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Artigo
Ana Maria Doimo
Marta M. Assumpção Rodrigues
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A formulação da nova política de saúde no Brasil em tempos de democratização:
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centros urbanos em torno de equipamentos sanitários, postos de
saúde, melhorias no atendimento médico, culminando, em mui-
tos bairros, na criação de “conselhos de saúde”, com vistas ao
controle e à fiscalização dos serviços de saúde. Sem construir
uma institucionalidade própria, tais iniciativas contavam com a
sólida e vasta rede capilar da Igreja Católica em vários níveis e
instâncias, podendo contar com leigos, padres e freiras nas paró-
quias locais, até bispos e demais segmentos religiosos identifica-
dos com a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs). Participaram, também, intelectuais de várias facções
da “nova esquerda” – remanescentes do Movimento de Educação
de Base (MEB), da Ação Católica Especializada e da Ação Popular
(AP), membros do chamado Ecumenismo Secular organizados em
ONGs como a CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviços), o
CEDI (Centro de Estudos e Documentação e Informação), médi-
cos ativistas junto à Pastoral da Saúde, demais profissionais da
saúde vinculados ao chamado novo sindicalismo, e uma multi-
plicidade de lideranças locais como parte das “comunidades
reivindicantes”, articuladas entre si através de redes sociais pre-
dispostas à participação. Desta conjunção de diferentes forças
surgiu o Movimento Popular de Saúde (MOPS)1.
Edificado sobre a noção da saúde como um direito a ser pro-
vido pelo Estado, ainda que hegemonizado por um radical desejo
de criação do “poder popular” alternativo a este mesmo Estado2,
o MOPS tem como referente originário aqueles movimentos
reivindicativos urbanos por melhorias de equipamentos médicos e
de saneamento básico, que priorizam formas de organização,
mobilização e pressão de confronto ao Estado. Este movimento
sobrepõe-se às práticas oriundas das experiências comunitárias de
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Educação Popular do Instituto Sedes Sapientae), berço onguista
do dominicano Frei Betto4, com o propósito de dar unidade aos
movimentos populares e às experiências comunitárias de saú-
de. Pulverizado nas grandes e pequenas cidades, bem como nos
mais distantes grotões de todo o território nacional pela
sobreposição às CEBs e à geopolítica da Igreja, o MOPS vai ga-
nhar visibilidade numa multiplicidade de localidades. Além das
periferias das grandes regiões metropolitanas e capitais brasi-
leiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto
Alegre, Curitiba, Recife, Fortaleza, Vitória, Cuiabá, Teresina, e
outras tantas, este movimento também marcava presença em
localidades pouco lembradas, como Ceilândia (DF), Porto Naci-
onal (GO), Andradina (SP), Conceição do Araguaia (TO), Ji-Paraná
(RO), Contagem (MG), e assim por diante. Mesmo mantidas as
raízes das “experiências em medicina comunitária”, era nítida a
força hegemônica do ethos5 veiculado pelo novo “movimento
popular da saúde”, cujos princípios se definiam pela manuten-
ção da independência e autonomia dos grupos organizados em
relação aos partidos e ao governo. “Sem atrelamento ao Estado,
Partidos e instituições, [a estratégia era a de] exigir os serviços de
4 Frei Betto foi um dos mais importantes inspiradores do “modelo CEBs” com base
nos princípios da Teologia da Libertação. Tendo residido clandestinamente em
Vitória, capital do ES, desde sua saída da prisão Frei Betto desenvolveu extenso
trabalho de criação das CEBs nesse Estado e, contando com o apoio da Arquidiocese
dirigida por um bispo progressista, promoveu os três primeiros encontros nacio-
nais das CEBs em Vitória, em 1973, 1974 e 1975.
5 Esse ethos foi muito enfatizado pela Teologia de Libertação, inspirada em noções
marxistas que supunham o fim do Estado Capitalista mediante superação da
sociedade de classes, bem como a ampliação da política para toda a sociedade
(ver: “CEPIS – CENTRO DE EDUCAÇÃO POPULAR DO INSTITUTO SEDES
SAPIENTIAE. “Documento preparativo do III Encontro Nacional de Experiências de
Saúde Comunitária”. São Paulo, 1981). No campo teórico, a noção (reificada) de
identidade desenvolvida por Evers (1983) sintetiza essa estratégia ao definir os
novos movimentos sociais como embriões de um novo poder ou sociabilidade
política, pautada por relações horizontalizadas, interpessoais, mediante diluição
das fronteiras entre as esferas pública e privada.
6 Ver documento: “7o ENCONTRO REGIONAL DE SAÚDE POPULAR, Relatório”.
Marabá (PA), 1983.
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vel ao processamento das demandas sociais, aguçando a face
integrativa deste tipo de movimento social. Neste sentido, torna-
ra-se inócuo manter aquele discurso maniqueísta do “oprimido
versus opressor”, do “dominado versus dominador” e do “Poder
Popular versus Estado”. Chamar as bases para traduzir politica-
mente suas reivindicações, institucionalizando-as como direitos
de cidadania, passou a ser, então, missão da própria CNBB, atra-
vés do empenho mobilizador dos bispos mais progressistas, ten-
do à frente seus “intelectuais orgânicos” de confiança, a exemplo
de Francisco Witaker e outros que acabaram eleitos deputados
constituintes. Neste contexto, era inevitável o declínio da Teolo-
gia da Libertação bem como o sucesso da “ofensiva vaticana”
(Della Cava, 1991) para o seu desmantelamento.
Assim, no período constituinte entre os anos 1985 a 1988,
coincidindo com a crise da Teologia da Libertação, as energias
sócio-políticas dos movimentos populares e comunitários pela
saúde foram canalizadas para as Plenárias Pró-Participação Po-
pular na Constituinte e para a intensa coleta de assinaturas em
torno das emendas populares, cujo relatório foi publicado sob
o título “Cidadão Constituinte: a saga das emendas populares”(cf.
Witaker, 1989). A emenda nº 050 de criação do SUS, relativa ao
Direito à Saúde, alcançou 58.615 mil assinaturas e o apoio de
160 entidades, um recorde absoluto em relação à média de apoi-
os dados a outras emendas populares11. Juntamente com a apro-
vação desta emenda, foi consagrado, como princípio constituci-
onal, aquilo que estes atores, defensores de uma concepção
societal de política democrática12, queriam: a “participação da
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em Duque de Caxias, num ato público com cerca de sete mil pessoas, na perspec-
tiva de elaboração, pela participação direta do próprio povo, de “sua Constituição
Política”. Tendo à frente o bispo Dom Mauro Morelli, este movimento, que
contou logo no início com o apoio de uma rede de entidades de assessoria ao
movimento popular e pastorais, cogitava a possibilidade de a Constituição ser
elaborada por “movimentos constituintes” em escalas local e regional, culminan-
do em nível nacional com a Carta Constitucional. (Witaker, 1989: 40-1).
13 O médico Vitor Buaiz, além de professor da Universidade Federal do Espírito
Santo, ajudou a criar a Pastoral da Saúde no Estado do Espírito Santo, foi presiden-
te do Sindicato dos Médicos no Estado, Vice-Presidente da Federação Nacional
dos Médicos, Deputado Constituinte pelo PT, Prefeito de Vitória e Governador do
Estado, também pelo PT.
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lizadoras e controladoras das patentes e preços de medicamen-
tos e equipamentos hospitalares14.
Dentre essas várias frentes de luta ganham terreno em pla-
no nacional forças políticas vinculadas ao Partido Comunista Bra-
sileiro, além de agrupamentos mais pontuais como o MR8, muni-
dos de uma concepção estatista acerca da eficácia da ação políti-
ca. Em clara escalada hegemônica, passam a ocupar postos im-
portantes dentro de aparatos estatais de saúde nas esferas fede-
ral, estadual e municipal, não sem buscar estabelecer interações
com os movimentos organizados nos bairros. Mesmo ainda den-
tro do antigo MDB, a militância comunista já vinha ganhando
algum espaço institucional desde a abertura lenta e gradual do
governo Geisel (1974 a 1978). Conforme Castro (1992), diversos
expoentes de Movimento Sanitarista já atuavam como técnicos
do Ministério da Saúde, do Instituto de Pesquisas Aplicadas, quan-
do são reativadas as Conferências Nacionais de Saúde mediante
convocação por decretos ministeriais. Em 25 de fevereiro de 1975
o governo convoca a V Conferência e em 1º de março de 1977, a
VI Conferência. Num contexto de estado burocrático-autoritário,
o regime militar em tempos de abertura acena com a necessidade
de modernizar seus aparatos de saúde, propondo a criação de
um Sistema Nacional que estimulasse a coordenação entre as
múltiplas ações pulverizadas nas diversas instâncias de governo,
estabelecendo um mínimo de racionalidade operacional.
Sob o governo Figueiredo, após decretada a anistia e a re-
forma partidária em 1979, realiza-se em março de 1980 a VII Con-
ferência Nacional de Saúde, precedida de conferências estaduais,
num clima de efusiva participação e descontração crítica. Os si-
nais da redemocratização eram sensíveis. Na primeira metade da
década de 80, enquanto o MOPS alcança seu maior pico expressi-
vo-mobilizador, multiplicando o número e a intensidade das ações
reivindicativas locais, o Movimento Sanitarista, fortalecido pela
14 Essas informações foram obtidas em entrevista concedida por Vitor Buaiz a Ana
Maria Doimo, via Internet, entre os dias 21 e 25 de fevereiro de 2003.
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com representantes do governo executivo (União, estados e mu-
nicípios), legislativo e das mais variadas formas organizadas da
sociedade civil, desde os setores sindicais e populares-comunitá-
rios, até segmentos privados de prestação de serviços médicos (o
lucrativo e o “filantrópico”).
A proposta daí resultante foi apresentada como “emenda
popular” 050 ao Projeto de Constituição, tendo à frente a Federa-
ção Nacional dos Médicos e, como vimos, o apoio de mais 160
entidades além das quase sessenta mil assinaturas (Witaker,
1989:130). Estavam, pois, dados os princípios básicos para as
conexões ativas entre atores sócio-políticos tão diferenciados:
“saúde como um direito social universal” e “participação da co-
munidade nas decisões”. A tradução política disto na Constituin-
te foi a coalizão de partidos de oposição e de esquerda: PMDB,
PT, PSDB, PCB, PCdoB e PDT (Castro, 1992) e, como parte das
regras consignadas às emendas populares, sua defesa na plenária
da Constituinte foi feita por Sérgio Arouca que, mesmo não sen-
do parlamentar, era mais reconhecido pela sua militância no PCB
do que propriamente pela sua especialidade médica.
Em suma, a vitória da nova política de saúde na Constituin-
te, de inclusão dos princípios de uma política social nacional públi-
ca, integrada, descentralizada e controlada pela sociedade, resul-
tou da longa atuação de atores marcados por inserções e concep-
ções distintas acerca da política. Na esfera dos princípios ético-
políticos, dois campos de ação produziram e arregimentaram re-
cursos de poder inestimáveis, desde meados da década de 1970
até meados dos anos 1980. Um deles, de perfil estatista, priorizou
sua atuação na esfera político-institucional e, aproveitando-se dos
espaços abertos pelo governo, foi agindo por dentro dos aparatos
do Estado, das instituições políticas e sindicais, propondo e anteci-
pando reformas, ao mesmo tempo em que testava as resistências
da burocracia, da rede hospitalar privada, da “medicina de grupo”
etc. O outro campo, de perfil societal, priorizou a organização da
população em seus locais de moradia, seja em torno do trabalho
voluntário em “medicina comunitária”, mediante criação de ações
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inte, em um ambiente de mudanças na agenda pública nacional. No
contexto da redemocratização, a criação do SUS configura-se como a
mais importante iniciativa de reforma na área social.
Desde a transição democrática, um conjunto de leis, decre-
tos presidenciais, normas operacionais e portarias ministeriais veio
regulamentando um longo processo de mudanças nas regras e pro-
cedimentos no âmbito do sistema de prestação de serviços de saú-
de no país. Entretanto, o marco inaugural mais importante para a
redefinição das prioridades das ações estatais destinadas ao aten-
dimento das necessidades da população na área da saúde pública,
assim como para a ampliação da autonomia de gestão das autori-
dades públicas locais, foi a Constituição de 1988.
O texto final da Carta de 1988, no capítulo referente à saúde
pública (artigos 196 a 200), reconhece a saúde como um direito
social dos cidadãos, garantindo a todos o acesso universal e igua-
litário às ações e serviços para promoção, proteção e prevenção de
saúde; e como um dever do Estado, através da elaboração de polí-
ticas e programas sociais que visam à redução do risco de doenças.
O primeiro passo para a efetiva institucionalização do sis-
tema proposto no texto constitucional de 1988 foi dado em
1990, no início do mandato do presidente Fernando Collor de
Mello. Em 7 de agosto de 1990, é editado o Decreto presidenci-
al nº 99.438, que organiza e define as atribuições do Conselho
Nacional de Saúde. Logo em seguida (19 de setembro de 1990),
foi a vez de o Congresso Nacional aprovar a Lei Orgânica da
Saúde, que ratifica as diretrizes constitucionais do sistema e
amplia a responsabilidade municipal na provisão dos serviços
de saúde e nas atividades de negociação, alocação de recursos e
regulação de desempenho. Da aprovação da Lei Orgânica da
Saúde, Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, decorreram
dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, ao definir as
atribuições de cada esfera de governo, no que diz respeito à
gestão e às competências, além de dispor sobre a organização
dos serviços e o funcionamento do SUS, a Lei nº 8.080 acabou
criando mecanismos institucionais importantes que passaram a
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portante na política de saúde dos anos 90.
A NOB 1/93 criou as Comissões Intergestores Tripartite (com-
postas por representantes dos governos federal, estadual e munici-
pal) e Bipartite (com representação paritária entre estados e muni-
cípios), as regras de transferência de recursos e os mecanismos de
controle e avaliação. Ademais, adotando o modelo de descentra-
lização pactuada, a NOB 1/93 desenhou também três situações
transacionais para a gestão do sistema de saúde (Incipiente, Parcial
e Semiplena), que acabaram inaugurando o sistema de representa-
ção progressiva de titularidade governativa. Segundo a NOB 1/93,
para alcançar uma dessas situações na gestão setorial, os governos
locais deveriam atingir uma capacidade estatal associada a variá-
veis de responsabilização e controle externo das suas decisões. O
aumento da responsabilidade do governo local na gestão direta
dos serviços de saúde serviu como mecanismo de aceleração da
adesão dos municípios às novas funções propostas pelo SUS. Em
1996, dos 4.973 municípios brasileiros, 65,1% passaram a se en-
quadrar em uma das modalidades de gestão proposta pelo SUS –
49,4% habilitaram-se na Gestão Incipiente; 12,8% na Gestão Parcial;
2,9% na Gestão Semiplena (Silva, 1999:40).
Nesse mesmo ano, o Ministério da Saúde editou uma ter-
ceira NOB (1/96), cujo objetivo foi não só ampliar a responsabili-
dade dos gestores municipais e estaduais mas também fortalecer
a atenção básica e primária nas ações de saúde coletiva. Ao redu-
zir as condições de habilitação a duas modalidades (Gestão Plena
da Atenção Básica – GPAB e Gestão Plena do Sistema Municipal –
GPSM), a NOB 1/96 simplificou de maneira significativa o proces-
so de responsabilização municipal proposto na NOB anterior (1/
93). O município habilitado na GPAB passou a se responsabilizar
pela atenção primária de alcance coletivo (como ações básicas de
vigilância sanitária) e por alguns procedimentos individuais de
caráter ambulatorial (clínica médica, ginecologia, obstetrícia, pe-
diatria e pequenas cirurgias ambulatoriais). Neste caso, a provi-
são das ações de saúde pode ocorrer tanto por intermédio das
unidades públicas próprias quanto pela contratação de serviços
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a gestão da coisa pública. A maior curiosidade dos pesquisadores
incide sobre qual é, afinal, o saldo de quase dez anos de
institucionalização da participação visando à democratização de
um dos setores que mais afetam o dia-a-dia da população.
Ao fazer um balanço de alguns estudos, Luciana Tatagiba
(2002:92) mostra que “as avaliações mais comuns presentes na
literatura são de que os conselhos não estão cumprindo sua vo-
cação deliberativa (...) sugerindo que essa participação assume
contornos mais reativos que propositivos”. Também, do ponto
de vista institucional, a autora alerta que a ausência de um marco
legal que defina com clareza as funções dos conselhos em relação
ao papel exercido pelas instâncias administrativas e burocráticas
produz ambigüidades que passam ou a favorecer o executivo
municipal, ou a depender de negociações e acordos em cada situ-
ação particular. Desta “institucionalização incompleta”, diz, “de-
correm dificuldades em definir até onde as suas deliberações pos-
suem poder vinculante” (Tatagiba, 2002:95).
Tais lacunas, ambigüidades e por vezes excesso de
burocratização regimental acabam por desanimar e desestimular
a participação de segmentos populares. Até meados da década
de 1990, o MOPS ainda devotava maiores preocupações com o
SUS, tentando garantir a continuidade da participação, sem te-
mer a esfera institucional17. Sua verdadeira vocação, no entanto,
era a de conclamar suas bases para “a proliferação de organismos
de poder popular em toda a sociedade (...) como forma de democrati-
zação do Estado”18, e esta ambigüidade entre construir o “poder
popular” pela mobilização “autônoma e independente” e partici-
par institucionalmente no processo de tomada de decisões go-
vernamentais gerou tal “esquizofrenia ideológica” que os empe-
cilhos aos processos de inovação institucional provinham das
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19 Esta crise, para além da chamada “ofensiva vaticana”, tem origem também na
perda dos referentes históricos do socialismo em 1989, com a queda do Muro
de Berlim, a dissolução da União Soviética e a perda das eleições dos
sandinistas na Nicarágua.
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Família e da profissionalização do Agente de Saúde, ambos reco-
nhecidos, institucionalizados e potencializados pelo governo FHC,
contanto com extensa rede para sua implementação21.
Outra inovação vem da força incorporativa da Igreja que,
ao catalisar profissionais qualificados para atuar na implementação
das diretrizes das pastorais sociais, proporciona-lhes visibilidade
pública e legitimidade. Muitos dos profissionais de saúde que
atuavam voluntariamente em trabalhos de saúde comunitária,
após passarem pelas experiências da Pastoral, acabaram se desta-
cando como políticos em defesa da causa da saúde. É o caso de
Eduardo Jorge, por exemplo, que quando fala do SUS chega a se
emocionar. Considerado o deputado que mais apresentou pro-
postas na Constituinte para o setor de Saúde, o médico sanitaris-
ta Eduardo Jorge despediu-se, no dia 1º de março de 2003, do
cargo de Secretário Municipal da Saúde que ocupou no atual go-
verno petista cidade de São Paulo, tendo à frente a prefeita Marta
Suplicy, avaliando o seguinte:
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