A Semana Ilustrada - História de Uma Inovação

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Série Memória 1

Cadernos da Comunicação
Série Memória

A Semana Ilustrada
História de uma
inovação editorial

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2 Cadernos da Comunicação

Agradecemos a colaboração do Instituto Histórico e Geográfico


Brasileiro (IHGB) que nos cedeu gentilmente material para ilustração e
texto deste Caderno

Rio de Janeiro (RJ). Secretaria Especial de Comunicação Social


Semana Ilustrada: história de uma inovação editorial / Prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro. — Rio de Janeiro : Secretaria, 2007.
102p. : il.— (Cadernos da Comunicação. Série Memória; 18)

Inclui bibliografia.
ISSN

1. Semana Ilustrada (Revista) – História. 2.Fleiuss, Henrique,


1823-1882. 3. Periódicos brasileiros – História. 4. Fotojornalismo - Rio
de Janeiro (RJ) – História. I. Título.

CDD: 070.1750981

A coleção dos Cadernos da Comunicação pode ser acessada no


site da Prefeitura/Secretaria Especial de Comunicação Social:
www.rio.rj.gov.br/secs
Agosto de 2007
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Rua Afonso Cavalcanti 455 – bloco 1 – sala 1.372
Cidade Nova
Rio de Janeiro – RJ
CEP 20211-110
e-mail: [email protected]
Todos os direitos desta edição reservados à Prefeitura da Cidade do
Rio de Janeiro. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida
ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou
mecânico) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Prefeitura.

Prêmio Luiz Beltrão de


Ciências da Comunicação’2006
na categoria Grupo Inovador

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Série Memória 3

Prefeito
Cesar Maia

Secretária Especial de Comunicação Social


Ágata Messina

CADERNOS DA COMUNICAÇÃO
Série Memória

Comissão Editorial
Ágata Messina
Milton Coelho da Graça
Regina Stela Braga

Edição
Regina Stela Braga

Redação e pesquisa
Álvaro Mendes
Wilson Moreira

Revisão
Alexandre José de Paula Santos

Projeto gráfico e diagramação


Marco Augusto Macedo

Capa
José Carlos Amaral/SEPROP
Marco Augusto Macedo

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4 Cadernos da Comunicação

CADERNOS DA COMUNICAÇÃO
Edições anteriores
Série Memória
1 – Correio da Manhã – Compromisso com a verdade
2 – Rio de Janeiro: As Primeiras Reportagens – Relatos do século XVI
3 – O Cruzeiro – A maior e melhor revista da América Latina
4 – Mulheres em Revista – O jornalismo feminino no Brasil
5 – Brasília: Capital da Controvérsia
6 – O Rádio Educativo no Brasil
7 – Ultima Hora – Uma revolução na imprensa brasileira
8 – Verão de 1930-31 – Tempo quente nos jornais do Rio
9 – Diário Carioca – O máximo de jornal no mínimo de espaço
10 – Getulio Vargas e a Imprensa
11 – TV Tupi, a Pioneira na América do Sul
12 – A Mudança do Perfil do Rádio no Brasil
13 – Imprensa Alternativa – Apogeu, queda e novos caminhos
14 – Um Jornalismo sob o Signo da Política
15 – Diario de Noticias – A luta por um país soberano
16 – 1904: Revolta da Vacina – A maior batalha do Rio
17 – Jogos Pan-Americanos – Uma olimpíada continental
18 – O Jornal – Órgão líder dos Diários Associados
Série Estudos
1 – Para um Manual de Redação do Jornalismo On-Line
2 – Reportagem Policial – Realidade e ficção
3 – Fotojornalismo Digital no Brasil
4 – Jornalismo, Justiça e Verdade
5 – Um Olhar Bem-Humorado sobre o Rio nos Anos 20
6 – Manual de Radiojornalismo
7 – New Journalism – A reportagem como criação literária
8 – A Cultura como Notícia no Jornalismo Brasileiro
9 – A Imagem da Notícia – O jornalismo no cinema
10 – A Indústria dos Quadrinhos
11 – Jornalismo Esportivo – Os craques da emoção
12 – Manual de Jornalismo Empresarial
13 – Ciência para Todos – A academia vai até o público
14 – Breve História da Imprensa Sindical no Brasil
15 – Jornalismo Ontem e Hoje
16 – A Cobertura de Moda na Mídia Impressa Carioca
17 – Folkcomunicação – A mídia dos excluídos
18 – A Blague do Blog

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Série Memória 5

Fenômeno marcante, mas efêmero. Os registros históricos


apontam para a abordagem de uma inovação ocorrida na impren-
sa brasileira no período imperial, sob o governo de Dom Pedro II.
O espírito, palavras e imagens da inovação editorial, surpreen-
dente na segunda metade do século 19, atendia pelo nome de
Semana Ilustrada. Circulou de dezembro de 1860 até abril de 1876.
Ao contrário do que se poderia supor, o periódico razoavel-
mente revolucionário não foi fundado por um jornalista. Henrique
Fleiuss, seu criador, imigrante alemão radicado no Rio de Janeiro
em meados de julho de 1859, era, além de aventureiro bem-suce-
dido, desenhista de mão cheia e litógrafo de grande experiência.
Pioneiro da imprensa ilustrada em nosso país, projetou a Semana
como o mais popular periódico brasileiro daquele tempo. Foi uma
ventania no mormaço vigente na incipiente imprensa brasileira da
época. Contribuiu como ninguém para romper os limites de um
certo paroquialismo, no qual a maioria dos jornais não ia muito
além de folhetins, panfletos e pasquins, uns maiores, outros me-
lhores, mas todos divididos entre o diletantismo apaixonado e o
diversionismo alienante.
As inovações do mestre alemão e de sua Semana Ilustrada aju-
daram na evolução editorial brasileira ao introduzir o binômio tex-
to/imagem com presença até então pouco conhecida. Sátiras e
irreverências à parte, ao caricaturar pessoas e fatos com seus
magistrais desenhos, Fleiuss revolucionou a imprensa da época.
Mais: foi o primeiro a tentar a utilização sistemática da fotografia
em uma cobertura jornalística em nosso país.
Nota-se ausência de engajamento político aliada ao compro-
metimento ideológico proveniente de sua amizade com a Corte.
Mesmo assim, a Semana celebrizou-se pela ênfase à sátira dos
costumes sociais, atingindo todas as classes da sociedade da-
quele tempo, do gari da esquina ao barão do palácio. Amigo do
poder, Fleiuss, contudo, estava longe de ser um bajulador de
carreira. Sem incensar a Corte, valeu-se da liberdade de im-
prensa que a tolerância do imperador autorizava e, livre da cen-
sura oficial, pôde, como poucos, explorar as nuances da liber-
dade de expressão, extremamente bem expostas nas páginas
da Semana Ilustrada, através da interação texto/imagem. Suas
charges são primorosas como arte e, mesmo quando violentas
pela contundência da imagem, constituíam convite inevitável à
reflexão crítica da realidade social da época, por serem exem-
plos de conscientização sociopolítica, fundamento de todo jor-
nalismo construtivo.

CESAR MAIA
Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro

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6 Cadernos da Comunicação

Existem reformadores, conservadores,


renovadores, carregadores de piano,
picaretas e inovadores. Estes últimos são os
mais importantes: são suas fantasias
concretizadas que antecipam o futuro.
Noam Chomsky, pensador norte-americano em sua aparição no
Forum Social Mundial de Porto Alegre, RS, em 2003

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Série Memória 7

Sumário

Cara e coragem de um inovador ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 9

Ridendo castigat mores


(Rindo, corrige os costumes) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 13

Pioneira (também) no marketing ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 16

Gravura e imprensa ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 21

Guerra do Paraguai ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 24

A Questão Christie ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 31

A Questão Religiosa ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 37

Críticas ao Parlamento ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 39

Dos esgotos à crise bancária ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 41

Reações cotidianas à fotografia ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○


43

Periódicos publicados nos anos de 1860 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 48

Nota biográfica sobre Henrique Fleiuss ○ ○ ○ ○ ○ ○ 49

Bibliografia ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 51

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8 Cadernos da Comunicação

Frontispício (capa) do primeiro número da Semana Ilustrada, publicado sem data, mas
provavelmente em 16 de dezembro de 1860.

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Série Memória 9

Cara e coragem de
um inovador
Mesmo tendo apenas oito páginas – quatro de texto e quatro de
ilustrações –, a Semana Ilustrada, de Henrique Fleiuss, realizou uma
pequena mas importante revolução de caráter inovador na impren-
sa brasileira da segunda metade do século 19. De dezembro de 1860
até abril de 1876, a Semana estabeleceu novos parâmetros gráficos,
jogou a qualidade editorial da época para cima e, de cara bem defi-
nida, entrou para a história da comunicação social de nosso país.
Machado de Assis, Quintino Bocaiúva, Joaquim Nabuco são
nomes respeitáveis da cultura nacional que foram destaques nas
páginas da Semana, além, é claro, das verdadeiras obras de arte que
eram as ilustrações desenhadas por Fleiuss, formuladas sempre por
irreverências e espírito satírico da melhor qualidade. Mistura tão
bem elaborada de conteúdo e forma fizeram da Semana Ilustrada o
periódico mais popular do país em seu tempo.
Como não há bem que sempre dure, Fleiuss acabou por se depa-
rar com o mal: contrito e premido por dificuldades financeiras, as-
sistiu ao desaparecimento da sua Semana em abril de 1876 e, ainda
por cima, deve ter tido a coragem de suportar inesperado epitáfio
tão mordaz e cáustico:

Avançada em anos, sem dentes, e vendo pouco, era admirá-


vel o apetite da finada – comia tudo e tudo digeria, como no
verdor da mocidade. Era uma das melhores convivas da gran-
de mesa do orçamento! Mas afinal, como o seu mal era a
fome, não pôde deixar de acompanhar A Nação, para quem,
há dias, se abriram também as portas do céu. Morreram
ambas da mesma enfermidade – mão criminosa as envene-
nou em banquete oficial (...). O sopro do Tesouro não lhes

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pôde dar vida; mas agora que elas já não existem, ao gover-
no cabe enterrar os mortos e tratar dos vivos.

Foi assim em tom escarninho, com este “anúncio fúnebre”, que


um periódico de pequena expressão, O Mosquito, na edição de 15 de
abril de 1876, noticiou a morte da Semana Ilustrada, uma das mais
importantes revistas semanais que circulou durante 16 anos (de 1860
a 1876) na Corte, durante o Império. Houve outras críticas igual-
mente contundentes, em outros periódicos da época.
A violência dos ataques não era gratuita, pois a Semana Ilustrada,
fundada pelo artista plástico e gráfico alemão Henrique Fleiuss, a
primeira revista de caricaturas e variedades a circular regularmente no
Brasil com ampla aceitação do público, tinha a simpatia do Imperador,
contra o qual, aliás, a Semana Ilustrada jamais dirigiu seus ataques. Eis
aí motivo bastante para se tornar alvo das charges dos colegas, que
receberam com alegria ressentida a notícia da morte do grande pe-
riódico de caricaturas e ilustrações do Segundo Reinado.
Até aquele momento, diz o historiador Nelson Werneck Sodré, nada
havia no gênero que se parecesse com ela. A Semana Ilustrada foi uma
revista pioneira. Nas suas páginas é que a caricatura se impôs definiti-
vamente como parte integrante das notícias e dos comentários de opi-
nião nos periódicos do Rio de Janeiro. Tal pioneirismo constata-se ain-
da pelo fato de só depois que surgiu a Semana Ilustrada é que passaram
a circular no Rio revistas da mesma natureza, embora a maioria delas
tenha durado pouco tempo.1
É certo que na Corte já haviam circulado jornais pequenos, e
bem toscos, folhas volantes rudimentares, caricaturas impressas à
maneira de postais, e que também já existiam casas litográficas que
imprimiam estampas avulsas. Provavelmente, as primeiras carica-
turas a circular no Rio terão sido aquelas que se atribui a Araújo
Porto Alegre, datadas de 1837, contra Bernardo de Vasconcelos, e
impressas como postais na casa litográfica de Vítor Larré, que por

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Série Memória 11

sua vez foi a pioneira neste gênero de impressão, na Corte.


O dia 16 de dezembro de 1860 é considerado o dia em que a Semana
Ilustrada circulou pela primeira vez. É desse dia o primeiro número
disponível. Mas, para Nelson Werneck Sodré, a data não é isenta de
dúvida: o historiador da nossa imprensa sustenta o ponto de vista se-
gundo o qual os primeiros números da revista teriam saído sem refe-
rência ao dia de sua publicação.
O aventuroso desenhista e gráfico alemão Henrique Fleiuss, fun-
dador da Semana Ilustrada, veio para o Brasil por influência do seu
compatriota Karl Friederich Philipe von Martius, trazendo uma carta
de recomendação do famoso naturalista, apresentando seu patrício a
Dom Pedro II. Depois de peregrinar pelo Norte do Brasil, Fleiuss deci-
diu estabelecer residência definitiva no Rio. Em sociedade com dois
companheiros de aventura – o irmão, o litógrafo Carlos Fleiuss, e o
pintor Carlos Linde – fundou a empresa gráfica Fleiuss, Irmão & Linde,
com sede à Rua Direita 49 (hoje, Rua 1º de Março). Esta era, na época,
a rua mais sofisticada do Rio de Janeiro, antes que o título lhe fosse, em
breve, arrebatado pela Rua do Ouvidor.
Embora não tenha sido o único, a Semana Ilustrada foi o empre-
endimento mais ambicioso e importante de Henrique Fleiuss. O
formato era pequeno (oito páginas, sendo quatro de texto e quatro
de ilustrações), nas dimensões 24x17 1/2cm. Até o número 10, o
periódico pioneiro foi ilustrado e litografado exclusivamente por
Henrique Fleiuss.
Mas logo veio a cooperação dos caricaturistas H. Aranha,
Aristides Seelinger, Ernesto Augusto de Sousa e Silva (que usa-
va o pseudônimo Flumen Junior), Pinheiro Guimarães e Aurélio
de Figueiredo. A Semana Ilustrada, no início, chegou mesmo a ter
a colaboração do caricaturista italiano Angelo Agostini (mais
um dos grandes fundadores da revista ilustrada brasileira, sendo
o outro o artista português Rafael Bordalo Pinheiro), que mais tar-
de se tornou violento rival de Fleiuss. É Agostini o autor do “anún-

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cio fúnebre” em O Mosquito, quando a Semana Ilustrada terminou.


Muito embora, à semelhança de outros periódicos da época, a
Semana Ilustrada tenha se caracterizado principalmente pelas ilus-
trações, sobretudo caricaturas de excelente qualidade litográfica, o
texto também era de elevada qualidade. Do corpo de redatores fazi-
am parte alguns dos principais jornalistas, ideólogos, escritores e
ficcionistas da época: Quintino Bocaiúva, Joaquim Nabuco, Henrique
César Miezzio, Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães, Pedro
Luís Pereira de Souza, Augusto de Castro, Victoriano de Barros, Flávio
Farnese, Achilles Varejão, Antônio de Castro Lopes, Ernesto Cybrão
(pseudônimo: Boileau-Mirim), Saldanha Marinho, Félix Martins, Bru-
no Seabra e, nos últimos anos da revista (os do seu apogeu), Machado
de Assis, que ora assinava seu nome, ora se escondia, protegido pela
alcunha do personagem-símbolo do periódico, Dr. Semana.

(Em uma repartição) O espírito satírico foi a marca indelével da Semana : irreverência
e fino humor como instrumentos para crítica da realidade social da época.

1 Sodré, Nelson Werneck; Lima, Herman; e Gerson, Bernardo. V. Bibliografia.

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Série Memória 13

Ridendo castigat mores


(Rindo, corrige os costumes)
Era este o lema que a Semana Ilustrada trazia estampado, acima,
no frontispício. No primeiro plano, logo em seguida, ressaltavam as
figuras do Dr. Semana e do Moleque, seu companheiro constante.
Os dois personagens, criação de Henrique Fleiuss, logo tornaram-
se parte integrante da revista e ambos ficaram, com o tempo, extre-
mamente populares.
O Dr. Semana (que já foi considerado o alter ego de Fleiuss) era
representado como um tipo atarracado, de cabeça enorme, despro-
porcional em relação ao corpo. Trazia uma Cruz de Malta pendura-
da no pescoço e apresentava-se vestido de maneira peculiar. Usava
punhos de renda e, na cabeça, um chapéu tirolês de cuja aba pen-
diam penas longas. Mantinha aberto o olho esquerdo, que piscava
enquanto olhava para o leitor, mas o direito permanecia fechado.
Segurava, com a mão direita, um número da Semana Ilustrada e, com
a esquerda, ajudava dois “bobos da corte” a passarem uma tira com
imagens numa lanterna mágica.
É na objetiva dessa lanterna que se lê a famosa divisa Ridendo
castigat mores, a mesma que o arlequim Domenico, da Commedia dell
Arte, pintara na boca de cena do seu teatro e que Fleiuss escolheu
para a revista. Dr. Semana também segurava um lápis, acionava a
lanterna e comentava com o companheiro, o Moleque, os fatos mais
chamativos do dia-a-dia. O Moleque, que se caracterizava pelos
comentários sempre maliciosos, tratava o Dr. Semana por Nhonhô,
vestia-se a caráter, usava libré, como era próprio dos pequenos es-
cravos que trabalhavam como pajens nas casas das pessoas ricas da
Corte. Mais tarde, ao dueto foi enriquecido com a criação de um
terceiro personagem, dona Negrinha, casada com o Moleque. A re-

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vista incluía ainda uma representação do Brasil, a índia Brasília,


que, a partir do quarto número, transformou-se numa deusa grega.
O pesquisador Joaquim Marçal Ferreira de Andrade enriquece a
análise da capa da revista com dados importantes para se compre-
ender sua pronta inserção na sociedade da época, sua ideologia e
sua invasão pelas conquistas técnicas, como o interesse pelos apa-
relhos ópticos que traziam no bojo, entre outras coisas, a fotografia
com um gigantesco potencial revolucionário na área da visualidade
e da comunicação:2

(...) à direita da lanterna mágica, em primeiro plano, desta-


ca-se um casal sentado em que a figura masculina tem as
vestes de um padre – clara referência ao anticlericalismo
então vigente. (...) A presença da lanterna mágica – e de seu
operador – na identidade visual, que persistirá inalterada
durante todo o período de existência da publicação, consti-
tuiu-se num importante indicativo do valor atribuído por
seu editor Henrique Fleiuss aos aparatos ópticos de seu tem-
po. Ressalte-se que o próprio nome do instrumento está escri-
to, em destaque, no mesmo: “Singularíssimo foi o capricho de
Henrique Fleiuss, de jamais permitir que se corrigisse um erro
gráfico que aparece no cabeçalho da revista Laterna Mágica)
mantido até o término da publicação, em fins de 1876”.3

Outro indicativo, ainda, encontra-se presente na metade inferi-


or da página que, de acordo com o projeto gráfico idealizado para o
periódico, trazia sempre uma ilustração legendada acerca de um
assunto de destaque da semana: “(...) nosso personagem observa o país
através de um binóculo”.
O binóculo possibilitava ao editor observar em detalhe o que
estava distante sem mesmo ser invasivo; a lanterna mágica possibi-
litava a projeção, em grande escala, de imagens e mensagens a lar-
gas audiências, simultaneamente. Neste universo, onde estão pre-

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Série Memória 15

(Preleções de gramática) O texto do Dr. Semana, alter ego de Henrique


Fleiuss, ironiza fortemente as obviedades dos tempos imperiais.

sentes alguns dos aparatos ópticos que contribuíram para o apare-


cimento da nova visualidade que se instaurou no século XIX, é
natural que a fotografia encontrasse o seu lugar.

2 Andrade, Joaquim Marçal Ferreira de. História da fotorreportagem no Brasil. P. 124-


125. V. Bibliografia.
3 Cotrim, Álvaro. Apud Ferreira de, op. cit ., p. 124.

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16 Cadernos da Comunicação

Pioneira (também)
do marketing
Uma intensa e moderna campanha de marketing precedeu o
lançamento da revista pioneira de caricaturas e variedades para
despertar a curiosidade do público que viria a ser leitor de seu
periódico. Henrique Fleiuss, também nesse ramo, foi pioneiro.
Produziu o primeiro cartaz-anúncio ilustrado de que se tem no-
tícia, no Rio. Inventivou, e seguindo um modelo já adotado na
Europa, imprimiu a capa, em tamanho maior, do número de es-
tréia da Semana Ilustrada. Mandou afixá-la, como cartaz de pu-
blicidade, em pontos estratégicos, como nas paredes de um quar-
teirão denominado na época Boulevard Cerceler, situado entre
o Beco dos Barbeiros e a Rua do Ouvidor, onde ficavam a Con-
feitaria Francioni (ali foram servidos os primeiros sorvetes do
Rio de Janeiro), o Cercle du Commerce e o restaurante O Glo-
bo, onde brilhavam espelhos e mármores. O Boulevard Cerceler
era o ponto chic (o point), o espaço elegante das confeitarias e
boticas, onde também estacionavam os tílburis, precursores dos
táxis. E era ali que ficava o ponto inicial de “uma das linhas de
bondes a burros da Carris Urbanos”. 4
A sede da Semana Ilustrada era vizinha do, na época, famoso res-
taurante Muller e Petzold, quase na esquina com Rua da Alfânde-
ga, conhecido pela excelente culinária alemã e “pelo chope
Columbacher, importado da Alemanha, e conhecido então como
cerveja de tonel”.5 Fleiuss tinha escolhido bem o lugar, estratégico
para instalar a sua revista.
Não é de se admirar portanto que, dada a novidade, a quali-
dade gráfica, a publicidade e a ausência de concorrentes à sua
altura, a Semana Ilustrada se tenha transformado num sucesso de
vendas desde o lançamento.

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Série Memória 17

Mas o talento publicitário de Fleiuss não parava por aí: na estei-


ra de uma tradição secular, também proveniente da Europa, o editor
alemão (com efeito, nunca se naturalizou brasileiro) passou a oferecer
aos leitores sofisticadas estampas encartadas na revista, chamadas su-
plementos, que anunciavam desta maneira no seu periódico:

PUBLICAÇÃO
Sairá à luz em um dos dias da próxima semana, um grande
quadro litografado, representando – O desastre que teve lu-
gar na fortaleza de S. João, no dia 7 do corrente, e do qual
escapou milagrosamente S.M. o Imperador e sua comitiva.
O quadro representa o momento em que rebentou a peça, e
traz os retratos de todas as pessoas que se achavam presen-
tes nessa ocasião, bem como uma fiel cópia do lugar, desenha-
do do natural, na fortaleza.
O preço de cada estampa, impressa em duas tintas, é de
5$000, e para os assinantes da Semana Ilustrada é de
3$000. 6

A propósito desta estratégia de vendas, comenta Andrade:

Os mesmos cinco mil réis eram o preço pago por um assinante


residente na Corte, para receber a Semana Ilustrada todos os domin-
gos, durante um inteiro trimestre! É provável mesmo que esta fosse
uma das maneiras de se compensar das perdas financeiras decor-
rentes da produção da Semana, e neste sentido o editor não poupa-
va esforços para comercializar os suplementos.
Pioneira no gênero de caricaturas e notícias em geral, a Semana
Ilustrada teve ainda depois outros lances inovadores: foi ela que
criou e estabeleceu o padrão da charge novecentista da figura hu-
mana, um retrato em dois planos, sem deformações caricaturais a
não ser a de uma cabeça grande plantada sobre um corpo pequeno;
e para o pesquisador Tobias Queiroz, também é Fleiuss o precursor

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18 Cadernos da Comunicação

das histórias em quadrinhos no Brasil: “Já os primeiros indícios da


HQ no Brasil se dá por volta do ano de 1860, quando (...) Henrique
Fleiuss primeiramente publicou o personagem Dr. Semana, publi-
cado na Semana Ilustrada”.7
Henrique Fleiuss era conservador (jamais atacou a família im-
perial, pelo contrário), da mesma forma que o traço máximo de
liberdade que se permitia com as personalidades caricaturadas era
aumentar-lhes o tamanho da cabeça. Preferia retratar com precisão
alguns traços das celebridades escolhidas, introduzindo, assim, um
tipo de deformação que resultava na qualidade fotográfica espera-
da pelo público dos periódicos ilustrados. Era a pressão da fotogra-
fia que estava para surgir por aqui...
O traço de Fleiuss, diz um pesquisador, segue o estilo da arte
“germânica, naturalista e marcada pela escola expressionista,
nisso, aliás, profundamente diferente, pelo espírito, da dos de-
mais caricaturistas ativos no país, todos eles marcados pela arte
francesa ou italiana”. 8 Nisso ele se afastava dos dois outros gran-
des mestres da caricatura na época, o italiano Angelo Agostini,
fundador da Revista Ilustrada, e o português Rafael Bordalo Pi-
nheiro, que dirigiu a revista O Mosquito e depois lançou Psit!!! e
O Besouro, ambas de espírito e ideologia muito diferentes dos
veiculados pela Semana.
Já foi observado, e a observação parece fundamentada, que o
exame da primeira página do no 1 da nova revista indica que a prin-
cipal notícia do dia (16 de dezembro de 1860) seria o próprio lança-
mento da Semana Ilustrada, com seu projeto inovador. Por sua vez, o
caricaturista e pesquisador Álvaro Cotrim (Alvarus) comenta:
“Aquele número 16 seria talvez um vaticínio, pois, curiosamente, a
Semana Ilustrada viveria 16 anos”.
A capa do periódico considerada em si mesma, já analisada por
alto, e o contundente lema, não deixam dúvidas quanto aos objeti-
vos que a Semana Ilustrada se propunha. Mas é no primeiro editorial

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Série Memória 19

de Henrique Fleiuss que o projeto de interferência direta na socie-


dade carioca é explicitado com clareza:

A SEMANA ILUSTRADA
“Ridendo Castigat Mores”

Sob esta divisa singela e expressiva aparece hoje a Semana


Ilustrada pedindo a aceitação do público ao encetar sua
variegada tarefa.
Não vem ela contar aos seus leitores por que novas fases
passou ontem a política, quais foram as operações mais re-
centes da praça, quantos ratoneiros caíram nas mãos da
política, enfim por que motivos tateamos na sombra a tantos
respeitosa, apesar de vivermos no século das luzes, e à luz
magnífica do gás do Aterrado.9
Não, a missão do modesto atleta, que entra hoje no vasto areal
da imprensa, é a mais laboriosa, também a mais
transcendente.
Falamos por ele.

Estranho às mesquinhas lutas da política pessoal, ao exame e


discussão de nihilidades e, ajudados por ventura do favor públi-
co, propomo-nos principalmente a realizar a epígrafe que pre-
cede estas linhas: Ridendo castigat mores.
Adeptos da escola desses críticos, que em suas observações e pa-
receres deixavam em descanso os venerandos autores de obras
meritórias, inimigos da fofa pretensão dos Colombos da impren-
sa, que em sua fantasia descobrem novos mundos a cada passo,
novos princípios, novos preceitos, novas conveniências sociais a
cada momento, não nos arrogamos o papel presumido de censo-
res da sociedade – de férula alçada e olhar carregado.
Longe de nós tal propósito.

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20 Cadernos da Comunicação

Riamos! Em toda essa multidão que se move curvada sobre o


futuro; em todos esses energúmenos que enxergam horizontes
claros através da fumaça do charuto, e namoram a própria
sombra, há um lado ridículo que merece particular atenção, e é
dele que nos ocuparemos.
Buscaremos a humanidade fora dos templos, longe dos cemité-
rios, além desses lugares neutros ela será conosco; iremo-nos [sic]
com ela.
Na política, no jornalismo, nos costumes, nas instituições, nas
estações públicas, no comércio, na indústria, nas ciências, nas
artes, nos teatros, nos bailes, nas modas, acharemos para a
Semana Ilustrada assunto inexaurível, matéria inesgotável
para empregar o lápis e a pena.
Espectadores ativos, mas imparciais, de todas as lides empenha-
das por essas grandes turmas, aplaudiremos o bem que pratica-
rem e sem temor da polícia censuraremos o mal que fizerem.
Censuraremos rindo, e conosco rirá o leitor, pois em todo esse
mundo movediço que se enfeita ao espelho, e apregoa o seu valor
extremo, há um lado vulnerável onde penetra o escalpelo da
crítica, há uma parte fraca que convida ao riso.
(...)
Passa a humanidade!
E está em cena a Semana Ilustrada!10

4 Gerson, Brasil. História das Ruas do Rio, p.


5 Id., ibid., p.
6 Semana Ilustrada, 14 ago.1836.
7 Andrade, op. cit.
8 Pinto, Odorico Pires, etc.
9 Aterrado, etc.:
10 Semana Ilustrada, 16 dez. 1860, p.2.

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Série Memória 21

Gravura e imprensa
A gravura teve sua divulgação multiplicada pela imprensa, que a
solicitava. O texto cinzento das folhas começou e receber a anima-
ção de bonecos, ou apenas desenhados ou como caricatura. No
Rio, começaram a aparecer, desde 1831, em pasquins despretensio-
sos, lançados pela litografia Briggs. Os desenhistas, caricaturistas
ou fundadores de jornais e revistas chamaram-se Henrique Fleiuss,
Rafael Lusson, Aurélio de Figueiredo, Pinheiro Guimarães, Belmiro,
Pedro Américo, Angelo Agostini, posteriormente Calixto, J. Carlos,
Belmonte, Raúl, Cordeiro, Rafael Bordalo Pinheiro. Foi com eles
que nasceu e se desenvolveu a caricatura brasileira. Os periódicos
que surgiam chamavam-se por nomes bem curiosos: Lanterna Mági-
ca (1844), Diabo Coxo (1864), Semana Ilustrada (1860), O Gabrião
(1866), Vida Fluminense (1868), O Mosquito (1869).
Ao fundar a Semana Ilustrada, o desejo de Henrique Fleiuss era
criar um periódico de padrão elevado, que nada ficasse a dever às
melhores revistas da Europa, quer na qualidade técnica das ilustra-
ções, quer no que dissesse respeito à perfeita adequação imagem/
texto. Mas em pouco tempo ele se defrontou com uma dificuldade
séria: a falta de mão-de-obra especializada.
Foi para resolver esse problema que a firma Fleiuss, Irmão &
Linde, fundadora do Instituto Artístico em abril de 1861 (a partir
de 1863, graças ao título honorífico concedido por Dom Pedro II,
denominado Imperial Instituto Artístico), especializado em tipo-
grafia, litografia, aquarela, pintura a óleo e fotografia, decidiu abrir
uma escola de xilografia (gravura em madeira). O interesse básico
de Fleiuss era a criação de uma equipe de especialistas em
xilogravura, necessários para dar continuidade à qualidade gráfica
da Semana Ilustrada. A escola fundada em 1863 (a primeira de gra-
vura em madeira no Brasil) tinha um currículo de três anos e logo

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22 Cadernos da Comunicação

nela se matricularam numerosos alunos, que no primeiro ano paga-


vam pequenas mensalidades, e a partir do segundo passavam a re-
ceber remuneração pelos trabalhos. Entre os xilogravadores que ali
se formaram cita-se João Henriques de Lima Barreto, pai do grande
romancista carioca Lima Barreto.

(Photographia mallograda) Aqui o conteúdo sarcástico da ilustração é mais


do que notável: é uma primorosa ironia dos dramas cotidianos da imprensa
daqueles tempos.

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Série Memória 23

A respeito do Imperial Instituto, escreve Orlando da Costa


Ferreira que “seus dirigentes se tornaram (...) a primeira equipe de
designers do Brasil. (...) A presença desse grupo de gravadores foi,
como logo se concluiu, uma das mais importantes aquisições artís-
ticas feitas pelo Rio do século passado [séc. XIX; N.E.], neste mo-
mento interessando apenas seu decisivo papel no desenvolvimento
da gravura em madeira”.11

11 Ferreira, apud Andrade, op. cit., p. 121.

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24 Cadernos da Comunicação

Guerra do Paraguai
Um dos pontos altos da Semana Ilustrada foi sua cobertura da
Guerra do Paraguai (1865-1870), que opôs a este país as nações
ligadas pelo chamado Tratado da Tríplice Aliança (assinado em 1o/
5/1865): Argentina, Brasil e Uruguai. A rigor, a guerra começou
em dezembro de 1864, antes da assinatura do tratado.
O conflito, um dos mais trágicos e sangrentos de que o Brasil até
hoje participou, eclodiu devido a um conjunto de problemas relativos
a jogos de alianças já tradicionais naquela região, e que diziam respeito
à política externa paraguaia, dirigida por Solano López, e considerada
expansionista pelos adversários. Um dos motivos próximos da guerra,
para o Brasil, foi “a necessidade de livre acesso ao território brasileiro
pelo Rio Paraguai, vedado aos nossos barcos por López”.12
No que se refere à enorme mortandade de pessoas, causa-
da pela violência bélica e pelas doenças, foi uma das guerras
mais devastadoras do século XIX: o Paraguai perdeu mais de
metade da população, e até hoje não se refez totalmente
desse desastre. O Brasil perdeu um número de pessoas que
uns autores calculam em torno de 50 mil, outros, de até 100
mil. As batalhas desenrolaram-se principalmente nas lagoas
e nos charcos paraguaios.
A guerra, enfim, terminou com a vitória dos três países
aliados. As conseqüências econômicas, financeiras e políti-
cas exerceram igualmente pesados impactos estruturais so-
bre os vencedores. Do ponto de vista de como a informação foi
veiculada (ou apenas fixada), foi a primeira guerra com a parti-
cipação do Brasil a envolver o uso da fotografia (embora uma
fotografia de características especiais, como se verá adiante).
A Semana Ilustrada exerceu, neste sentido, papel decisivo. Assim
que teve início o conflito, publicou charges instigando ao alista-

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Série Memória 25

mento voluntário. Uma delas de grande impacto: um desenho da


senhora Rosa da Fonseca (baseado na famosa matrona romana
Cornélia, mãe dos Gracos), mãe do futuro marechal Deodoro da
Fonseca e de outros sete militares, dando a bênção ao filho mais
jovem, de partida para o teatro da guerra [20 de agosto de 1875].
Noticiou ainda, com notável regularidade, o avanço das forças bra-
sileiras, exaltando as suas ações. E, bem distante dos campos de
batalha, promovia campanhas mobilizadoras da população.
Já foi observado pelo historiador Herman Lima que seria pos-
sível fazer uma reconstituição da Guerra do Paraguai e de suas
várias campanhas seguindo a cobertura feita pela Semana Ilustra-
da, com mapas de reconstituição de lugares das batalhas e mo-
mentos dos recontros, alegorias, caricaturas, nos croquis de “cor-
respondentes de guerra” capacitados, como Antonio Luiz van
Hoonholtz, depois Barão de Tefé, um do oficiais combatentes,
Alfredo d’Escragnolle Taunay, Severino de Gomensoro e Joaquim
José Inácio, acompanhados de narrativas vindas dos lugares em que
se desenrolavam as operações militares. Freqüentemente são retra-
tados Osório, Mitre, o Conde d’Eu e Caxias. As ilustrações de
Hoonholtz e os artigos de Levarriba (Visconde de Inhaúma) faziam
crescer a popularidade da revista.
O ataque, satírico ou até sanguinário, a Solano López, é uma
constante da Semana. Fiel ao Imperador Dom Pedro II e à sua polí-
tica externa, Fleiuss adotou, desde o começo, uma posição violen-
tamente patriótica, e não raro cruel em relação ao Paraguai, não
hesitando em pôr palavras incendiárias e ofensivas na boca de seu
alter ego Dr. Semana:

“Ao Paraguai, esse ninho de feras, que a natureza envergonhada de


as haver criado escondeu em lugares inóspitos, ali é que o brioso
exército e a gloriosa marinha têm de tomar estreitas contas ao
déspota sanhudo, anacronismo vivo no século atual (...)

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26 Cadernos da Comunicação

Ali silvem as balas, estourem as granadas, serpenteiem os


congreves, estale a fuzilaria até que a cabilda de López, digna
matilha de tão digno caçador de vapores indefesos, fique para
todo o sempre curada da febre da supremacia, que deseja exercer
(...).”

Solano López ora é retratado na figura de um abutre, segu-


rando nas garras dois sacos de ouro, aterrorizado pela imagem
da morte que lhe grita: “Basta, delenda Paraguai” [18.8.1867]; ora
aparece espavorido, diante do espectro do fim da guerra, tam-
bém retratada pela imagem da morte que empunha a espada da
Justiça e lhe aponta o exílio.
Às vezes, porém, Fleiuss consegue satirizar (com ironia atenua-
da, é certo) comportamentos sociais brasileiros. Em uma sátira de
guerra, uma das primeiras, faz uma crítica ao conceito de “voluntá-
rios”, já que muitos soldados foram enviados à força para o confli-

(Episódios da guerra contra o Paraguay) Sua Majestade, o imperador Dom Pedro II não
estava, evidentemente, nas frentes da guerra do Paraguai. Contudo, esta ilustração
magistralmente desenhada monta uma cena bem próxima da realidade.

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Série Memória 27

to. Uma dessas charges mostra uma conversa de dois homens num
café: “Que fim levou o Juca?” – pergunta um; ao que o outro res-
ponde: “O Pimentel prendeu-o para voluntário”. [19/2/1865]
Nessa época, as notícias entre o teatro da guerra e a Corte
vinham (e iam) nos navios da carreira Rio da Prata–Rio de Ja-
neiro. As notícias que chegavam (as “últimas notícias”) eram
esperadas com ansiedade. Foi, então, a Guerra do Paraguai que
tornou possível para Henrique Fleiuss a primeira cobertura
jornalística regular, com caricaturas, desenhos, comentários,
enviados por um corpo de “correspondentes de guerra”, alguns
deles, combatentes. Foi a primeira vez, informam os historiado-
res, que um editor de revista, no Rio, decidiu constituir uma
equipe de fotógrafos para colherem imagens de uma guerra, em
vista de sua publicação.
Com efeito, em 2 de abril de 1865, a Semana Ilustrada anunciava:

“AVISO AOS NOSSOS ASSINANTES


Temos a satisfação de anunciar aos leitores da Semana Ilustra-
da que uma comissão de engenheiros da força expedicionária de
Mato Grosso, que segue hoje para essa província, estudou em
nossa casa a fotografia e levou uma máquina e as necessárias
preparações a fim de tirar vista de tudo o que possa haver de
interessante, para junto com as necessárias descrições ser publi-
cado na Semana.
Congratulamo-nos por tão importante coadjuvação, que de
certo modo aumentará muito o interesse que o público tão be-
nevolamente tem mostrado à nossa publicação.
Os cinco membros da comissão fotográfica são: capitão An-
tonio Florencio Pereira do Lago; o tenente João da Rocha
Fragoso; dito, Catão Augusto dos Santos Roxo; dito, José Eduar-
do Barbosa; dito, Alfredo d´Escragnole Taunay.”

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28 Cadernos da Comunicação

Henrique Fleiuss, consciente do poder da imagem, era muito


cauteloso no que respeita à cobertura visual da guerra, adotando
neste caso uma estratégia muito diferente da que adotava nas pala-
vras que utilizava.
Há hoje informações de que a Guerra do Paraguai foi muito
bem documentada fotograficamente em todas as suas facetas.
Sabe-se que existem fotos de cadáveres adultos, soldados mutila-
dos, crianças mortas e prisioneiros desnutridos. Mas nenhuma de-
las foi publicada na Semana.
No que se refere às imagens divulgadas, elas eram tratadas de tal
modo que o impacto visual era muito atenuado. Em primeiro lugar,
naquele tempo as fotos não eram impressas diretamente no jornal:
a partir delas, faziam-se desenhos, o que resultava “em fotos fiéis”.
Era um progresso, na opinião dos especialistas, pois até o momento
as chamadas “fotos fiéis” da imprensa eram feitas a partir de dese-
nhos. E Fleiuss encontrou ainda outro meio de atenuar o impacto
da ilustração: na sua Semana, os mortos parecem vivos.
Em 30 de abril de 1865, a Semana Ilustrada mostra um desses exem-
plos de visualidade atenuada: A revista publica a “foto” de “Três Bra-
vos de Paissandu, Feridos na Ação do Ataque”: o tenente Antonio de
Campos Mello, do Batalhão 12 de Infantaria, está ferido por uma bala.
Aparecem todos na cama, recostados, com suas espadas ao alcance da
mão. Segundo informação da legenda, sabemos que o “bravo” do meio
está morto; mas apenas a legenda informa, a foto, não.
Em outra “foto” [24/12/1865], o tenente Hoonholtz, um dos
combatentes/correspondentes de guerra, aparece na Semana com
aspecto solene, sentado no convés do navio de guerra que coman-
da (uma canhoneira), na atitude de quem desenha, segurando com
toda a serenidade uma pena, e com uma prancha sobre as pernas
cruzadas. Na legenda, lemos: “O nosso desenhista L. Hoonholtz,
comandante da canhoneira Araguari, passando as baterias de Cuevas
e desenhando-as com o maior sangue frio”.

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Série Memória 29

A primeira foto de guerra foi publicada na Semana Ilustrada em 5


de março de 1865, em um suplemento ilustrado. Denomina-se “Vis-
tas de Paissandu, depois da tomada da praça. Fotografadas do na-
tural e obsequiosamente oferecidas à Semana Ilustrada pelo Ilmo. Sr.
Vianna de Lima”.
A outra foto, no mesmo suplemento, traz informação-legenda:
“Acampamento da infantaria brasileira diante de Paissandu. No fun-
do, as canhoneiras e a ilha para a qual se retiram muitos habitantes
de Paissandu”.
Em 12 de março do mesmo ano, a Semana publica o retrato, em
pé, de uma índia paraguaia famosa, a Índia Catalina, com a legenda:
“Esta mulher acompanhou sempre o exército do general Flores,
vestida de homem. Morreu em Paissandu. O retrato é fiel; foi co-
piado de uma fotografia”.
Só a estratégia de Fleiuss faz com que estas imagens, que ti-
nham tudo para ser chocantes, não o sejam. O cenário é de guerra,
reina a destruição, edifícios danificados. Mas não há pessoas feri-
das, mutiladas ou mortas.
Mais uma foto, de 8 de outubro de 1865, mostra uma nova es-
tratégia (ilusionista) de Fleiuss: a manipulação do tempo e do espa-
ço: “Episódios da Guerra do Paraguai. Sua Majestade o imperador,
não obstante o intenso frio que fazia, tira dos ombros a capa e co-
bre com ela um soldado, que estava inteiriçado”. O Imperador, com
certeza, não estava no teatro de operações: a “foto fiel” não passa
de uma montagem bem feita.
Outra edição da Semana Ilustrada mostra uma litografia de Dom
Pedro II, ao lado do duque de Saxe, posando diante dos soldados num
acampamento militar, no Paraguai, com a legenda: “S.M. o Imperador
e S.A. o duque de Saxe em traje de campanha. Copiados das fotografias
enviadas de Porto Alegre” [10/9/1865]. A montagem, mais uma vez,
dá a ilusão da realidade, logo desmentida pela informação [“copiadas de
fotografias enviadas etc.”]

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30 Cadernos da Comunicação

Embora a Semana tenha sido atacada pelos concorrentes por este


motivo, a crítica não procedia: os jornais ilustrados da época não
tinham como fazer de outro modo. A maioria deles agia assim.
É nesta linha que Joseph Mill, por exemplo, em O Bazar Vo-
lante, se refere aos desenhos da Semana Ilustrada como tendo
sido enviados dos campos do Paraguai. Mill, para fazer a crítica,
recorre aos personagens de Fleiuss, Dr. Semana (ali chamado
Dr. Charlata) e seu inseparável Moleque: os dois estão no cais
da Praia, acenando para uma máquina fotográfica que sai voan-
do no rumo do Sul, e dialogam:

Dr. Charlata – Lá vai. Há de voltar com vistas do Paraguai.


Moleque – Sem fotógrafo, Nhonhô?
Dr. Charlata – Pateta, manda-se a máquina; se cá não voltar,
faz-se o mesmo que já fizemos com a tomada de Paiçandu (sic):
uma grande igreja, a de São Francisco de Paula, por exemplo,
muita fumaça, soldados, a bandeira brasileira por toda a parte,
etc. Escreve-se por baixo: vista de tal, etc. Expõe-se na Rua do
Ouvidor e no dia seguinte o povo come gato por lebre. Já não é a
primeira vez.13

12 Mauro Santayana, in: Jornal do Brasil, 21 jun. 2007, p. A2.


13 Bazar Volante, 12 abr. 1865.

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Série Memória 31

A Questão Christie
Outro incidente da política externa brasileira, incomparavelmente
menos importante do que a Guerra do Paraguai, mas que teve peso
diplomático, foi a chamada Questão Christie, um sério acontecimen-
to que levou Dom Pedro II a declarar o rompimento das relações
diplomáticas do Brasil com a Inglaterra. Também neste caso a Se-
mana Ilustrada adotou uma posição em que ficou bem marcado o
patriotismo do editor Fleiuss.
Em 1858, havia sido criada uma comissão mista para tratar das
questões pendentes entre os governos do Brasil e da Grã-Bretanha,
tendo esta última apresentado uma lista de reclamações que somavam
a enorme quantia de 300 mil libras esterlinas. Grande parte dos itens
referia-se a perdas totais ou parciais de navios e cargas ocorridas desde
1856. O Brasil, por sua vez, apresentava reclamações relativas à apre-
ensão de cargas e navios brasileiros pela Royal Navy.
No dia 2 de abril de 1861, o navio mercante inglês Prince of
Wales partiu de Glasgow, Escócia, com destino a Buenos Aires, le-
vando uma carga de carvão, louças, fazendas e barricas de azeite e
vinho. No início de junho, o navio naufragou na costa do Albardão,
província do Rio Grande do Sul.
A notícia do naufrágio se espalhou por toda essa região do Bra-
sil. Alguns tripulantes deixaram o navio para avisar à Capitania dos
Portos sobre o ocorrido. Ao regressarem, encontraram o navio pi-
lhado e, na praia, os corpos de 12 dos seus companheiros.
Uma reclamação formal foi feita pelo embaixador inglês, o mi-
nistro plenipotenciário William Dougal Christie, que a encaminhou
ao imperador Dom Pedro II. Anexa, uma exigência: que o Brasil
pedisse desculpas pelo incidente, pagasse uma indenização corres-
pondente ao valor da carga desaparecida e permitisse a presença de
um oficial inglês para acompanhar as investigações.

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32 Cadernos da Comunicação

Nessa mesma época, no Rio de Janeiro, dois marinheiros britâni-


cos, tripulantes da fragata Emerald, envolveram-se em briga de rua
com marinheiros brasileiros. Foram todos presos pela polícia portu-
ária, sendo soltos no dia seguinte. Entretanto, dois dias depois, o
ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, Antônio Coelho de
Sá e Albuquerque, enviou nota ao embaixador britânico, pedindo
que os tripulantes ingleses fossem colocados à disposição das auto-
ridades nacionais.
Mais uma vez, o embaixador plenipotenciário Christie voltou à pre-
sença do imperador Dom Pedro II, pedindo a prisão dos marinheiros
brasileiros e o pagamento da indenização. Caso isso não acontecesse, a
marinha britânica fecharia a entrada da Baía da Guanabara.
Diante da recusa do imperador brasileiro, a Inglaterra enviou
uma canhoneira ao nosso litoral e ameaçou atacar a cidade gaúcha
de Rio Grande. Oito meses depois, uma esquadra comandada pelo
almirante Warren bloqueou o porto do Rio de Janeiro, apreendendo
cinco navios brasileiros ali fundeados, e exigiu do governo brasilei-
ro uma vultosa indenização em libras esterlinas. Outros navios da
Royal Navy foram espalhados pelos principais portos brasileiros,
estabelecendo um bloqueio naval inglês ao Brasil.
O governo brasileiro agia por outros métodos. Num discurso
público, o ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
atacou com dureza o embaixador Christie, acusando-o de prin-
cipal entrave para as relações binacionais. A população brasi-
leira revoltou-se contra as exigências consideradas descabidas
do governo inglês. Houve ameaças de invadir a casa do embai-
xador Christie e os estabelecimentos comerciais de ingleses que
viviam no Brasil.
Em face do agravamento da tensão entre os dois países, a Ingla-
terra propôs que as questões fossem solucionadas através do
arbitramento internacional, com o rei da Bélgica, Leopoldo I, como
mediador. O governo brasileiro, entretanto, resolvera pagar por an-

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Série Memória 33

tecipação a quantia estipulada, pois o imperador não queria discu-


tir problemas de dinheiro e, sim, o desrespeito inglês pela soberania
nacional do Brasil. Na verdade, Dom Pedro não acreditava num
veredicto contra os ingleses, pois o rei Leopoldo era tio da rainha
Vitória da Inglaterra.
O arbitramento do monarca belga ficou, então, restrito às de-
mais exigências de Christie e à violência da Inglaterra ao aprisionar
os navios brasileiros. A decisão foi favorável ao Brasil, cabendo
então ao governo britânico apresentar desculpas oficiais por ter ofen-
dido a dignidade da nação brasileira.
A Inglaterra negou-se a cumprir o estabelecido pela decisão da
arbitragem, e a resposta de Dom Pedro II foi o rompimento das
relações diplomáticas entre os dois países, em 1863. Essas relações
só seriam reatadas em 1865, com a mediação do rei Dom Luiz de
Portugal – da família Orléans e Bragança, como Dom Pedro II –,
quando o governo inglês, através de Edward Thornton, finalmente
apresentou pedido oficial de desculpas pelo incidente.
Na Semana Ilustrada, a crônica “Ao Acaso”, de 18 de janeiro de 1863,
formula a seguinte pergunta, em tom sarcástico: “Quantas sumacas
apresadas equivalem à dignidade ofendida de um oficial da marinha
britânica? Não se sabe ao certo”. (Uma referência clara ao apresamento
dos cinco navios brasileiros pelas autoridades inglesas.)
Mais para o fim do mesmo número da Semana, Fleiuss faz uma
caricatura de Christie, o ministro plenipotenciário inglês, apresen-
tando-o com traços de um dipsômano, que se fixaram de uma vez
por todas à imagem do embaixador.
A caricatura mostra Christie em cima de um barril que traz o
rótulo “Fluid gun powder”. E, em seguida, a frase: “Para ti, W.D.C.
36º”. Christie segura com a mão uma bucha de estopim aceso,
onde se lê o dístico: “Direito das Gentes”, e fala para um grupo
de pessoas, algumas com sacos de dinheiro. Há entre eles o se-
guinte diálogo:

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34 Cadernos da Comunicação

– Christie audi nos...


– Si, yes, mim agora ouve povo brasileiro, porque vi ter razão e
fala direito, e conhece que mim gosta mais de nota de banco que
de nota diplomática. Se vossê [sic] fala sempre comiga assim, eu
estar sempre sua amiga de vossê, porque mim não gosta de bri-
ga. Escuta: outro dia Jonatas manda mim plantar batata, e eu
responde manda Jonatas plantar algodão: Jonatas fica furiosa e
quer logo briga comiga: mas John Bull correr para Petropole,
tomar fresca na sua cabeça. Quando pode ouvir tinir dinheiro,
John Bull não faz tinir espada.

No número seguinte da Semana, seguem-se outras charges, todas


elas de grande veemência. Em uma delas, um marujo inglês, com ca-
beça de leão, tem um pé fincado na Inglaterra e joga o outro pé por
cima do oceano, para apoiá-lo em terra brasileira. A legenda comenta:

– In illo tempore, dixit Christie aos seus patrícios: “Dese-


jando dar-vos o que comer, eu estendo uma perna desde a Ingla-
terra ao Brasil, onde consegui pôr o pé; mas infelizmente uma
chuva de flechas lançadas pelos caboclos me fizeram mais que
depressa desaparecer o movimento”.

Em outra caricatura, com o título “Lachrima Christie”, vê-se o


ministro inglês derramando grossas lágrimas sobre um garrafão de
gim. Poucos dias depois (8/2/1863), mais uma pesada charge, com
o texto explicativo: “A grande serpente de São Jorge acaba de res-
suscitar e deixando o frio Canal da Mancha: veio aquecer-se no mar
do Brasil. Consta que o Dr. Bulha-Mata faz todo o esforço para
conservá-la no Museu Nacional”. O desenho a que se refere o tex-
to é o de uma serpente fabulosa, com uma cabeça de dragão e com
asas de morcego, por sobre as ondas e esmagando embarcações.
Passados sete dias (15 de março), Christie é de novo atacado
violentamente. Enquanto está fazendo as malas, o ministro inglês

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Série Memória 35

recebe a visita do companheiro do Dr. Semana, o famoso Moleque,


que vem trazer-lhe um cacho de bananas, e lhe diz:

Moleque – Meu Sr., o Dr. Semana, sabendo que Vossa


Grandeza tenciona partir no paquete inglês, toma a ousadia
de lhe oferecer este cacho de bananas para refrescar, durante
a viagem, e lembrar-se desta terra, onde V.S. mostrou tam-
bém que não é banana mas que tem batatas. Boa viagem,
Mylord, que Deus o livre de novos acessos de spleen.
Mylord and gentleman – Já estava fechando a mala como
vês, meu Moleque, mas vou abri-la para guardar estas ba-
nanas, e dirigir minha última nota ao Governo Brasileiro
para mandar pagar o frete delas.

Como se vê, a Semana Ilustrada não media palavras em suas críti-


cas ao ministro Christie, apresentado como arbitrário (quantas sumacas
brasileiras aprisionadas equivalem à dignidade de um oficial inglês?),
beberrão (gim, vinho lachrima... Christie), incendiário, encrenqueiro
(o que tinha sido explicitado na nota do ministro brasileiro da Agri-
cultura, acusando Christie de ser um entrave às boas relações
binacionais), mais sensível ao dinheiro do que à correta diploma-
cia, um tanto covarde (ameaça de fuga para Petrópole) e mesquinho
(pedindo que o governo brasileiro pagasse o frete de bananas).
Por extensão, é feita a crítica implícita à Inglaterra (referên-
cia a John Bull, símbolo dos ingleses, e também à serpente de
São Jorge. Como se sabe, o santo é patrono da Inglaterra, de que
Christie era apenas um transitório representante oficial com
todos os poderes, tendo seus atos, portanto, o apoio pleno do
governo inglês.
E, na crítica, uma nota bem-humorada: o uso em tom de paródia
do nome Christie (confundido intencionalmente com Christe, Cristo,
em latim), e a alusão à linguagem religiosa: Christie, audi nos (Cris-
to, escutai-nos!); e “In illo tempore dixit Christie aos seus patrícios”,

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36 Cadernos da Comunicação

também uma referência ao início do Evangelho, na missa: “Naque-


le tempo, disse Cristo a seus discípulos” etc. O gesto de Fleiuss
tanto poderia significar uma atitude anticlerical, bem característica
da Semana, de que participavam todos os periódicos ilustrados da
época, agravada pela chamada “Questão Religiosa”, quanto uma
sugestão de megalomania do embaixador, que a si atribuiria carac-
terísticas salvadoras e onipotentes (ministro plenipotenciário), con-
fundindo-se com a figura de Cristo.

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Série Memória 37

A Questão Religiosa
No cabeçalho do primeiro número da Semana Ilustrada (16 de
dezembro de 1860) aparece um padre, ou um homem vestido de
padre, sentado na companhia de uma mulher entre outras
figurinhas dançantes, sob o foco da Lanterna Mágica, manobra-
das por Mefistófeles.
A presença irreverente de um sacerdote é mais do que bastante
para mostrar a atitude hostil de Henrique Fleiuss relativa à Igreja
católica. Não era atitude isolada do jornalista, pois o combate à
Igreja católica foi comum aos três semanários litografados da Corte
(Semana Ilustrada, Vida Fluminense e O Mosquito). Muito embora sua
linha política fosse diferente, eles concordavam no que dizia res-
peito aos problemas implicados na chamada Questão Religiosa, um
conflito aberto entre a Igreja católica e a maçonaria, que eclodiu no
Brasil na década de 1870.
Tudo começou com um sermão pregado no Rio de Janeiro, dia 3
de março de 1872, pelo padre Almeida Martins, em que o sacerdote
saudava em linguagem de maçom a Lei do Ventre Livre, proposta
pelo presidente do Conselho de Ministros, então o visconde do Rio
Branco. Esse padre-maçom foi logo suspenso pelo bispo do Rio,
Dom Pedro Maria de Lacerda. Em maio do mesmo ano, o bispo de
Olinda, Dom Vital de Oliveira, admoestou dois sacerdotes de sua
diocese por serem maçons e depois os afastou, porque desobedece-
ram ao bispo. Também impediu que outro sacerdote, monsenhor
Pinto Campos, celebrasse o casamento de um católico pertencente
à maçonaria. Por fim, o bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo
Costa, suspendeu padres maçons de sua diocese.
Na interpretação dos historiadores, a Questão Religiosa se de-
sencadeou porque a união do Trono e do Altar, estipulada na Cons-
tituição de 1824, dava origem a conflitos entre correntes ideológi-

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38 Cadernos da Comunicação

cas em confronto, na época. Por exemplo: cabia ao Estado encarre-


gar-se da nomeação dos sacerdotes e pagar-lhes as despesas, pelo
que as bulas papais só teriam efeito se o Imperador as aprovasse –
quer dizer, a Igreja ficava submetida ao Estado.
Mas em breve a situação ia mudar: o Papa Pio IX, ao assumir o
pontificado em 1874, fez a crítica do modernismo liberal e logo em
seguida (1870) decretou o dogma da infalibilidade papal, em ques-
tões de fé e moral.
No Brasil, a resposta foi imediata, com a prisão, por ordem de
Dom Pedro II, dos bispos do Pará e de Olinda, ambos condenados
por quatro anos a trabalhos forçados, comutados em seguida para
prisão simples. O papa deu dimensão internacional ao conflito. Em
conseqüência, Dom Pedro anistiou os bispos e teve de substituir o
gabinete de Rio Branco pelo do duque de Caxias.
Todos os grandes caricaturistas de então se alinharam numa cru-
zada contundente contra a Igreja católica a partir desse conflito
Igreja/Estado. Como o imperador mostrou sinal de fraqueza, a opi-
nião pública passou a desconfiar do governo central. É por isso que
o historiador Pandiá Calógeras considera a Questão Religiosa “o
mais grave erro político que abalou o Segundo Reinado”. Embate
que, a seu tempo, ajudou a contribuir para a derrubada do Império.
Decisivo para essa atitude da imprensa foi que os mais im-
portantes jornalistas-caricaturistas eram estrangeiros: Agostini,
Joseph Mill, Luigi Borgomanerio e Rafael Bordalo Pinheiro não
eram brasileiros, e provinham de países católicos, mas de tradi-
ção anticlerical; situação parecida acontecia com o prussiano
Henrique Fleiuss, mais perto do protestantismo do que do cato-
licismo e, ainda mais, próximo do imperador, enquanto Agostini
ou Bordalo Pinheiro eram francamente hostis ao monarca.

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Série Memória 39

Críticas ao Parlamento
Não foi apenas nas questões ligadas à política externa (Guerra
do Paraguai, Questão Christie) que a Semana Ilustrada se fez presen-
te. A ausência de crítica à família real não foi seguida no que diz
respeito ao Parlamento, alvo há muito escolhido para os ataques
da imprensa.
Uma das mais antigas caricaturas com que a imprensa, já no
século XIX, retratava os políticos e parlamentares era a que os trans-
formava em papagaios, aves vorazes e barulhentas, principalmente
nas datas de abertura das sessões do Congresso Nacional. Nesses

(Fábrica de Barões) A ilustração exibe uma capacidade crítica extraordinária das


mazelas da vida pública brasileira na época imperial sob o governo de Dom Pedro II.

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40 Cadernos da Comunicação

momentos, eles seriam atraídos (segundo essas caricaturas) pelas lou-


ras espigas do milho dos subsídios.
A Semana Ilustrada fez uma mudança nesse padrão de carica-
tura: em vez de papagaios, o periódico passou a apresentar os
parlamentares como canários (charge “Os novos Ícaros”, de 3 de
janeiro de 1864).
Encontrando-se à janela da varanda da redação da Semana Ilus-
trada, o Moleque da capa mostra ao Dr. Semana e um bando de
pássaros voltejando em torno do Sol. Uns tombam fulminados,
outros sobem. As cabeças desses pássaros (canários) podem ser
identificadas com as de políticos da época. O diálogo entre o Mole-
que e o Dr. Semana é este:

Moleque – Olhe, Nhonhô, como estes vêm caindo! Por que uns
caem e outros estão perto do Sol?
Dr. Semana – É porque uma das asas destes é falsa, não
presta. Chegaram ao Sol da apuração e o Sol os derreteu.
Moleque – E o que se há de fazer desta cera que se derrete?
Dr. Semana – Velas para alumiar defuntos.

Há muitas outras sátiras da Semana Ilustrada apontando para a


contundência com que, desse momento em diante, os parlamenta-
res passaram a ser alvo dos caricaturistas. A Semana de 7 de feverei-
ro 1864, por exemplo, mostra duas pessoas conversando na rua:

– Que tempo legislativo!


– O quê? Legislativo? Como?
– Faz Sol e chove. Ninguém sabe o que deve esperar.

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Série Memória 41

Dos esgotos à crise bancária


Na passagem do centenário de Henrique Fleiuss, seu filho, o
historiador Max Fleiuss, relembrou muitas outras contribuições
críticas da Semana Ilustrada à sociedade carioca, e de suas impor-
tantes campanhas, como a da instalação da rede de esgotos no
Rio de Janeiro, com a supressão dos “famigerados tigres”, 14 na
expressão de Nelson Werneck Sodré. Diz Max Fleiuss:15

Ainda hoje [em 1923; N.E.] há muita gente que se


recorda dos sucessos alcançados pelo hábil artista, com
suas críticas à saia-balão, ao entrudo, ao antigo siste-
ma de esgotos e iluminação da cidade (...), às festas
populares, cenas domésticas, praias de banho, tipos
da política e das ruas (...).

(Praça do Comércio do Rio) A charge captou com humor bastante cáustico a


crise bancária da bancarrota da então Casa Souto, evento que sacudiu o Rio de
Janeiro em 1864.

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42 Cadernos da Comunicação

Um dos acontecimentos sociais sobre os quais a Semana Ilus-


trada mais insistiu, e que muito agitou e intranqüilizou os cario-
cas, foi a bancarrota da Casa Souto, então poderosa, e a decor-
rente crise bancária de 1864, analisada a fundo pelo periódico:

(...) A notícia era verdadeira, mas incrível. Não há nos


tempos modernos colossos inabaláveis. Porque a Casa
Souto era de fato um colosso de crédito. (...) Casas
reputadas sólidas, fortunas julgadas inabaláveis, viam-
se em um momento ameaçadas de total ruína. A in-
quietação foi grande: o pânico geral. (...) Abalado o
crédito geral, todos correram aos bancos (...). A sur-
presa de uns, a inépcia de outros, a inércia, a especula-
ção, tudo se acumulou impedindo a adoção de medi-
das enérgicas e prontas que restituíssem a calma ao
espírito público (...).16

Em seguida, a Semana analisava a política monetária, critica-


va o governo por não controlar devidamente os bancos que emi-
tiam papel-moeda e títulos, e sustentava o ponto de vista segun-
do o qual a crise decorria de manobras especulativas, fruto da
conversão de ações e apólices da dívida pública.
Analisava os malefícios causados ao povo, decorrentes da
compulsão de tomar emprestado aos bancos, dada a fartura do
crédito: “Essa facilidade (...) colocou a nossa população num esta-
do luxuoso de que dificilmente sairá”. E deseja que “lhe [à popula-
ção] aproveite a lição tremenda, desenhada no quadro desolador”
causado pela quebra da Casa Souto e suas decorrências.17

14 Sodré, op. cit., p.295.


15 Fleiuss, Max. “Centenário de Henrique Fleiuss”, p.358.
16 SI, 18 set. 1864.
17 SI,18 set. 1864.

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Série Memória 43

Reações cotidianas
à fotografia
Quase desde o começo, a Semana Ilustrada versa o assunto foto-
grafia, que a interessava diretamente, por muitos motivos. Entre
outros, pelo seu aspecto tecnológico (ela estava marcando o início
de uma nova era para a imprensa), e pelo impacto que essa nova
técnica de fixação e reprodução da figura estava causando, dia-a-
dia, no comportamento cotidiano das pessoas.
Com efeito, a fotografia não teve uma recepção fácil. Muitos dos
que se deixavam fotografar tinham dificuldade de reconhecer como
“seu” o rosto que a “escrita da luz” [com efeito, a palavra fotografia
significa escrita (grafia) da luz (foto)] tinha registrado. É freqüente a asso-
ciação do rosto de um fotografado com a cara dos animais (do macaco,
por exemplo, ou do galo, do porco ou do coelho). A Semana Ilustrada
registra, com humor, muitas dessas reações do universo da fotogenia.
Uma charge de 7 de abril de 1861 mostra dois cavalheiros, cor-
retamente vestidos, trocando idéias diante de uma máquina foto-
gráfica. Um deles, de chapéu e casaca, segura um charuto nos de-
dos da mão direita e, com a esquerda, mostra um ambrotypo18 com
uma foto dele mesmo, e pondera: “O diabo leve os ambrotypos...
isto é mais uma cara de macaco do que o meu retrato”.
Outra situação da mesma natureza vem apresentada na edição
de 1o de março de 1863: diante do fotógrafo com sua máquina foto-
gráfica estão duas mulheres, mãe e filha. No momento de “tirar o
retrato”, a mãe comenta: “Quem se quer fotografar deve meter a
viola no saco, para não sair com cara de mono”.
Há muitas outras referências ao tema fotografia na Semana Ilustra-
da, referências que se estendem por anos e anos, o que mostra a
demora com que o processo foi sendo absorvido pela população.
Em dois outros números da Semana há nova referência à fo-

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44 Cadernos da Comunicação

tografia, mas a observação é feita de outro ângulo, que não


exclui, no entanto, o da fotogenia: agora, o alvo da crítica são
as chamadas cartes de visite (cartões de visita) de gêneros diversos
– o formato de foto mais comum no século XIX. Repetem-se
aqui as referências a atitudes ou situações cômicas (5 de maio
de 1861 e 2 de junho de 1861).
Outro assunto curioso relativo à fotografia é o dos retratados que se
movem. Para tirarem o retrato, as pessoas precisavam enfiar a cabeça no
chamado “aparelho de pose”, a fim de que a cabeça ficasse sem se
mexer, e o retrato não saísse borrado. A edição de 3 de setembro de
1865 traz um exemplo bem-humorado de uma situação dessas, as con-
seqüências fotográficas de uma jovem que tinha ido “tirar o retrato” e
não conseguia ter os olhos quietos: Na foto, a moça aparece sentada, ao
lado de um vaso de flores, sorridente, e com uma testa enorme, cheia
de olhos, acompanhados de bocas e narizes – como se, ao movimentar
a cabeça, tudo tivesse “caminhado...” O comentário da Semana Ilustra-
da é curto e pedagógico: “(...) serve de aviso às outras”.
O tema da fotografia deu ainda motivo a outras críticas de cará-
ter social mais amplo, explorando, por exemplo, equívocos de rela-
ções amorosas, tratados com certa graça como se vê a seguir:
Um cliente entra num estúdio fotográfico e pede: “Desejo o re-
trato de D. Chiquinha só, e não no mesmo quadro com o bobo do
marido”. O fotógrafo diz apenas: “Não o tenho”. O cliente ponde-
ra: “Mas, não pode separá-los?” O fotógrafo retruca, irritado: “Hein?
Por quem me toma o senhor?! Pensa que estou disposto a desfazer
matrimônios?” (30/6/1872)
Quando se fala de fotografias publicadas na imprensa da época,
há que se fazer uma ressalva. Sabe-se que o aperfeiçoamento da
fotografia atravessou fases diversas e diferentes processos, a partir
da década de 1830, e mesmo um pouco antes. Houve primeiro, em
1826, a heliografia, invenção do francês Joseph-Nicéphore Nièpce.
A ele se deve a captação, com uma câmara obscura e uma objetiva,

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Série Memória 45

da primeira imagem assim obtida. Seguiu-se a daguerreotipia, anun-


ciada em 1939, descoberta igualmente por um francês, Louis Jacques
Mandé Daguerre, com a colaboração de Nièpce e seu filho Isidore.
Ainda outro processo importante aconteceu, o do calótipo ou talbóptipo,
descoberto pelo inglês William Henry Fox Talbot, que, embora desen-
volvido antes do daguerreótipo, só foi patenteado depois dele. Foi este
método, o do calótipo, que usava negativo (matriz) que podia multipli-
car um número infinito de cópias, o que tornou viável, enfim, a repro-
dução fotográfica. Mas, antes que a fotografia pudesse passar direta-
mente para a impressão – a chamada reprodução fotomecânica –, diversos
obstáculos precisavam ainda ser transpostos.
Antes de ser reproduzida num jornal, a foto, naquela época, era
submetida a diversos tratamentos, não passava diretamente para a
impressão. Um pesquisador, Orlando da Silva, nos mostra como o
processo era trabalhoso:

Na gravura de reprodução, para se chegar à estampa impressa,


por vezes, temos o pintor do quadro a reproduzir, o desenhista
que traduz os valores pictóricos em valores tonais do desenho
monocromático, o gravador, que cava esse desenho no taco, para
o trabalho em xilo ou no metal, para a calcografia. Acrescenta-
mos ainda o impressor, que é artesão de especialidade indepen-
dente. (...) Geralmente, (...) tem indicado, por texto gravado, o
nome do artista criador e do gravador que cortou a matriz. É
na segunda metade do século XVII que essas informações pas-
sam a figurar, gravadas, junto com a estampa figurativa.19

No caso da reprodução das fotografias, acontecia a mesma coi-


sa: primeiro, a partir delas se fazia um desenho, o mais fiel possível;
a partir desse desenho, a gravura (em pedra, lito, ou madeira, xilo);
e era dessa gravura que se fazia a reprodução no periódico.
Às vezes, diz-nos o pesquisador Joaquim Marçal Ferreira de
Andrade,20 o artista-gravador “tratava de interpretá-las [as fotogra-

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46 Cadernos da Comunicação

fias] e até mesmo dramatizá-las, se fosse o caso, ao gosto popular,


ao perfil dos seus leitores, além de transmitir a notícia de acordo
com os objetivos editoriais”. Nos casos em que os editores deseja-
vam que a autenticidade da foto fosse bem notada, escreviam que
se tratava de uma “cópia fiel”, ou mesmo cópia “fidelíssima”. Às
imagens desse tipo, os especialistas costumam chamar “imagens
híbridas”. São dessa natureza as fotos publicadas pela Semana Ilus-
trada relativas à Guerra do Paraguai.
Havia ainda outro problema a driblar: como os recursos
tecnológicos eram reduzidos (por exemplo, um “instantâneo” foto-
gráfico não captava nuvens nem objetos em movimento), então os
artistas-gravadores precisavam interferir muito para dar à foto as
características necessárias de realismo.
Foi para criar boas gravuras que permitissem uma boa reprodução
(de desenhos ou fotos) que a firma Fleiuss, Irmão & Linde fundou a
Escola de Gravura, no Imperial Instituto Artístico, em 1863. O objeti-
vo imediato era o de se chegar a substituir a litografia pela xilogravura,
para as ilustrações, incluindo as fotográficas: a xilogravura resultava
numa impressão de qualidade muito superior à da lito.
Outro grande problema, ligado ao anterior, era o de integrar per-
feitamente o texto verbal e a ilustração, no ato final da impressão.
O primeiro recurso usado foi o da litografia. A xilografia, porém,
era mais adequada para a impressão texto/imagem. No caso da
xilogravura, as imagens a partir da matriz de madeira montavam-se
juntamente com os textos compostos em tipografia e a página total
era impressa de uma só vez.
O processo litográfico, que era então o dominante no Rio, requeria
tipos de impressão diferentes para cada lado da folha impressa, o que,
às vezes, acarretava falhas. Existe um número da Semana Ilustrada (no
126, 10 de maio de 1863) em que apenas as páginas litográficas foram
impressas; as que o seriam pela tipografia ficaram em branco.
O número 175 da Semana Ilustrada, de 17 de abril de 1864, dá

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Série Memória 47

início ao momento xilográfico da revista. Henrique Fleiuss canta


sua justa vitória:

Progresso! Progresso! Palavra mágica, que impele o mundo à


conquista do futuro e ao seu aperfeiçoamento moral e físico! Este
puff sexquipeda serve apenas para noticiar aos nossos leitores,
urbi et orbi, que de hoje em diante a Semana Ilustrada é
ornada de estampas gravadas em madeira pelos moços brasilei-
ros que freqüentaram a aula de xilogravura do Imperial Insti-
tuto Artístico.
A gravura acima representa o gabinete do Dr. Semana. Todos
trabalham, menos d. Negrinha, que se contenta em admirar ou
censurar as obras feitas.

Mas o progresso tinha pernas curtas. A qualidade gráfica da Se-


mana não melhorou, pelo contrário. Por isso, a partir do número 180
todas as ilustrações são de novo impressas em litografia, com exce-
ção de alguns ornamentos em xilogravura, nas páginas do texto.
Contra a opinião de alguns pesquisadores,21 Joaquim Marçal
Ferreira de Andrade22 atribui a Henrique Fleiuss mais um mérito de
pioneiro: o de ser o verdadeiro precursor do uso da fotografia na
imprensa ilustrada no Brasil. Depois de citar a observação de Nel-
son Werneck Sodré, observa:

No entanto, se considerarmos que um precursor é alguém que


vai à frente e, antevendo o futuro – mesmo que intuitivamente –,
anuncia a chegada de alguma coisa que só será concretizada
posteriormente, este título, parece-nos, caberia com mais justeza
a Henrique Fleiuss.

18 Ambrótipo (ambrotypo):antigo processo fotográfico. Invenção do inglês Frederick


Scott Archer em 185,e aperfeiçoado por James Ambrose Cutting. Apud Andrade,
op.cit., p.269, n.3.
19 DaSivla, Orlando, p. 17. Apud Andrade, Joaquim Marçal, Ferreira de. V. Bibliografia.
20 Andrade, op cit. V Bibliografia
21 Por exemplo, Nelson Werneck Sodré, op. cit., p.203: “[Angelo Agostini} precursor
da fotografia, “ etc.
22 Andrade, op .cit., p.187. V. Bibliografia. .

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48 Cadernos da Comunicação

Periódicos publicados
nos anos de 1860
- O Aliciente; - O Album,
- Brado Americano; - O Clamor Público,
- Chronica do Foro (1860-1865); - O Conservador,
- O Clamor da Verdade; - O Esforço Juvenil,
- Corriere; - Gazeta dos Hospitaes,
- L´Echo du Brésil; - O Jaguari,
- Gazeta Musical do Brasil (1860-1862); - O Melhoramento,
- O Militar (1860-1863); - O Regenerador ,
- Monitor Italiano; - Revista Homeophatica,
- O Noticiador Curioso; - Revista Luso-Brasileira,
- Revista Semanal; - Sentinela do Povo,
- Revista Theatral (1860-61); - O Barco dos Traficantes
- O Entre-Acto, - O Ramalhete (estes dois,
- Ilustrado; - ilustrados), todos de 1861
- O Acajá, - a 1862.

Em 1o de outubro de 1862 foi publicado o primeiro número


do Diario Official do Imperio do Brasil, publicação diária, menos às
segundas-feiras e após os dias santos de guarda. O Diario Official
tinha quatro colunas de impressão por página.

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Série Memória 49

Nota biográfica sobre


Henrique Fleiuss
Henrique (aliás, Heinrich, na língua alemã) Fleiuss nasceu
em Colônia, Alemanha, em 1823, descendente de duas tradicio-
nais famílias prussianas. O pai, Dr. Heinrich Fleiuss, era o dire-
tor-geral da Instrução Pública da Prússia renana. A mãe, aristo-
crata, dona Catarina von Drach, era filha do conselheiro
Maximilien von Drach, professor da Universidade de Coblença.
Heinrich estudou Belas-Artes em sua cidade natal e em
Düsseldorf. Mais tarde, em Munique, cursou Música e Ciências
Naturais. Foi discípulo e amigo do naturalista Karl Friedrich
Phillipe von Martius, da Academia de Ciências e diretor do Jar-
dim Botânico de Munique.
Foi a instâncias do naturalista que, em 1858, Heinrich se de-
cidiu a abandonar a Alemanha, aos 35 anos, e a vir para o Brasil,
onde reuniria material para estudos de Botânica, seguindo o tra-
jeto do mestre. Mas, uma vez desembarcado em Salvador, em
vez de seguir para o Rio de Janeiro, permaneceu por quase um
ano na Bahia (Recôncavo), e visitou províncias do Norte do
Brasil, províncias cujos costumes e paisagens o impressionaram,
de tal modo que os fixou em aquarelas, gênero em que era um
requintado artista.
Não se passou muito tempo antes que o talento de aquarelista
de Fleiuss fosse reconhecido na Capital, passando a receber enco-
mendas de pinturas de retratos e a fazer outros trabalhos de arte.
Foi o reconhecimento de seu talento que o levou a abando-
nar o projeto anterior, de tornar-se naturalista, e a seguir o cami-
nho das ar tes g ráficas no Rio, fundando uma oficina
tipolitográfica, em 11 de janeiro de 1860, e em 16 de dezembro

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50 Cadernos da Comunicação

do mesmo ano, lançando o que viria a ser seu projeto maior, a


Semana Ilustrada. Com a extinção da Semana, fundou no mesmo
ano (1876) uma nova revista, a Ilustração Brasileira (1876-1878)
e ainda a Nova Semana Ilustrada, que terminou em 1882, com a
morte do artista.
Henrique Fleiuss morreu desiludido e pobre em sua casa na
rua Humaitá, em Botafogo, a 15 de novembro de 1882, sem ter
se naturalizado brasileiro.

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Série Memória 51

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52 Cadernos da Comunicação

Bibliografia
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. História da
fotorreportagem no Brasil. A fotografia na imprensa do Rio de Janeiro
de 1839 a 1900. Rio de Janeiro: Editora Campus/Edições Biblio-
teca Nacional. 2004.
FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e Letra: introdução à bibli-
ografia brasileira – a imagem gravada. São Paulo: Melhoramentos. Edit.
Da USP/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977.
FLEIUSS, Max. “A imprensa no Brasil”, in Diccionário histórico,
geographico e ethnographico do Brasil. (Comemorativo do primeiro Cen-
tenário da Independência). Segundo volume: Estados, Rio de Janeio:
Edição Facsimilar Nedéln/Liechtenstein, 1872.
———— Páginas de História. 2 ed. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1930.
———— Recordando (Casos e perfis). Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1941.
FREIRE, Laudelino. Um século de pintura: apontamentos para a his-
tória da pintura no Brasil – 1816-1916. Rio de Janeiro: Fontana, 1988.
GERSON, Brasil. História das ruas do Rio. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Editora Nova Aguilar, 2000.
GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. Henrique Fleiuss: vida e
obra de um artista prussiano na Corte (1859-1882). Monografia/ UERJ,
Rio de Janeiro.
IPANEMA, Rogéria de A Idade da pedra ilustrada: litografia –
um monólito na gráfica e no humor do jornalismo do século XIX
no Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado apresentada à Escola
de Belas Artes da UFRJ: Rio de Janeiro, 1995.
LAGO, Pedro Correa do. Caricaturistas brasileiros: 1836-2001.
Rio de Janeiro: Contracapa, 2001.
LEMOS, Renato (org.) Uma história do Brasil através da caricatu-

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Série Memória 53

ra(1840-2006). Rio de Janeiro: Bom Texto, 2006.


LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil (apresentação de
Eugênio Gomes).Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1963.
SEMANA ILUSTRADA. Números referidos. Rio de Janeiro: coleção
Biblioteca Nacional e/ou do Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-
ro (IHGB).
SILVEIRA, Mauro Cesar. A Batalha de papel: a guerra do Paraguai
através da caricatura. Porto Alegre: L & PM, 1996.
SINZIG, Pedro. A Caricatura na imprensa brasileira: contribuição
para um estudo histórico-social. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Mauad Editora, 1999.

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54 Cadernos da Comunicação

Este livro foi composto em Garamond,


corpo 12/16, abertura de capítulos em
Times New Roman Bold, corpo 20 e
18, legendas e notas em Arial, corpo
8/9. Miolo impresso em papel offset
90gr/m 2 e capa em cartão supremo
250gr/m2, na Imprensa da Cidade, em
setembro de 2007.

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