TCC - Nathan Furlan Valente
TCC - Nathan Furlan Valente
TCC - Nathan Furlan Valente
SANTOS 2017
NATHAN FURLAN VALENTE
SANTOS 2017
NATHAN FURLAN VALENTE
Banca Examinadora
_________________________________________________________
Prof. Me. Cibele Palopoli -- Universidade Catlica de Santos - Unisantos
_________________________________________________________
Prof. Me. Ricardo Cardim de Cerqueira - Universidade Catlica de Santos -
Unisantos
SANTOS 2017
VALENTE, Nathan. chorando que se aprende: o Choro na educao musical
e social. Santos, 2017, 134 p. (Trabalho de Concluso de Curso) Universidade
Catlica de Santos.
Embora venha de uma tradio oral, o ensino do Choro tem sido sistematizado
e utilizado como ferramenta de aprendizado musical. O presente trabalho
estudou a metodologia usada por escolas de Msica que tem o Choro como
principal gnero em sua formao e que tambm trabalhem com a formao
social e da cidadania interligadas com o quesito musical. Foram estudadas as
instituies: Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello (Braslia); Escola
Porttil de Msica (Rio de Janeiro) e a Escola de Choro e Cidadania Luizinho 7
Cordas (Santos-SP). Este trabalho justifica-se por sistematizar e entender as
maneiras que o gnero Choro vem sendo ensinado. A metodologia se deu por
meio de levantamento e estudo bibliogrfico de livros, dissertaes, teses,
artigos, filmes e vdeos j feitos sobre o assunto, alm de entrevistas com
professores das citadas instituies, visando entender seus mtodos e pontos
de vista sobre o projeto nos quais esto inseridos e compreender como o Choro
e toda sua tradio dialoga com a vida dos alunos atendidos. O resultado obtido
foi o entendimento dos mecanismos de funcionamento dos projetos sociais que
usam a msica e a cultura do Choro como meio de educao musical e social
para crianas e jovens.
Introduo.......................................................................................................6
Concluso.....................................................................................................39
Referncias bibliogrficas...........................................................................41
Apndices.....................................................................................................44
Introduo
1
Baixarias so fraseados executados geralmente pelo violo 7 cordas, oriundos originalmente
dos contrapontos realizados no saxofone tenor por Pixinguinha, sendo uma das caractersticas
mais evidentes do Choro.
2
O autor deste trabalho foi professor do Projeto Msica e Cidadania entre os meses de agosto
de 2016 a julho de 2017 ministrando aulas de violo 6 cordas.
Cap. 1: O Choro:
origens histricas e caractersticas musicais
10
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13
[...]
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15
6
Neste e nos prximos captulos, trabalharemos com as entrevistas realizadas com os
professores das escolas abordadas. As transcries na ntegra, encontram-se nos apndices
deste trabalho.
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20
Tab. 1: Repertrio indicado aos cursos de instrumento iniciantes da Escola de Choro Raphael
Rabelo.
Fazendo uma anlise (Tab. 2), podemos observar uma cautelosa escolha
nas 14 obras selecionadas: tratam-se de peas com poucos acidentes na
armadura de clave, muito embora todas as msicas tenham permanecido na
tonalidade original. Em entrevista realizada por ns com Henrique Neto, o
professor corrobora com nossa observao, afirmando que, alm do cuidado
com as tonalidades, foram, por vezes, realizadas adaptaes nos ritmos das
peas e simplificao dos acordes visando facilitar a execuo dos estudantes.
21
TONALIDADE QUANTIDADE
DE PEAS
C 8
Am 1
F 1
Dm 2
D 2
TOTAL 14
Tab. 2: Tonalidade das peas selecionadas no repertrio indicado aos cursos de instrumento
iniciantes da Escola de Choro Raphael Rabelo.
TONALIDADE QUANTIDADE
DE PEAS
F 2
Dm 6
G 5
TOTAL 13
Tab. 4: Tonalidade das peas selecionadas no repertrio indicado aos cursos de instrumento
intermedirios da Escola de Choro Raphael Rabelo.
22
Fig. 1: Uma das rodas de Choro que acontecem mensalmente no Clube do Choro de Braslia.
(CLUBE, 2015: s.n.).
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maior toda escola e ementa proposta, onde cada professor pode dizer como
coloca em prtica o seu ensino e como a sua metodologia de trabalho. Alm
disso, Henrique Neto comenta sobre a importncia da liberdade de adaptao
do contedo proposto e do repertrio maneira de cada professor ensinar,
colocando sua experincia como elemento agregador a esse processo.
24
Todos os cursos contam com uma aula terica e uma aula prtica
semanal, contendo 50 minutos de durao cada uma, a durao varia
dependendo do curso, cada mdulo corresponde a um semestre de formao.
Os pr-requisitos para ingresso nos cursos iniciantes so inexistentes e para
passar de um modulo para outro exigido que o aluno demonstre
conhecimentos vistos no ltimo semestre e toque o repertrio aprendido. O valor
dos cursos de R$ 142,00 mensais.
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26
27
Todos os cursos contam com uma aula de apreciao musical e uma aula
do instrumento, contendo 50 minutos de durao cada uma. A durao varia
dependendo do curso, cada mdulo corresponde a 15 aulas ou 4 meses de
curso. O processo seletivo para ingresso na Escola Porttil de Msica feito
atravs de entrevistas para medir o desempenho do candidato no instrumento,
seu nvel de musicalidade e o interesse no curso. O valor dos cursos de
instrumento musical de R$ 430,00 semestrais, para cursos de canto (canto e
canto coral) de R$ 540,00 semestrais e para cursos infantis (musicalizao
infantil e violo para crianas), o valor de R$ 270,00 semestrais. So oferecidas
bolsas para alunos que, com uma comprovao de renda, mostrem que no so
capazes de efetuar o pagamento.
28
7
Nessa capitulo trataremos apenas sobre a Escola de Choro Luizinho 7 Cordas, vinculada ao
Clube do Choro de Santos. Para saber mais sobre o Choro no estado de So Paulo, consulte o
livro: Chorando na Garoa: memrias musicais de So Paulo (AMARAL JNIOR, 2013) e a
dissertao O Clube do Choro de So Paulo: arquivo e memria da msica popular na
dcada de 1970 (SOUSA, 2009).
29
30
Fig. 4: Oficina com Dinho Nogueira e Z Barbeiro que ocorreu dia 26 de abril de 2017
na Escola Estadual Barnab. (CLUBE, 2016: s.n.).
31
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33
Fig. 6: Matria sobre o Projeto Msica e Cidadania, vinculada pelo Jornal A Tribuna do
dia 20 de novembro de 2016.
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36
Bandolim - Aperfeioamento
Professores:
Monteiro Filho
Cavaquinho - Aperfeioamento
Professores:
Flauta - Aperfeioamento
Professores:
Edson da Silva
Piano - Iniciante
Professores:
Mariana Fernandes
37
Marcelo Amazonas
Theo Cancello
Lucas Paini
Mariana Fernandes
Nathan Valente
Nathan Valente
38
Concluso
39
Alm das matrias da grade tambm foi citado com grande importncia a
audio atenta e sistemtica das gravaes referncias do gnero, adquirindo
assim repertrio sonoro e buscando compreender a linguagem do Choro.
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Referncias bibliogrficas
41
42
43
Apndices
Acordeon
Professores:
Sivuquinha
Ementa:
44
Bandolim
Professores:
Felipe Nunes
Ementa:
45
Cavaquinho
Professores:
Leonardo Benon
Marcio Marinho
William Ribeiro
Ementa:
46
Clarinete
Professores:
Ivaldo Gadelha
Ementa:
47
Flauta Transversal
Professores:
Srgio Morais
Ementa:
48
Gaita Cromtica
Professores:
Rafael Alabarce
Pablo Fagundes
Ementa:
49
1o Semestre
50
Arpejos e acordes
13. Valsinha
Exerccios de trades diatnicas C maior
14 Naquela Mesa
Exerccios de trades diatnicas C maior
15 Naquela Mesa
Exerccios de ttrades diatnicas C maior
16 Urub Malandro
Exerccios de trades diatnicas C maior
- Reviso dos exerccios tcnicos
17 Avaliao Final.
2o Semestre
1. Tonalidade menor
Formao de escalas
Campo harmnico
Arpejos e acordes
2. As rosas no falam
Exerccio tcnico 1 Graus conjuntos G maior
3. As rosas no falam
Exerccio tcnico 2 Graus conjuntos G maior
4. Preciso me encontrar
Exerccio tcnico 3 Graus conjuntos G maior
5. Preciso me encontrar
Exerccio tcnico 4 Graus conjuntos G maior
6. Flor amorosa
Exerccio 1 Teras diatnicas G maior
7. Flor Amorosa
Exerccio 2 Teras diatnicas G maior
8. Carinhoso
Exerccios de Trades diatnicas G maior
9. Carinhoso
Exerccios de Trades diatnicas G maior
10. Pedacinho do Cu
51
3oSemestre
52
9. Naquele Tempo
Reviso dos exerccios tcnicos
10. Prtica de improvisao aplicando os exerccios
Reviso de repertrio
11. Primeira avaliao
Audio dos exerccios e msicas
12. Receita de samba
Exerccio tcnico 1 Graus conjuntos F maior
13. Receita de samba
Exerccio tcnico 2 Graus conjuntos F maior
14. Carioquinhas
Exerccio tcnico 3 Graus conjuntos F maior
15. Carioquinhas
Exerccio tcnico 4 Graus conjuntos F maior
16. Vou vivendo
Reviso de exerccios tcnicos
- Reviso de repertrio
17. Avaliao final
4o Semestre
53
5o Semestre
54
5. Reviso de repertrio
Exerccios de Teras, Trades e Ttrades diatnicas em Bb maior
6. Aquarela na Quixaba
Exerccios tcnicos de graus conjuntos diatnicos E maior
7. Assanhado
Exerccios de Teras, Trades e Ttrades diatnicas em E maior
Reviso dos exerccios tcnicos
8. Tico-Tico no Fub
Exerccios tcnicos de graus conjuntos diatnicos Eb maior
Reviso dos exerccios tcnicos
9. Reviso de Repertrio
Exerccios de Teras, Trades e Ttrades diatnicas em Eb maior
10. Roda tocando o repertrio
Exerccio tcnico 2 Graus conjuntos A maior
Prtica de improvisao aplicando os exerccios
11. Primeira avaliao
Audio dos exerccios e msicas
12. Ternura
Exerccios tcnicos de graus conjuntos diatnicos B maior
13. Um a zero
Exerccios de Teras, Trades e Ttrades diatnicas em B maior
14. Migalhas de amor
Exerccios cromticos Exerccios em quarta
15. Cochichando
Reviso de repertrio
Exerccios tcnicos de graus conjuntos diatnicos Ab maior
16. Roda tocando o repertrio
Exerccios de teras, trades e ttrades diatnicas em Ab maior
Reviso dos exerccios tcnicos
17. Avaliao final
Pandeiro
55
Professores:
Jnior Viegas
Ementa:
56
Percusso
Professores:
Gabriel Carneiro
Ementa:
B3: Introduo aos ritmos Nordestinos (xote, baio, forr, xaxado, rastap
e frevo). Ter conhecimento histrico dos instrumentos e sua importncia para o
estilo musical. Ritmos utilizados nesse primeiro nvel: xote, baio e xaxado.
Aprender a tocar os instrumentos Surdo (Zabumba), Tringulo, Agog, Ganz e
57
58
Sax Alto/Tenor
Professores:
Felipe Vieira
Ementa:
59
Viola Caipira
Professores:
Pedro Vaz
Ementa:
Postura
Tcnicas bsicas.
1: Escalas duetadas
Principais Acordes
60
Principio da transposio.
61
Leitura de Partitura.
Violo 6 cordas
Professores:
Danilo Martins
George Costa
Larcio Pimentel
Tiago Joo
Ementa:
62
Violo 7 Cordas
Professores:
Fernando Csar
Larcio Pimentel
Vinicius Magalhes
63
Violino
Professores:
No informado
Ementa:
Cajn
Professores:
64
No informado
65
Bandolim
Professores:
Pedro Amorim
Maycon Jlio
Bateria
Professores:
Oscar Bolo
Ementa: Nivel I:
1. Independncia
66
Nivel II e III:
Choro, Maxixe, Polca, Valsa brasileira, Dobrado, e Gneros Nordestinos.
Canto
Professores:
Amlia Rabello
Canto Coral
Professores:
67
Ignez Perdigo
Ruy Oliveira
Evelyne Garcia
Pr-requisitos:
Cavaquinho
Professores:
Luciana Rabello
Jayme Vignoli
Ana Rabello
Lucas Souza
68
Nvel I
Nvel bsico para iniciantes. Acordes bsicos, estudo de cifras. Treinamento de
ritmos elementares.
Nvel II
Introduo do repertrio clssico de choro. Harmonia bsica no instrumento.
Treinamento de ritmos para acompanhamento de gneros como polca,
schottisch, tango, choro, samba, valsa.
Nvel III
Estudo de escalas, arpejos, tcnica de mo direita. Harmonia avanada no
instrumento. Ampliao de repertrio.
Clarinete / Saxofone
Professores:
Pedro Paes
Rui Alvim
69
Nvel I (Iniciante)
Respirao, postura, embocadura e sonoridade, aplicados a repertrio de nvel
tcnico bsico. Noes elementares de palhetas e boquilhas.
Nvel II (Intermedirio)
Percepo meldica no clarinete, escalas, arpejos, articulao, ornamentao e
recursos expressivos, aplicados a repertrio de nvel tcnico mdio. Iniciao a
leitura de cifras, campos harmnicos e tcnicas de memorizao e construo
de repertrio.
Contrabaixo acstico
Professores:
Jorge Oscar
70
Flauta
Professores:
Naomi Kumamoto
Antonio Rocha
Maria Souto
Nvel I (Iniciantes)
Respirao, postura, embocadura e sonoridade, aplicados a repertrio de nvel
tcnico bsico.
Nvel II (Intermedirio)
Percepo meldica no instrumento, escalas, arpejos, articulao,
ornamentao e recursos expressivos, aplicados a repertrio de nvel tcnico
mdio. Tcnicas de memorizao e construo de repertrio.
71
Musicalizao Infantil
Professores:
Paula Borghi
Pr-requisitos:
Pandeiro
Professores:
Celsinho Silva
Gabriel Leite
Eduardo Silva
72
Percusso
Professores:
Magno Julio
Marcus Thadeu
Ementa: Percusso I
Voltado para aqueles que esto comeando, serve como preparatrio para quem
quer ingressar no curso de Percusso futuramente. Sero vistas questes
tcnicas para domnio da caixa, dos pratos, do bumbo e de outros instrumentos
que fazem parte do universo do choro.
Percusso II
Choro, Maxixe, Polca, Valsa Brasileira, Marchinha, Dobrado, Samba e Gneros
nordestinos.
73
Piano
Professores:
Evelyne Garcia
Fernando Leitzke
Professores:
Thiago Osrio
74
Trompete
Professores:
Nailson Simes
Nvel I
Parte fsica: respirao, embocadura, dedilhado, afinao. Domnio do
instrumento: escala cromtica, modo maior e menor natural (at duas
alteraes), extenso mnima de 14 (a partir do F#2), articulao bsica (ligado
e destacado)
Nvel II
Aspectos tcnicos: Parte fsica: respirao, embocadura, dedilhado, afinao,
resistncia. Domnio do instrumento: escala cromtica, escala/arpejo no modo
maior e menor natural e harmnico (at cinco alteraes), extenso mnima de
duas oitavas, articulao bsica (ligado e destacado), dinmica em suas
diferentes vertentes.
Nvel III
Parte fsica: respirao, embocadura, dedilhado, afinao, resistncia. Domnio
do instrumento: escala cromtica, escala de tons inteiros, escala/arpejo no modo
maior e menor natural, harmnico e meldico (todos os tons), extenso (F#2 a
R5) articulao bsica (ligado e destacado), dinmica em suas diferentes
vertentes.
75
Violo
Professores:
Mauricio Carrilho
Paulo Arago
Anna Paes
Luiz Flavio
Flavio Alcofra
Lucas Porto
Marlon Jlio
Glauber Seixas
Iuri Bittar
76
Violo Contraponto
Professores:
Julio Pinheiro
Rafael Mallmith
77
Professores:
Paula Borghi
78
FC: Minha famlia uma famlia musical, meu bisav era um seresteiro bomio,
meu av foi trompetista mestre de banda, meu pai um militar mas sempre tocou
e foi um msico amador tocando desde adolescente nas bandas, tocou bateria,
contrabaixo, violonista, em casa sempre teve ou piano, ou rgo, e meu tio, o
irmo dele, era saxofonista dos fuzileiros navais, o nosso aprendizado, tanto o
meu como o do meu irmo8, foi ouvindo os discos que meu pai comprava e ele
comeou a frequentar o Clube do Choro quando a gente foi pra Braslia, em
1977, e o Clube foi fundado nesse ano, em 1979 ele j estava frequentando o
Clube e, encantado, comeou a tocar muito disco de Choro, comprou
cavaquinho, e era sempre os discos que ele estava ouvindo em casa e tocando,
tirando de ouvido, aquela coisa da tradio oral do Choro, e foi assim que a gente
comeou, os instrumentos ali sempre disponveis em casa, e a gente comeou
a mexer nos instrumentos, esse foi o incio da formao, eu comecei a tocar
8
Fernando Csar irmo do renomado bandolinista e compositor Hamilton de Holanda.
79
cavaquinho mas logo em seguida passei para o 7 cordas e fui sempre com o
meu pai me ensinando, a partir de um determinado momento eu fui estudar na
escola de msica de Braslia para aprender a ler, formalizar o aprendizado, na
escola eu estudei flauta doce, estudei violino, violoncelo, obo, tinha uma regra
na escola que os instrumentos mais concorridos eram o violo e o piano, e eu
queria pegar o violo e nunca consegui, ento acabei saindo da escola um tempo
depois, no cheguei a me formar l, mas aquela vivncia foi muito importante,
depois comecei a estudar com o Everaldo [Pinheiro], um grande violonista do
Par que j morava em Braslia h um bom tempo, vindo do eixo Rio-So Paulo,
ele tocou um tempo com o Jhonny Alf e um grande mestre do violo, um cara
que sabe tudo sobre violo, no era do Choro mas um cara do violo, antenado
em tudo que msica, um grande msico, ele foi um cara que participou da
minha formao, acabei fazendo vestibular de outra coisa que no era msica,
me formei em Cincias Contbeis, trabalhei em banco, paralelo msica,
sempre gravando, viajando e fazendo shows e em 2001 eu decidi me dedicar
exclusivamente msica.
NV: E como se deu a sua relao em si com o Choro, quando voc decidiu
que seguiria uma carreira tocando Choro?
FC: Comeou ouvindo os discos que meu pai tinha em casa, nessa questo dos
discos eu me lembro bem na minha infncia, com 3, 4 anos, a partir da eu j
lembro muito dos discos, ainda no eram os discos de Choro mas sempre teve
muitos discos em casa e do Choro especificamente nesse incio era muita coisa,
no tinha algo marcante, foi marcando depois, ao longo do perodo, alguns
discos foram marcando como o Vibraes, o disco dos Carioquinhas, depois o
Mistura e Manda do Paulo Moura, Inditos de Jacob com Do Rian, o disco do
Abel Ferreira, Brasil sax clarineta, so discos fortes que foram marcando e o
choro, o grande instrumentista e referncia foi o Dino, o violo dele sempre me
encantou e eu acho que a admirao por ele e pelo jeito dele tocar muito forte,
o violo tocado pelo Dino, toda a concepo e histria , no s nos discos de
Choro, mas tudo que ele fez e eu ouvi, foi uma coisa muita forte, uma atrao
por aquele som, aquele maneira de tocar, e eu chego a concluso que depois
da morte do Jacob [do Bandolim], o Dino assumiu a posio de maior
80
FC: Sou professor da escola desde 2002, de 2004 a 2011 eu acumulei a funo
de coordenador geral da escola, e de 2011 para c eu sou coordenador de
violo, um projeto realmente diferenciado e muito importante para a cultura
brasileira e para o Choro principalmente, para mim uma coisa muito importante,
talvez tenha sido a minha maior motivao para no sair de Braslia, ajudar
outras pessoas a tocar Choro, principalmente crianas e adolescentes, foi uma
coisa que eu no tive na minha poca, no tive uma pessoa que ensinasse
Choro, acho que teria sido muito mais fcil se tivessem chores ensinando
Choro, como hoje acontece em Braslia, no Rio de Janeiro, no Recife, em vrios
lugares do Brasil.
81
FC: Tudo depende do aluno, aonde o aluno quer chegar, que nvel de
conhecimento ele j tem, se ele quer aprender a ler partitura ou no, na Escola
de Choro a coisa foi caindo para o lado de ensinar os alunos a lerem porque a
gente no conseguia imaginar que em uma escola, no incio com 200 alunos que
foi crescendo at ter mais de mil alunos como hoje, todos terem um bom
ouvido, j desenvolvido, para a gente ir tentando passar as coisas pela tradio
oral, ento acho que ficaria muito difcil isso acontecer nas aulas em grupo, por
isso optou-se por ensinar a ler partitura, mas em um determinado momento isso
deixado de lado, eu e a escola focamos muito em repertrio, toda a dificuldade
e necessidade que o choro precisa est dentro de um Choro, ento voc vai
estudar o choro e as dificuldade que aquele Choro tem para cada um, encontrou
uma dificuldade, para-se nela e ela vira um estudo, vai repetir vrias vezes
aquele trecho, colocar no metrnomo, entender meldica e harmonicamente o
que est acontecendo, o foco principal no meu ver e o que eu utilizo formao
de repertrio que foi uma coisa que eu tive na minha formao, de tocar junto
todo dia e ir formando um repertrio.
FC: difcil dizer, pois o ensino do Choro uma coisa muito recente e por ser
recente a gente tem pouco material didtico, ento tem estar sempre produzindo
82
FC: Os iniciantes sempre so algo bem mais complexo, primeiro porque eles vo
precisar ter o incio da mecnica no instrumento, falando do violo algo bem
complexo, ento ele vai ter que estudar um pouco de tcnica, aquela coisa
bsica do violo mesmo, costumo sempre usar aqueles exerccios bsicos de
violo erudito, Tarrega, Carulli, Isaias Savio e essas coisas tradicionais de violo
para o aluno comear a ter a mecnica do instrumento, a entramos na seara de
formao de acordes, mas s no copia e cola, olha como monta o acorde,
decora o nome e faz, depois estudar o mecanismo da troca de acordes, os
encadeamentos, fazendo tudo isso mecanicamente e, paralelo a isso, sempre
trabalhando a audio, mostrando Choros e incentivando eles a ouvirem, a partir
da a gente precisa de um repertrio que seja compatvel com o nvel tcnico
desses alunos, ento no tem como a gente passar Choros, que geralmente j
tem uma complexidade muito maior, ento a gente comea com umas coisas
mais simples, algumas coisas do cancioneiro brasileiro, sempre procurando
facilitar a harmonia, depois de certa evoluo comea a colocar inverses, a
partir da uns baixos de ligao, at chegar em uma linha de baixaria mais
completa, ento a gente comea com msicas simples, Luar do serto, Eu no
existo sem voc, As rosas no falam, Valsinha do Chico Buarque, algumas
valsas do cancioneiro mesmo, mais ou menos por esse lado que caminha o
trabalho com iniciantes.
83
NV: Agora dentro dessa viso social que a gente trabalha, nos projetos,
nas escolas, como voc lida com a questo disciplinar dos alunos? Por
exemplo, alunos em situao delicada socialmente que atrapalham aulas
ou alunos com facilidade musical, porm com mau comportamento.
FC: Na verdade, eu nunca tive esses problemas dentro da escola, tudo sempre
aconteceu tranquilamente com os alunos, em qualquer nvel social.
NV: De modo geral, como voc acha que deve ser a grade de uma escola
especifica de Choro e os assuntos primordiais que devem ser abordados?
FC: Acho importante ter solfejo e leitura rtmica inicialmente s isso e por um
bom perodo para que os alunos consigam desenvolver essa habilidade, as aulas
de instrumento, logicamente, apreciao de Choro, histria do Choro, aula de
composio, como compor e aula de arranjo, acho que so essas as primordiais,
ento acho que nos 4 primeiros semestres aulas de leitura rtmica, solfejo,
histria e apreciao do Choro e aulas do instrumento, depois desenvolveria a
teoria, arranjo e composio.
84
NV: Quanto tempo voc acredita que deve durar o curso para a formao
de uma base solida?
FC: Isso depende muito do formato da escola, mas uma aula semanal de
cinquenta minutos a uma hora o suficiente para o aluno absorver as
informaes e durante a semana estudar, acho que no mais que isso, agora a
carga do resto da grade difcil mensurar sem ter essa experincia, l na Escola
de Choro uma aula de instrumento e uma terica, de cinquenta minutos por
semana e dependendo da quantidade de disciplinas aumenta, agora l na escola
tem aula de histria do Choro para os alunos iniciantes que so mais cinquenta
minutos, ento so trs matrias, cada matria com cinquenta minutos, mas
acho que no pode ultrapassar de trs seno sobrecarrega o aluno.
NV: Qual idade voc considera ideal para iniciar no aprendizado do Choro?
FC: Acho que quanto mais cedo, melhor. A educao musical antes de uma
formalidade em uma escola especifica de msica tinha que vir das escolas, acho
que isso tem que vir desde cedo mesmo, difcil montar um esquema de como
fazer isso mas tem que ser desde sempre, no s do Choro, mas da msica,
especfico ao Choro eu acho difcil mensurar, mas quanto mais cedo a criana
tiver contato com a msica, melhor.
85
NV: Voc acredita que a vivncia no contexto social que o Choro propicia
ajuda no desenvolvimento pessoal dos estudantes, em outras palavras, a
roda de Choro ajuda a formar um carter?
FC: Com certeza ajuda, sem dvida, a roda de Choro um lugar que tem seus
cdigos de conduta, o respeito pelo mais velho, voc seguir um determinado
repertrio dependendo de quem estiver na roda, o respeito a essas pessoas que
esto na roda, tambm tem possibilidade do cara tocar alguma coisa para
derrubar quem est na roda e isso pode ser uma coisa na brincadeira mas pode
ser uma coisa na sacanagem tambm, com esse intuito e pode ser que se for
nesse intuito essa pessoa seja repreendida por outras que esto ali na roda ou
que algum dia ela aprenda que aquilo ali ele fez no deveria ter feito. Eu tenho
um exemplo, em uma roda na minha casa com presena de vrios msicos
grandes chores que estavam em Braslia participando de um show e que eu
estava participando com meu irmo, isso eu era criana, tinha treze anos e nessa
roda eu fui tocar uma msica no cavaquinho, era uma msica recente do Waldir
86
Azevedo chamada Luz e sombra, tinha acabado de sair o disco que era do
Canhotinho, e eu fui tocar essa msica e esses chores que estavam na roda
ainda no conheciam e ela comea com uma modulao inesperada logo no
segundo acorde ento j comeou derrubando os meus dolos e foi uma coisa
que eu aprendi ali, que isso no se deve fazer, eu no fiz por mal, achava que
eles saberiam tocar essas msicas e acabei derrubando meus dolos ali.
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NV: Como voc descobriu o Choro? Eu sei que o Choro, por conta do seu
pai, sempre esteve presente na sua vida, mas quando voc pensou em se
profissionalizar?
88
HN: Minha relao desde sempre, comecei como aluno, fiz aulas com alguns
professores e isso deve ser mais ou menos no ano de 2000, 2001. Por estar
fazendo mestrado fora, o Pablo Fagundes assumiu a coordenao, mas eu fiquei
cinco anos na coordenao aproximadamente e j dei aula l tambm durante
dez anos, dos meus vinte at meus trinta anos, ento foi um grande aprendizado,
inclusive ter desenvolvido a metodologia de ensino que eu escrevi, foi muito
baseado nas aulas, na experincia que eu adquiri ali com os alunos no dia a dia,
vendo como que funcionava certas coisas, respondendo perguntas que eu
sabia intuitivamente mas eu tinha que buscar explicao, porque a gente sabe
que o ensino do Choro realmente de uma maneira oral, a gente tira de ouvido,
o conhecimento adquirido de uma maneira intuitiva e eu precisei sistematizar
esse raciocnio, para que os alunos pudessem entender, ento essa vivncia foi
fundamental para poder ter refinado e ter chegado no ponto que eu cheguei, para
escrever esse livro: o Manual do Choro10.
NV: Sobre o Manual do Choro, eu queria que voc falasse mais sobre ele,
na apresentao voc diz que o intuito do livro sistematizar o ensino do
Choro sem lhe roubar a espontaneidade, em uma rea com msicos de
10
O Manual do Choro um mtodo idealizado por Henrique Neto e Eduardo Maia Venturini
(Dudu Maia), lanado em 2017. Ambos atuaram como professores na Escola de Choro Raphael
Rabello e desenvolveram esse material didtico para uma sistematizao do ensino da
linguagem do Choro.
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HN: Pois , esse foi um desafio grande realmente porqu do jeito que eu aprendi
foi totalmente diferente, e a gente est iniciando um novo referencial, de ensinar
o Choro de uma maneira mais sistematizada, a gente buscou, se no sanar, pelo
menos amenizar essa barreira, primeiramente com o CD de udio porque a
gente considera que indispensvel saber interpretar uma partitura, a pessoa
precisa ter a bagagem musical, um vocabulrio sonoro que ela s adquire
realmente com a escuta, ento exemplificamos todos os exerccios com os
udios, assim o aluno vai poder entender sonoramente como se interpreta cada
um dos trechos, buscamos tambm no ficar fazendo uma coisa somente
terica, se preocupando muito com isso, a gente deu os nomes essenciais para
por exemplo, trechos harmnicos e funes harmnicas de alguns acordes. Isso
a a gente realmente no tinha como abrir mo porque facilita inclusive quando
voc d nome aos bois, como a gente chama, mas sem ficar entrando no mrito
das questes. Ento a gente buscou dentro desses quase 140 choros analisados
buscar pontos em comum, da convergncia dessas msicas para identificar as
recorrncias, o que que faz o Choro soar como Choro, tanto na parte harmnica,
como na parte meldica, na parte das baixarias, tomando como base as grandes
referncias: Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Jacob do Bandolim,
Pixinguinha.
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gente consiga dar unidade toda a escola e ementa proposta, ento a gente
pode conectar os professores e cada um dizer como faz o seu ensino, como a
sua metodologia, isso muito rico porque cada um vai adaptando para o seu
universo e quando ele devolve essa experincia, ele j devolve de uma maneira
diferente, esse que eu acho um dos maiores desafios, a falta de um caminho a
seguir, se voc pega a escola Clssica, tem aqueles estudos de mo direita, mo
esquerda, posicionamento da mo, o repertrio bsico j definido, a gente teve
que fazer desde a seleo do material at adaptar alguns exerccios, a nossa
pretenso ensinar os instrumentos no nvel bsico com um repertrio de Choro,
trazer para nossa realidade, com o nosso repertrio e tudo, ento a estruturao
de uma metodologia que contemple a msica brasileira e que ensine msica, os
elementos bsicos e tcnicos um desafio.
HN: Ela tem que ser adaptada, a linguagem do Choro muito difcil tecnicamente
para ser tocada, e na verdade o Choro abrange vrios estilos, a gente por
exemplo pode tocar um samba cano, na nossa escola a gente adapta o
repertrio para umas msicas um pouco mais simples, e mesmo quando vai
tocar algum Choro simplificamos os acordes inicialmente, as melodias fazemos
elas mais retinhas, sem tanta sncope, de fato fazemos isso, porque eu no
acredito que isso vai descaracterizar, na verdade estamos tornando mais
acessvel. como voc pegar tambm o Songbook do Tom Jobim ou o Real
Book do Jazz, as melodias so todas simplificadas, porque a inteno o prprio
intrprete dar a sua contribuio, aquilo ali s uma base, e como a gente est
lidando com iniciantes, eles j vo se aproximando do repertrio, a gente
tambm sempre estimula que eles escutem as gravaes originais para eles
terem essa bagagem sonora, esse vocabulrio sonoro registrado, e aos
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HN: O Choro, na minha viso, alm de uma linguagem musical, significa vrios
smbolos, assim como tem a galera do Rock, a galera do Samba, o pessoal do
Choro se identifica por umas certas linguagens e expresses, tem uma srie de
smbolos que as pessoas se reconhecem quando voc fala que do Choro,
uma coisa que realmente envolve muitas coisas, pensando na questo da funo
social, buscamos na escola inserir muita gente no mbito do Choro, tanto que
20% dos nossos alunos so bolsistas e a gente tambm d uma oportunidade
ali no Clube do Choro para j dar o pontap inicial na carreira de muitos novos
alunos, ento a gente tem um projeto chamado Prata da casa que disponibiliza
o palco para o pessoal que t saindo da escola comear a entrar no mercado,
ento muitos deles j esto tocando profissionalmente, muitos alunos que saem
da nossa escola esto tendo uma vida voltada para a cultura e eu acho que a
funo social disso tambm voc se apropriar da sua cultura, estamos fazendo
com que muita gente jovem conhea sua msica, os compositores que esto
fora da mdia, ento eu acho que isso uma funo na verdade que seria do
Estado, voc manter a cultura, o patrimnio cultural do seu pas e a gente est
atuando, no s a gente l no Clube do Choro de Braslia, Escola de Braslia,
mas tambm pessoal do Rio de Janeiro, vocs a em Santos, tem muita gente
que est se empenhando para que essa msica chegue em cada vez mais para
as prximas geraes.
NV: Agora dentro dessa viso social que a gente trabalha, nos projetos,
nas escolas, como voc lida com a questo disciplinar dos alunos? Por
exemplo, alunos em situao delicada socialmente que atrapalham aulas
ou alunos com facilidade musical, porm com mau comportamento.
HN: A gente vai descobrindo essas coisas no dia a dia, como lidar com esse tipo
de situao a gente no aprende realmente na faculdade, s mesmo na sala de
aula tentando ter uma certa inteligncia emocional para lidar com essas
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situaes, eu j tive uma situao de um aluno que era bem talentoso, era um
menino mais novo, devia ter 10 anos de idade e realmente ele fazia muita
estripulia na sala, chamava ateno, ficava tocando no meio da aula, no queria
fazer o que eu propunha, nos primeiros dias assim eu quis enquadrar ele, pedir
pra ele fazer silncio e tudo mais, mas aos poucos eu fui tentando perceber o
que ele queria , e ele queria ateno, ento todo final de aula eu pedia para ele
fazer uma pequena apresentao para os outros alunos, ento ele se preparava
todo, mas a condio que eu colocava era ele ficar quieto durante a aula, ele
adorou isso, a deu um timo resultado, ele era as duas coisas, ele era um
menino talentoso e vindo de uma rea mais pobre da cidade, ento a gente teve
duas situaes complexas em um caso s, e isso deu timo resultado, esse tipo
de soluo que eu consegui arranjar e falei tambm com os responsveis, pedi
para que eles tambm fossem conversando com a criana, eu acho que essa
interao dos pais ou responsveis de extrema importncia.
NV: Nesses seus dez anos como professor e cinco como coordenador da
escola, como era seu mtodo de trabalho? Seguia alguma programao?
Trabalhava com algum mtodo?
HN: Fazemos reunies mensais para poder justamente unificar o programa dos
instrumentos, ento a gente determina as ementas e o professor preenche de
acordo com sua experincia, ento temos as linhas gerais e para no engessar
muito o programa a gente tem um repertrio a ser cumprido, a gente divide os
repertrios ento para iniciantes, a gente pega os repertrios iniciantes e utiliza
em vrios instrumentos de acompanhamento: violo, cavaquinho, viola caipira,
acordeom, todos tocam esse repertrio que so aproximadamente 20 msicas,
depois tem um repertrio intermedirio que a gente tambm determina, tem o
livro de partituras e cifras para instrumentos transpositores, a gente parte dos
repertrios para cada um dos nveis da nossa escola, ento se a gente est na
turma iniciante os alunos devem contemplar o repertrio de iniciante, igualmente
com os intermedirios e os avanados, e eu fui vendo que cada professor tem
uma maneira de abordar os assuntos, enfim, a gente d essa credibilidade e
liberdade para professor, porque eu acho que isso muito bem-vindo, essa
riqueza no pode ser perdida, temos professores de alta qualidade na Escola de
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Choro e o que a gente faz determinar as linhas gerais, ento determina por
exemplo que tem que constar exerccios tcnicos, exerccios de leitura de
partitura e repertrio em determinado semestre, dai o professor vai preencher
essa necessidade de acordo com o que ele aprendeu, ento eu posso ter uma
metodologia de estudo que funcione, o outro professor de violo pode
acrescentar uma coisa ou outra, mas a gente segue uma linha de contedo,
agora como cada um vai passar isso, fica a critrio de cada professor.
NV: De modo geral, como voc acha que deve ser a grade de uma escola
especfica de Choro e os assuntos primordiais que devem ser abordados?
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NV: Quanto tempo voc acredita que deve durar o curso para a formao
de uma base solida?
HN: Eu acho que 2 horas de aula prtica e 2 horas de aula terica por semana
uma boa quantidade para ele poder praticar em casa, e o estudo dirio em
casa de pelo menos 1 hora por dia.
NV: Qual idade voc considera ideal para iniciar no aprendizado do Choro?
HN: Eu acho que a partir dos 7,8 anos uma idade boa.
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HN: Eu acho que ao longo desses anos ensinando, o que eu fui percebendo
que o que mais importa voc facilitar realmente o aprendizado do aluno e isso
voc tambm saber como passar o contedo, as vezes o mesmo contedo
passado de maneiras distintas tem proveito muito maior, ento eu fui
aprendendo a fazer com que alunos chegassem no ponto de desenvolvimento
que eu acho importante, tentando conhecer um pouco mais do aluno, acho que
isso fundamental, o professor ter essa disponibilidade de entrar no mundo do
aluno, um dilogo, uma troca realmente que deve haver, evidentemente o
professor detm o conhecimento e uma autoridade dentro de sala, eu
considero, pelo conhecimento, no na questo de ter uma separao, mas ele
detm mais conhecimento naquela rea especfica e ele pode ajudar o aluno a
chegar em um ponto de desenvolvimento muito maior se ele conseguir acessar
certas peculiaridades de cada aluno, e eu busco fazer isso, acho que isso um
ponto positivo e acho que isso promoveu o desenvolvimento de vrios dos meus
alunos.
NV: Voc acredita que a vivncia no contexto social que o Choro propicia
ajuda no desenvolvimento pessoal dos estudantes, em outras palavras, a
roda de Choro ajuda a formar um carter?
HN: Eu acho que sim, eu acho que ajuda a formar o carter da pessoa, porque
existem vrios cdigos para voc se aproximar de uma roda de Choro, voc deve
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primeiro ter reverncia aos mais antigos, voc deve saber como chegar em uma
roda de Choro, ter aquele respeito no approach, fazer silncio, respeitar a
msica que est sendo tocada, enfim, isso so valores que o Choro vai
ensinando, alm dos diversos outros, a hora de voc poder fazer uma baixaria,
voc respeitar a virada do pandeirista, enfim, tem uma srie de cdigos que
existem no Choro que eu acho que podem desenvolver o carter de uma pessoa
que esteja atenta, acho que isso na verdade uma funo que a gente deve
buscar preservar tambm porque eu sinto que isso acaba se perdendo hoje em
dia, essas rodas informais esto sendo cada vez mais escassas e antigamente
se tinha mais esses encontros informais onde o que prevalecia era de fato esses
cdigos, hoje j no se v tanto assim, o que a gente v so rodas na rua onde
voc tem muitas pessoas que no so daquele mtier e acabam no reproduzido
exatamente como o esprito do Choro, mas de qualquer maneira os chores
que esto a passando o basto para frente so responsveis por formar o
carter de quem t chegando para esse mundo.
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NV: Agora eu queria que voc falasse um pouco da sua relao com o
Choro, como voc descobriu esse gnero?
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NV: Agora sobre a Escola Porttil, h quanto tempo voc faz parte do
projeto?
PA: Eu sou um dos fundadores da Escola Porttil, junto com a Luciana Rabello,
Maurcio Carrilho, lvaro Carrilho [pai do Maurcio] e o Celsinho do pandeiro, ns
cinco que criamos a Escola Porttil, comeamos a trabalhar juntos nesse
projeto e ele foi crescendo, e l na escola eu dou aulas de bandolim e de
acompanhamento de Samba e dou aulas particulares tambm, eventualmente.
PA: Nessa minha experincia da Escola Porttil eu dei aulas tambm de outras
coisas, por exemplo, prtica de conjunto, apreciao musical, aulas de
cavaquinho e algumas dessas aulas no so necessariamente aulas de
aperfeioamento tcnico no instrumento. Nas minhas aulas o que eu procuro
fazer observar, tentar mapear o estado do aluno no sentido de
desenvolvimento tcnico dele, procurar entender como ele pensa msica,
converso muito sobre isso, gosto muito de conversar com a turma para a gente
ver que as pessoas tm interesses diferentes, tem formas de tocar diferentes,
formas de pensar a msica diferente e isso tudo influencia, eu gosto muito de
trabalhar com repertrio, por exemplo, separo uma determinada msica com
caractersticas que esto me interessando naquele momento, se eu estou
trabalhando sonoridade eu pego uma msica que seja lenta, que tenha muita
nota longa para trabalhar sonoridade, se eu estou trabalhando o uso da palheta
pego uma msica que seja mais complexa, que tenha muita nota e assim por
diante, eu no tenho exatamente um mtodo padro vamos dizer assim, porque
eu procuro adaptar a minha forma de transmitir a cada turma, como as turmas
so sempre diferentes, as pessoas so sempre diferentes, eu estou tendo
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sempre que estudar uma forma de transmitir isso, o ritmo das pessoas muito
diferente, tem gente que aprende mais rpido, o outro j aprende mais devagar,
isso tudo faz parte do trabalho em grupo tambm, no existe turma homognea,
claro que tem os alunos iniciantes que ainda no tocam nada, esses eu procuro
trabalhar com eles basicamente sonoridade, o uso da palheta e o trabalho com
as escalas que uma coisa assim bsica para comear a lidar com instrumento.
PA: Tem alguns Choros que so mais fceis do que outros, que tem uma
execuo mais fcil, ento procuro usar para os alunos mais iniciantes os Choros
que sejam mais fceis, uma coisa bvia para mim e, s vezes, por exemplo, ao
invs de passar um Choro inteiro, eu pego um trecho daquele Choro e a gente
fica analisando aquilo e trabalhando em cima da tcnica que necessria para
voc ter um bom resultado na execuo daquele trecho e a partir da vai se
desenvolvendo, chega na prxima aula e j pode pegar um trecho um pouco
maior e aos pouquinhos vai se formando repertrio, a em uma outra aula j pega
uma msica que seja mais complexa, ou que tenha uma caracterstica bem
diferente daquela primeira, porque quando voc trabalha com msicas de
caractersticas diferentes logicamente sero abordados aspectos tcnicos
diferentes e isso traz um amadurecimento.
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NV: Agora dentro dessa viso social que a gente trabalha, nos projetos,
nas escolas, como voc lida com a questo disciplinar dos alunos? Por
exemplo, alunos em situao delicada socialmente que atrapalham aulas
ou alunos com facilidade musical, porm com mau comportamento.
PA: Isso realmente muito interessante porque na roda de Choro voc junta
pessoas de formaes diferentes, de idades diferentes, de classes sociais
diferentes e o que importa ali a msica, e como a msica fica sendo um
catalisador dessas aes, na verdade eu tive pouqussimos problemas em todo
esse tempo de aula e de relao com o Choro, eu acho que quando as pessoas
esto participando de um projeto como esse elas tem um interesse que acaba
ofuscando os outros problemas que poderiam aparecer, inclusive de
comportamento. Me lembro de uma ocasio em que um aluno, que no era um
aluno de uma situao difcil, que fosse de periferia, morador de favela ou que
tivesse pouco poder aquisitivo, chegou na escola, perdeu a data de inscrio
mas veio falar pessoalmente comigo pedindo que eu abrisse uma exceo
porque ele estava muito interessado, que ele queria muito trabalhar e eu abri
essa exceo para ele, e na primeira aula que ele foi, ele chegou 20 minutos
atrasado, sentou, pegou o telefone e comeou a conversar, ento eu
imediatamente coloquei ele para fora da aula, falei que ele no devia voltar
escola, que ele no estava se comportando adequadamente e, sobretudo, ele
estava desrespeitando os colegas dele, que estavam ali para aprender e ele
estava interferido na aula de uma forma muito negativa. Foi o nico caso que eu
me lembro de ter que tomar alguma atitude por causa de um mau
comportamento de um aluno, e a gente j est l h 17 anos. E me lembro
tambm que eu tive aluno que escreveu um papel para mim onde ele dizia que
a msica tirou ele do trfico, que ele estava morando num lugar muito perigoso
e que estava sendo cooptado pelo trfico, j tinha participado de algumas aes
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com o trfico de drogas mas que o interesse dele pela msica tirou ele daquele
caminho. A gente v que a msica realmente pode ser transformadora e o Choro
pelo seu aspecto social pode ser at mais transformador do que outros tipos de
msica, na minha avaliao.
PA: Cada professor d aula do seu jeito, tem autonomia para trabalhar como
quiser, existem alguns pontos de interseco nesse trabalho, por exemplo, tem
o bando que o horrio da aula que vai de 12:30 at 13:30 onde se juntam
todos os alunos e todos os professores para tocar um determinado repertrio
que j foi feito um arranjo e distribudo para todo mundo, ento cada um vai l
tocar sua parte e a gente procura fazer um arranjo que o iniciante possa tocar
tambm, ento se o cara sabe tocar poucas notas, aquelas poucas notas vo
estar no arranjo para ele tocar, isso uma coisa muito legal porque acaba
funcionando muito bem didaticamente e todo mundo pode participar de uma
atividade em comum, alm do que, lindo voc ver ali 300, 400 pessoas tocando
um Choro junto, um negcio maravilhoso. Outra coisa que eu fao
eventualmente pedir para um professor fazer uma determinada atividade
comigo juntando as turmas, por exemplo, chega em uma turma de violo, de
cavaquinho, pandeiro, do que for, e peo para alguns alunos irem me ajudar com
um determinado repertrio na minha aula ou eu vou at a aula deles para a gente
tocar alguma coisa juntos, a gente trabalha assim e tem tambm a roda de Choro
que fica acontecendo o tempo todo, ento o aluno que no est em nenhuma
aula naquele horrio pode ir para roda de Choro e ficar praticando l junto com
os outros, tem sempre alguns monitores l para acompanhar essa atividade,
basicamente isso.
NV: De modo geral, como voc acha que deve ser a grade de uma escola
especfica de Choro e os assuntos primordiais que devem ser abordados?
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PA: Eu sou a favor de uma avaliao feita a cada aula, junto com os participantes
da aula, para gente ir avaliando o que cada um est precisando para poder ter
uma evoluo mais fcil, eu sou a favor desse tipo de avaliao, agora uma
prova que seja uma coisa para excluir ou para dar uma nota eu no acredito
nisso, no s na msica, mas em nenhum tipo de escola eu acredito numa
avaliao feita dessa forma que vai dar uma nota, que v aprovar ou reprovar o
aluno por causa de uma determinada nota que ele tenha que alcanar, eu no
acredito nesse tipo de avaliao, eu acho que a avaliao tem que ser feita a
cada aula e com a participao de todo mundo.
NV: Quanto tempo voc acredita que deve durar o curso para a formao
de uma base slida?
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NV: E voc acredita que h uma maneira mais humana e pessoal de fazer
uma padronizao desse ensino?
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at hoje tem alguns desses alunos que passam l na Escola Porttil para gente
trocar uma ideia, participam de alguma aula e sempre uma coisa que eu acho
muito produtiva quando feita dessa forma, sem que haja uma obrigatoriedade
de ser cumprido em um determinado tempo, isso uma viso que eu tenho a
respeito da educao em geral e no s da educao musical.
PA: No, geralmente eu trabalho com turmas mistas, essas turmas mistas so
mistas em termos de idade e em termos de capacidade no instrumento tambm,
eu acho legal isso, acho bom que tenha gente mais adiantada ou mais atrasada
na mesma turma porque a vida assim, ns somos assim, a gente tem que tirar
partido disso, o que acontece muitas vezes nas minhas turmas que eu pego
alguns alunos que esto mais adiantados e coloco eles para trabalhar junto
comigo, passando os exerccios, corrigindo algumas coisas que eu sei que ele
j sabem fazer, eu sei que isso tudo que eu estou te falando, essa minha forma
de trabalhar uma utopia dentro da nossa realidade da educao, mas como eu
estou conseguindo trabalhar dessa forma que eu acredito, dentro da Escola
Porttil, eu vou continuar fazendo assim sempre que eu puder, eu j trabalhei
com crianas, mas nunca com crianas muito pequenas, mas vamos dizer
assim, crianas de doze anos, dez anos, junto com pessoal mais velho e tem
uma resposta muito boa, acho que muito estimulante a gente trabalhar dessa
forma, agora, so turmas onde eu posso dar um atendimento mais
personalizado, mesmo com ajuda dos alunos que j esto mais adiantados, todo
mundo participando desse processo de uma forma mais dinmica.
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NV: Voc acredita que a vivncia no contexto social que o Choro propicia
ajuda no desenvolvimento pessoal dos estudantes, em outras palavras, a
roda de Choro ajuda a formar um carter?
PA: Eu acho que sim, eu acho que ajuda, eu acho que pode ser como qualquer
outra atividade, especialmente atividade em grupo, ela pode ser muito educativa,
pode proporcionar um desenvolvimento muito interessante, porque muito difcil
a gente se relacionar, se voc pensar em relao profissional dentro do ambiente
de trabalho, em relao afetiva dentro de casamento, relao familiar, sempre
muito difcil a relao e quando voc consegue praticar uma relao interpessoal
no ambiente, que um ambiente democrtico, que normalmente um ambiente
muito simptico a todo mundo que t participando, para quem est assistindo
tambm, uma coisa muito prazerosa e uma atividade onde voc consegue
se relacionar com as outras pessoas atravs da msica, isso formador, voc
conseguir se relacionar com as outras pessoas de uma forma produtiva uma
coisa formadora e um aprendizado contnuo, porque sempre tem algum na
roda que sabe mais do que voc ou que v a msica de uma forma diferente,
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que tem uma interpretao diferente, que vai poder te enriquecer mais e essa
troca sempre uma coisa muito produtiva e dentro da roda de Choro os
instrumentos tem as suas funes, de solista, de acompanhante e dentro dessas
funes muito interessante a gente notar como as pessoas mostram muito da
sua personalidade, atuando dentro da roda de Choro com essas funes, a
forma como ele se mostra como instrumentista, isso diz muito do carter e da
personalidade dele, isso tambm uma coisa interessante que aparece muito
claramente na roda de Choro.
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MA: Comecei com 15 para 16 anos, com uma professora particular e com ela
segui e fiz o primeiro ano do conservatrio, fiz aula particular com ela e depois
ela voltou a dar aulas no conservatrio de uma amiga para continuar me dando
aulas, eu fiz mais um ano que aquele primeiro ano tcnico e depois parei,
ento, sim, ensino formal de leitura e teoria particular, formal porm mais voltado
para tocar, muito pouca coisa de harmonia, s leitura de notas e esse tipo de
coisas, o resto eu vim ver depois, muitos anos depois.
NV: Agora eu queria que voc falasse um pouco da sua relao com o
Choro, como voc descobriu esse gnero?
MA: Por volta do ano de 2005, eu morava em Viena e l dentre alguns brasileiros
que eu conheci tinha uma carioca que se chamava Lili Arajo, uma cavaquinista
que tambm foi da Escola Porttil, ento ela que me chamou e falou: Escuta,
voc no quer tocar uns Choros? Um pouco mais de msica brasileira, e vamos
nos virando ns dois, porque no tinha muito msico, a gente arrumou um
percussionista depois, ento ela tocava cavaco, e ela que foi a primeira pessoa
que me falou para estudar uns Choros, ento foi por causa dela, l em Viena eu
comecei a tocar, e como ela sabe muito, tem aquela coisa da Escola [Porttil],
ela me passou muita coisa, conhecia muito repertrio, por causa dela ento eu
montei o primeiro set de Choros, montei minha primeira lista com aqueles 12
Choros mais tradicionais. Da para frente eu sempre mantive o contato.
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NV: E como voc avalia a insero social que o Choro propicia? E isso teve
relao com a sua aproximao maior com o Choro?
MA: No meu caso no, o que me chamou a ateno no Choro foram os aspectos
tcnicos mesmo, primeiro lugar uma msica que me diz ao corao, aos
sentimentos, ento por alguma razo maior que no s tcnica essa msica me
atraiu, as melodias, o sentimento que alguma coisa que est por trs, e depois
eu vi que tecnicamente tem vrios aspectos, uma msica muito meldica e
tudo aquilo que a gente sabe, muito rica e muito prxima da msica Clssica que
uma msica que eu gosto muito, agora, acredito que por ser brasileiro eu me
identifico com determinadas histrias, ao beber nessas fontes a gente acaba
vendo um pouco da histria do pas que a gente nasceu e cresceu, um pouco
da nossa cultura, dessas coisas, ento esse lado tambm foi me atraindo cada
vez mais, as histrias do Choro, os ambientes e tambm o Choro dentro da
histria dele, ele retrata uma poca e uma camada social e como ele uma
msica, eu diria, at derivada dessas mudanas sociais, est muito associado a
todo esse movimento de gente mesmo, ento uma msica muito rica nesse
sentido, por exemplo, as histrias do Pixinguinha so muito mais interessantes
que as histria s do Mozart, no os feitos, mas as histrias, quando voc l um
livro, uma biografia, voc v que Mozart ficava 40 dias em uma carruagem
escrevendo, mas a voc v uma histria do Pixinguinha, l no morro, com
aquele monte de gente, aquela ebulio, eu me identifico mais, bvio e para
mim sempre foi mais atraente, tudo que cerca, a questo musical em si e tambm
todas as outras questes sociais, mas no foi isso que me atraiu, o que me atraiu
foi a msica mesmo em si.
NV: Agora indo para a escola de Choro de Santos, quanto tempo voc deu
aulas no projeto?
111
NV: Mas quando voc tenta passar isso em sala de aula, com algum aluno,
como voc faz? Tenta falar um pouco sobre a linguagem? O sotaque?
isso que voc prioriza mais?
MA: No, vou falar como aconteceu l [Projeto Msica e Cidadania], alunos que
no liam nada, que vinham de outro background, outra realidade social, ento,
l eu fui trabalhando um pouco como eu acredito que os antigos trabalhavam,
passando oralmente, por repetio mesmo, paralelamente, em uma outra aula
112
NV: E s para finalizar essa questo, esse jeito que voc trabalhou, voc
acha que foi uma adaptao desse meio social que voc est falando ou
voc acha que esse um jeito que voc aplicaria por ser o Choro o gnero
a ser trabalhado?
MA: Eu faria desta maneira, porm de forma mais abrangente, fazendo outras
coisas mais, tendo outros horrios, tendo o espao fsico mais apropriado porque
implica em dividir naipes etc., mas sim, seguindo esse pilar de acadmico com
oral e dentro disso tudo que eles precisam saber, desenvolver percepo,
rtmica, auditiva, essa coisa intervalar, harmnica, todo esse tipo de coisa e no
s no instrumento, tudo que necessrio, eu vejo muito como a roda sendo o
centro acadmico, na verdade eu acho que a roda a vida porque a mesma
coisa acontece com o msico pop, ele no tem a roda mas o barzinho, ou a
banda de baile, ou a banda que ele vai tocar de formatura, ento a mesma
coisa, ele tem que estudar, ele tem outros elementos, e olha, no sentido musical
geral, eu diria que o msica de baile, por exemplo um arranjador, ele est em
um meio mais rico em uma banda de baile, dependendo da banda, no sentido
mais plural, ele vai ter contato com todo tipo de msica, o Radams, por
exemplo, era obrigado a tocar de manh no programa do Jazz, de tarde o de
msica brasileira e de noite era l no cassino e tocava tango, tocava no cinema
s as msicas do Nazareth, ento, imagina um cara desses, na minha opinio,
est muito alm, porque voc v sim, um msico do Choro, bvio, como uma
lente, quando voc fecha, aproxima e tem uma viso mais apurada e est
perdendo todo o resto, a viso perifrica, ento nesse sentido, o cara que est
aberto, tocando todo tipo de som, ento eu penso nisso, a roda tem o carter de
universidade, pela prpria natureza dela que do fazer musical, o negcio que
a roda teve esse aspecto social porque ela comeou a acontecer como essas
manifestao tambm, no apenas musical.
113
NV: No final das contas ento, a grande escola, onde ser desenvolvido
esse domnio, vai ser na roda que seria a universidade do msico de
Choro?
MA: Penso que uma das maiores essa distncia das pessoas com uma msica
de maior contedo, uma msica ento que no traz de forma to direta a
informao to mastigada, hoje cada vez menos se ouve os instrumentos que
so usados no Choro de um modo geral nas msicas que se tocam por a, nas
msicas que esto na TV etc., ento existe um pouco essa distncia porque eu
percebo que o Choro, sendo internacional, desperta um enorme interesse nas
pessoas, ento apenas as pessoas no esto educadas para aproveitar aquilo,
como voc no aproveitar determinados aspectos porque no tem a educao
para aquilo, essa barreira eu sinto que ainda existe, que a barreira cultural,
muitas vezes a pessoa nem sabe o que um clarinete, ela olha e nunca viu na
vida, muita gente no Brasil por exemplo no sabe isso, ento essa barreira
cultural a maior, mas no vejo nenhuma outra, pelo contrrio, vejo tudo
favorvel,
114
NV: Mas, por exemplo, quando voc vai estudar o violo clssico, ele tem
umas peas fceis para o iniciante. No Choro, tem alguns Choros mais
fceis, claro, mas a voc vai ver so poucos Choros que so mais simples,
no tem tanta nota etc.
MA: Nesse sentido, eu acho que o Choro para iniciantes no existe, no sei se
isso bom ou ruim, primeiro, no vejo nenhum elemento musical no Choro que
seja uma dificuldade especfica exata ou particular que deva ter uma ateno
particular, por exemplo, existe um exerccio aonde em 8 clulas diferentes voc
estuda praticamente todos os ritmos existentes, ento a partir da e, sobretudo,
dentro do nosso contexto se voc ensina Choro para brasileiros mais fcil,
ento no acho que o Choro complexo, acho que o comeo, isso sim um
pouco complicado, por essa barreira cultural que envolve tambm disciplina, no
s diferena social ou acesso instrumentos e outra srie de coisas,
antigamente a msica Clssica estava em tudo quanto desenho, hoje nem
tanto, pelo menos tem os filmes e games que tem uma proximidade com essa
msica que tem o contedo um pouco mais forte, mas tirando essa barreira eu
no acho que exista algum obstculo musical que tenha que ser dada ateno
especial, acho que tem que ser dado ateno especial ao ensino da msica e
seus elementos, mas acho que falta uma didtica para o iniciante, hoje em dia
at est tendo muito material para adulto, muita coisa para a transmisso, mas
quando voc pega um material, a maioria para quem j sabe, todo mundo
comea seus livros assim, supondo que voc j tem uma noo, j sabe o que
acorde, campo harmnico, a transmisso para algum do bsico, por exemplo,
115
voc vai dar aula para algum de Choro e ele no sabe ler, voc vai ensinar ele
a ler normalmente, como qualquer aluno tem que ler nota, ento no tem por
exemplo leitura de partitura especfica para o Choro.
NV: Agora dentro dessa viso social que a gente trabalha, nos projetos,
nas escolas, como voc lida com a questo disciplinar dos alunos? Por
exemplo, alunos em situao delicada socialmente que atrapalham aulas
ou alunos com facilidade musical, porm com mau comportamento.
MA: Sim, tive vrios casos, primeiro essa questo social, como o projeto atua
com pessoas que se inserem na camada mais pobre financeiramente, com
menos acesso da populao, ento eu acredito que eles tenham alguns
problemas de comportamento mais constantes, porm eu j dei aula em uma
escola l no Real Parque (So Paulo), vou afinar pianos naquelas escolas de
milionrios, aonde se tem o que se diz que um modelo de educao, e muitas
vezes tem os mesmo problemas socias, eu j tive alguns problemas de extremos
sociais, por exemplo, aluno extremamente rico apresentar na aula um
comportamento intransigente, de desobedincia, de enfrentamento igual o aluno
que veio l do barraco, igualzinho.
NV: Queria que voc falasse como trata esses comportamentos, e se voc
releva mais por ser em classes mais delicadas socialmente.
116
117
de ter um outro olhar do meu prprio trabalho que foi do Luiz [Ortiz]11, mas nunca
tive nenhuma interferncia, nunca me pediram para mudar nada, e eu tambm
fui descobrindo um pouco algumas coisas, ento isso. Fiz no meu mtodo, as
minhas coisas, fazendo o que fiz sempre, consultando o material disponvel da
galera e dentro disso que acredito que a parte terica, o desenvolvimento, mais
ou menos igual msica Clssica. Ns no tnhamos uma grade pr-definida no
comeo, depois a Cibele [Palopoli] veio, fez uma grade a ser seguida. Como
passar ela nunca influenciou, mas dentro dos nveis sugestes, coisas a serem
alcanadas, e foi bem coerente, pegou os Choros mais fceis e organizou, ento
nesse sentido eu achei bem til.
NV: De modo geral, como voc acha que deve ser a grade de uma escola
especfica de Choro e os assuntos primordiais que devem ser abordados?
11
Luiz Fernando Ortiz diretor da Escola de Choro e Cidadania Luizinho 7 Cordas.
118
MA: Nessas horas talvez a especializao at seja boa, como aquele rtulo,
ento quando voc vai estudar msica Barroca na academia do Bach em Leipzig
no tem problema, voc vai estudar msica Barroca dentro daquele gnero,
ento a tradio e o tradicionalismo dentro do carter de conservao da rea
legal e valoroso porque ele tambm faz a ligao e permite a gente ver o quanto
que a gente mexeu na harmonia, isso interessante, agora isso no pode
atrapalhar esses fundamentos, por exemplo se aparece uma nona bemol e falar
que isso no tem a ver, at porque o Pixinguinha tem nona bemol, e outros caras
tem algumas modulaes interessantes, no s do perodo Romntico, at o
Abel Ferreira, vrios, tem uns caras mais da antiga, com aquele p mais no
Choro tradicional que tem j umas modulaes e umas coisas um pouco j
indicando as coisas mais pra frente, e na mesma poca do Choro e tudo rolando
o Jacob era um cara mais pra frente, tem uns compositores que tem mais aquela
veia e outros voc v que a obra dele vai andando junto, interessante, ento por
exemplo o Haydn, do comeo at o fim da vida dele ele segue mais ou menos
naquele estilo, ento ele pega a manha daquelas formas dele, de quarteto,
sinfonia e faz cem quartetos, cem sinfonias, ele no foge muito dentro daquele
estilo, outros no, tipo as sonatas de Beethoven, comea de um jeito, l no fim
j est com a cara do outro sculo, tudo pra frente, as variaes tudo com outra
cara, o piano j tinha aumentado, ento como ele tambm viveu um tanto bom
d pra perceber, acho que o estilo no deve ser aprisionado, ento esse
ensinamento no pode ter um cerceamento.
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MA: Avaliao, vou entender sem essa conotao negativa que existe por trs
dessa palavra dentro do contexto pedaggico, avaliao no sentido de observar
o que voc est fazendo ou o que tem feito dentro do que voc se prope, ento
isso implica que voc j resolveu uma srie de coisas, e no duas pessoas ali
desconectados da rea da msica, ento dentro de um contexto de uma escola
que tem um programa, a avaliao necessria mas ela no poder ser
generalizada, no d pra avaliar um grupo, nem duas pessoas sobre os mesmos
aspectos, eu j penso assim, ento a avaliao, deve ser, na minha opinio,
sujeita a uma srie de aspectos, acho que uma prova para avaliar dentro daquele
programa sim, que so muitos aspectos, por exemplo, cada um tem uma
orelha, ento cada pessoa vai errar mais determinados exerccios, mas no
acredito que isso reflita um resultado claro e preciso do que deve ser trabalhado
com aquela pessoa apenas naquele aspecto, ele pode mostrar um defeito mas
no vai apontar um caminho de modo geral mais saudvel, isso deveria vir por
outros vis.
NV: Mas, por exemplo, nessas escolas a gente v que tem uma turma de
avanados, uma de iniciantes etc., ento se eu tenho que passar algum
do iniciante para o intermedirio, tem alguma outra maneira alm da
avaliao?
120
fala para o aluno: No fim do ano a gente faz as provas e se voc for mal no
vou te dar mais aulas.
NV: E voc tem formas de avaliar ele, mas tira um pouco esse peso, que eu
acho que o ideal, porque voc est sempre avaliando os alunos...
MA: s vezes a gente quer ter na escola o que gostaria de ter na aula particular
e no tem por causa das questes financeiras, por que a gente no fala pra um
aluno particular ento assim: Olha, voc tem que chegar com isso aqui pronto,
seno tu vai perder a vaga, voc s no faz isso por causa da questo
financeira, ento j tem vrias questes que esto influenciando na didtica,
dentro do ensino gratuito, onde existem de fato outras pessoas interessadas,
nesse contexto eu sou de acordo com haver um mnimo de rendimento, porque
isso vai estar ligado a um comprometimento, mas no dentro de um parmetro
musical, de uma excelncia, h de se respeitar, dentro de uma margem grande
aqueles que nunca vo esmerilhar em uma roda, mas vo pegar e vo tocar,
tipo o [Luiz] Pires12, vo mexer no Choro, vo movimentar outras pessoas, ns
que somos professores e teoricamente mais preparados, dedicamos mais, eles
esto movimentando a nossa energia, quando nos chamam para tocar, essas
pessoas tambm so importantes e talvez se elas tivessem sido traumatizadas
em algum momento talvez elas tivessem uma birra do Choro, a prtica musical
e o que ela implica, a matemtica, o convvio social, a disciplina, isso que vale,
o gnero vai junto, se est aberto o caminho dessas coisas, qualquer outra coisa
voc pratica, ento no final das contas isso, voc fala que ali um lugar de
conhecimento, de explorao de pensamentos musicais, matemtica, uma
filosofia, se voc estabelece uma filosofia, isso.
NV: Quanto tempo voc acredita que deve durar o curso para a formao
de uma base slida?
MA: Para mim, de 2 a 3 anos, voc ensina tudo que uma pessoa precisa saber
para ter uma base musical slida, tendo uma carga de 2 horas semanais, isso
12
Luiz Pires vice-diretor do Clube do Choro de Santos e constantemente organiza rodas de
Choro em sua residncia com msicos da regio.
121
NV: Ento uma carga horaria semanal ideal seriam de 2 horas de aula e
mais 1 hora de prtica em conjunto?
MA: Sim, porque a seriam dois dias, uma o aluno faria aula e na outra ele vai
para tocar, a como est alinhado j ter visto os aspectos que esto sendo
trabalhados e estudou em casa, na prtica em conjunto seria o complemento de
tudo.
NV: Qual idade voc considera ideal para iniciar no aprendizado do Choro?
MA: Qualquer idade, porque voc no precisa comear fazendo a pessoa tocar,
voc pode fazer ela escutar, desenvolver intervalos, porque o ensino de msica
em qualquer idade e a vai ampliando o vocabulrio auditivo do aluno, para
aprender msica no tem idade e o Choro msica como qualquer outro gnero.
MA: No, na verdade eu utilizo linguagens distintas com pessoas distintas, uma
pessoa que no sabe o que significa a palavra inexorvel, por exemplo, voc
tem que falar pra ela isso de um outro jeito, ento, se a pessoa tem 5 anos de
idade e um vocabulrio e eu quero chamar ateno para determinados
instrumentos, eu uso outro vocabulrio, eu fao outros paralelos, mas nunca com
122
MA: Acho que houve uma poca em que a cultura era mais fiel aos movimentos
que se passavam dentro das camadas sociais, agora tudo uma mistura, existe
a dominao do mercado, existem esses milhes de canais, ento hoje de fato,
nada disso retrata o que est rolando, est rolando altos bochichos no Choro
que ningum sabe, que outrora at o povo j soube mais, o Radams j andou
na Manchete, na Bandeirantes, na Globo, quer queira, quer no, o pessoal
estava ouvindo ele, ento hoje nesse sentido, essa msica no retrata mais, e o
123
Choro era uma msica dessa galera nova, ele se forjou e no foi um mercado,
foi um comportamento social de fato que forjou e no um comportamento
financeiro.
NV: Voc acredita que a vivncia no contexto social que o Choro propicia
ajuda no desenvolvimento pessoal dos estudantes, em outras palavras, a
roda de Choro ajuda a formar um carter?
MA: Isso pode ser para o bem e para o mal, no sentido de ir contra inovaes
pssimo, a gente usaria os mesmos acordes h 180 anos e acho que as pessoas
se beneficiam do ambiente do Choro de uma forma geral, se esse ambiente tem
rodas de Choro com muito rigor ou cerimonial perde o ambiental e fica to chato
quanto aquele grupo de eruditos que fala: Esbarrou!, fica a mesma coisa,
ento, o que est por trs sempre isso, tanto que eu conheo muito msico
erudito que tem um monte de trabalho por fora da orquestra que com aquela
galera que eles se sentem bem, no o Choro mas isso, uns s tocam msica
contempornea, outros s tocam pop-rock com quarteto de cordas, porque o
ambiente, ento a msica pode criar um carter, o gnero no influencia tanto.
MA: Acho que o Choro, como um aspecto a se observar, msica, deveria ser
como o Trivium na Grcia, voc vai aprender as coisas bsicas para entender o
mundo e ter bem estar, nesse aspecto do Choro especificamente, ele uma
grande porta para a gente ter contato com nossas origens, com o que nos
antecedeu, com um pouco da nossa histria social, nosso comportamento,
esses aspectos que se refletem, e so interessantes de serem estudados porque
ainda so presentes na nossa sociedade e porque nossa sociedade no mudou
quase nada, no passamos grandes revolues, e o sistema escravagista que
ficou por trs continua, ento nesse sentido legal porque voc entende mais
mesmo o meio que voc est inserido, nossa histria, o desenvolvimento, essa
porta pra gente falar disso tudo, chegar mais perto de alguns aspectos, pra gente
124
falar e praticar tudo que a msica pode praticar atravs desse vis, atravs dessa
empatia, porque dentro dessa comunicao muito importante essa empatia, se
voc repara que o outro sente alguma coisa que voc tambm sente voc est
estabelecendo uma relao muito forte se existe uma identidade, e isso nos
cerca, o jeitinho, o carinho, a insubordinao que tem dentro de alguns Choros,
atrevido e tal, o desrespeito dentro do nosso jeito brasileiro, essa coisa
especfica brasileira pode ser muito explorada e isso vai descambar no Choro do
Nordeste, ou em todas as outras correntes, isso muito rico, essa porta que a
gente perde, todo o resto cai no balaio comum da msica que antecede tudo.
125
126
NB: Na verdade, no projeto foi a primeira vez que eu dei aula na minha vida, foi
por causa do projeto que eu comecei a dar aulas.
127
NB: Eu fao a minha leitura sobre aquela msica que eu estou trazendo e
colocando para eles escutarem e peo para que eles tentem me passar se
entenderam o que eu propus, por exemplo, coloco uma msica e falo sobre o
centro do cavaco que tem relao com a batida do tamborim, do violo 7 cordas
fazendo o contraponto e vou mostrando os elementos, tento passar a minha
viso da msica que estou trazendo para eles, obviamente tem uns que notam
melhor do que outros os elementos, principalmente na questo do pandeiro, o
Jorginho do Pandeiro foi um cara muito importante e fez o pandeiro ser mais do
que um instrumento de acompanhamento no Choro, quando o Jorginho entrou
no Conjunto poca de Ouro ele passou a ser um solista juntamente com o
conjunto, voc v que ele faz os contrapontos junto com o violo 7 cordas, as
acentuaes junto com o conjunto, o Jorginho tirou o pandeiro desse plano de
acompanhador e colocou com um solista em conjunto com o grupo, tem tambm
essa importncia do Jorginho do Pandeiro no Choro.
NB: Geralmente eu passo a batida base e aps ver que eles entenderam eu
trago Choros que tenham andamentos mais lentos, que para o aluno exercitar
essa batida base que eu passei, depois eu vou aumentando o ritmo, geralmente
o que acontece que os alunos pegam a batida base e j querem sair tocando
um Choro mais rpido, o que natural, mas eu mostro que quanto mais lento o
andamento de um Choro mais eles precisam que a batida tenha fluidez, tenha
cadncia, ento eu coloca as msicas mais lentas para que eles empreguem a
batida, depois de exercitado durante um tempo eu coloco uma msica mais
acelerada e sempre volto para a msica mais lenta, para que tenha essa
preocupao da cadncia na batida, porque geralmente o pessoal aprende a
tocar o pandeiro e como no existe um material didtico para ser seguido, o cara
pega a batida base do pandeiro e tenta acelerar, tenta encaixar no samba-
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enredo, enfim, tenta tocar e geralmente voc observa que muitos pandeiristas,
de samba principalmente, voc sabe que o cara sabe tocar mas ele no tem
aquela cadncia na batida, voc escuta e parece que a batida no tem balano,
que est faltando alguma nota, ento sempre procuro passar essa preocupao,
de todas as notas sarem iguais, toda ntidas para que acelerando o ritmo no
se perca esse passo.
NV: Agora dentro dessa viso social que a gente trabalha, nos projetos,
nas escolas, como voc lida com a questo disciplinar dos alunos? Por
129
NB: Eu no tenho uma formao pedaggica, a entra o lado pai, eu tive que
fazer como eu fao na minha casa, j aconteceram situaes durante aulas de
um aluno bater no outro, a eu peguei os dois, sentei e conversei sobre como
eles no deveriam se ofender, como no funciona isso de revidar e que ele
deveria informar algum se isso acontecesse, traz aquele lado paterno para
dentro do ensino, nunca tiro eles da aula, ou deixo de lado pensando pois acho
que errado ento eu sempre converso com os alunos para que a aula seja um
lugar para quem est com vontade de aprender, ento eu converso com eles, se
a aula esta chata eu mudo a maneira de falar, se eles acham a msica chata eu
troco, como eu no tenho uma formao, para mim foi muito na questo do tato
e do feedback do aluno, muitas vezes eu percebia que eu estava tentando passar
uma informao e os alunos no estavam nem a, eu parava e conversava, e s
vezes eu poderia mesmo estar sendo chato, passando aquela informao de
uma maneira que no agradvel para eles, a gente est tratando com crianas
de 10 anos, criana quer brincar, no quer ficar aprendendo, uma ou outra que
prefere aprender msica do que brincar, ento o lado social muito importante,
muitas vezes eu tento inventar uma brincadeira com o instrumento para que a
gente no perca o elo entre msica, aprendizado e brincadeira.
NB: Precisa ser utilizado sim, por exemplo quando eu comecei aqui em Santos
tinham algumas crianas que quando eu passava a batida base eu tinha o hbito
de falar 1,2,3,4, as quatro batidas, a passava alguns minutos e a criana j
tocava as batidas erradas e eu fiquei pensando em outra maneira de passar para
elas, ento pensei em usar uma palavra para elas associarem, e uma delas
sugeriu Pixinguinha, ento a batida bsica ficou Pi-xin-guin-ha, a eles
conseguiram aprender com muito mais facilidade e no esqueceram mais, tive
que usar outros artifcios como esse para ensinar e mesmo os mais velhos,
alguns conseguem aprender com facilidade e outros no, alguns so mais
visuais de voc mostrar a batida e ele j pegar na hora, outros pedem partitura
130
NB: Geralmente o que acontecia era que se passava o plano, que instrumentista
seria focado naquele perodo, passavam-se os Choros e a gente focava em cima
do que era passado pela coordenadora pedaggica e dentro dessas informaes
e planos passados eu tentava trabalhar com os alunos as funes dos
instrumentos e o que cada um fazia dentro das msicas, e existiam os ensaios
mensais que eram no ltimo sbado do ms, aonde as turmas se integravam,
existia muita dificuldade porque geralmente o que acontecia era que os outros
professores quando mostravam os Choros ou passavam exerccios no usavam
de uma contagem inicial e a gente teve essa dificuldade de ningum tocar, j no
primeiro ensaio um dos professores falou que quando fossemos fazer os
exerccios deveramos utilizar a contagem para que isso fosse assimilado pelo
aluno, independente do instrumento que o aluno toca, existe essa contagem que
d o pulso para que se inicie a msica, com o passar do tempo e a integrao
dos alunos isso foi se desenhando e ficando mais claro, mas a gente percebeu
que, por exemplo, no plano pedaggico no foi pensado instrumento por
instrumento e na integrao entre esses instrumentos, existiu essa dificuldade,
mas juntamente com os outros professores na integrao e na prtica em
conjunto a gente conseguiu chegar em um mtodo e integrar para que fosse feito
dessa maneira, logicamente eu acredito que foi feito de uma forma tardia, porque
no incio do projeto no foi pensado na integrao dos instrumentos, como fazer
quando os instrumentos se encontrassem, quando tivessem dois solistas o que
cada um faria, com o tempo isso foi ajustado, mas inicialmente no existiu essa
idealizao, isso foi feito com o andamento do projeto, talvez no tenha dado
tempo de ser melhor aproveitado.
NV: Voc acha que faltou uma interao entre os professores? De tentar
um mtodo em comum?
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NB: Na questo da percusso talvez tenha faltado, mas como eu te falei, pela
dificuldade de existir um mtodo a ser seguido, logicamente quando eu pegava
as msicas, os Choros especficos a gente trabalhava em cima deles, porm
quando nos colocvamos na prtica em conjunto, principalmente o pessoal da
percusso falava que estava muito diferente do udio que eles tinham como
referncia, e s vezes voc tem um pandeirista tocando de uma forma j fluente,
em um andamento mais acelerado, tendo aquela gravao como referncia,
dominando ela bem, e a voc colocava um aluno de cavaquinho que no tinha
uma fluidez na batida de cavaquinho, ento no era o que eles esperavam
escutar e existia aquela diferena do som, a gente obrigatoriamente tinha que
chegar em um consenso pois a memria musical daquela msica que foi
passada no est igual para todos, ento tentvamos criar um consenso para
que todos conseguissem tocar, acredito que faltou um material didtico visual e
auditivo criado no incio para ser seguido por todos, mas creio que a gente
conseguiu ajustar no meio do curso e fizemos com que todos aproveitassem da
melhor maneira possvel.
NV: De modo geral, como voc acha que deve ser a grade de uma escola
especfica de Choro e os assuntos primordiais que devem ser abordados?
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percepo e por ltimo a prtica em conjunto para integrar tudo que foi ensinado
e visto.
NV: Quanto tempo voc acredita que deve durar o curso para a formao
de uma base slida?
NB: Acredito que em 2 anos o aluno j consegue ter uma base e tocar um Choro
sem dificuldade e com desenvoltura.
NB: O ideal que fossem 2 aulas por semana, mas acho difcil, pelas
dificuldades que a gente enfrenta difcil manter uma criana ligada 2 horas em
133
uma aula, ento acredito que 2 aulas de 1 hora o mnimo, e em 2 anos voc
consegue dar uma base slida para o aluno tocar.
NB: Eu acredito que 10 anos, nessa idade eles j tem uma identidade musical,
uma percepo, uma educao e maturidade boa para o aprendizado.
NB: Eu percebo muito na questo da educao, teve alunos aqui que quando
comeamos nem falavam e alguns que quando falavam no olhavam para o seu
rosto, olhavam para o cho, como se voc estivesse feito alguma coisa para eles
ou pudesse fazer, hoje em dia eu percebo que esse mesmo aluno quando chega
aqui j me abraa, consegue trocar afeto, o jeito com que a criana te olha muda,
comea a te olhar no olho, comea a te olhar de uma forma mais igual, porque
eu acredito que se cria um elo de respeito, amizade e confiana, isso talvez seja
muito diferente com o que ele tem no dia a dia dele, com o pai, com a me, voc
quebra um pouco esse vcio que ele tem da m educao dentro de casa e voc
sente que o resultado no dia a dia da criana diferente, eu acho que d
resultado, e a partir do momento que voc coloca a criana al te olhando no
olho, falando a verdade pra ela, tendo uma troca de afeto, dando uma abrao
quando a criana chega, perguntando como foi a semana, tem essa troca e esse
respeito e isso faz muita diferena no dia a dia delas.
NV: Voc acredita que a vivncia no contexto social que o Choro propicia
ajuda no desenvolvimento pessoal dos estudantes, em outras palavras, a
roda de Choro ajuda a formar um carter?
NB: Eu acredito que sim, faz total diferena na educao da criana o ensino do
Choro, com a prtica voc percebe que a criana comea a ter um pouco mais
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NV: Alguma considerao que voc acha importante fazer e que acabou
ficando fora da nossa conversa?
NB: Eu sinto que a msica tratada como algo muito superficial, quando na
verdade a msica talvez seja um brao muito forte para tirar uma criana de um
caminho errado, quebrar um ciclo vicioso de m educao que a criana vive,
assim como o esporte, mas as vezes o esporte mais levado a srio, talvez
porque a msica algo ao mesmo tempo acessvel e complexo, qualquer um
pode ter acesso a msica, qualquer lugar que voc vai tem algum escutando
msica, seja de boa ou de pssima qualidade mas vai ter algum escutando
msica, e o pessoal trata msica como algo que est jogado por a, e na verdade
a msica um caminho importante, uma ferramenta para tirar uma criana de
um ciclo vicioso, colocar em uma doutrina de aprendizado, mas infelizmente
tratado dessa forma, ento acredito que a msica deveria ser tratada como algo
de maior importncia.
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