Estudo de Caso
Estudo de Caso
Estudo de Caso
M. C. tem 31 anos, do sexo feminino e teve diagnstico de Autismo por volta dos 4 anos de idade. Nasceu
de parto normal e obteve nota dez no teste de Apgar. A me relata que M. C. chorava muito, apresentando
diversos episdios de clicas. Seu desenvolvimento nos primeiros anos de vida ocorreu dentro dos parmetros
da normalidade, com exceo do surgimento da linguagem. A me traz que reconheceu uma fala melhor
estruturada por parte da menina, apenas, por volta dos nove anos de idade.
O que motivou os pais a procurarem auxlio profissional foram os comportamentos caracterizados como
diferentes das meninas de sua idade. Ela no falava e tinha atitudes que levavam a crer que poderia no ouvir.
Alm disso, demonstrava instabilidade emocional evidenciada com inmeros episdios de choro.
O incio das intervenes tanto individuais, quanto em clnicas especializadas foram encaradas de forma
tranquila pela menina, que, segundo a me, sempre se demonstrou satisfeita em frequentar estes ambientes. M.
C. bastante alegre e vaidosa. Demonstra interesse especfico em acessrios como brincos e pulseiras,
fazendo uso excessivo dos mesmos. Apresenta intenso apego a rotinas, estabelecendo rituais para o
desempenho de atividades. A no realizao dos mesmos, geralmente, lhe causa ansiedade, necessitando de
manejo adequado para evitar episdios de desorganizao, que so marcados por crises de choro e
autoagresso.
Alm dos hbitos ritualizados j estabelecidos, comum que M. C. crie outras rotinas ou estereotipias em
novas atividades. alfabetizada e possui timo potencial cognitivo, sendo, muitas vezes, prejudicado por sua
desateno ligada a falas e comportamentos estereotipados. Seu discurso ritmado, mas possui linguagem
bastante preservada. Compreende com clareza o que lhe falado, reconhece com habilidade os
acontecimentos ao seu redor, apresentando respostas adequadas s intervenes dialogadas. Conversa com
colegas e terapeutas, mas possui pouca iniciativa para dar incio a algum dilogo, a menos que objetive algum
ganho com o mesmo.
M. C. apresenta excelente aproveitamento de momentos que exigem mudana de ambiente com algum
objetivo ldico ou comemorativo, como passeios ou datas especiais. Em determinados momentos, necessita de
orientao, principalmente quando distrada por alguns de seus interesses restritos. Apesar disso, participa e
demonstra intensa satisfao em passeios e atividades de comemorao. Tem clara conscincia de como deve
vestir-se e comportar-se, no fazendo uso exagerado de acessrios, em momentos como esses. Passou por
diversas intervenes teraputicas e mudanas medicamentosas. Tem histrico de internao devido a crises
de desorganizao acompanhadas de reaes extremas de autoagresso. Atualmente, encontra-se bastante
estvel. Frequenta clnica especializada trs vezes por semana e tem excelente aproveitamento das rotinas
teraputicas, conseguindo obter melhor desempenho diante de mudanas na rotina. Aceita o manejo
teraputico frente a momentos que lhe causam ansiedade, respondendo com atitudes assertivas.
Tcnicas Utilizadas
A partir das funes neuropsicolgicas que sero avaliadas neste estudo de caso, foram selecionados os
seguintes instrumentos: Figuras Complexas de Rey, Teste de Ateno Concentrada, Bateria Luria de Testes
Neuropsicolgicos e Torre de Hani.
O Teste de Figuras Complexas de Rey utilizado na avaliao de aspectos relacionados com a memria no
verbal, algumas funes executivas e habilidades visoespaciais. Compe-se de uma figura complexa com
formas geomtricas de carter abstrato. O teste realizado em dois momentos.
No primeiro o sujeito instrudo a copiar a figura apresentada, levando em conta todos os detalhes. Aps 3
minutos desta etapa solicita-se novamente a cpia, mas sem o apoio da figura, orientando o sujeito a fazer uso
da memria em relao a figura anteriormente apresentada (OLIVEIRA, 2004).
Desta forma, as Figuras de Rey tem como meta avaliar a percepo, memria e a forma de apreenso dos
estmulos perceptivos, atravs da cpia e evocao do que foi conservado atravs dos processos mnemnicos
(COSTA, 2004).
O Teste de Ateno Concentrada tem como smbolo nico um tringulo estilizado. So apresentados ento ao
testando trs exemplos de tringulos que servem de base para a realizao do teste. O indivduo dever
assinalar, dentre 21 linhas com 21 smbolos, aqueles iguais aos exemplos. Para esta tarefa sero dispensados
cinco minutos (CAMBRAIA, 1967).
A Bateria Luria de Testes Neuropsicolgicos composta por testes que proporcionam um zoneamento
qualitativo das reas enceflicas, relacionando-as atravs de um exame detalhado de competncias cognitivas,
motoras e perceptuais (ROMANELLI, 1999).
Por fim, ser utilizado a Torre de Hani. Este jogo tem sido considerado como um interessante procedimento
na avaliao das funes executivas, assim como da memria de trabalho (WOOD, 2001). Consiste de uma
estrutura com trs pinos, em um pino inicial encontram-se discos empilhados em ordem crescente. Cabe ao
jogador transportar esta torre do pino inicial qualquer outro pino, usando um deles como auxiliar. Os discos
devem ser movidos um de cada vez e os maiores numa podero ficar sobre os menores (RESENDE, 2004).
Apresentao e Discusso dos Resultados
M.C. demonstrou bastante disposio e entusiasmo na realizao das atividades, compreendendo de forma
satisfatria as orientaes do que deveria ser feito. Apresentou dificuldade especfica nas avaliaes que
exigiram sua ateno concentrada e funes executivas, necessitando maior cuidado na orientao destas
tarefas.
No Teste das Figuras de Rey M.C apresentou uma classificao inferior a mdia, tanto na cpia da figura,
quando na reproduo da memria. Tais resultados sugerem prejuzos significativos na capacidade de
percepo visual e memria imediata, acompanhados de tendncia a realizao de distores de forma,
localizao e omisses de elementos (OLIVEIRA, 2010).
Tendo em vista que o Teste das Figuras de Rey avalia no s a memria, mas tambm a percepo do
indivduo possvel inferir que o desempenho de M. C. vai ao encontro do que foi exposto a respeito do
Autismo, indicando que este transtorno tem ntima relao com dificuldades de perceber os estmulos do
ambiente e decodific-los. A dificuldade do Autista em dividir sua ateno frente a estmulos faz com que ele
perceba o mundo como uma sobrecarga de informaes, gerando possveis comportamentos inadequados
(BOSA, 2001).
Ainda relacionado a este aspecto est o resultado do Teste de Ateno Concentrada. Em que o desempenho de
M. C no atingiu a mdia. Teve excelente compreenso da atividade, e apesar de ter sido eficiente nas
marcaes que o teste exigia, realizou pouco da tarefa no tempo estipulado para a mesma. Cabe destacar que,
ficou clara a dificuldade em dividir sua ateno nos trs smbolos que servem de base para a realizao do
teste. No treino, concentrava-se apenas em um dos smbolos, sendo necessria a retomada do objetivo do
trabalho.
O jogo Torre de Hani foi um grande desafio para M.C. A orientao para a tarefa foi dada, assim como o
exemplo de como poderia proceder. Todas as regras foram retomadas at o total entendimento. M.C.
demonstrou muita facilidade na compreenso do que era ou no permitido no jogo, assim como o seu objetivo.
Porm no conseguiu realiz-lo. Esteve atenta, mas a dificuldade encontrada em resolver o problema
apresentado a deixava ansiosa, fazendo com que burlasse as regras. Quando questionada acerca do acontecido
conseguia, com clareza, demonstrar o que havia feito de errado. Este jogo tem por objetivo testar as funes
executivas, que so a capacidade de planejar e organizar uma ao. (MIOTTO, 2012).
A partir da teoria do lobo frontal, tal competncia est prejudicada em Autistas, gerando pensamentos e
atitudes inflexveis e concretas (BOSA, 2001). M.C compreendia onde deveria chegar, mas no achou meios
para tanto. No cotidiano tem uma excelente organizao de sua rotina, porm cabe lembrar que esta rotina j
foi internalizada pela menina. Ela aprendeu como proceder em seu dia a dia. Mudanas bruscas de percurso,
se no bem manejadas, podem causar momentos de desorganizao interna, gerando comportamentos
inadequados.
Por fim, na Bateria Luria de Testes Neuropsicolgicos M. C. obteve excelente desempenho. Nas intervenes
de memria de curto e longo prazo obteve timos resultados. Tal dado difere do apresentado nas Figuras de
Rey, o que, provavelmente, est relacionado ao tipo de estmulo de cada instrumento. Identificou com
facilidade o nome de objetos e partes do corpo. Escreveu frases de forma clara e sem dificuldades. A
conversao durante o teste se deu com curso normal e adequado. As tarefas da Bateria Luria esto, sem
dvida, mais prximas do cotidiano de trabalho teraputico e das habilidades de M. C. provavelmente, tal
aspecto facilitou o desempenho da menina.
Fazem parte das habilidades especficas de M.C. tarefas que exigem sua memria auditiva e tambm
atividades ligadas ao aprendizado pedaggico, como soletrar palavras, escrever frases. Tais atividades, por
fazerem parte da rotina e das competncias da paciente, possivelmente, tornaram este instrumento mais
acessvel a ela.
CONCLUSO
A partir da pesquisa realizada foi possvel observar que so muitos os desdobramentos no que diz respeito ao
Autismo. As reas cerebrais estudadas so norteadas pelos comportamentos caractersticos do transtorno, j
que ainda no possvel identificar uma origem etiolgica especfica. fato que os estudos atuais so
categricos em orientar que o Autismo , provavelmente, um transtorno de origem orgnica, com alteraes
funcionais do crebro.
Muitas so as possibilidades e esta investigao abordou apenas algumas delas, porm torna-se evidente que o
estudo e a pesquisa destas questes so importantes na busca de um diagnstico adequado e melhores
orientaes de tratamento. Este estudo foi delineado a partir de trs funes neuropsicolgicas,
frequentemente, alteradas em pessoas com o Transtorno do Espectro Autista: memria, funo executiva e
ateno.
Para tanto foram contempladas pesquisas que sugerem reas cerebrais envolvidas nestas funes, tendo
destaque para a poro frontal do encfalo e sua responsabilidade em funes executivas, assim como a
ligao com aptides de memria e ateno. Alm disso, foi observada a hiptese dos neurnios espelho, que
atuam no estabelecimento da capacidade de imitar e a partir disso, estabelecer relaes interpessoais, tornando
possvel a elaborao de hipteses a respeito dos pensamentos alheios, o que se denomina teoria da mente.
importante enfatizar que o estudo de caso apresentado teve como objetivo auxiliar na exemplificao das
alteraes neuropsicolgicas pesquisadas. Seus resultados permitem inferir que o contedo estudado vai ao
encontro da observao prtica do Autismo. O conhecimento acerca do funcionamento cerebral faz com que a
observao clnica de possveis Autistas seja feita com mais qualidade e eficincia, assim como o
delineamento de intervenes.
Este trabalho foi um recorte do que ainda se pode aprofundar sobre funes neuropsicolgicas no Autismo,
assim como das possibilidades de instrumentos de avaliao das mesmas. O aprofundamento, assim como o
estabelecimento de uma amostra significativa, no que diz respeito a publicao de concluses, o prximo
passo para a ampliao deste conhecimento. A realidade do Autismo coloca os profissionais de frente com
uma questo grave, pouco conhecida, estigmatizada e, o que torna a situao mais preocupante, tardiamente
diagnosticada e com orientaes teraputicas inadequadas.