder municipal, sabedor da eficiência da propaganda,
usou de sua autoridade para inibir a atividade da Discoteca, apenas por ela ser um dispositivo
da Diretoria anterior, (ou por incompreensão), isso indica que, ao menos naquele momento,
uma campanha voltada fortemente para a disseminação de informação, no caso, musical, seria
eficiente, ajudando a encetar mudanças de mentalidade e postura do povo (“o imenso poder
socializante da música...”).
Pouco antes, em 1934493, Curt Lange, vindo ao Brasil para realizar pesquisas
musicológicas, fundara as discotecas municipais de Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre,
além de colaborar com Mário de Andrade na organização da Discoteca Pública Municipal de
São Paulo. Ainda antes, em 1929, colaborara com o Serviço Oficial de Difusão Radioelétrica,
o SODRE, trabalhando pela Discoteca Nacional e pelo emprego da então nascente difusão
radioelétrica como meio de educação das massas, assim como de difusão artística e científica.
Assim, trabalhavam em consonância, vendo que o meio de difusão radiofônico
era forte instrumento, podendo atingir o grande público e a política cultural adotada por Mario
de Andrade tinha fortes características educativas. Ele – como mentor – e Oneyda Alvarenga –
como sua discípula – seguiam um propósito didático de educação musical. Oneyda Alvarenga
preocupava-se em relação à posição definida da Discoteca no que tangia ao direcionamento
dessa educação musical do público. Na carta que envia a Mario de Andrade, em 29 de
novembro de 1938494, escreve sobre “nossos planos didáticos”, questionando se os programas
dos concertos da Discoteca não estariam “muito sérios”, temendo trair a honestidade que
sentia “dever mostrar para com o público, não o enganando, não tomando o seu tempo com o
que não é essencial, com o que concorrerá desastrosamente para acentuar os males que
493 REMIÃO, Cláudio Roberto Dornelles . O Mário de Andrade de "Número especial". In: XXIV Simpósio
Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e multidisciplinaridade: território e deslocamentos: anais do
XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo : Unisinos, 2007. p. 1-8.
494 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-6. 29 nov. 1938.
207
Este cartaz é um marco na história da Discoteca, nos anos 1940, porque lança
luz especial sobre o objetivo específico de Oneyda Alvarenga, em relação a incutir nos
consulentes, o mais depressa possível, o gosto pela música moderna – ou seria
contemporânea? Estava-se numa época especial para a apreensão da evolução das técnicas de
500 Notar que, aqui, o termo “música moderna” ainda é usado como sinônimo de “música contemporânea”.
501 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 54.
502 Este mesmo cartaz é fotografado, três anos mais tarde, por Antonio Pirozzelli, da equipe de reportagem da
Folha da Manhã, com a legenda: “Dísticos nas paredes visam à educação musical dos consulentes. Os
conselhos reproduzidos no clichê procuram ressaltar a importância da música moderna.” - da reportagem
Revelações de uma visita.
209
composição musical. Se a reportagem em que aparece este cartaz é de 1949, vemos que
Oneyda, longe de se confundir com os termos, os faz sinônimos: era ainda muito recente a
música moderna – ela era o que se tinha por música contemporânea, ainda.
A fim de ilustrar como todo o preparo de Oneyda Alvarenga como estudiosa da
História Social da Música desembocou na prática, dentro de uma Discoteca que assumiu o
papel da Rádio-Escola, será mostrado a seguir não só o repertório dos noventa e nove
concertos de discos que foram recuperados em pesquisas no Arquivo do Centro Cultural São
Paulo, como também texto de Oneyda Alvarenga (transcrito) e textos explicativos sobre
frequência de público aos concertos, catalogação de discos e outros elementos fundamentais,
em torno do assunto. Além disso, o tempo todo se estabelece relação entre os programas
(repertórios) elaborados pela diretora da Discoteca e a Discografia constante do Compêndio
de História da Música, de Mario de Andrade.
210
Usuários e funcionários nas dependências da Discoteca e cartaz com dizeres sobre música sinfônica e ópera, no
acervo da Discoteca Pública Municipal de São Paulo. Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para
milhões. In: Revista do Globo. 26 jan. 1946. p.44. Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda
Alvarenga - Centro Cultural São Paulo.
211
Duas estudantes ouvindo Contos dos Bosques de Viena, de Strauss, em cabine da Discoteca
Pública Municipal de São Paulo. Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para milhões. In:
Revista do Globo. 26 jan. 1946. p.45. Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda
Alvarenga - Centro Cultural São Paulo.
212
“As palestras que a Discoteca Pública Municipal está realizando, numa segunda-feira
a cada quinze dias503, bem como os seus concertos semanais de discos, terão como fim a vulgarização
de conhecimentos sobre história da música e estética musical. Destinam-se não aos técnicos do
assunto, que naturalmente não carecem delas, mas aos que desejam se iniciar no mundo sonoro e
conhecer-lhe os aspectos marcantes. Tentarão pôr ao alcance do ouvinte não especializado todos os
compositores, todas as grandes fases, todos os grandes aspectos [da música?] através dos tempos. Para
isso, tais palestras procurarão fazer sentir [?] das transformações musicais, da diversidade das fases e
das formas [o gênio?] criador dos compositores, de modo acessível e interessante; buscarão colocá-los
em função do tempo em que apareceram, vivificando a exposição ou o que houver de interessante no
anedotário da forma, fase, os indivíduos estudados e evitarão o mais possível considerações
estritamente técnicas, delas permitindo apenas o indispensável para a compreensão geral.
“Lamentavelmente, a música tem sido relegada a um plano infinitamente obscuro e
injusto da nossa formação cultural. Campeia o esquecimento geral de que a música faz parte dos
grandes aspectos culturais da civilização humana, de que cortá-la do estudo desses aspectos equivale
ao não reconhecimentos de uma das mais ricas faces do gênio criador do homem. Porque devemos
saber, por ex., que a importância extraordinária da pintura flamenga dos séculos XV e XVI, coincide
justamente com a grande expansão política dos Países Baixos desse tempo, e devemos ignorar que
esse mesmo fenômeno social motivou o enorme surto da música flamenga e a invasão mundial pelos
músicos flamengos? Todo o mundo sabe que a Renascença foi uma época de mistura de sagrado e
profano, de revivescência da cultura grega, da Reforma de Lutero e da libertação do domínio
espiritual da Igreja, e da Contra-Reforma representada pelo Concílio de Trento. Mas todo o mundo
ignora que, em consequência dessa mistura de sagrado e profano os músicos escreviam missas
utilizando como temas canções amorosas com texto e tudo; que o melodrama nascido em Florença
buscava imitar a tragédia grega, que os músicos franceses escreviam canções sobre 'versos medidos à
antiga', isto é, à moda da poesia grega; que o Concilio de Trento arrastou a mais pura floração da
música religiosa católica; e que Lutero, introduzindo o canto uníssono popular [acompanhado pelo
órgão?] no culto de sua igreja, foi uma das causas importantes da [substituição?] da música polifônica,
predominante até então, pela música harmônica moderna.
“As despretensiosas palestras que a Discoteca se propõe fazer representarão uma
pequena contribuição para o maior equilíbrio da formação cultural popular, representarão um esforço
humilde para que seja conquistado para a música [um aspecto] infinitamente socializante – um lugar
no espírito de cada um dos que a elas concorrerem.”
503 Essa periodicidade variou, depois, conforme se verá, pelas datas dos Concertos de Discos.
213
504 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
210-1. 27 fev. 1940.
505 Algumas informações são relevantes, aqui. Com relação àquela “decisão”, Oneyda Alvarenga insere uma
nota, em 1983, quando da publicação das Cartas, escrevendo: “Não me lembro qual.” In: ANDRADE,
Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 211.
506 Oneyda Alvarenga acrescenta, em 1983: “Não sei mais como nem porquê, a Discoteca Pública Municipal
ficou sem sala de concertos e arranjou-se uma, precaríssima, no edifício Martinelli.” In: ANDRADE, Mario
de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 211.
507 ANDRADE, op. cit. p. 210-1. 27 fev. 1940.
214
508 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
215
509 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
211.
216
se desculpa, em luta com o que lhe devia parecer quase um egoísmo... À luz, então, desse
avesso que só foi possível conhecer a partir da leitura duma carta pessoal, é que se pôde
compreender inteiramente a feitura dos Concertos de Discos recuperados e analisados abaixo.
Pelos programas de Concertos de Discos, como serão vistos abaixo, o índice de
público se apresentou da seguinte fora:
De 1938 até 28 de fevereiro de 1940: Teatro Municipal – sem registro de
público (com exceção do 22 º Concerto, do dia 28 de dezembro de 1938, que contou com 59
pessoas);
De 28 de fevereiro até 13 de agosto de 1942, no Salão de Conferências do
Departamento/Prédio Martinelli, 22º andar – houve registro de público, que variou entre 40 a
100 pessoas;
Intervalo - houve interrupção dos Concertos de Discos (vide abaixo, nos
Programas da Discoteca), até julho de 1953;
De julho de 1953 até junho de 1958, na Sala “Luciano Gallet”: houve registro
de público, que variou entre - zero a, no máximo, 30 pessoas;
26 de dezembro de 1957, 170º Concerto de Discos, em que o público
registrado foi - “zero pessoas”;
De 30 de janeiro de 1958, 171º Concerto de Discos até 13 de março de 1958,
174º Concerto de Discos - registro de público entre 48 e 64 pessoas;
De 10 de abril de 1958, 175º Concerto de Discos, até 12 de junho de 1958,
177º Concerto de Discos - registro de público, entre 5 e 8 pessoas.
Para se ter maior clareza dos destinos da Discoteca Pública Municipal quanto
às suas instalações, é bom observar as mudanças de endereços que a instituição sofreu,
conforme relatório510 de Oneyda Alvarenga – cumpre lembrar que esse relatório foi publicado
em 1942:
510 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 52-3.
217
511 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 53.
512 Ibid., p. 54-62.
513 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. 211 p.
218
514 Alguns detalhes sobre obras e observações de Oneyda Alvarenga sobre frequência do público às audições
aparecem, vez por outra, dentro das comparações entre programas da Discoteca e discografia do Compêndio
de História da Música.
515 Ou, em se tratando das partituras, do país que as editara – e que não é o caso, aqui, na análise das audições
públicas.
219
nos concertos, que me custam um bocado de tempo e esforço.” 516 Oneyda se refere ao texto
explicativo que acompanharia uma Sonata e a dificuldade que encontra é a “secura”
(denunciada e criticada anteriormente por Mario de Andrade) de seu próprio texto. Essa
informação mostra que, se o primeiro Concerto de Discos se realizou no dia 20 de julho de
1938 e a carta é de 18 de abril do mesmo ano, o trabalho da elaboração começava muito
tempo antes do que se pode supor. A nota que Oneyda Alvarenga acrescentou em 1983, ano de
edição das cartas, diz a respeito dos Concertos de Discos: “Concertos de discos, com
comentários, e conferências (…) que a partir de 1938 (…) realizei para a Discoteca (…) Dos
comentários aos concertos vieram a encarregar-se também, mais tarde, José Bento Faria
Ferraz e Sonia Stermann.”517 A colaboração posterior do casal de antigos alunos da História da
Música de Mario de Andrade mostra a complexidade dos textos didáticos que eram lidos por
Oneyda Alvarenga nas audições públicas.
1º Concerto de Discos518
20 de julho de 1938
516 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
135. 18 abr. 1938.
517ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
136. 18 abr. 1938.
518 Ibid., p.137.
Carta de Oneyda para Mario de Andrade, data: 20 de julho de 1938. Pelo texto, já havia sido
apresentado um Concerto de Discos, cujo programa trazia Bach – Oneyda não especifica o conteúdo. Mas afirma
que ; “[a palestra] foi muito bem aceita. O salão estava cheio.” (era na sede do Prédio Trocadero, à Praça Ramos
de Azevedo, 4.)
Oneyda menciona ainda o Concerto acima, de Stravinsky , que será apresentado na noite do dia 20 de
julho de 1938 – pelo que se vê, não foi, então o primeiro; foi precedido por este, de Bach, do qual Oneyda fala
na carta. E também prevê os 3º e 4º concertos, de Mozart e Palestrina (que Oneyda envia a Mario de Andrade, a
fim de que este dê seu parecer sobre os textos.) Mozart é apresentado, como se verá, abaixo. Mas Palestrina, por
algum motivo, é substituído – ver 3º e 4º programas, abaixo.
220
Introdução
Augúrios da Primavera – Dança dos adolescentes
2ª parte: O Sacrifício
Introdução
Círculos misteriosos dos adolescentes
Orquestra de Walter Straram, de Paris, com coro de Alexis Vlassoff, regida por
Strawinsky
2º Concerto de Discos
27 de julho de 1938
519 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
120.
221
Leopoldo Godwsky
3º Concerto de Discos522
Sonhos, Paixões
Um baile (conclusão)
Cena campestre
520 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
521 Ibid., p. 150.
522Sem data.
523 ANDRADE, op. cit., p. 149.
222
Cena campestre
4º Concerto de Discos
08 de agosto de 1938
Passeio. 1 - Gnomos
Passeio. 2 – O Velho Castelo
524 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
223
final do capítulo “Romantismo”: Dans les Steppes de l”Asie Centrale, código C. 123435.525
5º Concerto de Discos
17 de agosto de 1938
Final (conclusão)
Adagio - Vivace
Vivace (conclusão)
6º Concerto de Discos
24 de agosto de 1938
a) Introdução
b) Na caverna
a) Pantomima
b) Dança do amor b) Final – Os sinos da aurora
Triana
El Corpus en Sevilla
El puerto
7º Concerto de Discos
29 de agosto de 1938
Prelúdio à Noite
Malagueña e Habanera
Festival
8º Concerto de Discos,
05 de setembro de 1938
531 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
532 Ibid., p. 210.
226
I - Johann Sebastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Suite nº2, Si Menor, para flauta e cordas
Grave - Allegro
Allegro (conclusão)
Polonaise
Minuetto e Badinerie
Allegro
Adagio
Adagio
Rondó
9º Concerto de Discos
21 de setembro de 1938
Pelléas et Mélisande
Preludio
Fileuses (Andante quasi Allegretto)
Sicilienne
II – Dietrich Buxtehude (Alemanha, 1637-1707) – Fantasia sobre o coral “Eu te agradeço, Senhor”
Friedrich Mihatsch (órgão)
III – Johann Sebastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Tocata, Adagio e Fuga em Dó Maior
Recitativo; Tocata
Tocata; Adagio; Grave; Fuga
538 Na segunda parte deste 9º Concerto de Discos, todo o repertório será idêntico ao do 67º Concerto de Discos
– vide abaixo.
539 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
540 Id.
541 Ibid., p. 104.
228
2º movimento: Allegretto
Sinfonia Fausto
Fausto
Margarida
Mefistófeles
Grande Orquestra Filarmônica de Paris regida por Selmar Meyrowitz com Villabella (tenor) e Coro
Russo de Alexis Vlassoff
De Mozart, Mario de Andrade registra outros Quartetos545 – mas não o que foi
apresentado neste Concerto.
Ainda no Compêndio546, ao final do capítulo “Romantismo”, entre as muitas
composições referenciadas de Beethoven, Mario de Andrade registra esta Sinfonia como:
“Heróica” nº3, código V. álbum M-6.
545 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
546 Ibid., p. 149.
230
Na 1ª parte, Trio para piano, oboé e fagote, de Francis Jean Marcel Poulenc (França,
1899-1963)
551 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 122.
552 Ibid., p. 211.
553 Ibid., p. 152.
232
Este concerto teve ainda a 3ª parte, com o Concerto em Lá Menor, op. 16, de Grieg
(Noruega, 1843-1907.)
Como se verá abaixo, no 59º Concerto, quando Oneyda faz repetir esta
apresentação, este Concerto de Chausson não é mencionado na discografia de Mario de
Andrade.
559 Nos programas impressos (transcritos aqui), a cada vez que havia referência ao nome da Discoteca Pública
Municipal, foi usada a sigla“DPM” - que, nesta dissertação, se considerou melhor substituir pelo nome da
instituição por inteiro.
560 Oneyda Alvarenga resgistra, com tinta preta, na capa do programa: Assistência 59 pessoas
561 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
234
562 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
563 Ibid., p. 153.
235
564 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 104.
565 Porém cumpre lembrar que Mario de Andrade publicou um prefácio intitulado Introdução a Shostakovich,
em que constam pensamentos do musicólogo, conjecturas que norteiam essa escolha de Oneyda Alvarenga,
para o Concerto de Discos. (Prefácio de Mario de Andrade e Tradução de Guilherme Figueiredo.) In:
SEROFF, Victor. Dmitri Shostakovich, Empresa gráfica O Cruzeiro S.A., Rio de Janeiro, 1945. 33 p.
566 ANDRADE, op. cit., p. 210.
236
Na 1ª parte, Chopin (Polônia, 1810-1849), Concerto em Fá Menor, op. 21, nº2 (piano
e orquestra.)
Esta obra não aparece entre as que Mario de Andrade listou, na discografia do
Compêndio.
567 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
237
Conjunto de Câmara da Escola Normal de Música de Paris regido por Alfred Cortot.
b) Cantata 156 - “Ich Steh' mit einen Fuss im Grabe” - Sinfonia (Arioso)
Cantata 147 - “Herz und Mund” - Wohl mir, dass ich Jesum habe.
568 Ao lado do título, Oneyda Alvarenga anota, a lápis: Não, mau estado
569 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
570 Abaixo do título, Oneyda escreve, a lápis: Não temos mais – anotação na certa feita posteriormente, quando
provavelmente Oneyda montava repertórios para novos Concertos de Discos.
238
Coro e conjunto de orquestra do “Bach Cantata Club de Londres” regido por Kennedy Scott, oboe –
Leon Goossens
1ª Parte
2ª Parte
3ª Parte
571 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 87.
572 Ibid., p. 88.
573 Ibid., p. 149.
239
E, na parte das Mazurcas, de Chopin, além das que foram apresentadas no 66º
Concerto de Discos, no 32º ouviram-se ainda:
1ª Parte
Música para cravo e virginal
II – Johann Kuhnau (Alemanha, 1660-1722): Combate entre David e Golias (Sonata Bíblica para
clavicórdio)
a) Bravatas de Golias
b) Temor e prece dos Israelitas
c) Coragem de David
d)Combate e morte de Golias
e) Fuga dos Filisteus
f) Fanfarra das mulheres
g) Alegria geral e dança do povo
2ª Parte
b) Beautiful dreamer
Richard Crooks (tenor), com acompanhamento de piano por Frank la Forge
578 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 60.
579 Ibid., p. 105.
580 Ibid., p. 87-8.
581 Ibid., 150.
242
Richard Crooks (tenor) com quarteto “The Balladers”. Frank la Forge (piano) e Ralph Colicchio
(banjo)
III – Franz Josef Haydn – Sinfonia em Mi Bemol Maior, nº 99* (Coleção Salomão, nº 10)
Regente: Straram
582 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 211.
583 Ibid., p. 155.
584 Ver também Comparação entre Programas dos Concertos de Discos.
585 No 110º Concerto de Discos, de 24 de março de 1955, são apresentadas outras obras deste mesmo
compositor.
586 ANDRADE, op. cit., p. 211.
243
III – Carl Maria Von Weber (Alemanha, 1788-1826) – Trecho concertante em Fá Menor
Si mes vers avaient de ailes é a única das três que difere das apresentadas em
587 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151-2.
588 Ibid., p. 149.
589 Ibid., p. 210.
244
I – Johann Sabastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo
São Mateus
Orquestra Sinfônica de Boston, regida por Serge Koussevitzky com Harvard Glee Club e Radcliffe
Choral Society, regidos por Wallace Woodword e solistas.
Na 1ª parte:
1- Baldassare Galuppi (Itália, 1706-1785), Sonata [em] Lá Maior.
2 – Arcangelo Corelli (Itália, 1653-1713), Concerto Grosso [em] Sol Menor, op.6, nº8
590 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 87.
591 Oneyda anota, na frente do programa, a tinta vermelha: Assistencia 100 pessoas.
245
(“Concerto de Natal”)
Esta obra será repetida no 59º Concerto de Discos (ver abaixo, paralelo com
discografia do Compêndio.)
Na 1ª parte:
1 - De Willian Turner Walton (Inglaterra, 1902-1983), Portsmouth Point.
Die Uhr, op. 123, nº3 consta da discografia de Mario de Andrade 592, (p.152),
Die Uhr (lied) código V. 59014.
Cabe observar que estas Baladas do compositor alemão Oneyda fará ouvir,
novamente, no 60º Concerto de Discos, do dia 01 de outubro de 1953 (ver abaixo), assim
como a 2ª parte deste 40º Concerto de Discos, que teve:
592 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 152.
246
Bem parecido com o 53º Concerto de Discos, de 13 de agosto de 1953, este 42º
Concerto teve, na 1ª parte, repertório idêntico ao que se vai ver abaixo:
593 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 149.
594 Ibid., p. 123.
247
595 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
248
Na 1ª parte, Harl McDonald (Estados Unidos, 1899-1955), Sinfonia nº1 “The Santa
Fé Trail”
596 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
249
Na 1ª parte:
1 - Carlos Gomes (Brasil, 1839-1896), Abertura da ópera Fosca.
2 -Camargo Guarnieri (Brasil,1907-1993) arranjo orquestral de Francisco Mignone
(Brasil, 1897-1986), Ponteio nº 1.
3 - Oscar Lorenzo Fernandez (Brasil, 1897-1948), Imbapára (poema índio)
Na 2ª parte:
1 - Karl Stamitz (Alemanha, 1745-1801), Quarteto em Mi Bemol Maior, op. 8 nº 4,
para clarineta, violino, viola e violoncelo.
2 - Karl Phillip Emanuel Bach (Alemanha, 1714-1788), Concerto em Ré Maior para
orquestra.
Na 1ª parte:
Gravação usada: Grande Orquestra dos Festivais Debussy com vozes femininas,
conduzida por D. E. Inghelbrecht.
Este Concerto Oneyda vai repetir no 52º Concerto de Discos, que será
realizado no dia 06 de agosto de 1953 – quase onze anos e meio mais tarde.
599 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
600 Ibid., p. 150.
251
Dansa
Interlúdio
Burlesco
Epílogo
1ª parte
Karl Phillip Emanuel Bach (Alemanha, 1714-1788), Magnificat.
2ª parte
Purcell (Inglaterra, 1659-1695), Suíte de Dido and Aeneas
___________________________________________________________________________
_____
605 Este 52º Concerto de Discos, como o 67º, de 19 de novembro de 1953, serão acompanhados do texto
didático escrito e lido por Onyeda Alvarenga, a fim de se mostrar como eram essas explicações que
acabavam por ser verdadeiras aulas de música ao público ouvinte e leigo.
606 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
607 Ibid., p. 60.
254
Thomas Weelkes. Menciona608 Gibbons, no texto. Tudo leva a crer que essa escassez de
indicação de composições se deva à ausência de gravações, em 1933.
impediu que êle se -tornasse exclusivamente um virtuose. Sempre estudioso atingiu uma cultura
musical notável e uma grande ciência têcnica de música. Para descansar de seus trabalhos musicais,
Saint-Saens dedicava-se à literatura e á ciência em geral. Certos críticos dizem mesmo que êsse
enciclopedismo contribuiu para torná-lo un tanto sêco e falho de emoções profundas.
“ Embora Saint-Saens seja mais conhecido como compositor de Operas e de música
sinfônica, sua música de câmara apresenta um alto valor. Nela se contam várias peças escritas para
interessantíssimas combinações instrumentais, como o Seteto que ouviremos hoje, destinado para
pistão, 2 vl, vIa., vcl., cb e p. O pistão ê um instrumento de sopro utilizado raramente na música de
câmara, entre os instrumentos de cordas. Saint-Saens usou-o porque êste seteto foi composto para uma
festa comemorativa da sociedade musical francêsa "La Trompette."Esta peça é curta e simples na sua
estrutura. A distribuição dos movimentos se parece com a das Suites clássicas.
“Inicia o seteto um preâmbulo, equivalendo a um prelúdio, seguido por minuete,
intermédio, gavota e final. Em toda a peça o pistão é usado: com maestria, executando 'seu papel' ora
com energia ora com brilho ou dando uma nota marcial e firme aos trechos em que o compositor usou
o tema de um dos toques regimentaes do exército francês. O preâmbulo principia brilhantemente,
enunciando o pistão frases vigorosas. Segue-se o minuete, contendo a elegância peculiar dessa dansa
françesa. O intermédio-andante, é u'a marcha fúnebre, sóbria e pungente, cuja nota austéra é atenuada
pela graciosa e viva gavota.
“MADRIGAIS
“Robert Schumann
“Robert Schumann, compositor alemão do séc. XIX, trecho sua vida epela sua obra é
um dos vultos mais característicos do romantismo. Apaixonado pela música, desde criança escreveu
256
pequenas composições, entre as quais o Salmo 150 com coro e orquestra, executado por uma
orquestrinha infantil dirigida por ele próprio.
“Fatos acabrunhadores e dolorosos ocorridos na adolescência transformaram o menino
mais ou menos despreocupado que antes fora num ser silencioso e melancó1ico. Embriagando-se de
literatura, filosofia e música, adorava o poeta inglês Byron, as tragédias de Shakespeare e
principalmente o escritor alemão Johann Paul Richter. Entre os músicos preferia Beethoven, J.S. Bach
e Schubert. Todos êsses artistas influiram muito na sua formação espiritual e artística.
“Robert Schumann tornou-se o protótipo do estudante romântico, a um s6 tempo
apaixonadamente entusiasta e desanimado, esperançoso e desesperado, sonhador e doentío. Convicto
de que devia dedicar-se á música exclusivamente, e apoiado pelo professor Wieck, abandonou o curso
de direito que frequentava, dedicando-se inteiramente á arte escolhida. Seu temperamento impaciente
impediu-o de terminar os estudos técnicos (harmonia, contraponto e composição) que continuou
sozinho, falha essa notada nas peças orquestrais de grande vulto. O ardor com que estudou piano,
levou-o a um exagero de exercício que lhe paralisou um dedo e entorpeceu-lhe a mão, que nunca mais
ficou inteiramente curada . Desistindo então da carreira virtuosística , dedicou-se inteiramente á
composição e á crítica musical.
“Suas obras mais importantes são as peças curtas para piano e as canções. Schumann
escreveu um único concêrto para piano - o concêrto em La menor dedicado ao pianista e compositor
Ferdinand Hiller. Esta peça, terminada em 1845, é uma das mais belas obras deste artista. Uma
melodia simples e fértil transborda por todo o concêrto, tendo o piano um papel destacado.”
610 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 45.
611 Ibid., p. 123.
612 Ibid., p. 153.
257
613 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 149.
614 Ibid., p. 88.
258
Destes autores citados acima, Mario de Andrade indica apenas uma obra de
Berchem – que não é a mesma apresentada deste Concerto.
Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga faz ouvir a Sonata em Si Menor, para piano, de Liszt
(Hungria, 1811-1886)
Mazurcas:
618 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
619 Ibid., p. 77.
620 Id.
260
Ravel (França, 1875-1937), Concerto para mão esquerda, para piano e orquestra.
Mario de Andrade cita muitas obras de Ravel; mas não este concerto – ainda
que mencione um outro concerto para piano e orquestra.
621 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
622 Ibid., p.153.
623 Id.
261
“A 'Sonata em La Maior, op. 13 nºl', para violino e piano, foi escrita por Fauré em
1876 e executada püblicamente pela la. vez em 1878. Apesar de ser o primeiro ensaio do autor na
música de câmara, essa sonata, pela sua construção, pela sua “beleza e pela sua originalidade, 6
considerada uma obra de mestre e o primeiro marco importante na carreira musical de Faurê. A energia
mesclada de tranqüilidade e ternura do 1® movimento; a graciosidade baloiçante e suavemente
melancólica do Andante; a leveza do 3S movimento, um scherzo que cintila em passagens rápidas e
saltitantes 'pizzicati'; o calor apaixonado do último movimento, por vêzes 'declamatório e quase
violento, lembrando uma improvisação cigana', - mostrarao ao ouvinte que, como bem acentuara o
compositor francês Florent Schmitt, esta sonata de Fauré marca um dia de festa na história da música
de câmara.
“Henri Duparc, nascido em 1848 e falecido em 1933, foi aluno de César Franck.
Duparc muito tarde começou a se dedicar à música, que abandonou logo, em conseqüência de uma
inhibição proveniente de neurastenia. Pouco produziu, mas seu lugar na música francêsa ê
brilhantemente marcado pelas admiráveis canções que compôs, das quais as 3 apresentadas pelo nosso
262
programa são as mais famosas; 'Là vie Antérieure1,1 versos de Baudelaire, 'L'Invitation au
voyage','Phydilé' poesia de Léconte de Lisle. Em 'La vie Antérieure' a melodia, sustentada a princípio
por duas notas que se repetem com insist ência, se desenvolve grave, triste e evocadora, impregnada
de rara beleza.
“Aos poucos volta a calma inicial e com ela as duas notas sombrias, que parecem
exprimir algum sentimento íntimo. Em 'L'Invitation au voyage' a parte desenvolvida pelo piano ê tão
sutil e tão bem trabalhada,, que imprime à canção um ar de conversa familiar. Já em 'Phydilê' a
orquestra possue ura colorido e fôrça expressiva discretas e eqüilibradas, mas intensas e comoventes.
'2.a Parte -
“VINCENT D'INDY, nascido em 1851 e falecido em 1931 foi aluno do grande Cesar
Franck, compositor de origem belga que representou um papel importante na renovaçao da musica
francesa contemporanea. D'Indy revela nas suas obras a influência de Wagner e a de seu mestre, cuja
causa artística serviu com um amor e uma dedicaçao admiraveis, tornando-se, depois da morte de
Cesar Franck, uma especie de seu testamenteiro artístico. Assim e que ele, admiravel professor, fundou
a , Schola Cantorum de Paris, destinada especialmente a reviver e cultivar a musica religiosa .
“Essas influencias, entretanto, nao tiram o carater pessoal de sua musica, à qual preside um
grande amor da unidade estrutural, do eq1tib.brio da construção sonora, acompanhado da religiosidade
espiritual, que ele tinha em comum com Cesar Franck. D'Indy era, alem do mais, um ser que
acreditava fervorosamente no destino superior da arte, que so a consciencia dos seus deveres morais e
sociais tornam um artista verdadeiramente grande. Em consequencia, a musica assumiu para ele quasi
o aspecto de um apostolado.
“A produção mais importante de D'Indy é tôda para orquestra, e aqui ele demonstra ser
possuidor de uma tecnica perfeita e de uma expressao original extremamente rica em efeitos
instrumentais, como o demonstra a peça 'Istar', variaçoes sinfonicas, que vamos ouvir.”
Na 1ª parte
I - Hindemith (Alemanha, 1895-1963), Der Schwanendreher (Concerto para viola e
pequena orquestra) – deste compositor, Mario de Andrade lista apenas duas obras (p.210), que não a
apresentada neste concerto.
II - Schumann (Alemanha, 1810-1856), Zigeunerleber, op. 29, nº3, que Mario de
Andrade indicou no Compêndio (p.150), Vie de Tzigane, código Parl. 59501.
III - Mendelssohn (Alemanha, 1809-1847), Three folk songs
a) Entflieh mit mir, op. 41, nº2
b) Es fiel ein Reif, op. 41, nº3
c) Auf ihrem Grab, op. 41, nº4
624 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p.150.
263
625 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
626 Tal qual foi registrado no programa.
627 ANDRADE, op. cit., p.123.
628 Ibid., p. 210.
264
Na 1ª parte:
I - Paul Dukas, (França, 1865-1935), L'Apprenti Sorcier
629 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
630 Ibid., p. 211.
631 Ibid., p. 104.
632 Ibid., p. 87.
633 Ibid., p. 150.
265
Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga apresentou o Concerto em Ré Maior, op. 21, para cravo
e orquestra, de Haydn.
De Milhaud, Mario de Andrade não cita este Quarteto, embora indique várias
outras composições do autor637; de Schumann, são listadas muitas composições638, inclusive
um Lieder – mas não este, do 76º concerto.
634 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p.105.
635 Ibid., p.150.
636 Oneyda Alvarenga, como que justificando o público reduzido, anota: “3 pessôas”. E abaixo, com tinta
vermelha: “(tempestade)”
637 Ibid., p. 211.
638 Ibid., p. 150.
639 Ibid., p. 104-5.
266
640 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 155.
641 Ibid., p. 151-2.
642 Também encontrado como Ja nun hons pris.
643 ANDRADE, op. cit., p. 60.
644 Ibid., p. 52.
267
645 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
646 Ibid., p. 87.
647 Ibid., p. 210.
268
C1825/6. 648
648 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 152.
649 Ibid., p. 120.
650 Ibid., p. 151.
651 Ibid., p. 210.
269
1ª parte
Giovanni Gabrieli (Itália, 1557-1612): Sonata pian e forte (1597)
Cornetas, trombones e violas; direção de Curt Sachs
652 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
653 Ibid., p. 154.
654 Os Concertos de Discos nºs 100, 139 e 164, cujos repertórios incluíam Villa-Lobos, tiveram baixo número
de ouvintes - 7 pessoas nos 100º e 139º e 3 pessoas no 164º.
270
655 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
656 Id.
657 Ibid., p.122-3.
271
27 de janeiro de 1955
11 pessoas
658 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
659 Ibid., p. 149.
272
1- Prelúdio, op. 28, nº 7; 2 - Noturno, op. 32, nº2; 3 - Valsa, op. 70, nº1;
4 - Mazurca, op. 76, nº3; 5 - Prelúdio, op. 28, nº 7; 6 - Valsa, op. 64, nº2;
7 - Grande Valsa Brilhante, op. 18
660 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 211.
661 Ibid., p. 150.
662 Ver abaixo, em Análises e observações sobre alguns Concertos de Discos, p. 273.
663 ANDRADE, op. cit., p. 151.
664 Id.
665 Id.
273
Uirapuru foi uma obra composta em 1917, e não foi citada na discografia do
Compêndio de História da Música.666
Na 1ª parte, Schumann (Alemanha, 1810-1856), Cenas infantis, op. 15, (para piano)
Mario de Andrade elenca muitas obras de Bach – porém, esta não está entre
elas.674
672 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
673 Ibid., p. 210.
674 Ibid., p.88.
275
3 pessoas675
675 No alto da primeira página deste programa, há registro, a lápis: “3 pessoas” e, abaixo, o nome de “Carmen
Martins Helal”, que substituiu Oneyda, nesta noite de audição.
No livro Cartas, Oneyda Alvarenga explica que Carmen foi sua terceira secretária na Discoteca pública
Municipal – pessoa que a substituíu depois de sua aposentadoria, em maio de 1968. In: ANDRADE, Mario de.
Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 185.
676 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933., p. 154.
677 Id.
678 Ibid., p. 210.
276
679 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
277
Obras não citadas na vasta discografia que Mario de Andrade apresenta deste
compositor, no Compêndio.
680 Oneyda Alvarenga assinala, com lápis verde, as letras gigantes: ZERO OUVINTES
E, abaixo, como justificativa, a data: 26-12-957
681 De novo, Oneyda assinala, com lápis verde, as letras gigantes: (68) OUVINTES!
E acrescenta, abaixo, com tinta preta, sublinhando as palavras com uma linha ondulada: É ISSO
MESMO, SESSENTA E OITO OUVINTES!!
682 No programa deste Concerto de Discos, a menção ao número do op. foi impressa como “op.2”, quando, na
verdade seria op.21 – como também se vê no 26º Concerto de Discos.
683 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
278
60 pessoas
Oneyda repetiu a primeira música do 19º Concerto, Pacific 231 (ver acima.)
2) Rugby
3) Pastorale d'Eté
Este concerto, composto entre 1929 e 1930, não se encontra entre as obras
citadas na discografia.
684 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
685 Oneyda Alvarenga assinala, com tinta preta: 14 ouvintes (muita chuva)
279
Na 1ª parte, Roussel (França, 1869-1937), Bacchus et Ariane, op. 43, (Suíte Sinfônica
nº2).
688 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
689ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII.
281
morreram no seguinte. Para nortear esse critério, se recorreu ao enfoque dado por Mario de
Andrade em seu Compêndio de História da Música. Por exemplo, Beethoven (Alemanha,
1770-1827), ou, como escrevia Mario de Andrade “Luís de Beethoven” 690, foi obviamente
considerado autor do século XIX (Mario de Andrade não o analisa no capítulo “Classicismo”
- e sim no “Romantismo”); Richard Strauss (Alemanha, 1864-1949), como pertencente ao
século XIX (como Beethoven, Richard Strauss, ou “Ricardo Strauss”, como preferia Mario de
Andrade, foi estudado no capítulo “Romantismo”. Aliás, como também Lalo); já Roussel
(França, 1869-1937)691, foi tratado por Mario de Andrade no capítulo “Atualidade” e é
encarado como autor do século XX.
Na segunda edição do Compêndio de História da Música, Mario de Andrade
aborda duzentos e vinte e quatro compositores – e isso apenas em discografia, em que indica
gravações e respectivos códigos das casas gravadoras. O autor cita ainda outros nomes de
músicos no texto e discorre sobre compositores que ainda não tinham suas obras gravadas, à
época da redação do Compêndio. Oneyda Alvarenga, sempre se levando em conta a
amostragem dos noventa e nove programas dos Concertos de Discos recuperados até o
momento, apresentou obras de cento e treze autores692 – sendo que, destes, vinte e dois não
figuram no livro de Mario de Andrade. São eles: Blondel de Nesle; Perrin d'Angicourt;
Ricardo Coração-de-Leão693; Rumelant; Vincenzo da Rimini; Giovanni da Cascia; Sermisy;
Gentian; Francis Pilkington; René; Buononcini; Giuseppi Sarti; Giovanni Legrenzi; Michel
Blavet; Alban Berg; Martin Braunwieser; Lorenzo Fernandez; Aaron Copland; Glazunov;
Reynaldo Hahn; Kabalevsky; Shostakovitch. Dentre estes, vários autores medievais não foram
nomeados por Mario de Andrade (conforme se pode ver pelas datas e pelos países no quadro
abaixo.) Mesmo assim, a discografia referente à composição medieval procurou ser exaustiva,
690 Sobre isso, Oneyda Alvarenga escreve uma nota em seu livro Cartas, explicando que essas grafias dos
nomes dos estrangeiros famosos sempre causaram “escândalo artístico.” Sérgio Milliet e Paulo Duarte foram
intelectuais que criticaram essas decisões de Mario de Andrade, apontando-as como verdadeiros cacoetes. In:
ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
41.
691 A comparação entre as datas de nascimento e morte de R. Strauss e Roussel é suficiente para se notar que
Mario de Andrade desprezou o tempo cronológico, levando em conta a obra em si, de cada um dos autores.
692 Será maior, então, o número de obras do que o de autores, obviamente. Mas aqui serão contados apenas os
nomes dos autores; data: século a que pertencia a produção relevante de cada compositor; país de nascimento
(ou, quando for o caso, país no qual se naturalizou determinado autor.)
693 No capítulo “Início da música profana”, Mario de Andrade cita alguns autores na discografia indicada,
dentro de “Canção trovadoresca” e “Canção polifônica” e adiciona em “Canção popular europea” códigos de
gravações, agrupados sob países – mas sem citar autores (p.60-1 do Compêndio de História da Música.)
Acima, porém, p. 185, se viu que, nas leituras sobre História da Música, Ricardo Coração-de-Leão estava,
logicamente, presente. E se pressupõe que Oneyda Alvarenga havia estudado e atentado para vários
compositores medievais antes de se formar no Conservatório.
282
Boêmia 1
Brasil 18
Espanha 7
Estados Unidos 7
Finlândia 1
França 58
Hungria 6
Inglaterra 11
Itália 29
Noruega 3
Polônia 5
Rússia 19
Suíça 2
Tchecoslováquia 3
Total: 263
O país, no caso das estatísticas de Oneyda Alvarenga, não representa
necessariamente a nacionalidade da composição: Chopin traz ao índice a Polônia. Ou, no caso
de Reynaldo Hahn, naturalizado francês – sua composição foi considerada francesa; como
Braunwieser, naturalizado brasileiro, entra nestas estatísticas como compositor nacional.
Ademais, o alto índice de música alemã não significa preferência da musicóloga por música
germânica – vide acima, quando a diretora da Discoteca chama pejorativamente alguns
usuários do acervo de “germanófilos”. Mas Oneyda Alvarenga lança mão de composições
alemãs, do ponto de vista pedagógico, como estudiosa da música. Daí o largo uso, nos
repertórios, de obras de Bach, Schumann, Beethoven, Bach.
Século XVIII 56
Século XIX 98
Século XX 66
Total: 263
Neste terceiro quadro não são contados os números de peças de cada século –
mas a incidência de séculos (contados conforme a incidência dos nomes dos autores)
contemplados nos concertos de discos.
O fato de terem sido registradas aqui duas referências ao século XII e três ao
século XIII se deve ao fato de Oneyda Alvarenga ter atribuído a Blondel de Nesle o intervalo
de tempo “século XII/XIII”. Mas para efeito de estatística, se considerou o compositor como
pertencente ao século XII. E o dado “zero” músicas para o século XV muito provavelmente
seria irreal, caso tivéssemos recuperado todos os repertórios dos Concertos de Discos que a
Discoteca Municipal apresentou, ao longo de sua história. Deve-se considerar, portanto, que
esses dados estatísticos estão baseados num conjunto dos concertos recuperados, até hoje. Ou
seja, os índices estão sobre aquela amostragem de noventa e nove concertos, entre 1938 e
1958. Ainda assim, podemos considerar que Oneyda Alvarenga usou poucas composições do
século XV.
O alto índice de composições do século XIX deve mais de um terço de suas
noventa e oito ocorrências à elevada quantidade de obras de Beethoven (7 ocorrências),
Brahms (7 ocorrências), Schubert (7 ocorrências) e Schumann (13 ocorrências), como se vê
acima, no primeiro quadro. Sendo assim, a segunda ocorrência maior representada é a do
século XX – com mais variedade de compositores – uma amostra do esforço de Oneyda
Alvarenga em divulgar a composição contemporânea.
9º Concerto de Discos
21 de setembro de 1938
Pelléas et Mélisande
288
Preludio
Fileuses (Andante quasi Allegretto)
Sicilienne
Phidylé - Charles Panzéra (barítono), com Orquestra regida por Piero Coppola.
repertório, com outra gravação de La Mer, pela Orquestra Sinfônica de Boston, regida por
Serge Koussevitzky e a Sinfonia em Si Bemol Maior, nº 5, de Schubert (a mesma gravação
usada em 1938.)
Mario de Andrade cita apenas duas obras deste autor, na discografia, uma delas
grafada apenas “Trio”. É provável que, em 1933, fossem poucas as gravações de Hindemith, no
mercado. Oneyda Alvarenga registra a data da gravação do 2º Trio, no programa mesmo do concerto.
Nesta gravação, o próprio autor é intérprete, tocando viola.
Na 1ª parte, Chopin (Polônia, 1810-1849), Concerto em Fá Menor, op. 21, nº2 (piano
e orquestra.)
Na 2ª parte, Canções Francesas do Século XVI.
Oneyda revela que revisita os programas antigos, quando encontramos anotações suas,
290
à margem deste programa do 26º Concerto de Discos, de 15 de fevereiro de 1939. Ela anota a lápis, ao
lado de Canções Francesas do Século XVI.: - 62º.
Abaixo do título, Oneyda escreve, a lápis: Não temos mais – anotação que pode
ter sido feita posteriormente, quando provavelmente Oneyda montava repertórios para novos
Concertos de Discos.
Este Concerto para 4 pianos e orquestra não está na discografia do autor. Mario
de Andrade grafa somente duas obras de Vivaldi – à época em que o Compêndio foi escrito,
muito provavelmente eram poucas as gravações de Vivaldi, ao menos no Brasil. Mario de
Andrade, levando-se em conta o trecho do romance Quatro Pessoas, mencionado acima, neste
trabalho, quase certamente possuía o registro citado em seu livro. É certo que Mario de
Andrade considerou Vivaldi como um dos maiores músicos da História.
1ª Parte
Música para cravo e virginal
II – Johann Kuhnau (Alemanha, 1660-1722): Combate entre David e Golias (Sonata Bíblica para
clavicórdio)
a) Bravatas de Golias
b) Temor e prece dos Israelitas
c) Coragem de David
d)Combate e morte de Golias
e) Fuga dos Filisteus
f) Fanfarra das mulheres
g) Alegria geral e dança do povo
695 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 104.
292
I – Johann Sabastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo
São Mateus
Orquestra Sinfônica de Boston, regida por Serge Koussevitzky com Harvard Glee Club e Radcliffe
Choral Society, regidos por Wallace Woodword e solistas.
Neste programa há uma nota de Oneyda Alvarenga: “Os discos desta coleção
foram gentilmente emprestados pelo Dr. Alcyr Porchat.”
Essa observação possibilita a visão das condições de política de formação do
acervo, uma vez que indica que nem sempre a Discoteca havia adquirido materiais que seriam
importantes, pelos critérios do Compêndio de História da Música de Mario de Andrade e da
própria diretora da Discoteca, quando da eleição de obras para as audições públicas.
Nesse 37º concerto da Discoteca Pública Municipal foram ouvidos os 27 discos
da Paixão (Bach.)
Na 1ª parte:
1 - De Willian Turner Walton (Inglaterra, 1902-1983), Portsmouth Point.
Prédio Martineli
29 de julho de 1941
Na 1ª parte, Harl McDonald (Estados Unidos, 1899-1955), Sinfonia nº1 “The Santa
Fé Trail”
Na 2ª parte:
1 - Moussorgski (Rússia, 1839-1881), The Nursery (ciclo de canções)
2 - Vivaldi (Itália, 1678-1741), Concerto Grosso [em] Lá Menor nº8
No alto do programa, a lápis, Oneyda anota: Não, grav. nacional com muito
chiado.
Há menção de execução da obra, pela primeira vez na íntegra, no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, com interpretação de Borghert, em 23 de abril, no ano de 1941.
Mas não se pode afirmar a data da gravação usada por Oneyda, em 1942 – gravação
posteriormente rechaçada pela diretora da Discoteca, para reapresentação do disco em novas
audições públicas. In: HEITOR Villa-Lobos website. Disponível em:
<http://www.villalobos.ca/fantasia-movimentos-mixtos>. Acesso em: 11 maio 2012.
698 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 104.
699 Ibid., p. 99.
295
Dansa
Interlúdio
296
Burlesco
Epílogo
Oneyda Alvarenga, além de se embasar nos escritos dele para escrever seu
Como ouvir música, último capítulo do livro inédito A Linguagem Musical, em que discorre
sobre a formação do ouvinte leigo, desvelando os porquês das montagens dos repertórios de
seus Concertos de Discos, inclui pbras de Copland neste Concerto. Observe-se que, em 22 de
outubro de 1941, este compositor viera ao Rio de Janeiro700. Copland escreveu música para
teatro sobre argumentos da problemática social da época da depressão, nos Estados Unidos.
Por isso, é fácil relacionar este enfoque de Oneyda Alvarenga, neste Concerto de Discos: a
diretora da Discoteca, em entrevistas a jornais, falando a respeito da oposição da ópera à
capacidade de socialização da música, menciona a música para teatro, como sendo veículo
dessa socialização, além de um recente contato do autor com o Brasil – dentro da política de
boa vizinhança, a vinda de Copland fazia parte de projeto de aproximação com os Estados
Unidos, idealizado e mediado por Carleton Sprague Smith, quando em contato com Mario de
Andrade.
700 Há menção à iminência dessa visita de Copland ao Brasil em carta de Sprague Smith a Mario de Andrade.
In: SMITH, Carleton Sprague [Carta] 14 ago. 1941, Nova Iorque, EUA. [para] Mário de Andrade. São
Paulo. 1 folha.
297
faleceram ou nasceram.) No caso de Richard Strauss, ele nasce no século XIX, mas é um dos
compositores representantes do fecho do Romantismo. Mario de Andrade, porém, menciona
este compositor em vários trechos do Compêndio – a relação que faz dele com o Romantismo,
é o uso, na música, da expressão dos sentimentos.701 Chega a chamá-lo de
“romantiquíssimo”.702Mas depois, no último capítulo do livro, “Atualidade”, volta a
mencionar Richard Strauss, em várias passagens – embora a citação dele em sua discografia
se localize apenas no capítulo “Romantismo”.
Como o programa do 56º Concerto de Discos traz os dados: “Marcel Moyse
(flauta) e Conjunto de Câmara regido por Adolf Busch”, relativos à Suíte em Si Menor, de Bach – e
que é igual à que segue a mesma obra apresentada no 36º Concerto de Discos -, podemos ver
que Oneyda Alvarenga usou a mesma gravação nos dois concertos e que o registro sonoro, no
caso, se conservou bem durante aqueles onze anos de intervalo entre um e outro.
701 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 128.
702 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 138.
298
Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga faz ouvir a Sonata em Si Menor, para piano, de Liszt
(Hungria, 1811-1886)
703 In: FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009. 120 p. vemos “armadilhas do arquivo”.
Ausências – mais do que presenças – a procura por provas daquilo que se quer evidente. Faz-se preciso
duvidar e supor o que estaria nas ausências. A situação não é cômoda, portanto: o comodismo é uma das
armadilhas.
299
704 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
301
705 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 60.
706 COEUROY, André; JARDILLIER, Robert. Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois
commentaires de disques avec exemples musicaux. Paris: Librairie Delagrave, 1931. 238 p.
707 ANDRADE, OP. CIT., p. 10.
708 Ibid., p. 11.
302
Oneyda não está indicada na discografia de Mario de Andrade - foi escrita em 1938; portanto,
posterior à edição do Compêndio de História da Música.
Na parte inferior do programa, Oneyda anota: “Um ouvinte pediu o
'Nobilissima Visione' para ouvir novamente nas cabinas.”
Certamente o fato, digno de registro, foi, para Oneyda, uma grata constatação, em sua
empreitada de divulgar a música contemporânea, na época.
Na 2ª parte, ouve-se o Concerto em Lá Menor, op 16, para piano, de Grieg
92º Concerto de Discos
24 de junho de 1954
1ª parte
Giovanni Gabrieli (Itália, 1557-1612): Sonata pian e forte (1597)
Cornetas, trombones e violas; direção de Curt Sachs
Na 1ª parte:
Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), os Choros nº 10 e dois trechos das Bachianas
Brasileiras nº 2, a saber:
2 - Ária (Canto da nossa terra)
4 – Tocata (O trenzinho do caipira)
10 de fevereiro de 1955
3 pessoas
1- Prelúdio, op. 28, nº 7; 2 - Noturno, op. 32, nº2; 3 - Valsa, op. 70, nº1;
4 - Mazurca, op. 76, nº3; 5 - Prelúdio, op. 28, nº 7; 6 - Valsa, op. 64, nº2;
7 - Grande Valsa Brilhante, op. 18
Na 1ª parte, Schumann (Alemanha, 1810-1856), Cenas infantis, op. 15, (para piano)
Na 2ª parte, de Brahms, Intermédios, op. 117.
709 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
306
Sala Luciano Gallet, auditório da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, quando instalada na
sede à Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 278. Reportagem: Mais um motivo de orgulho para S.
Paulo: a nova Discoteca Pública. s.d. Doc. 8121 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda
Alvarenga - Centro Cultural São Paulo.
308
reforça-se a invariável preferência do público: Bach e Beethoven... A partir dos anos 1950,
Oneyda ainda está às voltas com a estatística mensal: “(...) verificamos que Bach e Beethoven
são os dois nomes principais nas requisições (...)”
Para obter dados estatísticos sobre a preferência dos consulentes da Discoteca
Pública, Oneyda Alvarenga cruzava dados nação e período. Essas estatísticas elaboradas
sobre o uso do acervo pelos usuários permitiam que a diretora da Discoteca avaliasse quais os
países de origem e quais os períodos musicais a que pertenciam os compositores das músicas
mais ouvidas. E era a partir da escolha dos ouvintes pelos compositores, que se definiam a
posição das nações e períodos/séculos no quadro das estatísticas, ou seja, os dados se
coletavam a partir dos nomes dos autores. O público vai em busca do que já conhece; é a
quantidade de repetição de determinadas obras, pela mídia, que dita a preferência do público.
Oneyda observou que o número de ouvintes da Discoteca de São Paulo aumentava, com o
tempo, e também o gosto musical do público, mesmo que muito lentamente, se aprimorava. O
otimismo de Oneyda Alvarenga era grande o bastante para fazer com que ela valorizasse cada
ouvinte que conseguia atrair para o terreno da audição da música contemporânea. Quando
realizou o 90º Concerto de Discos, aos 28 de maio de 1954, Oneyda Alvarenga programou
Nobilissima visione, de Hindemith (1895-1963), autor contemporâneo. Na parte inferior do
programa, Oneyda anota: “Um ouvinte pediu o 'Nobilissima Visione' para ouvir novamente
nas cabinas.” No 70º Concerto de Discos, em 1953, Oneyda Alvarenga apresentara Porgy and
Bess, de Gershwin. E ela escreve uma nota, na folha do programa: “Após o término do
Concerto houve pedidos para repetir a primeira parte, a qual foi repetida.” Certamente Oneyda
tomava estes indicadores como “vitórias” de seu empenho didático, na divulgação da música
contemporânea.
anestesiando a consciência crítica (política e social.) Para o musicólogo, o que o povo deveria
aplaudir e, no entanto, não aplaude, porque, em sua opinião, desconhece, é o sentido artístico
e funcional da obra de arte – no caso, da música.
714 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p. 62.
715 Ibid., p.61.
312
Mas como foi possível o povo soviético vir a querer aprimorar suas
preferências musicais, ouvindo quintetos, grandes formas musicais, como a música de
câmara? Já pelo advento da popularização da música mecânica, como pelo uso estratégico que
Shostakovich fez de expressões estéticas da sinfonia, da sonata, do quarteto... e acusa um
certo emprego de “banalidade”, em sua melódica: resultado de emprego de “arabescos
cancioneiros popularescos”. No entanto, Mario considera: se resultou em “vulgaridade”, não
caiu na total “banalidade”. De alguma forma, parece justo e até compensa: Mario de Andrade,
desconfiando muito da “funcionalidade político-comunista” que a obra de Shostakovich
poderia carregar em si, analisou o caráter “comunista” da composição de Shostakovich, virou
pelo avesso a nomenclatura e pôs em dúvida, isso de “comunismo” em música. Ora, o que o
compositor logrou com êxito foi o alcance da coletividade, da coletivização, por meio da
utilização de gêneros considerados “burgueses” (sinfonias, quartetos, etc., etc.) Se a
proposição de dirigir obras eruditas às camadas proletárias parecia insolúvel de saída, pela
temeridade de se perder em refinamento, Shostakovich parece ter encontrado um caminho:
segundo Mario de Andrade, a solução foi descoberta pela “reeducação do compositor e
educação de um povo” – só possível pela sensibilização da beleza da arte.
721 NEVES, José Maria das. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981. p. 119.
315
722 MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972. p.66.
E para o autor, a ideia de utopia, estaria em oposição ao conceito de ideologia: “(...) grupos oprimidos
estariam tão firmemente (intelectualmente interessados) na destruição e na trasnformação de uma dada
condição da sociedade que mesmo involuntariamente somente veem na situação os elementos que tendem a
negá-la.” In: MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972. p.66.
723“Neste caso, o sujeito não é um indivíduo concreto: trata-se de uma 'consciência em si; o mundo não existe
independentemente de nós.” In: MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972.
p. 91-2.
724 Id.
725 Para Mannheim, “mais concreto”. O autor afirma que “o folkgeist”, sentimento popular desenvolvido
(forjado a partir do encontro forçado de “antecedentes mais remotos”) durante e após as Guerras
Napoleônicas, “foi substituído pela consciência de classes sociais.” Sempre está presente o recurso da
escavação na memória passada; o artifício do reemprego dos antigos símbolos tidos como importantes para a
nação. In: MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972. p. 93.
726 Id., p.93-4.
316
(…) os ismos que podem explicar, a contento dos seus aderentes, toda e
qualquer ocorrência a partir de uma única premissa – são fenômeno muito
recente (…) Somente agora, com a vantagem que nos dá o seu estudo
retrospectivo, podemos descobrir os elementos que as tornaram tão
perturbadoramente úteis para o governo totalitário.
As ideologias são notórias por seu caráter científico: combinam a atitude
científica com resultados de importância filosófica, e pretendem ser uma
filosofia científica (...)728
seu materialismo, porém, tem uma feição peculiar: está permanentemente atento para a importância da
criatividade do sujeito humano, para o poder inovador dos homens, tal como se expressa nas criações culturais.
Apesar das grandes diferenças, Gramsci tem em comum com Lukács (que ele nunca chegou a ler) um
profundo apreço pela cultura como tal. Na análise do autor dos Cadernos do Cárcere, a ideologia conservadora
dominante estaria se tornando cada vez mais cética em relação aos valores básicos da cultura, do conhecimento,
da teoria em geral, por causa da crise da cultura burguesa, que vem perdendo sua capacidade de exercer uma
verdadeira hegemonia sobre a sociedade. "A morte das velhas ideologias" - anotou Gramsci - "se verifica como
ceticismo em relação a todas as teorias" (GRAMSCI, 1977, p. 312).
Difunde-se um estado de espírito pragmático, imediatista, utilitário, cínico, que tende a subestimar a
riqueza do significado das criações culturais. Generaliza-se uma crise de valores. Em resoluta oposição a essa
tendência, o filósofo não hesitava em reivindicar a "honestidade científica" e a "lealdade
intelectual"(GRAMSCI,1977, p.1.840 e 1.841).
733 ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 156.
734 Id., p.129.
735 Vide nota 732.
736 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 467.
318
quando dos planos gorados para o SPHAN e para a Rádio-Escola. Então, esses não podiam
mais ser os objetivos do Departamento de Cultura, quando seguiu em frente, com o
funcionamento ativo da Discoteca Pública Municipal.
CONCLUSÕES
737 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 302.
319
teria mudado, uma vez que se admitem mesclas de autorias, materiais; as bibliotecas não são o
único lugar em que se pode ter acesso à(s) leitura(s); etc. Já os acervos de objetos de povos
que tinham outra cultura, compostos de itens simbólicos de indígenas, por exemplo, por sua
constituição em si, já definiam não só o que seria o acervo folclórico - mas o próprio folclore.
Ou seja, foi o estudo que separou em coleções os frutos da manifestação artística/cultural de
costumes distintos que gerou a noção de folclore.
738 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 304.
320
740 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
322
sociedade, o movimento perene das vanguardas e da expansão econômica e cultural, para ele
existe dificuldade em se constituir sociedades unificadas por um consenso; pelo contrário, elas
só se fazem coerentes a partir de imposição. Seria difícil conciliar as diferenças
democratizando as relações sociais - por si, desiguais e complexas em sua desigualdade. E
mais difícil ainda é avaliar a relação público/bens culturais. Canclini analisa a quase
impossibilidade de controle das instituições culturais sobre os resultados de seus serviços:
Em vários países latino-americanos, ser culto foi entendido pelas elites liberais
governantes como uma tarefa individual. Houve campanhas de alfabetização em massa e de
educação popular, mas as obras dos artistas e escritores não se inseriam facilmente no
patrimônio coletivo, porque se formaram frequentemente em oposição às culturas populares.
Há que se entender ainda que o conceito de “massa” pelo pensador Ortega y Gasset, na
década de 1930, em oposição às “minorias”. A massa sendo constituída pelo homem-médio743
(e Ortega y Gasset alerta para o fato de essa massa não concidir com a massa proletária), teria
seus anseios peculiares. “Massa” era ainda um conceito novo, aparecendo pela primeira vez
como elemento forte, capaz de se rebelar e exigir bens (no caso, nos interessam os bens
imateriais, relativos à cultura.) E já que Canclini aborda justamente as relatividades culturais,
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 140.
741 Id.
742 Ibid., p. 141.
743 ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibero-Americano, 1962. p. 62.
323
cabe a questão aberta no contexto em que as massas começavam a dar voz a seus “gostos”.
Cabe a questão dos preconceitos acerca das demandas artísticas, das decisões das “minorias”,
constituìdas por “indivíduos isolados, que por coincidência apresentam características que os
excluem/diferenciam da 'massa'”744 (das multidões.) Pois bem: entra ainda a visão, elitista e
posterior, impregnada de preconceitos – um exemplo, entre muitos, seria o da classificação do
canto gregoriano (do qual Oneyda vez por outra se serviu para montar seus Concertos de
Discos) como “música erudita”, sendo que esse conceito seria “novo”. Mas tal classificação,
definida a partir de certo ponto histórico por especialistas, e portanto “minoria”, foi imposta
ao ouvinte leigo (“homem-médio” que compunha a “massa”.)
(…) nos países que chegaram primeiro a uma discreta taxa de alfabetização,
onde a formação da modernidade esteve nas mãos de elites que
superestimaram a escrita. Na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, a
documentação inicial das tradições culturais foi realizada mais por escritores
– narradores e ensaístas – que por pesquisadores da cultura visual. (…)
Oswald e Mário de Andrade inauguraram o estudo do patrimônio folclórico e
histórico, ou o valorizaram e o conceberam pela primeira vez dentro da
história nacional. Esse olhar literário sobre o patrimônio, inclusive sobre a
cultura visual, contribuiu para o divórcio entre as elites e o povo. Em
sociedades com alto nível de analfabetismo, documentar e organizar a
cultura privilegiando os meios escritos é uma maneira de reservar para as
minorais a memória e o uso dos bens simbólicos. Mesmo nos países que
incorporaram, desde a primeira metade do século XX, amplos setores à
educação formal, como os que citamos, o predomínio da escrita implica um
modo mais intelectualizado de circulação e apropriação dos bens culturais,
alheios às classes subalternas, habituadas à elaboração e comunicação visual
de suas experiências.745
744 Id.
745 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 142-3.
746 Ibid., p.149-150.
324
julgar determinado público por critérios muito generalizados, sem se levar em conta a
heterogeneidade desse público e de seu comportamento igualmente heterogêneo diante de um
bem cultural: “Sobretudo nas sociedades complexas, em que a oferta cultural é muito
heterogênea, coexistem vários estilos de recepção e compreensão, formados em relações
díspares com bens procedentes de tradições cultas, populares e massivas.” - como seria o caso
dos países da América Latina.747
749 Vide Anexo A, p. 339-51 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Como encara Castro Alves na
literatura brasileira]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem indicação de
entrevistador.Entrevista. Datiloscrito, 14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 – (da mesma
forma) Consultada cópia xerográfica.
750 Destes textos, se mostraram neste trabalho o exemplo de dois.
751 COOK, Nicholas. De Madona al canto gregoriano: uma muy breve introducción a la música. Madrid :
Alianza, 2005. 181 p. Humanidades. Música.
326
REFERÊNCIAS752
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departamento de cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938) Elizabeth França Abdanur ;
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ANEXO A753
“(...) je vous pris d'agréer nos remerciements très sincéres et nos félicitations
pour le travail realisé jusqu'à présent par des enregistrements d'une grande importance
linguistique.(...) Nous nous proposons de publier un compte rendu sur cette admirable activité
scientifique.”
(PROF. SEVER POP, Secretário da Commission d'Enquête Linguistique, Sous-division du
Comité International Permanent de Linguistes, Louvain.) (Carta de 27-12-1955)
“A poetisa de 'A Menina Boba' é uma das mais belas vozes da nossa poesia.”
(…) o compositor Koellreutter nos deu uma bela notícia, escreveu um ciclo de noturnos
atonais com versos de Oneyda Alvarenga, para contralto e piano.”
“(...) trazemos hoje à Roda Gigante a mineira (de Varginha) Oneyda Alvarenga,
autora de valiosos trabalhos sobre folclore, a excelente poetisa de “A Menina Boba”, diretora
da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, cuja bibliografia enriqueceu com inúmeros
ensaios seus e a cuja organização vem dedicando há anos seus melhores esforços.”
(Laís Correia de Araujo - “Roda Gigante/Conversa com o Escritor”. “O Estado de Minas”,
Belo Horizonte, 11-2-1962.)
“Os seus livros e as suas numerosas monografias, quase sempre versando sobre
folclore fizeram de sua autora acatadíssima autoridade, das maiores que possuímos nessa
ciência social, e, como ocorre também com Elza Cameu, forrada de sólida base musical e
musicográfica.”
(“Academia Brasileira de Música/Cadeira nº7. Fundadora: Oneyda Alvarenga. “Jornal do
Comércio”, Rio, 28-5-1961.)
Cheganças em Espanhol”. Entrevista feita por Jorge Andrade. “Visão”, S. Paulo, 26-8-1960.)
“O vezo nacional de ignorar coisas nossas faz que não se conheça devidamente
a Discoteca Pública Municipal de São Paulo cujo renome, contudo, ultrapassou de há muito as
fronteiras do país. Em sua última edição, organizada pelo musicólogo inglês Eric Blom, o
'Grove's Dictionary of Music and Musicians' (Londres, MacMillan and Co. Ltd., 1954) – o
mais importante e completo dos modernos dicionários de música – se refere a ela em termos
altamente elogiosos nos verbetes dedicados a Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga,
responsáveis pela criação e organização do instituto. Tal fato, refletindo a projeção
internacional alcançada pelo trabalho paulista, ao mesmo tempo que traduz uma homenagem
justa constitui também um incentivo para que mais uma vez se medite no que vem sendo
realizado no sentido de uma revalorização e de uma retomada de contato com a prata da
casa.”
(Alberto Soares de Almeida - “Música/Prata da Casa”. “O Estado de S. Paulo”, 2-2-1957,
Suplemento Literário.)
343
“La colección “Tierra Firme”, que nos ofrece en cada uno de sus números un
nuevo momento de la realidade hispanoamericana, se há enriquecido ahora com un excelente
estudio sobre la música popular brasileña, libro indispensable que aparece precisamente
cuando musicólogos y folkloristas se esfuerzan en llegar, por medio de análises comparativas
a una gran obra de síntesis sobre la música popular de Hispanoamerica.
En el mismo Brasil – nos atrevemos a asegurarlo – no había hasta hoy una obra
como ésta.
(Antonio Alatorre - “Música Popular del Brasil”. Cuadernos Americanos” nº 2, marzo-abril
1948, Mexico.)
“Es una de las primeras obras publicadas em América que da uma visión clara
y precisa de la música popular de un país, desligándola de la música erudita. Se aleja
fundamentalmente de aquellas obras de tipo histórico estudiadas cronologicamente, y más se
queda circunscrita a un propósito claro y definido que se descubre en el transcurso: [no?] un
panorama general de lo que los que no somos brasileños pensaríamos encontrar como música
característica en el Brasil (…).
Con la publicación de Música Popular Brasileña de Oneyda Alvarenga, el
Fondo de Cultura Económica acaba de proporcionar a los lectores de Tierra Firme, como en el
caso de La Música en Cuba de Alejo Carpentier, uma muestra elocuente de lo que puede
hacerse en cada país, a fin de aquilatar la música de América.”
344
“El rápido y descarnado esquema que trazamos de esta obra densa y rica de
materia / “Música Popular Brasileña”/ refleja inadecuadamente su contenido. Es el cuadro
más [?] que se haya escrito sobre la música brasileña. Los fundamentos son sólidos. Cada
detalle es el producto de una seria rebusca, cada afirmación una meditada sínteses y [?] una
imagen en que los elementos se integran con la veracidad de una escuesta científica,
conducida con un severo método, y animada por un espíritu inteligente que [?] animar el
relato y valorizar los resultados em uma jerarquia musicológica y conceptuada [?]
(Eugenio Pereira Salas, “Revista Musical Chilena”, nº 40, verão de 1950-1951.)
“Em carta e conversa Mario de Andrade citava Oneyda Alvarenga como uma
estudiosa legítima, no plano aquisitivo, selecionador, e com os valores de saber procurar,
escolher, decidir e criticar sem bombo de arraial, foguete do ar e sirene de cinema. (…)
Oneyda Alvarenga é uma pesquisadora em quem podemos confiar, cento por
cento. O trabalho de sua colheita, de mãos absolutamente limpas e sem os truques de achar-o-
que-se-levou, completa os fundamentos da sua cultura séria e ágil, cada vez mais apta e pronta
ao exame e utilização do que possa encontrar e ver. Está realizando trabalho de várias
pessoas.”
(Luís da Câmara Cascudo - “Acta Diurna / ONEYDA”. Diário de Natal, 5-5-1948[?])
sentimento, equilíbrio de composição muito raros em nossa poesiada fácil. (…)' Mario de
Andrade tem razão. É raríssimo encontrar um lirismo tão ardente e tão íntimo, mas ao mesmo
tempo tão perfeitamente controlado, um sentimento tão despido de sentimentalismo em nossa
poesia. Os nossos poetas são em geral ou sensuais ou sentimentais. Mas esse sentimento
depurado como uma chama de diamantes, nota comum na poesia inglesa e que é afinal
quintessência da melhor poesia amorosa e encontramos sempre nos grandes líricos, [?] de
Joyce de Chamber Music ao Saadi do Jardim das Rosas, num Camões mesmo quando fala da
preta Bárbara, isso fia mais fino...
Como este Brasil é cheio de surpresas: Encontrei a primavera no Ceará;
encontrei poesia mais grave, mais sutil e meditativamente terna, numa mineirinha de
Varginha: Oneyda Alvarenga.”
(Manuel Bandeira - “Primavera e Poesia”. Diário da Noite, Rio, edição da primavera.)
“Menina boba, que 'devia ter nascido andorinha'. Mas como poeta a exprimir
todos esses anseios de comunhão com o mundo, é inteligentíssima. Uma economia
esclarecida dos recursos verbais, o equilíbrio rítmico, a escolha apurada das imagens dão aos
seus breves poemas uma realização técnica impecável.”
(Manuel Bandeira/ Notícias de Livros – Nota sobre a [“]Menina Boba”. Para Todos, nº 3,
Rio, abril de 1939.)
puro e tão simples, tão feminino na emoção e na expressão, que por mais de uma vez o leitor
se comove e para para reler, para cantarolar quase.”
(Sergio Milliet - “Poetas Novos de S. Paulo”. O Estado de S. Paulo, ?-1938.
“Foi com sincera alegria que encontrei nesse trabalho / Comentários a Alguns
Cantos e Danças do Brasil/ um começo, solidamente lançado, duma tipologia da música
popular brasileira. (…) Não se trata de rápidos verbetes de dicionário. Alguns dos
comentários constituem breves mas substanciosos artigos. (…) Oneyda Alvarenga limitou-se
a comentar alguns gêneros. Por que não completa o quadro? Eis um precioso trabalho a
realizar. [Se] bem que terá de se embrenhar num cipoal bravo. Valerá a pena, porém, e terá
prestado imenso serviço.”
(Andrade Muricy - “Pelo Mundo da Música”, folhetim do Jornal do Comércio, Rio, 27-5-
1942.)
“Mais laissez-moi vous dire, au moins brièvement, tout le plaisir que j'ai pris à
Musica Popular Brasileña, s i riche en documentation originale, en photographies
rem[ar]quables, mais sourtout en qualité de science, de clarté, de précision dans un doma[ine]
où, à chaque pas, on se heurte à des obstacles. Croyes que je me rends compte de to[ut] le
travail que vous avez du vous donner pour pouvoir écrire sur ce sujet le beau liv[re] que vous
nous avez donné.”
(Roger Bastide – Carta de 16-8-1948.)
aula boa por todo o livro e é um encanto de simplicidade e clareza a leitura. Vou-me
aproveitar sem vergonha [?] para o meu Dicionário que está tartarugueando como se usa na
pátria amada, idolatrada, salve, salve.”
(Luís da Câmara Cascudo, carta de 18-2-1948.)
poesia [?] artista em nossa poética recente. Nada é deixado ao acaso da primeira inspiração. A
concatenação voluntária, a cor dos sons, o equilíbrio dos ritmos, a volúpia das cadências, a
expressão adequada à ideia, a pureza das imagens, a raridade sem petulância ofensiva. (…) E
assim vai este livro admirável, buscando nas relações do par, aquela verdade de amor que a
poetisa, depois de uma indisciplina inicial, não quer mais encontrar em si mesma. (…)
Poucas vezes a nosa poesia terá explorado assim esta evanescência verbal, esta
diafaneidade delicadíssima de vozes, e conseguido tal segurança rítmica de versificação livre.
Poder-se-á mesmo ainda chamar de verso-livre a esta vontade técnica? (…) Esta conjugação
íntima da técnica de versejar com a ideia a expressar, faz do livro de Oneyda Alvarenga um
verdadeiro vademecum de arte, digno de ser mais estudado pelos nossos poetas moços.”
(Mario de Andrade - “Três Faces do Eu” in “O Empalhador de Passarinho”)
352
ANEXO B
Cópia 'B'
755 Mais detalhes sobre essas gravações, como metragem do filmes por exemplo, podem ser encontrados In:
ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942. Separata
da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 11.
Aliás, essa publicação se apresenta cada vez mais valiosa: as informações específicas desse relatório
escrito por Oneyda Alvarenga só se encontram nessa fonte.
355
essencial de todos os grandes compositores universais? Tudo isso o disco coloca nas mãos dos
estudiosos de música e de todo o povo em geral. É preciso que se pense bem que, sem música
viva, o ensino de música marcará passo. Numa aula de história da música, o aluno escuta o
professor dizer que a música do século XVII tem tais e tais características; que a escola
franco-flamenga dos secs. XV-XVI influenciou a música da época no mundo inteiro; que o
alaúde, velho instrumento de origem hispano-arábica, tem tal som; mas como constatar essas
informações e transformá-las em dados de experiência pessoal, se o meio artístico em que
vive não lhe permite conhecer isso de que ele ouve falar? Só realmente uma discoteca pública
pode apagar tais lacunas.
A Discoteca Pública Municipal iniciou seus serviços de consulta pública a 18
de novembro de 1936, podendo ser esse aspecto das suas atividades dividido em três períodos
de funcionamento, separados por intervalos mais ou menos longos causados por duas
mudanças e consequentes reinstalações.
Damos, a seguir, um resumo das estatísticas do movimento de consultas até
agosto de 1938:
Em 9 meses e 26 dias, equivalentes a 223 dias úteis a Discoteca atendeu a 1637
(mil seiscentos e trinta e sete) consulentes, que ouviram 5966 (cinco mil novecentos e
sessenta e seis) obras, num total de 7302 (sete mil trezentos e dois e meio 756) discos
executados. Note-se que o tempo diário de consultas é de 5 e ½ horas apenas (aos sábados, de
2 horas e meia) e que a Discoteca possui somente duas cabines para audição.
Finalizando, temos uma notícia a dar, notícia que nos é extremamente grata e
esperamos o seja também para quantos se interessem pelo bom nome cultural de São Paulo:
desejando a Tchecoeslováquia organizar uma Discoteca Nacional, a Sociedade de Educação
Musical de Praga solicitou à nossa Discoteca pública Municipal dados completos sobre a
organização dos seus serviços, para que pudesse elaborar uma proposta de lei. O relatório
pedido foi remetido para Praga há dois meses atrás.
756 Na elaboração das estatísticas, era considerada a audição de cada face dos discos.
357
ANEXO C
Na mina opinião, o Brasil possui um grupo de poetas que podem ser classificados
como grandes. Nesse grupo quatro nomes têm para mim um relevo especial: Gregório de
Matos, Castro Alves, Carlos Drummond de Andrade e Mario de Andrade. Esses poetas
revelam, no conjunto das suas obras, três fatores que considero indispensáveis na
caracterização de um grande artista: boa execução técnica, valor moral e aquele elemento
irredutível a dados precisos a que se pode chamar lirismo, emoção poética ou outro nome que
tenha. Por valor moral entende tudo que implique enriquecimento e valorização do homem e
da sociedade, em qualquer dos seus aspectos. Inclui, pois, desde as obras que visam
essencialmente o progresso da arte e da cultura e a quebra de preconceitos que entravam a sua
marcha, desde as que dignificam e encorajam o homem, até as que mostram os males que o
afligem e lutam pelo respeito à sua dignidade, pela liberdade, por uma vida concebida em
moldes cada vez mais justos. O valor moral da obra de arte eu o resumo, portanto, em
solidariedade humana.
Sim e por duas razões> Artisticamente, como vários críticos têm assinalado, os poetas
do Romantismo, Castro Alves inclusive, começaram a nacionalização mais consciente da
poesia brasileira, levando para ela problemas nacionais, tais como o do índio e o do negro,
nacionalização que se refletiu na própria linguagem em que esses poetas se exprimiram,
iniciando o abrasileiramento do português escrito no Brasil. Quanto a Castro Alves
particularmente, foi também um revolucionário político, dadas a natureza e as consequências
da campanha abolicionista de que participou. E o foi também pelas tendências libertárias
manifestadas através de sua obra, inclusive pela sua admiração a Victor Hugo.
358
É sabido de todos que a influência de Castro Alves foi muito grande na campanha
abolicionista, em que agitou com seu entusiasmo e seus versos a mocidade acadêmica e os
intelectuais do seu tempo. Essa influência se tornou ainda maior porque o poeta ia para a
praça pública e para os teatros recitar seus versos, buscando assim entrar em contato direto
com o público que desejava conquistar para as suas ideias.
Tal como está formulada, a pergunta me parece meio confusa. Evidentemente, Castro
Alves não é 'o poeta do presente', pois que hoje os problemas essenciais a resolver já são
outros. Entretanto, são da mesma essência do problema que mereceu o amor de Castro Alves:
liberdade, liberdade para todos, respeito a todos, vida digna para todos, indivíduos e povos.
Como tantos outros artistas do Brasil e do mundo que souberam honrar os seus países e a
humanidade, lutando em benefício dos homens, Castro Alves é de uma enorme atualidade:
pertence ao número daqueles 'que nos confortam e armam nosso braço', como de tais artistas
dizia Mario de Andrade.
Quer se entenda pelas palavras 'poeta popular' e homem que fez poesia sobre o povo e
para o povo, quer se entenda a difusão larga da sua poesia, a resposta é afirmativa.
Evidentemente, nem toda a obra de Castro Alves tem conteúdo social e político, a maioria
dela cuida muito individualistamente dos amores e particularidades do poeta. Entretanto, a
poesia para o povo, a função social da poesia, parece ter sido uma constante da sua vida, pois
que ele sujeitava com frequência suas criações à crítica pública, declamando-a nos palcos e
nas ruas, como já disse antes. E se essa poesia não podia chegar até os seres que ela defendia,
para que a utilizassem, serviu-os entretanto da melhor maneira possível, ajudando a
conquistar em favor deles o interesse da nação.
359
6 – A sua obra poética perdeu o brilho por ele ter aderido à luta pela abolição?
Pelo contrário. De maneira geral, é mesmo possível dizer-se que a parte artisticamente
melhor da obra de Castro Alves é composta pelos seus poemas contra a escravidão.
Fazendo-se edições populares das suas obras, especialmente das que apresentam
conteúdo político-social. Difusão ampla dos seus poemas entre o povo. Inclusão nas
atividades escolares, inclusive nos cursos primários, de leitura de suas obras e de comentários
sobre elas e as atividades do poeta, a fim de incentivar-se na infância e na mocidade o amor à
liberdade e o desprezo aos preconceitos de raça.
14-2-1947
__________________________
Oneyda Alvarenga
757
'Hoje'. Publicada com cortes .”
757 Frase manuscrita por Oneyda Alvarenga, como já foi dito acima.
360
ANEXO D
Jorge Andrade,
Aí vão as respostas, que espero correspondam ao seu desejo.
Ficaram enormes e evidentemente o senhor tem liberdade de escolher entre elas as que mais
lhe interessem. Pelo tamanho do respondido e pela falta de tempo, abandonei três: 'O que há
de positivo na proteção das manifestações folclóricas?'; 'O que há de negativo?'; 'Quantos
grupos folclóricos existem em S. Paulo?'.
Mando junto algumas referências ao meu trabalho, como o
senhor pediu, tiradas de um processo referente às publicações da Discoteca. Não tenho
arquivo organizado e nem guardo muito essas coisas. Procurei me lembrar onde andava a
crítica do Adolfo Salazar, que mencionei numa das respostas, e não consegui.
Em vez das duas fotos, mando cinco. O senhor escolherá as que
lhe parecerem melhores e me devolverá, por favor, as três restantes. Vão também os retratos
das minhas primeiras informantes, que precisarão também voltar, porque não tenho o negativo
deles.
Agradeço mais uma vez a bondade de seu interesse e
cumprimento-o muito cordialmente.
Oneyda Alvarenga
tarefa absorveu tanto, que impediu o prosseguimento da tarefa de análise da música folclórica
brasileira e dos fatos a ela ligados. Entretanto, não veja nisso nem tristeza nem um mea culpa.
Embora me agradasse ir mais longe, é claro, tenho consciência da utilidade do meu trabalho
modesto. Isso me traz uma dose bastante de contentamento, porque desde cedo procurei
aprender com meu mestre Mario de Andrade que o trabalho intelectual 'tem de servir a
alguma causa ou a alguém', e que é 'muito melhor ser útil que ser célebre'.
759 Observe-se que, se na época da criação da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, o termo música
popular valia como sinônimo de música folclórica, à época desta entrevista (1960) respondida por Oneyda
Alvarenga, a musicóloga emprega os dois termos, já diferenciados, um do outro.
363
Do editor nenhuma informação me veio. Na Itália não sei o que aconteceu, de bom ou de rúim
. Sperling & Kupfer nem responderam ao meu pedido de notícias!
6-8-1960
Oneyda Alvarenga”
365
ANEXO E
ALVARENGA, Oneyda. Perguntas que me foram formuladas por escrito por Laís Corrêa de
Araujo, em Belo Horizonte, dezembro de 1961. Respondi-as, acompanhadas de carta, em 26-
1-1962. Texto integral da entrevista de Oneyda Alvarenga para o “Estado de Minas”,
entrevistadora: Laís Corrêa de Araujo. Entrevista. Datiloscrito, 26 de janeiro de 1962, cópia
carbono, 5 p. Doc. 8150 - (da mesma forma) Consultada cópia xerográfica.
“1 – O seu livro de poesia, “Menina Boba”, tão bem recebido na época pela crítica, foi apenas
um momento inicial de sua atividade literária? Por que abandonou a poesia?
2 – Acredita na eficácia e utilidade dos estudos folclóricos no Brasil, em que não contamos
com um lastro considerável de tradição a preservar?
5 – Quais são, a seu ver, os estudiosos que mais têm contribuído para o enriquecimento da
bibliografia folclórica brasileira?
6 – O que pode fazer o escritor brasileiro para atingir mais diretamente o povo, em vez de
ficar reduzido a um público de elite?
8 – Mario de Andrade foi um homem de cultura multiforme, tendo feito poesia, crítica
literária, ficção, música, folclore. Você, que o conheceu e com ele trabalhou, poderia nos dizer
sobre qual desses aspectos o vê realmente realizado?
10 – Tem algum livro em preparo? Poderia nos dizer algo sobre os seus planos literários?
760 Nota de Oneyda Alvarenga: “Dois capítulos desse livro apareceram em 1935 na 'Revista Brasileira de
Música', no jornal 'O Estado de Minas' e, nesse mesmo ano ou em 1936 (não tenho bem de memória), em 'O
Estado de S. Paulo'.”
367
2 – Acredito, porque o lastro existe, aqui como em toda parte e, ao contrário do que você
pensa, é vivo e rico, embora as manifestações, digamos superficiais, desse lastro mudem de
aspecto com certa rapidez. E há muito o que extrair dele, para acréscimo de conhecimento do
homem e da sociedade brasileiros, sem contar as demais utilidades que sempre foram
reconhecidas como resultantes das pesquisas e estudos folclóricos: artísticas, pedagógicas,
recreativas e até, por exemplo, as psico-terapêuticas, em que já se fala hoje.
3 – Ainda há algumas pendengas sobre o objeto e limites exatos do Folclore, mas as brigas
teóricas parecem deixar intacto esse núcleo essencial: são Folclore as manifestações culturais
do povo, do vulgo, entre os povos civilizados. O Folclore implica, pois, a existência, numa
mesma sociedade, de duas culturas paralelas: uma oficial, letrada, que se aprende nas escolas;
outra vulgar, iletrada, que se comunica oralmente e cujas manifestações, se não são nem
poderiam ser criação anônima, transmitem-se anonimamente, como patrimônio coletivo,
patrimônio que ora mantém mais ou menos intactos os fatos que o compõem, nele se
integram, ora deles conserva elementos e processos que, estáticos ou expandindo-se em suas
possibilidades latentes, dão nascimento a novos fatos e processos que atendam a novas
exigências sociais de funcionamento da cultura.”
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[Aparentemente Oneyda Alvarenga não explica a Laís Corrêa de Araujo porque não
respondeu às perguntas 4 e 5.]
6 – Esta sua pergunta me deixa bastante sem jeito. Não me considero realmente uma escritora,
perdi contato com muitos setores da cultura nacional e respondê-la me parece,
verdadeiramente, por uma colher torta no assunto. Mas que vá a resposta, como ousadia de
leitora de não muitos livros. Acho que a sua pergunta requer uma resposta bipartida. 1º) Que
os ensaístas, os críticos e as mais gentes da mesma família sejam eruditos, porque esse é o seu
ofício e o dever deles, mas não façam tanta praça da seca erudição, para não soterrarem os
leitores sob a avalanche de gelo em que muitos estão convertendo os seus escritos, até os
artigos destinados a suplementos literários de jornais, que deveriam ser feitos para atrair o
maior número possível de leitores. Aliás, lembro que Sergio Milliet há algum tempo chamou a
atenção para esse caso das páginas literárias de jornais, que estão sendo perigosamente
confundidas e transformadas em revistas especializadas, onde só iniciados podem se mover
com desembaraço e interesse. 2º) Que os escritores de ficção e os poetas não se deixem levar
pelo demônio da pesquisa e das experiências intelectuais exageradas. Ao lado da busca
renovada de caminhos artísticos, há de haver sempre lugar para o calor humano. De mestre
Mario de Andrade ouvi muito cedo, e procurei não esquecer, que 'a palavra tem de servir a
alguma causa ou a alguém'. E há muitos caminhos para servir às tais causas e aos homens.
Para mim e os leitores comuns como eu, é inútil ou pelo menos insatisfatório tentar fazer com
que a palavra, e a criação artística em geral, valham exclusivamente pelo seu lado intelectual
puro, pelas laboriosas buscas técnicas, felizes ou infelizes, do escritor e do artista. Há alguma
coisa que precisa ir além disso e se explica com um lugar-comum: é preciso haver o homem
com seus múltiplos dramas, a simpatia calorosa por eles, a vontade real de se comunicar com
os outros.
7 – Pelo que já falei antes, você terá visto que acredito e não preciso me estender mais sobre
os motivos da crença.
dessas faces isoladas. As várias atividades de Mario de Andrade eram expressão necessária de
experiências interiores que em cada uma encontravam seu instrumento mais adequado de
exteriorização. Só me parece possível compreendê-lo exatamente através da soma ou da
justaposição dessas múltiplas atividades. Creio que o tão citado verso 'Eu sou trezentos, sou
trezentos e cincoenta' exprime uma verdade pessoal profunda e não pode ser perdido de vista
nesse caso. Para mim o verso célebre indicaria não apenas os múltiplos eus afetivos, e quase
sempre contraditórios, que todo indivíduo de sensibilidade e inteligência elevadas carregam
dentro de si. Significaria, também, não a variedade exterior de obra realizada, como
costumam entendê-lo, mas a multiplicidade das vocações intelectuais, dos apelos que fizeram
de Mario, segunda a própria definição dele, um homem 'curioso de tudo o que faz mundo', na
mais nobre interpretação que se possa dar a essa amorosa curiosidade.761
9 – 'Grande Sertão: Veredas' e muitas das novelas do 'Corpo de Baile', com uma das maiores
comoções literárias da minha vida. A comoção vinha de longe. Li 'Sagarana' três vezes,
quando apareceu em 1946. E acho que Guimarães Rosa responde afirmativamente à pergunta
que você me fez sobre a possibilidade de uma 'literatura fundada no panorama social, político
e cultural do Brasil de hoje', como de ontem e de amanhã.
Aliás, esta indagação que você me faz, logo em seguida a uma sobre Mario, me leva a lhe
dizer também que acho que Mario abriu o caminho para Guimarães Rosa. Sem 'Macunaíma' e
toda a ficção de Mario não seriam possíveis nem a língua do 'Grande Sertão: Veredas', em que
o aproveitamento da fala popular se mescla à invenção pessoal construída por ilação das
próprias tendências populares da língua (M. Cavalcanti Proença já mostrou isso), nem a
aceitação geral com que os letrados receberam essa língua liberdosa, como diria Mario. Até o
próprio processo de narrar será apenas joyceano? Ou será uma transposição do sinuoso jeito
popular de contar casos, presente já em 'Macunaíma', com que o narrador se deixa levar pelos
vai-véns da evocação, misturando no caminho da narrativa coisas vividas, imaginadas e
pensadas, meio libertas de tempo e espaço, surrealista por essência?
E mesmo um traço psicológico mais fundo vislumbro, por um momento, entre Mario de
Andrade e Guimarães Rosa: a ternura pela fragilidade e o mistério da [infância?] 762. Pois o
761 O ângulo inferior esquerdo da folha está rasgado, o que torna impossível ler o início de anotação feita por
Oneyda Alvarenga, à margem esquerda, no sentido de baixo para cima: “[?] conforme o tempo e o caso,'”- A
frase está escrita somente até a vírgula e não é visível nenhuma sinalização de encaixe com o texto
datilografado.
762 A palavra está quase ininteligível, manuscrita por Oneyda Alvarenga na entrelinha.
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Miguelim do admirável 'Campos Gerais', não será um irmão sertanejo e mais novo do
Paulino, aquele urbano, proletário, solitário e doloroso filho da Teresinha,, perpetuado no não
menos admirável 'Piá não sofre? Sofre.'
10 – De meu, inteiramente pessoal, nada. Vou acabar dentro em pouco, espero, o último dos
livros em que reuni o material folclórico que Mario de Andrade me legou, e a que dei o título
de 'As Melodias do Boi e Outras Peças'. Depois vou ver se terei gosto e meios para por em
livro uns velhos sonhos. Não planos, sonhos mesmo.
S. Paulo, 26 - 1 – 1962
Oneyda Alvarenga”