Geometria Descritiva - Cálculo de Telhados

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GEOMETRIA DESCRITIVA, MATEMÁTICA E

COMPUTAÇÃO GRÁFICA PARA O CÁLCULO DA


ÁREA DE TELHADOS
DOI: 10.15552/2236-0158/abenge.v34n2p45-52
José Luís Farinatti Aymone1

RESUMO
Este artigo apresenta dois problemas de cálculo da área de telhados. Para a solução, são utilizados co-
nhecimentos de geometria descritiva, matemática e computação gráfica. Os resultados obtidos com
os diferentes métodos são comparados e analisados. É feita uma estimativa do número de telhas. Os
conhecimentos de matemática utilizados são conteúdos do Ensino Médio. A modelagem em compu-
tação gráfica é feita de forma simples e pode ser disponibilizada aos alunos, que podem, assim, obter
automaticamente a área dos telhados e observar outra forma de solucionar o problema. A proposição
de problemas reais de engenharia na disciplina de graduação Geometria Descritiva vem sendo utilizada
com sucesso em sala de aula. Os resultados dos alunos nas avaliações mostram uma melhora no desem-
penho, além de um maior interesse pela disciplina.
Palavras-chave: Geometria descritiva; engenharia; telhados; computação gráfica.
ABSTRACT
DESCRIPTIVE GEOMETRY, MATHEMATICS AND GRAPHIC COMPUTER FOR
CALCULATING THE AREA OF ROOFS
This paper presents two problems for calculating the area of roofs. Descriptive Geometry, Mathemat-
ics and Graphic Computer are used for solution. The results obtained with the different methods are
compared and analyzed. An estimate of the number of tiles is made. The mathematics content used is
learned in high school. The CAD model is simple, and can be made available to students. Thus, students
can automatically obtain the area of roofs and observe another way to solve the problem. The proposi-
tion of real engineering problems in Descriptive Geometry undergraduate course has been used suc-
cessfully in the classroom. Student results on assessments show an improvement in performance, and
a greater interest in the course.
Keywords: Descriptive geometry; engineering; roof; computer graphics.

INTRODUÇÃO A Geometria Descritiva é uma disciplina nor-


malmente ministrada no primeiro semestre dos
Segundo Hawk (1962), a Geometria Descriti- cursos de engenharia. Os currículos dos cursos de
va (GD) é a solução gráfica de problemas espaciais engenharia, nos dois primeiros anos, contêm disci-
envolvendo ponto, reta e plano. Rowe (1939) res- plinas de formação que, às vezes, não apresentam
salta que os alunos que resolvem problemas práti- uma relação com a prática profissional.
cos através da GD têm mais interesse pela disciplina Foi feita uma pesquisa na Internet, utilizando o
e percebem melhor a aplicabilidade dos conceitos Portal Hathitrust (HATHITRUST, 2014), em mais
ministrados. de cinquenta livros estrangeiros, e observou-se, nos

1 Professor Associado, Doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; [email protected]

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três livros aqui citados (HAWK, 1962; ROWE, no AutoCAD 2012 (KATORI, 2013), software bas-
1939; CHERRY, 1933), diversas aplicações da GD tante difundido para projetos em engenharia. Com-
para a engenharia. Cherry (1933) mostra o concei- param-se os valores de área obtidos através da GD,
to de interseção entre reta e plano, através de um da fórmula simplificada e do AutoCAD. Após isso,
cabo que atravessa um telhado; Rowe (1939) traz faz-se uma estimativa do número de telhas, através
um exemplo de obtenção da perspectiva axonomé- de fórmulas disponibilizadas pelos fabricantes.
trica de uma pirâmide pentagonal como uma apli- Já o segundo telhado tem quatro águas, e é si-
cação do método descritivo da mudança de plano milar ao apresentado em Hawk (1962). Nesse tipo
de projeção; e Hawk (1962) propõe problemas nos de telhado, a fórmula simplificada para o cálculo da
quais se pede a verdadeira grandeza (VG) de barras área não funciona, pois as águas não são retangula-
de torres de transmissão de energia. Também apre- res. Através da GD, no entanto, obtém-se a VG do
senta o caso de projeto de um ramal de comunica- telhado. Calcula-se a sua área utilizando-se a fórmu-
ção entre tubulações, tratando-se da distância entre la de Heron, da geometria plana, para triângulos. Os
retas reversas. O problema de obtenção da VG de valores de área são cotejados com os obtidos através
um telhado de quatro águas é mostrado em Hawk do AutoCAD em 3D para se comparar a precisão
(1962). das técnicas.
Esses livros procuram inventar problemas, de No presente caso, a implementação de pro-
modo a facilitar a compreensão e mostrar as possi- blemas práticos de engenharia em sala de aula foi
bilidades de aplicação da GD. Esse enfoque vai ao iniciada no primeiro semestre de 2013 (AYMO-
encontro da proposta de Aravena-Reyes (2014), NE, 2014), na disciplina Geometria Descritiva II-
que entende a problematização como uma tarefa A, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
inventiva, em que o enunciado deve “esgotar o pro- (UFRGS). Não são necessárias adaptações signi-
blema como ponto de partida para convertê-lo em ficativas no conteúdo, sendo que os livros citados
referência de transformação da realidade”. (CHERRY, 1933; HAWK, 1962; ROWE, 1939)
A maioria dos livros de Geometria Descriti- apresentam a abordagem tradicional e complemen-
va do Brasil (BORGES et al., 1998; MACHADO, tam os temas com as situações reais.
1969; PRINCIPE Jr., 1983) apresenta problemas
abstratos envolvendo ponto, reta e plano. Não se TELHADO DE DUAS ÁGUAS
encontrou casos que exemplifiquem uma contex- Os telhados são um caso facilmente com-
tualização das possíveis aplicações da GD em enge- preendido pelos alunos, pois telhados estão muito
nharia. presentes nas cidades, sendo os telhados de duas
Este trabalho apresenta a solução do problema águas bastante comuns em casas.
de dois telhados. O primeiro telhado tem duas águas Neste item, é apresentada a obtenção da área
(faces). Utilizando a GD, obtém-se a VG do telhado do telhado através da GD, de fórmula simplificada e
e calcula-se a sua área através da geometria plana. do AutoCAD 2012. Além disso, é feita a estimativa
Empregando uma fórmula simplificada, disponível do número de telhas para cobri-lo.
na Internet, faz-se o cálculo da área do telhado de
duas águas. Essa fórmula funciona apenas em faces Resolução através da GD
retangulares e leva em conta a sua inclinação (ângu-
lo da face do telhado em relação ao plano horizontal O telhado proposto tem duas águas retangula-
de projeção). A inclinação é um parâmetro de proje- res iguais, e sua épura está na Figura 1. Assim, o cál-
to importante, pois dela depende o bom escoamen- culo será feito para uma água e depois multiplicado
to da água. O problema é também modelado em 3D por dois.

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Figura 1: Telhado de duas águas: épura Resolução por fórmula simplificada


Diversos sites de fabricantes de telhas disponi-
bilizam uma fórmula simplificada para o cálculo da
área de telhados retangulares (KARINA TELHAS,
2014; ACEMC, 2014). Essa fórmula leva em conta
a largura de um vão (A), o comprimento do pano
(C) e a inclinação do telhado (Figura 2). Para um
bom desempenho das telhas, a inclinação mínima
deve ser aproximadamente 30%. Serão utilizados os
mesmos dados apresentados na Figura 1.
Figura 2: Telhado de duas águas: fórmula simplificada.

Fonte: <http://www.acemc.com.br/informacoes-
tecnicas/calculo-de-consumo/>.

Para a obtenção da área de uma água, inicial-


mente, calcula-se a área em planta, sem considerar
Fonte: elaboração do autor. a inclinação. Para isso, basta multiplicar A(6m) por
C(10m) e obtém-se 60m2. A correção da área em
Considere-se largura de um vão de 6 metros.
função da inclinação é feita através de um fator de
O comprimento do pano, ou “fiada”, é de 10 metros.
correção (F.C.), com base na Tabela 1.
A altura da cumeeira é 2,1m, sendo a inclinação do
telhado I dada pela Equação (1): Tabela 1: Fator de correção pela inclinação.

A face BCFE do telhado é um plano de topo,


acumulado na projeção frontal (xz). Para se obter a
sua VG, coloca-se uma nova linha de terra paralela à
projeção frontal da face em B2C2F2E2. Em seguida,
transferem-se os afastamentos (y) da projeção ho-
rizontal em B1C1F1E1 para (y’) e chega-se à VG da
face em B’1C’1F’1E’1.
Como o telhado é retangular, para a obten-
ção da área em VG de uma água do telhado, basta
multiplicar a largura em VG (6,357m) pelo compri-
mento (10,0m). Assim, a área em VG de uma água é
63,57m2 e a área total é 127,14m2.
Fonte: http://www.acemc.com.br/informacoes-tecnicas/
calculo-de-consumo/

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A Figura 3 mostra o telhado no AutoCAD


Para a inclinação de 35%, o F.C. é 1,059. Assim,
2012. A modelagem é feita através de linhas (co-
a área real de uma água fica 60m2 x 1,059=63,54 m2
mando Line), que são transformadas em uma área
e a área total é 127,08 m2, próxima do valor obtido
fechada, através do comando “Region”, ou Região
através da GD, 127,14m2. Observa-se que a forma
(KATORI, 2013). Esse comando fornece a área au-
de cálculo é simples, podendo ser explicada aos alu-
tomaticamente. Para isso, seleciona-se a face do te-
nos sem maiores dificuldades.
lhado na tela e clica-se o botão da direita do mouse,
Resolução através do AutoCAD
escolhendo as propriedades, em “Properties”. A área
O software AutoCAD 2012 permite a modela-
de uma água é 63,569 m2 e a área total fica, portanto,
gem em 3D do telhado e o cálculo automático da
em 127,138 m2. Esse valor é praticamente o mesmo
área. Para a utilização, pelos alunos, pode-se for-
obtido através da GD (127,14m2) e próximo à área
necer o modelo em 3D pronto, solicitando apenas
calculada pela fórmula simplificada (127,08 m2).
a obtenção da área para fins comparativos. O Au-
toCAD 2012 possui uma versão para estudantes,
que pode ser baixada gratuitamente (AUTODESK,
2014).

Figura 3: Telhado de duas águas: Comando Region do AutoCAD

Fonte: Tela do software com elaboração do autor.

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Número de telhas diferencial que o conhecimento de GD proporcio-


na para a solução de problemas reais. Neste item, o
Para a estimativa do número de telhas, esco-
cálculo do telhado será resolvido através da GD e do
lheu-se a Top Telha Mediterrânea M14 (ACEMC, software AutoCAD 2012.
2014). Ela tem um consumo de 13,7 telhas por me-
tro quadrado. Considerando uma quebra média de Figura 4: Foto de um telhado de quatro águas
5%, o número de telhas calculado utilizando a área
obtida através da GD e do AutoCAD é:

Nº telhas = 127,14 m² x 13,7 telhas/m² =


(2)
1.742 x 1,05 quebra = 1.833 telhas

Utilizando a fórmula simplificada, o número


de telhas é 1.828, uma diferença (pequena) de 5 te-
lhas em relação ao valor obtido através da GD e do
AutoCAD. Faltaria ainda calcular as telhas das ares-
tas do telhado (como beirais e espigões). Para isso,
seria necessário obter a VG dessas arestas e multi- Fonte: <http://www.pedreirao.com.br/telhados-e-
forros/>.
plicar pelo consumo específico de cada peça, o que
não será detalhado aqui.
Resolução através da GD
TELHADO DE QUATRO ÁGUAS O telhado de quatro águas tem 6m de largura e
O telhado de quatro águas também é um caso 10m de comprimento e é similar ao apresentado em
real bastante comum (Figura 4). Como se pode Hawk (1962, p. 37). O telhado possui dois tipos de
observar, duas faces são triangulares e duas tra- faces que se repetem. Para calcular a área do telhado,
pezoidais. Assim, não é possível utilizar a fórmula é necessário obter a VG das faces DCEF e ADF (Fi-
simplificada de cálculo da área do item 2.2, que só gura 5) e, depois, multiplicar por dois.
funciona em faces retangulares. Isso demonstra o
Figura 5: Telhado de quatro águas: épura

Fonte: Elaboração do autor.


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A área pode ser calculada manualmente através A área da face DCFE é dada pela soma de
das equações (3) e (4), mas, na Internet, há sites que 10,451 e 18,028, totalizando 28,479m². Já a área da
possibilitam o cálculo de forma automática. Neste face ADF está representada na Figura 8, e fica em
trabalho, utiliza-se o site “Math is fun” (MATHIS- 8,745m².
FUN, 2014). Para isso, basta colocar os valores a, b e
Figura 8: Área do triângulo ADF.
c nos campos apropriados. A Figura 7 mostra a área
da face D”1C”1E”1F”1 . Como ela é uma face trape-
zoidal (de quatro lados), é necessário dividi-la em
duas partes, o que é feito através da reta D”1E”1 (cf.
Figura 5). Na Figura 7, a primeira imagem represen-
ta o triângulo D”1C”1E”1 e a segunda é o triângulo
D”1E”1F”1 .
Figura 7: Área dos triângulos DCE e DEF.

A área total do telhado é calculada pela Equa-


ção (5):

Área total = 2x (Área DCFE + Área ADF) = 2x


(5)
(28,479 + 8,745) = 74,448m2

Resolução através do AutoCAD


As faces do telhado novamente são modeladas
através de linhas (comando Line) e transformadas
em uma área fechada, com o comando “Region”.
Verificando as propriedades, ou “Properties”, da Re-
gião, tem-se a área do telhado. A Figura 9 mostra o
telhado de quatro águas no AutoCAD 2012 e a área
da face DCFE, que é 28,484m2, próximo ao valor
Fonte: <http://www.mathsisfun.com/geometry/herons- obtido pela GD, 28,479m2.
formula.html>.

Figura 9: Área da face DCFE.

Fonte: Elaboração do autor.

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A Figura 10 contém a área da face ADF, que é Os problemas reais empregando geometria
8,746m2, muito próximo ao valor obtido através da descritiva foram introduzidos em sala da aula na
GD, 8,745 m2. UFRGS, em 2013, para as turmas dos cursos de
A área total do telhado é obtida através da diversas engenharias (Civil, Mecânica, Elétrica,
Equação (6): Produção, Cartográfica, Minas, Metalúrgica, de
Materiais). A sua implementação necessita pou-
Área total = 2x (Área DCFE + Área ADF) = 2x cas adaptações no conteúdo. Os livros consultados
(6)
(28,484 + 8,746) = 74,46m2 (CHERRY, 1933; HAWK, 1962; ROWE, 1939)
apresentam a abordagem tradicional e comple-
Figura 10: Área da face ADF.
mentam os temas com as situações reais. Utiliza-se
na disciplina, como material de apoio, o software
HyperCAL3D (TEIXEIRA e SANTOS, 2013).
Esse software permite a modelagem de sólidos a par-
tir das coordenadas dos pontos e da lista de faces.
Pode-se observar um maior interesse pela disci-
plina e uma melhora no desempenho. Foi feita uma
Fonte: Elaboração do autor. análise dos resultados de 240 alunos por semestre,
em relação à nota média e ao número de reprova-
A área total do telhado calculada através da GD ções. A média geral aumentou de 6,4, em 2012, para
é 74,448m2 e pelo AutoCAD fica em 74,46m2. Essa 7,6, em 2013. A reprovação (média abaixo de 6,0),
diferença ocorre devido à precisão numérica utiliza- em 2012, foi 21%, e em 2013, caiu para 13%.
da, e é bem pequena: 0,012 m2 ou menos de 0,02%. Outros casos reais vêm sendo preparados para
Isso demonstra a precisão oferecida tanto pela GD a utilização em sala de aula.
quanto pelo AutoCAD.
Deve-se lembrar que a execução do telhado REFERÊNCIAS
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DADOS DO AUTOR
José Luís Farinatti Aymone – Graduado em Engenharia Civil (1993, UFRGS); Mestre em
Engenharia Civil na área de Estruturas (1996, UFRGS); Doutor em Engenharia Civil na área
de Estruturas (2000, UFRGS). Professor Associado IV do Departamento de Design e Expres-
são Gráfica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tendo ingressado em
1998. Na graduação, atua na disciplina Geometria Descritiva. Na Pós-Graduação, leciona na
disciplina Design Virtual do PGDESIGN (UFRGS). Em pesquisa, atua principalmente nos
temas: design virtual, projeto de artefatos, representação e modelagem, CAD (projeto auxi-
liado por computador), realidade virtual (VRML), visualização científica, interfaces gestuais e
otimização do encaixe de peças. Orienta nos níveis de mestrado e doutorado.

Revista de Ensino de Engenharia, v. 34, n. 2, p. 45-52, 2015 – ISSN 0101-5001

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