CAROZZE - Tese Sobre Oneyda PDF

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CULTURAS E IDENTIDADES BRASILEIRAS

A menina boba e a discoteca


Versão corrigida

VALQUÍRIA MAROTI CAROZZE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Culturas e Identidades Brasileiras do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade
de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre
em Filosofia.

Área de concentração: Estudos Brasileiros

Orientadora: Profª Drª Flávia Camargo Toni

SÃO PAULO
2012
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho,
por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e
pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação da Publicação
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo

DADOS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


Serviço de Biblioteca e Documentação do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
© reprodução total

Carozze, Valquíria Maroti


A menina boba e a discoteca / Valquíria Maroti Carozze. -- São Paulo, 2012.

Orientadora: Profa. Dra. Flávia Camargo Toni.

Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo. Instituto de Estudos Brasileiros.


Programa de Pós-Graduação. Área de concentração: Estudos Brasileiros. Linha de pesquisa:
Brasil: a realidade da criação, a criação da realidade.
Versão do título para o inglês: The silly girl and the music library.
Descritores: 1. Alvarenga, Oneyda, 1911-1984 2. Andrade, Mario de, 1893-1945 3.
Discotecas 4. Documentação musical 5. Musicologia 6. Música (Estudo e ensino) I.
Universidade de São Paulo. Instituto de Estudos Brasileiros. Programa de Pós-Graduação II.
Título.

IEB/SBD02/2012 DD 780.981
Nome: CAROZZE, Valquíria Maroti
Título: A menina boba e a discoteca

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de Mestre em Filosofia

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr.__________________________________Instituição:_________________________

Julgamento________________________________Assinatura:_________________________

Prof. Dr.__________________________________Instituição:_________________________

Julgamento________________________________Assinatura:_________________________

Prof. Dr.__________________________________Instituição:_________________________

Julgamento________________________________Assinatura:_________________________
Para Victor
AGRADECIMENTOS

Agradecimento especial devo à professora Flávia Camargo Toni pela


orientação magistral e constante e pela total dedicação com que me acompanhou o tempo
todo.
Devo muito às professoras Telê Ancona Lopez e Dorotéa Machado Kerr, que
na banca do exame de qualificação contribuíram com valiosas sugestões, às quais espero ter
atendido... e que na banca de mestrado me descortinaram filósofos que foram chave de fecho
(e abertura) para a grandiosidade que ainda faltava em pensamento. Ainda à Profª Telê
agradeço pelas inesquecíveis aulas ministradas no Instituto de Estudos Brasileiros da
Universidade de São Paulo.
Meu agradecimento também à Professora Maria Augusta Fonseca, da FFLCH/
USP, pela oportunidade única de aprender com seu saber.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos Brasileiros
da Universidade de São Paulo, em especial a Maria Cristina Pires da Costa e Carolina
Sciarotta G. dos Reis.
Meus agradecimentos ainda a todos os funcionários do Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo, em especial a Maria Itália Causin, Márcia Pilnik,
Maria Célia Amaral, Lívia Barão, Márcia Dias e a todos os funcionários da Biblioteca; a
Flávio Gomes de Oliveira, Miriam A. da S. Leite, Maria Izilda Claro do Nascimento F. Leitão,
Gabriela Giacomini de Almeida e a todos os funcionários do Arquivo do mesmo IEB.
Agradeço ao apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP), sem o qual este trabalho não seria realizado.
Também agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pelo apoio financeiro concedido.
E também meu muito obrigada a Juliana Alvarenga, Carlos Camargo e
Mercedes Reis Pequeno.
Ao Centro Cultural São Paulo e às pessoas que estiveram ou estão ligadas a
essa instituição: Aurélio Nascimento, Pedro Gustavo Aubert,Vera Cardim, Fábio Alex, Lucas
Lara, Rafael V. B.Souza, Jéssica Barreto, Aloysio L. de A. Nogueira, Felipe Guarnieiri, Wilma
Oliveira.
Obrigada a Clélia e Antônia.
Minha gratidão infinita a Puru e ao convívio familiar, pelo estímulo ao
interesse pelas artes.
Aos irmãozinhos Catulo, Neno e Salomé, com os quais tive muita paciência...
E quando chego ao Victor... a palavra nem é agradecimento. Além de um
universo compartilhado, estando longe ou perto, o Victor não fez muito: ele fez TUDO pra
que eu pudesse escrever sempre.
RESUMO

CAROZZE, Valquíria Maroti. A menina boba e a Discoteca. 2012. Dissertação (Mestrado em


Filosofia) - Programa de Pós-Graduação em Culturas e Identidades Brasileiras, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2012.

Orientadora: Profª Drª Flávia Camargo Toni

Este trabalho se propõe analisar, interpretar e destacar o desempenho da


musicóloga Oneyda Alvarenga, como diretora da Discoteca Pública Municipal de São Paulo
(atual Discoteca Oneyda Alvarenga), trazendo a lume seu perfil de poeta, musicóloga e
etnóloga, e de Mario de Andrade, como diretor do Departamento de Cultura da cidade e
criador da seção que comportava o funcionamento da Discoteca Municipal; abordar seu papel
como mentor de Oneyda Alvarenga; os esforços do intelectual modernista, crítico de arte e
musicólogo no sentido de promover a busca de uma expressão “genuinamente nacional” da
música brasileira. Propõe-se também a analisar a própria Discoteca Pública Municipal, seus
objetivos, seu momento histórico e cultural, antes e durante o governo de Getúlio Vargas; o
valor e o sentido da organização da documentação musical brasileira e latino-americana na
época do Departamento de Cultura, sob diretoria de Mario de Andrade, segundo os propósitos
do americanismo musical defendido por Curt Lange. Ainda sob o ponto de vista do
americanismo musical, estabelecer relações entre os objetivos de difusão cultural mediante o
trabalho de recuperação da música folclórica pela Missão de Pesquisas Folclóricas, a criação
da Discoteca Pública Municipal e o contexto latino-americano, com sua atmosfera
intelectual, que favorecia a criação de órgãos que pusessem à disposição documentos a serem
pesquisados, refletindo sobre esse empreendimento no momento sócio-cultural brasileiro das
décadas de 1930 e 1940, passando pelo viés da realidade brasileira, ao mesmo tempo gestada
pela criação e universo social que propicia essa criação.

Palavras-chave: Alvarenga, Oneyda; Americanismo musical; Andrade, Mario de; Cultura;


Departamento de Cultura; Discoteca Pública Municipal de São Paulo; Discotecas;
Documentação musical; Musicologia; Discoteca Pública Municipal de São Paulo; Música
(Estudo e ensino)
ABSTRACT

This dissertation proposes to analyze, interpret and highlight the performance


of the musicologist Oneyda Alvarenga, as director of São Paulo Municipal Public Record
Collection (current Oneyda Alvarenga Record Collection), bringing to light his profile of
poet, musicologist and ethnologist, and of Mario de Andrade, as Director of the City
Department of Culture and creator of the section that included the operation of the Municipal
Disco Hall; his role as mentor to Oneyda Alvarenga; the efforts of the intellectual modernistic,
musicologist and critic of art to promote the search for means of truly national expression of
Brazilian music. It is furthermore also proposes examining the own Municipal Public Record
Collection, its objectives, its history and culture before and during the government of Getúlio
Vargas, the value and meaning of the organization of Brazilian and Latin American musical
documentation at the time of the Department of Culture, under the direction of Mario de
Andrade, according to the purposes of the musical Americanism advocated by Curt Lange.
Still from the point of view of musical Americanism, linking the objectives of cultural
diffusion through the work of recovery of the folk music by the Folk Research Mission, the
creation of the Municipal Public Record Collection and the Latin American context, reflecting
on this undertaking at the Brazilian socio-cultural moment in the decades of 30 and 40
through the bias of Brazilian reality, while managed by the creation and the social universe
that provides this creation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Fotografia do Grupo de estudos de História da Música no escritório da casa de


Mario de Andrade, à Rua Lopes Chaves. Ca rlos Ostronoff, Sonia Stermann,
Oneyda Alvarenga, Mario de Andrade e Climène de Carvalho.
Data - 1934
Fundo Mario de Andrade, Série Fotografias, Código MA – F – 1484
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo..........20

Figura 2 - Funcionários manuseando discos e cartaz com dizeres sobre música sinfônica e
ópera, no acervo da Discoteca Pública Municipal de São Paulo
Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para milhões. In: Revista do Globo
. 26 jan. 1946. p.44.
Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga
Centro Cultural São Paulo......................................................................................210

Figura 3 – Duas estudantes ouvindo música em cabine da Discoteca Pública Municipal de São
Paulo
Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para milhões. In: Revista do Globo.
26 jan. 1946. p.45.
Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga
Centro Cultural São Paulo......................................................................................211

Figura 4 - Sala Luciano Gallet, auditório da Discoteca Pública Municipal de São Paulo,
quando instalada na sede à Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 278
Reportagem: Mais um motivo de orgulho para S. Paulo: a nova Discoteca
Pública. s.d.
Doc. 8121 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga
Centro Cultural São Paulo.......................................................................................307

LISTA DE TABELAS

Tabela do Capítulo 1 - Tabela 1.1 - Compositores e Composições sobre Poemas de Oneyda Alvarenga/
Data.........................................................................................................................................................36

Tabela do Capítulo 3 – Tabela 3.1 – Etiquetas de gravadoras de discos...............................................129

Tabelas do Capítulo 4 - Tabela 4.1 - Índice de compositores/países/séculos - Ocorrência em Concertos


de Discos...............................................................................................................................................282

Tabela 4.2 - Nação (natal) dos Compositores/Ocorrência de compositores nos Concertos por
país........................................................................................................................................................285

Tabela 4.3 - Séculos a que pertencem as obras /Ocorrência em concertos de discos..........................286


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................12
Explanação sobre cada capítulo; partes de capítulo; anexos;
Traços biográficos de Oneyda Alvarenga
CAPÍTULO 1 ONEYDA........................................................................................................19
1. Oneyda Alvarenga.................................................................................................................19
1.1 Oneyda Alvarenga diretora da Discoteca Pública Municipal de São Paulo.......................23
1.2 Menina boba........................................................................................................................25
1.3 Musicóloga, etnóloga, folclorista e Diretora da Discoteca Pública Municipal...................42
CAPÍTULO 2 PRIMÓRDIOS E PERFIS................................................................................47
2. Primórdios: panorama...........................................................................................................47
2.1 Planos por água abaixo: e o rio seguiu seu curso................................................................56
2.2 Perfis (Os mandarins, os ilustrados, os missionários de uma utopia nacional-popular, os
intelectuais cooptados pelo Estado, os estúpidos de serem culturais nesta Loanda)................70
CAPÍTULO 3 NACIONALISMO E... NACIONALISMO.....................................................75
3. Nacionalismos.......................................................................................................................75
3.1 Americanismo e Nacionalismo na Música..........................................................................82
3.2 Americanismo musical........................................................................................................83
3.3 Nacionalismo musical.........................................................................................................90
3.4 Organização dos saberes.....................................................................................................96
3.5 Criação de Rádio-Escolas e Discotecas no período entreguerras,
na Europa e na América............................................................................................................98
3.6 Rádios educativas................................................................................................................98
3.7 Discotecas: Função social e ideologia...............................................................................118
3.8 Discotecas/Documentação musical na década de 1930....................................................120
3.9 Documentação musical: fonte de pesquisa.......................................................................123
3.10 Embasamento teórico na Biblioteca de Mario de Andrade.............................................124
3.10.1 Leituras acerca de discos e discotecas.......................................................................124
3.10.2 Catálogos de discos......................................................................................................133
3.11 Discoteca do Uruguai, por Francisco Curt Lange...........................................................140
3.12 Carleton Sprague Smith: a visão de mais um musicólogo estrangeiro sobre
acervos musicais.....................................................................................................................143
3.12.1 Discotecas da América do Sul, por Carleton Sprague Smith e o recíproco interesse no
estudo da música norte-americana, por parte de Mario de Andrade.......................................146
3.13 Discotecas no Brasil........................................................................................................160
3.14 Discoteca Nacional.........................................................................................................160
3.15 Discoteca Pública Municipal de São Paulo.....................................................................163
3.15.1 A Catalogação da Discoteca por Oneyda Alvarenga....................................................166
3.16 Novamente na biblioteca de Mario de Andrade:
o caminho trilhado por Oneyda Alvarenga.............................................................................172
3.16.1 Bibliografia lida por Mario de Andrade e, num segundo momento,
por seus alunos do grupo de estudos semanais: História da Música.......................................174
3.16.2 Leitura de revistas da área musical..............................................................................192
3.17 O Compêndio de História da Música, de Mario de Andrade.........................................195
CAPÍTULO 4 CONCERTOS DE DISCOS...........................................................................200
4.1 Concertos de Discos: a reconstrução da História Social da Música
no mosaico das audições........................................................................................................200
4.2 Palestras e concertos de discos a serem oferecidos pela Discoteca Pública Municipal....212
4.3 Frequência do público ao longo do tempo e instalações dos auditórios...........................212
4.4 Programas da Discoteca – Anos 1930 e 1940...................................................................217
4.5 Programas da Discoteca – Anos 1950...............................................................................253
4.6 Índice de compositores e estatísticas................................................................................280
4.7 Análises e observações sobre alguns Concertos de Discos...............................................287
4.8 O gosto do público?..........................................................................................................308
CONCLUSÕES......................................................................................................................318
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................327
ANEXO A …..........................................................................................................................339
“Oneyda Alvarenga - Referências críticas

ANEXO B...............................................................................................................................352
Transcrição do texto integral da entrevista de Oneyda Alvarenga concedida ao Diário da
Noite – 17/08/1938) “Entrevista dada ao Diário da Noite em 17-8-38

ANEXO C...............................................................................................................................357
Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje: Como encara Castro Alves na literatura
brasileira

ANEXO D..............................................................................................................................360
Transcrição integral dos textos de carta e entrevista concedida a Jorge Andrade, da revista
Visão:
Estudiosa de folclore

ANEXO E...............................................................................................................................365
Transcrição do texto integral da entrevista de Oneyda Alvarenga para o Estado de Minas
Oneyda escritora de A menina boba e literatura
12

INTRODUÇÃO

A proposta desta Dissertação foi, a princípio, fazer jus à criação da Discoteca


Pública Municipal, bem como à atuação da diretora da instituição, a musicóloga Oneyda
Alvarenga.
Num primeiro momento, houve necessidade de se analisar o contexto histórico,
social, econômico e cultural. Levando-se em conta o Americanismo musical; a questão do
Nacionalismo e todas as suas vertentes; questões de relações de poder e ideologias; relações
entrecruzadas de interesses, noções de cultura, grupos, a criação da Discoteca Pública
Municipal, dentro do Departamento de Cultura de São Paulo, em 1935 começou a se delinear.
Oneyda Alvarenga, como ex-aluna de piano de Mario de Andrade, pertencente
à geração que se forma nos anos 1930, traz consigo um legado feliz: o passado recente de
mulheres pianistas notáveis, como Guiomar Novaes, Antonietta Rudge e Magdalena
Tagliaferro. E não apenas notáveis; mas reconhecidas – fato que, no século anterior (XIX)
seria impossível. No cenário entreguerras, em que se valorizava a pesquisa e o conhecimento,
Oneyda Alvarenga desponta como poeta e como musicóloga; como dona de pensamento
científico pioneiro, na área de folclore musical. A profissional que foi tomada a sério por
especialistas da América e da Europa, conforme se atesta no Anexo A1, desta dissertação,
como profissional, etnóloga (o que se chama hoje “etnomusicóloga” - que seria o caso), cujas
obras são fontes de referência no panorama internacional.
Esta dissertação está dividida em quatro capítulos, seguidos de cinco Anexos,
conforme resumidamente descritos abaixo:
No Capítulo 1, Oneyda, se vê como Mario de Andrade explica a escolha de
Oneyda Alvarenga para ocupar o cargo de direção da Discoteca Pública Municipal de São
Paulo. Ao longo de todo o capítulo 1, as fontes primárias pesquisadas no Centro Cultural São
Paulo (constantes do Anexo A) descortinaram opiniões críticas - publicadas em periódicos da
época - sobre o trabalho de Oneyda Alvarenga. E confirmam, assim, o reconhecimento que
obteve a musicóloga. Até hoje, esse conjunto de documentos presentes nos Anexos da
dissertação e no capítulo 4 (programas dos Concertos de Discos) não havia sido analisado em
bloco. Sua importância é grande, na revelação de relações de áreas de conhecimento
(musicologia, folclore, documentação musical, divulgação de conteúdos musicais presentes
em gravações, partituras, fonogramas, livros), que se deram a partir de escritos e tarefas

1 p. 339-51 desta Dissertação.


13

realizadas por Oneyda Alvarenga, naquele contexto do Departamento de Cultura, nas décadas
de 1930 e 1940. Importância que faz fundamental a divulgação da informação dessas fontes
primárias.
Também é traçado esboço do perfil literário de Oneyda Alvarenga e a opinião
que críticos e escritores tinham de suas poesias, bem como se vê o panorama das várias faces
artísticas e científicas de Oneyda Alvarenga e observações críticas elogiosas a seu respeito,
fazendo ver que Oneyda foi reconhecida como séria profissional, nas décadas de 1930 e 1940.
No Capítulo 2, Primórdios e perfis, dentro da esfera histórica, social e
política, se vê o início da configuração de instituições com metas educativas e culturais no
Brasil. O capítulo gira em torno da criação do Departamento de Cultura do Município de São
Paulo sob o ideal de “realizar cultura liberta da influência política”, e são esboçados os passos
de tentativas de criação de um Instituto Brasileiro de Cultura, federal, que geraria depois, um
Instituto Paulista. Este, por sua vez, absorveria o Departamento de Cultura do município,
dentro do qual seria criada uma Rádio-Escola, ao mesmo tempo que incorporaria o
Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo... mostrando-se, enfim, que
nada disso, com exceção do Departamento de Cultura, se efetivou, revela-se como a
Discoteca Pública Municipal, já estabelecida com a função de apoio à Rádio (que não
aconteceu), toma para si funções extras – como se verá.
No capítulo 2 se trata ainda da questão dos intelectuais que ocuparam os cargos
públicos, na década de 1930, no Departamento de Cultura do Município de São Paulo,
discutindo seus objetivos ligados a ideais e seus perfis profissionais.
No Capítulo 3 - Nacionalismo e... nacionalismo, passando por conjecturas
sobre nacional, popular, nacionalismo pelos autores mencionados no texto e nas referências
bibliográficas, situa-se a posição de Mario de Andrade no panorama cultural da época.
Como introdução ao que se vai desenvolver em Americanismo musical, faz-se
uma breve explicação de como Mario de Andrade considerava o pan-americanismo e os
latino-americanismos, com seus distanciamentos da realidade de cada país: como
impedimentos da verdadeira expressão nacional (e universal) na Arte. Aborda-se o
desempenho do musicólogo teuto-uruguaio Curt Lange, na luta pela valorização da música do
continente americano e, em publicações de autoria de Flávia Toni, o que significaram as
pesquisas musicais de Mario de Andrade, dando relevo à audição de discos ( “música
mecânica”.)
14

Com base na leitura de Jorge Coli, analisa-se a posição de Mario de Andrade a


respeito de como este via o nacionalismo musical: dentro do conceito do nacionalismo como
“representação político-cultural”, a produção musical é uma das criações artísticas que,
expressando o simbólico, o imaginário, constitui parte relevante da formação do processo
social e ideológico dos países americanos, contribuindo para caracterizar a identidade
emergente das novas nações.
Estudando autores como Jorge Coli, José Maria das Neves e Elizabeth
Travassos, se busca esboçar os caminhos da evolução da música nacional, no período das
primeiras décadas do século XX - e mesmo nas épocas anteriores a ele. O texto da dissertação
também dialoga em muitos pontos, embora nem sempre de maneira expressa, com a teoria de
filósofos como García Canclini, Gramsci, Ortega y Gasset, Hannah Arendt, Mannheim; com o
pensamento de Alfredo Bosi e também com o do musicólogo Nicholas Cook.
Para introduzir a importância da organização dos saberes, aborda-se o momento
posterior, após o declínio dos anos 1920, quando acontece o despertar da consciência para a
necessidade de apoiar cientificamente cada ação, isso atendo-se apenas à área da cultura (a
preocupação era geral.)
A respeito da criação de Rádio-Escolas e Discotecas no período entreguerras,
na Europa e na América e Rádios educativas, o capítulo 3 ainda trata da preocupação comum
dos governos da Europa e da América no período entreguerras com a educação do povo – o
que incluía a musical. Serão apontados o interesse de Mario de Andrade no assunto das rádio-
escolas, assim como as leituras contempladas pelo musicólogo, desde a década de 1920.
Discute-se também ideologia na proposta de uma Discoteca Pública Municipal e a função
social dos serviços da organização de um acervo musical com o perfil peculiar a esta
Discoteca. Ainda se destaca a preocupação de Mario de Andrade com a preservação das
manifestações artísticas relacionadas à música, dentro do Brasil, assim como da linguagem
falada - e a consequente consciência da necessidade de criação de acervos de registros
sonoros, pelo Departamento de Cultura, a fim de ques se fizessem estudos sobre o material
coletado e organizado.
É também mostrada a responsabilidade da Discoteca Pública Municipal pela
preservação de suportes musicais (fonogramas, gravações, ícones, fotografias, textos) como
fontes de pesquisa para musicólogos e também para usuários leigos, contribuindo para a
memória e compreensão da música e cultura nacionais. São enfocados aspectos: da Missão de
15

Pesquisas Folclóricas que percorreu o Norte e o Nordeste do Brasil, em 1938, na tarefa de


coletar cantos e danças folclóricos da região, trazendo registros sonoros, os fonogramas que,
como fontes de estudo, compuseram o acervo da Discoteca Municipal; da guarda e
organização (catalogação) desses fonogramas, possibilitando a pesquisa dos documentos
sonoros como modo de resguardar o patrimônio artístico e cultural; da preservação da
memória folclórica musical, em decorrência da preocupação com as mudanças ocorrentes no
cantar dos povos brasileiros.
A fim de fundamentar o pensamento e as ações dos que estavam à frente do
Departamento de Cultura e da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, são observadas,
ainda no capítulo 3, as fontes bibliográficas estudadas por Mario de Andrade em sua
biblioteca, que também foram lidas, mais tarde, pelos alunos de História da Música que
frequentavam a casa do escritor, semanalmente – entre eles, Oneyda Alvarenga. Aqui, a
dissertação se debruça sobre as leituras específicas sobre discos e discotecas, no mundo
ocidental.
Mencionam-se também ações de dois musicólogos estrangeiros, ligados ao
americanismo musical: a criação da Discoteca do Uruguai, por Francisco Curt Lange
(mostrando-se o papel do musicólogo alemão naturalizado uruguaio, seus ideais pedagógicos
no campo da música e suas ligações com a organização da Discoteca Pública Municipal de
São Paulo) e a visão de Carleton Sprague Smith sobre acervos musicais da América Latina,
via política da boa-vizinhança na área musical. Não se deixa de observar também o recíproco
interesse no estudo da música norte-americana, por parte de Mario de Andrade.

No capítulo 3 também se mapeia a vasta bibliografia sobre História da Música


lida por Mario de Andrade e por José Bento Faria Ferraz, Sonia Stermann, Climène de
Carvalho, Suzy Piedade Chagas, Carlos Ostronoff, Ignez Corazza, Oneyda Alvarenga... enfim
por aqueles alunos que receberam de perto a orientação do musicólogo. Trata-se da formação
teórica, não só de Mario de Andrade autor do Compêndio de História da Musica, mas também
dos alunos que depois estiveram ligados à Discoteca Pública Municipal de São Paulo.

Ainda são rastreadas as leituras de revistas da área musical estrangeiras


assinadas e lidas na biblioteca de Mario de Andrade, verificando o enfoque que esses
periódicos davam, cada vez mais à música mecânica, análise de gravações de discos, uso
didático da audição de discos no aprendizado musical, crítica de antigos e novos
compositores, etc.
16

E, no final do capítulo 3, se delinearam alguns aspectos do Compêndio de


História da Música, de Mario de Andrade, a fim de entrar depois, no próximo capítulo, nas
análises e comparações entre essa obra de referência e a concretização do ensino de História
Social da Música por Oneyda Alvarenga, quando da elaboração e apresentação dos Concertos
de Discos e textos didáticos na Discoteca Pública Municipal de São Paulo.

O Capítulo 4 vai se concentrar nos Concertos de Discos. São mostrados os


programas de Concertos de Discos que Oneyda Alvarenga efetuou nas diversas sedes
ocupadas pela Discoteca Pública Municipal, ao longo de 1930, início de 1940 e 1950, em
relação ao Compêndio de História da Música, de Mario de Andrade. Detalham-se ações
pedagógicas da musicóloga Oneyda Alvarenga, ao efetuar programas para as audições de
discos; escrever textos sobre compositores e períodos – textos lidos pela autora, em público -;
ao se empenhar na divulgação do gosto pela música contemporânea, etc.

O estudo desses Concertos de audições públicas passa por vários pontos


importantes pertinentes às audições públicas, como: os repertórios em si; Frequência do
público ao longo do tempo e instalações dos auditórios; índices estatísticos de obras.
Compositores e séculos; algumas análises dos Concertos de Discos e comparações entre seus
repertórios e a Discografia do Compêndio de História da Música de Mario de Andrade. O
estudo desses Concertos de audições públicas revela a concretização, na prática, dos esforços
da Discoteca Pública Municipal no sentido de formar, senão músicos, ao menos pessoas
musicalizadas. Tudo aquilo que Oneyda Alvarenga pesquisou, desde 1934, no grupo de
estudos, na casa de Mario de Andrade, a respeito de História Social da Música, era
disseminado em planos didáticos, nesses Concertos de Discos, levando o ouvinte leigo a
concluir o conjunto da evolução musical, relacionando dados como: compositores, nações e
períodos, entre outras informações.

Finalmente, se procura mostrar o empenho, a urgência que sentiam as pessoas


ligadas à Discoteca Municipal do Departamento de Cultura em divulgar a música
contemporânea - principalmente aos ouvintes leigos. E também reflete as conclusões de
Oneyda Alvarenga, quando esta já possuía dados estatísticos concretos o suficiente para
averiguar as condições de trabalho e função da Discoteca diante de seu público consulente.

Nos ANEXOS serão transcritos documentos inéditos, pesquisados em fontes


primárias. Tais transcrições são fundamentais para que se vislumbrem por inteiro aspectos
17

importantes em relação a Oneyda Alvarenga e à Discoteca Pública Municipal de São Paulo,


no contexto da época estudada, como se verá abaixo:

ANEXO A: Oneyda Alvarenga - Referências Críticas (Transcrição de


Coletânea de críticas publicadas, elaborada pela própria Oneyda Alvarenga, a respeito de seu
desempenho em várias áreas.) ANEXO B: (Transcrição de texto integral da entrevista de
Oneyda Alvarenga concedida ao Diário da Noite – 17/08/1938) Discoteca Pública Municipal
de São Paulo e documentação musical. ANEXO C: (Transcrição do texto integral da
entrevista de Oneyda Alvarenga para o periódico Hoje, de 14 de fevereiro de 1947) Opinião
crítica de Oneyda Alvarenga sobre Castro Alves, no centenário de nascimento do poeta.
ANEXO D: (Transcrição integral dos textos de carta e entrevista concedida a Jorge Andrade,
da revista Visão, aos 06 de agosto de 1960) Oneyda Alvarenga como estudiosa de Folclore.
ANEXO V: (Transcrição do texto integral da entrevista de Oneyda Alvarenga para o Estado
de Minas, aos 26 de janeiro de 1962.) Oneyda escritora de A Menina Boba e Literatura.

Nesta dissertação será respeitada a grafia nas transcrições de textos das décadas
de 1930 a 1950 - quando for o caso de transcrição, tais textos não serão trazidos para a norma
culta vigente. Assim, será conservada a grafia das poesias de Oneyda Alvarenga, textos e
transcrição dos repertórios de Concertos de Discos; textos dos Anexos – encontrados nos
documentos originais consultados no Arquivo Histórico do Centro Cultural São Paulo e em
livros da Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo; como
das notas e comentários de Mario de Andrade em fontes encontradas no Arquivo do Instituto
de Estudos Brasileiros e nos livros da Biblioteca Mario de Andrade, do mesmo Instituto.
Os documentos pesquisados para esta dissertação no Arquivo Histórico
Municipal de São Paulo estão relacionados à administração de Mario de Andrade, quando foi
diretor do Departamento de Cultura. Os documentos observados possuem teor de ordem
burocrática e permitiram o mapeamento de trâmites legais, como contratação de funcionários
(Oneyda Alvarenga; músicos para a Rádio-Escola - entre outros); financiamento de viagens de
profissionais nomeados, como Rubens Borba de Moraes e Sérgio Milliet, a trabalho, quando
atuaram no Departamento de Cultura; até detalhes ínfimos (como compra de pó de café...) -
mostrando que Mario de Andrade prestava contas à prefeitura de movimentos mínimos, em
sua gestão. Porque sua função foi descortinar uma realidade de bastidores ao que constitui
objeto de real interesse para esta dissertação, esses documentos não serão descritos ou citados
18

aqui, com exceção da solicitação de alto-falantes para a Rádio Escola, que Mario de Andrade
dirigiu a Fábio Prado, prefeito de São Paulo na década de 1930.

TRAÇOS BIOGRÁFICOS

Oneyda Paoliello Alvarenga nasceu em Varginha, Minas Gerais, aos 06 de


dezembro de 1911. Oneyda, tinhas muitas irmãs: Odete, Olívia, Olga, Otília, Oleta.... e
irmãos: Ney, Nilo, Nobel... – este último, o único a ter filhos2. Porque foi uma aluna de piano
além dos padrões provincianos, seus professores lhe recomendaram que procurasse estudar
em uma cidade maior.
E lá se foi Oneyda, morar num porão habitável da casa dos parentes de São
Paulo, onde conheceu Mario de Andrade, seu futuro professor de música.
Em 1935, logo depois de se formar no Conservatório Dramático e Musical de
São Paulo, Oneyda Alvarenga veio a ser nomeada diretora da Discoteca Pública Municipal de
São Paulo, até maio de 1968, quando se aposentou. A musicóloga faleceu em São Paulo, aos
24 de fevereiro de 1984.

2 Nobel teve dois filhos: Ieve Evei Alvarenga e Gamelin Nilo Alvarenga, pai da sobrinha-neta de Oneyda
Alvarenga, Juliana Alvarenga, a quem se devem estas informações mais detalhadas sobre a família.
19

CAPÍTULO 1 ONEYDA

1. Oneyda Alvarenga

Muitas são as peculiaridades dessa mocinha de dezenove anos, que, em 1931


aportou na casa de Mario de Andrade, a fim de ser testada no piano de armário, naquela
salinha à direita de quem entra no sobrado da Lopes Chaves. O piano de teclas amareladas,
encimado por muitos objetos, dentre eles uma gravura de Beethoven, que secretamente
Oneyda sempre cobiçou, era encravado na única parede que não estava tomada pelas bonitas
estantes com livros, projetadas pelo próprio modernista. Oneyda jamais viu aquele piano
fechado, durante o tempo que frequentou a casa do professor. Deste, a primeira impressão que
teve foi de um homem muito feio, pele terrosa, e que falava como quem tivesse uma batata
quente na boca3. Porém, a varginhense sossegou seus temores, em relação àquele poeta “com
fama de doido”4 e de quem tudo o que Oneyda Paoliello sabia a respeito, no ano de 19315, é
que ele era autor da Pauliceia Desvairada, além de professor do Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo: foi quando suas primas, que a hospedaram em São Paulo e também
alunas de Mario de Andrade, contaram à moça mineira que o professor tinha um bondoso
coração e que todas as meninas o adoravam. Oneyda pôde confirmar tudo isso, ao se deparar
com a inusitada pergunta: se Oneyda sabia o que era polifonia. E eis a questão do professor,
ao pôr na frente da aluna uma partitura, talvez de Bach – Oneyda Alvarenga já não se
lembrava mais, em 1983.6 Oneyda respondeu muito segura “que nunca tinha visto a palavra
[polifonia], mas podia saber o significado dela pelos seus elemento formadores.” – o que fez
Mario de Andrade dar aquele sorriso de orelha a orelha, de rachar o crânio.
A partir daí, Oneyda Alvarenga estudou com aplicação – como diria Mario a
respeito de Macunaíma, quando este estudou bacororô e outras danças da tribu, ensinadas
pelos mais velhos – no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Oneyda fez parte de
um grupo de estudos de História da Música, na casa do poeta, à Rua Lopes Chaves, conforme
narra em Cartas7:

3 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 7.
4 Id., p. 6.
5 Ver Capítulo 1 desta dissertação.
6 Ano da edição do livro ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo:
Duas Cidades, 1983. 308 p.
7ANDRADE, op. cit.
20

Em 1934, Mário recebia em sua casa, todas as quartas-feiras à tarde, um grupo de


alunos que apresentaram teses de história da música merecedoras de se transformarem
em livros: Climène de Carvalho, Suzy Piedade Chagas, Ignez Corazza, eu, Carlos
Ostronoff, Sonia Stermann e talves, não me lembro bem, Joana Doll. Cada um de nós
trabalhava com a bibliografia que o mestre nos dava, sentados nas poltronas e no divã,
enquanto também ele trabalhava na sua escrivaninha.8

Fotografia do Grupo de estudos de História da Música no escritório da casa de Mario de Andrade, à Rua Lopes
Chaves. Da esquerda para a direita: Carlos Ostronoff, Sonia Stermann, Oneyda Alvarenga, Mario de Andrade e
Climène de Carvalho. Data – 1934. Fundo Mario de Andrade, Série Fotografias, Código MA – F – 1484.
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo

Oneyda nunca dissociou essas quartas-feiras do ritual do chá, no final da tarde,


quando Mario fechava as venezianas e acendia as luzes elétricas. Então, Dona Mariquinha,
mãe do modernista, fazia subir o chá (caríssimo) e os doces feitos pela cozinheira Sebastiana,

8 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
65.
21

muito querida pela família – a mesma Sebastiana para quem Mario de Andrade pediu que
jogasse a chave na rua, quando ele chegasse do Rio de Janeiro para ver a família, na época em
que saiu do Departamento de Cultura; a mesma Sebastiana que abrirá a porta do sobrado da
Rua Lopes Chaves para Paulo Duarte e o jornalista Múcio Borges, em 1970. Era a alegria da
vida de estudante de Oneyda.
Mas, relembraria Oneyda Alvarenga anos depois, num balanço que faz de sua
vida como diretora da Discoteca Municipal, o fato que mais – senão o único – a fez subir aos
voos altos da liberdade foi o veredicto de Mario de Andrade, ao afirmar que ela era poeta.

Acontece que Oneyda Alvarenga, além de estudar piano, já havia se aventurado


pela poesia com um ímpeto vital bem daquela geração – nos cinco primeiros anos da década
de 1930... Como seria natural, a moça tinha muita vergonha de mostrar seus versos ao grande
modernista. Quem resolveu a situação foi a mãe dela, ao entregar o caderno ao professor da
filha, pedindo sua opinião sincera.

Talvez nem tanto de provincianismo tivesse, afinal, Oneyda Alvarenga, aos


dezenove anos, apesar do tom muitas vezes indiscutivelmente engraçado, com que dirigia as
primeiras cartas, revestidas de certo “desenxabimento”9 para o Seu Mario, quando em período
de férias... numa das cartas, Oneyda diz que há um assunto que não poderia ser revelado
naquele momento, por escrito, que seria inconveniente. Depois, fica-se sabendo que o assunto
era seu noivado secreto com o primo, Sylvio Alvarenga, com quem Oneyda iria se casar, logo
depois10.

Mas Oneyda Alvarenga abandonaria no futuro o tom epistolar do começo:


“Mesmo de longe eu o amolo, seu Mario. Isso é pro senhor não se esquecer de mim e
continuar na sua caminhada pra Glória Eterna, caminhada em que eu represento os espinhos
mais agudos.11; meu espírito iluminado a lamparina12”; etc. Oneyda Alvarenga, nesse princípio
desajeitado de amizade com a qual Mario de Andrade lhe acenava francamente, deixa entrever
nas cartas, ora sua auto-crítica muito severa, depreciando seus próprios versos; ora seu medo
de perder tempo em Varginha, ao mesmo tempo que se parabenizava por não ter abandonado

9 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 12.
10 No Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, há uma fotografia do
casamento, pertencente ao Acervo Mario de Andrade; Código de Referência MA-F-1554 – Descrição: Oneyda e
Sílvio Alvarenga com Mario de Andrade, seu padrinho de casamento. [1937] No verso, a dedicatória: “Rio, 6-X-
1937/ Para dindinho Mário, como lembrança do enforcamento da discotecária.”
11 Ibid., p. 67.
12 Ibid., p. 21.
22

o estudo de piano em tempo de férias; ora sua inclinação para a vida simples no interior de
Minas Gerais, longe do meio urbano. Mas depois, ela enveredará por um caminho sem volta.

Em Varginha, Oneyda Alvarenga tinha cultivado leituras sobre Filosofia,


curioseando apaixonadamente sobre história das religiões, desde que lera o Orpheus, de
Salomon Reinach13, o que certamente já era suficiente para criar um abismo malestarento
(como diria Mario de Andrade) entre a futura musicóloga e seus pares, no interior de Minas...
Aí se pode entender a mocinha vislumbrando, meio familiarizada e bastante interessada,
aquilo que Mario de Andrade lhe apressava com urgência: Freud e História da Filosofia.
Então, se pode entender também a afirmação de Mario de Andrade, ao escrever a Murilo
Miranda, referindo-se a ele mesmo, Mario, ter sido o responsável pela “educação musical e
outras educações” de Oneyda. Aliás, Oneyda Alvarenga não só sobressaía em relação às
meninas interioranas: em carta a Manuel Bandeira, de 26 de outubro de 1931, Mario de
Andrade escreve sobre a precária mentalidade das moças que eram aceitas no Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo, com um “simples curso primário”14, causando até
vergonha no professor – basta dizer que elas não compreendiam o próprio Compêndio de
História da Música, de autoria do musicólogo. E Oneyda, reafirmando a opinião do ex-
professor a respeito delas serem “lindinhas”: “Eram lindinhas e ignorantíssimas (...)”15
Acresce-se a esse panorama desigual que a menina boba era poeta.
Oneyda se forma em 1934 - Mario de Andrade incentivara a aluna a escrever
seu trabalho final de curso de Música: A linguagem musical. Partindo para Varginha e vivendo
numa difícil situação no interior mineiro, recebe a proposta de Mario para ocupar o cargo de
diretora da Discoteca Pública Municipal, que seria criada em 1935, dentro do Departamento
de Cultura de São Paulo - cujo diretor seria o próprio Mario de Andrade. Em carta a Murilo
Miranda, Mario escreveria:

S. Paulo 9-5-36 (p.28)


Só uma vez resolvi fazer um pedido ao Capanema, violentando todas
as normas do meu ser. Toda minha compreensão da vida e meu infernal
orgulho de mim. Se tratava duma moça mineira [grifo do autor] de 21 anos,
extraordinariamente inteligente, Oneida Alvarenga, cuja educação musical e
outras educações eu que fizera. Pela penúria da família, morto o pai se viu
jogada em Varginha. Como eu dizia pra me dar coragem pra pedir: si ela
estivesse em São Paulo, no Rio, que comesse paralelepípedo e chorasse
13 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
22. Notas posteriores escritas por Oneyda Alvarenga, à carta de 19 jun. 1921.
14 Ibid., p. 9.
15 Id.
23

sangue, eu não pedia. Estava em ambiente onde poderia expandir o espírito e


se desenvolver. Mas jogada em Varginha! E resolvi pedir. (…) Ainda fui me
fortificar com o Manuel Bandeira, mais frio (…), capaz de raciocinar sem
paixão pra me certificar bem que não estava enganado sobre os valores da
Oneida. Ele me deu inteiro apoio. Eu tinha razão.16

Para se entender totalmente o grau de dificuldade que tinha Mario de Andrade


para pedir favores pessoais, é preciso ler a carta toda, onde o modernista conta ao amigo
Murilo Miranda a educação recebida pelo pai, decepcionado ao ver recusados alguns pedidos;
a atmosfera emocional que envolvia sua família. E Mario continua:

(…) Almoço acabou, fomos indo a pé pro Ministério, de repente meu


desespero foi tamanho que ajuntei todas as minhas forças e me joguei no
abismo, tem uma moça mineira positivamente excepcional, um valor, mas
que carece se desenvolver, e por causa da miséria está jogada em Varginha...
E não pedi! (…) Pouco tempo depois era nomeado diretor do Departamento.
Oneida tinha o tempo constitucional de moradia aqui, chamei ela, está
aqui.17

Deste jeito é que o diretor do Departamento de Cultura conta como Oneyda foi
realmente inserida no contexto da Discoteca Pública Municipal. Depois disso, segue-se a
longa e profícua trajetória da musicóloga, com seu rápido amadurecimento intelectual no
campo das pesquisas e música folclórica. Todo seu desempenho no âmbito da Discoteca
Pública Municipal de São Paulo.

1.1 Oneyda Alvarenga diretora da Discoteca Pública Municipal de São Paulo

Conforme se viu acima, Mario de Andrade explicou em carta a Murilo Miranda


porque Oneyda seria a escolhida para a diretoria da Discoteca Pública Municipal de São
Paulo. Dessa forma, com todas as dificuldades que teve nos meandros da contratação da
moça, foi que o diretor do Departamento de Cultura conta como Oneyda foi realmente
inserida no contexto da Discoteca Pública Municipal. Ora, a vista de Mario de Andrade
alcançava longe e, como Vicente T. Mendoza18, especialista que escreveria crítica a Oneyda na
16ANDRADE, Mário de. Miranda, Murilo. Cartas a Murilo Miranda (1934-1945). Rio de Janeiro : Nova
Fronteira, c1981. p. 30.
17 Ibid., p. 30.
18 Esse especialista, entre outros, figura no Anexo A, p. 339-51 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda.
Oneyda Alvarenga: referências críticas. [Trechos de críticas escritas em correspondências e de artigos publicados
em periódicos, sem assinatura.] Datiloscrito, [1938/68], cópia carbono, 10 p. Doc. 8069 - (da mesma forma)
24

Revista de História de América, em 1948, no México, entendeu que Oneyda Alvarenga tinha
critérios bastante minuciosos e rigor científico para atuar com pioneirismo no campo da
musicologia da América. Saltava mais aos olhos, então, não o gênero - feminino/masculino –
mas o perfil da estudiosa; seu caráter independente, quando da necessidade de se abrir
caminhos, principalmente na seara do estudo e ensino da assustadora, temível música
contemporânea.
Oneyda Alvarenga seria, então, a diretora da Discoteca do município,
independentemente da orientação de Mario de Andrade. E assim calculara ele:
primeiramente, pelas adversidades do panorama do poder político, em 1938, teve de se afastar
do Departamento de Cultura; pela segunda vez, em 1945, desta vez, quando teve de se
ausentar da vida. Oneyda Alvarenga há muito não dependia mais do mentor e, depois de
descortinado o universo da criação da música contemporânea e das técnicas de composições
de vanguarda, a partir do que se estudava no grupo de alunos que frequentava a casa de
Mario, naquelas quartas-feiras, abria caminho sozinha. No Compêndio de História da Música,
Mario de Andrade, ao fechar o livro com o capítulo Atualidade, naquela que foi a 2ª edição,
de 1933, além de se mostrar escandalosamente aberto à técnica revolucionária – como, por
exemplo, a plena aceitação do aparelho eletromagnético, um “Instrumento de Ondas Etéreas”,
moderníssimo (veja-se a época), inventado pelo russo Theremin -, ainda fazia referência a
uma discografia de ponta. Ora, pelos estudos realizados para esta dissertação, é fácil deduzir
que o autor só não mencionou o que ainda não havia sido gravado. Mais abaixo se verá que
Oneyda Alvarenga não apenas utilizou gravações não citadas por Mario de Andrade em seus
Concertos de Discos, na Discoteca Pública Municipal, como, por si, descobriu compositores
(e respectivas obras) que constituíam novidades de difícil deglutição, pelo público leigo.
Aliás, a senda aberta por Mario de Andrade era trilhada também por Murilo
Mendes. Este escreveu, entre1946 e 1947, uma série de artigos sobre música 19. Já no primeiro
deles, que dá o título à coletânea publicada anos depois pela Edusp, Formação de Discoteca,
percebemos no rol que traz de compositores os mesmos nomes que Mario de Andrade
indicara em seu Compêndio, mais de uma década antes. Dentro do contexto crítico de Murilo
Mendes há tamanha sofisticação, que suas sugestões ao leitor ao mesmo tempo têm amplitude

Consultada cópia xerográfica. - com trechos das respectivas críticas, coletadas por Oneyda Alvarenga, ao redigir
“Referências Críticas.”
19 MENDES, Murilo. Formação de discoteca e outros artigos sobre música: matéria publicada originalmente
no suplemento “Letras e Artes”, do jornal carioca A Manhã, entre 1946 e 1947. São Paulo : Eudsp, 1993. 166p.
(Memória,17)
25

e síntese. Ainda hoje, o ouvinte, tanto leigo quanto músico (mas principalmente o leigo), pode
voltar a essa fonte como válida.
Oneyda Alvarenga, como não podia deixar de ser, com todo seu cabedal de
conhecimento sobre música erudita contemporânea, pelos caminhos que a função da
Discoteca Pública Municipal tomava então, na formação do ouvinte leigo (mais adiante será
mostrado como isso se deu), se empenhou durante anos na tentativa de calafetagem da
formação musical dos consulentes da Discoteca. O mais difícil, não é preciso repisar, era
despertar o gosto do leigo refratário pela composição contemporânea... Então, pra animá-lo
Oneyda empregava o estratagema sublime. Buscava no acervo da Discoteca e em seus
recursos didáticos o arsenal de fogo da música contemporânea, abrasivo aos ouvidos como a
folha da urtiga, e sapecava com ele um concerto de música mecânica no pé-do-ouvido do
público. Isso o ouvinte ficava em silêncio, pra depois, muitas vezes, pedir repetição. Oneyda
lendo textos.20 (Abaixo, esses concertos de discos serão esmiuçados, quando se fizer
abordagem dos serviços da Discoteca Pública Municipal de São Paulo.)
Quando se trata de Oneyda Alvarenga, há que se atentar aos reflexos múltiplos
de alguém que se desdobrava, ao mesmo tempo que agregava em seu perfil características
que, se podem ser analisadas em separado, são indissociáveis no resultado do desempenho da
diretora da Discoteca Pública Municipal.

1.2 Menina boba

Manuel Bandeira descrevia Oneyda Alvarenga:

Porque ela se embasbacava diante de uma flor, porque às vezes tinha


vontade de beijar passarinho, porque tudo o que é belo lhe punha os olhos
cheios de água, porque não podia sentir pena de ninguém sem que lhe desse
o desejo maternal de acalentá-lo, de lhe passar as mãos pelos cabelos, de lhe
dizer uma porção de coisas sem sentido – estou alinhando em feitio de prosa
os versos livres do poema XI - chamavam-lhe boba... 21

Assim explica, nesse alinhamento, ou nesse “alinhavo”, se for o caso, o poeta


Manuel Bandeira, antes de realizar abordagem de alguns poemas de Oneyda Alvarenga, o
porquê do epíteto Menina Boba, com que Oneyda Alvarenga finalizava um verso: “Mas falam

20 Parafraseando ANDRADE, Mario de. Macunaíma. Rio de Janeiro: Agir, 2007. p. 33.
21 BANDEIRA, Manuel. Nota sobre a Menina Boba. In: Para todos, n. 3, abril, 1939. n. p.
26

que sou boba.”22


Mas parece que o caráter científico das pesquisas de Oneyda Alvarenga já
relampejavam de longe, querendo se impor, falando mais forte que a poesia. Esse artigo
escrito por Bandeira, no periódico Para Todos, de abril de 1939, começa esclarecedor. A
primeira informação que o autor dá é sobre o nome de Oneyda Alvarenga já ser conhecido do
público, devido à publicação de seu ensaio musical Cateretês do Sul de Minas, na separata da
Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, v. XXX, em 1937. O que aconteceu depois?
Muitos anos depois, Oneyda Alvarenga escreverá um texto para Mario de Andrade, in
memoriam, intitulado Ai, saudades!, no qual questiona a interferência do amigo em sua vida:

...o piano de estreia, em que eu pensei que ia ser mesmo pianista. Doce
ilusão! Você me arrancou do caminho que me traçara e, em vez de sons
musicais e poéticos, me atirou num papelório que não sei como, não me
sufocou. Foi bom? Foi ruim? Estou no fim da vida e ainda não sei; (…) não
sei se terá valido a troca.(...) o sonho substituído. Sonhos não se trocam (…)
às vezes a gente tem dessas sapitucas contra o passado (...)23

Muitos anos depois, em 1983, ano da edição do livro Cartas24, Oneyda


Alvarenga afirmaria, num texto introdutório à edição, que a vida interior dela mesma e a do
seu ex-professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo se misturaram sempre
ao trabalho, às suas dúvidas e respostas, acrescentando que: “Seria monstruoso de
inumanidade se assim não fosse.”
Mario de Andrade, que aos 24 de maio de 193425, envia uma carta a Manuel
Bandeira, apresentando: “É uma Oneida Alvarenga, de Varginha, inteligentíssima (...)“,
naquele mesmo ano, escreve outra carta ao poeta, aos 16 de dezembro 26, preocupado com os
destino da ex-aluna, depois de formada:

A Oneida lá se partiu (…) para Varginha, com uma carta de pianista meio
malmerecida ainda (…) Vai se encafuar numa cidade falsa (…) Me desgosta
pensar nela, eu quero muito bem ela (…) Bem de bem (…) Só de longe em

22 ALVARENGA, Oneyda. A menina boba. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1938. p.21. - Último verso do
poema XI Me embasbaco diante de uma flor.
23 ALVARENGA, Oneyda. Ai, saudades! (Texto dirigido a Mario de Andrade.)
24 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.11. Texto introdutório à edição.
25 MORAES, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. 2.ed. São
Paulo : Edusp, 2001. p.578-9. (Correspondência de Mario de Andrade, 1)
26 Ibid., p.604.
27

longíssimo algum convívio mais prolongado dava um calorzinho diferente


que passava com a menor reflexão, ficava só o bem querer de amigo outra
vez.

Além da preocupação expressa, Mario de Andrade explica o que nem precisaria


explicar, dada a relação profissional que se estabeleceu depois, com o convívio profissional
com Oneyda Alvarenga – e que por si só falou mais alto do que os esclarecimentos que o
musicólogo prestou a Bandeira. Sempre foi verdadeira sua avaliação sobre a obra poética da
moça – como sempre ficou claro que o caminho de pianista não seria o de Oneyda. Mas o
piano parece ter sido uma constante na vida da musicóloga. Na carta de 4 de julho de 1939 27,
endereçada a Mario de Andrade, então residente no Rio de Janeiro, após ter saído do
Departamento de Cultura de São Paulo, Oneyda Alvarenga descontraidamente conta ao amigo
da noite de uma bebedeira geral de cerveja, vinho e muito whisky, em seu apartamento, à
Avenida São João, da qual participaram (provavelmente entre outras pessoas) ela mesma; seu
marido, Sylvio Alvarenga; o secretário e ex-aluno de Mario de Andrade, José Bento Ferraz;
Luiz Saia; Otacílio Pousa Sene. Este último havia pedido a Oneyda que tocasse Beethoven, às
duas da madrugada – o que levou todos a ouvirem com “respeito e lágrimas”. E os vizinhos,
com “ódio”. Se requisitaram a Oneyda Alvarenga que tocasse Beethoven, em 1939, quando já
se distanciara daqueles tempos de aluna de piano por anos e torrentes de trabalho (e
consequente amadurecimento), na Discoteca Pública, seria porque ela não parara de tocar. Os
amigos deviam saber – e, de alguma forma, apreciar.
Alguns motivos muito fortes afastaram a Menina Boba de sua criação artística.
Mas antes, é preciso olhar de perto a poeta nascente, dentro da aluna de piano de Mario de
Andrade. Uma vez tomando conhecimento de seu caderno de versos, o escritor acreditou que
valia a pena tecer análise crítica do que viria a ser o primeiro e único livro – de poemas, obra
literária – publicado de autoria de Oneyda Alvarena, três anos depois da carta que Mario de
Andrade envia a Murilo Miranda e cujo trecho, abaixo, mostra bem o pensamento de Mario
de Andrade crítico:

[? 1935]
Murilo,
mando-lhe três poemas que considero absolutamente admiráveis. Não sei se
tua opinião será a mesma, porém me esforcei por escolher da Oneyda coisas
das mais profundas e que mais competissem com o espírito da Revista
27 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.190.
28

Acadêmica. Está claro que nem de longe estes versos serão esquerdistas.
Nem a Oneyda que eu saiba é propriamente esquerdista. Tem uma vaga
tendência apenas, e mesmo esta pouco se entremostra nos versos dela,
geralmente falando de amor e sempre demasiado individualistas ainda. Estes
são justo os que considero como uma primeira angústia de indivíduo dela se
sentindo demasiado insolúvel no seu solitaríssimo individualismo.28

São os poemas: I Não há mais pássaros nos galhos quietos; II Vidas


longínquas passando na minha...; III As gentes estranhas caminham no escuro
Porém, em crítica manuscrita de Mario de Andrade às margens do texto no
exemplar de trabalho29 d'A Menina Boba, publicado em 1938 e trazendo da dedicatória: “A
Mario de Andrade e Manuel Bandeira”, podemos ter acesso às observações que o crítico fez,
na época.
Dois são os exemplares da obra que fizeram parte da Biblioteca de Mario de
Andrade. No caso, Oneyda Alvarenga presenteou o ex-professor com o que hoje, na
classificação do acervo da Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de
São Paulo, foi considerado o “exemplar 2”. Na página que antecede a folha de rosto, as
seguintes informações: “Nº 1”, anotação manual de Oneyda Alvarenga, com tinta azul.
Abaixo, o impresso da gráfica: “Esta edição é de duzentos exemplares, numerados de 1 a 200,
e assinados pela autora.” Abaixo, vem a assinatura de Oneyda Alvarenga, também com tinta
azul. Sobre a dedicatória (impressa) a Mario de Andrade e Manuel Bandeira, há dedicatória
manuscrita de Oneyda Alvarenga: “Mario, com a minha mais perfeita amizade e minha
imensa gratidão, guarde este livro que é teu. Oneyda 18-V-1938.” Este traz os cadernos
fechados do começo ao fim. O outro, foi classificado pela Biblioteca do Instituto de Estudos
Brasileiros como “exemplar 1”. Este, anotado por Mario de Andrade, traz na página que
antecede a folha de rosto as seguintes informações: “Nº 35”, anotado manualmente por
Oneyda Alvarenga, com tinta azul. Abaixo, o mesmo texto impresso da gráfica: “Esta edição é
de duzentos etc....” Abaixo, vem a assinatura de Oneyda Alvarenga. É esse “exemplar 1”
anotado por Mario de Andrade, para posterior redação de texto crítico sobre a obra de
Oneyda, que traz, na folha de guarda, observações valiosas do escritor:

28 No n. 15 (nov. 1935) a Revista Acadêmica publica Três poemas de Oneyda Alvarenga e Foi Sonho, de Mario
de Andrade. São os poemas: Não há mais pássaros nos galhos quietos; Vidas longínquas passando na minha...;
As gentes estranhas caminham no escuro
29 Mario de Andrade costumava receber livros publicados dos próprios autores, a fim de escrever seus pareceres
críticos sobre as obras. Geralmente esse exemplar era mantido fechado – os vários cadernos que compunham o
miolo do livro, naquela época, vinham com as páginas fechadas e era necessário o uso do abridor cortante, como
os de cartas. O crítico preferia adquirir um segundo exemplar, em cujas páginas fazia seus manuscritos que,
depois, se transformariam no texto crítico: era o chamado “exemplar de trabalho”.
29

“Início da crítica: citar todo o poema da p.11 e continuar com o comentário


que lhe pus.”

Mario de Andrade remete, então, um lembrete para si mesmo, indicando o


poema da p.11:

Queimada pelo sol (…)

À margem direita do poema, à p.11, Mario de Andrade anota a lápis, para


depois usar o texto como crítica:

“Obra-prima como técnica. O movimento vai levado pelo ritmo elástico do


verso livre até chegar à galopada da 2ª estrofe em que quase todos os
acentos caem de três em três “pacapam, pacapam”. E de novo o ritmo se
alarga incerto, elástico na 3ª estrofe. Espiritualmente a ideia faz também o
mesmo giro. As três estrofes ligadas pela noção “correr”, estribilho
habilmente disfarçado, ora no fim da estrofe, ora no começo, indo a
imagem inicial, que explica o primeiro impulso, fechar o poema e explicar a
exaustão da corrida. É uma jóia rara de fatura, perfeita sem o menor
preciosismo, em que está embutida a ideia síntese da adolescência rápida,
uma obra-prima. E como esta, são numerosas as obras primas neste livro que
se coloca sob o signo da Arte.”

Ainda na folha de guarda, encontramos uma indicação de Mario de Andrade, a


fim de se lembrar de intercalar um texto:

“Depois” (…)
“Fusão do eu e do não-eu 14 – 26 – 39 -82 - 86”

E um traço unindo a palavra “Depois” ao número 39. Na p.39, acima do poema


I - Eu queria cair na tua vida – o crítico intercala o texto:

“Mas é que quando o ímpeto inicial, ainda demasiadamente áspero se quebra


no primeiro sossego de 'Asa Ferida' que Oneida entra com segurança no
domínio da grande arte. Faz coisas de um zahar asiaticamente clássico. Citar
este.”

Voltando ainda ao texto da folha de guarda do livro, se vê a continuação das


anotações de Mario de Andrade:

“Fusão do eu e do não-eu 14 – 26 – 39 -82- 86 . Desta fusão um panteísmo


vago que lhe dá invenções admiráveis de sensibilidade como 52 – 53 – 55”
30

Nas páginas 52 e 53 não há nenhum vestígio do crítico. Já na p. 55, Mario de


Andrade traceja a lápis um arco, à direita dos versos do poema IX do livro A Menina Boba:

És como um sossego de fim de tarde.


É por isso que junto de ti eu sou tão boa,
Tenho a leveza de um sino que cantasse no ar.

E mais uma vez, retornando à folha de guarda, continua a apreciação crítica:

“Não há livro mais feminino. Esplêndido de feminilidade, não só como


sentimento. Mas em principal como caráter. A incaracterística.. Moldável a
todos os ventos dos sentidos, das coisas, dos ideais. (ver atrás)”

Abaixo, sempre na folha de guarda, existe anotação de páginas:


“45 – 51 – 50 – 57 – 75”

As páginas 45 – 51 – 50 – 57 contêm poemas de A Menina Exhausta e o poema


da p.75 faz parte de Noturnos. Apenas à p. 50 – poema IV, Havia só (…), há uma anotação de
Mario de Andrade:
“Quem já não sofreu esta suave imperfeição!...”

Os números das páginas da folha de guarda citados acima estão à margem


esquerda do seguinte texto manuscrito a lápis:

“Pequenos momentos de poesia. Nada de sintético. Mas, pela perfeição


técnica, nada de improvisado, de analítico, de impressionista. Oneida fixa
aumentos de sensibilidade, de ternura, de anseio, de mal sem nome, como
ninguém. Neste sentido, Oneida é de uma originalidade essencial,
incomparável. Não sei de quem o faça como ela. 84, 85, Menina Insolúvel, a
parte mais profunda do livro (vire)”

No verso da folha de rosto, Mario de Andrade segue escrevendo a lápis:

“Feminilidade: Volúpia do espedaçar-se, de um martírio agradavelmente


masoquista, bem feminino 18-12-20-23-29-43-58-59-73-77”

Os poemas das páginas 18 (VIII, Vontade de me diluir, de me fluidificar...) , 12


(II, Amor novo da vida que desperta em mim...), 20 (X, Doçura...) e 23 (XIII, Olho os meus
braços brancos...) pertencem ao livro A Menina Boba; o poema da página 29 (sem número,
Você não pode ser na minha vida) pertence à Brusca Andorinha; o poema das página 43 (V,
Há tantas vozes que me chamam...) pertence à Asa Ferida; os poemas XII (Eu agora não
31

queria ser eu.) e XIII (Quietude impregnante da sombra...), respectivamente das páginas 58 e
59, fazem parte de A Menina Exhausta; os das páginas 73 (I, Oh! noite pasmada como um
olho cego!) e 77 (V, Minha alma se feriu nas pontas agudíssimas da sombra.), são de
Noturnos30.
Dentre eles, os que trazem anotações de Mario de Andrade são:
O poema VIII, Vontade de me diluir, de me fluidificar...): uma chave a lápis,
abarcando os quatro primeiros versos:

Vontade de me diluir, de me fluidificar,


De entrar na essência de todas as coisas,
De me perder aos pedaços por todos os caminhos,
Pelos caminhos que vão dar a todas as vidas.

O poema da p.20 (X, Doçura...), também com uma chave a lápis, abrangendo
os quatro últimos versos da primeira estrofe:

Vivendo em tudo, e tudo


Vivendo dentro em mim,
Una, indivisível, conjugada
Ao ritmo do mundo.

Na margem inferior do poema da p. 23, (XIII, Olho os meus braços


brancos...), um texto de Mario de Andrade:

Reparar como isto é maternal e feminino este amar humano resultante de um


apesar primeiro, de um prazer indestinado. Para Oneida a humanidade é
como um filho que ela teve de seus amores com a vida.

Mario de Andrade também assinala com uma chave a lápis os versos 6º, 7º e 8º
da segunda estrofe do poema da p.29 (sem número, Você não pode ser na minha vida):

Como si me esquecesse
De que as lutas, os cansaços, as tormentas
São o meu bem na vida.

E os dois últimos versos do poema XIII (Quietude impregnante da sombra...),


da p.59:
30 O livro A menina boba está dividido nas partes: A menina boba; Asa ferida; A menina exhausta; Domaram-
te, andorinha!; Noturnos; A menina insolúvel; Canto voluntarioso.
32

Me apago
Feito uma árvore esguia que se afunda na noite...

Mario de Andrade assinala ainda o poema inteiro da p.77, (V, Minha alma se
feriu nas pontas agudíssimas da sombra.):

Minha alma se feriu nas pontas agudíssimas da sombra.


Perdi a sensação do universal.

Onde o amor que me dispersava no mundo?

Não sou mais que cansaço


E desejo absurdo de desintegração.

Voltando ainda ao verso da folha de guarda, encontramos mais escritos de


Mario de Andrade:

“Raro o amar feminino unir em nossa língua tais acentos 63 - 64 – e enfim


toda a série 'Domaram-te, andorinha'.”

Verificando essas páginas no exemplar de trabalho de Mario de Andrade, não


se encontra nenhuma anotação no poema II, da p.64 (Só tu és o consolo e a quietude.) No
poema I, da p.63 (Me livras do mundo e das coisas), Mario de Andrade assinala apenas os
dois últimos versos:

Na calma dissolvente da tua presença


Não sou mais que uma palpitação branda de amor.

Ainda no esboço de sua crítica, no verso da folha de guarda, Mario de Andrade


continua:

O sentimento da solidão sem amar é toda a “Menina Insolúvel” - citar 87 – e


ânsia de femininamente terminar com a solidão virginal – citar 89 – que
culmina naquele momento de desejo de sofrer ao menos uma absoluta, total
solidão. 93

O poema VII, da p. 87, que se intitula Vão-se compridas


procissões...; o poema IX, da p. 89, Brotam do cáos mãos enormes... e o da p. 93, XIII, Todas
as coisas poderiam cessar um instante... não trazem nenhuma anotação de Mario de Andrade.
E, no final das anotações críticas do verso da folha de guarda do exemplar de trabalho e na
parte inferior da falsa página de rosto, o texto sobre o ultimo poema de A Menina Boba – o
Canto Voluntarioso:
33

Até que enfim, cansada desses roxos poemas de sua Insolubilidade, a Menina
Boba, numa boa bobice, canto alacre de deliciosa feminilidade, promete
mudar de rumo, buscar outros tons de sensibilidade, terminando este livro
que é quase historiado, com o Canto Voluntarioso. Mas femininamente, a
imagem que surge é a de mudar de vestido (Citar a última estrofe.)

Mas um leitor fascinado e divulgador – entre seus discípulos – da teoria de


Freud -, como se poderia esperar, caindo na tentação do óbvio, não apontou nenhuma
sublimação de caráter egoísta, na poesia de Oneyda Alvarenga. Seria fácil apontar no
sentimento da poesia da moça, que, afinal, lera os simbolistas, uma dor de fragilidade. Porém
Mario de Andrade identifica claramente o amor da poeta como direcionado à humanidade:
Oneyda queria ser mãe da humanidade e tomá-la em seus braços – e por seus arrojos de
fraternidade geral era chamada de menina boba. (Em 1936, Oneyda Alvarenga tinha uma
informante sobre cateretês do sul de Minas Gerais, época em que começava a estudar música
folclórica. Não deixa de ser cômica a observação carinhosa dessa pessoa, a respeito da
“bobice” da musicóloga – vide entrevista concedida a Jorge Andrade, da revista “Visão”, aos
06 de agosto de 1960, no Anexo desta dissertação.)

Essa nuance que Mario de Andrade atribui ao amor de Oneyda Alvarenga,


como sendo mais amplo do que um sentimento auto-centrado, eivado de romantismo, se pode
confirmar no discurso31 da própria poeta, ao ponderar que “hoje os problemas essenciais a
resolver já são outros. Entretanto, são da mesma essência do problema que mereceu o amor de
Castro Alves: liberdade, liberdade para todos, respeito a todos, vida digna para todos,
indivíduos e povos.” E que seria necessária a “leitura de suas obras [de Castro Alves] e de
comentários sobre elas e as atividades do poeta, a fim de incentivar-se na infância e na
mocidade o amor à liberdade e o desprezo aos preconceitos de raça.” E ainda, anos mais tarde,
quando mais uma vez a imprensa requisita o juízo crítico de Oneyda Alvarenga, com relação à
literatura, (juízo, aliás, que a poeta não se considerava à altura para emitir), ela confirma sua
opinião acerca da supremacia do coletivo sobre o individual, na criação literária: “Ao lado da
busca renovada de caminhos artísticos, há de haver sempre lugar para o calor humano.” (…)
“Há alguma coisa que precisa ir além disso e se explica com um lugar-comum: é preciso
haver o homem com seus múltiplos dramas, a simpatia calorosa por eles, a vontade real de se

31 Vide texto integral no ANEXO C, p. 357-9 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Como encara Castro
Alves na literatura brasileira]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem indicação de
entrevistador.Entrevista. Datiloscrito, 14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 – (da mesma
forma) Consultada cópia xerográfica.
34

comunicar com os outros.”32

Caminhos no mundo das letras e da música já vinham sendo desbravados por


algumas mulheres. No Brasil, o ano mesmo em que nasceu Oneyda Alvarenga, 1911, foi data
de lançamento de obras que tinham mulheres como protagonistas. Maria de Lourdes
Eleutério33 aponta essas obras cotadas pelo crítico Wilson Martins como marcantes, no que
tange ao tratamento de “heroínas enigmáticas”. Oneyda Alvarenga desfrutou de um período,
ao começar a escrever seus versos, em que já podia se deixar arrastar pelo seu turbilhão de
sentimentos. De fato, quando lemos seus poemas, vemos que Oneyda Alvarenga, ou não
queria esconder, ou não se importava em revelar esse ímpeto a que se entregava. A crítica
literária, pelo que se vê na imprensa das primeiras décadas do século XX, já tentava impor aos
céticos o valor da mulher escritora. E já lutava para afirmar poetas e prosadoras brasileiras
como autoras relevantes, pertencentes ao país, ou ao estado natal das escritoras. Na carta de
3/10/1939, p.201, há um escrito de Sylvio Alvarenga (marido de Oneyda Alvarenga) para
Mario de Andrade, chamando Oneyda Alvarenga de “nosso poeta” - citando Osório de
Oliveira, crítico português de literatura.

(...) a origem das relações assimétricas de gênero foi sempre uma questão
presente nas mais diversas áreas do conhecimento. Tome-se como exemplo a
literatura, área na qual várias autoras, em tempos e espaços diferentes,
indagaram sobre o caráter da superioridade atribuído ao homem e sobre o de
submissão relacionado à figura da mulher. Algumas delas , extrapolando
suas obras literárias, buscaram em outros campos um entendimento maior da
complexidade existente nas relações de gênero, o que se traduziu em uma
enorme contribuição para o avanço teórico da discussão.34

Também quanto à condição da mulher como trabalhadora, os caminhos se


abriam. No caso de Oneyda Alvarenga, quando se encaminhou como profissional, em 1935, à
direção da Discoteca Pública Municipal, de São Paulo, ninguém sequer cogitou questionar o
fato de tal cargo ser atribuído a uma mulher. Nem se dicutiu sobre o que concernia ao
desempenho de sua função. Oneyda Alvarenga precisava trabalhar em um centro urbano mais

32 Vide texto integral das respostas concedidas a Laís Corrêa de Araujo, no ANEXO E, p. 365-70: Texto integral
da entrevista de Oneyda Alvarenga para o “Estado de Minas”, entrevistadora: Laís Corrêa de Araujo. Entrevista.
Datiloscrito, 26 de janeiro de 1962, cópia carbono, 5 p. Doc. 8150 - (da mesma forma) Consultada cópia
xerográfica.
33 ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de romance: as mulheres e o exercício de ler e escrever no
entresséculos 1890-1930. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. p.65.
34 TOFFANO, Jaci. As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag: o paradoxo feminista. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2007. p. 28. E Jaci Toffano ilustra seu texto, citando, de Simone de Beauvoir, O
Segundo Sexo - “Nós não nascemos mulheres, mas nos tornamos mulheres.”
35

desenvolvido do que o interior de Minas Gerais, e era tudo - isso se entrevê nitidamente pelo
teor de cartas trocadas entre a musicóloga e Mario de Andrade, ou deste com Manuel
Bandeira ou Murilo Miranda. Mas é bom lembrar que existiam influências cruzadas (universo
profissional/universo da criação artística/almejos de paz/curiosidade científica/vida ideal) na
formação daquela menina de Varginha. Oneyda Alvarenga teria declarado à sua amiga
Climène de Carvalho (também aluna do Conservatório e participante do grupo de estudo de
História da Música) que gostaria de se retirar para o interior de seu Estado natal e “criar
galinhas” (naturalmente, continuaria escrevendo poesias...) Esse contexto também é abordado
por Maria de Lourdes Eleutério35, quando menciona a obra de Júlia Lopes de Almeida,
Correio da Roça. Ora, sendo a autora conceituada no panorama literário do Brasil e séria
pesquisadora na área agrícola (era colaboradora das revistas Chácaras e Quintais e
Almanaque Agrícola Brasileiro), sua obra Correio da Roça atribui às suas personagens -
mulheres que, vendo-se entregues à própria sorte na esfera de sua propriedade rural - a
decisão de mudar o destino de uma situação econômica em derrocada por meio de seu
desempenho enquanto trabalhadoras. Mas todo esse enredo está circunscrito num mundo de
paz ideal, longe da cidade, em que as mulheres requisitam leituras “para espantar o tédio”.
Enfim, se essa obra foi publicada em 1913 e ecos desse mundo de paz entre plantas e animais
chegam até o ano de formação de Oneyda Alvarenga, no Conservatório Dramático e Musical
de São Paulo, a poeta que dirigiu a Discoteca Pública estava inserida num contexto realmente
complexo. Apesar da pureza da Menina Boba, Oneyda Alvarenga não conseguiria mais
resistir à tentação de sua própria curiosidade intelectual. E a poeta penderia muito mais para a
Etnologia e Musicologia, escolhendo trabalhar menos como criadora literária e intérprete do
piano.

Sobre o livro A Menina Boba escreveram em jornais autores como Manuel


Bandeira, Rosário Fusco, Sergio Milliet, elogiando o trabalho poético36. A crítica de Rosário
Fusco foi de altíssima importância para o esboço de Oneyda Alvarenga escritora. Somente ali
é que alguém desvela os nomes de autores lidos por Oneyda, a origem das influências
simbolistas sobre sua poesia: “Oneyda Alvarenga pertence à linhagem espiritual de um Emílio
Moura e deixa, como Cruz e Sousa (...)'que tudo em derredor oscile.'” De fato, os versos de

35 ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de romance: as mulheres e o exercício de ler e escrever no


entresséculos 1890-1930. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. p. 85.
36 Ver ANEXO A, p. 339-51 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Oneyda Alvarenga: referências críticas.
[Trechos de críticas escritas em correspondências e de artigos publicados em periódicos, sem assinatura.]
Datiloscrito, [1938/68], cópia carbono, 10 p. Doc. 8069 - (da mesma forma) Consultada cópia xerográfica.
36

Brusca Andorinha remetem a essas origens literárias:

Você não pode ser na minha vida (...)

(…)
Como essas casas grandes,
Silenciosas, luminosas,
Rescendendo sossego e acolhimento,
Em que a gente entra e vai ficando
Adormecida na paz de umas paredes brancas.37

E também nos versos d' A menina exhausta:


VI O vento levanta de leve a cortina (...)
...A tua lembrança é como a harmonia leve
Dos gestos brancos da cortina...38

Conforme se vê na tabela abaixo, compositores brasileiros contemporâneos de


Oneyda Alvarenga atentaram para o ritmo e sensibilidade de sua poesia e musicaram versos
expressivos d'A Menina Boba:39

Tabela 1.1 Compositores e Composições sobre Poemas de Oneyda Alvarenga/Data

Compositor Poemas de Oneyda Alvarenga


Camargo Guarnieri (Brasil,1907-1993) “Dois Poemas”- Vieste enrolado no
perfume dos manacás e Eu te esperei na
hora silenciosa (1942)
Claudio Santoro (Brasil, 1919-1989) A menina exausta (nº1 e nº2, 1945; nº 3,
1946;
nº 12, 1944) e Asa ferida (1945)
Francisco Mignone (Brasil, 1897-1986) A Menina Boba (1939) e
Sete líricas“Moreninha do sertão!” - Eu
queria cair na tua vida; Eu te esperei na
hora silenciosa; Nunca sinto inveja de

37 ALVARENGA, Oneyda. A menina boba. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1938. p. 29.
38 Ibid., p. 52.
39 Os dados do quadro acima foram obtidos a partir de informações constantes em pesquisas para o trabalho
apresentado por Luciana Barongeno no Seminário Oneyda Alvarenga, um pouco, aos 30 de junho de 2011, no
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
37

ninguém que rola no pó; Asas! Oh! loucura


dos vôos; Vento que corrupia; Queimada
pelo sol desvairada; Doçura de manhãzinha
fresca (1966)
Hans Joachin Koellreuter Poema (1943) e Noturnos (1945)
(Alemanha, 1915-Brasil, 2005)

Quando da publicação do livro A Menina Boba, em 1938, Manuel Bandeira


escreve a Mario de Andrade, aos 27 de maio40. Elogiando o livro de Oneyda Alvarenga,
aponta influências de Poemas da Amiga41 n'A Menina Boba. Mas ele não quis mencionar
essas influências em sua crônica literária, que seria publicada no Diário da Noite, a fim de
não parecer que sugeria imitação, por parte da poeta jovem. Na verdade, Manuel Bandeira já
havia feito essa observação anteriormente, na carta a Mario de Andrade de 01 de julho de
193442, acrescentando também a influência dos Poemas da Negra43 sobre a poesia de Oneyda
Alvarenga. E, como crítico, Manuel Bandeira faz, na carta de 1934, uma sugestão/correção
aos versos de “Deixa que caiam as espigas maduras da tua ternura...” , do poema III, d'A
Menina Boba.

Mario de Andrade, uma vez tendo tomado conhecimento dos poemas de


Onyeda Alvarenga e estabelecida correspondência com a ainda aluna, em 1934, pontua seus
versos um a um, criticando o todo da obra poética do que viria a constituir o livro A Menina
Boba. Mario de Andrade também teve relação epistolar semelhante – mas não igual – com
Henriqueta Lisboa44 e Sergio Milliet45, por exemplo, avaliando a obra dos poetas, de quando
em quando, ao mesmo tempo que estreitava laços de amizade.

As leituras de poesia realizadas por Oneyda Alvarenga... para além das origens
simbolistas, das influências, encontramos, na carta de 01 de julho de 193246, uma auto-

40 MORAES, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. 2.ed. São
Paulo : Edusp, 2001. p. 395. (Correspondência de Mario de Andrade, 1)
41 Do livro de Mario de Andrade, Remate de males. In: ANDRADE, Mario de. De pauliceia desvairada a
café: poesias completas. São Paulo : Círculo do Livro, 1982. 374 p.
42 MORAES, op. cit., p. 580-1. (Correspondência de Mario de Andrade, 1)
43Do livro de Mario de Andrade, Remate de males. In: ANDRADE, Mario de. De pauliceia desvairada a
café: poesias completas. São Paulo : Círculo do Livro, 1982. 374 p.
44 ANDRADE, Mario de. Querida Henriqueta: cartas de Mario de Andrade a Henriqueta Lisboa. 2. ed. Rio de
Janeiro : José Olympio,1991.212 p.
45 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 306-9.
46 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
28-9.
38

avaliação crítica madura daquela poeta de dezenove anos de idade. Tendo lido, por orientação
de Mario de Andrade, A Escrava que não era Isaura, o autor recomendando essa leitura com
finalidade de iniciar Oneyda nas letras modernistas, a aluna projeta uma luz tão violenta
quanto desconcertante em seu próprio arcabouço de poeta – como quem dissesse: minha obra
não poderia ser diferente. Oneyda Alvarenga compreendeu muito bem a imagem poética da
obra de Mario de Andrade. Mas admite que sua criação não poderia ser assim, como a dele e
de outros modernistas. A poesia que Oneyda identifica como “louca” é alcançada pelo seu
julgamento crítico e é também alvo de sua admiração – mas ela não mente jamais, para
agradar ao mestre, quando afirma que sua sensibilidade poética é de outra natureza (as origens
de sua inspiração se enraízam em outros campos.) Não para por aí a análise atilada da moça.
Ela consegue tranquilamente enxergar a necessidade de equilíbrio entre sensibilidade e
inteligência, na feitura da poesia moderna, segundo as propostas d'A Escrava, de Mario. Mas
Oneyda questiona o processo de “desintelectualizar” a poesia, opondo a essa ideia a
intervenção do próprio intelecto no decifrar da linguagem, da imagem poética. Na visão de
Oneyda Alvarenga, tão jovem, somente com sua sensibilidade silenciada (alijada para seu
devido lugar) e se valendo dos conhecimentos teóricos por ela adquiridos a respeito de
associação de imagens é que foi possível a ela, leitora, não classificar os modernistas como
“loucos”. Ao final de suas conjecturas, Oneyda permite a Mario de Andrade “rir à vontade de
suas tolices”. Mas por trás dessas tolices falava a voz racional da pesquisadora que vai
resultar na maior projeção de Oneyda Alvarenga como folclorista do que como poeta. Mario
de Andrade parabeniza o progresso da aluna47, ao ganhar desenvoltura poética, depois de
outras leituras. Mas atribui esse avanço à “inteligência” e à “veia poética” da moça. Discute
largamente a obra incipiente de Oneyda Alvarenga na carta de 10 de julho de 193248,
analisando versos em separado, dispensando à aluna tratamento de poeta. Mario de Andrade
critica verso por verso; cada ideia de Oneyda ele questiona, nesse princípio de abertura, por
onde envereda a influência do modernista. Mas o tecido começa a se esgarçar e se entrevê
uma recalcitrante racionalidade predominante em Oneyda, quando, na carta de 02 de janeiro
de 193349, Mario de Andrade, criticando profissionalmente os versos enviados pela moça –
por essa época, ainda estava em férias, em Varginha, Minas Gerais -, denuncia claramente a

47 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
31.
48 Até a publicação do livro A Menina Boba, em 1938, são frequentes as exaustivas e detalhadas orientações
críticas de Mario de Andrade, por carta, aos versos de Oneyda Alvarenga.
49 ANDRADE, op. cit., p. 38-41.
39

invasão do prosaico na poesia da aluna. Ele acusa seus versos de “Prosaicos principalmente
porque parecem prosa e se confundem muito com ela.” Assim, muitas vezes a obra de Oneyda
Alvarenga não consegue prescindir da explicação. Muitas vezes, o advérbio de modo se
incorpora naturalmente no poderoso ritmo da poesia de Oneyda Alvarenga: “E te acolheria
suavemente” poema VI de Domaram-te, andorinha!50 e “(...) de viver tudo,/De viver
completamente”51, de A menina boba; noutras, mais raras, parecem vir explicar formalmente
algum pensamento ao leitor: por exemplo, no verso “Um ponto final colocado
bruscamente”52, de Brusca Andorinha e os versos “Aumentam miraculosamente,/ Gesticulam
incompreensivelmente (...)”53, do poema IX de A menina insolúvel - o que revela um peso
grande da razão; da interferência do pensamento lógico que escapa à percepção (falta de
traquejo no manejar de recursos poéticos, ou características modernas na obra?) de Oneyda no
que ela queria transpirar para a vida como poesia. O poema sem nome, dentro de Verso e
prosa (como o título já indica...), cujo primeiro verso é “Ontem tentaram me amolar não sei
porque.”54, é mais prosa poética do que poesia. Também apresenta versos como: “Com
ímpetos de dizer a todo o mundo uma porção de desaforos,”55 e “O Cantico dos Canticos tem
para mim, alíás,/Um defeito gravíssimo (...)” e “Qualquer Salomão mascate deste mundo
compra-e-venda,/Menos o Salomão que fez aquele livro cheirando a santidade.../ Ora bolas!
(...)”56 Ainda como se verá mais adiante, quando da parte das conferências sobre História da
Música e concertos de discos acompanhados de textos apresentados na Discoteca Pública
Municipal de São Paulo, Mario de Andrade não deixa, por várias vezes, de lembrar a Oneyda
que faça seus comentários críticos mais palatáveis ao público leigo, incluindo traços
anedóticos ou curiosos da biografia dos compositores contemplados em suas explicações e
audições. Na verdade, Mario de Andrade tentava suavizar a “secura”57 do texto de Oneyda
Alvarenga. No texto introdutório do livro Cartas, ela se lembra da acusação feita pelo crítico:
“Você e o Sergio Milliet são as pessoas mais secas que eu conheço!”58

Ao que tudo indicava, o torvelinho da rotina de numerosos trabalhos da

50 ALVARENGA, Oneyda. A menina boba. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1938. p. 68.
51 Ibid., p. 18.
52 Ibid., p. 29.
53 Ibid., p. 89.
54 Ibid., p. 35.
55 Id.
56 Ibid., p.36.
57 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.150.
58 Ibid., p. 14.
40

Discoteca pública Municipal de São Paulo levava Oneyda ao campo da escrita de cunho
didático, sobre música. Ainda no mesmo texto introdutório do livro Cartas59, a musicóloga
revela uma manifestação do pensamento de Mario de Andrade, entre amigos, que pode ter
sido (ou não) ato-falho do modernista; uma opinião fugitiva da sua consciência – e até mesmo
de Oneyda Alvarenga, que não dá mostras, pelo menos por escrito, de ter se ressentido com o
fato. Aconteceu que, segundo relato de Oneyda Alvarenga, numa noite boêmia, n'O
Franciscano60, Mario de Andrade teria comentado com os demais: “Tudo errado. Eu não
devia ter aceito o Departamento de Cultura e a Oneida devia ter tido seis filhos.” Se Mario de
Andrade não tivesse aceito o cargo tão insistentemente oferecido por Paulo Duarte,
provavelmente teria escrito mais, era lógico. Mas e Oneyda Alvarenga? Teria filhos e não
escreveria poemas? Em contrapartida, em carta a Paulo Duarte61, escrita no Rio de Janeiro, no
dia 01 de maio de 1939, Mario de Andrade tece comentários significativos, quando, afirma
que, se o Norte (do Brasil) está à frente do Sul na produção da prosa, “nós” (do Sul - e isso se
levando em conta alguém de peso como Manuel Bandeira), na poesia, “ganhamos na maciota
com o genial Murilo Mendes, e Vinicius , e Carlos Drummond, e Oneida , e Cecília Meireles,
e Guilherme, e Adalgisa, e Augusto Meyer.” Se elencada entre tais poetas Oneyda Alvarenga
não foi devidamente valorizada por Mario de Andrade, então não o seria em mais nenhuma
condição.

Quando Oneyda Alvarenga, assoberbada com o trabalho da Discoteca, há


muitos anos não publica mais nada, Manuel Bandeira escreve artigo no Diário da Noite,
indagando se Oneyda não escreverá mais.

Escreverá. Mas escreverá muito mais como pesquisadora na área de


musicologia e folclore. E escreverá também como crítica literária, apesar de isso ser raro -
como o questionário que Oneyda Alvarenga respondeu ao periódico Hoje, de 14 de fevereiro
de 1947. O assunto em questão era o poeta Castro Alves. Oneyda respondeu perguntas como:
Como encara Castro Alves na literatura brasileira?Foi um poeta revolucionário? Por quê?
Qual foi a sua influência na luta pela abolição? É ele o poeta do presente? Por quê?62
59ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
16.
60 Bar do Rio de Janeiro.
61 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 316.
62 Vide texto integral no ANEXO B, p. 352-6: ALVARENGA, Oneyda. [Como encara Castro Alves na literatura
brasileira]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem indicação de entrevistador.Entrevista.
Datiloscrito, 14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 – (da mesma forma) Consultada cópia
xerográfica.
41

O motivo da publicação de tal matéria: centenário de nascimento do poeta. Mas


não era apenas por isso. Basta atentar para a resposta que a escritora dá à última pergunta: ela
afirma que devem-se divulgar edições populares da obra do poeta, “especialmente das que
apresentam conteúdo político-social.” A “difusão entre o povo”, que recomenda Oneyda
Alvarenga, tem caráter de propaganda: ela parte do ponto de vista da validade da luta contra a
escravidão (o caráter de luta social, segundo ela, não tirou o brilho da poesia de Castro Alves;
pelo contrário: “...a parte artisticamente melhor da obra de Castro Alves é composta pelos
seus poemas contra a escravidão.”

Aqui não é possível dissociar o crivo crítico de Oneyda Alvarenga daquela


carta que Mario de Andrade escreve em setembro de 1940, organizando para si mesmo o
pensamento sobre os critérios de quem julga obras de arte. Sete anos antes desse questionário
sobre Castro Alves, havia-se chegado a um ponto em que Oneyda Alvarenga crescera tanto
como musicóloga que, deparando-se com dúvidas em relação à apreciação crítica da música,
questionou Mario de Andrade, em correspondência de 1940, a respeito dos critérios para se
julgar as obras. Mario de Andrade escreve então, em setembro de 1940, a carta mais longa de
sua vida – sessenta páginas datilografadas, justamente à discípula. O próprio escritor deixa
claro que aquele longo texto, suscitado por Oneyda Alvarenga, serve mais para avaliar seu
próprio discernimento, do que o de qualquer interlocutor, a respeito do assunto levantado.

E Oneyda Alvarenga realmente não pode julgar o poeta em questão sem se


apoiar na função social da arte, de que falava Mario de Andrade. As últimas palavras que
escreveu para o periódico foram:

...incentivar-se na infância e na mocidade (…) o desprezo aos preconceitos


de raça.
Não só Franco e Morinigo, mas muitos outros fascistas ainda em atividade
no mundo, precisam ser banidos de postos de direção e responsabilidade,
porque entravam a marcha firme para a paz.

O ano era 1947 e era clara a posição crítica do periódico e da escritora, num
momento em que o mundo se ressentia da vivência da realidade em que grassaram nazismo e
fascismo; quase não havia sutileza no questionário, na esfera histórica e política em que se
moviam - até onde podiam. Há ainda uma anotação manuscrita de Oneyda Alvarenga, na
última página da entrevista: “'Hoje'. Publicada com cortes.”63

63 Ver texto integral do documento, no ANEXO C, p. 357-9, desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Como
42

Mas, a despeito de um começo aparentemente promissor como poeta, aos 29 de


novembro de 1938, Oneyda Alvarenga, escrevendo a Mario de Andrade64, sobre a redação das
palestras de História da Música, comenta a queda de público nas palestras e nos concertos de
discos. E na terceira página65 da mesma carta, Oneyda Alvarenga fala que só trabalhou e que
sua poesia morreu, embora continue se achando a mesma “menina boba”. E, transcorrido o
tempo, Oneyda Alvarenga fará um balanço do que não aconteceu em relação ao seu piano e à
sua criação artística, no texto Ai, saudades! - já mencionado acima.

1.3 Musicóloga, etnóloga, folclorista e Diretora da Discoteca Pública Municipal

...as “mulheres” do Departamento são muito “francas e exigentes”.66

Em carta de 27 de outubro de 1939, Mario de Andrade aconselha a Oneyda


Alvarenga que seja “suave e gentil” com Francisco Pati, o novo diretor do Departamento de
Cultura, que se “irritava” com aquelas que Oneyda concluiu serem Maria Aparecida Duarte,
chefe da seção de Parques Infantis; Lenira Fracarolli, chefe da Biblioteca Infantil; e a própria
Oneyda Alvarenga - porque, conforme esta última se lembrava, à época da publicação das
Cartas, em 1983, não havia outras mulheres em cargos de chefia.

As mulheres que ocupavam tais posições dentro do Departamento de Cultura


da cidade de São Paulo, de qualquer modo, tinham formação para tanto... muitas mulheres, na
década de 1930, se moviam confortavelmente na esfera dos saberes – no caso,
especificamente musical.

Desde os meus onze anos, me destinaram e me destinei à música como profissão, e a ela
juntei logo, por amor igual mas sem pensar em meio de vida, a literatura.67
Mario de Andrade dirigiu seu foco de atenção à aluna Oneyda Alvarenga, não
como intérprete - mas como musicóloga, dada a trajetória dessa aluna que frequentava as
aulas de História da Música e depois redigiu, como trabalho de conclusão de curso do

encara Castro Alves na literatura brasileira]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem
indicação de entrevistador.Entrevista. Datiloscrito, 14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 –
(da mesma forma) Consultada cópia xerográfica., nesta Dissertação.
64 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-6. 29 nov. 1938.
65 Ibid., p. 156.
66 Ibid. p. 205. 27 de out. 1939.
67 Ibid., p. 5. Texto introdutório escrito por Oneyda Alvarenga para a edição do livro Cartas.
43

Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, A linguagem Musical (inédito.)68 Em


Evolução Social da Música no Brasil, texto de 1939, dedicado a Oneyda Alvarenga e
publicado em Aspectos da Música Brasileira69, Mario de Andrade escreve sobre a readaptação
pela qual passou o próprio Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. A despeito do
culto à pianolatria, tão deplorada por Mario de Andrade, o Conservatório acabou assumindo
sua função pedagógica e cultural, quando passou a emitir literatura musical, pelas mãos de
pessoas como Samuel Arcanjo dos Santos, Savino de Benedictis, Caldeira Filho, Nestor
Ribeiro e, “especialmente os primeiros estudos de folclore musical, verdadeiramente
científicos, com Oneyda Alvarenga e seus companheiros da Discoteca Pública, todos
formados no Conservatório.”70 E isso, num contexto que, em texto de sua Oração de
Paraninfo71, de 1935, anterior, portanto, ao texto Evolução Social da Música no Brasil,
reunido no mesmo livro, Mario de Andrade revela a carência de subsídios teóricos na
formação dos alunos do Conservatório – de modo geral. Claro que o grupo de alunos que
Mario de Andrade destacou a fim de estudar semanalmente em sua casa era formado por
alunos cujo perfil se voltava mais para a intelectualidade musical.
Mario de Andrade se empenhava na formação de seus discípulos no sentido de
estes serem o mais conscientes possível quanto à responsabilidade de educadores – e, do
ponto de vista da iniciativa do musicólogo reunir em sua casa um determinado grupos de
alunos, a preocupação dele era mais ampla, formando pesquisadores na área de música.
Em Mario e Marias72, Mario de Andrade satiriza os pais que, ao enviar as
filhas ao Conservatório, visavam apenas o exibicionismo: “Nossa filha há de ser uma
Guiomar Novaes”. Uma de suas “Marias” chegou a afirmar que “estudava 'pra tocar pras
visitas'”. Na “Oração de paraninfo dos formandos do Conservatório Dramático e Musical de

68 Ibid., p. 56. Oneyda Alvarenga, na carta de 30 de julho de 1933, fala a respeito desse trabalho – à época,
chamado de “tese”. Na carta de 19 de agosto de 1933, falando do andamento desse trabalho que estava sendo
finalizado em Varginha, Oneyda Alvarenga escreve: “(...) se posso lhe mandar hoje pelo correio a bela droga que
a minha tese ficou.” Acontece que “a bela droga” foi encarada depois, por Mario de Andrade, como livro
totalmente sério, A Linguagem Musical, digno de ser divulgado, conforme se vê pela carta dele, de 26 de
dezembro de 1934. In: ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas
Cidades, 1983. p. 71.
(O último capítulo d'A lingiuagem musical, redigido por Oneyda Alvarenga, quando estudou ª Copland,
terá grande peso na prática dos concertos de discos, analisados no último capítulo desta dissertação.
69 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. 247 p.

70 Ibid., p. 17.
71 Ibid., p. 233-47.
72 TONI, Flávia Camargo. Mário e Marias. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo: IEB,
1994. n.36 p. 172.
44

São Paulo, vemos que o caminho do virtuosismo era desaconselhado por Mario de Andrade.
O virtuose, com sua trajetória individualista, facilmente se inclinava à vaidade. Mario escreve:
“O que me orgulha é a professorinha anônima do Bexiga ou da Moóca, a mulher de
Taquaritinga ou Sorocaba, que ensina seu Beethoven ou, dormidos os filhos, inda soletra aos
ouvidos da rua algum noturno de Chopin.”73 Deve-se atentar ao ano em que é proferido esse
discurso: 1935 (publicado em 1936) – ano da criação da Discoteca Pública Municipal.
Oneyda, que se formara no mesmo Conservatório, no ano anterior, era nada menos que a
diretora da instituição. Mario de Andrade, ao final de seu discurso, menciona o interesse que
se nota em grande número de jovens por concertos; de proletários por bibliotecas circulantes;
de crianças por bibliotecas; de mais e mais pessoas por cursos de Etnografia.
Finalizando, Mario de Andrade explica que “não despreza o indivíduo e sabe
glorificar as criações.”74 O que acontece é que o tempo era de “luta por uma realidade mais de
todos”. O músico que o paraninfo via como ideal teria papel voltado mais para o coletivo.
Uma educação consistente no início de uma carreira musical poderia formar virtuoses
também – afinal, quem interpretaria Debussy, Beethoven, etc., se não soubesse interpretar
bem? Quem poderia fazer parte de uma orquestra? -, mas antes de tudo, importava formar
músicos. Músicos conscientes, como queria Mario de Andrade, da História Social da Música.
Por assim dizer, essa formação de músicos conscientes já não era aquela, do século XIX,
principalmente, ou do início do século XX, voltada a moças “casadoiras”, que soubessem
tocar alguma coisa ao piano (este, parte do dote, do mobiliário da casa que se habitaria ao
constituir família), do mesmo modo que saberiam bordar. A essa geração formada nos anos
1930 é que pertenceu Oneyda Alvarenga.
Aliás, já despontavam na década anterior situações que favoreceram o
surgimento de mulheres pianistas, cuja carreira era levada a sério, antes de qualquer outro
aspecto da vida. Em seu livro As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag, Jacy Toffano
escreve sobre a trajetória de Antonietta Rudge (1885-1974), Guiomar Novaes (1894-1979) e
Magdalena Tagliaferro (1893-1986), mostrando por meio das peculiaridades de cada uma que
a questão da jovem que se dedicava ao estudo de piano começava a levar a carreira de
intérprete a terrenos inusitados, até então75. Mesmo o perfil dessas pianistas já avançava sobre
73 ANDRADE, Mario de. Cultura musical: (Oração de paraninfo dos formandos de 1935, do Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo.) São Paulo : Departamento Municipal de Cultura, 1936. p. 13.
74 Ibid., p. 7.
75 TOFFANO, Jaci. As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag: o paradoxo feminista. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2007. p. 35. - “Até que a gravação se tornasse rotina na carreira musical dos intérpretes
modernos, a crítica especializada representava a maior credencial para o artista.” - a ligação do intérprete com a
45

o campo de estudos e se manifestavam ações na área da cultura. Jacy Toffano 76 escreve sobre
a fundação da Sociedade de Cultura Artística, fala do papel de Antonietta Rudge: “Para se ter
uma ideia de como era premente a criação, em São Paulo, de entidades que se encarregassem
de promover o progresso cultural e educacional a exemplo do Rio de Janeiro”, criou-se a
Sociedade de Cultura Artística, que “pretendia organizar palestras e concertos numa mesma
noite.”
Acresce que Dalila Vasconcellos de Carvalho, também escrevendo sobre
mulheres que tiveram início da formação pianística no anos 1920, escolhe os exemplos de
Helza Camêu (1903-1995) e Joanídia Sodré (1903-1975) que, por vários motivos se afastaram
da carreira de pianista, justamente quando esta era, no início do século XX, um espaço de
consagração entre as mulheres. Dalila questiona o tema do ponto de vista das configurações
sociais que levaram estas pianistas a desempenhar funções tidas, à época, como
“masculinas”77 (Joanídia Sodré foi pianista, regente e diretora da Escola Nacional de Música e
Helza Camêu pianista, musicóloga e compositora.) Vale lembrar que Helza Camêu, mais
velha do que Oneyda Alvarenga, também veio a ser musicóloga, escrevendo sobre música e
realizando palestras. Nos anexos desta dissertação se encontra um texto publicado no Jornal
do Comércio, do Rio de Janeiro, aos 28 de maio de 1961, referenciando Oneyda Alvarenga e
Helza Camêu como “acatadíssimas autoridades” no assunto folclore.
A partir da década de 1940, o trabalho científico de Oneyda Alvarenga sobre
Folclore e Etnologia, áreas em que ela estabelecia conceitos como uma das autoridades
pioneiras na América Latina, já era sólido o bastante para angariar apreciações positivas de
críticos, escritores, musicólogos e jornalistas da América e da Europa, como Carlos
Drummond de Andrade, Sever Pop, Alcântara Silveira, Edemundo Lys, Luís Ellmerich, Laís
Correia de Araujo, Jorge Andrade, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, Roger Bastide (em várias
cartas), Sergio Buarque de Hollanda, Antonio Alatorre (mexicano), Vicente T. Mendoza
(mexicano), Otavio Bevilacqua, Fernando Mendes de Almeida, Andrade Muricy, Lauro
Ayestarán (musicólogo uruguaio), Knut Brodin (musicólogo norueguês), O. C. Cabot

mídia, nos anos 1920, era , na verdade, com a imprensa (jornais.) À época de Oneyda Alvarenga já se podiam
calcar os programas de concertos sobre gravações – e a relação era outra. O concerto, como se conformou depois
da passagem da ópera para a pianolatria, enfocava o intérprete, sua performance. O pianista deixara de ser
acompanhante do canto e passava a ser estrela, um ser quase mágico – o que Jaci Toffano vai mostrar que a
realidade estava longe disso, dados os processos de disciplina, durante os anos de formação de cada pianista.
76 Ibid., p. 84.
77 CARVALHO, Dalila Vasconcellos de. Renome, vocação e gênero : duas musicistas brasileiras. São Paulo,
2010. 149p. [FFLCH] Tese. p. 7.
46

(musicólogo inglês), Luís da Câmara Cascudo, Melville J. Herskovits (antropólogo norte-


americano.) Todos eles elogiaram o caráter excepcionalmente sério, científico das pesquisas
de Oneyda Alvarenga, principalmente no que se refere ao livro Música Popular Brasileira,
com o qual a autora recebeu o prêmio “Fábio Prado” - inclusive o livro foi publicado no
México, em 1947, antes da edição brasileira.78

Os perfis de Oneyda Alvarenga foram delineados no primeiro capítulo - e não


no segundo, denominado justamente Primórdios e Perfis – para que se destaque a trajetória da
jovem que queria ser reconhecida como poeta e pianista e que, afinal de contas, amadureceu e
atuou profissionalmente de outras formas. Muito diferente e distante agora era a Menina
Boba, apesar de a manipulação da linguagem escrita e de sua formação pianística terem
projeção (e utilidade, para si e para os outros) em todo seu desempenho, vida afora. Aliás,
esse amadurecimento aconteceu bem cedo, já que a poeta ocupou o cargo de diretora da
Discoteca Pública Municipal em 1935, antes de completar vinte e quatro anos de idade. E,
amadurecendo como estudiosa (musicóloga, folclorista, etnóloga...), foi integrar o quadro de
intelectuais que fizeram parte do Departamento de Cultura do município de São Paulo,
conforme será mostrado no capítulo 2.

78 Ver ANEXO A, p. 339-51 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Oneyda Alvarenga: referências críticas.
[Trechos de críticas escritas em correspondências e de artigos publicados em periódicos, sem assinatura.]
Datiloscrito, [1938/68], cópia carbono, 10 p. Doc. 8069 - (da mesma forma) Consultada cópia xerográfica. Ver
também ANEXO D, p. 360-4 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Carta e entrevista cedida a Jorge
Andrade sobre estudos folclóricos.]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para a revista Visão. Transcrição do texto
integral, entrevistador: Jorge Andrade. Carta e entrevista. Datiloscrito, 06 de agosto de 1960, 6 p. Doc. 8150 - (da
mesma forma) Consultada cópia xerográfica.
47

CAPÍTULO 2 PRIMÓRDIOS E PERFIS

2. Primórdios: panorama

Lutar por uma nova arte significava lutar para criar novos artistas
individuais, o que é um absurdo, porque não se podem criar artificialmente
os artistas. Deve-se falar de luta por uma nova cultura, ou seja, por uma nova
vida moral, que não pode não ser intimamente ligada a uma nova percepção
da vida, até se tornar uma nova maneira de sentir e de ver a realidade, e tão
intimamente entranhada com o mundo, com “artistas possíveis” e com as
“obras de arte possíveis”.79

Como se verá, desde o movimento modernista até o envolvimento dos


intelectuais com o poder80, no Brasil, na década de 1930, as relações com a arte e com a
cultura em geral tomam rumos nuançados e a questão da organização e difusão dos saberes
transcende fronteiras físicas, sociais, históricas, ora entrecruzando os fios que compõem a
trama, ora esgarçando o tecido... e o observador se vê sobre um posto em movimento
contínuo.
É consenso entre os estudiosos do assunto que o Movimento Modernista
brasileiro, eclodindo com a Semana de fevereiro de 1922, teve desdobramentos na década de
1930, caracterizada pela preocupação dos intelectuais com a questão do nacionalismo.
Assim, Mário da Silva Brito81, quando delineia detidamente todos os passos da
geração modernista em 1922, descortina um panorama esclarecedor, no que tange a um
período de ruptura com a arte e literatura feitas até então. Desde a exposição de Anita
Malfatti, em 1917, – o marco do início da arregimentação de forças de artistas e intelectuais é
frequentemente identificado nesta exposição82 –, passando por pontos de relevo, como o
Manifesto do Trianon (aproveitando o ensejo da homenagem a Menotti del Picchia, em

79 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p. 9.


80 Ao se referir ao mundo da produção, Gramsci utiliza o conceito econômico-social, entendendo que o
econômico engloba não só a produção de bens materiais, mas também as relações sociais que se criam a partir
das relações de produção; do mesmo modo, o ético-político, conceito que aponta para a relação entre política e
cultura, expressa na constatação de que a luta política supõe um certo grau de homogeneidade, uma concepção
de mundo coerente e unitária. In: SCHLESENER, Anita Helena. Hegemonia e cultura: Gramsci. 3.ed. Curitiba,
UFPR, 2007. p. 63.
81 BRITO, Mário da Silva. História do modernismo brasileiro: I – antecedentes da semana de arte moderna.
5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 322 p. (Coleção Vera Cruz. Literatura brasileira, v. 63)
82Ibid., p. 47-51. Ainda que o autor tenha colocado a questão permanente da divergência de opiniões: há quem
considere esse marco a exposição da pintora, (que resultou no episódio do artigo Paranóia ou Mistificação, com
todas as polêmicas decorrentes); há quem o considere a exposição de Segall, em 1913.
48

banquete, Oswald de Andrade proferiu discurso em que declarou, com o apoio de outros
modernistas ali presentes, que a nova geração de escritores estava disposta a fazer frente aos
passadismos na literatura e na arte); o artigo Na maré das reformas, de Menotti del Picchia,
onde o escritor fixa bases do programa de ação renovadora a ser desenvolvido; polêmicas e
embates, durante o ano de 1921, em torno do que se combatia (passadismo, parnasianismo,
romantismo e outras correntes que já se consideravam antiquadas); a divulgação de poemas e
trechos de prosa da nova escola, pela imprensa; e a posição dos jovens artistas frente ao
futurismo: a adesão, em alguns momentos, mais forte; em outros, a rejeição. De qualquer
forma, eles se deixavam chamar de futuristas, mesmo os que não o fossem, porque o
momento exigia uma tomada de posição, ainda que provisória, para que se desencadeasse a
reação modernista. Fato é que Oswald de Andrade lança a poesia de Mario de Andrade,
atribuindo-lhe características de futurista, o que leva este último, mesmo sob protestos, a sair
de sua postura tímida e assumir a liderança dos modernistas.
Essa pontuação de Brito vem situar a atuação daquelas pessoas que
frequentavam a Vila Kyrial, na década de 1920 e que não podiam ser outras, ao ocuparem
cargos administrativos na década de 1930, na gestão da cultura brasileira. Sergio Miceli
chama-as de intelectuais cooptados pelo Estado:

Diante dos dilemas de toda ordem com que se debatiam por força de sua
filiação ao regime autoritário que remunerava seus serviços, buscaram
minimizar os favores da cooptação lhes contrapondo uma produção
intelectual fundada em álibis nacionalistas. Pelo que diziam, o fato de serem
servidores do Estado lhes concedia melhores condições para a feitura de
obras que tomassem o pulso da nação e cuja validez se embebia dos anseios
de expressão da coletividade e não das demandas feitas por qualquer grupo
dirigente. Dando sequência à postura inaugurada pelos modernistas, esses
intelectuais cooptados se autodefinem como porta-vozes do conjunto da
sociedade, passando a empregar como crivos de avaliação de suas obras os
indicadores capazes de atestar a voltagem de seus laços com as primícias da
nacionalidade. Vendo-se a si próprios como responsáveis pela gestão do
espólio cultural da nação, dispõem-se a assumir o trabalho de conservação,
difusão e manipulação dessa herança, aferrando-se à celebração de autores e
obras que possam ser de alguma utilidade para o êxito dessa empreitada.83

Em A missão de Pesquisas Folclóricas84, Flávia Toni apresenta o panorama


social e histórico do contexto em que cria-se o Departamento de Cultura de São Paulo, e

83 MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 216
84 TONI, Flávia Camargo. A missão de pesquisas folclóricas do Departamento de Cultura. São Paulo:
Centro Cultural São Paulo, 1983. p. 9-11.
49

também o avesso desse panorama: a situação econômica do Estado nos anos 1920. A
hegemonia política de São Paulo emanava, por assim dizer, do poder econômico alicerçado na
produção agrícola: o cultivo do café. Com a crise de 1929 e a queda da importação de
produtos manufaturados da Europa que, antes, o Brasil não produzia, São Paulo
industrializou-se. Com a perda do poder econômico, a oligarquia cafeeira desestabilizou-se
politicamente também.
Além disso, em 1926, a criação do Partido Democrático que, ao mesmo tempo
que era constituído por pessoas da classe média tradicional e ligadas aos cafeicultores, era
representativo de ideais de uma nova geração progressista. Entre essas pessoas, estava Paulo
Duarte, que teve papel decisivo na articulação de um órgão público responsável pela cultura.
Assim como foi ele também o responsável pela nomeação de Mario de Andrade como diretor
do Departamento de Cultura do município. Dos anos 1920 aos 1930, aconteciam também
levantes militares, no Brasil, como a Revolução de 1924, a Coluna Prestes, a Revolução de
30, tudo levando de roldão o poder da política do café com leite, a independência de São
Paulo. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder central, São Paulo viu-se em mãos de
interventores e a Revolução, que antes o povo aclamara como moralizadora.
A posição de Mario de Andrade, diante da Revolução teve um avanço e,
depois, um recuo, do que se infere do texto de Mario de Andrade: ramais e caminho85. O
entusiasmo inicial de Mario de Andrade pela Revolução de 1930 diminui, pouco depois da
eclosão dos acontecimentos: suas crônicas mostram ambivalência e críticas à oligarquia
paulista. Em 1931 começa a aderir à Revolução Paulista; defende o caráter democrático do
movimento; passa por uma posição separatista em relação a outros estados do Brasil e, depois
da derrota dos constitucionalistas, mostra seu bairrismo transmudado em ideal paulista, quase
repugnado com a ideia de país/pátria/Brasil86. Na crônica Peneirando, publicada no momento
posterior à vitória da Revolução de 1930, ele escreve que “o nós vencemos”87 já começava a
ser dolorido, uma vez que começavam as atitudes oportunistas por parte daqueles que
mostravam suas reais intenções no âmbito político, ao apoiar o movimento, ganhando cartas
de recomendação, dentro do que se chama “empreguismo”. Agora, se percebia, resultava em
prejuízos na esfera da independência do Estado. Telê Ancona Lopez analisa a mudança de
ideias de um Mario de Andrade que, desiludido com a Revolução, começa a exaltar São
85 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 61-2.
86 Ibid., p. 62-3.
87 Ibid., p. 222.
50

Paulo. Em 1931, já totalmente bairrista, não chega a perceber sua atitude. Já em 1933 critica a
revolução Paulista; como “intelectual engajado”, se dá conta da “importância social e política
do nacionalismo e do internacionalismo.”88
Mas São Paulo permanecia pólo da cultura nacional, embora não o fosse pelo
movimento modernista, em si. E era justamente a liderança cultural que desejavam, na década
de 1930, pessoas como Paulo Prado, Mario de Andrade, Antônio de Alcântara Machado,
Henrique da Rocha Lima, Randolfo Homem de Mello, Nino Gallo, Rubens Borba de Moraes,
Sérgio Milliet, Elsie Houston89, entre muitos outros; vários ligados ao Partido Democrático,
todos eles à intelectualidade.
O papel que tinha o Departamento de Cultura, já em 1936, ano seguinte ao de
sua criação, quando se responsabilizou pela programação faustosa90 – três récitas em
dezembro de 1936, com apresentação de Noite de São Paulo, escrita por Alfredo Mesquita e
musicado e regido por Dinorá de Carvalho –, com a finalidade de angariar fundos em
benefício do Preventório Santa Clara de Campos do Jordão. Sendo que, apenas a verba da
primeira noite é destinada ao Sanatório – a renda das outras duas foram para o Departamento
de Cultura. Tratava-se da despedida de Armando Salles de Oliveira do governo do Estado e o
público do espetáculo da noite de estreia, assim como os organizadores (intelectuais e artistas)
também faziam parte da elite – cultural e/ou econômica da cidade. Flávia Toni faz alusão aos
“tempos de paz”, ainda em 1936, após a tumultuada época das Revoluções de 1930 e 1932,
quando lembra que havia tolerância à incoerência – visto que a métrica e a rima eram
incoerentes, naquele ano – dentro da esfera política em que atuavam esses intelectuais.
Há dupla mão, na relação entre os intelectuais que formavam o germe do
Departamento de Cultura e os propósitos políticos, na década de 1930. Por um lado, o poder
político lançava mão do patrimônio cultural de que dispunha – bibliotecas, discotecas, etc. -,
usando-o como recurso de formação do povo, o mais depressa possível, eliminando, assim, “o
perigo das ideias comunistas”. Ou seja, havia a intenção de reforçar o sentimento “paulista”,
forjar rapidamente o sentimento nacional. De outro lado, os intelectuais, segundo Barbato
88 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 223-5.
89 TONI, Flávia Camargo. A missão de pesquisas folclóricas do Departamento de Cultura. São Paulo:
Centro Cultural São Paulo, 1983. p. 13.
90 TONI, Flávia. Noite de São Paulo: a despedida de Armando de Salles Oliveira. In: MATOS, Edilene (org).
Cavalcante, Neuma (org). Lopez, Telê Ancona (org). Lima, Yêdda Dias (org). Nogueira, Arlinda Rocha (colab).
Toni, Flávia Carmargo (colab). Bellotto, Heloísa Liberalli (colab). Hutter, Lucy Maffei (colab). Batista, Marta
Rossetti (colab). Lima, Yone Soares de (colab). A presença de Castello. São Paulo, Humanitas/FFLCH/USP,
Instituto de Estudos Brasileiros, 2003. p. 235-40. Cronologia.
51

Junior91, “prescindiam da política e se apoiavam “, por sua vez, no “Estado, expressando a


ambiguidade de suas posições.”
Assim, embora as ações do Departamento de Cultura não fossem, de maneira
alguma, desprovidas de caráter político e alguns dos membros do Departamento da Cultura
tivessem sido filiados ao Partido Democrático, não tinham a crença, nem o propósito de
projetar interesses ligados ao poder político por ele mesmo. Se algum poder seduzia o grupo
derivado das reuniões no apartamento de Paulo Duarte, entre 1926 e 1931, esse poder era a
possibilidade de “fazer”. Pela primeira vez podiam-se por em prática projetos idealizados
fora, por assim dizer, do âmbito do poder institucionalizado, sob o respaldo de uma instituição
pública.
Os intelectuais ligados ao Departamento de Cultura, ou instituição paulistana,
conforme denominação empregada por Barbato Junior92, não acreditavam na política
partidária, mas na política da cultura.
Assim também acredita Barbato Júnior93, quando confirma essa posição
daqueles intelectuais que rodeavam Paulo Duarte: Mario de Andrade, apesar de filiado ao
Partido Democrático, acreditava ser melhor permanecer à distância da política, nas questões
culturais. Em seu discurso de paraninfo94, de 1935, no Conservatório Dramático e Musical de
São Paulo, Mario de Andrade fala que, ainda que ocupando um cargo público, não era político
e, se os resultados de suas decisões moviam-se dentro dessa esfera, apenas seriam políticos
enquanto reversão dessas decisões em serviços públicos, justificando a decisão daqueles que o
permitiram que o fossem. Mario de Andrade chega a afirmar - isso em 1935, quando Oneyda
Alvarenga, recém-formada, na turma anterior do Conservatório, seria convidada a aceitar o
cargo de diretora da Discoteca Pública, momento em que Mario de Andrade não supunha a
reviravolta próxima, de 1937, com a instauração do Estado Novo – que seu trabalho não era
político. Segundo Barbato Júnior95, essa posição de Mario de Andrade se coadunava até certo
ponto com o discurso de Fábio Prado, quando este, afirmando não haver nenhuma relação
entre nomeação dos intelectuais que compunham os quadros do Departamento de Cultura e
seus credos religiosos ou suas filiações políticas, ressaltava a existência de uma condição
91 BARBATO JUNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o
Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2004. p. 187.
92 Ibid., p. 190.
93 Ibid., p. 95.
94 Oração de paraninfo – 1935. In: ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo :
Martins, 1975. p. 245.
95 Ibid., p. 96.
52

puramente cultural, na ação dessas pessoas. A movimentação entre decisões na área da cultura
e a política eram sutis: o poder central, emanando dum Estado forte, viabilizava a
concretização de objetivos coletivos. Por um lado, refazia, às pressas, o conceito de nação, do
ponto de vista tradicionalista; por outro, coletivizando o saber, ia ao encontro aos ideais de
setores intelectuais, para os quais a visão nacionalista era outra.
Apesar de tudo isso, num segundo momento, Mario de Andrade reconheceria
que era impossível seu desempenho administrativo, ocupando um cargo público, desvinculado
da política; da ação política. Com o golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, quando
Mario de Andrade viu-se obrigado a deixar o Departamento de Cultura, a realidade mostrava
que essa política da cultura não era independente do poder político – embora este, com
interesses de construir a ideia de nação, tivesse dado margem de liberdade aos intelectuais que
não compartilhavam da ideologia antidemocrática (vide os objetivos da utopia nacional-
popular, que encontrava caminhos de aproximação entre intelectualidade e povo, pela
primeira vez, no Brasil.) Em sua palestra “O Movimento Modernista”, de 1942, Mario de
Andrade, de certa forma, lamentava-se por algumas posturas assumidas anteriormente,
quando declarava que, mesmo sem abandonar valores eternos (porque, para ele, isso seria
impossível; nem seria honesto), o homem público não estaria em condições livres de furtar-se
ao seu dever para com os outros; o intelectual não deveria “esconder-se”, ainda que fosse na
aparente neutralidade da elaboração dum texto literário, ou mesmo técnico. Então, chamava a
isso covardia e afirmava se estar numa idade política que não permitia individualismos. Ou
seja, era uma declaração onde reconhecia a necessidade do comprometimento político, em
detrimento de uma posição mais cômoda.
Retomando os primórdios da situação geradora do futuro Departamento de
Cultura, Barbato Júnior96 localiza, no tempo da Primeira República, uma demanda cultural.
Mas, dada a falta de mercado de bens simbólicos, havia impossibilidade de iniciativa estatal,
então. Ele fala sobre dois momentos distintos, na esfera da difusão cultural: a década de 1920
e seus salões, como o da Vila Kyrial e, com a queda destas reuniões – devido a situações
desconfortáveis de desencontros de interesses políticos, sociais, artísticos e intelectuais, no
mesmo espaço, o que refletia o panorama geral, que mudava a cada dia, em São Paulo -, fala
do segundo momento. Daquele em que se redefiniam as relações sociais e políticas: só haveria
condições de realização no circuito público via mediação do Estado. Falando desta passagem

96 BARBATO JUNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o


Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2004. p. 144.
53

dos círculos particulares/privados para os governamentais, em que o Estado vinha a ser


mecenas da cultura, fala também da outra face. Os intelectuais que se articulavam, ao mesmo
tempo vinculados ao poder central e portando a cultura, bem imaterial da elite, para as
massas.
Elizabeth França Abdanur97, relendo fontes pertinentes, aborda muito
diretamente certas questões, o que vem esclarecer sobre os propósitos dos que ela denomina
homens “ilustrados”, daquele momento político.
Em linhas gerais, pode-se concluir que, segundo Abdanur, tanto a criação da
Escola Livre de Sociologia e Política, quanto a da própria Universidade de São Paulo, em
1934, visavam encontrar soluções para o problema da “democracia” no Brasil. Nessa época,
logo após a Revolução de 32, (no período entre 1935 e 1936), Armando Salles de Oliveira era
governador do estado – e também genro de Júlio de Mesquita Filho, dono do jornal O Estado
de São Paulo... Ora, o projeto da fundação da Universidade era do próprio Júlio de Mesquita
Filho e do educador Fernando de Azevedo. Após um inquérito, realizado pelo jornal O Estado
de São Paulo, em 1926, concluiu-se que o ensino público “estava desorganizado”. Sendo
assim, urgia a formação de uma “elite orientadora” para organizar “um ensino secundário
destinado às camadas médias da população e do ensino primário para as massas”. 98
Em seu livro Dialética da colonização99, Bosi fala do caráter positivista de que
se revestia a educação popular e gratuita implantada no Brasil.

O positivismo social valorizava muito, em seu discurso, o projeto de um ensino


fundamental gratuito e leigo, porque acreditavam comtianos e spencerianos que a ciência era
fautora do progresso e a educação era sua via real. Bosi lembra o estudo feito sobre o
pensamento comtiano, que estabelecia relação direta entre o ensino básico universalizado e a
formação do bom proletário.100

97 ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados"e a política cultural em São Paulo: o departamento de


cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938) Elizabeth França Abdanur ; orientador Jorge Coli. São Paulo:
s.n. ,1992. p. 29-52.
98 Ibid., p. 6-28.
Sobre isso, Mannheim escrevera: “(…) não houve nunca um liberalismo absoluto, que
simultaneamente com a ação não-dirigida das forças sociais houve sempre, por exemplo, a regulamentação na
educação. O Estado liberal também regulamentou instituições inteiras, para as quais determinou não só o tipo de
conhecimento a ser ministrado às várias classes, mas até mesmo cultivou padrões modelares de conduta
necessários à existência continuada dessa sociedade e ajudou as elites a adquiri-los.” In: MANNHEIM, Karl. O
homem e a sociedade: estudos sobre a estrutura social moderna. Rio de Janeiro : Zahar, 1962. (Biblioteca de
ciências sociais.) p.125-6.
99 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 300-7.
100 Bon proletaire, expressão cunhada por Paul Arbousse-Bastide, análoga ao bon sauvage.
54

A escola primária gratuita está dentro do plano mais geral da educação popular,
que Comte chama de “proletária” - a única com a qual o governo (o Estado) deveria arcar, não
se encarregando de ensino universitário.101

O Rio Grande do Sul castilhista e borgista foi o estado que mais atenção voltou
à escola primária e ao ensino técnico-profissional, ao mesmo tempo que a política republicana
dispensava a exigência de títulos aos cidadãos que pleiteassem o exercício de qualquer
profissão liberal – o que retardou a criação de instituições estatais de ensino superior.

Borges de Medeiros enviou, em 1913, uma comissão de professores primários


a Montevidéu, para que conhecessem a metodologia da educação uruguaia – estimada, então,
como a mais eficiente da América Latina. Nessa época da República Velha, Borges de
Medeiros adiantou-se com relação aos demais estados do Brasil, no emprego dos recursos
públicos na educação gratuita. (Só com a Constituição de 1934 seria destinada uma verba
percentual específica para o ensino primário.)

Ao invés de cursos universitários, dava-se ênfase ao ensino técnico para as


classes pobres. Numa época em que a industrialização desenvolvia-se de modo irreversível, os
cursos técnicos visavam formação de profissionais que produzissem mais e melhor, buscando,
com isso e com créditos públicos, alcance de maior mercado consumidor. O positivismo
gaúcho, procurando sempre desenvolver ensino técnico profissionalizante a fim de formar
operários especializados desembocou, no entanto, em 1934, na fundação da Universidade de
Porto Alegre, depois Universidade Federal do Rio Grande do Sul, elencando, no início, cursos
de caráter científico. A produção de material que veiculava informação científica refletia os
adiantamentos da modernização científica da República Velha.

Segundo Bosi, o positivismo veio ocupar o poder nacional nos anos 1930,
quando a coalizão tática de repúblicos sulinos e tenentes arredou das decisões o liberalismo
oligárquico já declinante.102

Então, os homens de Estado receberam e adaptaram tendências modernas como


o reformismo social de esquerda e autoritarismo de direita.

Quando Getúlio Vargas pediu a Lindolfo Collor que constituísse uma


101 Segundo Bosi, as reformas educacionais do México e do Uruguai, no final do século XIX, tiveram bases
positivistas. Bosi faz ainda referência a filósofos que estudaram a influência do positivismo não apenas nas
políticas públicas, mas também nas doutrinas pedagógicas daqueles projetos nacionais.
102 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 304.
55

comissão de consultores do novo Ministério do Trabalho, Indústria e


Comércio, o líder castilhista gaúcho não hesitou em convocar militantes
socialistas, industriais avançados e cultores do nacionalismo centralizador.
Evaristo de Morais sentou-se então ao lado de Jorge Street e de Oliveira
Viana; e todos, sob a batuta de uma ideologia estatizante, que se dizia “acima
das classes”, elaboraram o nosso Direito Social, ao mesmo tempo
progressista e autoritário, moderno e conservador, numa palavra:
positivista.103

Uma observação a ser feita é que, em seu texto, Alfredo Bosi menciona o
modelo de educação em que o Brasil espelhava-se, então: a do Uruguai. Não só a educação
em São Paulo preparava-se para uma reestruturação, a partir de meados da década de 1920,
com parâmetros neste modelo educacional, como o programa de ensino de música, no
Uruguai, recebia direcionamento altamente didático de Francisco Curt Lange, alemão
naturalizado uruguaio. Este musicólogo ajudou a implantar o Serviço Nacional de
Radiodifusão do Uruguai (SODRE), em 1929, onde também organizou uma discoteca. Sobre
isso se discorrerá, nesta dissertação, quando se tratar de Discotecas na Europa e na América.

Assim, seria restabelecida a “disciplina na mentalidade do povo”. Escreve


Abdanur:

Depois do movimento de 32, quando “democráticos” e “perrepistas”


deixavam de lado antigas divergências em nome da “unidade paulista”, o
aperfeiçoamento das “elites dirigentes” como solução para os problemas
políticos passou a ser o centro das preocupações dos “ilustrados”. Quando
criticou a “política militante” de São Paulo em seus artigos de 1922, Júlio de
Mesquita Filho havia apontado a “reserva'”desses políticos em relação à
Ciência Social como um indicador de sua desorientação e incapacidade para
governar. A escola Livre de Sociologia e Política, que seria criada dez anos
depois dessa declaração, teria por finalidade superar, através do
conhecimento científico da realidade proporcionado pelas Ciências Sociais, a
ação dos partidos na solidificação e governos mais estáveis e mais
habilitados para manter a ordem social.104

Concordava-se que a educação seria uma boa aliada à política, desde que ela
funcionasse como instrumento capaz de forjar uma elite dirigente. Com a criação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, como núcleo da Universidade de São Paulo,
buscava-se, ao mesmo tempo, formar-se elites culturais que recuperassem o prestígio perdido
103 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 304-5.
104 ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados"e a política cultural em São Paulo: o departamento de
cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938)Elizabeth França Abdanur; orientador Jorge Coli. SãoPaulo: s.n.
1992. p. 29-52.
56

de São Paulo, e formar “consciência” política de “luta contra o comunismo” que “deveria se
dar principalmente no campo ideológico e cultural.”105
Em 1936, Rubens Borba de Moraes fora nomeado diretor da Biblioteca
Pública Municipal e se defrontara com a dificuldade de constituir um corpo de
biblioteconomistas qualificados - o único curso de Biblioteconomia existente até então era o
da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, voltado para uma formação de caráter erudito. Para
atender à urgência de equipe técnica, Rubens Borba de Moraes organizou um curso de
Biblioteconomia, que, de 1936 a 1939, funcionou com o apoio do Departamento de Cultura
da Prefeitura de São Paulo e, em março de 1940, ficou sob responsabilidade da Escola Livre
de Sociologia e Política de São Paulo. Entre os primeiros professores, estavam o próprio
Rubens Borba de Moraes e Adelpha Rodrigues de Figueiredo.106
É muito importante, aqui, mencionar-se a inclusão do curso de
Biblioteconomia, em 1940, justamente na Escola Livre de Sociologia e Política, - o curso já
havia sido e mantido pela Prefeitura de São Paulo, desde 1936, visando a organização das
informações, dos saberes, portanto. (Por isso “ A formação de técnicos e administradores
especializados...”) Essa, a formação que Oneyda Alvarenga não teve, devido ao momento em
que se formou em Música, que coincidiu com sua entrada quase que imediata para o
Departamento de Cultura, em 1935. No entanto, ela sanou essa ausência de formação
bibliotecária, não só ao catalogar o material áudio-visual e bibliográfico, como também ao
dirigir a Discoteca Pública Municipal, buscando quase todos os recursos em sua formação de
musicóloga, além de trocas de informação com o próprio Mario de Andrade, que já
organizava seu acervo pessoal, e com Francisco Curt Lange, como se verá adiante.

2.1 Planos por água abaixo: e o rio seguiu seu curso

Tendo sido criado o Departamento de Cultura de São Paulo, pelo Ato nº 861,
de 30 de maio de 1935, estruturado como apresenta-se abaixo, segundo Flávia Toni107, em sua
reprodução do folheto comemorativo do primeiro aniversário da instituição, feito por Mario
105 ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados"e a política cultural em São Paulo: o departamento de
cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938)Elizabeth França Abdanur; orientador Jorge Coli. SãoPaulo:
s.n., 1992. p. 29-52.
106 http://www.fespsp.org.br/_bib.htm
107 TONI, Flávia Camargo. A missão de pesquisas folclóricas do Departamento de Cultura. São Paulo:
Centro Cultural São Paulo, 1983. p. 16. O quadro do Departamento de Cultura está reproduzido
sumariamente, enfocando apenas as Divisões e atendo-se somente à de Expansão Cultural.
57

de Andrade:
Divisão de Expansão Cultural
Que incluía:
1)Teatros, Cinemas e Salas de Concertos
2)Discoteca Pública

Haveria uma terceira subdivisão:

Rádio-escola, que não chegou a funcionar


Divisão das Bibliotecas
Divisão de Educação e Recreio
Divisão de Documentação Histórica

Naturalmente, manifestava-se o entusiasmo da parte dos envolvidos, como


escreve Paulo Duarte:

Nós sabíamos que o Departamento era o germe do Instituto Brasileiro de


Cultura. Primeiro, um Instituto Paulista, que Armando Sales no Governo já
nos garantira. Para isso o projeto do Departamento do Patrimônio Histórico e
Artístico de São Paulo, lá estava na Assembléia Legislativa, ladrado embora
pela cachorrada solta do despeito e da incompreensão. Depois, com Armando
Sales na Presidência da República, seria o Instituto Brasileiro, uma grande
fundação libertada da influência política, com sede no Rio, inicialmente
instalados, além do de São Paulo, paradigma, outros núcleos em Minas, no
Rio Grande do Sul, na Bahia, em Pernambuco e no Ceará. Tivéramos uma
ideia genial que Armando Sales aprovou: os Institutos de Cultura assistiriam
com assiduidade todas as grandes cidades, com a colaboração da
Universidade, porque, não comportando evidentemente essas cidades uma
Faculdade, teriam contato íntimo com esta, através de conferências,
cursos,teatro, concertos, etc.108

Paulo Duarte escreve literalmente sobre a condição que os intelectuais de seu


grupo visavam como ideal: uma fundação liberta da influência política. E se esse desejo
manifestava-se antes da ditadura do Estado Novo, (que ocasionou, entre outras muitas coisas,
o desmonte do Departamento de Cultura), quando ainda teriam liberdade de ação na área da
expansão da cultura, isso quer dizer que tal grupo só estava junto ao poder político a fim de
fazer real a socialização da cultura e da arte. E não por motivos outros.
Aliás, desde os primeiros contatos de Paulo Duarte com Fábio Prado, então
prefeito de São Paulo, o texto109 daquele deixa clara essa intenção de aproximar-se da esfera
administrativa do poder municipal como meio de por em prática os “sonhos” do grupo que se
reunia em seu apartamento, como já foi mencionado acima. Quando Paulo Prado, em 1935,

108 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 55.
109 Ibid., p. 50.
58

indicou o nome de Mario de Andrade para o cargo de diretor do Departamento de Cultura, não
como um dos mais aptos para exercê-lo, mas como o “único” capaz disso, o prefeito ainda
não conhecia Mario de Andrade – tudo o que ouvira sobre ele é que era “um futurista”, além
de cabotino. Paulo Duarte apresentou, então, Mario de Andrade a Fábio Prado e, graças à sua
articulação, conseguiu convencer o primeiro a aceitar o cargo, (depois de muitas renitências
do escritor), e o segundo a aceitar os planos do Departamento de Cultura, de autoria do
próprio Paulo Duarte, bem como a nomeação de Mario para a diretoria.
Que Instituto era esse, a que Paulo Duarte se referia? Nas mencionadas
reuniões informais de Paulo Prado, anos antes, alguém, que ele não pode precisar quem, falou
sobre:

(…) a perpetuação daquela roda numa organização brasileira de estudos de


coisas brasileiras e de sonhos brasileiros. Mas cadê dinheiro? (…) ficou
decidido que um dia seríamos governo. Só para fazer tudo aquilo com
dinheiro do governo.110

Mas o Departamento de Cultura do município era apenas um início... Armando


Salles de Oliveira, que tentava ir à presidência, interessou-se o bastante por esse
Departamento para encaminhá-lo como proposta de seu programa. O Departamento, passaria,
primeiramente, a Instituto Paulista de Cultura, para que este, por sua vez, fosse germe do
Instituto Brasileiro de Cultura, que encamparia o Brasil todo. Este Instituto, uma vez estando
Armando Salles Oliveira no governo federal, teria sua sede no Rio de Janeiro. Depois, outros
estados teriam seus próprios Institutos, nos moldes do Instituto Paulista.
Em etapas anteriores, o Instituto Paulista de Cultura absorveria o Departamento
de Cultura do município. No departamento municipal estaria incorporado o Departamento do
Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo. Isto foi encaminhado e posto em discussão na
Assembleia Legislativa do Estado111. Esta lei fora elaborada principalmente por Mario de
Andrade; e, graças a influências exercidas por Rodrigo de Melo Franco, com alterações,
convertida em lei federal - e criou-se o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN).
Na edição de 1981, de Cartas de trabalho, Lélia Coelho Frota112 insiste na

110 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 50.
111 Ibid., p. 154-5. E permaneceria nesta situação, até o golpe fascista de 10 de novembro de 1937.
112 ANDRADE, Mario de. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade
(1936-1945). Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1981. (Publicações da Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. n.33) p. 25.
59

afirmação que a criação do Departamento de Cultura e do SPHAN deu-se “em linha reta” a
partir da “reavaliação modernista.” Porque a preocupação com a integração de todo o
universo da produção cultural viria a ser a visão renovada da geração modernista, em relação
à geração dos românticos, no que tangia à observação da terra.
Mario de Andrade e Rodrigo M. F. de Andrade, ambos com perfil intelectual,
ambos escritores no exercício de cargos públicos, procuravam coletivizar o saber, até então
separado em saber “culto” e saber “popular”, conforme situa Lélia Coelho Frota, na
apresentação do livro.
Mario de Andrade pensava no SPHAN com visão abrangente, valorizando o
conhecimento “culto” ao lado do “popular”. Segundo explica Antônio Cândido, isso se deve
ao momento de

(…) rotinização do Modernismo (...) superada a estética tradicional, surge a


tentativa consciente de arrancar a cultura dos grupos privilegiados para
transformá-la em fator de humanização da maioria, através de instituições
planejadas.113

Já em pleno funcionamento do Departamento de Cultura, em 1936, Mario de


Andrade foi chamado a colaborar no SPHAN.
Mario de Andrade redigiu, então, um anteprojeto do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. N'A música popular brasileira na vitrola de Mario de
Andrade, Flávia Toni escreve que:

Imaginando que tal tarefa deveria caber a um órgão ministerial, ele talvez se
espelhasse no exemplo italiano de criação de uma Discoteca do Governo,
como noticiara aos leitores de sua coluna do Diário Nacional, em 1928. No
anteprojeto, ele vai além: propõe que as músicas que nosso povo cantava e
dançava fossem elevadas à categoria de um bem da cultura imaterial, uma
vez que seriam gravadas, filmadas e inclusive catalogadas em livros de
tombo.114

No final de 1935, a Discoteca havia adquirido um equipamento para a gravação


em campo, passando a fazer experimentos. Isso motivou o planejamento de tarefa ampla para

113ANDRADE, Mario de. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade
(1936-1945). Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1981. (Publicações da Secretaria do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. n.33) p. 23.
114 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC, 2004. p. 44-5.
60

o mapeamento musical do país em duas instâncias: uma nacional e outra paulista. A nacional,
Mario de Andrade formaliza em 1936, ao ser indicado por Gustavo Capanema - então
Ministro da Educação e Saúde – e por Rodrigo de Mello Franco de Andrade para redigir o
anteprojeto.
Mas esse anteprojeto não obtém aprovação e Mario de Andrade transfere para a
Discoteca a incumbência do mapeamento musical do Brasil. Sergio Miceli relaciona a decisão
governamental a interesses de reforçar o poder de uma classe dirigente, afirmando:

(…) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) é um


capítulo da história intelectual e institucional da geração modernista, um
passo decisivo da intervenção governamental no âmbito da cultura e o lance
acertado de um regime autoritário empenhado em construir uma “identidade
nacional” iluminista no trópico dependente.115

Para Miceli, a preservação de imóveis e monumentos tombados pelo SPHAN


dão amostra de representações dessa classe dirigente em seus aspectos múltiplos, aspectos
contraditórios que, em sua dupla face, trazem opostos que determinam seu todo.
E acontece que a proposta de Mario de Andrade falava de preservação de bens
imateriais que corresponderiam ao reverso de tudo isso: “(…) a amnésia da experiência dos
grupos populares, das populações negras e dos povos indígenas.”116
Daí a reprovação de sua proposta: não era momento propício para rememorar o
universo da cultura popular; de acusar a perda de elementos dessa cultura desprezada, seu
sumiço; de preservar o bem imaterial artístico, antes que seu deslocamento do lugar de origem
o corrompesse, ou o fizesse sofrer influências que o descaracterizassem. O que fosse
“pequeno”, de origem “singela”, não oficializaria uma versão da grandiosidade da nação.
Sem se levar em consideração a proposta de preservação de materiais sonoros, por exemplo,
que também estava incluída, seria mais fácil preservar documentos impressos117 cuja base
fosse o papel em arquivos e bibliotecas, do que bens imóveis. Mas naquele contexto,
interessava à intelectualidade e políticos de Minas Gerais a preservação do que era erigido
com “pedra e cal”; o monumental; o ornamental. O que por eles foi definido como política de
revalorização da memória nacional, seccionava o conjunto de símbolos dessa memória:
selecionava-se o que poderia contar uma História de grandes feitos. Numa carta de setembro

115 MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 360.
116 Id.
117 Ibid., p. 360-361.
61

de 1937, para Paulo Duarte, Mario de Andrade escreve, a respeito dos planos para o SPHAN:
“Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização. Não disseminados
Organismos outros que salientem no povo o valor e a glória do que se defendeu, tudo será
letra morta, gozo sentimental e egoístico de uma elite.“118
O que importava, então, ao grupo de intelectuais que vinham do movimento
modernista pertencia à ideia de preservar o conhecimento residente nos bens imateriais, para
disseminá-lo. A situação era delicada. Paulo Duarte escreve que, enquanto o projeto de lei que
criava o SPHAN era discutido na Câmara dos Deputados, o projeto de sua autoria, para
criação do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo, que resultaria no
Instituto de Cultura, esperava apenas cópia do projeto de lei da Câmara. Mario de Andrade
recomendara que Paulo Duarte tivesse tato e esperasse a aprovação do projeto do SPHAN,
que fora o ministro Capanema quem pedira a redação do ante-projeto – e Mario de Andrade
não queria melindrá-lo. Por fim, o ante-projeto redigido por Mario de Andrade transformou-
se em projeto-lei, em 1937, por intermédio de Alcântara Machado, junto a Getúlio Vargas.
Rodrigo Melo Franco de Andrade ficou encarregado da execução do ante-projeto e Mario de
Andrade, seu representante em São Paulo.119
Portanto, naquele momento, Mario de Andrade viu a responsabilidade pela
recuperação e pela guarda desses bens restrita à esfera administrativa do município de São
Paulo.
N'Os mandarins milagrosos120, Elizabeth Travassos enfatiza profissionais
que,como Mario de Andrade e Béla Bartók, surgem em determinados momentos da História
para recuperar valores artísticos, como patrimônio da humanidade.

O que a gente carece é distinguir tradição e tradição. Tem tradições móveis e


tradições imóveis. Aquelas são úteis, têm importância enorme, a gente as
deve conservar talqualmente são porque elas se transformam pelo simples
fato da mobilidade que têm. Assim por exemplo a cantiga, a poesia, a dança
populares.121

A respeito desta anotação no diário de viagem de Mario de Andrade ao


118 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 154. set 1937 – sem
menção ao dia.
119 Ibid., p. 154-155.
120 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 236 p. (Coleção Antropologia social)
121Id., p. 8.
62

Nordeste, entre dezembro de 1928 e março de 1929, Travassos pontua algumas relações:
“(…) há dois pólos criativos – elites artístico-culturais e povo -, entre os quais se passam as
trocas decisivas para a fertilidade cultural.”122 Essa ideia pode se complementar com o
pensamento de Alfredo Bosi, quando fala a respeito da transição que a cultura faz entre os
níveis popular, erudito, universitário, de meios de comunicação de massa.123
Elizabeth Travassos acrescenta a isso que Béla Bartók e Mário de Andrade
entendiam “por cultura o complexo de atividades do espírito, filosofia, ciência, moral,
religião, mas sobretudo literatura e arte.” Distanciavam-se “tanto do 'intelectualismo' dos
antropólogos evolucionistas ingleses quanto da visão 'jurídica' da cultura como corpo de
regras que caracterizaram matrizes importantes da antropologia.” Ela explica que a cultura à
qual se referiam não se relacionava com a prática inerente à realidade. Mas à cultura
desinteressada, próxima do termo alemão Kultur, formando “uma antítese com a ideia de
civilização.”124

Travassos escreve que Bartók, uma vez que não aprovava a concorrência das
formas da cultura popular para a interação entre grupos sociais, ressentia-se da semicultura
(rejeitava a semicultura) de poetas urbanos na formação das danças dramáticas.125 Analisando
as críticas de Adorno126 à cultura popular nas sociedades capitalistas, Travassos lembra a
convicção que tinha o filósofo de que somente reduzidíssimas parcelas da população
poderiam produzir música que expressasse consciência crítica – ideia que se firmou nas
décadas de 1930 e 1940, durante os regimes totalitários na Europa.127

Conforme escreve Elizabeth Travassos, vários cientistas sociais julgaram o


pensamento e o nacionalismo como verdadeiros malefícios do século XX. Havia
heterogeneidade social e cultural que, para eles, tiveram consequências devastadoras – e os
projetos de fundações de músicas artísticas nacionais que despontaram nas décadas de 1930 e
1940 existiram ao lado dessa realidade serenamente.

122 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (Coleção Antropologia social) p. 17.
123 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 308-45.
124 TRAVASSOS, op, cit., p. 18.
125 Ibid., p. 21.
126 Elizabeth Travassos se refere a duas fontes por ela pesquisadas: ADORNO, Theodor. Philosophie de la
nouvelle musique. Paris : Gallimard, 1962. [1948] E ADORNO, Theodor. Impromptus. Serie de artículos
musicales impresos de nuevo. Trad. E notas de Andrés Sánchez Pascual. Barcelona : Laia, 1985. [1922-68]
(Papeles, 451)
127 Ibid., p. 91.
63

Mário e Bártok não eram cientistas políticos tratando de relações


interétnicas, formas de organização de estados, disputas de fronteiras e lutas
por soberania. Seria inútil ler estudos de música como se fossem trabalhos de
ciência social ou programas de governo, mas sua dimensão política é clara:
os estudos tanto visavam ao progresso do conhecimento e busca da verdade
quanto integravam projetos de modernização artística que pretendiam ter
eficácia transformadora.128

Aqui, Travassos alerta para a maneira como se deve abordar a visão


nacionalista, dentro do aspecto da preservação de um patrimônio artístico – no caso, o
musical: de um lado, a política de governo; de outro, a divulgação do conhecimento.

O nacionalismo em relação à música nem chegava a ser compreendido. Por


exemplo, o que queriam Bártok e Kodály era a evolução (continuação) da música magiar - da
“tradição magiar” – para a música moderna. Esta seria feita com estudo da música folclórica.
Os dois compositores em questão entendiam isso como nacionalismo na música. A imprensa
acusava os dois de quererem acabar com a música magiar e substituí-la pela moderna, como
se eles se posicionassem contra o nacionalismo.129
Quanto à Rádio Escola, seria criada dentro da Divisão de Expansão Cultural,
sob direção de Mario de Andrade, como seção paralela às seções de Teatro, Cinemas e Salas
de Concertos.
É pertinente lembrar que, antes Rádio Escola ser projetada, dentro do
Departamento de Cultura, Mario de Andrade já havia feito intercâmbio de informações sobre
o assunto de difusão cultural por meio de gravações e rádio com Roquete Pinto:

Mario de Andrade e Roquette Pinto chegaram a se corresponder com


regularidade130 desde 1928 e até os anos 1940. Talvez um dos dados

128 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (Coleção Antropologia social) p. 118.
129 Ibid., p. 122.
130 No Arquivo Mario de Andrade, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, encontra-
se correspondência passiva de Mario de Andrade. Das cartas de Roquete Pinto ao musicólogo, do final dos
anos 1920 e início dos anos 1930, de fato há conteúdos referentes à leitura que Roquete realizou de escritos
de Mario de Andrade, sobre música, baseados em pesquisa folclórica. Além disso, Mario de Andrade trocou
informações com Roquete Pinto sobre vocábulos e traduções da língua da tribo Terena, como se vê em carta
de Roquete, de 29 de maio de 1929. Roquete Pinto indica-lhe como fonte de pesquisa vocanulários de
Castelneu e de Visconde de Taunay. In: PINTO, Edgar Roquete. [Carta] 29 maio 1929, Rio de Janeiro, SP,
BRASIL. [para] Mario de Andrade. São Paulo. Datiloscrito, autógrafo; 2 folhas. Informações sobre tribos
indígenas.
Acervo: Mario de Andrade. Código de Referência: MA-C-CPMMA, nº5823. Série: Correspondência de
64

significativos do intercâmbio de ideias entre ambos esteja numa carta de


Mario de Andrade: “Mando três dos livros meus e me parece que dos mais
característicos. Você verá, se tiver tempo pra ler alguma coisa deles, que no
Clã do Jaboti (lenda do Pai-do-Mato) e no Macunaíma bem que me
aproveitei de pesquisas de você.”131

Assim, Renato de Sousa Porto Gilioli aproxima pesquisa e produção artística


no âmbito dos interesses de Mario de Andrade e de Roquete Pinto nas raízes indígenas da
memória nacional (e, antes disso, americana, visto que Macunaíma era personagem do folcore
venezuelano.) Graças a pesquisas do etnólogo alemão Koch-Grünberg, a principal fonte
pesquisada por Mario de Andrade para escrever Macunaíma é o livro de mitos indígenas
arekunás e taulipangs, venezuelanos, coletados por Koch-Grünberg, Vom Roroima zum
Orinoco. Theodor Koch-Grünberg realizara, já em 1911/12, fonogramas de cantos e filmes de
danças tribais, denunciando as condições indígenas na América. Essas gravações e as que
foram feitas por Roquette Pinto no Mato Grosso constituem um grupo de documentos de
valor para a época, na área da pesquisa musicológica e etnográfica.

No caso da preocupação com a qualidade/conteúdo da programação de rádios


educativas, Renato de Sousa Porto Gilioli também estabelece ao longo de seu trabalho o
paralelo entre a atuação de Roquete Pinto e de Mario de Andrade, que ora convergem, ora
enveredam por ramos específicos de suas áreas de conhecimento (o primeiro, dando à
programação educativa peso científico; o segundo, artístico.) Ele escreve:

(…) o processo vivido pela radiodifusão educativa no Rio de Janeiro em


1928 teve similaridades significativas com a tetativa frustrada de
constituição da Rádio-Escola de Mario de Andrade em sua gestão como
diretor do Departamento de Cultura (…)132
A radioescola de Roquete Pinto, bem como (…) a de Mario de Andrade,
representou uma intervenção da intelectualidade brasileira no alvorecer da
indústria cultural no país, em um contexto no qual ela acreditava poder
intervir nos rumos do rádio através do Estado e, com isso, contribuir para
desenvolver e “civilizar” a nação (…)133

Além de “constituir um mercado para os bens simbólicos produzidos pelos


eruditos e estimular o patriotismo.”

Mário de Andrade. Sub-série: Correspondência passiva.


131 GILIOLI, Renato de Sousa Porto. Catani, Afranio Mendes (orient). Educação e cultura no rádio brasileiro
concepções de radioescola em Roquette-Pinto. São Paulo, 2008. p. 54.
132 Ibid., p. 209.
133 Ibid., p. 18.
65

Observa-se (...) a ligação direta entre Roquete Pinto e Mario de Andrade, que
embora tivessem trajetórias distintas, tinham similar interesse de construção
da idêntidade nacional através do estabelecimento de determinados
parâmetrso culturais, sendo que ambos compreendiam os intelectuais –
portanto, eles mesmos – como vangaurda desse processo. O fenômeno
revelava-se não apenas brasileiro: tratava-se da apropriação do folclore
(tradição rural transmitida oralmente) pelo gênero erudito.134

Vejamos as características da Rádio Escola paulistana, à qual competiria: “(…)


por ao alcance do público, por uma estação rádio-difusora, palestras e cursos, tanto
universitários como de espírito popular, e tudo o que pudesse contribuir para o
aperfeiçoamento cultural da população.”135
Em seguida, vêm as discriminações da organização da discoteca, das orquestras
e bandas municipais, enfim, de tudo o que estivesse ligado à Rádio Escola. E pelos objetivos
descritos acima, nota-se a total semelhança com as rádios-escola estrangeiras que Mario de
Andrade já estudava. Mas isto será mostrado com detalhes, mais adiante.
É pertinente deter a atenção no Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936,
encaminhado por Mario de Andrade ao prefeito, então Fábio Prado, em que o diretor do
Departamento de Cultura solicita a instalação “definitiva, e não provisória” dum sistema
irradiador público do que seria a Rádio Escola. Mario de Andrade esclarece que, no Ato 861,
que criou o Departamento de Cultura, havia o artigo 24, que determinava que:
“... a estação da Rádio-Escola estará ligada por linhas telefônicas apropriadas às rádio-
transmissoras, ao Paço Municipal, à sede da Universidade de São Paulo, ao Teatro Municipal,
e a outros locais indicados pelas necessidades de seu funcionamento.“136 [grifos de Mario de
Andrade.] O diretor do Departamento de Cultura explicava que era necessária a criação de um
organismo para tomada de programas e divulgação dele à população:

A Municipalidade, criou sabiamente, uma Rádio Escola, que pelas (…)


condições de funcionamento, é o mais formidável processo contemporâneo
de propaganda. O livro, só lê quem quer ler, numa biblioteca, num concerto,
(…) só entra quem quer entrar. Ao passo que um rádio falando, é escutado
134 GILIOLI, Renato de Sousa Porto. Catani, Afranio Mendes (orient). Educação e cultura no rádio brasileiro
concepções de radioescola em Roquette-Pinto. São Paulo, 2008. p. 158.
135 Ibid., p. 62.
136 SÃO PAULO (CIDADE). Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936. Dispõe sobre pedido de instalação
de alto-falantes e linha telefônica para transmissão da programação da Rádio Escola em logradouros
públicos, deito pelo diretor do Departamento de Cultura, Mario e Andrade, ao prefeito Fábio Prado... São
Paulo, 3 p., 1936.
Cópia de documento constante do Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Grupo Departamento de
Cultura, Arquivo Histórico de São Paulo (Arquivo Histórico Municipal), cedida por Vera Cardim.
66

por quem quer, e insensivelmente por quem não quer (…) Mas para que essa
obrigação seja real, (…) não devemos (…) contar com o rádio das casas de
família nem das vendas de esquina. Poderá se afirmar (…) que noventa por
cento destes rádios não se ligarão com a Rádio Escola.137

Então, Mario de Andrade alerta para a desconfiança com que a burguesia vê as


iniciativas oficias, dadas as tristes experiências anteriores que levaram as pessoas a não
confiar no Governo: “...temos ainda que verificar a detestável experiência viva de todos os
dias, da 'Hora do Brasil', essa espécie de Rádio Escola federal, tão abusiva da propaganda
política e tão desorientada e péssima, na parte artística (…)”138. Ora, Mario considerava que
não se deveria fiar, nem depois de conquistada a confiança do povo, devido a uma
programação muito superior à que era oferecida, então. Havia a questão da obrigatoriedade
dessa Rádio de ser, antes de mais, educativa. Portanto, por mais atraente que fosse a
programação, nunca deveria deixar de ser instrutiva.
“Assim, o inimigo mais terrível com que a Rádio Escola, terá que lutar, são
justamente as outras estações rádio-transmissoras, com seus programas de tango, de sambas,
de fadinhos, canções brejeiras e comicidades Álvares.“139 Seria preciso ter consciência de que:

... as vendas de esquina, reunidoras do pessoal vago do quarteirão, a cuja


porta muitas vezes param oito, dez transeuntes (…), à escutar um tenor
gostoso, temos que contar (…) com a contra-educação das vendas, botequins,
restaurantes (…) os quais nunca ligarão seus aparelhos, com a Rádio
Escola.140

Sendo assim, a única maneira de se irradiar a programação da Rádio Escola


para “as populações proletárias e de pequena burguesia, que dispõem de poucos meios para se
divertir”141, seria instalar uma rede de alto-falantes em jardins público. O trecho transcrito
abaixo faz pensar numa aproximação e num distanciamento entre o discurso de Mario de

137 SÃO PAULO (CIDADE). Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936. Dispõe sobre pedido de instalação
de alto-falantes e linha telefônica para transmissão da programação da Rádio Escola em logradouros
públicos, deito pelo diretor do Departamento de Cultura, Mario e Andrade, ao prefeito Fábio Prado... São
Paulo, 3 p., 1936. p. 1.
Ver no capítulo 3, p.138-9 desta dissertação, a crítica que Mario de Andrade faz à programação da Rádio
Educadora paulistana.
138 Id.
139 Id.
Cópia de documento constante do Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Grupo Departamento de
Cultura, Arquivo Histórico de São Paulo (Arquivo Histórico Municipal), cedida por Vera Cardim.
140 Id.
141 Ibid., p. 2.
67

Andrade e aquilo que Antonio Candido142 escreve em O direito à literatura. Para Candido,
nas sociedades que mantêm a desigualdade, é também injusto o acesso à literatura (embora
haja esforço por parte de governos mais esclarecidos, como na época do Departamento de
Cultura.) Fato é que, a despeito do que se pode julgar erroneamente, muitas vezes,
representantes das camadas mais pobres desejaram ter acesso ao que se chama cultura erudita.
Na verdade, as culturas erudita e popular se tocam e uma sociedade justa garantiria os direitos
humanos, o que inclui a fruição da arte e da cultura em todas as modalidades e em todos os
níveis. O que Mario de Andrade argumenta na continuação de sua solicitação é:

É justamente a essas classes [proletárias] que a ação cultural da Rádio Escola


terá de se dirigir com preferência, não só para [por?] serem as demais,
passível de educação e sugestão, como por serem as menos providas de
meios para se cultivar. (…) julga esta Diretoria (…) imprescindível a
organização dum sistema irradiador público, que obrigue [grifo de Mario de
Andrade] o povo a escutar a Rádio Escola, e permita ouvi-la aos que não tem
rádios em casa.143

O serviço poderia se iniciar, por sugestão de Mario de Andrade, apenas no


Jardim da Luz, por exemplo, para aparelhos de grande alcance, e na Praça da Concórdia –
para alto-falantes de pequeno alcance. Sugere ainda que se utilizem os coretos como ponto
para a aparelhagem. Em seguida Mario informa o preço das instalações ao prefeito -
“cincoenta e sete contos e cem mil réis”144-, ajuntando que essa quantia poderia ser obtida dos
“mil contos de 'Reserva'”145 de que dispunha o Departamento de Cultura. Acrescentou ainda
que, se pudesse fazer do Teatro Municipal um ampliador central, teriam de estender duas
linhas telefônicas mencionadas no artigo 24 – teriam, então, mais um gasto orçamentário de
duzentos mil réis mensais. Mario de Andrade oferece opções de duplicar a linha telefônica,
barateando o serviço, apesar das desvantagens técnicas. Além disso, requisitou ao prefeito
dois funcionários, fornecendo as informações do total das despesas e finaliza - : “... esta
Diretoria ousa sugerir seja aceita a proposta e determinado o serviço. Sem ele, a Rádio Escola

142 CANDIDO, Antonio. O direito à literatura e outros ensaios. Coimbra [Portugal] : Angelus Novus Editora,
2004. 288 p. (Ensaio literatura )
143 SÃO PAULO (CIDADE). op. cit., p. 2.
144 SÃO PAULO (CIDADE). Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936. Dispõe sobre pedido de instalação
de alto-falantes e linha telefônica para transmissão da programação da Rádio Escola em logradouros
públicos, deito pelo diretor do Departamento de Cultura, Mario e Andrade, ao prefeito Fábio Prado... São
Paulo, 3 p., 1936. p. 2.
Cópia de documento constante do Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Grupo Departamento de
Cultura, Arquivo Histórico de São Paulo (Arquivo Histórico Municipal), cedida por Vera Cardim.
145 Id.
68

ficará certamente muitíssimo diminuída de sua eficiência e raio de ação.”146 - não sem antes
explicar que deixara passar o carnaval, para poder melhor informar a possibilidade das
despesas planejadas: “... por desgraça, a verba da Reserva acha-se agora por tal forma
alcançada, que apesar da utilidade enorme deste empreendimento (…) já não pode mais ser
despendida.”147
A resposta do prefeito veio datada de 19 de março de 1936: “De acordo. Fábio
Prado” 148
Mas, até 1938, ainda segundo Paulo Duarte, a Rádio Escola ainda não se tinha
efetivado e não se cogitava das instalações necessárias, devido ao custo alto. Esperava-se
também a consolidação dos serviços já instalados em pleno desenvolvimento. Pensou-se em
trabalhar em parceria com emissoras existentes, a fim de irradiar as programações do
Departamento de Cultura, de modo que a Discoteca tivesse contribuição decisiva, com seus
discos e gravações – isso estava previsto em lei.
Mas Fábio Prado, por esta época, deixou da Prefeitura, devido à pressão do
Estado Novo – e o mesmo aconteceu a Mario de Andrade, em relação ao Departamento de
Cultura. O projeto da Rádio Escola desfazia-se, em consequência do desmonte de toda a
estrutura de formação dos conjuntos musicais e programações eruditas começaram a ser
esvaziadas, seguindo política contrária à do Departamento, até então. Mario de Andrade, em
1939, já no Rio de Janeiro, escreve a Paulo Duarte, este já exilado, a carta “mais violenta” que
este possuía do companheiro, acusando o vandalismo aos bens culturais: “Os nossos
agrupamentos musicais estão no momento de rodar por água abaixo!”
No entanto, havia mais uma polêmica em torno do caso da “nunca criada”
Rádio Escola, ao que indica um trecho de carta enviada a Paulo Duarte, em 03 de abril de
1938, do Rio de Janeiro, num tom dos mais melancólicos que Mario de Andrade poucas vezes
usou: “Falhei até contra você, deixe que eu lhe diga esta queixa, tanto no caso da Rádio
Escola a que me opus, as razões que dei diante do seu anteprojeto, como no caso do
Turismo.” A este comentário, Paulo Duarte adiciona uma nota de rodapé, onde explica apenas
que: “Mario foi contra o incentivo ao Turismo e contra a Rádio Escola que eu teimava em
146 SÃO PAULO (CIDADE). Processo 23.937, de 17 de fevereiro de 1936. Dispõe sobre pedido de instalação
de alto-falantes e linha telefônica para transmissão da programação da Rádio Escola em logradouros
públicos, deito pelo diretor do Departamento de Cultura, Mario e Andrade, ao prefeito Fábio Prado... São
Paulo, 3 p., 1936. p. 1.
Cópia de documento constante do Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo, Grupo Departamento de
Cultura, Arquivo Histórico de São Paulo (Arquivo Histórico Municipal), cedida por Vera Cardim. p. 3.
147 Id.
148 Id.
69

estruturar de acordo com o Ato 1 146.”149


Os impedimentos ao funcionamento da Rádio Escola do município estavam
diretamente ligados à falta de recursos e à saída de Fábio Prado. Mas pesaram, talvez, as
razões do próprio Mario de Andrade, que argumentara com Paulo Duarte sobre isso,
provavelmente apontando motivos de ordem burocrática – e não do ponto de vista educativo
da Rádio Escola. Viu-se que Mario de Andrade, ao encaminhar a Fábio Prado a solicitação de
1936, acreditava que a Rádio Escola já estava seguramente instituída e engatilhada, e lutava
pela irradiação dos serviços de programação em logradouros públicos, visando fazer cumprir
a tarefa instrutiva, mesmo àqueles que não tinham escolhido ouvir a Rádio. De qualquer
forma, a decisão de Prestes Maia, em 1938, extinguiria a Divisão de Turismo e Divertimento
Públicos - com uma penada. Portanto, se a Rádio Escola funcionaria um dia dentro da Divisão
de Turismo, a despeito das objeções de Mario de Andrade e da falta de recursos financeiros,
após a decisão de Prestes Maia, perdeu-se a esperança de que ela viesse a existir..
Barbato Júnior verifica que, para Mario de Andrade, o não funcionamento da
Rádio Escola era motivo de indignação, conforme cita em trechos de cartas:

A não concretização da Rádio-Escola fora motivo de grande insatisfação para


Mario de Andrade. É o que se pode notar quando, em carta a Murilo
Miranda, se refere a ela como “o maior tropeço, a caguira do Departamento,
cruz credo!, não há meios de resolver”. (ANDRADE, 1981a: 33). Também
ao escrever a Prudente de Moraes, neto, menciona ironicamente a situação da
Rádio-Escola: “A Rádio-Escola não irradia, o que é uma particularidade
particular” (ANDRADE, 1985:300).150

Foram, portanto, três derrocadas o que, enfim, - e não gratuitamente -,


configuraram o lugar e a função da Discoteca Pública Municipal do município de São Paulo:

149 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p 159. 03 abr. 1938. Paulo
Duarte reproduz, na íntegra, os Artigos, de 228 a 232, da Seção VI, do ato 1 146, que compreendia as Seções
Turismo e Divertimentos Públicos (separadamente); assim como as competências e atribuições de ambas. A
Seção de Turismo continha, em suas competências a propaganda da cidade de São Paulo, visando atrair turistas e
tornar a cidade conhecida. Paulo Duarte, dentro deste ato, também incluiu atividades culturais, no sentido de
divulgar costumes e tradições populares. Mario de Andrade não concordava, ao que se deduz, em que a Rádio
Escola funcionasse dentro desta Divisão de Turismo.
“A 10 de Novembro de 1937, estavam prestes a executar-se com estudos feitos, vários dos dispositivos
acima” [refere-se aos Artigos - do Ato 1 146 – citados] “A Divisão de Turismo devera ser instalada a 1 de Janeiro
de 1938.”
Mas Prestes Maia, após o 10 de novembro, substituiu o referido Ato 1 146 por uma lei. E a Divisão de
Turismo e Divertimentos Públicos foi extinta.
150 BARBATO JUNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o
Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2004. p. 148.
70

o Instituto de Cultura, o plano de Mario de Andrade para o SPHAN e o projeto da Rádio


Escola... mais do que três, se contarmos a Revolução de 1930, a de 1932, o Estado Novo...
como fatores indiretos.
A Discoteca, que se caracterizaria por ser um órgão de apoio à Rádio Escola,
tornou-se detentora de atividades em si mesma. Por isso, com finalidades para além do
planejado e, diante de todas as limitações que foram impostas ao seu funcionamento, com a
entrada de Prestes Maia na prefeitura, com significação ainda mais relevante, como mostrou a
própria resistência de sua diretora, Oneyda Alvarenga, no período de 1938, quando Mario de
Andrade sai do Departamento de Cultura, até a data de sua aposentadoria, em 1968.
Foi, como num rondó151 totalmente imprevisto, se tomarmos como tema
principal a Discoteca Pública Municipal, que fora criada dentro do Departamento de Cultura
da cidade de São Paulo, para dar apoio à Rádio Escola – que não acontece. Desde logo, este
Departamento inspira a criação de um Instituto de Cultura Paulista, que iria projetar-se no
grande Instituto Nacional. Mas o golpe de 37 liquidava com esses projetos, resultando na
criação do SPHAN. Então, Mario de Andrade redigindo projeto para o SPHAN, sugere que a
guarda de documentos sonoros fique a encargo do governo federal. Mas o projeto não é
aprovado. E a Discoteca de São Paulo permanece com suas atribuições iniciais, num círculo
que começa a se conclui em si mesmo. Porém, esse mesmo concluir atribui à Discoteca
significados mais importantes do que se esperava.

2.2 Perfis

Os mandarins, os ilustrados, os missionários de uma utopia nacional-popular, os


intelectuais cooptados pelo Estado, os estúpidos de serem culturais nesta Loanda

Em todos os países, o estrato dos intelectuais foi radicalmente modificado


pelo desenvolvimento do capitalismo. O velho tipo de intelectual era o
elemento organizador de uma sociedade de base predominantemente
camponesa e artesã; para organizar o Estado e o comércio, a classe
dominante treinava um tipo específico de intelectual. A indústria introduziu
um novo tipo de intelectual: o organizador técnico, o especialista da ciência
151 Segundo Mario de Andrade, definições de Rondó -1. Canção profana da Idade Média com alternância de
coro e solista (…) - 2. Forma instrumental do século XVII construída de três maneiras principais: a) uma
série de ritornelos iguais, de tonalidades iguais ou próximas, intercalados com episódios que modulam; b)
forma ABA, em que B é contrastante; c) forma combinada com a sonata onde a tonalidade principal é
intercalada a trechos executados sobre a dominante e tonalidades distantes. Neste caso há um segundo tema e
um desenvolvimento, como na sonata. In: ANDRADE, Mario de. Dicionário musical brasileiro. Belo
Horizonte : Itatiaia, 1989. (Reconquista do Brasil. 2ª série; v.162) p. 446.
71

aplicada. Nas sociedades em que as forças econômicas se desenvolveram em


sentido capitalista, até absorver a maior parte da atividade nacional,
predominou este segundo tipo de intelectual, com todas as suas
características de ordem e disciplina intelectual. Ao contrário, nos países em
que a agricultura exerce ainda um papel muito importante ou mesmo
predominante, continua a prevalecer o velho tipo, que fornece a maior parte
dos funcionários estatais; mesmo na esfera local, na vila e na cidadezinha
rural, este tipo exerce a função de intermediário entre o camponês e a
administração em geral152.

Os remanescentes da luta modernista da década anterior e que foram


representar a intelectualidade dirigente na década de 1930 receberam, posteriormente, várias
designações: Elizabeth Abdanur153 olha para trás, lá para a fase da constatação da urgência de
se criar uma elite do saber em São Paulo e nomeia ilustrados os que entram para a
organização da política cultural. Elizabeth Travassos154 descortina estudiosos da música que,
dando um grande passo à frente, desenterram o folclore do primitivo chão nacional, para
trazer à baila uma cultura e uma arte que sempre existiram e que precisam ser conhecidas,
para que essas mesmas cultura e arte cresçam; ela os chama mandarins milagrosos. Sergio
Miceli155, mostrando o interesse das elites dirigentes em alcançar representações de uma
realidade por meio da organização dos bens culturais, mostra também o processo de
oficialização das intenções intelectuais daqueles cujos interesses eram mais democráticos do
que o poder vigente: são os cooptados. Escritores como Mario de Andrade – e Carlos
Drummond de Andrade, este a seu tempo -; intelectuais e artistas invariavelmente egressos de
famílias pequeno-burguesas, aristocratas decaídos, muitas vezes: os cooptados pelos órgãos
públicos, para assumir cargos e funções. Roberto Barbato Júnior, apontando esses intelectuais
agrupados no Departamento de Cultura da cidade, sob perspectiva idealista, explica o que
era o nacional-popular. De uma maneira ou de outra, todos esses títulos foram atribuídos a
quem incrementou as formas de difundir o conhecimento; daqueles que tinham por base o
viso de coletivizar o saber.
Num rasgo mais desaforado, Mario de Andrade chama de estupidez, o desejo

152 GRAMSCI, A. Escritos políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, v. 2, p. 424.
153 ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados"e a política cultural em São Paulo: o departamento de
cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938) Elizabeth França Abdanur ; orientador Jorge Coli. São
Paulo, s.n., 1992. 178 p.
154 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla
Bartók. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 236p. (Coleção Antropologia social)
155 MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 436p.
72

de ser cultural de um Departamento, nesta Loanda156, numa carta a Paulo Duarte. E o próprio
Paulo Duarte desvela nomes que vieram à tona, quando da nomeação dos envolvidos no
Departamento de Cultura:

(…) Mario de Andrade era um futurista pernóstico, Rudolfer, um estrangeiro


atôa (sic), Sérgio Milliet ganhara o lugar por ser meu parente, Rubens Borba,
um empregadinho da Recebedoria de Rendas, Nicanor Miranda, sobre ele, ao
contrário dos outros, caiu mais a oposição do que os amigos, pois este tinha o
crime gravíssimo de ter, como jornalista, acompanhado o sr. Getúlio Vargas
em sua viagem ao nordeste, e isso era uma afronta à honra de São Paulo, que
não esquecia (…). Para os amigos, havia outras faltas irremissíveis: duas ou
três funcionárias eram filhas de perrepistas!, e perrepismo devia ser
hereditário...
Mas resistiu-se como leões. E por isso (…) o Departamento foi adiante. O
futurista, o engenheiro atôa, o parente, o empregadinho público, o mau
paulista, todo o bando o que queria era trabalhar (…) sem nem ler aquilo que
escreviam (…) os impugnáveis defensores da honra bandeirante, os quais só
descobriram o equívoco dos brios de São Paulo, quando o Estado Novo lhes
abriu a porta da despensa.157

Quando Fábio Prado, então prefeito e Armando Salles de Oliveira, governador


do Estado de São Paulo, no início de 1935, aprovaram o plano da fundação de um
Departamento Municipal de Cultura montado por Paulo Duarte, este havia proposto uma
condição, no caso de aprovação:

(…) os funcionários superiores – chefes de Divisão e de Secção - (…) seriam


por ele [Paulo Duarte] indicados, os especializados, por concurso. Os
burocráticos, escriturários, datilógrafos, serventes, (…), a sua indicação
caberia ao Partido Constitucionalista ou ao Prefeito e ao Governador do
Estado.158

Para delinear os perfis mais destacados do Departamento de Cultura, é em


Mario de Andrade por ele mesmo que se encontram as informações mais vivas. Segundo
Paulo Duarte159, Rubens Borba de Moraes, para ir ocupar o cargo de chefe da Divisão de
Bibliotecas (foi diretor da Biblioteca Pública Municipal de São Paulo de 1935 a 1943),
abandonou seu antigo emprego na Recebedoria de Rendas, onde seu salário era maior. Sérgio

156 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 37.
“Isso foi num tempo antidiluviano em que se falava na existência de um Departamento de Cultura que teve a
estupidez de ser cultural nesta Loanda.” Carta de Mario de Andrade a Paulo Duarte, de 1941.
157 Ibid., p. 71.
158 Ibid., p. 32.
159 Id.
73

Milliet deixou uma situação semelhante, na Faculdade de Direito, onde era bibliotecário, para
assumir a chefia da Divisão de Documentação Histórica e Social (ele seria transferido para a
Divisão de Bibliotecas, em 1943.) Para ajudá-lo, foi chamado Bruno Rudolfer, professor de
Geografia Humana da Universidade de São Paulo. A Divisão das Bibliotecas comportava a
Biblioteca Pública Municipal; Biblioteca Infantil, para a qual foi designada Alice Meireles
Reis; Bibliotecas Circulantes; Bibliotecas Populares e outras, que fossem criadas.
Segundo Paulo Duarte160, a política de seleção de acervos, até então, era
tacanha. A Biblioteca Pública Municipal norteava suas aquisições pelo gosto do público e não
oferecia obras de boa qualidade. Sérgio Milliet e Rubens Borba de Moraes trouxeram ideias
avançadas da Europa, novos conceitos de Biblioteca e formação biblioteconômica – formação
até então inexistente no Brasil, sendo já uma espécie de tradição intelectuais decadentes
ficarem responsáveis por bibliotecas.

Rubens Borba de Morais, criado na Europa, aí se dedicara ao estudo da


biblioteconomia, (...) e, uma vez vindo para São Paulo, entregou-se a
colecionar livros raros principalmente sobre o Brasil e tornara-se (…) a
maior autoridade no assunto, dono dos mais modernos conhecimentos
técnicos, um estudioso com qualidade de bibliotecário como ainda não
existia no país.161

Tanto Rubens Borba de Morais, quanto Sérgio Milliet haviam se formado em


Genebra e foram poetas, colaborando na Revista Klaxon. O primeiro, graduado em Letras, era
ensaísta e bibliotecário e foi um dos organizadores da Semana de 1922. Colaborou ainda com
Revista de Antropofagia, de 1928.
Rubens Borba de Morais conseguiu estabelecer uma rede de bibliotecas na
cidade de São Paulo. Participou da fundação do Departamento de Cultura de São Paulo, atual
Secretaria Municipal e foi professor e organizador, em 1936, do curso de biblioteconomia, na
Escola de Sociologia e Política, a fim de oferecer respaldo para organização e documentação
do acervo do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Foi ainda fundador da
Associação Paulista de Bibliotecários. Em 1939, foi estudar biblioteconomia nos Estados
Unidos.
Sérgio Milliet, além de escritor, era pintor, tradutor e crítico de arte. Ele
também lecionou na Escola de Sociologia e Política e participou da Semana de Arte Moderna.

160 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 72.
161 Ibid,. p. 73.
74

Voltou à Europa e viveu em Paris, acompanhando as vanguardas artísticas. De volta ao Brasil,


foi gerente do jornal Diário Nacional, ligado ao Partido Democrático e no qual Mario de
Andrade escrevia. Teve contato com Claude Lévy-Strauss e escreveu críticas literárias e de
arte n'O Estado de S. Paulo, a partir de 1938.
Uma seção nova de teatros estava sendo preparada para a direção de Antônio
de Alcântara Machado e Paulo Magalhães responsável pelo Teatro Municipal.
Oneyda Alvarenga dirigiria a Discoteca, devido à certeza que Mario de
Andrade tinha da formação da ex-aluna.
E o próprio Paulo Duarte, que sendo chefe de gabinete do prefeito Fábio Prado
e tendo atendida sua condição pelo prefeito e pelo governador, pode indicar Mario de
Andrade para a diretoria da Divisão de Expansão Cultural e do Departamento, além de
articular a formação dos quadros das Divisões criadas. A inquieta trajetória política de Paulo
Duarte acabou reforçando nele o estudioso que se refinava. Formado pela Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco, trabalhou como jornalista n'O Estado de São Paulo, onde
ligou-se a Júlio de Mesquita Filiado ao Partido Democrático (e, posteriormente, ao Partido
Constitucionalista, sucessor do primeiro), aderiu à Revolução de 1930. Logo depois,
descontente com os rumos que Getúlio Vargas dava ao governo federal e à situação de São
Paulo, foi um dos líderes da Revolução de 32. Por sua atuação inconformada no governo
Vargas, esteve preso e, mais tarde, em 1938, foi também exilado. Em Paris, teve contato com
Paul Rivet e especializou-se em Pré-História.
Confirma-se, de maneira geral, no quadro de intelectuais cooptados, como os
denomina Sergio Miceli, a predominância da ligação forte com o movimento Modernista
brasileiro; a formação europeia (dos que viveram e estudaram na Europa, ou que, como Mario
de Andrade, que sem sair do Brasil, tiveram educação arraigada na cultura - principalmente –
francesa); a origem aristocrática ou pequeno-burguesa. O traço mais forte e que os unia por
afinidade, eram seus ideais, seu objetivo de fazer valer uma política cultural democrática.
75

CAPÍTULO 3 NACIONALISMO E... NACIONALISMO

3. Nacionalismos

Segundo Gramsci, o termo corrente “nacional”, no caso específico da Itália,


estaria ligado à tradição intelectual e livresca.162 Um elemento só seria realmente nacional, à
medida que traduzisse os anseios das classes populares e imprimisse às suas ações um feitio
democrático. Nacionais são os movimentos de vida intensamente coletiva (aqui, Gramsci está
se referindo ao povo italiano, especificamente, não só à época do Ressurgimento, com todas
as manifestações de desaponto político, como ao longo período de evolução artística, do
duecento até o Renascimento): “...em que o povo manifesta sua vontade ou seu
descontentamento (…)”

E, ainda antes de prosseguir relacionando política cultural ao poder, vale a pena


atentar para o pensamento de García Canclini:

(…) optar de forma excludente entre dependência ou nacionalismo, entre


modernização ou tradicionalidade local, é uma simplificação insustentável.
(…) Desde os anos 30 começa a organizar-se nos países latino-americanos
um sistema mais autônomo de produção cultural. As camadas médias
surgidas no México a partir da revolução, as que têm acesso à expressão
política com o radicalismo argentino, ou em processos sociais semelhantes
no Brasil e no Chile, constituem um mercado cultural com dinâmica própria.
Sergio Miceli, que estudou o processo brasileiro, fala do início da
“substituição de importações” no setor editorial. Em todos esses países,
migrantes com experiência na área e produtores nacionais emergentes vão
gerando uma indústria da cultura com redes de comercialização nos centros
urbanos. Junto com a ampliação dos circuitos culturais que a alfabetização
crescente produz, escritores, empresários e partidos políticos estimulam uma
importante produção nacional.
Na Argentina, as bibliotecas dos trabalhadores, os centros e ateneus
populares de estudo, iniciados por anarquistas e socialistas desde o início do
século, expandem-se nas décadas de [19]20 e [19]30.163

O mercado de bens culturais começava a se ampliar. Pode-se ilustrar o fato


mencionando que a ausência ou presença de gravações na discografia que Mario de Andrade
indica na segunda edição de seu Compêndio de História da Música, de 1933, dependia de um
único fator – de ordem material, diga-se de passagem: a existência ou não de tais gravações

162 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p.105.
163 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo : Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 84.
76

no mercado. Por isso, quando se analisa o paralelo entre o que Mario de Andrade indica, ao
final de cada capítulo da obra, no que concerne a dsicografia, e o material que Oneyda
Alvarenga usava nos seus Concertos de Discos, percebe-se claramente que obras de Vivaldi,
Schultz e outros não constam do rol sugerido pelo musicólogo – embora este tivesse
desenvolvido texto sobre esses autores. Da mesma forma, vê-se que Oneyda Alvarenga usou
gravações que não aparecem na obra de Mario – basta verificar a data de composição de
algumas músicas, para concluir que as gravações eram posteriores a 1933 -, ou mesmo a
diretora da Discoteca apresentou ao público ouvinte compositores contemporâneos que Mario
de Andrade sequer havia mencionado no livro – logicamente tais autores ficaram conhecidos
depois da edição. Voltando ao panorama geral da política cultural na América, García Canclini
escreve:

Vejo o sintoma inicial da primeira tendência nas transformações da política


cultural mexicana durante a década de 40. O Estado que tinha promovido
uma integração do tradicional e do moderno, do popular e do culto,
impulsiona a partir do alemanismo um projeto no qual a utopia popular cede
à modernização, a utopia revolucionária à planificação do desenvolvimento
industrial. Nesse período, o Estado diferencia suas políticas culturais em
relação às classes sociais.164

São criados museus e institutos, instituições estatais para reunir, guardar,


classificar, catalogar e exibir arte culta e arte popular, inclusive indígena, - em instituições
separadas. Era, por assim dizer, uma iniciativa no sentido de domar a produção artística,
pretendendo sua cristalização no tempo e no espaço, ao mesmo tempo decidindo o destino de
sua produção, quando expunha-a ao público – e daquele modo organizado. - “A organização
separada dos aparelhos burocráticos expressa institucionalmente uma mudança de rumo.” -
Com a intervenção dessas instituições ligados ao Estado, Canclini vê a cisão irremediável,
porém, entre os universos simbólicos da produção culta e da expressão popular. Assim como
no exemplo do México, outros países da América Latina lançaram mão dessa forte política
estatal, resultando numa segmentação das produções culturais. Mas foi com a
industrialização, a necessidade de produção de bens culturais – a obra de arte como objeto de
consumo, no caso deste estudo, as gravações, em seu suporte, os discos ou fonogramas; as
partituras, os livros de música – que decidiu o afastamento dos mercados “de elite e de
164 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo : Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1), p. 87-8.
77

massa”, “do culto e do popular.” À época da criação da Discoteca Pública Municipal de São
Paulo, o mercado ainda estava no princípio de sua ampliação. No caso, ainda havia uma outra
fronteira, tão larga quanto minada de nuances, que separava os gostos, determinados pelo grau
de instrução: as próprias classes sociais, já que as elites tinham acesso à educação e as classes
desfavorecidas começavam a vencer o analfabetismo, ou semi-analfabetismo.

A respeito da cumplicidade social do “recurso menos suspeito”, que seria o


patrimônio cultural, geralmente “alheio aos debates sobre a modernidade”, García Canclini
escreve ainda:

Esse conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificam como


nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que recebemos do
passado com tal prestígio simbólico que não cabe discuti-lo. As únicas
operações possíveis – preservá-lo, restaurá-lo, difundi-lo – são a base mais
secreta da simulação social que nos mantém juntos.165

Perdidas na contemplação da grandiosidade das diversas obras arquitetônicas e


artísticas de um país, as pessoas se esquecem de questionar as contradições sociais que
traduzem os componentes do patrimônio cultural.

A perenidade desses bens leva a imaginar que seu valor é inquestionável e


torna-os fontes do consenso coletivo, para além das divisões entre classes,
etnias e grupos que cindem a sociedade e diferenciam os modos de
apropriar-se do patrimônio.
Por isso mesmo, o patrimônio é o lugar onde melhor sobrevive hoje a
ideologia dos setores oligárquicos (…) Foram esses grupos - hegemônicos
na América Latina desde as independências nacionais até os anos 30 deste
século, donos “naturais” da terra e da força de trabalho das outras classes –
os que fixaram o alto valor de certos bens culturais: os centros históricos das
grandes cidades, a música clássica, o saber humanístico. Incorporaram
também alguns bens populares sob o nome de “folclore”, marca que
indicava tanto suas diferenças com respeito à arte quanto a sutileza do olhar
culto, capaz de reconhecer até nos objetos dos “outros” o valor
genericamente humano.166

Os objetos culturais que vão incorporar o todo do patrimônio, a dita memória


de um país, perdem parte de sua pertinência à realidade passada e, no contexto da contradição
entre ideologia dominante e modernidade, passando pelos processos derivados da

165 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 160.
166 Ibid., p. 160-1
78

industrialização, vistos assim, alijados de seu lugar de origem, cria o que García Canclini167
chama de “ser nacional”. Este, agora, já “aistórico”, cuja origem “mítica” sobreviveria, no
caso, num museu, ou numa coleção qualquer que seja, apenas como parte remanescente; o
objeto visto como modelo estético e simbólico. Ele está, então, fora de seu universo primeiro,
onde seu significado provavelmente poderia ser outro.

Canclini ajunta que: “Sua conservação inalterada testemunharia que a essência


desse passado glorioso sobrevive às mudanças.” E que: “O interesse contemporâneo do
patrimônio tradicional residiria em benefícios 'espirituais' difíceis de ponderar, mas de cuja
permanência dependeria a saúde presente dos povos.”168

A exemplo do que analisa Elizabeth Travassos169, a respeito das pesquisas de


recuperação de músicas folclóricas do solo de países europeus, (como foi o caso do húngaro
Béla Bartók), estudiosos da América Latina também realizaram esse tipo de investigação, com
fito na formação do que seria nacional. García Canclini afirma que o trabalho de folcloristas e
antropólogos relacionado com os movimentos nacionalistas fez com que estudiosos das
culturas populares viessem a ser intelectuais reconhecidos nas primeiras décadas do século
XX, designados a desempenhar funções oficiais, na área da cultura dita popular.

Desde os anos 40 e 50, frente ao avanço de tendências modernizadoras nas


políticas culturais e na investigação social, o interesse pelas culturas
tradicionais torna-se um recurso daqueles que necessitam redimensionar sua
atuação no campo acadêmico. Renato Ortiz constata que o desenvolvimento
dos estudos folclóricos brasileiros deve muito a objetivos tão pouco
científicos como os de fixar o terreno da nacionalidade em que se fundem o
negro, o branco e o índio; dar aos intelectuais que se dedicam à cultura
popular um recurso simbólico através do qual possam tomar consciência e
expressar a situação periférica de seu país; e possibilitar a esses intelectuais
afirmar-se profissionalmente frente a um sistema moderno de produção
cultural, do qual se sentem excluídos (no Brasil, o estudo de folclore se faz
principalmente fora das universidades.)170

Então, García Canclini criticará a falta de critérios com que se estudou e que se

167 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 161.
168Ibid., p. 161.
169 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 236 p. (Coleção Antropologia social)
170 GARCÍA CANCLINI, op. cit., p. 211-2.
79

colecionou folclore e arte popular, na América Latina, ponto que não cabe aqui desenvolver,
tampouco entrar em detalhes. Mas vale lembrar que essa crítica acusa uma catalogação
superficial desses materiais, causa que levou a se exaltarem os produtos populares, sem,
contudo, situarem-nos em seu contexto social, dissociando-os da relação com as práticas
cotidianas em que foram feitos. À época do Departamento de Cultura de São Paulo, no
entanto, a justificativa para que se recuperassem e catalogassem o material sonoro – e é muito
importante que se reforce que o material musical folclórico, nas décadas de 1930 e 1940, era
denominado popular (e não folclórico) -, com sentido etnológico, foi recuperar e preservar
valores artísticos primitivos, como patrimônio da humanidade, conforme se viu acima, pela
análise de Elizabeth Travassos, a respeito das pesquisas de Bártok e Mario de Andrade.

Qual a bandeira que Mario de Andrade levantava, quando referia-se ao


nacionalismo? Segundo Telê Porto Ancona Lopez:

Numa direção, o interesse pela experiência soviética, pela aplicação do


Marxismo e a reivindicação do nacionalismo como primeiro passo para o
internacionalismo, que pode ser acusado em Mário, Oswald de Andrade,
Tarsila do Amaral. Noutra, a negação do Marxismo, a valorização da
nacionalidade fora de uma internacionalidade futura, o aplauso às
concepções estéticas e políticas do futurismo italiano, em Plínio Salgado e
Cassiano Ricardo na corrente da Anta e no Verde-amarelismo que se
opuseram a Pau-Brasil e à Antropofagia. Finalmente, a reunião da
intelectualidade católica, seguindo através do grupo de Festa e logo depois
de Tristão de Athayde o pensamento de Jackson de Figueiredo, preocupada
com os destinos espirituais do homem.171

Segundo Ionta172, ao aceitar o cargo de diretor do Departamento de Cultura de


São Paulo, Mario de Andrade poderia sistematizar seu “credo modernista”; trabalhar no
sentido de modernizar o Brasil. Um viés era a valorização das tradições culturais do país “sem
cair no ufanismo nacionalista e sem comprometer a crítica e o espírito modernos.”
Em plena era Vargas, não era com o nacionalismo fascista que Mario de
Andrade e o Departamento de Cultura comungavam, evidentemente. Era, sim, a busca pela
difusão do conhecimento, que sempre norteou o andamento de todo o processo de montagem
das Seções do Departamento de Cultura: Biblioteca, Discoteca, etc. Desde suas pesquisas
171 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 196.
172 IONTA, Maria Aparecida. As cores da amizade na escrita epistolar de Anita Malfatti, Oneyda
Alvarenga, Henriquetta Lisboa e Mario de Andrade. 2004. p. 172. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual
de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
80

sobre folclore brasileiro, que desembocaram no Clã do Jaboti173, passando pelas viagens
etnográficas que Mario de Andrade empreendeu pelo Norte e Nordeste do país, na observação
e recuperação de material folclórico, que seria incorporado e desgeograficado em
Macunaíma, na década de 1920, até a instituição do Departamento de Cultura, órgão público,
já em 1935, com a organização dos saberes nacionais, a preocupação era socializar o
conhecimento. Essa disseminação do conhecimento musical folclórico, disposto em
fonogramas numa discoteca pública é o primeiro passo para a materialização da função da
Discoteca Pública de São Paulo, cuja função seria alcançar a própria produção da música
erudita, caracterizando-a como nacional:

O Folclore é a fonte de conhecimento do povo, para Mario de Andrade. Seu


isolamento nas zonas de permanência e seu enfraquecimento nas metrópoles
industrializadas é mais um testemunho da perda iminente da personalidade
do povo, a que chama “personalidade racial”. 174

Telê Porto Ancona Lopez, em Mário de Andrade: ramais e caminho, explica


ainda que, já em 1925, Mario de Andrade encarava o nacionalismo como etapa necessária
para se chegar, futuramente, no universalismo: o auto-conhecimento nacional ocasionando a
integração da arte brasileira na universalidade.

Mario de Andrade, porém, nunca perdia o olhar crítico, em relação ao


nacionalismo. Ainda segundo Telê Ancona Lopez175, Mario de Andrade, por dimensionar o
Brasil em seu próprio conceito de pátria, isto é, vinculada à internacionalidade, negava ser
nacionalista, afirmando ser brasileiro, antes de mais. Em sua crônica O castigo de ser176,
afirma repugnar-se à ideia de artificialismos no nacionalismo artístico, quando restringiam o
conceito de país a chavões ultrapassados, sem, no entanto, recriar-se uma nova arte nacional.

173 “(...) a maioria dos poemas de Clã do Jaboti, já se pode ver que domina uma razoável informação sobre
tradições brasileiras (…) Rastreando suas leituras etnográficas e folclóricas, pelas datas das edições,
encontra-se um dado precioso no caso de Rã-txa-hu-ní-ku-i: Gramática, textos e vocabulário caxinauás, obra
especializada de Capistrano de Abreu, oferecida por Luís Aranha [a Mario de Andrade]. Aedição é de 1914,
mas, a dedicatória datada de 1925, mostra que exatamente nesse momento, Mario se interessava por
Folclore.” In: LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo:
Duas Cidades, 1972. p.77-8.
Tanto Clã do Jaboti, quanto Macunaíma foram publicados na década de 1920. Mas as pesquisas já vinham de
antes.
174 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 199.
175 Ibid., p. 196.
176 ANDRADE, Mário de. O castigo de ser. In: Diário Nacional, São Paulo, 6 dez., 1931.
81

Considerando-se o que ocorria na década de 1920, Mario de Andrade avaliava o panorama,


para além do país, para o avanço do Modernismo pela América - sua deglutição e integração
de elementos díspares, como “discriminação racial, ignorâncias, pobreza, preguiça” (de todos
esses traços, Mario de Andrade acreditava poderem-se extrair criações positivas.)
Barbato Júnior177, ao estudar o plano geral das cogitações dos intelectuais da
época de Mario de Andrade, a este respeito, fala da utopia nacional-popular, entendendo por
isso a tentativa de arrancar a cultura , muitas vezes, ornamental, da exclusividade das mãos
da elite e aproximá-la do povo. Seria o ideal socializante na esfera das coisas culturais; a
construção da nacionalidade por meio da difusão da cultura. Em síntese, a cultura
“contrabandeada” numa relação direta intelectuais-povo, como se a História estivesse sendo
apressada, abreviando-se o longo caminho pelo qual teria de passar a cultura encastelada, até
popularizar-se - num país como o Brasil. Neste sentido, o Departamento de Cultura
estruturava-se totalmente sob o ideal nacional-popular: os intelectuais engajados usando a
oficialização do poder central, para passar por cima das instâncias deste mesmo poder; da
própria política da qual se serviam; das convenções sociais – embora presos à burocracia e
hierarquias –, para chegar ao povo. Ou melhor: fazer chegar ao povo o conhecimento.
Este nacional-popular de que fala Barbato Júnior não se trata, no entanto, de
algo restrito ao “patriotismo”, à alienação do entorno cultural: pelo contrário, ele liga-se
necessariamente ao universal, que seria o ponto máximo da expressão artística, mesmo para
Mario de Andrade, no que tange ao nacional e universal como complementares.
A ação propriamente dita da difusão cultural habitava exatamente naquilo que
se oferecia ao povo. Ou seja, nos casos específicos da Discoteca Pública Municipal, ou da
Biblioteca Pública Municipal, era a formação dos acervos que, no caso da primeira se criava e
se organizava; no da segunda, se aprimorava e se transformava. Os concertos públicos
gratuitos, por exemplo, cuja programação era norteada por critérios educativos do
Departamento de Cultura, eram a tentativa de por ao alcance do povo tudo o que pudesse
elevar sua cultura. Porém, como se verá mais adiante, pelas estatísticas que Oneyda
Alvarenga nunca deixou de realizar, muito, muito pouco mudava a procura dos consulentes
da Discoteca pelos mesmos compositores, ou gêneros musicais, num intervalo de mais de
uma década – entre 1936 e final dos anos 1950178. Os bens imateriais têm grande potencial em
177 BARBATO JUNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o
Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2004. p. 128-9.
178 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. 98 p.
82

si. O que ocorre é que o alcance pode permanecer limitado, enquanto as iniciativas de
expansão cultural não estiverem acompanhadas por um forte programa educativo paralelo,
conforme se verá nas conclusões da diretora da Discoteca Pública Municipal. Mas este é um
assunto que, pelas dimensões do alcance das discussões, talvez seja tema para outro
trabalho179.
E é dentro desses parâmetros de nacionalismo e de todas as circunstâncias
históricas, que se entende o americanismo e o nacionalismo musical, na América.

3.1 Americanismo e Nacionalismo na Música


Tenho horror a Pan-americanismos (…) Não existe unidade psicológica ou étnica
continental.180

E Telê Ancona Lopez explica:

A negação de pan-americanismo não é contradição para o internacionalismo


esposado pelo escritor, da mesma forma que a busca do nacionalismo
também não o é. A internacionalidade supõe a caracterização do específico
social, ético e estético em seu conjunto político unitário, mas não entende a
dissolução de um todo em prol de alguns conjuntos mais amplos
geograficamente que as nacionalidades isoladas.181

Mario de Andrade considerava o pan-americanismo e os latino-americanismos,


com seus distanciamentos da realidade de cada país, como impedimentos da verdadeira
expressão nacional (e universal) na Arte. Além disso, Mario de Andrade, em seus últimos aos
de vida, estava atento à relação que se estabelecia entre o pan-americanismo e o que pregava a
doutrina Monroe.
Sobre essa questão, Elizabeth Travassos escreve:

Bartók entendia que internacionalismo é fenômeno negativo, exatamente


como Mario de Andrade, para quem a palavra podia ser usada como
acusação. Internacional é aquilo que está em muitas ou em todas as nações
porque não pertence (mais) a nenhuma delas, o que representa um grave
desvio. Falar de internacionalismo, no seu caso, esclarece pouca coisa.182

Vale lembrar que a maioria do público da Discoteca era composta por leigos.
179 Mais abaixo se verá, pelas avaliações de caráter didático do musicólogo Curt Lange, a perene preocupação
com a formação musical das crianças do Uruguai, cujos desempenho e desenvolvimento, este professor
vinculava à esfera educativa e, principalmente, da formação familiar.
180 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho. São Paulo: Duas Cidades, 1972. p. 227.
181 Ibid., p. 228.
182 TRAVASSOS, Elizabeth. Os mandarins milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla
Bartók. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. (Coleção Antropologia social) p. 122.
83

3.2 Americanismo musical

O movimento cultural chamado Americanismo Musical iniciou-se em 1933 e


teve Francisco Curt Lange como seu idealizador. Segundo Cesar Maia Buscacio, em sua tese
de doutorado, Americanismo e nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e
Camargo Guarnieri (1934-1056), “o movimento do americanismo musical foi considerado,
por Luiz Heitor Correa de Azevedo, um fator a ‘[...] favor do desenvolvimento, afirmação
consciente e divulgação das produções e recursos artísticos de um grupo de nações”; mais
ainda,” continua Buscacio, “o musicólogo afirmou que: ‘Assim, em todas essas músicas, há
algo que as assemelha umas às outras e umas e outras, à música italiana ou à música francesa.
Isso é o espírito de latinidade, vivo e prodigioso em toda a América do Sul.’ ”183
Curt Lange veio para a América Latina em 1923; professor universitário e
musicólogo alemão, radicou-se no Uruguai, onde organizou, em 1929, o SODRE (Serviço
Oficial de Difusão Rádio-Elétrica), que tinha por uma de suas principais funções a
propagação, por radiodifusão, das manifestações de cultura e da arte à população de todo o
país. O musicólogo empenhou sua vida em pesquisas musicais na América, fazendo tudo o
que estivesse ao seu alcance, no sentido de tornar definitiva a união dos países americanos
quanto à produção musical do continente. Se por um lado Francisco Curt Lange, um alemão
naturalizado uruguaio – inclusive latinizara seu nome: Franz Kurt Lange -, lutava pela
estruturação e organização da música na América, acreditando em um Estado forte que
tomasse a seu cargo a educação do povo, a posição dos Estados Unidos da América, nesta
mesma fase histórica, também era de luta pelo ideal – entre outros – do conhecimento da
música do continente americano. A política de boa vizinhança dos Estados Unidos deste
preciso momento fazia a necessidade de conhecimento e aproximação dos países vizinhos via
cultura como estratégia para manter a paz.
Ao esclarecer sobre o papel de C. Lange na divulgação do Americanismo Musical,
Buscacio184 destaca a base cultural-ideológica deste musicólogo: o pensamento dos filósofos
alemães Herder (século XVIII/XIX) e Fichte (século XIX), “a simbologia do nacionalismo
orgânico”, “o ideário integrador, recorrente na literatura romântica germânica”, o espírito
fraterno a partir da fonte poderosa que seria o idioma comum a determinados povos.

183 BUSCACIO, Cesar Maia. Americanismo e nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e
Camargo Guarnieri (1934-1956). Tese (Doutorado em História Social). Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2009.
p. 16-7.
184 Ibid., p. 20.
84

O que Curt Lange 185 propunha era “uma fusão absoluta de sentimentos raciais
distintos, para o desaparecimento gradativo de preconceitos estreitos, fomentados em cada
uma de nossas Repúblicas por núcleos estrangeiros, para a eliminação de diferenças nacionais
de diversos caracteres, rumo à estruturação inseparável de um pensamento orgânico e
disciplinado”. Para Buscacio186, “O americanismo de Curt Lange embasava-se, portanto, na
valorização dos fatores etnológicos e sociológicos dos povos, os quais deveriam ser estudados
em estreita relação com sua história.” Uma vez estudados esses aspectos, seria entendida a
relação entre passado e futuro das sociedades latino-americanas, garantindo, assim, a partir do
fortalecimento da identidade de cada país, a identidade coletiva. Naquele contexto histórico, a
formação cultural foi considerada muito importante, uma vez que, permitindo que as nações
alcançassem a consciência de sua própria identidade, os interesses do coletivo seriam
sobrepostos aos interesses das elites locais.
No documento Americanismo musical, escrito pelo próprio C. Lange187, em
1934, o autor procura chamar a atenção dos músicos e musicólogos latino-americanos para a
importância da obtenção e do intercâmbio de informações acerca das origens e da produção
da música nacional dos países do continente, como fator fundamental para a formação do
novo artista latino-americano e de sua expressão.
Dentro dos propósitos do americanismo, Curt Lange defende a necessidade de
se firmarem as feições da criação musical latino-americana por meio do conhecimento e da
pesquisa da evolução da música no continente. C. Lange chama a atenção para a urgência de
se resgatar o conhecimento dos “motivos nacionais”, (a “raiz folclórica”), a fim de evitar a
mera repetição de padrões europeus de composição, o que não contribuiria para que os novos
compositores encontrassem os traços que caracterizariam a música nacional nascente. Ele
escreve: ”Nunca chegou nação alguma a seu ponto máximo, imitando culturas que o
houvessem alcançado em outras nações.”188
Alegando que poucos músicos do continente conhecem as manifestações
musicais de países vizinhos, ou até mesmo de seu próprio país, C. Lange comenta esse
desconhecimento sobre a evolução histórico-cultural da América e assinala a obrigação dos

185 BUSCACIO, Cesar Maia. Americanismo e nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e
Camargo Guarnieri (1934-1956). Tese (Doutorado em História Social). Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2009.
p. 19.
186 Ibid., p. 20.
187 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical: la sección de investigaciones musicales, su creación,
propósitos y finalidades. Montevideo: Inst de Estudios Superiores, 1934. p. 5-15.
188 Ibid., p. 11.
85

musicólogos e músicos latino-americanos no sentido de se fazerem conhecer obras musicais,


antes que estas caiam no esquecimento. Ou seja, a ação nesse sentido seria justamente
recuperação e organização dessas obras em centros de documentação musical.
A catalogação desse registro sonoro é vital dentro dos propósitos do americanismo
musical, numa concepção de difusão cultural que engloba objetivos de grande alcance dentro
da realidade nacional. Segundo Flávia Toni, a política cultural adotada então pautava-se pelo
triplo objetivo de Constantin Brailoiu, em seu Esquisse d’une méthode de folklore musical:

1 - Salvar documentos musicais preciosos.


2 - Pôr em circulação científica internacional os materiais necessários a um
estudo comparativo extenso.
3 - Facilitar o contato entre países por meio da música popular.189

Curt Lange190 considerava a criação de Bibliotecas, Museus e Discotecas


procedimento imprescindível para que se realizassem estudos posteriores da música como
manifestação da cultura nacional, como patrimônio da humanidade.
Na segunda parte do documento Americanismo musical, encontram-se os
objetivos principais e meios de efetivar essa troca de informações. A fim de justificar a
criação da Seção de Pesquisas Musicais, Curt Lange aponta três principais motivos:

1º Desamparo da maioria das forças vivas.


2º Desconhecimento, em muitos casos absoluto, em outros considerável, dos
esforços de professores e compositores nos países irmãos do Continente
Latino-americano
3º Desalento e indiferença manifestos na base das causas citadas.191

O autor aponta, de maneira didática, a finalidade e os objetivos principais da


Seção de Pesquisas Musicais:

Finalidade da Seção de Pesquisas Musicais

Estudo e publicação de problemas científico-musicais, com atenção especial


à revisão, ampliação e pesquisa completa, de problemas latino-americanos.
Aparece, em segundo lugar, a aplicação igualmente necessária de problemas

189 TONI, Flávia Camargo. Missão: as pesquisas folclóricas. Disponível em:


< http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/missao/textos_frameset.html>. Acesso em: 10 mar. 2009.
190 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical: la sección de investigaciones musicales, su creación,
propósitos y finalidades. Montevideo: Inst de Estudios Superiores, 1934. p. 18.
191 Ibid., p. 16.
86

científico-musicais europeus e latino-americanos.

Em 1934 C. Lange192 fala do espaço de 4 ou 5 anos – ou seja, 1929 ou 1930 –


que separa uma época em que famílias medianamente cultas e bem posicionadas socialmente
adquiriam um “bom disco” para ouvir em família ou a sós. Agora, em 1934, C.Lange critica
violentamente o que fazem as vinte estações rádio-difusoras.
O autor informa que, no Segundo Congresso de Rádio, realizado em Munich,
em 1931, foram abordados os temas:

- Las bases psicológicas y sociológicas para escuchar radio;


- Los instrumentos eléctrico-acústicos y a música;
- La música em la radio.193

Curt Lange menciona também a “Novena Semana Musical del Reich”, onde o
doutor Eugenio Bieder falou sobre “Música y técnica”, subdividindo suas exposições em dois
temas:
a) a rádio escolar;
b) o disco como meio da pedagogia musical aplicada.194

Paralelamente, Mario de Andrade, atento, já tinha tirado suas conclusões sobre


o uso do disco como instrumento didático de pesquisa, para a compreensão do estudo sério e
mais efetivo da música. No prefácio de A música popular brasileira na vitrola de Mario de
Andrade,195 José Ramos Tinhorão sucintamente faz jus ao caráter científico das pesquisas
sonoras de Mario de Andrade: “(...) trabalho de um pioneiro no uso de produtos da indústria
do lazer internacional como documento para o estudo do processo cultural brasileiro.”
Flávia Camargo Toni196, no capítulo Eu victrolo, tu victrolas, ele victrola, do
livro A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade, destaca que o autor de
Macunaíma sempre serviu-se do estudo da música popular brasileira por meio de audição de
discos. Em O disco popular no Brasil, esboço para um ensaio que não chegou a publicar,
Mario de Andrade propõe questões baseadas no estudo de sua discoteca. Como, por exemplo,

192 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica. Separata de Anales de Instrución Primaria. Montevideo,
abril e junho de 1934, e tomo I de 1935. p. 153.
193Ibid., p. 182.
194 Ibid., p. 185.
195 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC, 2004. p. 9.
196 Id. Discos de música popular serviam ao prazer e ao estudo matinais. Estado de São Paulo. Cultura São
Paulo, p.4, 09 out. 1993.
87

indicando o valor dos discos populares sul-americanos para a pesquisa. Ele cita: “Certos
gêneros populares infensos à influência universalista das cidades (A Moda caipira) (Certos
discos de feitiçaria carioca) (O disco africano que possuo)”197
A importância do fonógrafo como instrumento de apoio às pesquisas em
documentos sonoros, por Mario de Andrade, fica clara, quando se lê o apêndice do livro A
música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade, intitulado Discos e fonógrafos24.
Nesse artigo, Mario de Andrade comenta nada menos do que a novidade que era, então, a
audição de discos como recurso didático:

Hoje em dia [1928] já é possível a gente falar que gosta de fonógrafos e


discos sem que os professores de música se riam. Não é mais possível que
eles debiquem uma produção musical pelas perfeições, sem abrir
concorrência com os concertos e com a música individual, é manifestação
musical perfeitamente legítima e agradável de arte.198

Em nossos dias, pode até parecer disparatado. Mas, naquele momento, a


qualidade das gravações começava a melhorar e ainda não era prática corriqueira utilizar
meios sonoros (Mario de Andrade empregava o termo “música mecânica”) para ilustrar aulas
no Conservatório Musical.
Flávia Camargo Toni trata especialmente dessa audição rotineira de Mario de
Andrade, como estudo e lazer, ao mesmo tempo. Além da possibilidade de conhecer
manifestações da música (principalmente nacional), ele podia acompanhar de perto novas
produções e ainda catalogar informações sobre o material ouvido. Era trabalho de estudo - e
as fontes, documentos.
Em 18 de maio de 1944, Mario de Andrade escreveria o artigo Número
Especial, publicado em Mundo Musical, coluna assinada pelo crítico, na Folha da Manhã, no
qual trata da divulgação do Boletim Latino Americano de Música cuja abordagem seria a
música brasileira e que, segundo observações de Jorge Coli 199, só seria publicado em 1946,
depois da morte de Mario. Ainda nas palavras de Jorge Coli: “Francisco Curt Lange iria ali
lhe dedicar [a Mario] uma comovida e lúcida homenagem: nele [no Boletim de 1946] sairiam

197 Vê-se que a longa e constante pesquisa do autor desembocaria em seus textos, como em Macunaíma, ou,
mais tarde, no texto da ópera bufa brasileira Malazarte.
198 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC,
2004. p. 267.
199 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 361.
88

'As danças dramáticas do Brasil.'”

Nesse artigo, além de ressaltar o “ilustre musicólogo” teuto-uruguaio,


afirmando que quem se interessasse pela música em São Paulo, não podia ignorar quem fosse
Curt Lange, Mario de Andrade explica que Capanema obtivera verba de auxílio para tal
publicação, uma vez que o organizador da discoteca do SODRE, no Uruguai, pedira ajuda,
por intermédio de Mario de Andrade. E, para acompanhar os trabalhos do musicólogo
estrangeiro, no preparo do próximo número do Boletim em questão, foi nomeada uma
comissão formada pelos músicos Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Renato Almeida, Andrade
Murici, Luíz Heitor Corrêa de Azevedo, Lourenço Fernandez e Brasílio Itiberê. Mario de
Andrade ajuntava que as dificuldades a serem superadas não dependeriam nem de Curt
Lange, - cujo maior mérito, para o musicólogo brasileiro, era justamente a autoria da criação
do Boletim -, nem da comissão nomeada por Capanema. Mario de Andrade apontava as
lacunas no estudo de musicologia brasileira como as reais dificuldades a serem suplantadas,
escrevendo que hoje teríamos musicólogos “legítimos, mais exercitados nos métodos da
musicologia moderna, como um Luiz Heitor Corrêia de Azevedo, uma Oneida Alvarenga, um
Caldeira Filho.”200 Mais abaixo, ao se analisar leituras de Mario de Andrade sobre História da
Música, se voltará a mencionar os estudos de Caldeira Filho sobre musicologia crítica.

Mario ainda chama a atenção para pontos tão importantes, que faria falta
mencionar aqui sua alusão à nossa musicologia ainda iniciante (em 1944, está claro), diante
desses espaços vazios do conhecimento da música brasileira em seus períodos divididos e
nomeados de acordo com nossas necessidades classificatórias: colonial, imperial,
republicano... ou como escreve o próprio Mario de Andrade: nosso “filológico amor das
nomenclaturas. Eu creio que ainda não é tempo de se conseguir um conhecimento mais
profundo e profuso da nossa evolução musical. Só muito por alto e, assim mesmo só no
sentido sociológico e não no tecnicamente musical, é que a podemos conhecer.” E Mario
ainda “prevê” que, com a evolução dos estudos monográficos, no futuro serão possíveis
generalizações idôneas. Estas observações acerca desse artigo parecem convergir para a
abordagem que Oneyda Alvarenga fazia em seus Concertos de Discos, visando, a partir de
seus inúmeros, salteados recortes da História da Música, na composição de seus repertórios
voltados ao público leigo, nada mais do que a possível reconstituição da História Social da

200 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed.
da UNICAMP, 1998. p. 150.
89

Música.

Nesse artigo, Mario de Andrade discrimina quais seriam as seções que os


músicos brasileiros acharam por bem desenvolver: “1ª - Etnografia e Folclore; 2ª - História; 3ª
- Ensino; e 4ª – Vida musical.”201

Aliás, partindo da leitura desse artigo da Folha da Manhã , de 1944, Remião202


observa que Mario de Andrade recusou-se a fazer parte da equipe que auxiliou Lange,
justificando que considerava ofensivo ao musicólogo que interferissem em seu trabalho.
Lange vai encontrar registros musicais em Minas Gerais, partituras do final do
século XVII, a despeito do que Mario de Andrade escrevera, achando que uma árdua pesquisa
poderia resultar improfícua. Tal não se deu, porque Lange encontrou muitas coisas, além do já
conhecido José Maurício.

Mario de Andrade e Lange encontraram-se num hotel em Belo Horizonte, em


1944; segundo Remião, Mario de Andrade não escreveu nada sobre a pesquisa de Lange, que
ainda estava no início – encontrara apenas, até então, partituras do século XIX. Remião
aponta dois motivos: Mario de Andrade não se interessava por aquelas composições do
período colonial porque não tinham feições nacionais, ou porque o período até sua morte teria
sido escasso para isso.

Talvez Mario de Andrade achasse que o seu dever fosse fazer o que tinha feito:
escrevera um artigo onde incitava os pesquisadores brasileiros da área de música a
participarem do sexto Boletín Latino-Americano. Ou porque achasse que a pesquisa de Lange
ainda estivesse muito no início.

201 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed.
da UNICAMP, 1998. p. 147-8.
A saber, as seções se desenvolveriam assim: “1ª - Etnografia e Folclore, atribuída a Luiz Heitor e Bsílio
Itiberê: A música dos indígenas brasileiros; Os instrumentos de música dos índios brasileiros; A música do negro
brasileiro; Os instrumentos de música do negro brasileiro; A música popular brasileira; Instrumentos de música
populares no Brasil; Estudos sobre os diversos gêneros de música popular brasileira. 2ª – História, ao cargo de
Renato Almeida: Música colonial: A ópera no Brasil; A música sinfônica brasileira; A música de câmara no
Brasil; A música para piano no Brasil; O canto em português no Brasil; O advento do nacionalismo na música
brasileira; O período contemporâneo; Estudos sobre os principais compositores brasileiros. 3ª – Ensino, ao cargo
de Vila Lobos e Lourenço Fernandez: História do ensino musical no Brasil; O ensino profissional de música no
Brasil; A música nas escolas brasileiras; Estudos sobre os grandes educadores musicais. 4ª – Vida musical, sob a
orientação de Andrade Murici: História da vida musical brasileira; A organização oficial; Orquestras, bandas
militares e particulares; Sociedades musicais; Rádio, Fotografia, Bibliotecas musicais, Estudos sobre os grandes
intérpretes brasileiros do passado e de hoje; Musicologia e crítica musical.”
202 REMIÃO, Cláudio Roberto Dornelles . O Mário de Andrade de "Número especial". In: XXIV Simpósio
Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e multidisciplinaridade: território e deslocamentos: anais do
XXIV Simpósio
90

Associando isso ao que escreve Buscaccio, em sua tese Americanismo e


nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e Camargo Guarnieri (1934-1056),
quando menciona os achados de Lange, em Minas Gerais, o estado em que se encontravam
partituras de músicos que não o Padre José Maurício, pode-se pensar que Lange tinha motivos
para realizar essa viagem. Ou seja, já supunha que encontraria documentos.

3.3 Nacionalismo musical

Em Aspectos da Música Brasileira203, dentro do texto Evolução Social da


Música Brasileira, Mario de Andrade atribui à “Grande Guerra” – e não à Segunda República
brasileira – a força que alavancou as nações a forjarem um “estado-de-consciência musical
nacionalista”. E sempre é bom lembrar que esse texto é de 1939 – Mario de Andrade se referia
à Primeira Guerra204 e já havia se afastado do Departamento de Cultura do município de São
Paulo. Segundo Jorge Coli, Mario de Andrade via como ideal a composição que consolidasse
um espírito de raça, de um inconsciente artístico intersubjetivo, coletivo; não uma
manifestação superficial, com brilhos de tropicalismo.

As obras devem inserir-se na bela continuidade nacional, que emergia


historicamente pouco a pouco, embora sem conhecimento de si.
Observemos, portanto a dupla postura: uma contemporânea, que manda ser
nacional. Outra histórica, projetando no passado a consciência nacional
obtida no presente.205

Coli cita também Evolução social da música no Brasil, de 1939, inserido nos
Aspectos da música brasileira, em que Mario de Andrade analisa as fases da caracterização da
música que virá a ser nacional. À época, o pragmatismo baseado no coletivo, em detrimento
do individual, é que nortearia a composição erudita brasileira. Portanto, o gênio, o virtuose, o
bizarro, naquele momento, não interessava. A fase demandava sacrifício, por parte dos autores

203 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. p. 32.
204 REMIÃO, Cláudio Roberto Dornelles . O Mário de Andrade de "Número especial". In: XXIV Simpósio
Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e multidisciplinaridade: território e deslocamentos:
anais do XXIV Simpósio : “Poucos anos depois de finda a guerra, e não sem antes ter vivido a experiência
bruta da Semana de Arte Moderna (…) Villa Lobos abandonava (…) sistematicamente o seu
internacionalismo afrancesado (...)”
205 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 17.
91

nacionais, que gerasse a música consciente de si mesma, de sua brasilidade. Embora


compositores como Carlos Gomes, cuja formação foi europeia, encontrassem expressões
próprias... o que Mario de Andrade julgava urgente era a pesquisa: era a fase do que o
musicólogo chamava a música de nacionalista. Haveria de vir a fase cultural, em que a
liberdade estética traduziria na música “as realidades profundas da terra” 206. Só então, a
música poderia ser chamada de nacional, independentemente das qualidades peculiares a seus
diferentes autores.

Dentro do conceito do nacionalismo como “representação político-cultural”, a


produção musical é uma das criações artísticas que, expressando o simbólico, o imaginário,
constitui parte relevante da formação do processo social e ideológico dos países americanos,
contribuindo para caracterizar a identidade emergente das novas nações.
Jorge Coli analisa e pontua a posição de Mario de Andrade em relação à
preocupação com a música nacional: ao abordar o artigo que o escritor publica na Folha da
Manhã, em 20 de maio de 1943, plena Guerra, intitulado O maior músico, mostra alguns
aspectos com clareza. Um deles, que nos importa, naquela época de preocupação com a
efetivação do que seria a música nacional, seria, na menção ao jovem chinês Nyi Erh, que na
verdade não era tão importante em si, a ênfase que Mario de Andrade dava ao caráter não “da
descoberta ou aquisição voluntária e racional de uma arte nacional”... mas de “algo intuitivo,
indizível.” Era o que Coli apresenta como Volkgeist: o espírito nacional, do povo, coletivo.207
Então, outro aspecto, já que meia dúzia de composições de Nyi Erh alcançaram o canto de
multidões graças à sua simplicidade, que apelava ao coletivo, seria a diminuição da
importância da pesquisa pela pesquisa, segundo Coli208, tampouco a qualidade da composição.
Mas sim o envolvimento político do compositor chinês, sensibilizado com o que seu povo
vivia, dominado pelos japoneses. Ora, Jorge Coli ainda revela que esse canto coral, entoado
por multidões e que seria desejável naquele momento histórico, não era tipicamente oriental; a
composição de Nyi Erh já sofrera influências da música do ocidente. Este exemplo do
compositor chinês vale para que se chegue perto do que Mario de Andrade via como cultura
musical, então: os países ocidentais, desde o momento romântico, ainda segundo Coli209, com
sua cultura historicamente recente, nascia sempre a partir de fontes e inspirações folclóricas,

206 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. p. 18-9.
207 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed.
da UNICAMP, 1998. p. 203.
208 Ibid., p. 202.
209 Ibid., p. 201.
92

populares, tradicionais – resultando em influências incorporadas à música erudita dessas


nações. O país que absorve dessa maneira a cultura e obtém sua expressão musical “nacional”
procura se legitimar ao lado de países culturalmente poderosas.

Outro aspecto do julgamento de Mario de Andrade que Coli aponta é a “ideia


de que o fazer artístico passa pelo domínio de suas técnicas (…) que compõem as condições
de possibilidade do próprio fazer.”210

Nos idos de 1926, Mario de Andrade está preocupado com as marcas de um


espírito coletivo sobre a criação artística. Trata-se dom pressuposto para que
estas inflexões constituíssem os componentes de um espírito nacional, que
surgia para ele como questão maior. De lá vem a ideia preponderante do
individual no coletivo. Agora, em 1944, são as formas de interação, de
circulação, isto é, os mecanismos que permitiriam o sucesso “coletivo” de
um canto.211

Isso, sobre o questionamento de Mario de Andrade a respeito da linha melódica


do Hino Nacional, que foi imposto, oficializado. Teria se transformado na voz do povo, se não
fosse música cívica, oficial? Ou simplesmente não teria se popularizado? É bem mais razoável
que tivesse ocorrido a segunda hipótese. Coli fala da necessidade, na década de 1940, não
apenas da composição de um belo canto, mas das leis que fariam dele aceito ou recusado.
Coli observa que Mario de Andrade ataca Koellreutter, “Sentindo-se ameaçado
nos seus projetos mais caros, Mario de Andrade ataca violentamente.”212 porque “O
dodecafonismo, projeto do espírito que se desvinculava das tradições da história da música,
das tradições nacionais, das raízes culturais, de uma 'modernidade' musical que evolui – mas
não rompe com a tonalidade (…) - era não apenas o oposto ao nacionalismo nazi, mas
também o contrário daquilo que o autor de Macunaíma sempre pensara e pregara. Mario de
Andrade, que teve papel-chave no modernismo brasileiro, não tolerava, agora, a posição de
um outro pioneiro, Koellreutter, em sua forma de modernidade, o dodecafonismo.“213
É preciso ainda que se considere o estudo que Coli faz da posição de Mario de
Andrade, quando este escreve o artigo Distanciamentos e aproximações214. Nos anos 1940,
quando Mario de Andrade refutou a posição dos jovens que estudavam o dodecafonismo,
210COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed.
da UNICAMP, 1998. p. 203.
211 Ibid., p. 351.
212 Ibid.,. p. 286.
213 Id.
214 ANDRADE, Mario de. Música, doce música. São Paulo: Martins, 1963. p. 363-7.
93

acusando as vanguardas “estetizantes” de quinta-colunismo. Ou seja, o exagero resvala para o


terreno político e Coli situa Mario de Andrade longe das vanguardas (dos anos 1940) e “muito
próximo de posições ortodoxas comunistas.”215

Coli ainda traz trechos de uma entrevista concedida por Koellreutter a O


Globo, de dezembro de 1944, em que o músico elogia o movimento intelectual de vanguarda,
citando nomes como: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga, Camargo Guarnieri, Nelson
Rodrigues, Cecília Meireles, Jorge Amado, etc. Com essas informações, Coli vai lembrar o
conflito da Carta Aberta de Guarnieri, em 1950. Mas Coli ainda identifica o pólo da
questão lá em Mario de Andrade, quando refuta a opinião de Curt Lange, quando ataca
Shoenberg, ou quando não aceita a posição daquele grupo que iria formar o Música Viva, em
São Paulo.216

No artigo A bela e a fera, publicado na Folha da Manhã, em agosto de 1943,


encontrando em Mario de Andrade uma “pedagogia habilidosa”, Coli menciona a afirmação
de que na música alemã não figurariam mais do que meia dúzia de gênios (inclusive, Mario de
Andrade situa Mozart entre os alemães, logicamente não por confusão – inclusive, nesse
mesmo artigo A bela e a fera, publicado na Folha da Manhã, em agosto de 1943, lembra que
Mozart teve influências da música italiana217.) Além disso, Coli faz uma curiosa observação
acerca da carta que Mario de Andrade escreveu para Oneyda Alvarenga, aos 14 de setembro
de 1940. É a carta mais longa que Mario de Andrade escreveu em sua vida e foi suscitada por
uma dúvida da própria Oneyda, a respeito de critérios de julgamento em relação à arte. Mario
de Andrade, então, procurou organizar o pensamento, antes de mais, para si próprio. Resultou
em considerações em que Coli encontrou muito colorido pessoal: afinal, Mario de Andrade
colocara que a primeira impressão do crítico em relação à obra é que norteará seu julgamento,
podendo essa impressão ser de satisfação ou de despeito - no caso de o crítico esperar mais do
que recebe, nesse primeiro olhar. Ou seja, o “gostar” em arte viria da impressão pessoal;
humana, antes de mais nada.

Tendo essa consciência, Curt Lange percebeu rapidamente que deveria apelar
para os músicos latino-americanos. Daí sua correspondência com o compositor brasileiro
Camargo Guarnieri, que desempenhou também importante papel na congregação de músicos

215 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 291.
216 Ibid., p. 290.
217 Ibid., p. 80.
94

e valores, no âmbito da música erudita, em sua evolução, naquele momento em que se


buscava a nacionalização.
Segundo José Maria das Neves218, em seu livro Música contemporânea
brasileira, a meta do nacionalismo era “forjar linguagens caracteristicamente nacionais, que
refletissem a realidade de um povo e que, ao mesmo tempo, fossem imediatamente
compreensíveis por este mesmo povo.”
No Brasil, os rudimentos de ensino de música erudita foram introduzidos pelos
jesuítas, desde o começo do processo de colonização. Portanto, era natural que esse ensino
estivesse dentro dos moldes europeus. Em contrapartida, as raças negra, indígena e branca
aqui conviviam também, desde o início do povoamento do país, tendo cada uma delas
influenciado com seus elementos culturais a música nacional.
Nos séculos XVIII e XIX, ainda predominava o padrão europeu de composição
musical. Mas foi com os compositores de música popular (ou de diversão), que a música
brasileira começou a ganhar o caráter que se delineou depois: pelo emprego do ritmo, melodia
e harmonia. Assim, como esse caráter mestiço transparecia na música popular, os
compositores eruditos da época teriam se afastado de tais influências, “desdenhando os
motivos nacionais”.
Foi a partir da segunda metade do século XIX que começou a haver no país a
preocupação com o nacionalismo das expressões artísticas. Como escritores, pintores e
músicos de formação erudita tivessem arraigada a cultura européia, o processo de
incorporação dos motivos nacionais, em seu conjunto e com sua diversidade, foi lento e
artificial. Naquele momento histórico, essa busca por expressões nacionais era preocupação
comum aos músicos, tanto da Europa, quanto da América Latina. Num primeiro momento,
procurou-se fazer ruptura com os padrões de composição considerados desgastados e buscou-
se inspiração no Impressionismo.
Mas foi a partir do movimento modernista que os compositores brasileiros
direcionaram o nacionalismo em suas composições. O movimento modernista, por sua vez,
rompeu com o Impressionismo, aderindo, inicialmente, ao futurismo, para logo depois,
abandoná-lo, numa atitude antropofágica: as tendências nacionais alimentando-se das novas
correntes, para logo incorporá-las e transformá-las em expressões próprias.
A Literatura e as Artes Plásticas brasileiras, cedo engajaram-se ao Modernismo. Já

218 NEVES, José Maria das. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981. p. 13.
95

a música, - com exceção da de Villa-Lobos, que já encontrara soluções para sua expressão,
desde a década anterior, resultado de suas pesquisas sobre motivos folclóricos -, teve de
percorrer ainda alguns caminhos, para conseguir se libertar da tradição européia.
A música brasileira encontrava suas próprias vias de identidade. Mario de
Andrade que, além de figurar entre os escritores centrais do movimento modernista brasileiro,
era musicólogo e crítico de arte, considerou a Dansa Brasileira, de Camargo Guarnieri,
composta em 1928, como um marco, no panorama musical. Foi por meio do contato
estabelecido entre o compositor e Mario de Andrade, que este último conheceu o musicólogo
Curt Lange, interessando-se por suas conferências sobre educação musical.
Elizabeth Travassos cita a racionalização da estética nacionalista sintetizada em
proposições:

1) A música expressa a alma dos povos que a criam;


1. a imitação dos modelos europeus tolhe os compositores brasileiros
formados nas escolas, forçados a uma expressão inautêntica;
2. sua emancipação será uma desalienação mediante a retomada do contato
com a música verdadeiramente brasileira
3. esta música nacional está em formação, no ambiente popular, e aí deve ser
buscada;
4. elevada artisticamente pelo trabalho dos compositores cultos, estará pronta
a figurar ao lado de outras no panorama internacional, levando sua
contribuição singular ao patrimônio espiritual da humanidade.219

No livro Música220, doce música, Mario de Andrade tece importantes


considerações a partir de estudos na área das influências recebidas pela música brasileira. No
capítulo A música no Brasil221, ele fala sobre o amálgama de diferentes culturas, derivado da
mescla de influências de povos diferentes, como elemento de formação da música nacional. É
nas fontes folclóricas que reside a origem, onde o autor vai buscar os cantos e as danças
narrados em Macunaíma.
Mario de Andrade verifica que somente a partir da Primeira Guerra Mundial,
com a “exacerbação nacionalista mais ou menos universal”, nossa música começa a criar
escola nacional, quando os compositores voltam sua atenção às criações
musicais populares.

219 TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro : Zahar, 2000. p. 15.
“Ideias de Mario de Andrade expostas no Ensaio sobre a música, verdadeiro manifesto do modernismo
nacionalista.”
220 ANDRADE, Mario de. Música, doce música. São Paulo: Martins, [1963]. 420 p.
221 Ibid., p.17-24. Artigo escrito para leitores ingleses. Publicado no “Anglo-Brazilian Chronicle”
comemorativo da visita do Príncipe de Gales ao Brasil, 1931.
96

3.4 Organização dos saberes

Roberto Barbato Júnior, em A recusa ao diletantismo e a queda da intuição222,


toca no ponto do amadurecimento da geração modernista, quando focaliza a guinada reflexiva
que acontecia no âmbito do conhecimento, mostrando assim, algo muito mais amplo, que era
o panorama geral do mundo, naquele momento. Certo é que pode ter havido algum exagero,
ao se falar que os moços do Movimento Modernista foram “inconscientes”, segundo Mario de
Andrade, ou “quebraram louça”, segundo Florestan Fernandes: fato é que eles leram... e
embasaram suas criações e atitudes revolucionárias, tomando conhecimento das vanguardas
europeias.223

O que importa aqui, no entanto, é abordar o momento posterior, o declínio dos


anos 1920, quando acontece o despertar da consciência para a necessidade de apoiar
cientificamente cada ação - isso atendo-se apenas à área da cultura (a preocupação era
geral.) Mario de Andrade se lamentou por não ter sido mais científico, quando estudou o
folclore. Ele passava de uma postura de formação pessoal, com visos de encontrar respaldo
para a criação artística, para outra, posterior, coerente com objetivos de construção de
nacionalidade. É aí que Mario de Andrade critica o diletantismo e entende-se a preocupação
com as bases científicas do conhecimento – vide todo o aparato relacionado aos detalhes,
na coleta e catalogação de material áudio-visual da Missão de Pesquisas Folclóricas – do
Departamento de Cultura de São Paulo, buscando provar a seriedade de seus serviços.
Barbato Júnior escreve sobre isto:

A orientação sobre a pesquisa (…) fora dada por Mario de Andrade e


Oneyda Alvarenga – ambos com larga experiência em documentação sobre
fontes folclóricas. A coleta do material foi efetuada cientificamente
conforme alguns pressupostos previamente adotados pelo líder modernista
em suas leituras de etnografia. Se isso não impediu que houvesse “certa
maleabilidade na condução das pesquisas” (TONI, s.d: 27), também não
levou a que se realizasse uma investigação meramente diletante. Dotando-se
de um caráter pedagógico, as atividades desempenhadas seriam
criteriosamente catalogadas para estudo s de diversas áreas. Tal foi o que

222 BARBATO JUNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o


Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2004. p. 56-62.
223 Ibid., p. 56-62. Sergio Milliet também falava da intuição dos modernistas, afirmando que o objetivo era
muito mais estilístico do que mudança de valores.
97

ocorreu, algum tempo depois, quando Oneyda Alvarenga encarregou-se de


sua organização crítica. (…) não obstante fossem escritores e artistas, os
dirigentes do Departamento de Cultura calcaram suas metas no padrão
emergente de pesquisa da realidade social.224

Mas, além disso, a estruturação dos cursos dentro da Escola Livre de Sociologia e
Política e o Departamento de Cultura (este, estreitamente ligado àquela), passava por critérios
de Sergio Milliet e Bruno Rudolfer. As várias pesquisas que se realizavam sobre a cidade de
São Paulo, segundo Patrícia Raffaini225, estavam ligadas aos interesses da administração de
Fábio Prado, preocupado em que esta fosse eficiente, ao conduzir o mais rápido possível os
imigrantes e seus filhos – crianças nascidas no Brasil – a um processo de nacionalização. Por
este motivo, buscava-se o maior rigor científico nestas pesquisas: o Departamento de Cultura
contribuindo com informações exatas, para que a administração municipal não falhasse.

O interesse administrativo da cidade estendia-se ainda mais, quando preocupava-


se com a formação dos paulistas – formação de bom nível técnico, a fim de se obter
funcionários competentes e sólida formação acadêmica, para que se caracterizasse a elite
cultural de São Paulo, pessoas capazes de administrar a coisa pública.

Por estes motivos, o empirismo e o diletantismo foram condenados e pode-se


dizer que o Departamento de Cultura funcionava em compasso com os novos interesses, sob o
crivo do caráter científico.

Além deste quadro de relação entre a Escola Livre de Sociologia e Política e o


Departamento de Cultura, outros indicadores mostravam a busca urgente pela organização
sistemática do conhecimento. Quando da gestão de Gustavo Capanema, Mario de Andrade,
que trabalhava no Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, subordinado de
Augusto Meyer, recebeu a incumbência de esquematizar uma Enciclopédia Brasileira. O ano
era 1939. Era importante, então, sistematizar o saber, organizando a informação de uma forma
dinâmica e seletiva.226

224BARBATO JUNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o


Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2004. p. 59.
225 Ibid., p. 60.
226 ANDRADE, Mario de. A enciclopédia brasileira. São Paulo: Edusp, 1993. 107 p. (Memória, 16) A
enciclopédia teria elasticidade em seus verbetes, com escalonamento de valores, sempre se pautando pelo
nacionalismo. A atualização dos dados estava em mira, a estrutura da enciclopédia assemelhando-se muito à de
almanaques anuais, no que se refere à atualização constante, por meio de incessantes reedições. Alguns verbetes
seriam mais técnicos e especializados; outros mais gerais; os de interesse aos temas nacionais, culturais,
regionais do Brasil, mais extensos; haveria também remissivas dentro dos verbetes, indicando assunto correlatos;
98

Segundo Flávia Camargo Toni227, os amigos de Mario de Andrade sabiam que ele
organizava suas informações em seu Fichário Analítico e Meyer, quando encomendou a
redação do anteprojeto a Mario de Andrade, já sabia de sua intimidade com a lexicografia,
porque conhecia seu projeto para a Gramatiquinha da fala brasileira.

3.5 Criação de Rádio-Escolas e Discotecas no período entreguerras, na Europa e


na América

A divulgação da cultura musical aos povos de muitos países do Ocidente,


preocupação comum dos governos no período entreguerras, referido acima, se efetivava via
programas educativos transmitidos pelas rádio-escolas Essas rádios geralmente possuíam
dependências e aparelhagens como estúdio, antenas, etc.; como ainda músicos contratados.
Mas também havia a consciência muito forte da necessidade de formação de discotecas como
plataformas de preservação e gravação da música folclórica das nações. Assim, se verão
abaixo leituras contempladas por Mario de Andrade, desde a década de 1920. Para organizar a
análise das leituras efetuadas pelo musicólogo e futuro diretor do Departamento de Cultura de
São Paulo, os blocos de leitura foram divididos por assunto: Rádios; Discos; e mais abaixo,
História da Música.

3.6 Rádios educativas

Na década de 1930, Mario de Andrade manifestava vivo interesse em rádios


educativas de diversos países. Entre os periódicos europeus que Mario de Andrade lia, com
relação às rádio-escolas, além da Revue Musicale, estava Le Ménestrel228, que entre 1935 e
1936, lançou uma sequência de artigos sobre o assunto, com referência aos anos 1920 e 1930,
na Europa.
A levar-se em consideração as informações contidas na série de artigos
assinados, ora por Paul Bertrand, ora por Arno Huth, podemos mapear como era a

índice onomástico – tudo sob várias autorias, evidentemente especialistas em cada assunto. O objetivo das
diferentes abordagens de cada assunto, era, além de enfatizar o nacional, atender um público abrangente: desde
ginasianos e pessoas com baixo nível intelectual até especialistas. Mario de Andrade, em seu ofício dirigido ao
ministro Capanema, aborda o assunto da criação de um Instituto Nacional de Música, que fosse para a música
como eram o Serviço do Patrimônio e o INL, respectivamente para as artes plásticas e para a literatura.
227 ANDRADE, Mario de. A enciclopédia brasileira. São Paulo: Edusp, 1993. 107 p. (Memória, 16) p. 166-
75.
228 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935.
99

programação – e os objetivos – das rádio-escolas em diversos países europeus, na época.

- Rádio da Alemanha e na Inglaterra

No número de 13 e 20 setembro de 1935229, Paul Bertrand aborda as salas de


concerto dos estúdios de rádio da Inglaterra e da Alemanha, nas quais se dá prioridade aos:
• Estúdios
• Microfones
• Transmissão às Emissoras,
com preocupação com o isolamento e com a qualidade acústicos. O autor
comenta, ainda, que os pianos dos estúdios das rádios desses dois países eram afinados
diariamente.
A decoração de tais lugares visava não apenas a qualidade acústica, como
também a impressão psicológica. Deve-se lembrar que essas rádios dispunham de auditórios,
e muitas audições eram transmitidas ao vivo e com a presença de um público já acostumado a
frequentar concertos.
Neste artigo, chega-se a mencionar a transmissão por televisão.
Na sequência, em artigos publicados no número de sexta-feira, 27 de setembro
e 04 de outubro de 1935, Bertrand prossegue com informações, agora abordando as emissoras
de transmissão da Inglaterra e da Alemanha, que tinham alcance no continente europeu, e a
programação das rádios nos dois países. Alemanha e Inglaterra tinham um plano de transmitir
suas programações para o mundo todo. O autor lamenta que a França, embora tenha grande
número de emissoras, tenha feito da Rádio uma instituição do Estado.
Os dirigentes da BBC, em matéria de programação da rádio, impuseram suas
ideias imperiosamente a todos os países. Bertrand aponta para a necessidade de atender-se ao
gosto médio dos ouvintes, sem levar em conta opiniões – que podem ser sinceras, ou não. O
público que acorre a um teatro, ou a um concerto, é visto; sabe-se quem é ele, suas reações
são constatadas imediatamente. Mas os ouvintes são uma “massa amorfa”, da qual não se
pode precisar quase nada.

229 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 281-4.
Em 1935, a Discoteca Pública Municipal de São Paulo começa a ser organizada e, em 1936, é
inaugurada. Portanto, na mesma época – e não depois – em que Mario de Andrade lia os artigos do periódico Le
Ménestrel citados aqui.
100

Escreve o autor:

Por outro lado, a ação da Rádio, do ponto de vista da educação e da cultura


gerais, fica muito limitada. Cada ouvinte procura, antes de mais nada, aquilo
que lhe dá prazer, em função de uma cultura pessoal que, quando existe, é
formada e desenvolvida por outros meios, e que não pode encontrar na Rádio
senão um complemento, sobre alguns pontos particulares, o campo das
matérias é tão vasto, e tão curto o tempo consagrado a cada uma delas.230

Apresenta-se uma tabela com os nomes dos principais países europeus e os


tipos de músicas ouvidas nas programações, com os resultados de audiência obtidos entre
maio e agosto de 1934.:

- Óperas e operetas
- Música séria
- Música ligeira
- Música de dança
- Drama
- Sessões infantis
- Pregações religiosas
- Informações/Comunicados
- Conferências/Discussões
- Diversos (sem classificação)

Houve pouca mudança no quadro, antes e depois da pesquisa, salvo na França,


onde a audição de operetas caiu, em relação a 1933.
As diretrizes da BBC, a respeito de programas, se fazia num espírito mais
amplo, procurando ser mais imparcial e mais liberal. Procurava apoiar-se em programas de
distração, de informação, de difusão e de discussão de ideias. Além disso, a rádio inglesa
procurava difundir serviços de utilidade pública, como promover programas de ajuda a cegos,
encontrar pessoas perdidas, etc. Chegou a promover publicações de ensino de línguas –
objetivo educacional. Aqui o autor usa o termo rádio-escola, ou seja, o conceito já existia, em
1935.
A rádio possuía músicos contratados, como tentou fazer, depois, a rádio escola
de SP.
Bertrand destaca a diferença existente entre a rádio inglesa e a alemã hitlerista:
esta última funcionava como instrumento político. Dava-se ênfase aos grandes feitos
históricos; os compositores que não os arianos eram cada vez mais suprimidos das

230 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 289-93.
101

programações da rádio alemã. Do ponto de vista do autor do artigo: “Todos os esforços da


Rádio concentram-se num objetivo essencial: ser o espelho fiel da vida alemã.”
Paul Bertrand já alerta para o poder de persuasão do meio de comunicação, na
propaganda política.

- Rádio da Suíça

Já no artigo publicado por Le Ménestrel, na sexta-feira, 8 de novembro de


1935,231 assinado por Arno Huth, lê-se que de 1922 a 1930, malgrado esforços unânimes e
boa organização da rádio, esta praticamente não existiu. Até que, em 1931, criaram-se dois
postos emissores mais potentes.
A Radiodifusão da Suíça apresentava três serviços principais, segundo o
princípio da divisão do trabalho:

1- Serviço técnico: assegurado exclusivamente pela Administração Federal e dependente da


direção geral dos Telégrafos;
2- Serviço administrativo e alta vigilância dos programas, assegurado pela Sociedade de
Radiodifusão e seus órgãos;
3- Serviço dos programas, assegurado exclusivamente pelas Sociedades regionais e seus
diretores.

Havia uma particularidade única no mundo: a programação era dividida entre


seis estúdios (em seis cidades, que eram pontos de emissão.) Em 1934, a média de horas no ar
era de 8 a 18, dependendo do lugar.
Segundo Huth, havia qualidade acústica considerável e possibilidade de
escolha entre vários programas:

Os programas refletem as tendências e aspirações do povo suíço, e domina a


ideia da missão educativa e de cultura intelectual da radiodifusão. Toda
propaganda comercial, política e religiosa é fortemente interditada. A rádio
segue a tradição democrática e pedagógica da Suíça, esforçando-se por
instruir e ensinar aos ouvintes de uma maneira rigorosamente objetiva. A
rádio como “A universidade d'Ether”.232

231 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 333-5.
102

Assim, as emissões escolares, minuciosamente preparadas e contadas entre as


melhores produções da rádio suíça, desempenhavam um papel importante todo particular,
dentro do conjunto, constituindo uma parte indispensável. Em todas as emissões literárias ou
dramáticas, as obras dos poetas e dos escritores suíços tinham lugar de honra.
Neste texto, Mario de Andrade assinala, com lápis vermelho e preto, o trecho
que fala sobre os 64% da programação, dedicada à música sob suas diferentes formas. A
programação procurava exibir obras dos grandes mestres da música séria (erudita), com
muitas horas mensais de programação. De maneira sistemática, fazem-se conhecer trechos
(“fragmentos”) de obras líricas de grandes mestres.
Eis o trecho marcado por Mario de Andrade:

A maior parte de todo o programa, no entanto, 64,6%, volta-se à música, sob


suas diferentes formas. Ali também, o princípio pedagógico ocupa o
primeiro lugar; com o apoio da Central de Educação aberta, fizeram-se
grandes esforços para tornar acessível às massas as obras de arte de mestres
antigos e contemporâneos. Assinalaram o constante progresso da música dita
séria nos programas de três emissoras, de 62,20 horas mensais em 1933, a
75h,22 em 1934. De uma grande importância é a atribuição ao serviço
exclusivo da rádio de três orquestras permanentes de Zurich, Lausanne e
Lugano. Em 1934, as rádio-orquestras ocuparam no programa de
Beromünster 45,47 horas de emissão e no de Sottens 26h06 por mês. 233

A parte do artigo assinalada por Mario de Andrade discorre ainda sobre a


presença de “14 excelentes virtuoses para música de câmara”, na orquestra de Genebra. Fez-
se, sistematicamente, com que se conhecessem obras-primas líricas, por fragmentos, quando
longas, ou em adaptações, conforme as necessidades radiofônicas. Em 1934, reservaram-se
14,07 h mensais para transmissão de óperas. Consagra-se também um número de emissões,
sobretudo em Genebra, à produção contemporânea, notadamente de autores suíços.
Pelo grifo de Mario de Andrade neste artigo, pode-se concluir que o que
interessava a ele, naquele momento, era a programação educativa que contivesse a maior
gama de variedades de gêneros.
Arno Huth acrescenta que o nível das programações é muito elevado, graças ao
cuidado com sua preparação prévia.

232 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 333-5.
233 Ibid.
103

- Rádio na Dinamarca

No artigo de Paul Bertrand, de sexta-feira, 6 de dezembro de 1935234, Le


Ménestrel traz informações sobre a rádio da Dinamarca. Mencionam-se os números de horas
de cada programa de música. Havia também conferências abordando os temas: geografia,
viagens, história e biografias, literatura – 35 horas eram dedicadas à escola e educação. A
programação educativa era extensa – incluindo o assunto escola e educação.
A Radiodifusão da Dinamarca compreendia o vasto território da Groenlândia e
a influência que a emissora dinamarquesa teria no novo continente, ao propagar os valores da
civilização europeia.

La Sociéte des Nations Radiophonique

Ainda na sequência da leitura que Mario de Andrade fazia dos números da


revista Le Ménestrel (que fazia parte de sua biblioteca particular, na época, e que hoje se
encontra no Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da universidade de São Paulo), vê-se
que Arno Huth interrompe a série de artigos sobre rádios europeias para escrever sobre os 10
anos235 da Sociedade das Nações Radiofônica, da U.I.R.: União Internacional de
Radiodifusão.

- Rádio da Áustria

Neste artigo, intitulado A serviço do estado autoritário..., de sexta-feira , 17 de


janeiro de 1936,236 além de discorrer sobre ataques terroristas que tomaram as emissoras, em
1934 (dois anos antes, portanto), Arno Huth escreve também sobre a existência de aparelhos
para registrar não apenas gravações de músicas, com também de gravação de filmes mudos e
sonoros.
O forte, porém, estava na elaboração da programação, que tinha duplo objetivo:
dirigir a opinião pública e mostrar ao estrangeiro os aspectos da alta cultura austríaca.
No final do artigo, Arno Huth fala que, para atender melhor ao gosto médio dos

234 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1935. p. 369-70.
235 Período entreguerras.
236 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1936. p. 17-8.
104

ouvintes, ocorre uma mudança na programação: todas as noites, passou a haver duas emissões
mais breves: uma parte com música ligeira, a outra com música séria.
A programação, desde o início, foi dividida em quatro grupos bem definidos:
música, literatura, ciências, informações.
Na continuação, pelo artigo de 17 de janeiro de 1936, vê-se que a rádio
austríaca era claramente veículo de propaganda do governo e fortemente voltada para a
educação:

A ideia diretiva, de ordem política, é de chamar o povo à renovação da


Áustria cristã e patriótica, e fazer conhecer o país e sua história.(...)
Compreende-se que, no estado atual, prega-se com ardor o desenvolvimento
das emissões escolares, introduzidas muito tarde na Áustria, em 1932
somente. 237

Para isso, a rádio da Áustria investia em muitas programações de conteúdos


carregados de cultura, como a apresentação sistemática de composições dos grandes mestre da
música erudita do país. Era ao mesmo tempo, programa educacional e propaganda do país.
Acresce que a rádio austríaca estava sediada num edifício muito bem equipado, dividido em:
escritório, administração e redação da revista Radio-Wien; serviços técnicos, que incluíam
ateliês, depósitos, laboratórios, escritórios, duas pequenas salas de audição; contava ainda
com estúdios, onde se fazia controle da emissão e havia ainda as dependências de concerto: a
sala maior, reservada à orquestra para 100 executantes e 400 ouvintes, dois estúdios para
conjuntos médios e um terceira, para música de câmara. Note-se que, no panorama da
Europa, Arno Huth considera 1932 uma data tardia, para a inclusão de programação de rádio
escolar.

- Rádio da Bélgica

Segundo Arno Huth, em artigo de sexta-feira, 27 de março de 1936,238 a


Bélgica poderia ser considerada o berço da Radiodifusão, porque desde 1910, tentava os
primeiros ensaios radiofônicos.
O I.N.R. (Institut Nacional Belge de Radiodiffusion) punha à disposição dos
organismos radiofônicos discoteca e biblioteca musicais.
237 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1936. p. 25-7.
238 Ibid., p. 31.
105

E, continuando a escrever sobre a rádio na Bélgica, o autor, no artigo de sexta-


feira, 3 de abril de 1936:

A abundância das emissões musicais necessita um emprego mais largo,


talvez um emprego bem mais largo, de registros. Em 1934, utiliza-se mais de
30.000 faces de discos; em 1935 – mas também em razão de numerosas
emissões suplementares à ocasião da Exposição Universal – 65.000!
O I.N.R. Possui uma biblioteca musical particular rica, de mais de 8.000
partituras, das quais 476 obras belgas manuscritas, e uma discoteca, cujo
efetivo, não contava de início nem 300 números, sua cifra, hoje, é de mais
de 12.500 discos.239

Huth comenta que o serviço musical passou, neste ano, por grandes
transformações, em virtude de nova ampliação no programa. O número de músicos
contratados para a rádio também aumentou.

- Rádio da Tchecoslováquia

Sobre a Rádio tcheca, no artigo de sexta-feira, 24 e 31 de julho de 1936, Arno


Huth escreve:
A administração da Rádio-Jornal, cuja sede fica em Praga, compreende uma
secretaria central, com três seções da presidência, dos negócios comerciais e
administrativos, dos negócios jurídicos e estrangeiros. Depois, seis
“serviços”: técnica; programas musicais; programas literários e radiodifusão
das notícias; conferências; secretaria central dos programas; rádio escolar.240

Havia ensino de línguas na rádio escolar. Em 1934, milhares de escolas


estavam equipadas com aparelhos receptores; 9.000 professores e 370.000 crianças seguiam
as emissões.
Na programação artística, a música tinha um lugar de honra, como em todas as
outras rádios. Tinha cinco orquestras permanentes. E o autor comenta também que era uma
rádio muito democrática.

- La Sociéte des Nations Radiophonique

Arno Huth interrompe a série de artigos sobre rádios europeias para escrever
239 HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1936. p. 32.
240 Id.
106

sobre os 10 anos da Sociedade das Nações Radiofônica, da U.I.R.: União Internacional de


Radiodifusão.
Este artigo, de sexta-feira, 27 de dezembro de 1935, trata da central técnica,
sediada na Suíça, criada em 1925 - período entre as grandes guerras -, para sanar problemas
de ordem técnica, nas transmissões dos países europeus. Em 1926, a precisão já havia sido
tamanha, que a qualidade das transmissões fez muita diferença. Huth enfatiza a necessidade
da boa relação entre os países, usando a radiodifusão. Fala sobre a troca de informações
culturais, dando exemplo da Polônia e da Alemanha, que ofereciam, uma à outra, peças
radiofônicas e emissões literárias.

- Stravinsky : o disco e a rádio

A importância do artigo de Bertrand, intitulado Les idées de M. Igor Stravinsky


sur le disque et la radio, de sexta-feira, 31 de janeiro de 1936, para Mario de Andrade é
visível, uma vez que o escritor grifa, com lápis vermelho, as palavras: “sur le disque et la
radio.”
O artigo trata da opinião de Stravinsky sobre a gravação e a radiodifusão.
Segundo a matéria do periódico, o compositor acreditava na utilidade do disco para que se
registrasse a maneira com que o autor queria que sua composição fosse interpretada, evitando,
assim, deformações por parte dos intérpretes. Segundo Bertrand, o que interessava a
Stranvinsky.: “...é, sobretudo, o lado documentário, utilitário, e não seu elemento artístico.“241
Mas Stravinsky apontava algumas faces negativas da comodidade que traz a
audição do rádio: as pessoas não mais deslocavam-se para ir a um concerto e elas não se
dedicavam mais a aprender de fato um instrumento, para ouvir determinadas composições.
A posição ativa frente à audição diminui progressivamente. Ouvir tão
passivamente o que é transmitido seria um pouco como olhar sem ver. A escolha do ouvinte
cai por terra e a paralisia aumenta. Fala do “embrutecimento”, da falta de compreensão e
diminuição de amor pela música, por parte das massas (a exceção seriam as pessoas que ainda
escolhem, por seu prazer, o que querem ouvir)
Além dessas informações sobre rádios europeias, nos artigos encontrados em
Le Ménestrel, no Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo,

241HEUGEL, Jacques. Le Ménestrel: musique theatres. Paris: Maurice Dufrene, 1936. p. 33-4.
107

foi pesquisada a Programação da Radiodifusora WIXAL - World-Wide Broadcasting


Foundation - University Club - Boston - mayo de 1938, a qual traz um texto sobre a
programação dessa rádio dos Estados Unidos:

Los programas interamericanos están basados em un deseo sincero de


cooperación interamericana... Concebido el germen de estos programas em
lo Estados Unidos, desarrollado em la América Latina, y llevado a su
realización por medio de la Radiodifusora WIXAL, de Boston, estos
programas simbolizan, em cierto sentido, el avecinamiento verdadero de
todos los americanos.
Felipe L. Barbour
Director
Programas Interamericanos242

O programa é diário, cobrindo o mês de maio de 1938, incluindo músicas


eruditas de compositores europeus e americanos.
Neste artigo, Lange243 também fala do ideal que seria o governo assumir
totalmente a supervisão das rádios, com função apenas educativa. A rádio idealizada por Curt
Lange teria papel importante também nos rumos da procura pela verdadeira expressão
nacional da música do continente.
Curt Lange via o rádio como meio de eliminar barreiras sociais. Pensava na
aproximação do índio à sociedade urbana, facilitando o caminho para a fusão da população
nacional. Lange proferiu esse discurso a convite do governo do Peru, diga-se de passagem,
com a finalidade de lançar bases fundamentais do Departamento de Rádio-Difusão como
extensão cultural.
Curt Lange avisava àqueles que temiam a intervenção da política neste novo
meio de difusão, que isso não seria possível, já que a melhor política de um governo seria seu
afã pela cultura e melhoras sociais que deseja oferecer à sua população. O porta-voz do
momento a esses princípios seria o serviço de rádio-difusão (o ideal , para o autor.) Curt
Lange defendia a estatização da educação para transformar efetivamente as massas,
eliminando a educação privada: “Ao reunir nas mãos do Estado o ensino total de um país,
está-se em condições de proceder equitativamente, no sentido social e administrativo.”
As discotecas, disseminadas junto a escolas e rádios europeias, eram vistas
como apoio essencial, do ponto de vista educacional, da formação cultural dos povos. Dentro
242PROGRAMAÇÃO DA RADIODIFUSORA WIXAL. Boston: World-Wide Broadcasting Foundation.
University Club . Mayo, 1938.
243 Id.
108

da América, surgiam de ideais democráticos de intelectuais ligados à Cultura - e também,


como espelhava-se, por exemplo a Discoteca Pública Municipal na Discoteca da Itália, para
resgatar a música nacional, antes que esta desaparecesse. Aqui também entram as diferenças
de objetivos: a Discoteca da Itália, pelo viés do fascismo; a de São Paulo, por um esforço no
sentido de resguardar a expressão musical popular (diferentes enfoques do nacionalismo,
portanto), cada dia mais sujeita a influências (na época, o rádio, com sua programação que
atendia cada vez mais aos interesses do mercado, ameaçava a), modificações, ou mesmo
desaparecimento.
Lendo Panorama de la radio244, do já citado autor André Coeuroy, obra na
qual não se encontra nenhuma anotação marginal de Mario de Andrade, pode-se deduzir que o
futuro diretor do Departamento de Cultura (a edição que Mario adquiriu era de 1930) se
embasava nas prescrições de Coeuroy no que diz respeito a: O rádio e a vida intelectual.
Neste capítulo o autor francês aborda assuntos como a rádio escolar; ensino de línguas;
reportagem e jornal falado e política de programas. Estava já nesse livro um conjunto de
ideias que chegam até hoje com caráter atual. Resumidamente, sobre a rádio escolar, Coeuroy
expõe o caráter de total novidade que o ensino à distância traz em si, em 1930. O autor
conjecturava a necessidade de centralizar as decisões de programas e métodos (por exemplo,
uma central de dúvidas de todos os alunos que demandassem alguma questão) nas mãos do
Estado; a necessidade ainda da comunicação com todas as escolas rurais e da sincronização de
horário de transmissão a todas as escolas. Na quele momento, os pedagogos franceses
questionavam se o método de educação à distância seria eficiente mesmo, já que estavam
excluídas as experiências, o contato “olho no olho” de mestre e aluno, etc. O autor narra as
experiências na Alemanha e na Inglaterra. Na primeira, em 1924, o Instituto Central de
Educação e Ensino organizou a primeira sessão consagrada à “Rádio e Escola”, na
Universidade de Berlim. Programas cuja duração estudos mostraram que seria eficaz se não
ultrapassasse vinte e cinco minutos; programas de conteúdo educativo divididos em dois
grupos: um dirigido a todas as idades e outro dirigido a crianças; definição do que se deveria
divulgar (isto é, tudo o que um professor não pudesse oferecer, na falta de recursos, a seus
alunos: música, peças de teatro, declamação, conversações em língua estrangeira.) Quanto à
divulgação da música, assuntos “vastos e cíclicos”: havia transmissões cujo objetivo era
mostrar a influência da poesia sobre a música. Assim, por exemplo, um texto poético era lido

244 COEUROY, André. Panorama de la radio: avec un exposé technique de Jean Mercier. Paris: KRA, 1930.
240 p.
109

e, ao fundo, se ouvia a música – sempre relacionada à obra literária. Nesta dissertação, um


certo detalhamento da programação tedesca pode ser útil para que se lance luz sobre o que era
a educação pelo rádio numa Alemanha na qual se formou musicalmente Curt Lange. O
musicólogo, afinal, tentou estender a mesma educação até a América, quando se naturalizou
uruguaio e realizou, no ano de 1929, em Montevidéu, todo o trabalho do SODRE (Servicio
Oficial de difusión, radiodifusión y espetáculos.) Segundo Coeuroy, foi graças ao esforço do
conselheiro ministerial alemão Léo Kestenberg que o Instituto Central (Zentral-Institut)
organizou em 1928 uma sessão de música radiofônica, com o objetivo de demonstrar que o
rádio exigia programas dedicados à música. Assim, se realizou um Congresso, naquele ano,
cujos temas discutidos foram todos ligados a aspectos técnicos de transmissão radiofônica.

Também a Inglaterra inaugurou um sistema de rádio escolar, em 1924. A B. B.


C. transmitia às escolas que podiam sintonizar a emissora e, de segunda a sexta-feira, eram
transmitidos programas cuja duração era de meia hora para cada disciplina: leitura e diálogos
em línguas estrangeiras; História; curso de música elementar; Francês; História Natural;
dicção e emprego correto do Inglês; cursos agrícolas; Geografia; cursos diversos; concertos e
divertimentos. Assim, outros países (Suíça, Tchecoslováquia, Austrália, Estados Unidos...
como a própria França) lançaram mão da rádio escolar, em vista dos resultados que eram
verificados a partir da difusão educativa.

Ainda nessa obra de Coeuroy, Mario de Andrade pôde encontrar informações


sobre a rádio “pós-escolar”, a Radio l'Univers, um vasto curso complementar de adultos, na
França; na Inglaterra, a B.B.C. distribuía brochuras explicativas antes das conferências
transmitidas aos ouvintes, com bibliografia indicada no final. O autor mostra que um “fervor
anglo-saxônico” pela pedagogia regia toda a programação que se preocupava com as lacunas
deixadas pela educação de adultos: pedagogos teóricos publicaram, em 1929, um relatório no
qual escalonavam valores que consideravam, tais como: recreação do rádio como meio de
desenvolvimento; recreação como forma social de ensino; rádio, serviço público utilizado
para a educação nacional (aí a função social da arte, no pensamento Marioandradiano); etc.

Quando se chega à parte do livro de Coeuroy intitulada Pour une politique des
programmes pode causar surpresa – talvez até ao próprio Mario de Andrade245 - o fato do

245 Mais abaixo, p.138-9 desta dissertação, será mostrada a crítica contundente que Mario de Andrade fez à
programação da Rádio Educadora paulistana. Pelo que se vê, na França a situação não era tão diferente: a
nota sem assinatura de autor, denominada La grande pitie de la radiophonie, publicada no v. II, de 1926, nas
p.92-3, trata de problema bem semelhante – embora não idêntico. O autor fala da fraca qualidade da
110

autor registrar sua insatisfação com o que ele chama de “salada”: a programação de música
erudita que o autor ouve numa mesma tarde de domingo. Na França, na Áustria e na Espanha
e na Itália se ouviram obras as mais popularizadas, mais ao gosto do público e outras,
desconhecidas, porém irrelevantes, sem que os grandes nomes da música desses países
constassem do repertório do dia. Fora a falta de critério – o que levou Coeuroy a acusar a
mescla de conteúdo sem objetivos. O autor ressalta também que a programação se definia
quase sempre conforme a decisão do diretor de cada rádio. Vem mostrar ainda que, estatísticas
feitas, se viu que o ouvinte da Inglaterra, em comparação com o da Alemanha, em 1929, tinha
preferências pela música e programas religiosos, enquanto que o segundo dava mais atenção
aos programas informativos. Uma estatística norte-americana indicava que o público ouvia
muito mais “música clássica” do que qualquer outro tipo de música. Já na Alemanha, os
programas de música tinham elevado bastante seus repertórios, mediante a exigência de
personalidades como Maurice Ravel e Paul Valéry, entre outros. E é relevante lembrar que o
autor clamava que, naqueles dias, que ele chamava de “atualidade mundial”, na qual
fervilhavam as rádios educativas em países estrangeiros, assunto que Mario de Andrade
seguia daqui com atenção simultaneamente, era necessário adotar a postura das rádios alemãs,
dando ênfase a uma unidade em torno de determinados assuntos intelectuais e artísticos, ainda
que se sacrificasse o que Coeuroy chamava de “tríplice fórmula” do rádio: informar, ensinar,
distrair. No caso, da perspectiva dos europeus mais preocupados com o futuro, o sacrifício
recairia sobre o “distrair”, em favor de divulgar o mais rápida e metodicamente possível
conteúdos de conhecimento, em todas as áreas. Principalmente no que concernia à música
(percepção e preocupação coincidentes na política de Curt Lange.)

Já foi anteriormente mencionado que esta obra, Panorama de la radio, não teve
nenhuma sinalização, nenhum vestígio grafado por Mario de Andrade. Porém, levando-se em
conta a alta possibilidade dele não só haver lido, como ainda incorporado conceitos e ideias a
seus planos futuros da rádio-escola paulistana, cumpre observar que Coueroy dedica muitas
programação radiofônica da época, na França. A queixa fica mais no âmbito da mistura de eruditos e ritmos
da moda. A audição puramente erudita era bruscamente sacudida por um charleston, da última moda, por
exemplo. A nota se finaliza com a ênfase em se imitar países vizinhos, como a Inglaterra, a Suíça e a
Alemanha –, onde as programações eram bem delineadas, apresentando diferentes conteúdos, em diferentes
horários. Da mesma forma, o artigo La musique des ondes, assinado por H.P. (provavelmente Henry
Prunières, que assinou vários artigos sob o mesmo título, sempre criticando a incompetência do pessoal das
transmissões radiofônicas da França), na Revue Musicale v. XIII, n.129, de 1932, p.251-3, traz a crítica do
autor em relação às más transmissões e da mediocridades dos programas irradiados pela França (T.S.F.) e
pela Áustria – mas elogia a programação e a qualidade de transmissão da Inglaterra. E começa também uma
série de artigos da T.S.F., explicando seus critérios de programação musical, e seu papel de difusora
educativa.
111

páginas à arte no rádio. E mais especificamente à música “radiogênica”. Em relação a isso, o


autor faz recomendações detalhadas sobre composição de orquestra radiofônica; absorção de
outras artes pelo rádio, como teatro “radiogênico”, sob adoção de políticas inovadoras de
repertório. Quando da pesquisa no Arquivo Histórico Municipal da cidade de São Paulo, a
observação de documentos burocráticos que tratam da contratação de músicos para a não
efetivada rádio-escola de São Paulo mostra que Mario de Andrade seguia a trilha dos
estrangeiros - não só europeus, mas a maioria da bibliografia que o modernista lia estava em
francês. Também é provável que a junção do teatro também viesse posteriormente, quando a
rádio-escola se firmasse – o que, como se sabe, não aconteceu.

O livro de Maurice Emmanuel, com a colaboração de outros autores,


L'initiation a la musique a l'usage des amateurs de musique et de radio246 é uma edição muito
sofisticada, na qual não há nenhum sinal de anotação feita por Mario de Andrade. Embora o
livro abranja tanto educação do ouvinte por meio de audição de discos, quanto disseminação
musical pelo rádio, ficou elencado aqui, entre outras leituras sobre Rádios educativas (e não
entre as leituras sobre Discos e discotecas), porque o autor leva em conta a força do rádio, à
época em que escreveu o livro. Em seu prefácio, o texto explicita que, com a transmissão de
música pelo rádio, multiplicou-se o público que se interessava pela música. Assim, o livro (de
autoria coletiva: Maurice Emmanuel, Reynaldo Hahn, Paul Landormy, Georges Chepfer,
Hugues Panassié, Émille Vuillermoz, Dominique Sordet e Maurice Yvain) vem a ser um
manual endereçado ao ouvinte amador de música erudita pelo rádio ou tocada em discos. De
caráter inovador, o texto coloca a questão da inefabilidade da música, já que é arte. Para os
autores, a sensação causada pela música foge da razão, ainda que eles tenham se preocupado
em escrever uma História da Música, na primeira parte, a fim de situar o ouvinte e fazê-lo
compreender as origens de cada gênero musical que acabou ficando mais ou menos popular.
Nesta fonte bibliográfica se encontra a formulação de um pensamento que Oneyda Alvarenga
vai reproduzir em seu trabalho A Linguagem musical, especificamente no capítulo Como
ouvir música. Embora Oneyda Alvarenga se refira a Copland, quando redige esse texto, a
ideia já permeava os estudos que realizavam (ela e Mario de Andrade), reforçada certamente
pela leitura da obra L'initiation a la musique a l'usage des amateurs de musique et de radio.
Logo mo início do livro, se lê a frase: “Il n'existe pas de recettes qui permettent à l'auditeur

246 EMMANUEL, Maurice et al. L'initiation a la musique: a l'usage des amateurs de musique et de radio.
Paris: Tambourinaire, 1935. 402 p.
112

inexpérimenté de sympathiser du primier coup avec des musiques inconnues.”247 Essa ideia
expressa é a chave que abre caminho da árdua tarefa de Oneyda Alvarenga, como diretora da
Discoteca Municipal, ao tentar familiarizar o público ouvinte do auditório da instituição com
a música contemporânea – e músicas de outras épocas também, estranhas aos ouvidos leigos.
Foi com base nesse conhecimento que se empenhavam na atividade didática musical as
pessoas que trabalhavam com isso – como se vê, na França, observadas as devidas
proporções, não devia ser tão diferente. Porém, o exemplar de L'initiation a la musique a
l'usage des amateurs de musique et de radio, disponível na Coleção Mario de Andrade, na
Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, perdeu o
intervalo de páginas 131-194. Por esse motivo, se perdeu o começo do dicionário de obras (a
partir da p. 195 o primeiro nome a aparecer é Borodin, não sendo, portanto, muitos os
compositores citados anteriormente), organizado por ordem alfabética de sobrenomes de
compositores. A seleção é muito bem cuidada e todos os compositores apontados pelo livro
haviam sido contemplados por Mario de Andrade, quando escreveu seu Compêndio de
História da Música e suas obras constavam do acervo da Discoteca Pública Municipal.

É de 1933 a edição dos Estatutos da Radio Sociedade de Juiz de Fóra, que


detalha a reorganização da Rádio em 1929. As finalidades são de uma atualidade admirável e
estavam em harmonia com os interesses de divulgação cultural de países estrangeiros. A
iniciativa da Rádio Sociedade ficava patente em suas decisões, que seriam, resumidamente:
manter uma estação emissora autorizada pelo governo para irradiar conferências, concertos,
assuntos musicais, interesse científico, literário etc.; criar, quando possível, em sua sede, sala
de leitura, agrupando material principalmente sobre Radiotelefonia; realizar serviço de
propaganda geral, como fonte de renda a fim de custear suas despesas. A Rádio Sociedade de
Juiz de Fora tinha fins exclusivamente voltados para a educação popular e não poderia se
envolver em assuntos de natureza política, pessoal ou religiosa.

Mario de Andrade também tinha em suas mãos a publicação da Diretoria do


Ensino, uma circular (Circular nº 24)248: instruções sobre o serviço de radio e cinema
educativo), do ano de 1934, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. No que dizia
respeito à rádio-escola, estabelecia sua criação na capital paulista, com sua estação

247 Ibid., p. 6.

248 SAO PAULO (ESTADO). Servico de Radio e Cinema Educativa. Circular n. 24 instrucções sobre o
serviço de radio e cinema educativo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1934. 26 p.
113

transmissora e estaria subordinada à Diretoria Geral do Ensino. Os programas seriam


dirigidos a alunos e professores e inicialmente seriam irradiados duas vezes por semana, com
horários e programações separados. Os programas dos alunos abordariam os conteúdos:

1 – História, anedotas. Humorismos.


2 – Efemérides. Comemorações.
3 – Biografia dos grandes brasileiros mortos.
4 – Canções populares infantis a fim de despertarem o interesse pelo folclore
e manter viva a tradição brasileira.
5 – Hino Nacional e hinos escolares.
6 – Músicas brasileiras acompanhadas de biografia dos respectivos
compositores.
7 – Ensino do código Morse.
8 – Conselhos sobre higiene, ginástica e esportes.

Para os professores o conteúdo englobava ética profissional, higiene,


puericultura, didática, etc. No que tange à música, três itens foram publicados:

(...)
4 – Música fina de canto, conjuntos instrumentais, coros, etc., de um mesmo
compositor em cada programa, precedida de breve biografia do mesmo
acompanhada de uma notícia crítica histórica.
5 – Músicas nacionais obedecendo da mesma forma o programa para música
fina.
6 – História da música brasileira. Folclore musical brasileiro.

No mesmo ano (1934), Getúlio Vargas baixava o Decreto249 que dispunha sobre
a concessão e a execução dos serviços de radiodifusão. O documento foi redigido e impresso
em 1935, no Rio de Janeiro, capital federal, documento que Mario de Andrade também
manteve em sua biblioteca.

A preocupação com a educação do povo visando a ênfase ao patriotismo não se


dava só com o governo populista brasileiro. Em sua biblioteca, Mario de Andrade teria uma
publicação de 1939, do Ministério do Interior da Argentina, um documento onde era mostrado
o empenho da Argentina em seguir os padrões europeus de rádio-escolas, assim como
estabelecer, por resolução do Congresso, aos 9 de setembro de 1938, o ensino primário,
secundário e normal por meio da Escola do Ar. É importante frisar que o governo da

249 BRASIL. Decreto n. 24655 de 11 de julho de 1934 dispõe sobre a concessão e a execução dos serviços
de radiodifusão e da... Rio de Janeiro: Off Correios Telegraphos, 1935. 8 p.
114

Argentina declarava que a ação da rádio educativa não seria nunca paliativo ao ensino do
governo e nunca substituiria a importância deste. No ano de 1939, Mario de Andrade já estava
no Rio de Janeiro, totalmente afastado de suas funções de diretor do Departamento de Cultura
de São Paulo e da rádio-escola paulista já nem se cogitava mais. Também publicadas pelo
Ministério do Interior da Argentina foram as Transmissões experimentais da Escola do Ar:
apostilas de repasse de aulas radiofônicas, de francês, inglês e italiano – infelizmente sem
nenhum indício de data. Mas provavelmente da década de 1930.250

No entanto, essas publicações argentinas, como American school of the air


radio escuela de las americas251 e Receptores de radiodifusión para escuelas252, ainda iriam
fazer parte, senão das leituras, ao menos da biblioteca do musicólogo (nenhuma dessas
publicações apresenta a mínima anotação marginal de Mario de Andrade.)

Por exemplo, o manual do professor do programa educacional da Escola norte-


americana, traz uma programação semanal, referente ao conteúdo a ser ensinado entre outubro
de 1940 e abril de 1941, bem sob a perspectiva das relações de boa-vizinhança, que fala por
si:

Segunda-feira: Americans at work – Produtos/matéria-prima, sua origem


(outros países) e usos.
Terça-feira: Wellsprings of music – Música folclórica e erudita, de todos os
países, sua relação com a literatura e nossa vida diária.
Quarta-feira: New horizonts – “Água e Vida” na Geografia, História e
Ciências Naturais das Américas.
Quinta-feira: Tales from far and near – Histórias fascinantes de várias partes
da América, em literatura moderna.
Sexta-feira: This living world – História , eventos, problemas e relações
entre as Américas (Pan-Americanismo)

Ainda na linha da política da boa vizinhança é o conteúdo do minúsculo

250 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Argentina. Ministerio de Justicia e Introducion Publica.
Transmisiones experimentales de la escuela del aire frances (lecciones de repaso). Buenos Aires : Talleres
Graf Correos Telegrafos, 19--. 33 p.
Id. Transmisiones experimentales de la escuela del aire ingles (lecciones de repaso). Buenos Aires :
Talleres Graf Correos Telegrafos, 19--. 37 p.
Id. Transmisiones experimentales de la escuela del aire italiano (lecciones de repaso). Buenos
Aires : Talleres Graf Correos Telegrafos, 19--. 19 p.
251 AMERICAN SCHOOL OF THE AIR RADIO ESCUELA DE LAS AMERICAS: teache's manual 1940-41.
New York : Columbia Broadcasting System, 1941. 95 p.
252 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Receptores de radiodifusión para escuelas. Buenos Aires :
Talleres Graf Correos Telegrafos, 1940. 15 p.
115

folheto de programas em português, previstos para março de 1944, transmitidos dos Estados
Unidos para o Brasil253. A capa traz uma fotografia de vista noturna de Nova York, à esquerda
e acima; abaixo e à direita uma fotografia do Vale do Anhangabaú, à noite. Nas seis páginas
da programação, fotografias de monumentos e praças dos Estados Unidos, sempre ao lado de
fotografias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A programação era transmitida no período
noturno e compreendia: Música de Manhattan; Orquestra Sinfônica da N.B.C.; A Vida em
Hollywood; Noticiários vários; Música para violino; Música de dança; Música semi-clássica
(!); Bandas militares; Banda da Marinha dos Estados Unidos; Valsas famosas; O clube do
Swing; Intermezzo; Música do nosso país; Música Pan-Americana... Ainda há um informe, na
capa posterior do folheto, à direita da fotografia do “Obelisco em honra a Washington, capital
dos Estados Unidos”, tendo a seu lado um discreto desenho amarelo, representando uma torre
de transmissão radiofônica: “Estes programas não são periódicos. Sua publicação depende do
número e da importância das modificações às quais estas transmissões estão sujeitas.” A
mescla da programação, o interesse, ao mesmo tempo, em agradar outros países e em divulgar
às nações americanas vizinhas o estilo de vida (cultura) norte-americano, obedecia a uma
ordem de valores. Que “importância das modificações” seria essa? Seriam substituições por
programações mais voltadas para a propaganda norte-americana, ou para a valorização de
outros países? Ou seriam noticiários com caráter de urgência (a época era da 2ª Guerra
Mundial.)

Quanto ao documento argentino sobre Receptores de radiodifusão para escola,


trata-se de normalização técnica de estabilidade e segurança do funcionamento dos receptores
da “escola do ar”a serviço de escolas.

Se as três últimas publicações citadas acima não apresentam nenhum traço de


Mario de Andrade, o mesmo não acontece com o Plano experimental de transmissões254,
documento argentino,e também de 1939. O que Mario de Andrade assinalou, com lápis
vermelho, foram as finalidades da “Escola do Ar”:

1) Completar e aperfeiçoar a obra da escola, vinculando o aluno com o meio


social em que vive.
2) Orientar a cultura popular em todas suas manifestações, acentuando o
fundo moral e assegurando o sentimento nacional e patriótico.

253 PROGRAMAS DE ONDAS CURTAS EM PORTUGUÊS DOS ESTADOS UNIDOS PARA O BRASIL:
março 1944. São Paulo : Coordenador Assuntos Interamericanos, 1944. n. p.
254 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Argentina. Ministerio de Justicia e Introducion Publica. Plan
experimental de transmisiones organizacion. Buenos Aires : Talleres Graf Correos Telegrafos, 1939.9 p.
116

3) Contribuir com a unidade do ensino, difundindo as noções básicas de


todos os conhecimentos.

A seguir, se estabelece que esses programas só terão eficácia se forem dirigidos


de forma específica para: crianças; estudantes secundários; adultos; professores; pais. Mario
de Andrade fixou sua atenção nesses pontos, que são componentes do objetivo comum de
muitos países, naquela época. A unificação do ensino para o país inteiro – vários países se
preocuparam com essa uniformização de ensino de conteúdos; vale lembrar que o mesmo
pensavam os governos de países grandes, com diferentes, mesmo díspares culturas espalhadas
por seus territórios – visava fortalecer o sentimento patriótico, formar depressa a alma
“nacional”. Se Mario de Andrade ainda manifestava, em 1939, interesse no assunto das rádios
educativas, já não era mais com o foco de alguém que podia tomar decisões na área cultural a
partir de um cargo oficializado sob o poder político.

Ainda os documentos Reorganización de los servicios de radiofusión255 e


Problema del idioma en la radiodifusión256, publicados pelo Ministério do Interior da
Argentina, vão revelar muitas anotações de Mario de Andrade. Os intelectuais argentinos, em
1939, se propuseram a debater vários pontos dentro do ensino pelo rádio, tais como:
radiodifusão em outros países; os próprios programas; o problema do idioma no rádio; rádio
como meio publicitário – entre outros. Pelo excesso de anotações de Mario de Andrade, em
relação ao uso do idioma popular no rádio, num debate em torno do “pitoresco” da
linguagem, da utilização de gírias, fala de arrabaldes, formas consideradas erros de
linguagem, quer em arte radiofônica – como peças de teatro, por exemplo -, quer na fala
corrente dos radialistas no dia-a-dia, se pode ver que o musicólogo e autor de Macunaíma não
consegue deixar de se envolver passionalmente em sua leitura. Tamanha é a veemência de
Mario de Andrade, ao preencher margens inteiras do livrinho Problema del idioma en la
radiodifusión, que parece estar face a face com os intelectuais argentinos, que o musicólogo
considera pejorativamente “liberdosos” e também “preconceituosos”, autoritários quanto ao
uso da língua culta e com muito “medo” de serem lenientes com os jargões populares.
Embora esta questão não esteja diretamente ligada ao objeto de estudo desta dissertação, essa
leitura de Mario de Andrade, estreitamente ligada à rádio educativa, tem importância aqui por

255 ARGENTINA. Ministerio Del Interior. Reorganizacion de los servicios de radiofusion. Buenos Aires :
Correos Y Telegrafos, 1939. 30 p.
256 Id. Problema del idioma en la radiodifusion.. Buenos Aires : Correos Y Telegrafos, 1939. 32 p.
117

mostrar que essa preocupação não estava morta para o idealizador da Discoteca e da Rádio-
Escola. (Mesmo pode ser objeto de um outro trabalho de pesquisa, referente ao emprego da
linguagem no rádio...) Mario de Andrade ainda grifa as margens de Reorganización de los
servicios de radiofusión, quando há referências à crítica de concessão das rádios educativas a
particulares e quando os autores defendem a ideia da intervenção forte do Estado na
radiodifusão. Se por um lado o Decreto do governo Vargas, visto acima, destaca o direito do
Estado de intervir a qualquer momento e retirar a concessão das mãos de particulares, por
outro, idealizadores de programações culturais, como Mario de Andrade, concordam com esse
mesmo direito, mas visando outros objetivos. Por exemplo, controlar a qualidade e a
quantidade de propagandas veiculadas em meio a um programa de música erudita – isso,
como se viu acima, foi discutido nas críticas de Mario de Andrade, publicadas entre 04 e 11
de janeiro de 1931, no Diário Nacional.

Na lista de livros que Mario de Andrade adquiriu sobre o assunto, pode ser
citado ainda o Boletim da Emissora Nacional257, rádio portuguesa, publicado em 1935, no
qual Mario de Andrade apenas assinou seu nome na página de rosto e sobre a programação.258
As estatísticas apresentadas a partir da página 95 são bem descritivas e se referem a uma vasta
programação. Por esses dados, Mario de Andrade pode saber – e talvez Oneyda Alvarenga se
basear, a fim de realizar as estatísticas da Discoteca Pública Municipal, afinal, essa publicação
é do ano em que a Discoteca foi criada – o “movimento musical” 259 das apresentações do mês
de dezembro de 1935 e o “movimento falado”260 das palestras sobre política, religião,
pedagogia, etc., etc., além de assuntos como crítica literária e cinematográfica; Estado Novo;
programa infantil - e outros. Acompanham quadros estatísticos extensos e detalhados, ao
final dessa parte da revista. A parte de “Serviços Técnicos“ apresentava dados referentes a
horas de transmissão; número de retransmissões e duração de retransmissões. Seguem-se
muitas páginas de relatório do 2º semestre de 1935, separando as informações por
apresentações de diferentes instrumentos.

A publicação também apresentava preocupação em divulgar ao público


assinante conhecimento técnico quanto ao funcionamento da Rádio Emissora Nacional.

Tendo sido levantada a bibliografia lida por Mario de Andrade ao longo dos
257 GALVÃO, Henrique. Boletim da Emissora Nacional. Lisboa : A Emissora, 1935. n.5. 134 p.
258 Ibid., p. 95.
259 Ibid., p. 95-6.
260 Ibid., p. 97.
118

anos, antes, durante e depois do projeto da Rádio-Escola e da Discoteca Pública, foram


analisadas suas leituras em periódicos especializados em música. Nestas publicações, o
musicólogo encontrou menos informações (ou menos densas) do que nos livros, catálogos de
discos e folhetos - conforme foram analisados acima. Porém, Mario de Andrade pôde ler o
tempo todo, na Revue Musicale, informações que certamente contribuíram para formar seu
panorama de História da Música. Existem – não muitas – anotações do escritor à margem de
textos cujo conteúdo é crítica musical sobre muitos compositores que a ele interessavam. Mas
não deixa de ser relevante apontar várias de suas leituras da Revue Musicale.

3.7 Discotecas: Função social e ideologia

Os intelectuais não saem do povo, ainda que acidentalmente alguns deles


sejam de origem popular, não se sentem ligados a ele (...), não se
reconhecem e não compartilham as necessidades, as aspirações e os
sentimentos difusos; mas, no confronto com o povo, são algo destacado, uma
casta, (...), e não uma articulação, com funções orgânicas, do próprio povo.261
(…)
Os leigos têm falhado em sua tarefa histórica de educadores e elaboradores
da intelectualidade e da consciência moral da população, não souberam dar
uma satisfação às exigências intelectuais do povo: justamente por não terem
representado uma cultura laica, por não haverem sabido elaborar um
moderno “humanismo” capaz de difundir-se pelos estratos mais rudes e
incultos, como era necessário do ponto de vista nacional, por se manter
presos a um mundo antiquado, mesquinho, abstrato, muito individualista ou
de casta.262

Ora, Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga, se olharmos o reverso dessas


personagens que ocupavam cargos públicos e que, até onde tinham alcance, realizavam ações
na esfera política, eram, no limite, também artistas. Os dois músicos (antes de serem
musicólogos); os dois poetas. Temos, no caso dessas duas figuras de ação do Departamento de
Cultura, o intelectual/artista e que, no caso bem específico da Discoteca Pública de São Paulo,
tratavam de veicular a arte, ou o conhecimento artístico, na forma de gravações, partituras,
livros especializados. Os elementos eram indissociáveis, tanto os da formação dos envolvidos,
quanto os do material informativo com que trabalhavam (popular e erudito.) Que dirá do

261 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p. 106.
262 Id. p. 107.
119

amálgama de valores que se sobrepunham no resultado de toda essa ação – desde a reação dos
ouvintes e consulentes da Discoteca, até a constituição do próprio público. Qual era o
aproveitamento real disso, o que gerava, em que resultava toda aquela organização do saber
musical?

Reproduzindo os padrões europeus de composição, desde o arremedo da


música do Velho Mundo, até o sublime das composições de um Padre José Maurício, a música
brasileira, até então sem feições nacionais, esforçava-se por ser “branca”. Escamoteava a
verdade de suas raízes mestiças: como Macunaíma, que perdia tempo e oportunidades com a
varina portuguesa, e enfim, de erro em erro, seduzido fatalmente pelas águas geladas, onde a
visagem da Uiara – na (feroz) realidade, as piranhas do lagoão - praticamente dão cabo dele,
deixando em frangalhos o herói de nossa gente...

Telê Ancona Lopez pontua a preocupação de Mario de Andrade com a crítica


que faz de vários extratos da sociedade brasileira nas três obras: Clã do Jaboti (representação
de elementos populares e do passado), Amar, verbo intransitivo (burguesia no presente
urbano) e Macunaíma (enfoque de classes sociais, urbanas e rurais, no passado e no presente.)
O presente, o momento atual era não só o objetivo do escritor, com sua arte de circunstância,
crítica, mas também o caráter de urgência de soluções para determinadas situações sociais.
É aqui que se aproximam a “ideologia” da proposta de uma Discoteca Pública
Municipal e a função social, não da arte, diretamente, mas do potencial artístico contido no
acervo musical com o perfil peculiar a esta Discoteca: material etnográfico – em suma: a
função social desta Discoteca. Não em qualquer momento histórico; e não em qualquer lugar.
Mas especificamente após o movimento Modernista - e no Brasil.
Se a função do intelectual, para Mario de Andrade, “era oferecer ao povo uma
consciência crítica, para que ele pudesse chegar a soluções capazes de eliminar as
contradições que o atingem”263, os intelectuais que congregaram-se no Departamento de
Cultura do município de São Paulo punham em prática essa função, numa atitude pioneira.
Já não se poderia, então, pensar um órgão público divulgando uma ideologia
cujo objetivo fosse preservar o poder – apesar de ser essa mesma a intenção, quando da
fundação da Universidade de São Paulo, por exemplo.
Pelo contrário, o que buscava-se era a divulgação de meios e instrumentos para

263 LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho e caminho. São Paulo: Duas Cidades,
1972. p. 249.
120

uma renovação na música nacional. Quais então, seriam “as contradições que atingiam o
povo”, neste sentido? As influências estrangeiras, a deformação ou perda dos elementos
folclóricos, o poder invasivo do rádio, na época, veiculando músicas estrangeiras... tudo que
deveria ser combatido, ou olhado com distância crítica – naquele momento. O que o
intelectual vislumbrava e que, supostamente, o povo não percebia.
A arte dirigida ao público (na visão de Mario de Andrade), se pode transpor,
ainda e sempre pelo julgamento do diretor do Departamento de Cultura, esse ideal aos
serviços de informação oferecidos, a um só tempo, a um público que não exclui intelectuais
que, por sua vez, teriam a função de possibilitar o alcance aos conhecimentos anteriormente
apenas de uma elite, num processo que, dentro da chamada Ação Cultural, desdobra-se
indefinidamente. E nisto está o valor da organização de uma documentação, seja ela musical,
ou de outras naturezas.

3.8 Discotecas/Documentação musical na década de 1930: “um disco é um


documento”

Ao iniciar uma nota musicológica intitulada Histoire de la musique avec l'aide


du disque, divulgando a obra de André Coeuroy, na seção Crônicas e notas, da Revue
Musicale de 1931, Frédérik Goldbeck264 usa uma frase curta: “Un Disque, c'est un
Document.”
E é à luz desse conceito que se deve ver toda a preocupação com a organização
e divulgação da documentação musical, nas décadas de 1920 e 1930, no mundo – pelo menos,
no ocidental.

Ainda na virada da década de 1920 para a de 1930, Mario de Andrade se


entusiasma com a ideia de gravar em fonogramas os registros de músicas folclóricas do
território brasileiro, como fizera a Itália. Flávia Toni afirma que Mario de Andrade :

Olhos e ouvidos atentos, preparando-se para uma viagem de pesquisa que se


daria entre o final daquele ano e o início do seguinte, entusiasma-se com a
iniciativa do Conselho de Ministros da Itália, que criara uma "Discoteca do
264 GOLDBECK, Frédérik. Histoire de la musique avec l'aide du disque, par André Coeuroy et Rob.
Jardillier (Éd. Delagrave, Paris) In: La revue musicale. Paris, Éditions de la Nouvelle Revue Française, 1931,
v.XII, n.119, p. 281-2.
Abaixo serão descritas e analisadas muitas das fontes lidas por Mario de Andrade e estudadas por Oneyda
Alvarenga, dentre as quais, vários artigos críticos pertinentes à Revue Musicale.
121

Estado". Eles entendiam a necessidade de se registrar as músicas cantadas


em diversas regiões,músicas que vinham sendo esquecidas ou substituídas
por outras músicas pela coletividade.265

A Discoteca do Estado italiana, criada em 1928, era um museu de discos, e


tinha como função principal registrar todas as canções populares regionais e tradicionais
italianas que, “abandonadas na voz do povo, vão sendo esquecidas e substituídas por outras.”
No caso da Itália, a preocupação era pertinente ao momento em que se buscavam origens a
todo custo – a raiz etrusca, sob o fascismo. Se observarmos a situação da Itália pela
perspectiva de Gramsci, vemos que a criação de um museu de discos, em 1928, não se
dissocia dos contextos histórico, social e político, em que, pela instauração de um governo
autoritário, a distância entre intelectuais e povo aumenta muito. Definindo o termo, Gramsci
escreve:

Na Itália, o termo “nacional” tem um significado muito restrito


ideologicamente e, de qualquer modo, não coincide com “popular”, já que os
intelectuais estão afastados do povo, isto é, da “nação”266, estamos ligados, ao
contrário, a uma tradição de casta, que jamais foi quebrada por um forte
movimento político popular ou nacional vindo de baixo.267

O nacional estaria ligado aos anseios coletivos por conquistas alcançadas por
intermédio e representação da classe que exerce a hegemonia; o popular, passaria pelas ideias
críticas de intelectuais (estes, populares) que aproximam o povo da consciência, por meio da
compreensão histórica.
Mario de Andrade explica, por sua linha de raciocínio, que, dada a importância
do estudo da música folclórica nas escolas de música, essa medida de preservação das
expressões populares por parte do governo, reforçava a “italianidade da música italiana.”

265 TONI, Flávia Camargo. Missão: as pesquisas folclóricas. In: Revista USP , São Paulo, n. 77, 2008 .
Disponível em:<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
9892008000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 13 Out 2010.
266 Para Ortega y Gasset, o Estado nacional se preocupou em estabelecer fronteiras, língua e raça, cuja função
não seria outra senão assegurar a unidade de cada nação. Ou seja, não eram fronteiras, língua e raça
anteriores à nação (determinantes da nação); antes, por sua pluralidade e diversidade dentro de determinados
territórios, seriam “estorvos” a ser dominados energicamente. Assim, o Estado tratou de aplainar as
diferenças, porque não era a comunidade nativa que determinava a nação. In: ORTEGA Y GASSET, José. A
rebelião das massas. 2.ed. Rio de Janeiro: Ibero-Americano, 1962. p. 239.
E Gramsci também escreve: “(...) a unidade da língua é um dos modos externos e não exclusivamente
necessário, da unidade nacional: em todo caso é um efeito e não uma causa.” In: GRAMSCI, Antonio.
Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p.106.
267 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p.105.
122

O Museu Nacional – Brasil – guardava discos gravados por Roquete Pinto, em


Rondônia. Os registros sonoros que foram feitos em 1912 traziam cantos dos índios Tikuna.
Porém, Mario de Andrade afirmou que era impossível esperar essa iniciativa do
governo, no Brasil. Assim, a iniciativa caberia ao próprio povo – fala a respeito de “nossas
sociedades”, aqui fazendo referência direta à sociedade dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro,
tomando conta do assunto que Mario de Andrade considerava de caráter de urgência. E
urgência porque, devido às mudanças sofridas pelas melodias na voz/tocar dos intérpretes e
por seu próprio deslocamento (das músicas) pelo território nacional, de região para região, de
comunidade para comunidade, poderiam rapidamente se transformar ou, mesmo se perder268 -
no sentido de preservação da expressão “genuinamente nacional” –, considerando todas as
diversidades de manifestações. Mario de Andrade fala do “valor étnico inestimável” dessas
músicas folclóricas.269
No artigo sobre Luciano Gallet, “Canções brasileiras”270, Mario de Andrade
fala do problema que é, no Brasil, a gravação de registros sonoros: “O estudo da música
folclórica é duma ausência vergonhosa.“
A documentação do passado falta, impedindo que se faça um estudo de valor
prático sobre o que foi a música popular – e de sua evolução. Mario de Andrade critica o
registro feito por Roquete Pinto (que ficara no Museu Nacional), em comparação com os
efetuados por Spix e Martius e Koch-Grünberg.
Em A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade271, Flávia Toni
cita Mario de Andrade: ele critica o modo com que foi tratada a informação musical registrada
por Roquette Pinto, ao escrever que segundo um “músico de valor”, a pessoa que transcreveu
as gravações do Museu Nacional – gravações de Roquette Pinto – teve pouca
responsabilidade, porque essa transcrição não reproduzia exatamente a gravação.
Mario de Andrade elogia a série de obras de Luciano Gallet sobre seus estudos
da música popular brasileira: Doze canções populares brasileiras. Segundo a crítica do
268 Verificando o exemplar do livro de André Coeuroy, Histoire de la musique avec l'aide du disque suive de
trois commentaries de disques avec exemples musicaux, vê-se que Mario de Andrade assinala determinado
trecho do texto, anotando à sua margem esquerda: “Canção Popular”, onde os autores discorrem justamente
sobre sua prazerosa constatação de que o cantar anônimo ou não, caminhando pelos territórios diversos, de
província em província, se modifica, à medida que traduz a realidade de expressão de cada lugar. In:
COEUROY, André; JARDILLIER, Robert. Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois
commentaires de disques avec exemples musicaux. Paris: Librairie Delagrave, 1931. 238 p.
269 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade. São Paulo :
SENAC São Paulo, 2004. p. 263.
270 ANDRADE, Mario de. Música, doce música. São Paulo: Martins, 1963. p. 171.
271 Ibid., p. 264.
123

escritor, Luciano Gallet, além da harmonização e do trabalho etnográfico – o simples registro


do folclore – age como criador; ele faz criação artística.
O artigo citado acima é de 1927, ou seja, anterior à organização da Discoteca
Pública Municipal de São Paulo. Mario de Andrade vinha refletindo sobre a necessidade do
estudo das origens da música nacional como base para a criação “genuinamente nacional”. E
1928272 não é só o ano da criação da Discoteca do Estado, da Itália, como ainda o da
publicação do Ensaio sobre a música brasileira, de Mario de Andrade273.

3.9 Documentação musical: fonte de pesquisa

Flávia Toni escreve sobre a importância atribuída por Mario de Andrade ao


registro sonoro, não apenas por sua finalidade de preservação e memória, mas também para
que se avaliassem as “mudanças operadas no cantar dos povos brasileiros”. Ou seja, a
documentação musical não supõe algo estagnado. Mas, pelo contrário, presta-se a manter em
constante estudo a dinâmica das manifestações artísticas. No caso, musicais. Havia ainda a
preocupação de Mario de Andrade com “a perda destas criações,” (músicas e danças
folclóricas): “que o progresso, o rádio, o cinema estão matando com violenta rapidez.”274 Ou
ainda: “Nossa música popular é um tesouro prodigioso, condenado à morte. A fonografia se
impõe como remédio de salvação. (...)”275
Os propósitos de Mario de Andrade, a respeito do interesse pelo registro
musical, tinham a finalidade de divulgar o conhecimento e a criação artística gerados pelo
povo e que deveriam ser destinados à apropriação de conhecimento do mesmo povo. Num
processo de transmissão cultural, as novas gerações, gradualmente, receberiam e
contribuiriam para essas modificações no gênero artístico popular. Aí entra a importância do
trabalho de coleta e organização de registros musicais: o centro de documentação organizado,
à disposição de consulentes, possibilita, por sua vez, a tarefa do compositor, do pesquisador,
do estudioso, com sua análise, a fim de criar e recriar obras de expressão “genuinamente

272 A Discoteca di Stato, atual Istituto Centrale per i Beni Sonori ed Audiovisivi, foi instituída em 1928, sobre a
base do primeiro fundo italiano de documentação sonora que, ao final de 1924 recolhia testemunhos orais dos
protagonistas da Grande Guerra. Em 1939, teve reconhecida sua função de arquivo sonoro nacional. Após a
transferência, no segundo pós-guerra, teve sua atual sede, com a instituição do Archivio etnico linguistico-
musicale. In: http://www.icbsa.it
273 ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. Belo Horizonte : Itatiaia, 2006. 150 p.
274 TONI, Flávia Camargo. Missão: as pesquisas folclóricas. Disponível em:
< http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/missao/textos_frameset.html>. Acesso em: 10 mar. 2009.
275 Id. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo : SENAC, 2004. p. 264.
124

nacionais”.
Conforme a descrição elaborada por Mario de Andrade das fases pelas quais
deveria passar a evolução da música nacional, na década de 1930, quando da criação da
Discoteca Pública Municipal, estava-se na etapa nacionalista, isto é, na etapa em que a
manifestação musical do Brasil tomava consciência de si mesma.
O uso dos fonogramas e das demais informações a eles anexadas e catalogadas,
constituiria a base de pesquisa por parte dos compositores, ou seja, dos agentes responsáveis
pelas novas expressões musicais de então. Haveria relação direta entre a utilização da
Discoteca e a produção da música nacional. Os fonogramas traziam o elemento folclórico, o
qual, na opinião de Mario de Andrade, não deveria ser mero fornecedor de temas indígenas ou
africanos, a serem escolhidos isoladamente. O nacionalismo musical, como pregava Mario de
Andrade, teria de ser renovador, como o próprio Modernismo. Segundo José Maria das Neves:

(…) a revalorização do folclore representando a redescoberta das


manifestações musicais das classes majoritárias, é também o melhor caminho
de diferenciação entre a nova produção nacional e a internacional. Sem este
aporte do folclore, seria muito mais difícil estabelecer traços característicos
que independessem da tradição europeia.276

3.10 Embasamento teórico na Biblioteca de Mario de Andrade


Nesta parte serão analisadas as fontes impressas estudadas por Mario de
Andrade, encontradas em sua biblioteca, que hoje pertence à Biblioteca Mario de Andrade, do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Foi na biblioteca da casa do
professor que Oneyda Alvarenga, muito cedo, durante os anos em que estudou no
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, entre 1931 e 1934, teve contato com
material que versava sobre: utilização da música mecânica como estratégia didática de ensino
de música; discografia; criação e funcionamento de rádios educativas e discotecas.

3.10.1 Leituras acerca de discos e discotecas

Uma obra de importância vital para as pesquisas de Mario de Andrade é o livro


de Charles Wolf,f277 Disques. Não é demais lembrar que as informações e a forma de
abordagem deste livro já estavam incorporadas ao repertório pedagógico de Mario de

276 NEVES, José Maria das. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981. p. 48.
277 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. 383 p.
125

Andrade, quando Oneyda Alvarenga veio a ser sua aluna. É neste livro que Mario de Andrade
vai ler sobre “A primeira coleção oficial de discos” - da Áustria278 e sobre “Os 'Arquivos
Sonoros' da Biblioteca do Estado de Berlim.”279 Segundo Charles Wolff, por volta de 1902 (a
data exata é 1899) foi fundada na Academia das Ciências de Viena, a “Phonogrammarchiv”,
cronologicamente a primeira das coleções oficiais de discos.

Foi durante a 1ª Guerra Mundial que o professor Doegen, alemão, retomou a


ideia de Sigmund Exner, fundador da coleção vienense. Exner era um psicólogo, estudioso da
percepção cerebral em relação ao movimento e olfato. Em 1899, o Phonogrammarchiv foi
criado por ele com finalidades de realização de gravações acústicas para pesquisas científicas.
O objetivo do professor Wilhelm Doegen ao registrar diversos idiomas era realizar estudos
linguísticos. Como as circunstâncias fizeram com que nos campos de prisioneiros se
encontrassem homens de diversos países do mundo, Doegen pensou em coletar o maior
número possível de idiomas. Segundo Wolff, foi sob o sarcasmo da imprensa alemã que, no
início de sua tarefa, Doegen se esforçou para registrar em seus arquivos os idiomas mais
diversos, com sua velocidade natural, sua tonalidade própria. As principais línguas europeias,
suas gírias, seus dialetos, “patois”, ficaram registrados nos arquivos do professor Doegen.
Com os idiomas americanos, asiáticos e africanos, esta coleção agrupou testes de 250 línguas,
87 das quais africanas.

Desse modo, os Arquivos Sonoros da Alemanha tiveram suas coleções criadas


em Berlim. Como se vê, o professor Doegen, em correspondência com a Academia de
Ciências de Viena não se propunha somente registrar em discos vozes de personalidades
políticas ou artísticas de seu tempo. As gravações serviriam, sobretudo – e sempre segundo
Charles Wolff -, para sua comodidade, aos estudos de fonética comparada; ao estudo das
línguas das quais se tinha apenas um pouco de noção (certos idiomas africanos, por exemplo)
e ainda para outros trabalhos científicos.

Então os discos davam definitivamente uma reprodução bem fiel da língua


falada, revelando “as leis secretas da dialética”. Graças a esse trabalho podia-se estudar o
aspecto melódico de uma linguagem... mas ainda outros interesses científicos giravam em
torno dessas gravações. Os médicos usavam esses registros a fim de estudar deformações
vocais causadas por doenças; os psicólogos encontravam dados que os conduziam a

278 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 59.
279Ibid., p. 53-5.
126

resultados exatos; era possível detectar causas de distúrbios de linguagem; também se


obtinham dados interessantes da complexidade psicológica das pessoas a partir da gravação
de certos índicadores vocais de indivíduos normais – era “a grafologia transportada ao
domínio do som”!.. - mas os que mais se aproveitaram dos registro sonoros, na Alemanha,
foram os zoólogos que, estudando o som emitido por diversos animais, em suas diferentes
situações, tiravam amplas conclusões. Também os juristas,... enfim estudiosos de vários ramos
encontravam dados seguros, nos Arquivos Sonoros de Berlim.

Mas o que interessa nisso tudo, quando o foco se afasta daquele momento de
entusiasmo geral com a criação das primeiras coleções de registros sonoros, é o rastreamento
da leitura de Mario de Andrade. A bibliografia de seu tempo, que ele lia e acompanhava
vorazmente, sempre alerta ao que era editado, no caso, fora do Brasil, veiculado pelas
periódicos estrangeiros que assinava, essa bibliografia vem se mostrar atual, quando olhamos
para os anos que precederam 1935, ano da criação da Discoteca Pública Municipal e, mais
precisamente quando rememoramos o que escreveu Oneyda Alvarenga em seu relatório
(elaborado em 1941 e publicado em 1942.)

Em sua descrição de Organização dos Serviços, Oneyda Alvarenga coloca no


item

1 – Registro sonoros os seguintes acervos:


a) de folclore musical brasileiro.
b) de música erudita da escola de São Paulo. Arquivo da Palavra (vozes de
homens ilustres do Brasil e gravações para estudos de fonética)
c)Arquivo da Palavra (vozes de homens ilustres do Brasil e gravações para
estudos de fonética.)280

Qualquer semelhança com a estrutura e a função dos Arquivos Sonoros de


Berlim, portanto, não é mera coincidência. Oneyda Alvarenga explica com maior
detalhamento como era o Arquivo da Palavra (denominado série AP), que compreendia, à
época do relatório, dezessete discos, dos quais catorze eram uma coleção para estudo das
pronúncias regionais do Brasil. Para formação dessa coleção colaboraram o filólogo brasileiro
Antenor Nascentes e o poeta Manuel Bandeira. A fim de realizar o trabalho, o país foi

280 Ver ANEXO B, p. 352-6 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Entrevista dada ao Diário da Noite.
Discoteca Pública Municipal de São Paulo e documentação musical. Transcrição do texto integral, sem
indicação de entrevistador. Entrevista. Datiloscrito, 17 de agosto de 1938, cópia 'B' carbono, 6 p. - (da
mesma forma) Consultada cópia xerográfica.
127

dividido em sete zonas fonéticas, representada cada uma por dois indivíduos – um culto, outro
inculto – cada um leu um texto-padrão contendo todos os fonemas da língua cuja dicção era
importante controlar. E os outros três discos pertenciam à coleção de vozes de homens ilustres
do Brasil. Destinada a ser um documentário histórico, esta coleção ficou paralisada, por
“razões várias” - (Oneyda Alvarenga não especificou, na época. Mas eram questões de ordem
política, com a entrada do prefeito Prestes Maia, no governo Vargas.) Nos discos desta
coleção foram registradas as vozes de homens proeminentes como o compositor Camargo
Guarnieri, o pintor Lasar Segall, o escritor José de Alcântara Machado e outros.281

Era o resultado do embrião gestado, como se vê, desde a década de 1920,


quando Mario de Andrade investigava fontes bibliográficas de vanguarda e discos.

Este livro de Charles Wolff é mais um grande e abrangente catálogo de discos.


A parte dedicada à discografia compreende (entre as páginas 7 e 346), sob o título Répertoire
Critique des principaux disques édités en France, os seguintes temas:

I – Musique Classique
II – Musique populaire et Folklore
III – Disques Divers

Mario de Andrade deixa de assinalar muitas páginas. Mas marca com “X“, com
grafite, ou “ >” com lápis vermelho, sequências de música erudita. Todas as páginas de
discografia de gravações de Bach, por exemplo; algumas composições de Mozart; Beethoven;
Dvorak; César Frank; Mahler; Grieg; Fauré; Duparc; Ravel; Debussy; Hindemith; Gounod;
Liszt; Rossini; Donizetti; Brahms; Moussorgsky; Stravinsky - entre outros. Composições de
Verdi... Mario não assinala nenhuma.

Há compositores como Saint-Saens; Palestrina; Scarlatti; Couperin; Rameau e


outros que figuram no Compêndio de História da Música, de Mario de Andrade e cujas
composições Oneyda Alvarenga faz uso em seus repertórios de Concertos de Discos e que o
musicólogo não assinalou. Isto pode ser em razão de: Mario de Andrade já possuía essas
gravações e, portanto, não precisava adquiri-las. Ou: as anotações que Mario de Andrade fazia
na obra de Charles Wolff se referiam apenas à sua coleção particular – e não à formação do
acervo da Discoteca Pública Municipal. A segunda hipótese é mais provável, porque muitas

281 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 9.
128

vezes, como se verá abaixo, na análise dos concerto de discos elaborados por Oneyda
Alvarenga, o código da gravação usada pela diretora da Discoteca não correspondia ao código
da gravação sugerida por Mario de Andrade, em seu Compêndio de História da Música – a
gravadora era outra.

Ainda neste livro de Wolff, analisando e comparando pontos de interesse (ou


não) da parte de Mario de Andrade, ainda se pode observar que:

- Na parte do catálogo dedicada aos “Discos Exóticos”, que trazem gravações de músicas
folclóricas de vários países, podemos encontrar atentos sinais do musicólogo, à margem,
escolhendo discografia da maioria dos países elencados;

-No grupo que abrange “Music-Hall Français”, Mario de Andrade não faz nenhuma anotação;

- “Opérette Française”, apenas três discos interessam ao musicólogo;

- “Opérette depuis 1920”; “Oeuvres diverses”; Histoire de la danse (de1914 a 1929)” -


nenhuma anotação;

- “Disques de danses”, apenas o vestígio de um “>” a lápis vermelho (duas composições de


Jack Hylton);

- Repertório de “Jazz Symphonique”, três discos são assinalados;

- Repertório de “Tangos argentins”; “Le bal Musette” ou “Les danses a l'accordéon” e “Les
pianistes de jazz” - nenhuma anotação;

- “Chant anglais”, três discos são assinalados;

- “Soli d'instruments divers”, uma só marca à margem;

- Grupo de “Musique militaire: musique militaire ancienne”, “Harmonie militaire” e “Disques


pour les enfants” - nenhuma gravação assinalada;

- Entre os discos de “Disques divers”, Mario de Andrade assinala três de gravações de cantos
de pássaros.

Ao lado de nomes de alguns compositores, como Rameau, por exemplo,


constantes na discografia de Charles Wolff, Mario de Andrade não deixou vestígio algum. O
compositor, no entanto, fazia parte do Compêndio de História da Música. Não seria repisar
lembrar que a primeira edição do Compêndio foi do ano de 1929. E o livro de Charles Wolff,
também do mesmo ano, traz ainda na última página de guarda a inscrição: “achevé d'imprimer
129

le 18 juin 1929”. Mario leria o livro depois de haver escrito seu texto do Compêndio. No
máximo, na mesma época da edição de seu livro. O fato do musicólogo não assinalar alguns
compositores significa então, não que estava coletando nomes para incluir em seu trabalho.
Mas a fim de incluir em lista de discos a serem adquiridos. Como ainda não havia sido criada
a Discoteca Pública, esses discos entrariam para sua coleção particular. Na primeira edição do
livro de Mario de Andrade não foi incluída discografia, como foi na segunda, de 1933.

Obras assinaladas por Mario: de Gluck (diferentes códigos de gravadora –


discografia de Mario e de Wolff); Bach: alguns códigos de gravadora são o mesmo; outros
diferem; César Franck – códigos diferem; Debussy – códigos diferem - eram ambos da
Columbia, mas os códigos são diferentes; Richard Strauss – códigos diferem. As gravadoras
que constam desse catálogo eram:

Brunswick Parlophone

Columbia Pathé

Gramophone Pathé-Art

Odeon Polydor

Adicionando outras gravadoras (inclusive brasileiras), Mario de Andrade cita


evidentemente todas estas elencadas acima, quando indica discografia ao final de cada
capítulo, no Compêndio de História da Música – todas, com exceção da Pathé-Art. O livro
Disques: repertoire critique du phonographe apresenta ainda as cores das etiquetas,
indicadoras de preço, cujos códigos variavam um pouco de gravadora para gravadora.

Tabela 3.1 - Etiquetas de gravadoras de discos


B (bleue) N (noire)

Blanche Or

Brune Orange

C (bleue ciel) R (rouge)

Ch (chamois) V (violette)

M (marron) V ou G (verte ou grenat)

Mauve Vert pâle

Multic., bord bleu (multicolore, bord bleu)


130

Oneyda Alvarenga trabalhou com esses elementos e códigos, na rotina de


aquisição de discos, e é por isso que eles são mencionados aqui.

Fazem parte da obra de Charles Wolff textos vários de autoria de outros


profissionais ligados à música e gravações, sobre o uso de discos, qualidade sonora dos
registros mecânicos, composições francesas e outros aspectos relacionados ao tema. É o caso
do artigo de Robert Caby,282 L'Education par le Disque extraído de L'Humanité. Este autor se
refere ao preço alto do disco, sem deixar de ressaltar sua importância como meio de educação
– e por isso, apesar de caro, não seria “um luxo”. E aponta seu uso já nas escolas da França,
para o ensino de poesia e música. Lembra, em seguida que, se a aquisição de 5 ou 6 discos
por mês seria muito pesada para o orçamento de uma família da U.R.S.S., os jovens poderiam
se reunir em clubes, por exemplo, e, além de compartilhar os mesmo discos, encontrar novas
amizades. Citando obras como a Symphonie Fantastique, de Berlioz e Nocturnos, de Claude
Debussy, o autor toma suas gravações como exemplos de excelência, pela gravadora Odeon,
incentivando os amantes da música erudita a ouvirem esses discos. Recomenda também a
audição do registro realizado pela Coluna Orquestra, a Marche Joyeuse, de Emmanuel
Chabrier.

A seguir, o autor fala de três gravações de autoria francesa, pela marca


Gramophone (Debussy) – o autor faz uma ressalva, já que critica a qualidade de gravações
anteriores dessa marca. Mostrando a melhoria do processo de gravação, Robert Caby vai
elogiar Nocturnes, de Debussy. O autor escreve sobre a gravação da obra Nuages, que evoca
de fato o que o autor de Pelléas quis expressar. E admirado com o efeito forte de vozes
femininas em algumas composições - Sirènes, de Debussy; o coro da música de Chabrier, os
coros de Les Choéphores; o de Les Euménides, de Milhaud, - fecha sua crônica com a frase:
“Miracles di disque de cire... “

Ora, Oneyda, aproveitando os milagres do disco de cera, bem que apresenta


Sirènes, de Debussy, no 48º Concerto de Discos, do dia 04 de março de 1942. Mas usa a
gravação da Odéon, código O. 123668, interpretada pela Grande Orquestra dos Festivais
Debussy com vozes femininas, conduzida por D. E. Inghelbrecht, como se viu acima, nos
Programas da Discoteca. E Mario de Andrade havia referenciado a composição entre os

282 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 351.
131

Noturnos, em seu Compêndio283.

Outro artigo que Charles Wolff achou por bem incluir em seu livro é o de
autoria de Pierre Mac-Orlan, intitulado Disques, retirado de Le Crapouillot284. Pierre Mac-
Orlan começa abordando a evolução dos aparelhos toca-discos, sua qualidade espantosa para
“nós, homens de 1927”!... Homens costumeiramente blasés, a quem esses aparelhos que
funcionam com “agulha” podem proporcionar “emoção”, “dando à nossa vida um elan”... E
passa a tratar do prazer que podem proporcionar audições de discos. Mas note-se a ênfase que
dá ao canto popular, bem no diapasão do momento (décadas de 1920 e 1930) - no mesmo tom
que Mario de Andrade conceberia a função de uma discoteca pública: a música popular teria
para ele um poder atraente singularmente contagioso. Os povos se deixariam atrair, sem
compreender o extraordinário sentimento nacional contido na canção entoada por meninas,
marinheiros, operários, soldados, crianças e às vezes por pessoas marginalizadas da
sociedade. E escreve a partir de suas impressões pessoais, afirmando que quando fazia
funcionar seu toca-discos, não ouvia “música clássica”, isto é, a música como uma arte, mas
ouvia “a planície que vem de longe como o vento passa ao longo das linhas ferroviárias”; a
emoção de uma canção folclórica transmitida por uma voz inglesa seria diferente da emoção
expressa por uma voz francesa, como de uma Mlle. Mistinguett, por exemplo; um coro
popular russo teria sua qualidade nacional, ao expressar uma melancolia exclusivamente
russa; a voz profunda e quente de uma mulher negra; a voz do gaúcho que traz o ritmo do
tango... enfim, o autor faz menção ao nacional contido em cada música, conforme a origem
expressa nas gravações. Pierre Mac-Orlan ainda comparava o poder de evocar a
“sentimentalidade de uma raça” contido na literatura de cada país, por meio de características
identificadoras, com o igual poder que residiria na música nacional. Procurando mostrar que
naquele momento já havia condições para isso, as pessoas deveriam escolher seus discos
como escolhiam seus livros. Ele também alertava para a existência de “maus discos, como da
existência dos maus livros.” Enquanto a literatura se situa nitidamente numa época, ajudando
a aprofundar ou desenvolver um ideal social, penetrando os leitores aos poucos, basta um
olhar a um catálogo de discos novos para que “nosso espírito se encha de ímpeto”. Ele
afirmava que os (“bons”) discos seriam os reflexos da “sentimentalidade de um povo.” Note-
se que ele não afirma que é a música que traduz esses reflexos – mas o disco.

283 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
284 WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 362.
132

Ainda o artigo de Henry Poulaille285 publicado no periódico Monde e cujo


título era “Musique” et Musique savante fala diretamente a interesses comuns a Mario de
Andrade, Oneyda Alvarenga e a todos os que buscavam seduzir amantes da música erudita,
tateando caminhos nebulosos, em meio à mistura de gostos dos leigos: não se sabe nunca até
que ponto vai a elasticidade da aceitação, ou mesmo de um surpreendente refinamento do
ouvinte: fala dos métodos de persuasão ao ouvinte leigo, diante da fragilidade da educação
por audição de música mecânica, uma vez que o próprio ouvinte pode se dispersar e
simplesmente desligar o toca-discos. (No caso da recomendação de Mario de Andrade a
Luciano Gallet286, que ouvisse muita música mecânica, vai uma longa distância: Luciano
Gallet era compositor profissional e o treino do ouvido em constantes práticas de observação
de gravações, na opinião de Mario de Andrade, era fundamental. E não haveria nenhuma
relação entre a audição do músico brasileiro e a audição despreocupada de iniciantes.) Henry
Poulaille achava que se um disco fosse bem de propriedade de uma pessoa (presenteado a essa
pessoa, por exemplo), ela se esforçaria por ouvir e apreciar a gravação. Narrando por si, a
partir de experiência pessoal, o autor afirma: “A educação musical do leigo deve ser feita sem
rispidez.” Em seu caso pessoal, Poulaille não gostou imediatamente de Manuel de Falla e
Stravinsky: foi preciso empenho de sua parte.

De forma bem parecida com o que vai escrever Murilo Mendes, mais de uma
década mais tarde, em suas críticas no jornal A Manhã – que posteriormente reunidas
originariam o livro Formação de discoteca e outros artigos sobre música, - o pequeno livro
que Mario de Andrade comprou, de autoria do espanhol Arias Gómez287, intitulado El
gramófono moderno, aborda o mesmo tema. O que a princípio pode parecer um texto técnico
sobre gramofones se revela fonte de indicação de boa parte da discografia que ganhou vida
ativa na Discoteca Pública de São Paulo e em seus Concertos de Discos. São várias páginas
que, embora não mostrem o mínimo sinal de anotações de Mario de Andrade às margens do
texto, podem ser comparadas, em muitos pontos, à discografia constante do Compêndio de
História da Música, do musicólogo – e que Oneyda Alvarenga utilizou o quanto pode, em
seus programas dirigidos aos ouvintes do auditório. E, como fará didaticamente Murilo
Mendes, mais tarde, Arias Gómez também procura reunir grandes grupos de interesse ao
285WOLFF, Charles. Disques: répertoire critique du phonographe. Paris: Grasset, 1929. p. 370.

286 TONI, Flávia Camargo. A música popular brasileira na vitrola de Mario de Andrade. São Paulo :
SENAC, 2004. p. 26.
287 ARIAS GOMEZ, Jose. Gramafono moderno. Bilbao: Espasa-Calpe, 1931. 163 p.
133

aficionado que deseja formar uma discoteca selecionada:

I. Discos de banda
II. Discos de orquestra
III. Discos de música instrumental
IV. Discos de música vocal
V. Discos de música de câmara

Há ainda indicação de bibliografia fonográfica, ao final do livro, na qual o


autor sugere títulos de revistas especializadas de vários países. Mas na coleção Mario de
Andrade alojada na Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros não consta nenhuma delas.

Cumpre ainda lembrar que, a respeito de coleções bibliográficas sobre


biografias de compositores, há menção na Revue Musicale288, pertinente à coleção assinada
por Mario de Andrade, a uma breve resenha assinada por “A. G.”. Por mais resumida que seja
a nota, classificada em “Variedade”, observa-se que havia, à época, interesse nos estudos de
autores musicais franceses, uma vez que W. W. Stassoff, bibliotecário-chefe da Biblioteca
Imperial de Petrogrado e admirador da música contemporânea (Balakireff, Cui, Borodine,
Moussorgsky e Rimsky-Korsakoff), escreveu três volumes sobre compositores como Mozart,
Beethoven, Lully, Rossini... – enfim, sobre todos os grandes músicos eruditos conhecidos na
Europa. Inclusive, o foco da Revue Musicale nesta coleção de Petrogrado se deve ao destaque
que Stassoff deu, em seus estudos, a autores franceses como Berlioz, por exemplo.

3.10.2 Catálogos de discos

Procurando se atualizar nos assuntos fonógrafo, discografia, discotecas e


história da música, já com viso na preservação da memória musical, ao mesmo tempo que lia
autores estrangeiros (ou até um pouco antes, como se pode perceber pela data de edição de
catálogos de gravadoras), Mario de Andrade adquiria catálogos de discos a fim de formar sua
discoteca pessoal e se pode ver que muitas gravações constariam também da Discoteca
Pública Municipal – principalmente as eruditas. No catálogo de discos da gravadora Victor 289,

288 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, 1929 10(4). p. 192.
289 CATALOGO DE DISCOS VICTOR 1927 COM MATERIAL BIOGRAFICO, ANOTACIONES SOBRE
OPERAS, FOTOGRAFIAS DE ARTISTAS Y OTRA.... New Jersey,:Victor Talking Machine, 1927. 312 p.
134

de 1927, Mario de Andrade assinala gravações como:

Barítonos, Discos por – Véanse los discos por “Amato”, “Badini”, […]
solos de barítonos por solos de barítonos que se encuentran bajo em
encabezado de las óperas.
Barth, Hans, Pianista
Al Mar (MacDowell) [código da gravadora]
Baile de Brujas [código da gravadora][…]

Bauer, Harold, Pianista


[lista de obras, inclusive do século XVIII]

Discos por la Orquesta Sinfónica de Boston


[Aqui, em ordem alfabética, Mario de Andrade elege obras de Scarlatti,
Korsakow, Gluck, etc.]

Apesar do catálogo privilegiar a divisão por intérpretes, Mario de Andrade


escolhia obras. Ele prossegue, no mesmo catálogo:

Schumann – Concerto em Lá Menor para piano e orquestra, op. 54


Tschaikowsky – Concerto para violino

Mais adiante:

Discos do Coro Sixtino (Cantados em latim)


Adeste Fideles
Exultate Deo
Ave Maria
O Salutaris Hostia
Laudate Dominum
Tenebrae Factae Sunt
etc...

Do intérprete Cortot, Mario assinala uma vasta quantidade de gravações,


referentes a obras de Liszt, Verdi, Albéniz, Mendelssohn, Saint-Saëns, Franck, Chopin, etc.
No caso, parece que Mario de Andrade não só se interessou pelas obras, como também pela
interpretação. De Chopin, ele assinala todas as gravações; as Danças Húngaras de Brahms;
todas as gravações de Debussy disponíveis no catálogo. As obras eruditas assinaladas no
catálogo de 1927 estão incluídas na discografia do Compêndio de História da Música. Se a
primeira edição dessa obra é de 1929, por que a discografia só será adicionada à segunda
edição, de 1933? Pode ser porque Mario de Andrade só tenha adquirido o catálogo poucos
anos depois de seu lançamento. Ou talvez a ideia da discografia numa edição fosse novidade –
135

o livro Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois commentaires de disques
avec exemples musicaux de Coeuroy e Jardillieré de 1931.
Também o catálogo da gravadora Parlophon290, que traz na capa não só a
informação: “Discos publicados Julho 1928- Junho 1929”, como ainda o manuscrito a lápis de
Mario de Andrade “Lido prá Discoteca”. A clareza da letra do musicólogo parece mais uma
pista para pesquisadores futuros, do que uma informação para ele mesmo se lembrar – ou
seria para Oneyda Alvarenga? Depois de assinalar gravações de música popular brasileira
(tangos, maxixes, foxtrots, sambas e emboladas nortistas da “Orchestra Pexinguinha-Donga”;
canções; canções sertanejas, valsas e choros), o musicólogo traça uma linha sinuosa a lápis
(grafite) e escreve (também com grafite): “Veja em seguida Discos Artísticos”, indicando que
se deveria ignorar o intervalo de páginas a seguir, onde estavam os códigos e informações
sobre gravações de discos populares estrangeiros e passar às gravações de... óperas italianas –
aquelas óperas de Puccini, Verdi, Leoncavallo - tão odiadas por Mario de Andrade e sua
discípula Oneyda Alvarenga. Mario de Andrade, no entanto, assinala gravações de óperas
italianas – das mais atraentes ao grande público: Cavalleria Rusticana; Tosca; La Bohème;
Rigoletto... Também assinala gravações de Wagner, algumas de Beethoven; Grieg; Mozart;
Saint-Saëns e coros de cossacos. Mario de Andrade, no entanto, assinalou todas essas
gravações com lápis vermelho, o que pode significar que escreveu na capa do catálogo e a
indicação de se passar diretamente às gravações de discos artísticos num momento posterior.
Visaria a formação de acervo de sua discoteca particular e, depois, da Discoteca Pública
Municipal?
No Catálogo geral da gravadora Odeon291, 1929-1930, Mario de Andrade vai
assinalar muitas gravações de música popular brasileira – aquelas que ele ouviria em sua
vitrola. Na página dos choros brasileiros, o musicólogo escreve a lápis, na margem inferior:
“Chôro parece indicar idea de solo e acomp. pequeno [?], pra populares V. toda esta serie”.
São quatro choros de Pixinguinha, interpretados por ele mesmo, com acompanhamento de
violão e cavaquinho; três choros de Luiz Americano, também interpretados pelo compositor,
com acompanhamento de piano e banjo e um choro de Dermeval Netto, interpretado por D.
Guimarães, com acompanhamento de piano e banjo.
Quando se faz comparação entre a discografia do Compêndio de História da

290 PARLOPHON CATÁLOGO GERAL DOS DISCOS JULHO 1928 - JUNHO 1929. Rio de Janeiro:
Papelaria Meier, 19--. 1v. n. p.
291 CATALOGO GERAL 1929-1930. Rio de Janeiro, Odeon, 19-? n. p.
136

Música, edição de 1933, com o catálogo da gravadora Victor292, de 1930 (c1918), fica muito
visível que Mario de Andrade assinalou e adquiriu muitas das gravações indicadas. A edição
anterior do Compêndio de História da Música foi de 1929; o musicólogo vai citar códigos
das gravações correspondentes aos do catálogo Victor Records na edição de 1933. Assim, por
exemplo, no catálogo293 estão muitos dos códigos de gravações de obras de Liszt, como
algumas das Rapsódias Húngaras que constam do Compêndio. Ainda nesse catálogo de
1930294, se encontram algumas das Sonatas de Beethoven que estão indicadas na discografia
do catálogo; como ainda algum Quarteto de Schubert295; como ainda a Suíte em Si Menor, de
Bach, que Mario de Andrade no catálogo Victor296 e citou em seu Compêndio297 – e que
Oneyda Alvarenga usa no repertório de seu 8º Concerto de Discos, de 05 de setembro de
1938. Ela usa, neste caso a mesma gravação, da Victor. Nem sempre é assim, porque nem
sempre a Discoteca Pública Municipal pode ou optou por adquirir as mesmas gravações
citadas por Mario de Andrade (e que ele havia adquirido para sua discoteca particular.) Mas se
vê que a discografia é praticamente a mesma, independentemente da gravadora – a não ser
naqueles casos mais recentes, quando Mario de Andrade já havia morrido e Oneyda
Alvarenga continuou o trabalho de pesquisa, principalmente ao acompanhar os rumos e as
novidades da música erudita contemporânea, a fim de incorporar essas composições ao acervo
da Discoteca e aos programas de suas audições didáticas de discos. Esse catálogo Victor
Records, de 1930 vem a ser, então, uma das principais fontes utilizadas por Mario de Andrade
antes da criação da Discoteca Pública Municipal, dada a quantidade de obras assinaladas por
ele e que correspondem às suas indicações discográficas, na 2ª edição do Compêndio.
Ainda da Odeon, pertence à coleção Mario de Andrade o catálogo de discos de
1931298, também contendo gravações de música popular brasileira: marchinhas, cocos,
emboladas, canções, modas de viola, discos humorísticos, etc. Também ressalta os intérpretes,
como Elsie Houston, Stefana de Macedo – entre muitos outros. Não há anotação marginal de
Mario de Andrade. Inclusive há duas páginas coladas que ele sequer abriu.

292 EDUCATIONAL CATALOG AND GRADED LIST OF VICTOR RECORDS FOR HOME, SCHOOL AND
COLLEGE. New Jersey : RCA Victor, 1930. 277 p.
293Ibid., p. 68.
294 Ibid., p. 105.
295 Ibid., p. 106.
296 Ibid., p. 59.
297 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 88.
298 CATALOGO GERAL DOS DISCOS BRASILEIROS. São Paulo: Columbia, 1931. 103p.
137

Outro catálogo que Mario de Andrade possuía era o da gravadora Odeon299, de


1934, um ano antes da criação da Discoteca Pública Municipal. Trata-se de uma vasta
listagem de gravações nacionais e estrangeiras. Todos os gêneros são abrangidos: eruditos,
populares (canções, cançonetas cômicas, valsas, tangos, sambas, emboladas, choros, foxtrots,
etc.) Não há nenhuma anotação marginal feita por Mario de Andrade, no entanto.
Além disso, Mario de Andrade possuía La antología sonora, de Antonio
Camarasa300, livreto em que, além da explicação quase poética sobre a Antología Sonora,
coleção de discos produzida na Argentina, sob a direção de Curt Sachs - como Curt Lange,
também musicólogo alemão migrado para a América (com a diferença de que Sachs fugiu do
regime nazista e, passando pela França, seguiu depois para a Argentina.) Nesta pequena obra,
com dedicatória do autor a Mario de Andrade, se encontra o pensamento que levou à criação
dessa coleção, pensamento cuja base era a preocupação com a fugacidade da música, a
fragilidade expressiva da partitura com o passar do ano (dada a precariedade trazida pela falta
de precisão da execução, obscurecida muitas vezes, pela distância dos séculos.) A
preservação, neste caso, também se referia à história da música – e neste mesmo livrinho
Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga – a edição sendo de 1937, a Discoteca Pública já
estava catalogada e inaugurada – puderam encontrar as mesmas obras que Oneyda usava em
seus Concertos de Discos, quando queria dar a conhecer ao público ouvinte tanto Couperin;
pavanas do século XVI; música instrumental (alaúde, por exemplo); etc., etc., quanto base
para continuar tecendo textos sobre história social da música (essa face social permeando seus
concertos e palestras era preocupação perene de Oneyda Alvarenga.) Entre outras
informações, Antonio Camarasa explica cuidadosamente que cada grupo de intérpretes era
formado por membros solidamente formados e conscientes da importância da execução o
mais fiel possível das músicas de outras épocas, assim como os instrumentos antigos
deixariam de ser peças de museus para recobrar suas vidas – tudo isso por meio das gravações
de discos.

Na biblioteca de Mario de Andrade se encontra também o Catalogue of Latin


American and West Indian dances and song in the Record Collection, de Evans Clark301. A

299 CATALOGO DE DISCOS NACIONAES E ESTRANGEIROS ODEON. Rio de Janeiro: Casa Edison,
1934. 48p.
300 CAMARASA, Antonio. Antología sonora : una magnifica empresa en el mundo de la música. Rosario,
Argentina : Ed. del autor, 1937. 31 p.
301 CLARK, Evans. Catalogue of latin american and west indian dances and songs in the Record
collection. New York : S.N., 1941. n. p.
138

edição é de 1942. Como essa obra é pessoal de Mario (e não da Discoteca Pública Municipal)
e contém gêneros brasileiros, argentinos, cubanos... com índices de títulos, intérpretes e
códigos das respectivas gravadoras, pode ser que parte dessas obras indicadas no catálogo já
fizessem parte da Discoteca Pública Municipal. O catálogo provavelmente estaria na
biblioteca de Mario de Andrade como obra de referência de músicas e danças populares.

Assim, à luz das pesquisas de Mario de Andrade, se entende melhor o que se


passou no episódio das críticas do escritor à programação da Rádio Educadora paulistana, já
que ele estava imbuído de critérios há tempos. Ao eco de todas essas leituras que Mario de
Andrade realizava, como vimos acima, de edições de 1929, 1930, 1935... até os anos 1940,
pouco antes de sua morte, todos esses livros e periódicos estrangeiros sobre veiculação da
música erudita pelo rádio, aprimoramento do ouvinte pela audição de discos, criação de
discotecas... podemos atentar para um conjunto de seis artigos escritos pelo musicólogo no
intervalo compreendido entre 04 e 11 de janeiro de 1931, publicados no Diário Nacional302.
Trata-se de uma saraivada de críticas cada vez mais indignadas do escritor à programação da
Rádio Educadora Paulista. Toda a reviravolta política ocasionada pela Revolução de 1930
lançava estilhaços para vários planos da vida. O plano cultural... no artigo de 04 de janeiro,
mal contido em suas observações, Mario de Andrade critica a programação de péssima
qualidade da música “séria” e da música “ligeira” que iam ao ar – para o Brasil e para além
de seu território. Esse ir além do território nacional mais agravou a situação, quando ficamos
sabendo, pelo artigo de 07 de janeiro303, que o diretor artístico da Rádio Educadora Paulista
usou os microfones da emissora para “passar uma descompostura larvar” no poeta. Até então,
Mario de Andrade reclamara veladamente da substituição do maestro Baldi pelo igualmente
italiano maestro Manfredini. A partir daí, Mario de Andrade ataca mais e mais francamente
toda a situação: a troca da diretoria artística da Sociedade Radioeducadora; a postura dos
diretores e alguns músicos envolvidos; a inclusão de comerciais ridículos em horário de
música erudita; etc. – vale a pena ler a sequência de artigos. Porém convém enfocar aqui a
preocupação de Mario de Andrade, voltada para a programação musical que um “organismo
social” e “representativo do povo”304 veiculava. Em “Música de pancadaria”: rádio,
polêmicas, cartas etc., Marcos Antonio de Moraes305 indica a existência, no Arquivo Mario de

302 ANDRADE, Mário de. Taxi e crônicas no Diário Nacional. São Paulo, Livraria Duas Cidades, Secretaria
da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976. p. 303-19.
303 Ibid., p. 305-6.
304 Termos empregados pelo autor.
305 MORAES, Marcos Antonio de. "Música de pancadaria" rádio, polêmicas, cartas etc. São Paulo, 2002. In:
139

Andrade, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, de cartas de


pessoas indignadas, à época, que tomaram o partido de Mario de Andrade. O conteúdo dessas
cartas deixa entrever o teor de violência do discurso do diretor da rádio em resposta à crítica
de Mario de Andrade - e que chocou as pessoas -, assim como a repugnância dos ouvintes
pela espécie de propaganda veiculada em horário do jantar... além de confirmar que muitas
pessoas aderiram à opinião de Mario de Andrade.

Quando refazemos todo o caminho de Mario de Andrade leitor daquelas


publicações mencionadas acima, entendemos muito melhor a dimensão de sua indignação,
frente aos critérios (ausência deles, no caso) de escolha das programações musicais que iam
ao ar, na rádio paulista.

E os artigos que compreenderam o tema foram redigidos justamente no início


do ano em que Oneyda Alvarenga ingressou no Conservatório Dramático e Musical de São
Paulo, aos dezenove anos de idade. Dali a quatro anos a moça se tornaria a diretora da
Discoteca Pública Municipal. Essas distâncias pequenas de tempo separariam coisas que
ninguém esperava: Mario de Andrade, contendor no jornal em 1931, em 1935 teria autonomia
para determinar a criação de uma Rádio-Escola, que divulgaria finalmente o conteúdo musical
pelo qual o modernista lutava; mesmo a Rádio-Escola não chegando a existir, outro fato
inesperado... Oneyda Alvarenga, em 1938, assumiria a responsabilidade pela programação de
Concertos de Discos que Mario de Andrade idealizava, em 1931, como instrumentos de
excelência para a formação do ouvinte. Vê-se forçosamente que o resultado das leituras de
Mario de Andrade, por meandros os mais acidentados, surtiriam efeitos de maior ou mais
limitado alcance, num prazo que nenhum Danton Vampré, nenhum Manfredini poderiam
prever. Nem Mario de Andrade poderia prever que, quando Oneyda Alvarenga iniciasse suas
concepções de programas de Concertos de Discos com fins didáticos, ele próprio estaria
alijado de seu cargo de diretor do Departamento de Cultura e morando no Rio de Janeiro...
tudo andava instável. Mesmo assim, não é demais lembrar que a diretora da Discoteca Pública
Municipal conseguiu continuar com suas apresentações de audições públicas, enveredando
pelas décadas de 1940 e 1950 afora.

3.11 Discoteca do Uruguai, por Francisco Curt Lange

O trecho abaixo foi transcrito do texto de Francsico Curt Lange, quando este
Calendário de Cultura e Extensão, São Paulo, p. 2-3, ago. 2002.
140

esclarece sobre a organização e funções da Discoteca criada no Uruguai:

DISCOTECA DE OBRAS LATINO-AMERICANAS306

A discoteca será organizada para servir de orientação e estudo para as


finalidades de pesquisas sobre evolução musical no Uruguai e na América
Latina, respondendo à necessidade de dar a conhecer primeiramente os mais
importantes aspectos do folclore dos demais países e às interpretações
diversas que em tal sentido se fizeram (...)
Deseja-se reunir na Discoteca material que represente tanto as manifestações
artísticas como as populares e nativas em seu aspecto mais puro. (...) serão
feitas consultas aos colaboradores dos respectivos países, esperando-se ainda
uma colaboração estreita da parte dos governos e casas publicadoras.
Havendo-se chegado a um número conveniente de obras, terá procedimento
a publicação de um catálogo, com o que se propõem propósitos de
divulgação [de fontes de pesquisa]307

Curt Lange308 usou discos que adquirira quando organizou a Discoteca


Nacional para ensinar aos alunos o som de cada instrumento da orquestra. Isso quer dizer que
ele já havia provido o acervo antes. Nem se cogitava dar aulas sem discos e material
fonográfico organizado. Quando comprou tais discos no meio da grande quantidade adquirida,
Lange ainda não sabia que iria utilizá-los. Mas previu que seriam úteis. Esses discos a que se
refere no artigo foram gravados em 1928, não tão bons quanto os gravados na época em que
redige o texto. Mas havia a conveniência de, a cada trecho interpretado por determinado
instrumento, o trecho seguinte, executado por outro, utilizar o mesmo tom do final do trecho
tocado pelo anterior, para melhor frisar a diferença entre eles. Por razões didáticas justificava-
se a existência de uma discoteca:

Uma discoteca convenientemente selecionada e organizada pode facilitar o


conhecimento da literatura musical do mundo inteiro e explicações
adequadas ao termo médio da cultura dos ouvintes, estariam destinados a
estabelecer o ambiente indispensável no qual deve-se desenvolver uma
audição.309

306 Ver p. 55, nesta dissertação, onde se menciona a educação do Uruguai como modelo para a brasileira. Em
todos os âmbitos da educação – nos dois países – havia, por um lado, a intervenção forte de um Estado
controlador; por outro, a vertente onde se encontrava Curt Lange, alemão naturalizado uruguaio, com sua
preocupação didática de erradicar a lacuna de conhecimento na área musical.
307 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical: la sección de investigaciones musicales, su creación,
propósitos y finalidades. Montevideo: Inst de Estudios Superiores, 1934. p.22-3.
308 Id. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín Latino Americano de
Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 197-262.
309 LANGE, op. cit.
141

Comparando a educação musical do Uruguai - que ele via como uma possível
nação música, apesar do “atraso” em que se encontrava – com a da Alemanha e da Áustria310
– países que, na época, estavam à frente, neste assunto -, Curt Lange311 acreditava que os
liceus deveriam dar uma educação musical adequada à idade e nível de conhecimento aos
jovens (que já se moviam, com essa idade, numa esfera em que podiam alargar seus
conhecimentos.) Assim, entrariam eles na universidade com outra formação. Acreditava que o
liceu deveria ensinar musicalmente o que não se estudaria mais na universidade.

Na Europa e especialmente na Alemanha o disco constitui há tempos um


elemento indispensável para a educação cultural dos alunos escolares e
ginasiais.” C. Lange elege a audição de discos como o melhor meio de se
ensinar a gostar de música.

Lange cita Goethe312, em relação ao ensino de música (Goethe atribuía à


música condição essencial para formação cultural de uma pessoa.) Por isso, os estudos de
Mario de Andrade sobre “Goethe e múscia” . Há musicalidade nos versos de Goethe que
permitiram sua musicalização por compositores da época.
Sobre os fracassos das ideias postas em prática, no campo do ensino musical
Curt Lange aponta como causas a falta de compreensão, pouca importância dada ao ensino de
música, aliada à rivalidade e oposição às ideias de algumas pessoas. O muscólogo alemão
escreve:“.. os acontecimentos sociais e políticos imprimem sempre uma fisionomia especial a
toda época artística, a todo músico, a todo gênero musical.”313
A visão de Curt Lange é a de Oswaldo Spengler (estudo da História), das
causas e efeitos dos movimentos artísticos de cada época – é assim que pensa fazer
compreender-se bem a música.
Curt Lange enviou uma carta ao diretor do Liceo “José Enrique Rodó”, Don
Armando Acosta y Lara, recomendando regras de ensino musical. Neste documento, fala da
necessidade de haver uma “pequena biblioteca”, ainda que organizada pelos próprios alunos.
Embora não tenha dado muita ênfase à biblioteca, sempre há o reconhecimento da

310 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín
Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 205-7.
Na época o disco era visto por gravadoras, escolas e instituições da Europa como elemento pedagógico
de grande (eficiente) alcance.
311 Ibid., p. 171-2.
312 Ibid., p. 207.
313 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín
Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 207.
142

necessidade de apoio bibliográfico ao ensino de música.314


Curt Lange cita ainda trabalho escrito pelo prof. Eduardo Salterain de Herrera.
A primeira conclusão do autor, relacionada ao ensino de música em escolas, é de que se deve
lançar mão da audição de discos.315
Na década de 1930, Mario de Andrade se alarmava com o poder destruidor da
mídia sobre as manifestações mais primitivas, espontâneas, do Brasil. Mais do que nunca o
registro em documentos audiovisuais e também bibliográficos tornava-se importante. Em
1934, Curt Lange também alertava para o mesmo problema: a penetração do rádio, fosse na
própria residência das pessoas, onde elas ainda teriam controle sobre o que ouvir ou não, fosse
– mais desastrosamente – em todos os ambientes públicos. Curt Lange especifica até o tempo
de programação diária (16 horas), na época. O rádio era, então, meio difusor da cultura
estranha, nessa explosão de produção de música “mecânica”, comercial. Curt Lange via nisso
um perigo que rondava a cultura nacional e continental, uma vez que, sob influências
estrangeiras, “a evolução artístico-musical latino-americana se encontrava não apenas detida,
senão ameaçada por uma série de valores novos, não, previstos ainda.”316
Parece que essa foi uma consternação geral, por parte daqueles que se
ocupavam com a preservação da música nacional. García Canclini escreve:

Impressionados com o crescimento súbito de leitores de jornais e revistas, da


audiência de rádio (…), os comunicólogos acreditaram que as
transformações simbólicas eram um conjunto de efeitos derivados de maior
impacto quantitativo da informação. (…) A industrialização e a urbanização,
a educação generalizada, as organizações sindicais e políticas foram
reorganizando de acordo com as leis massivas317 a vida social desde o século
XIX, antes que aparecessem o rádio e a televisão.318

A citação é longa. Mas vem a ser ilustrativa, no caso. O aspecto do rádio não só
314 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín
Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 205-7.
315 Ibid., p. 198.
316 Id. Americanismo musical. In: Boletín Americano de Música. Montevieo : Lumen, 1936. Ano II.
317 Não se pode “atribuir aos meios eletrônicos a origem da massificação das culturas populares. Esse equívoco
foi propiciado pelos primeiros estudos sobre comunicação, segundo os quais a cultura massiva substituiria o
culto e o popular tradicionais. Concebeu-se o 'massivo' como um campo recortável dentro da estrutura social,
com uma lógica intrínseca, como a que tiveram a literatura e a arte até meados do século XX: uma subcultura
determinada pela posição de seus agentes e pela extensão de seus públicos.” In: GARCÍA CANCLINI,
Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo : Edusp, 1997. p.255.
(Ensaios latino-americanos, 1)
318 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 256.
143

preocupava Curt Lange, que o via, ao mesmo tempo, como arma de luta contra a perda das
raízes musicais da América - ao disseminar músicas de outras culturas - e de instrumento a
favor da disseminação da educação musical gratuita, incutindo o conhecimento da música
erudita. Além disso, o texto de García Canclini mostra como o uso estratégico do rádio pode
ser percebido sob pontos de vista até contraditórios:

(…) Na América Latina as transformações promovidas pelos meios


modernos de comunicação se entrelaçam com a integração das nações. (…)
Se fazer um país não é apenas conseguir que o que se produz numa região
chegue a outra, se requer um projeto político e cultural unificado, um
consumo simbólico compartilhado que favoreça o desenvolvimento do
mercado, a integração propiciada pelos meios de comunicação não contribui
casualmente com os populismos nacionalistas. Para que cada país deixe de
ser “um país de países” foi decisivo que o rádio retomasse de forma solidária
as culturas orais de diversas regiões e incorporasse as “vulgaridades”
proliferantes nos centros urbanos.319

Como se sabe, Mario de Andrade, quando diretor do Departamento de Cultura


de São Paulo, não fez outro trabalho, senão o citado acima, ao promover o Congresso da
Língua Nacional Cantada, em 1937, como também ao criar o museu da palavra.

3.12 Carleton Sprague Smith: a visão de mais um musicólogo estrangeiro sobre


acervos musicais

Antes de dar continuidade à descrição das discotecas públicas da América do


Sul, será preciso apresentar e analisar o perfil de Carleton Sprague Smith, cujo texto foi usado
como base para fazer a abordagem destas discotecas, nas décadas de 1930 e 1940.
Carleton Sprague Smith era um musicólogo e adido cultural dos Estados
Unidos – ao qual se fará referência novamente, neste trabalho, quando for abordada a Seção
de Música da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - que, como Francisco Curt Lange, dava
suma importância à organização (catalogação) de discotecas e bibliotecas, enfim, a todo tipo
de acervo ou material que congregasse informações a respeito da expressão da música
nacional dos países americanos. Luiz Heitor Corrêa de Azevedo320, como muitos músicos e
intelectuais que conviveram com Sprague Smith, escreve sobre seu perfil.
Segundo L. H. Corrêa de Azevedo, Sprague Smith congregava várias

319 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 256.
320 KATZ, Israel J. (ed.) Libraries, history, diplomacy, and the performing arts: essays in honor of Carleton
Sprague Smith. New York: Pendragon, 1991. 459 p. (Festschrift Series, n.9)
144

características peculiares à formação da costa Leste dos Estados Unidos: ele era um “homem
de Harvard, de religiosidade cristã” e cultivava valores cívicos (liberdade e democracia.).
Mas, apesar de típico norte-americano, trazia todo um vínculo com a cultura europeia.
Era impossível L. H. Corrêa de Azevedo não associar a postura do adido
cultural a seu momento histórico. Em 1940, época do presidente Roosevelt, os Estados
Unidos da América faziam intervenção na Segunda Guerra Mundial e viram-se na situação
urgente de conquistar a solidariedade internacional – esta era essencial, no caso. A expansão
da música, assim, naturalmente, fazia parte dessa política de boa vizinhança: a Casa Branca
decidira que, para agregar outras repúblicas do hemisfério Sul, teria de desenvolver uma ativa
ação em relação aos outros países, especialmente na área da cultura.
Em outubro de 1939, o United States Department organizou um plano de
eventos musicais, visando estabelecer boas relações inter-americanas. Como resultado dessa
conferência, duzentos delegados percorreram as três Américas, neste período e posteriormente
também, com o intuito de conhecer melhor a América Latina e seus valores.
Durante este período, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo321 foi bibliotecário da
então chamada Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil (hoje Universidade
Federal do Rio de Janeiro.) Ele recebia muitos desses emissários do new ideal, que vinham
para começar a descobrir quais os valores culturais do povo latino-americano e, claro,
estabelecer vínculos amistosos com o Hemisfério Sul. Sprague Smith estava entre esses
emissários e, por ser da mesma geração de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo e muito
diplomático, veio a ser seu amigo. O adido cultural permaneceu no Brasil durante o período
de 1942 a 1945 e estabeleceu fortes laços com intelectuais e artistas do país. Entre eles, Lidy e
Francisco Mignone, Antonio Sá Pereira e Mario de Andrade. Mas, com a partida de Sprague
Smith para São Paulo, em 1944, seu contato com Luiz Heitor ficou menos frequente.
Contudo, em 1947, quando Luiz Heitor foi diretor da Seção de Múscia da UNESCO,
colaborou mais ativamente com Sprague Smith.
De sua estadia no Brasil, Sprague Smith levou impressões da vida do país, que
refletiram-se em seus escritos publicados, assim como de suas atividades desenvolvidas.
Além de toda a relação entre os objetivos da formação de discotecas, no
período, uma linha de tensão dividia o interesse comum na organização dos conhecimentos na

321 Luiz Heitor Corrêa de Azevedo atuou como bibliotecário sem formação acadêmica, como se verá, mais
adiante, segundo informações de Mercedes Reis Pequeno, musicóloga que organizou os acervos da Discoteca
Nacional do Rio de Janeiro.
145

área de música e dos propósitos didáticos, do ponto de vista internacional. Carleton Sprague
Smith e Curt Lange tinham formações musicais muito semelhantes. Porém, enquanto o
primeiro portava o ideal de seu país e preocupava-o a rápida apreensão do conhecimento do
conjunto cultural da América-Latina, Lange, que naturalizara-se uruguaio (e que não pode
entrar nos Estados Unidos da América, quando veio da Alemanha), trabalhava no sentido de
congregar esforços dos músicos da América, acreditando na necessidade do controle do
Estado forte, que estendesse seu raio de ação a toda atividade didática musical, visando
rapidamente aprimorar o saber do povo.
Antes de apresentar as impressões de Carleton Sprague Smith sobre os acervos
musicais da América do Sul, é conveniente mostrar de que modo Mario de Andrade
concordava com o intercâmbio de informações entre Brasil e Estados Unidos e as ressalvas do
musicólogo brasileiro à ideologia que permeava o pensamento do estrangeiro. Mario de
Andrade pediu encarecidamente a Oneyda Alvarenga e a outras pessoas que receberiam
Sprague Smith: “Eu pedia a vocês meus amigos que o juncassem de amabilidades, é um tipo
humano, apesar de acreditar que democracia é ou são os USA com linchamento, racismos,
Chinatown, Sacco e Vanzetti etc.”
Ora, Mario de Andrade entendia a música norte-americana e, apesar de
reconhecer seus grandes méritos, mantinha sempre a vigilância crítica. Aos 12 de outubro de
1944, quando a situação da Guerra perturbava o escritor brasileiro, revoltado contra a
opressão do nazismo e do fascismo, ele escreve um artigo intitulado Música Universitária,
publicado na coluna Mundo Musical, da Folha da Manhã, alertando também para a
dominação norte-americana:

Nós estamos sofrendo a influência incontestável dos Estados Unidos, nosso


irmãozão mais rico e mais forte. Acho invencível essa influência
incontestável, “são os do norte que vêm” ...Mas cultura é discernir: há que
discernir. Temos que recusar com energia a exterioridade ianque, desde a
cultura em pílulas dos digestos totalitários, que não pertence à paciência
nossa tropical, até certos modos de toalete e proceder, que tornam
inconsolavelmente ridículos caipiras, cabeças-chatas e olhos negros. Temos
que insistir na cultura europeia, especialmente na francesa; já experimentada,
que nos refreia o tropicalismo, desconfiados da exabundância e das morais
que nos insinuam “pocket-books”, romances de 600 páginas predeterminadas
e versos de perigoso e racista pan-americanismo.

Porém, Mario de Andrade ponderava, equilibrando seu alerta:


146

Mas os Estados Unidos são milionários de coisas ótimas e influências úteis.


Entre estas, aquela vida musical viva das suas universidades, jazes,
improvsações deliciosas, operetas, revistas anuais. E porque não poderá por
acaso um Guilherme de Almeida nos prover de uma “Ester” nossa, ou
Camargo Guarnieri duma nova “Dido”? E o mérito dessa glória se repartirá
entre o artista que espera e o Departamento de Cultura que o obrigou a ser
grande.

3.12.1 Discotecas da América do Sul, por Carleton Sprague Smith e o recíproco


interesse no estudo da música norte-americana, por parte de Mario de Andrade

Como se vê pelo texto abaixo, havia interesse norte-americano nas informações


coletadas por Carleton Sprague Smith, em suas viagens, acerca da sistematização do
conhecimento musical:

Pediram-me para dizer algumas palavras sobre discotecas na América do Sul.


Antes de começar, preciso dizer que não há discotecas latino-americanas
como as que encontramos em Nova York, Rochester, Boston ou Washington.
Alguns dos conservatórios e bibliotecas nacionais têm material, mas não
foram montados cientificamente.322 Provavelmente, uma grande quantidade
de música colonial foi irremediavelmente perdida. Fogo, terremotos, clima,
traças e ratos, contribuíram para isso. O desejo de romper com o passado
resultou na destruição de muito material. A música da Europa foi
assiduamente imitada e copiada, durante a maior parte do século 19,
resultando, assim, que a música local e os arquivos acabaram sendo
negligenciados. O Teatro Colón de Buenos Aires possui uma discoteca nos
moldes europeus, mas tem pouco do espírito do século 20. O mais
atualizado arquivo musical está na Biblioteca Nacional, em Bogotá.O
sentimento anticlerical recente resultou na destruição de numerosas igrejas e
arquivos de mosteiros. Vários arquivistas com talento para descobrir
material, no entanto, poderiam encontrar música nas igrejas e conventos do
hemisfério sul. Há ainda lugares, por exemplo, em Lima, que têm
importantes coleções inexploradas. 323

Carleton Sprague-Smith, com efeito, redigiu seu relato de cada discoteca que
conheceu na América Latina:

- Discoteca de Caracas, Venezuela

322 Aqui, onde o adido cultural analisa com criticidade as discotecas latino-americanas, em comparação às dos
Estados Unidos da América, verifica-se que Mario de Andrade comenta justamente o contrário, em carta a
Oneyda Alvarenga: o interesse de Spivake, da Biblioteca do Congresso, de Washington, pela organização da
Discoteca Municipal de São Paulo faz com que Mario de Andrade se vanglorie da organização mais científica
da idealizada por ele e Oneyda Alvarenga.
323 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p. 19-20.
147

Não há bibliotecas de música na Venezuela, embora a Escola de Música


tenha uma boa coleção de material colonial de Lamas, Carreño e outros.
Como um repositório geral, a biblioteca do Conservatório é fraca, porém ela
está sendo inteligentemente constituída por Juan Bautista Plaza. Por
exemplo, tem um conjunto completo de Sonore Anthologie.
A Biblioteca Nacional é presidida por um indivíduo culto, Don Enrique
Planchart, simpático aos Estados Unidos e seus métodos. O Sr. Planchart
encontra-se atualmetnte em Nova York. Recentemente, ele contactou um
catalogador da Biblioteca do Congresso em Caracas, ensinando técnicas
americanas. A instituição possui algumas músicas, mas nada de
extraordinário. Uma das mais importantes coleções privadas, que o governo
agora está tentando comprar, pertence ao senhor Rico em Guatire. O
Arquivista Nacional Mariano Picón Salas, é ex-editor da Revista Nacional de
Cultura e um homem bem familiarizado com a América do Norte. Sem
dúvida, há informações históricas a respeito de música nos arquivos. Os
arquivos da Catedral de Caracas preservam as obras de N. Gomarra, Antonio
José Caro de Boesi (d. 1814), etc., e há gravações na catedral sobre os
mestres de capela, desde 1671. A biblioteca da Universidade contém uma
cópia da Liber in que 4 Passiones Christi Domini continentur... 8
Lamentações, de Juan Navarro. México, 1604. Este conjunto de paixões e
lamentações trazido de fora do México parece ter sido muito conhecido na
Colômbia e no Peru. O compositor foi um espanhol. É improvável que
eletivesse estado no Novo Mundo.
Entre os livreiros que podem ser úteis para bibliotecários colecionadores, no
país, a menção deve ser feita de Luis Alberto e Herman E. Ahrensburg, Jr. O
primeiro para a Biblioteca Pública de Nova York, e este último, para a
Biblioteca do Congresso. A livraria S.A.V.E. é uma das melhores para obras
contemporâneas venezuelanas.
Não posso deixar de mencionar a magnífica biblioteca de Rodolph Dolge,
um americano de Dolgeville, NY, que tem sido um grande colecionador há
muitos anos. O Sr. Dolge tem poucos itens de música, mas este é,
naturalmente, apenas um lado dele.324

-Discoteca de Montevidéu, Uruguai

O SODRE (Serviço Oficial de Difusão Rádio-Elétrica) é o principal arquivo


de música, em Montevidéu. De fato, seria difícil encontrar uma divisão mais
completa. Esta estação foi criada por uma lei especial, datado de 18 de
dezembro de 1929 e está sob a supervisão do ministro da Instrução Pública.
É um verdadeiro centro cultural que combina programas de orquestra (a
Orquestra Sinfônica de Montevidéu apresenta execuções regularmente na
estação) e apresenta shows de música muito semelhantes aos de WQXR, em
Nova York. A Discoteca tem mais de 20.000 discos e há 4 catálogos
publicados, das pesquisas, até à data, (Catálogo de los discos archivados en
la primera, segunda, tercera y cuarta Sección de la Discoteca Nacional.) O
montante da lista é de apenas 5.582 registros, mas catálogos dos outros

324 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p.19-20.
148

materiais já estão prometidos, para um futuro próximo.


O Instituto Inter-Americano de Musicologia, sob a orientação de Francisco
Curt Lange, tem uma biblioteca de música excelente. Ela ainda está alojado
na casa do Professor Curt Lange, mas é certamente um dos conjuntos mais
completos de materiais sobre música contemporânea na América do Sul. O
Dr. Lange é um grande pioneiro do "americanismo" musical, música
americana para as Américas e sua publicação, o Boletín Latino-Americano
de Musicologia é um monumento de devoção a essa causa. A Biblioteca
Nacional, presidida pelo escritor Alberto Zum Felde, pode ter algum material
musical, mas as coleções estão mal catalogadas e alojadas em um prédio
antigo. Há algumas lojas excelentes de livro, em Montevidéu, como a
Barreiro & Ramos, presidida por Robert B. Kliché. Maximino García é outra
loja de livros muito conhecida. De modo geral, o Uruguai é a Suíça da
América do Sul.325

- Discoteca de Buenos Aires, Argentina

A Biblioteca Nacional é insuficiente para a capital da Argentina e contém


pouca música. O Dr. Teodoro Becu é um advogado e um dos homens mais
ativos em matéria de biblioteca na América do Sul. As pessoas que tenham
encontrem alguma dificuldade, certamente devem consultá-lo. A Associação
Wagneriana tem uma Biblioteca Pública administrada pelo conhecido crítico
Ernesto de la Guardia. Ele também é o responsável pela biblioteca Colón –
recentemente estabelecida, idealizada conforme o arquivo da Ópera de Paris.
É aberta ao público durante certas horas e logo provavelmente será uma das
melhores bibliotecas de música da América do Sul. A Biblioteca do
Conservatório é muito insuficiente. Ela tem uma Discoteca em processo de
desenvolvimento, mas ainda é bastante pequena.
A coleção particular de Carlos Vega é excelente. Há algum material no
Museu Argentino de Ciências Naturais, onde trabalha, incluindo discos de
vinil.
Honório Siccardi, o compositor, está muito ansioso por uma biblioteca de
música contemporânea, em conexão com a Associação Geral de Música da
Argentina. Gaston Talamón, em um artigo [publicado] em Nosotros, Ano 4, n
º. 34, p. 95-99, discute a natureza de uma discoteca nacional na Argentina.O
livreiro J. Lajouane, tem um enorme estoque de varejo e é considerado mais
do que um negociante. Se coleções importantes estivrem à venda, ele saberá
sobre isso.326

- Discoteca de Santiago, Chile

A Biblioteca do Conservatório não é notável; mas contém a coleção musical


de Dona Izidora Zegers de Huneeus (1803-1869), que é rica em material do

325 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p.25-26.

326 Ibid., p. 26-7.


149

século 19 e é muito importante para a história da Música, no Chile.


Claro que a coleção Medina é boa, mas contém pouca música. Os arquivos
chilenos, em geral, estão entre os melhores mantidos na América do Sul.
A Catedral de Santiago tem material antigo, minuciosamente investigado
pelo Dr. Pereira Salas. Um Inventário é feito em sua obra Los Orígenes del
Arte Musical en Chile (Santiago,1941).
Grosso modo, possui cerca de 45 composições anônimas, 9 escritas para
ocasiões especiais, 8 vilancetes, 14 especialmente para a Virgem e os Santos,
e 14 para fins litúrgicos gerais..
Com toda a probabilidade, também existem manuscritos coloniais na igreja
de San Francisco, mas até agora todos os esforços para consultar esse
arquivo têm sido inúteis. Poderia-se dizer que a história da música chilena
está vinculada à do Peru e, até que se faça um bom estudo do período
colonial em Arequipa, Lima e Cuzco, nosso conhecimento da Costa Oeste
será incompleto. Zamorana e Caperan são agências conhecidas para compra
de material. Nascimento & Ercilla, são os representantes da Biblioteca do
Congresso.327

- Discoteca da Bolívia

Há pouco a relatar sobrebibliotecas de música na Bolívia. Algumas das


igrejas podem conter material antigo, mas não há nenhuma biblioteca central
de música de qualquer importância. Os arqueólogos, como Posnansky
desenterraram instrumentos antigos, em torno do lago Titicaca, e González
Bravo publicou artigos sobre na contemporânea Kenas, Pincollos, Tarkas &
Sicus. Bandas compostas de Pincollos, Hohocenos e Sicus (flautas) podem
ser ouvidas em algumas partes da Bolívia e poucos grupos são mais curiosos,
seja na América do Norte, ou na do Sul. Os musicólogos que fazem estudos
comparativos têm um campo aberto para colecionar os instrumentos atuais e
fazer interessantes registros fonográficos a fim de formarem arquivos no
futuro.
A livraria da Arno Hnos é a única de alguma importância, em La Paz. O
proprietário é um espanhol, atualmente em Madri e a loja está um pouco
desorganizada. Maiores informações podem ser obtidas com o cônsul
americano.
Cuzco tem uma pequena biblioteca pública no Instituto Arqueológico, onde
vamos encontrar o Dr. Toribu Zuniga. Os monges franciscanos e
dominicanos formaram arquivos na época colonial e há coleções ainda
existentes de obras dos séculos 16, 17 e 18. No entanto, é difícil encontrar
música nos arquivos locais, devido à atitude anti-artística do século 19,
quando muita coisa foi destruída.
Uma excelente biblioteca privada pertence ao musicólogo comparativo
Policarpio Caballero. Um comerciante de segunda-mão que tem uma grande
loja é Enrique Romana e ele provavelmente poderá ajudar na escolha de itens
raros e, eventualmente, manuscritos musicais.328

327 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31.

328 Ibid., p. 28.


150

- Discoteca de Lima, Peru

A Biblioteca Central da Universidad Mayor de San Marcos tem algum


material, mas os conventos e as igrejas é que devem possuir grandes
coleções de música peruana. Diz-se que há um grande arquivo musical na
Cúria Eclesiástica e o homem que sabe sobre ele é Don Pedro Vargas Ugarte,
decano da Faculdade de Letras da Universidade Católica de Lima. O Dr.
Jorge Basodre esteve na Universidade de San Marcos, até recentemente. Ele
didstingue-se como um erudito de primeira classe e seu conselho em matéria
de biblioteca é o melhor.329

- Discoteca de Quito, Equador

Passei várias manhãs tentando pesquisar música antiga em San Francisco,


San Augustín, na Biblioteca Nacional, etc.; tudo em vão. A melhor coleção
de música popular pertence a (...) Jacobo Vorbeck. Este amador possui
vários gêneros populares, [como] Cachullabis, Pasillos e San Juanitos (grifos
do autor), datados de cinquenta ou sessenta anos atrás. (...). A biblioteca de
El Pollo (Amable Carlos Ortiz), um compositor popular que faleceu há
alguns anos atrás, também enquadra-se nesta categoria.
O sr. Juan Gorrell seria o melhor contato, sobre o assunto. Ele fala
perfeitamente o inglês (...). Em segundo lugar, ele tem inclinação para levar
as pessoas interessadas ao objeto de pesquisa. Em terceiro lugar, ele é
eminentemente prático. Enrique Teran, diretor da Biblioteca Nacional, fez
um grande trabalho e é um estudioso dos métodos de biblioteca americana. A
espinha dorsal da coleção da biblioteca nacional é a antiga Biblioteca da
Companhia (...) dos jesuítas. O próprio edifício é uma pista de patinação
convertida e ficou surpreendentemente bem adequado para uma biblioteca.
Há uma secção especial dedicada às publicações do Equador.330

- Discoteca de Bogotá, Colômbia

A Biblioteca Nacional possui um departamento de música, fato isolado nas


bibliotecas sul-americanas. Os discos de vinil são a espinha dorsal das
coleções, como a Discoteca de São Paulo. A jovem responsável, Helona
González Ortiz, conhece música e as perspectivas de expansão são
brilhantes. Pode-se dizer que existem bibliotecários mais treinados e
estudiosos na Biblioteca Bogotá, do que em qualquer outra instituição sul-
americana que conhecemos. A qualidade do pessoal é muito alta. É claro que
o fato de o Arquivo Nacional funcionar no mesmo edifício ajuda muito.
Os arquivosmusicais que foram investigados até agora estão dentro da

329 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 29.

330 Ibid., p. 29-30.


151

catedral e lá encontra-se a obra de um compositor colombiano do século 18,


chamado Herrera, que antecedeu 75 anos o músico brasileiro [Pe] José
Maurício [Nunes Garcia]. Acredito que haja compositores venezuelanos ou
chilenos, deste período, cujas obras sobrevivem. O padre José Restrepo
Posada estuda o material de Herrera, no momento; mas, de toda forma, é
impossível obtermos suas cópias em microfilme, ou que alguns deles sejam
publicados.

Discotecas do Brasil, ainda por Carleton Sprague Smith


- Discoteca de Recife

Tanto Bibliotecas, quanto Arquivos musicais, são praticamente inexistentes,


em Recife. O Dr. José Maria de Albuquerque Melo, director da Biblioteca do
Estado, sendo secretário do interventor ou governador; acaba não tendo
muito tempo para a Biblioteca. Gilberto Freyre é o responsável do Estado
pelos Monumentos Públicos e quando eu estaive no Recife, nós caçamos
juntos material musical em bibliotecas de muitos mosteiros e igrejas em
Pernambuco e da velha cidade holandesa de Olinda.
Em nenhum lugar tivemos sucesso, a única música sendo encontrada por um
velho monge alemão franciscano que nos mostrou peças publicadas por
Bohm e Sohn, em Augsburg, há poucos anos atrás.331

- Discoteca da Bahia

A biblioteca original do estado foi queimada [em incêndio] há alguns anos e


Jorge Calmon de Bettencourt, seu atual chefe, não pode mostrar-me muito
material. Diz-se que o padre Luis Gonzaga Maria, do Colégio Antonio
Vieira, é familiarizado com os arquivos locais, mas estava fora da cidade
quando eu tentei entrar em contato com ele. Deve haver alguma música
colonial em inúmeras igrejas antigas que ainda estão de pé, apesar da falta de
interesse na composição do período.
A Biblioteca do Conservatório, sob a direção de Pedro Jatobá tem amostras
de material didático do século 19. Silvio Froes, ex-diretor, conhecido
também como Charles Marie (...) tem uma significativa coleção privada da
música europeia e da música local.
Donald Pierson, anteriormente, da Universidade de Chicago e o Professor
Loreno Turner (…) também acumularam uma boa quantidade de material
popular na Bahia.332

- Discoteca do Rio de Janeiro

A Escola de Música Nacional possui uma importante coleção de música e

331 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 21.
332 Ibid.,. p. 21.
152

livros, sendo particularmente interessante a dos manuscritos coloniais e


edições antigas. A Biblioteca da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro
tem muitos manuscritos de música que nunca foram exaustivamente
exploradas. A Biblioteca Nacional (sob direção de Rodolfo Garcia,
historiador) tem arquivos de jornal relevante para a história da música, junto
com algumas impressões e alguns manuscritos musicais. O padre franciscano
Pedro Zinzig tem fama de conhecer muito bem os arquivos do estado.
Roquette Pinto tem algum material indígena (gravações) que poderia ser
investigado e há dados ricos, no Museu Nacional , a serem explorados.
Diversas bibliotecas e instituições têm material
etnográfico de primordial importância.
O Instituto do Livro, dirigido por Augusto Meyer, está sediado na Biblioteca
Nacional. Seu objetivo é verificar a qualidade dos livros em todas as
bibliotecas do estado e preocupa-se com a publicação, tradução e importação
de outros países. O governo tomou recentemente iniciativa n o que diz
respeito à publicação da música impressa, o que possibilita a divulgação e
coleta de material. Mário de Andrade ocupou um cargo nessa organização,
após deixar São Paulo - mas ele já voltou à sua cidade natal. De fato, sua
dediação ao Instituto do Livro foi quase monástica e bibliotecários bem
treinados deverão dar continuidade a seu trabalho.333

- Discoteca de São Paulo

Sobre a Discoteca Pública Municipal, Carleton Sprague Smith escreve algo


muito próximo ao relatório que Oneyda Alvarenga publica, em 1942334

A Discoteca Pública Municipal de São Paulo é tão importante que todos


deveriam conhecê-la. O Arquivo fonográfico foi fundado por Fabio Prado,
como parte do Departamento de Cultura. É dividido em sete seções:

1) Departamento Fonográfico
a) Folclore musical brasileiro.
b) Música erudita de São Paulo.335
c)Arquivo da Palavra (discos das vozes dos brasileiros bem conhecidos para
estudos de fonética)

2) Museu Etnológico
Folclore - destina-se principalmente aos instrumentos musicais populares
brasileiros - independente da seção de música folclórica
3) Arquivo de documentos manuscritos folclóricos
4) Seção de Cinema - anexo ao departamento de folclore musical brasileiro.

333 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 22.
334 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII.
335 Gravações de Carlos Gomes, Artur Ferreira, João Sousa Lima, Francisco Casabona, Dinorah de Carvalho,
Francisco Mignone, A. Cantú, João Gomes de Araújo e Camargo Guarnieri.
153

5) Coleta de registros para uso público.


6) Biblioteca de partituras e livros técnicos.
7) Arquivo de Matrizes.

A D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] já realizou uma série de gravações. No


entanto, devido à falta de recursos, não há muitos registros e eles não são
vendidos. Os registros são distribuídos a organizações culturais, instituições
fonógrafo, e escolas de música, no Brasil e no exterior.

O Arquivo da Palavra tem apenas 17 gravações. Destas 17, 14 são uma série
de estudos de pronúncias regionais
De Fevereiro a Julho de 1938, a D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] financiou
uma expedição folclórica ao Nordeste do Brasil e os membros da expedição
que ficaram responsáveis pela coleta do material eram altamente capazes.
Foram reclhidos 1500 itens. A este material foram adicionadas 28 gravações
de congadas mineiras, cateretês, canas verdes, etc. No Museu Etnográfico
ficaram arquivados instrumentos musicais brasileiros, com finalidade de
estudos.
Com todo esse material valioso, a D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] atende o
público com vantagem. Além disso, disso, compositores, músicos e artistas
podem estudar música popular brasileira e suas origens.
O arquivo tem 382 fonógrafos, manuscritos musicais e uma pequena
coleção de filmes de 35mm folclore-etnográfico.
O arquivo de matrizes é principalmente para as matrizesvoltado à música
popular brasileira registrada por casas comerciais. Sabe-se que, logo que a
gravação não interessa mais ao público, nem ao distribuidor, um material
valioso, muitas vezes, é jogado fora.
A D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] pediu às empresas comerciais para não
destruir suas matrizes, mas dar-lhes para o Arquivo. Claro, se eles
precisarem de novo, A Discoteca está sempre disposta a devolvê-los. A RCA
Victor deu ao arquivo 57 matrizes da música popular brasileira. E a
Colômbia e a Odeon mantêm todas as matrizes que o Arquivo considera de
valor.
Na D[iscoteca]P[ública]M[unicipal] há cabines privadas, com ar-
condicionado, permitem que as pessoas possam ouvir discos sem serem
perturbadas. O equipamento fonográfico está localizado fora das cabines,
mas um amplificador torna possível a audição dos disco de forma clara. Os
equipamentos são controlados por botões elétricos, fora da cabines, por
fincionários. Há duas razões para isso: - Em primeiro lugar, a pessoa não tem
que fazer muito trabalho e, por outro, os fonógrafos não são manipulados
pelo público.
A biblioteca de música tem cerca de 5 .286 partituras e manuscritos que
serão disponibilizados ao público, assim que
forem catalogados.
Existe uma pequena coleção de livros, discos e partituras na Biblioteca
Pública Municipal, como também na divisão da
D[iscoteca]P[ública]M[unicipal]. O Conservatório Dramático e Musical
(localizado à Avenida São João, 269) contém alguns manuscritos coloniais.
O secretário da organização prometeu-me que iria enviar uma lista das
músicas compostas antes de 1850 (de algumas partes da América Latina.)
Uma excelente seleção de manuscritos e músicas publicados foi apresentada
154

no Congresso da Língua Nacional Cantada, em 1957.


Um dos melhores colecionadores particulares é Baptista Pereira - qualquer
pessoa interessada em material raro pode consultar sua coleção.

***
Esta breve panorâmica das Bibliotecas Musicais da América Latina pode dar
uma ideia aproximada da situação geral. Com algum apoio financeiro, boa
parte do progresso poderia ser feita. Uma viagem de estudo pelo continente
sul resultaria num grande serviço, parando-se o tempo suficiente em alguns
dos lugares mais importantes, para uma melhor avaliação musical.336

Vê-se que, no período das décadas de 1930 e 1940, a preocupação com a


sistematização do conhecimento, na área musical era generalizada, no Ocidente. As rádio-
escolas, com o mesmo fito educativo (procurando elevar o nível cultural do povo), deixavam
transparecer a tônica de cada país, no que tange à política do período entreguerras. Por
exemplo, a programação da rádio Suíça procurando ser neutra; a da Alemanha com sua
propaganda nacionalista – é curioso observar que Curt Lange, alemão naturalizado uruguaio,
também concordava com a intervenção de um Estado forte na programação do SODRE,
concordando mesmo com a censura, mas com visão de educador. 337
O Americanismo musical podia gerar tendências diversas, na criação de
discotecas: a discoteca como repositório, como arquivo onde os músicos buscassem
conhecimento e gerassem, por sua vez, a música erudita de seus países; a discoteca como
fonte de estudo de um país controlador como os Estados Unidos, que precisavam apoiar-se, na
época, na solidariedade dos países vizinhos, por vias culturais, tão propícias à aparente
neutralidade de linguagem que ultrapassa barreiras.
Mas existiu também o interesse de Mario de Andrade no estudo da música
norte-americana: no rastro das pesquisas infinitas do musicólogo, podemos encontrar no
periódico The Musical Quarterly, assinado pelo modernista, principalmente no intervalo de
tempo entre 1936 e 1940, significativas fontes de informação que embasaram a constituição
do juízo do estudioso sobre a música norte-americana. Por exemplo, no nº 2, de abril de
1936, localiza-se um artigo de notável contribuição que, sem dúvida, Mario de Andrade
incorporou aos seus conhecimentos. Trata-se de um artigo escrito por Burnet C. Tuthill, sobre
Howard Hanson, no qual a simples questão colocada pelo autor diz muito: “What makes

336 SMITH, Carleton Sprague. Music libraries in South America. [New York]: New York Public Library,
[194-]. p.19-31. p. 22-25.

337 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical. In: Boletín Americano de Música. Montevideo, Lumen,
1936. Ano II, Tomo II. p. 117-30.
155

American music American?”338 Vê-se que Mario de Andrade – como também fará,
paralelamente, Oneyda Alvarenga – acompanhava o surgimento de compositores
contemporâneos no cenário da música mundial. Da mesma forma, no mesmo número da
revista The Musical Quarterly, Mario de Andrade leu um artigo assinado por Greorge Pullen
Jackson339, intitulado Stephen Foster's debt to American folk-song. Ora, basta a menção do
título para projetar a importância deste compositor norte-americano. Bastaria: mas Oneyda
Alvarenga reforçava a grandeza dessa importância, ao incluir obras de Foster em seu
Concerto de Discos, realizado no dia 20 de junho de 1940. A saber, as músicas: I dream of
Jeanie with the light brown hair, Beautiful dreamer e outras... ou seja, toda a pesquisa de
Mario de Andrade levava Oneyda Alvarenga a continuar indefinidamente o mosaico que,
afinal, ia compor a História da Música. Quando a diretora da Discoteca Pública Municipal
concretizava o que preconizavam essas leituras no plano prático – e didático -, ela procurava
reconstituir a História Social da Música na mente coletiva dos ouvintes leigos, num processo
de aprimoramento de gostos.
Há ainda um artigo escrito por Virginia Larkin Redway340, chamado A New
York Concert in 1736341, que certamente Mario leu; como leu também, assinado por N.
Lindsay Norden, o artigo A new theory of untempered music342; como tomou ciência de
canções folclóricas de primitivos povos que ocupavam o país (Estados Unidos) e até
manifestações musicais e danças folclóricas do Hawai343; significativo da época em questão é
o artigo escrito, em 1938, por Winthrop S. Boggs: Music and stamps344 (sobre músicas que
inspiraram desenhos de selos postais – se isto não está ligado diretamente à valorização das
nações e suas honrarias, nada mais estará); o artigo de Marian Hannah Winter, American
Theatrical Dancing from 1750 to 1800345, também publicado em 1938, onde Mario de
Andrade vai confirmar o caráter coletivizador e socializante da música para teatro dos Estados
Unidos – e que Oneyda Alvarenga, por sua vez, vai exibir na prática em Concertos de Discos,
338 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1936-. p. 140.
339 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1936-. p. 154.
340 Ibid., p. 170.
341 Ibid., p. 170-7.
342 Ibid., p. 217-33.
343 Ao mesmo tempo que os Estados Unidos procuravam conhecer até a exaustão as fontes musicais de seus
domínios, pretendiam impor sua cultura a outros povos. Aludindo a esse fato, Mario de Andrade escreve:
'Hoje a Federação [Nacional dos Clubes Musicais] estende seus tentáculos culturais até o Alaska, as Filipinas
e Hawai, a toda parte da nação mandando em intercâmbio as suas orquestras, as suas massas de coros e os
compositores nacionais. '(p.23) ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Leuzinger,1941? 26 p. (Lições da vida americana, 3)
344 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1938. (1) p. 1-10.
345 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1938. (1) p. 58-73.
156

justamente para mostrar a Discoteca Pública se contrapondo ao individualismo da ópera


italiana...; artigos sobre compositores norte-americanos da atualidade: como Leo Sowerby, e,
naturalmente, Aaron Copland – sobre este, no artigo publicado pela revista, em 1939, de Paul
Rosenfeld: Current Chronicle: Copland - Harris – Shumann, onde o autor começa o texto
com as frases: “American music has a playboy! (…) The playboy is no other than our old
friend Aaron Copland.”346- e outros artigos sobre a música norte-americana na
contemporaneidade.347

Porém, não só artigos trazia The Musical Quarterly E se não se encontra


nenhum traço marginal de Mario de Andrade à margem dos textos propriamente ditos, é
possível, porém, constatar por anotações dele, quando assinalava com cruzetas desenhadas
com lápis vermelho e/ou grafite, as inúmeras obras indicadas na bibliografia, ao final de cada
número do periódico. Obras que o pesquisador leria depois – provavelmente ele as adquiria
por meio de compra, uma vez que, no Brasil, ainda era tímida a amostra de publicações
estrangeiras, em bibliotecas348. Isso significa uma abertura incalculável, uma vez que se
encontram assinaladas por Mario desde obras sobre danças mexicanas, até música para
cinema, passando, claro, por várias Histórias da Música (inclusive História da Educação
Musical – no artigo publicado em 1939349. Mas, no âmbito deste artigo, rastreamos em
vestígios de seu estudo, naquele entremeio entre os anos 1930 e 1940, sua dose de interesse na
História da música norte-americana.

E, para que não nos esqueçamos que os Estados Unidos também


mantinham interesse na música sul-americana, no mesmo sentido, só que em direção inversa,
o artigo publicado no nº 4 da revista The Musical Quarterly, de1939, e assinado por Paul
Rosenfeld, intitula-se Szymanowski - Villa-Lobos350. Abordando primeiramente o famosíssimo
compositor polonês, o autor do artigo, ao passar o foco para Villa-Lobos, começa o texto:
346 Ibid., p. 372 -81.
347 O último artigo do n º 1, do ano de 1940, é escrito por Ashley Pettis e se trata de um Forum de composição
norte-americana, realizado em 1935 – WPA - Works Progress Administration - foi uma agência do New Deal,
programa que foi concebido para combater o desemprego e, ao mesmo tempo, estimular a economia. Durante os
anos da Depressão, o WPA foi um dos maiores empregadores dos Estados Unidos, e os trabalhos do WPA podem
ser vistos em cada estado norte-americano, hoje. Como qualquer programa de bem-estar social importante, o
WPA teve sua cota de críticas e problemas, mas também foi saudado como uma organização extremamente útil e
produtiva.
In: THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1939 (1)..
348 Aliás, é curioso notar que, até a revista nº 1, de 1938, Mario de Andrade assinalou furiosamente a
bibliografia constante no final dos volumes. E, a partir do segundo trimestre do mesmo ano, deixou de fazer
sequer um vestígio nas revistas The Musical Quarterly.
349 THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1939(4) p. 442-54.
350THE MUSICAL QUARTERLY. New York,NY, G. Schirmer Inc., 1939(4) p. 513-8.
157

“Another cup-, libation-, wine-bearer was our good friend the United States of Brazil.” Fazia,
evidentemente, parte da política da boa vizinhança.

Abordando a origem da música norte-americana, em seu trabalho A expressão


musical dos Estados Unidos351, Mario de Andrade, de início, coloca os americanos do norte
como mais felizes, musicalmente, do que os do sul: se eles traziam, mesmo em seus cantos
religiosos e austeros demais, a polifonia puritana, por simples que fosse, ganhavam desde o
princípio o caráter de coletivo; já os sul-americanos, católicos, tinham de se consolar com um
cantochão monótono e uníssono. E, para agravar a situação, o povo não acompanhava esses
cantos religiosos. Depois, com a contribuição negra, o paralelo continuava: os negros trazidos
para a América do Sul, embora trouxessem de origem a música ritual e coletivizadora, aqui,
dada a imitação das práticas musicais, passaram a fazer música solista – e, portanto,
individualista. Os negros da América do Norte, por sua vez, como cantavam nas plantações e
nos rituais religiosos cristãos, criaram o jazz – embora Mario aponte no blue , com seu caráter
triste, o traço solista.
A respeito do caráter polifônico e “democrático” do jazz, que dava
oportunidade a todos os instrumentos, mas conservando o conjunto, Mario de Andrade
escreve que, originando-se dos corais protestantes, passando pelos cantos dos negros das
plantações, a música americana acabava sempre na coletivização: “a música americana é um
milagre de compreensão divinatória da vida.”352 A grande lição histórica da arte musical norte-
americana é que seu resultado terá vindo em máxima parte do caráter comunal, socializador
da sua polifonia religiosa e em seguida popular. Nessa realidade atual, “quasi nada se fez, em
música, que não fosse pelo processo associativo.”353 Tão intrínseco do modo musical dos
norte-americanos seria isto para Mario de Andrade que, mencionando a grandeza de Mac
Dowell, sugere que a sua celebridade, mais do que de sua composição, viria da cidade de
artistas, concretizada pela sua viúva, numa colônia de férias para músicos, em New
Hampshire. Em suas conclusões sobre a definitiva nacionalização da música dos Estados
Unidos, o musicólogo aponta que a presença de elementos urbanos, de Arranha-céus
(Carpenter) e Um americano em Paris (Gershwin), por exemplo, não são menos “nacionais”
do que músicas contemporâneas de velhos países europeus, onde o traço da música vinda do

351 ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26 p.
(Lições da vida americana, 3)
352 Ibid., p. 12.
353 Ibid., p. 18.
158

solo primitivo já foi incorporado à composição erudita nacional de maneira bem resolvida.
Mais adiante, no capítulo 4, ao se mostrar os repertórios de Concertos de Discos da Discoteca
Municipal, será possível averiguar que - não gratuitamente - essas duas composições dos
autores contemporâneos norte-americanos (Arranha-céus e Um americano em Paris) serão
usadas didaticamente por Oneyda Alvarenga, nas audições públicas semanais: a primeira foi
executada e a segunda mencionada em texto explicativo sobre Gershwin. E Mario de
Andrade vai mais além, quando questiona se o internacionalismo da música norte-americana,
na atualidade que vivia, não seria o lado mais humano e feliz do cosmopolitismo.354
Já que Mario de Andrade chama a atenção para a “grande lição histórica
da arte musical dos Estados Unidos”, é preciso lembrar que ele dá ênfase ao que chama de
“força social” dessa arte. Para o musicólogo, é essa força que serve de base para a função
social das discotecas – um fato ligado a outro: a função social das discotecas; a
democratização do conhecimento musical; a função didática das discotecas. Mario de
Andrade conclui que a força social da música nos Estado Unidos viria de sua sistematização
de seus primórdios corais, ligados ao puritanismo religioso.355
Falando da vaidade nacional dos Estados Unidos, “inigualável entre os povos
contemporâneos”, Mario escreve:

Hoje os Estados Unidos têm a sua semana da música nacional (…) E não só
de música nacional como de música panamericana, preocupados da
cooperação musical com esta América do Sul, como o provou a
interessantíssima Conferência sobre Relações Musicais Interamericanas,
realizada em Washington, em outubro do ano passado356(…) aliás, só havia
norte-americanos e o pensamento norte-americano, com mais apenas a voz
desse admirável sonhador e realizador que é o musicólogo Curt Lange. Os
países sulamericanos não foram ouvidos, embora eu não tenha forças (…)
para condenar essa atitude de panamericanismo solitário (…) Ainda
recentemente, (…) o novaiorquino Carleton Smith, embora fazendo um
estudo de egoística incompreensão, muito chewingunizado, sobre a situação
musical sulamericana, tinha (…) esta observação dolorosa mas profunda em
relação a todos nós: 'Muitas vezes (…) tenho a impressão de que nós, norte-
americanos (…) sentimos mais profundamente do que os sulamericanos.'

354 ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26 p.
(Lições da vida americana, 3) p.1 9.
355 Ibid., p. 21.
356 Referente a 1939. A expressão musical dos Estados Unidos, conferência de Mario de Andrade foi realizada
no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no dia 12 de dezembro de 1940 e publicada depois –
segundo página do IEB, a publicação é de 1940. Em carta de 18 de abril de 1941, Carleton Sprague Smith
escreve para agradecer e elogiar o “pequeno” estudo de Mario de Andrade: “A expressão musical dos EUA”.
In: SMITH, Carleton Sprague [Carta] 18 abr. 1941, Nova Iorque, EUA. [para] Mário de Andrade. São Paulo.
1 folha. Comentário sobre a repercussão do texto de Mario de Andrade “A expressão musical dos Estados
Unidos”.
159

Este sentir 'como coletividade' é o que apresenta o panorama da música


norte-americana.357

Neste seu trabalho358, Mario de Andrade ainda vai abordar o rádio norte-
americano, a vulgarização da hora de educação musical/radiodifusão educativa359, a criação
ianque dos meios de mecanismos da socialização da música, mencionando ainda a
importância da educação musical do povo norte-americano ('panorama incomparável de
musicalização social de um povo'), quando descreve o incentivo que se dá ao grande público,
tanto de médias, quanto das grandes cidades, a formação sempre coletiva: de corais,
orquestras, bandas, programas de óperas gratuitas - e a frequência do povo nos concertos.
Assim, quando toca no assunto das discotecas:

Nas bibliotecas das cidades há sempre uma discoteca anexa, com serviço
circulante dos próprios discos; sem contar as discotecas de serviço científico
especializado, como a de Washington, que já superou em riqueza o
Phonogramm Archiv de Berlim, conta atualmente para mais de 50 mil
fonogramas de raças primitivas ou folclóricas do mundo inteiro. Por meio do
fonógrafo e dos discos distribuídos gratuitamente, uma instituição já
conseguiu aumentar de mais de 50% a frequência espontânea a concertos,
numa cidade de tipo médio.360

Mario de Andrade deixa clara a função social dessas instituições, derivando da


própria força social da música: as discotecas são o celeiro do material sonoro e, àquela época,
também a plataforma onde se fazia a gravação de registros a serem preservados e estudados.
Vê-se que esse conceito de “reeducação e gravação”norteava tanto C. Lange e
Sprague Smith, quanto Mario de Andrade. Os três musicólogos idealizavam e criavam
acervos de registros sonoros em seus países, pautando-se pelos conceitos de rádios educativas
dos países europeus, como, de resto dos próprios Estados Unidos, – Sprague Smith e Curt
Lange por sua vivência e Mario de Andrade, a partir de leituras, já que desde a década de
1920 já assinava periódicos europeus – mais especificamente Le Ménestrel, sobre o assunto: a
357 ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26 p.
(Lições da vida americana, 3) p. 21-2.
358Ibid., p. 23.
359 Em carta de 18 de abril de 1941, Smith envia folhas mimeografadas que descrevem claramente o programa
de música da Rádio-Escola das Américas da Colúmbia Broadcasting System para 1941-42. A partir de 8 e
outubro, essa Rádio iria fazer uma série de transmissões de interesse para os americanos do Norte e Sul. Nos
programas, apresentariam músicas das Américas do N e S, canções nas três línguas do continente. Queria que
MA enviasse canções populares de caçadores, mineiros e gente da montanha. In: SMITH, Carleton Sprague
[Carta] 18 abr. 1941, Nova Iorque, EUA. [para] Mário de Andrade. São Paulo. 1 folha. Comentário sobre a
repercussão do texto de Mario de Andrade “A expressão musical dos Estados Unidos”.
360 Ibid., p. 23.
160

discoteca como plataforma de preservação da manifestação musical folclórica e nacional, sim.


Mas o que ela trazia de pioneiro e principal era o papel de lugar da gravação desses registros.

3.13 Discotecas no Brasil

3.14 Discoteca Nacional

Para ter-se visão do que era a função das discotecas – pelo menos no Brasil –
podemos traçar um paralelo, no mínimo interessante, entre a Discoteca de São Paulo e a do
Rio de Janeiro.
Segundo informações de Mercedes Reis Pequeno361, o acervo da Seção de
Música da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro começou a ser formado mediante um
trabalho de “garimpagem”, no 4° andar da Biblioteca Nacional, onde estava localizada a
Coleção Teresa Cristina, que pertencera ao imperador, na qual encontravam-se não só livros
sobre música, mas também partituras musicais que haviam pertencido à imperatriz
Leopoldina. Também havia uma vasta coleção de músicas de salão recebidas por exigência
da Lei de Contribuição legal. Foi com a compra da Coleção Abraão de Carvalho (19.000
peças, entre as quais obras dos séculos XVI, XVII e XVIII), em 1953, que o acervo se
estruturou. A aquisição de livros do exterior, inclusive as Obras Completas dos grandes
compositores (Bach, Beethoven, etc.) as coleções Monumenta, compradas na Alemanha, tudo
isso fazia parte de uma complicada rotina de obtenção de verba, etc. Com isso, foi adquirido
material de Vivaldi, madrigais ingleses, obras do período Barroco, Renascença, entre muitos
outros.

361 Relacionando a criação da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, em 1935, ano em que começou sua
organização, para ser inaugurada em 1936, com o aparecimento de outras discotecas dentro e fora do país, na
mesma época, buscamos informações junto a Mercedes Reis Pequeno (criadora e diretora da Seção de Música da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, de 1942 até 1990.) Ela teve dupla formação: piano, pela Escola de
Música da então Escola de Música da Universidade do Brasil, atual UFRJ e bibliotecária, formada pelo curso
intensivo oferecido pelo DASP. Como aluna de Luís Heitor Corrêa de Azevedo, na cadeira de Folclore da UFRJ,
interessou-se pelo trabalho de pesquisa na área de música sob orientação dele. Muito mais tarde, convidada a
trabalhar com Charles Seeger, diretor da Seção de Música da então União Panamericana (hoje OEA) em
Washington, DC Teve também a oportunidade de secretariar Carleton Sprague Smith, quando adido cultural dos
EEUU no Rio de Janeiro.
A diretora da Seção de Música da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro teve contato por correspondência com Oneyda Alvarenga a propósito da
existência da Associação Internacional de Bibliotecas de Música. Na década de 1940, Mercedes Reis Pequeno
buscou contato com outras discotecas e bibliotecas de música. Mas Oneyda Alvarenga foi das poucas pessoas
que se interessaram em colaborar com a AIBM.
161

O acervo da Seção de Música continha material erudito e popular. Folclórico,


apenas material contido em livros, pesquisas impressas, etc. (Luíz Heitor Corrêa de
Azevedo362, que havia defendido tese, em 1938, sobre música indígena brasileira, era
bibliotecário - sem formação acadêmica - e coletara material de música folclórica em, pelo
menos, três viagens ao Nordeste do Brasil, patrocinadas pela Biblioteca do Congresso, de
Washington. Este material ficou na Escola Nacional de Música.)
Da mesma forma que a compra da coleção Abraão estruturou o acervo da
Seção de Música, foi com a doação (por testamento) da coleção de discos de Renzo Massarani
(crítico musical), que se iniciou o Arquivo Sonoro da Seção de Música. . A discoteca está
incorporada à DIMAS (Divisão de Música e Arquivo Sonoro), no prédio do MEC.
Quanto ao processamento técnico – classificação e catalogação -, os discos
ficavam classificados por “formação”: composições para piano, composições sinfônicas, etc.
A catalogação dos discos não chegou a ser feita na gestão de Mercedes Reis Pequeno. Já a
catalogação do acervo (partituras) era feita em fichas catalográficas e, no caso de livros,
muitas vezes eram usadas as fichas impressas recebidas da Biblioteca do Congresso de
Washington, DC, evitando duplicação de trabalho. Para tanto havia sido feito um convênio
entre as duas Bibliotecas.
O público consulente da Seção de Música era composto por estudantes,
professores, musicólogos, e também por interessados pela música em geral. Com a
implantação do serviço de cópia reprográfica, os estudiosos chegavam a pedir 500 cópias por
dia, aumentando a frequência significativamente. O acesso aos depósitos não era livre: havia
um funcionário que recebia o pedido dos consulentes e outro que encontrava o material no
acervo e entregava aos usuários. O Arquivo Sonoro dispunha de cabines para audição dos
discos.
Além da própria organização do acervo e atendimento ao público, a Seção de
Música da Biblioteca Nacional desenvolveu atividades como exposições (até 1990, foram
realizadas trinta e oito exposições comemorando efemérides musicais.) A ideia era mostrar
acervo e, em alguns casos, tinham propósito didático. Foram impressos vários catálogos
dessas exposições. Na época, a Seção de Música não dispunha de pessoas especializadas em
362 Mercedes Reis Pequeno se interessou pela disciplina Folclore e pelo estudo de tratamento da informação
após assistir a defesa de tese de Luíz Heitor Corrêa de Azevedo, em cuja banca estavam Mario de Andrade,
Andrade Muricy, Renato Almeida, entre outros. Provavelmente Luíz Heitor Corrêa de Azevedo entusiasmara-se
em lecionar para a primeira turma de Folclore, em 1938, na Escola de Música da Universidade do Brasil (atual
UFRJ) por estar o tema em foco, na ocasião. Mario de Andrade, Edson Carneiro e muitos outros folcloristas
(hoje etnomusicólogos) discutiam o assunto.
162

lay-out e a própria diretora da Seção da tarefa , auxiliada pelo pessoal das gráficas, incumbia-
se das tarefas de montagem dos catálogos. Além disso, a Seção de Música da Biblioteca
Nacional patrocinou concertos, como a apresentação do Quarteto Iacovino; conferências,
como a realizada pelo etnomusicólogo Antony Seeger; criou-se ainda, com o professor e
conferencista Hans Joachim Koellreutter, um Centro de Documentação de Música Alemã
Contemporânea.
O Rio de Janeiro também teve uma Discoteca Municipal, que, já na década de
1930, funcionou no Edifício Andorinha. Na época, o acervo estava catalogado, porque
dispunha de bibliotecários. A Discoteca Municipal possuía gravações de Villa-Lobos feitas
nos trabalhos do compositor em escolas.
Além da natureza do acervo da Seção de Música da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro ser de caráter um pouco diferente do da Discoteca Pública Municipal de São Paulo,
o que, obviamente, direcionava a política de divulgação do acervo de cada uma das duas
discotecas, conforme seus raios de ação, não se cogitou da criação de uma rádio-escola
vinculada à Seção de Música da Biblioteca Nacional. Mas vê-se que ambas mantiveram
durante o tempo todo o caráter didático, quanto ao atendimento ao público.
Porém, dentro do âmbito da coleta e organização da música brasileira, o
trabalho de Mercedes Reis Pequeno teve relevo, do ponto de vista da divulgação da música
latino-americana no que concernia à uma urgência, do momento histórico, em se conhecer
esta música, suas características, suas peculiaridades: a tradução dos aspectos culturais – a
mescla de culturas de cada país americano. Sistematizar o conhecimento das diferentes
culturas para além de ampliação do conhecimento, sem dúvida; como busca da expressão
americana, mas também como forma de controle?
Entre 1947 e 1949, Mercedes Reis Pequeno trabalhou ao lado de Charles
Seeger, musicólogo e diretor da Seção de Música da União Pan-Americana (atual OEA.)
Tendo à sua disposição uma biblioteca, partituras musicais, periódicos, etc., sua função era
pesquisar e atender às solicitações que vinham, por correspondência, por telefone, etc., sobre
a música e a vida musical na América Latina. Era, basicamente, um serviço de referência,
divulgando a cultura musical latino-americana. Neste período, publicou-se também uma
História da Música no Brasil, em edição bilíngue (inglês /português.)
Mercedes Reis Pequeno trabalhou também, no Rio de Janeiro, com Carleton
Sprague Smith, quando este esteve na cidade. Mercedes Reis Pequeno confirma a grande
163

preocupação do músico com a importância da organização de acervos musicai e o fato de que,


como adido cultural dos Estados Unidos, ele encarava isto como parte da política norte-
americana da época – a chamada “politica de boa vizinhança”. Quando transferiu-se para São
Paulo, posteriormente, ampliou seus contatos com artistas e intelectuais brasileiros.

3.15 Discoteca Pública Municipal de São Paulo

Como se verá, ainda neste capítulo, desde a década de 1920, Mario de


Andrade já assinava periódicos estrangeiros e lia sobre o funcionamento das rádio-escolas de
países europeus – em muitos países havia preocupação quanto à educação musical dos povos.
Neste período entreguerras, criavam-se também as discotecas, tanto na Europa, como a do
Estado, na Itália, quanto na América, com o objetivo de preservação da memória musical, só
que voltando-se para a gravação de músicas caracteristicamente folclóricas, a fim de constituir
acervos voltados para pesquisadores, visando a criação da música erudita dentro da proposta
do americanismo.
Quando a Discoteca pública Municipal de São Paulo foi criada, em 1935, seus
objetivos centrais eram: 1) a preservação da memória musical, por meio da gravação de
música folclórica do Brasil, que foi registrada em fonogramas e 2) o uso desse material como
objeto de pesquisa pelos músicos eruditos. Dentro da proposta do Americanismo musical, a
Discoteca Pública Municipal oferecia meios de apoio à formação dos músicos e, assim, da
própria música erudita brasileira, nesse processo de caracterização do nacional, nas décadas
de 1930 e 1940, principalmente.
Os acervos da Discoteca de São Paulo se constituíram de:
1º) – Registros sonoros:
a) – de folclore musical brasileiro
b) – de música erudita da escola de São Paulo
c) – Arquivo da Palavra (vozes de homens ilustres do Brasil e
gravações para estudos de fonética)
2º) – Museu etnográfico-folclórico, principalmente destinado a instrumentos
musicais populares brasileiros, complemento indispensável dos registros de folclore musical.
3º) – Arquivo de documentos musicais folclóricos grafados a mão.
4º) – Filmoteca anexa ao serviço de registros de folclore musical brasileiro.
164

5º) – Coleções de discos para consultas públicas.


6º) – Biblioteca musical, pública, de partituras e livros técnicos. (O acervo de
livros de estruturou a partir de critérios de Oneyda Alvarenga)
7º) – Arquivo de matrizes.
Para se ter conhecimento de todos os serviços enumerados por Oneyda
Alvarenga e esclarecimento completo sobre eles, é preciso ver o Anexo B 363, desta
Dissertação. (Paulo Duarte, em Mario de Andrade por ele mesmo364, descreve os acervos,
discriminando: “400 documentos musicais gravados, fitas documentais etnográficas (…)” E
fala do número de discos: “perto de quatro mil” e um biblioteca musical “de cerca de 2000
volumes.”)
A atual Discoteca Oneyda Alvarenga, instalada no Centro Cultural São Paulo,
na capital do estado, originalmente chamada Discoteca Pública Municipal, foi criada pelo
Departamento de Cultura, em 1935, sob a diretoria de Mario de Andrade, durante a prefeitura
de Fábio Prado. Oneyda Alvarenga, que tinha acabado de se formar no Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo, em 1934, e havia voltado para a cidade-natal, Varginha,
MG, foi chamada por Mario de Andrade para ser nomeada diretora da Discoteca Pública
Municipal.
A proposta de estudo da criação e existência dessa discoteca foi idealizada
conforme as necessidades apuradas por Mario de Andrade naquele universo social do Brasil e
da América das décadas de 1920, 1930 e 1940, coerentes com os ideais do americanismo
musical defendido pelo musicólogo Curt Lange.
Tendo-se, então, os documentos musicais como suporte ao reconhecimento de
elementos folclóricos e redescoberta das manifestações musicais das classes majoritárias
pelos compositores nacionais, a Discoteca Pública Municipal pautou sua funções
privilegiando a recuperação e a gravação de registros sonoros de músicas folcloricas. A
Discoteca Pública Municipal responsabilizava-se pela preservação de suportes musicais
(fonogramas, gravações, ícones, fotografias, textos) como fontes de pesquisa para
musicólogos e também para usuários leigos, contribuindo para a memória e compreensão da
música e cultura nacionais.

363 ANEXO B, p. 352-6 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Entrevista dada ao Diário da Noite.
Discoteca Pública Municipal de São Paulo e documentação musical. Transcrição do texto integral, sem indicação
de entrevistador. Entrevista. Datiloscrito, 17 de agosto de 1938, cópia 'B' carbono, 6 p. - (da mesma forma)
Consultada cópia xerográfica.
364 DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971. p. 64.
165

Paralelamente à Discoteca Pública Municipal de São Paulo, sempre no mesmo


diapasão da urgência em se fundamentar os conhecimentos culturais sobre sólidas bases
científicas, (e tendo como objeto de estudo assuntos estreitamente ligados a ela), é instituído
em abril de 1936, por Mario de Andrade, o curso de Etnografia, ministrado pela professora
francesa Dina Lévi-Strauss, que fora assistente no Musée de L'Homme, em Paris.365
Justificava Mario de Andrade: “(…) A Etnografia brasileira vai mal. Faz-se necessário que ela
tome imediatamente uma orientação prática em normas severamente científicas.”366
Tendo vindo com seu marido, Claude Lévi-Strauss, Dina lecionou para
estudiosos do assunto – naturalmente, Oneyda Alvarenga, entre outros, como Luís Saia,
cursou as aulas -, durante um ano. Como fecho, Mario de Andrade declarou ao casal de
pesquisadores que fundaria um Clube de Etnografia, alegando a necessidade de especialização
técnica dos pesquisadores ligados ao Departamento de Cultura e aos museus do país.367 Uma
comissão composta por pessoas que cursaram as aulas de Dina Lévi-Strauss e, orientada por
Mario de Andrade, elaborou questionário para o chamado Inquérito Folclórico, a fim de
coletar informações de maneira sistemática e bastante descritiva sobre alguns aspectos da
cultura popular. As respostas de tal questionário foram analisadas “e tabuladas por Dina Lévi-
Strauss, Oneyda Alvarenga, Mário Wagner, Carlos Mascaro e Rafael Grisi (…) O resultado
desse inquérito foi o primeiro ensaio de cartografia feito no Brasil (...)”368
Em 1938, os membros da Missão de Pesquisas Folclóricas que percorreu o
Norte e o Nordeste do Brasil, na tarefa de coletar cantos e danças folclóricos da região,
trouxeram registros sonoros, os fonogramas, para comporem o acervo da Discoteca

365 SÃO PAULO (CIDADE). Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Cultura. Centro Cultural São
Paulo. Sociedade de etnografia e folclore. São Paulo : CCSP, 2004. (Série Catálogo Acervo Histórico) p. 5.
366 ANDRADE, Mario de. A situação etnográfica no Brasil. Jornal Síntese, Belo Horizonte, vol.1, nº 1, out. de
1936.
367 Marta Amoroso ilustra bem a situação do momento: “Mario de Andrade trazia para a Sociedade de
Etnologia e Folclore e para o Departamento de Cultura o desdobramento de antigos projetos pessoais. “
Marta Amoroso se refere à estreita ligação, à necessidade mesmo, dos fundamentos nas raízes das formas
populares de criação, quando da expressão de linguagem artística popular. “As notas deixadas por Dina Lévi-
Strauss nos auxiliam a qualificar a natureza de empreendimento que estava por trás do fazer etnográfico nas
cidades e entre as populações ameríndias. O conceito de folclore associado à antropologia se afastava da
busca do pitoresco e do exótico para ir ao encontro da dinâmica da sociedade em sua expressão viva (…)
'Uma coleção de objetos sistematicamente reunidos constitui verdadeiro arquivo '(…) Uma coleção
etnográfica não é uma coleção de obras de arte, mas representa uma cultura e seu interesse consiste nisto
(...)” In: SÃO PAULO (CIDADE). Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Cultura. Centro
Cultural São Paulo. Sociedade de etnografia e folclore. São Paulo : CCSP, 2004. (Série Catálogo Acervo
Histórico) p.73.
368 SÃO PAULO (CIDADE). Prefeitura do Município de São Paulo. Secretaria de Cultura. Centro Cultural São
Paulo. Sociedade de etnografia e folclore. São Paulo : CCSP, 2004. (Série Catálogo Acervo Histórico) p. 6.
O trabalho foi publicado sob o título de Etudes Cartographiques des Tabous Alimentaires et de Danses
Populaires.
166

Municipal. A guarda e organização (catalogação) desses fonogramas possibilita a pesquisa dos


documentos sonoros. A análise do destino de tais documentos contextualiza-se na linha de
pesquisa da realidade da criação e a criação da realidade do país, uma vez que o canto e a
dança folclóricos são manifestações populares, ou seja, têm sua origem na realidade brasileira
e são passíveis de mudanças, à medida em que se alteram, conforme o deslocamento pelo
território e pelo tempo. Mas também conformam o universo que os envolve, à medida que
constituem herança, patrimônio artístico e cultural, fontes de estudo.

3.15.1 A Catalogação da Discoteca por Oneyda Alvarenga

Em 1941 é publicado o “Catálogo dicionário” aplicado a uma discoteca, na


Separata da Revista do Arquivo. Tratava-se de uma obra de autoria de José Bento Faria
Ferraz, que fora aluno de Mario de Andrade no Conservatório Dramático e Musical de São
Paulo. À época em que redige as explicações sobre o catálogo dicionário da Discoteca Pública
Municipal, José Bento era secretário de Mario de Andrade e continuou nessa função até a
morte do ex-professor. Num tom descontraído até onde as formalidades permitiam,
possivelmente para suavizar as informações muito técnicas, José Bento Faria Ferraz explica
em detalhes a adoção de critérios de catalogação do material sonoro, na instituição pública
dirigida por Oneyda Alvarenga, mostrando como se agiu a fim de sanar certas limitações
encontradas, quando do tratamento das partituras e discos. Nessa publicação escrita
simultaneamente ao preparo do relatório de Oneyda – que seria publicado em 1942 -, José
Bento menciona as divisões do catálogo por título; autor (compositor); forma (assunto);
século; país; intérprete, explicando até onde a catalogação da Discoteca pudera atender às
exigências técnicas da moderna biblioteconomia e justificando também a adoção de entradas
de busca – com país e século.
Quando escreve o relatório da Discoteca, em 1941 – publicado em 1942 -,
Oneyda Alvarenga fornece detalhes de catalogação, onde explica que cada título de
composição era registrado em fichas catalográficas, conforme a língua original do país da
gravação. Mas Oneyda reuniu, fisicamente, no fichário de títulos, as entradas por títulos em
francês, alemão, português, etc., logo depois da ficha de título do primeiro disco, ou partitura
que entrou no acervo - obviamente, quando se trata da mesma obra. Por exemplo: a gravação
de Le Sacre de Printemps foi adquirida antes. Mas depois, a Discoteca adquiriu a mesma obra,
167

só que numa gravação brasileira: A Sagração da Primavera. Oneyda reunia, então, no


fichário, primeiramente, Le Sacre de Printemps; em seguida, A Sagração da Primavera. Nem
sempre a Discoteca tinha várias gravações da mesma obra. Mas, às vezes, mesmo quando
dispunha daquelas indicadas por Mario de Andrade, Oneyda ainda poderia, por algum motivo
comparativo, com propósitos didáticos, (ou porque fossem mais corriqueiros do que se pensa
os danos sofridos pelos discos), na época, era comum preferir outra gravação presente no
acervo, ou mesmo emprestada (cedida temporariamente para realização de um determinado
concerto) por algum colecionador de discos – neste caso, Oneyda agradecia formalmente o
empréstimo.
Em sua discografia, Mario de Andrade tenta abrasileirar ao máximo os nomes
dos compositores, enquanto que grafa os títulos na língua original da gravação – seja
estrangeira ou nacional. É também interessante observar que Mario de Andrade reuniu no
capítulo “Romantismo” compositores como Rachmaninov (1873-1943) e Beethoven (1770-
1827): o autor incluiu compositores que não eram precisamente românticos, junto aos do
século XIX, por terem nascido no final do século anterior, ou por terem morrido nas primeiras
décadas do posterior. Já Roussel (1869-1937), por exemplo, nascido e falecido, portanto,
antes de Rachmaninov, e Ravel (1875-1937), contemporâneo dos dois, Mario de Andrade vai
analisar no capítulo “Atualidade”.
A função educativa a Discoteca Pública Municipal de São Paulo se efetivava
no processo de elaboração de programas de concertos e conferências escritas e proferidas por
Oneyda Alvarenga, baseadas em discos pertinentes ao acervo, assim como a utilização do
espaço de salas de audição, eram atividades com propósito didático, na função social da
instituição.
Em carta a Oneyda Alvarenga, de 6 de julho de 1935, Mario de Andrade sugere
a ela que faça catalogações e comentários aos discos, para quando se iniciasse a rádio-escola.
Mario de Andrade explicava que o objetivo inicial da Discoteca era catalogar material para a
rádio-escola.369 O Departamento de Cultura, quando se estruturou, como afirma Mario de
Andrade nesta carta, teria quatro divisões, comportando em suas seções a rádio-escola. Assim,
Oneyda Alvarenga fez programas para a “jamais criada” Rádio-Escola, como também
elaborou concertos com discos e comentários (conferências ilustradas com discos) para a
Discoteca Municipal. Tais Concertos serão analisados no Capítulo 4, desta dissertação.

369 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
p.118-120. 6 jul. 1935.
168

A Discoteca não era, então, só o lugar da preservação da memória musical do


povo, mas – isso no Brasil e nos outros países – era também o lugar da gravação de registros
sonoros.
Não é demais relembrar o que aconteceu com a Discoteca Pública Municipal,
em termos burocráticos: sua função primeira era servir de apoio à Rádio-Escola, que também
seria criada dentro do Departamento de Cultura. A função dessa Rádio seria veicular tudo o
que pudesse perfeiçoar a cultura da população. A Rádio-Escola trabalharia em parceria com
outras emissoras e a Discoteca contribuiria com discos e gravações do acervo. Mas o preço
das instalações era muito alto e, até 1938, a Rádio não funcionou.370
A Discoteca Pública Municipal tomou, então, para si, a função didática na
formação de ouvintes – senão de músicos, ao menos de pessoas musicalizadas. Essa condição
inesperada fez com que a Discoteca da cidade assumisse o papel da Rádio-Escola. O fato de a
Discoteca ter se constituído como uma plataforma de ação na preservação de memória e
divulgação de conhecimento musical só era possível pela múltipla formação da Oneyda
Alvarenga.
Ao consultar Henri de Carvalho371, encontramos o relevo com que o autor trata
conceitos básicos das relações criador/obra-de-arte/intérprete/ouvinte em Introdução à
estética musical,372 em que Mario de Andrade define o ouvinte da seguinte maneira, não sem
antes lembrar que “...na manifestação musical o ouvinte é uma entidade tão importante quanto
o criador” 373:

Quem é o ouvinte? Será aquele que ouve. (…) porém em arte ouvir é mais
do que isso. Nem todos os que ouvem uma obra musical a estão ouvindo
realmente. Carece saber ouvir. Ouvinte é o ser psicológico que toma uma
atitude desinteressada de contemplação diante da manifestação musical. (…)
o ouvinte toma uma atitude de absoluta passividade pela qual ele adquire

370 Em 1938, Fábio Prado deixou a prefeitura, para entrar, Prestes Maia, com o Estado Novo, Mario de
Andrade também deixa o cargo de diretor do Departamento de Cultura. Prestes Maia aboliu o projeto da Rádio-
Escola, quando extinguiu a Divisão de Turismo e Divertimentos Públicos. Isto estava dentro das atitudes que
levaram ao desmonte do Departamento de Cultura.
371 CARVALHO, Henri de. Mario de Andrade e o estro romântico de sua propositura estético-musical:
expressão da determinação histórica no capitalismo hiper-tardio. São Paulo: PUC, 2009. Tese. p. 147.
372 Introdução à estética musical foi escrita em 1926. Nesta época, Mario de Andrade ainda não tinha
começado a fazer da audição de discos uma prática de rotina. Na segunda edição do Compêndio, de 1933, Mario
de Andrade já indica, ao final de cada capítulo, uma discografia que vai nortear a formação do acervo da
Discoteca Pública Municipal, em 1935 – apenas dois anos após, portanto.
373 A consciência da responsabilidade social estaria, para Mario de Andrade, atrelada às questões ligadas à
relação música e ouvinte. In: COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo
musical. Campinas, SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 19.
169

estados de alma que realmente se originam da obra-de-arte e não dele.374

Aliás, Mario de Andrade também muito se baseou em Aaron Copland. What do


listen for in music, de Aaron Copland375 foi a obra em que se apoiaram Mario de Andrade e
Oneyda Alvarenga. Esta, para redigir Como ouvir música, último capítulo do livro inédito A
Linguagem Musical. Aquele, às voltas com interesses acerca de questões de maior
envergadura do que a conceituação de ouvinte, por exemplo. Coli376 lembra que “Mario de
Andrade sempre tomou a música no sentido mais amplo de seu espectro cultural. Este ponto
de vista faz com que ele a considere numa relação interativa com o ouvinte (…)”, [no sentido]
“de indagar sobre as relações efetivas, concretas, entre música e ouvinte.” Seria o interesse do
ponto de vista antropológico, explorando reações fisiológicas das pessoas de acordo com os
sons musicais ouvidos.
Retomando o interesse constante nas discotecas da América do Sul, por parte
de autoridades norte-americanas na área da musicologia, conforme se viu acima, depois de
estruturado o acervo da Discoteca de São Paulo, alguns fatos podem ser ilustrados com
passagens da correspondência entre Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga. Sob o tom
divertido de frases e expressões como: “Sempre aparecem figurões querendo escutar nossas
gravações no Nordeste”377; “Oneidíssima”378 e “Pedidos, pedidos, pedidos”379, se deu a troca
de cartas entre o musicólogo, então morando no Rio de Janeiro, e a diretora da Discoteca
Pública, no período entre 1939 e 1940. Nelas há referências à importância que os estrangeiros
atribuíam ao material fonográfico folclórico coletado pela Missão de Pesquisas Folclóricas,
do Departamento de Cultura de São Paulo, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

374 ANDRADE, Mario de. Toni, Flávia Camargo (pesq).Souza, Gilda de Mello e(pref).Mammi, Lorenzo
(coment). Introducao à estética musical. São Paulo, Hucitec, 1995. Mariodeandradiando. p. 65.
375 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística. In: Mundo musical. Campinas,
SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 347-8. Aaron Copland afirma que as pessoas que se dizem amantes da música,
ouvem música para entrar no mundo dos sonhos, numa atmosfera de escape. Assim, vão a concertos não pela
música, mas por esse efeito.
376 Ibid. Coli faz menção ao artigo Os Tanhauseres, escrito por Mario de Andrade e publicado na Folha da
Manhã, aos 10 de fevereiro de 1944. No texto de Mario, aparece citação a Aaron Copland. Jorge Coli aponta
para o interesse de Mario nessa relação do ouvinte com a música, que o leva a derivar em pensamentos, vagar
por ideias e imagens. No caso, Mario, ouvinte de um concerto no qual devaneou, o resultado foi esse artigo no
qual se critica satiricamente a própria arte pura.
377 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
308 p. 2º parágrafo de carta de 18-V-1940, de Mario de Andrade a Oneyda Alvarenga. p. 235.
378 Ibid., p. 236. Carta de 12 de julho de 1940. Única vez que Mario de Andrade usa o tratamento superlativo,
se permitindo brincar com Oneyda Alvarenga, justamente neste intervalo de transações de material
fonográfico e visitas de estrangeiros à Discoteca Pública de São Paulo.
379 Ibid., p. 240. Carta de 17 de julho de 1940. Mario de Andrade começando assim sua carta, prepara Oneyda
para atender solicitações de norte-americanos, pedidos referentes a consultas aos fonogramas da Discoteca.
170

Em 30 de maio de 1939, Oneyda Alvarenga já menciona o interesse de Henry


McGeorge, da Library of Congress, no intercâmbio de material folclórico da Discoteca
Municipal e fala que explicou a ele que seria difícil, em função da falta de matrizamento e
estudo das peças. Henry McGeorge cogitou da possibilidade da intervenção do Ministério das
relações Exteriores no caso.

Em carta de Oneyda a Mario de Andrade, em 20 de outubro de 1939, o texto


menciona uma conferência de Harold Spivacke, chefe da Divisão de Música da Biblioteca do
Congresso, Washington, que Oneyda assistiu, com fito nas técnicas. O interesse não era só na
direção Estados Unidos-Brasil: a diretora da Discoteca Pública de São Paulo atentou para o
uso técnico do material sonoro e escreveu a Spivacke perguntando como estudavam os discos
de alumínio revestidos de acetato e como o dispunham ao público sem que o material se
estragasse. Com isso, Spivacke manifestou seu interesse em fazer intercâmbio de material
com a Discoteca Pública Municipal. Em todo caso, Oneyda Alvarenga, sempre consultando
Mario de Andrade, analisaria a discografia de Spivacke, para eleger o que seria trocado, no
caso de “peça por peça”.380

Mais adiante, na carta de 12 de abril de 1940, Mario de Andrade escreve um


item significativo a Oneyda Alvarenga: “Caso Spivacke. [Grifos do autor] (…) Não só ele
quer vender ou distribuir as cópias dos discos para instituições culturais, mas divulgá-los o
mais possível, até para os indivíduos avulsos. (…)”381

Citando o próprio Spivacke, Mario de Andrade menciona os pontos de


distribuição e divulgação do material sonoro: “...universities, libraries and individuals will
be...etc.”382

Que livrarias são essas? (…) de compra e venda? E indivíduos quaisquer,


amadores quaisquer? E 'disseminar pro público geral' significa também
irradiações? Veja a incongruência: um amador ianque ou turco comprará
essas peças inéditas brasileiras na A. do Norte, e aqui ninguém as pode
adquirir! Eu não as posso ter no Brasil e um não-folclorista (…) os terá não
para estudo mas pra divertir as americaninhas que passem o domingo com
ele na sua casa de campo! É absurdo.383

380 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
206. 27 out. 1939.
381 Ibid., 12 abr. 1940.
382 Id., ibid.
383 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
206. 12 abr. 1940.
171

E considerando absurdo, Mario de Andrade recomenda a Oneyda que só fizesse


essa concessão se o prefeito (Prestes Maia) autorizasse. Se os interesses de Oneyda Alvarenga
nos conhecimentos e no material de Spivacke eram de ordem técnica, pelo menos de início, os
de Mario se focalizavam diretamente no conteúdo: “Quanto ao que você escolher, pergunte
desde logo, o que ele tem de negros da África; de Portugal; de Cuba; de ameríndios; e de
negros africanos [grifos do autor] de origem, já nos Estados Unidos.” E, triunfante, Mario de
Andrade acrescenta: “E o fato dele não ter fotos, filmes, instrumentos e toda a documentação
musical anexa ao documento musical, prova que a nossa Discoteca foi mais cientificamente
concebida que a dele... Viva nós, minha cara.”384

Mas isso não sem antes recomendar que Oneyda deixasse claro a Spivacke que
os fonogramas eram “nossos”; e que o norte-americano “que mandasse” discos virgens, para
que a troca fosse razoável e Spivacke não “ganhasse” no número da documentação.385

Mas prontamente Oneyda acalma os nervos de Mario, quanto ao “público


geral” a que se referia Spivacke não ser tão geral assim - ela esclarece: “Você confundiu
libraries com livrarias.”386 O público geral estava dentro de “universidades, bibliotecas e
indivíduos.” E explica também a Mario que o material só não poderia ser usado
comercialmente. A Discoteca de São Paulo acabou por pedir cópias também para si própria.

Logo depois de tudo acertado, em carta de Oneyda para Mario, de 13 de julho


de 1940, a musicóloga já informa o amigo sobre a visita de Lorenzo Turner, norte-americano
que estudava línguas africanas e que viria em busca de fonogramas de música folclórica
brasileira com o intuito de decodificar influências africanas na língua do povo. Turner
também desejava poder fazer cópias e segue-se uma série de empecilhos. Oneyda avisou que
não seria possível. Turner propõe fazer duas cópias de cada vez, porque seu aparelho dispunha
de dois pratos – uma das cópias seria cedida à Discoteca Pública Municipal. Mas Oneyda
estava preocupada, porque temia que o material fosse usado largamente fora do Brasil – sendo
que os próprios estudiosos do país não podiam fazê-lo. Porém Oneyda ponderava que, apesar
de ser difícil confiar na sinceridade de especialistas, como Spivacke e Turner, - uma vez que,
levando o material para outro país, Mario de Andrade e ela não podiam mais fazer controle

384 Ibid., p. 223. 12 abr. 1940.


385 Ibid., p. 223. 12 abr. 1940.
386 Ibid., p. 226. 30 abr. 1940.
172

algum -, ela poderia, por sua vez, propor a Turner utilizar apenas o texto, porque o interesse
desse pesquisador era puramente linguístico - e não musical.

Aos 2 de agosto de 1940, Oneyda ainda às voltas com pesquisadores norte-


americanos, torna a dar notícias de Turner a Mario de Andrade. Desta vez, Turner espera
autorização de Oneyda para levar os discos para o Rio de Janeiro, onde faria as cópias, já que
seu aparelho era, segundo palavras de Oneyda: “um trambolho difícil de viajar pra baixo e pra
cima.” Por fim, depois de muitas objeções por parte de Mario de Andrade, Turner aceita que
Antônio Ladeira leve os discos até o Rio de Janeiro, onde fizeram as gravações.

3.16 Novamente na biblioteca de Mario de Andrade: o caminho trilhado por


Oneyda Alvarenga
Foi preciso seguir de perto as origens teóricas da idealização da Rádio-Escola e
da Discoteca Pública Municipal, realizando análise das fontes impressas lidas por Mario de
Andrade quando pesquisou sobre História da Música, da mesma forma que foram analisadas
acima: a utilização da música mecânica como estratégia didática de ensino de música; a
discografia; a criação e funcionamento de rádios educativas e discotecas.

Neste ponto, depois de observada a criação e história inicial da Discoteca


Pública Municipal e o papel que a instituição assumiu na disseminação da audição didática de
música erudita, que seria responsabilidade da Rádio-Escola, é imprescindível mapear as
fontes observadas por Mario de Andrade e que estruturaram seu pensamento em torno de
acervos sonoros e educação musical do povo.

Seguindo a trilha das muitas leituras de Mario de Andrade, nas obras impressas
que constam hoje da Coleção Mario de Andrade (antigo acervo particular do autor),
disponível na Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros, é possível confirmar com clareza
o embasamento teórico do estudioso a partir de informações que analisou, considerou e
coletou acerca de rádios educativas e formação de discotecas no período entreguerras e
durante a Segunda Guerra Mundial. Levando-se em conta que o ano em que Mario de
Andrade ocupou o cargo de diretor do Departamento de Cultura foi 1935, se vê que essas
leituras foram anteriores, contemporâneas e posteriores à criação dos projetos da Rádio-
Escola e da Discoteca Pública Municipal, levando o musicólogo a decisões, reflexões e
questionamentos sobre os assuntos em foco: preservação da memória sonora e audição de
discos (música mecânica), com prévia escolha de discografia como metodologia de educação
173

musical (aprimoramento do gosto do ouvinte e ensino da História Social da Música).

Como a segunda edição do Compêndio de História da Música é de 1933 e a


inauguração da Discoteca Pública de São Paulo ocorreu em 1936, pode-se considerar que os
livros publicados na Europa no decorrer do ano de 1933 – e mesmo os editados em 1932, ou
mesmo na década anterior – tenham sido lidos por Mario de Andrade cerca de um ano mais
tarde.

Dentro do primeiro volume do livro de Detheridge387, por exemplo,


Chronology of music composers, se encontra uma nota fiscal de pedido de compra, feito por
Mario de Andrade. A data da nota é de 06 de dezembro de 1938 – e o livro foi publicado na
Inglaterra. Se o ano de copyright do segundo volume é 1937, pode-se calcular que todos esses
livros editados no estrangeiro e adquiridos pelo escritor brasileiro teriam sido lidos por ele
cerca de pouco mais de um ano após seus lançamentos. Isto, é claro, se considerarmos que o
tempo entre a requisição de Mario de Andrade e a chegada dos livros à sua biblioteca fosse
regularmente o mesmo que o da Chronology of music composers. Pode ser também que Mario
de Andrade tenha tido conhecimento de algumas obras bem posteriormente à sua publicação,
no estrangeiro – e mesmo no Brasil. Sendo assim, a margem de tempo da leitura de Mario de
Andrade seria, em alguns casos, mais, ou muito mais longa do que um ano, após o lançamento
de tais obras. Há ainda o caso do livro de Rossini Tavares de Lima, Noções de História da
Música388, cujos artigos que compuseram o conteúdo do volume foram escritos em 1929 – e o
livro foi oferecido a Mario de Andrade em 1934, conforme a dedicatória do autor, na página
posterior à página de rosto. Trata-se da segunda edição – mas não há menção ao ano
exatamente dessa publicação oferecida a Mario de Andrade, a não ser a “Nota” que fecha o
último texto do livro, na p.96: “Estes artigos foram escritos em 1929.” Da mesma forma, o
livro de Claude Debussy389, Monsieur Croche antidelettante, foi publicado em 1921 e
oferecido a Mario de Andrade em 1944 – não há nenhuma anotação de Mario na obra. Assim,
teríamos de situar as leituras de Mario de Andrade e de Oneyda Alvarenga por volta de 1933 –
antes e durante – como que num período incerto, quanto à sua contemporaneidade à segunda
edição do Compêndio de História da Música, à idealização da Rádio-Escola e à criação da
Discoteca Pública Municipal de São Paulo – podem ter sido posteriores.

387 DETHERIDGE, Joseph. Chronology of music composers. Birmingham, Eng.: J. Detheridge, c1937. 2 v.
388 LIMA, Rossini Tavares de. Noções de história da música. 2. ed. Sao Paulo : Casa Wagner, 1929. 96 p.
389 DEBUSSY, Claude Achille. Monsieur croche antidilettante. Paris : Bibliophiles Fantaisistes, 1921. 144 p.
174

E tão importante quanto a leitura de livros, foi a leitura de revistas estrangeiras


da área de música, que traziam, entre outras informações, colunas dedicadas a discos, rádio,
etc., como se viu acima.

3.16.1 Bibliografia lida por Mario de Andrade e, num segundo momento, por seus
alunos do grupo de estudos semanais: História da Música

Uma das principais obras que Mario de Andrade consultou foi a de André
Coeuroy, Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois commentaires de disques
avec exemples musicaux390. De início, chama a atenção a anotação de Mario de Andrade na
página de guarda do livro: “Dic – As anotações, palavras, etc. aproveitáveis pro Dic estão
indicadas na margem pelo sinal X.

Mario de Andrade [assinatura] ”


É na discografia de Histoire de la musique avec l'aide du disque,
definitivamente, que encontramos interessantes anotações a lápis. Por exemplo, o musicólogo
marcou, com pequenas cruzes, os nomes de muitos autores, nas discografias ao final dos
capítulos - autores que abordara em seu Compêndio. Então, certamente o autor assinalou
nomes de compositores na discografia indicada por André Coeuroy e Robert Jardillier com
finalidade de adquirir gravações que ainda não possuía. Mario de Andrade traçou em alguns
pontos anotações quase que frenéticas, tantas eram as ligações que fazia entre códigos de
discos e anotações à parte, indicando outro código (de outra gravadora), correspondente à
mesma composição – mas não à mesma gravação. O livro, em francês, importado, publicado
em 1931, que Mario de Andrade adquiriu foi lido por ele antes da 2ª edição do Compêndio,
entre 1931 e 1933, seguramente. A estrutura dos capítulos, a discografia ao final de cada
capítulo, a citação de composições, ora agrupadas por localidade, dentro de determinado
intervalo de tempo, ora por autores, (também dentro de determinado período) é muito
parecida com a Histoire de la musique avec l'aide du disque. Quando Mario de Andrade
registra à margem do texto um código, por exemplo, V.9241/5, e risca o código impresso no
livro dos franceses (Pol. 95135/9), ele indica que já possuía a gravação pela marca Victor.

Ao ler Djalma de Campos Padua, Resumo de historia da musica, segundo os

390 COEUROY, André; JARDILLIER, Robert. Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois
commentaires de disques avec exemples musicaux. Paris: Librairie Delagrave, 1931. 238p.
175

programmas adoptados nos cursos normaes e gymnasios391, Mario de Andrade analisou, nesta
publicação não datada, o modo como era dirigido aos estudantes a história da música nas
escolas de Campinas. O programa resumido procurava conciliar conhecimento dos períodos e
compositores. Mario de Andrade estaria, neste caso, interessado em saber como se dava a
metodologia de ensino para pessoas em idade escolar. O autor não deixa de mencionar Carlos
Gomes, como ícone do estudo da música na cidade.

Da mesma forma, Mario de Andrade observa, ao ler, de Nacif Farah,


Elementos de história da música sintese das obras de Riemann, Magrini e outros 392, o ensino
da História da Música no curso ginasial de Tatuí.

O livro mais antigo sobre História da Música encontrado na Coleção Mario de


Andrade é de 1876393, escrito por Marcillac e, antes de ser adquirido por Mario de Andrade,
pertencera a Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (irmão de José Bonifácio de
Andrade e Silva) – pelo que se deduz da informação a esse respeito, no exemplar. O livro
apresenta alguns poucos grifos a lápis e estabelece já o estudo de História da Arte nos moldes
que se repetirão pelas muitas Histórias da Música que se escreverão depois: os capítulos
discorrem sobre música dos primeiros cristãos; harmonia (Isidore de Séville); Guido
d'Arezzo; música profana (vulgaire) trovadores (Thibaut de Champagne, Adam de la Hale)...
passando pela Idade Média e Renascimento, o livro se desenvolve lentamente, se atendo a
todos aqueles autores que vão figurar no Compêndio de História da Música de Mario de
Andrade e que Oneyda vai contemplar em seus concertos públicos de discos. A diferença é
que, dado o ano de edição do volume, o que o autor, Marcillac, chama de “música
contemporânea” é a música de Verdi, Bellini, Donizetti e outros do século XIX...

Outra publicação do século XIX é uma obra de Antoine Super, Palestrina394. O


livro não traz nenhum traço ou observação de Mario de Andrade. O musicólogo deve ter
estudado nesta obra o autor e também música religiosa cristã, pela visão de Antoine Super.
Também o livro de Marciano Brum, Através da música: bosquejos históricos,395foi editado
391 PADUA, Djalma de Campos. Resumo de historia da musica, segundo os programmas adoptados nos
cursos normaes e gymnasios. Campinas : Typ da Casa Genoud Ltda, 19-?. 35p.
392 FARAH, Nacif. Elementos de história da música sintese das obras de Riemann, Magrini e outros.
Tatuí, Tip. Azevedo & C., 19--. 49 p.
393 MARCILLAC, Francois. Histoire de la musique moderne et des musiciens celebres en italie, en
allemagne et en france depuis l'ere chretienne.. Paris, Sandoz & Fischbacher, 1876. 512 p.
394 SUPER, Antoine. Palestrina [:] (G. Pierluigi) [:] étude historique et critique sur la musique réligieuse. Paris,
V. Retaux, 1892. xxiv, 82 p.
395 BRUM, Marciano. Através da música: bosquejos históricos. Rio de Janeiro, Officinas Graphicas de I.
176

nos final dos anos 1800, porém este, no Brasil. O autor expõe ideias muito “peculiares”, em
sua introdução, quando compara a música ocidental (europeia) com a de outros lugares – para
ele, por exemplo, “A cantiga dos negros Mandingues é (...) specimen raro (…) dispertam-nos
a impressão anterior de cantos animalisados” e “A [música] dos Egypcios, Arabes, Persas e
Turcos, sobrecarregada de ornamentos (…) é enervante e sensualista como estas nações
(...)”396 Como se vê, o texto não era exatamente uma pérola do despojamento de preconceitos
raciais e culturais... Obviamente Mario de Andrade não compartilhou dessas opiniões de
Marciano Brum – vide as opiniões expressas de Mario de Andrade, por exemplo n'A
expressão musical dos Estados Unidos397, a respeito da música negra – na América. E assim,
Brum segue, ora chamando de “mesquinha”398 a música da Europa e do Oriente Médio das
épocas dos antanhos e “rudes”399 as dissonâncias, quando ainda se ignorava a harmonia.
Elogia, contudo, a “magestósa”400 arte moderna... Ainda assim, vale a pena encontrar um
sinal marginal de Mario de Andrade, a lápis401, que faz entender o porquê do interesse do
musicólogo no livro. Marciano Brum, no que chama “trabalho recreativo e bréve”, procura
engrandecer a música do Brasil e particularmente a do Rio Grande do Sul (seu Estado natal.)
Mario de Andrade assinala o trecho que cita as “balladas jocósas” do boi Espácio, rabicho da
Geralda, sapo do Cariri, etc., com a explicação de Brum sobre a origem portuguesa dessas
músicas. Aí estava o objeto que Mario de Andrade estudou muito. Além disso, Marciano
Brum apresenta gráficos de ondas físicas de efeitos de várias sonoridades – o que, para 1897,
era bem moderno. Brum não deixava de ser um estudioso: seu livro mostrava passo a passo a
evolução da música – desde a “música cósmica” (capítulo bastante eclético, em que Brum
discorre sobre Pitágoras; Beethoven, Wagner, Gluck, Berlioz, poesia dos sons da natureza,
vozes dos animais e até... órgão dos gatos!), passando pela música dos “povos selvagens”; das
“tribus bárbaras”; pela origem “fabulosa” da música; pelas teorias musicais dos povos antigos
e contemporâneos; Idade Média e Renascença (Europa); teorias musicais primitivas (gregos e
música profana medieval europeia); teoria da música moderna (escalas tonais e
“enharmonismo”.)
Bevilacqua, 1897. 342 p.
396 BRUM, Marciano. Através da música: bosquejos históricos. Rio de Janeiro, Officinas Graphicas de I.
Bevilacqua, 1897. p. 3.
397 ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26p.
(Lições da vida americana, 3)
398 Ibid., p. 5.
399 Id.
400 Id.
401 Ibid., p. 123.
177

Mario de Andrade leu publicações bibliográficas do começo do século,


editadas em 1905, como, por exemplo, a de Tiersot, Notes d'ethnographie musicale402
(extraído da revista Ménestrel, como se verá abaixo, assinada por Mario de Andrade) e outras
- já coletando um conjunto de informações que lhe interessavam, quanto ao dicionário
musical. Não se sabe ao certo em que ano Mario de Andrade adquiriu e leu essa bibliografia
mais antiga. Mas é de se notar a atualidade de seu conteúdo e onde (até onde) essas
informações iriam se refletir, tanto em obras de autoria de Mario de Andrade, quanto nas
ações de Oneyda Alvarenga, como diretora da Discoteca de São Paulo. Notes d'ethnographie
musicale, de Tiersot, traz na página de guarda as palavras manuscritas por Mario de Andrade:
“Dicionario ”, indicando, a seguir, páginas em que se encontravam informações sobre
instrumentos antigos, como japoneses, persas, etc.

E o livro de Riemann, Storia Universale della Musica403, foi editado quando


Mario de Andrade tinha por volta de dezenove anos de idade – Mario de Andrade, como se
lembrava Oneyda Alvarenga, começou a auxiliar no Conservatório Dramático e Musical de
São Paulo desde cedo, bem antes de ser contratado como professor. Portanto, antes de
lecionar na instituição, ele já devia ter conhecimentos das mais antigas obras editadas sobre
História da Música. Ele faz uma anotação na falsa página de rosto sobre vir “agora” (seria do
século X ao XIII) uma fase monótona como criação musical, como que sinalizando que a
música iria “tomar fôlego para o grande surto” polifônico. Um pouco anterior é o livro de
Landormy,404 Histoire de la Musique, : o ano de edição é 1911. A despeito de não haver um
único traço manuscrito de Mario de Andrade nessa publicação (na falsa página de rosto há
uma dedicatória: “S. Paulo 21 – 4 – 912 – A. querido Antonio Carlos lembrança afetuosa da
esposa saudosa.”), é interessante observar que a estrutura desses livros sobre História da
Música geralmente eram, mais ou menos, a mesma. E é interessante porque, desde os
primórdios dos estudos de Mario de Andrade até os Concertos de Discos de Oneyda
Alvarenga, os mesmos autores eram observados e incluídos nos repertórios. No caso, a
primeira parte apresenta, em seus capítulos, a evolução musical pelos séculos: Antiguidade,
Idade Média e Renascimento, etc. Depois, detém-se em Rameau; Gluck; Piccinni. A segunda
parte cuida do século XVIII e XIX, abordando Bach; Haendel; Haydn; Mozart; Beethoven;

402 TIERSOT, Julien. Notes d'ethnographie musicale. Paris : Fischbacher, 1905. 139p.
403 RIEMANN, Karl Wilhem Julius Hugo. Storia universali della musica. Torino : Societa Tip-Editrice
Nazionale, 1912. 422 p.
404 LANDORMY, Paul. Histoire de la musique. 2. ed.. Paris : P. Delaplane, 1911. vi, [7]-358 p.
178

Weber e Wagner. E a terceira parte chega em autores como Berlioz; Gounod; Charpentier;
César Franck e ainda , no último capítulo, eslavos, escandinavos, espanhóis, suíços – e, para
concluir o livro, Debussy.

Um outro livro dos mais antigos sobre História da Música adquirido por Mario
de Andrade é o de Combarieu405, de 1913, já buscando o musicólogo brasileiro fundamentação
teórica nos autores estrangeiros sobre nacionalismo musical. Na página de guarda do livro,
encontramos a seguinte anotação de Mario de Andrade:

Sôbre a influência duma musica nacional sôbre outra para fecunda-la , pg


64 –
Sobre as dansas nas igrejas 3 / 4 –
Que é a dansa para Luciano pg 41 –
la musique de l'état pg 144
l'eurythimie dans la vie pg p 155
la musique reproduit des états d'âme (Aristote) p.159
Definição do Ritm por Réomé 276

Segundo anotação feita por Mario de Andrade no final do índice do livro de


Alfredo Untersteiner,406 Storia della musica, foi na Revue Musicale que o professor do
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo se inteirou da obra. Bastante assinalada nas
d’ethnographie musicale. margens do texto, a publicação permite entrever o interesse de
Mario de Andrade, bem cedo – a se julgar o ano da publicação (1916) – pela História da
Música. Um pouco anteriores são as edições do livro de Arthur Dandelot, Résumé d'Histoire
de la musique407 (1915), sem nenhuma anotação de Mario de Andrade; de Gustave Doré,408
Musique et musiciens, - segundo o autor, a obra traz mais memórias de matérias publicadas
em jornais e revistas dos últimos anos (o livro é de 1915), do que crítica musical. O volume
há considerações sobre autores eruditos e suas obras, na França, na Alemanha... e o desenrolar
contemporâneo da Primeira Grande Guerra influencia bastante Gustave Doret.

Embora não haja nenhum sinal, nenhuma anotação de Mario de Andrade às

405 COMBARIEU, Jules. Histoire de la musique. Paris : Armand Colin, 1913-1920. p. VIII.
406 UNTERSTEINER, Alfredo. Storia della musica. 4. ed. Milano : Ulrico Hoepli, 1916. 492 p. (Manuali
Hoepli)
407 DANDELOT, Arthur. Résumé d'histoire de la musique. 3. ed. Paris : Senart, 1915. 190 p.
408 DORET, Gustave. Musique et musiciens. Lausanne : Foetisch Frères, [1915]. 338 p.
179

margens do texto do livro de Bernardo Valentim Moreira de Sá409, de 1920, o texto


introdutório, de Antonio Arroyo, dirigido ao autor, ilustra bem o tom das Histórias da Música
que se publicavam nos anos 1920 – e que Mario de Andrade lia:

(...) muito folgo (…) em te ver definir cada facto da evolução musical dentro,
e só dentro, da sua respectiva epoca e zona, descritas em toda sua latitude.
Porque, para definir muitas vezes o caracter de uma qualquer composição,
não são suficientes todos os elementos tecnicos que possamos reunir em
redor dum tema; e porque o espirito duma epoca e duma nação natural é que
penetre todos os produtos gerados dentro delas.

O livro de Guido Pannaim, Lineamenti di storia della musica410, publicado na


Itália no ano da Semana de Arte Moderna do Brasil, foi certamente uma fonte básica para
Mario de Andrade, dadas as anotações ao lado de textos de informação teórica, ao longo do
volume.

O trabalho de Roberto Schumann, Scritti sulla musica e i musicisti411 tem uma


peculiar forma de abordar o assunto: o autor enfoca compositores e respectivas obras dentro
de cada ano, num período escolhido por ele: de 1834 até 1843. Mas não há nenhuma anotação
de Mario de Andrade, na publicação.

Fartamente anotado por Mario de Andrade é o livro de Charles Nef, Histoire


de la musique, de 1925412. Por esta época, Mario de Andrade, além de ainda dispor de mais
tempo para pesquisa – em relação a obras lidas na época em que foi diretor do Departamento
de Cultura e quando se mudou para o Rio de Janeiro -, estava em plena coleta de dados sobre
História da Música, a fim de redigir seu Compêndio. Sobre esse livro, o musicólogo brasileiro
encontrara crítica na Revue Musicale413, pelo que se vê anotado na página de rosto da obra de
Nef.

O livro editado por Percy Buck, The Oxford history of music414, em 1929,
apresenta um capítulo chamado Aspectos sociais da música na Idade Média – revelando,
portanto, que o estudo da História da Música sob análise dos aspectos sociais já não era

409 SÁ, Bernardo Valentim Moreira de. Historia da musica. Porto : Casa Moreira de Sá, 1920. p. v.
410 PANNAIN, Guido. Lineamenti di storia della musica. Napoli : Fratelli Curci, 1922. 256 p.
411 SCHUMANN, Robert. Scritti sulla musica e i musicisti. Milano : Bottega di poesia, 1927. 259 p.
412 NEF, Karl; ROKSETH, Yvonne. Histoire de la musique. Paris : Payot, 1925. 375 p. (Bibliothèque
historique)
413 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, n. 6, p. 86, 1926.
414 BUCK, Percy C. Oxford history of music. 2.ed. London : Oxford, 1929. 239 p.
180

novidade para Mario de Andrade há, pelo menos, quase uma década. E eram esses aspectos
que o autor de Macunaíma via como diretrizes para os textos de autoria de sua aluna Oneyda
Alvarenga, enquanto musicóloga.

Outro livro importante na bibliografia teórica de Mario de Andrade foi, do já


citado autor André Coeuroy, Panorama de la musique cotemporaine415. Na página de guarda
deste livro, a anotação de Mario de Andrade: “Internacionalismo musical/ p[.] 9”, dentro do
texto Sous le signe du “national” é suficiente para mostrar onde se embasavam as ideias do
musicólogo brasileiro, desde a década de 1920, quando escrevia, posteriormente, sobre a
linguagem internacional da música e das faces caracteristicamente nacionais da música de
cada país. Na mesma linha é a obra de Irving Schwerké416, Kings jazz and David. Já na página
de guarda do livro, Mario de Andrade anota: “Dicionario – Síncopa 18 – Cimpoiú 209 –
Compendio Bach XIII p.66 – Nacionalismo Musical p.64, 162, Obras a encomendar 94, 85,
99. 177,”. Isto mostra claramente o roteiro, o que o musicólogo procurava dentro de um livro
de História da Música, principalmente na década de 1920, antes de escrever seu Compêndio e
reunir informações para um dicionário.

De autoria de Armand Machabey, Histoire et évolution des formules musicales


du Iº au XVº siècle de l'ère chrétienne417, de 1928, foi um livro fundamental para a formação
de Oneyda Alvarenga, via leituras anteriores de Mario de Andrade. Pelos grifos do dono do
livro, ao lado de textos que comentam a evolução da música do Ocidente, passando pela
análise de documentos musicais, da música religiosa e profana, até chegar à polifonia, sempre
se levando em conta os conflitos e realidades sociais dos países europeus em questão, ao
longo do período medieval, se entende como a formação de Oneyda Alvarenga – e de outros
alunos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo; do próprio Mario de Andrade –
teve base sólida, para chegar a compreender a audição do que seria, depois, a música do
século XX. Também a obra de A. Eaglefield Hull, Music classical, romantic e modern418, de
1927, cuja crítica Mario de Andrade localiza na Revue Musicale do mesmo ano, traz
numerosos grifos do modernista no capítulo American Music. Neste capítulo, Mario de
415 COEUROY, André. Panorama de la musique contemporaine. 6. ed. Paris : Kra, [c1928]. 229 p.
416 SCHWERKÉ, Irving. Kings Jazz and David (Jazz et David, rois). Paris : Les Presses, modernes, 1927.
259 p.
417 MACHABEY, Armand. Histoire et évolution des formules musicales du I au XV siècle de l'ère
chrétienne. Paris : Payot, 1928. 277p. (Bibliothèque musicale)
418 HULL, A. Eaglefield. Music, classical, romantic & modern. London : J.M. Dent & sons, 1927. xvi, 473 p.
Nesse livro, à página de guarda, encontramos a anotação de Mario de Andrade: “Crítica a este livro em
R.M. 1927 – IX”, indicando Revue Musicale, v. 9.
181

Andrade destaca autores do século XIX e do século XX e aspectos bastante arrojados da


música norte-americana, como o jazz, por exemplo.

Bastante grifado por Mario de Andrade é o livro de Tierstot, 419 La musique aux
temps romantiques, de 1930, que aborda o romantismo na França, na Alemanha e na Itália e
que analisa também os aspectos do movimento nas várias décadas do século XIX. Pela
divisão de assuntos, o livro deve ter interessado muito a Mario de Andrade, para a construção
de seu Compêndio de História da Música. - ele faz uma anotação a lápis, na falsa página de
rosto, destacando as considerações do escritor Victor Hugo sobre a obra do compositor
Weber420. Aliás, de Tiersot, Mario de Andrade adquiriu vários livros, sendo que deve ter se
interessado particularmente pelos escritos do francês sobre etnografia musical e recuperação
de canções populares. Jorge Coli analisa esse interesse de Mario de Andrade nos aspectos da
música romântica, em seu livro Música final, ao criticar os artigos Claude Debussy I e II 421;
Pelléas et Mélisande422; Do teatro cantado: psicologia da criação423 (escritos em 1943); Do
meu diário [B] anexo.424

Na obra de George Kinsky, Album Musical425, de 1930, que fez parte da


coleção da biblioteca de Mario de Andrade, há uma vasta iconografia: reproduções de
instrumentos, pinturas, esculturas... registros documentais, enfim, de todo tipo, recolhidos e
reunidos a fim de ilustrar a História da Música, da Antiguidade até o século XX. Indicações
de Mario de Andrade ao lado de fotografias de figuras levaram a identificar o que modernista
selecionou para reproduzir como ilustrações em seu livro Pequena História da Música –
reedição modificada do Compêndio de História da Música, inclusive, sem a indicação de
discografia. Também é provável que Mario de Andrade tivesse feito a escolha dessas
ilustrações para a edição do próprio Compêndio e isso não tenha sido possível, na ocasião da
publicação. Mas não há nenhum registro manuscrito, quanto a isso.

No livro de Gaetano Cesari, Lezioni di Storia della Musica426, com o nome de


Fernando Mendes de Almeida escrito a lápis, na página de rosto, e com uma dedicatória
419 TIERSOT, Julien. La musique aux temps romantiques. Paris : F. Alcan, 1930. l86 p.
420A nota de Mario de Andrade remete à página 63, do livro de Tiersot.
421 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 207-21.
422 Ibid., p. 265-8.
423 Ibid., p. 316-32.
424 Ibid., p. 363-72.
425 KINSKY, Georg et al. Álbum musical. Paris : Librairie Delagrave, 1930. vii, 364 p.
426 CESARI, Gaetano. Lezioni di storia della musica. Milano : G Ricordi, 1931. 234 p.
182

simples a Mario d Andrade, escrita com caneta tinteiro, traz grifos à margem do texto apenas
até a página 13. No final da edição, o autor agrupa no apêndice427 partituras de músicas
medievais (Ode di Boezio; Kalenda Maja; Canzone di Enrico duca di Brabante; Chanson de
Croisade... e muitas outras), com transcrições feitas no século XIX e iluminuras várias,
mostrando, inclusive, instrumentos da época. Ora, mesmo Mario de Andrade tendo sua
formação musical antes de ser professor do Conservatório Musical de São Paulo, esse estudar
infinito do musicólogo vem no contraponto à realidade da maioria dos alunos formados pelo
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, como já se escreveu acima, no capítulo 1428,
a respeito das falhas sob aspectos teóricos, na educação musical daquela instituição. Mario de
Andrade e Oneyda Alvarenga devem certamente sua apropriação de repertórios à leitura de
livros como esse de Gaetano Cesari, por exemplo. E às leituras de outros tantos livros,
catálogos de gravadoras e revistas, realizadas pelo grupo de estudos de História da Música,
semanalmente reunido na casa da R. Lopes Chaves429, que complementavam a educação
musical formal do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Mesmo essas canções
medievais que vão aparecer tão didaticamente lá nos Concertos de Discos de Oneyda
Alvarenga (podem não ser exatamente as mesmas citadas aqui), comprovam uma perene
preocupação em não deixar adormecer no tempo composições menos conhecidas – o que seria
deixar passar ótimas oportunidades de disseminação musical aos ouvintes leigos.

No livro do inglês George Dyson, Progrès de la musique430, – traduzido para o


francês, publicado em Paris em 1933, são fartos os grifos de Mario de Andrade, às margens do
texto, como também surgem observações críticas do musicólogo em oposição a algumas
ideias de Dyson. O autor faz uma divisão um pouco diferente das encontradas em livros
sobre História da Música, uma vez que dedica o primeiro capítulo exclusivamente à igreja.
Analisando não apenas a música sacra, como os aspectos ideológicos da divisão da catedral (o
que determinaria a posição dos cantores/coro, do povo – os ouvintes -, do órgão), esta
disposição física traduziria, para Dyson, “verdades históricas”. Ele fala também do que
acontece, paralelamente, na igreja protestante, em relação à música. Fica evidente que Mario
de Andrade, ao fazer determinadas anotações manuscritas, não estaria estudando só para si.
427CESARI, Gaetano. Lezioni di storia della musica. Milano : G Ricordi, 1931. p. 173-234.
428 Oração de Paraninfo – 1935. In: ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo :
Martins, 1975. p. 239.
429 Residência de Mario de Andrade, da época de Oneyda Alvarenga como sua aluna, até a morte do
musicólogo.
430 DYSON, George. Progrès de la musique: histoire de la musique en Europe depuis le Moyen Âge jusqu'a
nos jours. Paris : Payot, 1933. 203 p. (Bibliothèque musicale.)
183

No livro de Dyson431, o modernista escreve um texto bastante claro, o que faz parecer que
seria destinado a outros leitores – provavelmente uma crítica. Ou talvez quisesse inserir suas
observações num livro posterior. Trata-se do assunto audição/ouvinte: apesar de julgar as
considerações finais do autor “excelentes", Mario de Andrade nota que a ideia do autor,
quando diz que se pode obter plena satisfação e aprovação do público de um auditório
apresentando apenas músicas do passado (no caso, Dyson cita Bach), pode ser um pouco
falha, se levarmos em consideração que o “passado” é mais compreensível ao público, do que
“certos presentes”. E que “ninguém suportaria ter em casa um músico que nos fizesse
diariamente ouvir só música dele!” Estavam aí considerações estreitamente relacionadas com
o que se passaria na realidade das audições públicas da Discoteca Pública Municipal – o livro
de Dyson é de 1933 e os Concertos de Discos da Discoteca paulistana só começariam em
1938. (Embora desde 1935, ano em que se cria a Discoteca Pública Municipal, Oneyda
Alvarenga já possuísse todos os recursos teóricos para montar os programas de Concertos de
Discos que se apresentaram depois.) E, como se viu acima, por todas as estatísticas e
conclusões de Oneyda Alvarenga, Mario de Andrade já tinha plena noção da realidade do
gosto do público desde os anos 1920, pelo menos.

Há na biblioteca de Mario de Andrade um livro de autoria de Marion Bauer 432,


do Departamento de Música da Universidade de Nova Iorque. Ora, se por um lado o livro não
apresenta nenhum sinal da leitura de Mario de Andrade, por outro apresenta capítulos muito
significativos, para os interesses da formação da Discoteca Pública de São Paulo: o capítulo
VI se chama Nationalism based on folk music: Russia, Czechoslovakia, Hungary, Normay,
England, Spain, America e o capítulo VII, Nationalism in France: “La Société Nationale de
Musique”, César Frank and his followers. No capítulo VI, há contribuições teóricas de
grande importância, já que, além de analisar a evolução da música popular em vários países,
ressalta que o nacionalismo musical da América se situa, sim, no século XX. Mas não deixa
de explicar que, para que isso acontecesse, o processo de “cristalização” da música nacional
levou pelo menos três séculos para se efetivar. No capítulo VII, dentro do nacionalismo
musical francês, são apontados compositores como César Franck, Debussy, Fauré, d'Indy,
Lalo, Duparc... enfim, nomes que constam tanto do Compêndio de História da Música, de

431 DYSON, George. Progrès de la musique: histoire de la musique en Europe depuis le Moyen Âge jusqu'a
nos jours. Paris : Payot, 1933. 203 p. (Bibliothèque musicale.) p. 182-3.
432 BAUER, Marion. Twentieth century music how it developed, how to listen to it. New York, : G. P.
Putnam's Sons, 1933. xii, 349 p.
184

Mario de Andrade, quanto dos repertórios dos concertos de discos elaborados por Oneyda
Alvarenga.

Na obra de René Dumesnil, Histoire de la Musique433, de 1934, por exemplo,


Mario de Andrade faz apenas algumas anotações a lápis, no que tange aos aspectos ritmo (era
comum Mario de Andrade grafar a palavra “Ritmo”, à margem dos vários textos de História
da Música que analisou, mostrando com isso que o ritmo era uma constante em seus estudos);
Trabalho e ritmo; instrumentos – na parte das origens da música greco-romana. E ainda do
ano de 1934 é o livro de Wolf434, Historia de la música – este, sim, com várias notas
registradas por Mario de Andrade à margem do texto. Neste livro, que traz de modo peculiar
“exemplos musicais” de músicas do século XIII ao XVII, no final da edição, com um
considerável conjunto de partituras – aliás, sem registros manuscritos de Mario de Andrade -,
o musicólogo brasileiro faz anotações ao longo de todo o texto, marcando pontos importantes
para seu estudo quanto aos aspectos teóricos – muito provavelmente para efeitos didáticos,
em suas aulas.

À época da criação da Discoteca Pública Municipal, 1935, é lançada uma obra


de autor italiano, Luciani435, que estuda a História da Música num intervalo de mil anos – do
ano 1000 até o século XIX. Não há anotação alguma de Mario de Andrade, nesse livro. Mas
certamente o escritor analisou o foco do autor lido e observou a divisão cronológica que foi
feita numa tabela sinótica das formas musicais (vocal, instrumental; polifonia, monodia,
sinfonia) do período compreendido no estudo. Deste mesmo ano também é, de Margaret
Steward e Francisco Mignone, a Historia da Musica contada à juventude436, da qual apenas o
volume I (Da Antiguidade ao fim do período clássico) consta da biblioteca de Mario de
Andrade. Este registra às margens do texto algumas observações, como a ausência da menção
a Monteverdi, na passagem entre o século XVI e o XVII. Talvez o livro fosse interessante
também a Oneyda Alvarenga, porque se verá abaixo437, conforme mencionado em carta de 27

433 DUMESNIL, René. Histoire de la musique illustrée. Paris :Plon, [1934]. 286 p. (Collection Ars et
historia)
434 WOLF, Johannes; GERHARD, Roberto; ANGLÈS, Higini. Historia de la música. Barcelona : Labor,
1934. 1 v.
435 LUCIANI, Sebastiano Arturo. Mille anni di musica; trentasei tavole fuori testo. Milano : Ulrico Hoepli,
1936. 161p.
436 STEWARD, Margaret. Mignone, Francisco. Historia da musica contada a juventude. São Paulo : E S
Mangione, 1935. v. 1.
437 À p. 213 desta dissertação.
185

de fevereiro de 1940438, a Mario de Andrade, que a diretora da Discoteca Pública Municipal se


deslocava para bairros e escolas, a fim de levar seus concertos de discos para crianças - até
que a prefeitura de Prestes Maia os proibiu. Há também, nesse pequeno livro didático, uma
parte especial sobre Ricardo-Coração-de-Leão (Música popular/menestréis) – e Oneyda
Alvarenga, como se verá, incluiu, em seu 89º Concerto de Discos, a canção trovadoresca Ja
nuns hons pris, atribuída ao rei inglês – espécie de música que dificilmente adultos ou
crianças conheceriam fora do alcance pedagógico da Discoteca Pública Municipal.

A edição luxuosa e ilustrada do volume da autora portuguesa, Emma Reys,


Divulgação musical439, fez parte da biblioteca de Mario de Andrade. Mas cadernos inteiros de
suas páginas estão colados – curioso notar que mesmo a parte chamada Recital de música
brasileira para piano, onde se aborda Luciano Gallet, e críticas à música brasileira, à música
paulista, ao samba e a outros compositores eruditos contemporâneos do Brasil não foram
sequer abertas por Mario de Andrade.

De Alice Gabeuad, a Histoire de la Musique440, presente na biblioteca de Mario


de Andrade, traz um resumo ao final de cada capítulo e também indicações das obras que a
autora considera principais dos autores referidos, dentro de cada período. A autora também faz
uma divisão bem marcada, analisando em cada capítulo não só o período da história da
música, como composições de determinadas nações. Mas Mario de Andrade não deixou
nenhum traço, sinalizando que tenha efetuado leitura desse livro.

Mario de Andrade, por sua vez, foi citado muitas vezes no livro de Renato
Almeida, História da Música Brasileira441, – obra que o musicólogo lê e na qual deixa
anotações. Renato de Almeida, aliás, menciona também relatos de Koch-Grünberg, seus
estudos sobre instrumentos musicais indígenas. Sobre Luciano Gallet, além de toda biografia
e trajetória na área musical, Renato Almeida442 ainda menciona o importante fato de o
compositor haver tentado orientar a radiodifusão, entre seus esforços de impor a música
brasileira como assunto sério.

Foram verificados também os dois exemplares da obra de Guilherme

438 ANDRADE, Mario de. Cartas. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 210-1.
439 REYS, Emma Romero Santos Fonseca da Câmara. Divulgação musical: programas, conferencias, criticas.
Lisboa : Seara Nova, 1937. v 4.
440 GABEAUD, Alice. Histoire de la musique. Paris: Larousse, 1939. 202 p.
441 ALMEIDA, Renato. História da música brasileira. Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1926. p. 47.
442 Ibid., p. 461.
186

Figueiredo, Miniatura de história da música443, na biblioteca de Mario de Andrade. É um livro


aparentemente não lido pelo seu proprietário – as páginas do exemplar de trabalho estão todas
fechadas – trata-se do exemplar que traz uma dedicatória ao musicólogo. O exemplar aberto,
muito resumido em cada capítulo de poucas páginas, não apresenta nenhum sinal de Mario.

O livro de Alaleona444 também não apresenta senão uma correção a lápis, de


Mario de Andrade, numa palavra com erro de grafia (tradução do original, em italiano, por
Caldeira Filho.) A edição adquirida por Mario de Andrade é de 1941 e é em 15 de abril de
1942 que o musicólogo escreve a crítica ao livro e à tradução de Caldeira Filho – crítica esta
chamada Histórias Musicais, no Estado445,.Vê-se que Mario de Andrade realizava a leitura de
um livro editado no estrangeiro e depois traduzido para o português em torno de um ano após
seu lançamento. Isso sem contar que o livro de Domenico Alaleona foi publicado na Itália em
1923, com o título Il libro d'oro del musicista: fondamenti fisici, storici, estetici dell'arte.
Embora Mario de Andrade não tenha assinalado mais do que o erro de grafia, apontado acima,
nesse texto chamado Histórias Musicais, ele dá importantes mostras de quanto se preocupava
com a produção escrita sobre História da Música, de autoria de pessoas como Caldeira Filho
(conforme foi mencionado no capítulo 1)446 e Oneyda Alvarenga. Esta última também é citada
em seu artigo447, como autora da melhor monografia sobre folclore musical brasileiro e ainda
há menção ao intuito de Oneyda no sentido de tentar (isso em 1942) a mesma façanha no
campo da música universal. Em si, o texto de Alaleona não é o principal objeto do interesse
de Mario de Andrade, quando escreve esse artigo: mas o enfoque dispensado por Caldeira
Filho ao viés social de seu capítulo final, sobre música brasileira - capítulo inserido pelo
tradutor, no livro. Sobre o trabalho de tradução de Caldeira Filho, Mario de Andrade aponta
vários pontos merecedores de elogios, como a linguagem empregada; notas sucintas que
ponderam opiniões mais apaixonadas de Alaleona; o tratamento dispensado à evolução da
música, de Wagner até aquela década de 1940. Enfim, Mario de Andrade analisa como ideais
os moldes usados por Caldeira Filho, ao finalizar a tradução de Noções, do italiano, tecendo
comentários sensatos. Para Mario, já era tempo e seria desejável a elaboração de uma História

443 FIGUEIREDO, Guilherme. Miniatura de história da música. Rio de Janeiro, C. E. B. [i.e. Casa do
estudante do Brasil], 1942. 240 p.
444 ALALEONA, Domenico. Noções de história da música. São Paulo : Ricordi Americana, 1941. 198 p.
445 ANDRADE, Mario de. Música, doce música. São Paulo: Martins, 1963. p. 359-62.

446 À p. 43 desta dissertação.


447 Ibid., p.361.
187

da Música sob os métodos da sociologia contemporânea, acompanhada de crítica de interesse


social. Na verdade, Mario de Andrade está incentivando, até mesmo insistindo para que o
tradutor redija obra inaugural, que trouxesse a público essa maneira de encarar o estudo da
evolução musical.

Em carta de julho de 1927448, João da Cunha Caldeira Filho envia notícias a seu
ex-professor Mario de Andrade sobre seus estudos em Paris. Caldeira Filho se matriculara no
curso de História da Música, ministrado por André Pirro. Tratava-se de um curso superior, que
Caldeira Filho, a princípio, pensara que abrangesse todo o panorama da História Musical. Mas
ficou sabendo que estudariam a cada ano um período – no ano em questão, 1927, por
exemplo, seria estudada a música francesa e a italiana do século XV. Pirro não admitia que
seus alunos conhecessem a História sem que se conhecessem as obras – tanto que a prova que
o professor impunha exigia que se identificassem os temas dados. Caldeira Filho entra em
muitos detalhes, conforme quer relatar todos os aspectos contemplados pelo curso de Pirro e
acaba concluindo que seria “trabalho para uma existência.”

Na correspondência de 15 de dezembro de 1934449, endereçada a Mario de


Andrade, Caldeira Filho, residente em Paris, faz menção a textos de palestras escritos por ele
sobre História da Música, pedindo que o ex-professor os avalie. Caldeira Filho achava que
seus escritos estariam fracos, em comparação aos que foram transmitidos pela rádio, uma vez
que nos programas transmitidos, os discos ajudavam a tornar a audição mais atraente.

Já na carta de 18 de abril de 1942450, Caldeira Filho, que já lecionava no Brasil,


escreve a Mario de Andrade expondo sua auto-apreciação: Caldeira não se considerava tão
preparado quanto o ex-professor expressava a seu respeito, no artigo Histórias Musicais,
citado acima. Confirmando a fama de “modesto e tímido” (conforme se lê em na crítica
publicada no Estado), o ex-aluno de Mario de Andrade achava, então, que não teria bases de
conhecimentos suficientes sobre música, musicologia, sociologia, estética, etnografia e
folclore. Por esta época, Caldeira Filho já havia instituído uma metodologia em sala de aula,
448 Carta assinada: “Caldeira f.”, forma de tratamento: “Prezado Sr. Mario.”, autógrafo a tinta azul; papel
branco, pautado, picotado na borda superior; filigrana; 3 folhas; 24,7x21,1 cm; 2 furos. Notas MA. Notícia
dos estudos em Paris.
449 Carta assinada: “Caldeira”; forma de tratamento: “Prezado amigo Sr. Mario de Andrade.”; autógrafo a tinta
preta; papel branco; filigrana; 1 folha; 26,6x20,7 cm; 2 furos. PS. Envio de textos, para crítica de MA. PS:
pedido de conselho sobre editor.
450 Carta assinada: “Caldeira “; forma de tratamento: “Prezado Prof. Mario ed Andrade”; datiloscrito original,
fita preta; autógrafo a tinta preta; papel branco; 2 folhas; 25,9x20,3 cm; rasgado na borda inferior da folha 1.
Recebimento do artigo de MA “Histórias musicais”. Comentário sobre as próprias limitações teóricas; a
atuação na área de pedagogia musical.
188

para cursos ginasiais, admirada por Mario de Andrade. Teve, no entanto, entraves com as
reformas de ensino impostas em 1940, que não permitiam o uso de livros escritos pelo próprio
professor, na prática educacional – o que resultaria absurdo, no caso da dinâmica didática
idealizada por Caldeira Filho. Mas não seria o caso, aqui, de relatar em detalhes essa
metodologia, permanecendo apenas no esboço da postura do ex-aluno de Mario de Andrade -
e deste, em relação às preocupações com o ensino musical no Brasil, passando pelas vias
sociológicas.

E o pequeno livro do mexicano Otto-Mayer451 trata da música erudita dentro


do romantismo (os principais gêneros musicais; a transformação musical, como a ópera do
século XIX; o poema sinfônico, etc.) Porém, não há uma única anotações de Mario de
Andrade, à margem do texto. Outro livreto adquirido por Mario de Andrade sobre História da
Música e estética, é o de Silvio Motto452, Pontos de Phisica, Historia da Musica e Esthetica -
mas extraído de obra do mesmo autor citado acima, Alaleona (Il libro d'oro del musicista.) A
obra não traz nenhum sinal de anotações de Mario de Andrade. Na página de rosto,
dedicatória de Silvio Motto, professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, a
Mario de Andrade.

Mario de Andrade adquiriu também, de Detheridge, uma cronologia453 de


compositores eruditos organizada por ordem de nascimento dos músicos. Embora não haja
nenhuma anotação de Mario de Andrade à margem do texto, essa cronologia foi adquirida
depois que o modernista editara o Compêndio de História da Música. No índice de autores
elencados por Detheridge, não há nenhum que Mario de Andrade não houvesse estudado
anteriormente – o que leva a verificar que Mario de Andrade queria não só se manter
atualizado a respeito dos compositores eruditos, como analisar criticamente as obras dos
autores que publicavam em vários países. A obra é dividida em dois volumes: no primeiro,
Detheridge reúne autores nascidos entre o ano de 820 e 1810; no segundo, entre 1810 e 1937.

Na verdade, o que norteava a escolha das leituras de Mario de Andrade e que


seria também a orientação que dava a Oneyda Alvarenga, em particular, sinaliza o que ele
aconselharia a alunos, músicos e musicólogos, no geral, a fim de adquirir uma base de
conhecimentos teóricos: na carta de 14 de setembro de 1940 (já referida acima como a mais
451 MAYER-SERRA, Otto. El romanticismo musical : introducción a la historia musical del siglo romántico,
con una historia resumida de sus... México : Nuestro Pueblo, 1940. 80 p.
452 MOTTO, Silvio. Pontos de phisica, historia da musica e esthetica. São Paulo : Ricordi, 1936. 38 p.
453 DETHERIDGE, Joseph. Chronology of music composers. Birmingham, Eng.: J. Detheridge, c1937. 2 v.
189

extensa que o modernista escreveu em sua vida), ele recomenda:

(…) precisa é ler umas duas ou três estéticas gerais; si possível uma história
da Estética; e alguns livros de estética parcial, especializada, como (…) os de
Lalo, l'Art et la Vie Sociale, La Beauté et l'Instinct Sexuel, a Psychologie de
l'Art de Delacroix, a Psychanalise de l'Art de Baudoin454, (…) a poética de
Aristóteles. Como livros gerais a pequena Esthetique do Lalo, a Estética do
Croce, o Esquisse d'une Philosophie de L'Art de Edgard de Bruyne (...)”

Além das leituras de livros, Mario de Andrade leu também sobre História da
Música em muitas revistas da área musical. Nas críticas e ensaios da Revue Musicale, citando
uma delas, assinada por ele no intervalo de 1925 a 1940. É de se observar que maioria dos
artigos sobre Stravinsky, por exemplo, traz anotações de Mario de Andrade, à margem do
texto.

As leituras de Mario de Andrade incidiam sobre o resultado de seus livros cujo


tema era História da Música. Tanto é assim, que se pode notar grande semelhança entre a
estrutura de capítulos do livro de Bekker455 e o esquema para escrita do Compêndio de
História da Música, esboçado por Mario de Andrade e encontrado na última contra-capa de
uma partitura de Chopin456 (Valsa Op 70 n. 3 S Paulo: Ars, s.d.), na 4ª capa, transcrito abaixo:

“1 Primórdios da Música
2 Música Grega
3 Teorias Musicais da Idade Média
4 Flamengos
5 Madrigalistas
6 Origem da Ópera
7 Escolas de Ópera Italiana
8 Outras escolas de ópera
9 Bach Haendel
10 Gluck Haydn
11 Mozart Beethoven”

O índice do livro Musikgeschichte als Geschichte der musikalischen


454 Oneyda Alvarenga faz uma correção, em 1983: “[Baudoine]”.
455 BEKKER, Paul. Musikgeschichte als Geschichte der musikalischen Formwandlungen. Stuttgart :
Deutsche Verlags-Anstalt, 1926. 237 p.
456 A anotação manuscrita por Mario de Andrade foi localizada por Flávia Camargo Toni, ao catalogar as
partituras do Arquivo Mario de Andrade, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
190

Formwandlungen, de Bekker, apresenta modelo parecido com o desenhado por Mario de


Andrade, no verso da partitura de Chopin:

“I. Voraussetzungen der Musikbetrachtung


II. Grunzüge der Formbildung. Die Griechen
III. Grefforiannische Musik (1. Jahrtausend)
IV. Mehrstimmigkeit und neue Kunst (10. Jahrhundert)
V. Die Niederländer
VI. Polyphone und harmonische Musik (16. Jahrhundert)
VII. Die instrumentale Hamonik
VIII. Die italiener: Oper und Oratorium (17. Jahrhundert)
IX. Bach und Händel 1
X. Bach und Händel 2
XI. Die Nachfolge Bachs und Händels
XII. Haydn
XIII. Gluck
XIV. Mozart
XV. Beethoven
XVI. Die Frühromantik (Weber, Schubert)
XVII. Nationale Romantik in Konzert und Oper)
XVIII. Wagner, Verdi, Bizet
XIX. Spätromantik in Konzert und Oper
XX. Die neue Wandlung”

Na falsa página de rosto do livro, Mario de Andrade anota: “Criticas ao livro


em Revue Musicale 1927, II, 179”. Percebe-se, então, que Mario de Andrade se inteirou desse
livro editado em 1926, na Alemanha, em decorrência de leitura da revista musical francesa, do
ano seguinte. No capítulo VIII457, Die italiener: oper und oratorium (17. Jahrhundert), há ainda
uma crítica manuscrita de Mario de Andrade:

Ou mais provavelmente o contrário. O autor no seu evolucionismo


audacioso tende às vezes a fazer os movimentos e mudanças do homem
psicológico derivarem das causas exteriores que esse mesmo homem [grifos
de Mario de Andrade] em formas sociais ou artísticas. Ora o que é bem mais
razoável é afirmar que o homem criou essas formas porque carecia delas

457 BEKKER, Paul. Musikgeschichte als Geschichte der musikalischen Formwandlungen. Stuttgart :
Deutsche Verlags-Anstalt, 1926. p. 88.
191

[grifos de Mario de Andrade] pra expressar o homem psicológico em sua


contínua mutação.

Mario de Andrade redimensiona a opinião entusiástica de Bekker, mostrando,


ao mesmo tempo, sua visão atual (atualidade que ainda hoje permanece) e sua maturidade
crítica, frente às formas e necessidade de criação do que ele chama homem psicológico.

Na biblioteca de Mario de Andrade ainda constam mais livros de Paul Bekker:


Materiale Grundlagen der Musik458; Von den Naturreichen des Klanges: Grundriss einer
Phänomenologie der Musik459; Beethoven460 e Das deutsche Musikleben461 – este último,
conforme mostra a dedicatória cuja assinatura é ilegível, foi presenteado a Mario de Andrade
por uma pessoa de Campinas, aos 26 de janeiro de 1934 (o livro foi publicado na Alemanha
em 1922.) Paul Bekker teve peso na influência sobre as ideias de Mario de Andrade,
irradiando direcionamentos nos estudos da História da Música, não apenas efetuado pelo
professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, como por seus alunos do
grupo de estudos semanais, na casa do mestre. Oneyda Alvarenga, José Bento Ferraz e Sonia
Stermann462, integrando depois o quadro de funcionários da Discoteca Municipal, levariam ao
campo da prática tais estudos, efetivados em escritos de suas autorias. Isso pode ser ilustrado
com o que diz a carta endereçada a Oneyda Alvarenga, datada de 28 de fevereiro de 1939.
Mario de Andrade, então residente no Rio de Janeiro, observa que, nos escritos de conferência
sobre música do século XVIII, haveria a necessidade de se citar Bekker – no que dizia
respeito à “ligação entre harmonia e instrumento”.463 A Discoteca Pública Municipal de São
Paulo foi caso isolado, se avaliado em comparação à maioria dos acervos musicais instituídos
pelo mundo, uma vez que ela não se restringiu à coleta, guarda, organização e disposição de
serviços ao público: na ausência da Rádio-Escola, os funcionários e antigos leitores da
biblioteca pessoal de Mario de Andrade tiveram a tarefa de concretizar o resultado de longos

458 BEKKER, Paul. Musikgeschichte als Geschichte der musikalischen Formwandlungen. Stuttgart :
Deutsche Verlags-Anstalt, 1926. Materiale Grundlagen der Musik. Wien, Universal, [c1926]. 21 p.
459 Id. Von den Naturreichen des Klanges; Grundriss einer Phänomenologie der Musik. Berlin: Deutsche
Verlags-Anstalt, 1925. 75 p.
460 Id. Beethoven. [2. Aufl.]. Stuttgart : Deutsche Verlags-Anstalt, 1922 [c1912]. 623 p.
461 Id. Das deutsche Musikleben. [3. Ausg.]. Berlin : Deutsche Verlags-anstalt, Vereinigt mit Schuster &
Loeffler, 1922. xxiv, 236 p.
462 Sonia Stermann e José Bento Ferraz se casaram, depois de se formarem no Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo.
463 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
178.
192

estudos sobre o que se publicara sobre História da Música, quando da realização de concertos
de discos e textos (por Oneyda Alvarenga) e trabalhos teóricos pelos três ex-alunos citados
aqui.

3.16.2 Leitura de revistas da área musical

Entre muitíssimos periódicos estrangeiros da área musical que Mario de


Andrade assinava por anos a fio, cumpre destacar aqui, ainda, algumas leituras que trouxeram
importantes contribuições para o pensamento do musicólogo e de seus discípulos: os vários
artigos publicados na Musical Quarterly (como se viu acima) e também informações
encontradas na Revue Musicale – que Mario assinou e leu a partir de 1923, até a década de
1940.

Por exemplo, Philippe Stern, do Musée Indochinois, ligado ao Musée Guimet,


escreve uma longa nota musicológica chamada La bibliothèque musicale du Musée de la
Parole et du Musée Guimet464 (cantos populares – cantos orientais - cantos de regiões
longínquas.) Essa nota abre caminho novo, no já no ano de 1929, no campo das discotecas e
museus sonoros. O autor demonstra grande preocupação em gravar, em lugares distantes
como Oriente e países do Norte da África todo registro daquela musicalidade incomum. Sua
preocupação se estende àquelas pessoas que não têm acesso – e não teriam nunca, não fossem
essas gravações efetuadas: “Mme Calo-Séailles e o barão Rodolphe d'Erlanger” ficariam
responsáveis pelas gravações de músicas da Índia, Cambodja, China e Japão; cantos populares
do Brasil, já haviam sido gravados por “Mme Houston-Péret”; cantos argentinos, cantos
populares da Grécia e norte da África por “Mme S. de Cabrera”.

Phillipe Stern menciona o empenho de M. Pernot, diretor do Musée de la


Parole da Universidade de Paris em fundar e dirigir essa coleção (Bibliothèque Musicale du
Musée de la Parole et du Musée Guimet), juntamente com o Musée Guimet. A casa gravadora
foi a Pathé

Essa biblioteca musical foi dividida em duas partes. A primeira seção


“coletâneas de melodias” se dirige a todos e particularmente aos músicos. Há documentação
sobre essas melodias coletadas, com um prefácio situando sua posição, entre outras músicas,

464 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 10, n. 3, p. 257-62, 1929.
193

cantos editados, são fornecidas algumas informações sobre cada uma delas e, se possível,
também uma bibliografia crítica. Os estudos mais técnicos e mais especializados formam a
segunda seção, “trabalhos concernentes à música”, voltados sobretudo a pesquisas voltadas
para a música oriental e popular. A unidade de uma coletânea de melodias se dá geralmente
segundo uma região musical; por vezes, para mostrar o parentesco entre uma ordem de cantos
de países os mais diversos, essa unidade será, então, determinada por determinados gêneros. A
harmonização, sem ser totalmente banida, é raramente acrescentada. A coleção tende a
apresentar o documento exato, a música tal como é executada em seus país de origem, com ou
sem harmonização ou acompanhamento rítmico, negligenciando a questão das facilidades de
execução. Esta é um texto sem anotações de Mario de Andrade.

Na Revue Musicale465, de 1929, há uma nota de divulgação do livro de Coeuroy


e Clarence, Le phonographe, pela editora Kra, de Paris, naquele ano de 1929. Mario de
Andrade não chega a adquirir esta publicação. Mas, num número da Revue Musicale
publicado antes466, o musicólogo certamente lera parte reproduzida dessa obra, Le
phonographe au service de la science et de l'éducation. Nesta parte, os autores começam a
abordagem pela ênfase à importância da “ação do fonógrafo”: conservação dos dialetos e
idiomas estudados pelos linguistas, etnólogos, musicólogos e folcloristas; a emissão da voz
dos animais estudada pelos zoólogos; a voz humana pelos laringologistas; os discursos pelos
historiadores; as línguas estrangeiras pelos estudantes e os professores. Então, os autores
explicam o valor dos arquivos fonográficos, com suas finalidades voltadas para pesquisas –
eles se referem ao “Phonogrammarchiv”, da Academia das Ciências de Viena, como se viu
acima, quando foi analisado o livro Disques, de Charles Wolff. Tratam especialmente também
do Musée de la Parole, de Paris. Sobre este assunto, Mario de Andrade certamente leu o que
teria influência sobre a criação dos serviços do laboratório da palavra, dentro do que
ofereceria a Discoteca Pública Municipal de São Paulo.

Em 1911, o Musée de la Parole, de Paris, recebendo serviços de gravação da


casa Pathé, instalou seus Arquivos da Palavra provisoriamente numa das salas de exame da
rua Saint-Jacques e a Universidade de Paris organizou ensinamento completo de Fonética
experimental do qual os Arquivos da Palavra seriam um dos órgãos. Assim, se criaria um
Instituto comum a todas as Faculdades, dirigido por um professor de qualquer unidade, desde

465 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 10, n. 11, p. 189, 1929.
466 Ibid., v. 10, n. 8, p. 122-41.
194

que fosse competente para o cargo.

A principal tarefa do Instituto de Fonética foi registrar os patois. Para isso,


foram organizadas três expedições de pesquisas. A primeira foi para a região das Ardennes
francesas e belgas: 1600 quilômetros de carro, trinta e cinco comunas foram visitadas – e 166
discos foram obtidos para os arquivos. A segunda expedição teve por objetivo a região de
Brive. As canções e as conversas em patois foram registradas. A terceira se dirigiu a Berri:
foram feitos registros de cantos criados por camponeses que conduziam suas parelhas e as
modificações que sofriam esses cantos. Ao mesmo tempo, se constituiu uma coleção de
registros de vozes célebres. As coleções se enriqueciam mesmo com documentos cuja
gravação não havia sido feita pelo pessoal do Musée. E os autores fazem a comparação com o
princípio dos arquivos de Viena e de Berlim que, de maneira diversa do Musée da França, só
admitiam que os discos fossem gravados por eles mesmos e sob certas condições. Os
Arquivos da Palavra da França foram dirigidos até 1920 por Ferdinand Brunot e,
posteriormente, pelo professor M. Poirot. À época em que Coeuroy e Clarence escrevem o
livro (1929), o diretor dos arquivos era M. Hubert Pernot, professor da Sorbonne.

Os autores mencionam também o interesse que existia na América, por parte da


Universidade de Columbia, em Nova York, nos estudos de antropologia, etnologia e história
natural – o que levou a instituição a criar acervos de preservação de idiomas indígenas, por
meio do trabalho de Franz Boas. O mesmo pesquisador ainda coletou documentos para o
Field Museum de Chicago e para o American Museum of Natural History, de Nova York, que
possuía, em 1929, coleções em idiomas da China; Sibéria; Esquimós americanos e asiáticos;
indígenas do Alaska, do Canadá e dos Estados Unidos; negros da América; Jamaica;
indígenas do México; Nova Guiné e África. Por sua vez, o bureau da American Ethnology,
em Washington, tinha sua coleção de 2.500 registros de músicas indígenas norte-americanas.

A Discoteca Pública Municipal paulistana também se voltava à preservação de


músicas e canções populares, como já se viu acima. E, assim como analisou Elizabeth
Travassos em seu livro Mandarins, Coeuroy e Clarence também lembram o trabalho do
compositor Bela Bartok, em sua coleta da música folclórica e popular pelo território da
Hungria e do também compositor Kiriac, na Romênia. A coleção de músicas coletadas por
este último ainda estava inédita, à época em que o artigo foi escrito, e seria publicada pela
Academia Romena com cuidados do compositor Brailoï, que também desenvolveu um estudo
195

sobre uma aldeia de Bucovine e de uma região de Bessarabie habitada por uma população
bem específica. Coeuroy e Clarence também destacam, entre outros, os arquivos de discos
que faziam parte da Biblioteca de Copenhague, que possuíam tanto registros de canções
populares, quanto de vozes de grandes políticos, economistas, artistas e do próprio rei.

Vale a pena ainda observar que, de 1929 para 1930, a Revue Musicale aumenta
visivelmente a quantidade de publicação de artigos sobre os assuntos discos e música
mecânica.

3.17 O Compêndio de História da Música467, de Mario de Andrade

A obra que Mario de Andrade escreveu sobre História da Música e que vai ser
analisada aqui se trata da segunda edição do Compêndio de História da Música – e não da
primeira. A primeira edição é de 1929 e não possuía indicação de discografia, no final da cada
capítulo, como acontece na segunda edição, de 1933. Aliás, foi essa obra que originou, em
1942, a Pequena História da Música468. Devido à constante referência a códigos de discos, na
discografia do Compêndio de História da Música, Mario de Andrade monta um índice de
abreviaturas das casas gravadoras da época, indicadas na discografia, ao final de cada
capítulo. Esse índice se encontra em página não numerada, logo após o índice dos capítulos469.
Assim:

“DISCOTECA
ABREVIATURAS

V.: Victor
H.: His Master's Voice (da Inglaterra)
G.: Gramophone (La Voix de sou Maitre, ramo francês)
O.: Odeon (ramo francês)
C.: Columbia
P.: Polydor
Pat.: Pathé
Parl.: Parlophon (numeração francesa)
M.: Melodian

467 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. 211 p.
468 Id. Pequena história da música. São Paulo : Livraria Martins, 1942. 286 p.
469 Mario de Andrade redige uma nota, onde explica que se ele lançou mão destas “distinções desagradáveis”
(referentes a Victor; His Master's Voice e Gramophone), é porque não era possível designar alguns discos por um
título só: cada ramo da Companhia tinha suas gravações particulares, ou mesmo exclusivas.
196

B.: Brunswick
U.: Ultraphone (marca francesa)
Z.: Zanophone (marca inglesa)
Okeh.: Marca ianque
Decca: Marca ianque
A.: Arte-Phone, do Brasil
O. B.: Odeon, do Brasil
C. B.: Columbia, do Brasil
P. B.: Parlophon, do Brasil”

O autor não indica, na discografia ao final de cada capítulo, todas as


composições cuja presença se observará nos programas de Concertos de Discos, planejados
por Oneyda Alvarenga. Isto porque nem todas as obras tinham sido gravadas, então. Por
exemplo, se houvesse tantas gravações do período medieval, como hoje existem,
provavelmente Mario de Andrade teria escrito uma discografia bem maior, a respeito desse
assunto. De Camargo Guarnieri, o autor não indica nenhuma composição, no Compêndio de
História da Música – pelo mesmo motivo – em 1933, ano da 2ª edição do Compêndio,
algumas gravações não tinham ainda sido feitas. Como é o caso da ausência também de
gravações de obras de Vivaldi, depois muito divulgadas. Embora não haja indícios de que no
acervo da Discoteca Pública Municipal, na época de sua criação, houvesse grande número de
obras de Vivaldi – e quase certamente não havia -, Mario de Andrade classifica esse
compositor como um dos “artistas geniais”470, em seu Compêndio de História da Música. E,
em seu romance inacabado, Quatro Pessoas, a personagem Carlos faz da audição de discos
um invólucro de paz, ao tentar preservar seu casamento de abalos causados por influências
indesejáveis do amigo João e sua mulher Violeta: “ (…) ouvindo músicas, muito Bach, órgão,
corais, e em seguida os italianos orquestrais antigos, Vivaldi principalmente. (…) Essa noite
fora para os dois [Carlos e Maria], entre músicas e silêncios, de uma tão perfeita unidade,
foram tão simples e tão gloriosos (...)”471
O capítulo 1 do Compêndio de História da Música, chamado “Música
Elementar”, se finaliza com uma discografia tão diminuta, que dificilmente passaria
despercebida a escassez de gravações da chamada música primitiva. O ritmo é uma constante

470 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 99.
471 Id. Quatro pessoas. Belo Horizonte : Itatiaia, 1985. p. 98.
Mario de Andrade comunica a Oneyda Alvarenga, por carta, no dia 25 de julho de 1939, suas dúvidas sobre o
projeto desse romance. Afinal, em 1943, decide parar de escrever o livro, considerando que, em plena Guerra
Mundial, não deveria perder tempo com romances psicológicos. O que importa aqui, no entanto, é justamente
o período, a passagem da década de 1930 para a de 1940, momento em que havia todo aquele interesse
mundial pela música mecânica e do surgimento da Discoteca Pública de São Paulo e quanto isso permeava
tanto a obra literária do escritor e a realidade cotidiana que cercava as pessoas.
197

nos estudos de Mario de Andrade – rastreadas as fontes bibliográficas lidas por ele, desde a
década de 1910, até a de 1940, sempre se encontrou, à margem dos textos, a palavra
manuscrita: “Ritmo”. Mas voltando à escassa discografia: também seria difícil não relacionar
essa ausência de música indígena com a urgente necessidade de se efetivar logo essa coleta de
fonografia de música primitiva, no Brasil. (Mario de Andrade cita, obrigatoriamente, o
trabalho de Köch-Grunberg, etnógrafo alemão que efetuou gravação de mitos e lendas dos
índios Taulipang e Arekuná; como também os fonogramas do Museu Nacional do Rio de
Janeiro, trabalho de Roquette Pinto. Mas, o mais relevante é que ele escreve: “Não existem
discos à venda com música ameríndia brasileira.”472) Assim, depois de dois anos da
publicação dessa edição do Compêndio, que inclui discografia, a criação do acervo da
Discoteca Municipal de São Paulo, em 1935, vem como resposta ao capítulo tão breve e tão
eloquente (por suas “ausências”) do livro de Mario de Andrade. Naqueles fonogramas
preciosos que a Missão de Pesquisas Folclóricas trouxe para São Paulo, finalmente estava a
preservação de uma parcela representativa das manifestações da música primitiva (e
folclórica.)
Todo esse trabalho demandado pelo Departamento de Cultura era o resultado
pragmático dos estudos de Mario de Andrade. Se voltarmos a atenção para leituras de revistas,
de 1930, podemos entender que o musicólogo considerava bom que o Brasil se apressasse e
seguisse outros países, por exemplo:
No artigo de Henri Barraud, Le disque et la musique populaire: une mission
d'enregistrement en Tchéco-Slovaque, na Revue Musicale473, Mario de Andrade assinala
trechos que tratam sobre ritmo das danças búlgaras e das danças da Boêmia, com suas usuais
trocas de ritmo. Ainda na Revue Musicale474, também há anotações de Mario de Andrade nos
artigos reunidos sob o título Les disques exotiques. O primeiro, assinado por Philippe Stern, é
Chansons de Rabindranath Tagore. Mario de Andrade anota a palavra “Pathé”475, à margem
direita do texto em que há menção a três discos de música do poeta e compositor indiano
Tagore, pela gravadora Pathé. No outro artigo, da mesma forma, Mario de Andrade assinala a
margem esquerda476, onde o texto apura os cantos indígenas da tribo Os-Ko-mon (assinado
472 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 9.
473 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 11, n. 106, p. 39-44, 1930.
474 Ibid., v. 11, n. 106, p. 54-58, 1930.
475 STERN, Philippe. Chansons de Rabindranath Tagore. In: La Revue Musicale. Paris : Éditions de la
Nouvelle Revue Française, v. 11, n. 106, p. 55, 1930.
476 HERSCHER-CLÉMENT, J. Disques de folklore peau-rouge de l'Amerique du Sud. In: La Revue Musicale.
Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, v. 11, n. 106, p. 56, 1930.
198

por J. Herscher-Clément, Disques de folklore peau-rouge de l'Amerique du Sud): “canto de


guerra – canto de casamento - canto fúnebre – canção de ninar – Lamentação sobre a chegada
dos brancos – Dança do milho verde –“ e outros.
E se quisermos uma confirmação de que os Concertos de Discos e
Conferências públicas, na Discoteca Pública Municipal, eram uma segunda (e pragmática)
versão do Compêndio de História da Música de Mario de Andrade, basta lermos a carta deste,
de 28 de fevereiro de 1939: “Você se esquece que eu só fui escrever o meu Compêndio aos 36
anos, e assim mesmo saiu cheio de defeitos? Compare isso com a muito menor idade em que
você está escrevendo com bem maior segurança de síntese esta sua história de agora.” Mario
de Andrade ainda se colocava como um atento ex-professor que não deixaria que ela
escrevesse “tolices definitivas”. E continua: “(...) você está fazendo um compêndio muito
milhor que o meu (...)”477
Ao que tudo indicava, os textos escritos por Oneyda Alvarenga se destinavam a
compor um livro. Claro que nessa comparação, em que Mario de Andrade afirma que Oneyda
não está sozinha como ele esteve antes e que a ex-aluna tem bases teóricas, ecoam as vozes
das muitas leituras feitas pelo grupo de estudos de História da Música. Afinal, como se verá
abaixo, Oneyda Alvarenga acabou contando com a colaboração teórica de Sonia Stermann e
José Bento Ferraz, seus ex-colegas de Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
No estudo abaixo, poderemos observar que Oneyda, na maioria das vezes, fez
tocar obras indicadas por Mario de Andrade. Mas veremos que as gravações nem sempre
eram as mesmas – temos acesso aos códigos de gravadoras, da época de Mario de Andrade,
em sua discografia. Mas, quando o título no programa é em português e na discografia na
língua de origem do país que fez a gravação, podemos concluir que nem sempre a Discoteca
pôde adquirir as gravações sugeridas por Mario de Andrade.
No próximo capítulo serão analisados os Concertos de Discos elaborados por
Oneyda Alvarenga, sempre se estabelecendo relação com a obra de Mario de Andrade,
Compêndio de História da Música, a fim de confirmar que a diretora da Discoteca Municipal
se baseava naqueles estudos de História da Música e na obra (que vem a ser a síntese de todas
as suas pesquisas) do ex-professor. Há que se verificar que uma das tarefas primordiais das
quais se incumbiu a Discoteca Pública foi a reconstrução e divulgação desse ramo específico
da História da Arte pelo viés social.

477 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
178.
199

CAPÍTULO 4 CONCERTOS DE DISCOS

4.1 Concertos de Discos: a reconstrução da História Social da Música no mosaico


das audições

Nesta parte, se verá a estrutura dos repertórios de audições de discos, na


Discoteca Pública, sempre pautada pelo Compêndio de História da Música, de Mario de
Andrade.
Alguns dos programas dessas audições públicas se encontram, em parte, no
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Porém, o conjunto
maior se encontra no Arquivo Histórico do Centro Cultural São Paulo. Ao todo, noventa e
nove programas foram recuperados e digitalizados no próprio Centro Cultural São Paulo,
200

originando cópias que foram cedidas para esta pesquisa. Os Concertos de Discos começaram
em 20 de julho de 1938 e seguiram se efetuando periodicamente até 18 de junho de 1942.
Houve um intervalo de onze anos, nessas apresentações, porque a sede que a Discoteca
Pública Municipal ocupou, à R. Florêncio de Abreu (e que não era a mesma da década de
1930, na mesma rua – mais abaixo serão fornecidos mais detalhes sobre isso), não possuía
lugar adequado para apresentações musicais. Os Concertos voltaram, então, a ser realizados
em 30 de julho de 1953. Os documentos aqui reproduzidos e analisados têm seu limite de data
em junho de 1958. Dentre estes noventa e nove programas de discos, apenas trinta e sete
tiveram recuperados os textos didáticos478 que os acompanhavam. Esses textos também foram
encontrados no Arquivo Histórico do Centro Cultural São Paulo, onde foi realizada sua
digitalização, com cópias para este trabalho.
Oneyda Alvarenga começou a realizar os Concertos de Discos, como se viu, na
década de 1930 e continuou a programação pelas décadas de 1940 e 1950, aparentemente
sem alterar substancialmente os repertórios. Isso porque o que se dispunha como período era
simplesmente a totalidade da História da Música. Oneyda Alvarenga planejava Concertos de
Discos que incluíam como tema desde composições da Idade Média (sempre tendo-se em
conta que, se gravações desse período medieval já eram raras, que dirá da música da
Antiguidade...), até a época contemporânea.
Por essas observações se pode ver que, preservando o plano didático de
disseminar a História Social da Música e conhecimento sobre estética musical, Oneyda
Alvarenga só poderia mudar alguns aspectos da programação ao acrescentar composições
contemporâneas, que surgiam o tempo todo – o que ela fez, mantendo-se atualizada no campo
da música erudita.
Aos 26 anos de idade, à frente da Discoteca Pública Municipal, sem a presença
de Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga concede uma entrevista em agosto de 1938, ao
jornal Diário da Noite, esclarecendo a função e os serviços prestados (consultas de discos)
pela Discoteca:

(...) a finalidade da discotheca não é divertir, não é facultar meio de matar o


tempo a duas dúzias de desocupados, nem de deleitar os ouvidos de meia
dúzia de amadores esclarecidos. (…) seu fim é colaborar para o
desenvolvimento delas, fornecendo dentro da sua esphera de ação, meios de
se formarem elites artísticas capazes de illustrar a nossa vida intelectual.

478 De autoria de Oneyda Alvarenga.


201

Dado o imenso poder socializante da música […]479

Dentro do propósito didático da formação de ouvintes na Discoteca do


município, Oneyda Alvarenga começou, em 1938, a apresentar Concertos de Discos e
Palestras (conferências que Mario de Andrade chamava de História da Música em discos) na
Discoteca.
Antes de abordar a questão das elaborações de Concertos de Discos, é
conveniente tomar conhecimento de determinados trechos de correspondências trocadas entre
Oneyda Alvarenga e Mario de Andrade, a fim de se obter ideia das preocupações e
preparações prévias para essas atividades de audições públicas:
Em correspondência de 6 de outubro de 1938480, Mario de Andrade fala da
História da Música em disco (referente ao ciclo de palestras de Oneyda.)

Em carta de 8 de outubro de 1938481, Oneyda evidencia a diferença entre as


palestras e os concertos de discos, embora o objetivo seja o mesmo: proporcionar educação
musical ao público.

Além da queda de público devido à proibição de Prestes Maia à publicidade


por meio de cartazes, em frente ao Teatro Municipal, Oneyda se questiona – e quer saber a
opinião de Mario de Andrade – sobre abrir espaço ao público, para que este sugira parte do
repertório dos Concertos de Discos, como se lê na carta de 29 de novembro de 1938:

Às vezes me pergunto também se os nossos concertos não estarão muito


sérios. Repugna-me incluir neles coisas tipo Sinfonia do Guarani, repugna-
me trair a honestidade que sinto dever mostrar para com o público, não o
enganando, não tomando o seu tempo com o que não é essencial, com o que
concorrerá desastrosamente para acentuar os males que visamos exatamente
combater. Outro dia, uma senhorita, que aliás é metida a sebo, me disse não
frequentar as nossas audições porque elas eram “muito clássicas”. Como
essa moça, que procura num concerto apenas um meio de matar a noite, é
comum dos frequentadores de salas de música, sei bem. Deverei mudar de
rumo? Mas torno a pensar nos meus programas e não encontro neles nada
assustador. Tudo é honesto, embora sem agressividade. Tenho a preocupação
de misturar para não cansar: junto o Trio para piano, oboé e fagote de
Poulenc, com a Sinfonia Escocesa de Mendelssohn, caso um quarteto um

479 Anexo B, p. 352-6 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. Entrevista dada ao Diário da Noite. Discoteca
Pública Municipal de São Paulo e documentação musical. Transcrição do texto integral, sem indicação de
entrevistador. Entrevista. Datiloscrito, 17 de agosto de 1938, cópia 'B' carbono, 6 p. - (da mesma forma)
Consultada cópia xerográfica.
480 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
150-1. 6 out. 1938.
481 Ibid., p. 151. 8 out. 1938
202

Quarteto de Hindemith com o Concerto em Lá de Grieg, Scarlatti com


Schumann, Bach com Beethoven. Você sente aspereza erudita nisso?
Andei pensando que despertaria interesse permitir aos ouvintes que peçam o
que desejam ouvir; faríamos assim um concerto com uma parte determinada
por nós e outra pelo público. Há perigos, estou certa. Muita borracheira há de
ser solicitada.482

Oneyda Alvarenga pensou, então, que talvez fosse melhor apenas atender aos
pedidos do público quando não fugissem muito dos planos educativos da Discoteca. Mas
tinha certeza de que, sendo assim, o interesse dos ouvintes diminuiria. Ela afirmava que era
preciso “ver” o que era público, sabendo da existência daquelas pessoas que reclamavam do
“peso” dos repertórios. Na continuação da carta, Oneyda Alvarenga enumera pedidos e
sugestões do público que são, no mínimo, hilários – porém não mais do que as próprias
reações de Oneyda, que, indignada, chama a um amante da música alemã de germanófilo.
(Certamente a musicóloga não tinha nada contra os compositores alemães: em seu livro sobre
as pianistas da geração anterior à de Oneyda Alvarenga, Jaci Toffano483 revela a passagem da
preferência da ópera para as composições germânicas. Os pianistas começam a eleger, para
interpretar, os autores alemães. No início do século XX, apresentam composições francesas,
seguidas de espanholas e italianas. Também enfocam os russos. Para Toffano, isto tudo deriva
de um processo de imitação dos moldes europeus, uma vez que os músicos brasileiros
também estudavam na Europa. É possível relacionar isto com a escolha de repertórios, na
época de Oneyda, pela observação de seus programas de concertos de discos. Basta verificar
que Oneyda Alvarenga usou, como estratégia didática nas audições públicas, Bach e
Schumann, de longe em número superior de vezes, em relação aos outros compositores, como
será visto adiante.

Pelos trechos das cartas acima, vê-se que os propósitos eram didáticos, antes de
mais nada. Assim sendo, pode-se entender que todo o proceder era previamente pensado e
nada era incluído ou excluído gratuitamente dos programas, como se verá abaixo. E, na
preparação de Concertos de Discos, conforme se pode observar nos repertórios dos programas
da Discoteca Municipal, analisados no capítulo 4, também percebe-se claramente quando
Oneyda Alvarenga revisava os Concertos anteriores, a fim de repetir repertórios, ou não, nos

482 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-5. 29 nov. 1938.
483 TOFFANO, Jaci. As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag: o paradoxo feminista. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2007. p. 39-40.
203

que ainda ia oferecer ao público.

Quanto aos concertos propriamente ditos, Oneyda, com raras exceções, sempre
os dividiu em duas partes. Na primeira, procurava mostrar obras contemporâneas, ou de outras
épocas menos difundidas, como Renascimento. Na segunda parte, buscava ir ao encontro ao
gosto do ouvinte, conciliando autor mais popularizado com obras menos ouvidas. Aqui
convém observar o que Mario de Andrade ponderava esse auto-questionamento da discípula,
quando se interrogava sobre a honestidade que deve se dirigir aos ouvintes: no artigo Música
universitária, publicado na coluna crítica Mundo musical, da Folha da Manhã, aos 12 de
outubro de 1944. A respeito do que as pessoas, na década de 1940 começavam a classificar
como “música erudita”, ou “música fina” (!), Mario de Andrade escreveu:

E macacos me mordam si essa lei de programação, peça pesada na primeira


parte, peças mais leves na segunda, peças levíssimas e final virtuosístico, não
é uma desonestidade.
Ao passo que não haverá preconceito nem desonestidade nenhuma, mas
felicidade, cultura, vida, vitalidade, em esboços de programas como o que eu
imaginei, desculpem. Mas defendo a minha imaginação. (…) em Arte, não
está implicada apenas a manifestação da Beleza, mas a complexidade da
vida.484

Nesses Concertos de música mecânica, Oneyda lia textos de sua autoria sobre
cada compositor a ser apresentado, baseando-se em pesquisas bibliográficas sobre História da
Música. Estabelecendo o compositor como tema central de determinada audição de discos,
Oneyda Alvarenga necessariamente falaria sobre o século a que pertencia o autor; e também
sobre escola e nação de origem do compositor. Ao mesmo tempo que se esforçava para
aprimorar o gosto dos ouvintes, ela tecia o ensino de história da música, ao longo do intervalo
de 1938 a 1958485, sempre levando o público a relacionar autor/país/data.
Na carta de 29 de novembro de 1938,486 dirigida a Mario de Andrade, Oneyda
Alvarenga questionou se a Discoteca não deveria abrir espaço para sugestões do público.
Porque o público havia diminuído em razão da restrição de publicidade dos concertos e
palestras487, que antes Oneyda podia expor em cartazes, em frente ao Teatro Municipal. Mas

484 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. 420 p.
485 Entre janeiro/1944 a julho/1953, em razão de más condições da sede em que esteve instalada a Discoteca
Pública Municipal, à R. Florêncio de Abreu, não houve concertos de discos.
486 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-5. 29 nov. 1938.
487 Quando a Discoteca ocupou a sede da Av. Brigadeiro Luís Antônio, dispôs de ótimo auditório. Mas o
público semanal chegava, no máximo, a trinta pessoas.
204

Oneyda também sabia ainda que muitas pessoas se afastavam dos concertos por acharem os
repertórios muito eruditos. Pela análise dos programas destes Concertos488, vê-se que a
Discoteca não abriu mão do didatismo das audições - que não podiam deixar de lado o
objetivo de incutir nos ouvintes novas preferências; ao mesmo tempo, diminuindo a
importância que se dava a obras como a ópera. Quando Mario de Andrade critica a ruptura
entre a música-espetáculo e o elo socializante da música, que une as pessoas no coletivo, ele
como que acusa composições como a ópera de dissociar a arte de sua função social. Isso vai
desembocar no discurso de Oneyda , quando, naquela entrevista concedida ao Diário da
Noite, em 1938, une a urgência de recorrer ao poder socializante da música ao pragmatismo
didático dentro da esfera de ação da Discoteca Pública Municipal. Uma das saídas para
resolver o “problema grave do gosto pela ópera italiana”, e problema porque traz implicações
de ordem social, seria desenvolver a compreensão da música contemporânea e sua função
pelo público.
E é em Como ouvir música , último capítulo de A Linguagem Musical, livro
inédito de Oneyda Alvarenga489, que a autora revela a estrutura por trás das técnicas indicadas
ao leigo, principalmente, possibilitando a ele constituir-se um ouvinte de fato, perante a
audição do novo. Baseando-se em Aaron Copland, Oneyda ensina de maneira simples como o
ouvinte leigo pode (e deve) fixar sua atenção, desde o início da audição de qualquer obra
musical, sem perder o fio condutor da melodia, a fim de apreender o conjunto da obra -
discernindo a qualidade de uma obra independentemente se a melodia lhe agrada, ou não :

Em geral as composições nascem de uma melodia principal longa ou curta


que, dada logo no início da peça, depois evolui ou é modificada e explorada.
A ela se junta freqüentemente uma melodia secundária de caráter
contrastante. Para a clara percepção da forma é preciso que o ouvido não
perca a melodia principal, procure retê-la na sua primeira exposição e segui-
la depois nos seus retornos e transformações. Sendo de caráter marcado e
completa em si mesma, qualquer pessoa atenta consegue distingui-la e
acompanhá-la. Nos seus aparecimentos e na sensação de repouso mais ou
menos completo que se tem ao finalizar cada secção de uma obra,
encontram-se os pontos de referência que facultam a representação da forma
total. A fixação pronta da melodia fundamental é sobremaneira valiosa na

488 Destes Concertos de Discos, temos hoje os programas documentados nos Arquivos do Centro Cultural São
Paulo (todos) e do Instituto de Estudos Brasileiros/Universidade de São Paulo (no Arquivo do IEB, alguns, da
década de 1930).
489 ALVARENGA, Oneyda. A Linguagem Musical. Datiloscrito, 1945. Arquivo Mário de Andrade, Instituto de
Estudos Brasileiros, USP. A obra inédita de Oneyda Alvarenga é objeto do doutorado de Luciana Barongeno no
Programa de Pós-Graduação em Musicologia do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo.
205

audição da música de conjunto.490

Neste capítulo tão didático, Oneyda Alvarenga desvela de uma vez o que
norteava seus concertos de discos. Ela escreve claramente a respeito do que se deve fazer para
combater atitudes estagnadas diante de obras desconhecidas e, portanto, estranhas:

O meio seguro de impedir ou corrigir essa empobrecedora atitude, consiste


em ouvir música de várias fases, vários países, vários gêneros, tendo
presente a verdade de que nenhuma arte é imóvel. Certos princípios que
regem as legítimas obras de arte são universais e eternos: o do equilíbrio
formal, o da obediência à natureza do material artístico trabalhado, etc.
Entretanto, cada época, e mesmo cada artista, usa diferentes meios para
realizá-los. Procurar sentir a linguagem falada pela obra de arte constitui um
dos deveres fundamentais do contemplador. O maior erro dos ouvintes é
exigir que todos os músicos se exprimam do mesmo modo a que se
acostumaram.491

É assim que entendemos o porquê de alguns repertórios de programas pensados


por Oneyda: ela podia planejar uma audição apenas com autores do século XIX (às vezes,
todos românticos; outras, propositadamente, não); ou, por exemplo, partindo da escolha de
Beethoven, apresentar ao público uma obra totalmente desconhecida dele. Além, claro, da
frequente presença da música contemporânea. As possibilidades da montagem de programas
eram quase infinitas e o ouvinte poderia, além do que escreveu Oneyda acima, relacionar os
fragmentos e concluir o todo da História da Música. Se, no início do capítulo Oneyda frisa o
aumento do prazer artístico no ouvinte inexperiente, o tempo todo dá a entender que isto de
trata de uma estratégia pedagógica. Oneyda aconselha que se pratique “leitura
despreocupada” de compêndios de História da música. Por mais que se sugira essa leitura
como lazer, o fundo disto traz o propósito educativo.
Os textos dessas conferências eram previamente enviados a Mario de Andrade,
para que este os analisasse e fizesse correções literárias. Até novembro de 1938, Mario de
Andrade ausente, Oneyda Alvarenga enviava-lhe notícias da grande freqüência do público aos
concertos e palestras da Discoteca. Na carta de 29 de novembro de 1938 492, a diretora já fala
da queda de público: não ultrapassava mais a média de 30 pessoas e ela não via outro motivo
para isso que não fosse a deficiência de publicidade. A Discoteca enviava, então, notícias
490 ALVARENGA, Oneyda. A Linguagem Musical. Datiloscrito, 1945. Arquivo Mário de Andrade, Instituto de
Estudos Brasileiros, USP. p. 99.
491 Ibid. p. 97-8.
492 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-6.
206

diárias e os jornais só publicavam uma vez por semana essas notas, sempre mal colocadas. Os
anúncios que mais atraíam o público eram os enormes cartazes na frente do Teatro Municipal.
Mas Prestes Maia os proibiu – aliás, proibiu qualquer anúncio “vistoso” a esse respeito.
Se o público diminuiu com o acanhamento da publicidade, conclui-se que os
programas da Discoteca, embora eruditos e didáticos, atraíam o público comum, da rua, que
atentava para cartazes. Se aquela sociedade da década de 1930 se interessava a esse ponto por
programas considerados “cultos” e o poder municipal, sabedor da eficiência da propaganda,
usou de sua autoridade para inibir a atividade da Discoteca, apenas por ela ser um dispositivo
da Diretoria anterior, (ou por incompreensão), isso indica que, ao menos naquele momento,
uma campanha voltada fortemente para a disseminação de informação, no caso, musical, seria
eficiente, ajudando a encetar mudanças de mentalidade e postura do povo (“o imenso poder
socializante da música...”).
Pouco antes, em 1934493, Curt Lange, vindo ao Brasil para realizar pesquisas
musicológicas, fundara as discotecas municipais de Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre,
além de colaborar com Mário de Andrade na organização da Discoteca Pública Municipal de
São Paulo. Ainda antes, em 1929, colaborara com o Serviço Oficial de Difusão Radioelétrica,
o SODRE, trabalhando pela Discoteca Nacional e pelo emprego da então nascente difusão
radioelétrica como meio de educação das massas, assim como de difusão artística e científica.
Assim, trabalhavam em consonância, vendo que o meio de difusão radiofônico
era forte instrumento, podendo atingir o grande público e a política cultural adotada por Mario
de Andrade tinha fortes características educativas. Ele – como mentor – e Oneyda Alvarenga –
como sua discípula – seguiam um propósito didático de educação musical. Oneyda Alvarenga
preocupava-se em relação à posição definida da Discoteca no que tangia ao direcionamento
dessa educação musical do público. Na carta que envia a Mario de Andrade, em 29 de
novembro de 1938494, escreve sobre “nossos planos didáticos”, questionando se os programas
dos concertos da Discoteca não estariam “muito sérios”, temendo trair a honestidade que
sentia “dever mostrar para com o público, não o enganando, não tomando o seu tempo com o
que não é essencial, com o que concorrerá desastrosamente para acentuar os males que

493 REMIÃO, Cláudio Roberto Dornelles . O Mário de Andrade de "Número especial". In: XXIV Simpósio
Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e multidisciplinaridade: território e deslocamentos: anais do
XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo : Unisinos, 2007. p. 1-8.
494 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
154-6. 29 nov. 1938.
207

visamos exatamente combater.”495


Oneyda Alvarenga informava a Mario de Andrade quanto à montagem dos
programas: a primeira parte contendo músicas eruditas de compositores mais ao gosto popular
e a segunda, peças de vanguarda, cujos compositores julgava importantes ao conhecimento do
público. Mario de Andrade aconselhava quanto ao estilo, a fim de que a palestra ficasse
atraente para o público leigo, e que este retivesse as informações na memória. Seus propósitos
didáticos estavam coerentes com a preocupação de Curt Lange “com a educação musical
promovida nas escolas, a formação de um público apto a compreender a produção musical
latino-americana contemporânea e o aperfeiçoamento dos compositores latino-americanos”.496
Oneyda Alvarenga, levando sempre para o terreno da prática a formação
recebida do mentor Mario de Andrade, tentou combater com todas as armas que tinha a seu
alcance a “pianolatria”497 e, mais ferozmente, a inclinação popular para a ópera italiana.
Desse modo, os consulentes, nas dependências da Discoteca, deparavam-se com cartazes
como: “Para o aumento da sua cultura, a música de câmara e a música sinfônica têm mais
importancia que a ópera.”498
Tendo sido discípula de Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga não podia deixar
de dar determinadas explicações ao repórter acerca da “ópera e a sexualidade”, na reportagem
realizada pela Revista do Globo, no dia 26 de janeiro de 1946499, da qual vale a pena
reproduzir trechos:
Entramos, pois, na seção dos gostos. Este é um assunto doloroso que cabe à
apaixonada diretora da Discoteca explicar. Diz ela:

495 Ibid., p.154-7.


496 BUSCACIO, Cesar Maia. Americanismo e nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e
Camargo Guarnieri (1934-1956). Tese (Doutorado em História Social). Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 2009.
p.18.
497 “A 'pianolatria' do público” é subtítulo da reportagem de Justino Martins, Música Para Milhões... O Globo
(26 de janeiro de 1946), p.54.: “Finalmente, a observação decorrente das estatísticas da Discoteca paulista
sobre a verdadeira 'pianolatria' do público. Cincoenta por cento da música de câmera consultada é para
piano. Dir-se-ia que isso é indicação de mau gosto, mas Oneyda acha que não:
- O caso revela apenas uma limitação do gosto artístico. E as suas causas são velhas, datando da invasão
doméstica do piano no século dezenove, da sua fixação como ponto principal do ensino da música de
concerto.”
498 Jorge Coli faz menção a esse cartaz da Discoteca Pública Municipal, “(...) ainda sob a gestão de Oneyda
Alvarenga”, contando sua experiência pessoal. Ele escreve que se lembra do texto emoldurado: “ali dizia-se
que a música de câmara era superior à sinfônica, e sobretudo à ópera (…) Isto naturalmente provém do
mesmo espírito presente em Mario de Andrade, espírito moderno e sofisticadamente intelectual, que via na
ópera um inimigo. Quer do ponto de vista da defesa sincera de uma arte digna, quer no jogo mundano dos
paradoxos e das contradições, quer na pedagogia dos neófitos, a ópera devia ser combatida.” COLI, Jorge.
Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed. da
UNICAMP, 1998. p.317.
499 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 54.
208

- Entre os autores (…) preferidos pelo público, figuram (…) Beethoven,


Bach, Chopin, Verdi... Mas não deixa de ser grande a procura de certos
compositores cuja ausência seria desejável. Os operistas do século XIX, por
exemplo e Johann Strauss.
- E a música moderna?500
- Muito pouco procurada (…) mas verifico que lentamente vai melhorando o
gosto do público pelos compositores do século vinte. Dentre eles,
Stravinsqui ocupa o primeiro lugar, seguido de Manuel de Falla, Debussy,
Ravel,Villa-Lobos, Procofiev . Puccini, porém, leva todas nestes dois últimos
séculos. Os paulistas, como os brasileiros, talvez como o mundo todo,
revelam falta de refinamento musical.

E Oneyda, ajuntando que isso era merecedor de censura, se vale do espaço na


imprensa para relembrar o que Mario de Andrade já havia escrito, como crítica :
É um fato evidente e provado, pelo seu elemento espetacular, pelos seu apelo
à sensualidade e mesmo à sexualidade do ouvinte espectador, e por várias
outras razões, a ópera é (…) aquela que o povo prefere. E se o povo procura
as gastas (…) óperas italianas é porque os compositores (…) fizeram-na
perder toda a sua força da coletivização, pelo excesso de intelectualismo e
de abstrações técnicas que pesam sobre a música moderna. (…) melhor
fariam os compositores (…) procurando se aproximar do povo através do
teatro musical e aproveitando toda a capacidade socializadora dele.

E, no mesmo dia, quando a equipe da Revista do Globo finalizava a entrevista


com Oneyda Alvarenga e se retirava, pôde testemunhar o contraste entre os dizeres dos
cartazes de Oneyda e a atitude empedernida dos consulentes:
Quando deixamos a Discoteca Pública de São Paulo, duas meninas entravam
para uma cabine, para ouvir “Conto dos Bosques de Viena”, de Strauss.
Sentaram-se em êxtase. Mas na parede, um cartaz gritava aflito, irritado, em
letras bem grandes:501
A música moderna merece a sua atenção. Si lhe parecer agressiva nas
primeiras audições, o hábito de ouvi-la fará desaparecer essa impressão.
Embora a discografia represente ainda insuficientemente a música
contemporânea, o fichário de séculos, na divisão destinada a sé. XIX-XX e
séc. XX, apresentar-lhe-a alguns compositores modernos.502

Este cartaz é um marco na história da Discoteca, nos anos 1940, porque lança
luz especial sobre o objetivo específico de Oneyda Alvarenga, em relação a incutir nos
consulentes, o mais depressa possível, o gosto pela música moderna – ou seria
contemporânea? Estava-se numa época especial para a apreensão da evolução das técnicas de

500 Notar que, aqui, o termo “música moderna” ainda é usado como sinônimo de “música contemporânea”.
501 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 54.
502 Este mesmo cartaz é fotografado, três anos mais tarde, por Antonio Pirozzelli, da equipe de reportagem da
Folha da Manhã, com a legenda: “Dísticos nas paredes visam à educação musical dos consulentes. Os
conselhos reproduzidos no clichê procuram ressaltar a importância da música moderna.” - da reportagem
Revelações de uma visita.
209

composição musical. Se a reportagem em que aparece este cartaz é de 1949, vemos que
Oneyda, longe de se confundir com os termos, os faz sinônimos: era ainda muito recente a
música moderna – ela era o que se tinha por música contemporânea, ainda.
A fim de ilustrar como todo o preparo de Oneyda Alvarenga como estudiosa da
História Social da Música desembocou na prática, dentro de uma Discoteca que assumiu o
papel da Rádio-Escola, será mostrado a seguir não só o repertório dos noventa e nove
concertos de discos que foram recuperados em pesquisas no Arquivo do Centro Cultural São
Paulo, como também texto de Oneyda Alvarenga (transcrito) e textos explicativos sobre
frequência de público aos concertos, catalogação de discos e outros elementos fundamentais,
em torno do assunto. Além disso, o tempo todo se estabelece relação entre os programas
(repertórios) elaborados pela diretora da Discoteca e a Discografia constante do Compêndio
de História da Música, de Mario de Andrade.
210

Usuários e funcionários nas dependências da Discoteca e cartaz com dizeres sobre música sinfônica e ópera, no
acervo da Discoteca Pública Municipal de São Paulo. Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para
milhões. In: Revista do Globo. 26 jan. 1946. p.44. Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda
Alvarenga - Centro Cultural São Paulo.
211

Duas estudantes ouvindo Contos dos Bosques de Viena, de Strauss, em cabine da Discoteca
Pública Municipal de São Paulo. Reportagem de: MARTINS, Justino. Música para milhões. In:
Revista do Globo. 26 jan. 1946. p.45. Doc. 8087 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda
Alvarenga - Centro Cultural São Paulo.
212

Antes de apresentar a análise dos Concertos de Discos realizados por Oneyda


Alvarenga, convém se deter à leitura do documento de pouco mais de uma página, sem data –
mas certamente de 1938 -, pertinente ao Arquivo Histórico do Centro Cultural São Paulo,
transcrito integralmente abaixo, com atualização ortográfica:

4.2 “PALESTRAS E CONCERTOS DE DISCOS A SEREM OFERECIDOS PELA


DISCOTECA PÚBLICA MUNICIPAL

“As palestras que a Discoteca Pública Municipal está realizando, numa segunda-feira
a cada quinze dias503, bem como os seus concertos semanais de discos, terão como fim a vulgarização
de conhecimentos sobre história da música e estética musical. Destinam-se não aos técnicos do
assunto, que naturalmente não carecem delas, mas aos que desejam se iniciar no mundo sonoro e
conhecer-lhe os aspectos marcantes. Tentarão pôr ao alcance do ouvinte não especializado todos os
compositores, todas as grandes fases, todos os grandes aspectos [da música?] através dos tempos. Para
isso, tais palestras procurarão fazer sentir [?] das transformações musicais, da diversidade das fases e
das formas [o gênio?] criador dos compositores, de modo acessível e interessante; buscarão colocá-los
em função do tempo em que apareceram, vivificando a exposição ou o que houver de interessante no
anedotário da forma, fase, os indivíduos estudados e evitarão o mais possível considerações
estritamente técnicas, delas permitindo apenas o indispensável para a compreensão geral.
“Lamentavelmente, a música tem sido relegada a um plano infinitamente obscuro e
injusto da nossa formação cultural. Campeia o esquecimento geral de que a música faz parte dos
grandes aspectos culturais da civilização humana, de que cortá-la do estudo desses aspectos equivale
ao não reconhecimentos de uma das mais ricas faces do gênio criador do homem. Porque devemos
saber, por ex., que a importância extraordinária da pintura flamenga dos séculos XV e XVI, coincide
justamente com a grande expansão política dos Países Baixos desse tempo, e devemos ignorar que
esse mesmo fenômeno social motivou o enorme surto da música flamenga e a invasão mundial pelos
músicos flamengos? Todo o mundo sabe que a Renascença foi uma época de mistura de sagrado e
profano, de revivescência da cultura grega, da Reforma de Lutero e da libertação do domínio
espiritual da Igreja, e da Contra-Reforma representada pelo Concílio de Trento. Mas todo o mundo
ignora que, em consequência dessa mistura de sagrado e profano os músicos escreviam missas
utilizando como temas canções amorosas com texto e tudo; que o melodrama nascido em Florença
buscava imitar a tragédia grega, que os músicos franceses escreviam canções sobre 'versos medidos à
antiga', isto é, à moda da poesia grega; que o Concilio de Trento arrastou a mais pura floração da
música religiosa católica; e que Lutero, introduzindo o canto uníssono popular [acompanhado pelo
órgão?] no culto de sua igreja, foi uma das causas importantes da [substituição?] da música polifônica,
predominante até então, pela música harmônica moderna.
“As despretensiosas palestras que a Discoteca se propõe fazer representarão uma
pequena contribuição para o maior equilíbrio da formação cultural popular, representarão um esforço
humilde para que seja conquistado para a música [um aspecto] infinitamente socializante – um lugar
no espírito de cada um dos que a elas concorrerem.”

4.3 Frequência do público ao longo do tempo e instalações dos auditórios

503 Essa periodicidade variou, depois, conforme se verá, pelas datas dos Concertos de Discos.
213

É curioso notar como só não há relação entre aumento ou diminuição de


público em virtude da qualidade dos auditórios em que se realizaram os Concertos de Discos,
ao longo dos anos, como até a relação se deu em sentido oposto: numa das piores salas de
concerto é que a Discoteca Pública Municipal logrou maiores públicos. Na década de 1950,
quando finalmente a Discoteca foi provida com a Sala “Luciano Gallet”, o público nunca foi
menor.
Em carta de 27 de fevereiro de 1940504, Oneyda escreve para Mario de
Andrade: “...para pedir sua opinião a respeito do problema dos nossos concertos. Em face
daquela decisão superior que você conhece505, resolvi abolir as audições em bairros e em
escolas, conservando apenas as no Martinelli.506
Fica-se sabendo que a diretora da Discoteca estendia sua ação didática a
pessoas que moravam longe do centro e também a estudantes. Em suas conclusões, em 1942,
ela faz ver que a disseminação da cultura musical se ressente de um programa de educação
(vide Origens teóricas da idealização da Rádio-Escola e da Discoteca Pública Municipal,
como esses objetivos se coadunavam com as leituras de Mario de Andrade e, certamente,
também de sua aluna, sobre o uso de registros mecânicos e radiofônicos no processo de
educação do povo. E aqui, quando Oneyda Alvarenga tenta levar a educação musical mais
alguns passos à frente, ainda é reflexo da função originariamente da Rádio-Escola e assumida
pela Discoteca.) Anteriormente, Oneyda Alvarenga já tentara levar o ensino de música às
escolas. Mas, em 1940, os superiores, que Oneyda diz não se lembrar, decidiram limitar o raio
de ação da Discoteca Pública Municipal.
A carta que Oneyda Alvarenga escreve a Mario de Andrade, aos 27 de fevereiro
de 1940507, é tão relevante, do ponto de vista íntimo mesmo, da diretora da Discoteca Pública,
que, falando do que não aconteceu – devido à “proibição” mencionada pela musicóloga -,
lança luz naquilo que significavam os Concertos de Discos para sua idealizadora. Ao mesmo
tempo, podemos vislumbrar, mais uma vez, a realidade da rotina com os discos, como se dava

504 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
210-1. 27 fev. 1940.
505 Algumas informações são relevantes, aqui. Com relação àquela “decisão”, Oneyda Alvarenga insere uma
nota, em 1983, quando da publicação das Cartas, escrevendo: “Não me lembro qual.” In: ANDRADE,
Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 211.
506 Oneyda Alvarenga acrescenta, em 1983: “Não sei mais como nem porquê, a Discoteca Pública Municipal
ficou sem sala de concertos e arranjou-se uma, precaríssima, no edifício Martinelli.” In: ANDRADE, Mario
de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 211.
507 ANDRADE, op. cit. p. 210-1. 27 fev. 1940.
214

o manuseio, quanto trabalho implicava o deslocamento de Oneyda Alvarenga, de outros


funcionários e de parte do acervo, para bairros e escolas. Oneyda Alvarenga se encontra, em
fevereiro de 1940, numa situação delicada, por vários motivos. Ela deixa claro, nessa carta a
Mario de Andrade, que já havia proposto formalmente aos superiores, ligados a Prestes Maia,
o plano de trabalho de audições de discos em bairros e escolas – plano que havia sido também
formalmente aprovado pelos referidos superiores. Ocorre, no entanto, essa proibição, que
Oneyda Alvarenga afirmou, em 1983, à época da edição das cartas, não se lembrar mais como
e porquê se deu. A diretora da Discoteca, então, se via na obrigação de comunicar àqueles que
haviam aprovado seu plano que ele não seria mais posto em prática... Oneyda Alvarenga
temia que a simples explicação da proibição desse margem a uma má interpretação, como se a
Discoteca Pública, pela voz de sua diretora estivesse criticando a situação. Seu medo era que
isso resultasse em represálias ao andamento dos serviços da Discoteca. Mas ela achava
também que havia o risco de os mesmos superiores que aprovaram os concertos fora do
ambiente da Discoteca considerarem falta de atenção para com eles, caso Oneyda Alvarenga
permanecesse simplesmente em silêncio. E Oneyda desabafava: “Entretanto, o que é
engraçado é eu estar transformando os concertos num caso de consciência.”508 Ela explica que
essa culpa vinha do fato de, ao se desfazer da obrigação de realizar Concertos de Discos, teria
mais tempo para se entregar aos seus estudos pessoais sobre música! Se desvela tanto a
questão da conscientização da seriedade de seu trabalho didático de audições, quanto sua
paixão – necessidade, antes de mais nada, de crescimento como estudiosa – pela pesquisa.
E Oneyda Alvarenga ainda explica o problema do desgaste de discos, pelas
audições – problema que, segundo sua opinião, pela experiência adquirida, não chegaria a
haver. Os funcionários que levariam os discos até bairros e escolas eram muito cuidadosos. E
o número de audições era pequeno, para que os discos se danificassem. Oneyda Alvarenga
revela nessa carta que, na verdade, tinha muita vontade de deixar de fazer as audições
públicas, para poder usar o tempo livre em seus estudos. Complicava o fato a constatação de
que as escolas secundárias eram sessenta e seis, em São Paulo. E o plano era de uma série de
quatro concertos circulando por todas essas escolas, uma vez por mês. Oneyda se deu conta de
que, se fossem apenas trinta escolas, a última teria de esperar dois anos, para ser contemplada.
Ou seja, a prática do plano era quase impossível. Para sanar a situação, a diretora da Discoteca
pensou num estratagema: enviar às escolas os concertos comentados – textos de autoria de

508 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
215

Oneyda Alvarenga –, deixando indiferentemente por conta da Discoteca Pública ou da própria


escola a escolha dos repertórios. O texto seria lido nas audições por um aluno e a vitrola e os
discos seriam levados aos lugares distantes por um contínuo da Discoteca. Oneyda pensou,
com isso, atender duas escolas por dia, apressando o andamento do trabalho extensivo. Ao
final das ponderações, porém, Oneyda Alvarenga acaba desistindo, porque constatou que os
discos (aí, sim) sofreriam um desgaste tão grande que, todo esse trabalho fugiria das funções
primeiras da Discoteca Pública.
Mas Oneyda Alvarenga não se tranquilizava: ainda mais uma vez pensa numa
solução. Seria dirigir o trabalho a uma única escola, oferecendo dois ou três concertos
mensais, agrupando os alunos por idade. O que considerou mais pedagógico, já que teria
melhores resultados educativos. Mas a difícil escolha dessa única escola também desanimou a
musicóloga. Além disso, Oneyda Alvarenga se afligia com o horário em que se ofereceriam
esses concertos: depois da aula, os alunos se evadiriam; à noite, os menores não poderiam
frequentar a escola sozinhos. E como faziam os estrangeiros, que incluíam audição musical no
horário das aulas (audição de programas das rádios educativas nacionais), em São Paulo não
era possível – Oneyda Alvarenga, mais uma vez se refere a seu temor à intervenção do Estado
nos trabalhos da Discoteca, caso os pais de alunos reclamassem da “intromissão”. Oneyda
Alvarenga, sem encontrar solução, achava que o melhor seria relegar a responsabilidade pelo
ensino musical dos estudantes ao próprio Estado: “(...) o Estado cuide de substituir os seus
horrendos programas em que se manda ensinar o que é uma semibreve, por programas de
apreciação musical.”509 O que se vislumbra com todas essas preocupações relacionadas ao
refinamento musical das pessoas é a luta interna da consciência desse segmento do
Departamento de Cultura; uma vontade premente que se dirige de um grupo, (na verdade, de
pessoas provenientes do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo) ao coletivo,
naquele momento. Oneyda Alvarenga não estava se desculpando exaustivamente pela não
realização dos programas de discos, ao apontar tantas propostas paliativas, na situação cheia
de reveses. Se por um lado, essa carta tão detalhada poderia parecer uma satisfação de Oneyda
Alvarenga a Mario de Andrade, uma vez que ele depositara nela uma grande confiança, ao
convidar a moça para exercer a função de diretora da Discoteca, por outro se vê claramente
que a musicóloga nem sequer pensou em esconder do ex-professor e amigo sua real
propensão em empregar o tempo em formação pessoal: é a si mesma que Oneyda Alvarenga

509 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
211.
216

se desculpa, em luta com o que lhe devia parecer quase um egoísmo... À luz, então, desse
avesso que só foi possível conhecer a partir da leitura duma carta pessoal, é que se pôde
compreender inteiramente a feitura dos Concertos de Discos recuperados e analisados abaixo.
Pelos programas de Concertos de Discos, como serão vistos abaixo, o índice de
público se apresentou da seguinte fora:
De 1938 até 28 de fevereiro de 1940: Teatro Municipal – sem registro de
público (com exceção do 22 º Concerto, do dia 28 de dezembro de 1938, que contou com 59
pessoas);
De 28 de fevereiro até 13 de agosto de 1942, no Salão de Conferências do
Departamento/Prédio Martinelli, 22º andar – houve registro de público, que variou entre 40 a
100 pessoas;
Intervalo - houve interrupção dos Concertos de Discos (vide abaixo, nos
Programas da Discoteca), até julho de 1953;
De julho de 1953 até junho de 1958, na Sala “Luciano Gallet”: houve registro
de público, que variou entre - zero a, no máximo, 30 pessoas;
26 de dezembro de 1957, 170º Concerto de Discos, em que o público
registrado foi - “zero pessoas”;
De 30 de janeiro de 1958, 171º Concerto de Discos até 13 de março de 1958,
174º Concerto de Discos - registro de público entre 48 e 64 pessoas;
De 10 de abril de 1958, 175º Concerto de Discos, até 12 de junho de 1958,
177º Concerto de Discos - registro de público, entre 5 e 8 pessoas.

Para se ter maior clareza dos destinos da Discoteca Pública Municipal quanto
às suas instalações, é bom observar as mudanças de endereços que a instituição sofreu,
conforme relatório510 de Oneyda Alvarenga – cumpre lembrar que esse relatório foi publicado
em 1942:

1º período: de 18 de novembro de 1936 a 24 de março de 1937 (4 meses e seis dias) – R. da


Cantareira, 216.
24 de março de 1937: R. Florêncio de Abreu, 65. Desta data até o início do 2º período (17 de
novembro de 1937), manteve-se fechada para reinstalação e avançamentos dos fichários, muito
atrasados por falta de funcionários.

510 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 52-3.
217

2º período: de 17 de setembro a 30 de dezembro de 1937 (3 meses e 13 dias) - R. Florêncio de


Abreu, 65. No dia 31 de dezembro, mudança para o Prédio Trocadero, Praça Ramos de Azevedo, 4.

3º período: de 21 de fevereiro a 26 de agosto de 1938 (5 meses e 5 dias.) Em funcionamento no


Prédio Prédio Trocadero, Pça Ramos de Azevedo, 4. De 29 de julho a 26 de agosto – fechada uma
cabine, por causa do mau funcionamento de uma das eletrolas. No dia 26 de agosto interrompeu-se o
movimento de consultas, a fim de instalação de novo aparelhamento sonoro.

4º período: de 7 de dezembro de 1938 a 1º de abril de 1939 (4 meses e 25 dias.) Em funcionamento


no Prédio Trocadero, Praça Ramos de Azevedo, 4. No dia 3 de abril de 1939, nova mudança, desta
vez para o Teatro Municipal/Prédio Martinelli.511

5º período: de 5 de julho a 31 de dezembro de 1939 (6 meses e 6 dias): no Teatro Municipal/Prédio


Martinelli.

6º período: de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1940 (12 meses): no Teatro Municipal/Prédio


Martinelli.

Oneyda Alvarenga conclui, em suas estatísticas512, que o movimento só


aumentou, ao longo desses seis períodos, num intervalo de 4 anos. A afluência do público aos
Concertos de Discos foi maior quando a Discoteca teve seu auditório sediado no Prédio
Martinelli. Inclusive a presença dos ouvintes não se compara à que se observou depois, na
década de 1950, na Sala Luciano Gallet, à Av. Brigadeiro Luiz Antonio. Como se verá abaixo,
a frequência de público se revelou espantosamente baixa, muitas vezes, naquele que foi o
melhor espaço que a Discoteca teve durante sua história.

4.4 Programas da Discoteca – Anos 1930 e 1940

Com a apresentação dos Concertos de Discos propriamente ditos se estabelece


comparação entre Discografia indicada por Mario de Andrade na segunda edição de seu
Compêndio de História da Música513, de 1933, e montagem de repertórios das audições
públicas, por Oneyda Alvarenga, na Discoteca Pública Municipal, nas décadas de 1930, 1940
e, no próximo item, de 1950.

511 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 53.
512 Ibid., p. 54-62.
513 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. 211 p.
218

Cumpre ainda observar que as comparações entre os repertórios elaborados por


Oneyda Alvarenga e a discografia sugerida por Mario de Andrade, na segunda edição de seu
Compêndio de História da Música, nesta parte da dissertação, se restringirão quase que
somente à514:

− citação ou ausência de citação, na obra de Mario de Andrade, das composições


apresentadas nas audições públicas da Discoteca. Na ausência de comentários sobre se
havia ou não menção às obras apresentadas nas audições públicas, no Compêndio de
Mario de Andrade, fica subentendido que essas não constavam da discografia do livro;

− menção ao código da gravadora de cada composição, na discografia do Compêndio.


Esses códigos de casas gravadoras, Mario de Andrade sugere a partir de sua coleção
particular de discos. (A partir das leituras de Mario de Andrade - citadas acima – de
catálogos de discos, periódicos musicais e livros, foi possível verificar mais de uma
vez que gravações assinaladas pelo escritor vinham acompanhadas dos mesmos
códigos de gravadoras que figuram na discografia do Compêndio de História da
Música.) Já o código das gravações das composições apresentadas nos Concertos de
Discos da Discoteca Pública Municipal é dado praticamente inexistente nos
programas. Quando o título de determinada composição é registrado em uma língua,
por Mario de Andrade, em sua discografia, e em outra, por Oneyda Alvarenga, no
programa, sabemos que não foi utilizada a mesma gravação. Como se viu acima, na
catalogação que adotavam (Mario de Andrade, em relação à sua coleção particular de
discos e Oneyda Alvarenga na Discoteca Municipal), o registro do título de cada obra
musical respeitava a língua do país em que fora gravado o disco515.

Para outras análises e comentários acerca dos Concertos de Discos, reserva-se


o ítem posterior, 4.7, Análises e observações sobre alguns Concertos de Discos, à p. 257.

Informações contidas numa carta de Oneyda Alvarenga para Mario de Andrade


e numa nota de Oneyda Alvarenga, no livro Cartas, veio a ser de grande importância, para a
análise dos programas: na carta de 18 de abril de 1938, ela escreve: “Continuo trabalhando

514 Alguns detalhes sobre obras e observações de Oneyda Alvarenga sobre frequência do público às audições
aparecem, vez por outra, dentro das comparações entre programas da Discoteca e discografia do Compêndio
de História da Música.
515 Ou, em se tratando das partituras, do país que as editara – e que não é o caso, aqui, na análise das audições
públicas.
219

nos concertos, que me custam um bocado de tempo e esforço.” 516 Oneyda se refere ao texto
explicativo que acompanharia uma Sonata e a dificuldade que encontra é a “secura”
(denunciada e criticada anteriormente por Mario de Andrade) de seu próprio texto. Essa
informação mostra que, se o primeiro Concerto de Discos se realizou no dia 20 de julho de
1938 e a carta é de 18 de abril do mesmo ano, o trabalho da elaboração começava muito
tempo antes do que se pode supor. A nota que Oneyda Alvarenga acrescentou em 1983, ano de
edição das cartas, diz a respeito dos Concertos de Discos: “Concertos de discos, com
comentários, e conferências (…) que a partir de 1938 (…) realizei para a Discoteca (…) Dos
comentários aos concertos vieram a encarregar-se também, mais tarde, José Bento Faria
Ferraz e Sonia Stermann.”517 A colaboração posterior do casal de antigos alunos da História da
Música de Mario de Andrade mostra a complexidade dos textos didáticos que eram lidos por
Oneyda Alvarenga nas audições públicas.

Abaixo, em cada programa transcrito, constará informação de quantos ouvintes


compareceram a cada audição pública, apenas quando havia manuscrito de Oneyda Alvarenga
a esse respeito - anotação que ela fazia no próprio programa de cada Concerto de Discos.
Ausentes estas notas de Oneyda Alvarenga, se considera aqui o Concerto sem registro de
público (sendo que a diretora da Discoteca Pública Municipal dificilmente deixaria de coletar
esses dados, para fins de estatística, provavelmente os registrou em outro suporte, que não se
recuperou entre os documentos do Centro Cultural São Paulo, nem do Arquivo do Instituto de
Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.)

1º Concerto de Discos518
20 de julho de 1938

I - Stravinsky (Rússia, 1882-1971) – Sacre du Printemps (Sagração da Primavera)


1ª parte: Adoração da Terra

516 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
135. 18 abr. 1938.
517ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
136. 18 abr. 1938.
518 Ibid., p.137.
Carta de Oneyda para Mario de Andrade, data: 20 de julho de 1938. Pelo texto, já havia sido
apresentado um Concerto de Discos, cujo programa trazia Bach – Oneyda não especifica o conteúdo. Mas afirma
que ; “[a palestra] foi muito bem aceita. O salão estava cheio.” (era na sede do Prédio Trocadero, à Praça Ramos
de Azevedo, 4.)
Oneyda menciona ainda o Concerto acima, de Stravinsky , que será apresentado na noite do dia 20 de
julho de 1938 – pelo que se vê, não foi, então o primeiro; foi precedido por este, de Bach, do qual Oneyda fala
na carta. E também prevê os 3º e 4º concertos, de Mozart e Palestrina (que Oneyda envia a Mario de Andrade, a
fim de que este dê seu parecer sobre os textos.) Mozart é apresentado, como se verá, abaixo. Mas Palestrina, por
algum motivo, é substituído – ver 3º e 4º programas, abaixo.
220

Introdução
Augúrios da Primavera – Dança dos adolescentes

Divertimento do Rapto. Ronda Primaveril


Divertimento da Terra (O Feiticeiro). Dança da Terra

2ª parte: O Sacrifício

Introdução
Círculos misteriosos dos adolescentes

Glorificação da Virgem Eleita. Evocação dos Ancestrais


Rito dos Ancestrais

Dança sacrificial da Virgem Eleita

Orquestra Sinfônica de Paris, regente Strawinsky

II – Symphonie de Psaumes (Sinfonia de Salmos)


Prelúdio
Fuga dupla

Fuga dupla (Conclusão)


Allegro sinfônico

Allegro Sinfônico (conclusão)

Orquestra de Walter Straram, de Paris, com coro de Alexis Vlassoff, regida por
Strawinsky

No Compêndio de História da Música519, Mario de Andrade cita estas duas


composições, na discografia, ao final do capítulo “Atualidade”: Sacre du Printemps, código
V. álbum M-74 – que é, aliás, a primeira obra de Stravinsky mencionada por Mario de
Andrade, na discografia do autor - e Symphonie de Psaumes, código C.LFX 179/81.

2º Concerto de Discos
27 de julho de 1938

I –Mozart (Áustria, 1756-1791): Sinfonia nº 39, em Mi Bemol Maior, K 543

(1º movimento): Adagio - Allegro


(1º movimento): Allegro (conclusão)

(2º movimento): Andante

(3º movimento): Minuetto


(4º movimento): Final (Allegro)

519 ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
120.
221

Orquestra Sinfônica B.B.C., regente: Bruno Walter

II – Chopin (Polônia, 1810-1849) – Sonata em Si Bemol Menor, op 35 (piano)

(1º movimento): Grave – Doppio movimento


(1º movimento): Doppio movimento (conclusão)
(2º movimento): Scherzo
(3º movimento): Marcha Fúnebre
(3º movimento): Marcha Fúnebre (conclusão) Presto

Leopoldo Godwsky

Na discografia do Compêndio, a Sinfonia nº 39 é citada520, código C. 9450/2; e


esta Sonata op.35, de Chopin, é a primeira obra sugerida por Mario de Andrade, dentre as
composições do autor521, código H. D1220/2.

3º Concerto de Discos522

I - Schubert (Áustria, 1797-1828) – 4 Lieder

“Margarida Fiando” - Isobel Baillie (soprano). Em inglês.

“A Tilia” - Alexander Kipnis (baixo). Em alemão.

“A Truta” - George Thill (tenor). Em francês.

4“Ao Mar” - Heinrich Schlusnus (barítono). Em alemão.

Na discografia de Schubert , Mario de Andrade havia indicado523 Margarida


Fiando (Gretchen am Spinnrade, código V.6704); Ao Mar (An Meer – código C. L. 2136); A
Tilia (Tilleul, código P. 21415)

II - Berlioz (França, 1803-1869) – Sinfonia Fantástica.

Sonhos, Paixões

Sonhos, Paixões (conclusão)


Um baile

Um baile (conclusão)
Cena campestre
520 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
521 Ibid., p. 150.
522Sem data.
523 ANDRADE, op. cit., p. 149.
222

Cena campestre

Cena campestre (conclusão)


Marcha para o suplício

Sonho de uma noite de Sabat

Grande Orquestra Sinfônica regida por Selmar Meyrowitz.


“Este registro da Sinfonia Fantástica ganhou o prêmio do Disco da 'Fondation
Candide', (França), em 1935.”

A Sinfonia Fantástica é a primeira composição de Berlioz que Mario de


Andrade menciona, na discografia do Compêndio524, ao término do capítulo “Romantismo”,
código C. álbum nº 34.

4º Concerto de Discos
08 de agosto de 1938

I -Borodin (Rússia, 1833-1887) – Nas Estepes da Ásia Central

Orquestra da Sociedade de Concertos do Conservatório de Paris; regente: Philippe


Gaubert

II - Moussorgski (Rússia, 1839-1881) - Ravel (França, 1875-1937) – Quadros de uma Exposição

Passeio. 1 - Gnomos
Passeio. 2 – O Velho Castelo

Passeio. 3 – Tulherias. 4 - Bidlo


Passeio. 5 – Dança dos Pintinhos na Casca.

Samuel Goldenberg e Schmuyle

Praça do Mercado em Limoges. - Catacumbas


A Cabana com pernas de ave

A Grande Porta de Kiew

Orquestra Sinfônica de Boston; regente: Koussevtzky

III – Rimsky-Korsakow (Rússia, 1844-1908) – Grande Páscoa Russa (Abertura)

Orquestra Sinfônica de Philadelphia; regente: Strokowsky.

Mario de Andrade refere à obra Nas Estepes da Ásia Central, na discografia, ao

524 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
223

final do capítulo “Romantismo”: Dans les Steppes de l”Asie Centrale, código C. 123435.525

Quadros de uma Exposição é obra mencionada526ao final do capítulo


“Atualidade”, dentro da discografia de Ravel (França, 1875-1937), Tableaux d'une Exposition
(orquestração), código P. 27246/7. – e não de Mussorgsky (Rússia, 1839-1881), de quem trata
no capítulo “Romantismo”.

Grande Páscoa Russa está registrada na discografia ao final do capítulo


Romantismo527, código V. 7018/9.

5º Concerto de Discos
17 de agosto de 1938

I - Brahms (Alemanha, 1833-1897) – Quinteto em Fá Maior, op. 34 (piano e quarteto de cordas)

Allegro non troppo

Allegro non troppo (conclusão)


Andante un poco Adagio

Andante un poco Adagio (conclusão)


Scherzo (Allegro)

Scherzo (Allegro) (conclusão)


Final

Final (conclusão)

Quarteto Flonzaley e Harold Bauer (piano)

II – Haydn (Áustria, 1732-1809) – Sinfonia em Dó Maior, nº 97

Adagio - Vivace
Vivace (conclusão)

Adagio ma non troppo

Minueto e Trio (Allegretto)


Final (Presto Assai)

Orquestra Sinfônica de Londres regida por Hans Weisbach.

525 Ibid., p. 154.


526 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
527 Ibid., p. 154.
224

O Quinteto op. 34 é indicado na discografia do Compêndio, ao final do capítulo


“Romantismo”528, código V. álbum M-10.

6º Concerto de Discos
24 de agosto de 1938

I - Manuel de Falla (Espanha, 1876-1946) – El amor brujo

a) Introdução
b) Na caverna

a) Cena b)O Círculo mágico c) Encantamentos da meia-noite


a) Dança ritual do fogo

a) Pantomima
b) Dança do amor b) Final – Os sinos da aurora

Orquestra Sinfônica Morales regida por Pedro Morales.

II – Enrique Granados (Espanha, 1867-1916) – “Quejas” ou “La Maja y el Ruiseñor”

José Iturbi (piano)

III – Albéniz (Espanha, 1860-1909) – Arbós – Suíte Iberia

Triana

El Corpus en Sevilla

El puerto

Orquestra Sinfônica de Madrid regida por Enrique Fernandez Arbós.

Na discografia do capítulo “Atualidade”529, Mario de Andrade registra, de


Manuel de Falla, Amour Sorcier, código C. 9389/92.

Ao final do capítulo “Romantismo”, na discografia, de Granados, é citada a


composição La Maja y el ruisseñor530, código H. DB1462; de Albéniz, Iberia, código C.
9603/5.

7º Concerto de Discos
29 de agosto de 1938

528 Ibid., p. 151.


529 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
530 Ibid., p. 154.
225

I – Schumann (Alemanha, 1810-1856) – Quinteto em Si Bemol Maior, op. 44 (Piano e quarteto de


cordas)

1º movimento: Allegro Brillante

2º movimento: In modo d'una Marcia (Un poco largamente)

2º movimento: In modo d'una Marcia (Un poco largamente) (conclusão)


3º movimento: Scherzo molto vivace
3º movimento: Scherzo molto vivace (conclusão)

Allegro ma non troppo

Quarteto “Pro Arte” com Artur Schnabel ao piano.

Schumann (Alemanha, 1810-1856) – 4 Lieder

Die Lotosblume (A flor de Lotus)


Heinrich Schlusnus (barítono)

a) Im Wunderschönen Monat Mai (Num belo mês de maio)


b) Aus meinen Tränen spriessen (Das minhas lágrimas brotam flores)
c) Die Rose, die Lilie, die Taube (A rosa, o lírio, a pomba)
Richard Tauber (tenor)

II – Ravel (França, 1875-1937) – Rapsódia Espanhola

Prelúdio à Noite
Malagueña e Habanera

Festival

Orquestra Sinfônica de Filadélfia regida por Leopoldo Stokowski.

Em discografia de Schumann531,Mario de Andrade registra apenas Quinteto,


código V. álbum M-28, sem acrescentar mais nenhuma informação sobre a obra. Quanto aos
Lieder, ainda na mesma página do Compêndio, o autor grafa em francês: Fleur de Lotus –
portanto, gravação diferente da que Oneyda apresentou -, código C. D12030.
A obra de Ravel532 Mario de Andrade indica, no final do capítulo “Atualidade”,
em francês: Rhapsodie Espagnole, código V. 9700/1.

8º Concerto de Discos,
05 de setembro de 1938

531 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
532 Ibid., p. 210.
226

I - Johann Sebastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Suite nº2, Si Menor, para flauta e cordas

Grave - Allegro
Allegro (conclusão)

Rondo e Bourrée nºs 1 e 2


Sarabanda

Polonaise
Minuetto e Badinerie

Orquestra do Concertgebouw; regente: Willem Mengelberg;

II – Beethoven (Alemanha, 1770-1827) – Concerto nº5, em Mi Bemol Maior, op 73.

Allegro
Adagio

Adagio
Rondó

Artur Schnabel (piano), com Orquestra Sinfônica de Londres; regente: Malcolm


Sargent.

Mario de Andrade cita a Suíte em Si Menor533, de Bach, V. 6914/5. 534


Também há repetição do Concerto em Mi Bemol Maior535, mencionado no
Compêndio, (piano), com o código V. 6719/22.536

9º Concerto de Discos
21 de setembro de 1938

I – Gabriel Fauré (França, 1845-1924):


Barcarola nº2, op 41 – Jean Doyen ao piano

Pelléas et Mélisande

Preludio
Fileuses (Andante quasi Allegretto)

Sicilienne

Orquestra Filarmônica de Berlim; regente: Albert Wolff.

Na discografia de Fauré537, Mario de Andrade não menciona Barcarola; já


533 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 88.
534 Repete-se a audição desta Suíte no 56º Concerto – ver abaixo e ver também em Comparação de Programas
de Concertos de Discos.
535 ANDRADE, op. cit., p. 150.
536 A audição desse Concerto em Mi Bemol Maio se dará novamente no 131º Concerto de Discos.
537 ANDRADE, op. cit., 153.
227

Pelléas et Mélisande, ele registra: “(trechos), código P. 66725/6.”

II - Duparc (França, 1848-1933)538 – La vie Antérieure – Charles Panzéra (barítono),


com Magdeleine Panzéra, ao piano

L'Invitation au Voyage - Charles Panzéra (barítono),


com Magdeleine Panzéra, ao piano

Phidylé - Charles Panzéra (barítono), com Orquestra regida por Piero


Coppola.

De Duparc, Mario de Andrade cita: La vie Antérieure e L'Invitation au


Voyage, código G. W836.539

III – D'Indy (França, 1851-1931) – Istar


Orquestra de Concertos do Conservatório de Paris, regente: Piero Coppola.

Deste último compositor há citação de uma única composição, no Compêndio:


Symphonie sur un chant montagnard.540

10º Concerto de Discos


28 de setembro de 1938

Música para órgão

I – Girolamo Frescobaldi (Itália, 1583-1643) – Tocata para a elevação


Joseph Bonnet (órgão)

II – Dietrich Buxtehude (Alemanha, 1637-1707) – Fantasia sobre o coral “Eu te agradeço, Senhor”
Friedrich Mihatsch (órgão)

III – Johann Sebastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Tocata, Adagio e Fuga em Dó Maior

Recitativo; Tocata
Tocata; Adagio; Grave; Fuga

André Marchal (órgão)

De Frescobaldi , há menção de duas Tocatas541, ao final do capítulo “Música


Instrumental”, do Compêndio de História da Música, Tocata M.5222 e Tocata O. 166134.

538 Na segunda parte deste 9º Concerto de Discos, todo o repertório será idêntico ao do 67º Concerto de Discos
– vide abaixo.
539 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
540 Id.
541 Ibid., p. 104.
228

De Buxtehude542, ao final do capítulo “Polifonia Protestante”, Mario de


Andrade registra de forma geral: “Obras pra órgão”.
De Bach543, é indicada Tocata em Dó Maior, código C. 9133.

IV – César Frank (França, 1822-1890) – Sinfonia em Ré Menor

1º movimento: Lento; Allegro non troppo


Lento; Allegro

2º movimento: Allegretto

3º movimento: Allegro non troppo

Orquestra Sinfônica de Filadélfia, regente: Leopoldo Stokowski.

Esta Sinfonia em Ré Menor é a primeira obra de César Frank que Mario de


Andrade registra no Compêndio544: C. D1588/93.

11º Concerto de Discos


5 de outubro de 1938

I – Franz Liszt (Hungria, 1811-1886)

Sinfonia Fausto

Fausto
Margarida
Mefistófeles

Grande Orquestra Filarmônica de Paris regida por Selmar Meyrowitz com Villabella (tenor) e Coro
Russo de Alexis Vlassoff

II – Richard Strauss (Alemanha, 1864-1949) Till Euslenspiegel

Membros da Orquestra Estadual de Berlim regidos por Richard Strauss.

12º Concerto de Discos


12 de outubro de 1938

I – Wolfgang Amadeus Mozart (Áustria, 1756-1791)


Quarteto Fá Maior, K. 370 (Oboé e Cordas)
1º movimento Allegro
2º movimento – Adagio
3º movimento – Rondó
Goossens (oboé) – J. Léner (violino)
542 Ibid., p. 87.
543 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 88.
544 Ibid., p.152.
229

S. Roth (viola) – I. Hartman (violoncelo)

II – Luis de Beethoven (Alemanha, 1770-1827)

Sinfonia Mi Bemol Maior, nº 3, opus 55 (Heróica)

1º movimento: Allegro com brio


1º movimento: Allegro com brio (Conclusão)
2º movimento: Marcha Fúnebre
2º movimento: Marcha Fúnebre (Conclusão)
3º movimento: Scherzo
4º movimento: Final

Orquestra filarmônica de Berlim regida por Hans Pfitzner

De Mozart, Mario de Andrade registra outros Quartetos545 – mas não o que foi
apresentado neste Concerto.
Ainda no Compêndio546, ao final do capítulo “Romantismo”, entre as muitas
composições referenciadas de Beethoven, Mario de Andrade registra esta Sinfonia como:
“Heróica” nº3, código V. álbum M-6.

13º Concerto de Discos


19 de outubro de 1938

I – Debussy (França, 1862-1918)


O Mar
Do amanhecer ao meio-dia sobre o mar
Brinquedo das ondas
Diálogo do vento e do mar

Orquestra do Conservatório de Paris regida por Piero Coppola

II – Schubert (Áustria, 1797-1828)


Sinfonia em Si Bemol Maior, nº 5
1º movimento: Allegro
2º movimento: Andante com moto
3º movimento: Menuetto (Allegro molto) e Trio
4º movimento: Allegro vivace

Orquestra da Ópera Estadual de Berlim regida por Leo Blech.

14º Concerto de Discos


26 de outubro de 1938

545 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
546 Ibid., p. 149.
230

Este programa foi dividido em:


I - Haydn, (Áustria, 1732-1809), Quarteto do Imperador, citado na discografia do
Compêndio, Emperor Quartet 547(Tema e variações), código V.6634.

Oneyda apresenta este quarteto e variações, gravação do Quarteto Lener.

II - Scarlatti (Itália, 1685-1757), Sonatina em ré menor (Pastoral) – intérprete: ao


clavicímbalo, Wanda Landowska

Para citação de Mario de Andrade, ver abaixo, sobre 3º Concerto.

III – Bach (Alemanha, 1685-1750), Sinfonia em Si Bemol Maior – Arranjo de Stein.

Embora no Compêndio548, Mario de Andrade tenha listado vasta discografia de


Bach, não há registro desta Sinfonia.

15º Concerto de Discos


09 de novembro de 1938

Na 1ª parte, Lalo (França, 1823-1892), Namouna (Suíte de bailado)

Para comparação com discografia de Mario de Andrade, ver abaixo, no 62º


Concerto – Oneyda Alvarenga repete esta obra.

E na 2ª parte, de Carpenter (Estados Unidos, 1876-1951), a composição Arranha-


Céus.

No Compêndio de Mario de Andrade549, capítulo “Atualidade”, há menção ao


nome do compositor550 – mas não há obras suas, na discografia – provavelmente por não
haver gravações de John Alden Carpenter, músico de jazz, no mercado, àquela época (1933.)

16º Concerto de Discos


16 de novembro de 1938
547 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933., p. 122.
548 Ibid., p. 87-8.
549 Ibid., p. 199.
550 In: ANDRADE, Mario de. A expressão musical dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Leuzinger,1941? 26p.
(Lições da vida americana, 3) - o autor menciona tanto aspectos desta obra de Carpenter, quanto aborda
também Gershwin e Copland.
231

Na 1ª parte, Alexandre Scarlatti (Itália, 1659-1765), Sonata para flauta e cordas


(cifrada por Germana Tailleferre)

Encontra-se na discografia do Compêndio de História da Música551, com o


código G. K5221 - e Sento nel cor (Aria em italiano.)

Na 2ª parte, de Schumann (Alemanha, 1810-1856), Sinfonia em Ré Menor

Que será repetida no 100º Concerto de Discos, no dia 4 de novembro de 1954,


como se verá abaixo – com detalhes da relação com a discografia de Schumann, no
Compêndio de Mario de Andrade.

17º Concerto de Discos


23 de novembro de 1938

Na 1ª parte, Trio para piano, oboé e fagote, de Francis Jean Marcel Poulenc (França,
1899-1963)

Oneyda usa uma gravação em que a interpretação ao piano é do próprio


Poulenc. No Compêndio552, Mario de Andrade cita apenas “Trio”, código C. D14213/4.

Na 2ª parte, de Mendelssohn (Alemanha, 1809-1847), Sinfonia nº 3 (Escocesa), op.56.

Embora algumas Sinfonias do autor sejam arroladas na discografia de Mario de


Andrade, não há menção à Escocesa (nº3.)

18º Concerto de Discos


30 de novembro de 1938

Na 1ª parte, de Georges Bizet (França, 1838-1875), L'Arlésienne, Suítes nº 1 e nº 2.

Na discografia do capítulo “Romantismo”553, Mario de Andrade faz referência

551 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 122.
552 Ibid., p. 211.
553 Ibid., p. 152.
232

a esta obra, com o código V. 7124/6.

Na 2ª parte, de Tchaikovsky, (Rússia, 1840-1893), La belle au bois dormant.554

Na discografia de Tchaikovsky555, Mario de Andrade indica apenas quatro


obras.

19º Concerto de Discos


07 de dezembro de 1938

Na 1ª parte, de Arthur Honegger (Suíça, 1892-1955), Pacific 231.

Obra citada na discografia do capítulo “Atualidade”556, entre outras do autor,


com o código G. W870.

Na 2ª parte, de Hindemith (Alemanha, 1895-1963), 1º Movimento do 2º Trio de


cordas (1933.)

Este concerto teve ainda a 3ª parte, com o Concerto em Lá Menor, op. 16, de Grieg
(Noruega, 1843-1907.)

Além deste Concerto para piano, sugerido no Compêndio de História da


Música557, com o código V. 9151/4, só mais Peer Gynt é listada, das obras do autor.

20º Concerto de Discos


14 de dezembro de 1938

Na 1ª parte, de Dvorák (Tchecoslováquia, 1841-1904), Dansas Slavas.

Embora Mario de Andrade cite três composições do autor558, as Danças


Eslavas não se encontram entre elas, - provavelmente ainda não haviam sido gravadas.

Na 2ª parte, de Chausson (França, 1855-1899): Concerto em Ré Maior, op. 21 (piano,


554 Oneyda Alvarenga anota a lápis, sob o título: “grav. antiga gasta; nova c/ defeito”.
555 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
556 Ibid., p. 210.
557 Ibid., p. 154.
558 Id.
233

violino e quarteto de cordas)

Como se verá abaixo, no 59º Concerto, quando Oneyda faz repetir esta
apresentação, este Concerto de Chausson não é mencionado na discografia de Mario de
Andrade.

21º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal559 - Teatro Municipal
21 de dezembro de 1938

Na 1ª parte, João Sebastião Bach (Alemanha, 1685-1750): Concerto em Dó Maior


para dois pianos

Este Concerto se repetirá no 91º Concerto de Discos, 10 de junho de 1954 (ver


abaixo.)
Na 2ª parte, de Grieg (Noruega, 1843-1907), Concerto em Lá Menor, op. 16,

Oneyda repete o Concerto em Lá Menor, apresentado poucos dias antes, no 19º


Concerto de Discos, aos 07 de dezembro de 1938 (ver acima.)

22º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
28 de dezembro de 1938
59 pessoas560

Na 1ª parte, Franz Liszt, Sonata em Si Menor

Sonata elencada por Mario de Andrade, na discografia do compositor561:


(piano), código H. DB1307/9.

Na 2ª parte, Ottorino Respighi (Itália, 1879-1936), Pini di Roma

559 Nos programas impressos (transcritos aqui), a cada vez que havia referência ao nome da Discoteca Pública
Municipal, foi usada a sigla“DPM” - que, nesta dissertação, se considerou melhor substituir pelo nome da
instituição por inteiro.
560 Oneyda Alvarenga resgistra, com tinta preta, na capa do programa: Assistência 59 pessoas
561 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
234

Obra citada por Mario de Andrade, na discografia do capítulo “Romantismo”,


do Compêndio562: código C. D2033/5.

23º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
04 de janeiro de 1939

Na 1ª parte, de Charles-Camille Saint-Saëns (França, 1835-1921), Variações a dois


pianos sobre um tema de Beethoven.

Embora haja citação de obras do autor563 no Compêndio de História da Música,


precisamente esta não se encontra na obra de Mario de Andrade.

Na 2ª parte, João Sebastião Bach (Alemanha, 1685-1750), Cantata nº 65 Sie Werden


aus Saba alle komemn (para a festa da Epifania.)

Na discografia do Compêndio, Mario de Andrade lista grande número de


Cantatas e obras religiosas de Bach. Porém a Cantata nº 65 não está entre elas.

Na 3ª parte, também de João Sebastião Bach (Alemanha, 1685-1750), Suíte em Dó


Maior, nº1 – também não registrada por Mario de Andrade.

No canto inferior direito, do programa, está impresso o lembrete para a


próxima palestra:

12ª Palestra sobre História da Música


Música Instrumental do Século XVIII
11 de janeiro de 1939 às 21h00

24º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
18 de janeiro de 1939

Na 1ª parte, de Haendel (Alemanha, 1685-1759), O Messias (Fragmentos do


Oratório.)

562 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
563 Ibid., p. 153.
235

Mario de Andrade tinha indicado na discografia do capítulo “Música


Instrumental”: Messias, gravação completa, em dois álbuns Columbia564.

Na 2ª parte, Dmitri Dmitriyevich Shostakovitch (1906-1975), Sinfonia em Fá Maior,


op. 10, nº1.

Não há indicação de Shostakovitch565, no Compêndio.


No canto inferior direito, do programa, está impresso o lembrete para a
próxima palestra:

13ª Palestra sobre História da Música


Música Instrumental do Século XIX
25 de janeiro de 1939 às 21h00

25º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
01 de fevereiro de 1939

Na 1ª parte, Kodály (1882-1967), Háry János (Suíte)

Que será apresentada catorze anos depois, no 70º Concerto de Discos, de 10 de


dezembro de 1953, como se poderá ver mais abaixo.

Na 2ª parte, Gershwin (1898-1937), Concerto em Fá (para piano)

Mencionado por Mario de Andrade, na discografia do capítulo “Atualidade”566:


código C. 9665/7.
No canto inferior direito, do programa, está impresso o lembrete para a
próxima palestra:

14ª Palestra sobre História da Música


MÚSICA DA ATUALIDADE
08 de fevereiro de 1939 às 21h00

564 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 104.
565 Porém cumpre lembrar que Mario de Andrade publicou um prefácio intitulado Introdução a Shostakovich,
em que constam pensamentos do musicólogo, conjecturas que norteiam essa escolha de Oneyda Alvarenga,
para o Concerto de Discos. (Prefácio de Mario de Andrade e Tradução de Guilherme Figueiredo.) In:
SEROFF, Victor. Dmitri Shostakovich, Empresa gráfica O Cruzeiro S.A., Rio de Janeiro, 1945. 33 p.
566 ANDRADE, op. cit., p. 210.
236

26º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
15 de fevereiro de 1939

Na 1ª parte, Chopin (Polônia, 1810-1849), Concerto em Fá Menor, op. 21, nº2 (piano
e orquestra.)

Este Concerto será repetido no 171º Concerto de Discos (ver abaixo.)

Na 2ª parte, Canções Francesas do Século XVI.

Este repertório será repetido no 62º Concerto de Discos, aos 15 de outubro de


1953.

Na 3ª parte, Roussel (França, 1869-1937), Suíte em Fá

Esta obra não aparece entre as que Mario de Andrade listou, na discografia do
Compêndio.

27º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
01 de março de 1939

Na 1ª parte, Schumann (Alemanha, 1810-1856), Carnaval, op.9 - Rachmaninoff


(piano)

Que será repetido no 166º Concerto de Discos, do dia 17 de outubro de 1957


(para comparar, ver abaixo.)

Na 2ª parte, Rimsky-Korsakow (Rússia, 1844-1908)

Trecho da Suíte Shéhérazade, op.35, citada por Mario de Andrade567 (p.154):


código V. 6738/42.

28º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
15 de março de 1939

Na 1ª parte, Bedrich Smetana (Boêmia, 1824-1884), Quarteto em Mi Menor.

567 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
237

No Compêndio de História da Música, Mario de Andrade acrescenta ao título:


(Da Minha Vida), V. Álbum M-63.

Na 2ª parte, Ravel (França, 1875-1937), A Valsa568

Referida no Compêndio de História da Música569 como La Valse, código C.


67384/5-D.

29º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
30 de março de 1939

Na 1ª parte, Vivaldi (Itália, 1678-1741), Concerto para 4 pianos e orquestra


(Transcrição de J. S. Bach)570
Elena Pignari-Salles (piano) Germana Leroux (piano) Nicolina Rolet (piano) Piero Coppola (piano)
Orquestra regida por Gustavo Bret

Obra não mencionada em discografia do Compêndio de História da Música.

Na 2ª parte, Mozart, Quarteto em Sol Menor, K. 478


Arthur Schnabel (piano) Onnou (violino) Prevost (viola) Maas (violoncello)

Vários Quartetos de Mozart são citados na discografia do capítulo


“Classicismo” - mas este não se encontra entre eles.

30º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
28 de fevereiro de 1940

I - João Sebastião Bach (Alemanha, 1685-1750)

a) Concerto Brandemburguês em Sol Maior

Conjunto de Câmara da Escola Normal de Música de Paris regido por Alfred Cortot.

b) Cantata 156 - “Ich Steh' mit einen Fuss im Grabe” - Sinfonia (Arioso)
Cantata 147 - “Herz und Mund” - Wohl mir, dass ich Jesum habe.

568 Ao lado do título, Oneyda Alvarenga anota, a lápis: Não, mau estado
569 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
570 Abaixo do título, Oneyda escreve, a lápis: Não temos mais – anotação na certa feita posteriormente, quando
provavelmente Oneyda montava repertórios para novos Concertos de Discos.
238

Coro e conjunto de orquestra do “Bach Cantata Club de Londres” regido por Kennedy Scott, oboe –
Leon Goossens

II – Luiz de Beethoven (Alemanha, 1770-1827)

Sinfonia em Fá Maior op 93 nº8

Orquestra Sinfônica de Boston regida por Serge Koussevitzky

Mario de Andrade sugere em discografia571: Concerto Brandeburguês Nº3,


código G. DA1259/60. E, ainda na discografia de Bach 572, Mario de Andrade registra apenas
“Arioso (orquestra)”, código V. 9598.
A Sinfonia de Beethoven é registrada573 como: “Nº 8”, código V. 9640/2.

31º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
Março de 1940

1ª Parte

a) Carlos Gomes (Brasil, 1839-1896) – Lo Schiavo: Alvorada

b) Henrique Oswald (Brasil, 1852-1931) – Barcarola

c) Alexandre Levy (Brasil, 1864-1892) – Samba

Orquestra do Sindicato Musical do Rio de Janeiro regida por Francisco Mignone

2ª Parte

a) Martin Braunwieser (Áustria, 1901-1991) – Rochedo, Sinhá

b) João de Souza Lima (Brasil, 1898-1982) – Samba do Matuto

c) Camargo (Brasil,1907-1993) – Nas ondas da praia


d) Camargo Guarnieri (Brasil,1907-1993) – Egbêji

Coral Paulistano regido por Camargo Guarnieri (Gravação da Discoteca Municipal)

3ª Parte

a) Francisco Mignone (Brasil, 1897-1986) – Fantasia Brasileira, nº 3, para piano e orquestra

571 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 87.
572 Ibid., p. 88.
573 Ibid., p. 149.
239

Orquestra do Sindicato Musical do Rio de Janeiro regida por Francisco Mignone


Ao piano Tomás Teran

b) Francisco Mignone (Brasil, 1897-1986) – Duas Valsas de Esquina

Arnaldo Estrella (piano)

c) Oscar Lorenzo Fernandez (Brasil, 1897-1948) – Batuque

Orquestra do Sindicato Musical do Rio de Janeiro regida por Francisco Mignone

Mario de Andrade cita Lo Schiavo, de Carlos Gomes574, (p.171), ao final do


capítulo “Música Artística Brasileira”: “Quando nascesti tu, por Caruso (grav. Antiga)”,
código V. 6027.
De Henrique Oswald e Alexandre Levy, há apenas uma obra de cada um
sugerida na discografia575 – que não as apresentadas neste Concerto.
Sobre obras de Martin Braunwieser, não há menção, na discografia; a respeito
de João de Souza Lima, Mario de Andrade inclui apenas interpretação que o músico faz de
obras de Villa-Lobos.576
De Francisco Mignone, citam-se apenas duas obras – e não são as que entraram
para o repertório deste Concerto (provavelmente pelo mesmo motivo que não mencionam-se
as composições de Camargo Guarnieri – a escassez de gravações destes compositores no
mercado.)
Lorenzo Fernandez é mencionado em vários trechos do Compêndio de História
da Música – mas não há nenhuma citação de composições suas, na discografia.

32º Concerto de Discos


Predio Martinelli
17 de abril de 1940
75 pessoas577

Este programa é praticamente o mesmo que se repetirá no 66º Concerto de


Discos, do dia 12 de novembro de 1953 (Para verificar citações de obras no Compêndio de
História da Música, ver abaixo, o repertório do 66º Concerto de Discos.)
Apenas há alguns acréscimos, neste anterior. Oneyda discrimina informações:
574 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 171.
575 Id.
576 Ibid., p. 171-2.
577 Oneyda anota, na capa deste programa: Assistência - 75 pessoas.
240

Lully - a) Proserpine. Menuet des ombres heureuses


Lully – Arr. Prunières
b) Cadmus et Hermione

E, na parte das Mazurcas, de Chopin, além das que foram apresentadas no 66º
Concerto de Discos, no 32º ouviram-se ainda:

− Dó Sustenido Menor, op.63, nº3


− Dó Maior, op.67, nº3

33º Concerto de Discos


Predio Martinelli
17 de maio de 1940

1ª Parte
Música para cravo e virginal

I – William Byrd (Inglaterra,1543-1623): Suíte - “Earl of Salisbury” - Pavana e Galharda


Ao virginal: Rudolph Dolmetsch

II – Johann Kuhnau (Alemanha, 1660-1722): Combate entre David e Golias (Sonata Bíblica para
clavicórdio)
a) Bravatas de Golias
b) Temor e prece dos Israelitas
c) Coragem de David
d)Combate e morte de Golias
e) Fuga dos Filisteus
f) Fanfarra das mulheres
g) Alegria geral e dança do povo

Ao clavicórdio, Erwin Bodky

III – François Couperin (França, 1668-1733) – La Fleurie


Ao clavicímbalo, Paul Brunold

IV – Domenico Scarlatti (Itália, 1685-1757) – Sonatina em ré menor (Pastoral)


Ao clavicímbalo, Wanda Landowska

V – Johann Sebastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Fantasia cromática e fuga em ré menor


Fantasia cromática
Fuga

Ao clavicímbalo, Wanda Landowska


241

De Byrd, Mario de Andrade faz referência a quatro obras578, no final do


capítulo “Início da Música Profana”. A ausência de maior número de obras, na discografia,
principalmente em se tratando de composições deste período, deve se justificar pela escassez
de gravações no mercado de discos.
Mario de Andrade escreve sobre Kuhnau, no capítulo “Música Instrumental”.
Mas não faz menção a suas obras, na discografia.
Várias obras de Couperin são informadas ao final do capítulo “Música
Instrumental”579.
Sempre no Compêndio580, Mario de Andrade transcreve uma vasta discografia
de Bach, incluindo aí muitas Fantasias e Fugas e Prelúdios e Fugas. Não há precisamente,
porém, esta Fantasia cromática e fuga em ré menor.

2ª Parte

I – Felix Mendelssohn Bartholdy (Alemanha, 1809-1847) – Sinfonia em Lá Maior (Italiana)


Orquestra Hallé regida por Hamilton Harty

Há registro da Sinfonia em Lá Maior, código C. set nº 167.581

34º Concerto de Discos


Prédio Martineli
20 de junho de 1940

I – Serge Prokofieff (Rússia, 1891-1953) – Sinfonia Clássica, Ré Maior, op. 25

Orquestra Sinfônica de Boston regida por Serge Koussevitzky

II – Stephen Collins Foster (Estados Unidos, 1826-1864) – Canções

a) I dream of Jeanie with the light brown hair


MacCormack (tenor), com acompanhamento de piano por Edwin Schneider

b) Beautiful dreamer
Richard Crooks (tenor), com acompanhamento de piano por Frank la Forge

− Sweetly she sleeps


John MacCormack (tenor), com acompanhamento de piano por Edwin Schneider

Old folks at home (Swanee River)

578 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 60.
579 Ibid., p. 105.
580 Ibid., p. 87-8.
581 Ibid., 150.
242

Richard Crooks (tenor) com quarteto “The Balladers”. Frank la Forge (piano) e Ralph Colicchio
(banjo)

III – Franz Josef Haydn – Sinfonia em Mi Bemol Maior, nº 99* (Coleção Salomão, nº 10)

Orquestra Filarmônica regida por Thomas Beecham

Mario de Andrade havia sugerido esta Sinfonia de Prokofieff, na discografia do


capítulo “Atualidade”582: Sinfonia em Ré Maior, código V. 7196/7.
Das obras de Foster, há citação583 no final do capítulo “Romantismo” - mas não
das Canções.
Esta Sinfonia de Haydn Oneyda volta a apresentar no 110º Concerto de Discos,
de 24 de março de 1955. (vide abaixo.)584

35º Concerto de Discos


Prédio Martineli
17 de junho de 1940

I – Francis Poulenc (França, 1899-1963)585 – Aubade (Concerto coreográfico para piano e 18


instrumentos)

Francis Poulenc (piano) e Orquestra de Concertos Straram.

Regente: Straram

No Compêndio586, em discografia do capítulo “Atualidade”, Mario de Andrade


cita algumas outras obras do compositor.

II – Johannes Brahms (Alemanha, 1833-1897) – Danças Húngaras

Dança Húngara em Ré Maior, nº 6


Orquestra Hallé Regida por Hamilton Harty

Dança Húngara em Sol Menor, nº 1


Orquestra Filarmônica de Berlim regida por Furtwänger

Dança Húngara em Sol Menor, nº 5


Orquestra Hallé Regida por Hamilton Harty

582 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 211.
583 Ibid., p. 155.
584 Ver também Comparação entre Programas dos Concertos de Discos.
585 No 110º Concerto de Discos, de 24 de março de 1955, são apresentadas outras obras deste mesmo
compositor.
586 ANDRADE, op. cit., p. 211.
243

Dança Húngara em Mi Menor, nº 20


Dança Húngara em Mi Menor, nº 21
Orquestra Sinfônica de Minneapolis regida por Eugène Ormandy

III – Carl Maria Von Weber (Alemanha, 1788-1826) – Trecho concertante em Fá Menor

Robert Cassadeus (piano) e Orquestra regida por Eugène Bigot

Entre as obras de Brahms587, na discografia do capítulo “Romantismo”, não


estão estas Danças Húngaras.
De Weber, entre as obras citadas na discografia do capítulo “Romantismo”588,
do Compêndio, não estão os Trechos Concertantes, embora Mario de Andrade tenha listado
outras.

36º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
18 de setembro de 1940

O repertório deste Concerto é praticamente o mesmo que se vai se repetir treze


anos depois, como se verá abaixo, no 56º Concerto de Discos, do dia 03 de setembro de 1953,
salvo algumas diferenças:

Na 1ª parte, Stravinsky (Rússia, 1882-1971), Petruchka (bailado)

Obra referida por Mario de Andrade: Petruchka, e, Apolo, código V.


6998/7000589

Na 2ª parte, Reynaldo Hahn (naturalizado francês, 1874-1947):


Três canções:
- Rêverie
- Si mes vers avaient de ailes
- Paysage

Si mes vers avaient de ailes é a única das três que difere das apresentadas em

587 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151-2.
588 Ibid., p. 149.
589 Ibid., p. 210.
244

repertório quase idêntico, no 56º Concerto.

A 3ª parte é igual à equivalente, no 56º Concerto (ver abaixo para fazer


comparações):

Na 3ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Suíte em Si Menor, nº 2, para flauta e


cordas.
Marcel Moyse (flauta) e Conjunto de Câmara regido por Adolf Busch

37º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
23 de outubro de 1940

I – Johann Sabastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo
São Mateus

Orquestra Sinfônica de Boston, regida por Serge Koussevitzky com Harvard Glee Club e Radcliffe
Choral Society, regidos por Wallace Woodword e solistas.

Esta Paixão é indicada na discografia de Bach590, do capítulo “Polifonia


Protestante”: Paixão segundo São Mateus: Aus Liebe will mein Heiland sterben, código H.
D1410.

38º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
22 de novembro de 1940
100 pessoas591

Na 1ª parte:
1- Baldassare Galuppi (Itália, 1706-1785), Sonata [em] Lá Maior.

No capítulo “Música Instrumental”, Mario de Andrade faz referência a apenas


uma obra de Galuppi, certamente por haver pouca gravação deste compositor, no mercado
discográfico.

2 – Arcangelo Corelli (Itália, 1653-1713), Concerto Grosso [em] Sol Menor, op.6, nº8

590 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 87.
591 Oneyda anota, na frente do programa, a tinta vermelha: Assistencia 100 pessoas.
245

(“Concerto de Natal”)

Esta obra será repetida no 59º Concerto de Discos (ver abaixo, paralelo com
discografia do Compêndio.)

Na 2ª parte, Jean Sibelius (Finlândia, 1865-1957), Sinfonia em Lá Menor, op. 63, nº 4.

Há apenas uma obra de Sibelius, na discografia do Compêndio – não se trata


desta Sinfonia, no entanto.

40º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
31 de janeiro de 1941
73 pessoas

Na 1ª parte:
1 - De Willian Turner Walton (Inglaterra, 1902-1983), Portsmouth Point.

Não há menção a este compositor, no Compêndio de Mario de Andrade.

2 – De Gottfried Loewe (Alemanha, 1796-1869), Baladas:


Fridericus Rex
Prinz Eugen, der edle Ritter
Ton der Reimer, op. 135
Die Uhr, op. 123, nº3

Die Uhr, op. 123, nº3 consta da discografia de Mario de Andrade 592, (p.152),
Die Uhr (lied) código V. 59014.
Cabe observar que estas Baladas do compositor alemão Oneyda fará ouvir,
novamente, no 60º Concerto de Discos, do dia 01 de outubro de 1953 (ver abaixo), assim
como a 2ª parte deste 40º Concerto de Discos, que teve:

De Schubert (Áustria, 1797-1828): Quarteto em Ré Menor: A morte e a moça

592 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 152.
246

Registrado em discografia sugerida por Mario de Andrade593 no Compêndio,


como também:

Quarteto em Ré Menor: (La mort et la jeune fille) V. 9241/5.

41º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
25 de março de 1941

Na documentação pesquisada não há repertório do programa deste 41º


Concertos de Discos, apenas registro dos dados acima: local e data.

42º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
30 de abril de 1941
90 pessoas

Bem parecido com o 53º Concerto de Discos, de 13 de agosto de 1953, este 42º
Concerto teve, na 1ª parte, repertório idêntico ao que se vai ver abaixo:

Palestrina (Itália, 1525-1594): Missa do Papa Marcelo

Citada por Mario de Andrade na discografia do Compêndio: V. 35941/4 (p.45)


E, na 2ª parte, também terá Mozart (Áustria, 1756-1791), só que com outras
composições:
Sonatas para orquestra de cordas e órgão
Sonata em Dó Maior, K. 329
Sonata em Fá Maior, K. 145
Sonata em Mi Bemol Maior, K. 67
Sonata em Dó Maior, K. 336

Destas, foi indicada na discografia do Compêndio594 a Sonata em Dó Maior (órgão),


código P. 95290.

593 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 149.
594 Ibid., p. 123.
247

43º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
30 de maio de 1941
50 pessoas

Na 1ª parte, Charles-Camille Saint-Saëns (França, 1835-1921): Septeto em Mi Bemol


Maior, op. 65

Que se repetirá na 1ª parte do 52º Concerto de Discos, aos 06 de agosto de


1953.

Na 2ª parte, Haydn (Áustria, 1732-1809), Sinfonia em Fá Maior, nº 67

Esta Sinfonia não está entre as obras da discografia de Haydn.)

44º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
29 de julho de 1941

Na 1ª parte, de Brahms (Alemanha, 1833-1897), o Trio em Mi Bemol Maior, para


piano, violino e trompa.

Há vasta discografia do autor no Compêndio História da Música. Mas este Trio


não está referenciado.
Na 2ª parte:

1 - Manuel de Falla (Espanha, 1876-1946):


Canciones Populares Españolas:
nº 1 El paño moruno
nº 2 Seguidilla murciana
nº5 Nana (acalanto)
nº6 Canción
nº 7 Polo

(Meio-soprano, com acompanhamento de piano)

Estas canções são mencionadas no Compêndio de História da Música595:

595 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
248

Chanson Espagnoles, código C. B. D11701 e C. PFX1

2 - François Couperin, le Grand (França, 1668-1733), Concerto no gosto


teatral.

Este Concerto de Couperin não está elencado no Compêndio de Mario de


Andrade.

45º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
27 de agosto de 1941
40 pessoas

Na 1ª parte, Harl McDonald (Estados Unidos, 1899-1955), Sinfonia nº1 “The Santa
Fé Trail”

O autor não é mencionado no Compêndio de Mario de Andrade.


Na 2ª parte:

1 - Moussorgski (Rússia, 1839-1881), The Nursery (ciclo de canções)

Não citadas na discografia do compositor.

2 - Vivaldi (Itália, 1678-1741), Concerto Grosso [em] Lá Menor nº8

46º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
30 de setembro de 1941
90 pessoas

Mozart (Áustria, 1756-1791), Missa de Requiem, K. 626.

Citada na discografia do Compêndio de História da Música596: Requiem,


código H. D1147/9.

596 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
249

47º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
31 de outubro de 1941597

Na 1ª parte:
1 - Carlos Gomes (Brasil, 1839-1896), Abertura da ópera Fosca.
2 -Camargo Guarnieri (Brasil,1907-1993) arranjo orquestral de Francisco Mignone
(Brasil, 1897-1986), Ponteio nº 1.
3 - Oscar Lorenzo Fernandez (Brasil, 1897-1948), Imbapára (poema índio)

No Compêndio, embora haja vasta discografia de Carlos Gomes, a Fosca não


está referenciada; também não há menção de nenhuma gravação de Camargo Guarnieri;
Mario de Andrade escreve sobre Lourenzo Fernandez no capítulo “Atualidade” - mas não há
menção de obras suas, na discografia.

Na 2ª parte:
1 - Karl Stamitz (Alemanha, 1745-1801), Quarteto em Mi Bemol Maior, op. 8 nº 4,
para clarineta, violino, viola e violoncelo.
2 - Karl Phillip Emanuel Bach (Alemanha, 1714-1788), Concerto em Ré Maior para
orquestra.

Ambos os compositores tem alguma discografia indicada598, ao final do


capítulo “Música Instrumental” - mas não consta nenhuma destas duas obras da 2ª parte deste
Concerto.

48º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
04 de março de 1942

Na 1ª parte:

1 - Debussy (França, 1862-1918), Sirènes (Noturno nº3)


597 Há uma duplicata do programa deste concerto, em cuja capa Oneyda risca a data de 31 de outubro de 1941 e
anota acima, com tinta vermelha: 25 de novembro. Mas a programação é a mesma. Ficamos, então, com dois
programas repetidos, sendo que um deles, está com a data alterada.
598 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 105.
250

Gravação usada: Grande Orquestra dos Festivais Debussy com vozes femininas,
conduzida por D. E. Inghelbrecht.

Citado por Mario de Andrade, entre os Noturnos599 do Compêndio: Sirènes,


código O. 123668

2 – Cantos italianos dos séculos XVII e XVIII

a) Giovanni Legrenzi (Itália, 1626-1690) – transcrição de P. Floridia


Che fiero costume

b) Alessandro Scarlatti (Itália, 1659-1725) – transcrição de P. Floridia


Chi vuole innamorarsi

c) Giuseppe Torelli (Itália, 1658-1709) - transcrição de P. Floridia


Tu lo sai

d) G. Paisiello (Itália, 1740-1816)


Nel cor più non mi sento

e) Giuseppi Sarti (Itália, 1729-1802)


Lungi dal caro bene

f) Buononcini (Itália, 1670-1747)


Pupille nere

Gravação: Ezio Pinza (baixo), com Fritz Kitzinger ao piano

Destes compositores italianos da passagem de um século a outro, Mario de


Andrade aborda, em seu texto, principalmente no capítulo “Música Instrumental”, Torelli,
Paisiello e Scarlatti; e em discografia, destes, faz referência apenas de Alexandre Scarlatti –
mas não da obra que Oneyda apresentou. Já Legrenzi, Sarti e Buononcini não figuram no
Compêndio.

2ª parte: Schumann (Alemanha, 1810-1856), Concerto em Lá Menor, op. 54 para


piano e orquestra

Sugerido na discografia600, código V. álbum M-39.

Este Concerto Oneyda vai repetir no 52º Concerto de Discos, que será
realizado no dia 06 de agosto de 1953 – quase onze anos e meio mais tarde.

599 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
600 Ibid., p. 150.
251

49º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
10 de abril de 1942

Na 1ª parte, Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), Fantasia de movimentos mixtos para


violino e piano:
Alma convulsa
Serenidade
Contentamento

Gravação: Oscar Borghert ao violino e Vieira Brandão ao piano.

Mario de Andrade, ao que tudo indica, fez referência a todas as gravações


existentes de Villa-Lobos, na época. Esta composição de Villa-Lobos data de 1921 e não
consta do Compêndio de História da Música.

Na 2ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Cantata do Café. Obra cômica e profana


Gravação: Conjunto instrumental regido do clavicímbalo por Ernest Victor Wolff e
William Hain (tenor), Benjamin de Loache (barítono), Ethyl Hayden (soprano)

Esta composição não é mencionada no Compêndio.

50º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
18 de junho de 1942

Na 1ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Corais:

1 - O Haupt voll Blut und Wunden

2 - Wie schön leuchtet der Morgenstern

3 - Von Himmel hoch

4 - Lobt Gott, ihr Christen, allzugleich

5 - Dir, Dir Jehova

6 - Loben den Herren

7 - Wachet auf, ruft uns die Stimme

8 - Nu danket alle Gott


252

Gravação: Coro “Família Trapp”, à capela, dirigido por Franz Wasner.

Na 2ª parte, Aaron Copland (Estados Unidos, 1900-1990), Música para Teatro:

Dansa
Interlúdio
Burlesco
Epílogo

Gravação: Orquestra Sinfônica Eastman-Rochester regida por Howard Hanson.

Este autor não é mencionado por Mario de Andrade, no Compêndio.

51º Concerto de Discos601


13 de agosto de 1942
Salão de Conferências do Departamento/Prédio Martinelli 22º andar

O Concerto em questão seria:

1ª parte
Karl Phillip Emanuel Bach (Alemanha, 1714-1788), Magnificat.

Deste compositor, Mario de Andrade faz referência apenas de duas outras


composições, na discografia do capítulo “Música Instrumental”602.

Giuseppe Tartini (Itália, 1692-1770), Concerto em Ré Maior para violoncelo e


orquestra

De Tartini, Mario de Andrade menciona três outras composições, na


discografia do capítulo “Música Instrumental”603 do Compêndio.

2ª parte
Purcell (Inglaterra, 1659-1695), Suíte de Dido and Aeneas

Esta obra, Oneyda apresentará no 66º Concerto de Discos (ver abaixo.)

___________________________________________________________________________
_____

Paralizados604 os concertos de discos em 1942.

601 Alvarenga Oneyda assinala, a lápis, no alto do programa: Não realizado.


602 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 105.
603 Ibid., p. 104.
604 Registrada a palavra “Paralisados” tal como estava grafada por Oneyda Alvarenga, em bilhete anexo à
documentação dos Concertos de Discos, no Arquivo Histórico do Centro Cultural São Paulo.
253

Foram reiniciados em 30 de julho de 1953.


________________________________________________________________
____

4.5 Programas da Discoteca – Anos 1950

51º Concerto de Discos


30 de julho de 1953
10 pessoas

Oneyda Alvarenga continuou a numeração sequencial das audições públicas


que foram apresentadas pela Discoteca Pública Municipal nas décadas anteriores. Mas este
primeiro Concerto de Discos da década de 1950 repetiu a numeração (51º) do último
Concerto dos anos 1940 (vide acima), porque, como se viu, ele não chegou a acontecer. E o
repertório do novo 51º Concerto de Discos é exatamente o mesmo do 33º, realizado no dia 17
de maio de 1940 (ver acima.)

52º Concerto de Discos605


06 de agosto de 1953
10 pessoas

Na 1ª parte, Charles-Camille Saint-Saëns (França, 1835-1921): Seteto em Mi Bemol


Maior, op. 65.

Não há menção desta composição, na discografia do Compêndio de História


da Música606 - embora Mario de Andrade cite outras obras do autor.

Ainda na 1ª parte: Madrigalistas ingleses:


Thomas Morley (Inglaterra, 1557-1603): Sing we and chant it
Orlando Gibbons (Inglaterra, 1583-1625): Ah! Dear heart
Thomas Weelkes (Inglaterra, 1573-1623): As Vesta was descending
Francis Pilkington (Inglaterra, 1565-1638): Rest sweet nymphs

Destes madrigalistas, Mario de Andrade não elenca nenhuma destas obras


utilizadas por Oneyda, neste Concerto. Mas cita607 poucas obras de Thomas Morley e de

605 Este 52º Concerto de Discos, como o 67º, de 19 de novembro de 1953, serão acompanhados do texto
didático escrito e lido por Onyeda Alvarenga, a fim de se mostrar como eram essas explicações que
acabavam por ser verdadeiras aulas de música ao público ouvinte e leigo.
606 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 153.
607 Ibid., p. 60.
254

Thomas Weelkes. Menciona608 Gibbons, no texto. Tudo leva a crer que essa escassez de
indicação de composições se deva à ausência de gravações, em 1933.

Na 2ª parte, Schumann (Alemanha, 1810-1856), Concerto em Lá Menor, op. 54 para


piano e orquestra

Este Concerto é sugerido na discografia609, código V. álbum M-39.

Segue abaixo transcrição do texto ilustrativo, que Oneyda Alvarenga redigiu e


escreveu para o 52º Concerto de Discos, como, aliás, era de praxe fazer em todos os
concertos. Como resultaria numa dissertação muito extensa e não sendo o caso de apresentar
aqui todos os textos recuperados – como já foi explicado acima, apenas 37 textos dessas
audições foram localizados, até hoje -, foram escolhidos dois desses escritos: os que
acompanharam o 52º e o 67º Concertos. Os textos são mostrados como exemplos ilustrativos
do trabalho pedagógico da diretora da Discoteca.

“Charles Camille Saint-Saens.

“A música de câmara - isto é, música para pequenos agrupamentos instrumentais-


viveu quasi abandonada pelos músicos franceses durante a primeira metade do séc.XIX, embora
florescesse em outros grandes centros artísticos europeos. Na segunda metade dêsse séc. surgiu
entretanto na França um movimento renovador, uma espécie de renascimento , que visava elevar a
música francesa a um nível melhor e a libertá-la das influências extrangeiras que a estavam
descaracterizando.
“A música de câmara era dificilmente compreendida pelo público de então, e os
primeiros compositores francêses do gênero,como MoreI e Henri Reber, viram suas peças mais ou
menos fracassadas. Segundo um historiador inglês, (Walter Wilson Cobbett, só em 1960 a música de
câmara conseguiu conquistar os apreciadores de música, conquita essa devida à audição dos últimos
quartetos de Beethoven e os quartetos de Schumann. Em l870 Charles Camille Saint-Saens funda a
Sociedade Nacional de Música, e com seu espírito batalhador e empreendedor e com sua própria
produção, tão representativa na música francesa da época, contribue para o progresso e difusão da
música de câmara.
“Saint-Saens nasceu em 1835 e faleceu 1921. Tendo vivido portanto 65 anos de sua
longa vida no século XIX, muito pouca afinidade apresentam suas obras com a música atual, podendo
ser incluidas entre as produções do romantismo tardio. Grande, instrumentador, Saint-Saens é um dos
mestres do Poema-Sinfônico, gênero musical baseado em um programa literário ou extra-musical, cuja
criação se deve a Liszt.
“Saint-Saens demonstrou muito cedo uma enorme tendência para a música e grande
habilidade no piano. Recebeu as primeiras instruções musicaes de sua mãe e de uma tia-avó, mulheres
inteligentes e cultas que souberam encaminhá-lo, orientando-o para uma cultura musical geral, o que
608 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 59.
609 Ibid., p. 150.
255

impediu que êle se -tornasse exclusivamente um virtuose. Sempre estudioso atingiu uma cultura
musical notável e uma grande ciência têcnica de música. Para descansar de seus trabalhos musicais,
Saint-Saens dedicava-se à literatura e á ciência em geral. Certos críticos dizem mesmo que êsse
enciclopedismo contribuiu para torná-lo un tanto sêco e falho de emoções profundas.
“ Embora Saint-Saens seja mais conhecido como compositor de Operas e de música
sinfônica, sua música de câmara apresenta um alto valor. Nela se contam várias peças escritas para
interessantíssimas combinações instrumentais, como o Seteto que ouviremos hoje, destinado para
pistão, 2 vl, vIa., vcl., cb e p. O pistão ê um instrumento de sopro utilizado raramente na música de
câmara, entre os instrumentos de cordas. Saint-Saens usou-o porque êste seteto foi composto para uma
festa comemorativa da sociedade musical francêsa "La Trompette."Esta peça é curta e simples na sua
estrutura. A distribuição dos movimentos se parece com a das Suites clássicas.
“Inicia o seteto um preâmbulo, equivalendo a um prelúdio, seguido por minuete,
intermédio, gavota e final. Em toda a peça o pistão é usado: com maestria, executando 'seu papel' ora
com energia ora com brilho ou dando uma nota marcial e firme aos trechos em que o compositor usou
o tema de um dos toques regimentaes do exército francês. O preâmbulo principia brilhantemente,
enunciando o pistão frases vigorosas. Segue-se o minuete, contendo a elegância peculiar dessa dansa
françesa. O intermédio-andante, é u'a marcha fúnebre, sóbria e pungente, cuja nota austéra é atenuada
pela graciosa e viva gavota.

“MADRIGAIS

“O madrigal é um tipo de canção polifônica, isto é, de canção a varias vozes, nascido:


de formas populares de canção italiana, e desenvolvido na Itália pelos compositores franco-flamengos
do séc. XVI, lá fixados. Apresentando uma estrutura musical em que a melodia se desenvolve
rastreando o sentido psicológico ou descritivo do texto, seus poemas de forma livre, tratavam os mais
variados assuntos, embora com predomínio do assunto amoroso.
“Tendo tido enorme voga, o madrigal conquistou tôda Europa no séc. XVI e primeira
metade do sec. XVII. Quando em 1588 Nicholas Yonge publicou na Inglaterra a coleção de madrigais
italianos ''Música Transalpina" com os textos traduzidos para o inglês, os compositores britânicos se
apropriaram logo da canção italiana. E com tanto ardor se entregaram a ela, que a Inglaterra pode se
vangloriar de ter possuido uma escola de Madrigal absolutamente admirável, só ultrapassada pela
italiana.
“Os compositores ingleses de madrigal imprimiram-lhe logo um carater e um estilo
nacional. Assim é que aos madrigais estritamente polifônicos da produção clássica no gênero,
substituem -se na Inglaterra os Madrigais em que sensivelmente há domínio da voz mais aguda. E
Asse predominio de tal modo se acrescenta que dá lugar ao aparecimento de uma forma de canção
inglesa - a “Ayre”, em que uma voz solista é acompanhada por outras vozes ou por instrumentos, à
vontade dos executantes, e em que as várias estrofes do poema cantam-se com uma só melodia.
“Nosso programa apresenta 4 grandes madrigais britânicos com peças pertencentes
aos vários tipos de canção polifônica inglesa. A peça de Morley (1558-1603) pertence ao tipo chamado
Ballet, do italiano baleto, e é escrita par a cinco vozes. O Balleto é uma canção de carater coreográfico
de corte igual ao da Ayre, isto é as estrofes são cantadas com a mesma música. Apresenta ainda um
refrão, iniciado sempre com as sílabas Fa - La. Estas sílabas constituem o outro nome pelo qual a
forma é conhecida na Inglaterra.
“A peça de Weelkes (1575-1623) é um legitimo madrigal a 6 vozes, escrito em
homenagem á Rainha Elizabeth I.
Madrigal é também a composição de Gibbons (1583-1625). A composição de Francis
Pilkington (m.1638) é uma " Aire " deliciosa para 4 vozes.

“Robert Schumann

“Robert Schumann, compositor alemão do séc. XIX, trecho sua vida epela sua obra é
um dos vultos mais característicos do romantismo. Apaixonado pela música, desde criança escreveu
256

pequenas composições, entre as quais o Salmo 150 com coro e orquestra, executado por uma
orquestrinha infantil dirigida por ele próprio.
“Fatos acabrunhadores e dolorosos ocorridos na adolescência transformaram o menino
mais ou menos despreocupado que antes fora num ser silencioso e melancó1ico. Embriagando-se de
literatura, filosofia e música, adorava o poeta inglês Byron, as tragédias de Shakespeare e
principalmente o escritor alemão Johann Paul Richter. Entre os músicos preferia Beethoven, J.S. Bach
e Schubert. Todos êsses artistas influiram muito na sua formação espiritual e artística.
“Robert Schumann tornou-se o protótipo do estudante romântico, a um s6 tempo
apaixonadamente entusiasta e desanimado, esperançoso e desesperado, sonhador e doentío. Convicto
de que devia dedicar-se á música exclusivamente, e apoiado pelo professor Wieck, abandonou o curso
de direito que frequentava, dedicando-se inteiramente á arte escolhida. Seu temperamento impaciente
impediu-o de terminar os estudos técnicos (harmonia, contraponto e composição) que continuou
sozinho, falha essa notada nas peças orquestrais de grande vulto. O ardor com que estudou piano,
levou-o a um exagero de exercício que lhe paralisou um dedo e entorpeceu-lhe a mão, que nunca mais
ficou inteiramente curada . Desistindo então da carreira virtuosística , dedicou-se inteiramente á
composição e á crítica musical.
“Suas obras mais importantes são as peças curtas para piano e as canções. Schumann
escreveu um único concêrto para piano - o concêrto em La menor dedicado ao pianista e compositor
Ferdinand Hiller. Esta peça, terminada em 1845, é uma das mais belas obras deste artista. Uma
melodia simples e fértil transborda por todo o concêrto, tendo o piano um papel destacado.”

53º Concerto de Discos


13 de agosto de 1953

1ª parte: Palestrina (Itália, 1525-1594): Missa do Papa Marcelo

Citada por Mario de Andrade na discografia do Compêndio: V. 35941/4610

2ª parte: Mozart (Áustria, 1756-1791), Sinfonia em Sol Menor, nº 40, K.550

Também citada por Mario de Andrade na discografia: V. 9116/8611

54º Concerto de Discos


20 de agosto de 1953

1ª parte: Debussy (França, 1862-1918): La Mer

Obra citada na discografia de Mario de Andrade, V. álbum M-89612

610 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 45.
611 Ibid., p. 123.
612 Ibid., p. 153.
257

2ª parte, Schubert (Áustria, 1797-1828): Sinfonia em Si Bemol Maior, nº 5

Também citada por Mario de Andrade, código P. 66932.613

56º Concerto de Discos


03 de setembro de 1953
23 pessoas

Este concerto atraiu maior número de pessoas do que o normal, provavelmente


pela presença de obras de Bach, no repertório.
A programação reunia, na 1ª parte:

Richard Strauss (Alemanha, 1864-1949), com Till Eulenspiegels Lustig Streich


e
Três canções, de Reynaldo Hahn (naturalizado francês, 1874-1947)
- Rêverie
- Mai
- Paysage

Na 2ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Suíte em Si Menor, nº 2, para flauta e


cordas.

Na discografia, constam, além de Till Eulenspiegels, U. EP294/5 (p.152),


outras várias composições do músico.
Não há menção às obras de Reynaldo Hahn na discografia do livro.
No Compêndio, entre grande quantidade de indicações de discografia, Mario de
Andrade cita a Suíte em Si Menor, de Bach, V. 6914/5.614

59º Concerto de Discos


24 de setembro de 1953
6 pessoas

Na 1ª parte: Chausson (França, 1855-1899): Concerto em Ré Maior, op. 21 (piano,


violino e quarteto de cordas)

Este Concerto não é mencionado na discografia de Mario de Andrade.

613 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 149.
614 Ibid., p. 88.
258

Na 2ª parte, Corelli (Itália, 1653-1713): Concerto Grosso em Sol Menor, op. 6, nº 8


(“Concerto de Natal”)

Obra mencionada na discografia de Mario de Andrade, código Parl. 56109.615

60º Concerto de Discos


01 de outubro de 1953
10 pessoas

Na 1ª parte: Gottfried Loewe (Alemanha, 1796-1869), Baladas:


Fridericus Rex
Prinz Eugen, der edle Ritter
Ton der Reimer, op. 135
Die Uhr, op. 123, nº3

Die Uhr, op. 123, nº3 constante da discografia de Mario de Andrade, do


Compêndio, Die Uhr (lied) código V. 59014.616

Na 2ª parte, Schubert (Áustria, 1797-1828): Quarteto em Ré Menor: A morte e a moça

Registrado em discografia de Mario de Andrade, como também a outra obra


também apresentada na 2ª parte:
Quarteto em Ré Menor: (La mort et la jeune fille) V. 9241/5.617

62º Concerto de Discos


15 de outubro de 1953
8 pessoas

Para a 1ª parte desde Concerto, Oneyda Alvarenga prepara Namouna (Suíte de


bailado), de Edouard Lalo (França, 1823-1892)

De Lalo, Mario de Andrade cita apenas a Sinfonia Espanhola, em sua


discografia; Oneyda ainda apresenta, nesta

1ª parte, Canções Francesas do Século XVI, a saber:


Garnier (França, ?-1538-1542): Resveillez-moi
615 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 104.
616 Ibid., p. 152.
617 Ibid., p. 149.
259

Gentian (França, século XVI): La loy d'honneur


Sermisy (França, 1490-1562): En entrant en ung jardin
Berchem (França, 1505-1567): Jehan de Lagny e Que feu craintif
René (França, século XVI): Gros Jehan menoit

Destes autores citados acima, Mario de Andrade indica apenas uma obra de
Berchem – que não é a mesma apresentada deste Concerto.

Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga faz ouvir a Sonata em Si Menor, para piano, de Liszt
(Hungria, 1811-1886)

Sonata sugerida por Mario de Andrade, código H. DB1307/9.618

66º Concerto de Discos


12 de novembro de 1953
14 pessoas

A 1ª parte voltou seu repertório para a “Ópera do Século XVII”:

Lully (França, 1632-1687):


Menuet des ombres heureuses
Cadmus et Hermione

Monteverdi (Itália, 1567-1643)


Orfeo: ahi sventurato amante

Purcell (Inglaterra, 1659-1695)


Dido and Aeneas

De Lully, Mario de Andrade faz referência a Cadmus, Scène du sacrifice619,


código U. EP428. Mas não indica, entre as obras do compositor, o Menuet des ombres
heureuses. De Monteverdi, Mario de Andrade cita dois outros trechos de Orfeo, que não o
apresentado nesta audição de discos. De Purcell, menciona Dido and Aeneas620, código H.
D1567.

A 2ª parte traz Chopin (Polônia, 1810-1849):

Mazurcas:

618 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
619 Ibid., p. 77.
620 Id.
260

Mazurca em Si Menor, op.33, nº 4


Mazurca em Si Bemol Menor, op. 24, nº 4
Mazurca em Dó Sustenido Menor, op.41, nº1

São discriminadas na discografia de Mario de Andrade: Mazurca em Si Menor,


op.33, nº 4, código P. 90034621; Mazurca em Si Bemol Menor, op. 24, nº 4, código H. DB861;
a Mazurca em Dó Sustenido Menor, op.41, nº1, não é mencionada na discografia.

Este concerto contou ainda com a 3ª parte, em que se apresentou:

Ravel (França, 1875-1937), Concerto para mão esquerda, para piano e orquestra.

Mario de Andrade cita muitas obras de Ravel; mas não este concerto – ainda
que mencione um outro concerto para piano e orquestra.

67º Concerto de Discos


19 de novembro de 1953
6 pessoas

Na 1ª parte, de Fauré (França, 1845-1924), a Sonata em Lá Maior, nº 1, op. 13, para


violino e piano e de Duparc (França, 1848-1933), La vie antérieure; Le Invitation au Voyage e Phidylé

Na 2ª parte deste 67º Concerto, também se repete o repertório da 2ª parte do 9º


Concerto de Discos: Vincent D'Indy (França, 1851-1931), Istar, op. 42.

Na discografia do Compêndio, Mario de Andrade indica: de Fauré622, a mesma


Sonata que Oneyda apresentou: Sonata em Lá Maior (violino) – código V. 8086623; de
Duparc: La vie antérieure, e Le Invitation au Voyage, código G. W836 (Phidylé, não teve
referência) e, de D'Indy, uma única composição, que não é a ouvida neste concerto (vide 9º
Concerto de Discos, que teve 2ª e 3ª partes idênticas à 2ª parte do 67º Concerto.)

Segue abaixo transcrição do texto ilustrativo, que Oneyda Alvarenga redigiu e


escreveu para o 67º Concerto de Discos, como acima foi apresentado o texto que
acompanhava o 52º Concerto, a título de exemplo.

621 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
622 Ibid., p.153.
623 Id.
261

“67° Concerto de Discos


“la. Parte
“GABRIEL FAÜRÉ :
“Tres grandes compositores franceses estao representados em nosso concerto de hoje:
Gabriel Faure, Duparc e D'Indy.
“Gabriel Faure nascido em l845 e falecido em 1924, é um exemplo de tenacidade.
Dotado de um senso musical notável, em menino ja improvisava ao harmonio. Niedermeyer, fundador
da celebre escola parisiense de musica que recebeu seu nome, realizando concertos pelo interior da
França, teve,certa vez, ocasiao de ouvir o menino Faure e, encantado com a sua aptidao musical,
levou-o para Paris, onde cuidou de sua educação.
“Na Escola Niedermeyer, a que a moderna musica francesa muito deve, Faure foi
aluno de Saint-Saens, que influiu poderosamente na sua formação artistica e mesmo moral. Um dos
primeiros sonhos de Faure era ser organista da Igreja da Madalena, em Paris. Esse sonho se realizou
em circunstancias curiosas: Faure,que assumira o lugar de organista na catedral da cidade de Rennes,
um belo dia foi despedido pelo cura, por haver fumado na porta da Igreja durante um sermão, falta
agravada pelo fato dele ter passado uma noite inteira num baile, e comparecido a missa com a mesma
roupa e gravata com que acabara de sair da dança, o que escandalizou o sacerdote.
“Estes fatos fatos desagradaveis concorreram para que Faure deixasse Rennes e se
dirigisse a Paris, onde ocupou varios cargos de organista em diversas Igrejas, ate que em 1896 se
realizou o que almejava: tornou-se organista da Madalena, Sendo de uma honestidade artística
admiravel, preferiu romper com sua noiva, porquê sua futura sogra queria que ele corapuzesse peças
para teatro, o que era contrario as suas tendencias. Ja D'Indy dissera que o maior apanagio de um
artista é a liberdade e Faure confirmou com sua vida e obra a afirmaçao daquele musico ilustre. Sua
atuação como professor não precisa ser comentada. Basta relembrar , entre os nomes ilustres da
musica moderna, os dos seus discipulos: Maurice Ravel, Florent Schmitt, Louis Aubert, Carlos
Koechlin. Fauré é um dos preparadores da música atual. A razão do aspecto sempre novo e singular de
sua arte, se prende a sua formaçao inicial, fortemente impregnada da musica gregoriana, isto e, da
musica oficial da Igreja católica, Faurê se aproveitou dos elementos técnicos do Gregoriano, e com
êles compôs peças em estilo extremamente livre, de uma clareza de expressão e de uma simplicidade
maravilhosa. Pela pureza e limpidez do seu pensamento musical, já o compararam mesmo a Mozart,
Como a de Mozart, a música de Faurê tem 'graça, sutileza, encanto, fôrça e virilidade'. Faurê compôs
música sinfônica e peças para piano, mas o lado mais importante de sua bagagem musical é
constitüida pelas suas canções e principalmente pela música de câmara.

“A 'Sonata em La Maior, op. 13 nºl', para violino e piano, foi escrita por Fauré em
1876 e executada püblicamente pela la. vez em 1878. Apesar de ser o primeiro ensaio do autor na
música de câmara, essa sonata, pela sua construção, pela sua “beleza e pela sua originalidade, 6
considerada uma obra de mestre e o primeiro marco importante na carreira musical de Faurê. A energia
mesclada de tranqüilidade e ternura do 1® movimento; a graciosidade baloiçante e suavemente
melancólica do Andante; a leveza do 3S movimento, um scherzo que cintila em passagens rápidas e
saltitantes 'pizzicati'; o calor apaixonado do último movimento, por vêzes 'declamatório e quase
violento, lembrando uma improvisação cigana', - mostrarao ao ouvinte que, como bem acentuara o
compositor francês Florent Schmitt, esta sonata de Fauré marca um dia de festa na história da música
de câmara.

“Henri Duparc, nascido em 1848 e falecido em 1933, foi aluno de César Franck.
Duparc muito tarde começou a se dedicar à música, que abandonou logo, em conseqüência de uma
inhibição proveniente de neurastenia. Pouco produziu, mas seu lugar na música francêsa ê
brilhantemente marcado pelas admiráveis canções que compôs, das quais as 3 apresentadas pelo nosso
262

programa são as mais famosas; 'Là vie Antérieure1,1 versos de Baudelaire, 'L'Invitation au
voyage','Phydilé' poesia de Léconte de Lisle. Em 'La vie Antérieure' a melodia, sustentada a princípio
por duas notas que se repetem com insist ência, se desenvolve grave, triste e evocadora, impregnada
de rara beleza.
“Aos poucos volta a calma inicial e com ela as duas notas sombrias, que parecem
exprimir algum sentimento íntimo. Em 'L'Invitation au voyage' a parte desenvolvida pelo piano ê tão
sutil e tão bem trabalhada,, que imprime à canção um ar de conversa familiar. Já em 'Phydilê' a
orquestra possue ura colorido e fôrça expressiva discretas e eqüilibradas, mas intensas e comoventes.

'2.a Parte -

“VINCENT D'INDY, nascido em 1851 e falecido em 1931 foi aluno do grande Cesar
Franck, compositor de origem belga que representou um papel importante na renovaçao da musica
francesa contemporanea. D'Indy revela nas suas obras a influência de Wagner e a de seu mestre, cuja
causa artística serviu com um amor e uma dedicaçao admiraveis, tornando-se, depois da morte de
Cesar Franck, uma especie de seu testamenteiro artístico. Assim e que ele, admiravel professor, fundou
a , Schola Cantorum de Paris, destinada especialmente a reviver e cultivar a musica religiosa .
“Essas influencias, entretanto, nao tiram o carater pessoal de sua musica, à qual preside um
grande amor da unidade estrutural, do eq1tib.brio da construção sonora, acompanhado da religiosidade
espiritual, que ele tinha em comum com Cesar Franck. D'Indy era, alem do mais, um ser que
acreditava fervorosamente no destino superior da arte, que so a consciencia dos seus deveres morais e
sociais tornam um artista verdadeiramente grande. Em consequencia, a musica assumiu para ele quasi
o aspecto de um apostolado.
“A produção mais importante de D'Indy é tôda para orquestra, e aqui ele demonstra ser
possuidor de uma tecnica perfeita e de uma expressao original extremamente rica em efeitos
instrumentais, como o demonstra a peça 'Istar', variaçoes sinfonicas, que vamos ouvir.”

69º Concerto de Discos


03 de dezembro de 1953
9 pessoas

Na 1ª parte
I - Hindemith (Alemanha, 1895-1963), Der Schwanendreher (Concerto para viola e
pequena orquestra) – deste compositor, Mario de Andrade lista apenas duas obras (p.210), que não a
apresentada neste concerto.
II - Schumann (Alemanha, 1810-1856), Zigeunerleber, op. 29, nº3, que Mario de
Andrade indicou no Compêndio (p.150), Vie de Tzigane, código Parl. 59501.
III - Mendelssohn (Alemanha, 1809-1847), Three folk songs
a) Entflieh mit mir, op. 41, nº2
b) Es fiel ein Reif, op. 41, nº3
c) Auf ihrem Grab, op. 41, nº4

Estas canções não são discriminadas especificamente, na discografia de


Mendelssohn.624

624 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p.150.
263

Na 2ª parte: Mozart (Áustria, 1756-1791), Serenata em Si Bemol Maior, nº10, K.361


(para 13 instrumentos de sopro.)

Na discografia625, encontram-se muitas obras do compositor. Porém, esta


Serenata não está registrada ali.

70º Concerto de Discos


10 de dezembro de 1953
13 pessoas

Na 1ª parte Oneyda Alvarenga apresentou Porgy and Bess, de Gershwin (1898-1937)

Esta obra, especificamente, não foi citada na discografia do Compêndio de


História da Música, de Mario de Andrade.

A 2ª parte teve a Suíte Háry János, de Kodály (1882-1967).

Mario de Andrade faz menção ao compositor, dentro do capítulo “Atualidade”.


Mas não inclui seu nome na discografia do capítulo.

73º Concerto de Discos


30 de dezembro de 1953
18 pessoas
Na 1ª parte:
Mozart (Áustria, 1756-1791), Sonata para fagote e violoncelo
Béla Bartók (Hungria, 1881-1945)
Três rondós sobre melodias folclóricas
Danças folclóricas rumenas626

Não mencionada na discografia relativa a Mozart, no Compêndio de História


da Música.627
De Bartók, Mario de Andrade cita, final do Capítulo “Atualidade”628, Dança
Rumaica, código G L800.

625 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
626 Tal qual foi registrado no programa.
627 ANDRADE, op. cit., p.123.
628 Ibid., p. 210.
264

2ª parte: Schumann (Alemanha, 1810-1856), Sinfonia em Si Bemol, nº1, op.38


“Primavera”

Mencionada na discografia do autor, código V. Álbum M-86.629

74º Concerto de Discos


07 de janeiro de 1954
26 pessoas

Na 1ª parte:
I - Paul Dukas, (França, 1865-1935), L'Apprenti Sorcier

Obra indicado no Compêndio de História da Música, código V. 7021.630

II - a) Vivaldi (Itália, 1678-1741), Concerto em Ré Menor, para violino e orquestra


(com clavicímbalo)

No Compêndio de História da Música, Mario de Andrade registra: Concerto


em Ré Menor (Largo), código G. K5905.631

b) Bach (Alemanha, 1685-1750), Concerto para clavicímbalo, sem acompanhamento


(transcrição do concerto anterior de Vivaldi)

Composição não mencionada na discografia de Bach.632

Na 2ª parte: Mendelssohn (Alemanha, 1809-1847), Sinfonia em Ré Maior, nº 5, op.


107, “Reforma”.

Embora haja vasta discografia de Mendelssohn633, no Compêndio de História


da Música, só há menção a uma sinfonia – não é a apresentada neste concerto.

75º Concerto de Discos


14 de janeiro de 1954
25 pessoas

Da 1ª parte desta audição de discos, fizeram parte:


- Sonata para viola da gamba e cravo, de Haendel (Alemanha, 1685-1759);

629 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
630 Ibid., p. 211.
631 Ibid., p. 104.
632 Ibid., p. 87.
633 Ibid., p. 150.
265

- Sonata em Dó Maior, nº 2, de Boccherini (Itália, 1743-1805) e


- Sonata em Lá Maior, nº 3, op. 69, de Beethoven

As obras de Haendel (Parl. CR10582/3)634 e Beethoven (C. L1935/7)635


apresentadas neste Concerto constam da discografia indicada por Mario de Andrade; mas não
a Sonata de Boccherini.

Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga apresentou o Concerto em Ré Maior, op. 21, para cravo
e orquestra, de Haydn.

Não há referência a este Concerto, na discografia do Compêndio.

76º Concerto de Discos


14 de janeiro de 1954
3 pessoas636

Na 1ª parte: Quarteto em Si Bemol Maior, nº 7, de Milhaud (França, 1892-1974) e


Fraunenliebe und leben, op. 42 (ciclo de lieder), de Schumann (Alemanha,
1810-1856.)

De Milhaud, Mario de Andrade não cita este Quarteto, embora indique várias
outras composições do autor637; de Schumann, são listadas muitas composições638, inclusive
um Lieder – mas não este, do 76º concerto.

Na 2ª parte: Haendel (Alemanha, 1685-1759), Il pastor Fido – Suíte.

Esta composição também não consta da discografia de Haendel.639

77º Concerto de Discos


28 de janeiro de 1954
10 pessoas

Na 1ª parte: Bloch (Estados Unidos, 1880-1959), Suíte para viola e piano

634 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p.105.
635 Ibid., p.150.
636 Oneyda Alvarenga, como que justificando o público reduzido, anota: “3 pessôas”. E abaixo, com tinta
vermelha: “(tempestade)”
637 Ibid., p. 211.
638 Ibid., p. 150.
639 Ibid., p. 104-5.
266

No Compêndio, ao final do capítulo “Romantismo”640, Mario de Andrade cita


deste autor duas outras obras.

Na 2ª parte: Brahms (Alemanha, 1833-1897), Variações sobre um tema de Haydn


(para dois pianos)

Obra não incluída na discografia de Brahms.641

89º Concerto de Discos


21 de maio de 1954
12 pessoas

1 - A Canção trovadoresca (séculos XII e XIII)


Blondel de Nesles (França, século XII/XIII): A l'entrant d'esté
Perrin d'Angicourt (França, século XIII): Quand voi a la fin d'estey
Ricardo Coração de Leão (Inglaterra, 1157-1199): Ja nuns hons pris642
Walter von der Vogelweide (Áustria, 1170?-1230): Kreuzfahrerlied
Rumelant (Alemanha, 1273-1300): Ob aller mine

2 - A arte nova (século XIV) - Baladas


Guillaume de Machault (França, 1300-1377): Je puis trop bien e De tout sui
si confortée
Francesco Landino (Itália, 1325-1397): Gram piant'agl'occhi
Vincenzo da Rimini (Itália, século XIV): Ita se n'era
Giovanni da Cascia (Itália, século XIV): Io son un pellegrin

No Compêndio de Mario de Andrade, há uma referência a Vogelweide, Parl.


B37024.643 Acerca de Machault, Landino, Caccia, Mario de Andrade os menciona no capítulo
V, “Início da música profana”644, – mas não há referência à obra deles, na discografia.

Na 2ª parte, se apresentou o Concerto em Dó Menor, nº 3, op. 37, de Beethoven


(Alemanha, 1770-1827)

Obra não citada na discografia do Compêndio.

90º Concerto de Discos


28 de maio de 1954
13 pessoas

640 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 155.
641 Ibid., p. 151-2.
642 Também encontrado como Ja nun hons pris.
643 ANDRADE, op. cit., p. 60.
644 Ibid., p. 52.
267

Para a 1ª parte deste Concerto, Oneyda Alvarenga programa Nobilissima visione, de


Hindemith (Alemanha, 1895-1963)

Obra não mencionada no Compêndio de Mario de Andrade. (Vide em Análises


e observações sobre alguns Concertos de Discos, p. 269.)

Na 2ª parte, ouve-se o Concerto em Lá Menor, op 16, para piano, de Grieg

Obra citada na discografia de Mario de Andrade: V. 9151/4.645

91º Concerto de Discos


10 de junho de 1954
4 pessoas

Na 1ª parte deste concerto, exibiu-se de Bach (Alemanha, 1685-1750): Concerto em


Dó Maior, nº 2, para dois pianos e orquestra.

Na discografia646, Mario de Andrade indica Concerto para três pianos, em Dó


Maior, G. W864/5.
Como existe um Concerto para três pianos, de Bach, mas em Ré Menor, pode
ter havido erro na impressão do Compêndio .
E, na 2ª parte, apresentou-se, de Mussorgsky (Rússia, 1839-1881) e Ravel (França,
1875-1937), Quadros de uma exposição

Obra indicada na discografia do Compêndio e História da Música, P.


27246/7647, ao final do capítulo “Atualidade”, onde Mario de Andrade escreve sobre Maurice
Ravel. ( Mussorgsky é abordado no capítulo “Romantismo”, e na discografia das obras dele,
não consta Quadros de uma exposição.)

92º Concerto de Discos


24 de junho de 1954

1ª parte: César Frank (França, 1822-1890), Sonata em Lá Maior

Está indicada na discografia do capítulo X, “Romantismo”, com a notação H.

645 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
646 Ibid., p. 87.
647 Ibid., p. 210.
268

C1825/6. 648

2ª parte: Tchaikovsky (Rússia, 1840-1893), Suíte Mozartiana

Já a Suíte Mozartiana, de Tchaikovsky, não entra na discografia.

93º Concerto de Discos


08 de julho de 1954
7 pessoas

Na 1ª parte: Benedetto Marcello (Itália, 1686-1739)


Disciogletevi in pianto (cantata para baixo, com acompanhamento de baixo-contínuo e
cravo)
Concerto para oboé e cordas

Das obras deste compositor não há menção em discografia do capítulo. Mario


de Andrade o cita entre seus contemporâneos, dentro do texto.649

Na 2ª parte, de Brahms, Variações sobre um tema de Haendel (piano)

Obra citada na discografia, código H. D1376/8650. Provavelmente não é a


mesma gravação que Oneyda usou no concerto, porque a que Mario de Andrade registra tem
seu título em inglês – disco importado.

94º Concerto de Discos


22 de julho de 1954
20 pessoas

Na 1ª parte, de Ravel (França, 1875-1937), Shéhérazade,

Composição indicada por Mario de Andrade em sua discografia, código O.


188630.651

Na 2ª parte, de Manuel de Falla (Espanha, 1876-1946), El amor brujo.

648 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 152.
649 Ibid., p. 120.
650 Ibid., p. 151.
651 Ibid., p. 210.
269

Composição mencionada por Mario de Andrade, código C. 9389/92.652

95º Concerto de Discos


05 de agosto de 1954
4 pessoas

1ª parte
Giovanni Gabrieli (Itália, 1557-1612): Sonata pian e forte (1597)
Cornetas, trombones e violas; direção de Curt Sachs

Michel Blavet (França, 1700-1768): 2ª Sonata para flauta e cravo


Andante; Alemanda; Gavota (“Les Caquets”); Sarabanda; Allegro
Marcel Moyse (flauta) e Pauline Aubert (cravo)

De Giovanni Gabrielli, Mario de Andrade faz referência, na discografia do


Compêndio, apenas a uma obra – e que não se trata da Sonata deste concerto.
Já Blavet não é mencionado na obra de Mario de Andrade.

Na 2ª parte, Dvorák (Tchecoslováquia, 1841-1904): Concerto em Si Menor, op. 104,


para violoncelo e orquestra.
Allegro; Adagio ma non troppo; Finale - Allegro moderato
Gregor Piatigorsky (violoncelo) e Orquestra de Filadelfia regida por Eugene Ormandy.

De Dvorák, Mario de Andrade menciona três composições – mas não o


Concerto em Si Menor, apresentado por Oneyda Alvarenga.653

100º Concerto de Discos


04 de novembro de 1954
7 pessoas654

Na 1ª parte, o repertório é exatamente o mesmo que vai se repetir no 139º


Concerto de Discos (vide abaixo, na sequência):

Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), os Choros nº 10 e dois trechos das Bachianas


Brasileiras nº 2, a saber:
2 - Ária (Canto da nossa terra)
4 – Tocata (O trenzinho do caipira)

652 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
653 Ibid., p. 154.
654 Os Concertos de Discos nºs 100, 139 e 164, cujos repertórios incluíam Villa-Lobos, tiveram baixo número
de ouvintes - 7 pessoas nos 100º e 139º e 3 pessoas no 164º.
270

Oneyda Alvarenga ainda acrescenta a nota:

A gravação é da “Orquestra Sinfônica Janssen, regente W. Janssen, e Sociedade


Oratório de Los Angeles”

Na 2ª parte, Oneyda programou:

Schumann (Alemanha, 1810-1856), a Sinfonia em Ré Menor, nº 4, op.12

Constante da discografia de Mario de Andrade, código C. L2209/12.655

101º Concerto de Discos


18 de novembro de 1954
18 pessoas

Na 1ª parte, Mendelssohn (Alemanha, 1809-1847), Octeto em Mi Bemol Maior, op. 20,


para 4 violinos, 2 violas e 2 violoncelos

Indicado por Mario de Andrade na discografia, código H. C7028/31.656

Na 2ª parte, Kabalevsky (Rússia, 1904-1987), Sonata nº 3, op. 46, para piano.

Não há referência a obras deste autor, na discografia.

103º Concerto de Discos


16 de dezembro de 1954
15 pessoas

1ª parte: Haydn (Áustria, 1732-1809), Concerto em Dó Maior, para oboé e orquestra.

Mario de Andrade, entre outras obras do compositor, na discografia657, cita


apenas um concerto – que não é o apresentado na 103ª audição da Discoteca Pública
Municipal.

2ª parte: Glazunov (Rússia, 1865-1936), Sinfonia em Mi Bemol Maior, nº 4, op. 48.

Também não há referência sobre composições de Glazunov, no Compêndio de


História da Música.

106º Concerto de Discos

655 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
656 Id.
657 Ibid., p.122-3.
271

27 de janeiro de 1955
11 pessoas

Na 1ª parte, Mozart (Áustria, 1756-1791):

Die Zauberflöte - Arie der Königin der Nach


Le Nozze di Figaro: voi che sapete – 3º ato
Die Entführung aus dem serail: K.384 – Ach, ich liebte – 1º ato
Die Entführung aus dem serail: K.384 – Welch Wonne – 2º ato
Motette für sopran: K.165 – Exsultate, jubilate - “Aleluia”
Il rè pastore: K.208: L'amerò, sarò constante

São indicadas na discografia de Mario de Andrade todas estas obras (p.123): A


flauta mágica, P. 66826; Le Nozze di Figaro: voi che sapete, V. 7076; Rapto no serralho, P.
19817; Aleluia, G. DA845;O rei pastor, H. DB1011.658

Na 2ª parte, de Brahms (Alemanha, 1833-1897): Sonata em Fá Menor, nº 3, op. 5, para


piano, citada (p.152): C. L1954/7.

107º Concerto de Discos


10 de fevereiro de 1955
3 pessoas

Este concerto teve, na sua 1ª parte:


Sonata nº 2, de Camargo Guarnieri.

Mario de Andrade não cita nenhuma obra de Camargo Guarinieri, no


Compêndio. Mas o menciona no capítulo 13, “ Atualidade”.
Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga programou:

Sinfonia em Dó Maior, nº 6, de Schubert

Indicada na discografia, por Mario de Andrade (C. 2079/85) 659

Na 2.ed. do Compêndio, aparece: 7ª Sinfonia em Dó Maior, de Schubert. Mas


como a 7ª Sinfonia do autor é em Si Menor (também encontrada a forma “Si Menor/Maior”) e
a Sinfonia nº 6 é realmente em Dó Maior, conclui-se que houve um erro de impressão no

658 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 123.
659 Ibid., p. 149.
272

Compêndio de História da Música.


110º Concerto de Discos
24 de março de 1955
1 pessoa

A 1ª parte apresenta Pastoral, de L'Eventail de Jeanne – nº 8; Trois Piéces pour le


piano – nº 2 - Tocata e Trio, para pistão, trombone e trompa, de Francis Jean Marcel Poulenc (França,
1899-1963)

Mario de Andrade faz referência ao compositor, em sua discografia660, citando


as obras Le Bestiaire; Trio e Mouvements Perpétuels. Como existem mais Trios de Poulenc, e
na discografia não se especifica para quais instrumentos é o Trio que ele indica, não se sabe se
a obra eleita por Oneyda Alvarenga é a mesma do Compêndio de História da Música.

Já na 2ª parte, o repertório é Haydn, a Sinfonia em Mi Bemol Maior, nº 99.

Embora Mario de Andrade tenha enumerado várias das conhecidas sinfonias de


Haydn, ele não menciona a nº 99, em sua discografia.

111º Concerto de Discos


14 de abril de 1955
19 pessoas

Na 1ª parte: Chopin (Polônia, 1810-1849), Les Sylphides – Bailado


Orquestração de Gretchaninov (Rússia, 1864-1956)

1- Prelúdio, op. 28, nº 7; 2 - Noturno, op. 32, nº2; 3 - Valsa, op. 70, nº1;
4 - Mazurca, op. 76, nº3; 5 - Prelúdio, op. 28, nº 7; 6 - Valsa, op. 64, nº2;
7 - Grande Valsa Brilhante, op. 18

Mario de Andrade cita extensa discografia de Chopin661.: Prelúdios, grafa:


“(todos)”662, código V. álbum M-20.663: Noturno, op. 32, nº2, código H. D1871.664: Valsa, op.
70, nº1, código V. 22153. Não cita a Mazurca, op. 76. Entre as Valsas, (p.151), lista a Valsa,
op. 64, nº2, código P. 95180 e a Valsa, op. 18, código V. 6877.665

660 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 211.
661 Ibid., p. 150.
662 Ver abaixo, em Análises e observações sobre alguns Concertos de Discos, p. 273.
663 ANDRADE, op. cit., p. 151.
664 Id.
665 Id.
273

Na 2ª parte: Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), Uirapuru – Poema Sinfônico

Uirapuru foi uma obra composta em 1917, e não foi citada na discografia do
Compêndio de História da Música.666

131º Concerto de Discos


26 de janeiro de 1956
14 pessoas

Na 1ª parte: Ravel (França, 1875-1937): Le tombeau de Couperin

Composição referenciada por Mario de Andrade, código G. W1163/4667 e Trois


chansons (para coro misto.) Há menção a várias obras de Ravel; mas não às Trois
chansons.668

Na 2ª parte: Beethoven (Alemanha, 1770-1827), Concerto em Mi Bemol Maior

Mencionado no Compêndio, (piano), com o código V. 6719/22.669

132º Concerto de Discos


09 de fevereiro de 1956
3 pessoas

Na 1ª parte, Schumann (Alemanha, 1810-1856), Cenas infantis, op. 15, (para piano)

Composição registrada por Mario de Andrade, na discografia: Kinderszenen,


código C. LF70/1.670

Na 2ª parte, de Brahms, Intermédios, op. 117.

Mario de Andrade, registra Intermezzo, op. 117, código H. C1637.671

135º Concerto de Discos


22 de março de 1956
8 pessoas
666 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p.171-2.
667 Ibid., p. 210.
668 Id.
669 Ibid., p. 150. Repete-se a audição da obra, já tocada no 8º Concerto de Discos – ver acima, p. 226.
670 Id.
671 Ibid., p. 152.
274

1ª parte: Octeto em Mi Bemol Maior, de Mendelssohn

Apresentado na 1ª parte do concerto, este Octeto está indicado por Mario de


Andrade na discografia do capítulo X, “Romantismo”, com a designação da gravação: H.
C7028/31.672

Na 2ª parte, de Kabalevsky (Rússia, 1904-1987), Sonata nº 3, op. 46 (piano).

Esta Sonata não figura na discografia do Compêndio de História da Música.

139º Concerto de Discos


17 de maio de 1956
7 pessoas

Repetição do mesmo programa do 100º Concerto de Discos.

145º Concerto de Discos


23 de agosto de 1956
6 pessoas

Na 1ª parte, de Stravinsky (Rússia, 1882-1971), Pássaro de fogo

Composição que Mario de Andrade registra em sua discografia, com o código


V. 6773/5.673

Na 2ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Suíte (Abertura) em Ré Maior, nº3.

Mario de Andrade elenca muitas obras de Bach – porém, esta não está entre
elas.674

164º Concerto de Discos


19 de setembro de 1957

672 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
673 Ibid., p. 210.
674 Ibid., p.88.
275

3 pessoas675

Este Concerto teve “Programa dedicado a Villa-Lobos”: Bachianas Brasileiras


nº 1; Ciclo Brasileiro; e Erosão – estas obras não estão citadas na discografia de Mario de
Andrade, no Compêndio.

165º Concerto de Discos


03 de outubro de 1957
21 pessoas

Na 1ª parte, Borodin (Rússia, 1833-1887), Danças Polvtsianas, da ópera Príncipe


Igor (transcrição de Stokowski.)

Mario de Andrade cita Príncipe Igor : Dansas, código V. 6514676

Na 2ª parte, Dvorák (Tchecoslováquia, 1841-1904), Sinfonia em Mi Menor nº5, op. 95


– Novo Mundo.

Mario de Andrade registra: Sinfonia do Novo Mundo, código V. 6565/9.677

166º Concerto de Discos


17 de outubro de 1957
10 pessoas

Na 1ª parte, Serge Prokofieff (Rússia, 1891-1953) – Sinfonia Clássica, Ré Maior, op.


25, mesma gravação (Orquestra Sinfônica de Boston regida por Serge Koussevitzky) apresentada no
34º Concerto de Discos, de 20 de junho de 1940.
Na 2ª parte:
a) Schumann (Alemanha, 1810-1856), Carnaval, op.9
(transcrição de Glazunov) – Orquestra Filarmônica Real, reg. Efrem Kurtz.

Não consta da discografia do autor.

b) Ravel (França, 1875-1937), La valse

Esta é citada na discografia do Compêndio, com o código C. 67384/5-D.678

675 No alto da primeira página deste programa, há registro, a lápis: “3 pessoas” e, abaixo, o nome de “Carmen
Martins Helal”, que substituiu Oneyda, nesta noite de audição.
No livro Cartas, Oneyda Alvarenga explica que Carmen foi sua terceira secretária na Discoteca pública
Municipal – pessoa que a substituíu depois de sua aposentadoria, em maio de 1968. In: ANDRADE, Mario de.
Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p. 185.
676 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933., p. 154.
677 Id.
678 Ibid., p. 210.
276

167º Concerto de Discos


14 de novembro de 1957

Na 1ª parte, de Willian Turner Walton (Inglaterra, 1902-1983), Façade (Suíte).

Não há menção a este compositor, no Compêndio de Mario de Andrade.

Na 2ª parte, de Albéniz (Espanha, 1860-1909):


a) Iberia (Livro I)
1 - Evocação; 2 - El Puerto; 3 - FêteDieu à Seville
b) Iberia (Livro II)
1 - Rondeña; 2 - Almeria; 3 – Triana

No Compêndio de História da Música há as seguintes indicações na


discografia: Iberia, código da gravadora C. 9603/5; Córdoba e Evocación, V. 7248.679

168º Concerto de Discos


28 de novembro de 1957

Oneyda repete o repertório do 103º Concerto de Discos, do dia 16 de dezembro


de 1954 (ver acima.)

169º Concerto de Discos


12 de dezembro de 1957
9 pessoas

Na 1ª parte, Mozart (Áustria, 1756-1791):


Die Zauberflöte, K. 620: Arie der königin der nacht (Der höle Rache) – 2º ato
Le nozze di Figaro, K. 492: Voi che sapete – 3º ato
Die entführung aus dem serail, K. 348 Ach, ich liebte – 1º ato
Die entführung aus dem serail, K. 348 Welche Wonne – 2º ato
Mottete für Sopran, K. 165: Exsultate, jubilate - “Alleluia!”
Il rè pastore: K.208: L'amerò, sarò constante

Todas estas composições já apresentadas, nesta ordem, mesma gravação (Lily


Pons, soprano e orquestra regida por Bruno Walter), no 106º Concerto de Discos (ver acima),
que teve também Brahms, na 2ª parte - mas com outra obra:

Na 2ª parte, de Brahms (Alemanha, 1833-1897): Variações sobre um tema de Handel


(piano)

679 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 154.
277

170º Concerto de Discos


26 de dezembro de 1957
sem público680

Para a 1ª parte, estava programado Paul Dukas, (França, 1865-1935), com


L'Apprenti Sorcier, mesma obra apresentada no 74º Concerto de Discos (ver acima.)

Na 2ª parte, Oneyda apresentaria, de Schubert (Áustria, 1797-1828):


1) Sonata em Lá Maior, op. 162, (violino e piano)
2) Fantasia em Dó Maior, op.15 (Wanderer)

Obras não citadas na vasta discografia que Mario de Andrade apresenta deste
compositor, no Compêndio.

171º Concerto de Discos


30 de janeiro de 1958
68 pessoas681

Na 1ª parte, de Tchaikovsky, (Rússia, 1840-1893), O Lago dos Cisnes.

Obra não indicada, na discografia de Tchaikovsky.

Na 2ª parte, de Chopin (Polônia, 1810-1849), Concerto em Fá Menor, nº 2,


op.21682

Indicado na discografia de Chopin, com o código C. D15236/9.683

172º Concerto de Discos


13 de fevereiro de 1958

680 Oneyda Alvarenga assinala, com lápis verde, as letras gigantes: ZERO OUVINTES
E, abaixo, como justificativa, a data: 26-12-957
681 De novo, Oneyda assinala, com lápis verde, as letras gigantes: (68) OUVINTES!
E acrescenta, abaixo, com tinta preta, sublinhando as palavras com uma linha ondulada: É ISSO
MESMO, SESSENTA E OITO OUVINTES!!
682 No programa deste Concerto de Discos, a menção ao número do op. foi impressa como “op.2”, quando, na
verdade seria op.21 – como também se vê no 26º Concerto de Discos.
683 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 151.
278

60 pessoas

Na 1ª parte, de Arthur Honegger (Suíça, 1892-1955)

Oneyda repetiu a primeira música do 19º Concerto, Pacific 231 (ver acima.)

Mas na 1ª parte deste 172º Concerto de Discos, Oneyda Alvarenga ainda


apresentou:

2) Rugby
3) Pastorale d'Eté

Na indicação das obras desse compositor, figuram no Compêndio de História


da Música: Pacific 231, código G. W870 e Rugby, código da gravadora O. 170112. Mas não
há referência a Pastorale d'Eté.684

Na 2ª parte, Hindemith (Alemanha, 1895-1963), Concerto para trompa e orquestra


(1949)

Obra não incluída na discografia do Compêndio.

173º Concerto de Discos


27 de fevereiro de 1958
14 pessoas685

Na 1ª parte, Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), Rude Pôeme (Rude Poema)

Obra não incluída na discografia que Mario de Andrade indica, do compositor.

Na 2ª parte, Ravel (França, 1875-1937), Concerto para mão esquerda.

Este concerto, composto entre 1929 e 1930, não se encontra entre as obras
citadas na discografia.

174º Concerto de Discos


13 de março de 1958
48 pessoas

Na 1ª parte, de Lalo (França, 1823-1892)

Oneyda repete o repertório da 1ª parte do 15º Concerto (ver acima) Namouna

684 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
685 Oneyda Alvarenga assinala, com tinta preta: 14 ouvintes (muita chuva)
279

(Suíte de bailado nº1 e Suíte de bailado nº2.)

E, na 2ª parte, de Tchaikovsky, (Rússia, 1840-1893), Abertura Solene 1812, op. 49

Obra não incluída na discografia do compositor. Na verdade, Mario de Andrade


cita poucas obras de Tchaikovsky, em seu Compêndio.

175º Concerto de Discos


10 de abril de 1958
8 pessoas686

Na 1ª parte, Roussel (França, 1869-1937), Bacchus et Ariane, op. 43, (Suíte Sinfônica
nº2).

Deste autor, não há menção desta obra, na discografia de Mario de Andrade.

Na 2ª parte, Brahms (Alemanha, 1833-1897), Concerto em Ré Menor nº1, op. 15 (para


piano e orquestra)

Este Concerto não está na discografia de Brahms, no Compêndio.

176º Concerto de Discos


22 de maio de 1958
5 pessoas687

Na 1ª parte, Rachmaninov (Rússia, 1873-1943), Ilha da morte, op. 29.

Na discografia de Rachmaninov, Mario de Andrade indica apenas uma obra


(que não é a apresentada neste Concerto.) Isto deve-se, certamente, à ausência de gravações
do compositor, na época.
E na 2ª parte, Oneyda repete exatamente o mesmo repertório do Concerto
anterior:

Concerto em Ré Menor nº1, op. 15 (para piano e orquestra), de Brahms.

Este concerto de Brahms não está na discografia do Compêndio de História da


Música.

686 Oneyda assinala, a lápis: 8 pessoas (noite chuvosa)


687 Oneyda assinala, a lápis: 5 pessôas (muita chuva)
280

177º Concerto de Discos


12 de junho de 1958

Na 1ª parte, de Alban Berg (Áustria, 1885-1935), Suíte Lírica (para quarteto de


cordas)

Não há menção ao compositor, em discografia do Compêndio.

Na 2ª parte, de Manuel de Falla (Espanha, 1876-1946), Noites nos jardins de


Espanha.

Note-se que Oneyda Alvarenga usou gravação de Guiomar Novaes, ao piano.


Deste compositor, Mario de Andrade faz indicação da obra, em discografia do
Compêndio, grafando o título em inglês: Nights in the Gardens of Spain, código V. 9703/5.688

4.6 Índice de compositores e estatísticas

O índice abaixo se refere aos compositores cujas obras entraram para os


repertórios dos Concertos de Discos apresentados na Discoteca Pública Municipal de São
Paulo, naquela amostragem de noventa e nove audições feitas entre 1938 e 1958. A exemplo
das estatísticas de Oneyda Alvarenga, mostradas em seu relatório da Discoteca689, nas décadas
de 1930 e 1940, procuraremos mostrar a quais séculos (sem denominações de períodos, como,
aliás, fazia Oneyda Alvarenga em suas estatísticas) pertenciam as composições contempladas
pela diretora da Discoteca, ao organizar suas aulas de História da Música em discos
Este índice foi elaborado a partir da reunião dos nomes de todos os
compositores apresentados nesses concertos: ao todo cento e treze músicos. Muitos deles,
elencados por Mario de Andrade no Compêndio de História da Música; alguns outros, de
época contemporânea, período especialmente tratado por Oneyda Alvarenga, não figuravam
nessa obra de Mario de Andrade, por terem surgido gravações de suas obras depois da
segunda edição do livro.
Na primeira estatística, que fornece incidência de séculos nos concertos, nesse
intervalo de tempo, se leva em conta o século em que a produção musical do compositor teve
maior relevância e expressão, nos casos dos músicos que nasceram num determinado século e

688 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
689ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII.
281

morreram no seguinte. Para nortear esse critério, se recorreu ao enfoque dado por Mario de
Andrade em seu Compêndio de História da Música. Por exemplo, Beethoven (Alemanha,
1770-1827), ou, como escrevia Mario de Andrade “Luís de Beethoven” 690, foi obviamente
considerado autor do século XIX (Mario de Andrade não o analisa no capítulo “Classicismo”
- e sim no “Romantismo”); Richard Strauss (Alemanha, 1864-1949), como pertencente ao
século XIX (como Beethoven, Richard Strauss, ou “Ricardo Strauss”, como preferia Mario de
Andrade, foi estudado no capítulo “Romantismo”. Aliás, como também Lalo); já Roussel
(França, 1869-1937)691, foi tratado por Mario de Andrade no capítulo “Atualidade” e é
encarado como autor do século XX.
Na segunda edição do Compêndio de História da Música, Mario de Andrade
aborda duzentos e vinte e quatro compositores – e isso apenas em discografia, em que indica
gravações e respectivos códigos das casas gravadoras. O autor cita ainda outros nomes de
músicos no texto e discorre sobre compositores que ainda não tinham suas obras gravadas, à
época da redação do Compêndio. Oneyda Alvarenga, sempre se levando em conta a
amostragem dos noventa e nove programas dos Concertos de Discos recuperados até o
momento, apresentou obras de cento e treze autores692 – sendo que, destes, vinte e dois não
figuram no livro de Mario de Andrade. São eles: Blondel de Nesle; Perrin d'Angicourt;
Ricardo Coração-de-Leão693; Rumelant; Vincenzo da Rimini; Giovanni da Cascia; Sermisy;
Gentian; Francis Pilkington; René; Buononcini; Giuseppi Sarti; Giovanni Legrenzi; Michel
Blavet; Alban Berg; Martin Braunwieser; Lorenzo Fernandez; Aaron Copland; Glazunov;
Reynaldo Hahn; Kabalevsky; Shostakovitch. Dentre estes, vários autores medievais não foram
nomeados por Mario de Andrade (conforme se pode ver pelas datas e pelos países no quadro
abaixo.) Mesmo assim, a discografia referente à composição medieval procurou ser exaustiva,

690 Sobre isso, Oneyda Alvarenga escreve uma nota em seu livro Cartas, explicando que essas grafias dos
nomes dos estrangeiros famosos sempre causaram “escândalo artístico.” Sérgio Milliet e Paulo Duarte foram
intelectuais que criticaram essas decisões de Mario de Andrade, apontando-as como verdadeiros cacoetes. In:
ANDRADE, Mario de. Cartas: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades, 1983. p.
41.
691 A comparação entre as datas de nascimento e morte de R. Strauss e Roussel é suficiente para se notar que
Mario de Andrade desprezou o tempo cronológico, levando em conta a obra em si, de cada um dos autores.
692 Será maior, então, o número de obras do que o de autores, obviamente. Mas aqui serão contados apenas os
nomes dos autores; data: século a que pertencia a produção relevante de cada compositor; país de nascimento
(ou, quando for o caso, país no qual se naturalizou determinado autor.)
693 No capítulo “Início da música profana”, Mario de Andrade cita alguns autores na discografia indicada,
dentro de “Canção trovadoresca” e “Canção polifônica” e adiciona em “Canção popular europea” códigos de
gravações, agrupados sob países – mas sem citar autores (p.60-1 do Compêndio de História da Música.)
Acima, porém, p. 185, se viu que, nas leituras sobre História da Música, Ricardo Coração-de-Leão estava,
logicamente, presente. E se pressupõe que Oneyda Alvarenga havia estudado e atentado para vários
compositores medievais antes de se formar no Conservatório.
282

para a época em que foi escrito o Compêndio.

Tabela 4.1 Índice de compositores/países/séculos - Ocorrência em Concertos de Discos


Índice de compositores/países/séculos (113 autores) Ocorrência em Concertos de Discos
Albéniz (Espanha, 1860-1909) 2
d'Angicourt, Perrin (França, século XIII) 1
Bach, J. S. (Alemanha, 1685-1750) 17
Bach, Karl Phillip Emanuel (Alemanha, 1714- 3
1788)
Bartók, Béla (Hungria, 1881-1945) 1
Beethoven (Alemanha, 1770-1827) 7
Berchen (França, 1505-1567) 2
Berg, Alban (Áustria, 1885-1935) 1
Berlioz (França, 1803-1869) 1
Bizet, Georges (França, 1838-1875) 1
Blavet, Michel (França, 1700-1768) 1
Bloch (Estados Unidos, 1880-1959) 1
Boccherini (Itália, 1743-1805) 1
Borodin (Rússia, 1833-1887) 1
Brahms (Alemanha, 1833-1897) 7
Braunwieser, Martin (naturalizado brasileiro,1901- 1
1991)
Buononcini (Itália, 1670-1747) 1
Buxtehude, Dietrich (Alemanha, 1637-1707) 1
Byrd, William (Inglaterra,1543-1623) 1
Carpenter (Estados Unidos, 1876-1951) 1
283

Índice de compositores/países/séculos Ocorrência em Concertos de Discos


Cascia, Giovanni da (Itália, século XIV) 1
Chausson (França, 1855-1899) 2
Chopin (Polônia, 1810-1849) 5
Copland, Aaron (Estados Unidos, 1900-1990) 1
Corelli, Arcangelo (Itália, 1653-1713) 2
Couperin, François (França, 1668-1733) 2
Debussy (França, 1862-1918) 3
D'Indy (França, 1851-1931) 2
Duparc (França, 1848-1933) 2
Dukas, Paul (França, 1865-1935) 2
Dvorák (Tchecoslováquia, 1841-1904) 3
Falla, Manuel de (Espanha, 1876-1946) 4
Fauré, Gabriel (França, 1845-1924) 2
Fernandez, Oscar Lorenzo (Brasil, 1897-1948) 2
Foster, Stephen Collins (Estados Unidos, 1826-1864) 1
Frank, César (França, 1822-1890) 2
Frescobaldi, Girolamo (Itália, 1583-1643) 1
Gabrieli, Giovanni (Itália, 1557-1612) 1
Galuppi, Baldassare (Itália, 1706-1785) 1
Garnier (França, ?-1538-1542) 2
Gentian (França, século XVI) 2
Gershwin (Estados Unidos, 1898-1937) 2
Gibbons, Orlando (Inglaterra, 1583-1625) 1
Glazunov (Rússia, 1865-1936) 2
Gomes, Carlos (Brasil, 1839-1896) 2
Granados, Enrique (Espanha, 1867-1916) 1
Grieg (Noruega, 1843-1907) 3
Guarnieri, M. Camargo (Brasil,1907-1993) 3
Haendel (Alemanha, 1685-1759) 4
Hahn, Reynaldo (naturalizado francês, 1874-1947) 2
Haydn (Áustria, 1732-1809) 8
Hindemith (Alemanha, 1895-1963) 4
Honegger, Arthur (Suíça, 1892-1955) 2
284

Índice de compositores/países/séculos Ocorrência em Concertos de Discos


Kabalevsky (Rússia, 1904-1987) 2
Kodály (Hungria, 1882-1967) 2
Kuhnau, Johann (Alemanha, 1660-1722) 1
Lalo, E. (França, 1823-1892) 3
Landino, Francesco (Itália, 1325-1397) 1
Legrenzi, Giovanni (Itália, 1626-1690) 1
Levy, Alexandre (Brasil, 1864-1892) 1
Lima, João de Souza (Brasil, 1898-1982) 1
Liszt, Franz (Hungria, 1811-1886) 3
Loewe, Gottfried (Alemanha, 1796-1869) 2
Lully (França, 1632-1687) 2
Machault ,Guillaume de (França, 1300-1377) 1
McDonald, Harl (Estados Unidos, 1899-1955) 1
Marcello, Benedetto (Itália, 1686-1739) 1
Mendelssohn Bartholdy (Alemanha, 1809-1847) 5
Mignone, Francisco (Brasil, 1897-1986) 2
Milhaud (França, 1892-1974) 1
Monteverdi (Itália, 1567-1643) 2
Morley, Thomas (Inglaterra, 1557-1603) 1
Moussorgski (Rússia, 1839-1881) 2
Mozart (Áustria, 1756-1791) 7
Nesle, Blondel de (França, século XII) 1
Oswald, Henrique (Brasil, 1852-1931) 1
Paisiello, G. (Itália, 1740-1816) 1
Palestrina (Itália, 1525-1594) 2
Pilkington, Francis (Inglaterra, 1565-1638) 1
Poulenc, Francis Jean Marcel (França, 1899-1963) 3
Prokofieff, Serge (Rússia, 1891-1953) 2
Purcell (Inglaterra, 1659-1695) 3
Rachmaninov (Rússia, 1873-1943) 1
Ravel (França, 1875-1937) 9
René (França, século XVI) 2
Respighi, Ottorino (Itália, 1879-1936) 1
285

Índice de compositores/países/séculos Ocorrência em Concertos de Discos


Ricardo Coração de Leão (Inglaterra, 1157-1199) 1
Rimini, Vincenzo da (Itália, século XIV) 1
Rimsky-Korsakow (Rússia, 1844-1908) 2
Roussel (França, 1869-1937) 2
Rumelant (Alemanha, 1273-1300) 1
Saint-Saëns, Charles-Camille (França, 1835-1921) 3
Sarti, Giuseppi (Itália, 1729-1802) 1
Scarlatti, Alessandro (Itália, 1659-1765) 2
Scarlatti, Domenico (Itália, 1685-1757) 2
Schubert (Áustria, 1797-1828) 7
Schumann (Alemanha, 1810-1856) 13
Sermisy (França, 1490-1562) 2
Shostakovitch, Dmitri Dmitriyevich(Rússia, 1906- 1
1975)
Sibelius, Jean (Finlândia, 1865-1957) 1
Stamitz, Karl (Alemanha, 1745-1801) 1
Strauss, Richard (Alemanha, 1864-1949) 2
Stravinsky (Rússia, 1882-1971) 3
Smetana, Bedrich (Boêmia, 1824-1884) 1
Tartini, Giuseppe (Itália, 1692-1770) 2
Tchaikovsky, (Rússia, 1840-1893) 3
Torelli, Giuseppe (Itália, 1658-1709) 1
Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959) 5
Vivaldi (Itália, 1678-1741) 3
Vogelweide, Walter von der (Áustria, 1170?-1230) 1
Walton, Willian Turner (Inglaterra, 1902-1983) 2
Weber, Carl Maria Von (Alemanha, 1788-1826) 1
Weelkes, Thomas (Inglaterra, 1573-1623) 1
Total: 263
Tabela 4.2 Nação (natal) dos Compositores/Ocorrência de compositores nos Concertos por país
Nação (natal) dos Compositores Ocorrência de compositores nos Concertos por
país
Alemanha 69
Áustria 24
286

Boêmia 1
Brasil 18
Espanha 7
Estados Unidos 7
Finlândia 1
França 58
Hungria 6
Inglaterra 11
Itália 29
Noruega 3
Polônia 5
Rússia 19
Suíça 2
Tchecoslováquia 3
Total: 263
O país, no caso das estatísticas de Oneyda Alvarenga, não representa
necessariamente a nacionalidade da composição: Chopin traz ao índice a Polônia. Ou, no caso
de Reynaldo Hahn, naturalizado francês – sua composição foi considerada francesa; como
Braunwieser, naturalizado brasileiro, entra nestas estatísticas como compositor nacional.
Ademais, o alto índice de música alemã não significa preferência da musicóloga por música
germânica – vide acima, quando a diretora da Discoteca chama pejorativamente alguns
usuários do acervo de “germanófilos”. Mas Oneyda Alvarenga lança mão de composições
alemãs, do ponto de vista pedagógico, como estudiosa da música. Daí o largo uso, nos
repertórios, de obras de Bach, Schumann, Beethoven, Bach.

Tabela 4.3 Século a que pertencem as obras executadas/Ocorrência em concertos de discos


Século a que pertencem as obras executadas Ocorrência em concertos de discos
Século XII 2
Século XIII 3
Século XIV 4
Século XV 0
Século XVI 15
Século XVII 19
287

Século XVIII 56
Século XIX 98
Século XX 66
Total: 263

Neste terceiro quadro não são contados os números de peças de cada século –
mas a incidência de séculos (contados conforme a incidência dos nomes dos autores)
contemplados nos concertos de discos.
O fato de terem sido registradas aqui duas referências ao século XII e três ao
século XIII se deve ao fato de Oneyda Alvarenga ter atribuído a Blondel de Nesle o intervalo
de tempo “século XII/XIII”. Mas para efeito de estatística, se considerou o compositor como
pertencente ao século XII. E o dado “zero” músicas para o século XV muito provavelmente
seria irreal, caso tivéssemos recuperado todos os repertórios dos Concertos de Discos que a
Discoteca Municipal apresentou, ao longo de sua história. Deve-se considerar, portanto, que
esses dados estatísticos estão baseados num conjunto dos concertos recuperados, até hoje. Ou
seja, os índices estão sobre aquela amostragem de noventa e nove concertos, entre 1938 e
1958. Ainda assim, podemos considerar que Oneyda Alvarenga usou poucas composições do
século XV.
O alto índice de composições do século XIX deve mais de um terço de suas
noventa e oito ocorrências à elevada quantidade de obras de Beethoven (7 ocorrências),
Brahms (7 ocorrências), Schubert (7 ocorrências) e Schumann (13 ocorrências), como se vê
acima, no primeiro quadro. Sendo assim, a segunda ocorrência maior representada é a do
século XX – com mais variedade de compositores – uma amostra do esforço de Oneyda
Alvarenga em divulgar a composição contemporânea.

4.7 Análises e observações sobre alguns Concertos de Discos

9º Concerto de Discos
21 de setembro de 1938

I – Gabriel Fauré (França, 1845-1924):


Barcarola nº2, op 41 – Jean Doyen ao piano

Pelléas et Mélisande
288

Preludio
Fileuses (Andante quasi Allegretto)

Sicilienne

Orquestra Filarmônica de Berlim; regente: Albert Wolff.

II - Duparc (França, 1848-1933)694 – La vie Antérieure – Charles Panzéra (barítono),


com Magdeleine Panzéra, ao piano

L'Invitation au Voyage - Charles Panzéra (barítono),


com Magdeleine Panzéra, ao piano

Phidylé - Charles Panzéra (barítono), com Orquestra regida por Piero Coppola.

III – D'Indy (França, 1851-1931) – Istar


Orquestra de Concertos do Conservatório de Paris, regente: Piero Coppola.

É importante lembrar que, como integrante do grupo de estudos que frequentou


aulas de História da Música, na casa de Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga montou aqui
um programa de autores a quem Mario chama de “grandes melodistas de França, Fauré,
Duparc, Chausson”, em sua crônica Claude Debussy (I), publicada na coluna Mundo Musical,
na Folha da Manhã, de 27 de maio de 1943.

13º Concerto de Discos


19 de outubro de 1938

I – Debussy (França, 1862-1918)


O Mar
Do amanhecer ao meio-dia sobre o mar
Brinquedo das ondas
Diálogo do vento e do mar

Orquestra do Conservatório de Paris regida por Piero Coppola

II – Schubert (Áustria, 1797-1828)


Sinfonia em Si Bemol Maior, nº 5
1º movimento: Allegro
2º movimento: Andante com moto
3º movimento: Menuetto (Allegro molto) e Trio
4º movimento: Allegro vivace

Orquestra da Ópera Estadual de Berlim regida por Leo Blech.

Para relações entre a programação e a discografia do Compêndio, ver acima,


54º Concerto de Discos, de 20 de agosto de 1953, no qual Oneyda apresentou o mesmo
694 Na segunda parte deste 9º Concerto, todo o repertório será idêntico ao do 67º Concerto – vide abaixo. Ver
também em Comparação de Programas de Concertos de Discos.
289

repertório, com outra gravação de La Mer, pela Orquestra Sinfônica de Boston, regida por
Serge Koussevitzky e a Sinfonia em Si Bemol Maior, nº 5, de Schubert (a mesma gravação
usada em 1938.)

14º Concerto de Discos


26 de outubro de 1938

II - Scarlatti (Itália, 1685-1757), Sonatina em ré menor (Pastoral) – intérprete: ao clavicímbalo, Wanda


Landowska

Esta Sonatina, em mesma gravação, Oneyda vai repetir no 33º Concerto de


Discos, Predio Martinelli, aos 17 de maio de 1940 – relativamente pouco tempo depois. Este
33º Concerto visava enfocar didaticamente instrumentos, mais do que compositores – muito
embora um fator não se dissocie de outro: ao apresentar composições para clavicímbalo,
cravo, virginal, etc., se mostrou, no caso, época (período) e autoria, como se verá abaixo.

19º Concerto de Discos


07 de dezembro de 1938

Na 1ª parte, de Arthur Honegger (Suíça, 1892-1955), Pacific 231.


Na 2ª parte, de Hindemith (Alemanha, 1895-1963), 1º Movimento do 2º Trio de
cordas (1933.)

Mario de Andrade cita apenas duas obras deste autor, na discografia, uma delas
grafada apenas “Trio”. É provável que, em 1933, fossem poucas as gravações de Hindemith, no
mercado. Oneyda Alvarenga registra a data da gravação do 2º Trio, no programa mesmo do concerto.
Nesta gravação, o próprio autor é intérprete, tocando viola.

26º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
15 de fevereiro de 1939

Na 1ª parte, Chopin (Polônia, 1810-1849), Concerto em Fá Menor, op. 21, nº2 (piano
e orquestra.)
Na 2ª parte, Canções Francesas do Século XVI.

Oneyda revela que revisita os programas antigos, quando encontramos anotações suas,
290

à margem deste programa do 26º Concerto de Discos, de 15 de fevereiro de 1939. Ela anota a lápis, ao
lado de Canções Francesas do Século XVI.: - 62º.

28º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
15 de março de 1939

Na 1ª parte, Bedrich Smetana (Boêmia, 1824-1884), Quarteto em Mi Menor.

Abaixo do nome de Smetana, Oneyda anota, a lápis: Não, má gravação - o que


leva a concluir que Oneyda Alvarenga verificava o estado das gravações usadas
anteriormente, quando, anos depois, planejava novos Concertos de Discos.

29º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
30 de março de 1939

Na 1ª parte, Vivaldi (Itália, 1678-1741), Concerto para 4 pianos e orquestra


(Transcrição de J. S. Bach)

Abaixo do título, Oneyda escreve, a lápis: Não temos mais – anotação que pode
ter sido feita posteriormente, quando provavelmente Oneyda montava repertórios para novos
Concertos de Discos.
Este Concerto para 4 pianos e orquestra não está na discografia do autor. Mario
de Andrade grafa somente duas obras de Vivaldi – à época em que o Compêndio foi escrito,
muito provavelmente eram poucas as gravações de Vivaldi, ao menos no Brasil. Mario de
Andrade, levando-se em conta o trecho do romance Quatro Pessoas, mencionado acima, neste
trabalho, quase certamente possuía o registro citado em seu livro. É certo que Mario de
Andrade considerou Vivaldi como um dos maiores músicos da História.

33º Concerto de Discos


Predio Martinelli
17 de maio de 1940

1ª Parte
Música para cravo e virginal

I – William Byrd (Inglaterra,1543-1623): Suíte - “Earl of Salisbury” - Pavana e Galharda


291

Ao virginal: Rudolph Dolmetsch

II – Johann Kuhnau (Alemanha, 1660-1722): Combate entre David e Golias (Sonata Bíblica para
clavicórdio)
a) Bravatas de Golias
b) Temor e prece dos Israelitas
c) Coragem de David
d)Combate e morte de Golias
e) Fuga dos Filisteus
f) Fanfarra das mulheres
g) Alegria geral e dança do povo

Ao clavicórdio, Erwin Bodky

III – François Couperin (França, 1668-1733) – La Fleurie


Ao clavicímbalo, Paul Brunold

IV – Domenico Scarlatti (Itália, 1685-1757) – Sonatina em ré menor (Pastoral)


Ao clavicímbalo, Wanda Landowska

V – Johann Sebastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Fantasia cromática e fuga em ré menor


Fantasia cromática
Fuga

Ao clavicímbalo, Wanda Landowska

Muito provavelmente, Mario de Andrade só não indicou mais – como a


apresentada neste Concerto – por falta de gravações no mercado. E o mesmo acontece em
relação a Domenico Scarlatti695. A respeito de Couperin, chamado le Grand, Mario de
Andrade escreve, na crônica Claude Debussy (II), publicada na coluna de crítica musical
intitulada Mundo Musical, na Folha da Manhã, de 03 de junho de 1943: “(...) tradição melhor
da expressividade musical francesa, com esses gênios que foram Couperin le Grand e
Rameau, ambos grandes psicólogos” - Mario de Andrade se referia, aqui, a compositores que
penetravam a alma humana, interpretando-a psicologicamente. - “A que poderíamos
acrescentar, no século, três legítimos Paul Bourget, Gounod, Bizet e especialmente
Massenet...” Pode-se ver que Oneyda, para eleger um repertório de Concerto de Discos, como
Mario de Andrade, ao ser didático e crítico, tinham múltiplas escolhas de “recortes”, pinçando
no panorama musical da História da Música autores, estilos, escolas, nacionalidades, como
ainda podiam optar pelo cruzamento dessas categorias – conforme fosse o objetivo
pedagógico. Mario de Andrade escreve ainda: “(...) a lição dos dois maiores gênios da música
francesa, era francamente de expressividade psicológica (creio que Couperin é o criador do

695 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 104.
292

'retrato' musical) (...)”

37º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
23 de outubro de 1940

I – Johann Sabastian Bach (Alemanha, 1685-1750) – Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo
São Mateus

Orquestra Sinfônica de Boston, regida por Serge Koussevitzky com Harvard Glee Club e Radcliffe
Choral Society, regidos por Wallace Woodword e solistas.

Neste programa há uma nota de Oneyda Alvarenga: “Os discos desta coleção
foram gentilmente emprestados pelo Dr. Alcyr Porchat.”
Essa observação possibilita a visão das condições de política de formação do
acervo, uma vez que indica que nem sempre a Discoteca havia adquirido materiais que seriam
importantes, pelos critérios do Compêndio de História da Música de Mario de Andrade e da
própria diretora da Discoteca, quando da eleição de obras para as audições públicas.
Nesse 37º concerto da Discoteca Pública Municipal foram ouvidos os 27 discos
da Paixão (Bach.)

40º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
31 de janeiro de 1941
73 pessoas

Na 1ª parte:
1 - De Willian Turner Walton (Inglaterra, 1902-1983), Portsmouth Point.

Outra obra deste mesmo compositor, no entanto, será apresentada no 167º


Concerto de Discos, no dia 14 de novembro de 1957, o que mostra que Ondeyda Alvarenga
estava atenta aos compositores eruditos contemporâneos e, mais ou menos espaçadamente,
procurava acrescentar o novo ao repertório (e ao gosto) dos ouvintes leigos.

44º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
293

Prédio Martineli
29 de julho de 1941

Na 1ª parte, de Brahms (Alemanha, 1833-1897), o Trio em Mi Bemol Maior, para


piano, violino e trompa.
Na 2ª parte:
1 - Manuel de Falla (Espanha, 1876-1946):696
Canciones Populares Españolas:
nº 1 El paño moruno
nº 2 Seguidilla murciana
nº5 Nana (acalanto)
nº6 Canción
nº 7 Polo

(Meio-soprano, com acompanhamento de piano)

2 - François Couperin, le Grand (França, 1668-1733), Concerto no gosto


teatral.697

As anotações de Oneyda Alvarenga (“57º” e “58º”), ao lado dos títulos das


obras da 2ª parte do 44º Concerto de Discos - e para as quais se chamou a atenção em nota de
roda-pé ao se transcrever o programa –, foram feitas posteriormente (doze anos depois.) As
anotações indicam que a diretora da Discoteca iria repetir a apresentação das obras
assinaladas nos 57º e 58º Concertos de Discos – dos quais não foram encontrados os
repertórios no Arquivo do Centro Cultural São Paulo. Esses Concertos se deram nos dias 10 e
17 de setembro de 1953, conforme se pode deduzir a partir da observação da periodicidade
regular semanal dos programas de 1953 (vide abaixo o espaço de tempo que transcorre na
lacuna entre o 56º e o 59º Concertos de Discos.)

45º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
27 de agosto de 1941
40 pessoas

Na 1ª parte, Harl McDonald (Estados Unidos, 1899-1955), Sinfonia nº1 “The Santa
Fé Trail”

696 Oneyda anota a lápis, à margem: 57º


697 Oneyda anota a lápis, à margem: 58º
294

Na 2ª parte:
1 - Moussorgski (Rússia, 1839-1881), The Nursery (ciclo de canções)
2 - Vivaldi (Itália, 1678-1741), Concerto Grosso [em] Lá Menor nº8

Como já foi abordado acima, há pouquíssimas citações de Vivaldi (na


discografia, bem entendido), no Compêndio - apenas duas. São elas: Concerto em Ré Maior
(violoncelo), código C. LFX62 e Concerto em Ré Menor (Largo), código G. K5905.698 Mario
de Andrade inclui o compositor entre os “artistas geniais”699.

49º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
10 de abril de 1942

Na 1ª parte, Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), Fantasia de movimentos mixtos para


violino e piano:
Alma convulsa
Serenidade
Contentamento

Gravação: Oscar Borghert ao violino e Vieira Brandão ao piano.

No alto do programa, a lápis, Oneyda anota: Não, grav. nacional com muito
chiado.
Há menção de execução da obra, pela primeira vez na íntegra, no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, com interpretação de Borghert, em 23 de abril, no ano de 1941.
Mas não se pode afirmar a data da gravação usada por Oneyda, em 1942 – gravação
posteriormente rechaçada pela diretora da Discoteca, para reapresentação do disco em novas
audições públicas. In: HEITOR Villa-Lobos website. Disponível em:
<http://www.villalobos.ca/fantasia-movimentos-mixtos>. Acesso em: 11 maio 2012.

Na 2ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Cantata do Café. Obra cômica e profana


Gravação: Conjunto instrumental regido do clavicímbalo por Ernest Victor Wolff e
William Hain (tenor), Benjamin de Loache (barítono), Ethyl Hayden (soprano)

No alto do programa, a lápis, Oneyda anota: Não, gravação defeituosa, com

698 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 104.
699 Ibid., p. 99.
295

muitas pipocas e estalos.


Da mesma forma que anota à margem da referência à gravação de Villa-Lobos,
no mesmo Concerto de Discos, Oneyda Alvarenga sinaliza a inadequação dessa gravação de
Bach, a fim de se lembrar de não repetir esses registros em novos Concertos de Discos. Essas
observações da diretora da Discoteca foram feitas na década de 1950, quando buscava nos
programas dos concertos da década anterior obras que poderiam ser reapresentadas na Sala
Luciano Gallet, a um público provavelmente diferente.

50º Concerto de Discos


Discoteca Pública Municipal - Teatro Municipal
Prédio Martineli
18 de junho de 1942

Na 1ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Corais:

1 - O Haupt voll Blut und Wunden

2 - Wie schön leuchtet der Morgenstern

3 - Von Himmel hoch

4 - Lobt Gott, ihr Christen, allzugleich

5 - Dir, Dir Jehova

6 - Loben den Herren

7 - Wachet auf, ruft uns die Stimme

8 - Nu danket alle Gott

Gravação: Coro “Família Trapp”, à capela, dirigido por Franz Wasner.

Gravação: Coro “Família Trapp”, à capela, dirigido por Franz Wasner.

Oneyda Alvarenga anota a lápis: Não, muitos estalos da própria gravação.


Ainda mais uma vez se atestam os contratempos que envolviam as montagens
dos Concertos de Discos, diante da fragilidade das gravações da época.

Na 2ª parte, Aaron Copland (Estados Unidos, 1900-1990), Música para Teatro:

Dansa
Interlúdio
296

Burlesco
Epílogo

Gravação: Orquestra Sinfônica Eastman-Rochester regida por Howard Hanson.

Oneyda Alvarenga, além de se embasar nos escritos dele para escrever seu
Como ouvir música, último capítulo do livro inédito A Linguagem Musical, em que discorre
sobre a formação do ouvinte leigo, desvelando os porquês das montagens dos repertórios de
seus Concertos de Discos, inclui pbras de Copland neste Concerto. Observe-se que, em 22 de
outubro de 1941, este compositor viera ao Rio de Janeiro700. Copland escreveu música para
teatro sobre argumentos da problemática social da época da depressão, nos Estados Unidos.
Por isso, é fácil relacionar este enfoque de Oneyda Alvarenga, neste Concerto de Discos: a
diretora da Discoteca, em entrevistas a jornais, falando a respeito da oposição da ópera à
capacidade de socialização da música, menciona a música para teatro, como sendo veículo
dessa socialização, além de um recente contato do autor com o Brasil – dentro da política de
boa vizinhança, a vinda de Copland fazia parte de projeto de aproximação com os Estados
Unidos, idealizado e mediado por Carleton Sprague Smith, quando em contato com Mario de
Andrade.

56º Concerto de Discos


03 de setembro de 1953
23 pessoas

Este concerto atraiu maior número de pessoas do que o normal, provavelmente


pela presença de obras de Bach, no repertório.
A programação reunia, na 1ª parte:
Richard Strauss (Alemanha, 1864-1949), com Till Eulenspiegels Lustig Streich e
Três canções, de Reynaldo Hahn (naturalizado francês, 1874-1947)
- Rêverie
- Mai
- Paysage
Na 2ª parte, Bach (Alemanha, 1685-1750), Suíte em Si Menor, nº 2, para flauta e
cordas.

Mario de Andrade situa Richard Strauss no capítulo X, “Romantismo”, assim


como Beethoven e outros autores que viveram no século XIX (isto inclui os que nele só

700 Há menção à iminência dessa visita de Copland ao Brasil em carta de Sprague Smith a Mario de Andrade.
In: SMITH, Carleton Sprague [Carta] 14 ago. 1941, Nova Iorque, EUA. [para] Mário de Andrade. São
Paulo. 1 folha.
297

faleceram ou nasceram.) No caso de Richard Strauss, ele nasce no século XIX, mas é um dos
compositores representantes do fecho do Romantismo. Mario de Andrade, porém, menciona
este compositor em vários trechos do Compêndio – a relação que faz dele com o Romantismo,
é o uso, na música, da expressão dos sentimentos.701 Chega a chamá-lo de
“romantiquíssimo”.702Mas depois, no último capítulo do livro, “Atualidade”, volta a
mencionar Richard Strauss, em várias passagens – embora a citação dele em sua discografia
se localize apenas no capítulo “Romantismo”.
Como o programa do 56º Concerto de Discos traz os dados: “Marcel Moyse
(flauta) e Conjunto de Câmara regido por Adolf Busch”, relativos à Suíte em Si Menor, de Bach – e
que é igual à que segue a mesma obra apresentada no 36º Concerto de Discos -, podemos ver
que Oneyda Alvarenga usou a mesma gravação nos dois concertos e que o registro sonoro, no
caso, se conservou bem durante aqueles onze anos de intervalo entre um e outro.

60º Concerto de Discos


01 de outubro de 1953
10 pessoas

Na 1ª parte: Gottfried Loewe (Alemanha, 1796-1869), Baladas:


Fridericus Rex
Prinz Eugen, der edle Ritter
Ton der Reimer, op. 135
Die Uhr, op. 123, nº3
Na 2ª parte, Schubert (Áustria, 1797-1828): Quarteto em Ré Menor: A morte e a moça

Como se pode observar acima, o repertório do 40º Concerto de Discos incluiu,


antes deste mesmo repertório (Loewe e Schubert), Willian Walton, um compositor inglês
contemporâneo, músico influenciado por autores como Prokofieff e Stravinsky e pelo jazz,
conhecido por suas trilhas sonoras para cinema e por suas obras eruditas. Curioso também é
observar que no auditório do Prédio Martineli, em 1941, no 40º Concerto de Discos, o público
se constituiu de setenta e três pessoas, e neste 60º Concerto, realizado na Sala Luciano Gallet,
em 1953, o público caiu para dez pessoas – sendo que os repertórios eram quase que
idênticos.

701 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 128.
702 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 138.
298

62º Concerto de Discos


15 de outubro de 1953
8 pessoas

Para a 1ª parte desde Concerto, Oneyda Alvarenga prepara Namouna (Suíte de


bailado), de Edouard Lalo (França, 1823-1892)
e Canções Francesas do Século XVI, a saber:
Garnier (França, ?-1538-1542): Resveillez-moi
Gentian (França, século XVI): La loy d'honneur
Sermisy (França, 1490-1562): En entrant en ung jardin
Berchem (França, 1505-1567): Jehan de Lagny e Que feu craintif
René (França, século XVI): Gros Jehan menoit

De todos os autores citados na 1ª parte do 62º Concerto de Discos, Mario de


Andrade indica apenas uma obra de Berchem – mas não a que foi apresentada por Oneyda
Alvarenga. É muito provável que Oneyda, na Discoteca, não dispusesse sempre de todas as
obras indicadas. Ou, mesmo dispondo de obras indicadas por Mario de Andrade, no
Compêndio, Oneyda quisesse escolher uma outra peça ilustrativa, para o que vinham a ser
suas aulas.

Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga faz ouvir a Sonata em Si Menor, para piano, de Liszt
(Hungria, 1811-1886)

A escolha pela apresentação da Sonata em Si Menor, para piano, de Liszt, dá


margem a suposições. Na 2ª parte, Oneyda procurava sempre atrair o público, apresentando
compositores que lhe eram mais familiares. No entanto, é comum Oneyda escolher, nos
repertórios destes compositores mais popularizados, composições que não eram as mais
repetidas pela mídia – rádio e cinema. No caso deste Concerto, ela elegeu uma Sonata para
piano (a obra, apresentada integralmente, é relativamente longa, com diferentes andamentos,
inclusive os muito lentos): talvez703 partindo do que se chamava “pianolatria”, ela, se valendo
do gosto popular, tentasse mostrar obras menos conhecidas, menos palatáveis. Buscava, com
isto, ampliar a gama de conhecimento musical do público, na paciente tarefa de amadurecer
os ouvintes.

703 In: FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009. 120 p. vemos “armadilhas do arquivo”.
Ausências – mais do que presenças – a procura por provas daquilo que se quer evidente. Faz-se preciso
duvidar e supor o que estaria nas ausências. A situação não é cômoda, portanto: o comodismo é uma das
armadilhas.
299

67º Concerto de Discos


19 de novembro de 1953
6 pessoas

Este Concerto se restringiu à época e à nacionalidade: todas as obras são de


compositores franceses do século XIX. As composições de Duparc, La vie antérieure; Le
Invitation au Voyage e Phidylé , já foram apresentadas no 9º Concerto de Discos, de 21 de
setembro de 1938.

Na 1ª parte, de Fauré (França, 1845-1924), a Sonata em Lá Maior, nº 1, op. 13, para


violino e piano e de Duparc (França, 1848-1933), La vie antérieure; Le Invitation au Voyage e Phidylé

Na 2ª parte deste 67º Concerto, também se repete o repertório da 2ª parte do 9º


Concerto de Discos: Vincent D'Indy (França, 1851-1931), Istar, op. 42.

69º Concerto de Discos


03 de dezembro de 1953
9 pessoas

Na 1ª parte, Oneyda reuniu autores alemães, nascidos no século XIX


(Hindemith é moderno – e contemporâneo, para a época do concerto)
Na 1ª parte
I - Hindemith (Alemanha, 1895-1963), Der Schwanendreher (Concerto para viola e
pequena orquestra) – deste compositor, Mario de Andrade lista apenas duas obras (p.210), que não a
apresentada neste concerto.
II - Schumann (Alemanha, 1810-1856), Zigeunerleber, op. 29, nº3, que Mario de
Andrade indicou no Compêndio (p.150), Vie de Tzigane, código Parl. 59501.
III - Mendelssohn (Alemanha, 1809-1847), Three folk songs
a) Entflieh mit mir, op. 41, nº2
b) Es fiel ein Reif, op. 41, nº3
c) Auf ihrem Grab, op. 41, nº4

Na 2ª parte: Mozart (Áustria, 1756-1791), Serenata em Si Bemol Maior, nº10, K.361


(para 13 instrumentos de sopro.)

70º Concerto de Discos


10 de dezembro de 1953
13 pessoas

Na 1ª parte Oneyda Alvarenga apresentou Porgy and Bess, de Gershwin (1898-1937)

Na discografia do Compêndio, Mario de Andrade cita apenas Rhapsody in Blue


300

e An American in Paris, do compositor, como ainda o Concerto em Fá (para piano),


mencionado por Mario de Andrade, na discografia do capítulo “Atualidade”704: código C.
9665/7. Certamente não fez referência a Porgy and Bess, por ser esta obra de 1935. Mas, em
seu artigo A expressão musical dos Estados Unidos, que havia sido texto de sua conferência
na Associação Brasileira de Imprensa, em 12 de dezembro de 1940 e publicado pela editora
Leuzinge, em 1941, fala de Gershwin como o mais conhecido autor musical dos Estados
Unidos e cita suas obras O americano em Paris e Porgy and Bess como as composições
“ianques” mais características.
Oneyda Alvarenga escreve uma nota com tinta vermelha, na folha do
programa: “Após o término do Concerto houve pedidos para repetir a primeira parte, a qual
foi repetida.”
No 25º Concerto, no dia 01 de fevereiro de 1939, Oneyda também apresentou esta
obra de Kodály ao lado de Gershwin – só que deste, outra composição.

89º Concerto de Discos


21 de maio de 1954
12 pessoas

Oneyda Alvarenga programou, para a 1ª parte deste concerto, “MÚSICA


VOCAL PROFANA DOS SÉCULOS XII A XIV”.
Assim:

1 - A Canção trovadoresca (séculos XII e XIII)


Blondel de Nesles (França, século XII/XIII): A l'entrant d'esté
Perrin d'Angicourt (França, século XIII): Quand voi a la fin d'estey
Ricardo Coração de Leão (Inglaterra, 1157-1199): Ja nuns hons pris
Walter von der Vogelweide (Áustria, 1170?-1230): Kreuzfahrerlied
Rumelant (Alemanha, 1273-1300): Ob aller mine

2 - A arte nova (século XIV) - Baladas


Guillaume de Machault (França, 1300-1377): Je puis trop bien e De tout sui
si confortée
Francesco Landino (Itália, 1325-1397): Gram piant'agl'occhi
Vincenzo da Rimini (Itália, século XIV): Ita se n'era
Giovanni da Cascia (Itália, século XIV): Io son un pellegrin

Como se viu acima, muitos desses autores, curiosamente, não figuram no


Compêndio de História da Música, de Mario de Andrade. No entanto, a Discoteca Municipal

704 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 210.
301

adquiriu gravações que deveriam estar indicadas na discografia do Compêndio, sem


nomeação a autores, em particular. Por exemplo: Mario de Andrade reuniu sob a categoria
“Canção trovadoresca”705, na discografia do capítulo “Início da música profana”, alguns
títulos de hinos e canções guerreiras anônimos, ao lado de nomes de supostos autores
medievais (geralmente personagens históricos famosos), sem discriminar, no entanto, nenhum
título de música desses compositores. Ao rastrear as leituras de Mario de Andrade sobre
música, em sua biblioteca, vê-se que no livro de André Coeuroye de Jardillier706, Histoire de
la musique avec l'aide du disque suive de trois commentaries de disques avec exemples
musicaux, o musicólogo assinala o texto sobre música medieval707, onde se conjetura sua
importância e também sobre as origens dos instrumentos, remetendo o pensamento à reflexão
das épocas e da necessidade de se conhecer a História da Música. Mario de Andrade segue
assinalando pontos que abordam dúvidas sobre detalhes que permanecem obscuros até nossos
dias, na História da Música, como o questionamento708: é possível captarmos totalmente a
verdade sobre a política musical do Papa Gregório, ou a atividade em que passou longo tempo
Guido d'Arezzo, nomeando as notas?
Privilegiando obviamente época, no caso, o período medieval, nesse Concerto,
Oneyda Alvarenga usou composições belíssimas, como é o caso da canção em tom de
lamento, Ja nuns hons pris, atribuída a Ricardo Coração-de-Leão (e que a musicóloga pôs no
programa efetivamente como autor), se deu a conhecer assim, numa daquelas audições
públicas inusitadas – porque raramente o público leigo ouviria esse tipo de música por
qualquer outro meio.

90º Concerto de Discos


28 de maio de 1954
13 pessoas

Para a 1ª parte deste Concerto, Oneyda Alvarenga programa Nobilissima visione, de


Hindemith (Alemanha, 1895-1963)

Hindemith é um autor alemão contemporâneo, que Mario de Andrade analisou


no capítulo “Atualidade”, de seu Compêndio de História da Música. A obra escolhida por

705 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 60.
706 COEUROY, André; JARDILLIER, Robert. Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois
commentaires de disques avec exemples musicaux. Paris: Librairie Delagrave, 1931. 238 p.
707 ANDRADE, OP. CIT., p. 10.
708 Ibid., p. 11.
302

Oneyda não está indicada na discografia de Mario de Andrade - foi escrita em 1938; portanto,
posterior à edição do Compêndio de História da Música.
Na parte inferior do programa, Oneyda anota: “Um ouvinte pediu o
'Nobilissima Visione' para ouvir novamente nas cabinas.”
Certamente o fato, digno de registro, foi, para Oneyda, uma grata constatação, em sua
empreitada de divulgar a música contemporânea, na época.
Na 2ª parte, ouve-se o Concerto em Lá Menor, op 16, para piano, de Grieg
92º Concerto de Discos
24 de junho de 1954

César Frank, na 1ª parte, e Tchaikovsky, na 2ª, é um repertório usual de autoria


de Oneyda Alvarenga: ela procurava levar o público ouvinte ao encontro da música
contemporânea, buscando com isto familiarizá-lo com essas composições. Na 2ª parte,
Ondeyda procurou contemplar o gosto do público, com exibição de obras de autores mais
popularizados. Mas note-se que, ao mesmo tempo, procurava apresentar obras menos
conhecidas destes compositores mais tocados na mídia.
1ª parte: César Frank (França, 1822-1890), Sonata em Lá Maior

2ª parte: Tchaikovsky (Rússia, 1840-1893), Suíte Mozartiana

93º Concerto de Discos


08 de julho de 1954
7 pessoas

Na 1ª parte: Benedetto Marcello (Itália, 1686-1739)


Disciogletevi in pianto (cantata para baixo, com acompanhamento de baixo-contínuo e
cravo)
Concerto para oboé e cordas

Na 2ª parte, de Brahms, Variações sobre um tema de Haendel (piano)

Nem sempre Oneyda Alvarenga cita as fontes bibliográficas que consultou, a


fim de redigir os textos sobre os compositores, suas obras, seu período, que lia para os
ouvintes, antes de apresentar as músicas em discos. No caso do 93º Concerto de Discos, a
diretora da Discoteca Municipal deixa anotadas as referências das obras que usou para
escrever sobre Benedetto Marcello:
Grove's Dictionary of Music and Musicians, ed. de 1946.
Gino Roncaglia: “Il Melodioso Settecento Italiano. Milão, Hoepli, 1935.
Capri. Il Settecento in Musicale in Europa.” Milão, Hoepli, 1936.
303

Oneyda cita fontes bibliográficas consultadas para escrever sobre Brahms:

Oneyda Alvarenga: “Música do século XIX.” (Curso de História da Música,


conferência inédita. Vários trechos literalmente copiados.)
Karl Keiringer: “Brahms - His Life and Work.” 2ª ed. rev. e aum. London,
George Allen and Unwin Ltd., 1948.
Claude Rostan: “Les Chefs-d'Oeuvre du piano.” (Petit Guide de l'Auditeur de
Musique.) Paris, Éditions de le Bon Plaisir, c1950.

Ao que mostram os documentos que nos chegaram às mãos, Oneyda Alvarenga


fez indicação de bibliografia consultada para elaboração de seus textos lidos nos concertos de
discos de maneira mais sistemática na década de 1950. Seria porque cada vez mais importava
se fundamentar qualquer opinião teórica sobre fontes bibliográficas e também pelo maior
nível de auto-exigência da musicóloga, que se sentia segura para tecer análises críticas. Ou
ainda porque Oneyda Alvarenga, que sempre recorrera à pesquisa, percebeu, com o tempo, a
dimensão de seu papel como pioneira na área da produção científica sobre música popular
brasileira. E, vendo a esteira (ou as lacunas) de material escrito (muitas vezes disperso) que a
história da Discoteca, a essas alturas, já deixava atrás de si, notou a necessidade de registro
documental de sua trajetória como diretora da instituição pública – e, principalmente, da
própria instituição.

94º Concerto de Discos


22 de julho de 1954
20 pessoas

Concerto constituído apenas por música moderna (contemporânea, para a


época) e que teve público relativamente numeroso, em comparação aos outros concertos.
Na 1ª parte, de Ravel (França, 1875-1937), Shéhérazade,
Na 2ª parte, de Manuel de Falla (Espanha, 1876-1946), El amor brujo.

Esta composição de de Falla já havia sido apresentada no 6º Concerto de


Discos – mas Oneyda Alvarenga usou outra gravação. Ver acima, p. 224.

95º Concerto de Discos


05 de agosto de 1954
4 pessoas
304

Este concerto abrange amplitude de tempo e mescla nacionalidades dos


compositores. Na 1ª parte, intervalo de séculos – XVI/XVIII.

1ª parte
Giovanni Gabrieli (Itália, 1557-1612): Sonata pian e forte (1597)
Cornetas, trombones e violas; direção de Curt Sachs

Michel Blavet (França, 1700-1768): 2ª Sonata para flauta e cravo


Andante; Alemanda; Gavota (“Les Caquets”); Sarabanda; Allegro
Marcel Moyse (flauta) e Pauline Aubert (cravo)

Na 2ª parte, Dvorák (Tchecoslováquia, 1841-1904): Concerto em Si Menor, op. 104,


para violoncelo e orquestra.
Allegro; Adagio ma non troppo; Finale - Allegro moderato
Gregor Piatigorsky (violoncelo) e Orquestra de Filadelfia regida por Eugene Ormandy

100º Concerto de Discos


04 de novembro de 1954
7 pessoas

Na 1ª parte:
Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), os Choros nº 10 e dois trechos das Bachianas
Brasileiras nº 2, a saber:
2 - Ária (Canto da nossa terra)
4 – Tocata (O trenzinho do caipira)

Gravação é da “Orquestra Sinfônica Janssen, regente W. Janssen, e Sociedade Oratório de Los


Angeles”

Nenhuma das duas obras de Villa-Lobos é mencionada na discografia. Mario


de Andrade discorre sobre Villa-Lobos no último capítulo de seu Compêndio de História da
Música, que é o capítulo XIII, chamado “Atualidade”. Porém, faz indicação discográfica da
obra de Villa-Lobos no capítulo XI, “Música Artística Brasileira”. Na discografia, Mario de
Andrade indica Choros nº 3 – mas não menciona os Choros nº 10.
Ainda na 1ª parte do Concerto de Discos, Oneyda Alvarenga apresentou dois
trechos das Bachianas Brasileiras nº 2 – obra que também não é citada na discografia (o
Compêndio de História da Música que traz discografia, como já se esclareceu acima, foi
editado (pela segunda vez) em 1933: mesma data em que Villa-Lobos compôs esta obra.
Muito provavelmente por este motivo Mario de Andrade não inclui aí as Bachianas.)

Na 2ª parte: Schumann (Alemanha, 1810-1856), a Sinfonia em Ré Menor, nº 4, op.12

107º Concerto de Discos


305

10 de fevereiro de 1955
3 pessoas

Este concerto teve, na sua 1ª parte:


Sonata nº 2, de Camargo Guarnieri.

Na 2ª parte, Oneyda Alvarenga programou:

Sinfonia em Dó Maior, nº 6, de Schubert

Na 2.ed. do Compêndio, aparece: 7ª Sinfonia em Dó Maior, de Schubert. Mas


como a 7ª Sinfonia do autor é em Si Menor (também encontrada a forma “Si Menor/Maior”) e
a Sinfonia nº 6 é realmente em Dó Maior, conclui-se que houve um erro de impressão no
Compêndio de História da Música.

111º Concerto de Discos


14 de abril de 1955
19 pessoas

Na 1ª parte: Chopin (Polônia, 1810-1849), Les Sylphides – Bailado


Orquestração de Gretchaninov (Rússia, 1864-1956)

1- Prelúdio, op. 28, nº 7; 2 - Noturno, op. 32, nº2; 3 - Valsa, op. 70, nº1;
4 - Mazurca, op. 76, nº3; 5 - Prelúdio, op. 28, nº 7; 6 - Valsa, op. 64, nº2;
7 - Grande Valsa Brilhante, op. 18

Se Mario de Andrade cita tão extensa discografia de Chopin709. Sugerindo


“todos” os seus prelúdios e muitas das suas valsas, o motivo iria mais longe do que a grandeza
da composição: Oneyda Alvarenga se nortearia mais uma vez pelo didatismo residente na
obra do compositor polonês.
Na 2ª parte: Villa-Lobos (Brasil, 1887-1959), Uirapuru – Poema Sinfônico

132º Concerto de Discos


09 de fevereiro de 1956
3 pessoas

Na 1ª parte, Schumann (Alemanha, 1810-1856), Cenas infantis, op. 15, (para piano)
Na 2ª parte, de Brahms, Intermédios, op. 117.

Neste Concerto, os dois compositores são alemães, do século XIX e o intérprete, ao


piano, é o mesmo: Walter Gieseking. Oneyda Alvarenga teria escolhido elementos que levassem os

709 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical
Brasileira, 1933. p. 150.
306

ouvintes a: relacionar período, nação, instrumento e interpretação; e a comparar temas.

135º Concerto de Discos


22 de março de 1956
8 pessoas

Este Concerto é a repetição do 101º e traz uma anotação de Oneyda: “27º


programa fornecido à Rádio 9 de Julho.”

1ª parte: Octeto em Mi Bemol Maior, de Mendelssohn


2ª parte, de Kabalevsky (Rússia, 1904-1987), Sonata nº 3, op. 46 (piano).

Como na discografia indicada por Mario de Andrade, no Compêndio, não há


referência ao nome do compositor, acredita-se que Oneyda Alvarenga tenha tomado
conhecimento de sua obra por meio de catálogos de discos – Kabalevsky nasceu em 1904 e a
2.ed. do Compêndio é de 1933, como já foi mencionado acima.

167º Concerto de Discos


14 de novembro de 1957

Na 1ª parte, de Willian Turner Walton (Inglaterra, 1902-1983), Façade (Suíte)


Na 2ª parte, de Albéniz (Espanha, 1860-1909)

Por obras como esta, apresentada na 1ª parte, Façade, “An Enterteinement”,


interpretação de Edith Sitwell declamando sua série de poemas Façade, escritos em 1918,
com acompanhamento musical de Walton, de 1922, Willian Walton se situou entre os
compositores modernistas.

170º Concerto de Discos


26 de dezembro de 1957
sem público

Para a 1ª parte: Paul Dukas, (França, 1865-1935), L'Apprenti Sorcier

No 74º Concerto, Oneyda usou gravação pela Orquestra de Filadélfia, regente


Leopold Stokowski; já neste 170º Concerto, ela faria ouvir gravação pela Orquestra da
Sociedade do Conservatório de Concertos de Paris, regente Enrique Jorda.
307

Na 2ª parte, Oneyda apresentaria, de Schubert (Áustria, 1797-1828):


1) Sonata em Lá Maior, op. 162, (violino e piano)
2) Fantasia em Dó Maior, op.15 (Wanderer)

176º Concerto de Discos


22 de maio de 1958
5 pessoas

Na 1ª parte, Rachmaninov (Rússia, 1873-1943), Ilha da morte, op. 29.


Na 2ª parte: Concerto em Ré Menor nº1, op. 15 (para piano e orquestra), de Brahms.

Nos 175º e no 176º Concertos de Discos, realizados respectivamente nos dias


10 de abril e 28 de maio de 1958, ao justificar o público reduzido (5 pessoas), Oneyda
Alvarenga faz anotações à margem dos programas, a respeito da chuva, que teria impedido o
acesso de mais ouvintes à Sala Luciano Gallet, naquelas duas noites. Talvez ela tenha julgado
valer a pena repetir o Concerto referido, de Brahms, na 176ª audição para as pessoas que não
tiveram oportunidade de ouvi-lo no Concerto de Discos anterior.

Sala Luciano Gallet, auditório da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, quando instalada na
sede à Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 278. Reportagem: Mais um motivo de orgulho para S.
Paulo: a nova Discoteca Pública. s.d. Doc. 8121 do Arquivo Histórico da Discoteca Oneyda
Alvarenga - Centro Cultural São Paulo.
308

4.8 O gosto do público?


Por um lado, as estatísticas e os próprios programas dos concertos de discos
mostram que não houve, por assim dizer, uma evolução nos repertórios, no que concerne a
mudanças consideráveis na forma e no conteúdo das audições, ao longo das décadas de 1930,
1940 e 1950. Da mesma forma, a verificação dos textos que acompanhavam os programas,
dos quais nesta dissertação foram apresentados unicamente dois, permitiu ver que não houve
grandes mudanças quanto à redação didática de Oneyda Alvarenga. Por outro lado, as
estatísticas mostram que os repertórios de discos, em boa parte, enfatizavam a música
moderna/contemporânea (vide quadro acima, relativo a Século a que pertencem as obras
executadas/Ocorrência em concertos de discos.)
A urgência que sentiam Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga em despertar as
pessoas para a música contemporânea vinha em decorrência do que observavam,
paralelamente, ao estudar História da Música, permanecer atentos ao surgimento de novas
composições no horizonte da música contemporânea, fazer da prática da audição de discos
rotina, sintetizar estes estudos em textos didáticos para os ouvintes e... lutar contra a eficácia
do estrago que faziam as programações radiofônicas – um combate que remeteria a alguma
coisa semelhante ao de Davi e Golias. Só que, neste caso, Davi perdia (quase) sempre, como
mostraram melancolicamente as estatísticas...
A realidade das estatísticas das consultas dos usuários da Discoteca Pública
Municipal in loco também desenha o quadro do gosto dos consulentes. Por meio de
estatísticas constantes em seu relatório de 1941 e reportagens pela imprensa, até os anos de
1950, Oneyda Alvarenga pôde comprovar, ao longo dos anos, a quase inexistência de
mudança do gosto do público ouvinte. Todos os dados relativos à preferência musical dos
ouvintes, no intervalo entre 1944 e julho de 1953, dizem respeito aos consulentes que ouviam
discos nas cabines da Discoteca – período no qual a Discoteca Pública Municipal ficou
impossibilitada de oferecer Audições de Discos e Conferências de História da Música em
discos. Assim: em 1941, segundo dados do relatório, publicados na separata da Revista do
Arquivo de 1942, os compositores preferidos pelos ouvintes, na Discoteca Pública Municipal:
Beethoven, Bach, Mozart; em 1946, segundo a entrevista dada por Oneyda Alvarenga à
revista O Globo (26 de janeiro de 1946), os autores preferidos pelo público eram: Beethoven,
Bach, Chopin...; em 1949, na Reportagem escrita por Ciro T. de Padua para a Folha da
Manhã, em 11 de junho, intitulada Revelações de uma visita à Discoteca Pública Municipal,
309

reforça-se a invariável preferência do público: Bach e Beethoven... A partir dos anos 1950,
Oneyda ainda está às voltas com a estatística mensal: “(...) verificamos que Bach e Beethoven
são os dois nomes principais nas requisições (...)”
Para obter dados estatísticos sobre a preferência dos consulentes da Discoteca
Pública, Oneyda Alvarenga cruzava dados nação e período. Essas estatísticas elaboradas
sobre o uso do acervo pelos usuários permitiam que a diretora da Discoteca avaliasse quais os
países de origem e quais os períodos musicais a que pertenciam os compositores das músicas
mais ouvidas. E era a partir da escolha dos ouvintes pelos compositores, que se definiam a
posição das nações e períodos/séculos no quadro das estatísticas, ou seja, os dados se
coletavam a partir dos nomes dos autores. O público vai em busca do que já conhece; é a
quantidade de repetição de determinadas obras, pela mídia, que dita a preferência do público.
Oneyda observou que o número de ouvintes da Discoteca de São Paulo aumentava, com o
tempo, e também o gosto musical do público, mesmo que muito lentamente, se aprimorava. O
otimismo de Oneyda Alvarenga era grande o bastante para fazer com que ela valorizasse cada
ouvinte que conseguia atrair para o terreno da audição da música contemporânea. Quando
realizou o 90º Concerto de Discos, aos 28 de maio de 1954, Oneyda Alvarenga programou
Nobilissima visione, de Hindemith (1895-1963), autor contemporâneo. Na parte inferior do
programa, Oneyda anota: “Um ouvinte pediu o 'Nobilissima Visione' para ouvir novamente
nas cabinas.” No 70º Concerto de Discos, em 1953, Oneyda Alvarenga apresentara Porgy and
Bess, de Gershwin. E ela escreve uma nota, na folha do programa: “Após o término do
Concerto houve pedidos para repetir a primeira parte, a qual foi repetida.” Certamente Oneyda
tomava estes indicadores como “vitórias” de seu empenho didático, na divulgação da música
contemporânea.

Por fim, Oneyda acabou concluindo que:

Certos aspectos menos satisfatórios apresentados pelas estatísticas ligam-se a


problemas gerais, que a Discoteca poderá ajudar a resolver, mas jamais
resolverá sozinha. Tal é o caso do gosto pela ópera italiana, que para
desaparecer ou se atenuar depende ainda de um longo trabalho de educação
do público, exigindo fatalmente a colaboração das escolas, dos críticos, dos
organizadores de audições, e de uma melhoria dos programas de rádio. Além
da solução (...) ser necessariamente lenta, por estar presa a defeitos seculares
de cultura, convém lembrar [que](…) A ação de uma discoteca pública será
sempre mais ou menos indireta. (...) é impossível fazer-se com que os
consulentes ouçam o que não querem. Dois meios vêm sendo entretanto
postos em prática para nos mantermos mais próximos do nosso público: (...)
realização (…) de concertos de discos (…); afixação de cartazes
310

orientadores, na sala de espera e nas cabines (…) 710

Em texto intitulado Introdução a Shostakovich711, que Mario de Andrade


publicou em 1945, reproduzido em Música Final, o crítico e musicólogo, num vai-vem de
proposições seguidas de ressalvas tecidas por ele mesmo, ressalvas aparentemente
indissociáveis de sua natureza contraditória, explica o fenômeno Shostakovich; preferências
de público (gostos popularescos e, noutras vezes, nem tanto); os desdobramentos da
disseminação da música mecânica: “O fato dum músico erudito como Dimitri Chostacovich
se destinar compositor de música para o povo duma comunidade sem classes, parece à
primeira vista um milagre e uma contradição.”712

Mario de Andrade afirma, então, que isso já aconteceu antes, no passado,


quando música erudita foi composta para a comunidade, como é o caso do Gregoriano e
músicas de Verdi. Mas ele ressalta que a diferença está no fato de que a música religiosa,
política, racista (ele exemplifica com a citação de Wagner), eram impostas ao povo. E já a
música que agora o compositor russo dirigia ao público proletário servia ao povo; era feita
para isso.

Chostacovich é o músico que pretendeu servir politicamente à comunidade


dum povo sem classes, e por tudo o quanto posso saber dele, o conseguiu. A
sua música se populariza nos estados soviéticos. E, com isso, o caso dele se
apresenta excepcional e contraditório: um compositor erudito, erguido em
sua cultura ao ponto do refinamento, e em sua técnica ao ponto da
virtuosidade, construindo uma arte que funciona política, nacional e
esteticamente para uma comunidade proletária.713

Mario de Andrade chama atenção para o fato de que, no entanto, o público


pode aplaudir obras como a Sinfonia Inacabada, Tocata e Fuga em Ré e outras... com o
mesmo entusiasmo – e com a mesma falta de discernimento – com que aplaude obras muito
ruins. É que, aí, o povo aplaude melodia e virtuosismo: o que Mario de Andrade chamava de
“resultado sensorial” – aquela reação epidérmica que ele e Oneyda Alvarenga tanto
execravam em relação à reação do público à ópera e seu apelo à sensualidade/sexualidade,
710 ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942.
Separata da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p.89.
711 SEROFF, Victor. Illich. Shostakovich, Empresa gráfica O Cruzeiro S.A., Rio de Janeiro, 1945. 33 p.
Prefácio ao texto de Seroff escrito por Mario de Andrade um mês antes de sua morte.
712 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 396.
713 Id.
311

anestesiando a consciência crítica (política e social.) Para o musicólogo, o que o povo deveria
aplaudir e, no entanto, não aplaude, porque, em sua opinião, desconhece, é o sentido artístico
e funcional da obra de arte – no caso, da música.

Válido é comparar com as considerações de Gramsci sobre o tema:

O gosto é “individual” ou de pequenos grupos; aqui se trata de grandes


massas, e não pode deixar de se tratar de cultura, de fenômeno histórico, de
existência de duas culturas: individual é o gosto “sóbrio” não o outro; o
melodrama é o gosto nacional, isto é, a cultura nacional.714

Relacionando o gosto musical ao da literatura em geral, guardadas as devidas


características de uma e de outra arte, Gramsci considerava ainda que os escritores, no geral,
em suas produções dirigidas ao povo, tratavam de ser sóbrios, simples, imediatos. Enquanto
que em outros escritos predominavam o estilo oratório, a hipocrisia estilístca, a fim de mostrar
a distância que se julgavam estar os intelectuais/escritores da compreensão do público que,
por sua vez, teria dado o tom de suas preferências.715

As massas soviéticas seriam diferentes do proletariado brasileiro que, segundo


o musicólogo Mario de Andrade, não desenvolveu gosto estético, não tendo como expressar
preferência artística, em razão da própria condição de massa dominada. Mario de Andrade vai
mais além, denunciando o povo de São Paulo como “musicalmente deseducado”. O fato de o
Departamento de Cultura ter oferecido programas gratuitos “pegou essa gente [operária] de
surpresa”. Os repertórios incluíam música de câmara, quartetos... enfim, música menos
apelativa ao gosto popular. E o que aconteceu? O número de ouvintes que frequentavam esses
concertos diminuiu muito. Mas Mario de Andrade nos lembra que o mesmo público paulista,
“deseducado musicalmente”, aplaudia Shostakovich. A justificativa de Mario: Shostakovich
seria “fruto genial das circunstâncias do progresso mecânico que modificaram a manifestação,
e consequentemente a concepção da arte da música, neste século.” (Refere-se ao século XX,
naturalmente.)

Postos em condições de serem explorados comercialmente e educativamente


o disco, o rádio, o cinema sonoro e demais instrumentos mecânicos, eles
modificaram a qualificação da música erudita, que se tornou acessível a
todos. E não tenho a menor pretensão, Deus me livre! De ser o primeiro a
dizer isso.

714 GRAMSCI, Antonio. Letteratura e vita nazionale. 3.ed. Torino : Einaudi, 1953. p. 62.
715 Ibid., p.61.
312

A música mecânica não só barateou a audição da música erudita e a


expandiu por todos os ambientes, como forçou a sua aceitação pelas classes
inferiorizadas. Pela primeira vez ela deixou de ser, como ainda se conservam
as artes plásticas, um instrumento de classe e de aprimoramento educativo. A
música se tornou um elemento cultural, sinão realizável pelas estruturas
inferiores (não o é normalmente em nenhuma classe, porque implica
profissionalidade e especialização), pelo menos comum a elas, e uma
proposição se sua vida coletiva. Por causa dos instrumentos mecânicos, a
música é a única dentre as artes eruditas, que já conseguiu se tornar uma
constância das massas, sem que tenha de desistir por isso de suas
prerrogativas de refinamento e erudição.716

E Mario de Andrade, situando a música e o cinema na mesma posição que o


teatro ocupou, na Antiguidade, acrescenta:

[À música] Não lhe faltava mais sinão adquirir a mesma concepção


educativa e dirigente do teatro. No caso da sociedade atual: uma concepção
imediata e conscientemente política. Não exatamente, ou apenas, como
ideologia política. Mas como força orgânica política do povo, coisa que os
instrumentos mecânicos tinham não só tornado praticável como posto em
evidência. Esta concepção nova da música, coube a Chostacovich aplicar.717

Mas voltando às considerações de Mario de Andrade acerca da “gente


proletária” não gostar de música de câmara: o crítico não permanece nessa posição que
poderia parecer preconceituosa. Primeiro, porque ele se baseava em dados reais, facilmente
comprováveis – vide as estatísticas a respeito da preferência dos ouvintes efetuadas por
Oneyda Alvarenga, na Discoteca Pública Municipal e publicadas no relatório de sua autoria,
como também em periódicos da época, ao longo das décadas de 1930, 1940 e 1950. Mas o
mais importante, é que ele vai explicar, nesta Introdução, que essa necessidade de refinamento
do gosto não se restringe ao proletário, ao pobre, ao sujeito que vive na zona rural:

Eu creio nessa instância de Chostacovich em gêneros e formas tradicionais


“puras”, há uma lição e uma solução habilíssima. A lição é que o artista não
tem que qualificar a massa proletária como incapaz de viver os gêneros e
formas mais esteticamente refinados. Eu me pergunto mesmo, diante do que
me conta a estética experimental: porque um caipira analfabeto e rupestre do
sertão, não será sensível ao encanto delicadíssimo do quarteto de cordas? Eu
disse “sensível” e não “compreensivo de”, se note.O simples fato dos
concertos de câmara do Departamento de Cultura obterem muito menor
concorrência proletária; o fato dos discos de quartetos e quintetos
conseguirem menor venda718, não provam nada. Não provam a
insensibilidade estética do homem qualquer, nem muito menos a
716 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p. 397.
717 Id.
313

impossibilidade dele vir a gostar esteticamente desses gêneros refinados.719

E Mario de Andrade arremata seu pensamento, afirmando que não é pela


ignorância apenas que alguém – agora o ouvinte de qualquer classe social – gosta ou deixa de
gostar certas músicas: é o gênero, ele mesmo, que por si se faz mais difícil de agradar,
comumente.720

Mas como foi possível o povo soviético vir a querer aprimorar suas
preferências musicais, ouvindo quintetos, grandes formas musicais, como a música de
câmara? Já pelo advento da popularização da música mecânica, como pelo uso estratégico que
Shostakovich fez de expressões estéticas da sinfonia, da sonata, do quarteto... e acusa um
certo emprego de “banalidade”, em sua melódica: resultado de emprego de “arabescos
cancioneiros popularescos”. No entanto, Mario considera: se resultou em “vulgaridade”, não
caiu na total “banalidade”. De alguma forma, parece justo e até compensa: Mario de Andrade,
desconfiando muito da “funcionalidade político-comunista” que a obra de Shostakovich
poderia carregar em si, analisou o caráter “comunista” da composição de Shostakovich, virou
pelo avesso a nomenclatura e pôs em dúvida, isso de “comunismo” em música. Ora, o que o
compositor logrou com êxito foi o alcance da coletividade, da coletivização, por meio da
utilização de gêneros considerados “burgueses” (sinfonias, quartetos, etc., etc.) Se a
proposição de dirigir obras eruditas às camadas proletárias parecia insolúvel de saída, pela
temeridade de se perder em refinamento, Shostakovich parece ter encontrado um caminho:
segundo Mario de Andrade, a solução foi descoberta pela “reeducação do compositor e
educação de um povo” – só possível pela sensibilização da beleza da arte.

Embora orbitando em torno de Shostakovich – nesta Introdução, Mario,


sempre lembrando que existiram, claro, outros compositores com os mesmos ideais do
compositor comunista, destaca Shostakovich como o que “se apresentava com melhores
718 Note-se que Mario de Andrade, ao lado do público proletário, elenca o índice da venda de discos; ou seja:
ele já põe no mesmo plano de preferências os desfavorecidos e aquelas pessoas que podiam comprar discos –
que, evidentemente, em sua maioria, ao menos, não eram da classe proletária.
719 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo Musical. Campinas, SP :
Ed. da UNICAMP, 1998. p.398.
720 Na Revue Musicale, v. II, de 1924, assinada por Mario de Andrade, p.49-56, embora não exista nenhuma
anotação à margem do texto, provavelmente o musicólogo lera o artigo chamado Une musique prolétaire,
sobre as obras de compositores russos, classificadas, nesta matéria, como produto da revolução proletária de
1917 (p.50.) Para o autor do artigo, B . de Schloezer, tais obras refletiam a nova ordem social. Da mesma
forma, não se encontra nenhum vestígio de leitura de Mario de Andrade, no artigo denominado La
“bolchevisation” des opéras em Russie, na Revue Musicale v. I, de 1925, p. 203-4 – mas certamente Mario
não deixou de ver seu conteúdo.
314

credenciais de vitória, e o que mais se universalizou” -, essas considerações todas de Mario de


Andrade dão abertura a um campo mais amplo, porque fornecem exemplo concreto daquela
formação que ele proporcionou a seus discípulos – como Oneyda Alvarenga. Esta, por sua
vez, concretizava na prática, como diretora da Discoteca, a base teórica recebida, quando da
escolha, para montagem dos repertórios de Concertos de Discos, na Discoteca Pública
Municipal, de autores como Copland, que trazia para sua música de teatro a realidade social
de seu país, o próprio Shostakovich, e outros. E era sempre um processo dinâmico, sendo
vivido ao longo do tempo, com a atenção que Mario e Oneyda dispensavam aos compositores
contemporâneos e surgimento de gravações, no mercado, sem se esquecer do estudo das
origens folclóricas que podiam – ou não – influenciar a música erudita. Todos esses aspectos
eram acompanhados como fenômenos sociais, para além de manifestações musicais.

Posteriormente, em 1948, o “2º Congresso Internacional de Compositores e


Críticos Musicais”, em Praga, viria preconizar a educação musical das massas, para “acabar
com o analfabetismo musical”721. Uma vez detentor de conhecimentos musicais, o público
teria muito mais facilidade para compreender a evolução da música. Então, os programas
educativos preparados pela Discoteca Municipal atingiriam muito mais pessoas, a cujo
julgamento crítico seriam apresentadas outras obras, além das conhecidas e assimiladas pelo
grande público. Era fundamental a educação musical e Mario de Andrade e Oneyda
Alvarenga, tanto quanto podiam, tomavam providências nesse sentido.
Desde a concepção do projeto do Departamento de Cultura, abrangendo formação de
acervos de várias naturezas, até a organização (processamento técnico: classificação e
catalogação) dos materiais, tudo está dentro de uma ideologia. A coleta de fonogramas, este
registro sonoro das músicas folclóricas, com viso de preservação do patrimônio imaterial e de
estudos etnográficos, passando pela catalogação de Oneyda Alvarenga, que criou as fichas a
serem preenchidas pelos membros da Missão de Pesquisas Folclóricas a fim de realizar,
posteriormente, uma catalogação – em nada “inocente” - que objetivava propósitos muito
bem determinados, até a formação do acervo da Biblioteca de Música, de cuja política de
seleção de acervo a mesma Oneyda Alvarenga orgulhava-se, por ter estabelecido, a essas
alturas seus próprios critérios (já sem a orientação de Mario de Andrade)... tudo isso se
coadunava com uma ideologia.
E que ideologia, afinal, era essa? Poderia se pensar, então, numa ideologia de

721 NEVES, José Maria das. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981. p. 119.
315

dominação de determinadas classes por outras?


Para Mannheim, o conceito de ideologia traduz um dos resultados do “conflito
político”: os grupos dominantes, uma vez identificados fortemente, graças aos seus interesses,
“a uma situação” determinada, já não conseguem mais “ver certos fatos que iriam solapar seu
senso de 'dominação'”. A própria palavra ideologia traz em seu bojo “a noção de que, em
certas situações, o inconsciente coletivo de certos grupos obscurece a condição real da
sociedade, tanto para si, quanto para os demais, estabilizando-a, portanto.”722 Ainda para
Mannheim, a concepção total de ideologia como “filosofia da consciência” (organização)
“em oposição a um mundo variado e confuso”, traria a “unidade garantida pela unidade do
sujeito que percebe.”723 E tal concepção passaria por três estágios:
1º Estágio: o mundo percebido como uma unidade estrutural e não como
pluralidade de acontecimentos esparsos.
2º Estágio: O mundo é uma unidade e é somente concebível com referência a
um sujeito conhecedor. Esta unidade está em um processo de contínua
transformação histórica e tende a uma constante restauração de seu equilíbrio
em níveis sempre mais elevados. (…) as experiências de vida (cotidiana) não
são mais aceitas por seu valor aparente, sendo meditadas em todas as suas
implicações e referidas a seus pressupostos.724

E, para Mannheim, o mais importante:

3º Estágio: Etapa da criação da concepção total de ideologia surgiu


igualmente do processo histórico-social: a classe social, tomando lugar do
“folk”725 ou da nação, como portadora da consciência historicamente em
evolução (…) - a estrutura da sociedade e suas formas intelectuais
correspondentes variam com as relações entre as classes sociais.726

Vejamos os conceitos de Gramsci, que alertava para a consideração que se deve


ter para com as ambiguidades dentro de ideologia: “...é preciso distinguir entre ideologias
historicamente orgânicas, que são necessárias a uma certa estrutura, e ideologias arbitrárias,

722 MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972. p.66.
E para o autor, a ideia de utopia, estaria em oposição ao conceito de ideologia: “(...) grupos oprimidos
estariam tão firmemente (intelectualmente interessados) na destruição e na trasnformação de uma dada
condição da sociedade que mesmo involuntariamente somente veem na situação os elementos que tendem a
negá-la.” In: MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972. p.66.
723“Neste caso, o sujeito não é um indivíduo concreto: trata-se de uma 'consciência em si; o mundo não existe
independentemente de nós.” In: MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972.
p. 91-2.
724 Id.
725 Para Mannheim, “mais concreto”. O autor afirma que “o folkgeist”, sentimento popular desenvolvido
(forjado a partir do encontro forçado de “antecedentes mais remotos”) durante e após as Guerras
Napoleônicas, “foi substituído pela consciência de classes sociais.” Sempre está presente o recurso da
escavação na memória passada; o artifício do reemprego dos antigos símbolos tidos como importantes para a
nação. In: MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2.ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1972. p. 93.
726 Id., p.93-4.
316

racionalizadas, desejadas.” As ideologias "arbitrárias”, quando sob crivo crítico, perderiam a


credibilidade. Já as ideologias "historicamente orgânicas", seriam o universo onde se propicia
aquilo que se prova cientificamente, racionalmente: aquela “realidade que é reconhecida por
todos os homens, que é independente de qualquer ponto de vista meramente particular ou de
grupo.”727
Hanna Arendt conceitua as ideologias:

(…) os ismos que podem explicar, a contento dos seus aderentes, toda e
qualquer ocorrência a partir de uma única premissa – são fenômeno muito
recente (…) Somente agora, com a vantagem que nos dá o seu estudo
retrospectivo, podemos descobrir os elementos que as tornaram tão
perturbadoramente úteis para o governo totalitário.
As ideologias são notórias por seu caráter científico: combinam a atitude
científica com resultados de importância filosófica, e pretendem ser uma
filosofia científica (...)728

Hannah Arendt sustenta que as ideologias “são históricas, interessadas no vir-a-


ser e no morrer, na ascensão e queda das culturas, mesmo que busquem explicar a história
através de alguma 'lei da natureza'.”729 Ou seja: são interessadas, totalitárias e utilitárias.
Determinantes da direção do pensamento – as explicações ideológicas são anteriores à sua
própria condição; condição que lhe permite estabelecer uma premissa730, que se dá a conhecer
por uma ideia – o que neutraliza e substitui os questionamentos dos pensamentos filosóficos,
nos regimes totalitários. Ortega y Gasset reforçava já o utilitarismo da ideologia quando
apontava no que chamava de “coisas esquisitas” (como o Sindicalismo e o Fascismo) a
imposição pela força do hermetismo para “acabar com as discussões”; a imposição de ideias –
que deveriam ser aceitas, pela “razão da sem-razão.(...) O homem-médio encontra-se com
'ideais' dentro de si, mas carece da função de idear.”731
Existe uma ideologia na preocupação com a criação e organização de acervos –
portanto, de conhecimentos, pautando-se no cientificismo -, na passagem da década de 1920
para a de 1930, até os anos 1940.732 Por um lado, como se viu, os regimes totalitários
727 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. 2.ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2001. 6v.
728 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 520.
A autora ajunta que “Uma ideologia é bem literalmente o que o seu nome indica: é a lógica de uma ideia. O
deu objeto de estudo é a história, à qual a 'ideia' é aplicada. (…) o resultado dessa aplicação (…) é a
revelação de um processo que está em constante mudança. In: ARENDT, Hannah. As origens do
totalitarismo. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 521.
729 Ibid. p. 521.
730 Ibid. p.522.
731 ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 2.ed. Rio de Janeiro: Ibero-Americano, 1962. p. 130.
732 A concepção de ideologia adotada por Gramsci está ligada a uma certa unificação das supra-estruturas em
torno dos valores históricos do conhecimento e da cultura. O pensador italiano é, sem dúvida, um materialista;
317

buscavam fortalecer a ideia de nacional “importando” para a atualidade valores e glórias do


passado, como um enxerto necessário, urgente. (E mais uma vez Ortega y Gasset faz coro à
ideia, ao lembrar que a Europa de seu tempo precisava de pessoas realmente
“contemporâneas”, que sentissem ainda próxima a História anterior; que não ignorassem o
passado.733 E também quando ele coloca a cultura em oposição à chamada “barbárie” - esta
como ausência de normas que regulem pensamentos; configuração/delimitação de ideias - :
“Não há cultura onde as polêmicas estéticas não reconhecem a necessidade de justificar a obra
de arte”734, num deslocamento de função; no absurdo questionamento do ato – em si - da
criação da obra. Essa sentença resvalaria facilmente para aquilo que Gramsci acusaria, no
julgamento e na classificação cientificista de “espírito (...) cínico, que tende a subestimar a
riqueza do significado das criações culturais.”735 Assim como Hannah Arendt alertava: atrás
das políticas dos regimes totalitários “esconde-se um conceito de poder inteiramente novo e
sem precedentes”, como “desarraigamento e desprezo pelos interesses nacionais e não o
nacionalismo...)”736
Por outro lado... ainda que o fascínio dos “governos fortes” pudesse nublar
mais ou menos o discernimento de intelectuais e artistas, mesmo levando-os, às vezes, a
manifestar perigosas simpatias a essas seduções fáceis, estes acabavam por reforçar o teor de
nacionalismo trabalhando em outra vertente.
Vimos, pelo estudo do nacionalismo na música brasileira, quais eram os
objetivos de Mario de Andrade, quando tencionava dispor material folclórico aos
compositores eruditos contemporâneos. Os motivos, os elementos folclóricos incorporados a
uma composição nacional já livre de europeísmos, resultavam no trabalho bem resolvido de
um Villa-Lobos, por exemplo. Mas vimos também, como teria se estruturado a Discoteca,

seu materialismo, porém, tem uma feição peculiar: está permanentemente atento para a importância da
criatividade do sujeito humano, para o poder inovador dos homens, tal como se expressa nas criações culturais.
Apesar das grandes diferenças, Gramsci tem em comum com Lukács (que ele nunca chegou a ler) um
profundo apreço pela cultura como tal. Na análise do autor dos Cadernos do Cárcere, a ideologia conservadora
dominante estaria se tornando cada vez mais cética em relação aos valores básicos da cultura, do conhecimento,
da teoria em geral, por causa da crise da cultura burguesa, que vem perdendo sua capacidade de exercer uma
verdadeira hegemonia sobre a sociedade. "A morte das velhas ideologias" - anotou Gramsci - "se verifica como
ceticismo em relação a todas as teorias" (GRAMSCI, 1977, p. 312).
Difunde-se um estado de espírito pragmático, imediatista, utilitário, cínico, que tende a subestimar a
riqueza do significado das criações culturais. Generaliza-se uma crise de valores. Em resoluta oposição a essa
tendência, o filósofo não hesitava em reivindicar a "honestidade científica" e a "lealdade
intelectual"(GRAMSCI,1977, p.1.840 e 1.841).
733 ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 156.
734 Id., p.129.
735 Vide nota 732.
736 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 467.
318

quando dos planos gorados para o SPHAN e para a Rádio-Escola. Então, esses não podiam
mais ser os objetivos do Departamento de Cultura, quando seguiu em frente, com o
funcionamento ativo da Discoteca Pública Municipal.

A Discoteca Pública Municipal dispunha, então, partituras e gravações de


música erudita, música folclórica e música popular aos seus consulentes. Os acervos
convivendo no mesmo espaço, seu poder de alcance em estado latente. Haveria um objetivo
definido, ou então, as demais discotecas também apresentariam esse mesmo perfil. Mas não
era assim, como se verá mais adiante, com a menção às discotecas do Rio de Janeiro, na
época.
Mas, e para além de Villa-Lobos? O que vem a ser um acervo, enquanto
múltiplas oportunidades que um público ainda pouco afeito ao desconhecido não explorava
inteiramente, ao mesmo tempo que usuários com perfil de compositores de formação
intelectual poderiam usar mais como material de partida para novas composições? Pode ser
um acervo mais ou menos “vivo”, dependendo da maneira como seja utilizado.
Pelas estatísticas publicadas em artigos de periódicos (vistos acima),
confirmando o Relatório de Oneyda Alvarenga, de 1942, desenha-se, assim, um quadro que,
por sua imutabilidade, mostra a falta de um programa educativo e a resistência resultante da
força de outras ideologias – meio de comunicação de massa, explicação de Mario de Andrade
para a preferência pela ópera italiana.

CONCLUSÕES

Em seu item Descolecionar, do capítulo Culturas híbridas, poderes oblíquos,


García Canclini questiona se a cultura poderia mesmo ser explicada por coleções de bens
simbólicos. Quando nos lembra que: “A formação de coleções especializadas de arte culta e
folclore foi na Europa moderna, e mais tarde na América Latina, um dispositivo para
organizar os bens simbólicos em grupos separados e hierarquizados.”737, remete à função de
guarda da cultura desses espaços que abrigavam coleções. O sujeito que se queria culto,
deveria ter conhecimento das coleções de obras cultas. Para isso, teria de, ao menos, saber
como elas eram organizadas, já que eram voltadas ao público. Hoje, a função desses acervos

737 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 302.
319

teria mudado, uma vez que se admitem mesclas de autorias, materiais; as bibliotecas não são o
único lugar em que se pode ter acesso à(s) leitura(s); etc. Já os acervos de objetos de povos
que tinham outra cultura, compostos de itens simbólicos de indígenas, por exemplo, por sua
constituição em si, já definiam não só o que seria o acervo folclórico - mas o próprio folclore.
Ou seja, foi o estudo que separou em coleções os frutos da manifestação artística/cultural de
costumes distintos que gerou a noção de folclore.

Ao falar da “agonia das coleções”, García Canclini diminui as fronteiras entre


o culto e o popular – e os dois do massivo, concluindo que: “... não há razões para lamentar a
decomposição das coleções rígidas que, ao separar o culto, o popular e o massivo, promoviam
as desigualdades.” De certa forma, se transferimos para a divisão dos acervos da Discoteca – e
na qual Oneyda Alvarenga realizava Concertos de Discos cujo repertório se constituía de
músicas eruditas, quando o acervo dispunha gravações em discos dessa música – mas também
fonogramas e discos de registros de músicas folclóricas (classificadas, na época, mesmo na
Discoteca, de populares), - poderíamos pensar que o foco estava somente num programa
didático voltado para o conhecimento do erudito. Até certo ponto, sem dúvida. Se
vasculharmos um pouco mais, encontraremos programas cujo repertório continha obras dos
músicos eruditos brasileiros, cuja composição já havia incorporado elementos folclóricos, não
de maneira artificial. Mas bem-resolvida. O que dizer de Villa-Lobos? Erudito, sem dúvida.
Mas sua música eivada de influências populares (choros cariocas) e folclóricas (provenientes
de suas pesquisas em lugares de origem.) E o que dizer, então dos autores russos, de Béla
Bartók - e outros tantos? Isso para não mencionar cancioneiros medievais e outras
manifestações musicais nebulosamente datadas apenas com aproximação, quase invisíveis
através das muralhas dos séculos, que apenas permitem entrever se a leitura das partituras era
exatamente a mesma que a execução do que ouvimos nas gravações do século XX... essas
manifestações mais velhas, eram eruditas? Eram populares... folclóricas? Eram afluentes e
tributárias? A caminhada da composição brasileira, por exemplo, mostra a mesma coisa. Aliás,
García Canclini menciona composições do argentino Piazzola (jazz e tango) e do brasileiro
Caetano Veloso738 (poemas concretos e influências afro-brasileiras) como exemplos do que
seria o hibridismo na música atual. Pode-se ainda pensar em Itamar Assumpção, em Egberto
Gismonti, em Tom Jobim...

738 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 304.
320

Mas regressando à Discoteca Pública Municipal e seus acervos, a princípio,


divididos. Pode-se afirmar que, sim, todos os programas de Concertos de Discos, dos quais
foram recuperados e analisados noventa e nove, têm conteúdo erudito. Mas se os programas
de Concertos de Discos visavam, como claro deixou Oneyda Alvarenga em Como ouvir
música, citado acima, em que se procurava levar o ouvinte a concluir a História Social da
Música por meio da imensa amostragem de músicas, deixaram entrever também – mesmo
porque Oneyda lia textos explicativos durante as apresentações – quando determinadas
composições traziam origens folclóricas – como foi o caso do programa em que se ouviu Béla
Bartók, aos 30 de dezembro de 1953 – e outros tantos (ver Programas da Discoteca.) Poderia
ser o sinal de que a audição com foco didático encaminharia seus propósitos a uma visão
geral, ao longo do tempo e, se ampliando seus repertórios, chegasse, na prática, onde
Canclini739 indica: ao hibridismo, no caso, musical. Enfim, a ação didática de Oneyda
Alvarenga como diretora da Discoteca Municipal, quando realizava seus concertos de discos,
era a síntese efetiva, na prática, daquelas pesquisas todas efetuadas por Mario de Andrade e
vistas no Capítulo 3: uma síntese aberta ao infinito, porque infinitas eram as combinações de
obras que compunham os programas públicos, como também é infinito o campo das
composições musicais. E tudo isso resultava na eterna reconstituição da História Social da
Música, como se os repertórios todo o tempo de desmontassem e voltassem a se recompor, em
outro momento, de outra forma. Se isso foi possível, foi porque já era possível, àquela época,
também formações teóricas multifacetadas, atentas ao estudo da Sociologia, por exemplo -
como se deu com a formação de Oneyda Alvarenga, folclorista e estudiosa que logrou
entender (e usar) o poder socializante da música. Como já foi expresso acima, Mario de
Andrade dava ênfase ao que chamava de “força social” emanada desse ramo da arte: essa
“força” como base para a função social e a função pedagógica das discotecas, que
possibilitavam a disseminação do conhecimento da música.

O próprio contexto da industrialização gerava uma situação de hibridismo nas


relações sociais e econômicas: havia os imigrantes de várias culturas (trabalhadores já
conscientes das condições de exploração, tanto no campo, quanto nas fábricas), mesclando-se
ao antigo colonizador branco (no Brasil, o português); ao negro, cujos traços fortes da cultura
africana (de várias nações e tribos) já se haviam arraigado em todos os aspectos da vida; ao
elemento indígena, cujos resquícios de língua e manifestações culturais talvez não fossem tão

739 Ibid., p. 26-7.


321

tênues como pudessem parecer. As relações, saídas há relativamente pouquíssimo tempo


histórico daquelas práticas da escravidão, agora eram multiplamente complexas. Pobres, ricos;
proletários, cafeicultores, industriais; estrangeiros, brasileiros (na passagem da década de
1920 para a de 1930, quem eram os brasileiros?) Como entender a cultura nesse tecido
entrecruzado de classes, linguagens, culturas, artes, poderes (oblíquos), quando todos os fios
que formavam o todo recebiam continuamente influências uns dos outros? A sociedade era
feita de mestiços – e a mestiçagem não era apenas racial; era cultural, mais do que tudo; de
pessoas que transmigravam de classe social; as artes eruditas procurariam eivar-se de matizes
folclóricos (na época, chamados populares); a arte popular tentava ostentar traços de
erudição... onde residiam os bens culturais, para onde se destinavam, depois de recuperados,
guardados e oferecidos ao público? Eles se deixavam congelar em arquivos, bibliotecas,
museus, discotecas? E depois de devidamente armazenados, classificados e catalogados, como
deixariam sua (aparente) estagnação e como desencadeariam ações culturais? Eles
desencadeariam desdobramentos na área cultural, de fato? Dentro da esfera da Discoteca
Pública Municipal, podem-se avaliar alguns aspectos, quando Oneyda Alvarenga, analisando
estatísticas de uso do acervo erudito, por exemplo – e isso para destacar um recorte no todo -,
chegou a algumas conclusões que remetiam à necessidade de se pensar e agir com maior
amplitude, como se viu em seu relatório da Discoteca, de 1942, sobre dados coletados até
1941.

Com o decorrer do tempo pode-se analisar a intersecção entre vários setores e


artes – as artes não apenas a partir do ponto de vista da estética; mas de vários setores (crítica,
jornalistas, colecionadores, empresários...) e da cultura, no geral. Na intersecção entre as
próprias manifestações artísticas e/ou culturais, constatam-se as inevitáveis deficiências que
se revelam em aspectos de um Estado forte (de direita, ou de esquerda, se em época de guerra,
de revolução, ou de entreguerras, ou seja, conforme os interesses do poder, num dado
momento histórico) ao gerir a cultura, em instituições organizadas dentro de critérios rígidos
de uma ordem que se despedaça. Mas, naquele momento, acreditava-se que era urgente
divulgar o conhecimento do patrimônio artístico e cultural.

“Para não limitar a questão do consumo cultural ao registro empirista dos


gostos e opiniões do público, é preciso analisá-la em relação a um problema central da
modernidade: o da hegemonia.”740 Como García Canclini trata da reorganização da secular

740 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
322

sociedade, o movimento perene das vanguardas e da expansão econômica e cultural, para ele
existe dificuldade em se constituir sociedades unificadas por um consenso; pelo contrário, elas
só se fazem coerentes a partir de imposição. Seria difícil conciliar as diferenças
democratizando as relações sociais - por si, desiguais e complexas em sua desigualdade. E
mais difícil ainda é avaliar a relação público/bens culturais. Canclini analisa a quase
impossibilidade de controle das instituições culturais sobre os resultados de seus serviços:

Existem estatísticas de frequência de público em algumas instituições e


pesquisa de mercado dos meios massivos. Nem as instituições nem a mídia
costumam averiguar quais os padrões de percepção e compreensão a partir
dos quais seus públicos se relacionam com os bens culturais; menos ainda,
que efeitos geram em sua conduta cotidiana e em sua cultura política.741

E o autor vai ao encontro das conclusões de Oneyda Alvarenga, quando


escreve:

Avaliar a eficácia das tentativas democratizadoras requer investigar


qualitativamente o consumo cultural. Em que medida as campanhas
educativas, a difusão da arte e da ciência, permearam a sociedade? Como
cada setor interpreta e usa o que a escola, os museus e a comunicação
massiva querem fazer com eles?742

Em vários países latino-americanos, ser culto foi entendido pelas elites liberais
governantes como uma tarefa individual. Houve campanhas de alfabetização em massa e de
educação popular, mas as obras dos artistas e escritores não se inseriam facilmente no
patrimônio coletivo, porque se formaram frequentemente em oposição às culturas populares.
Há que se entender ainda que o conceito de “massa” pelo pensador Ortega y Gasset, na
década de 1930, em oposição às “minorias”. A massa sendo constituída pelo homem-médio743
(e Ortega y Gasset alerta para o fato de essa massa não concidir com a massa proletária), teria
seus anseios peculiares. “Massa” era ainda um conceito novo, aparecendo pela primeira vez
como elemento forte, capaz de se rebelar e exigir bens (no caso, nos interessam os bens
imateriais, relativos à cultura.) E já que Canclini aborda justamente as relatividades culturais,
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 140.
741 Id.
742 Ibid., p. 141.
743 ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibero-Americano, 1962. p. 62.
323

cabe a questão aberta no contexto em que as massas começavam a dar voz a seus “gostos”.
Cabe a questão dos preconceitos acerca das demandas artísticas, das decisões das “minorias”,
constituìdas por “indivíduos isolados, que por coincidência apresentam características que os
excluem/diferenciam da 'massa'”744 (das multidões.) Pois bem: entra ainda a visão, elitista e
posterior, impregnada de preconceitos – um exemplo, entre muitos, seria o da classificação do
canto gregoriano (do qual Oneyda vez por outra se serviu para montar seus Concertos de
Discos) como “música erudita”, sendo que esse conceito seria “novo”. Mas tal classificação,
definida a partir de certo ponto histórico por especialistas, e portanto “minoria”, foi imposta
ao ouvinte leigo (“homem-médio” que compunha a “massa”.)

Trazendo esses pontos mais para a atualidade, García Canclini pressegue,


falando sobre a supremacia com que é encarada a cultura escrita sobre a visual – no caso,
sobre as outras manifestações culturais:

(…) nos países que chegaram primeiro a uma discreta taxa de alfabetização,
onde a formação da modernidade esteve nas mãos de elites que
superestimaram a escrita. Na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, a
documentação inicial das tradições culturais foi realizada mais por escritores
– narradores e ensaístas – que por pesquisadores da cultura visual. (…)
Oswald e Mário de Andrade inauguraram o estudo do patrimônio folclórico e
histórico, ou o valorizaram e o conceberam pela primeira vez dentro da
história nacional. Esse olhar literário sobre o patrimônio, inclusive sobre a
cultura visual, contribuiu para o divórcio entre as elites e o povo. Em
sociedades com alto nível de analfabetismo, documentar e organizar a
cultura privilegiando os meios escritos é uma maneira de reservar para as
minorais a memória e o uso dos bens simbólicos. Mesmo nos países que
incorporaram, desde a primeira metade do século XX, amplos setores à
educação formal, como os que citamos, o predomínio da escrita implica um
modo mais intelectualizado de circulação e apropriação dos bens culturais,
alheios às classes subalternas, habituadas à elaboração e comunicação visual
de suas experiências.745

Ainda que se refira a público de museus, García Canclini746 analisa a


situação da “oferta” da cultura a determinados públicos, quando ocorrem “desencontros entre
modernização social e modernismo cultural, entre política de elite e consumo massivo, entre
inovações experimentais e coletivização cultural.” Canclini nos alerta para o perigo de se

744 Id.
745 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo :
Edusp, 1997. 385p. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 142-3.
746 Ibid., p.149-150.
324

julgar determinado público por critérios muito generalizados, sem se levar em conta a
heterogeneidade desse público e de seu comportamento igualmente heterogêneo diante de um
bem cultural: “Sobretudo nas sociedades complexas, em que a oferta cultural é muito
heterogênea, coexistem vários estilos de recepção e compreensão, formados em relações
díspares com bens procedentes de tradições cultas, populares e massivas.” - como seria o caso
dos países da América Latina.747

(…) o estudo, que propomos como referente para avaliar as políticas


culturais, não pode restringir-se a conhecer os efeitos das ações
hegemônicas. Deve problematizar os princípios que organizam essa
hegemonia, que consagram a legitimidade de um tipo de bem simbólico e de
um modo de se apropriar deles. Uma política é democrática tanto por
construir espaços para o reconhecimentos e o desenvolvimento coletivos
quanto por suscitar as condições reflexivas, críticas, sensíveis para que seja
pensado o que põe obstáculos a esse reconhecimento.748

Ao colocar as políticas culturais dessa forma, García Canclini cogita se o foco,


hoje, deve ser a redução das desigualdades entre classes, etnias ou grupos a que se dirigem os
bens culturais a diferenças.

Até que ponto se pode aplicar esse pensamento à organização da documentação


musical – e num acervo em que se separava o popular (folclórico) do erudito? Deve-se pensar
que a presença desses acervos desenvolvidos e mantidos lado a lado, na Discoteca Pública
Municipal de São Paulo, foi planejada com o objetivo primeiro de atender o músico
profissional (de formação erudita) do Brasil, proporcionando-lhe um celeiro de músicas de
origem folclórica com a função não outra que ajudar a acelerar a definição da composição
nacional. Também não se pode esquecer que o papel que coube à Discoteca de São Paulo era
destinado, a princípio, a uma instituição federal – e não municipal. Mas como se viu acima,
não foi possível.

No momento da proposta do projeto inicial, a suposição era de que, apesar de


todo o trabalho em torno da disseminação do saber musical, mediante a organização da
documentação, na Discoteca Pública Municipal de São Paulo e de todo o empenho da diretora
da instituição, Oneyda Alvarenga houvesse desaparecido, no cenário histórico que se sobrepôs
àquela realidade dos anos 1930 e 1940.
747 Ibid., p. 150.
748 Ibid., p. 157.
325

Depois de verificadas fontes reveladoras, encontradas sobretudo no Centro


Cultural São Paulo, no entanto, a visualização da musicóloga mudou; Oneyda Alvarenga foi
alvo de reconhecimento, desde pontos de vista críticos e sérios.

Pelas décadas de 1950 e 1960 (Oneyda Alvarenga se aposentou em 1968),


jornalistas requisitavam opinião crítica da diretora da Discoteca Pública Municipal a respeito
de literatura. Oneyda, porém, declarava que não se considerava apta para tanto. Ela chega a
afirmar que dar sua opinião era o mesmo que “meter sua colher torta” no assunto. Enfim, qual
o motivo que levaria Laís Corrêa de Araujo, jornalista de Minas Gerais, a inquirir Oneyda
Alvarenga sobre nada menos que a obra do medalhão João Guimarães Rosa? Fato é que
Oneyda Alvarenga já era considerada poeta de Minas Gerias, reconhecida por Mario de
Andrade, Manuel Bandeira, Koellreutter, Rosário Fusco; folclorista reconhecida como grande
estudiosa por Roger Bastide, Câmara Cascudo, Antonio Alatorre – e muitos outros 749. A
imprensa também continuou a respeitar o peso que Oneyda Alvarenga dava ao enfoque do
coletivo, em detrimento do individual, no universo da cultura e sua divulgação.

Também a inesperada (e feliz) descoberta de noventa e nove programas de


Concertos de Discos, no Centro Cultural São Paulo – recuperados, dentre um número maior,
dados acima o balanço dos que se perderam, ao longo do tempo –, assim como de trinta e
sete750 dos textos que acompanhavam concertos realizados (sendo que trinta e seis deles, nos
anos 1950), descortinou a prática da diretora da Discoteca e musicóloga, ação resultada das
muitas leituras e estudos também rastreadas e expostas no capítulo 3, como já foi mencionado
acima. Refazendo o caminho das leituras na biblioteca da casa de Mario de Andrade, desde as
mais antigas edições de livros sobre História da Música, até as mais modernas (e até hoje
atuais) publicações de periódicos sobre, por exemplo, rádio-escolas, Oneyda Alvarenga
logrou contemplar obras de mestres da música, em seus repertórios de audições públicas.
Sempre procurou refazer, com essas montagens aparentemente aleatórias, a história social da
música, no conhecimento coletivo. Afinal, a história da música é, antes de mais, nossa história
- como afirma o musicólogo inglês Nicholas Cook751, depois de subverter a ordem

749 Vide Anexo A, p. 339-51 desta dissertação: ALVARENGA, Oneyda. [Como encara Castro Alves na
literatura brasileira]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem indicação de
entrevistador.Entrevista. Datiloscrito, 14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 – (da mesma
forma) Consultada cópia xerográfica.
750 Destes textos, se mostraram neste trabalho o exemplo de dois.
751 COOK, Nicholas. De Madona al canto gregoriano: uma muy breve introducción a la música. Madrid :
Alianza, 2005. 181 p. Humanidades. Música.
326

cronológica adotada pelas convencionais Histórias da Música. Foram as conformações


históricas, sociais, econômicas, as necessidades culturais das pessoas, em diferentes épocas
que, afinal das contas, determinaram como seriam as composições musicais; para quê se
destinariam. E não, como se pregou, ao contrário, durante tanto tempo, uma fieira de obras
chamadas eruditas, com o poder de formar, a partir de uma escada evolutiva
cronologicamente, os cânones a serem aprendidos e aceitos, como um universo deslocado de
nós. Ora, tudo isso, se Oneyda Alvarenga se preocupou em disseminar a consciência da
História Social da Música – e não apenas da História da Música – era base para o formato
que adotaram os repertórios dos Concertos de Discos daquela instituição criada dentro do
Departamento de Cultura dos anos 1930.

A estatura da musicóloga, da folclorista, da poeta e da organizadora da


Discoteca Municipal tomou suas devidas proporções e a imagem “injustiçada” cedeu lugar a
contornos de uma profissional atuante em várias áreas. Se no Capítulo 1 desta dissertação os
comentários muitas vezes singelos de Oneyda Alvarenga transparecem em cartas a Mario de
Andrade, logo depois de assumir a função de diretora da Discoteca, sua identidade se adensa.
Sua rápida apreensão da musicologia e domínio da linguagem científica marcarão todo seu
pragmatismo no âmbito da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, assim como sua
maestria no campo das pesquisas sobre danças e músicas folclóricas.

Da mesma forma, a Discoteca deixa sua limitada condição de uma organização


que, por motivos políticos e sociais, teve seu alcance congelado, em vários momentos; por
diversos motivos; sob muitos aspectos - dependendo do contexto. Os estudos que se realizam,
nesse sentido, no decorrer do tempo, mostram a dinâmica na aparente imobilidade de um
conjunto de documentação. A organização e a disseminação da informação, por si só, trazem
constante inquietação; a marca mesmo da iniciativa de grupos que pretendem a divulgação de
bens culturais como direito de todos, num determinado período, já é suficientemente
catalisadora de reflexões que interferem indefinidamente nas estruturas sociais, históricas,
culturais – humanas.
327

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quatre volumes. 3.ed. Paris: Max Eschig, 1925. v. 1.

_________________. Histoire de la musique depuis l'antiquité jusqu'a nos jours en


quatre volumes. 2.ed. Paris: Max Eschig, 1925. v. 2.
339

ANEXO A753

ALVARENGA, Oneyda. Oneyda Alvarenga: referências críticas. [Trechos de críticas escritas


em correspondências e de artigos publicados em periódicos, sem assinatura.] Datiloscrito,
[1938/68], cópia carbono, 10 p. Doc. 8069 - (da mesma forma) Consultada cópia xerográfica.

“ONEYDA ALVARENGA - REFERÊNCIAS CRÍTICAS

Agradeço-lhe o oferecimento da separata de seu trabalho sobre Mario. É das


coisas mais altas que já se escreveram sobre ele, e creio que você penetra a fundo nas
preocupações e ideias da fase final do nosso extraordinário amigo. A mim, sua página
comoveu, e muito.”
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, carta de 8-4-1947)

“(...) je vous pris d'agréer nos remerciements très sincéres et nos félicitations
pour le travail realisé jusqu'à présent par des enregistrements d'une grande importance
linguistique.(...) Nous nous proposons de publier un compte rendu sur cette admirable activité
scientifique.”
(PROF. SEVER POP, Secretário da Commission d'Enquête Linguistique, Sous-division du
Comité International Permanent de Linguistes, Louvain.) (Carta de 27-12-1955)

“Penetramos agora no mundo das mulheres que se voltaram para os estudos e


as pesquisas de ordem literária, biográfica ou folclórica. É um mundo restrito quanto à
quantidade, mas selecionado quanto à qualidade. (…) Não se pode atualmente falar em
folclore sem referência obrigatória aos trabalhos de Oneyda Alvarenga e de Maria Amalia
Correia Giffoni.”
(Alcântara Silveira – “Presença Feminina da Literatura Nacional – II”. Suplemento de “O
Estado de São Paulo”, 25-1-1968754.)

“A poetisa de 'A Menina Boba' é uma das mais belas vozes da nossa poesia.”
(…) o compositor Koellreutter nos deu uma bela notícia, escreveu um ciclo de noturnos
atonais com versos de Oneyda Alvarenga, para contralto e piano.”

753 Documento do Arquivo Histórico da Discoteca do Centro Cultural São Paulo.


754 Ano em que Oneyda Alvarenga se aposenta.
340

(Edemundo Lys - “Noturnos atonais”, “O Globo”, [R]io, 17-3-1945.)

“Da Academia Brasileira de Música constam como membros fundadores três


mulheres: Oneyda Alvarenga, conhecida folclorista e chefe da Discoteca Pública Municipal,
Helza Cameu, professora e compositora, e Dinorá de Carvalho.”
(Luis Ellmerich - “A mulher na música.” “Diário de S. Paulo, 24-4-1966.)

“Oneyda Alvarenga, chefe da Discoteca Municipal é conhecida pelos seus


trabalhos no setor folclórico, incluindo a compilação das notas deixadas por Mario de
Andrade que r[esga?]tou na obra em três tomos “Danças Dramáticas do Brasil” (Livraria
Martins Editora) e [um] notável estudo “Música Popular Brasileira” que teve sua segunda
impressão no ano passado.
(Editora Globo).” (Luis Ellmerich - “Música/Conselho Nacional do Folclore”. S. Paulo, “O
Dia”, 27-4-1961.)

“(...) trazemos hoje à Roda Gigante a mineira (de Varginha) Oneyda Alvarenga,
autora de valiosos trabalhos sobre folclore, a excelente poetisa de “A Menina Boba”, diretora
da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, cuja bibliografia enriqueceu com inúmeros
ensaios seus e a cuja organização vem dedicando há anos seus melhores esforços.”
(Laís Correia de Araujo - “Roda Gigante/Conversa com o Escritor”. “O Estado de Minas”,
Belo Horizonte, 11-2-1962.)

“Os seus livros e as suas numerosas monografias, quase sempre versando sobre
folclore fizeram de sua autora acatadíssima autoridade, das maiores que possuímos nessa
ciência social, e, como ocorre também com Elza Cameu, forrada de sólida base musical e
musicográfica.”
(“Academia Brasileira de Música/Cadeira nº7. Fundadora: Oneyda Alvarenga. “Jornal do
Comércio”, Rio, 28-5-1961.)

“Música Popular Brasileira é apontado como o primeiro livro no Brasil a fazer


uma análise sistemática da música popular. Realmente, ele não se limita à mera descrição e
procura determinar as fontes das nossas melodias e danças folclóricas.“ (“Reisados e
341

Cheganças em Espanhol”. Entrevista feita por Jorge Andrade. “Visão”, S. Paulo, 26-8-1960.)

“Seu trabalho é impressionante. A publicação total da documentação da


Discoteca de São Paulo constituirá uma das contribuições mais importantes de que tenho
notícia, nesse domínio do Folclore Musical.”
(Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, chefe da Divisão de Música da Unesco.)

“(...) o pesado trabalho que a senhora se impôs é compreendido, apreciado, e


são numerosos os que lhe devotam um profundo reconhecimento.”
(Roger Bastide)

“Oneyda Alvarenga, um dos mais notáveis discípulos de Mario de Andrade, no


setor do folclore musical brasileiro, sua pesquisa, identificação e sistemática, escreveu esta
obra realmente notável – 'Música Popular Brasileira', com a qual conquistou em 1945 o
prêmio 'Fábio Prado', obra primeiramente publicada em língua espanhola, na coleção Tierra
Firme, do México, em 1947. O presente volume é uma excelente reimpressão da Editora
Globo (…) A autora – Oneyda Alvarenga (…) É um dos mais autênticos valores culturais da
atualidade brasileira.”
(“A Gazeta/Página Literária”, 20-8-1960.)

“Há tempos, o crítico Andrade Muricy observou que a música popular


brasileira era um cipoal a ser desbravado. Decisiva contribuição para tal desbravamento
constitui o livro 'Música Popular Brasileira', de Oneyda Alvarenga, que ora surge em nova
edição. Contribuição autorizada que vem abrir novos caminhos para o conhecimento da
matéria. Esse estudo, que valeu à autora o prêmio 'Fábio Prado', é no gênero o mais completo
de que dispomos. Traçado com o escrúpulo e o amor à pesquisa que caracterizam a antiga
colaboradora de Mario de Andrade, constitui admirável trabalho de síntese e de análise
sistemática. (…) Tudo isso, condicionado à capacidade de interpretação da autora, resultou
numa obra já, agora, de consulta indispensável para os que pretenderem entrar em contato
com o assunto (…).“
(Rolmes Barbosa - “A Semana e os Livros”. “O Estado de S. Paulo”, Suplemento Literário,
9-7-1960.)
342

“A música popular brasileira parece ressentir-se ainda de estudos que a


pudessem historiar e analisar em perspectiva de maior generosidade. (…) É por isso que se
deve saudar como grande acontecimento a reedição que a Editora Globo nos dá do precioso
estudo de Oneyda Alvarenga, 'Música Popular Brasileira', já traduzido para o castelhano e
para o italiano. Trata-se de um livro fundamental para a história da nossa música e que há
muito tempo desertara das livrarias, transformando-se mesmo em raridade bibliográfica de
grande interesse para os comerciantes de livros raros. (…) Este critério de Oneyda Alvarenga,
a que se somam outros libertos de certos prejuízos de escola (sem que isso exclua,
evidentemente, o caráter científico do seu estudo) é que dá à sua 'Música Popular Brasileira'
uma grandeza histórica de especial significação. (…) Dificilmente podemos apontar, em
nosso campo musical, trabalho de tanta largueza de vistas, mesmo se sabendo, no caso
particular do folclore, que ele ainda é, entre nós, um 'cipoal bravo', na expressão de Andrade
Muricy. (…) Oneyda Alvarenga conseguiu a síntese, enriquecendo-a com enorme material
recolhido não só em trabalhos esparsos, num louvável esforço de pesquisa em fontes
impressas, como diretamente nos meios em que vinga esse material de caráter musical. E o
resultado foi este livro que honra a nossa musicografia. “
(Leonardo Arroyo. “Vida Literária/Música Brasileira”. Folha de S. Paulo, 3-7-1960.)

“O vezo nacional de ignorar coisas nossas faz que não se conheça devidamente
a Discoteca Pública Municipal de São Paulo cujo renome, contudo, ultrapassou de há muito as
fronteiras do país. Em sua última edição, organizada pelo musicólogo inglês Eric Blom, o
'Grove's Dictionary of Music and Musicians' (Londres, MacMillan and Co. Ltd., 1954) – o
mais importante e completo dos modernos dicionários de música – se refere a ela em termos
altamente elogiosos nos verbetes dedicados a Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga,
responsáveis pela criação e organização do instituto. Tal fato, refletindo a projeção
internacional alcançada pelo trabalho paulista, ao mesmo tempo que traduz uma homenagem
justa constitui também um incentivo para que mais uma vez se medite no que vem sendo
realizado no sentido de uma revalorização e de uma retomada de contato com a prata da
casa.”
(Alberto Soares de Almeida - “Música/Prata da Casa”. “O Estado de S. Paulo”, 2-2-1957,
Suplemento Literário.)
343

“Um desses livros, por exemplo/ “Música Popular Brasileira/ o estudo de


Oneyda Alvarenga sobre a música popular brasileira, recentemente impresso pela Livraria do
Globo de Porto Alegre, em português, e pelo Fundo de Cultura Econômica do México, em
castelhano, já tem sido considerado por alguns entendidos como obra-mestra no assunto. Sem
querer ser (…) cururueiro de uma toada só, como lá dizem os meus amigos cantadores de
Cuiabá, venho hesitando em abordar, nestes artigos, uma obra que anda longe das minhas
searas. Se a abordasse, seria possivelmente com aquele espírito de boi ladrão, não com a
perícia e capacidade da 'crítica construtiva', como se diz, revelados nos importantes
comentários que o livro sugeriu ultimamente a Augusto Meyer.” (Sergio Buarque de Holanda
- “Livros Premiados”. Folha da Manhã”, S. Paulo, 28-12-1950.)

“La colección “Tierra Firme”, que nos ofrece en cada uno de sus números un
nuevo momento de la realidade hispanoamericana, se há enriquecido ahora com un excelente
estudio sobre la música popular brasileña, libro indispensable que aparece precisamente
cuando musicólogos y folkloristas se esfuerzan en llegar, por medio de análises comparativas
a una gran obra de síntesis sobre la música popular de Hispanoamerica.
En el mismo Brasil – nos atrevemos a asegurarlo – no había hasta hoy una obra
como ésta.
(Antonio Alatorre - “Música Popular del Brasil”. Cuadernos Americanos” nº 2, marzo-abril
1948, Mexico.)

“Es una de las primeras obras publicadas em América que da uma visión clara
y precisa de la música popular de un país, desligándola de la música erudita. Se aleja
fundamentalmente de aquellas obras de tipo histórico estudiadas cronologicamente, y más se
queda circunscrita a un propósito claro y definido que se descubre en el transcurso: [no?] un
panorama general de lo que los que no somos brasileños pensaríamos encontrar como música
característica en el Brasil (…).
Con la publicación de Música Popular Brasileña de Oneyda Alvarenga, el
Fondo de Cultura Económica acaba de proporcionar a los lectores de Tierra Firme, como en el
caso de La Música en Cuba de Alejo Carpentier, uma muestra elocuente de lo que puede
hacerse en cada país, a fin de aquilatar la música de América.”
344

(Vicente T. Mendoza - “Revista de História de América” nº 24, dezembro de 1947, México.)

“Oneyda Alvarenga publie aujourd'hui le catalogue de ce Musée / da Discoteca


Pública Municipal de S. Paulo /. C'est un travail consideráble ne réunissant pas moins de 235
magnifiques clichés, abondament commentés. La plupart des pièces reproduites sont relatives
au culte afro-brésilien dans le nord-est du Brésil, 'macumba', 'xangô', 'candomblé'. Sur ces
cérémonies magiques (…) le recueil publié offre ao sociologue, au folkloriste et à l'artistes des
documents incomparables.”
(“Arts”, Paris, 21-9-1951.)

“El rápido y descarnado esquema que trazamos de esta obra densa y rica de
materia / “Música Popular Brasileña”/ refleja inadecuadamente su contenido. Es el cuadro
más [?] que se haya escrito sobre la música brasileña. Los fundamentos son sólidos. Cada
detalle es el producto de una seria rebusca, cada afirmación una meditada sínteses y [?] una
imagen en que los elementos se integran con la veracidad de una escuesta científica,
conducida con un severo método, y animada por un espíritu inteligente que [?] animar el
relato y valorizar los resultados em uma jerarquia musicológica y conceptuada [?]
(Eugenio Pereira Salas, “Revista Musical Chilena”, nº 40, verão de 1950-1951.)

“Profitons de cet article pour rendre hommage em passant à D. Oneyda


Alvarenga qui [?] la publication des documents de la Discothèque de S. Paulo,
particulièrement l'expédition Mario de Andrade dans le Nord du Brésil. Il faut dire la
reconnaissance [?] les afrologues pour ce travail entrepris et mené avec beaucoup de soin.”
(Roger Bastide – Études Afro-américaines”. “Sociologia”, vol. XI, nº 2, 1949.)

“(...) publicações valiosas sobre nossa música afro-brasileira, organizadas com


cuidado verdadeiramente científico, com detalhadas indicações sobre o meio e os elementos
em jogo, tornando-se, pois, um manancial verdadeiramente admirável e de feitio ainda,
infelizmente, assaz raro em estudos referentes a nossos feitios musicais.” (Otavio Bevilacqua
- “Oneyda Alvarenga”. “O Globo na Música”, Rio, 7-5-1949.)

“Do exposto vê-se a importância da publicação comentada, com mais de meio


345

milhão de documentos ora oferecidos aos folcloristas e musicólogos. Não hesitamos em


constatá-la, guardadas as proporções, e talvez mesmo por uma causa destas, um monumento
da música nacional, de importância comparável à do Boletim Latino-Americano. E conforta
lembrar ser esse um trabalho que continua a presença de Mario de Andrade em nossa cultura.”
(“Estado de S. Paulo”, 20-4-1949.)

“O folclore musical do Brasil há muito tempo necessitava de uma contribuição


séria que o divulgasse, dentro da estrita observância dos preceitos científicos. (…) Agora
pode-se dizer, sem receio de exagerar, que esse importante capítulo da nossa etnografia acaba
de ser honrado com uma contribuição digna de nota. (…) Refiro-me à recente obra escrita por
Oneyda Alvarenga, chefe e organizadora da Discoteca do Departamento de Cultura da
Prefeitura. (…) Honrando a literatura etnográfica, a sra. Alvarenga merece, pois, o nosso
desmedido aplauso.”
(Fernando Mendes de Almeida - “Importante obra acerca de nosso folclore musical”. Diário
de S. Paulo, 11-1-1948.)

“Em carta e conversa Mario de Andrade citava Oneyda Alvarenga como uma
estudiosa legítima, no plano aquisitivo, selecionador, e com os valores de saber procurar,
escolher, decidir e criticar sem bombo de arraial, foguete do ar e sirene de cinema. (…)
Oneyda Alvarenga é uma pesquisadora em quem podemos confiar, cento por
cento. O trabalho de sua colheita, de mãos absolutamente limpas e sem os truques de achar-o-
que-se-levou, completa os fundamentos da sua cultura séria e ágil, cada vez mais apta e pronta
ao exame e utilização do que possa encontrar e ver. Está realizando trabalho de várias
pessoas.”
(Luís da Câmara Cascudo - “Acta Diurna / ONEYDA”. Diário de Natal, 5-5-1948[?])

“A sra. Oneyda Alvarenga fez, nesse trabalho / “Cateretês do sul de Minas


Gerais”/ (…) obra objetiva, e tão científica de caráter quanto é possível nesse terreno, isso
sem renúncia do senso crítico. (…) É um excelente trabalho.”
(Andrade Muricy - “Pelo Mundo da Música”, Jornal do Comércio, Rio, 27-4-1938.)

“Mario de Andrade comentava: 'Admire a realização rítmica, a intimidade


lírica. A[?] estes versos de uma suavidade admirável e duma graça de expressão, sutileza de
346

sentimento, equilíbrio de composição muito raros em nossa poesiada fácil. (…)' Mario de
Andrade tem razão. É raríssimo encontrar um lirismo tão ardente e tão íntimo, mas ao mesmo
tempo tão perfeitamente controlado, um sentimento tão despido de sentimentalismo em nossa
poesia. Os nossos poetas são em geral ou sensuais ou sentimentais. Mas esse sentimento
depurado como uma chama de diamantes, nota comum na poesia inglesa e que é afinal
quintessência da melhor poesia amorosa e encontramos sempre nos grandes líricos, [?] de
Joyce de Chamber Music ao Saadi do Jardim das Rosas, num Camões mesmo quando fala da
preta Bárbara, isso fia mais fino...
Como este Brasil é cheio de surpresas: Encontrei a primavera no Ceará;
encontrei poesia mais grave, mais sutil e meditativamente terna, numa mineirinha de
Varginha: Oneyda Alvarenga.”
(Manuel Bandeira - “Primavera e Poesia”. Diário da Noite, Rio, edição da primavera.)

“Menina boba, que 'devia ter nascido andorinha'. Mas como poeta a exprimir
todos esses anseios de comunhão com o mundo, é inteligentíssima. Uma economia
esclarecida dos recursos verbais, o equilíbrio rítmico, a escolha apurada das imagens dão aos
seus breves poemas uma realização técnica impecável.”
(Manuel Bandeira/ Notícias de Livros – Nota sobre a [“]Menina Boba”. Para Todos, nº 3,
Rio, abril de 1939.)

“Oneyda Alvarenga pertence à linhagem espiritual de um Emilio Moura, como


[ele?] e como Cruz e Souza (mestre remoto de ambos) 'que tudo em derredor oscile' para
melhor permanecer fiéis à sua arte e ao seu espírito. Por isso, depois que as modas literárias
passaram e os profetas da decadência da poesia verificarem que só carecemos de bons poetas,
a sta. Oneyda Alvarenga ainda será lida com prazer infinito. Pois 'Menina Boba' é um livro
admirável e com ele a sua autora se incorpora, de uma vez por todas, entre nossos maiores
poetas de hoje.”
(Rosário Fusco: Vida Literária / A poesia e o Sonho, Diário de Notícias, Rio, 26-6-1938.)

“1938 é porém um anno mais fecundo. Em menos de seis meses já se


publicaram pelo menos dois livros dignos de registo 'A Menina Boba' e 'Porto Inseguro'.
Oneyda Alvarenga, a menina boba, dá-nos um primeiro livro tão despido de literatura, tão
347

puro e tão simples, tão feminino na emoção e na expressão, que por mais de uma vez o leitor
se comove e para para reler, para cantarolar quase.”
(Sergio Milliet - “Poetas Novos de S. Paulo”. O Estado de S. Paulo, ?-1938.

“Foi com sincera alegria que encontrei nesse trabalho / Comentários a Alguns
Cantos e Danças do Brasil/ um começo, solidamente lançado, duma tipologia da música
popular brasileira. (…) Não se trata de rápidos verbetes de dicionário. Alguns dos
comentários constituem breves mas substanciosos artigos. (…) Oneyda Alvarenga limitou-se
a comentar alguns gêneros. Por que não completa o quadro? Eis um precioso trabalho a
realizar. [Se] bem que terá de se embrenhar num cipoal bravo. Valerá a pena, porém, e terá
prestado imenso serviço.”
(Andrade Muricy - “Pelo Mundo da Música”, folhetim do Jornal do Comércio, Rio, 27-5-
1942.)

“Recebi o seu grande e modelar livrinho mexicano/”Música Popular


Brasileña”/, [cuja] edição provavelmente conheci antes de você, pois vi-a, em novembro, no
México, antes de estar distribuída às livrarias. Meus cumprimentos os mais calorosos. Você
não sabe a que ponto admiro o seu método, a sua honestidade científica, a clareza de
ordenação de tudo o que você expõe. Estou com vontade de metralhar os editores brasileiros
que estão retardando a edição vernácula, que será o livro de base do meu curso na Escola
Nacional de Música, assim que aparecer.”
(Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, carta de 9-1-1948.)

“Acabo de receber os dois magníficos volumes dos REGISTROS SONOROS


DE FOLCLORE MUSICAL BRASILEIRO. Meus parabéns. Seu trabalho é impressionante. A
publicação total da [docu?]mentação da Discoteca de São Paulo constituirá uma das
contribuições mais importantes que tenho notícia, nesse domínio do Folclore Musical.” (Luiz
Heitor Corrêa de Azevedo, carta sem data, mas seguramente de 1948.)

“Las espléndidas publicaciones de la Discoteca Pública Municipal que Vd.


tuvo a bi[en?] obsequiarme son de vivísimo interés para mis trabajos; pienso comentarlos
debidamente como publicaciones dignas de ejemplo em nuestro Continente tal como le
348

expresé de vi[va] voz em uma de las sesiones del Congreso”/Internacional de Folclore, S.


Paulo, 1954.
(Lauro Ayestarán, musicólogo uruguaio, carta de 26-8-1954.)

“Música popular brasileira, par Oneyda Alvarenga (Globo, Rio Grande do


Sul). - Un li[vre] indispensable pour tous ceux qui s'interéssent aux manifestations du folklore
musica[l]. (…) Chaque type de danse et de chant est analysé avec le plus grand soin et
complé[tement?]/[t?] par des exemples musicaux ainsi que par des photographies inédites.”
(Roger Bastide, resenha no jornal “Mercure de France”, Paris, dezembro de 1950.)

“Mais laissez-moi vous dire, au moins brièvement, tout le plaisir que j'ai pris à
Musica Popular Brasileña, s i riche en documentation originale, en photographies
rem[ar]quables, mais sourtout en qualité de science, de clarté, de précision dans un doma[ine]
où, à chaque pas, on se heurte à des obstacles. Croyes que je me rends compte de to[ut] le
travail que vous avez du vous donner pour pouvoir écrire sur ce sujet le beau liv[re] que vous
nous avez donné.”
(Roger Bastide – Carta de 16-8-1948.)

(“Votre article est magnifique et vos conclusions me paraissent définitives. /”A


Influência Negra na Música Brasileira./ Bien que, malheureusement, je ne puisse vous
sui[vre?] dans la seconde partis de votre travail, j'en ai senti toute la portée. J'espère que vous
pourrez achever l'étude des autres documents que vous possédez et que une fois [le] travail
achevé, vous pourrez proposer une série de conclusions, de haute portée, sur caractéristiques
de la musique fétichiste afro-brésilienne.”
(Roger Bastide, carta de 5 de julho de 1949.)

“J'ai achevé dejà quelque temps la lecture du dernier volume de la


Discot[hèque?], mais ce n'est qu'aujourdhui que je trouve un moment pour vous écrire. Inutile
de vous dire combien ce volume est précieux pour tous le Afrologues et nous vous sommes
tou[s] reconnaissants de cette admirable publication.”
(Roger Bastide, carta de 30-4-1949)
349

“J'ai reçu, il y a deux jours vos magnifiques publications et je em remercis et


vou[s] en félicite. Vous rendez à la science un grand service et je me désolais de voir moi[sir?]
dans des tiroirs toutes ces informations précieuses.”
(Roger Bastide, carta de 11-4-[1949?]

“Through mey friend Mr. Richard Thyberg in Légation de Suéde in Rio de


Janeiro I hav[e] two times got books from Discoteca Publica Municipal. (…) I am especially
thankful
for this collections not only for their scientific but also for their artis[tic] and pedagogical
value.”
(Knut Brodin, musicólogo norueguês, carta de 21-9-1954.)

“At first glance it seems to me to be of outstanding merit, and an essential book


to one who aspires to become familiar with Brasil's Folk Music. The systematic manner which
you attack the subject, the numerous musical examples as well as the explanati[on] and
photographs of instruments are among the numerous qualities which delight me
tremendously.”
(O. C. Cabot, musicólogo inglês, carta de 24-8-1950.)

“Recebi o Catálogo, vol. IIº e o Babassuê ótimo. AS publicações constituem


uma contribuição notável para o nosso complexo religioso, informação tanto mais preciosa
pela [ho]nestidade, limpidez e segurança dos elementos constitutivos. Tanto pelas notas, pela
técnica de exposição, documentária fotográfica são realmente arquivo de valor incomparável.
V. realiza um serviço que raramente pode ser conseguido no Brasil. É preciso uma vontade de
missionária, esperando na eternidade a recompensa divina e dispensando compreensão maior
e aplauso terreno para tais resultados. Não há melhor exemplo de tenacidade no grau de
heroicidade. Fico, creia, orgulhosos dessa tarefa que V. está fazendo, um título alto e claro de
inteligência e devotamento de surpreendente profundidade positiva.”
(Luís da Câmara Cascudo, carta de 9-5-1951.)

“Todos os agradecimentos pela MÚSICA POPULAR BRASILEÑA de quem já


tivera notícia el[ogio]sa pelo Vicente Mendonza / musicólogo mexicano/. Há informação e
350

aula boa por todo o livro e é um encanto de simplicidade e clareza a leitura. Vou-me
aproveitar sem vergonha [?] para o meu Dicionário que está tartarugueando como se usa na
pátria amada, idolatrada, salve, salve.”
(Luís da Câmara Cascudo, carta de 18-2-1948.)

“Villa Lobos has just sent me a copy of the Bolletim/Latino-americano de


Música, vol. VI/ with your excellent article un it./ A Influência Negra na Música Brasileira/ I
[?] to tell you with wath interes t both Dr. Waterman and myself read it, and how pleasure my
wife and both are that tou found Kolinski's method of analysing non-Europeanmusic, that was
publlished in cur Suriname Folklore, of use in your work. You have certainly employed it
most effectively.”
(Melville J. Herskovits, antropólogo norte-americano.)

“'Música Popular Brasileira' é um livro de mérito real, cheio de


informações absolutamente inéditas que lhe valoriza o texto, está escrito com elegância e
sobriedade e é obra indispensável na bibliografia do folclore brasileiro. O trabalho de
pesquisa é verdade excepcional, a autora uma intelectual segura na sua crítica às fontes
históricas e sociais de arte musical do povo da nossa terra.”
(Dante de Laytano, carta de 8-9-[?])

“Mas uma nova poetisa, possuidora de voz própria, se revelou plenamente, em


1938, com o livro A Menina Boba: Oneyda Alvarenga – essa que a si própria se classifica
como uma Brusca Andorinha, e que, como as andorinhas, corta célere o espaço nos seus
curtos [voos?], mas de uma fluidez quase sem exemplo em nossa língua. (…) Não tem, por
certo, a intensidade lírica de Cecília Meirelles, nem é poderosa como Adalgisa, mas possui a
mais [?] voz de mulher da poesia brasileira de hoje.”
(José Osório de Oliveira “Apologia de Poetisas Brasileiras”, in “Enquanto é Possível”, 1942.)

“Se o pronome de que Fernando Mendes de Almeida tem maior conhecimento


é o 'eu', Oneyda Alvarenga prefere mais amorosamente o 'nós'. Livro surpreendente o seu,/ A
Menina Boba/ de que falarei rápido, nesta crônica, porque pretendo analisá-lo mais
longamente com tempo. (…) Este seu livro será talvez o mais característico documento da
351

poesia [?] artista em nossa poética recente. Nada é deixado ao acaso da primeira inspiração. A
concatenação voluntária, a cor dos sons, o equilíbrio dos ritmos, a volúpia das cadências, a
expressão adequada à ideia, a pureza das imagens, a raridade sem petulância ofensiva. (…) E
assim vai este livro admirável, buscando nas relações do par, aquela verdade de amor que a
poetisa, depois de uma indisciplina inicial, não quer mais encontrar em si mesma. (…)
Poucas vezes a nosa poesia terá explorado assim esta evanescência verbal, esta
diafaneidade delicadíssima de vozes, e conseguido tal segurança rítmica de versificação livre.
Poder-se-á mesmo ainda chamar de verso-livre a esta vontade técnica? (…) Esta conjugação
íntima da técnica de versejar com a ideia a expressar, faz do livro de Oneyda Alvarenga um
verdadeiro vademecum de arte, digno de ser mais estudado pelos nossos poetas moços.”
(Mario de Andrade - “Três Faces do Eu” in “O Empalhador de Passarinho”)
352

ANEXO B

ALVARENGA, Oneyda. Entrevista dada ao Diário da Noite. Discoteca Pública Municipal de


São Paulo e documentação musical. Transcrição do texto integral, sem indicação de
entrevistador. Entrevista. Datiloscrito, 17 de agosto de 1938, cópia 'B' carbono, 6 p. - (da
mesma forma) Consultada cópia xerográfica.

“ENTREVISTA DADA AO DIÁRIO DA NOITE EM 17-8-38

Cópia 'B'

A discoteca Pública Municipal, criada pelo Prefeito Fábio Prado em setembro


de 1935 como parte do Departamento de Cultura, tem uma organização extremamente
complexa e, ao que nos parece, única em seu gênero. Na verdade, discotecas oficiais existem
espalhadas pelo mundo inteiro, cada qual com seu programa de ação. Na Alemanha e na
Áustria, por exemplo, há institutos oficiais que se encarregam de registros de discos
folclóricos e para estudos linguísticos universais; na Rumânia, na Hungria, em Paris a
Sorbonne se encarregam também de pesquisas de folclore pelo disco; nos Estados Unidos,
além desses serviços de pesquisas, as discotecas mantêm coleções de discos para consultas,
anexos às bibliotecas públicas; na América do Sul, Montevidéu possui uma vasta e completa
Discoteca, destinada exclusivamente à rádio-difusão oficial. A Discoteca Nacional de Roma,
criada em 1928, é outra instituição digna de citar-se aqui.
Os serviços da Discoteca Pública Municipal estão assim divididos:
1º) – Registros sonoros:
a) – de folclore musical brasileiro
b) – de música erudita da escola de São Paulo
c) – Arquivo da Palavra (vozes de homens ilustres do Brasil e
gravações para estudos de fonética)
2º) – Museu etnográfico-folclórico, principalmente destinado a instrumentos
musicais populares brasileiros, complemento indispensável dos registros de folclore musical.
3º) – Arquivo de documentos musicais folclóricos grafados a mão.
4º) – Filmoteca anexa ao serviço de registros de folclore musical brasileiro.
5º) – Coleções de discos para consultas públicas.
6º) – Biblioteca musical, pública, de partituras e livros técnicos.
353

7º) – Arquivo de matrizes.


No serviço de registros sonoros, a Discoteca já executou um razoável trabalho.
Assim, nos registros de música erudita da escola de São Paulo já contamos com gravações de
Carlos Gomes, Artur Pereira, Souza Lima, Casabona, Dinorá de Carvalho, Francisco
Mignone, A. Cantú, João Gomes de Araujo e Camargo Guarnieri.
Pela escassez das verbas, infelizmente esses discos têm pequenas tiragens e não
são postos à venda. São distribuídos pelas organizações culturais, discotecas e escolas de
música, tanto nacionais como estrangeiras. Representam um esforço para a difusão da nossa
música artística, tão desconhecida do estrangeiro quanto de nós mesmos. E de fato,
executados em rádios oficiais na Alemanha, nos Estados Unidos, no Uruguai e em rádios
nacionais, nossos discos tê merecido aplauso caloroso e mesmo críticas em jornais.
O Arquivo da Palavra compreende presentemente 17 discos. Destes, 14
formam uma série para estudos das pronúncias regionais do Brasil. Os trabalhos dessa série
contaram com a colaboração do eminente filólogo brasileiro Antenor Nascentes e do poeta
Manuel Bandeira. Para a sua execução, o país foi dividido em 7 zonas fonéticas, representada
cada uma por 2 indivíduos – um culto, outro inculto – aos quais se fez ler um texto-padrão
contendo todos os fonemas da língua cuja dicção era importante controlar. Trabalho de
grande alcance científico, sua execução coincidiu com pesquisa idêntica executada na
Alemanha. O prof. Roquette Pinto os solicitou, entusiasmado, para com eles continuar seus
estudos de fonética experimental.
A Missão de Pesquisas Folclóricas, que acaba de regressar do Nordeste, trouxe-
nos fontes de 1500 fonogramas, além de copioso material destinado ao nosso Museu
Etnográfico-Folclórico: objetos diversos em conexão com o material musical pesquisado,
admiráveis peças de escultura popular em madeira, etc.
Além desse material colhido pela Missão, a Discoteca conta também com 28
fonogramas encerrando uma Congada mineira completa, cateretês, modas de viola, a dansa
de Sta. Cruz, tomadas de mutirão, canas-verdes, etc.
O Museu a que já nos referimos destina-se. Além da documentação
etnográfico-folclórica, a recolher principalmente instrumentos musicais populares brasileiros,
sobre os quais se farão posteriormente estudos acústicos visando o seu aproveitamento na
música artística nacional. Esse Museu, ainda no período de colheita de material, não está por
enquanto aberto ao público.
354

Com toda essa documentação folclórica, visa a Discoteca não só um melhor


conhecimento do nosso povo através de seus costumes e tradições, como fornecer aos nossos
compositores uma fonte que lhes permita, pelo estudo da nossa música popular, orientar e
fixar a sua arte dentro da realidade nacional.
Na verdade, pouquíssimos são os compositores que têm a felicidade de poder
viajar pelo país e estudar música e os costumes do povo. Os fonogramas suprem essa
impossibilidade, e suprem satisfatoriamente. Na verdade, nada há que substitua o disco como
documentação musical. A grafia musical, valioso auxiliar onde falta o disco, não é documento
completo, pois que faltam os timbres vocais e instrumentais, as características de execução
instrumental e emissão vocal, etc. Que nenhuma descrição, por mais detalhada que seja, pode
demonstrar. Que adiantaria, por exemplo, descrever como soa uma viola ou um determinado
tambor?
Complemento desses trabalhos – registros e museu folclórico – conta a
Discoteca presentemente com 382 documentos musicais grafados manualmente, e com a sua
ainda pequena, mas já valiosa coleção de 35 filmes etnográficos-folclóricos: 1 – CONGADA;
2 – CAVALHADA; - 3 – MOÇAMBIQUE (Filmes sonoros de 35mm., tomados em Mogi das
Cruzes em 1936, por ocasião das festas do Divino Espírito Santo); 4 – A VIDA E UMA
ALDEIA BORORO (Rio Vermelho) (16mm. silencioso); 5 – DANSAS EWAGUDDU E
PAIWE (Cerimônias funerais dos bororo) (16mm. silencioso); 6 – DANSA DO MARID'DO
(Cerimônias funerais dos bororo) (16mm. silencioso); 7 – 8 – OS KADUVÉO (16mm.
silencioso); 9 – CARNAVAL PAULISTA DE 1937 (35mm. sonoro); 10 – CONGADA DE
LAMBARI (Minas Gerais) (35mm. sonoro); 11 – CATERETÊ DE VARGINHA (Minas
Gerais) (12mm. silencioso), 12 – 13 – 14 - FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO, em
Mogi das Cruzes, 1936 (16mm. silencioso); 15 – CONGADA DE SANTA ISABEL (São
Paulo) (12mm. Silencioso); 16 – ASPECTOS DO CARNAVAL DE RECIFE (1938) e mais 19
filmes silenciosos de 16mm., tomados no Nordeste pela Missão de Pesquisas Folclóricas.755
O Arquivo de Matrizes destina-se à proteção das matrizes de discos de música
popular brasileira feitos pelas casas comerciais. Como é sabido, desde que se esgote o
interesse comercial de um disco, as casas gravadoras inutilizam-lhe as matrizes, perdendo-se

755 Mais detalhes sobre essas gravações, como metragem do filmes por exemplo, podem ser encontrados In:
ALVARENGA, Oneyda. A discoteca pública municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, 1942. Separata
da Revista do Arquivo, n.LXXXVII. p. 11.
Aliás, essa publicação se apresenta cada vez mais valiosa: as informações específicas desse relatório
escrito por Oneyda Alvarenga só se encontram nessa fonte.
355

assim registros verdadeiramente interessantes para estudos musicais e folclóricos. Assim, a


Discoteca dirigiu um apelo às casas gravadoras, pedindo-lhes confiar à sua guarda as matrizes
consideradas de valor, continuando elas a pertencer às casas gravadoras e o Departamento de
Cultura comprometendo-se a cedê-las para a tiragem de novos discos, sempre que fosse
preciso. Compreendendo a alta significação desse Arquivo, a RCA Victor do Brasil confiou à
guarda da Discoteca 37 matrizes de música popular brasileira; impossibilitadas por questões
de ordem interna de deixar sair as matrizes de sua gravação, as fábricas Columbia e Odeon
comprometeram-se, entretanto, a conservar sempre que lhes fosse possível as matrizes que a
Discoteca lhes indicasse.
De propriedade da Discoteca, conta o Arquivo com 44 matrizes.
A biblioteca musical consta atualmente – além de alguns livros sobre assuntos
de história e estética musical – de 2735 volumes de partituras e partes, que serão entregues à
consulta pública assim se termine a catalogação desse material. Essa biblioteca permitirá aos
técnicos e aos estudiosos de música aprofundarem seus estudos, facultando-lhes assim uma
séria formação artística. Porque é preciso que se lembre, e precisamente agora que vamos
falar do nosso serviço de consultas de discos, que a finalidade da discoteca não é divertir, não
é facultar meio de matar o tempo a duas dúzias de desocupados, nem de deleitar os ouvidos de
meia dúzia de amadores esclarecidos. Conhecido como deve ser de todos o papel das Artes na
cultura de um povo, seu fim é colaborar para o desenvolvimento delas, fornecendo dentro da
sua esfera de ação, meios de se formarem elites artísticas capazes de ilustrar a nossa vida
intelectual. Dado o imenso poder socializante da música, visto o enorme interesse que todos
os governos das nações cultas do mundo a ela dispensam, destinando-lhes enormes dotações
orçamentárias, nada mais justo que também o Departamento de Cultura procurasse contribuir
para esse movimento universal, pois que somos um povo de grandes aptidões musicais.
Mesmo na Europa e na América do Norte, em que o movimento musical é
importante e intenso, e onde há muito mais amplas oportunidades de ouvir música do que
aqui, o disco é o meio indispensável de difusão e educação musical. As facilidades que
oferece para a educação são imensas. Em primeiro lugar, coloca-se a possibilidade de
conhecer o que, sem esse recurso, não temos ao nosso alcance. Onde obteríamos nós no
Brasil, por exemplo, execuções de música do século XII? Como poderíamos conhecer a
música instrumental do século XVI executada em instrumentos da época, quando nem ao
mesmo um clavicímbalo moderno possuímos? Onde nos seria dado ouvir a música moderna
356

essencial de todos os grandes compositores universais? Tudo isso o disco coloca nas mãos dos
estudiosos de música e de todo o povo em geral. É preciso que se pense bem que, sem música
viva, o ensino de música marcará passo. Numa aula de história da música, o aluno escuta o
professor dizer que a música do século XVII tem tais e tais características; que a escola
franco-flamenga dos secs. XV-XVI influenciou a música da época no mundo inteiro; que o
alaúde, velho instrumento de origem hispano-arábica, tem tal som; mas como constatar essas
informações e transformá-las em dados de experiência pessoal, se o meio artístico em que
vive não lhe permite conhecer isso de que ele ouve falar? Só realmente uma discoteca pública
pode apagar tais lacunas.
A Discoteca Pública Municipal iniciou seus serviços de consulta pública a 18
de novembro de 1936, podendo ser esse aspecto das suas atividades dividido em três períodos
de funcionamento, separados por intervalos mais ou menos longos causados por duas
mudanças e consequentes reinstalações.
Damos, a seguir, um resumo das estatísticas do movimento de consultas até
agosto de 1938:
Em 9 meses e 26 dias, equivalentes a 223 dias úteis a Discoteca atendeu a 1637
(mil seiscentos e trinta e sete) consulentes, que ouviram 5966 (cinco mil novecentos e
sessenta e seis) obras, num total de 7302 (sete mil trezentos e dois e meio 756) discos
executados. Note-se que o tempo diário de consultas é de 5 e ½ horas apenas (aos sábados, de
2 horas e meia) e que a Discoteca possui somente duas cabines para audição.
Finalizando, temos uma notícia a dar, notícia que nos é extremamente grata e
esperamos o seja também para quantos se interessem pelo bom nome cultural de São Paulo:
desejando a Tchecoeslováquia organizar uma Discoteca Nacional, a Sociedade de Educação
Musical de Praga solicitou à nossa Discoteca pública Municipal dados completos sobre a
organização dos seus serviços, para que pudesse elaborar uma proposta de lei. O relatório
pedido foi remetido para Praga há dois meses atrás.

756 Na elaboração das estatísticas, era considerada a audição de cada face dos discos.
357

ANEXO C

ALVARENGA, Oneyda. [Como encara Castro Alves na literatura brasileira]: Entrevista de


Oneyda Alvarenga para o Jornal Hoje, sem indicação de entrevistador.Entrevista. Datiloscrito,
14 de fevereiro de 1947, cópia carbono, 4 p. Doc. 8089 – (da mesma forma) Consultada cópia
xerográfica.

“1 – Como encara Castro Alves na literatura brasileira?

Na mina opinião, o Brasil possui um grupo de poetas que podem ser classificados
como grandes. Nesse grupo quatro nomes têm para mim um relevo especial: Gregório de
Matos, Castro Alves, Carlos Drummond de Andrade e Mario de Andrade. Esses poetas
revelam, no conjunto das suas obras, três fatores que considero indispensáveis na
caracterização de um grande artista: boa execução técnica, valor moral e aquele elemento
irredutível a dados precisos a que se pode chamar lirismo, emoção poética ou outro nome que
tenha. Por valor moral entende tudo que implique enriquecimento e valorização do homem e
da sociedade, em qualquer dos seus aspectos. Inclui, pois, desde as obras que visam
essencialmente o progresso da arte e da cultura e a quebra de preconceitos que entravam a sua
marcha, desde as que dignificam e encorajam o homem, até as que mostram os males que o
afligem e lutam pelo respeito à sua dignidade, pela liberdade, por uma vida concebida em
moldes cada vez mais justos. O valor moral da obra de arte eu o resumo, portanto, em
solidariedade humana.

2 – Foi um poeta revolucionário? Por quê?

Sim e por duas razões> Artisticamente, como vários críticos têm assinalado, os poetas
do Romantismo, Castro Alves inclusive, começaram a nacionalização mais consciente da
poesia brasileira, levando para ela problemas nacionais, tais como o do índio e o do negro,
nacionalização que se refletiu na própria linguagem em que esses poetas se exprimiram,
iniciando o abrasileiramento do português escrito no Brasil. Quanto a Castro Alves
particularmente, foi também um revolucionário político, dadas a natureza e as consequências
da campanha abolicionista de que participou. E o foi também pelas tendências libertárias
manifestadas através de sua obra, inclusive pela sua admiração a Victor Hugo.
358

3 – Qual foi a sua influência na luta pela abolição?

É sabido de todos que a influência de Castro Alves foi muito grande na campanha
abolicionista, em que agitou com seu entusiasmo e seus versos a mocidade acadêmica e os
intelectuais do seu tempo. Essa influência se tornou ainda maior porque o poeta ia para a
praça pública e para os teatros recitar seus versos, buscando assim entrar em contato direto
com o público que desejava conquistar para as suas ideias.

4 – É ele o poeta do presente? Por quê?

Tal como está formulada, a pergunta me parece meio confusa. Evidentemente, Castro
Alves não é 'o poeta do presente', pois que hoje os problemas essenciais a resolver já são
outros. Entretanto, são da mesma essência do problema que mereceu o amor de Castro Alves:
liberdade, liberdade para todos, respeito a todos, vida digna para todos, indivíduos e povos.
Como tantos outros artistas do Brasil e do mundo que souberam honrar os seus países e a
humanidade, lutando em benefício dos homens, Castro Alves é de uma enorme atualidade:
pertence ao número daqueles 'que nos confortam e armam nosso braço', como de tais artistas
dizia Mario de Andrade.

5 – Foi ele um poeta popular? Por quê?

Quer se entenda pelas palavras 'poeta popular' e homem que fez poesia sobre o povo e
para o povo, quer se entenda a difusão larga da sua poesia, a resposta é afirmativa.
Evidentemente, nem toda a obra de Castro Alves tem conteúdo social e político, a maioria
dela cuida muito individualistamente dos amores e particularidades do poeta. Entretanto, a
poesia para o povo, a função social da poesia, parece ter sido uma constante da sua vida, pois
que ele sujeitava com frequência suas criações à crítica pública, declamando-a nos palcos e
nas ruas, como já disse antes. E se essa poesia não podia chegar até os seres que ela defendia,
para que a utilizassem, serviu-os entretanto da melhor maneira possível, ajudando a
conquistar em favor deles o interesse da nação.
359

6 – A sua obra poética perdeu o brilho por ele ter aderido à luta pela abolição?

Pelo contrário. De maneira geral, é mesmo possível dizer-se que a parte artisticamente
melhor da obra de Castro Alves é composta pelos seus poemas contra a escravidão.

7 – Como deve ser encarada a sua poesia social?

Já respondi ao tratar da pergunta 4: como todos os momentos da grande luta do


homem pela liberdade, a obra de Castro Alves é um estímulo e um exemplo para todos os
artistas conscientes dos deveres da arte e da inteligência.

8 – Como acha que deve ser comemorado o centenário do poeta?

Fazendo-se edições populares das suas obras, especialmente das que apresentam
conteúdo político-social. Difusão ampla dos seus poemas entre o povo. Inclusão nas
atividades escolares, inclusive nos cursos primários, de leitura de suas obras e de comentários
sobre elas e as atividades do poeta, a fim de incentivar-se na infância e na mocidade o amor à
liberdade e o desprezo aos preconceitos de raça.

14-2-1947

__________________________
Oneyda Alvarenga
757
'Hoje'. Publicada com cortes .”

757 Frase manuscrita por Oneyda Alvarenga, como já foi dito acima.
360

ANEXO D

ALVARENGA, Oneyda. [Carta e entrevista cedida a Jorge Andrade sobre estudos


folclóricos.]: Entrevista de Oneyda Alvarenga para a revista Visão. Transcrição do texto
integral, entrevistador: Jorge Andrade. Carta e entrevista. Datiloscrito, 06 de agosto de 1960,
6 p. Doc. 8150 - (da mesma forma) Consultada cópia xerográfica.

“S. Paulo, 6-8-1960

Jorge Andrade,
Aí vão as respostas, que espero correspondam ao seu desejo.
Ficaram enormes e evidentemente o senhor tem liberdade de escolher entre elas as que mais
lhe interessem. Pelo tamanho do respondido e pela falta de tempo, abandonei três: 'O que há
de positivo na proteção das manifestações folclóricas?'; 'O que há de negativo?'; 'Quantos
grupos folclóricos existem em S. Paulo?'.
Mando junto algumas referências ao meu trabalho, como o
senhor pediu, tiradas de um processo referente às publicações da Discoteca. Não tenho
arquivo organizado e nem guardo muito essas coisas. Procurei me lembrar onde andava a
crítica do Adolfo Salazar, que mencionei numa das respostas, e não consegui.
Em vez das duas fotos, mando cinco. O senhor escolherá as que
lhe parecerem melhores e me devolverá, por favor, as três restantes. Vão também os retratos
das minhas primeiras informantes, que precisarão também voltar, porque não tenho o negativo
deles.
Agradeço mais uma vez a bondade de seu interesse e
cumprimento-o muito cordialmente.

Oneyda Alvarenga

Entrevista concedida à revista 'Visão'758.”

758 Nota manuscrita, acrescentada por Oneyda Alvarenga.


361

“POR QUE SE INTERESSEOU POR FOLCLORE?


Por algumas razões encadeadas. Fui conduzida ao Folclore por Mario de
Andrade, que como meu professor de música me sugeriu a realização de uma colheita na
cidade onde nasci e depois me levou a seguir um curso de Folclore dado em 1936 pela
professora Dina Lévy-Strauss, por iniciativa dele como Diretor do Departamento de Cultura.
Aceitei o caminho que, associado ao meu trabalho na Discoteca Pública Municipal, me
pareceu capaz de dar utilidade ao meu gosto pela música. Mas aceitei com amor, porque, no
fundo, todas as formas de conhecimento do homem me interessam. E essa que as
circunstâncias da minha formação punham mais ao meu alcance, poderia me dar muitas coisas
importantes: o gosto intelectual da pesquisa aquecida pelo calor da arte, a ternura que brota
para mim da criação artística popular, e uma – não sei se exatamente científica, mas
reconfortante – sensação de unidade humana essencial e, consequentemente, de fraternidade
humana.

DESDE QUANDO ESTUDA O ASSUNTO?


Desde o princípio de 1935. Mas como folclorista (ou musicóloga, como
também me qualificam com a mesma largueza complacente) não me considero nem mesmo
meia-colher, devo ser um-quarto . Coisa que digo com certo constrangimento, pois pode soar
como um jeito sorrateiro, e falsamente modesto, de me igualar a muita gente ilustre que, com
bastante injustiça pessoal, disse mais ou menos isso de si mesma, inclusive o próprio Mario
de Andrade. Mas afianço que estou convicta do que digo e que a auto-injustiça não é o meu
caso. Sou o que os oficiais do meu ofício chamam, com bastante menosprezo, de folclorista
de gabinete. De minha parte, não vejo grande pecado nessa condição, desde que ela traga aos
estudos de Folclore aquela riqueza especulativa, aquele arejamento de caminhos que só lhes
pode vir da análise intelectual dos dados colhidos pelo próprio analisador ou por gente mais
ativa. Pois bem. Se apenas comecei a ser um folclorista de campo, decididamente não cheguei
a me enquadrar também na situação de legítimo folclorista de gabinete. Na verdade, tenho
sido fundamentalmente uma simples organizadora de materiais alheios, a quem o vulto dessa
362

tarefa absorveu tanto, que impediu o prosseguimento da tarefa de análise da música folclórica
brasileira e dos fatos a ela ligados. Entretanto, não veja nisso nem tristeza nem um mea culpa.
Embora me agradasse ir mais longe, é claro, tenho consciência da utilidade do meu trabalho
modesto. Isso me traz uma dose bastante de contentamento, porque desde cedo procurei
aprender com meu mestre Mario de Andrade que o trabalho intelectual 'tem de servir a
alguma causa ou a alguém', e que é 'muito melhor ser útil que ser célebre'.

PODE FALAR SOBRE MARIO DE ANDRADE? O QUÊ ELE REPRESENTA?


Se a pergunta se refere à minha pessoa, respondo que representa muito: foi
professor, amigo, conselheiro, quase pai no meu respeito e na autoridade que ele tinha sobre
mim. Esse 'Música Popular Brasileira' foi escrito porque ele me obrigou a aceitar uma
encomenda que eu queria recusar.
Se a sua pergunta cuida do lugar de Mario de Andrade na histórica do Folclore
brasileiro, direi que o lugar é enorme. Embora habitualmente o lembrem apenas como alguém
que impulsionou os nossos estudos folclóricos, ao mesmo tempo apontando e buscando
soluções para as suas falhas, o certo é que Mario de Andrade realizou, no campo do folclore
musical, uma obra ampla e de valor singular, porque, como já salientou bem o prof. Florestan
Fernandes, nele se reuniram de modo raro e sem outro exemplo entre nós, o pesquisador, o
estudioso e o artista.

QUAL FOI A FINALIDADE DO LIVRO?


Apresentar, de modo a servir também ao leitor não especializado, um panorama
da música folclórica e popular brasileira759. Assim, procurei tratar apenas dos que, a meu
juízo, seriam os seus aspectos mais importantes e características essenciais, visto que o luxo
de um exame das particularidades e divergências dos padrões mais constantes, só poderiam
caber em monografias.

QUANTO TEMPO FOI GASTO NA SUA ELABORAÇÃO?


Um ano de trabalho duro, de janeiro de 1944 a janeiro de 1945, aproveitando
todas as sobras de tempo deixadas pela Discoteca Pública Municipal.

759 Observe-se que, se na época da criação da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, o termo música
popular valia como sinônimo de música folclórica, à época desta entrevista (1960) respondida por Oneyda
Alvarenga, a musicóloga emprega os dois termos, já diferenciados, um do outro.
363

VIAJOU PARA ISTO? ONDE?


Não fiz viagens especialmente condicionadas ao livro, mas nele há algumas
coisas vindas de contato pessoal com manifestações musicais do povo e outras que resultaram
de trabalhos de campo que pus em movimento. As primeiras nasceram de minhas colheitas no
Sul de Minas, em 1935 e 1937, e de pequisas feitas em S. Paulo, para a Discoteca Municipal,
em 1936 e 1937. As segundas se ligam à Missão de Pesquisas Folclóricas do Departamento de
Cultura, que em 1938 Mario de Andrade resolveu mandar ao Nordeste e que eu concretizei,
tomando todas as medidas necessárias à sua constituição e ao seu funcionamento.

PODE NOS CONTAR FATOS PITORESCOS DESSAS VIAGENS?


Não sei se possa qualificar de pitorescas as melhores lembranças que guardo
dos meus contatos pessoais com a gente folclórica. São lembranças muito ligadas à minha
vida, à minha mocidade, a duas mulheres humildes que viveram, como empregadas, em torno
da minha família e foram para mim informantes preciosas: as pretas Felisbina e Maria
Ordália, de quem ouvi as peças que motivaram minha primeira monografia folclórica
('Cateretês do Sul de Minas Gerais', 1936) e de quem me vieram as melhores da larga coleção
que doei à Discoteca Pública Municipal. A Felisbina (gradativamente convertida pelos filhos e
por mim em Tia Bina, Tibi) me liga uma afeição verdadeira, embora eu a tenha perdido de
vista desde que ela também resolveu ser cidadã paulistana. Tinha um linguagem
saborosíssima, imaginosa, cheia de arcaísmos, rica, na qual um tuberculoso permanecia
eternamente hético e eu sempre urdia coisas. Urdia tanto, urdia até essa história de fazê-la
cantar para que eu escrevesse, que ela não se aguentava, soltava uma risada divertida e
comentava infalivelmente, usando o diminutivo carinhoso com que me tratavam em casa:
'Neydinha, bobagem te mata!'

O LIVRO FOI TRADUZIDO? QUAL FOI A REPERCUSSÃO?


Antes de publicado em português, foi traduzido para o espanhol e editado no
México em 1947, pois o escrevi por encomenda de Fondo de Cultura Económica. Em 1953,
os editores Sperling & Kupfer, de Milão, lançaram a sua tradução italiana.
Pelo saudoso Edgard Cavalheiro, soube que o livro fora muito bem acolhido no
México, merecendo inclusive uma crítica elogiosa do eminente musicólogo Adolfo Salazar.
364

Do editor nenhuma informação me veio. Na Itália não sei o que aconteceu, de bom ou de rúim
. Sperling & Kupfer nem responderam ao meu pedido de notícias!

TEM RECEBIDO DE OUTROS PAÍSES REFERÊNCIAS AO SEU TRABALHO?


Tenho sim, em cartas e em livros. O apoio vindo de fora tem se juntado ao
doméstico e ambos vêm me impedindo perder completamente a coragem de continuar lutando
pela execução do programa geral da Discoteca Pública.

O QUE ACHA DOS DEBATES FOLCLÓRICOS? EM QUE MEDIDA ELES


PODEM SER ÚTEIS À NOSSA CULTURA?
Tenho algumas dúvidas de que debates públicos ou em público, de Folclore
como de outros aspectos da cultura, possam exercer uma ação em profundidade e, portanto,
realmente construtiva. Cada participante de uma discussão sai dela com os mesmos pontos-
de-vista com que entrou, pois ninguém muda suas ideias e verdades senão pela própria
experiência intelectual. Quanto aos que não são do ofício discutido, imagino que uma agitação
de problemas, forçosamente feita em superfície, não será de molde a trazer muitos frutos
também para eles. Resta, me parece, a repercussão publicitária, que mesmo buscada com fins
elevados, é sempre arma de dois gumes, tanto podendo ajudar a construir, quanto trazer
embaraços ao trabalho de uma construção bem segura.

6-8-1960

Oneyda Alvarenga”
365

ANEXO E

ALVARENGA, Oneyda. Perguntas que me foram formuladas por escrito por Laís Corrêa de
Araujo, em Belo Horizonte, dezembro de 1961. Respondi-as, acompanhadas de carta, em 26-
1-1962. Texto integral da entrevista de Oneyda Alvarenga para o “Estado de Minas”,
entrevistadora: Laís Corrêa de Araujo. Entrevista. Datiloscrito, 26 de janeiro de 1962, cópia
carbono, 5 p. Doc. 8150 - (da mesma forma) Consultada cópia xerográfica.

“1 – O seu livro de poesia, “Menina Boba”, tão bem recebido na época pela crítica, foi apenas
um momento inicial de sua atividade literária? Por que abandonou a poesia?

2 – Acredita na eficácia e utilidade dos estudos folclóricos no Brasil, em que não contamos
com um lastro considerável de tradição a preservar?

3 – Por falar nisso, o que é realmente 'folclore'?

4 – O que recomendaria, como base de estudos, a um iniciante em assuntos folclóricos?

5 – Quais são, a seu ver, os estudiosos que mais têm contribuído para o enriquecimento da
bibliografia folclórica brasileira?

6 – O que pode fazer o escritor brasileiro para atingir mais diretamente o povo, em vez de
ficar reduzido a um público de elite?

7 – Acredita na possibilidade da pesquisa de uma expressão literária de autenticidade


nacional, isto é, numa literatura fundada no panorama social, político e cultural do Brasil de
hoje?

8 – Mario de Andrade foi um homem de cultura multiforme, tendo feito poesia, crítica
literária, ficção, música, folclore. Você, que o conheceu e com ele trabalhou, poderia nos dizer
sobre qual desses aspectos o vê realmente realizado?

9 – E como recebeu a obra de Guimarães Rosa, considerada eminentemente brasileira, apesar


dos processos de composição joyceanos de que se serve?

10 – Tem algum livro em preparo? Poderia nos dizer algo sobre os seus planos literários?

(Perguntas que me foram formuladas por escrito por Laís


Corrêa de Araujo, em Belo Horizonte, dezembro de 1961.
Respondi-as, acompanhadas de carta, em 26-1-1962.)

Nome real, completo – Oneyda Paoliello de Alvarenga


Lugar de nascimento – Varginha, Sul de Minas
366

Cursos – Regulares, só o primário e o de música, este feito no Conservatório


Dramático e Musical de S. Paulo, onde fui aluna de Mario de Andrade. Em
Varginha fiz alguns estudos secundários e estudei um pouco de línguas, francês,
inglês, italiano, e lá comecei também a aprender música. Em 1936 fiz o Curso de
Etnografia e Folclore, instituído pelo Departamento de Cultura de S. Paulo,
ministrado pela etnóloga francesa Dina Lévy-Strauss. Seria praticamente uma auto-
didata, se não tivesse encontrado Mario de Andrade, professor generoso que foi
além da música no ensino que me deu; não só alargou meu mundo intelectual, mas
o espiritual também, procurando me ensinar a viver, a servir e a me ver.
Primeiros trabalhos –
Literários, uns versos que escrevi dos quinze aos dezessete anos e destruí. Dos
dezoito anos sobrou um livro inédito de poemas, 'Canções Perdidas', que contra a
minha vontade, através de uma denúncia indiscretíssima, minha mãe me forçou a
entregar a Mario de Andrade. Bendita indiscrição, porque desse livro rúim , no qual
o professor admirado conseguiu ver qualidades, nasceu o amparo maior que recebi
de Mario de Andrade e nele se fundou realmente a nossa amizade.
Dos trabalhos musicais e folclóricos, o primeiro também ficou inédito: é um estudo
sobre 'A Linguagem Musical', escrito em 1933, como tese de conclusão do curso de
História da Música, e mais tarde transformado em livro duas vezes revisto, em
1935 e 1940, mais ou menos.760 No campo do Folclore, a estreia, desta vez já com
integrais honras de letra de forma. Foi a monografia 'Cateretês do Sul de Minas
Gerais', publicada pela Revista do Arquivo Municipal. Do Departamento de Cultura
de S. Paulo, em 1937, e resultante de uma extensão de pesquisas iniciadas em 1935.
Livros publicados -
Estão na lista anexa, Laís, que contém também a relação dos trabalhos publicados
em revistas especializadas e são ensaios de certa amplitude. Extraia dela, por favor,
o que considerar de interesse.
Prêmios -
Três, se forem levados em conta os escolares: 1º prêmio pela tese de conclusão do curso de
História da Música. 'A Linguagem Musical'; 'Cateretês do Sul de Minas Gerais', 1º prêmio

760 Nota de Oneyda Alvarenga: “Dois capítulos desse livro apareceram em 1935 na 'Revista Brasileira de
Música', no jornal 'O Estado de Minas' e, nesse mesmo ano ou em 1936 (não tenho bem de memória), em 'O
Estado de S. Paulo'.”
367

entre os trabalhos apresentados para a conclusão do Curso de Etnografia e Folclore; e o


prêmio grande, o 'Fábio Prado' de 1945 (ano de instituição da láurea), recebido pelo livro
'Música Popular Brasileira'.
xxx
1 – Por 'momento inicial' você se refere a uma atividade exercida enquanto não se encontra o
caminho verdadeiro? Se é isso, direi que 'A Menina Boba' não foi um momento inicial, nem
mesmo cronologicamente, como já lhe contei. A poesia e a prática musical, o convívio com o
meu abandonado piano, foram os meus grandes amores artísticos. Amores frustrados. Não
pude cultivá-los e creio que foi porque, se alguma energia criadora existia em mim, eu a
canalizei toda para a Discoteca Pública Municipal de S. Paulo, compromisso que eu assumira
e não poderia abandonar. Tive pois que optar, e optei pela única saída que o meu jeito de fazer
tudo com paixão me permitia. Entretanto, virei poeta bissexto, escrevendo de vez em quando
umas coisas que não sei se são mesmo poesia ou simples desabafo.

2 – Acredito, porque o lastro existe, aqui como em toda parte e, ao contrário do que você
pensa, é vivo e rico, embora as manifestações, digamos superficiais, desse lastro mudem de
aspecto com certa rapidez. E há muito o que extrair dele, para acréscimo de conhecimento do
homem e da sociedade brasileiros, sem contar as demais utilidades que sempre foram
reconhecidas como resultantes das pesquisas e estudos folclóricos: artísticas, pedagógicas,
recreativas e até, por exemplo, as psico-terapêuticas, em que já se fala hoje.

3 – Ainda há algumas pendengas sobre o objeto e limites exatos do Folclore, mas as brigas
teóricas parecem deixar intacto esse núcleo essencial: são Folclore as manifestações culturais
do povo, do vulgo, entre os povos civilizados. O Folclore implica, pois, a existência, numa
mesma sociedade, de duas culturas paralelas: uma oficial, letrada, que se aprende nas escolas;
outra vulgar, iletrada, que se comunica oralmente e cujas manifestações, se não são nem
poderiam ser criação anônima, transmitem-se anonimamente, como patrimônio coletivo,
patrimônio que ora mantém mais ou menos intactos os fatos que o compõem, nele se
integram, ora deles conserva elementos e processos que, estáticos ou expandindo-se em suas
possibilidades latentes, dão nascimento a novos fatos e processos que atendam a novas
exigências sociais de funcionamento da cultura.”
368

[Aparentemente Oneyda Alvarenga não explica a Laís Corrêa de Araujo porque não
respondeu às perguntas 4 e 5.]

6 – Esta sua pergunta me deixa bastante sem jeito. Não me considero realmente uma escritora,
perdi contato com muitos setores da cultura nacional e respondê-la me parece,
verdadeiramente, por uma colher torta no assunto. Mas que vá a resposta, como ousadia de
leitora de não muitos livros. Acho que a sua pergunta requer uma resposta bipartida. 1º) Que
os ensaístas, os críticos e as mais gentes da mesma família sejam eruditos, porque esse é o seu
ofício e o dever deles, mas não façam tanta praça da seca erudição, para não soterrarem os
leitores sob a avalanche de gelo em que muitos estão convertendo os seus escritos, até os
artigos destinados a suplementos literários de jornais, que deveriam ser feitos para atrair o
maior número possível de leitores. Aliás, lembro que Sergio Milliet há algum tempo chamou a
atenção para esse caso das páginas literárias de jornais, que estão sendo perigosamente
confundidas e transformadas em revistas especializadas, onde só iniciados podem se mover
com desembaraço e interesse. 2º) Que os escritores de ficção e os poetas não se deixem levar
pelo demônio da pesquisa e das experiências intelectuais exageradas. Ao lado da busca
renovada de caminhos artísticos, há de haver sempre lugar para o calor humano. De mestre
Mario de Andrade ouvi muito cedo, e procurei não esquecer, que 'a palavra tem de servir a
alguma causa ou a alguém'. E há muitos caminhos para servir às tais causas e aos homens.
Para mim e os leitores comuns como eu, é inútil ou pelo menos insatisfatório tentar fazer com
que a palavra, e a criação artística em geral, valham exclusivamente pelo seu lado intelectual
puro, pelas laboriosas buscas técnicas, felizes ou infelizes, do escritor e do artista. Há alguma
coisa que precisa ir além disso e se explica com um lugar-comum: é preciso haver o homem
com seus múltiplos dramas, a simpatia calorosa por eles, a vontade real de se comunicar com
os outros.

7 – Pelo que já falei antes, você terá visto que acredito e não preciso me estender mais sobre
os motivos da crença.

8 – Acho que ele mesmo só se teria considerado integralmente realizado, se se tivesse


permitido uma entrega total à ficção e à poesia. Quanto a mim, vejo-o realizado em tudo isso
que você menciona e mais, ainda, como professor. Não consigo vê-lo completo em nenhuma
369

dessas faces isoladas. As várias atividades de Mario de Andrade eram expressão necessária de
experiências interiores que em cada uma encontravam seu instrumento mais adequado de
exteriorização. Só me parece possível compreendê-lo exatamente através da soma ou da
justaposição dessas múltiplas atividades. Creio que o tão citado verso 'Eu sou trezentos, sou
trezentos e cincoenta' exprime uma verdade pessoal profunda e não pode ser perdido de vista
nesse caso. Para mim o verso célebre indicaria não apenas os múltiplos eus afetivos, e quase
sempre contraditórios, que todo indivíduo de sensibilidade e inteligência elevadas carregam
dentro de si. Significaria, também, não a variedade exterior de obra realizada, como
costumam entendê-lo, mas a multiplicidade das vocações intelectuais, dos apelos que fizeram
de Mario, segunda a própria definição dele, um homem 'curioso de tudo o que faz mundo', na
mais nobre interpretação que se possa dar a essa amorosa curiosidade.761

9 – 'Grande Sertão: Veredas' e muitas das novelas do 'Corpo de Baile', com uma das maiores
comoções literárias da minha vida. A comoção vinha de longe. Li 'Sagarana' três vezes,
quando apareceu em 1946. E acho que Guimarães Rosa responde afirmativamente à pergunta
que você me fez sobre a possibilidade de uma 'literatura fundada no panorama social, político
e cultural do Brasil de hoje', como de ontem e de amanhã.
Aliás, esta indagação que você me faz, logo em seguida a uma sobre Mario, me leva a lhe
dizer também que acho que Mario abriu o caminho para Guimarães Rosa. Sem 'Macunaíma' e
toda a ficção de Mario não seriam possíveis nem a língua do 'Grande Sertão: Veredas', em que
o aproveitamento da fala popular se mescla à invenção pessoal construída por ilação das
próprias tendências populares da língua (M. Cavalcanti Proença já mostrou isso), nem a
aceitação geral com que os letrados receberam essa língua liberdosa, como diria Mario. Até o
próprio processo de narrar será apenas joyceano? Ou será uma transposição do sinuoso jeito
popular de contar casos, presente já em 'Macunaíma', com que o narrador se deixa levar pelos
vai-véns da evocação, misturando no caminho da narrativa coisas vividas, imaginadas e
pensadas, meio libertas de tempo e espaço, surrealista por essência?
E mesmo um traço psicológico mais fundo vislumbro, por um momento, entre Mario de
Andrade e Guimarães Rosa: a ternura pela fragilidade e o mistério da [infância?] 762. Pois o

761 O ângulo inferior esquerdo da folha está rasgado, o que torna impossível ler o início de anotação feita por
Oneyda Alvarenga, à margem esquerda, no sentido de baixo para cima: “[?] conforme o tempo e o caso,'”- A
frase está escrita somente até a vírgula e não é visível nenhuma sinalização de encaixe com o texto
datilografado.
762 A palavra está quase ininteligível, manuscrita por Oneyda Alvarenga na entrelinha.
370

Miguelim do admirável 'Campos Gerais', não será um irmão sertanejo e mais novo do
Paulino, aquele urbano, proletário, solitário e doloroso filho da Teresinha,, perpetuado no não
menos admirável 'Piá não sofre? Sofre.'

10 – De meu, inteiramente pessoal, nada. Vou acabar dentro em pouco, espero, o último dos
livros em que reuni o material folclórico que Mario de Andrade me legou, e a que dei o título
de 'As Melodias do Boi e Outras Peças'. Depois vou ver se terei gosto e meios para por em
livro uns velhos sonhos. Não planos, sonhos mesmo.

S. Paulo, 26 - 1 – 1962

Oneyda Alvarenga”

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