Relatorio Final Do IPF Manguinhos

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O ÍNDICE DE PROSPERIDADE DAS FAVELAS

(IPF) – PILOTO MANGUINHOS

O presente relatório condensa três produtos do projeto “O Índice de Prosperidade das Favelas
(IPF) – Piloto Manguinhos: O relatório contendo a metodologia e a proposta de indicadores que
compõem o IPF (Produto 3); O Mapeamento de atores de Manguinhos (Produto 5), e; Agenda
programática mínima para Manguinhos (Produto 6).

Outubro, 2017
Sumário
Apresentação .................................................................................................................................... 4

1.- Introdução: Territorialidade e desigualdade no Rio de Janeiro, as travas para o desenvolvimento 6

1.1.- Prosperidade: conceituação, operacionalização e vantagens .............................................. 10

1.1.1.- O movimento acadêmico/técnico da segunda metade do século 20 ................. 11

1.1.2.- O movimento de Indicadores Comunitários de inícios do século 20 .................. 13

1.1.3.- Expansão, internacionalização e alinhamento institucional das agências para o


desenvolvimento e os sistemas de indicadores sociais nos últimos 40 anos ............................. 14

1.2.- Desenvolvimento Humano e Progresso Social como referenciais teóricos e empíricos da


Prosperidade .............................................................................................................................. 16

2.- O que é prosperidade? Sedimentando conceitos e descrição de aspectos metodológicos ........... 23

2.1.- Prosperidade e a sua operacionalização permanente.......................................................... 23

2.1.1.- Prosperidade como instrumento que garante sustentabilidade ........................ 24

2.1.2.- Prosperidade como processo crescente de interdependências .......................... 25

2.1.3.- A democracia é o núcleo da Prosperidade ......................................................... 26

2.2.- Metodologia e trabalho de campo ...................................................................................... 27

2.2.1.- A escolha de Manguinhos para o piloto ............................................................ 28

2.2.2.- Macro-atividades de campo .............................................................................. 30

2.2.3.- Identificação, aproximação e convocação de atores comunitários em Manguinhos


................................................................................................................................................ 31

2.2.4.- Considerações sobre a Mobilização................................................................... 35

3.- Resultados do trabalho de campo: Mapeamento de Manguinhos e as vozes da comunidade ..... 37

3.1.- Mapeamento do território .................................................................................................. 37

3.1.1.- Transformações territoriais em Manguinhos desde o século XIX ....................... 39

3.1.2.- Urbanismo & meio ambiente ............................................................................ 43

3.1.3.- Mobilidade urbana ........................................................................................... 45

3.1.4.- Segurança Pública ............................................................................................. 46

3.2.- Os desafios desde a ótica da Comunidade de Manguinhos.................................................. 47

3.2.1.- Percepções como insumo para o mapeamento de Manguinhos ........................ 49

4.- O Índice de Prosperidade de Favelas para Manguinhos: Uma agenda mínima para a Comunidade
........................................................................................................................................................ 52

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4.1.- Arquitetura do sistema de indicadores ............................................................................... 53

4.1.1.- Estrutura de dimensões e componentes do IPF para Manguinhos (Visão Estática)


................................................................................................................................................ 55

4.1.2.- Estrutura de dimensões e componentes do IPF para Manguinhos (Visão Dinâmica)


................................................................................................................................................ 58

4.2.- Proposta de Indicadores por tema ...................................................................................... 62

4.3.- Bases para uma agenda programática mínima para Manguinhos ........................................ 66

4.3.1.- Reflexão dos atores por temáticas prioritárias .................................................. 67

4.3.1.1.- As conclusões do GT de Segurança Pública e Garantia de Direitos: ............. 67

4.3.1.2.- Conclusões do GT de Cultura, Lazer e Esportes: .......................................... 68

4.3.1.3.- Conclusões d GT de Trabalho Formal, Ambulante e Empreendedorismo: ... 69

4.3.1.4.- Conclusões do GT de Bem-estar (Educação, Saúde e Assistência): .............. 70

4.3.1.5.- Conclusões do GT sobre Urbanismo, Moradia, Mobilidade e Serviços: ....... 71

Bibliografia ...................................................................................................................................... 73

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O Índice de Prosperidade de Favelas (IPF)
Piloto Manguinhos
Apresentação
O presente relatório sintetiza os resultados principais de um projeto de pesquisa que visa a
construção de um Índice de Prosperidade para áreas socioeconomicamente vulneráveis em centros
urbanos de grande porte que no caso brasileiro são as favelas e as suas comunidades. Colocado o
objetivo central dessa forma, pode passar ao leitor a ideia de uma pesquisa que vem a contribuir com
elementos adicionais ou com novos indicadores em um campo que gerou bastante literatura e
acúmulo de conhecimento pelo menos nas últimas três décadas. Se esse fosse o intuito, seria também
uma atitude louvável. Porém, a complexidade da pesquisa foi de outra natureza e, em consequência,
as implicações dos seus resultados serão também distintas.

O Instituto AFortiori – organização que coordenou e executou substantivamente as atividades


de pesquisa – aderiu a este projeto que apresentou diferenciais significativos em vários sentidos. Em
primeiro lugar, no âmbito institucional a pesquisa começou a ser desenhada cristalizando várias
instituições de naturezas diferentes que se juntaram no inverno de 2016 com o intuito de contribuir
ao desenvolvimento do Rio de Janeiro, entendendo que a efetiva promoção do desenvolvimento da
nossa cidade requer o esforço de todos os setores. Desta forma, a primeira premissa foi o fazer
coletivo requer também o pensar coletivo.

O segundo desafio, era encontrar um conjunto de afinidades seletivas e substantivas que


sirvam de base para a construção de uma rede de cooperação entre os participantes. A desigualdade
multidimensional que afeta o Rio de Janeiro e a necessidade de repensar e delimitar o papel do estado
foram as duas ideias centrais em torno das quais os arranjos institucionais começaram a se perfilar.

Por considerar que o maior fator de risco para o desenvolvimento e sustentabilidade não
apenas da nossa cidade, mas também da região metropolitana é a desigualdade, as favelas aparecem
como os territórios cujas populações são mais vulneráveis em termos socioeconômicos. Assim o alvo
do trabalho a ser desenvolvido se concentrou nesses territórios.

No âmbito da articulação e cooperação das instituições participantes, escolheu-se como base


territorial para a etapa inicial do trabalho a comunidade de Manguinhos com o objetivo de contribuir
com desenvolvimento local, inclusivo, equânime, focado no respeito e diálogo com a população, no
protagonismo de mulheres e de jovens, que considere as dimensões social, econômica, cultural e
ambiental a partir de uma atuação modelada em redes de organizações e pessoas.

A escolha de Manguinhos para ser o piloto de implantação de um Pacto Local para a


transformação do território deveu-se a uma combinação de fatores, incluindo o valor do ativo público
existente na comunidade (diversos equipamentos públicos ainda que subutilizados, e iniciativas que
poderiam ser melhor aproveitadas) e do capital social local.

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Manguinhos é uma comunidade com demandas bem qualificadas a partir de articulações
históricas como o Conselho Comunitário de Manguinhos e diversos projetos públicos, projetos de
cunho acadêmico que produziu dados e diagnósticos sobre o local e presença de instituições como a
FIOCRUZ ou a UNISUAM que tem como área de influência a comunidade de Manguinhos. Por esse
conjunto de fatores, se vislumbrou a oportunidade de começar a colocar em prática todos os recursos
materiais e intelectuais já adquiridos pelos membros da incipiente rede de cooperação com o intuito
de, futuramente, ser replicado em outras comunidades da cidade.

Dada a complexidade da tarefa e da natureza heterogênea das instituições, entre meados de


2016 e o primeiro trimestre de 2017, um número importante de ajustes e reprogramações fizeram
com que se verificassem perdas e ganhos.

Em dezembro de 2016, a rede possuía um conjunto de instituições que proporiam uma


carteira de projetos para a comunidade de Manguinhos. As diversas instituições alinharam-se em
torno dos projetos de acordo as suas vocações e campos de atuação. Desta forma, em 12 de dezembro
foi possível realizar um encontro para debater o conceito de prosperidade nas favelas cariocas. Os
objetivos consistiram em apresentar aos parceiros um esboço do projeto de pesquisa sobre o Índice
de Prosperidade de Favelas tomando a comunidade de Manguinhos como fase inicial; engajar as
diversas representações territoriais de Manguinhos em torno dos esforços a serem realizados, e; se
nutrir do conhecimento de especialistas no tema assim como dos gestores públicos.

A incorporação da UNISUAM como parceiro foi de grande relevância não somente para a
realização do encontro acima mencionado, mas também para servir de apoio nas diversas atividades
de pesquisa.

No entanto, a crise abrangente que o país e o nosso estado enfrentavam e enfrentam obrigou
a redimensionar os projetos e também as parcerias. Existiam também – decorrente da complexidade
institucional da rede que nascia – visões e perspectivas diferentes que, aconselhavam o bom senso,
diminuir o ritmo das ambições inicialmente colocadas. Foi decidido que era importante nesta primeira
fase concentrar esforços na construção da proposta do Índice de Prosperidade de Favelas (IPF) para,
posteriormente, e com um produto em mãos ver as oportunidades durante 2017, para retomar as
parcerias e os projetos futuros.

Finalmente, no início do segundo trimestre de 2017, o Instituto AFortiori foi imbuído da


responsabilidade de coordenar e executar o projeto. Neste sentido, a pesquisa foi bem-vinda dada a
nossa missão, que como centro de pesquisas visa promover inovação em sociedade abordando
problemas de relevância pública a partir de um processo de compreensão, crítica e construção
conjunta de soluções.

No entanto, o Instituto não poderia ter cumprido o mandato sem o apoio ativo do Instituto
Pro-Natura, o Instituto Coca-Cola e a UNISUAM. As três instituições não pouparam esforços desde as
suas próprias vocações para chegar a bom termo.

Tem-se que mencionar a generosidade de estudiosos das mais diversas áreas e gestores
públicos e privados que dedicaram tempo e esforços para contribuir com seu conhecimento nas
etapas da pesquisa.
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O Instituto AFortiori também precisa reconhecer e agradecer a parceria das instituições
atuantes em Manguinhos. O Conselho Comunitário de Manguinhos, CCS-AISP 22, a Casa do
Trabalhador e todas as representações e lideranças comunitárias que abriram um diálogo honesto e,
naturalmente, difícil com o projeto. De qualquer forma, encontraram-se canais de cooperação e todos
abraçaram o projeto permitindo implementar a metodologia que será descrita brevemente adiante.
Os resultados da pesquisa são, por direito próprio, da comunidade de Manguinhos e o Instituto
AFortiori sempre terá as portas abertas.

Finalmente, reconhecer o trabalho competente dos membros da equipe de pesquisa


diretamente envolvidos: Sara Dantas e Jaira Palhares (Instituto Pro Natura), Robson Borges (Cariocas
em Ação), Fabricia Ramos e Larissa Alves (Instituto AFortiori).

1.- Introdução: Territorialidade e desigualdade no Rio de Janeiro, as travas para o


desenvolvimento
Se debruçar sobre a reflexão e análise dos espaços urbanos no Brasil implica adotar a premissa
da desigualdade ou, se quiser, das assimetrias multidimensionais agudas do bem-estar da população
que reside nestes espaços. A fenomenologia do desequilíbrio do bem-estar é ainda mais evidente nas
grandes metrópoles brasileiras. Não se trata exclusivamente de diferenciais que são constatadas em
termos quantitativos; quando a desigualdade é multidimensional tem consequências significativas no
tecido social, nas relações intersubjetivas, nas percepções sobre o futuro e também nas formações
identitárias sobre o lugar que cada cidadão ocupa na sociedade.

O surgimento das desigualdades entre grupos humanos que habitam os mesmos espaços
urbanos não é um fenômeno novo. Desde a formação dos primeiros centros urbanos no Brasil colonial
assimetrias estavam presentes e eram decorrentes da divisão de trabalho e da diferenciação
econômica. Portanto, a sedimentação dos desequilíbrios é um fenômeno secular de reforço
permanente de concentração econômica que não se canaliza em melhoria social para todos os
segmentos da população.

O que é relativamente novo, em termos analíticos, no que tange à desigualdade


socioeconômica nas grandes metrópoles brasileiras é a crescente compressão das diversas assimetrias
sociais e econômicas nos mesmos segmentos sociais e nas mesmas territorialidades. Nos grandes
centros urbanos. Por exemplo, a desigualdade na distribuição de renda está cada vez mais atrelada
com as assimetrias na inserção no mercado de trabalho, com os problemas de mobilidade urbana e
com as deficiências no sistema educacional. Todas estas assimetrias afetam sempre os negros que
moram nas favelas das grandes cidades. No Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Recife praticamente
não existem bairros com prevalência de brancos onde possam se verificar precariedades sociais
agudas. Também no existem bairros com prevalência de moradores negros com escolas de qualidade
ou com condições de moradia semelhantes aos bairros de prevalência de brancos.

Se nos anos 90 os pesquisadores afirmavam que a pobreza no Brasil tinha cor (negro), gênero
(mulheres) e idade (jovens até 24 anos de idade); hoje pode-se acrescentar que a pobreza também

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tem endereço: os territórios denominados de favela nos grandes centros urbanos. A compressão das
assimetrias dimensionais alimenta e potencializa as assimetrias espaciais.

Com as assimetrias potencializadas em territórios definidos, outras fenomenologias de caráter


exógeno às condições de bem-estar castigam a esta população. A primeira que se deve mencionar é
a supressão de direitos básicos que ficam “cancelados” nesses espaços urbanos. Direitos humanos,
direitos individuais ou direitos de propriedade são exemplos de verdadeiras abstrações para a
população residente nas favelas. A cotidianidade dos moradores coleciona uma ampla gama de
violações de direitos que estão garantidos constitucionalmente.

A segunda fenomenologia pertinente ao trabalho aqui apresentado consiste no raleamento


do tecido político e social. Supressão de direitos e assimetrias socioeconômicas agudas minam as
capacidades organizacionais e os processos de desenvolvimento e dinamização política endógenos
dos territórios em questão. Problemas severos de governança, de representação política efetiva em
órgãos deliberativos ou executivos aumentam a probabilidade do que na ciência política se denomina
de capital social negativo: o resultado se manifesta na institucionalização de uma cultura política que
mostra um significativo nível de alienação e apatia dos moradores em relação à dinamização dos laços
políticos e sociais internos do território.

Esse resultado tem origem na percepção dos cidadãos de que as autoridades públicas,
diversos tipos de representação político-partidária ou outro tipo de atores não podem ser confiáveis,
produzindo uma democracia inercial com baixos níveis de capital social. A hipótese aqui é que esta
apatia institucionalizada afeta as capacidades de governança e autonomia em virtude dos laços sociais
invisíveis criados entre as lideranças genuínas e atores predadores. Neste sentido, o capital social de
natureza negativa, limita avanços substantivos nos processos participativos e na capacidade efetiva
decisória abrindo espaço para a tutela social e política. (Baquero, 2015, p. 145)

Finalmente, devido a não existência de nexo entre as formas de acumulação e dinamização


econômica, e, a distribuição equitativa do bem-estar; a relação entre o Estado e a sociedade (neste
caso a população residente das favelas) adquire uma centralidade que em nada contribui a reduzir ou
eliminar essa desigualdade multidimensional nos centros urbanos de grande porte. A presença do
Estado adquire um papel protagonista na medida em que é o único articulador e provedor de serviços,
único agente econômico (através dos investimentos públicos) e obrigado a patrocinar fóruns
institucionais de diálogo e governança da população.

Assim, o grau de dependência da população em relação ao setor público possui um número


significativo de mecanismos de propagação. Políticas públicas setoriais, intervenções de todo tipo de
instituições públicas e autarquias, os órgãos de segurança pública e até a necessidade de
financiamento para as atividades mínimas de articulação e geração de ação coletiva dos moradores
dependem de representações partidárias ou dos órgãos legislativos. A imagem social que vai se
construindo nos centros urbanos é que os territórios com alta vulnerabilidade socioeconômica
somente existem pela presença maciça do setor público.

As reflexões preliminares realizadas até aqui têm o intuito de evidenciar a problemática


complexa e multivariada que espaços territoriais urbanos com alta vulnerabilidade apresentam nas

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metrópoles brasileiras. Mais do que elencar temas ou problemas setoriais que precisam ser
enfrentados, assim como as suas possíveis soluções; o objetivo é propor ao leitor uma leitura sobre o
fato de que um acúmulo de desigualdades crescentes sobre os mesmos grupos humanos com
características etnográficas comuns em espaços geográficos de alta densidade populacional nos
centros urbanos, consolidam outro tipo de problemas (supressão de direitos, atrofia do tecido social
e político e, finalmente, centralidade do setor público) que precisam ser pensados analiticamente de
forma integrada na hora de buscar soluções.

Refletir, articular e agir na promoção de desenvolvimento sustentável local nos grandes


centros urbanos impõe focar nas desigualdades socioeconômicas e de bem-estar em termos espaciais
nas grandes cidades, reconhecer que os instrumentos do desenvolvimento somente serão eficientes
se qualquer diagnóstico integra como causas a supressão de direitos das populações, o
enfraquecimento das relações sociais e políticas dos moradores e, se aceita que a presença do setor
público é necessária mas também gera efeitos negativos de grande impacto.

Este relatório, adota a premissa do parágrafo acima como eixo norteador, em dois aspectos
importantes:

a) As soluções a todos os entraves do desenvolvimento local sofrem uma releitura


diferenciada na medida em que se afasta apenas de uma visão que elenca, de forma rasa,
os diversos desafios que enfrentam os moradores nas áreas socioeconomicamente
vulneráveis. Se trata de entender que os problemas e as carências compõem um quadro
orgânico onde as diferentes deficiências apresentadas estão simbioticamente
relacionadas. Estamos conscientes que o termo “deficiências simbioticamente
relacionadas” pode parecer apenas uma estratégia retorica ou ser apenas uma outra
forma de dizer que as problemáticas nas favelas são intersetoriais e, portanto, as soluções
precisam ser integradas. Não é isso.

Tome-se um exemplo para ilustrar que a releitura proposta tem implicações radicalmente
diferentes. A literatura especializada, frequentemente, toma como uma das causas mais
importantes para as altas taxas de desemprego, os sérios problemas de qualidade da
educação básica. Portanto, as soluções para mitigar o desemprego passam por ações
intersetoriais que incluem a melhora da qualidade da escola, investimentos na
infraestrutura escolar, melhores equipamentos, professores qualificados, etc. A
comparação de vários indicadores educacionais entre as favelas e o resto das cidades
podem mostrar a relevância do argumento. No entanto, a nossa resposta a este exemplo
é um rotundo “sim, mas não”: o que relaciona ambos setores – oferta educacional de
qualidade e o mercado de trabalho – não é apenas uma relação intersetorial apontada,
por exemplo, pela literatura sobre desenvolvimento humano; mas existe sim uma relação
simbiótica que somente é possível pela supressão de direitos, pela atrofia do capital social
e político e pela omnipresença do setor público. Não adianta melhorar a oferta
educacional esperando que reverbere na queda da taxa de desemprego, enquanto essas
três dimensões não sejam levadas à serio na análise e na proposta de soluções.

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Em síntese, não se trata de elencar um conjunto de indicadores setoriais que reflitam um
diagnóstico acurado e as suas soluções, mas de incorporar também a sequência das
soluções que na base devem apontar os problemas nesses três macro fatores.

b) Qualquer diagnóstico sobre as condições de vulnerabilidade ou do nível de bem-estar da


população das favelas que seja realizado em consonância com os três fatores relevantes
colocados precisa colocar a população no centro do processo em pelo menos quatro
perspectivas:
i. Por muito que existam ferramentas bastante desenvolvidas em termos de
mensuração dos problemas em cada tema (indicadores setoriais) ou um
conhecimento acumulado bastante sofisticado sobre causalidade entre as
dimensões do bem-estar, nunca será acurado se a população (ou as suas
representações) não é a fonte de reflexão e coleta de informações;
ii. Qualquer discussão sobre desigualdade multidimensional na comunidade
precisa incorporar a reflexão temática da supressão dos direitos das
pessoas, os problemas de ação coletiva e abrir espaço para trazer à tona
a redução da omnipresença estatal nas perspectivas de desenvolvimento
local sustentável;
iii. É necessário incorporar na agenda programática de iniciativas, demandas
e intervenções decorrentes do diagnóstico as questões pragmáticas que
a comunidade demanda. Somente assim qualquer diagnóstico baseado
em indicadores será um instrumento vivo de articulação da comunidade,
e;
iv. Indicadores propostos precisam preservar a finalidade maior que consiste
no fortalecimento permanente do processo de desenvolvimento local
(sustentabilidade) que reside principalmente no maior grau de autonomia
da população.

Todas as reflexões realizadas até aqui foram critérios importantes no desenho da estratégia
de pesquisa. A presente seção incorpora a seguir uma reflexão sobre o conceito de prosperidade e
outros termos equivalente. Não se trata de se debruçar sobre características técnicas dos conceitos
com a pretensão de propor um conceito adequado que seja capaz de ser operacionalizado, mas de
apenas contextualizar analiticamente o trabalho central que foi realizado com a comunidade de
Manguinhos.

Na segunda seção, se realizará uma descrição detalhada e analítica do trabalho de campo com
a comunidade, os objetivos propostos, os efetivamente alcançados e o grau de aderência da
metodologia com os princípios norteadores apresentados nestas páginas iniciais.

A terceira seção discute o mapeamento territorial de Manguinhos atrelando este


levantamento aos resultados obtidos junto à comunidade e ao processo de consulta realizado com
estudiosos dedicados aos diversos temas propostos.

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Na quarta seção apresenta-se a proposta de indicadores e as suas dimensões, assim como
algumas considerações técnicas a serem tomadas no seu cálculo. Finalmente, a quinta e última seção
ensaia uma agenda mínima programática para a comunidade de Manguinhos e a descrição sucinta
das tarefas futuras para avançar no cálculo efetivo do IPF.

1.1.- Prosperidade: conceituação, operacionalização e vantagens


Nos últimos 30 ou 40 anos, no campo da construção e mensuração de índices sintéticos que
capturem as condições de bem-estar social e econômico, avanços significativos e um nível gradual de
sofisticação foi alcançado. Esses progressos de natureza técnica forçaram a uma reflexão conceitual
permanente sobre o que é bem-estar social, as suas implicações e as suas possibilidades de
mensuração.

O primeiro avanço significativo nos anos 30 foi a superação da visão restrita utilitarista que
propõe que a atividade econômica, principalmente mensurada pelo Produto Interno Bruto per capita,
constituía uma excelente variável proxy do bem-estar social. No entanto, apesar do crescimento do
PIB per capita, o desemprego, níveis de pobreza significativos, condições precárias de saúde da
população e desigualdade na distribuição de renda coexistiam com um maior dinamismo da atividade
econômica. (Jannuzzi, 2017)

Portanto, a adoção do PIB per capita como indicador que monitorava o progresso social,
mostrou-se inadequado e insuficiente. Uma das críticas mais importantes para os objetivos do
presente relatório, consistia em que o produto per capita ignorava deficiências na distribuição
equitativa da renda. A alta concentração de renda gerava níveis de pobreza significativos
independentemente do nível de renda per capita. Países com alto nível de atividade econômica e com
processos robustos de acumulação econômica e geração de investimentos, possuíam segmentos
importantes da sua população em condições de pobreza, problemas educacionais e de saúde. A
riqueza produzida não se traduzia em bem-estar social e o PIB per capita não captava essa brecha
impossibilitando o monitoramento de políticas públicas redistributivas que visavam a redução da
desigualdade na distribuição de renda.

Na década dos anos 50, instituições multilaterais, a academia e as agências de


desenvolvimento iniciam um significativo esforço conceitual e metodológico para a operacionalizar
novas ferramentas que sejam capazes de captar a realidade social e monitorar as mudanças neste
campo. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Organização Internacional do Trabalho
(OIT), Organização Mundial para a Saúde (OMS) ou Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) alocaram recursos financeiros e humanos para avançar no desenho e
implementação de sistema de indicadores de monitoramento da realidade socioeconômica dos
países.

É importante para os objetivos do nosso trabalho traçar ainda que de forma esquemática a
historiografia conceitual percorrida pelo estado de arte dos indicadores sociais. Essa evolução aqui
apresentada pretende discutir e entender um conflito que grande parte da literatura considera ainda
não resolvida e que a construção da proposta do IPF pretende superar, pelo menos parcialmente. Esse
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conflito ou dicotomia consiste no caráter descritivo dos indicadores versus o caráter prescritivo dos
mesmos. Essa dicotomia influencia também na questão de quem é a clientela preferencial dos
indicadores de ambos tipos de indicadores.

1.1.1.- O movimento acadêmico/técnico da segunda metade do século 20


Os esforços dos organismos multilaterais mencionados acima, também foram realizados por
alguns países. O primeiro marco na formação de indicadores sociais foi a década de 1930. Herbert
Hoover, como Secretário de Comércio nos anos 20, revolucionou as estatísticas sobre contas
nacionais, investimentos e macroeconomia. O resultado dos anos de trabalho em este campo foi o
relatório intitulado Recent Economic Changes in the United States (1928).

Porém, já na presidência (1929-1933) e em decorrência da deflagração da Depressão dos anos


30, Hoover criou o Comitê de Pesquisa sobre Tendências Sociais, convidando a William Ogburn, a ser
o diretor de pesquisa. Ogburn, sociólogo proeminente da Universidade de Chicago, foi encarregado
de coordenar a realização de um relatório comparável ao “Recent Economic Changes in the United
States”.

Em 1933, o comitê emitiu o gigantesco relatório, Recent Social Trends. Este relatório foi
louvado como uma conquista das ciências sociais por grande parte dos departamentos de sociologia
das universidades americanas, mas também considerado praticamente inútil por outros círculos. O
volumoso relatório, foi o primeiro documento oficial dedicado à medição das questões sociais,
abrangendo temas como demografia, saúde e educação. (Cobb & Rixford, 1998)

Embora tenha servido para o conhecimento enciclopédico das tendências sociais, forneceu
pouca utilidade sobre como entender ou resolver os enormes problemas provocados pela Grande
Depressão e o desenho de políticas para superar os seus efeitos devastadores. No entanto,
considerando o contexto da época, representou enorme vitória política devido a que se dava igual
relevância à produção de indicadores sociais.

O segundo momento central, em termos historiográficos, foi a publicação de Toward a Social


Report (1970). O governo dos Estados Unidos tinha encomendado cinco anos antes ao Departamento
de Saúde, Educação e Bem-Estar realizar pesquisas para contribuir ao desenho de políticas públicas.
Ainda dentro da mesma linha de Ogburn, o relatório pretendeu superar a crítica de que devia ser uma
ferramenta eficaz para os decisores de política. A transcrição de uma breve passagem do Prefácio
sintetiza os desafios que precisavam ser enfrentados não apenas nos Estados Unidos, mas em todos
os países:

This report, prepared at the request of President Johnson, represents an attempt by social
scientists to look at several important aspects of the quality of American Life, and digest
what is known about progress toward generally accepted social goals. It is not in itself a
social report, but a step toward the development of a social report and a comprehensive
set of social indicators. These could not only satisfy curiosity about how we are doing, they
could also improve public policy making by: 1) providing more visibility to social problems
and, 2) making possible better evaluation of public programs. The report deals with such

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areas as: health and illness; social mobility; the condition of the physical environment;
including pollution and housing; income and poverty; public order and safety; learning,
science, and art; and participation and alienation. An appendix discusses how we can do
better social reporting in the future by pointing out how current statistics are deficient for
this purpose, and indicating the specific ways in which social indicators can be used to
determine public policy. (Department of Health, Education, and Welfare, 1970)

A passagem extraída acima evidencia algumas questões que se devem ressaltar e que
mostram a trajetória do estado da arte na construção de indicadores sociais e índices sintéticos. Em
primeiro lugar, o abandono definitivo da ideia de que, com o PIB per capita, seria suficiente captar a
qualidade de vida da população. A transformação automática do produto da atividade econômica em
progresso social foi questionada definitivamente. Ainda que se adote a premissa de que a renda das
famílias é um indicador robusto de bem-estar, produto não é o mesmo que renda das famílias porque
não existe a possibilidade de que as famílias se apropriem integralmente do produto.

Em segundo lugar, estreitamente relacionado com o ponto anterior, dado que o PIB per capita
não sintetiza ou representa progresso social, outros indicadores podem e devem captar de forma mais
acurada o progresso social. Se isto é verdade, de forma logica, é necessário desagregar setorialmente
as várias faces das condições sociais da população. Como pode ser apreciado na citação, temas como
educação, saúde, mobilidade social, geração de renda e pobreza, meio ambiente, ordem pública e
segurança, entre outros já eram incorporados como temas – ou dimensões – que deveriam ser
incluídos na hora de obter um quadro compreensivo da realidade social de um determinado país.

Em terceiro lugar, note-se que o tema da participação política e alienação foram também
incorporados na agenda de pesquisa do relatório. Não era mais possível pensar que a densidade do
tecido social e político da população era um ingrediente dispensável na hora de demarcar os fatores
que definem as condições de progresso social.

Finalmente, ficam nitidamente estabelecidas as finalidades de qualquer sistema de


indicadores sociais: dar visibilidade aos problemas e deficiências na qualidade de vida da população
(descrição) e fornecer insumos na hora de desenho, implementação e avaliação de políticas públicas
(prescrição) e programas setoriais específicos para a população (prescrição). Este relatório era
representativo de uma visão de que a definição de indicadores sociais deveria ser usada para entender
a eficácia dos programas e políticas sociais.

Porém, existe um conflito entre ambas finalidades na hora de elaborar propostas de sistemas
de indicadores na área social. Os proponentes de indicadores descritivos afirmam que a motivação
dos decisores de política ou da população para elaborar intervenções é uma parte fundamental dos
processos de mudança social. Embora isso seja verdade, é insuficiente. Os que defendem indicadores
de natureza prescritiva afirmam que o fornecimento de evidências sobre quais políticas podem
realmente funcionar é talvez o passo mais crucial para gerar mudanças. (Cobb & Rixford, 1998)

O conflito acima mencionado esconde outro dilema que foi resolvido em parte, simplesmente
reconhecendo que descrição e/ou prescrição envolve um debate entre a objetividade/imparcialidade
e a subjetividade/parcialidade do responsável de elaborar indicadores sociais. Esse debate foi

12
superado com o desenvolvimento conceitual das ciências sociais que permitiu hoje o reconhecimento
de que toda proposta tem uma natureza pseudo-objetiva. (Cobb & Rixford, 1998)

1.1.2.- O movimento de Indicadores Comunitários de inícios do século 20


O primeiro conflito (descrição versus prescrição) colocava, sem sombra de dúvida, a questão
da clientela potencial dos sistemas de indicadores. Os defensores da matriz motivacional dos
indicadores já tinham colocado a necessidade de evidenciar os problemas sociais para a própria
população de tal forma a fornecer mecanismos de incentivos que promovam o progresso social desde
a sociedade ou comunidade.

No entanto, se o debate sobre o conflito entre descrição (utilidade motivacional de mudança


social) e prescrição (utilidade técnica para melhorar as iniciativas públicas na área social) se tornava
intenso nos meios acadêmicos somente na década dos 50, bem antes, na primeira década do século
20 surgiu nos Estados Unidos o Movimento de Indicadores Comunitários (Community Indicators
Movement). A Russell Sage Foundation iniciou o desenvolvimento do que agora é chamado de
"indicadores da comunidade" usando metodologias que, basicamente permanecem até hoje, intactas.
Esta fundação forneceu recursos financeiros à Sociedade de Organização da Caridade de Nova Iorque
para pesquisar as condições industriais em Pittsburgh. (Smith, 1991)

Depois que o relatório fora publicado em 1914, a Fundação foi muito procurada para financiar
estudos semelhantes em outras cidades. Uma vez que não existiam recursos financeiros suficientes,
a Fundação decidiu contribuir com a publicação da metodologia e a assessoria técnica para quem
precise. A solução encontrada, foi que, com a metodologia e assessoria técnica disponível, a execução
passou a ser coordenada e supervisionada por comitês de cidadãos, federações de igrejas, câmaras
de comércio ou associações civis. Nos anos seguintes, mais de dois mil pesquisas locais foram
realizadas em temas como educação, cultura e lazer, saúde pública, segurança e condições
socioeconômicas. Os indicadores que foram gerados pelos especialistas, mas coordenados e sujeitos
às organizações sociais foram amplamente divulgados nas comunidades com o intuito de que estas
passem a interpelar ao poder público. Nas palavras de Smith, “The surveys usually explained much less
than met the eye. In reality, they were less an instrument for testing hypotheses and designing reforms
than for arousing a community’s conscience and ‘quickening community forces’ for reform, as one staff
member of the foundation put it”. (Smith, 1991)

Praticamente um século depois, ainda temos a mesma metodologia no que diz respeito à
construção de indicadores comunitários: financiamento privado, execução por parte dos especialistas
e difusão dos resultados e mobilização por parte das organizações sociais para pressionar o poder
público a realizar as iniciativas. Por outro lado, a produção de indicadores de natureza prescritiva
continua nas mãos de quem produz programas e políticas (autarquias, ministérios, centros de
pesquisa estatais), que têm capacidades tecnicamente distintas e significativas devido a que os
registros administrativos e dados de oferta encontram-se nas mãos dessas instituições e são
imprescindíveis para determinar a eficiência e eficácia dentro de um enfoque causal.

13
A pesquisa aqui realizada, questiona conceitualmente este conflito e aspirou operacionalizar
o questionamento na parte metodológica. O sucesso ou não desta iniciativa, somente poderá ser
confirmado nas próximas etapas.

1.1.3.- Expansão, internacionalização e alinhamento institucional das agências para o


desenvolvimento e os sistemas de indicadores sociais nos últimos 40 anos
Nos Estados Unidos, o Toward a Social Report (1970) foi publicado apenas por mais duas
edições. A última foi em 1981. As razoes citadas pelos historiadores são três. Em primeiro lugar, uma
virada conservadora com a vitória de Ronald Reagan para a presidência, que com o recorte de
orçamento e a visão de que problemas sociais de grupos minoritários não seriam mais prioridade da
nova administração.

Em segundo lugar, nunca foi possível superar totalmente o viés descritivo em prol da visão
prospectiva que era necessária para formatar políticas públicas, assim como realizar a permanente
avaliação das iniciativas. Atrás desta limitação, se encontra um impasse ideológico que se reflete na
escolha da alternativa metodológica indutiva da escola americana de sociologia. Avançar na visão
prospectiva significava adotar a ótica dedutiva para entender as relações de causalidade dos
fenômenos sociais com o intuito de fornecer conhecimento útil na formatação das políticas públicas.
Significava abrir o debate sobre que modelo de sociedade deveria nortear a produção de indicadores
e qual o tipo de políticas se deveria propor. Implicava finalmente, que o governo se comprometesse
com algum modelo de entender a questão social. Dar os passos descritos aqui era totalmente inviável
na realidade americana dos anos 80. (Smith, 1991)

Em terceiro lugar, diferente das duas anteriores, a razão para descontinuar a publicação foi a
partir de um fato positivo. As demandas por informação cresceram de forma tão significativa e a
capacidade de produção de informação cresceu de forma exponencial que a consequência foi a
proliferação de relatórios setoriais geradas a partir das diversas agências e secretarias. Ganhou-se no
detalhe técnico e especificidade, mas se perdeu em relevância política.

A perda de relevância do debate, inovação e produção de indicadores sociais nos Estados


Unidos, contrasta com o surgimento de uma verdadeira proliferação em grande parte dos países
europeus. Reino Unido, Alemanha, França e os países de forte tradição socialdemocrata são exemplos
de centenas de iniciativas a partir do setor público para inovar, debater e produzir informação nas
diversas áreas sociais. Logicamente, os atores pertinentes nesses países não tinham impasses
ideológicos profundos para assumir uma visão dedutiva que permita formatar políticas, escolher
caminhos e reforçar os seus sistemas consolidados de bem-estar social.

Percorrendo uma trajetória inversa à americana, muitos desses países já produziam


informação de qualidade em cada setor há algumas décadas. O desafio era agregar toda esta
informação para produzir indicadores capazes de integrar e nortear as intervenções setoriais. Desafio
conceitual e politicamente simples devido a um grande consenso sedimentado longamente sobre o
estado de bem-estar, mesmo na vertente britânica mais liberal. Segundo (Noll & Zapf, 1994):

14
“Entre as condições prévias que permitiram que esta trajetória se cumprisse
tem-se: um programa de política social articulado do bem-estar social, uma
orientação intervencionista do governo, agências estatísticas inovadoras e a
centralidade geográfica"

Da onda gerada nos países europeus para a internacionalização dos sistemas de indicadores
sociais foi um passo. Os próprios países membros de instituições multilaterais demandaram a
necessidade de realizar compatibilizações dos sistemas nacionais de informação com objetivo não
apenas de comparar, mas também de criar e calcular indicadores e índices no âmbito supranacional.
A OCDE é uma das primeiras organizações a produzir sistemas de indicadores para os países membros,
Living conditions in OECD countries: a compendium of social indicators. (OECD, 1986) representa uma
das primeiras realizações e predecessor do OECD Better Life Index que é calculado para 38 países
incluindo o Brasil. (OECD, 2017)

Nas Nações Unidas, a relação entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento humano


foi explorada através do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) cujos resultados para todos os
países membros são apresentados através dos anuários Human Development Reports, relatórios que
são publicados desde 1990. No Banco Mundial, o World Development Report e Social Indicators of
Development refletiram preocupações semelhantes, embora de um ponto de vista muito diferente ao
das Nações Unidas.

As iniciativas acima mencionadas, são apenas exemplos célebres entre outras dezenas de
outras que incluem as setoriais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza a saúde humana,
levando ao movimento saudável das cidades, que desenvolveu indicadores para avaliar melhorias na
saúde pública amplamente analisadas.

As páginas acima pretenderam contextualizar conceitualmente o debate internacional e, seus


desdobramentos, sobre a relevância dos indicadores no que tange aos temas sociais. Como foi
observado, duas questões centrais são pertinentes para o presente trabalho: a relação empírica –
desde a ótica de indicadores – entre o predomínio dos indicadores do âmbito econômico sobre os
indicadores sociais e de como essa relação mudou ao longo dos últimos 100 anos; e, em segundo
lugar, a evolução dos próprios indicadores sociais a partir do desenvolvimento metodológico e das
finalidades em permanente mutação sobre os usos dos indicadores sociais. Ambas as questões
possuem uma ampla interação com as condições socioeconômicas dos países que serviam de palco
para o debate, a dinâmica política das diferentes correntes que pensam e estudam o papel do estado
nas economias de mercador e a maturidade intelectual e material dos diversos modelos de bem-estar
social.

A próxima subseção, descreve a discussão sobre a operacionalização de diferentes propostas


de mensurar o bem-estar social da população através de indicadores sintéticos. A finalidade das
páginas a seguir se concentra em informar ao leitor sobre as bases conceituais e algumas
características metodológicas de conceitos operacionalizados em índices sintéticos amplamente
divulgados no Brasil, mais do que tentar demonstrar qual destes indicadores detém predomínio
técnico, empírico ou metodológico.

15
1.2.- Desenvolvimento Humano e Progresso Social como referenciais teóricos e
empíricos da Prosperidade
O conceito de desenvolvimento humano nasceu definido como um processo de ampliação das
escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que
desejam ser. (PNUD, 2017)

Diferentemente da proposta baseada apenas no dinamismo econômico, que concebe o bem-


estar de uma sociedade apenas pela atividade econômica (produto) ou pela renda que ela pode gerar
para as famílias, a abordagem de desenvolvimento humano procura focar diretamente nas pessoas,
suas oportunidades e capacidades. A renda é importante, mas como um dos meios do
desenvolvimento e não como seu fim.

Desta forma, o enfoque do desenvolvimento humano é uma mudança radical de perspectiva


já que com o desenvolvimento humano, o centro da análise é transferido do crescimento econômico,
ou da renda, para o ser humano. O conceito de Desenvolvimento Humano também parte do
pressuposto de que para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é preciso ir além do
viés puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas que
influenciam a qualidade da vida humana. (PNUD, 2017)

O desenvolvimento humano devido ao fato que envolve a expansão das escolhas, acaba
determinando quem somos e o que fazemos. Vários fatores influenciam essas escolhas: a ampla gama
de opções que temos de escolher; nossas capacidades; as restrições socioeconômicas e cognitivas; as
convenções sociais e as influências culturais que moldam nossos valores e escolhas; nosso próprio
empoderamento e os modelos de agência que exercemos individualmente e nos grupos na definição
de nossas opções e oportunidades; e os mecanismos que existem para resolver reivindicações
concorrentes de forma justa e favorável à realização do potencial humano. (United Nations
Development Programme, 2016)

As bases filosóficas do desenvolvimento humano são os direitos humanos. Esses últimos


oferecem uma perspectiva promissora para identificar as principais características do
desenvolvimento humano: s titulares de deveres apoiam e melhoram o desenvolvimento humano e
são responsáveis por falhas do sistema social. A abordagem do desenvolvimento humano fornece uma
maneira sistemática de articular operacionalmente esses conceitos do parágrafo anterior. A proposta
é potencialmente robusta em mostrar a interação entre fatores que podem operar em (des)vantagem
de pessoas e grupos em diferentes contextos resultando em violações ou supressões dos direitos.

Se renda e riqueza fossem medidas ainda que não correspondam ao fim do processo de
desenvolvimento, pelo menos refletissem fielmente o padrão de vida das pessoas (correlação
perfeita), não haveria na prática dificuldades para utilizar tais medidas. (Kang, 2011)

No entanto, tomemos o caso do Brasil, entre tantos outros onde a distribuição desigual da
renda e de outros recursos, ou a baixa qualidade de serviços públicos como educação básica e saúde
levam a distorções tais que cidadãos de países de renda média inferior à brasileira às vezes exibem
qualidade de vida superior à dos brasileiros. Outros exemplos de disparidades entre nível de renda

16
per capita e padrão de vida são dados por Sen, como por exemplo o estado de Kerala na Índia, que
apresenta indicadores sociais muito superiores aos apresentados por diversas regiões mais ricas, o
que justifica o uso de outras medidas além de renda per capita para a avaliação do desenvolvimento
de um país. (Sen, 1999)

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo


prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e longevidade. O
objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado para
aferir desenvolvimento, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão
econômica do desenvolvimento.

As propriedades do IDH são amplamente conhecidas. Agrega em um único escalar três


dimensões como foi mencionado no parágrafo anterior: longevidade, renda e educação. O indicador
que se usa como proxy de longevidade é a esperança de vida ao nascer, este indicador sintetiza as
condições sociais, de saúde e de salubridade de uma população ao considerar as taxas de mortalidade
em suas diferentes faixas etárias. Todas as causas de morte são contempladas para se chegar ao
indicador, tanto doenças quanto causas externas, tais como violência e acidentes.

A dimensão renda do IDH considera a renda per capita da população, ou seja, a renda média
mensal dos indivíduos residentes em determinado lugar (município, UF, região metropolitana),
expressa em reais. A renda per capita capta a capacidade média de aquisição de bens e serviços por
parte dos habitantes de determinada área geográfica e assim garantir um padrão de vida capaz de
assegurar suas necessidades básicas. A grande limitação de utilizar apenas esse único indicador nesta
dimensão é não considerar a desigualdade de renda. Assim, um município, por exemplo, pode
apresentar uma elevada renda per capita, mas, ao mesmo tempo, pode ter uma grande parcela de
sua população vivendo na pobreza que somente é explicada pela desigualdade na distribuição de
renda.

A dimensão Educação está composta por dois indicadores: escolaridade da população adulta
e fluxo escolar da população jovem. O primeiro, a escolaridade da população adulta, é medido pelo
percentual da população de 18 anos ou mais de idade com o ensino fundamental completo. O
segundo, fluxo escolar da população jovem, é medido pela média aritmética de:

1) O percentual de crianças de 5 a 6 anos frequentando a escola;


2) O percentual de jovens de 11 a 13 anos frequentando os anos finais do ensino
fundamental regular;
3) O percentual de jovens de 15 a 17 anos com ensino fundamental completo; e,
4) O percentual de jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo.

A medida da educação da população jovem não inclui toda a população em idade escolar e
frequentando a escola, captando apenas determinados momentos da passagem da população jovem
pelo sistema educacional. Além disso, no caso do indicador que envolve definição de série, “anos finais
do fundamental”, capta apenas o ensino regular. Também adota, por questões amostrais e
estatísticas, faixas etárias ampliadas daquela faixa etária ideal: 12 anos nos anos finais do
fundamental, 16 anos com ensino fundamental completo, e 19 anos com ensino médio completo.

17
O indicador da educação da população adulta limita a avaliação desta população àqueles que
completaram o ensino fundamental, não incluindo aqueles que tiveram alguma passagem pelo
sistema educacional sem completar ciclos. Também pressupõe como suficiente o ensino fundamental
completo, quando já se considera como básico o ensino médio completo. Nesse sentido mesmo com
indicadores altos a medida é modesta.

A descrição anterior, pretende apenas informar ao leitor sobre o tipo de implicações que
podem trazer à análise este índice sintético. As vantagens do IDH, residem na enorme capacidade de
comparação do IDH, na facilidade de obter esses 4 indicadores em praticamente todos os países do
mundo e na capacidade de mobilizar governos com vistas a melhorar o índice. Propostas e iniciativas
não apenas do setor público nos três níveis da federação, mas também de representações da
sociedade civil têm sido pautadas e orientadas pelo IDH no Brasil nas últimas três décadas.

Com efeito, desde o cálculo do IDH no âmbito intra-nacional e municipal a finais da década
dos anos 90, a relevância do IDH cresceu em termos exponenciais na formatação de propostas e no
monitoramento de programas sociais nas áreas de geração de renda, educação e saúde. O IDH no
Brasil tem servido como base para uma ampla reflexão sobre a melhoria de programas sociais e debate
sobre a alocação de recursos públicos. Finalmente, em muitas regiões do país, o IDH foi importante
fator de mobilização social em torno de metas e cumprimento de objetivos da ação do estado.

Apesar das potencialidades acima mencionadas. O IDH propõe um recorte muito restrito do
desenvolvimento humano. Não se trata apenas de comparar com outros índices sintéticos, mas
principalmente com a própria proposta conceitual e filosófica dos autores e especialistas que
trabalharam no tema e no cálculo do IDH (United Nations Development Programme, 2016):
1. First, the HDI is not a comprehensive measure of human development. It just focuses on the
basic dimensions of human development and does not take into account a number of other
important dimensions of human development.
2. Second, it is composed of long-term human development outcomes. Thus, it does not reflect
the input efforts in terms of policies nor can it measure short-term human development
achievements.
3. Third, it shares all the limitations of composite measures. But it is important to keep it simple
with minimum variables to ensure its acceptability, understanding and predictability.
4. Fourth, the HDI is an average measure and thus masks a series of disparities and inequalities
within countries. Disaggregation of the HDI in terms of gender, regions, races and ethnic groups
can unmask the HDI and can be and has been used widely for policy formulation.
5. Fifth, income enters into the HDI not in its own right, but as a proxy for resources needed to
have a decent standard of living. The issue with regard to income is how it is transformed into
the health and education dimensions of the HDI. Thus, between income and the other two
dimensions of the HDI, the issue is that of transformation, and not of substitution.

O IDH tem, portanto, um alcance limitado. Não pode fornecer uma imagem completa do
desenvolvimento humano em qualquer contexto. Este índice deve ser complementado com outros
indicadores úteis para obter uma visão abrangente. O reconhecimento desta limitação central – que
pode ser amplamente discutida em termos da disponibilidade de indicadores ou da própria forma de
calcular cada um deles – é verificado quando os Relatórios do PNUD incorporam, a cada ano, um

18
conjunto importante de outros indicadores que complementam a visão do Desenvolvimento Humano
na hora de mensurar as diversas dimensões da qualidade de vida da população.

Assim, é preciso refletir outras alternativas metodológicas que representem análises sobre o
desenvolvimento humano. Definitivamente, o IDH, apesar de a sua enorme relevância, não pode
retratar a imagem completa. A principal determinante que é preciso introduzir nas análises é a
desigualdade nas suas diversas formas de propagação – desigualdade de oportunidades e de
resultados. (Cossio & Amorim, 2003)

O Índice de Progresso Social (IPS) visa atender a esta necessidade premente, criando um
quadro de medição robusto e holístico para o desempenho social e ambiental dos países. Este índice
pode ser usado por líderes do governo, empresas e sociedade civil para comparar os avanços de tal
forma a acelerar o progresso. O IPS compõe um quadro abrangente para medir o progresso social que
é independente do PIB, mas é complementar. A ótica aqui proposta é um mundo em que o progresso
social se situa ao lado do PIB como referência central para os desempenhos nacionais. O índice,
pretende fornecer uma base sistemática e empírica para orientar uma estratégia de crescimento
inclusivo. (Social Progress Imperative, 2015)

O crescimento econômico tirou milhões de pessoas das condições de pobreza e melhorou a


vida de muitos mais durante as últimas sete décadas, mas o crescimento econômico por si só não é
suficiente. Uma sociedade que não consegue abordar as necessidades humanas básicas, que não
capacita os cidadãos para melhorar sua qualidade de vida, que não protege o meio ambiente e não
proporciona oportunidades para seus cidadãos não está robustecendo o círculo virtuoso do progresso
social e econômico. Medir o progresso social proporciona insumos na tradução de maiores ganhos
econômicos que por sua vez incentivam o avanço da dimensão social e ambiental. O Índice de
Progresso Social é uma maneira concreta de entender e, portanto, priorizar uma agenda pública viável
que promova o desenvolvimento social e econômico.

O desenvolvimento inclusivo exige uma relação muito consolidada e positiva entre o


progresso econômico e o social. Assim:
“Definimos o progresso social de forma abrangente e inclusiva. O progresso
social é a capacidade de uma sociedade para atender às necessidades
humanas básicas de seus cidadãos, estabelecer os pilares de construção que
permitem aos cidadãos e às comunidades melhorar e sustentar a qualidade
de suas vidas e criar as condições para que todos os indivíduos atinjam todo
o seu potencial. ” (Social Progress Imperative, 2015)

Consoante com a definição de Progresso Social na citação anterior, o IPS propõe 4 eixos
norteadores para a construção do índice: (Social Progress Imperative, 2015)

1. Apenas indicadores sociais e ambientais: A finalidade é medir o progresso social


diretamente, em vez de usar proxies econômicos.
2. Resultados, não insumos: Concentrar na mensuração dos resultados que importam para
a vida das pessoas e não os insumos.

19
3. Holístico e relevante para todos os países: A ideia foi criar uma medida holística do
progresso social que incorpore os diversos aspectos do bem-estar de todas as sociedades.
Definir o que é uma sociedade saudável para qualquer país, incluindo países de maior
renda, é indispensável na elaboração de uma trajetória para sociedades menos prósperas
para chegar ao estágio dos países mais desenvolvidos.
4. Acionável (aproveitável): o Índice pretende ser uma ferramenta prática que ajudará os
líderes e profissionais do governo, empresas e sociedade civil a implementar políticas e
programas que direcionem o progresso social mais rápido.

Ao retirar do IPS os indicadores econômicos, pode-se analisar sistematicamente a relação


entre o desenvolvimento econômico (medido, por exemplo, pelo PIB per capita) e o desenvolvimento
social. Esforços realizados anteriormente, para ir além das variáveis econômicas, apresentaram
indicadores socioeconômicos, complicando a desvinculação analítica de causa e efeito entre ambas as
esferas. Talvez esta seja a principal no que diz respeito ao IDH: a exclusão do PIB per capita.

O Índice é estruturado em torno de 3 dimensões, 12 componentes e 52 indicadores distintos.


A arquitetura do índice permite não só fornecer uma classificação e ranking do país agregado, mas
também permitir análises detalhados de áreas específicas. A transparência de medição usando um
quadro abrangente permite que formuladores de política pública identifiquem e atuem sobre os
problemas mais urgentes. (Social Progress Imperative, 2015)

Diagrama 1: Arquitetura do IPS: Dimensões e Componentes


Nutrição e serviços médicos basicos
Necessidades Saneamento e água

Básicas Abrigo
Segurança pessoal

Indice de Acesso ao conhecimento

Progresso Pilares do Acesso à informação e comunicação

Social Bem-estar Saúde e bem-estar


Ecosistema e sustentabilidade
(IPS) Direitos individuais
Oportunidades Liberdade individual e escolha
Tolerância e inclusão
Acesso à Educação Superior

Da descrição do Diagrama 1 se extraem outras duas diferenças importantes: a inclusão do


meio-ambiente e a sustentabilidade como um dos pilares do bem-estar; e, a incorporação das
Oportunidades para todos, de tal forma a garantir os ganhos da prosperidade independente do
patamar de desenvolvimento que cada país se encontre.

20
Cada um dos componentes incorpora entre 3 e 5 indicadores de resultado, totalizando 52
indicadores. No entanto, a estrutura descrita, funciona internacionalmente. Ou seja, com o intuito de
alcançar comparabilidade, o Social Progress Imperative – instituição sediada nos Estados Unidos –
mantém essa estrutura para 133 países. Desta forma, existe o -Global e podem existir IPS’s locais
(aplicações especificas no âmbito subnacional).

Com efeito, existem acordos locais em vários países – Colômbia, Estados Unidos, Costa Rica,
Peru, Paraguai, entre outros. No Brasil, desde 2013, o Social Progress Imperative aplicou a
metodologia e seus princípios, mas com a flexibilidade necessária para contextualizar os territórios da
Amazônia (municípios desta região) e se adaptar as disponibilidades de informação que nutrem a
construção dos indicadores. Além do IPS-Amazônia, a nossa cidade também foi beneficiária através
de convênio entre a Prefeitura (Instituto Pereira Passos) e esta organização. Outras duas organizações
apoiaram o Convênio: Fundação Roberto Marinho e a Fundación Avina.

O IPS RIO tem como objetivo construir o índice para as 32 Regiões Administrativas (RA) do Rio
de Janeiro, levando em consideração métricas que permitam ao poder público e aos cidadãos avaliar
o desempenho social da cidade. Os indicadores são compostos por bases públicas de dados
secundários, garantindo assim a estabilidade da periodicidade das informações quantitativas. (Pulici,
Carvalho Moura, & Mosaner, 2016)

Tabela 1: Componentes e Indicadores do IPS-RIO

1 Nutrição e cuidados médicos básicos 7 Tolerância e Inclusão


Mortalidade infantil Violência Contra a Mulher
Baixo Peso ao Nascer Homicídios de Jovens Negros
Mortalidade Materna Vulnerabilidade Familiar
Internações infantis por crise respiratória aguda 8 Saúde e Bem-Estar
2 Acesso ao Conhecimento Básico Mortalidade por Doenças Crônicas
Alfabetização Incidência de Dengue
Qualidade do Ensino Fundamental, anos iniciais Mortalidade por Tuberculose e HIV
Qualidade do Ensino Fundamental, anos fnais 9 Moradia
Abandono Escolar no Ensino Médio Pessoas Vivendo em Favelas Não-Urbanizadas
3 Direitos Individuais Acesso a Energia Elétrica
Mobilidade Urbana Adensamento Habitacional Excessivo
Homicídios por Ação Policial 10 Acesso à Educação Superior
Tempo médio de deslocamento Pessoas com Ensino Superior
Participação Política Negros e Indígenas com Ensino Superior
4 Liberdades Individuais Frequência ao Ensino Superior
Gravidez na Adolescência 11 Sustentabilidade dos Ecossistemas
Trabalho Infantil Coleta Seletiva de Lixo
Índice de Acesso à Cultura Degradação de Áreas Verdes
5 Acesso à informação e Comunicação 12 Segurança Pessoal
Acesso a Telefone Celular ou Fixo Taxa de Homicídios
Acesso à Internet Roubos de Rua
6 Água e saneamento
Acesso à Água Canalizada
Acesso a Esgotamento Sanitário
Acesso a Banheiro

(Pulici, Carvalho Moura, & Mosaner, 2016)

21
Da observação da Tabela 1 acima, é possível perceber que os 36 indicadores, distribuídos nos
12 componentes, são na sua maioria semelhantes aos extraídos por outras instituições que produzem
este tipo de indicadores. Por exemplo, os indicadores complementares que existem nos Relatórios
Anuais de Desenvolvimento Humano do Brasil ou as diversas versões da plataforma de consulta do
Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil possuem os mesmos indicadores que propõe o IPS-RIO.
Este fato é decorrente das possibilidades já definidas que as bases de dados públicas ou os registros
administrativos setoriais de alguns ministérios ou autarquias oferecem.

Até aqui, descrevemos dois índices sintéticos de grande relevância internacional que tratam
da mesma temática e nas últimas décadas tem contribuído com significativas inovações
metodológicas, cumprindo um papel central no debate público não apenas sobre o que significa
melhoria na função de bem-estar da população de um determinado território, mas também tem
empoderado à população de tal forma a participar menos passivamente sobre o futuro e metas que
devem ser trilhados para disseminar de forma igualitária o bem-estar social, econômico e político.

Outro fator determinante para a escolha desses dois índices na descrição realizada até aqui,
diz respeito à ampla aplicação de ambos em contextos subnacionais no Brasil. Seja o IDH, seja o IPS
ambos constituem realidades presentes no milieu social brasileiro, no mundo acadêmico, na
formulação e monitoramento de políticas públicas e, em alguns casos, de programas e investimento
social do setor privado. O IDH e o IPS têm a virtude da elegância do tratamento empírico dos dados
quantitativos e a simplicidade da metodologia que permite uma transparência impar quando
comparados com outras metodologias – por exemplo as de causalidade entre fenômenos sociais.

Ambos índices sintéticos servem de referência para o ensaio de propor um índice de


prosperidade para áreas vulneráveis urbanas. Por um lado, porque a reflexão permanente desses dois
instrumentos consagrados permite identificar as vantagens e as características que podem ser sempre
melhoradas. Não faz sentido não aproveitar o acúmulo de conhecimento gerado até aqui. Nesse
sentido, a tentativa de propor um índice sintético de prosperidade pode e deve se nutrir dos avanços
gerados por esforços anteriores.

Estamos cientes que existe uma gama enorme de outros índices que foram brevemente
mencionados nas primeiras páginas desta seção. Outros índices de natureza multidimensional como
o IDH e o IPS existem não apenas no Brasil, mas também em outras regiões do planeta. Com um alto
grau de sofisticação metodológica e quantitativa ou expressando contextos de alto desenvolvimento
socioeconômico como os países da OCDE, esses índices poderiam ser também escolhidos como
referenciais diretos do trabalho aqui empreendido. A questão é que tanto o IDH quanto o IPS
oferecem uma base comum substantiva de diálogo e de potenciais parâmetros que podem vir no
futuro a calibrar empiricamente o índice de prosperidade.

O IDH e o IPS seriam critérios “padrão ouro” para a comparação na medida em que grande
parte dos indicadores se nutrem das mesmas bases de dados. Também seriam excelentes descritores
porque ambos já alcançaram um grau de maturidade nos mesmos contextos geográficos e sociais
onde o índice de prosperidade pretende contribuir: no âmbito intra-município, captando as condições

22
socioeconômicas de populações com alto grau de vulnerabilidade social e demandas por serviços
públicos de qualidade não satisfeitas e, finalmente, em palcos de alta assimetria dimensional que
configuram a temática da desigualdade como delicada e difícil de ser tolerada se pretendermos uma
sociedade mais prospera no futuro.

Uma vantagem significativa do nosso empreendimento por enquanto teórico e conceitual


reside no fato de que restrições de índole institucional e também empírico fazem do IDH e do IPS mais
limitados nas suas possibilidades de criar. Institucionalmente, ambos são oriundos de esforços de
organizações internacionais cujo objetivo é a abrangência do maior número de países com propósito
de comparar. As suas aplicações locais devem guardar uma estreita relação com as suas versões
globais. Claro, nota-se maiores graus de liberdade no caso do IPS quando comparado com o IDH. O
IPS, já na sua concepção metodológica incorpora uma maior flexibilidade no momento que toma como
preocupação central, a necessidade de atender a todos os países independente do grau de
desenvolvimento dos mesmos. Esta necessidade é substantiva e deve ser empiricamente cumprida. O
IDH se centra na comparabilidade, mas deixa de lado variáveis que permitiriam identificar fatores que
surgem em diferentes estágios e contextos.

Porém, ambos não poderiam ser deixados de lado como referenciais diretos do trabalho
realizado aqui. Dialogar com ambos os índices permite também nutrir um debate público sobre os
(des)caminhos do desempenho social, econômico e político do nosso país.

Na próxima seção, descreve-se a natureza conceitual do Índice de Prosperidade de Favelas, as


particularidades nas contribuições que pretende realizar quando comparado com seus referenciais
prévios e a metodologia e descrição do trabalho de campo realizado.

2.- O que é prosperidade? Sedimentando conceitos e descrição de aspectos


metodológicos
A presente seção tem dois objetivos principais: mobilizar a reflexão sobre prosperidade em
termos de contextualizar os conceitos e as ideias-força em torno da posterior proposta de indicadores,
e, uma descrição sucinta sobre a metodologia aplicada no trabalho de campo.

2.1.- Prosperidade e a sua operacionalização permanente


Prosperidade pode vir a ser mais um termo que se assemelha ao de progresso,
desenvolvimento, qualidade de vida, bem-estar, entre outros. Neste sentido, discorrer sobre a
semântica do termo ou os diversos significados não seria proveitoso para o desafio aqui colocado. Se
trata de considerar o termo de tal forma a obtermos uma contextualização, uma operacionalização e,
principalmente, gerar uma agenda de propostas e debates que permitam estabelecer canais de
comunicação com os atores envolvidos.

Se é verdade que termos construídos nas ciências sociais constituem um somatório de


conteúdos devido à natureza multidimensional e mutável do mundo social, ao conceito de
Prosperidade pode-se atribuir algumas características que permitam ser operacionalizadas
empiricamente e, principalmente, que seja capaz de gerar diretrizes para aplicar um processo

23
metodológico diferente aos aplicados em outros índices. Assim, as características apresentadas a
seguir são produto tanto da própria historiografia mobilizada (mesmo que devamos reconhecer que
a escolha é arbitrária e totalmente transitória) e das necessidades oriundas do trabalho empírico e de
campo realizado ao longo dos últimos meses.

2.1.1.- Prosperidade como instrumento que garante sustentabilidade


Instrumento e processo são dos elementos centrais que balizam a ideia de prosperidade. Da
mesma forma, que as propostas de desenvolvimento ou de progresso social, deslocam a ideia
economicista de que riqueza, PIB, renda ou prosperidade (no sentido de acúmulo de qualquer tipo de
ativos) são conceitos fins e não meios, aqui Prosperidade prioriza a função de instrumento e/ou de
processo.

Note-se que não se trata de colocar o fruto da atividade econômica apenas como um médio
(IDH) ou de dissociar as variáveis econômicas das sociais como faz o IPS. Do que se trata é de enfatizar
que prosperidade é um instrumento que somente faz sentido se adotamos a premissa de que
prosperidade é um processo permanente de atingir metas que são permanentemente reavaliadas ao
longo das etapas superadas no que tange as condições socioeconômicas de uma dada população.

Assim, a prosperidade de um território diz respeito ao processo de fluxo entre a produção e


aquisição de bens tangíveis e a sua distribuição social capaz de gerar níveis de bem-estar cada mais
elevados não apenas no curto e médio prazo, mas também no longo prazo. O conceito de
sustentabilidade surge quando esse fluxo entre ambas as esferas (econômica e social) é denso e de
via dupla. Talvez uma das menções mais antigas sobre a prosperidade seja útil para condensar essas
duas ideias: fluxo permanente entre atividade econômica e bem-estar social, e, a garantia de
sustentabilidade quando o centro de toda a reflexão são as pessoas:
“Se quiser ter prosperidade por um ano, cultive grão. Por dez cultive árvores.
Mas para ter sucesso por 100 anos cultive gente”

Confúcio

O Instituto Legatum é um centro de pesquisa internacional e uma instituição educacional que


se concentra em medir, compreender e explicar a jornada da pobreza à prosperidade para indivíduos,
comunidades e nações. O Instituto vê a prosperidade como parte do desenvolvimento humano: a
noção de que os indivíduos com a oportunidade de descobrir, cumprir e compartilhar seu potencial
se tornam o melhor que podem ser. (Legatum Institute, 2016)

O ranking internacional baseado no Índice de Prosperidade do Instituto Legatum é bastante


difundido. Em 2016 foi aplicado em 149 países. O Índice Legatum de Prosperidade (ILP) é estruturado
em três dimensões: econômica, social e institucional. A dimensão econômica está subdividida em dois
componentes (Qualidade econômica e Ambiente de Negócios); a social em 4 (saúde, meio ambiente,
educação e capital social), finalmente, a dimensão institucional e central para a nossa proposta possui
dois componentes (governança e liberdades individuais). (Legatum Institute, 2016)

No entanto, o que interessa aqui é retomar a reflexão sobre fluxo entre o vetor econômico e
o bem-estar social. No Diagrama 2, é possível apreciar de forma muito didática a dinâmica desse fluxo.

24
Uma comunidade qualquer tem como desafio a procura por uma vida melhor. Em geral, esta procura
é efetivada a partir da plena conscientização – por parte da população – das condições específicas de
precariedade existentes. Para superar as condições de precariedade ambas dimensões (representadas
pelos círculos) precisam abrir fluxos de dupla via. Ou seja, para atingir a transformação e virar uma
comunidade próspera, os resultados econômicos precisam fluir para impulsionar os vetores sociais
que geram maiores níveis de bem-estar social e os resultados do bem-estar devem também incidir
nos vetores econômicos que geram crescimento.

Diagrama 2: Dinâmica entre as duas dimensões da Prosperidade

(Legatum Institute, 2016)

O que aumenta a probabilidade de sucesso, depende dos 8 componentes acima mencionados.


Mais do que a definição de indicadores para cada componente, o que interessa é o tipo de relação
entre eles que será pensada na seguinte subseção.1

2.1.2.- Prosperidade como processo crescente de interdependências


Os componentes acima mencionados – podem ser retirados uns e acrescentados outros –
fazem sentido apenas na ideia-força de interdependência progressiva. Talvez, a exposição mais
brilhante sobre a evolução da interdependência no conceito de prosperidade seja a do inglês Ridley:
“Prosperidade ou crescimento tem sido sinônimo de caminhar da
autossuficiência para a interdependência” (Ridley, 2010)

Ridley dedica vários capítulos no seu livro, para mostrar que se indivíduos e comunidades
continuassem com a ideia de autossuficiência nem o progresso tecnológico, nem a satisfação das
necessidades básicas, nem a convivência em coletividades participativas e democráticas poderiam
alcançar os patamares em que se encontram hoje. Os capítulos do extenso livro de Ridley são muito

1
No caso do ILP uma parte significativa dos indicadores não são muito adequados para o nível intra-municipal
ou para outro tipo de recorte espacial urbano (bairros, Regiões Administrativas ou favelas), pois foram pensados
no âmbito nacional.
25
sugestivos na hora de descrever a trajetória indissolúvel da prosperidade e da interdependência
humana: The collective brain: Exchange and specialization (dedicado ao acúmulo de conhecimento e
capital humano); The manufacture virtue: barter, trust and rules (progresso econômico); ou, The
triumph of the cities (desenvolvimento urbano) são alguns exemplos onde o autor mostra que o fator
determinante foi e é a interdependência.

Mas a interdependência entre as pessoas, cidadãos ou comunidades é uma das fases. A outra
fase relevante é a interdependência temática. Existe sim uma conexão substantiva entre dimensões,
não é apenas formal ou burocrática. Isso é que deve ser sinalizado de forma inequívoca pelo diagrama
2. A perda do fluxo entre ambas as esferas (econômica e de bem-estar social) implica no surgimento
de barreiras à prosperidade da comunidade. Da mesma forma, análises estanques sobre educação,
segurança pública, mercado de trabalho, entre outros, impede perceber as correlações temáticas.

Portanto, identificar as transversalidades e os tipos de correlações existentes entre os


componentes permite desenhar propostas com maior grau de eficácia social que, por sua vez, terá
impacto no vetor econômico. (Ridley, The Evolution of Everything: How New Ideas Emerge , 2015)

2.1.3.- A democracia é o núcleo da Prosperidade


A coletividade humana evolui. A mudança na tecnologia, na linguagem, na
moral e na sociedade é incremental, inexorável, gradual e espontânea. A
mudança segue uma narrativa, indo de um estágio para o outro; ela se
arrastou em vez de dar saltos; tem seu próprio impulso ao invés de ser
conduzido de fora; não tem objetivo ou final em mente; e ocorre em grande
parte por tentativa e erro. Grande parte do mundo humano é o resultado da
ação humana, mas não dos demiurgos: surge das interações de milhões, não
dos planos de alguns. (Ridley, 2015)

Iniciar esta subseção citando uma passagem da última publicação de Ridley (2015), sintetiza
as características mais relevantes para a implementação da metodologia que será descrita na próxima
subseção. A ideia de um processo conduzido de dentro para fora e o protagonismo do milhões e não
dos planos de alguns são elementos fundamentais para repensar e propor o que talvez seja o traço
mais distintivo do nosso trabalho: incentivar e sistematizar o trabalho coletivo de uma comunidade
na identificação dos objetivos, dos mecanismos e das interações entre os componentes que fazem
parte do sistema de indicadores.

Na maior parte das vezes, o trabalho técnico de identificar os problemas, estabelecer as metas
futuras para a resolução desses problemas, modelar as causas e seus resultados e, finalmente, propor
métricas e construir indicadores ocupa a centralidade deslocando as visões e as interações da
comunidade. A questão aqui é que as possibilidades técnicas na construção de indicadores e a
disponibilidade de outros indicadores já produzidos previamente por institutos de pesquisa acaba por
gerar um processo totalmente inverso ao levantado por Ridley: o processo é conduzido desde fora e
a iniciativa está nas mãos de poucos que por muito bem preparados e bem intencionados que sejam
assumem a centralidade do processo deslocando a comunidade que, em última instância, seria a
beneficiária da prosperidade – independente do conceito que seja mobilizado.

26
No entanto, recolocar a centralidade da comunidade no processo de tal forma que os
mecanismos de indução sejam de dentro para fora e também adquira relevância as ações de muitos
e não de poucos, requer pensar com muito cuidado a temática da governança. Por isso, na proposta
do Instituto Legatum a dimensão institucional é ressignificada e se identifica a participação e as
liberdades individuais como balizas de uma governança da comunidade saudável e sustentável.
Independente dos indicadores que se escolhem, a questão é que no núcleo da prosperidade encontra-
se a democracia, talvez não como fim, mas como pré-requisito necessário para deslanchar e sustentar
o processo.

Finalmente, ainda dentro desta discussão sobre o caráter democrático que deve pautar o
processo de prosperidade é importante trazer brevemente uma reflexão que conecta três elementos:
participação ampla dos menos favorecidos, expansão massiva dos benefícios da prosperidade e, como
consequência, redução das desigualdades internas e externas. Esta mensagem, também está implícita
tanto no Ridley quanto na documentação disponível do Instituto Legatum.

Mais do que isso, o Banco Mundial tem dedicado esforços para estudar, propor e financiar a
democratização dos benefícios da prosperidade. Na verdade, da mesma forma que a bibliografia
mobilizada até aqui, o Banco Mundial identifica que prosperidade implica incluir nos benefícios do
bem-estar aos menos favorecidos e de forma abrangente na cobertura. Sim essas duas finalidades
alcançadas, não é possível afirmar que uma sociedade é prospera. Por isso estabelece que os
benefícios e os padrões de qualidade de vida devem pelo menos beneficiar aos 40% mais pobres.
(World Bank, 2015)

Naturalmente, na parte substantiva da proposta do Banco Mundial residem dois elementos


amplamente questionáveis desde a perspectiva do presente relatório e das análises até aqui
realizadas pela bibliografia mobilizada. A primeira é a visão restrita de pobreza e, portanto, de
prosperidade que propõe. Baseada na análise de renda, prosperidade é também centrada na variável
mesmo que, na tradição do Banco Mundial, se reflita sobre a renda o papel instrumental para alcançar
outros resultados.

O segundo elemento que não pode ser aceito sem restrições quando se trabalha com
comunidades, é que políticas públicas cuja principal virtude é incentivar a concorrência e erodindo
monopólios de tal forma a ampliar mercados aumentam a igualdade de oportunidades, tornando
possível a expansão da prosperidade e o crescimento econômico inclusivo. (World Bank/OECD, 2017)

Esta última afirmação precisa ser cuidadosamente qualificada na medida em que


comunidades vulneráveis precisam cumprir previamente outros objetivos para posteriormente gerar
um processo de inclusão social e econômica a partir dos mercados.

2.2.- Metodologia e trabalho de campo


Até aqui devemos realizar algumas pontuações importantes para dar a passo a descrição da
metodologia implementada:

a) Como deve ter notado o leitor atento, evitamos propor indicadores ou realizar análises
sobre os mesmos em quaisquer das propostas aqui descritas. Fazemos isso, porque como

27
será explicitado mais adiante, este trabalho precisava ser realizado de dentro para fora da
comunidade;
b) Conceitualmente, propomos que o conceito de Prosperidade é uma construção coletiva
das comunidades em contextos espaciais, materiais, políticos e culturais específicos. Por
isso, que aqui se aposta na plasticidade do conceito;
c) Plasticidade do conceito de prosperidade que não implica a impossibilidade de acumular
conhecimento ou identificar que em outras áreas vulneráveis urbanas não existam
elementos transversais que possam utilizar um subconjunto de indicadores a serem
calculados em outras áreas. Neste sentido, somos otimistas que o IPF pode sim ser
aplicado em outros contextos;
d) Porém, deve-se ter cuidado de não esquecer que independente do recorte espacial ou
temporal o que norteia a metodologia são as três características descritas aqui;
e) Se o ponto anterior é aceito, então uma das maiores contribuições é de caráter
metodológico e, portanto, a replicabilidade passa a ser um critério de sucesso ou fracasso.
Por isso surgiu a necessidade de realizar um piloto;
f) A desigualdade é um determinante que não pode ser deixado de lado. Portanto, apesar
de reconhecer princípios universalistas como o faz o IDH ou IPS, aqui a ênfase é na redução
de assimetrias e do reconhecimento que os desiguais precisam ser tratados
desigualmente com o objetivo de reduzir desigualdades qualquer que seja a tipologia;
g) Finalmente, a metodologia aplicada testou a ideia de que o conhecimento
institucionalizado (acadêmicos, pesquisadores, especialistas, gestores) deveria cumprir no
piloto um papel complementar e tomar as medidas necessárias para evitar o
deslocamento da comunidade. Não significa que na hora de pensar as soluções técnicas
não sejam importantes, mas o esforço foi o de manter o papel de assessoria.

2.2.1.- A escolha de Manguinhos para o piloto


Para construção do IPF faz-se imprescindível escolher um território como palco das primeiras
tentativas de elencar dimensões do acontecer social e econômico com vistas a propor um conjunto
de indicadores. A escolha de Manguinhos para realizar o piloto, naturalmente, tem uma natureza
arbitrária. Os fatores que influenciaram a decisão são: a importância do território na dinâmica da
cidade do Rio de Janeiro, a região recebeu investimentos públicos robustos no passado em diversos
setores (moradia, cultura, transporte), presença de instituições consolidadas também em várias áreas,
um aparente dinamismo institucional com conselhos comunitários, ONGs, etc; e, um esquema de
cooperação já estabelecido entre os parceiros do presente projeto e a comunidade que viabilizou a
imersão da equipe de pesquisa no território.

A cooperação tinha se cristalizado em um projeto denominado Promotores da Cidadania que


capacitou 10 estudantes de ensino médio da comunidade com várias ferramentas para exercer
atividades de empreendedorismo e liderança comunitária.

O Complexo de Manguinhos constituiu-se em uma grande região alagadiça situada entre o


Caju, a praia Pequena de Benfica e as terras do Engenho da Pedra, prolongamento do antigo Saco de

28
Inhaúma, na Baía de Guanabara, incluindo a ilha do Pinheiro e a ilha do Bom Jardim. Hoje, com 16
grandes comunidades próximas, entre elas a Vila Turismo (de 1951), CHP2 (de 1951), Parque João
Goulart (junto ao rio Faria), Parque Carlos Chagas ou Varginha (1941) e Mandela de Pedra (1995), a
Comunidade Parque Oswaldo Cruz ou do Amorim (1901) e os Conjuntos Habitacionais Nelson
Mandela e Samora Machel, situados entre o rio Jacaré e o canal do Cunha.

O Complexo de Manguinhos é ocupado pela grande área da Fundação Oswaldo Cruz, pela
Refinaria de Manguinhos e pelo complexo de favelas e é servido pela avenida Brasil, Linha Amarela,
ramal da Supervia, avenida dos Democráticos e rua Leopoldo Bulhões.

Tabela 2: Comunidades de Manguinhos e/ou entorno


Complexo de Manguinhos População Domicílios

Parque Horácio Cardoso Franco 742 244

Vila União (RA- São Cristóvão) 994 324

Vila São Pedro 1.003 330

Parque Carlos Chagas 1.152 353

Comunidade Agrícola de Higienópolis 1.209 390

Vitória de Manguinhos 1.277 368

Conjuntos Ex-Combatentes e Suburbana 1.389 463

Parque Herédia de Sá 2.919 921

Conjunto Nelson Mandela 3.121 965

Conjunto Samora Machel 3.188 985

Parque João Goulart 3.758 950

Chp-2 3.908 1.136

Mandela de Pedra 4.196 1.162

Vila Turismo 4.748 1.604

Parque Oswaldo Cruz 4.776 1.232

Vila Arará 5.119 1.567

Total 44.051 13.143


Fonte: Instituto Pereira Passos, com base em IBGE, Censo Demográfico (2010).

29
2.2.2.- Macro-atividades de campo
O trabalho de campo foi dividido em duas frentes: a primeira de levantamento de atores e
mapeamento de desafios do território de Manguinhos; a segunda frente estabelecer canais de
comunicação e troca com diversas formas de representação da comunidade e com especialistas da
área socioeconômica, ambiental e de cultura, entre outros para coletar insumos que alimentem a
proposta de construção dos indicadores (objeto deste trabalho).2

A primeira frente, levantamento de atores e mapeamento de Manguinhos incluiu:

a. Estado da arte sobre o tema (métodos quantitativos e produção de


conhecimento),
b. Configuração demográfica, espacial e social de Manguinhos,
c. Mobilização do conhecimento institucionalizado (pesquisadores, consultores e
gestores)
d. Sensibilização e mobilização de parceiros através da realização de um seminário
em 2016 sobre o tema da prosperidade e os desafios das favelas cariocas.

A segunda frente consistiu em realizar todas as atividades de campo, tanto com


representantes da comunidade quanto com os representantes do conhecimento institucionalizado
(“especialistas”):

1. Identificação de atores relevantes na comunidade;


2. Elaboração de convite;
3. Organização das oficinas (definição de local, acompanhamento e
monitoramento, alimentação, entre outros);
4. Desenho da dinâmica das oficinas;
5. Registro em áudio e escrito e, preparação de memórias das oficinas de trabalho;
6. Estabelecimento de canais de comunicação adequados com outros
atores/especialistas com o propósito de dialogar com cada um deles sobre os
resultados das oficinas com a comunidade, de tal forma a estabelecer um diálogo
entre ambos atores com uma intermediação realizada pela equipe de pesquisa;
7. Agendamento com os “especialistas” e preparação de roteiros para as
entrevistas.

No desenho metodológico a sequência dos encontros foi crucial para garantir os princípios
apresentados acima:

1. Primeira oficina com a comunidade: Levantamento e formatação de demandas e


necessidades do território, com a participação de 28 membros da comunidade
representando várias instituições;

2
O desdobramento futuro do campo será a elaboração técnica de questionários para serem aplicados com os
moradores com o objetivo de validar esses instrumentos.
30
2. Série de reuniões individuais e coletivas com especialistas/gestores: Foram entrevistadas
13 pessoas em diversas áreas para mostrar os resultados da primeira oficina com a
comunidade e coletar sugestões e também incorporar temas na agenda de debate;
3. Segunda oficina com a comunidade: Mostrando os resultados da série de reuniões com
especialistas e gestores, assim como apresentar um avanço do trabalho de pesquisa.

Com efeito, adotar a premissa que as favelas possuem características próprias intrínsecas
quando comparadas com outros territórios implica realizar uma imersão na área escolhida com o
propósito de captar as particularidades do território.

O conceito de comunidade está relacionado à vida em comum e nas relações de parentesco,


laços afetivos e vizinhança que convivem em um espaço territorial comum. No Rio de Janeiro,
especialmente, comunidade é uma proxy de favela. E, favela seria o espaço físico que liga indivíduos
pertencentes do mesmo território carente de serviços públicos de qualidade, do poder do Estado e
com criminalidade organizada instalada (na maioria), cujas necessidades são compartilhadas.

Em função dos interesses e necessidades comuns alguns grupos constituem organizações e


movimentos sociais comprometidos com interesses coletivos e no processo de conquista de cidadania
para tentarem obter uma melhor condição de vida através do acesso a bens de consumo individual e
coletivo, da garantia dos direitos básicos e dos direitos de participação política na sociedade. Os
movimentos sociais populares desenvolvem formas próprias de comunicação com a participação
direta da população envolvida para a produção e recepção da comunicação. Partindo dessa premissa,
o projeto foi idealizado e planejado com a participação comunitária através do engajamento de
representantes de Manguinhos.

O Piloto em Manguinhos refere-se à primeira etapa com o objetivo de construir o conceito do


Índice de Prosperidade das Favelas incluindo uma proposta teórica das dimensões e indicadores
priorizados pela comunidade de Manguinhos, respeitando as especificidades, técnicas,
socioeconômicas, culturais e territoriais desta comunidade para mensuração dos desafios para se
alcançar a prosperidade

A construção do IPF parte da identificação pela comunidade do que é necessário e prioritário


para a prosperidade do seu território, a partir dessa informação se constrói os indicadores. Sendo de
extrema importância o envolvimento comunitário nesta construção, uma vez que o IPF não pretende
ter apenas uma natureza acadêmica, mas refletir a realidade e vivência da comunidade para apoiar
no desenvolvimento e priorização de políticas que visem o desenvolvimento do território.

2.2.3.- Identificação, aproximação e convocação de atores comunitários em Manguinhos


Os representantes e moradores de Manguinhos foram convidados a participar de um diálogo
participativo estruturante “de baixo para cima” e “de dentro para fora” para levantamento das
necessidades do território. Pois, ninguém melhor do que os moradores e as estruturas locais de
representação para orientar de forma ativa o levantamento das demandas e particularidades, a
escolha das dimensões e os indicadores propostos em cada dimensão.

31
O trabalho de campo – cujos momentos mais visíveis foram os Workshops – impunha um
trabalho denso de sensibilização e alinhamento de expectativas entre os atores convidados e a própria
equipe de pesquisa. Para isto, foi necessária uma abordagem em vários ambientes institucionais para
captar as características da rede de relacionamentos e as dinâmicas entre atores no território. Deve-
se acrescentar que também foram realizadas reuniões individuais com lideranças que potencialmente
poderiam ter um efeito multiplicador com outras lideranças e poderiam abrir outros espaços para a
equipe de pesquisa.

A primeira reunião foi realizada em 24/04/2017 na UNISUAM para definição da estratégia de


aproximação e alinhamento sobre os critérios para identificação dos atores, discussão e fechamento
da lista com potenciais participantes e definição do formato do convite oficial.

Como exposto acima, para se ter acesso ao território, fez-se necessário conhecer as lideranças
locais para apresentação do projeto e conseguir o envolvimento desses representantes de
Manguinhos no debate para construção do IPF. A entrada no território foi realizada através um
mobilizador comunitário com facilidade de acesso no território que conhecia algumas lideranças locais
e que participa de alguns movimentos sociais de Favelas. O nosso mobilizador tinha duas tarefas
bastante desafiadoras:

• Aprofundar o entendimento da dinâmica do território e suas agendas buscando


participar desses movimentos para se fazer conhecido e apresentar o projeto na fase
de sensibilização e engajamento de representantes da comunidade.
• Identificar quem são as representações locais, os líderes e vozes dos moradores que
possam representa-los na discussão sobre as necessidades e prioridades da
comunidade para construção do IPF.

A comunicação deve ser trabalhada no processo de engajamento observando a dinâmica do


território para garantia da participação ativa das pessoas. Sendo assim, algumas lideranças locais já
conhecidas pela equipe do projeto foram abordadas para apresentação do IPF e solicitação de apoio
na indicação e sensibilização de outras lideranças para participação do IPF. Os nomes citados como
potenciais participantes coincidiam e validavam tais nomes.

Os encontros individuais com alguns representantes da comunidade além do objetivo


instrumental de preparação e convocação para as reuniões, nos permitiu iniciar uma discussão
substantiva sobre a questões centrais que poderiam compor uma agenda de desafios e ações futuras
para e desde o território de Manguinhos.

Depois de uma série de reuniões preparatórias, agendou-se um primeiro encontro de


natureza coletiva com representantes locais que se realizou no próprio território, CRJ Manguinhos.
Assistiram ao encontro na CRJ de Manguinhos, 28 líderes e representantes de movimentos sociais de
Manguinhos. Manguinhos é um território forte neste campo das representações institucionais,
movimentos, ONGs e projetos sociais.

Em geral, todos atuam e estão fazendo a gestão de projetos contra a violência, para apoio aos
moradores de rua, moradores de rua com dependência química, projetos de cultura, crianças com até
8 anos de idade, mobilidade com crianças deficientes, ambulantes, jovens, entre outros. Foi nessa
32
reunião que a equipe de pesquisa conseguiu identificar, parcialmente, um conjunto de iniciativas
como as mencionadas. A sociedade civil, através das organizações e movimentos sociais, tem um
papel estratégico no processo de intervenção social para formulação e implementação de uma política
pública.

O primeiro encontro foi possível em virtude da união de nossa agenda de pesquisa com uma
agenda do próprio território, cujo eixo de atenção foi e é a violência no território e a crise de
segurança.

Outras reuniões foram realizadas em espaços onde as lideranças indicava, assim um segundo
encontro foi realizado na Biblioteca Parque de Manguinhos para planejamento participativo dos
próximos passos: agenda das oficinas e levantamento das temáticas.

Conforme, previamente agendado e confirmado fomos à Biblioteca Parque de Manguinhos


para o segundo encontro, a estrutura do local não estava adequada em virtude da paralização das
atividades da biblioteca. Na reunião da biblioteca a equipe de pesquisa percebeu um deslocamento
significativo em relação à reunião da CRJ de Manguinhos. Com menos participantes, o tema principal
foi a violência que tomou conta das favelas do Rio e em Manguinhos, com tiroteios quase que
diariamente na comunidade, inclusive na região do DESUP, área onde estávamos realizando os
encontros individuais e coletivos.

Em virtude da escalada da violência e grau de letalidade inerente, as representações


comunitárias focaram suas agendas em encontros para discussão sobre a violência, tornando a pauta
do IPF menos importante.

Esta situação interferiu as semanas seguintes no ritmo previsto na execução das diversas
tarefas do projeto trazendo dificuldades à equipe do projeto para marcar as reuniões de preparação
das oficinas com os diversos representantes do território. Essas reuniões preparatórias tinham por
objetivo a adesão e participação da comunidade para discussão dos mais diversos temas que deveriam
ser incluídos no IPF para que o índice reflita de forma abrangente os gargalos e potencialidades do
desenvolvimento sustentável.

Frente a essa realidade optou-se por inserir o projeto em outros ambientes institucionais com
o propósito de cumprir a nossa agenda, mas também de realizar a imersão necessária nos diversos
problemas que atingem a comunidade de Manguinhos sempre com o intuito de obter uma agenda
integrada.

Participamos das reuniões mensais do Conselho de Segurança nos dias 10/05/2017 e


14/06/2017, nessas ocasiões, foi dada a oportunidade de a coordenação do projeto participar da mesa
e apresentar o projeto do IPF aos participantes. Neste momento também foi possível estreitar o
contato com os representantes locais e conhecer mais sobre as demandas do território, pois a reunião
do Conselho é um espaço de diálogo da comunidade com representantes do poder público.

A equipe de pesquisa continuou fortalecendo a estratégia de mobilizar os líderes e


representantes locais para diálogos individuais, para isso, contamos com o apoio de dois
representantes/líderes/moradores do território que divulgaram o projeto, indicaram outras

33
lideranças e se disponibilizaram a participar do processo de sensibilização e mobilização do projeto. A
equipe conseguiu agendar três reuniões no dia 13/06/17 durante a tarde, no CRJ Manguinhos, com
outras representações que não tinham sido indicados anteriormente, ampliando assim a rede de
contato.

Dada a agenda intensa das lideranças em torno da escalada de violência que impossibilitou
continuar a sensibilização do projeto em reuniões presenciais, decidiu-se utilizar intensamente as
ferramentas de comunicação da internet. Mantivemos contato através de um grupo do WhatsApp,
criado com todos os contatos que fizemos durante os encontros e conversas individuais. O grupo IPF
Manguinhos tornou-se a via de comunicação mais rápida para sabermos das agendas do território e
para acessar as pessoas informando e convidando para os próximos passos. Também solicitamos a
nossa inclusão em outros grupos de WhatsApp e Facebook de tal forma a não interromper o processo
de imersão no território e continuar com a sensibilização para participar nos Workshops com a
comunidade.

A estratégia de utilizar as ferramentas da internet não seria tão eficiente se não existisse a
complementação com o contato pessoal para apresentação do projeto, esclarecimento via e-mail e
telefone.

Durante o processo de mobilização do projeto, percebemos que a sensibilização da


comunidade pela própria comunidade tornou-se um fato. Portanto, foi de extrema importância nesta
fase de engajamento final aumentar o grau de flexibilidade e diminuir a nossa presença para conseguir
agendar a primeira reunião. Em consequência, fez-se necessário uma reprogramação e revisão do
cronograma do projeto.

Tornou-se, também, necessário durante o processo de comunicação e mobilização a mudança


da abordagem e apresentação do projeto:

a. Diminuir o número de reuniões coletivas e investir esforços nos encontros individuais;


b. Incluir, além dos representantes formais na comunidade, as representações informais
(pessoas reconhecidas pelo trabalho, respeitadas por diversos fatores) e também
simples moradores do território, e;
c. Flexibilizar a noção de território no sentido geográfico permitindo que outras
lideranças de regiões vizinhas, assim como moradores que não se encontram em
Manguinhos, mas que têm atuação ativa e relações estreitas no território.

Com o realinhamento dos três aspectos na estratégia de campo, a equipe de pesquisa


retornou ao território e abordou moradores que frequentam a CRJ de Manguinhos, a Casa do
Trabalhador, a UPA e o posto do SINE. Esta abordagem mostrou-se efetiva com a confirmação da
participação na oficina com a comunidade.

A flexibilidade e permeabilidade do projeto, a capacidade de incluir outros objetivos e


atividades além dos que foram explicitados no desenho original do projeto a partir da uma escuta
sobre os interesses legítimos da comunidade foram primordiais para conseguir o engajamento de
todos os atores.

34
Abrir a mobilização para moradores e outros atores do território foi uma estratégia para
garantir adesão do território ao projeto do IPF. Quando a equipe apresentou a proposta para
moradores que não faziam parte das representações formais, houve um interesse genuíno e
entendimento da importância do projeto.

2.2.4.- Considerações sobre a Mobilização


Concorrer com a agenda local em função da prioridade das instituições locais, exigiu uma
escuta sobre os interesses legítimos do território. No mês de maio de 2017 os representantes da
comunidade de Manguinhos priorizaram a discussão de medidas para o retorno da segurança para a
população, deixando outras pautas em segundo plano. Os quadros de insegurança pública criaram
dificuldades insuperáveis não apenas para o agendamento de reuniões preparatórias com os diversos
representantes da comunidade, mas também a própria disponibilidade dos atores para a realização
das duas oficinas de trabalho onde se construiriam os argumentos para elaboração da proposta de
indicadores que vão compor o IPF. A lição aqui aprendida consistiu em deixar a centralidade da agenda
do projeto – construir a proposta do IPF – e nos inserirmos nos âmbitos institucionais onde as
lideranças precisam participar compulsoriamente. Esta escuta silenciosa foi fundamental para o
processo de imersão e aprendizado. Aproveitar os pequenos espaços de descanso para dialogar foi
fundamental para o projeto.

Para mobilização em territórios é central que o mobilizador seja morador do território, com
fácil acesso entre as pessoas locais e com disponibilidade para contatos e encontros em horários
diversos. Este ponto foi um aprendizado, pois o mobilizador participante da equipe do projeto não era
morador do território e não tinha disponibilidade integral, apesar de ter acesso ao território e as
pessoas, ocasionando um processo mais lento na mobilização.

O risco do projeto foi a falta de aderência da proposta de construção do IPF com as


expectativas da comunidade, pois conforme expressados por alguns “estamos cansados de pesquisas
e diagnósticos sem retorno para a comunidade”. A equipe do projeto foi instruída para escuta ativa e
nas reuniões internas de acompanhamento decidimos flexibilizar e ampliar o produto final para uma
entrega mais adequada as expectativas da comunidade. A incorporação de outros objetivos obrigou à
equipe repensar não apenas os produtos originais, mas também incluir outros produtos que
contribuam e sejam integrados ao projeto de pesquisa resultando no adensamento do projeto e maior
solidez. Quando isto foi cristalizado, as lideranças se sentiram representados e foi criado um
verdadeiro processo de cooperação simétrico e justo.

Finalmente, um aprendizado muito importante é atender para a dinâmica política dos atores.
Manguinhos – como possivelmente outros territórios vulneráveis – possui uma gama importante e
diversa de interesses setoriais. Muitas vezes contraditórias e com pretensões hegemônicas sobre as
agendas. Talvez está seja a razão principal para termos encontrado: agendas
atomizadas/fragmentadas; vínculos estabelecidos de caráter tópico e de curto prazo; microssistemas
de governança fragmentados, e; dada a vulnerabilidade socioeconômica dos atores e do território
predomínio do poder público e de instituições capazes de mobilizar todo tipo de recursos.

35
A 1ª oficina de trabalho com
moradores de Manguinhos sobre
condições e perspectivas de vida no escopo
do projeto de formulação do Índice de
Prosperidade das Favelas (IPF) foi realizada
no dia 12 de julho de 2017 das 13:00 às
18:00 na UNISUAM – Av. Paris, nº 84, Sala
Integradora 208B, Bonsucesso. Com o
objetivo de constituir um grupo diverso de
12 a 18 pessoas, a expectativa foi superada
com a com a participação de 28 moradores
e representantes da comunidade.

A 2ª oficina de trabalho com


moradores de Manguinhos sobre a
devolutiva do Índice de Prosperidade das
Favelas (IPF) foi realizada no dia 28 de
agosto de 2017 das 16:00 às 19:00 na
UNISUAM – Av. Paris, nº 84, Sala
Integradora 208B, Bonsucesso. A
participação foi de 21 pessoas, das quais 10
tinham participado da Primeira Oficina/.

O trabalho de campo com os especialistas ou, que estamos denominando aqui, conhecimento
institucionalizado seguiu os cânones tradicionais de metodologias qualitativas. Pesquisa preliminar
sobre o tema e as contribuições da pessoa que potencialmente será entrevistada e preparação do
roteiro contendo as seguintes partes:

a) Breve exposição do histórico do entrevistado (aquecimento),


b) Pedir elencar os desafios mais importantes para as favelas do Rio de Janeiro na temática
do entrevistado,
c) Solicitar que se pronuncie sobre as questões específicas que a comunidade de
Manguinhos levantou na Oficina na temática do entrevistado (induzido),
d) Solicitar sugestões sobre indicadores na temática do entrevistado, finalmente,
e) Abrir espaço para outros temas que o entrevistado sinta que são importantes, mas não
foram mencionados durante a entrevista (espontâneo).

Como mencionado páginas acima, esta etapa de entrevistas foi iniciada somente depois da
realização da 1ª Oficina com a comunidade. Desta forma pretendíamos garantir o papel subsidiário
dos entrevistados na medida em que a parte mais extensa da entrevista era o item (c). As 12
entrevistas foram realizadas entre o dia 1º e 22 de agosto de 2017.

36
A próxima seção contém uma descrição analítica dos resultados de todo o trabalho de campo,
incluindo o mapeamento realizado.

3.- Resultados do trabalho de campo: Mapeamento de Manguinhos e as vozes da


comunidade

3.1.- Mapeamento do território


Esta seção pretende prover subsídios para proposta de um Índice de Prosperidade das Favelas
(IPF). Como mencionado anteriormente, para viabilizar a iniciativa, as organizações parceiras
selecionaram o território de Manguinhos para a realização do piloto que serviria como ponto de
partida para desenvolver um conceito de prosperidade, identificando generalidades e especificidades
que podem variar entre diferentes favelas. Por sua vez, desenvolver este conceito significa desdobrar
uma definição geral em um conjunto de dimensões e indicadores capaz de representá-la.

Considerando os objetivos do IPF, o território de Manguinhos apresenta características


específicas e metodologicamente relevantes para o desenvolvimento do projeto piloto, que serão
descritas adiante. Em termos metodológicos, a identificação de generalidades e especificidades entre
favelas – que é central para a sensibilidade, aderência e sucesso do IPF – requer entender como que
características próprias de uma favela podem impactar indicadores.

O mapeamento das dimensões no território de Manguinhos, portanto, visa cumprir três


papéis centrais para o projeto: subsidiar com elementos quantitativos aos atores do território no
debate sobre as necessidades da comunidade, oferecer informações pertinentes sobre temas
potencialmente relacionados à prosperidade e levantar possíveis indicadores para compor o IPF.

Para tanto, o mapeamento se baseou em fontes primárias e secundárias. Como fontes


primárias, o mapeamento utilizou o espaço da 1ª Oficina com a comunidade de Maguinhos onde
participaram 28 pessoas, incluindo diversas lideranças locais. Nesta Oficina, desenvolveu-se, entre
outras atividades, um mapeamento rápido elaborado pelos participantes em cinco grupos de
trabalho. Outra atividade importante para a coleta primária seriam visitas técnicas às comunidades,
mas não puderam ser realizadas devido às dificuldades de acesso e grave insegurança no território
durante o trabalho de campo, causados por constantes incursões policiais que causaram tiroteios e o
aumento de tensão entre traficantes da região.

Por sua vez, as fontes secundárias utilizadas foram sítios eletrônicos, relatórios e bases de
dados de órgãos públicos como o IBGE, dados administrativos setoriais públicos.

Seguindo a metodologia geral do IPF, que visa privilegiar dinâmicas e identidades verificados
entre moradores das favelas em detrimento de definições oficiais ou de atores distantes do território,
o mapeamento foi desenvolvido com base em três premissas centrais:

a) Utilizou a definição consensual dos moradores sobre quais comunidades integram o


“Complexo de Manguinhos”, e não aquele utilizado pelo Programa de Unidades de Polícia

37
Pacificadora (UPP) do Governo do Estado e pelo Programa UPP Social, sua contrapartida
de competência municipal, sob gerência do Instituto Pereira Passos (IPP).3
b) Tomou como base o conjunto de mapeamentos produzidos na 1ª Oficina Comunitária em
Manguinhos realizada no âmbito deste projeto, que definiu a localização e divisão entre
comunidades próximas e apresentou questões relativas às dinâmicas próprias do
território, tendo verificado e acrescentado os itens que serão apresentados.
c) Trabalhou com dimensões temeáticas formuladas e posteriormente discutidas com
moradores que participaram, respectivamente, da 1ª e 2ª Oficinas Comunitárias em
Manguinhos realizadas no âmbito deste projeto, e com o conjunto de “especialistas”
sobre os diversos temas que serão abordados neste documento e no IPF.

Assim, o trabalho com os representantes da comunidade e outras fontes propõe a seguinte


configuração geográfica do território de Manguinhos, expressa no Mapa 1.

MAPA 1: COMUNIDADES RESIDENCIAIS EM MANGUINHOS – 2017

Vila São Pedro

Comunidade Agrícola Parque Oswaldo Cruz


de Higienópolis

Vila Turismo
Parque João Goulart

Parque Carlos Chagas

CHP-2 CH Nelson Mandela

CH Samora Machel

Samora Machel II
Vila União e Conjuntos dos Ex-
Combatentes e Tiradentes Condomínio Embratel/PAC

Condomínio DSUP/PAC Vitória de Manguinhos/CONAB

Instituto AFortiori.

3
Isto significa que não foram consideradas parte de Manguinhos as três comunidades pertencentes ao “Parque
Arará”, localizado do outro lado do Canal do Cunha e da Refinaria de Manguinhos: Vila Arará, Parque Herédia
de Sá e Parque Horácio Cardoso Franco.
38
Manguinhos é considerado um complexo de grande porte pela densidade populacional e
extensão de seu território, mas devido às suas características físicas de um antigo estuário – com a
junção de diversos rios e cobertura de manguezal – a ocupação não é contínua. Seus limites físicos
são a Linha Amarela, ao norte, as Avenidas dos Democráticos e Dom Hélder Câmara, a oeste, o Viaduto
de Benfica, Canal do Cunha ou Refinaria de Manguinhos, ao sul, e a Avenida Brasil ao leste. Ainda,
como ilustra o Mapa 1, o Complexo de Manguinhos é formado por 16 comunidades residenciais,
considerando como uma os Conjuntos Habitacionais dos Ex-Combatentes e Tiradentes, em cujo
entorno se formou a ocupação da Vila União. Estas comunidades, com algumas exceções, estão
entrecortadas por linhas férreas e de alta tensão e pelos Rios Faria, Timbó e Jacaré.

3.1.1.- Transformações territoriais em Manguinhos desde o século XIX


O bairro de Manguinhos, originalmente, ficava às margens da Baía de Guanabara, com as
águas chegando à pequena colina conhecida como Morro do Amorim, que leva o sobrenome da
família proprietária de grande parte dos terrenos da área, atuando como referência local. Composto
por áreas férteis, rios, riachos, pequenas ilhas e manguezais, com partes significativas sujeitas a
inundações frequentes e a maré, o território era conhecido como Estuário de Manguinhos. Segundo
o geógrafo Elmo Amador:
“O Estuário de Manguinhos, um dos mais extensos da Guanabara, era até a
década de 20 um ambiente natural, orlado de manguezais, canais
meândricos de marés, praias e ilhas paradisíacas. Era frequentado por uma
riquíssima fauna de aves, que incluía guará, colhedeiros, biguás e irerês. O
conjunto do ecossistema assegurava uma elevada produtividade biológica,
sendo enormes os cardumes de camarões, sardinhas, corvinas, xaréus e outro
peixes que eram avidamente procurados pela Colônia de Pescadores do Caju”
(Amador, 1992).

Gradualmente ocupada por fazendas e chácaras, além da vegetação natural, Manguinhos


ficava a pouco mais de 10 quilômetros do antigo Morro do Castelo, no Centro da cidade, onde se
consolidaram as primeiras ocupações do Rio de Janeiro. Por isso, não demorou para que Manguinhos
fosse incorporado ao planejamento urbano da então capital brasileira, que avançava rumo à Baixada
Fluminense e o fundo da Baía de Guanabara. Assim, em 1886, quando a linha férrea entre o Centro
do Rio de Janeiro à Região Serrana estava sendo construída, inaugurou-se no local a Estação do
Amorim, hoje a Estação Manguinhos. Entre 1900-1901, o Instituto Soroterápico Federal – a atual
Fiocruz – se instalou em uma antiga fazenda, construindo seu famoso castelo mourisco em 1908 e
valorizando a região com suas atividades e investimentos. Atrás deste castelo, a ocupação residencial
mais antiga se formou com funcionários da Fiocruz, migrantes portugueses e pessoas vindas de
remoções no Centro da cidade.

Ainda nas primeiras décadas do século XX, devido a sua localização central e acessível por
portos fluviais para a Baía de Guanabara e pelo ramal de trem da Leopoldina para Petrópolis e Três
Rios, o Estuário de Manguinhos passou a ser aterrado criando solos mais extensos, estáveis e
protegidos de impactos naturais, como inundações. Tais transformações físicas do território foram
feitas a partir de extensas propriedades privadas e da União no local e, em grande parte,
39
implementadas pela Empresa de Melhoramentos da Baixada Fluminense, que incorporou áreas de
manguezais e alagadiças através de uma série de obras estruturais. Os terrenos criados, afastando a
costa do território de Manguinhos, deram espaço à mais terrenos pertencentes ao Governo Federal,
utilizados, entre outros fins, para a instalação do Aeródromo de em 1934 para formação de pilotos e
testes de aviões e, eventualmente, da Refinaria de Manguinhos da Petrobrás, inaugurada em 1954
após um longo processo de instalação e regularização.

Ainda, segundo relatam Tania Maria Fernandes e Renato Gama-Rosa Costa:


“Durante a gestão do Prefeito Henrique Dodsworth (1937–1945), elaborou-
se o ‘Plano da Cidade do Rio de Janeiro’, que incorporava a proposta do park-
way Faria-Timbó e o Plano Agache (1927–1930), mais uma vez propondo a
transformação de Manguinhos em um bairro industrial urbanizado. Esses
projetos limitaram-se, apenas, ao aterramento, à retificação de rios e à
construção de alguns conjuntos habitacionais. [Paralelamente,] até a década
de 1970, ao lado da ocupação por moradias, ocorreu em Manguinhos a
implantação de várias indústrias e empresas públicas ou privadas, como o
Instituto Oswaldo Cruz – IOC (atual Fundação Oswaldo Cruz), a Empresa de
Correios e Telégrafos (ECT), a Empresa Brasileira de Telecomunicação
(Embratel), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Refinaria de
Petróleos de Manguinhos S. A. e a fábrica de cigarros Souza Cruz” (Fernandes
& Gama-Rosa Costa, 2012)

No entanto, não foram apenas as obras oficiais que transformaram a paisagem de


Manguinhos: a intensificação da demanda por moradia decorrente das intensas migrações de
europeus e, posteriormente, nordestinos e do interior do Estado do Rio de Janeiro, Manguinhos
passou a ter ocupações viabilizadas por aterramentos e construções realizados pelos próprios
moradores. Além do Morro do Amorim, outra fronteira da Fiocruz passou a ser ocupada no início da
década de 1940: a pequena área triangular, oficialmente a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT)
entre a linha férrea e os Rios Jacaré e Faria-Timbó, conhecida oficialmente como Parque Carlos Chagas
e popularmente como Varginha.

Na segunda metade do século XX, o desenvolvimento de Manguinhos ganhou outro ímpeto


com as inaugurações da Avenida Brasil em 1946 e da Refinaria de Petróleo de Manguinhos em 1954,
intensificando a instalação de outras indústrias e empresas, como já citado. O território, para além da
centralidade econômica e logística, também se consolidou como área residencial para populações de
baixa e média rendas nesta época, com a construção de três conjuntos habitacionais em terrenos da
União na década de 1950: o Conjunto Tiradentes, o Conjunto Casa da Moeda, para os funcionários
deste órgão, e o Conjunto de Ex-Combatentes, para as famílias de oficiais do Exército que participaram
da II Guerra Mundial (1939-1945).

No entanto, a população não beneficiada pelo Governo Federal ou por outros atores-chave
na produção de moradia, como a Fundação Casa Popular, continuou a ocupar áreas que permaneciam
vazias próximas às margens dos rios, ou entre estes e vias que se abriram ao longo dos anos, como as

40
Avenidas dos Democráticos e Dom Helder Câmara,4 que delimitam comunidades referidas como Vila
Turismo, CHP-2 e Parque João Goulart, todas datadas do início da década de 1950. Nas décadas
seguintes, ocupações irregulares se expandiram também para o entorno dos conjuntos habitacionais
citados, separados da área da CHP-2 pelo Rio Jacaré, consolidando a chamada Vila União.

Neste contexto, até a década de 1970, o território de Manguinhos passou por um intenso
processo de urbanização, industrialização e adensamento populacional majoritariamente de baixa
renda e de forma irregular. Em 1980, já eram visíveis ocupações também ao norte da Vila Turismo,
referidas como Comunidade Agrícola de Higienópolis e Vila São Pedro, esta última hoje do outro lado
da Linha Amarela, que teve o trecho que corta Bonsucesso e Manguinhos construído logo antes de
sua inauguração em 1997. Durante este período, o adensamento e constantes desabamentos,
enchentes e incêndios nas ocupações irregulares em Manguinhos geraram uma pressão enorme por
espaços e moradias, que contrastava com grandes propriedades industriais e empresariais
subutilizadas ou já abandonadas. Diante deste cenário, o Governo do Estado e, depois, a Prefeitura
passaram a interceder e promover negociações com a empresa Embratel, para desapropriar seus
terrenos e construir moradias. Nesse momento, Manguinhos foi reconhecido como bairro por um
Decreto-Lei de 1988.

Devido às negociações truncadas entre o Poder Público e Embratel, que se iniciaram em 1983,
a população da região passou a invadir partes do terreno, eventualmente permitindo a construção
dos Conjuntos Habitacionais (CH) Nelson Mandela e Samora Machel, inaugurados no início da década
de 1990. Adotando um padrão construtivo de casas e vilas, os CH Nelson Mandela e Samora Machel
passaram por outras ondas de construção após suas inaugurações oficiais, gradativamente quebrando
com o padrão original e descaracterizando-os. No último ímpeto de ocupações, formaram-se outras
comunidades, chamadas Mandela de Pedra, iniciada em 1995 e chegando às margens do Canal do
Cunha, e Embratel/Samora Machel II, consolidada em 2001 no interior desta área entre a última e o
CH Samora Machel e Nelson Mandela, que fica às margens do Rio Jacaré.

Sobrepondo-se à questão habitacional, o recrudescimento da violência entre as décadas de


1980 e 2000 impactou enormemente o desenvolvimento da região, gerando o fechamento de diversas
empresas no local – incluindo a referida Embratel, que já havia desativado uso de partes do terreno
devido a roubos, saques e violência no entorno – e dificultando a realização de obras públicas e o
fortalecimento de movimentos e associações comunitárias. Neste período, Manguinhos ficou de fora
do Programa Favela-Bairro, focado em favelas de médio porte, mas também por apresentar
problemas especialmente complexos para obras de infraestrutura.

Por isso, investimentos neste sentido só foram realizados de forma ampla nas décadas de
2000 e atual (2010), principalmente através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do

4
A Avenida Dom Hélder Câmara foi originalmente aberta após a fundação da Irmandade de Nossa Senhora da
Penha em 1728, como um meio de comunicação com o Centro da cidade sob o nome Estrada Real de Santa Cruz,
depois Av. Suburbana, até receber nome atual em 1999. Já a Avenida dos Democráticos, assim chamada a partir
de 1923, foi originalmente aberta a partir da Estrada Real de Santa Cruz como Estrada da Penha, ligando a
Estrada Real ao Largo da Penha.
41
Governo Federal e de contrapartidas estaduais e municipais. Neste movimento, o território físico de
Manguinhos foi alterado de forma significativa e diversos equipamentos e serviços foram instalados.

Quando as obras em Manguinhos foram anunciadas em meados da década de 2000, existiam


duas comunidades consolidadas na área entre a Rua Leopoldo Bulhões, o Rio Jacaré o Canal do Cunha,
próximas à Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), CHs Nelson Mandela e Samora Machel e a
comunidade Samora Machel II/Embratel, nos fundos do terreno ainda ocupado e utilizado por esta
empresa. Destas duas comunidades, a Mandela de Pedra foi a primeira a se consolidar entre 2002 e
2003 na beira do Canal do Cunha, passando a ser conhecida como um notório bolsão de pobreza da
cidade, enquanto a invasão e ocupação do referido terreno da Embratel foi iniciada em 2005 e se
adensou até meados de 2009. No âmbito do PAC, esta área foi alvo de uma das maiores intervenções,
com a remoção completa da invasão da Embratel em 2009 e sua substituição pelo Condomínio
Embratel/Nova Mandela, com 26 prédios de apartamentos, construído pelo Governo do Estado e
inaugurado em 2011.

Simultânea a estas obras, a remoção completa da comunidade Mandela de Pedra foi realizada
gradualmente entre 2009 e 2014, com a resistência de um pequeno conjunto de casas nos últimos 2
anos do processo. Ao final, uma via asfaltada demarcou a área removida, separando-a da comunidade
Samora Machel II/Embratel e CH Nelson Mandela, que não foram afetados. Atualmente, a área
permanece vazia. Ainda, semelhantemente ao Conjunto Habitacional Embratel, o PAC construiu
outros dois condomínios seguindo o padrão construtivo de prédios de apartamentos no território: um
no antigo Depósito de Suprimentos do Exército – DSUP, que devido à propriedade militar não havia
sido invadido, mas foi desapropriada para as obras, e na antiga Cooperativa Central de Produtores de
Leite – CCPL, que fica um pouco mais distante e havia sido invadida por mais de 1.200 famílias de baixa
renda por volta de 2002. Os primeiros apartamentos dos Condomínios da DSUP e Nova CCPL foram
entregues, respectivamente, em 2009 e 2014.

Para complementar a oferta de novas moradias, o PAC, o Governo do Estado e a Prefeitura


também investiram nos setores de educação, saúde, trabalho e renda, cultura e lazer, segurança
pública, entre outros.

Neste sentido, o PAC construiu um Centro Cívico com 8 equipamentos:

1) Uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA),


2) Um Centro de Referência da Juventude (CRJ-Manguinhos onde se realizaram
reuniões deste projeto),
3) Um O Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila,
4) Uma Casa da Mulher,
5) Um Centro de Geração de Trabalho e Renda (Casa do Trabalhador de
Manguinhos), onde ficava também uma unidade da FAETEC,
6) Um Centro de Apoio Jurídico,
7) Uma Biblioteca-Parque (desativada)
8) Um Parque Aquático com Ginásio.

42
Por sua vez, além de assumir parte das construções e manutenção de maior parte destes
equipamentos, o Governo do Estado também implantou duas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP)
em Manguinhos, ambas inauguradas em 2013.

Assim, enquanto a Unidade Manguinhos, cobre os quase 23 mil moradores em 8 comunidades


(CHP-2, Parque Carlos Chagas, Parque João Goulart, Parque Oswaldo Cruz, Vila Turismo, Vila União e
os Conjuntos de Ex-Combatentes e Tiradentes, Vila São Pedro e Comunidade Agrícola de Higienópolis),
a Unidade Arará/Mandela atua na área dos CH Nelson Mandela e Samora Machel, Samora Machel
II/Embratel e Vitória de Manguinhos e seus mais de 12 mil moradores, além de outras três
comunidades pertencentes ao Parque Arará.

Já a Prefeitura do Rio de Janeiro, que também assumiu algumas obras e a manutenção de


certos equipamentos citados, como a UPA, investiu na criação e expansão de Clínicas da Família e
Espaços de Desenvolvimento Infantil no território.

Por fim, é importante destacar que, apesar de investimentos volumosos e intersetoriais, as


intervenções do Poder Público que promovem urbanização e a construção de novos equipamentos e
conjuntos habitacionais não foram capazes de interromper ciclos de precarização, favelização e
autoconstruções informais que continuam a supri-las.

No caso do PAC de Manguinhos, as remoções promovidas no território, especialmente na


Mandela de Pedra, e a má-distribuição e insuficiência de apartamentos oferecidos resultou na criação
de uma nova invasão e comunidade nas instalações da antiga – CONAB, chamada simbolicamente da
Vitória de Manguinhos e localizada entre a Rua Leopoldo Bulhões, a linha férrea e o Canal do Cunha.
Por outro lado, menos de 10 anos depois dos investimentos, muitos destes equipamentos já se
encontram fechados e os que ainda funcionam enfrentam sérias dificuldades com recursos
financeiros, humanos e materiais.

Assim, em 2017, não funcionavam mais a Casa da Mulher, a Biblioteca-Parque e a FAETEC, e


moradores relatam que o Colégio Estadual, construído para ser modelo, sofre com roubos e
vandalismos, que os Centros de Juventude e Trabalho e a infraestrutura das praças e parques estão
funcionando e sendo mantidos muito precariamente.

A seguir se realiza uma breve descrição de temas diretamente ao mapeamento territorial de


Manguinhos

3.1.2.- Urbanismo & meio ambiente


Manguinhos – como indicam o nome e a descrição das transformações socioespaciais
apresentadas acima – é um território caracterizado por áreas majoritariamente planas, alagadiças e
entrecortadas por riachos e rios que desembocam na Baía de Guanabara. O antigo Estuário de
Manguinhos, descrito como um local paradisíaco até a década de 1920, passou a ser conhecida como
a Sub-bacia do Canal do Cunha, cujos rios principais são o Faria, o Timbó e o Jacaré. Hoje, esses rios,
além de muito degradados por despejo de esgotos não tratados e resíduos sólidos industriais e
domésticos, tem a maior parte dos seus rios e riachos canalizados e cercados de áreas densamente

43
povoadas, cruzando bairros como Piedade, Lins de Vasconcelos, Engenho de Dentro, Inhaúma, Maria
da Graça e São Cristóvão.

Caracteriza-se como uma região com sérios problemas ambientais, com poluição do ar, dos
rios e do solo, devido ao lançamento de dejetos in natura, tanto das fábricas como das moradias, nos
rios que cortam a região, além da proximidade com a Avenida Brasil e a Refinaria de Petróleos de
Manguinhos S.A. (Fernandes & Gama-Rosa Costa, 2012)

Para além dos corpos d’águas e vulnerabilidade a enchentes e alagamentos, o território


também apresentava outros problemas graves para a realização de obras de infraestrutura e
recuperação ambiental ao longo dos séculos, que se somaram à histórica falta de interesse do Poder
Público e das empresas que haviam se instalado na região. Segundo entrevistas realizadas pelos
pesquisadores Renato Gama-Rosa Costa e Tânia Maria Fernandes, além de ter um “tráfico de drogas
dos mais truculentos da cidade”:
Manguinhos exigia alternativas de engenharia muito complexas, ressaltando
a peculiaridade do solo, a extrema ocupação, inclusive em áreas não
edificantes, a necessidade de drenagem do terreno e de construção de
elevatória que conduzisse o esgoto sanitário para uma estação de
tratamento, além da necessidade de reassentamento de grande parte das
famílias. (Fernandes & Gama-Rosa Costa, 2009)

Segundo dados do Censo de 2010, processados pelo Instituto Pereira Passos para as
comunidades de Manguinhos, a tabela a seguir apresenta o quadro resumido de fornecimento dos
quatro serviços urbanos essenciais – água encanada, energia elétrica, esgotamento sanitário e coleta
de resíduos sólidos – segundo as respostas dos moradores.

Tabela 3: Fornecimento de serviços urbanos essenciais – 2010


SERVIÇOS URBANOS RESUMO DADOS DE FORNECIMENTO

ÁGUA ENCANADA Considerada adequada pelos respondentes de 99% dos domicílios

Com 100% dos domicílios com energia elétrica, há índices


significativos de fornecimento sem medidor nos CH Samora Machel
(61%) e Nelson Mandela (57%), Vitória de Manguinhos (57%) e CHP-2
LUZ ELÉTRICA (47%), sendo a média das comunidades 27%, e índices relevantes de
domicílios com outras fontes de energia que não a rede oficial, como
em Vitória de Manguinhos (20%), Vila São Pedro e Comunidade
Agrícola de Higienópolis (ambos com 19%).
Apenas o Parque Carlos Chagas e a Vila União apresentaram índices
ESGOTAMENTO SANITÁRIO significativos de domicílios sem saneamento adequado,
respectivamente com 53% e 85,8%.
Cerca de um terço dos domicílios de quatro comunidades
COLETA DE RESÍDUOS consideraram a coleta de lixo inadequada, a Vila Turismo (31%), a
SÓLIDOS Comunidade Agrícola de Higienópolis (29%), Parque Carlos Chagas
(27%) e a CHP-2 (23%).
Fonte: IPP, 2016/IBGE – Censo Demográfico, 2010.

44
3.1.3.- Mobilidade urbana
Garantir mobilidade urbana de qualidade, integrada e capilar (próxima à moradia, trabalho e
locais de frequência) é um desafio diretamente correlacionado com o adensamento populacional,
grau e qualidade de urbanização e articulação entre diferentes modais.

Uma questão de rede por natureza, a mobilidade urbana deve necessariamente considerar, a
partir de determinada origem, quais destinos estão acessíveis por quais modais, com que capacidades
e com que tempo de deslocamento. No caso de Manguinhos, que é grande, populoso e localizado em
área estratégica entre o Centro da cidade e a Baixada Fluminense, o acesso a diferentes meios de
transporte é considerado relativamente bom quando comparado a outras favelas da Zona Norte e
Zona Oeste.

Administrada atualmente pela Supervia, o ramal ferroviário Central-Saracuruna que atravessa


o território corre ao lado da Rua Leopoldo Bulhões, considerada via central do bairro. Ainda,
Manguinhos é delimitado por quatro vias expressas e importantes para a circulação da cidade: a Linha
Amarela ao norte, a Avenida Brasil ao leste, a Avenida dos Democráticos a oeste e a Avenida Dom
Helder Câmara, na altura do Viaduto de Benfica, ao sul.

Não obstante, conforme já explicado, a oferta de mobilidade urbana em Manguinhos ainda


não apresenta qualidade, integração ou capilaridade adequadas, com desafios que se estendem do
próprio território. No nível local, tanto a urbanização precária e pouco controlada típica de favelas,
quanto as características próprias do território que dificultam a circulação de transeuntes entre a linha
férrea, rios e canais, foram apontados por gestores públicos e moradores como obstáculos. Sobre este
último ponto, destaca-se que diversas pontes já foram utilizadas para o fluxo de pedestres entre
algumas comunidades, como Vila União e CHP-2 ou Parque Carlos Chagas e CH Nelson Mandela,
ambas sobre o Rio Jacaré, mas hoje a maioria destas passou a ser controlada ou foi destruída por
traficantes e/ou policiais.

Considerando ambas questões referidas, moradores relatam que um dos principais problemas
é a obstrução e fechamento de passagens, ausência de caminhos diretos e interligando pontos
estratégicos e o crime organizado que proíbe a passagem de moradores de certas áreas em outras
comunidades, além do impedimento geral do ir e vir gerado pela violência.

Modais de transporte importantes são: Estação de trem MANGUINHOS no meio da Rua


Leopoldo Bulhões, Estações de metrô mais próximas são Maria da Graça e Triagem (ver distância).
Pontos de ônibus em quatro vias expressas ou centrais que cortam/delimitam o território: Av. Brasil,
Linha Amarela (Av. Novo Rio), Av. dos Democráticos e Rua Leopoldo Bulhões.

Já questões referentes à qualidade, integração e capilaridade dos modais formais de


mobilidade urbana existentes, dizem respeito a competências municipais e estaduais, responsáveis,
respectivamente, pelas concessões de ônibus e de metrô, trem e barcas. Nestes âmbitos, os principais
desafios são os altos custos referentes a baldeações frequentemente necessárias, que sofreram
aumentos tanto com a inflação nos preços das passagens, quanto com o recente sucateamento do
Bilhete Único, a insegurança de alguns modais, como ônibus, ou do trânsito a pé entre modais e

45
destinos, como no metrô e trem, a superlotação, falta de ar condicionado e restrição de linhas e
destinos disponíveis, entre outros.

3.1.4.- Segurança Pública


O conceito de segurança pública – que antes referia-se estritamente a ação de órgãos policiais
e judiciais nas instâncias estadual e federal – vem se alargando para incluir competências que recaem
sobre os municípios. Entre as ideias que vem sido discutidas estão o adequado provimento de
iluminação pública, a proteção ao patrimônio público e privado pela Guarda Municipal, o policiamento
de proximidade para o combate à crimes de menor potencial ofensivo (que não envolvem uso de
violência) e a criação de incentivos ao funcionamento noturno de bares, restaurantes e comércios que
gerem movimentação. Assim, para endossar esta perspectiva, tanto este mapeamento, quanto os
futuros indicadores desta dimensão do IPF deverão ser claros em relação ao responsável por impactá-
los, seja o Governo do Estado, a Prefeitura ou outro.

MAPA 2: ESTABELECIMENTOS DE SEGURANÇA PÚBLICA EM MANGUINHOS – 2017

22º Batalhão da PMERJ

21ª Delegacia da Polícia Civil

UPP Manguinhos

CIDPOL
UPP Arará/Mandela

Instituto AFortiori.

46
Como premissa, explorar o tema da segurança pública e seu provimento pelo Poder Público
em territórios de favela é um desafio delicado. Neste mapeamento, consideraram-se fontes oficiais
pertinentes as informações, notícias e dados de órgãos públicos como a Polícia Militar do Estado do
Rio de Janeiro (PMERJ), a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PC-RJ) e do Programa Unidades de
Polícia Pacificadora (UPP) e sua contrapartida municipal, a UPP Social e dados produzidos pelo
Instituto Pereira Passos (IPP) neste âmbito.

Neste sentido, entre as competências estaduais de Segurança Pública, Manguinhos é coberto


pelo 22º Batalhão da PMERJ, localizado na Linha Vermelha próximo ao Complexo da Maré e integra o
Conselho Comunitário de Segurança (CCS) da (AISP) 22, pelas 21ª Delegacia e Cidade da Polícia Civil
(CIDPOL), localizadas em polos opostos da Avenida dos Democráticos, respectivamente próxima à
Linha Amarela e à junção com a Avenida Dom Helder Câmara, em frente à CHP-2. Por fim, o Programa
UPP instalou duas unidades que abrangem comunidades de Manguinhos, a 29ª e 34ª unidades
implantadas, respectivamente a Unidade Manguinhos, com sede na Rua Santana do Livramento, na
Vila Turismo, e a Unidade Arará/Mandela, com um container localizado nos fundos do Conjunto
Nelson Mandela à beira do Rio Faria-Timbó, entre a Fiocruz e a Refinaria de Manguinhos.

Em relação à efetividade dos investimentos da UPP para garantir a segurança pública local,
ataques violentos ao container da UPP Arará/Mandela localizado nos fundos do CH Nelson Mandela
em março de 2014 deixaram o Comandante da Unidade baleado e o container incendiado, causando
danos também a postes e moradias próximas. Entre 2016 e 2017, os moradores relatam que os
efetivos de policiais do programa vêm diminuindo, enquanto uma nova onda de recrudescimento da
violência eclodiu no território de Manguinhos e áreas próximas, como o Jacarezinho, com tiroteios
frequentes gerando dezenas de vítimas, feridos e constantes interrupções de serviços básicos.

Por fim, outras ações que requerem verificação, mas foram previstas pelo Poder Público,
envolvem os serviços da RioLuz, responsável pela iluminação pública das vias, tendo sido previsto pela
Secretaria Municipal de Conservação a modernização e 309 pontos de luz e instalação de 23 novos
pontos, a criação de uma rotina de manutenção da iluminação pública no local, com o chamado
programa Vamos Iluminar, de ambos os órgãos da Prefeitura citados. Além disso, não foram
identificados postos ou ações da Guarda Municipal no território.

3.2.- Os desafios desde a ótica da Comunidade de Manguinhos


Como foi descrito na seção dedicada à descrição metodológica e do trabalho de campo, foram
realizadas duas oficinas com representantes da comunidade. A segunda oficina, teve por objetivo,
realizar a devolutiva de dois aspectos da pesquisa: trazer os resultados parciais das entrevistas com
os membros do conhecimento institucionalizado e mostrar os avanços de outras atividades cumpridas
pela equipe de pesquisa.

Neste sentido, o levantamento de temas, demandas da comunidade se centrou na primeira


oficina, onde os participantes tiveram a oportunidade de trabalhar e expor questões centrais sobre os
diversos temas.

47
Dos 28 participantes, 19 eram moradores de Manguinhos e que se distribuíam em 9
comunidades do complexo, sendo a Vila Turismo a que tinha o maior número de representantes na
oficina. Não estavam presentes moradores das comunidades referidas como Parque João Goulart e a
Nova CCPL, nem da área abaixo do Viaduto de Benfica, possivelmente identificadas como Favelas
Vitória de Manguinhos e Previdência.

Um questionário sucinto foi aplicado aos participantes para coletar características


sociodemográficas de cada um dos convidados. Neste sentido, o grupo era composto por 75% de
mulheres. No que tange à faixa etária, 82% eram adultos entre 25 e 59 anos, contando também com
5 jovens (18%) de 9 a 24 anos. Declararam-se pretos 39%, 29% pardos, 27% brancos e uma pessoa
declarou-se amarela.

Por outra parte, 50% responsáveis do domicílio, 29% cônjuge do responsável e 18% filhos do
responsável. Em relação à educação, 18% havia chegado à pós-graduação, 32% ao Ensino Superior,
21% ao Ensino Médio, 18% ao Ensino Fundamental e 11% não responderam.

Em termos de identificação religiosa, declararam-se 54% evangélicos, 18% católicos, além de


duas pessoas de matizes africanas e uma judaica, 18% não respondeu à questão ou se disse
agnóstico/ateu.

Em relação aos aspectos de trabalho e renda, 29% disseram que não trabalharam nem um dia
na última semana, enquanto 71% trabalharam. Desses, 19% atestaram ter carteira de trabalho
assinada, mas 22% consideraram-se empregados sem CTPS assinada, 30% autônomos, 11%
trabalhadores domésticos, 7% temporários, além de 1 estagiário, 1 trabalhador cooperativado e os
11% que não responderam.

Através destes vínculos de trabalho, 68% declararam viver com uma renda domiciliar mensal
média de 0 a 3 salários mínimos enquanto 21% optaram por não responder. Além disso, poucos
recebem benefícios ou auxílios do Poder Público, com apenas uma aposentadoria por tempo de
serviço do marido falecido e uma diretamente recebida, além de duas Bolsas Família. Por fim, o dado
mais expressivo entre participantes, por incluir 9 que não moram em Manguinhos é que 89% conhece
alguém vítima de violência no território.

Para captar as diferentes percepções dos convidados, foram propostas duas atividades:

a. Na Atividade #1, cujas finalidades eram de mapear o território e obter as


percepções dos participantes sobre o território. Se organizaram 4 grupos de
trabalho: grupo de jovens, dois grupos de mulheres e um grupo de homens
adultos. Cada grupo trabalhou para produzir um mapa, para posteriormente,
através de porta-vozes diversos dos grupos debater sobre o trabalho
realizado.
b. Na Atividade #2, de reflexão sobre temas prioritários para a comunidade a
partir do preenchimento de fichas sobre sua importância, funcionamento
atual, soluções ou melhorias possíveis e funcionamento ideal, foram
formados grupos de trabalho no qual participantes se inseriam segundo maior
potencial contributivo nas temáticas: Bem-Estar (Saúde, Educação,
48
Assistência Social e Moradia); Segurança Pública e Garantia de Direitos;
Trabalho Formal, Ambulantes & Empreendedorismo, e; finalmente, Cultura,
Esporte e Lazer.

Os resultados da segunda atividade serão apresentados na última parte (Agenda programática


mínima para Manguinhos) da próxima seção como insumos para o debate inicial sobre um
levantamento de temas para a prosperidade do território.

3.2.1.- Percepções como insumo para o mapeamento de Manguinhos


Serão apresentados aqui os principais resultados de acordo aos grupos estruturados. Na
subseção dedicada ao mapeamento já foram descritos alguns resultados. Entre o grupo de jovens, o
mapeamento rendeu os seguintes aspectos:

• São poucos equipamentos públicos como praças, quadras, campos, espaços para
crianças brincarem, que ofereçam atividades para adolescentes, porque há
concentração destes equipamentos, que são “muito aglomerados para uma
comunidade que é imensa”.
• Há uma distribuição espacial razoável de escolas e creche. Durante o mapeamento os
jovens perceberam que em cada comunidade tem pelo menos uma escola de Ensino
Fundamental e uma creche, mas a percepção é que são pequenas e não há vagas
suficientes. Isso não quer dizer, porém que a educação seja boa. Não há qualidade e
faltam professores. O acesso ao Ensino Superior no território também é pouco
incentivado, mesmo que tenham instituições próximas e públicas como Fiocruz, UERJ
e UFRJ, além de instituições privadas como a UNISUAM.
• Apontaram para o problema de as iniciativas não serem sistemáticas, nem
amplamente divulgadas. Oportunidades não chegam para todos os interessados,
somente para quem conhece e sabe onde procurar, sabe como ir atrás. É assim que
funciona o acesso à cursos profissionalizantes, graduação, especializações, etc. a
desativação recente da FAETEC e a Biblioteca Parque reduzem ainda mais o acesso ao
conhecimento e a cultura.
• A questão da mobilidade foi muito destacada, tanto o uso de transporte público,
quanto a circulação de pedestres na comunidade. Para a Zona Sul e a Zona Oeste, em
geral precisa de até 3 conduções e o Bilhete Único não facilita mais nada. O Metrô
mais próximo é Maria da Graça, fica muito longe para moradores de locais como o
Mandela I e II e não tem opções fáceis para se chegar até lá.

Já as mulheres adultas discutiram prioritariamente cultura, comércio e violência, destacando


que:

❖ No território, reconheceram que tem muita coisa em termos de comércio, igrejas,


escolas, até transporte, mas o ponto crucial que impede que tudo flua, principalmente
o lazer e um cotidiano tranquilo, é a violência.

49
❖ Em termos de atividade econômica, o comércio é bastante dinâmico, gerando renda
e emprego. Parte significativa do comércio funciona à noite, atende a comunidade no
retorno do trabalho.
❖ Como dona de comércio, uma participante destacou a crescente dificuldade de
manter seu negócio devido à recusa de fornecedores em entregar no local com seus
caminhões, como costumavam fazer, por causa da violência. Agora, comerciantes tem
que sair da comunidade, aumentando seus custos para obter os produtos que
vendem.
❖ Outra participante descreveu as dificuldades como consumidora, explicando que
juntou dinheiro para comprar um eletrodoméstico nas Casas Bahia, mas descobriu
que eles proíbem a entrega em territórios “como Manguinhos, porque é muito
violento”.
❖ Sobre isso os equipamentos que o PAC construiu, ainda que concentrados, eram
muito importantes e agora estão fechados ou abandonados.
❖ É percebido que o empreendedorismo em Manguinhos e os coletivos são duas
potencialidades muito fortes do território, mas esbarram tanto na violência, quanto
na baixa escolaridade, incentivos e oportunidades.
❖ Sobre a qualidade do ensino sustentam que muitos professores ainda têm didáticas
inadequadas, reclamam, excluem alunos, não tem preparo para realizar o trabalho no
contexto que temos. Começa assim um ciclo negativo, pois muitos, especialmente os
meninos, abandonam a escola, ficam com baixa escolaridade, baixa empregabilidade,
perdem perspectivas e se envolvem na violência.
❖ Discutiram sobre as vulnerabilidades da família e mencionaram a deterioração dos
laços e inversão de papéis. Muitas crianças vulneráveis e desprotegidas, é urgente a
oferta de projetos de desenvolvimento infantil.

O segundo grupo de mulheres adultas focou mais nos equipamentos de saúde, educação e
trabalho:

❖ Inicialmente destacaram as instituições do território como a Casa do Trabalhador, a


Biblioteca Parque, a Clínica da Família e a UPA, e fizeram uma comparação do
atendimento na UPA, na Fiocruz ou Clínica da Família, especificamente na área do
CHP2. Discutiram como que a qualidade de atendimento varia e a descontinuidade
dos investimentos tanto em projetos, quanto em equipamentos, como a Biblioteca de
Manguinhos.
❖ Sobre a coleta de lixo destacaram três pontos: a piora na coleta regular, necessidade
de educação ambiental nas escolas, e alternativas para o tratamento desse lixo, que
na Casa do Trabalhador utilizam métodos nos cursos que pensam o reaproveitamento
de materiais, como parte da economia solidária.
❖ Violência é o principal problema, mas a solução não é enfrentar a violência e sim
esvaziar a violência com a educação. Tudo decorre da educação ineficiente e de má

50
qualidade, gerando a violência porque sobram adolescentes dispostos a entrar para o
tráfico ou pessoas que recorrem à violência para resolver seus problemas na vida.
❖ Os investimentos são descontinuados ou abandonados, são mal feitos ou precários e
são desiguais. As obras do PAC em Manguinhos, apesar de serem recentes já têm
problemas, como no Mandela I que tem enchente direto desde as obras. Ou a Clínica
da Família, que tem um atendimento heterogêneo pelo território.
❖ Gestores e participantes de projetos que estão aqui e não se conheciam, mas são do
mesmo território. Por isso é fundamental o fortalecimento das redes, o difícil é as
instituições darem conta sozinhas. Então os projetos são sempre para poucos, alguns
porque tem poucas vagas mesmo, outros que interessam menos ou que não tem
divulgação adequada.

O grupo formado por homens destacou que:

➢ Também consideram Manguinhos uma comunidade próspera, com sua cultura,


comércio e rede de lideranças, mas o baixo índice de desenvolvimento humano se
mantém por falta de interesses e oportunidades de moradores e do Poder Público.
Falta articulação e união, difícil manter os movimentos e iniciativas articuladas e
executando suas tarefas.
➢ Não existe garantia de direitos. Muitas coisas que estão implodindo hoje, esgotos para
fora, equipamentos abandonados, em tão pouco tempo, foi porque não teve
participação real da comunidade, nem planejamento para manter as coisas
funcionando.
➢ Transporte é desintegrado. Tem mobilidade bastante, mas a preço considerado alto e
ineficiente.
➢ Já o saneamento existe em alguns lugares, mas já surgiram vários problemas.
Iniciativas de saúde, que tentaram organizar as ruas para atender a população com
apoio da Prefeitura, agora têm sido capturadas pelo poder paralelo.
➢ Um dos participantes, se referindo à rede de lideranças no território, mencionou o
Conselho Gestor Intersetorial – CGI que é paritário entre o Poder Público e a
comunidade para assuntos de Saúde, Educação e Assistência Social, onde todas as
lideranças são convidadas a participar, com ideais, para fiscalizar, para formar
parcerias, entre outros.
➢ Durante a implantação do PAC, não deram condições reais para os moradores
participarem. Existem muitas limitações nas comunidades, do que se pode falar,
criticar, apontar, pleitear. A obra final das moradias não foi aceita pela CEDAE, então
formalmente não foi entregue. Ou seja, as pessoas querem participar, tem condições
pessoais de direcionar, mas não funciona a forma que existe.

Os resultados aqui descritos dividido no trabalho do mapeamento de Manguinhos, traçando


algumas características e o trabalho de campo com a comunidade serão utilizados de forma intensiva
na próxima seção que apresenta a proposta do Índice de Prosperidade das Favelas para Manguinhos
(IPF-Manguinhos).

51
4.- O Índice de Prosperidade de Favelas para Manguinhos: Uma agenda mínima
para a Comunidade
Finalmente, nesta última seção do presente relatório a tarefa central de tecer considerações
que permitam desenhar a proposta do IPF. Até aqui, este documento, fez uma proposta ao leitor de
contextualizar o estado da arte sobre indicadores sintéticos, mostrando os elementos centrais que
delineiam os avanços e inovações não apenas técnicas, mas principalmente conceituais para superar
os desafios que se colocam desde inícios do século anterior na mensuração quantitativa dos
fenômenos na área social (Introdução). O objetivo central, dessa primeira seção, consistiu em mostrar
que é possível aproveitar as virtudes de esforços anteriores neste campo dos índices sintéticos para o
IPF.

Outros objetivos importantes da reflexão da seção introdutória foram colocar no centro da


reflexão a desigualdade nas suas variadas manifestações sociais, econômicas e de bem-estar tomando
como vetor central o território. Finalmente, se realizou um mapeamento das propriedades
metodológicas e as suas implicações de tal forma a facilitar a compreensão das possíveis contribuições
que o IPF almeja realizar em termos do estado da arte da construção e implementação de índices
sintéticos para territórios vulneráveis.

Somente com essa discussão previa seria possível situar ao leitor das características
metodológicas do IPF. Características estas que se centram na diferenciação do processo (de baixo
para cima e de dentro para fora); na forma de imersão no território para o qual se pretende contribuir
com os indicadores e dimensões, e; na substantivação do termo Prosperidade através da fixação de
três conceitos: sustentabilidade, interdependência e democracia.

Na terceira seção, apresentou-se a cristalização da proposta metodológica na implementação


empírica do trabalho de campo. Naturalmente, existiram dificuldades e mudanças de percurso como
era de se esperar. Seja pela situação de insegurança pública severa que atravessam as favelas da nossa
cidade, seja pelas próprias características do território escolhido para realizar a experiência piloto:
Manguinhos.

No caso, do recrudescimento da violência, não se tratou apenas de interferências no


cronograma de execução do projeto piloto que acarretou, naturalmente, cancelamentos de
entrevistas e a aceleração de algumas etapas que impactaram no planejamento. No entanto, a
consequência negativa de ordem substantiva, foi não ter o ambiente mais propício para refletir e
pensar o que é prosperidade, seus desafios e as suas potencialidades desde a ótica dos moradores e
as suas lideranças.

A contaminação da agenda do IPF pelo tema da violência, a insegurança pública e a supressão


de direitos no período do trabalho de campo, encurtou radicalmente o horizonte de visibilidade dos
atores em Manguinhos dificultando a reflexão de temas de longo prazo. Como é possível apreciar na
seção anterior, a violência adquiriu uma centralidade nas outras temáticas e também um caráter
transversal. Porém, nada disso invalida os resultados, até porque a violência e a desigualdade parecem

52
fenômenos resilientes de longa data na cidade do Rio de Janeiro e, em particular, nas favelas da
cidade.

Importante mencionar que o exercício realizado junto às lideranças e moradores de


Manguinhos cumpriram algumas expectativas da coordenação do projeto de pesquisa em dois
sentidos.

Em primeiro lugar, estávamos convictos que a imersão no território ia brindar um número


significativo de temas novos e de apreensão de fenômenos sociais que somente a aproximação da
pesquisa ao seu objeto de estudo pode trazer. Desde o planejamento e desenho das atividades de
pesquisas contávamos que ia emergir uma nova “realidade” a partir das percepções dos atores de
Manguinhos. Realidade esta que definitivamente não é captada pelas métricas de indicadores ou
índices que são aplicados desde fora do território.

Não apenas novas temáticas ou novos desafios surgiram, mas também novas formas de
percepção de como concatenar os fenômenos apresentados pelos moradores. Assim, foi possível
aprender sobre as microdinâmicas políticas e de interação dos moradores, substanciar com um novo
olhar o papel do setor público ou dos desafios que se apresentam para quem tem certeza dos impactos
e consequências de intervenções sociais, culturais e econômicas.

Em segundo lugar, o fato de ter participado de diferentes espaços institucionais de


Manguinhos e de ter encontrado outros tantos de caráter informal, confirmou a nossa expectativa de
encontrar heterogeneidades, assimetrias e vários tipos de segmentação social, de classe, de filiação
institucional e política. As favelas não são uniformes, não são territórios áridos e sem matizes.
Manguinhos confirmou que o tecido social nas favelas é intricado e que as dinâmicas territoriais são
muitas, às vezes reproduzindo e/ou amplificando padrões de desigualdade vindos de fora, outras
gerando outros processos assimétricos intra-território de exclusão social e econômica.

Diversos níveis de precariedade de segmentos sociais dentro de Manguinhos geram e


alimentam estruturas de poder que criam relações de dependência talvez com maior facilidade e
efeitos mais perversos do que em outras espacialidades. As próprias lideranças da comunidade vêm
seu trabalho comprometido por vulnerabilidades e condições socioeconômicas precárias que abrem
espaço para a exclusão. A governança democrática precisa enfrentar este tipo de assimetrias.

A tarefa que resta por realizar é usar todo o trabalho de campo na construção da proposta do
IPF. Este desafio se desdobra em outros dois objetivos: construir a lógica das dimensões que deverão
constituir o IPF e, posteriormente, propor indicadores para cada dimensão.

Ambas as tarefas têm aspectos técnicos importantes, mas principalmente, no caso do IPF as
“vozes” da comunidade estão no centro deste esforço. Os aspectos técnicos precisam ser discutidos
levando em consideração essas vozes

4.1.- Arquitetura do sistema de indicadores


A arquitetura do sistema de indicadores que compõem qualquer índice sintético tem várias
finalidades. Entre as mais importantes, além da finalidade técnica diretamente relacionada com os

53
indicadores que serão selecionados e o peso estatístico de cada indicador, encontra-se a de garantir
a relação entre todo o trabalho conceitual prévio e a operacionalização empírica do conceito.

No caso do IPF, o trabalho conceitual teve a articulação de 4 vetores de ação: o primeiro vetor
é a mobilização do estado da arte no que tange a indicadores sociais e o seu posterior desdobramento
em métodos de agregação desses indicadores (índices sintéticos); o segundo é a descrição e
subsequente análise sobre as diferenças entre conceitos como desenvolvimento humano, progresso
social e, finalmente, prosperidade; o terceiro vetor consistiu na escolha e ulterior processo de imersão
em um espaço geográfico com inequívocas características de vulnerabilidade socioeconômica, neste
caso Manguinhos na cidade do Rio de Janeiro; finalmente, o quarto e último vetor, a implementação
do trabalho de campo que teve por intuito a interação e participação de vários tipos de representações
do território incluindo os próprios moradores na estruturação do IPF.

Importante ressaltar que não existe uma coerência linear entre os vetores acima mencionados
de ordem substantiva. Ou seja, uma linearidade substantiva implicaria que o conhecimento
predominante em termos de índices sintéticos seja totalmente balizado por um conceito de
prosperidade que, por sua vez, não precisaria de imersão em qualquer território (pois a sua validade
empírica é para qualquer espacialização territorial com certas adaptações) nem uma consulta densa
às diferentes representações do território.

A coerência e aderência entre os vetores é de natureza processual. Ou seja, o estado da arte,


no que diz respeito a índices sintéticos, e o conceito de prosperidade apenas contextualizam a
discussão substantiva e é fonte de uma abordagem metodológica diferente – de dentro para fora do
espaço geográfico e de baixo para cima no processo de consulta – que enfatiza a imersão no território
e a consulta robusta com a comunidade. Em poucas palavras, no final, nada garante a definição ex-
ante das dimensões, componentes e indicadores. Mais do que isso, não é possível afirmar que
arquitetura do índice seria a mesma no mesmo território em um período temporal diferente.

Portanto, duas conclusões importantes devem ser explicitadas aqui:

a) Ex-ante, o IPF para Manguinhos não será o mesmo para outras comunidades. Nem as
dimensões, os componentes, os pesos relativos e nem os indicadores podem ser definidos
para todas as áreas vulneráveis. A semelhança é uma questão empírica a ser verificada.
Como pesquisadores, temos a expectativa de que existem muitas problemáticas comuns
aos territórios, mas não os mesmos pesos e a mesma estrutura dos componentes. Essa é
a maior limitação de outros índices, eles “encaixam” a realidade específica em um único
esquema pré-definido de dimensões e indicadores. Ganha-se na comparabilidade, mas se
perde muito na utilidade para a comunidade se temos o objetivo de que índices sintéticos
servem para mobilizar e avaliar as iniciativas de política pública.
b) Portanto, a replicabilidade substantiva do IPF é limitada, mas a replicabilidade
metodológica ganha força.

Por exemplo, comparando os indicadores propostos pelo Legatum, que é um referencial


direto do índice de prosperidade, veremos que no caso de Manguinhos as variáveis tipicamente
econômicas não aparecem de forma direta. Com efeito, os moradores de Manguinhos não

54
explicitaram temas como produtividade, direitos de propriedade, investimentos privados, etc. o que
não significa que a discussão sobre a economia não tenha aparecido.

Os temas econômicos aparecem sim de forma indireta e espalhados pelas dimensões e


componentes: educação, empregabilidade, dinamismo do comércio dentro do território, custo do
transporte, o direito de receber as compras no domicílio, a demanda por um correio mais eficiente
são exemplos de que a dimensão econômica esteve presente. O importante aqui, é ficarmos atentos,
a que a substantivação e implicações da matriz econômica foram totalmente distintas quando
comparadas com o conhecimento institucionalizado. Portanto, para a comunidade de Manguinhos,
prosperidade econômica, significa resolver problemas de transporte, funcionamento de serviços
públicos e empregabilidade.

As Figura 1 e 2, mostram a estrutura do IPF para Manguinhos em termos de dimensões e


componentes com base na junção dos 4 vetores acima mencionados, mas com uma forte ênfase na
imersão do território (mapeamento) e no diálogo com as representações da comunidade (entrevistas,
participação em espaços institucionais diversos, oficinas, e encontros informais com moradores).

A diferença entre ambas as figuras é realmente significativa. A Figura 1 mostra a estrutura de


forma estática: as dimensões e componentes que definem a interação dos desafios de Manguinhos
isolando a intensidade nas preferencias e os níveis de urgência na solução e destravamento de
barreiras para a prosperidade.

A Figura 2 incorpora uma visão dinâmica da estrutura incluindo a intensidade nas preferências
e um sequenciamento das dimensões e componentes que devem ser atendidos desde as óticas dos
representantes. Necessário sublinhar que não existe uma única voz orgânica e unânime da
comunidade. Existem várias percepções sobre a prosperidade, diversidade na intensidade das
preferências, urgências diferentes para a resolução de problemas e concatenamentos causais muito
heterogêneos entre as dimensões. Se às vozes da comunidade se agrega a visão do conhecimento
institucionalizado então a polissemia é ainda mais radicalizada. A Figura 2 pretende expressar todas
essas diversidades de forma dinâmica.

4.1.1.- Estrutura de dimensões e componentes do IPF para Manguinhos (Visão Estática)


A arquitetura do IPF para Manguinhos aqui proposta é de 6 dimensões e 23 componentes:

1) Segurança Pública: Direitos Humanos, Violência e Criminalidade;


2) Cultura, lazer e esportes: Equipamentos e Projetos;
3) Urbanismo: Regularização Fundiária, Infraestrutura, Serviços de utilidade pública,
Condições Socioambientais e Mobilidade;
4) Trabalho e Renda: Trabalho formal, Microempreendedorismo, Comércio e
Serviços, Indústria de Transformação e Geração de renda e desigualdade;
5) Bem-estar: Moradia, Saúde e Saneamento, Educação e Assistência social;
6) Governança e Resiliência: Instituições, Articulação, Voluntariado e
Redes/Capilaridade.

55
Figura 1: Dimensões e componentes do Índice de Prosperidade de
Favelas (IPF) – Manguinhos - 2017

Duas dimensões apresentam o maior número de fragmentação de componentes (5), Trabalho


e Renda e Urbanismo; outras duas têm 4 componentes, Bem-estar e Governança e Resiliência;
Segurança Pública com três componentes, e; Cultura, lazer e esporte com dois componentes.

Alguns comentários devem ser explicitados. Muitos componentes apareceram em outras


dimensões. Por exemplo, quando se falou de cultura algumas vozes relacionaram com educação ou
com a perspectiva de a cultura ser um elemento dinamizador para o microempreendedorismo. Porém,
estas considerações foram de caráter genérico e indiretas.

O que foi explícito nas falas foi a necessidade de equipamentos (manutenção dos mesmos,
recuperação de espaços e equipamentos desativados, a reabertura da Biblioteca Parque ocupada para
evitar seu fechamento durante a realização do trabalho de campo, a criação de espaços públicos para
esta área como forma de ocupação para evitar criminalidade e vandalismo). Também se afirmou a
necessidade do fortalecimento e implementação de projetos nesta dimensão seja com parcerias, seja
com o apoio do governo estadual e/ ou municipal.

Se esses dois componentes (equipamentos e projetos) na dimensão Cultura, lazer e esportes,


conseguissem dinamizar -através de alguns indicadores – ações e planos para ser implementados,

56
podemos ter a certeza que neste campo seriam realizados enormes progressos em Manguinhos.
Mesmo que pareça ser uma visão minimalista da dimensão, existência de projetos e equipamentos de
qualidade, as lideranças expressaram como serem relevantes. Naturalmente, que esses dois objetivos
gerariam outros efeitos de spillover para outros componentes de outras dimensões, mas a
quantificação desses efeitos somente pode ser realizada se temos a certeza de que equipamentos e
projetos nesta área existem em número suficiente.

Um segundo comentário, diz respeito à separação de temáticas convencionalmente


integradas. O exemplo que queremos sublinhar aqui é a moradia e a regularização fundiária que estão
presentes em duas diferentes dimensões: Bem-estar e Urbanismo, respectivamente. O que foi
mostrado nas páginas acima é que, em Manguinhos, coexistem diferentes formas de propriedade da
terra. Desde propriedades públicas federais até assentamentos informais. Esta diversidade traz
problemas no desenvolvimento urbano do território, fazendo com que planos de melhoria urbana
esbarrem permanentemente neste problema. Outra coisa totalmente diferente são as condições das
moradias e o aumento da oferta das mesmas. Isto, segundo as vozes da comunidade, incide
diretamente no bem-estar das famílias. Conjuntos habitacionais degradados ou construídos com baixa
qualidade são problemas que afetam as condições de saúde e saneamento ou, por exemplo, o
desempenho educacional de crianças.

Mais uma vez, não estamos negando a relação estreita entre Regularização fundiária e a
moradia, mas esta é uma relação conceitual e analítica totalmente legítima e válida que nas óticas da
comunidade funciona com implicações diferentes.

Um terceiro apontamento, diz respeito à emergência da dimensão Governança e Resiliência.


Manguinhos, como foi mencionado antes, possui uma riqueza institucional bastante significativa. Essa
riqueza é também diversa, desde instituições públicas de grande porte como a FIOCRUZ, passando por
ONGs com iniciativas em várias áreas, até fóruns deliberativos bastante consolidados. Não é o objetivo
aqui realizar uma taxonomia desses atores. A equipe de pesquisa, desde o início do projeto, percebeu
que – diferentemente de outras comunidades – todo tipo de atores públicos, privados, organizações
partidárias, terceiro setor, conselhos, UPPs, etc. são bastante ativos no território.

Contudo, muito pouco se sabe sobre as características destas instituições, seu tamanho, suas
áreas de atuação ou a sua capilaridade, portanto, é muito difícil organizar a ação coletiva. Os próprios
atores chave ficam frequentemente surpreendidos com a quantidade de atores que surgem nos
diversos fóruns. Outra questão importante diz respeito a superposição de agendas, fato que
fragmenta e torna ineficaz a representação. A necessidade de enxergar a governança e a sua qualidade
em vários aspectos não é somente consensual, mas foi uma das primeiras percepções da equipe de
pesquisa.

Os quatro componentes que integram essa dimensão visam a inventariar as instituições de


forma gradual, de mobilizar o voluntariado como uma das premissas centrais da prosperidade de tal
forma a aumentar o trabalho de rede. Voluntariado e o trabalho institucional devem aumentar de
forma significativa a capilaridade do engajamento, da inclusão e das ações. Uma das vozes mais
frequentes foi a de que existe uma percepção bastante generalizada de ações que alcançam a poucos,

57
de fragmentação e superposição de iniciativas, de falta de recursos de todo tipo, de desgaste e
cansaço pela quantidade de agendas o que gera pouca credibilidade e ceticismo da eficácia da
cooperação.

Instituições e voluntariado são dois ativos que se articulados numa governança inclusiva e
participativa deve se refletir no aumento da capilaridade e do funcionamento adequado das redes.
Assim, o ideal neste campo é que governança e resiliência aumentam o protagonismo da comunidade,
diminuem a eficácia de agentes predatórios que se aproveitam das condições de vulnerabilidade.

Finalmente, a dimensão da Segurança pública surge com três componentes que caracterizam
muito fortemente o momento que Manguinhos e outras favelas do Rio de Janeiro atravessam hoje.
Entre todas as dimensões propostas para o IPF, pela natureza dos componentes, talvez esta seja a que
contém um caráter eminentemente finalístico. Os três componentes são aqueles que os moradores
querem para o seu território: fim da violência, diminuição das diversas formas de criminalidade, todo
dentro do mais amplo respeito dos direitos humanos. Aqui, a população de Manguinhos quer
resultados imediatos e está ciente que a violência e criminalidade tem consequências negativas nas
outras dimensões: afetam o funcionamento das escolas e, portanto, a qualidade da educação,
interfere nas atividades econômicas do território, na mobilidade, na empregabilidade, nas condições
de saúde das famílias, na interrupção do fornecimento de serviços, nos quadros de depressão e no
futuro da juventude.

Uma questão central é que, apesar de almejar a erradicação da violência e a diminuição da


criminalidade, a população exige que seja feita no marco do respeito aos direitos humanos
responsabilizando ao poder público pelas frequentes violações a esses direitos.

A estrutura estática das dimensões e componentes do IPF para Manguinhos, estabelece os


requisitos para iniciar o destravamento de barreiras à prosperidade. Apontam também os elementos
que desde as óticas comunitárias fazem parte da conceituação empírica do que se entende por
prosperidade. As dimensões colocam os 6 princípios gerais da prosperidade em Manguinhos, os 23
componentes fornecem o conteúdo do que realmente está em jogo em cada dimensão. Os
indicadores para cada componente proporcionam a ferramentas para estabelecer métricas, pontos
de partida e definição metas.

4.1.2.- Estrutura de dimensões e componentes do IPF para Manguinhos (Visão Dinâmica)


A estrutura apresentada na subseção anterior, não prevê uma hierarquização de
componentes e dimensões. Por outra parte, também não permite definir um plano de ação no tempo
suficientemente flexível como para contemplar mudanças de rumo se for preciso. Na verdade, são
poucas as experiências com índices sintéticos que possibilitam transformar o índice em uma
ferramenta dinâmica nos dois sentidos: priorização de temas e insumos para definir por onde
começar.

Índices sintéticos em geral, priorizam os temas dando peso relativo a cada indicador dentro
de cada dimensão. Isto pode ser feito de variadas formas metodológicas (agregação aritmética,
geométrica, análise de componentes, análise fatorial, etc.), mas estas também são estáticas e

58
somente são modificadas a partir dos resultados de cada indicador e de processo de reformulação dos
índices que frequentemente são realizados após de atingir estágios que são captados pelos próprios
indicadores. A questão problemática, desde a nossa ótica, é que índices sintéticos pouco ajudam na
priorização de temas na tomada de decisões durante o processo de implementação. Mais uma vez,
porque para tomar decisões precisamos obter resultados (ex-post) para saber que rumos precisam
ser corrigidos ou se podemos priorizar outra dimensão.

O segundo aspecto problemático é que a tomada de decisões tem um forte componente


humano que decorre da percepção sobre as condições de contexto reais em cada momento e da
intensidade com que os diversos atores expressam as suas preferências no que deve é urgente e o
que deve ser solucionado em primeiro lugar. Índices sintéticos não incorporam este “componente
humano”. Talvez não seja necessário incorporar porque, por exemplo, o Desenvolvimento Humano
tal como foi concebido infere que este tem características estruturais de longo prazo que não tem
porque mudar ou porque o progresso social propõe uma visão bem mais completa do que entende
por “social”. Ou seja, existe um componente normativo muito forte.

Para a prosperidade em territórios vulneráveis, a normatividade é uma questão a ser definida


decorrente do contexto socioeconômico dos territórios e da forma de articulação dos atores. Em
territórios com alto grau de vulnerabilidade a precariedade e a adversidade são fatores que impõem
uma mudança permanente de planos e de ações. Neste sentido o índice também precisa levar em
consideração o sentido de urgência e de intensidade das preferências dos atores, além dos resultados
dos indicadores e dos elementos estruturais dos próprios conceitos.

Em síntese, se trata de dar um senso de utilidade às dimensões e os componentes devido as


condições que mudam de forma permanente devido à precariedade e adversidade enfrentada em
territórios de alta vulnerabilidade socioeconômica.

Esse foi exercício que tentou-se realizar aqui como complemento à visão estática da estrutura
do IPF para Manguinhos. Devemos alertar que é um exercício ou, melhor dizer, um ensaio para
incorporar dinamismo ao índice. Para dar dinâmica três elementos devem ser incorporados na
estrutura:

a) O sentido de urgência dos atores frente aos problemas e desafios. Urgência que definiria
que ações tomamos primeiro e sem as quais o resto ficaria inviável.
b) A intensidade das preferências dos atores para solucionar as questões. Atores têm
preferencias por atacar um problema mais do que outros. No entanto, alguns expressam
diferentes intensidades: Por exemplo, a maioria considera que os problemas do comércio
deveriam ser solucionados, mas se mobilizam com maior intensidade no caso de escolas
fecharem por causa das operações policiais.
c) Da mesma forma que todos os indicadores sintéticos os resultados dos indicadores
também devem ser levados em consideração.

O exercício realizado e apresentado na Figura 2, é incompleto na medida em que não temos


nada no que tange ao inciso (c) nesta fase de desenho. Mas de qualquer forma, não vemos dificuldades
para incorporar os resultados posteriormente. O que importa aqui é mostrar que trabalhando com a

59
metodologia de painel é possível obter resultados interessantes a partir do trabalho de campo
realizado com os membros da comunidade e com os especialistas.

Três fatores devem ser descritos para compreender o painel da Figura 2:

a) O tamanho de cada componente (retângulos), expressa a intensidade das preferências;


b) O encadeamento está dado pela ordem de esquerda para direita em que se apresentam
as dimensões e os componentes. Ou seja, no trabalho de campo específico que realizamos
reflete as percepções dos atores no momento e contexto datado.
c) Uma restrição metodológica diz respeito que no cálculo realizado, não pode desagregar
as dimensões. Ou seja, os atores atribuem valor à urgência e às intensidades das
preferências e a concatenação de ambos escalares garantem que se obtenha o tamanho
de cada retângulo e da urgência posicionamento de tal forma a garantir a integralidade
de cada dimensão.

Se não fosse por este último fator dificilmente o IPF para Manguinhos seria útil para a base
programática do território.

Figura 2: Relevância e encadeamento das Dimensões e componentes


do Índice de Prosperidade de Favelas (IPF) – Manguinhos - 2017

O exercício de caráter experimental realizado apenas como teste, mostrou os seguintes


resultados. Em primeiro lugar, que a Governança e Resiliência junto a Segurança Pública são
dimensões que devem ser trabalhadas previamente (na esquerda do painel) e como pré-requisitos
para as outras dimensões Urbanismo e Bem-estar (blocos laranja claro e cinza) e, finalmente, Trabalho
e Renda e Cultura/lazer/esporte.

60
Dentro de cada dimensão, também existe um ordenamento proposto: Articulação e
Instituições em primeiro lugar e depois fortalecimento de redes e voluntariado. No caso da Segurança
pública, primeiro o reestabelecimento dos direitos da população e em sequência o combate à
criminalidade e redução da violência. Note-se, que tanto no caso da Segurança pública, quanto da
Governança o tamanho dos componentes (intensidades das preferências) não incidiu na sequência
(urgência):

a) A redução da violência é o retângulo maior, mas a urgência do reestabelecimento dos


direitos é um pré-requisito para esta redução;
b) No caso da Governança, encontrar formas de articulação é objeto da intensidade das
preferências mais do que agrupar as instituições.

No caso de o Bem-estar, importante sublinhar que a educação é a maior preocupação e


também a primeira área a ser trabalhada. Na dimensão Urbanismo, os temas são mobilidade e as
condições ambientais do território.

Finalmente, no que tange ao mercado de trabalho, as preocupações são com o emprego


formal e com a geração de renda.

Pode-se afirmar que as opiniões vertidas dos membros da comunidade e dos especialistas são
muito consistentes com os resultados da Figura 2. Outros testes realizados mostraram que esta
metodologia não estabelece comparação apenas dentro de cada dimensão, mas também entre os
outros componentes de outras dimensões, permitindo assim a mudança de posicionamento das
dimensões.

Antes de passar a próxima subseção, onde se explicita os indicadores para cada componente,
é importante sublinhar que o exercício ensaiado se encontra em fase de testes. Implica que as
informações coletadas para o painel proveem de um momento específico no tempo, com atores
determinados. Mesmo que realizemos um novo exercício com os mesmos atores, temos a expectativa
de que operariam mudanças no painel devido a percepção diferente dos atores do contexto que hoje
mudou (por exemplo, a diminuição da violência). Precisamente, era esse o efeito desejado: o
dinamismo do IPF de Manguinhos.

Quando, no futuro, se incorpore ao Painel da Figura 2 os resultados dos indicadores, será


possível avaliar a pertinência técnica deste ensaio. Como mencionado anteriormente, esta primeira
etapa da proposta do IPF, não inclui o desenho e validação dos instrumentos de coleta, os testes
amostrais e o cálculo dos indicadores.

Assim, a arquitetura do IPF para Manguinhos, foi pensada para atender dois grandes objetivos:

a) A arquitetura de dimensões e componentes de ordem normativa e estrutural, por isso


mesmo de natureza estática (Figura 1), e;
b) A arquitetura em forma de painel incorporando os elementos subjetivos dos atores como
urgência e intensidade de preferências como reação a contextos socioeconômicos
mutantes, de tal forma a ganhar utilidade no desenho e implementação de um Plano de
Ação (Figura 2).

61
4.2.- Proposta de Indicadores por tema
Na série de Tabelas 4-9, apresentam-se os indicadores para cada uma das seis dimensões,
propostas e os componentes de cada uma delas. Importante realizar alguns comentários que
permitam contextualizar ao leitor. Em primeiro lugar, o total de indicadores para as seis dimensões e
23 componentes é de 81 indicadores. Sendo que decidiu-se complementar o sistema de indicadores
com mais 24 indicadores.

Assim, em cada Tabela se colocaram os indicadores que compõem o IPF para Manguinhos
(fundo azul claro) e os indicadores complementares (fundo branco). Outra informação relevante é que
em cada Tabela se explicita o tipo de fonte que deverá ser mobilizada para obter a informação,
primária ou secundária. No caso da informação primária, ela surge porque não existem dados
secundários disponíveis ou não cumprem os requisitos de estabilidade, periodicidade,
representatividade e abrangência no nível intra-municipal ou para áreas subnormais (favelas na
metodologia do IBGE).

Obter a informação a partir de dados secundários foi uma prioridade da pesquisa, já que o
custo é várias vezes inferior às fontes de dados primárias. Estas últimas requerem de:

a) Desenvolvimento das ferramentas de coleta,


b) Validação dos instrumentos de coleta em termos de linguagem e aderência das perguntas
com a informação que se quer captar,
c) Atualização e rolagem do território para atualização do universo,
d) Desenho e teste do campo amostral,
e) Planejamento e implementação do campo,
f) Depuração e limpeza das bases de dados,
g) Processamento de indicadores.

A equipe de pesquisa considera que o número de indicadores propostos é relativamente alto.


Mas deve-se adiantar que esta percepção é ex-ante e a necessidade de reduzir o número somente
poderá ser verificada empiricamente com testes de sensibilidade e da própria amostragem.

Um outro tipo de ação é iniciar um processo de consulta com a comunidade e com alguns
especialistas com dois objetivos bastantes distintos: Com a comunidade, para captar preferências do
que é possível eliminar. No entanto, se deve ter muito cuidado de fazer um trabalho preliminar de
empoderamento para evitar decisões decorrentes da falta de informação.

No caso dos especialistas, o objetivo é resolver possíveis superposições técnicas para que
possam ser eliminadas e, portanto, reduzir o número de indicadores. Para este exercício é necessário
que sejam elaborados os instrumentos de coleta e complementar a análise com os instrumentos de
coleta das fontes secundárias. O trabalho aqui consistiria em fazer uma cuidadosa revisão das
perguntas que seriam incluídas nos questionários.

Em relação aos instrumentos de coleta, ressaltar aqui que pelo menos três questionários
precisam ser desenvolvidos para coletar a informação:

62
1) Questionário domiciliar que agregaria por dimensão as perguntas que os responsáveis do
domicílio passariam a responder;
2) Questionário para a Governança e resiliência que poderia ser aplicado às diversas
instituições, e;
3) Questionário para ser aplicado nas instituições públicas com o intuito de coletar
informação sobre os serviços que oferecem na comunidade.

Na hora de escolher os indicadores para cada componente priorizou-se os de resultado,


deixando os indicadores de processo para o grupo de indicadores complementares. Calculando os dois
conjuntos (IPF e complementares) um quadro muito completo poderá emergir nas análises futuras.

Três dimensões, comparáveis a todo espectro dimensional do bem-estar social amplamente


discutido na literatura, concentram 64% dos indicadores (52). Número idêntico à versão global do
Índice de Progresso Social.

As três dimensões acima mencionada são Urbanismo, Bem-estar e Trabalho Renda que
englobam 14 componentes. Esses componentes versam desde questões tais como infraestrutura e
meio ambiente, as três áreas do IDH (saúde, educação e renda), mercado de trabalho e
empreendorismo com uma visão completa do mundo de trabalho, assistência social e variáveis
setoriais sobre a indústria, comércio e serviços.

As outras três dimensões apresentam 29 indicadores e surgem de forma compulsória do


contexto social das favelas da nossa cidade: Segurança pública, Governança e Cultura/lazer e esportes.

Os indicadores de cada tabela são autoexplicativas e não precisam mais comentários. Apenas
mencionar que existem alguns de natureza qualitativa, mas totalmente codificáveis em mapas
hierárquicos quantitativos (Ex. Tabela 4 “Missão, objetivos e ações/atividades).

Tabela 4: Indicadores do IPF Manguinhos – Governança e Resiliência

Elaboração: Instituto AFortiori.

63
Tabela 5: Indicadores do IPF Manguinhos – Segurança Pública

Elaboração: Instituto AFortiori.

Tabela 6: Indicadores do IPF Manguinhos – Urbanismo

Elaboração: Instituto AFortiori.

64
Tabela 7: Indicadores do IPF Manguinhos – Bem-estar

Elaboração: Instituto AFortiori.

Tabela 8: Indicadores do IPF Manguinhos – Trabalho e renda

Elaboração: Instituto AFortiori.

65
Tabela 9: Indicadores do IPF Manguinhos – Cultura, lazer e esporte

Elaboração: Instituto AFortiori.

A mensagem final desta seção, tem relação com o caráter experimental e polêmico dos
indicadores selecionados. Polêmico na medida em que facilmente argumentável que poderiam ser
outras as escolhas, os recortes poderiam ter sido diferentes. O que podemos afirmar neste sentido, é
que o IPF foi pensado para abrir uma discussão sobre o tema, pode mudar sim, pode diminuir ou
aumentar dimensões, componentes e indicadores. Esta é a sua virtude.

Virtude, porque não foi balizado ou fundamentado com argumentos técnicos unicamente, as
vozes da comunidade de Manguinhos foram o eixo norteador e, como toda voz, pode e vai ser
contestada. O que se temos certeza – e não temos medo de ser redundantes – é que muitos ajustes
devem vir de todo o trabalho empírico futuro. É no exercício empírico que poderá se identificar e
consolidar o IPF para Manguinhos.

Pela mesma razão, a necessidade premente do trabalho empírico, é que não nos aventuramos
a propor um método de agregação estatística. Consideramos que essa tarefa é a última etapa do
trabalho empírico.

No entanto, analisando as 6 Tabelas de uma coisa estamos certos: o conjunto da obra oferece
uma compreensão integrada, uma visão holística dos problemas e travas para o desenvolvimento
sustentável de Manguinhos em termos territoriais.

Um conceito de prosperidade para áreas vulneráveis urbanas de grande porte foi engendrado.

4.3.- Bases para uma agenda programática mínima para Manguinhos


Nesta última parte do relatório, se realiza outro exercício de caráter preliminar: ensaiar a
proposta de uma base para estruturar no futuro próximo uma agenda programática mínima capaz de
agregar esforços e participação dos atores do território e de qualificar a demanda na negociação com
o poder público sobre serviços públicos, investimentos ou outras novas iniciativas.

Precisamos ser cautos: esta não é uma agenda pública de Manguinhos, não temos
legitimidade para tal, apenas é uma base, uma lista de temas levantados que podem subsidiar às
lideranças.

66
Porém esta base, devido ao fato de estar correlacionada à construção do IPF para
Manguinhos, ela pode imediatamente ser monitorada pelos indicadores quando os mesmos forem
calculados. Em síntese, temos certeza que os temas elencados como prioritários na próxima subseção,
podem ser objeto de acompanhamento pelo IPF e que a satisfação e superação das demandas e
desafios colocados na agenda terão impacto no IPF para Manguinhos.

4.3.1.- Reflexão dos atores por temáticas prioritárias


Como mencionado na seção 3, duas atividades foram realizadas junto aos representantes da
comunidade: os resultados da primeira atividade foram apresentados na seção 3 e estava diretamente
relacionado ao mapeamento de Manguinhos.

A segunda atividade, levantou um debate por temas para captar os principais desafios que as
vozes da comunidade consideram que devem ser superados. Este material passou por alguns filtros
em termos de deixa-lo consistente com todo o trabalho realizado para elaborar a proposta do IPF para
Manguinhos com suas dimensões e componentes. Assim, os resultados mais importantes serão
apresentados a seguir.

Sobre políticas em geral mencionaram a importância da articulação e ocupação de espaços de


decisão e escuta sobre políticas públicas porque o Estado produz políticas gerais, e são os
representantes e redes locais que precisam garantir o atendimento das especificidades dos territórios.
Seria simples resolver, dar voz e espaço para moradores na construção de políticas públicas, de
verdade. Somente se abrem canais quando já tem interesse pré-constituído externo à comunidade.

As lideranças do território são ignoradas ou não atendidas pelos agentes e órgãos públicos,
por isso a importância da representação institucional e sua legitimidade reconhecida diante do poder
público.

4.3.1.1.- As conclusões do GT de Segurança Pública e Garantia de Direitos:

1) Manguinhos é um território de formalidade fundiária heterogênea com conflitos


fundiários perenes até áreas incontestadas não residenciais como a Fiocruz, Correios,
Refinaria de Manguinhos.
2) Os investimentos do PAC em Manguinhos foram norteados pela segurança pública,
mas não em saneamento e habitação. O Poder Público, queria abertura de acessos e
vias para a entrada da UPP. Porém, até o trem interrompe quando começa tiroteio,
os outros equipamentos e direitos estão impedidos ou precarizados pela falta de
segurança pública também.
3) A segurança pública é fundada explicitamente na figura do homem fardado com fuzil.
Mas deveria ir muito além: está atrelada aos outros direitos e somente pode florescer
quando a segurança estiver de fato garantida.
4) Outra questão relativa à segurança trazida pela comunidade foi a “opressão exercida
pelo Poder Público”. Descrita como a violação, restrição e negligência de direitos e
oportunidades garantidos constitucionalmente e em leis, essa opressão é subjacente

67
à toda a precarização da vida dos moradores, como cidadãos, que são tratados “à base
de força e poder, pois de fato não vivemos numa democracia”.
5) Sobre a participação nas políticas públicas e decisões sobre o território, foi enfatizado
que estas relações sempre apresentam condições impositivas, em detrimento de
apoio e escuta ativa. Neste contexto, foram relatadas como as relações com agentes
públicos – médicos, policiais, assistentes, pessoas que ocupam posições de poder –
são frequentemente autoritárias e punitivas, na medida em que reclamações,
questionamentos ou discordâncias geram retaliações no atendimento que recebem.
6) O tema da segurança, formulado como violência e insegurança, devido à situação de
conflito conflagrado em Manguinhos, permeou toda a oficina. Neste sentido, a
violência é tratada tanto como a questão mais urgente e prioritária, quanto o
problema para o qual não vislumbram solução prática viável, além de também
representar o principal impeditivo do desenvolvimento de demais áreas da vida na
comunidade, como educação, saúde, trabalho e renda, empreendedorismo,
urbanismo e serviços básicos.
7) Como consequência da “insegurança constante” em Manguinhos, os moradores
relataram diversos problemas, desde a interrupção do funcionamento dos Correios,
que tem uma central e depósito dentro do território, a dificuldade de encontrar
empregos, entregas de bens e eletrônicos, até questões como problemas de saúde
mental (pânico, paranoia, medo constante, exaustão, baixa autoestima, depressão) e
física (mortes e lesões violentas).
8) Um tema central nesta área, é o acesso à justiça e falta de canais de resolução de
conflitos e defesa de direitos, tanto entre moradores, quanto frente às empresas
privadas, concessionárias e ao próprio Estado, como abusos de poder policial ou
mesmo violências sofridas dentro ou fora do território, pois muitos moradores de
favelas não fazem denúncias formais à polícia por descrença e/ou para não sofrer
preconceito ou retaliação deles. Falta de amparo e assistência neste campo geral.

4.3.1.2.- Conclusões do GT de Cultura, Lazer e Esportes:

9) O problema não é falta de oferta e atividades culturais, mas como aumentar a


cobertura e a capilaridade. Existem iniciativas, mas os projetos chegam sempre
apenas para uma minoria. Projetos muito atomizados e poucos beneficiários e sem
sustentabilidade de longo prazo. Como expandir essas oportunidades? Como fazer
chegar a informação das que acontecem? Os participantes debateram opções para
melhorar isso que incluíram fortalecer o Fala Manguinhos e outras iniciativas de
comunicação comunitária.
10) Enfatizaram a necessidade de os projetos culturais e oportunidades socioculturais
serem atrelados à educação formal para ganhar institucionalidade e escala. “A cultura
não é valorizada ou priorizada na escola, não tem fácil acesso a coisas externas nem
muita divulgação interna das coisas”.

68
11) O fechamento da Biblioteca Parque causou uma perda enorme na dinâmica cultural
no território, perdeu-se acesso ao cinema, computadores com internet, livros e
revistas, outros materiais e a sociabilidade. Gerava uma série de benefícios, atividades
culturais, um espaço de lazer seguro, de qualidade. Havia um cadastro de
frequentadores (base de dados rica mal gerida e subaproveitada pelo Estado em
geral). O objetivo principal de investimentos públicos na Cultura e Lazer, segundo o
grupo, deveria ser dar suporte financeiro e técnico às iniciativas de interesse ou
execução local, e garantir a sustentabilidade dos equipamentos com emprego de
recursos para sua contínua utilização.
12) Significação da cultura como espaço ainda livre, democrático e próprio da sociedade
civil para expressão social local com a retratação e discussão de temas pertinentes.
13) Outra questão que surgiu atrelada ao tema do esporte foi a demanda por espaços que
também servem para o lazer, a sociabilidade e a cultura como praças públicas,
quadras poliesportivas e lugares para desenvolver e melhorar a qualidade a vida e
perspectivas de crianças, adolescentes, idosos, e adultos também.
14) O setor da cultura pode ter interfaces com trabalho e empreendedorismo em relação
à empregabilidade, desenvolvimento de capacidades, aquisição de conhecimentos
úteis.
15) O investimento nos equipamentos deve ser contínuo e estruturante, no sentido de
criar estabilidade e qualificação para profissionais e alunos atendidos. Fortalecimento
de rede das escolas com espaços culturais, mobilização de agendas e grupos locais
que mantenham compromisso social com esses espaços educacionais. Existem sim
saques da população e de grupos criminosos à bens públicos, mas porque não são
construídos de forma integrada, são locais que não tem respaldo cultural por trás que
gere uma valorização por parte da comunidade em geral, com exceções como a
Biblioteca.

4.3.1.3.- Conclusões d GT de Trabalho Formal, Ambulante e Empreendedorismo:

16) Preocupação com efeitos de reformas trabalhistas que gerem desincentivos para
o trabalho formal, uma vez que este é o que gera maior estabilidade para pessoas
vulneráveis. A maior parte da população de Manguinhos e outras favelas não tem
acesso ou qualificação suficiente para o trabalho formal, problemas com
educação de base, desenvolvimento de interesses e aptidões profissionais.
Desqualificação da educação para populações pobres, com profissionais
despreparados e desmotivados, que reproduzem padrões de exclusão.
17) Barreiras ao trabalho: preconceito pelo local de moradia, violência impeditiva do
ir e vir para o trabalho, educação de má qualidade e alto índice de evasão e falta
de incentivos e oportunidades profissionais ao longo da vida.
18) Trabalho e empreendedorismo atrelados à assistência social, onde foram
mencionadas a Clínica da Família (saúde) e a Casa do Trabalhador
(encaminhamento para empregos). Destacou-se que “não atendem a

69
comunidade toda, mas têm o potencial de funcionar. Seria necessário a ampliação
da atuação desses pontos, divulgação e sistematização do que oferecem. Podia
ter um centro eficiente que distribuísse e encaminhasse os cidadãos para todos
os setores públicos, acompanhamento familiar da comunidade”.
19) Empreendedorismo comunitário e economia solidária foram temas trazidos pelos
frequentadores e coordenadores de atividades na Casa do Trabalhador. “A cultura
do morador em não reconhecer as iniciativas e comércios locais, dificulta. Não
percebemos o potencial criativo e não dispomos de parceiros e projetos
estruturantes e permanentes que apoiem o desenvolvimento de atividades
econômicas locais”.
20) Comentando sobre a economia local e valorização dos negócios locais, uma
participante apontou que é difícil ainda porque o empreendedorismo em
Manguinhos começou a ter maior movimento a partir de 2008 com o influxo de
investimentos do PAC, da UPP, outras coisas. Em 2010, entraram com a UPP de
fato, e isso deu um empurrão empreendedor com alguns projetos que vieram
juntos. Deu exemplo pessoal, de que até projetos chegarem ao território não tinha
pensado que poderia gerar renda com coisas que produzia de artesanato.

4.3.1.4.- Conclusões do GT de Bem-estar (Educação, Saúde e Assistência):

21) Esvaziamento da Assistência Social em favor do financiamento e apoio dado às


igrejas, que ocupam esse espaço de acolhimento, tratamento e encaminhamento,
como questões de jovens e drogas, com apoio do Estado, enquanto as equipes e
canais laicos e públicos são desaparelhados.
22) Necessidade de credenciamento de atividades extracurriculares para os jovens e
adolescentes. Assinar horas complementares no currículo, pode ajudar em
oportunidades de estágio e primeiro emprego. Projetos autônomos em que nem
todos têm órgãos fiscalizadores que credenciem seus esforços em cursos,
atividades, projetos sociais voluntários, entre outras coisas. Seria importante ter
um órgão que juntasse, divulgasse e depois atestasse a sua participação em
projetos no território ou fora.
23) Sobre qualidade e modelo da educação, o grupo indicou que não há educação de
qualidade que se importe com o currículo formal e se esqueça da educação que
prepara o cidadão para o mundo.
24) Sobre as condições do ensino público no território, apontaram que é precário
porque muitos professores das escolas localizadas dentro ou próximas de
Manguinhos ainda não se atualizaram para seguir as tendências de uma educação
inovadora e que acredita no potencial dos nossos jovens e crianças.
25) Percepção da assistência social como campo de apoio por excelência para acessar
atendimentos diversos, via encaminhamentos, nas áreas específicas de saúde,
educação, justiça, entre outros.

70
26) Destacaram a demanda por uma Casa da Mulher como um espaço específico de
atendimento para tratar dos direitos da mulher, oportunidades de trabalho
formal e amparo para violências, dificuldades familiares e encaminhamentos. Para
valorizar o papel da mulher na comunidade e retornar com as atividades
fundamentais para o bem-estar e autoestima das moradoras de Manguinhos, “a
Casa da Mulher é importante porque funciona focada para assuntos específicos
deste grupo mais vulnerável”.
27) Sobre saúde, os moradores se mostraram preocupados com a falta de
informações, divulgação e conscientização sobre temas desta área, que julgam de
extrema importância. Entre os assuntos com poucas informações e graves
consequências, foi destacada a sexualidade
28) O tema da saúde também apareceu correlacionado com o saneamento e outros
serviços como a coleta de resíduos sólidos. Ambos, segundo os moradores, são
falhos, sendo o primeiro superestimado pelo Censo e de baixíssima qualidade,
sem tratamento correto e muitos esgotos clandestinos, enquanto o segundo, feito
oficialmente pela Comlurb, teria piorado após o encerramento do projeto Gari
Comunitário, que cumpria esta função antes.
29) Prevenção de problemas de saúde e impactos positivos nesta área também foram
mencionados como benefícios da oferta de esporte, lazer e cultura de qualidade
na comunidade.

4.3.1.5.- Conclusões do GT sobre Urbanismo, Moradia, Mobilidade e Serviços:

30) Foram destacados como principais desafios relacionados ao transporte e


mobilidade, a efetiva integração para facilitação e, sobretudo, diminuição de
preços, uma vez que o RioCard ou mesmo o Bilhete Único não funcionam devido
ao tempo disponível para baldeações e as diferentes concessionárias das redes de
metrô, trem, VLT, ônibus, etc.
31) Complementações necessárias que frequentemente encarecem os transportes
ainda incluem o moto-táxi, além da perda de opções mais adaptadas aos trajetos
comuns para moradores da comunidade com a proibição das vans.
32) Para pedestres, principalmente, existe uma correlação direta entre mobilidade e
urbanismo, na medida em que seus trajetos e possibilidades de locomoção
interna são limitadas pelo estreitamento irregular e fechamento de vielas. Retrato
da ordenação urbanística como caótica, com construções irregulares fechando
vielas, estreitando passagens e afetando a mobilidade de pedestres, motos e
bicicletas. Falta de conectividade e facilidade em circular pela comunidade.
33) Em geral, o saneamento apesar de tantas verbas investidas, é zero. Questão do
saneamento teve debate contextualizado pela comparação entre o conhecimento
local dos moradores sobre a rede e os dados do Censo 2010, que apontam para
índices próximos de 90% da presença da rede de esgoto nos domicílios de
Manguinhos.

71
34) Os moradores indicaram a Refinaria de Manguinhos como ponto de poluição e
degradação ambiental. Rios canalizados ou não estão muito degradados.
Agravante consiste em que esses rios cortam o território e, portanto, eles
constituem um foco de problemas de saúde e meio ambiente para a população.

Os 34 pontos até aqui descritos, são o resultado da interação com representantes e moradores
da comunidade de Manguinhos. Os mesmos não constituem uma Agenda Programática de
Desenvolvimento Sustentável (APDS-Manguinhos) completa, mas os insumos suficientes que
expressam a vontade e a visão sobre os problemas e travas que precisam ser removidas para trilhar o
caminho do desenvolvimento do território.

Essa agenda programática de desenvolvimento sustentável para Manguinhos precisa superar


três grandes desafios:

a) Desafio técnico: A partir dos 34 pontos é necessário estabelecer uma linha-base, definir
metas (curto, médio e longo prazo), desenhar as atividades necessárias e o cronograma
para a resolução das travas mencionadas. O IPF Manguinhos é a ferramenta central para
este desafio técnico, ainda que o desenvolvimento do IPF ainda precisa cumprir outras
etapas para o seu pleno funcionamento.
b) Desafio de inclusão: A inclusão de outros atores na comunidade de Manguinhos é uma
necessidade urgente para o empoderamento da comunidade em torno desta agenda. Essa
inclusão não é apenas para obter maior consenso e apoio político-institucional, a mesma
tem um papel estruturante na medida em que o consenso eficaz se alcança distribuindo
atribuições e funções a todos os participantes. Com certeza, esse processo de inclusão
alterará a agenda de forma substantiva no sentido em que outros temas serão
considerados e reformulados. Finalmente, o processo de inclusão precisa de uma
governança estruturada que permita a participação institucional, mas principalmente
territorial devido à extensão geográfica de Manguinhos.
c) Desafio de pactuação com atores externos ao território: Superados os dois desafios
anteriores, a pactuação com o poder público em todas as suas instâncias (federal, estadual
e municipal), com outras organizações relevantes e com o setor privado permitirá
transformar a agenda em plano de ações que inclui o financiamento. Naturalmente, que
a pactuação implica em negociação e, portanto, a agenda pode experimentar alterações.
Porém, o elemento central nesta pactuação é manter os canais de comunicação fluidos
com os atores no território ao longo de todo o processo.

Os desafios acima colocados, os temas que servem como insumo para a construção de agenda
programática de desenvolvimento sustentável de Manguinhos e a proposta do IPF para o território
compõem um conjunto de vetores que podem vir a ser trabalhados não apenas para Manguinhos,
mas também para outros territórios urbanos vulneráveis.

72
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