Pietro Ubaldi - 13 Problemas Atuais

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Problemas atuais

Traduo:

NDICE
Captulo I .................................................... Os Guias do Mundo
Captulo II ................................................... O Chefe Crtica de Maquiavel
Captulo III .................................................. O Novo Homem
Captulo IV .................................................. O Problema da Estabilidade Monetria
Captulo V .................................................... Orientaes Teraputicas e Patognese do Cncer
Captulo VI .................................................. A Teoria da Reencarnao (1 parte)
Captulo VII ................................................. A Teoria da Reencarnao (2 parte)
Captulo VIII ................................................ O livro Tibetano dos Mortos (Tcnica da Reencarnao)

OS GUIAS DO MUNDO
Tudo luta na vida. Esta parece querer exprimir-se sobretudo em forma de
luta, e exercitar desta maneira a sua maior atividade. a vida uma contnua tenso para
vencer em qualquer plano. Nas sua fases mais primitivas, vencer a fera inimiga, na atual fase
de vida em sociedade, vencer o prximo a fim de suplant-lo; no bitipo do super-homem
vencer para subjugar e superar as leis inferiores da animalidade e dar ao mundo novas
diretrizes. Luta para vencer, ou seja, para elevar-se, ascender, evolver. A lei suprema da
evoluo toma a forma de luta desesperada, para remir-se da dor e do mal e conquistar a
felicidade. Esta encontra-se escrita e arde perenemente no fundo da alma humana, como um
instinto, um anseio inextinguvel, um sonho, uma f, como uma utopia que sabemos fugir
longnqua e inatingvel, mas na qual o homem obrigado a crer, contra todas as aparncias e
dificuldades, at ao desespero. Isto porque, sem tal f num futuro melhor, mesmo que parea
loucura, no teria o homem mais conforto na fadiga de ascender, nem mais finalidade na sua
caminhada, nem luz alguma de esperana no amanh.

So por isso importantes elementos a utopia e a f e fazem parte integrante


da mecnica da vida. Por mais que desprezem tudo isso os cticos e os prticos positivos, s
existe isso na vida, alguma funo deve ter, e justamente a de antecipar o futuro. A srie das
mesquinhas, ilusrias e instveis aquisies, que esto ao nosso alcance na existncia
terrena, no suficiente para dar finalidade e justificao a todo o trabalho imenso que realiza
a nossa existncia, como indivduos e como sociedade. E no podemos dizer que vivemos
para perder tempo, inutilmente, e para sofrer. Se cada fenmeno, se cada ato nosso um
caminho para uma finalidade, o fenmeno e o ato mximo, que so a nossa vida e o
funcionamento do universo, como poderiam deixar de ter uma finalidade? Por mais escuro
que seja o futuro, a utopia e a f so uma ponte lanada sobre essa escurido, para sond-la,
nela apoiar o p e a construir, proporo que ela se torna presente pelo nosso aproximar-
se.

Respondem, pois, a utopia e a f a necessidades criadoras e representam


verdadeiras funes biolgicas de sondagem no desconhecido e de preparao para o porvir.
A luta pelo ideal, isto , pela superao das velhas formas de vida, a fim de progredir
realizando outras mais evolvidas e aperfeioadas, uma das formas, e a mais elevada, da luta
pela vida. Se nos primeiros degraus da evoluo biolgica consistia tal luta apenas em salvar,
por qualquer meio, rude e feroz, a prpria existncia contra os elementos hostis e o assalto
das feras; se hoje a mesma luta assumiu formas de competio poltica e econmica, prprias
da vida social; para alguns bitipos mais adiantados, pode assumir essa luta outra forma: a
que dirige ao lado humano mais involudo, especfico do primitivo feroz, lado que ainda
sobrevive em nossos instintos, ou seja, luta para superar o plano biolgico do animal, de que
faz parte ainda o nosso corpo fsico. Significa isto libertar-se das formas de existncia
inferior, para ter acesso a outras superiores, no s na forma de progresso individual de
quem realiza essa luta, mas tambm na forma de progresso coletivo para povos assim
guiados a formas mais evolvidas de convivncia.

Tratando-se ento de verdadeiras funes biolgicas, a vida as confia a


algumas clulas do organismo-humanidade, a alguns elementos especializados e
selecionados, como acontece para as clulas nervosas do corpo humano. Produz assim a
vida, em quantidade e qualidade proporcionadas ao tempo e ao trabalho a executar, alguns
tipos de super-homens, particularmente aptos a essas funes. Podem eles tomarem a forma
de heris, de gnios, de santos. Sua funo pode manifestar-se em vrias formas, de acordo
com o lugar, a poca e as realizaes a executar. So os maiores lutadores, porque se
propem a subjugar no as feras inimigas ou seus semelhantes, mas a superar leis e formas
de vida de um plano biolgico, para pr em prtica leis e formas de vida de um plano mais
adiantado de evoluo. Despertam eles em si e na humanidade, qualidades latentes ainda
adormecidas, do uma direo contnua transformao dos instintos, indicando ou impondo
novos hbitos, que depois, pela longa repetio atravs da tcnica dos automatismos, se
fixam como qualidades novas. Desse modo, impulsionam eles a humanidade para sempre
mais longe da ferocidade, da ignorncia, do egosmo, da materialidade, e sempre mais
prxima da bondade, da inteligncia, do altrusmo do homem coletivo, da espiritualidade.
Podem assumir a forma de condutores de povos, de grandes pensadores, cientistas, artistas,
mrtires do ideal e do dever, msticos, santos. Mas, de qualquer modo emergem
ensangentados das mais duras experincias e lanam o novo grito do porvir. So eles a flor,
o produto destilado da raa, e anunciam, percorrem e fazem percorrer novo caminho para
novos horizontes. So verdadeiros pastores do rebanho humano, que doutra forma
permaneceria sempre atento a pastar com a cabea inclinada para a terra, seu nico anseio.

Esses homens de exceo personificam, no vrtice, o dramas das


deslocaes evolutivas ou revolues biolgicas. Passam no ciclo da vida como um raio que
ilumina dum extremo a outro a terra escura, dinamizando a massa inerte da carne do vulgo
humano. So eles a centelha do esprito que vivifica as formas da matria. So os maiores
vencedores, porque realizam e vencem a luta mais alta, a que impulsiona a humanidade a
progredir. So os grandes da vida, que os fez mais fortes e lhes confia trabalhos de gigante. O
seu trabalho resultado de atitudes superiores, de vontade de ferro, de fadiga ardentemente
desejada, tenaz e convergente, de irresistvel paixo do bem. O homem normal, imerso nas
batalhas do contigente cotidiano, ignoras essas lutas apocalpticas realizadas no terreno da
evoluo para subir a Deus. Tremenda coragem necessria para aventurar-se contra as
forcas biolgicas, para arrancar o ser de um plano inferior e arrast-lo a um superior. Mas s
assim podem superar-se as barreiras que atrasam a ascenso e arrombar as portas de um
mundo mais elevado, para entrar por elas.

Esses homens superiores so sempre guias do mundo, ainda que no


pertenam classe dos condutores polticos dos povos. No s no terreno poltico que deve
adiantar-se o mundo, mas em todos os campos do seu multiforme progresso. Tornam-se
esses homens instrumentos da vida, por meio do qual ela realiza seus fins. Fazem-se
intrpretes de seus desgnios e executores de seus planos. Tm sempre, por isso, nova
mensagem a comunicar humanidade e a sua funo sempre de modeladores, qualquer que
seja o seu tipo particular e a misso a executar. sempre aos mais adiantados que compete,
por fora da lei da vida, guiar o mundo em todas as duas formas; a vida assim quer e assim de
fato acontece, mesmo que eles no tenham o poder poltico, ou blico, ou econmico, ainda
que seus semelhantes os reneguem e matem. realidade biolgica indiscutvel o fato de que
eles so mais evoludos em relao mdia, e isto muito importante para a vida e suas
finalidades. As massas nada sabem, antes so levadas a desobedec-los, porque eles so
diferentes e porque delas se distanciaram pela evoluo. As massas acham-nos diferentes,
porque eles participam pouco em seus vcios e defeitos, que tanto irmanam os inferiores. Por
isso, procuram rejeit-los, e s vezes os perseguem at mat-los.

Esta a luta trgica dos mais evoludos contra os menos evoludos, a fim de
faz-los progredir. Mesmos estes ltimos desejariam dominar e se julgam modelo de vida,
bitipo exemplar. O tipo normal, ainda hoje, de valor to duvidoso, no considerado como o
que todos deveriam ser? E quem no assim, anormal. E todos apressam a entrar nas filas
da normalidade, pouco importando quanto valha ela, contanto que no fiquem isolados, e,
portanto fora da lei e condenados. O peso tremendo da ignorncia da grande massa humana,
o lastro enorme que pende dos ombros do mais evoludo que tenta novos caminhos, com
riscos e perigos seus apenas, ao passo que os outros ficam a olhar, prontos para conden-lo
logo que caia, prontos para agredi-lo por inveja, logo que ele triunfe. Com esse peso s
costas, que representa o misonesmo, inrcia do passado, deve ele subir os ngremes degraus
da evoluo sozinho. A seu lado esto apenas as foras da vida, o pensamento da histria, a
vontade de Deus que impe o progresso.

Deve esse homem enfrentar e conseguir superar todas as resistncias que lhe
opem os seus semelhantes, nem mesmos eles sabem porqu, mas que a vida usa como
meio de verificao do valor do escolhido, que deve dar prova de saber vencer, dado que o
alto monte da evoluo tem que ser escalado mediante esforo nosso. Quando, vencendo
tudo com suas foras, tiver o homem superior dado prova de o ser verdadeiramente, ento as
multides ignaras, tambm dessa vez sem saber porqu, o aprovam e exaltam, por um
instinto profundo comandado pela vida. Ento, aquela mesma distancia que antes as afastava
do tipo mais eleito, essa mesma que agora as atrai, pois neste caso distncia significa
justamente posio mais avanada, que a vida, em seu instinto, aceita, respeita e exalta. As
multides, ento, aceitam, respeitam e exaltam. Tudo na vida utilitrio. Elas fazem isso,
porque precisam do super-homem e o buscam porque ele a nica antena da vida e o
pioneiro do porvir, o pastor nico que as pode guiar. As multides esto sempre espera de
chefes, de modeladores, de condutores em qualquer campo, para saberem o que devem fazer.
Necessitam e procuram um modelo para imitar, um legislador que estabelea a norma que
devem seguir na vida, pois bem poucos sabem agir sozinhos. Por isso, sempre esto
espera, observam e, se o acham, ouvem, recebem, bebem e assimilam. E se o homem
escolhido adequado, e se com a sua vitria deu prova de valor, ento as multides o
constituem seu modelo ideal, sua bandeira e dolo sobre o qual projetam e concentram as
suas aspiraes, que a vida faz nascer em seu instinto naquela hora, com o seu fim de obter
progresso. Forma-se ento desse homem, a lenda, o mito, a divinizao, em que permanece o
essencial dele, o valor biolgico, o impulso vital. Morre o homem, mas fica sua imagem, at
que tenha cumprido a sua funo biolgica. E desse homem permanece um smbolo, uma
bandeira, a idia, ativos at sua completa atuao na vida dos povos.

Explica-se assim o fascnio de tantos seres superiores, diante de um mundo


que, de incio, os julgou loucos, que julgaria louco qualquer um que tornasse a imit-los. Mas
resta o fato de que necessidade absoluta da vida o renovar-se para evolver. S a evoluo
podem explicar-nos como podem esses seres de exceo ser aceitos pela multides
absolutamente incapazes de compreend-los. A admirao delas no pode explicar-se apenas
como concordncia passiva para imitar os mais cotados, que primeiramente entoaram o hino
da exaltao. A concordncia das multides prpria delas e nasce por um instinto que lhes
est no mago e que faz falar dessa maneira. Alm disso, ningum saberia explicar
claramente o porqu dessa admirao. Mas de fato ela existe. E no entanto parece estranho
ver como um So Francisco possa exercer um fascnio sobre o tipo normal, que est muito
longe de pensar que um santo desses possa jamais ser verdadeiramente imitado por ele.
Como que podem as virtudes de renncia desse santo, to antivitais no plano comum
biolgico, to nos antpodas dos instintos normais de conquista, egosmo e agressividade,
como podem fascinar tantas criaturas, num mundo em que perder morrer e diante de
princpios da vida to ferreamente utilitrios? S pode explicar-se tudo isso, pensando na
funo biolgica que a santidade tem em relao ao progresso religioso, moral e espiritual,
que sem dvida, um aspecto importantssimo do progresso social, sobre o qual ele tem
grande influncia. Mesmo na santidade h uma funo biolgica, e onde funo, tambm
fascnio, isto , atrao, um apelo ao instinto, ou seja, um convite a aderir, para que se cumpra
a evoluo. A venerao pelo santo uma atitude que existe enquanto corresponde aos fins
da vida, tanto quanto admirado o homem pelo ser muito mais fraco que ele, a mulher.

O ideal loucura, e o mundo o sabe. Entretanto, tendo que evolver, o mundo


tem fome do que novo, e para conquist-lo tem necessidade de tentar tambm o absurdo.
As grandes conquistas da civilizao foram vitrias conseguidas constrangendo o absurdo a
tornar-se lgico e atual, pelas condies de vida que se mudaram. Se no houvera razo
biolgica, jamais o subconsciente das massas tributaria homenagens ao gnio, ao heri, ao
santo, homenagem que continua mesmo quando tenha morrido o homem, e dele se no possa
tirar mais vantagem alguma. No basta o interesse de um grupos de sequazes, para explicar
sua sobrevivncia ideal, que uma corrente coletiva e no um produto de grupo. E no deixe
de se pensar que aquele ideal que as multides venerem, se representa um guia, significa
tambm uma censura contnua e uma condenao sua conduta. E no entanto a venerao
permanece. Ento, o instinto das massas sente por intuio a superioridade do super-homem,
mesmo se no sabe compreender pela anlise, sente que ali est assinalada uma meta, para
seu porvir. Sabe que ela est longe, tanto que no sabe realiz-la hoje e lhe parece utopia.
Mas ali est o farol luminoso, e aquela luz o atrai, porque, ainda que hoje parea irrealizvel
utopia, representa todavia a nica esperana do futuro.

Sabem todos muito bem que na vida prtica no se consegue imitar um So


Francisco, e bem poucos pensam em faz-lo. E no entanto sua figura nos enche a alma de
saudade por algo de belo, de grande e de longnquo, enche-nos a mente com a imagem de um
paraso de alegrias espirituais, e nesse sonho se aquieta nossa alma cansada. to dura a
realidade cotidiana, to amarga a luta pela vida, to triste o mundo cheio de maldades e
dor, que se torna alegria evadir-se em sonho e, ao menos nele, ver realizada uma beleza irreal.
Por mais que tudo isso nos parea absurdo e entre no terreno do irracional e o homem, que
conhece o real, o saiba no entanto ele no sabe resistir alegria de poder repousar da vista
sufocante das baixezas humanas, refugiando-se mais alto, num mundo melhor. Vistas da
profundeza da misria cotidiana de uma vida montona e plana, por gente que se arrasta na
estrada de destinos cinzentos e insignificantes, essas figura, superiores em qualquer campo,
aparecem como luzes ofuscantes que reanimam, provando que o progresso no vo utopia
e que o ideal uma fora que verdadeiramente impulsiona e sustm a vida. Se to grande
parte de ns, representada pelo subconsciente, em que persistem e de que ressurgem os
atvicos instintos animais, outra parte de ns sem dvida representada pelo
superconsciente, em que desponta, por intuio, o pressentimento da ascenso e dos
melhoramentos num plano mais elevado.

Tudo isso parece sonho e fantasia. E no entanto so estas evases do mundo


positivo da realidade concreta os momentos mais criadores da vida. Quando a alma parece
perder-se no irreal e no irracional, afastando do que parece nica verdade segura, ento
afigura-se-nos que algo do melhor de ns desperte de um longo sono e se lana a obra de
romper os limites do passado e transpor os velhos horizontes. Realmente so esses
estranhos impulsos do desejo ainda inexpresso, que lanam o mundo nas novas estradas da
evoluo e que permitem realizar-se o milagre que sempre se repete, pelo qual, da utopia de
hoje se extrai a realidade de amanh. Se verdade que estamos imersos nas necessidades
frreas do contigente, tambm verdade que, no fundo da alma humana, h um irrefrevel e
insacivel anseio de subida. Da nasce a contnua nusea do passado e um constante e
desesperado esforo para subir. H uma luta na qual a luz quer vencer as trevas. Ainda que
vagamente, as multides sentem a beleza do homem superior, mas sabem que h muito
cansao e dificuldade em segu-lo. Apegam-se ento sua memria, veneram suas relquias,
esfregam-se s pedras do seu tmulo, cantam-lhe hinos, para assim desafogar como podem
essa vaga saudade de superao que existe em cada ser humano, este anseio de infinito que
nos arrasta a todos.

Tudo isto um sonho, sabemo-lo. Mas sonhar pensar e desejar. E o


pensamento e o desejo tm poder criador. Quando fortemente e durante muito tempo
pensamos em alguma coisa e cremos nela, no fim ela passa a existir. Assim aqueles modelos
ideais, que a humanidade forma com seus elementos mais evoludos, servem-lhe para criar
correntes psicolgicas, que depois pela longa repetio, cada vez mais so assimiladas e
fixadas nas qualidades da estirpe. O que plasma a vida a idia, a qual precede e antecipa
suas formas futuras. Lana-se assim o pensamento no ignoto futuro e nele se agarra como
utopia, que sem dvida tambm esperana; assim o espera, o saboreia, o antecipa e
finalmente nele se fixa como realizao concreta. Mediante esse processo gradual de
conquista, lentamente os ideais tornam-se realidade.

Morto o super-homem, permanece o seu modelo. Iniciada depois a corrente


de psicologia coletiva, pelo consenso pblico das pessoas mais destacadas, reforada pela
adeso dos grupos dos sequazes e pela concordncia instintiva de muitos, ela cresce por si,
porque a imitao, meio pelo qual funcionam as multides, se incumbe de fazer o resto. As
coletividades pensam e agem por sintonia, por correntes. Vemos que cada indivduo olha
mais ou menos em redor de si, para ver como os outros fazem, porque acha que a verdade
decidida pelo que a maioria pensa e faz e que erra aquele que no age como a maioria. Cada
indivduo, mais ou menos, tem em grande monta a opinio pblica, torna-se escravo do
julgamento do prximo, tende sempre a mimetizar-se com a cor dominante e a seguir a
correnteza, pois apenas nela se sente aprovado e seguro. Bem poucos tem autonomia de
julgamento. As massas funcionam com a psicologia do rebanho.

Fizemos, assim, nestas pginas, a anlise racional do ideal, da sua formao,


desenvolvimento e funo biolgica, at sua realizao, conquanto esta parea utopia.
Quem tiver compreendido como esse jogo de foras opera na evoluo da vida, no achar
mais utpico falar do advento de um novo tipo de civilizao no III milnio, ou seja, a
realizao na Terra do reino de Deus. Se aquele Reino corresponde a um anseio da alma
humana, a um instinto da vida que aspira ao melhoramento, se este o sonho de quem mais
pensa e de quem mais sofre, como poder tudo isso resolver-se no nada. Desde de quantos
milnios vem o homem dilacerado invocando que a justia triunfe? O homem faz a guerra,
mas anseia a paz, faz o mal, mas anseia o bem, odeia, mas est sedento de amor. Se existe
esse desejo no fundo da alma humana, e da faz presso com tenacidade para realizar-se, e se
ele tambm representa uma fora da vida e um poder criador, como poder tudo isso ficar
sem efeito? O exame crtico que at aqui vimos fazendo, diz-nos que, mesmo falando apenas
racionalmente, o fato de esperarmos uma nova civilizao no III milnio no sonho nem
utopia.

Vimos a tcnica usada pela vida para atingir essas formaes. toda ela o
desenvolvimento de uma semente, isto , de um estado de latncia, da qual, parece, podem
revelar-se todas as possibilidades. A existncia no s vontade de viver. tambm e
sobretudo vontade de evoluir. Na vida h uma Lei, que no s o pensamento que dirige, mas
tambm vontade que impe a sua atuao. Vontade fundamental desta Lei o evoluir,
porque o universo cado deve voltar perfeio de Deus. Por isso se vive, por isso a
insaciabilidade no subir representa o instinto fundamental da vida. Indivduo mais adiantados
neste caminho seguem frente, no caminho ascensional de todos. Inspira-os o pensamento
da vida, a sua vontade impele-os e os ajuda. Com a tcnica acima examinada, as multides
seguem, assimilam avanam, e assim se cumpre a evoluo.

Neste sentido, todos os tipos de super-homem so condutores de povos. No


captulo seguinte, ocupar-nos-emos sobretudo dos condutores polticos, fazendo a crtica do
modelo que, em seu Prncipe, nos prope Maquiavel como exemplo. Desenvolveremos
assim o lado sombrio e negativo do captulo O Chefe da Grande Sntese, captulo que
representa o lado da luz ou positivo-afirmativo do problema. S pode ser verdadeiramente
Chefe quem pertence ao bitipo do super-homem, que acima traamos, ainda que no
apresente os graus mais elevados. No necessrio que seja um santo, um gnio ou um
heri. Mas sempre um pastor, com funes administrativas em parte, e sobretudo de ao.
Mas sempre a locomotiva de um trem, que arrasta atras de si todo o comboio de um povo.

O Chefe um condutor de massas, dentro dos limites de seu tempo, nao e


funo, atento especialmente a realizaes prticas e imediatas. Mas, se bem que em
dimenses mais reduzidas que o santo, gnio ou heri, dever ser sempre um intrprete da
histria de seu tempo e um executor da vontade dela. sempre um chefe, cujo pensamento
chegar a atuao atravs da tcnica acima examinada. Deve portanto saber como funciona a
psicologia coletiva. o conhecimento dessa tcnica que lhe dar a chave do domnio sobre
as multides, indicando-lhe a que impulsos elas reagem. De modo que um homem de
coragem, que, com a voz elevada afirme, de maneira a ser por todos ouvido, ideologias ss
que sejam no apenas o produto de um s, mas produto do pensamento da vida, isto , que
estejam na linha do progresso e de acordo com as suas leis esse homem deve
forosamente encontrar, no profundo do instinto da coletividade em que fala a vida, consenso
geral e aceitao. Se o condutor tiver sabido compreender bem e aceitar o pensamento da
histria em relao a seu tempo, ele no pode deixar de encontrar-se com o mesmo
pensamento que aprova e sanciona sua obra, falando-lhe no a ele diretamente, mas do mais
fundo instinto das massas. O segredo para obter sua adeso est com efeito em procurar o
que reclama o instinto vital delas. E esse instinto coletivo, se no nem racional nem
consciente, intuio que no de maneira nenhuma cega. O segredo do grande condutor de
povos tornar-se fiel instrumento da vontade da vida, no caso particular que ele dirige, para
traduzir, com a ao, na realidade concreta, os imperativos da histria, sabendo ach-los e l-
los nos lugares que esto impressos, isto , no pensamento dela, na linguagem dos
acontecimentos, no subconsciente das massas. Elas sentem, mas no sabem exprimir o seu
pensamento com palavras, e procuram um homem que o exprima e personifique para depois
ajud-las a traduz-lo em ato. Enquanto o condutor que age s por diretivas de seu egosmo
pessoal, tentado forar com elas a histria e imp-las aos povos, tem pouca probabilidades
de xito, o condutor que enquadrando-se no movimento das foras que querem o progresso,
faz de sua obra uma funo biolgica e de sua vida uma misso. Ento, tambm lgico que
este homem, avanando pelos grandes caminhos da vida, tenha muito maior probabilidade de
triunfar.
Examinamos assim a funo biolgica do ideal e do super-homem, no
caminho da histria e na economia da vida, isto , o lado luminoso, positivo e construtivo do
problema. assim o mundo, visto dos planos mais altos. Mas j observamos que cruel e feroz
realidade biolgica se aninha nos planos inferiores da animalidade humana, mentindo e
torcendo a cada passo essas afirmaes, pondo empecilhos sua realizao. No prximo
captulo enfrentaremos em cheio outro tipo de condutor de homens, qual nos mostra
Maquiavel em seu Prncipe, que o super-homem no negativo, isto , o heri do egosmo,
da violncia e da bestialidade, o super-homem das virtudes s avessas, seguindo p princpio
satnico, como no-lo mostrou Nietzche. Para que o nosso estudo seja positivo, resistente aos
ataques da crtica, devemos ns mesmos prever todas objees que, partindo de indiscutveis
verificaes de fato, tiradas da realidade da vida, esto bem armadas para demonstrar que o
ideal um absurdo inaplicvel no mundo de hoje, ns mesmos temos que demonstrar que
conhecemos bem essas verdades do mundo inferior, tomando-as como nosso ponto de
partida, e elevando as nossas construes ideais justamente sobre aquele estado de fato,
cuja verdade uma realidade que s os ingnuos sonhadores podem desconhecer ou
esquecer.

O defeito que apontado a tantos idealistas, e que queremos evitar,


justamente o fato de no terem levado em conta essa realidade. As nossas afirmaes, que
parecem utopias a quem fica parado na superfcie das coisas, podem e devem achar, numa
lgica diversa, pertencente a planos mais elevados, baseada em pontos de referencia
diferentes, a sua demonstrao positiva e as suas bases seguras. Ao homem atual, que ignora
o tremendo peso do impondervel, devemos mostrar a solidez desses novos pontos de apoio,
que to grande como aquela em que ele tem tanta confiana, s porque est perto dela, e
portanto ele a conhece bem, ao passo que os outros pontos lhe escapam quase por completo.
A nossa f, mas quer ser uma crena frrea; hoje antecipao utpica, mas quer ser
antecipao positiva, controlada e calculada; o nosso sonho, mas feito de olhos abertos,
dando-se conta de todas as dificuldades que se opem sua realizao.

Acredita o leitor que no conhecemos ns a ilimitada velhacaria humana?

E sabemos tambm que muitos sonhadores pouco positivos, prejudicaram


mais que ajudaram o progresso humano, por serem irrealizveis os seus sonhos, mostrando
com isto como o ideal muitas vezes irrealizvel.

Serviu assim a sua boa f pouca controlada para dar razo aos cticos.
Sabemos bem que os nobres apelos virtude, religio, ao dever, ao sacrifcio,
fraternidade, ao progresso, foram explorados com freqncia por gente astuta, para satisfazer
os seus prprios interesses e conseguir melhor lugar na vida. Conhecemos muito bem os
truques de tantos pseudo-super-homens que se arvoram em condutores apenas para chegar
s honras e ao bem-estar, que abraam os prprios companheiros, amam os prprios
proslitos, apenas para fazer deles um pedestal ao seu poder, e depois os abandonam, aps
hav-los explorado apenas em sua exclusiva vantagem. Conhecemos tudo isso e no nos
iludimos, julgando que na vida acharemos homens diferentes. Esquecer os fatos e pedir o
impossvel o que faz naufragar os ideais. No queremos, pois, construir sobre o sonho, mas
no terreno slido da dura, ainda que hostil, realidade da vida.

Pretendemos uma coisa mais simples e mais positiva. No contar de jeito


nenhum com a bondade dos homens, coisa muito rara para poder contar-se com ela, mas
apenas com um pouco da sua inteligncia, dado que, ao praticar o mal, eles demonstram
possu-la em grau elevado. Fazendo apelo apenas a essa inteligncia, desejamos demonstrar-
lhes a vantagem enorme, mesmo no sentido utilitrio e egostico, de fazer o bem aos outros,
porque esse bem tambm deles: demonstrar que h uma Lei que eles ignoram, pela qual,
ajudar o prximo ajudar a todos, e portanto tambm a si mesmos; ensinar-lhes esse
egosmo mais vasto que, em seu prprio eu, compreende tambm o seu semelhante, pelo que,
na vantagem dele, entra tambm a nossa vantagem. um problema de lgica, uma
mecnica de foras, fatos que, claramente explicados no podem ser repelidos por uma
inteligncia normal. Se esta se rebelou at hoje a tantas exortaes virtude, foi porque se fez
dessa virtude uma agresso vida, algo que tenta sufoc-la e mutil-la com renncias que,
por serem biologicamente contraproducentes, a prpria vida procura repeli-las atravs do
instinto. mister reconhecer que a vida utilitria e respeitar esse seu utilitarismo defensivo
e protetor, infelizmente os pregadores de virtude muitas vezes a sustentam s em vantagem
do prprio grupo e em dano dos demais. natural ento que o homem se rebele. A virtude
deve engrandecer a vida, desenvolv-la e no sufoc-la. Deve transport-la a planos mais
altos para aliment-la e dar-lhe potncia, fazendo-a expandir-se e desenvolver. Ento,
encorajar, e no reprimir essa conquista, porque a vida s se pode mover pela conquista. Ai
de quem se mantm exclusivamente no lado negativo e renunciador da virtude.
indispensvel mostrar o lado expansionista da vida, porque justo que s este atraia, dado
que o homem feito para crescer, subir, melhorar, e no para regredir. A marcha da vida
para frente, no para trs. Aceite-se a virtude da renncia e do sofrimento no sentido utilitrio
que a sabedoria da vida colocou em nosso instinto, isto , em vista de uma merc, que
consiste na conquista, em ternos de felicidade, de uma vida mais ampla, num plano mais alto.

Foram escritos muitos livros como este, que pregam belas coisas. Mas aqui
oferecemos uma coisa nova e a demonstrao racional da vantagem de fazer o bem, assim
como o grave dano pessoal de fazer o mal. Oferecemos, pois, ao leitor sbio, de um lado, a
perspectiva real de uma vantagem e do outro de um dano para si. Conhecemos o homem e
sabemos que estas so as nicas molas que o movem, os nicos impulsos a que obedece.
Sabemos que esses livros, que falam de belos ideais, so depois explorados por homens
camuflados de idealistas, para seus interesses. Muitas vezes aconteceu isto, e poder ocorr-
lo tambm com este volume e com os demais da nossa obra. Mas podemos advertir a esses,
que nossos princpios se baseiam na presena demonstrada de uma Lei, de cujas reaes
no h distancia de tempo nem de espao, nem fora ou astcia que os possa salvar, se a
violarem. Ns s possumos as armas do amor e da inteligncia, prprias aos planos
superiores. Avisamos, porm, que, contra os transgressores da Lei, h uma polcia do
impondervel, armada de reaes fatais das quais no se escapa. Ns, que no temos poder
algum e nem direito de julgar quem o merea ou no, queremos apenas mostrar aos cegos
como funciona a Lei, e com que terrveis conseqncias pode ela golpear-nos se o
merecemos, pouco importando se nela no cremos e se dizemos que nada disso verdadeiro.

Os ideais fazem parte dos equilbrios da vida e quem os renega ou os trai ou


os explora, vai de encontro vida e a vida ir contra ele. No dizemos que a triste realidade
biolgica da bestialidade humana no seja verdadeira. Mas sabemos que, ao lado dessa
verdade, h tambm a verdade mais alta dos ideais, e que esta faz presso para realizar-se a
luta, para vencer e sobrepujar a outra triste realidade biolgica. Ao lado do estado involudo
do homem, em que se baseiam os negadores do ideal, h uma realidade igualmente positiva,
que a lei do progresso. Se o homem ainda est atrasado, permanece sempre a evoluo
como justificao do seu existir, de seu lutar, de seu sofrer; permanece ela sempre a meta de
sua vida. O pensador equilibrado no deve ser apenas um idealista que perde o contato com a
realidade, nem um positivista negador de qualquer idealismo. A realidade e a idia so os dois
extremos de nosso caminho evolutivo, so o hoje e o amanh de nossa vida, so dois plos
do nosso mundo, entre os quais oscilam e se realizam todos os nossos movimentos. Isolar-
nos em qualquer dos dois, afastar-nos da verdade e ficar mutilados numa viso unilateral..
s quem se colocou no meio dos dois extremos, pode v-los e avali-los ambos ao mesmo
tempo, isto , observar o cu em funo da terra e a terra em funo do cu. S ele pode dizer
aos sonhadores do ideal: cuidado que a terra bem diferente, e difcil fazer descer a ela
tanta beleza. S ele pode dizer aos homens prticos do mundo; cuidado que acima da terra h
o cu, sem o qual no pode a terra viver; cuidado que alm do presente, h o amanh, em cuja
direo forosamente tudo h de caminhar-se, e sem o qual o presente no teria significao.
Sabemos bem que a realizao do ideal rdua. Mas isso no quer dizer que
ele no coisa verdadeira. Os maiores homens da humanidade lutaram e muitas vezes
morreram s por isso. No o conseguiram, dir-se-, mas a humanidade, mesmo no os
imitando, admira-os e venera-os. O homem animal, mas no entanto tem fome de subir. O
animal tem vergonha de o ser, e aspira a tornar-se anjo. Subir a lei, a primeira paixo, o
mximo impulso da vida. Dir-se-: mas os dois milnios de cristianismo tambm poderiam
chamar-se dois milnios de explorao de Cristo, com outras finalidades, ao passo que o
homem permaneceu mais ou menos o mesmo. Dir-se- que os ideais parece que servem na
terra para no serem postos em prtica, mas s para serem pregados e explorados, em
vantagem de alguns homens ladinos, que os utilizam como uma bandeira, com a qual possam
cobrir melhor o prprio jogo, que conseguir um lugar melhor na vida. Parece que na terra as
verdades superiores s podem aparecer sob a forma de mentira. E se houver algum idealista,
os seus escritos e trabalhos servem apenas para melhor enganar o prximo, cuja boa f
mais facilmente conquistada, quando se fala no nome de um ideal que d maior garantia de
honestidade.

Estes livros, tambm, especialmente depois de morto e colocado


definitivamente sob silncio o seu autor terreno, correm esse perigo, podendo ser utilizados
quem sabe por quem e quem sabe para que fins. Mas justamente por isso, procuramos
colocar-nos em contato com a dura realidade da vida, denunciando todas as suas traies,
demonstrando conhec-las e trabalhando em seu prprio terreno. Quisemos dar-nos bem
conta da grande distncia entre a vida real e os princpios ideais. No quisemos iludir-nos
com o otimismo dos homens levianos. Quisemos dar-nos conta objetivamente de que
estamos construindo sobre a lama, para concluir que, no entanto, fatal avanar e o mundo
avanar. Quisemos ns mesmos, em primeiro lugar, procurar demolir a nossa f, para que
dela permanecesse apenas o que tem a solidez do ferro. Quisemos reconhecer todos os
vcios e defeitos do homem, fazendo-nos cticos at ao fundo, para sairmos mais aguerridos
de um tal banho de ceticismo. E ento, o que resta do ideal, no mais uma fantasia fcil de
mente leviana, mas no terreno do impondervel, adquire a evidncia da luz e a solidez da
pedra. assim, s assim se poder chegar a conjugar a verdade bestial de Maquiavel com os
mais altos ideais do esprito, como dois momentos bem compreensveis, dado que
logicamente conexos, de uma mesma verdade em evoluo.

Reconhece-se assim que o poder devia ser misso mas que no entanto, dado
que a vida de hoje exige uma compensao, natural que o homem, que se esforou para
chegar, sinta o direito de gozar, na posio conquistada, o fruto de seu esforo. Ele no pode
ento ocupar-se do bem do povo, mas s de seu bem, dado que o povo faz o mesmo com ele,
e a lei de explorao universal. Mas tambm se reconhece que, fora de abusar e errar, e
portanto de pagar, o homem tem por fim que aprender, ainda que sua custa e, aprendendo,
tem que evolver, isto , caminhar para a realizao do ideal. J mais do que sabido agora, o
velho sistema de que os ideais so pregados com o fito de explorao. Mas, se um interesse
no houvera, quem faria alguma coisa no mundo? No se pode pretender que a vida no seja
utilitria. Preciso reconhecer-lhe esse direito, que est na sua lgica e em seus equilbrios.
O que preciso apenas passar a um utilitarismo mais inteligente e mais universal, que no
constitua dano para ningum e seja vantagem para cada vez maior nmero de pessoas.

No se pode demolir o velho com agresso, para destru-lo, pois tudo que
existe quer viver e, se for agredido reage. O que preciso transformar o velho fazendo-o
evoluir. No se pode pretender sufocar a vida, nem se devem utilizar os princpios ideais para
esmagar o prximo, para venc-lo na luta pela vida,, e para substituir-se a ele em posies
vantajosas. Ao pedir-se duros sacrifcios natureza humana, em favor da evoluo, preciso
ter em conta que ela deve tambm viver, e no pode ficar sufocada. E, infelizmente, muitas
vezes se estabelece a tbua de valores s em funo da prpria utilidade, e com freqncia a
pregao dos ideais se faz apenas em favor prprio, para a vitria dos interesses da prpria
casta. indispensvel recordar que a luta pela vida invade e penetra tudo no mundo, e
portanto, se quisermos obter e construir com justia e ento em forma durvel, porque
equilibrada, isto , sem as inevitveis reaes teremos que levar em conta o direito vida
que existe tambm do lado oposto, essa vida que s vezes queremos esmagar em nome de
virtudes, que naturalmente supomos dever existir antes nos outros que em ns. Se tantos
timos princpios so infelizmente sustentados no mundo, por vezes calorosamente, isto
acontece, porque o homem conseguiu transform-los em armas de ataque contra o prximo,
na luta pela vida.

O nosso mundo assenta mais sobre sistemas do que sobre o indivduo.


Talvez tenha decado a tal ponto a f no valor do homem, que ela se reduziu a ter que
prescindir dele, confiando s na perfeio do sistema, que deveria sanar tudo. Talvez tenha
chegado o orgulho humano ao ponto de crer que uma organizao perfeita e um sistema de
normas, podem suprir a m qualidade da matria prima, que o homem. tambm verdade
que o sistema pode ser uma escola para fazer o homem, como, por exemplo, o sistema
representativo pode servir para ensinar a saber votar, formando, atravs de duras provas,
uma conscincia coletiva poltica. Mas tambm verdade que, enquanto o homem no tiver
aprendido, o sistema no poder suprir os erros dele. Dizia Giuseppe Mazzini, nos Deveres
do homem: Os homens bons tornam boas as ms organizaes, e os maus tornam ms as
boas.

Acredita-se hoje que se possa melhorar, alegando direitos. No. S se pode


progredir atravs do esforo de cada um. E assim, atravs dos sculos, como diferente da
de Maquiavel a resposta de Mazzini: . . . nada conseguireis seno melhorando; no
conquistareis o exerccio de vosso direito, seno merecendo-o com o sacrifcio, com a
atividade, com o amor. Se procurardes, em nome de um dever cumprido ou a cumprir,
obtereis; se procurardes em nome do egosmo, em nome de no sei que direito ao bem-estar,
que vos ensinam os homens do materialismo, s conseguireis triunfos de uma hora, seguidos
por tremendas desiluses. Os que vos falam em nome do bem-estar, da felicidade material,
vos trairo. Tambm eles procuram o seu bem-estar; se confraternizam convosco, como um
elemento de fora, enquanto tm obstculos a superar, para conquist-lo, logo que o
consigam com vosso auxlio, vos abandonaro, para tranqilamente gozar a sua conquista.
Esta a histria do ltimo meio sculo e se chama Materialismo. Isso escrevia Mazzini em
1860, e tambm hoje absolutamente verdadeiro. E conclui: . . . o materialismo arrasta-vos
inevitavelmente, com o culto dos interesses, ao egosmo e anarquia. assim que o
materialismo ameaa levar o mundo destruio, com o fim da civilizao europia.

Nos captulos do Apocalipse no volume Profecias, vimos como o mundo


vive debaixo de grandes ameaas, numa era de destrucionismo. Mas uma destruio que
consiste apenas numa condio de melhor reconstruo. Em sus sbia economia s com
essa condio que a vida destri. Depois de termos ocupados alhures especialmente do fim
do mundo velho, ocupar-nos-emos aqui dos princpios sobre os quais ter que ser
reconstrudo o novo. O contraste que o leitor encontra nesse volume, entre a realidade
biolgica e o ideal, em luta, entre o velho que rui e o novo que nasce, entre as trevas e a luz
que deve venc-las, apenas o espelho do que est hoje acontecendo no mundo, nesta hora
apocalptica, em que atingimos a plenitude dos tempos.

II

O CHEFE CRTICA DE MAQUIAVEL


Para todos, do chefe at o ltimo dos cidados do Estado, o
que constitui seu direito particular prprio, apenas a capacidade de
cumprir o seu dever prprio particular. Assim qualquer poder s
admissvel como funo social, nica que d direitos e poderes, e
isso de acordo com o seu grau e natureza.

O chefe condutor de povos, deveria ser um tipo biolgico, mais evoludo que
a mdia, emergindo, portanto, da massa do povo, mas apto ao mando sobre ele, a fim de
dirigi-lo para metas superiores. Ele deveria ser como uma ponte entre a terra e o cu, pois que
deveria estar em contato com o pensamento e a vontade da histria, obrando como intrprete
seu e instrumento de execuo; e ao mesmo tempo deveria saber descer ao contato com a
massa do povo para conhecer as suas necessidades e cuidar de sua vida e progresso.

Estes os conceitos do captulo precedente. Ento, se estas tinham que ser as


caractersticas do tipo biolgico do condutor de povos, vamos agora confront-las com as do
tipo biolgico que nos apresenta Maquiavel, em seu Prncipe, figura de condutor traada
com um realismo impiedoso. Confrontemos, para ver quanto de verdade pode haver em suas
afirmaes to diversas, procurando entrar ns mesmos naquela psicologia e assumindo
aquela forma mental. S assim, partindo do bitipo do super-homem no negativo, tal como
no-lo apresentam Maquiavel e Nietzche, poderemos construir, com inteiro conhecimento, o
bitipo do super-homem no positivo, substituindo ao gnio malfico da destruio, o gnio
benfico da reconstruo.

Apresenta-nos Maquiavel em seu Prncipe, uma figura que est nos antpodas
da que acima traamos, um tipo diablico, de astuto e prepotente, de falso e traidor,
aproveitador de tudo e desprovido de qualquer moral. Aproximemos as duas concepes
situadas nos antpodas. Certamente no pode negar-se que se Maquiavel escandalizou o
mundo, foi s porque mostrou desnudado o verdadeiro rosto de muitos chefes e a baixeza e
verdadeira natureza dos meios que eles usam para guiar a vida social. Maquiavel no quis
dar-nos um tipo ideal para ser imitado, porque nobre e belo, mas apenas quis verificar e
mostrar-nos a dura realidade. Como homem positivo, limitou-se o que esta lhe oferecia nos
fatos. Os governantes da terra, desde que existem governos, sabiam bem as doutrinas de
Maquiavel e bem o demonstra o fato de que muitas vezes as aplicaram. Mas eles tinham uma
moral, que consistia em ocultar os seus verdadeiros princpios, para dominar melhor os
sditos, escondendo seu rosto verdadeiro de lobos sob a mscara de cordeiro. E eles s se
insurgiram contra Maquiavel porque este lhes violara essa moral, expondo sinceramente a
triste realidade qual ela . Em ltima anlise, em seu livro O Prncipe, realiza Maquiavel um
ato de grande, mas de incmoda franqueza, descobrindo os segredos que movem o homem
que permaneceu lobo, que ainda funciona em cheio com as leis do plano animal, mesmo
quando sobe aos mais elevados planos de comando e s honras da glria de vencedor e de
chefe. Esse livro foi um ato de grande bom senso e um corajoso reconhecimento da dura
realidade dos fatos. E foi tambm uma grande bofetada no gnero humano, descoberto em
sua vergonha e ferocidade, tanto considerado na hipocrisia dos governantes, quanto na
imbecilidade das massas.

Sem falar nas leis biolgicas, sem dar-se conta das profundas razes pelas
quais ainda hoje se comportam assim o homem, sem estudar o modo de sair do pntano.
Maquiavel expe claramente, sem o querer, a natureza bestial do homem, porque essa era a
verdade que lhe caa sob os olhos. Nietzche estabelecia, no plano filosfico, os mesmos
conceitos que Maquiavel estabelecera no plano poltico. Tiveram ambos o merecimento de pr
a nu o que se esconde atrs da hipocrisia e a coragem de fazer aparecer o homem como fera
que . O mundo gritou, porque se viu descoberto; protestaram os poderosos porque se lhes
arrancava o nobre manto que lhes cobria as vergonhas, e assim se tentou tambm justificar a
velhacaria humana, mas dessa forma fez-se luz sobre a verdadeira natureza do ser humano e
sobre a importncia preponderante da luta pela vida em todas as suas manifestaes.
Apareceu assim, no condutor, a sua verdadeira face de dominador, qualidade sem a qual nem
sequer se podem fazer as grandes coisas. E o mundo dirigido por condutores e avana por
meio deles, sejam eles escolhidos pelas revolues, que desembocam no absolutismos
totalitrios, sejam, ao invs, escolhido pelo sistema eletivo nas livres democracias. Qualquer
que seja a estrada pela qual cheguem ao poder, os povos, para poderem progredir, deveriam
ser sempre guiados por um tipo biolgico mais adiantado que a mdia. Mas, infelizmente, os
fatos at hoje, do razo a Maquiavel e a Nietzche, porque o tipo biolgico do condutor tem
sido, com freqncia, o que eles descreveram. O mundo tem o instinto de ansiar como chefe
um ser superior, que pertena a planos biolgicos mais elevados do que o seu, que animal,
mas tudo permanece sonho vo, diante da dura realidade dos fatos, pelo que, para vencer e
dominar, indispensvel a fora, e para criar, mesmo no bem, mister que esse bem seja
imposto.

No queremos com isso justificar nem Nietzche nem Maquiavel. Apenas


queremos explic-los. O seu erro consiste em ter aceito sem rebelio, e at confirmando, essa
dura realidade. A sua culpa no ter procurado opor-se e libertar-se desse mal, superando-o,
em vez de hav-lo justificado como uma lei natural da vida. E isto um consentimento tcito,
uma aceitao. Pois o homem no deve, no pode, permanecer sempre no plano animal. Esse
reconhecimento deles quase uma confirmao ou autorizao baixeza. Nietzche chega at
a idealizar o inferior tipo biolgico apenas da fora, e vai at faz-lo tipo ideal, propondo-o
como modelo. Tudo isto exaltao do involudo, reviravolta de valores, monumento
erguido ao animal. Eis em que reside o erro e a culpa desses escritores. Pararam na realidade
de superfcie, sem compreender que h outra realidade, mais profunda, a do esprito, da
vontade da Lei, dos impulsos da evoluo, da imanncia de Deus. O pensamento humano
representa uma fora superior matria, deve domin-la, plasm-la, faz-la evoluir, e no
aceit-la tal qual a suport-la como seu escravo. Sente-se que a esses escritores e a seus
afins falta algo que eles no viram, falta o sentido para perceber o poder do impondervel, que
todavia pesa muito mesmo na realidade histrica e social observada por eles. O seu erro o
mesmo do materialismo, que parou superfcie e que, agora que a cincia comea a penetrar
mais profundamente tem que repudiar muitas de sua dogmticas afirmaes. H um mundo
superior que os mais evoludos sentem por intuio, e que escapa completamente a esses
homens prticos de ao, ainda quando chegam a ser homens de estado ou filsofos
famosos. Diante dessas superiores realidades do esprito, que eles negam porque no vem,
tornam-se eles crianas, ineptos, incompetentes. Crem, em seu ceticismo, que so mais
astutos e que esto mais prximos da verdade em seu sentido prtico e dirigindo-se ao
acreditam atingir a realidade. No entanto, so incompletos, e em certas zonas da vida,
totalmente cegos. Por isso lhes escapam de todo, como ao materialismo, os sutis valores do
esprito e no podem compreender nenhuma religio seno a da violncia. Seu metro no
pode medir as distancias astronmicas do sublime, que ento repudiado e liquidado como
inexistente. Sem dvida que a luz para os cegos, no existe,, mas assim no ocorre ao que v.
Para eles a tbua de valores diferente, assim como a virtude e os meios, porque diferentes
so as finalidades da vida. Savonarola, entendido friamente por Maquiavel, bem diversamente
reagiu s mesmas condies de seu tempo.

Hoje preciso ento refazer totalmente o Prncipe de Maquiavel e embora


reconhecendo a verdade desse tipo biolgico, complet-lo nas partes superiores em que est
falho. Aquele Prncipe um ser meio fera. Mister se torna dar-lhe a forma humana, digna dos
novos tempos. Movimentaram-se hoje outras foras, a humanidade prepara-se para enfrentar
outras experincias. Estamos, verdade, em perodo de destruio. Mas justamente nessa
fase que se prepara a reconstruo. Destruio e reconstruo ao mesmo tempo, o que
significa que os velhos conceitos materialistas so demolidos e novo edifcio se vai erguendo
sobre suas runas. No mais serve hoje o riso escarninho, o atesmo cnico de um Voltaire,
mesa de Frederico, o Grande,, em Sans-Souci. Hoje mister sustentar-se uma crena frrea,
tornada necessria pelos acontecimentos apocalpticos dos tempos, tornada obrigatria por
sua demonstrao racional, levada at soluo dos problemas ltimos.

Poderia parecer que, ao procurar introduzir seriamente o elemento moral na


vida poltica, quisramos acrescentar uma mentira indita, de novo estilo, s antigas muito
conhecidas. No. aqui introduzido o elemento moral de forma racional, positiva,
logicamente demonstrada, no na forma de f, mas de evidente realidade que corresponde a
uma nova ordem de fenmenos objetivos, a que o mundo, em sua cegueira e posio
involuda, deu muito pouco valor at hoje. Queremos aqui introduzir o elemento moral na
poltica, porque esta faz parte da vida, que se baseia tambm nas leis morais, que no se
relacionam apenas com a f e o ideal, mas fazem parte integrante das leis biolgicas.
Queremos fazer compreender que, diante de tais leis dominantes no campo tico, no se pode
permanecer agnsticos, como no se pode faz-lo diante das outras leis da vida. Queremos
fazer compreender que as normas da retido moral no so o derivado de uma opinio
pessoal, de que se possa prescindir, mas so uma realidade objetiva que penetra o nosso
contigente e pode ferir-nos, se no observarmos os seus princpios, com tremendas reaes.
Esta hoje difundido o erro de crer que esses problemas podem agnosticamente ser postos de
lado e resolvidos prescindindo deles, como se fossem apenas produtos humanos desta ou
daquela religio ou escola. Temos que compreender, ao invs, que a humanidade est a
milnios pagando com dores e sangue essa sua crassa ignorncia de verdades elementares, e
isto porque vai usando mal, para seu dano, em vez de sua vantagem, as tremendas foras que
hoje ameaam tritur-la. Por causa desse repetir e acumular de erros, chegamos hoje a uma
era apocalptica, em que mais ameaadora se torna a reao da Lei, que se apressa para
chegar a uma soluo, mesmo se esta tenha que ser a catstrofe do mundo atual.

No entanto, no difcil introduzir o elemento moral, pertencente a uma


ordem de idias de um plano superior, em nosso mundo, situado ainda de preferncia num
plano animal. O novo elemento ser introduzido com ponderao e medida, ou seja, na dose
suportvel pela realidade biolgica atual, porque, em dose excessiva, poderia fazer-nos
perder contato com ela, e transformar-se num impulso para uma utopia irrealizvel. Se o puro
ideal pode ser no alto uma esplndida verdade, em baixo pode representar grave erro
biolgico. Temos que dar-nos conta, na ao, do plano em que trabalhamos, para no
cometer, em relao a ele, erros que teramos que pagar. No terreno prtico, o sublime pode
ser um erro, contra a qual a vida reage depois em nossa perda. No verdade que se possam
inverter, em nome do ideal, as leis de cada plano de vida, e ai de quem, acreditando-se homem
de grande f, subverte a ordem com leviandade. Quando estamos imersos em certo tipo de
princpios e foras, porque esse nosso grau de evoluo, orgulho e loucura pretender
evoluir fcil e rapidamente. A nossa f tem que ser ponderada, consciente das foras da vida,
das dificuldades apresentadas pela evoluo; deve evitar que se transforme em loucura que
nos lance em cheio em aventuras perigosas, que vemos tantos inconscientes tentarem, s
vezes, com resultados desastrosos. Nesses arrebatamento para o alto, temos primeiro de
analisar que dose daquela revoluo biolgica, que para o homem atual a verdadeira
espiritualidade, podem suportar as nossas condies atuais; temos de estudar antes qual o
grau de rarefao atmosfrica que podem suportar nossos pulmes ainda no habituados,
sem que fiquemos sufocados, sem respirao. Sem dvida, uma grande f e um desejo
ardente so os impulsos mais adequados a arrancar-nos do baixo para lanar-nos para o alto.
Mas os casos de seres que verdadeiramente os possuem, so raros, ao passo que as leis
biolgicas so frreas para todos. Agredi-las, contra elas empenhar a maior batalha biolgica,
que a dos santos, pode desencadear contra ns tremendas reaes, pelas quais poderemos
ser esmagados, se tivermos sido incautos e se nos empenharmos com leviandade na luta
sobrestimando nossas foras. Por isso faliram to miseravelmente tantas tentativas de
superao, iniciadas sem levar em conta tudo isso

Falamos de poltica como de um momento do fenmeno social, que um


momento do fenmeno biolgico, que por sua vez um momento do fenmeno csmico. A
poltica, portanto, toda colocada logicamente num quadro de filosofia do universo. Vemos
pois como no atual plano humano da vida, verdadeiro o Prncipe de Maquiavel, e que
dificuldade existe em introduzir nesse plano o elemento moral e espiritual. Na vida social, o
Cristianismo luta em vo h dois milnios neste sentido. Mas justamente, quem analisa
racionalmente o fenmeno, dando-se conta de todas as dificuldades, que est mais apto a
orient-lo no sentido positivo, com maior probabilidade de xito. Em outros termos, queremos
ver aqui, no atual grau de evoluo humana, quanto possa a poltica conter de elemento moral
e espiritual, sem cair na utopia. S assim poderemos ficar no terreno prtico, falando
positivamente aos homens de ao, de coisas que eles julgam fora de seu mbito, para
demonstrar-lhes quanto, ao contrrio, estas lhe dizem respeito e como perigoso ignor-las e
pode custar caro descuid-las. S desse modo pode falar-se de forma positiva, no terreno
poltico, de elementos morais e espirituais.

Biologicamente, os governantes so os pastores dum rebanho que deles


espera e exige guia e proteo. Despojados de todas as formas exteriores, as relaes entre
governantes e governados, e ao contrrio, so muito simples. So estabelecidas pelas
exigncias da luta pela vida. Reduzida a poltica a esta mais simples expresso, os sistemas
de escolha (seja mediante revoluo ou eleio) e os sistemas de governo ( sejam totalitrios
ou representativos) embora diversos na forma se equivalem na substncia. De qualquer
modo, o condutor deve ter sempre as mesmas qualidades, isto , a do mais hbil, do mais
forte, do que melhor d garantias de defesa, de prosperidade, de progresso. Isto o que
exigem os povos de seus governantes, ou seja, o cumprimento da funo biolgica de que se
incumbem. Mas, no fundo, a vida que, atravs do instinto dos povos, exige que cada um
cumpra a tarefa que lhe cabe. Hoje o mundo discute muito os mtodos pelos quais se pode
chegar ao poder, quer por eleio ou revoluo, pela chamada escolha livre nas democracias,
ou pela imposio e por eliminao dos rivais. Mas so apenas dois mtodos diversos, em
substncia fundamentados igualmente na fora e na astcia. No caso da democracia ser a
fora do dinheiro, mas requintada que a fora bruta, que elimina os pretendentes inimigos, e a
astcia ser menos policial e feroz. De fato, porm, esses dois mtodos, embora
diferentemente evoludos, reduzem-se no fundo mesma luta pela vida, ainda que se
manifestem em duas formas diversas.

A luta a condio primordial da evoluo, que uma longa escada que


temos de subir com esforo nosso. Da o contnuo esforo para emergir das condies
inferiores da vida, vencendo a despeito do ambiente e a despeito de todos. Em nosso plano,
significa essa luta o esmagamento de qualquer rival de nossa vida. Se ao seu evoluir amanh,
tornar a seleo uma forma mais apurada, tendente produo de um tipo mais consciente e
espiritual, hoje serve a luta para a seleo do mais forte quase que somente em sentido
animal, porque este agora o tipo biolgico dominante na terra. Em vista disso, a primeira
coisa que os povos exigem de seus verdadeiros chefes a fora. Para realizar o grande
esforo da evoluo, o mundo procura sempre a fora. Por isso, a mulher adora o homem, os
pobres invejam os ricos, os inferiores na escala social obedecem a seus superiores. O chefe
de um povo , em ltima anlise, o homem, pai de uma grande famlia. Mais que bondade e
amor, qualidades femininas, pedem-se-lhe as qualidades viris do poder e da capacidade de
domnio, nicos que o autorizam ao mando. A vida, exige no chefe que guia, o tipo melhor da
raa, mas melhor em relao e em proporo a ela. assim que cada povo, segundo seu grau
de evoluo, precisa como chefe, de um tipo biolgico evoludo em proporo a ele, portanto,
nem muito involudo, para que no seja desprezado por estar muito baixo, nem demais
evoludo, que seja incompreendido porque muito alto. Por isso se diz que os povos tm o
governo que merecem. Mas pode dizer-se tambm que os chefes tm o povo que merecem.
Entre governantes e povos, se deve haver certa distncia evolutiva para estabelecer a
superioridade do condutor, tambm deve haver certa afinidade que permita a comunicao,
embora isso implique defeito, mas necessrio para estabelecer a sintonizao.

O chefe, como homem, pai de sua grande famlia que seu povo, como a
locomotiva de um trem, abre o caminho para a frente, diante do comboio. como o indivduo
escolhido, que guia as migraes das aves. Reis, imperadores, presidentes de repblica etc.
todos existiram e existem porque a vida precisa deles para cumprimento de uma funo
biolgica necessria, a da guia. Ao chefe, todas as honras, a riqueza, a obedincia. Mas a vida
no d coisa alguma para o nada, e o instinto dos povos o sabe. Essa homenagem no
gratuita para o chefe, mas apenas uma parte de um contrato bilateral, e por isso o povo exige
do lado oposto capacidade, justia, defesa. O povo obedece, paga as taxas, d seus filhos
para que a ptria os sacrifique em defesa prpria, mas quer ser pago de tudo o que d para o
bem de todos, com a ordem interna (defesa contra as minorias agressivas), com a garantia da
propriedade e da famlia, com sua liberdade nos limites do que lcito, com a defesa contra os
inimigos externos. A propaganda pode criar uma psicologia artificial a seu modo, mas apenas
dentro desses limites. Por mais que se alardeie que um povo navega na abundncia, ele
compreender sempre que ao invs o devora a misria; por mais que se lhe queira convencer
que ele vence, ele sempre perceber quanto perde.

Quando, por exemplo, saindo do simples e normal terreno administrativo ou


poltico, um chefe entra num jogo maior, o da vida ou da morte da nao, empenhando-se
numa guerra, o povo ento desperta e apura o olhar. Os jornais quase sempre cheios de
crnicas escandalosas ou criminais, de personalismos e sonferos, de interesses maus ou
nulos, e que portanto talvez melhor seria nem l-los, tornam-se nessa ocasio ardentes e
vitais, porque forte a entrada para o jogo da vida, e eles registram os grandes
acontecimentos que constituem a histria. Instintivamente desperta a mente dos povos,
porque sentem que ocorre algo grave. Diante dos interesses da vida, as normais vicissitudes
polticas e parlamentares tm valor de crnica e boato de aldeia. E este ao contrrio o
momento em que o chefe mais controlado pela opinio pblica, exigindo dele que
desempenhe sua funo. O povo obedece e faz sacrifcios. O chefe continua a mandar e pedir.
Se o chefe vence, com ele vence a nao, com ele triunfa e tripudia, aproveitando todos juntos
dos despojos custa do inimigo. E triunfam todos na vitria da vida.

Se ao invs, o chefe perde, a vida que nos instintos do povo, se sente


derrotada. Ela ento, atravs desse instinto, revolta-se contra o chefe que teve a pretenso de
saber desempenhar uma funo e a no desempenhou. No se brinca com a vida. Esta sua
linguagem concreta. A vida reprova nos exames, matando seus alunos. Rebelam-se ento os
povos, e matam ou depe seu chefe, chamando-o de traidor. Traidor de quem? Da vida, que
realmente se sente trada por quem assumiu um empenho vital sem sab-lo depois manter.
Esse sistema de liquidao poder desaparecer com a evoluo, mas normal e considerado
legtimo em nosso plano involudo, ainda no nvel animal. Esteja atento, pois, quem se entrega
ao poder da fora, porque lhe no ser deixado outro poder. Quem ingressa nesse terreno, se
acaso perder, no poder esperar piedade, bondade, justia, pois ele mesmo, ao penetrar no
terreno blico, por mais que queira e possa justificar-se, se colocou fora do campo dessas
foras, que o no mais sustentaro. Mas, se vencer, demonstrando com isso ser
verdadeiramente mais forte, ento tudo est para ele: glria, poder e at a bno de Deus.
Ele escrever a histria a seu modo, estabelecer sua verdade, e a fixar numa nova ordem,
em que todos os vencidos estaro a ele sujeitos. Poder at revestir-se de justiceiro, e assim
camuflado, criar tribunais, encenar processos e emanar sentenas em nome da justia contra
seus inimigos, chamando-os de criminosos de guerra ou coisa semelhante. E ele no pensa
que, se ao contrrio tivesse perdido, ele teria sido julgado e condenado com o mesmo sistema
de justia. E no novo que nas alternativas vicissitudes da vida, sejam vencidos os
vencedores e depurados os depuradores.

Esta a realidade mais verdadeira, que se acha escrita no fundo das leis
biolgicas. Diante desses, muitos problemas polticos so questes de forma, modalidades de
superfcie, luta para que vena um homem ao invs de outro. Por trs de tudo est a realidade
biolgica, que o sustenta, explica e justifica, sempre pronta vir a tona dgua, saindo de sua
profundidade. Diante dela, o sistema representativo que a alguns parece hoje a panacia para
todos os males polticos, questo de forma. Ao contrrio, biologicamente, substituir ao
nico chefe de famlia, pai de seus filhos, uma assemblia eletiva de pais-de-famlia,
escolhidos pelos filhos, que deveriam ao invs obedecer ao pai, mais velho e mais sbio,
parece um erro. A vida se apega de preferencia ao princpio absolutista e totalitrio, que o
princpio teocrtico da autoridade, do poder absoluto, concedido ao melhor, que o pelo
prprio plano de vida ao qual ele pertence. Mas a vida faz tudo isso apenas subordinadamente
a uma funo, de que, depois exige o desempenho. As leis biolgicas concedem poderes
absolutos, mas experimentam e examinam o indivduo a cada momento, e os retiram logo que
este no os utilize para os devidos fins e trai assim a funo para a qual aqueles poderes lhe
foram concedidos. O sistema representativo, despersonalizando o poder, procura evitar essas
sanes ferozes. Os sistemas totalitrios e de poder absoluto presumem um chefe
relativamente perfeito. Sendo isto muito raro, eles se transformam muitas vezes em tirania ou,
por inaptido, em runa. Diante dessas perspectivas, resultantes de experincias bem duras
da histria, que nasceu a justa reao contra os governos absolutos e totalitrios. Mas, um
partido poltico, em pleno sistema parlamentar, se obtiver a maioria (que, com o sistema de
propaganda eleitoral e a inconscincia das massas, nunca se sabe se realmente corresponde
a uma vontade da nao) pode exercer a mesma tirania ou por inaptido levar mesma runa.

Quem , ento, que verdadeiramente dirige uma nao? o mesmo


pensamento que dirige a Histria. Numa colmia de abelhas, num ninho de trmitas, no h
nenhum chefe visvel. A rainha pe os ovos, defendida, mas quem menos manda. Ningum
manda e todos, na coletividade, esto subordinados funo. Logo que no estejam mais em
condies de desempenh-la so liquidados. O que constitui o direito apenas a capacidade
de desempenhar seu dever prprio particular. Quem manda de fato ento o invisvel
pensamento da vida, que atribui os poderes em proporo funo e como meio de
desempenh-la. um mando annimo, impessoal, onipresente, preso na economia utilitria
da vida, funo que a nica que d direitos e poderes. Assim ocorre na vida social das
naes. Aqui chefes e sistemas so relativos, mutveis, fictcios. So pura forma ou
instrumentos. Se alm deles quisermos achar a substncia, isto , quem que
verdadeiramente manda e dirige, temos que recorrer, como nas sociedades animais, ao
pensamento e vontade da vida, que manobra todos partindo do ntimo deles, movendo-os
sem que eles se dem conta. As massas, com efeito, sentem e manifestam o pensamento
coletivo por instinto, e acham o caminho que tm de seguir, por intuio. Elas no saberiam
dizer por que o seguem. Quem ento que pensa por elas e lhes instila as idias adequadas
ao momento? verdade que as multides so instigadas e lanadas mas s at certo ponto,
porque, uma vez lanadas, em geral no obedecem mais, tanto que as revolues costumam
matar seus primeiros promotores. Quem poderia confiar na poltica, se no soubesse que
atrs dela e por trs dos erros, das loucuras e dos delitos dos homens que a fazem, existe o
juzo e a sabedoria de um pensamento superior? Est por acaso a poltica fora da vida e do
cosmo? E se este est no singular, portanto como tem que ficar no singular dirigido pela
imanncia de Deus, como pode a poltica escapar a esse poder e lei universal? De fato acima
de governantes e governados, h outro Chefe supremo que, dirigindo toda a vida, os dirige
tambm para os fins mais altos, alm deles, que esto imersos na luta pelo triunfo pessoal,
no podem ver. Ento, em ltima anlise, quem salva as naes, apesar de todos os erros e
egosmos humanos, o prprio pensamento e vontade que dirige a histria, e tudo utiliza
como meio para que se cumpra a evoluo.
X X X

Observemos agora mais de perto o pensamento de Maquiavel no Prncipe,


para compreender melhor por que motivo e at que ponto, corresponde verdade uma
linguagem to crua, se podem, e at que limite, ser aceitos tais conceitos, e de que modo
podem ser completados no campo espiritual, que Maquiavel ignora. Procuremos traar desse
modo uma figura mais completa do Prncipe, em lugar daquela, mutilada na parte superior
espiritual, - to necessria vida, no entanto daquela que resulta da viso materialista desse
escritor. Chame-se prncipe, rei, imperador, presidente, condutor, chefe, etc., ainda que se
mude a forma de eleio e de governo, o homem que est no leme de um estado tem sempre a
mesma funo, deve fazer o mesmo trabalho e, diante das leis da vida, sobe ao poder e o
exerce pelas mesmas razes. Diante de um problema to importante, qual estabelecer os
atributos e o comportamento do supremo chefe de Estado, do que tem em mos as rdeas da
nao e dono da alavanca de comando, diante de um problema to substancial para a vida
dos povos, Maquiavel demonstra apenas uma psicologia prtica, utilitria, com fins limitados
e imediatos, como o de vencer materialmente, subjugar os povos e permanecer no poder.
Numa viso to realstica, mas no restrita, escapam-lhe completamente as mais altas
funes prprias ao condutor de povos que, se quiser ser completo, no pode prescindir dos
imponderveis valores do esprito. Ora, um chefe assim saber submeter e dominar, saber
manter sua posio, saber vencer os rivais, mas continuar totalmente ignorante da nica
razo que lhe justifica o exerccio do mando, isto , que o poder no fim em si mesmo, mas
apenas um meio para atingir os superiores fins da vida. Falta a Maquiavel uma vasta viso
biolgica, para relacionar todas as formas de vida coletiva, mesmo no mundo animal, e assim
compreender que as leis que governam todos os seres s concedem poderes para
desempenhar uma funo, e em proporo a ela. Assim Maquiavel no percebeu que cometeu
um erro biolgico. Falta-lhe uma viso csmica, em que indispensvel enquadrar qualquer
verdade, mesmo a menor no contigente. Seu realismo deixa-o fechado numa realidade
pequena, de resultados imediatos; sua anlise, mesmo verdadeira, to exclusivamente presa
apenas aos fatos concretos, de que no indaga as razes profundas, que d a impresso da
vista curta de um mope. Ele no olha o que est atrs desses fatos, e o motivo por que
acontecem. simplista, ingnuo, superficial.

Assim, mostra-nos Maquiavel uma realidade verdadeira, mas triste e ch,


fechada em si mesma, sem esperana de evoluo. Corresponde essa viso ao conceito que
tambm at hoje, na prtica, se tem do poder; ou seja, uma explorao da posio de mando
para a exclusiva vantagem egosta pessoal. Tudo isso, ainda que verdadeiramente objetivo,
no s pe a nu toda a vergonhosa baixeza do homem e seu estado de involudo, como ainda
demonstra crassa ignorncia das leis da vida, na louca presuno de querer impor-se a elas.
De fato, que resultados obtiveram os numerosos sequazes de Maquiavel, seno a
instabilidade de tudo e de todos, lutas e runas contnuas? Isso porque no compreenderam a
lei, pela a qual a vida tira o poder, quando esse no usado para desempenho de uma funo;
porque no compreenderam que a explorao para fins egosticos um jogo de foras
instveis que se no sustentada, e por sua natureza tende a ruir. Assim, ainda que seja a sua,
uma corajosa declarao de verdade, Maquiavel sanciona, no fundo, e aprova um triste estado
de fato, o que representa no s uma autorizao imoral para insistir nele, desde que vem
aceito e justificado como legtimo, mas representa, ao lado de um erro biolgico, tambm uma
instigao a cair e recair nele, para os incautos que nele acreditam. E essa aquiescncia e
reconhecimento, mais do que sua ignorncia que nos repugna em Maquiavel: isto , sua total
ausncia de revolta, que tem de ser feita em nome de um fim mais alto, para qual tende a vida.
O que horrvel, em Maquiavel, no a verdade que ele diz, mas o fato que ele a aceita,
ficando fechado dentro dela, convencido, sem sentir a necessidade de tentar qualquer
caminho de sada. Assim, seu ceticismo congnito se reduz a uma asfixiante estreiteza de
viso.

O nico terreno prtico em que Maquiavel podia encontrar-se com os fatores


espirituais era o cristianismo. Mas a religio foi por ele relegada fora de seu tema, excluda
dos negcios de estado. Em seu terreno, os valores espirituais tinham bem pouco peso, e
dela ele s viu os homens que materialmente a representavam na terra, ligados por interesses
numa coligao poltica. Alm disso, ele era levado a exaltar, como Nietzche, a fora, a
coragem e a vitria dos homens de ao, e no podia certamente compreender o que pode
haver de verdadeiro nas virtudes da humildade e espiritualidade, to mal representada em seu
mundo. Maquiavel nunca suspeitou que alm dessas formas, houvesse uma realidade
positiva, tanto quanto a descrita por ele, e houvesse valores espirituais com um peso ainda
maior que os que ele observou, que houvesse outras leis e outros princpios, cuja ignorncia
e inobservncia podia produzir desastres mesmo em seu mundo prtico, que tem suas
origens nessas leis e nesses princpios. S podemos compreender Maquiavel vendo-o
colocado no lado negativo, inferior, involudo do sistema. Mas j vimos nos volumes
precedentes, que esta s verdade nos planos inferiores e que, se subirmos, ela desaparece.
Pois a entramos nos planos mais altos, em que ficam cegos os pensadores desse tipo, e
aparecem verdades superiores, que explicam e valorizam todas as coisas diversamente.

No terreno de Maquiavel as virtudes morais tm valor negativo, isto , no so


conquista atingida por superao, mas renncia e perda. natural que as coisas, vistas de
baixo, mostrem um aspecto oposto ao que se v olhando-as do alto. Por isso, normalmente, a
bondade evanglica confundida com fraqueza e ingenuidade. Cada julgamento est feito em
proporo com o modelo proposto. assim que a concepo de Maquiavel pode parecer, a
quem veja as coisas do alto, um emborcamento de valores e uma subverso de ideais, tanto
quanto estes podem parecer loucas utopias se olhados de baixo. Assim, evitando ele todo
princpio superior, delineia-nos uma figura de prncipe bem proporcionada sua funo de
domador, tal como o estado involudo dos povos exige dele; ao mesmo tempo Maquiavel
compreendendo bem, em sua objetividade, que a unio que estreita entre si governantes e
governados, pelo fato de basear-se no interesse comum, se transforma em luta quando este
falha e que, portanto, um santo cheio de bondade, no pode governar na terra.

Por isso, Maquiavel nem sequer conta com a bondade de sentimento do povo,
e aconselha ao chefe basear-se mais no temor que possa inspirar, do que no amor. mais
seguro ser temido do que amado. O amor diz ele um vnculo que bem depressa
quebrado, por utilidade prpria, pelos homens que so malvados; mas o temor mantido pelo
medo do castigo, que jamais desaparece. Na mesma ordem de idias, desenvolvidas por
Nietzche, moveu-se Hitler, seu discpulo, em seu livro Mein Kampf und Leben, onde diz: O
terror no vencido pelo esprito, mas por outro terror igual. Pois bem, hoje a completa
derrota da Alemanha ensina a todos que crem no terror, que este no basta para vencer. Mas
haver algum que jamais tenha aprendido as lies da histria? Falou-se tanto de
impondervel, na ltima guerra, sem compreender que ele to pondervel que pode destruir
as naes, quando estas violam os princpios da Lei. Por esses princpios, logo que nasce um
terror, surge, por equilbrio, um contra-terror, e ambos tendem a matar-se reciprocamente,
para serem auto-eliminados. A Lei penetra tambm no mundo poltico, e a Lei consiste no
seguinte: quem faz o mal, o faz a si mesmo, e quem faz o bem, o faz a si mesmo. A religio do
dio um suicdio. A histria uma cadeia interminvel de vinganas e contra-vinganas, que
por isso jamais se resolvem e geram apenas um contnuo sofrimento. Torna-se indispensvel,
porm, uma humanidade mais inteligente e evoluda para compreender tudo isso. Pode haver,
em sociedades mais civilizadas, outras relaes, que no sejam as atuais de esmagamento
mtuo, que predominam nos planos inferiores da vida. Nos planos mais elevados, entram em
ao outras foras e outros elementos. Com a evoluo as relaes se tornam mais suaves, e
se aperfeioam, a vida se apura e pode triunfar de outros modos. S os primitivos acreditam
que se pode vencer apenas com a ferocidade.

Nos governos dos povos hoje necessrio um duplo trabalho: o terico, que
v ao longe, que descobre e indica a meta; depois o prtico, analtico, que realiza a ao. So
necessrias duas vistas, uma para os horizontes longnquos, outra para o contigente prximo.
A primeira revela os princpios universais, dando as grandes linhas de orientao; a Segunda
entra nos particulares, ocupando-se da atuao. A primeira a bssola; a segunda o leme.
Esta deve conhecer a verdade de Maquiavel, que est na realidade da vida, a outra deve
conhecer os conceitos-base, que explicam tudo isso e da qual tudo deriva. Um trabalho
exterior de atuao, o outro um trabalho interior de compreenso. Para agir, indispensvel a
mente que dirige e o brao que executa.

certo que na prtica, o xito de um homem poltico ser tanto mais fcil e
rpido, quanto mais se ocupar ele de resolver os problemas pequenos e tangveis que as
massas melhor compreendem. Essas, satisfeitas, aclamam-no ento. por esse xito
contigente que so atrados os chefes de menor alcance visual, porque vo pelo visvel e
imediato. Mas se esse triunfo pode nascer da satisfao dos desejos do povo, ignaro dos
grandes fins da histria, ele de efeito transitrio, proporcional ao valor do trabalho realizado.
Mas h outro xito, o de quem se dirige para as grandes metas longnquas da nao, mesmo
se no puder satisfazer, de momento, as massas. Este outro xito bem mais duradouro e
muito mais importante, porque, abarcando horizontes mais vastos e longnquos, e operando
realizaes maiores e mais profundas, proporcional ao valor do trabalho executado. Mas o
primeiro condutor ser apreciado imediatamente, e o segundo muito ao fim da vida ou depois
de morto, s quando essas coisas futuras tiveram podido realizar-se.

O homem poltico equilibrado dever procurar manter-se entre esses dois


extremos, porque, se um dever para ele, pensar no futuro da nao, tambm uma
necessidade permanecer no poder satisfazendo os crebros medocres da maioria, dos quais
justamente depende o poder, com o sistema eletivo. O chefe deve ser um terico e um prtico
ao mesmo tempo; ou pelo menos, se no tiver em si essas duas qualidades opostas, deve
cercar-se de conselheiros que, com seus crebros, lhe forneam os resultados. O terico olha
os resultados remotos, o prtico observa os prximos. S aps muito tempo, que muitos
passos pequenos do segundo podero cobrir um passo, muito maior, do primeiro, e coincidir
com ele. Este trabalha para os vindouros, aquele para os presentes. As duas direes so
complementares. O poltico necessita de uma bssola que o oriente e o guie, no s nos
casos particulares imediatos, como tambm nas grandes linhas, sem o que caminhar s
cegas, sem metas, e jamais poder empreender grandes coisas. O terico, por sua vez,
precisa de um executor prtico, sem o que sua viso permaneceria sem atuao. O certo
que, quanto maior for o poltico e mais longo alcance tiver, menos ser compreendido no
momento. Quanto mais for pioneiro, tanto mais tarde ser exaltado. Torna-se ento herica
sua vida, porque ele sacrifica-se a si mesmo e as suas satisfaes e triunfos imediatos, e suas
prprias defesas, pelo bem do futuro da nao. E se um povo sem compreenso lhe tirar o
poder, justo que venha a cair sob domnio de chefes de menor valor e que assim se retarde
o seu progresso.

Para Maquiavel, o exerccio do poder parece confiado apenas a uma cadeia de


traies. Mas chegar hoje o mundo a ser to inteligente, que compreenda que isto uma
fbrica de males para todos, com o qual se envenena o ar de todos? Para Maquiavel o chefe
deve ser simulador e dissimulador porque a bondade rara, mas no a estupidez, e o que
engana achar sempre quem se deixe enganar. Sem dvida, esta a arte de fazer da terra um
inferno, e essa arte s poder ser executada por demnios. O chefe, pois, no deve ter certas
virtudes, mas deve fazer crer que as tem. Isto, acrescenta Maquiavel, porque, tendo-as e
pondo-as em prtica, elas so prejudiciais: Algo existe, que parece virtude, mas seguindo-a,
leva runa; e outra coisa h que parecer vcio, mas se o seguirmos trar segurana e bem.
Mas, acrescentamos ns, quais so os verdadeiros fins da vida, tanto para o chefe quanto
para os povos? E podem ser sacrificados esses fins, tornando apenas o governar o fim
supremo, o qual somente um meio? Mas que utilitarismo mope esse se os governantes
violando a Lei e expondo-se s suas duras reaes, no podero nem sequer alcanar seu
nico fim, que permanecer no poder? Isto, entretanto,, no apenas ferocidade e mentira,
sobretudo ignorncia, no saber compreender o utilitarismo mais vasto, o qual, seguindo as
leis morais, no se expe s suas reaes destrutivas. E ignorncia, ferocidade e
agressividade so as caractersticas do homem involudo. Quanto mais evolve o homem, mais
lhe parece tudo isso como uma maldade demasiadamente primitiva e prejudicial a todos, para
que possa continuar por muito tempo a ser aceita.

Continua Maquiavel: Todos vem o que pareces, poucos sentem o que s. E


esses no ousam opor-se opinio dos muitos. Esquece-se, no entanto, que esse sistema,
se um hino a imbecilidade humana, realiza, fora de ferir os mais ingnuos durante
sculos, uma seleo que faz sobreviver apenas os mais astutos e se reduz a uma escola de
velhacaria. Assim a imbecilidade diminui e vai desaparecendo e o sistema automaticamente,
se torna cada vez mais difcil de pr em prtica e menos rendoso. a lei do progresso.
Acrescenta Maquiavel: Nas aes de todos os homens e mxime dos prncipes, olhe-se o
fim: vencer e manter o Estado. Os meios sero sempre julgados honrados. Eis que vem
tona, nua e crua, a realidade biolgica. O mundo tico ainda uma sobreposio instvel ao
mundo do animal. Existem os princpios afirmados com gritos, mas no existe sua aplicao.
No esto ainda eles incorporados, assimilados realidade biolgica, que est no fundo e
espera, e de cujo fundo sobe a lama. Transies na evoluo.

Os sditos sonham com um chefe bom, mas para explor-lo, agredi-lo, tirar-
lhe o poder; e s param quando o homem duro que Maquiavel nos descreve. Fala-se: o poder
deve servir para o povo. Mas que faz o povo para que o chefe seja bom? Agride-o ao primeiro
sinal de fraqueza. Diz-se que o poder entendido como explorao egosta do chefe, e no
como funo social. Mas como pode pretender-se o contrrio, quando sua primeira
necessidade a auto-defesa? Ir ao encontro do povo deve ser, pois, apenas uma bela frase.
Na realidade ocupao do que detm o poder deve ser defender-se dos rivais, que tendem a
agredi-lo, para tirar-lho. Mas o povo gosta do lindo sonho de crer que os governantes s tem
uma coisa a fazer: proteg-lo, pois est no poder por graa de Deus. To imensas
ingenuidades coletivas, que tambm sabem fazer-se to exigentes e ferozes, que chefes
podem atrair para si? Como pretender que uma corrente to universal, sejam eles diferentes
do tipo dominante? intil inventar sistemas, quando o nvel mdio da raa humana o que
.

Se os chefes so assim, em grande parte a culpa tambm dos povos. Em


uns e outros, h uma corrente psicolgica involuda que arrasta todos. Bem quereriam as
massas, em seu chefe aquelas perfeies morais de bondade, que lhes seria cmodo achar
nele, para melhor aproveit-lo, perfeies que absurdo que ele tenha porque, se as tivesse,
ele como chefe, seria logo liquidado. Todos desejam os bons, mas para aproveitar-se deles.
Assim se explicam as verdades enunciadas por Maquiavel. O chefe deve parecer bom, mas ai
dele se o for de verdade. S um chefe forte, que no se deixa esmagar pelo assalto de outrem
ao poder, respeitado. Dado o atual grau de evoluo humana, intil apelar para a
compreenso, bondade e inteligncia, mas, como diz Maquiavel, s se pode contar com o
temor. Neste mundo, s o mais forte respeitvel.

E se o chefe deve ser assim feito, como pretender dele aquele comportamento
ideal, que a negao da realidade da vida, tal como ela hoje no mundo humano? Deste
modo, o homem chega ao poder emergindo das camadas sociais inferiores, com seu esforo
e risco, contra todos. Com isto, quer ele satisfazer a seu instinto de subir, seu anseio de
poder, de riqueza, de grandeza. Quando chega assim, vencendo aps dura luta, como poder
transformar-se em outro homem e seguir outro sistema? Como poder deixar de pensar, em
primeiro lugar, em gozar o merecido prmio de seus esforos e de sua habilidade? Mas, dado
o que ele , faz-se natural que utilize o poder antes de tudo em sua vantagem e satisfao,
procure defender-se dos seus inimigos e submeter os seus semelhantes, porque so estas as
necessidades que a vida impe, e no h outro meio de reforar aquilo que pedestal do seu
poder. Como pode a luta pela vida desaparecer logo no vrtice da pirmide social? E como,
num mundo egosta, poderia ser o poder algo diferente de uma afirmao do eu, que se impe
no ambiente social para dominar todos? Tudo isto um derivado lgico da estrutura do
sistema psicolgico que dirige a humanidade. Sem dvida, que deveria ser diferente, e caro se
pagar o ser assim. Mas enquanto o homem pensar desse modo, as coisas no podero ser
diferentes. E a psicologia da fora no pode ter como resultado seno traio, iluses e dor.

A maioria dos homens tem um irrefrevel instinto de domnio. O que vence


sobre todos se torna chefe supremo. Os outros se coordenam hierarquicamente, segundo
suas prprias foras. Forma-se assim uma classe dominante, que se organiza para sua defesa
contra as classes que ficaram em baixo, e que no conseguiram subir e vencer na luta.
Ocorre, ento, no grupo dentro da classe dominante, uma repartio dos lucros da vitria.

Quem est de fora, fica a olhar de estmago vazio. Quem pertence a planos
biolgicos mais evoludos se surpreende de ver que, diante de um poder exercido como
explorao e esmagamento e no como misso, no se rebelam os povos. Mas se isto
injustia feroz nos planos superiores da vida, coisa normal nos inferiores. Nestes, justo
que os povos escravos, que no tm fora, no se rebelem contra os dominadores. As
massas dominadas sabem que os fracos no tm direitos contra os mais fortes, e que por
isso tm de calar. Sabem que no merecem a vitria, porque no conseguem impor com a sua
prpria prepotncia, e que por isso tm de suportar. Sabem que, segundo a lei de seu plano,
os fracos sero justamente esmagados at aprenderem a ser mais fortes. Com efeito, s
agora, quando as massas, por sua organizao, aprenderam a fazer-se valer, que os
dirigentes as tomam em considerao. Assim os deserdados sofrem, no porque aceitem,
mas porque esperam uma ocasio para fazer pior, pois a lei dos vencedores e dos vencidos
a mesma: a do mais forte. O problema um s para todos: vencer esmagando.

Assim os vencidos ficam a olhar todas as velharias dos vencedores. No


sabem organizar-se, compreender melhor, para fazer melhor. So todos da mesma raa.
Declaram com melancolia que intil mudar o chefe, porque os outros so piores. Quem quer
que seja que suba ao poder, isto no mudaria a situao. Deploram-no, no porque pensem
numa ordem superior, mas porque no podem fazer o mesmo. Deploram-no por inveja,
convencidos de que assim mesmo que se faz, e prontos a fazer o mesmo. Alimentam a
esperana de poderem chegar tambm eles um dia a tomar parte no banquete, ou ao menos
aproveitar as sobras. Vivem assim com a miragem de conseguir um dia apoderar-se de
qualquer coisa, como s pode fazer quem tem em mos o poder.

Entre os que ficam de fora, a olhar de estmago vazio, so escolhidos os


subordinados, os satlites, a clientela dos dependentes que se oferecem contanto que
ganhem algo do banquete. Assim podem entrar outros nas fileiras dos felizes. Nascem da os
representantes da autoridade, mediante cesses parciais, nascem a burocracia, os
administradores, a classe dos escravos do Estado, que podem enfeitar-se com a sua libr. a
mquina social a servio dos patres. Estes mudam, por vicissitudes polticas, mas a
mquina permanece, porque serve para todos.

Mas nos escravos, fica tambm o instinto de subir, o humano e universal


instinto de dominar. E no h homem que, ao vestir-se com a libr do patro, no se sinta por
si mesmo investido com a autoridade dele, e tambm um pouco patro, e no procure, como o
fazem os chefes, utiliz-la para si. O homem sempre o mesmo. Por isso, o funcionrio
acredita que ele mesmo , um pouco, o Estado, como o sacerdote cr que , um pouco, a
igreja e, investindo-se da autoridade de Deus, de que ele se faz ministro, levado a
dogmatizar como tal, e isto tendo por base apenas suas idias pessoais. Como ministro de
Deus, ele se sente um pouco investido de Sua onipotncia e infalibilidade. Assim o mdico
levado a substituir-se s foras curadoras da natureza, tentando monopolizar em suas mos
os poderes dela, como os ministros das religies so levados a monopolizar Deus e utiliz-lo
como poder prprio. Por isso, o mdico levado a assenhorar-se do doente, na luta contra os
micrbios, como o ministro de uma religio levado a dominar as conscincias, impondo-se
aos mais fracos. Assim, o exrcito, consciente de sua fora, pode tentar tomar conta do
poder.

A Lei sempre a mesma. Luta pelo domnio. Todos os grupos humanos,


todas as formas de governo, em qualquer tempo, todas as classes sociais, todos os homens
em qualquer nvel, se assemelham. No se pode culpar ningum em particular. O homem
que feito assim, vista ele qualquer libr ou manto real ou presidencial. Todos conhecem
esses defeitos, mas s se vem e denunciam no grupo oposto, contra o qual se luta, porque o
prprio grupo sempre dos homens perfeitos, e o outro sempre defeituoso e corrompido. A
verdadeira realidade que est em tantos discursos, exaltaes e condenaes, a luta: luta
em que todos se igualam, e bons e maus situam-se em todos os terrenos e se misturam em
todos os grupos, sem que se possa dizer a priori que nenhum grupo seja melhor ou pior.
Essa viso objetiva da realidade biolgica pode dar-nos um conceito de
Estado, de forma mais positiva, do que o possam quaisquer construes artificiais filosficas
e tico-jurdicas. Como fundamento disso, est sempre o esprito gregrio, com fim utilitrio,
para ataque e defesa na luta pela vida. Estas so as bases biolgicas e as verdadeiras origens
do Estado. Se quisermos compreender os fenmenos sociais, temos sempre que referir-nos
aos princpios fundamentais da vida. assim que instintivamente se formam os grupos, e o
que vence os demais forma a classe dominante que constitui o Estado, que ento se organiza
para sua defesa e sobretudo para resistir em sua posio. Em redor desse grupo dominante
rodam como satlites as foras menores da nao, em posio mais ou menos privilegiada e
com domnio correspondente a seu valor e poderio. Neste trabalho e distribuio, todos
obedecem ao mesmo imperativo e necessidade imprescindvel, que viver; e necessidade
tambm de descobrir e usar todos os meios, desde a fora at a pacincia, do domnio
adaptao na obedincia para sobreviver. Ao vencedor a glria e a prpria submisso, s
porque ele representa a capacidade de guiar, que os subordinados aceitam apenas como
vantagem prpria e defesa.

Como se v, permanecemos em tudo isso no princpio do egosmo, e o


edifcio todo construdo sobre um jogo de egosmos. O homem de hoje tal, que intil
pretender que o Estado, ou qualquer agrupamento humano, possa ser algo diferente de uma
organizao de egosmos, em bases estritamente utilitrias. Nesse nvel evolutivo, o altrusmo
um absurdo biolgico. Hoje s se pode comear dilatando lentamente esse egosmo,
fazendo com que a inteligncia compreenda a utilidade egostica dessa dilatao. S
podemos realizar hoje o progresso, procurando aumentar essa organizao, de modo a tornar
partcipes de suas vantagens um nmero cada vez maior de cidados. Trata-se de conglutinar
a maior parte possvel do povo na classe dominante, e esta , de fato, a conquista que as
massas querem hoje impor aos dirigentes. Esta a tendncia do progresso, que faz presso
da parte de baixo, contra o grupo social vitorioso, que acima de tudo pensa em defender-se e
estabilizar sua posio. Esta a vontade da vida que quer evoluir; mas os governantes, em
vista do estado de coisas, tem que pensar primeiro em sua defesa, mesmo porque, se eles
valem, essa a necessidade mais urgente, para que possam ficar no poder e desempenhar
assim sua funo de chefes.

Ao povo agrada o belo sonho utilitrio do ser servido gratuitamente pelos


dirigentes. Mas, em sua ingenuidade, no sabe que a vida nada oferece de graa. Ignora que
seu mundo o da fora e que o povo no ser servido enquanto no tiver aprendido a ser
uma fora e representar um valor. Quem nada vale, nada obtm da vida. Os governantes
levaro em conta o povo, quando este souber fazer-se valer pela inteligncia, conscincia de
si mesmo e vontade, quando representar algo no destino coletivo, quando souber at ser
temvel e impor-se aos chefes, se necessrio. Mas, nos frreos equilbrios que balanceiam os
valores da vida, que pode pretender hoje uma massa amorfa, instintiva, inconsciente, se no
for guiada e explorada por quem mais forte biologicamente, mais astuto, mais dinmico?
Que pode pretender um rebanho de ovelhas, se no a erva dos campos e ser tosquiado? E
que sabe fazer esse rebanho, quando se revolta, seno passar das mos de um patro para as
de outro? Como pode acreditar-se que o consigam aguentar-se as posies da vida, se, atrs
delas, no existem valores reais?

intil procurar responsveis por tais estados de coisas e conden-los. A


culpa no de indivduos, mas do grau de evoluo dominante. por isso um nvel geral,
uma corrente seguida por todos. Intil condenar, porque todos sofrem mais ou menos as
conseqncias de seu estado atual e assim por si mesmos se castigam. A tudo isso
correspondem os resultados obtidos at hoje. O dano est em proporo com a ignorncia da
qual conseqncia. Todos conhecem os belos resultados dessa psicologia dominante. No
parecem o resultado de um estado de barbrie, representando um destino de condenao?
Por isso, preciso dar razo a Maquiavel. Continuando por esse caminho, aonde iremos
parar? Pois, se procuramos sair para salvar-nos, gritam que utopia. Mas, se verdade que
apenas nela est a salvao, dever a utopia amanh, aps durssimas provas, mas
necessrias para aprender, tornar-se realidade, se o mundo no quiser suicidar-se. Eis porque
temos que crer na vida duma nova civilizao.

Dir-se-: Mas o mundo foi sempre assim. No. O progresso um fato real. O
homem pr-histrico, podemos bem imagin-lo, foi na poca o modelo da raa humana. Se
estabelecermos uma proporo, podemos imaginar o homem futuro. Ento diremos: o homem
pr-histrico est para o homem de hoje como o homem de hoje est para X. ser fcil, dada a
relao, achar o valor da incgnita. No afirmao gratuita dizer que a forma da seleo
animal ter que mudar no porvir. Sem dvida, at hoje esteve no sentido de produzir o tipo
mais prepotente, porque isto era indispensvel para conquistar o domnio do planeta,
mormente sobre as outras espcies. Mas, conquistado esse domnio, surge na terra outro tipo
de vida, a vida social do homem coletivo, pela qual as qualidades de fora, ferocidade e
agressividade, outrora preciosas, se tornam cada dia mais contraproducentes, pois
desagregam a primeira qualidade de uma comunidade, que dever ser a organicidade.
natural ento que a vida, que to sbia, renove os seus mtodos de construo do tipo
biolgico melhor, atravs da seleo, e lance ento uma nova tcnica. O melhor que a vida
querer ento produzir ser outro tipo biolgico, em que predominar a inteligncia, pois num
mundo mais evoludo vencer-se- mais com a inteligncia do que com a fora. Hoje j se
guerreia mais com a cincia que com a ferocidade. J comea a desenvolver-se mais essa
inteligncia, e quanto mais se desenvolver, mais se compreender a vantagem utilitria de
todos e de cada um, de ser honestos fraternalmente, como o quer o Evangelho, pois numa
humanidade orgnica, esta ser a linha de maior rendimento. Por isso, Maquiavel ficar com
suas doutrinas, atrasado no tempo, como o hoje o homem das cavernas. Mas as geraes
futuras compreendero melhor estas coisas, pois para elas, principalmente, foram escritos
estes livros.

Aos que gritam que utopia, respondemos que muitas vezes os jovens tm
feito o que os velhos julgavam impossvel, inoportuno, desaconselhvel; respondemos que o
mundo, a despeito de todas as resistncias, caminhou sempre, e que freqentemente a utopia
de hoje a realidade de amanh. A intuio d-nos a sensao viva imediata da presena de
uma inteligncia e vontade na histria, como momento da imanncia de Deus no mundo. Aos
historiadores presos apenas ao fato exterior, aos filsofos hiper-crticos e cticos, capazes de
destruir at seu pensamento fora de discusses, controles e anlises, opomos a nossa
percepo da realidade do mundo interior do esprito, presente em toda a parte, em todo
fenmeno, mesmo no histrico e social. Procuramos fazer com que o leitor sentisse essa
realidade na nica forma possvel, ou seja, atravs da lgica e da demonstrao racional.

Se tivssemos que dar um subttulo ao volume O Prncipe, de Maquiavel,


poderamos dizer: Estudo da natureza animal do homem. Seja este chefe ou sdito, revela-
se sempre o mesmo nos conselhos desse autor. Sendo ainda dominante esse tipo biolgico,
bom conhec-lo e estud-lo, tanto quanto instrutivo observar as feras no jardins zoolgicos,
para conhecer-lhes instintos e hbitos. Continua Maquiavel: Devendo dominar os soldados,
no importa ser chamado cruel, pois sem esse nome jamais se manteve unido um exrcito.
Foi por sua extrema bondade que se rebelaram os exrcitos de Cipio na Espanha. Nasceu
isso de sua demasiada bondade. Por isso Fbio Mximo pde cham-lo, no Senado, corruptor
da milcia romana.

Intil, pois, iludir-se. O homem emerge da animalidade. Os primeiros graus do


poder so dados pela fora, pela imposio, pela ferocidade. Os chefes de governo do tipo
descrito por Maquiavel descendem de domadores de feras. A posio que tem hoje o homem,
a de rei do planeta, foi desesperadamente conquistada pela luta por todos os meios e vencida
contra todas as feras rivais. Foi atravs desse esforo bestial, horrendo para o homem
civilizado, e no entanto feito de coragem desesperada, sob pena de extino da raa em caso
de derrota, esforo diablico, e no entanto cheio de certa potncia viril, do deserdado que
sozinho desafia os elementos e as feras inimigas e as submete; foi atravs dessa tremenda
fadiga que o decado enfrentou o caos, para levant-lo ao primeiro passo em direo ao
primitivo estado de ordem. Os primeiros degraus da escala esto imersos em lama e sangue.
Mas, ainda que esmagando, triturando e reduzindo os rebeldes escravido, conseguiu assim
o homem, com mo de ferro, construir certa ordem, primeiro passo na reorganizao do caos
para uma gradual organizao do universo, fruto do esforo imenso de todos os seres, por
intermdio do qual, reconstrudo o edifcio que eles mesmos fizeram ruir, encontraro Deus.

No plano de vida que Maquiavel descreve, o que ele indica a lei, a regra, a
justia. Em seu orgulho, o homem se auto-declara ser superior, ltima finalidade da criao, a
mais bela flor da vida no planeta. Mas devia tudo isso ao ter sabido triunfar a despeito de tudo
e de todos, exterminando os inimigos sem bondade nem piedade. Os idlicos pensadores do
ideal afirmaram que Deus criara todas as coisas apenas para prazer do homem. Na realidade,
o homem s conseguiu possuir aquilo que pde arrancar vontade inimiga; usando todos os
meios. A vida s se inclina e oferece regalias diante do homem forte, violento, vencedor. Nada
gratuito diante dela. Nenhum escrpulo ou piedade a impediu de condenar extino raas
mais fracas. E t-lo-ia tambm feito com o homem, fora ele menos forte e violento.

A bondade e o amor vm depois. O prprio Deus de Moiss teve que


prescindir delas dada a imadureza dos tempos e a involuo do povo que ento O adorava.
Tudo isso, todavia, mostra-nos as verdadeiras origens da ordem e do direito e explica-nos
como, no plano por ele observado, Maquiavel tenha tido razo. Pode representar-se a
evoluo como um grande edifcio que se v elevando da terra para o cu. Seus primeiros
pavimentos so grandes massas grosseiras de pedra, plantadas na rocha dura, por homens
fortssimos, mas ignorantes, aoitados at a dor da prpria carne pelo terror de morrer e o
anseio de viver. Em seguida, porm, atravs desse esforo, a inteligncia se abre, e o edifcio
toma formas mais regulares, torna-se o trabalho mais racional, alcanando-se maiores
resultados com esforo cada vez menor. Assim, o servir-se da inteligncia e da ordem, torna-
se cada vez mais vantajoso. Ento comeando o homem a constatar seu rendimento, levado
sempre a mais a aproveit-lo, devido aos mesmos princpios que regem a vida, a qual
sempre utilitria. Assim o operrio construtor torna-se cada vez menos animal e mais homem.
Desenvolve-se nele a mente, que lhe permite compreender a utilidade da disciplina, de dilatar
seu egosmo, at abarcar toda a humanidade, e entender a utilidade de aprender a viver
colaborando, em vez de lutar; enquadrando-se tudo isso num grande organismo coletivo, em
que o o ama o prximo como a ti mesmo no significa mais sacrifcio de mrtir entre as
feras, como acontece aos pioneiros do Evangelho num mundo de involudos, mas torna-se
uma posio natural de maior vantagem para todos.

Assim o edifcio cresce, de pavimento em pavimento, tornando-se sempre


mais belo. Sua construo feita, de andar em andar, cada vez com menos esforo e maior
alegria, pois satisfaz ao instinto de criar e ao anseio de subida, e isto com um trabalho cada
vez menos pesado. Isto porque ele confiado cada vez mais a inteligncia, que se est
tornando paulatinamente senhora das foras da vida. E elas obedecem ao ser consciente. E
assim, transformando-se o mundo, por obra do homem, do caos ordem, ele se lhe revela
sempre menos inimigo e rebelde e sempre mais amigo e obediente. Noutros termos, pouco a
pouco transforma-se a terra de inferno em paraso, e Sat desaparece lentamente do mundo,
isto , a revolta, o dio, o tormento, e cada vez mais aparece Deus, ou seja, a harmonia, o
amor, a felicidade. Assim, eleva-se o edifcio, e os gritos dos condenados, que tiveram de
constru-lo nos primeiros andares, transformam-se no canto amargurado das almas que se
purificam nos planos superiores, at se tornarem um hino de alegria e triunfo nos planos
altssimos que no cu infinito se aproximam de Deus.

S assim compreensvel Maquiavel, quando enquadrado, com seus homens


e os seus tempos, no devido plano da escala biolgica. lgico, pois, que naqueles planos, a
bondade fosse considerada defeito, sobretudo para os detentores do poder. lgico que,
para manter unidos homens ferozes, num exrcito ou numa nao, indispensvel, fosse a
ferocidade; lgico que tinha de ser esta a virtude do condutor, e que o homem bom, que a
no possusse, acabasse por ser um corruptor de milcias ou um destruidor de naes.
Jamais um cordeiro poder chefiar lobos. A poltica e o governo dos povos e exrcitos ser,
pois o ltimo dos setores sociais em que poder penetrar a doutrina de Cristo, que hoje
representa uma revoluo biolgica, porquanto significa a passagem a um plano de vida mais
alto.

Deste exame, podemos compreender que dificuldade devem encontrar o tipo


biolgico do santo e os princpios de bondade do Evangelho, para que possam passar da fase
de casos espordicos e pregao terica, fase de realizao prtica, enxertando-se na vida
humana como forma vivida. Tudo isso deveria aplicar-se ao tipo biolgico normal. Mas quanto
ainda est distante, mostra-nos Maquiavel, descrevendo-o, quando acrescenta: Abstenha-se
o chefe dos bens alheios, pois os homens esquecem mais depressa a morte do pai que a
perda de um patrimnio. At agora, em suas leis, sobretudo no campo econmico, o Estado
parte do pressuposto da ma f do cidado, e para ser obedecido, s conta com sanes
penais. Que triste espetculo, este pobre ser humano, esteja ele na privilegiada posio de
mando ou na de deserdado dependente, igualmente involudo e envolvido na mesma luta!
Pobre ser, vindo ao mundo sem o saber, s para devorar ou ser devorado, para depois
reduzir-se a p e assim acabar, acreditando ficar aniquilado!

Continua Maquiavel: O chefe deve manter fidelidade enquanto lhe for til, e
deixar de observ-la quando terminadas as razes que o fizeram prometer. No seria
necessrio isso se os homens fossem bons. Mas, sendo maus, da mesma forma que eles no
manteriam fidelidade, assim no deve o chefe mant-la com eles. Assim Maquiavel aconselha
a astcia, pela qual saiba o chefe, com razes legtimas, colorir a no observncia dos
pactos. Eis como se comporta o involudo. Sua miopia psquica ou imbecilidade f-lo
acreditar que a traio, como a ferocidade sejam foras. Em outros termos, em sua ignorncia
das leis da vida, levado a procurar o poder preferindo descer aos planos biolgicos
inferiores (isto , ao inferno), em vez de subir aos planos superiores (ou seja, o paraso).
Quanto seja tola essa crena, deduzimos do fato de que, mesmo aplicando esses critrios a
seu prprio comportamento, continuaram chover sempre derrotas e desastres sobre o gnero
humano. Isso prova que esse sistema no resolve absolutamente nada. O poder est no alto e
no em baixo, e a apenas iluso e dor. Por isso, encontra-se hoje a humanidade numa
encruzilhada: ou ela compreende que o problema da convivncia, na forma menos dolorosa
possvel, s pode ser resolvido aplicando o mtodo do Evangelho, por mais que parea
utopia; ou ento continua indefinidamente o atual estado infernal. Mas, no h dvida, a
soluo uma s: tanto durar e martelar esse tormento, que h de o homem um dia
compreender e decidir-se a civilizar-se. No h outra hiptese. A presena destes sofrimentos
justamente justificada por isso, e tem por fim levar o homem a achar o caminho para sair
deles, evoluindo para um plano de vida mais elevado.

Em vista desse estado de coisas podemos compreender qual seja a origem


do poder e da riqueza. Em si mesmo, o poder pode representar uma funo grande,
instrumento de imenso benefcio, e a riqueza se for bem usada, maravilhoso processo de
criao. Mas, o que so ambas, verificamo-lo ao ver que os santos e os melhores homens
fogem delas como de uma peste. o estado do involudo que, usando tudo mal, vai at
infectar tudo e tudo tornando pestfero. Dados esses mtodos, como pode um homem
honesto acreditar na riqueza ou no poder? E, no entanto, que instrumentos de bem e da
grandeza podero tornar-se esses meios nas mos de um homem consciente e evoludo!
Continua Maquiavel: Muitas vezes para manter o Estado, mister agir contra a f, a caridade,
a humanidade, a religio. Um prncipe deve parecer a quem o v e ouve, todo piedade, todo
fidelidade, todo integridade, todo religio. Ora acrescentamos: isto, que aos primitivos pode
parecer suprema argcia, mostra-se suprema ingenuidade ao homem mais evoludo. Isto
porque, esse mtodo praticado h sculos, uma escola, e talvez a nica coisa em que a
maioria dos governantes esteve de acordo, aplicando-a com aceitao de todos. Aconteceu
assim que os povos aprenderam e bem sabem tudo isso, tanto que hoje coisa bvia e
pressuposta, a m f dos governantes como a dos governados, tendo-se todos tornado
profundos conhecedores e hbeis entendidos nos defeitos e culpas uns dos outros. Ento,
que defesa representa o mtodo de Maquiavel, se ele o ponto de partida de todo o
julgamento sobre o prximo? No obstante o constante renascer dessa planta, que o
simplrio, no entanto, pela seleo destrutiva que est operando intensamente desde sculos
mediante uma desapiedada caa a to saboreado petisco, o simplrio se est tornando cada
vez mais raro. E tudo isso um progresso providencial, pois no se achando mais o mercado
dos ingnuos, bons para serem logrados, - e justamente porque foram instrudos por essa
escola, eles no se deixam mais enganar os ludibriadores mesmo vem cair as armas de
suas mos, e por fim esgotado o programa de todas as astcias possveis, devem abandonar
tal mtodo. No fim, por eliminao, se quiser obter crdito, dado o crescimento progressivo
do controle recproco s restar aos enganadores, se no quiserem ficar isolados,
desprezados como maus, usar o sistema da retido sem enganos. Ento o progresso poder
caminhar, sem ter jamais de recorrer a qualidade de bondade e boa vontade, que utopia
esperar do homem de hoje.

Nada se perde em olhar com coragem a realidade biolgica tal qual ela
verdadeiramente. Maquiavel tem razo, mas no podemos deter-nos a, s com esse trecho
limitado do terreno explorado por ele. Aquele mundo, observado assim isoladamente, e aceito
como verdade nica, e no como fase de evoluo, no suficiente para, sozinho fazer-nos
compreender a sabedoria da vida, que sbia mesmo nas suas fases involudas, e tende para
o que melhor, utilizando, naturalmente, os meios do plano em que opera no momento.
Maquiavel escandaliza-nos, porque aceita e sustenta o involudo, e nada nos explica. Mas a
vida no nos escandaliza nada, porque conhecemos seus mtodos e fins e sabemos onde
tudo ir acabar. Temos de admitir que, num plano primitivo e feroz, a luta pela vida no pode
assumir outra forma, em vista de ser o homem o que , forma que mais tarde, ao evolver,
parece tola e contraproducente. A vida quer viver, e nos planos inferiores s pode viver
assim. E nesse nvel, isso justo e equilibrado. Mas logo que se suba, como comea a faz-lo
o homem de hoje, percebe-se a injustia daquilo e sente-se o escndalo, porque os pontos de
referncia foram colocados mais no alto. Para o animal, que ainda amoral, sua lei de bicho
lei justa. preciso olhar tudo isso de frente, corajosamente, como faz Maquiavel, mas do
ponto mais alto, abarcando horizontes mais vastos, pois s assim se pode compreender tudo
e permanecer-se orientado. E ento evitaremos protestos inteis de pessoas, ofendidas pela
nudez da crua verdade e, ao contrrio, admiraremos a sabedoria da vida, isto , do
pensamento de Deus, que de tal estrumeira sabe tirar a flor de amanh, do mal o bem, e da
ferocidade, a ascenso.

Isto porque o animal tambm ascende. E isto ocorre por meio das foras
disponveis em ao em seu plano de vida, sem necessidade do concurso de utpicos
sentimentos de bondade e altrusmo, que intil pedir e ingnuo esperar naquele nvel. Mais
de que elemento de transformaes, invocado em vo, so eles, pelo contrrio, o ponto de
chegada de novo trecho percorrido no caminho evolutivo, so o resultado do embate das
foras pertencentes ao plano inferior.

Tudo lgico, claro, em seu lugar justo. A luta um exerccio com finalidade
seletiva; o esforo para evolver o pagamento devido pelo homem, dvida que ele contraiu
com a queda (veja o volume Deus e Universo), que o preo de seu resgate. A dor uma
escola salutar para aprender a eliminar o erro. E quanto mais se sofre, mais se aprende; e
quanto mais erros se eliminam, mais a dor diminui. Ao invs de colher escndalo e
pessimismo da leitura de Maquiavel nasce aqui um hino a evoluo e sabedoria da vida. O
homem no est ainda maduro para conceber e exercitar o poder como funo social, para o
bem coletivo. Governantes e governados tm todos conceitos diferentes. Exercita o poder
quem venceu na luta e o exerce para sua vantagem, dominando o povo. S essa vantagem
egostica e imediata explica a luta de tantos para atingir os postos de mando. De fato, o poder
no gera colaboradores, como deveria, e como aconteceria num plano superior, mas inimigos
e rivais; requer fora, e o prmio egosta para o mais forte e no um servio reconhecido
pelos governados que o aceitam com gratido.

Eis ento que Maquiavel se ocupa, em primeiro lugar, em ensinar aos


governantes como defender-se para permanecerem no poder. Explica-nos ele que se evitam
as conjuraes quando as maiorias no o odeiam. Ento, diz-nos ele, os rebeldes no ousam
e temem, porque no tm o consentimento da maioria. O conjurado tem medo do castigo. O
chefe tem a majestade do reino, a lei, o poder em ao e, se tambm tiver o favor popular,
nada tem a temer. Assim, Maquiavel s coloca objetivamente na balana do poder os
elementos que ele julga positivos, acreditando que os fatores morais e espirituais no o
sejam, porque so imponderveis. E no entanto, os governantes quando aqueles fatores
lhes podiam servir como reforo, em virtude do domnio que exercem esses elementos na
psicologia da massa apressam-se a declarar-se investidos em seu poder por direito divino, e
fazer-se aprovar, sancionar e abenoar pela autoridades religiosas, declarando-se
representantes de Deus. Inteis mantos, que as revolues, quando merecidas em virtude dos
abusos cometidos mesmo sombra de Deus, e os tempos estavam maduros, rasgaram e
destruram.

Pode a vida parecer desapiedada e feroz, mas como pode deixar-se de


admirar essa sua absoluta, apesar de cruel, sinceridade, que pe a nu os valores reais, essa
sua honestidade franca, que desmantela todas as hipocrisias e tira do ninho todos os
parasitas, dos recantos mortos em que no lcito ningum esconder-se para gozar a vida,
querendo escapar ao indispensvel esforo de todos, o de evoluir? Quem verdadeiramente
honesto no pode temer essas intervenes purificadoras, pois que, que puro, no pode
sofrer depuraes. As tempestades destruidoras, que a sabedoria da vida de vez em quando
desencadeia no mundo, so obra que destri o corrompido e cura. A dor dura, mas lava e
purifica, e a vida sai das provas rejuvenescida, reforada, muito mais apta assim a dar um
novo salto para a frente, como no lhe no era possvel no estado anterior, carregado de
incrustaes e abusos.

Procuramos neste captulo, colocar sob os olhos do leitor esse dinamismo


em ao, em que se debatem as foras da vida, sempre mais construtivamente emergindo do
caos. Procuramos mostrar-lhe, em contraposio, a figura do velho tipo do homem de poder,
com o novo, da nova civilizao, situado num plano biologicamente mais elevado. O primeiro,
odiado, invejado, pobre ser, no colaborador, mas escravo da opinio pblica, tambm ela
imersa na mesma psicologia de luta. Triste domnio o do chefe num tal mundo, em que
necessria a fora e a astcia maquiavlicas para reinar, e isso por culpa de todos. bem
triste ser escravo de massas animadas por essa psicologia de explorao egostica, ter de
consider-las como um inimigo de quem se obrigado a defender-se, porque esto prontas a
saltar em cima ao primeiro sinal de fraqueza. A evoluo abre a todos, governantes e
governados, novos horizontes, prepara formas de vida mais altas, que sero compreendidas,
quando o homem for mais inteligente, e ento sero aceitas, porque mais vantajosas para
todos. O problema de chegar a compreender essa vantagem, porque, uma vez ela
compreendida, ningum mais pode recusar-se a seguir um caminho melhor, por um princpio
utilitrio que todos compreendem. O mundo futuro olhar com horror e compaixo os atuais
mtodos de governar o mundo. Mas, para melhorar, mister maturidade, ao menos nas
maiorias humanas, no s nos chefes, mas tambm nos povos, porque hoje chefes e povos
se impem o mesmo comportamento. E este dado pelo atual plano da vida humana. Do novo
tipo de homem de governo, j tratamos no captulo O Chefe, da Grande Sntese. Mas, se o
presente pode parecer triste, as foras irrefreveis do progresso trabalham incessantemente,
obrigando o homem a super-lo. Tudo isso est no pensamento e na vontade da histria, a
qual, j que evolver lei da vida, impor que tudo isto se realize, com a nova civilizao do
terceiro milnio.
III

O NOVO HOMEM

Aparece por vezes, na terra, um tipo biolgico de exceo, com ndices


caractersticos estranhos, se o considerarmos em relao s leis normais da vida, seguidas
pela maioria. Estudamos sua figura e funo no captulo Os Guias do Mundo. Vejamos
agora como se comporta ele, quando colocado em contato com a realidade do mundo
animal, e com se comporta este em relao quele tipo biolgico. No captulo citado, vimos
como os ideais sustentados pelas foras do Alto, descem terra. Agora troquemos a
perspectiva, ou seja, vejamos como os acolhem, os alteram, os contorcem e sufocam as
foras do ambiente terrestre, com os quais eles se encontram para nelas se entrosarem.
Trata-se de uma luta entre dois tipos e dois planos biolgicos. Observemos como se
comportam os representantes de cada um deles, armados de forma to diferente, e como
vencem ou perdem na luta pela vida. Perscrutemos tudo isso com a psicologia positiva,
objetiva e desapiedada de Maquiavel, partindo do princpio positivo de que, no mundo, tudo
luta para viver e para subir, e que a vida sempre utilitria. O problema ver a forma que essa
luta assume, e quais os alvos que o utilitarismo da vida quer atingir nos planos mais altos.
No queremos dizer que esse tipo biolgico se nos apresente sempre em seu ponto mximo,
o santo. mais comum ele se apresentar de forma mais ou menos alta, aproximando-se do
santo. Apresenta-se como homem simplesmente honesto, moral, evanglico, que procura
tender perfeio da santidade. O problema interessa, portanto, a mais pessoas do que se
pensa, e s prprias massas, porque so elas que nele esto envolvidas, o que se pode ver na
venerao que tributam ao santo, exprimindo dessa forma, inconscientemente, uma
aprovao, o que uma exigncia das leis da vida.

Quando vem viver na terra algum exemplar raro do tipo biolgico do santo, ou
de algum que a isso tende, verifica-se um espetculo que relembra o da descida dos mrtires
inermes jaula dos lees. Ele desce ao mundo que Maquiavel ps a nu, com cruel verdade,
como vimos nas pginas precedentes. Observemos. Que acontece com o cordeiro quando
desce entre os lobos? Este, naturalmente comeam a rode-lo, farejando a presa. Num mundo
cuja maior atividade consiste em viver dilacerando o prximo, porque esse trabalho que a
seleo impe no plano animal, a primeira manifestao da vida representada pela
agresso. Em vista dessa psicologia base, comeam os lobos a farejar, a fim de conhecer a
fora do inimigo, para calcular se convm realizar o esforo de agredi-lo, de maneira que seja
compensado pela segurana da vitria. Esta a principal forma de atividade, no plano em que
vive hoje o homem, tanto como indivduo, quanto como povo. Intil, pois pensar na abolio
da guerra enquanto a maioria humana continuar a pertencer, prevalentemente, ao mundo
animal.

Comea ento a espoliao do homem evanglico. Aproxima-se o primeiro


lobo, d uma dentada e arranca um pedao de carne. Visto que a cobiada festa foi iniciada
impunemente, apressa-se um segundo a imitar o primeiro, e com outra dentada abocanha
outro naco de carne. E assim por diante. Encorajados pelo xito dos mais fortes, adiantam-se
ento os fracos mascarados de fortes e com armas ocultas. E enganam o homem evanglico
com suas astcias e mentiras, todos fascinados pela grande miragem: poder tirar tudo,
impunemente do prximo, ou seja, escapando sua reao punitiva, nica coisa que eles
temem e que os pode deter. por isso que s se pode conseguir ordem num povo pela
imposio da lei e a paz entre as naes pela imposio da mais forte. Nessa impunidade
reside o sonho e voluptuosidade do macho: poder, sem esforo nem perigo superar, o
obstculo que o impede de obter a vitria sobre o prximo. Consiste a satisfao em achar,
nesse caso, o caminho mais rpido e mais fcil a seu instinto de conquistar e dominar, para
evoluir. Mas, para obedecer ao que a vida ordena ao macho, satisfazer a vitria de pouca
valia, porque ela fruto mais da fraqueza do vencido do que da superioridade do vencedor.
As leis sociais, como o equilbrio dos povos e seu assalto nas guerras, baseiam-se neste
princpio: obter o mximo arriscando o mnimo, e apoderar-se de tudo. Se, no plano humano,
isto significa vitria, mesmo no o sendo num plano mais alto, explica-se quando se pensa
que o esprito de egosmo e de domnio, que hoje se procura corrigir com as virtudes do
altrusmo e obedincia, se formou no homem justamente porque s os indivduos que o
possuam conseguiram sobreviver melhor na luta universal pela vida.

Assim, o homem do Evangelho fica reduzido apenas a seus ossos. Estes s


lhe so deixados pelo prximo, porque de nada lhe servem. Contenta-se em despoj-lo. No o
mata, s porque isso representa um trabalho que nada lhe rende, e por isso o deixa viver. E
que faz o homem do Evangelho? Descido ao inferno terrestre, olha sua ptria longnqua e se
deixa despojar e matar. Ele conhece outra vida, desconhecida por quem o assalta, de modo
que no perde muito, mesmo se lhe tiram a vida terrena, que para os outros tudo. Ele se
deixa despojar na terra, pois tem pouco a perder, j que seus valores esto em outro lugar.
Ento, quem o despojou acredita que venceu, ao passo que o homem do Evangelho sabe, ao
contrrio, que o outro perdeu, pois, ao invs de subir para a libertao, cada vez mais ele se
prende a um crcere infernal. Compadece-se ento, e chora sobre a misria do seu prximo,
que de tal sorte e tanta, que at considera um belo lugar de permanncia a estrumeira
humana, e julga vencer quando, ao contrrio, se amarra sempre mais a seu crcere. Ora, a
traio, para o homem normal consiste justamente na iluso que o circunda, e que lhe faz crer
que venceu, quando perdeu. Entretanto, isto natural em vista da ignorncia, e portanto, a
iluso crescerem proporo que se desce na escala da involuo.

Nasce assim um estranho duelo em que as posies, as armas e os alvos so


to diversos, que no se sabe quem vence e quem perde. Permanece o princpio fundamental
da vida, que sempre utilitria, s que os alvos utilitrios so diferentes. Como o macho e a
fmea encontram modo de conviver, cada um no seu perfeito egosmo, s porque seus alvos
utilitrios so opostos, assim o santo e o homem normal descobrem o modo de viver juntos,
porque as metas de suas vidas esto nas antpodas. O tipo normal, rei da espoliao,
consegue alegrar-se ao esmagar e vencer. O tipo evanglico atinge sua alegria em outro
mundo desconhecido do primeiro, mundo em que a perda das coisas terrenas, que para o
outro so tudo, representa quase nada. Sendo eles dois tipos biolgicos diferentssimos e
falando duas lnguas diversas, natural que se considerem reciprocamente tolos. Ambos tem
razo, mas cada um em seu plano. Mas uma vez colocados nos planos que lhes no
pertencem, ento estaro ambos errados.

Para compreender melhor a posio do evoludo, homem do Evangelho, tipo


biolgico do futuro, em relao maioria dos normais, faremos uma comparao.
Imaginemos um pssaro, habituado a voar em seu mundo areo de liberdade, de luz, de
panorama vastssimo e rpidos movimentos. Esse pssaro, desce, um dia, para viver entre os
peixes, no fundo do mar, num mundo denso, escuro, com panorama mnimo e movimentos
lentssimos. O primeiro modo de estabelecer conhecimento entre seres que se encontram
pela primeira vez, quer entre animais, quer s vezes entre homens, a agresso e a defesa,
isto , a luta. Essa a dura apresentao biolgica, a que se faz na sala de visitas da vida,
baseada num manual de educao bem positivo e objetivo, cuja finalidade mostrar quais os
meios ofensivos de que cada um dispe e, nessa base, julg-lo. Isso porque no plano animal-
humano o valor dado pela fora e pela capacidade de subjugar. Por isso, os peixes
agrediro o pssaro que entre eles desceu e, senhores de seu ambiente, vangloriar-se-o de
sua fora e sabedoria, condenando o pssaro que, por estar no meio deles, se encontra
fatalmente sem razo. Impor-lhe-o, assim, um modo de viver, produto de seu crebro de
peixes, mas que ser aceitvel para o pssaro. E quando este narrar seus rpidos e livres
vos nos espaos, nos vastssimos horizontes cheios de luz, os peixes o chamaro de louco.
E se o pssaro convidar os peixes a subir, um pouco que seja, para a superfcie, a fim de
terem mais luz, narrando as maravilhas do mundo acima das guas, os peixes gritaro que
utopia, dizendo: peixe sempre foi peixe, o nosso o nico mundo verdadeiro. O resto
sonho. E se o pssaro narrar e falar daquilo que ele bem conhece, eles todos negaro e
voltaro ao abismo.

Ento o pobre pssaro exilado chorar sua bela ptria longnqua e dir que
um crime produzir filhos porque lhe duro demais viver assim. No entanto, para os peixes,
nascidos em seu ambiente e a ele proporcionados, a vida pode ser a coisa mais adequada at
bela. Assim, para os seres do tipo comum corrente, a vida terrestre, feita de mentira, de luta
feroz, de dores contnuas, pode ser o necessrio. Poderamos perguntar, com efeito: se estes
homens no tivessem to desgraadas ocupaes, que saberiam fazer melhor do que isso? E
como tirar-lhas se, sem elas, s saberiam morrer de tdio ou destruir-se com toda a espcie
de abusos? Se no houvera esse freio de tantas dificuldades na terra, quem moderaria sua
insacivel sede de gozos? Se no houvera o recproco assalto contnuo, quem arrancaria o
homem sua preguia, para obrig-lo a evoluir?

Para o evoludo, entretanto, a coisa diferente. Para ele o ambiente terrestre


verdadeiramente um inferno, uma vida inaceitvel. Seus instintos so diferentes, suas idias
no so compreendidas, suas mais vivas verdades so utopia. O pobre pssaro, sedento de
luz e liberdade bate em vo as asas para voar. Todos os peixes o acham ridculo. E ele assim
estragar suas asas gloriosas, conseguindo mover-se com dificuldade, embaraado no fundo
do mar, l onde os peixes sabem nadar to bem e viver confortavelmente.

Mas ocorre uma circunstncia. O pssaro morrer de padecimentos se os


peixes no o matarem logo de vez. Em vida ser tomado como louco, e todavia ele contou
coisas estranhas e novas, que nenhum peixe jamais soube ou disse, e alguns o ouviram,
alguma curiosidade foi suscitada. Assim, tambm, no homem comum h um desejo indefinido
de progresso, dado pelo instinto de evoluo que, nesses casos, se desperta porque todos
anseiam subir, ainda que muitos parem no primeiro esforo. O pssaro perder as asas,
viver e morrer dilacerado, mas sua descida ao mundo inferior era o nico meio para fazer
chegar um pouco de luz at l embaixo, luz que, doutra forma, seria ignorada para sempre.
Aquela descida do mundo superior dos pssaros, era o nico meio para que algum, do
mundo inferior dos peixes, se movesse e tentasse subir um pouco mais para cima. E o
pssaro ou o evoludo continua sendo o mensageiro enviado por Deus como vtima, saindo de
um mundo superior para iluminar com seu sacrifcio um mundo inferior e ajud-lo a subir.
assim que se pode compreender essa parbola do pssaro e dos peixes. verdadeira,
porque se baseia em trs leis fundamentais da vida s quais correspondem trs instintos que
so vivos em ns: 1.) a fome, para conservar o indivduo; 2.) o amor, para conservar a raa;
3.) a evoluo, para progredir. Biologicamente, todos os seres, mesmo os inferiores,
possuem tambm esse terceiro instinto. H, para todos na vida humana, uma necessidade de
subir, que constrange os evoludos a descer e os involudos a subir. O encontro o choque
doloroso. Mas dor gentica. A subida s se pode realizar atravs da dor.

Vimos que Maquiavel nos descreve o mundo inferior dos peixes, sem
conhecer o dos pssaros. Ele tem razo, entre os peixes. Mas entre os pssaros, erra. Quando
nos diz que mister mostrar-nos externamente virtuosos, mas que perigoso s-lo de fato,
permanece fechado nos limites de um mundo inferior. necessria muita ignorncia das leis
da vida para errar tanto, e muita insensibilidade para suportar as reaes da Lei ao erros que
so assim perpetrados. Mentir esforo; indispensvel sermos dotados do instinto da
mentira, isto , sermos ignorantes e involudos, para suport-los. Tudo sacrificar em troca de
vantagens efmeras de um mundo inferior coisa triste, e s almas ignorantes, capazes de se
iludirem, podem fazer to mau negcio. muito triste viver e agir assim, sem uma meta mais
alta e mais segura, que nos garanta a conquista de valores que no sejam mentira, como na
terra. Logo que progride um pouco, precisa o homem de um po mais nutritivo. Chegar a ser
exmio na arte de enganar o prximo no pode satisfazer nenhuma conscincia bem formada.
O homem fica imensamente mais satisfeito e consegue resultados muito maiores, ao
contrrio, se conseguiu compreender uma lei completamente diversa do princpio de
Maquiavel, ou seja: quem faz o bem aos outros, o faz a si mesmo, e quem faz o mal aos
outros, a si mesmo o faz. Aqui j samos do mundo dos peixes e entramos no dos pssaros.
Mas tudo na terra quer ficar no primeiro desses dois mundos, e todo o universo visto, na
terra, desse ponto de vista e reduzido aos termos desse ambiente.

Assim, pode haver duas formas de santidade: a ntima que Deus v em


segredo, reconhece e recompensa; e a exterior, oficialmente declarada diante do mundo,
perante o qual a primeira pode escapar sem ser vista. Nem sempre as duas chegam a
sobrepor-se e coincidir, porque o julgamento de Deus no pode ser igual ao dos homens. A
santidade antes de tudo um fato privado entre a alma e Deus, nico que pode julgar no
mrito. A satisfao humana outra coisa. Aqui estamos na terra e a lei da luta invade tudo.
Aqui, enquanto o santo est vivo, muitas vezes o perseguem e at o matam. S quando foi de
todo embora, quando a sepultura est bem fechada, e se est bem seguro de que no fala
mais, ento nasce o grupo que o santifica. Falamos do santo no sentido amplo, isto , do
homem excepcional, que mais tarde um grupo escolhe como bandeira, para que muitos
medocres possam tornar-se um pouco maiores sua sombra. Assim, cada religio, cada
partido poltico, cada perodo histrico, tem seus eleitos, porque o instinto de deificao
fenmeno biolgico desde as fases primitivas da evoluo humana. Ele se inclui no instinto
de progredir, pelo qual se procura criar, entre os homens de exceo, modelos para imitar,
evoluindo com eles. Seja Lenine, para os comunistas, como o chefe de uma ordem religiosa
para esta, seja um general para o exrcito, seja um mrtir para uma idia, o princpio utilitrio
para a vida sempre o mesmo: o grupo escolhe um chefe ideal para sua glria, mas
sobretudo para seu poder e defesa. O grupo gosta de criar para si um modelo, mormente para
mostrar o que os seguidores pretendem parecer. Que de fato o sejam, isto outra questo.
Numa coisa todos esto de acordo: que o santo escolhido esteja bem morto, e portanto
impossibilitado de voltar a ocupar-se de coisas terrenas, que os seguidores gostam que
sejam deixadas exclusivamente em seu poder. Entramos aqui no terreno de Maquiavel. Ter
que suportar o controle direto por parte de um santo vivo, justamente nesse terreno em que
se apaga todo princpio superior, seria um contraste e um empecilho.

Os homens da terra, pelo instinto de progredir, tm mais ou menos a intuio


de que, nesses casos, existe um ser superior. Mas eles continuam a ser prticos, no terreno
positivo: limitam-se a us-lo. Imit-lo muito difcil. Bem sabem eles que assim , e pouco
pensam nisso. A santidade no comida para todos os dentes. Mas alarde-la vantajoso. O
homem prega e faz muitas coisas bonitas, mas se quisermos compreender por que as diz e as
faz, acharemos que a verdadeira e ltima razo quase sempre apenas uma utilidade sua. S
os ingnuos podem acreditar no que dizem os astutos: isto , que se possa fazer algo sem
tirar vantagem. Todos tm o alvo til. E isto no constitui culpa: a lei da vida. erro
pensar que isto, como princpio, seja uma culpa. O defeito reside na baixeza da utilidade que
queremos alcanar, e por isso desaparece no ser superior, que pe a sua utilidade no amor ao
prximo, no amor de Deus.

No nos escandalizemos desta utilitariedade da vida. Em sua sabedoria, ela


consegue extrair utilidade de tudo, at mesmo dos instintos elementares do homem. Explora-
se o santo, mas assim se alardeia a virtude, e as massas que s sabem pensar com a cabea
de quem as guia, aprendem regras melhores de vida, assimilam alguma coisa por sugesto,
aplicam tambm algumas delas, fazendo tudo por imitao. Como ensinar a gente que no
sabe e no quer pensar, porque isso cansa, se no com a repetio mecnica de mximas
simples, axiomticas, que no requerem nenhum esforo mental? E no entanto, assim se
progride. Deste modo atingido o alvo da vida, ainda que apenas na forma permitida pelo
estado de involuo humana. Imitao. Nisto tudo vemos, mas que o defeito do homem, a
sabedoria da vida, que sabe tirar partido de tudo, at dos defeitos. Que poderiam as massas
assimilar do super-homem, se tivessem contato direto com ele? Quando isso aconteceu, eles
perderam a ocasio, por absoluta incapacidade de compreend-lo. Se no houvesse essa
explorao utilitarista por parte dos grupos, quem desempenharia a funo de intermedirio
entre o mais e o menos, para torn-lo acessvel a todos? Quem funcionaria como redutor de
potencialidade do gnio que queima, at tepidez dos crebros pequenos da maioria? Quem
fixaria no concreto prtico o relmpago evanescente de um pensamento que atravessa o
mundo como um meteoro? A vida uma construo orgnica em que cada indivduo tem a
sua respectiva funo til. E tambm os involudos fazem parte dela e devem executar o seu
trabalho. No seio da vida nada ftuo, mas tudo sbio, at mesmo aquelas manifestaes
mais elementares que podem parecer tolas aos mais orgulhosos.

Assim, o instinto do progresso leva os primitivos a imitar os mais evoludos,


porque a lei de evoluo fundamental e impera soberana. Vimos que as necessidades
bsicas que a vida impe, so a fome, para a conservao individual, o amor, para a coletiva,
e a evoluo, para que tudo isso no signifique trabalho intil, mas sirva, ao invs, para
progredir. As formas materiais da vida so revestimentos, para fim de aprendizado, de
princpios espirituais, que nelas decaem, e a meta suprema desses princpios remontar a
Deus. Assim as trs supracitadas leis: fome, amor, evoluo, so trs degraus consecutivos,
o primeiro dos quais serve para passar ao segundo, e o segundo para alcanar o terceiro. A
fome para conservar o indivduo, a fim de que este, amando, conserve a raa, para que esta,
experimentando por sua conta e aprendendo dos mais evoludos, progrida. A meta final de
tudo a subida. E na vida, o trabalho dividido: os involudos tendem a permanecer servos,
porque nada mais sabem, e fazem o trabalho material de conseguir o que serve para satisfazer
a fome de todos. A mulher, ao invs, incumbida do amor. Seu trabalho , com sua arte,
apoderar-se da semente do macho, que lhe pertence e que ela defende como propriedade sua,
e assim gerar e depois criar a prole. Os evoludos so incumbidos da evoluo. Seu trabalho
apoderar-se das massas humanas, produto dos dois trabalhos precedentes, a fim de elaborar
o fruto de ambos. Trata-se sempre de apoderar-se. O esforo do anjo decado para
reconquistar o paraso perdido, ou seja, para, do caos criado com sua revolta, reconstruir a
ordem, esse esforo compete ao macho. O tipo biolgico do evoludo que se coloca frente
da marcha ascensional da humanidade. o pioneiro do porvir, o explorador de novos
continentes do conhecimento, ainda que, nos graus menos evoludos, ele seja apenas o
prepotente, que impe com a fora uma nova ordem. A vida o respeita, e, representando ele
um valor biolgico, mais cedo ou mais tarde ele impe respeito ao instinto das massas.

Observemos os instintos. Falam-nos claro, revelando-nos o pensamento


diretivo e a vontade da vida. Assim, o homem se sente impelido, sem saber por que ( e
obedece sem discutir) a utilizar o produto da vida alheia, seja planta ou animal, para nutrir-se,
e deles se alimenta. Por outro instinto, sem discuti-lo, o homem impulsionado a utilizar a
mulher para reproduzir-se, e ento ele ama. Enfim, para satisfazer seu instinto de progresso,
o homem levado a utilizar o super-homem, e por isso o venera, glorifica e imita, embora o
tenha antes desprezado e perseguido. So estes os valores da vida, por ela ansiado atravs
dos seres que a representam; estas so as coisas preciosas e defendidas na economia
utilitria da natureza, que sabe ser econmica nas coisas de somenos importncia e
riqussima onde se acham a de maior importncia para seus fins. Por isso ela avara em
fornecer meios para viver, porque quer nosso esforo a fim de procur-los e depois dessa
busca, sabe at ser prdiga. Por isso exuberante de sementes geradoras mas, a seguir, nos
d uma existncia precria, para que se aprenda na luta. Por isso deixa os super-homens em
poder dos involudos, a fim de que, nesse atrito sejam testados, e se revelem e afirmem na
luta. Assim, a vida utiliza tudo para seus altos fins: um bom alimento, como uma mulher bela,
ou um heri ou gnio ou santo, defendendo seus valores e abandonando o intil, rica e
prdiga onde se encontra a meta alcanar, pobre e avarenta no que lhe no interessa,
demonstrando claramente com esses sinais inequvocos o seu pensamento.
Por isso, como o bom alimento ou a mulher bela, o super-homem
ansiosamente desejado. Mas, para utiliz-lo, no o podemos nem devorar, nem fecund-lo.
mister imit-lo. E isso difcil. Ele pensa e age to diversamente dos outros! E ele s um
modelo, mas o esforo de subir indispensvel que cada um o faa de per si, sozinho.
Tambm os macacos imitam, mas s o lado externo, sem compreender o significado dos atos
que repetem. Assim tambm as massas limitam a imitar as atitudes aparentes, e julgam que a
santidade consista em jejuar ou dormir no cho, e que ela resida na pobreza, na castidade ou
na humildade etc. no percebem que estes so apenas acessrios exteriores, o lado negativo
da renncia terra, e no o lado positivo e verdadeiro da santidade. Mas o homem s v a
terra e concebe todo o universo em relao a esse nico ponto de referncia. Foi por isso que
reduziu a paixo de Cristo particularmente carnificina de um corpo, j que o resto se acha
mais longe do seu mundo.

No entanto, a santidade algo de positivo, de construtivo no esprito, e no


apenas destrutivo no corpo; feita com a renncia, s para conquistar mais e em ponto mais
alto; feita com a solido apenas para abraar todas as criaturas; feita com os cios
materiais e aparentes da contemplao, unicamente para dinamizar-se numa atividade
espiritual maior. Assim, do santo, o homem imita o que mais compreende, mas que vale
menos, mas tambm o que melhor assimila, porque mais prximo da sua natureza de
involudo. Todos temos riquezas imensas a nosso lado, todavia, na sabedoria da natureza, s
nos dado agarrar o que merecemos, compreendemos, o que podemos alcanar e assimilar.
Por isso, natural que o homem comece imitando a exterioridade , enquanto lhe escapa o que
vale mais. Mas a vida no pode pedir mais a um ser material, que tende a reduzir a atividade
espiritual a movimentos fsicos de boca, braos e pernas.

De tudo isso nasce novo conceito de virtude. Em outros termos, surge em


primeiro plano o conceito de virtude positiva, enquanto passa ao segundo plano de virtude
negativa, tal como foi prevalentemente compreendida at hoje, ou seja, virtude que consiste
mais em no fazer. No pode negar-se que uma pedra satisfaa s virtudes de pobreza,
castidade e obedincia, pois ningum mais pobre, casto e obediente que uma pedra. No
entanto, bem longe est uma pedra de ser santa. Dessa forma, encoraja-se a inrcia, sufoca-
se o eu, oprimindo-o, ao invs de desenvolver-lhe os recursos. Mas isto se explica. O homem
est situado na animalidade e, se esse seu mundo e sua casa, desde que ele no conhece
ainda a nova, s lhe resta destruir a velha. Mas claro que isso no construir. Entretanto, que
mais pode fazer, quem no sabe construir? Ento, esperam-se os construtores, os santos, os
heris, os guias do novo caminho. Explica-se isso, tambm, como conseqncia da luta pela
vida, em razo da qual cada pregador de virtudes sente necessidade de cercar-se de
ovelhinhas obedientes, antes de encontrar diante de si o santo independente. Tudo se explica.
Mas desse modo, sobra-nos apenas uma virtude triste, com sabor de punio; no entanto,
ainda que tenha que ser assim nos seus primeiros passos penosos, dever ser alegre e
construtiva, na sua parte melhor, numa forma que tem sabor de conquista e de triunfo.
Devemos ser virtuosos, porm com mais inteligncia. Consiste a virtude em fazer a vida
elevar-se, e no mutil-la e mat-la. E nesse ponto vemos como til, mesmo no terreno
prtico, Ter compreendido o fenmeno do universo, j que s desse conhecimento que se
pode deduzir uma moral da qual podem compreender-se todos os postulados de acordo com
as leis da vida, e podem ser elas logicamente demonstradas razo. Elevemo-nos: - esta a
regra. o conceito da evoluo que nos indica a escala de valores.

Elevemo-nos, ou ento cairemos no mundo de Maquiavel, que um mundo de


traies. Ele tambm nos oferece estima e respeito mas s invejando-nos e odiando-nos, e
enquanto formos fortes. Nesse mundo, o vencido e o fraco nem sequer so odiados, mas
lanados fora com desprezo devido ao vencido. Mundo em que a morte de um vida do outro;
mundo em que o amor luta para procriar e o dio para matar. Mundo em que cada momento
de vida deve ser conquistado contra todos, numa luta sem trguas, em cada pensamento e
ato. Estamos to permeados de luta, que mesmo quando oramos a Deus, lutamos para cavar
favores. A batalha atinge at o terreno moral que o mais alto e prprio das religies. Desse
modo faz-se a guerra ao prximo at em nome da virtude. Os prprios princpios dos planos
superiores mais livres tm que assumir, para subsistir na terra, a forma de imposio moral
sustentada por sanes correspondentes. H luta, no s entre homens, mas entre planos de
vida. E interessante observar como ocorre o embate entre foras do Evangelho e as da
animalidade humana, e ver que contores tm que sofrer esses princpios superiores,
quando descem em contato com a dura realidade da vida terrena, a fim de conseguir adaptar-
se a ela. Maquiavel d-nos uma idia disso. E veremos ento que o Evangelho, na terra, toma
forma de utopia, e a virtude, de mentira. Desfralda-se ento a bandeira do amor fraterno, do
altrusmo, do esprito de sacrifcio, ocultando por baixo a vantagem material, explorando tudo
no interesse prprio. Tudo isso um fenmeno biolgico que pertence a todas manifestaes
da vida na terra, em qualquer lugar, tempo e religio. No estamos, pois, julgando ningum,
mas apenas fazemos constataes biolgicas objetivas e com absoluta imparcialidade.

O primeiro erro de quem exige a virtude, no prximo, de forma antivital, isto


, pretendendo ter, em nome da virtude, o direito de sufocar a vida nos outros. natural,
ento, que esta se rebele, para no deixar-se sufocar. Com efeito, tudo o que atenta contra a
vida, atenta contra Deus que a quis. Ento, a virtude, na terra, assume a forma de luta para
todos se esmagarem mutuamente: de um lado os moralistas que a impem, sufocando, de
outro, seus discpulos que no se querem deixar sufocar. Mas, de um modo geral, estes
sabem defender-se bem por si mesmos, e esta sua melhor sabedoria. No atual estado de
involuo humana, to grande a ignorncia, que se torna intil pretender resolver os
problemas com a inteligncia e a bondade. Por isso, s existe o caminho longo, duro e
doloroso da luta. Assim resolve a vida os seus problemas. Mas bem sabemos com quantas
dores. E assim, com estas, o homem paga a sua ignorncia.

Tudo justo e se explica. Num plano de vida involuda, a virtude no


sentida, nem espontnea, nem compreendida. S pode ser imposta pelo mais forte e aceita
pelo mais fraco com repugnncia, pois a vontade de viver s existe em forma animal. Nesse
nvel, a virtude um peso, uma perseguio. E o indivduo que aceita essas cadeias, sente-se
no direito, de acordo com a psicologia de seu plano, de ter cimes de quem no est
acorrentado como ele s mesmas virtudes, e portanto pode gozar de liberdade. (Assim, de
fato, a liberdade na prtica no mais do que abuso). Ele sente-se autorizado, em nome da
prpria virtude, a desviar os seus sofrimentos contra os que no esto presos a estes, ou
seja, os no virtuosos. Nasce assim o santo zelo agressivo e a procura da satisfao ao
prprio rancor filho do instinto de conservao na luta pela vida exigindo que o prximo
fique amarrado mesma virtude a que ele se encontra ligado. Dizem: ao menos, j que devo
fazer sacrifcios e renncias, que as faa tambm o prximo. E assim que alguns pregam e
impem a virtude. No plano animal, nada alm disso se pode obter. Mas qualquer pessoa v
quanto tudo isso est longe do princpio do Evangelho, do ama teu prximo.

Se na terra so fixadas algumas normas como virtudes e estas so aprovadas


e exaltadas, deve-se isso ao fato de que elas podem ser utilizadas pelos involudos como
arma, a fim de lutarem pela prpria vida, para combaterem melhor com ela contra o prximo.
Se a caridade proclamada e aplicada em forma de beneficncia, pode ser isso devido
tambm ao fato de que, com ela, podem recolher-se da piedade pblica, fundos dos quais
mais tarde podem viver os organizadores. Assim, os beneficiados podem ser um pretexto
para encobrir interesses materiais, ou seja, a indstria da beneficncia ou desejo de glria.
Mas, que o homem atual ame e tenha verdadeiramente predileo pelos deserdados, em seu
instintivo egosmo individual, coisa em que alguns podem no acreditar. Mas pode ser
conveniente, aos piores, a bela mentira de uma caridade utilitria. Quantas coisas belas e
grandes se fazem pelos pobres! No entanto, o problema descobrir se, por detrs de tanto
barulho, os pobres gozam sempre realmente alguma coisa, ou se apenas para eles sobraram
as migalhas do repasto. Porm, como pode admitir, quem conhece o homem atual, que ele
sempre trabalhe desinteressadamente pelo prximo? No dizemos que a vantagem seja o
furto, o que seria escndalo, mas pode-se conquistar uma posio, o que se admite, ou a
glria, o que tolerado, e assim por diante. O alvo pode ser tambm o do domnio moral da
classe, base do poder. Por que na Europa, o Clero sempre lutou para manter o monoplio da
instruo pblica, com as escolas, contra o ensinamento dado pelo Estado, e sempre
procurou, ao menos, reservar para si uma ctedra de religio? No entanto, como pode
acreditar, quem conhece o homem de hoje, que interessem a algum os princpios em si,
quando no signifiquem interesse de domnio individual ou de casta? Quem que pode
acreditar que o homem, em cada caso, gaste suas preciosas energias por algo que lhe no
renda de forma positiva e imediata? Existem , sem dvida, muitos casos genunos de
admirvel bondade e sacrifcio, mas pode-se tambm pensar que nem tudo o que brilha seja
ouro.

Esta a contoro que tem que sofrer o princpio da virtude, para descer
terra, no campo em que se debate o problema da conservao individual. Nada disso
ocorreria, na aplicao da virtude, o homem amasse o seu prximo, isto , levasse em conta
os direitos que tambm seu semelhante tem vida, respeitando-o, ao invs de servir-se da
virtude alheia para dominar. S h uma soluo para o problema: a de fazer viver, ou melhor,
a de ajudar todos a viver. O homem quer, antes de tudo, viver. Se isso pode desagradar ao
inimigo, que ento o condena, no por certo culpa, diante de Deus. Em nosso plano, quando
algum quer sufocar-nos no direito de viver e nos asfixia tirando-nos o ar, o espao e aquilo
que necessitamos. Deus no desce a ajudar-nos diretamente, mas faz atravs de nos mesmos
e diz-nos: defende-te, ajuda-te, porque o esforo de defender a nossa vida deve ser nosso.

Ento, se por exemplo, de um fraco que no tenha outra defesa seno a


mentira, quisssemos pretender, em nome da virtude, que dissesse sempre a verdade,
fazendo-o assim renunciar nica arma que tem para defender sua vida, os culpados
seramos ns que, em nome da virtude, o agredimos. Isto porque, para poder exigir dele uma
virtude que o desarma num mundo de armados, temos primeiro o dever de libert-lo da
necessidade de usar esse meio de defesa, e isso garantindo-lhe um mnimo espao
necessrio para viver. Garantir isso a todos, eis a grande obra da justia social a ser realizada.
S desse modo podero cessar as reaes ao esmagamento, que dissemina tantos rancores
nos oprimidos. Esta uma das razes das revolues. O povo reconhece que os princpios
so justos e percebe quando a classe dominante o atraioa enganando-o. Exige que tambm
os chefes apliquem esses princpios. A revoluo francesa foi baseada no atesmo, porque o
clero francs, em nome de Cristo e pregando o Evangelho, s cuidara de apoderar-se das
melhores posies sociais, traindo Cristo e o Evangelho. E ainda agora, se o povo s vezes se
revolta, f-lo em geral contra todos os maus ministros que o merecem. Apenas fazemos aqui
amargas verificaes de sentido geral, e tanto mais amargas porque se referem ao mais
preciso e delicado terreno, o espiritual e moral, ao passo que Maquiavel o fazia apenas no
terreno mais baixo, onde mais fcil era prescindir dos princpios superiores. Na prtica,
infelizmente, a virtude muitas vezes propugnada e defendida at porque um meio de
sufocar a expanso vital do prximo, e pode transformar-se numa arma de agresso, num
meio til, na luta pela prpria vida. Repitamos que esse princpio da luta invade tudo e nada
lhe escapa na terra. O santo, o homem evangelizado que de verdade a tudo isso renuncia, s
pode viver com o auxlio de foras supranormais que descem at ele somente, porque
somente ele pertence queles planos.

O amor o fenmeno que a moral quer disciplinar mais do que todos os


outros, e isto um grande bem. Ele preside conservao coletiva, pela qual luta a vida com
vontade de ferro. Depois da conservao individual, este o outro centro, em redor ao qual
ferve e planeja, e naturalmente se verifica a contoro dos princpios, quando de um mundo
superior, so transportados terra. Assim, a virtude da castidade, na prtica, pode ser
enaltecida porque serve para ter, em quem a segue, um rival de menos no terreno do amor;
como a virtude da pobreza pode ser exaltada porque serve para ter, em quem a observa, um
rival de menos no terreno do bem-estar material. Na realidade biolgica positiva, que de
Maquiavel, parece que essas duas virtudes, a da castidade e pobreza, podem ter tambm
esse sentido. Se a acrescentarmos tambm o terceiro voto franciscano, o da obedincia,
teremos o prximo reduzido a zero, completamente demolido no plano biolgico, o que
significa poder conquistar-se todo o espao vital custa dele e em vantagem prpria, ou seja,
um atalho fcil para vencer, subjugando, na luta pela vida. Tudo isso muito triste, mas a vida
tambm pode aparecer assim, do ponto de vista de Maquiavel, de acordo com a realidade
biolgica. Na terra, tudo pode ser virado ao contrrio e falsificado. E temos que conhecer
tambm esse aspecto da vida. Repetimos: tudo isso muito triste. Mas assim que aparece o
nosso mundo, visto dos planos superiores, dos quais desce este pensamento.

Assim, pode sustentar-se a santidade do matrimnio para que o vizinho


cerceado por ela e dentro dela aprisionado com sua mulher, no possa atentar contra a
mulher do moralista, enquanto que a este muito agradaria atentar contra a mulher alheia.
Assim toda mulher, tendo em vista que a ela sobretudo pertence a funo biolgica do amor,
a guardi natural e desapiedada da virtude em todas as outras mulheres, mas isto s para
exclu-las de seu banquete, em que triunfa ou espera poder triunfar. Assim, em nome da
virtude, pode justificar-se e tem foros de cidadania, ao lado do amor ao sexo oposto, o dio e
a perseguio contra o prprio amor. Por isso as mais denodadas defensoras da virtude, em
matria de amor, so as mulheres feias, que no encontram quem as satisfaa, as irritadas
solteironas, as frgidas, as desiludidas que desafogam na raiva, escondidas sob o manto da
virtude, tudo o que no foi possvel desafogar no amor. Estamos nos antpodas da bondade
evanglica, e desse modo o verdadeiro sentido cristo est invertido. Com efeito, Cristo
escolheu Madalena entre as mulheres que mais haviam amado, ainda que carnalmente, mas
tinham amado, e no estavam irritadas pela renncia forada isto porque o Amor a lei da
vida. triste quando ele est corrompido, mas qualquer amor sempre melhor que o
azedume, que a vingana, que o dio.

Se esse o abuso que se pode fazer, das normas que pretendem regular a
vida humana, no se pode negar sua utilidade como normas de vida para a maioria, e quo
grande conhecimento da natureza humana elas exprimam, em vista dos instintos animais de
revolta e luta, de egosmo e avidez do tipo biolgico dominante, qualidades que aquelas
normas presumem nele. Elas so feitas para a maioria no nvel animal. Para uma minoria mais
evoluda, em que os instintos j esto transformados, certas normas podem no ter sentido e,
se aplicadas a personalidades fracas, podem at provocar complexos de inferioridade. um
fato positivo que o ambiente terrestre representa uma fora, tem suas leis e seus direitos.
Quando o cu desce terra, para aqui enxertar uma vida nova, tem que levar em conta tudo
isso, deve suportar o choque da reao por parte das foras ativas neste ambiente. Aqui,
onde reinam os princpios de vida de um plano inferior, o santo aparece como um intruso e
um violador. S pode ser um mrtir destinado destruio, um utopista tolerado apenas
enquanto no agride nem prejudica e, depois da morte, enquanto dele se pode tirar proveito.
Se olharmos bem, poderemos ver que a exaltao que se faz a tantos grandes homens, pode
s vezes ocorrer tambm em funo de sua capacidade de ser explorados. Seria possvel que
o tipo biolgico involudo, como , exalte outro homem se isto no lhe servir para qualquer
vantagem sua egostica? No dizemos que tenha que ser o dinheiro. H tantos desejos e
tantas vantagens na terra! Como poderia ser diferente num mundo em que cada posio, pela
necessidade de uma luta universal sem trguas, h de transformar-se numa trincheira ou
refgio, para ataque e defesa? Ento, a prpria posio social, qualquer que ela seja, pode
representar o castelo do ataque e da defesa, pois o involudo sabe que o animal sem toca,
est perdido.

Como se v, no discutimos cada uma das instituies sociais, posies


jurdicas, governos ou religies. Discutimos, sim, os princpios da vida e sua aplicao entre
os homens. Procuramos compreender e expor a verdade mais verdadeira, a que mais difcil
de conhecer, a mais escondida, mas a mais escaldante, a que mais se probe de dizer. E isto
porque, sendo ela a mais verdadeira, e a que mais se mantm escondida na batalha para
viver, pois representa a verdadeira face do homem, a medida de suas foras, as qualidades de
suas armas, a natureza da sua estratgia, justamente aquilo que o homem precisa deixar o
inimigo conhecer menos. Essa verdade a mais proibida de falar-se, porque descobre o jogo
sujo e oculto que revela a animalidade, a vergonha da baixeza dos instintos, mtodos e alvos,
coisas cujo reconhecimento representa uma degradao que ofende o orgulho humano. Pode
parecer que estejamos fazendo aqui maliciosamente a acusao da humanidade. No. Mesmo
sem ofender ningum em particular e respeitando a todos, necessrio ter a coragem de
enfrentar os problemas de face, com sinceridade, para vermos claro e sem mentiras. Ai de
quem comea a iludir-se a respeito da natureza real dos fatos. Qualquer construtor, antes de
iniciar o trabalho, tem de examinar bem e conhecer a estrutura do terreno em que quer
edificar; seno, construir mal e tudo ruir. Temos de partir de bases positivas daquilo que a
realidade biolgica nos oferece. O otimismo que devemos alcanar deve ser frreo, ou seja,
no fcil e simplista, de sonhadores ignaros do mundo, mas um otimismo que arrombou
todas as portas e venceu todas as resistncias. No podemos criar o terreno, ele o que .
No podemos cri-lo para ns. Compete habilidade do engenheiro saber construir nele,
conhecendo-lhe os defeitos, suprindo as falhas e utilizando o que for aproveitvel.
Detestamos iluses, e a elas preferimos uma realidade horrvel mais verdadeira. E suas bases
mais positivas, as temos encontrado nas leis da vida, nas foras em ao no mundo humano,
nos instintos do homem e na realidade biolgica. Este volume diferente dos anteriores e,
por ocupar-se mais da terra que do cu, podemos nele dizer o que no foi dito nos outros.

Assim surge luz fealdades que no deveriam ser expostas. Mas no as


dizemos, por certo, para demorar-nos nelas com alegria, antes, experimentando todo o horror,
estudando todos os meios que pode oferecer-nos a vida para sair delas, e desesperadamente
convidando a todos que as usem, a fim de fugir a elas. Fazemos um trabalho de anlise do
mal, para cur-lo, fazemos um diagnstico triste, para libertar-nos de aflies que nos fazem
sofrer a todos. No culpamos ningum, e o nico inferno que prometemos o de permanecer
na estrumeira atual, o que j nos parece bastante horroroso. Ser involudos no culpa, mas
demonstramos religio e ao sentimento que isso constitui grave dano, e que conseguir sair
da enorme vantagem. Se o homem compreender que muitas de suas dores derivam do
atrito nascido da luta de todos contra todos, da falta de conhecimento dos prprios deveres e
dos direitos alheios, e da reao natural dos oprimidos; se o homem compreender tudo isso e
a imensa vantagem de todos com a confraternizao, a terra se transformaria em paraso. Mas
essa compreenso tem que ser conquistada pois s pode ser atingida com o desenvolvimento
da inteligncia, que construda e ganha mediante a nossa experincia penosa. Aqui
procuramos abrir as mentes a essa nova forma de vida. As leis biolgicas j esto escritas, o
caminho esta traado, necessidade absoluta seguir por ele, mas ns que temos de
percorr-lo, transformando-nos aos poucos.

O esprito de egosmo e de revolta, a desordem dominante em seu modo de


viver, provam que o homem atual involudo. Os ndices da evoluo so o altrusmo, a
disciplina, a ordem. Quanto mais se sobe, mais o indivduo se harmoniza. Quanto mais se
desce, mais ele rebelde, indisciplinado, desarmnico, catico. O homem ainda mata. As
prprias religies que pregam o mandamento no matar, admitem e abenoam as guerras,
realizaram mesmo as guerras santas, reconhecem, no grupo dominante, o direito de matar em
nome da justia, que, em ltima anlise, apenas auto-defesa. Quanto mais se desce na
escala evolutiva, e menos so defendidas a propriedade e a vida, mais spera a luta,
maiores os perigos e as dores. Quanto mais se desce, mais a morte de um a vida do outro.
Quanto mais se sobe, mais a vida de um a vida de outro. assim que se explica, nos
involudos, a alegria de matar. Desse modo, quanto mais se desce, maior o instinto de
agressividade, mais forte o egosmo, mais catica e insegura a vida. Mas, lgico que, quanto
mais se desce, maior o separativismo individualista que ignora o vizinho, maior a
mortandade e maior a dor, porque a vida mais quebrada, por motivo de um ritmo mais
acelerado de vida-morte, que exprime o estado de ciso que, como conseqncia da queda,
aumenta com a descida.
Num plano mais alto, desaparece tudo isso. Cessa a agressividade e o desejo
de matar, tudo se arruma e harmoniza, o indivduo protegido na vida e nos haveres, as dores
so menores e os direitos maiores, e ele no esta mais isolado no caos, mas uma clula da
grande organizao social. Isto, porm, pertence ao futuro. Muitos perguntam ingenuamente,
porque at hoje esta triste necessidade de fazer guerras. Mas a razo o estado involudo das
maiorias humanas, so seus instintos. Esse duro destino causado pela prpria natureza do
homem atual, por sua psicologia que revela seu plano biolgico, em que s o mais forte vale e
tem direito vida. No so esses princpios aplicados diariamente nas competies da nossa
vida chamada civil? Como pode o homem tornar-se outro, logo que entre no campo das
competies internacionais?

Em vista da forma mental desse bitipo, o embate entre os dois grandes


contendores, que hoje ficaram em p no mundo, fatal que ocorra mais cedo ou mais tarde.
Tudo isso est j em embrio, e no pode deixar de desenvolver-se. No pode ocorrer
diferentemente num mundo em que vingam esses princpios. A guerra inevitvel, onde
preciso decidir quem o mais forte, pois s a ele compete a viver. A fim de terminar com as
guerras, indispensvel uma psicologia completamente diferente e, para que o mundo possa
chegar a ela so necessrias destruies e dores imensas, experincias apocalpticas,
proporcionadas grandeza da transformao que deve realizar-se no homem. Esto abertas
as portas do progresso. E quando a gangrena chega ao corao, o cirurgio que quer salvar o
doente louco, o arrasta e o amarra mesa de operao e, para salv-lo o esquarteja. Essa a
operao cirrgica que Deus se prepara para fazer na humanidade a fim de salv-la.

Esse o mundo de hoje. Isso no culpa, apenas ignorncia. Mas isso no


impede que se deva pagar da mesma forma. E a humanidade est pagando, e tanto pagar
que ser obrigada a aprender. A dor um grande mestre. A vida hodierna um erro
psicolgico, baseia-se em iluses mentais. Compete o homem entrar num terreno de
utilitarismo superior, substituindo, ao antigo mtodo de seleo do mais forte, isto , do mais
prepotente, ao mtodo de seleo do mais inteligente e, por fim, do mais honesto. A soluo
do problema do bem-estar no se situa s na justia econmica, mas em se reconhecerem
todos os direitos do prximo, e esse so de muitos gneros, e no apenas econmicos:
consiste em deixar espao vital suficiente para todos, sem sufocar ningum. Os povos e a
humanidade s podero refazer-se com o progresso do indivduo, levando primeiro frente
seus componentes um a um. O progresso coletivo no pode ser alcanado seno com o
progresso de cada um. mister respeitar o princpio utilitrio fundamental da vida, pelo qual
s se faz algo em vista de uma vantagem a ser obtida. Mas se todos precisam obter algo, no
h dvida tambm de que todos tm algo a dar; assim h para todos uma possibilidade de
troca. a lei do do ut des, do mundo econmico. Ela foi condenada na Grande Sntese,
porque a foi olhada dum ponto de vista mais elevado. Mas, nos planos inferiores, preciso
reconhecer que cada concesso altrustica do egosmo humano que d, s obtida em
presena de uma contra-doao da parte do egosmo oposto do outro, nosso semelhante. Isto
o mximo de justia que se obtm no plano humano. Esse o mximo de fraternidade
possvel neste nvel, em que o estado mais involudo implica maior separativismo egosta. Nas
o do ut des j um equilbrio e, na troca, uma tomada de contato, o maior abrao que
permite o egosmo dominante nesse nvel. Esse j um primeiro incio de ligao entre os
indivduos, na estrada que leva aos grandes organismos das futuras coletividades sociais.

A vida no pode oferecer em cada plano uma perfeio maior que aquela que
pode suportar naquele plano. uma me que ocultamente e to misteriosamente nos protege,
que por vezes nos parece cruel. Mas, nada faz ela no vcuo, inutilmente, sem finalidade
benfica, mesmo quando nos faz sofrer. Verificando estas lealdades, apenas contemplamos
os erros dos planos inferiores, ou seja, os mais afastados de Deus. Mas isto nos leva sempre
em direo ao centro, Deus, e faz-nos ver como, com sua sabedoria, Ele permanece sempre
presente, mesmo nesses planos. A natureza justa quando, dando a todos uma arma para
defender-se, quer que todos vivam. A quem mais no tem, d a fuga ou a mentira. quando
ns, escandalizados, quisermos em nome de uma lei mais alta que ainda um absurdo
nesse plano tirar ao indivduo a nica arma que ele tem para defender sua vida, podemos
perguntar-nos se temos o direito de despoj-lo daquela sua nica proteo, impondo-lhe
renncias, sem antes lhe garantir pacificamente o que aquela defesa queria defender. A
desobedincia a uma verdadeira chamada do Alto para nos elevarmos , sem dvida, um erro
que se paga. Mas a resistncia contra a tentativa de estrangulamento da vida, ainda que feita
em nome do ideal, legtima defesa que a vida impe ao homem, atravs do instinto.

difcil dar normas particulares para a aplicao dos princpios em cada caso
prtico. necessrio ver, caso por caso, levando em conta sobretudo o tipo biolgico a que
tudo isso se aplica. A maioria involuda precisa da virtude imposta e do terror do inferno,
porque, sem o imprio de uma autoridade, e sem o medo da prpria condenao, nada de
bom faria. Mas, para os mais evoludos, esses mtodos so inaceitveis e produzem o
afastamento da f. Tudo o que se faz na terra, feito em relao e proporo s qualidades
dominantes da maioria. s minorias compete apenas adaptar-se, num mundo que no feito
para as suas medidas. Ainda aqui o mais forte que vence, sendo a fora, neste caso,
representada pelo nmero.

O poder do santo pertence a planos superiores, tanto que, na terra parece


fraqueza. Sua arma defensiva to evoluda que se torna amor. Ele se deixa explorar, e esse
seu triunfo. Ele personifica a inverso dos valores correntes, por isso, entre ele e o homem
normal no podem nascer rivalidades, como no nascem entre pessoas que tm
necessidades e metas diferentes, de modo a no terem pontos de contato e portanto de atrito.
No havendo competies, nem rivalidades, no h luta. Tanto menos elas podero existir,
enquanto o evoludo e as massas involudas desempenham trabalhos complementares, e
portanto esto entrosados, um em funo do outro. Para o evoludo, o trabalho civilizar,
para as massas, ser civilizadas. Em geral o santo no pode ser, e no de fato, compreendido
pela maioria, e o seu triunfo se fundamenta num mal-entendido. H por certo, outras razes
biolgicas, pelas as quais a vida exige a vitria do tipo mais evoludo. Mais prximas, todavia,
aparecem as razes da realidade mais perceptvel. Como podem esquecer-se e silenciar,
diante do santo, os instintos utilitrios da vida? Sem dvida uma intuio confusa faz sentir
s massas, atravs do julgamento dos mais adiantados, que naquele homem h um raro
campeo. Mas suficiente isso para que contra ele no se exercite o egosmo humano?

Ele sempre um renovador e, quando no morto por isso, e sua inovao e


superioridade atraem proslitos, forma-se ento o grupo em que ele fica sendo o ncleo
espiritual, a idia central, de que aquele grupo, para sua vantagem, inicia a defesa contra
todos os outros. Comea ento a glorificao do santo, os reconhecimentos oficiais, forma-se
a corrente favorvel na psicologia coletiva, chegam os meios, constroem-se os grandes
templos em sua memria. Se na vida, o santo um grande independente, dificilmente
domesticvel, porque foge para outro seu centro de vida, que os normais ignoram, estes
esperam que o santo esteja bem morto, porque s ento esto bem seguros de que a sua
figura no pode nem mudar, nem reagir, e possvel apoderar-se dele. As massas sabem que
o santo no imitvel, mas que no entanto, utilizvel como farol luminoso e remoto, para
interceder junto a Deus, para dar glria ao prprio grupo ou cidade de que faz parte, para
ganhar o paraso com as indulgncias pedidas pelo santo no cu. Utilizar, a vontade da vida,
que fala atravs do instintos das massas, s quais no se pode pedir mais, e que exigem isso;
tal a natureza humana em seu plano, e no se pode inculpar ningum. Este o nico modo
em que um pouco do cu pode descer terra. Foi assim que se firmou o sistema das
indulgncias, porque esse justamente o sistema que satisfaz ao desejo, e corresponde
mentalidade da maioria.

Com isto, queremos s explicar, e no acusar. Fugimos da acusao fcil do


prximo, qualquer que seja ele. De tantas coisas foram acusados os ministros de todas as
religies e crenas e isto em nome da virtude como alis o fazem todos os acusadores,
que se julgam sempre do lado da razo e de Deus, e condenam ao inferno ou a seus
equivalentes, todos os que lhes so contrrios! Essa a luta pela vida, igual para todos. Mas
os acusadores, quaisquer que sejam, deveriam confessar que em geral, para viver, condenam
s enquanto lutam contra um grupo inimigo, tendo os mesmos defeitos que eles, e lutam,
para substitu-los com os mesmo mtodos, na mesma posio. Acusadores mais leais
deveriam reconhecer que so da mesma raa e plano de vida dos acusados. Assim, por
exemplo, censurou-se o cristianismo por usar a ameaa do inferno. Mas, sem falar da
necessidade dessa presso, para poder conseguir-se algo dos involudos, a reao contra
esse inferno era justamente s para desarmar da nica arma, que s podia ser psicolgica e
espiritual, e assim melhor venc-lo. Num tal mundo, como podia sobreviver sem armas uma
casta, a quem se deve, sem dvida, o ter podido o cristianismo chegar at ns? E, acusando,
no realizam os acusadores o mesmo ato de condenao que a Igreja usa, com a ameaa do
inferno.

Tudo luta pela vida, de todos contra todos. Tudo na terra pode ser
transformado de bem em mal. Assim, a defesa dos princpios pode, ao invs, constituir de fato
uma busca de proslitos, sobre os quais mais tarde se possa elevar o prprio trono, e
transformar-se desse modo na caa aos mais sugestionveis e fracos. Estes, por sua vez,
aceitam os princpios para achar um refgio, um po, uma defesa. Quantos vezes uma
profisso de f pode servir para resolver o to difcil problema da vida! Esse problema o que
todos bem compreendem, e que a realidade impe que compreendam. Mas ter uma f, crer,
talvez uma ato em que poucos esto em grau de compreender totalmente, e que, para eles,
tem valor relativo ao passo que aquela realidade tem, para eles, um valor muito mais real e
tangvel. Tal a vida, que uma luta muito dura para todos, para que posam permitir-se o luxo
de uma f que pese. Aceita-se uma f que ajude, mas no h margem para uma f que onere.
As necessidades materiais so espicaantes, as grandes verdades esto longe, os cus so
difceis de escalar, s os fortes , os inteligentes, os bem dotados e afortunados, pode permitir-
se ter uma personalidade prpria e imp-la. Muitas vezes, misria material soma-se a
misria espiritual, incapaz de qualquer coisa.

Procuramos observar tudo objetivamente, sem preconceitos e sem


preferncias, para compreender e tambm para desculpar todos. Para o fraco, a luta pela vida
coisa terrvel. Querem-se aplicar grandes princpios a todos, mesmo aos que nada disso
compreendem; exigem renncias, virtudes, sacrifcios a quem no tem a fora de suport-los.
preciso nivelar tudo no plano baixo das maiorias. Dos chefes e ministros do esprito
pretendem-se qualidades raras, duras em conquistar-se e que eles no tm. Pretende-se uma
vida exemplar num mundo corrompido, pede-se o sacrifcio, que um tormento para a vida. E
se falta o material humano por toda a parte, como improvis-lo? Os fracos que so tantos,
procuram defesa. Por isso, lanam-se nos braos do mais forte, do que venceu, para serem
defendidos. Em meio a uma luta to spera para viver, o desejo de proteo torna-se agudo.
Forma-se, assim, entre os chefes fortes e vencedores, e os fracos, em todos os campos, um
contato tcito, pelo qual os primeiros, para obter uma base de poder, oferecem defesa e
vantagens, e os outros, para obter tudo isso adaptam-se e aceitam tudo. Que confiana
podem ter tais chefes em tais proslitos, logo se v: assim que um chefe cai, quase todos o
renegam, desprezando-o e abandonando-o. O prprio S. Pedro no foi induzido a renegar
Cristo trs vezes, porque temeu por sua vida? Naquele momento, o ataque foi medonhamente
concreto, e isso o que persuade a maioria, que vale menos que S. Pedro.

Desse modo de comportar-se no queremos dar uma justificao, mas uma


explicao. No fora o homem colocado em to duras condies, pelas necessidades da vida,
quais a fome, a defesa etc., nada disso aconteceria. E nem sequer aconteceria, se ele tivesse a
fora que o ideal requer dele, de desafiar as leis da vida que o ameaam, para venc-las. Dom
Abbondio1 dizia: mas coragem, ningum pode d-la. E se tanto admiramos Cristo, tambm
porque Ele foi vencedor, demonstrando ter uma fora que nem um homem possui. Mas,
quando Ele pereceu na cruz como vencido, quase todos o abandonaram. No sempre a
vitria e o poder o que admiramos? Com isto queremos explicar no s o comportamento
humano, mas tambm o comportamento da vida, que justa. Ela utilitria, mas quer que as
condies de fato exprimam a realidade e dem, em posies positivas e concretas, a medida
exata do valor de cada um. Apesar das defesas do momento, sem dvida necessrias ( essa
a compaixo da natureza), ainda quando se prolongam um estado de injustia, ou um erro,
tudo tende a exprimir a verdade, ou seja, a verdadeira natureza das condies individuais.
Assim o forte e inteligente premiado com o triunfo, e o fraco batido, para que se desperte e
fortalea. Mas a todos d para vida um ponto de desforra ou compensao. Para manter seus
equilbrios, a quem ela muito d de um lado, tira do outro, aos muito dotados de certa
qualidade, d carncia ou misria correspondente. Ao mesmo tempo, aos deserdados d a
habilidade de apoiar-se no squito dos mais fortes e, dessas diversidades, que procuram a
estrutura social. Essa, se existe, porque tambm a posio coletiva corresponde ao
utilitarismo da vida, produzindo vantagens para todos. Nas velhas cidades medievais, todos
eram inimigos entre si, mas todos estavam apertados pelos mesmos muros, para a defesa
comum. S por esse princpio pde nascer a unidade europia. Assim, por mais diversa que
seja, cada posio til para todos, pois a derrota ensina, o triunfo recompensa, a esperana
dele encoraja, as adversidades estimulam a reao, a fraqueza acha apoio dobrando-se diante
dos fortes, que dessa forma utilizam os fracos para governar, vencer e progredir.

Assim caminha a vida e cada povo aprende. Os velhos povos, como os da


Europa, possuem tudo mais precisamente disciplinado em normas exatas. As virtudes
religiosas e civis so codificadas e difcil escapar-lhes, as coisa livres e lcitas so cada vez
em menor nmero. Mas, com todo esse aperfeioamento, a luta pela vida mais dura que nos
pases novos e jovens, onde, ao menos, no h presso demogrfica. Na Europa o indivduo
est mais encaixado no dever, o que faz brotar os substitutos e requintes da luta, que se torna
manhosa. A inteligncia toda mobilizada desesperadamente e assim consegue produzir
obras-primas na arte de sobrepujar o prximo da forma mais elegante e legalmente perfeita.
Mas, nos mais fracos, surgem complexos de inferioridade, penosas adaptaes, contores
do instinto, aberraes nervosas, formas patolgicas que se fixam na raa e de que, mais
tarde, se inculpa o indivduo. So todas reaes que a vida tenta para no ficar sufocada na
ordem. Se esta ajuda, tambm oprime, muitos ficam esmagados por ela. Muitos, dotados de
pacincia, adaptam-se. Assim, a religio da resignao ajuda a viver, pois d uma esperana
no porvir. No h dvida de que, nesse ambiente, a inteligncia se desenvolve. Mas,
infelizmente, nem sempre ela tem fora para enfrentar a subida para o alto, e prefere por vezes
dobrar-se para os atalhos que levam para baixo. Mas, quando nem assim se consegue vencer,
ento, diante da derrota e da escravido, nasce o dio, ou pessoal ou de classe, dio que
espera o primeiro afrouxamento do poder da ordem, a fim de desafogar-se na rebelio.

Em rpido olhar, quisemos ver e mostrar a verdadeira face ensangentada do


nosso mundo, estendendo a mesma desumana psicologia de Maquiavel a todos os campos;
quisemos penetrar at as primeiras razes de tantos males, de que todos sofremos as
conseqncias, e isto com a coragem de quem sente um mundo desmoronar-se e tem f em
outro que surge. Observamos imparcialmente, sem defender nenhum grupo em particular,
com desvantagem para outro. Em geral, procura-se convencer que a virtude est toda no
prprio grupo e que os vcios e defeitos esto todos no grupo rival. Isso s tem valor de ttica
de guerra na luta pela vida, mas no verdadeiro nem honesto. H bons e maus em todos os
grupos humanos, e a distino pessoal, e s pode ser feita caso por caso, dentro de
qualquer grupo. Por isso no pudemos tomar a defesa de nenhum deles. Aqui, com absoluta
imparcialidade, respeitando os bons onde quer que estejam, abraando todos porque
procuramos compreender a todos, quisemos ouvir a voz das leis da vida, convencidos de que

1
- Personagem do romance Os Noivos, de Manzoni. (N.T.)
s da compreenso do estado real das coisas pode nascer uma tentativa de remdio e uma
esperana de um futuro melhor. Atravs destes volumes, pedimos prpria voz da vida nos
expusesse suas leis, ou seja, uma moral biolgica que racionalmente mostre sua razo de ser
at aos pormenores e at s suas razes. Honestamente, temos que ser utilitrios como a
vida, secundando-a nesta sua caracterstica fundamental. Jamais devemos agredir, nem
mesmo em nome da virtude, se no quisermos oprimir e ser causa de revolta. Trata-se de nos
tornarmos mais inteligentes. Tanto que chegamos a compreender qual o nosso interesse, e
assim estancar a intensiva produo de tantas dores, que por meio de sua ignorncia o
homem provoca em seu prejuzo. Quisemos apelar apenas para a razo e a vantagem
egostica, evitando qualquer ternura, sentimentalismo de f, apelos a ideais que podem
parecer utopias. Desse modo no se poder dizer que no conhecemos a vida e que somos
sonhadores idealistas. Ao contrrio, quisemos ficar desumanamente apegados ao terreno
positivo da crua realidade biolgica. Ela dura e assustadora. Mas agora a conhecemos sem
iluses. Pois bem, agora podemos concluir: nessas bases se elevar a civilizao futura,
como do estrume faz Deus nascer os frutos e, da lama, uma flor. Isto porque o progresso lei
de vida, isto o que quer a hora que vivemos e isto que nos diz o estudo positivo que vimos
conduzindo at aqui.

Nossas verificaes precedentes podem parecer bem tristes. Mas, se o


mundo, visto de um plano superior, parece uma estrumeira, onde s pode viver os vermes, e
vivem felizes, isto no pessimismo, porque tambm das estrumeiras a vida sabe fazer
nascer as flores. Com um exame mais profundo, as correntes morais, aquelas que so
vividas, revelam sua direta filiao grande lei da luta, e por vezes se reduzem a um mundo
fictcio, com o qual, em nome de muitas coisas elevadas e belas, se cobrem os vrios grupos
humanos s para assim, mais bem protegidos, realizarem a luta pela vida. Por isso, na terra,
os ideais subsistem enquanto so utilizados nesse sentido. Na realidade biolgica, cada
grupo aproveitando-se de tudo, constri uma moral para seu uso e defesa e procura imp-la a
todos os outros grupos, que por sua vez fazem o mesmo, retorquindo ao assalto. O grupo
mais forte, vencedor de todos os outros, cria a moral dominante que lei para todos, qual as
minorias tm de submeter-se porque esto em inferioridade numrica e portanto, so mais
fracas. Morais humanas, relativas, de combate, com finalidade de ataque e defesa, mutveis
no tempo e de pas para pas. A moral de Deus no pode ser essa, nem mesmo a moral
biolgica que a vida nos manifesta em seu funcionamento, e que s pode ser a manifestao
do pensamento de Deus em cada determinado plano.

Chegou a hora de superar essas morais que se praticam, escondidas debaixo


da hipocrisia daquelas que so proclamadas; superar essas morais de grupos, de interesse
para ataque e defesa, filhas da luta pela vida e portanto cobertas de mentiras, em que se
utilizam as maiores idias que possui o homem, s para vencer a batalha da existncia.
Infelizmente, esta a realidade da vida. Chegou a hora de olh-la de frente, qualquer que ela
seja, sem falsos pudores, a fim de sobrepuj-la. Havemos de ter a coragem de lanar fora a
mscara, e ser salutar conseguirmos nos envergonhar de ns mesmos. Devemos crer com
f, que Deus est pronto a ajudar-nos em nossa misria, se tivermos, diante dEle a coragem
da sinceridade. Enquanto nos cobrimos com a mentira, jamais poder Deus reerguer-nos.
Temos que compreender que a maior quantidade de nossos males ns os queremos fazer
contra ns mesmos, pela nossa teimosia, filha da nossa ignorncia. a hora de superar to
doloroso estado de imbecilidade e falsidade. As tristes verificaes feitas aqui no devem
tornar-nos pessimistas nem cticos, nem imorais ou amorais. Animados sempre de fecundo
otimismo, temos de descobrir e compreender a mais profunda e universal moral biolgica, em
que a vida diz honestamente a verdade nua.

O passado passou, e temos que olhar o futuro. Devemos superar as morais


baseadas na rivalidade e na luta, a fim de atualizar a que est baseada na compreenso e no
amor. Ponhamos fim a todos os erros do passado e todas as dores que deles derivaram;
ponhamos fim s religies do dio, que muita gente pratica em nome do amor e do bem,
escondendo-se sombra da virtude. Nasa a verdadeira religio, a do amor, no seio de todas
as religies humanas. isto que verdadeiramente importa, s isto poder salvar o mundo.
Nasa a religio da sinceridade, em que se reconhece a todos o direito de viver, sem o que o
prximo ficar sempre constrangido, para viver, a mentir e a lutar. Nasa um conceito de
virtude que ajude, e no oprima a vida, que discipline a ao, demonstrando racionalmente a
sua racionalidade biolgica. Basta de condenar os outros para defender o prprio grupo,
reconhecendo que a virtude no est apenas neste e as culpas e vcios apenas nos outros,
mas que, vcio e virtude podem estar em qualquer grupo humano. Enquanto dissermos que a
virtude esta apenas conosco e entre ns, e que os defeitos e culpas esto todos no campo
contrrio, no faremos moral, mas apenas guerra em nossa defesa. Essa no pode ser a moral
de Deus, que universal e abarca a todos.

necessrio Amor para todos, isto , compreenso , e no perseguio.


indispensvel iniciarmo-nos nesta nova religio do Amor, to pregada e to pouco vivida.
mister abraar o que cai, para ajud-lo a subir, e no repeli-lo como leproso. Compaixo para
todas as misrias humanas, que todos condenam, reconhecendo que os culpados so, muitas
vezes, aqueles que ningum condena. Batamos todos ao peito, porque de todas as desgraas
desta pobre humanidade, todos somos, mais ou menos, responsveis, por nosso egosmo
que se desinteressa das dores e misrias do prximo. Toda a culpabilidade, que a sociedade
pune no desgraado que caiu em seu lao e nele se deixou prender, uma culpa da prpria
sociedade, que no devia permitir que se formassem aquelas tristes condies, em que
forosamente h de nascer a culpa. Quantos delitos se praticam impunemente cada dia,
porque feitos com astcia, e representam um choque que se transmite, caminha repercute, at
que atinge as costas de algum que o encaixa com sua derrota e ento condenado! Nossa
vida individual e social est assentada em erros, em mal-entendidos, e mentiras, em violaes
dos mais elementares direitos da vida, em esmagamentos sob os quais muitas vtimas
gemem, porque no sabem nem reagir nem defender-se. A humanidade carrega em seu
passivo um fardo de injustias, que so foras biolgicas ativas, que reclamam compensao
nos equilbrios da vida. preciso decidir-se a retificar tudo isso, a pagar essa dvida humana
para com os deserdados, pag-la mediante o amor, se no quisermos pagar amanh a fora.
No obstante, a justia est presente e a vontade de Deus sempre ativa, para realiz-la.

Eis o que deve fazer o novo homem, eis como deve conceber a vida. Colocou-
nos Deus os olhos frente para ir adiante e no para retroceder. O problema refazer o
homem, e a hora soou. No se pode chegar renovao da sociedade, j o dissemos, seno
atravs da renovao de cada indivduo. intil gritar que utopia. Os tempos esto
maduros. Para quem no queira renovar-se, h a possibilidade de ser definitivamente
eliminado da vida. O novo mundo veloz no pode caminhar na estrada dos velhos mtodos e
conceitos. Quem compreendeu que a lei da luta e da seleo do mais forte impera na terra,
sabe que o choque entre as duas grandes potncias que hoje sobraram inevitvel, e que,
portanto, no se pode escapar a uma destruio gigantesca. Dada a estrutura psicolgica
humana atual e os meios blicos hoje j preparados, uma fatalidade de que se tenha que
concluir desse modo. Isto est implcito no sistema social-poltico hoje vigente no mundo.
Este, ento, se encaminha para ter que compreender fora e atravs da dor, que tem que
renovar-se. Ento, a humanidade melhorar, porque os piores tero se destrudo mutuamente,
e a dor ter aberto a inteligncia dos sobreviventes. Nada desenvolve tanto a inteligncia
como a dor. Estamos s portas de grandes transformaes. Renovam-se os tempos e j
passou a hora da aceitao passiva e da cega repetio por inrcia, dos tradicionais
conceitos do passado. Quem em primeiro lugar se encaminhar para a renovao, quem
souber caminhar mais rapidamente pela novas estradas da vida, este que estar mais pronto
para entrar no novo mundo que nos espera, esse que ter mais probabilidades de ser salvo,
porque ele representar o novo tipo biolgico selecionado pela vida, com o qual esta, por lei
de evoluo, querer construir a mais adiantada humanidade do porvir.
IV

O PROBLEMA DA ESTABILIDADE MONETRIA

Os princpios gerais que o leitor conhece porque j foram desenvolvidos em


outros volumes anteriores, - apesar de terem suas origens dos planos da metapsquica e
mesmo na teologia, descem, continuando verdadeiros e eficientes at no particular de nosso
mundo econmico, e aos problemas tcnicos das trocas monetrias. Os sbios princpios e
equilbrios da vida dominam o prprio contingente prtico, manifestam-se tambm neste
terreno do particular que parece isolado e destacado deles. A biologia, concebida como
guiada pela lei de Deus e como expresso de Sua vontade e pensamento, abraa tambm
todos os fenmenos da vida, desde o moral, intelectual e espiritual , at ao social, histrico e
econmico, num monismo absoluto. Assim tambm o mundo econmico, mesmo no seu caso
monetrio particular, est ligado ao todo, reduzvel unidade universal.

O primeiro fenmeno que nos aparece na economia poltica o da oferta e da


procura. ele regido pela lei do mnimo meio. Assim como, pela lei da gravidade, o que
menos pesa sobrenada, e o que pesa mais afunda-se, assim por esta lei, o que escasseia
valorizado, procurado, e sobressai e flutua sobre as outras coisas; ao passo que o que
abundante e exuberante, pouco valorizado e afunda-se. Mas o fenmeno tambm regido
pelo princpio geral vigente em nosso plano evolutivo, da luta pela seleo do mais forte, o
qual assume em seu aspecto demogrfico e blico a forma de luta armada (guerra) pela
conquista do espao vital, e em seu aspecto econmico a forma da oferta e da procura. Mas
s em aparncia elas se apresentam com roupagem pacfica. Se os economistas n-las
representam em equilbrio, como uma balana, na realidade eles so o resultado de uma luta
baseada num egosmo desencadeado. Na prtica, a oferta o ato com que se busca satisfazer
a uma necessidade ou procura, quando, no mundo civilizado, no mais preciso recorrer
forma primitiva de agresso a mo armada ou ao furto. forma mais evoluda que as outras,
imposta, num estado de ordem, para aquisio dos bens, em que somos constrangidos a
reconhecer um direito igual em nosso prximo (inimigo, porque rival na procura dos bens). A
procura a busca declarada e direta da satisfao do desejo ou necessidade prpria,
tentando combinar essa procura com a oferta, mas tambm tentando
aproveitar para vantagem prpria todas as fraquezas e necessidades do ofertante.

Embora apresentem os economistas o problema em forma de equilbrio, em


que se contrabalancem os dois impulsos, por trs de suas frmulas h sempre a mesma
realidade biolgica que observamos em todos os fenmenos. Revela-nos ela a dura face da
luta desapiedada entre egosmos opostos, na qual cada um deles procura desfrutar, espremer
e esmagar o outro para vantagem sua. Permanece a luta no terreno da posse dos bens, a fim
de se poder adquirir o mximo em quantidade e qualidade ou valor, dando em troca o mnimo.
A balana da procura no igual da oferta e ao contrrio: mas para cada uma das duas
partes, a medida justa pretende ser esta: tudo para mim, nada para o outro. Na luta,
constrangidas pela necessidade de chegar troca, a fim de satisfazer s prprias
necessidades, devem, sem dvida, as duas partes encontrar-se num ponto intermdio; mas
este no o da justia equitativa: apenas o resultante do encontro de duas foras opostas,
das quais a mais forte vence a outra, fazendo a balana pender para seu lado.

Esta a justia econmica, que vale tanto quanto a justia blica ou a


poltica, e assim por diante, em que o mais forte tem razo e estabelece e impe a justia para
sua vantagem. Assim, a procura pe a mo no prato da balana da oferta e ao contrrio. Por
isso, quando a oferta abunda em relao procura, desvaloriza-se o produto oferecido,
porque a procura oferece uma compensao sempre menor correspondente ao crescimento
da oferta, aproveitando a abundncia do produto e a necessidade que tem o inimigo de dar-
lhe sada, para obter a mercadoria a um preo de troca sempre menor. Por isso, quando
aumenta a procura, a oferta aproveita a necessidade e a carncia do requisitante, para pedir
um preo sempre mais alto, e ento o produto oferecido se valoriza. Por isso, tambm no caso
mais simples de troca direta de mercadorias, sem intermedirio da moeda, temos para essa
luta uma instabilidade de valores ou preos, isto , o germe das crises econmicas e
monetrias, dependendo tudo da estrutura psicolgica do animal humano. precisamente
esse regime de luta, derivado de tal estrutura, a primeira fonte das crises econmicas e da
instabilidade monetria. Equilbrios instveis. Mas no pode obter-se melhor resultado de
uma mquina baseada sobre o egosmo, e portanto sobre o encontro de egosmo, do qual s
pode sair vencedor o mais forte.

Baseia-se no nosso atual mundo na falta de reconhecimento das


necessidades e direitos do prximo. No se apoia a sociedade humana numa colaborao
harmnica, como deveria ocorrer entre clulas de um mesmo organismo, mas fundamenta-se
na luta entre clulas, atentas a suprimir-se, para que a mais forte esmague a mais fraca. Isto
ocasiona um atrito que a coletividade deve pagar sua custa. Assim, querendo cada um
vencer para si, age de modo a que todos concordemente percam em parte, ou seja, devam
pagar uma taxa comum, uma percentagem de perdas ou consumo para a luta comum de todos
contra todos. E isto absurdo. Mas, no grau atual da evoluo, o homem no consegue
proceder com mais inteligncia.

O organismo social s pode achar a linha de maior rendimento na


colaborao, baseada na honestidade e na confiana, filhas de um altrusmo no terico e
vo, mas inteligente e utilitrio. Ora, neste nosso mundo nada disto se pratica e por isso a
mquina social funciona com esforo, sem nenhuma conscincia coletiva, nem mesmo a que
j alcanaram algumas sociedade de insetos, como as abelhas, as formigas, etc. E quando
funciona um pouco, um funcionamento forado, porque s a imposio de um governo
consegue obrig-la a isso. Est tudo desgastado e esmagado pelo peso da desconfiana e da
contnua resistncia do indivduo contra o interesse coletivo. O egosmo fecha e divide,
sufocando a vida, enquanto o mundo necessita sempre mais de estradas abertas por onde
circule, j que a troca , de natureza, til e fecunda. Acontece ento que o Estado deve onerar-
se com custosa e embaraosa burocracia, para que tudo seja controlado. Torna-se esta,
ento, uma odiosa caadora de transgressores, e os governantes tornam-se inimigos do
povo. E surge aquele natural e universal antagonismo entre o Estado e o indivduo, sempre
em luta entre si, como ocorre entre empregados e patres. Ento precisam os governos armar
um exrcito, para manter-se de p. E assim por diante. E ento grande parte da produo, do
trabalho, dos bens da nao, precisam ser usados com esse fim, e subtrados ao gozo de
todos.

Em cada anel da cadeia das trocas, que vai do produtor ao consumidor,


ningum procura dar frutos para todos, tornando-se til funo que exerce: antes, procura
explorar todos, impondo, a preo de extorso, a todos os outros, a sua funo, s porque esta
serve a ele, embora para a coletividade seja prejuzo. Assim, o que parece uma graciosa oferta
do comerciante, nos negcios, s vezes apenas uma luta para arrancar do cliente a maior
quantidade possvel de dinheiro, com uma mercadoria tomada ao produtor pelo mnimo preo
possvel. Nada produzindo de seu, torna-se ele indispensvel a ambos, procurando tirar de
ambos todas as vantagens. Estas, se aumenta a produo, so primeiro absorvidas pelo
comerciante, sem que atinjam o consumidor; e se a procura aumenta, pode fazer subir o
preo, sem que o produtor sinta a vantagem.

Por sua vez, preocupa-se o produtor em satisfazer s necessidades dos


outros somente enquanto isto corresponde a seu desejo de lucro. Ele ento explora os gostos
pervertidos e tambm os vcios (como a imprensa, que divulga fatos criminais e, em alguns
Estados, onde o governo tem monoplio do tabaco, a propaganda que difunde o hbito de
fumar). Estabelecida, portanto, certa produo, atento apenas a satisfazer a seu interesse de
vender e embolsar, o produtor arrastado a conquistar, a qualquer custo, o seu cliente. Nasce
ento uma propaganda fictcia, dirigida a criar novos gostos, inteis, com o nico fito de dar
sada aos produtos, aproveitando-se da sugestionabilidade das massas. um assalto boa f
dos simples. E quanto menos vale o produto, maiores despesas de propaganda pode
certamente suportar e portanto mais apto est a invadir o mercado. Mas h ainda pior. A
formao de um mercado europeu a favor dos Estados Unidos chegou ao ponto de lev-los
guerra e depois a um bombardeio cerrado de grande parte da Europa. Mas assim ficou
assegurado o cliente.

Assim, a oferta sabe fabricar a procura, de que tem necessidade, e fica


assegurada a sada da produo. Tal a natureza humana, pela qual o mdico tende a fabricar
os doentes de que precisa, por vezes at aplicando tratamentos e operaes cirrgicas
inteiramente desnecessrias e inteis. Assim, os ministros de qualquer religio so levados a
criar par si mesmos o rebanho dos fiis ou proslitos, que justifiquem sua posio ou
presena. sempre o mesmo egosmo e luta para viver que leva o homem, no a oferecer
suas capacidades para a utilidade coletiva, mas a impor-lhe a prpria utilidade exclusiva
individual. Por isso, tudo se torna um perigo nas mos dos homens. No entanto, o erro
consiste em acreditar que este seja apenas um dano para o vizinho, e no o prprio, quando
este um dano para todos.

Tanto nos pases livres como nas ditaduras, a realidade biolgica, feita de luta
desapiedada de todos contra todos, sempre a mesma. Em qualquer parte o peixe maior
come o menor, o mais forte esmaga o mais fraco. A mesma coisa feita em nome dos
princpios e ideais mais diferentes. Por vezes pode reduzir-se a liberdade para os mais fracos,
os vencidos, apenas liberdade de morrer de fome. So gigantescas e tremendas coligaes
de interesses que regem o mundo. Acusa-se justamente o comunismo de explorar os
instintos rapaces das massas, mas isto prova que as massas j tem esses instintos em sua
alma. Eis uma qualidade em que, tanto no alto como em baixo, muitos homens so
verdadeiramente iguais. Eis onde est a igualdade humana para todas as raas: ilimitada
cobia. E no entanto, possvel, no mundo econmico, morrer no de fome, mas tambm de
indigesto. Quando caminhamos com tais mtodos, o prprio aumento da produo deveria
produzir abundncia e bem estar, oferecendo tudo a menor preo, aumentando o consumo e
elevando o nvel de vida. Mas ento a mercadoria se desvaloriza, valoriza-se e desaparece a
moeda, e os produtores, para salvar-se da queda dos preos, no produzem mais. Ento, para
elevar os preos, eles chegam a queimar a mercadoria. E assim, com o sistema do egosmo e
da avidez, chega-se ao absurdo, isto , que enriquecer com maiores bens mediante o trabalho
no uma vantagem, mas um prejuzo. No se chega ento ao bem estar, mas crise. E, no
entanto, no nos damos conta de quanto isto seja providencial. Se as leis da vida tendem a
nivelar o homem mais num plano de misria que de riquezas, acontece isto como
conseqncia automtica da psicologia de abuso que rege o mundo econmico; e um bem,
porque esse homem no deve possuir o poder econmico, dado que s saberia fazer dele
pssimo uso, em seu prejuzo.

Aps estas premissas, entremos no problema particular monetrio. Temos


que presumir um conhecimento ao menos geral de economia poltica, agora que nos
engolfamos no aspecto tcnico da questo.

Falamos at aqui de um sistema simples, de troca direta, em que os bens


funcionam no s como mercadoria, mas tambm como moeda, e observamos a forma
psicolgica que rege o fenmeno econmico basilar da oferta e da procura. Para
aproximarmos do problema monetrio, temos que substituir o sistema originrio e primitivo
da troca direta, pelo atual sistema de troca entre bens e moeda, em que um dos termos a
mercadoria e o outro o dinheiro.

Nas fases primitivas, a instintiva utilidade de troca limitara-se a fazer nascer


uma economia direta, de simples permuta de bens, isto , de trocas no monetrias, em que a
mercadoria moeda. Mas a lei utilitria, sempre em vigor, do mnimo meio, levara
instintivamente o homem a escolher, entre todas, a mercadoria que mais destacadamente
tivesse as qualidades que a tornassem apta permuta. Devia ser mercadoria de uso e valor
sobretudo universais, de modo a servir de denominador comum de troca entre todas as
outras, representando o seu equivalente em valor. Devia ser ento mercadoria de fcil
transporte e sobretudo conservvel, que permitisse o armazenamento como lastro de todos
os outros bens, mais prprios utilidade direta do consumo do que a essa funo de reserva
econmica. Indispensvel mercadoria no deteriorvel, independente de todas as
transformaes, como nascer, crescer, morrer, a que esto sujeitos todos os produtos da
vida.

Comeou-se com o pecus, a ovelha, unidade genrica de gado pecorino, de


que se derivou mais tarde a palavra pecnia. Mas ainda estamos numa forma de troca
direta, base de mercadoria no facilmente amoedvel, porque ela mesma, segundo a
produo, tinha quantidade varivel e portanto valor instvel, desde que no permanente em
quantidades constantes no mercado. Isto pela lei da procura e da oferta, mediante a qual,
aumentando a quantidade de dada mercadoria, seu valor diminui. Alm disso, no era
mercadoria facilmente transportvel nem conservvel. Chegou-se por isso pouco a pouco ao
ouro e prata, que correspondiam melhor aos requisitos de amoedamento, no s como
aceitao universal, transportabilidade, conservabilidade, (isto , no deteriorvel), e
estabilidade, (ou seja, no sujeita s contnuas transformaes da vida), como ainda pela
quantidade, e portanto valor, relativamente constante. O ouro e a prata, so ademais, bem
definveis como peso e medida e representam mercadoria que tem por si, nas jias, valor
intrnseco, sempre realizvel nos mercados.

At aqui estamos diante de valores reais, ainda que de carter diverso, desde
que no possvel comer ouro, ao invs de gro. Reais, pois haver sempre quem aceite, nas
trocas humanas, ouro em troca de outra mercadoria. Mas o homem no parou aqui. Esses
metais preciosos foram transformados em moeda cunhada, em que eles eram unidos a ligas
de outros metais de valor menor. Depois para subtrair essas moedas deteriorao e ao
perigo dos desvios, substituiu-se-lhes o papel-moeda, ao qual, ao menos em teoria, deveria
corresponder uma equivalente reserva de ouro. Assim, tudo se foi transformando,
substituindo-se cada vez mais valores fictcios e convencionais ao primitivo de utilidade
imediata. Isso tudo principalmente porque o poder poltico se apossou deste terreno para seu
uso e consumo. Pde chegar-se assim a valores nominais a que bem pouco corresponde de
real. Na luta econmica universal, a interveno estatal pde com isso coagir a seu favor os
equilbrios naturais e alterar ao valores reais. Desse modo, em pleno regime de tanta liberdade
trombeteada, a interveno estatal paralisou o jogo da oferta e da procura. Por isso, a
violao dos equilbrios, que naturalmente se formam num regime de liberdade econmica,
conduz a regimes econmicos falsos, a inflaes monetrias, a crises contnuas, delcia de
nossos tempos. . .

Nada pode firmar-se sobre a mentira. Em qualquer terreno, a vida, que


honesta, quer que valores reais correspondam aos valores declarados. No mundo econmico
isto to verdadeiro como no mundo fsico ou moral. Emitir papel-moeda sem lastro ouro,
equivale a pr em circulao moeda falsa e, comprar com semelhante moeda, isto , sem dar
um equivalente pela mercadoria que com ela se adquire, equivale a um furto. Mas furto de
Estado, e, como tal, juridicamente protegido. Esse foi o caso da emisso do papel-moeda
pelos aliados que ocupavam a Itlia no fim da guerra, forma civil de tomar sem dar nada, ainda
que de forma legalmente correta, isto , pagando regularmente, mas com papel desprovido de
qualquer valor real. Mas, guerra guerra. E invadir sem saquear as casas - como sempre
fizeram os exrcitos invasores - apresentando-se com as vestes cndidas de libertadores que
espalham flores, j um progresso, ainda que apenas na forma. Assim, as despesas aliadas
feitas com papel fictcio puderam aumentar a inflao, com que tudo foi graciosamente pago.
Permaneceu desta forma grande quantidade de papel-moeda em circulao com um mnimo
de poder aquisitivo, estando os bens e a produo, pela destruio blica, mais diminudos
que aumentados.

Enfrentemos agora o problema mais particular ainda da estabilidade


monetria. evidente que a primeira qualidade que deve possuir a moeda, como contravalor
de bens, a confiana: isto , a moeda deve corresponder a um valor real, e isto em forma
estvel. Ao invs, uma das caracterstica da moeda, hoje especialmente, a instabilidade de
seu valor.

Deveria haver equilbrio e unio entre os dois termos: bens e moeda, para que
fecundassem em colaborao com a vida humana. Ao invs, eles se combatem e afugentam
mutuamente. Deveriam estar abraados, e ao contrrio so rivais. Quando um precisa do
outro, este o abandona. H luta e anttese entre bens e moeda, pelo que, quando os bens
abundam no mercado, a moeda desaparece; e ao contrrio esta sai a procurar
desesperadamente os bens, quando estes escasseiam, por qualquer motivo. Acontece assim
que, quando os armazns esto cheios, os bolsos aparecem vazios; e quando os armazns
esto desprovidos de mercadoria, ento os bolsos mostram-se cheios.

Por que acontece isto? A economia como um organismo vivo, movimentado


e regido em seu funcionamento pela psicologia humana. E como pode nascer coisa diferente,
de uma psicologia de mesquinho egosmo individualista? Dado que cada um age apenas em
seu exclusivo interesse, h luta entre procura e oferta, procurando uma aproveitar-se da
outra, explorando-se reciprocamente, s para trazer a si o lucro maior. Ento acontece que,
logo que h aumento de oferta, os preos descem, isto , a mercadoria vale menos e a moeda
vale mais; portanto, esta se retira, se esconde, de vez que, aumentando seu poder aquisitivo,
ela se torna mais preciosa. Ao contrrio, logo que h diminuio de oferta, e as mercadorias
escasseiam, aumentam os preos, isto , a mercadoria vale mais e a moeda vale menos. Alm
disso, esta constrangida a aparecer para adquirir os bens que, escasseando, se tornaram
mais necessrios e procurados. E acontece que a moeda abunda no mercado quando h
menos que comprar e escasseia quando h mais que comprar. Sendo o produtor e o
consumidor dois inimigos em luta, prontos a explorar qualquer fraqueza do adversrio, esse
movimento gerado no s pela esperana de um lucro sempre maior em vantagem prpria e
com dano do outro, como tambm pelo medo de uma perda sempre maior, com dano prprio
e vantagem do outro. Nasce ento o pnico no produtor ou possuidor das mercadorias, ou
seja, o medo que a descida dos preos continue com uma desvalorizao sempre crescente
dos bens possudos. Ao contrrio, outro pnico se forma no consumidor ou possuidor da
moeda, isto , medo que o aumento do preo continue, com um encarecimento sempre
crescente dos bens.

Eis, ento, que o sistema, ao invs de conter foras que tendam a rep-lo em
equilbrio, resulta das foras que tendem a ampliar e agravar sempre mais o desequilbrio. Em
outras palavras: ao verificar-se uma descida dos preos, o produtor ou o possuidor da
mercadoria, temendo sempre maior desvalorizao da mesma, ao invs de retir-la do
mercado, principalmente se deteriorvel, levado a satur-lo sempre mais, aumentando seu
depreciamento e a revalorizao e fuga da moeda. De outro lado, no caso oposto de aumento
de preos, o consumidor ou possuidor da moeda, temendo sempre maior escassez de
mercadoria, pelo medo de ficar desprevenido do necessrio, ao invs de retirar o dinheiro do
mercado, levado a lan-lo a cada vez mais, aumentando assim seu depreciamento e a
valorizao ou aumento de preo das mercadorias. Ento a posio de desequilbrio inicial,
em que se baseia e surge o sistema, arruina-o, e consome-o todo at o fim. Os impulsos dos
dois egosmos que contrastam, tendendo a sobrepor-se e a eliminar-se, porque um quer
vencer esmagando o outro, no podem dar-nos um equilbrio entre eles como dois pontos
eqidistantes, mas apenas um constante acavalar-se de desequilbrios e um agravamento de
crise, pelo fato de que eles procuram ao contrrio resolver seu embate s com a vida de um,
pondo como condio a morte do outro. por isso que, logo que se verifica um desequilbrio
inicial, todo o sistema tende a ampli-lo e agrav-lo, ao invs de resolv-lo. Mas, dada a
psicologia anticolaboracionista em que se funda nossa economia, ela s pode ter uma
fisiologia cancerosa, s pode ser economia de crise; como o de fato.

Ento, quando pela abundncia da mercadoria diminui seu preo, mesmo


procurando produzir menos, pois cada nova produo aumentaria o dano do produtor, os
compradores prorrogaro suas aquisies porque cada um levado a segurar o que vale, isto
, a moeda neste caso; e tambm porque lhes poder parecer mais til prorrogar seu gesto,
na esperana de que os preos possam baixar ainda mais. Enquanto acontece isto, os
possuidores da mercadoria, temendo ulteriores baixas, lanaro tudo no mercado, para
apressar sua venda. Assim ampliar-se- cada vez mais o desequilbrio, agravar-se- o estado
de desconfiana, at atingir a queda das crises. Dada a estrutura do sistema, no h outra
soluo. Tudo age como ampliador dos desequilbrios. Mas o princpio desagregador da luta
s pode levar a esses resultados. No sendo o fenmeno sujeito direo e ao controle de
uma conscincia econmica da coletividade, desenvolve-se tudo de acordo com a lei do
precipitar-se descontrolado da avalanche, cujo movimento cresce de per si, e no pode ser
parado seno com a queda final ou crise.

Neste jogo de egosmos, sempre os honestos levaro o pior, ao passo que os


que procuram seu prprio interesse, no se importando com o interesse coletivo, acumularo
riquezas e sairo vencedores. Neste jogo, em que ora se escondem os bens, ora a moeda, o
trabalho, que a coisa mais importante sempre perde. No perodo de abundncia de bens e
escassez de moeda, gozam os que tem dinheiro. Nos momentos de abundncia de dinheiro e
escassez de bens, gozam os que tem bens para vender. Em meio a este contraste, o trabalho,
que o elemento gentico de tudo, aparece como um empecilho, pouco considerado,
constrangido a sofrer o dano de ambos os lados. E de fato, quando h abundncia de
mercadoria, o trabalho rejeitado, dado que a moeda para pag-lo est cara e porque no
convm produzir mais, a fim de no aumentar a queda dos preos. Teremos ento o
desemprego. E quando h abundncia de moeda, que sai procura dos poucos bens venda,
ento o trabalhador achar ocupao, mas, no tendo acumulado nem bens nem dinheiro,
sofrer os danos da carestia. Assim a economia atingida em suas razes, que so
representadas pelo trabalho. Esta oscilao contnua de valor da unidade monetria influi
tambm no crdito, exigindo juros altos, quando a moeda escasseia, com repercusso,
portanto, em toda a produo. E assim esses problemas invadem toda a vida dos povos,
sendo o fator econmico um dos mais importantes na determinao do curso da histria.

Observemos mais de perto ainda esse sistema de antteses. Num mundo


equilibrado, no deveria haver antagonismo entre interesse coletivo e interesse individual.
Deveria um correr paralelo ao outro, e ambos deveriam sobrepor-se e coincidir . Fazendo o
interesse prprio, o indivduo deveria implicitamente fazer tambm o da coletividade. Ora, na
prtica, sucede justamente o contrrio: quem quiser salvar-se, precisa no pensar em
absoluto nos interesses da coletividade. Vejamos dois exemplos.

Num perodo de descida de preos das mercadorias e valorizao da moeda,


dever-se-ia, no interesse coletivo, continuar a produzir, a dar trabalho, a manter em p a
prpria indstria. Mas quem tivesse para isso, no princpio do ano, tomado uma soma em
emprstimo no banco, em virtude da diminuio dos preos teria conseguido muito menos
lucro no fim do ano, do que houvesse dispendido e, ainda que tendo aumentado a riqueza real
e proporcionando um benefcio sociedade teria trabalhado com prejuzo e estaria arruinado.
No caso contrrio num perodo de subida de preos e desvalorizao da moeda, seria
interessante que, no interesse coletivo, todos os que tivessem reserva de mercadoria as
vendessem, para satisfazer as necessidades coletivas, esperando para readquiri-las depois,
quando a produo recomeasse. Isto sobretudo para as mercadorias indispensveis. Pois
bem, suponhamos que um vendedor de fazendas ou remdios, etc., venda ao preo corrente.
Ao fim do ano, achar-se- ele com o depsito vazio e com necessidade de preenche-lo, com
preos aquisitivos muito superiores aos que ele vendeu. Se recorrer a suas economias, as
achar depreciadas, com poder aquisitivo muito inferior. E assim estar arruinado. Quem se
salvar, ento? S aqueles que tiverem cuidado exclusivamente de seu prprio interesse
pessoal, em prejuzo do interesse coletivo.

***
Ao verificarmos isto, uma coisa nos surpreende: ver como, apesar de tudo, o
organismo social tenha podido sobreviver. Parece que os recursos primrios da vida tenham
sido calculados de modo que pudessem resistir a todos os assaltos destruidores. O
organismo social sobrevive, mas mister verificar quando dores custam humanidade tais
erros. Entretanto, a ignorncia e a insensibilidade humanas parecem proporcionadas s
dores. E assim, o sofrimento constitui uma das principais ocupaes do mundo.

Imaginaram-se remdios, mas freqentemente foram piores que o mal. Assim


foi a interveno coativa da autoridade estatal. As crises econmicas fazem que as naes
desejem o mdico para cur-las. Por isso, um novo grupo, substituindo-se ao velho, culpado
do mal estar, assumir o poder, sempre mediante razes de justia, para restabelecer a
ordem, para o bem do povo e at em nome de Deus. Depois, empossados, os patres e os
clientes procuraro seus interesses, at que venha nova crise, sua queda e a substituio por
outro grupo, que far o mesmo.

Pelo sobre-exposto sistema dos egosmos contrastantes, a anttese entre


interesse individual e coletivo significa que Estado e indivduo so inimigos. Ento s pode
manter ordem econmica um Estado com regime de fora, que invada e obrigue toda
atividade econmica dos cidados. Ocorre ento vasta organizao burocrtica com a qual se
manobre todos os mecanismos e organismos de produo, do consumo e das trocas, bancos
e fbricas, agricultura e transportes. Vive assim cada cidado submetido, em sua atividade
mais ciosa, ao poder estatal, de que no , de certo, aliado. Em outros termos, teramos a
ditadura econmica da nao, levada a dirigir, dominar e absorver cada atividade dos
indivduos.

Temos dessa forma o estado burocrtico, policial, militar. Assim o navio da


economia nacional poderia caminhar mais regularmente, mas mister considerar quanto
custa em trabalho, despesas e sacrifcios, essa disciplina. E alm disso, esse navio se
transformaria depressa em navio de guerra! Em vista da oposio entre interesse do cidado
e o do Estado, a fim de obrigar o indivduo a sacrificar o seu em benefcio do bem coletivo,
dever o Estado impor-se com custosa burocracia e tambm com poderosas foras de polcia
e de exrcito. Diante de uma invaso na esfera ciosa dos interesses privados, todos se
rebelam, e a disciplina representa fadiga e gastos pelo atrito. Ento a nau do Estado, que
poderia ser um navio de passageiros ricos de espao e confortos, deve tornar-se um navio de
guerra, em que tudo disciplina e limitao, porque as maiores margens de liberdade e
riqueza so absorvidas pelas despesas e pelo peso da grande mquina estatal.

sempre o princpio da luta e rivalidade de egosmos que reclama a


necessidade de uma autoridade que termine, no interesse geral, a constante guerrilha.
assim que o contraste entre os interesses dos indivduos entre si e dos indivduos com o
Estado, abre as portas aos despotismos e s ditaduras, que acham sua justificao no
domnio absoluto para manter a ordem. Mas assim chegamos ao arbtrio, que terminar com
novas crises econmicas, guerras e revolues, depois das quais, recomea-se tudo desde o
incio, como acima.

As naes vizinhas, pelas mesmas razes, transformar-se-o em outros


tantos navios de guerra semelhantes quele, e todas esperaro uma oportunidade de
guerrear-se, pela mesma razo pela qual cada uma se transformou de navio civil em navio de
guerra. A ordem entre todos os navios de guerra, ou naes, s podendo obter-se por
imposio de uma ditadura superior a todas, no pode alcanar-se; e assim permanece o
campo merc apenas do livre sistema de ataques e defesas, para a seleo do mais forte.
Cada navio ou nao representar apenas uma unidade coletiva, baseada no mesmo
princpio de egosmo, prprio a cada um dos componentes. Cada um deles procurar sua
vantagem exclusiva, e o prejuzo da outra nao, procurando nela exportao, emigrao e
tudo o que lhe serve. Mas, infelizmente, a outra nao buscar fazer o mesmo, em sua
vantagem exclusiva. Assim um dia rebentar a guerra e ser destrudo todo o superavit de
riqueza e bem estar que conseguira. Isto podia servir-lhe para elevar o nvel de vida. Mas, na
sabedoria das leis da vida, tudo merecido; tudo deve ser proporcional ao grau de
inteligncia e conscincia atingido. Assim, tudo torna a nivelar-se mais em baixo, no nvel em
que o homem automaticamente se encontra por seu peso especfico, na escala da evoluo.
Assim aparecem em rodzio crises, ditaduras, guerras e de novo crises e assim por diante.
triste. Mas o homem atual no consegue fazer coisa melhor.

Como se v, a interveno estatal no resolve o problema. Muito menos o


resolve porque a moeda deveria representar riqueza real, e no valor fictcio de curso legal,
mentira imposta pelo Estado, conveno e iluso, um no-valor que adquire valor s pela
vontade de um governo. Tambm no se pode pretender, para resolver o problema, a
transformao em altrusmo, da atual psicologia egosta do homem. mister alcanar a
soluo suprimindo a anttese entre interesse individual e coletivo, isto , fazendo-os
coincidir. S assim, operando em bases utilitrias, ser possvel a compreenso, e a adeso
ser livre e espontnea. Indispensvel estabelecer um equilbrio entre mercadoria e moeda e
dessa forma resolver o problema da estabilidade monetria. Hoje no h concrdia entre
esses dois termos, que se repelem sem saber abraar-se. Podem aumentar os bens
comerciveis sem que possa nem deva crescer a circulao da moeda. Pode aumentar esta,
mesmo que permanea invarivel a quantidade de mercadoria. Como se no se conhecessem,
pode aumentar indefinidamente uma, enquanto indefinidamente diminui a outra.

Para resolver o problema, temos que achar um sistema de circulao


monetria que, qualquer que seja o afluxo de bens ao mercado, deixe inaltervel o nvel dos
preos, isto , mantenha automaticamente estvel o valor da moeda. E tudo isso sem coaes
estatais, mas s pelo jogo livre da oferta e da procura, sem o alto custo e sem o atrito da
mquina burocrtica, mas tudo automaticamente regulado com despesa mnima. O
indispensvel fazer corresponder a uma abundncia de mercadorias, uma abundncia de
moeda, e no ao contrrio; e a uma escassez de mercadorias, uma escassez de moeda, e no
ao contrrio. Ento, a abundncia de mercadoria ao invs de desvaloriz-las, valorizando e
tornando rara a moeda, limitando a produo dos bens at destru-los para evitar a queda dos
preos, produziria ao contrrio uma paralela abundncia de moeda. Ento os interesses
bancrios poderiam ser baixos e seriam estimuladas as iniciativas e os investimentos, que
absorveriam a parte exuberante, em vez de destru-la, e o trabalho, ao invs de parar com
prejuzo para todos, continuaria a produzir. E ao contrrio, uma escassez de mercadorias, ao
invs de valoriz-las, desvalorizando e inflacionando a moeda, arruinando a poupana
anterior, produziria uma paralela escassez de moeda. Ento os interesses bancrios poderiam
ser altos, e estimulariam a economia e o trabalho que, no saindo de uma crise de
desemprego e tendo acumulado bens e dinheiro, poderia resistir melhor inflao.

O problema que nos propomos solvel, mas at hoje no foi resolvido,


porque a mercadoria atualmente amoedvel no mundo s o ouro e a prata, o que no
suficiente para reequilibrar as oscilaes de todos os outros elementos. Mesmo se fosse
possvel produzir quantidade infinita desta nica mercadoria amoedvel, no se atingiria o
equilbrio buscado, mas novo desequilbrio, porque, com o aumento da quantidade da
mercadoria, diminui seu valor. certo que existe, no atual sistema, o esquema do mecanismo
reequilibrador, mas este no pode funcionar bem, porque insuficiente a massa
reequilibradora. Ento, se j possumos a frmula, bastar, para resolver o problema, variar
apenas a relao entre bens amoedveis e bens no amoedveis; em outros termos, aumentar
a quantidade dos bens amoedveis. A soluo est em tornar amoedvel uma parte de bens,
que hoje no considerada amoedvel.

Qualquer mercadoria que no se altere representa valor permanente, pelo que


pode tornar-se moeda. Pode-se assim, escolhendo um tipo de mercadoria adequada e
cercando sua conservao da devida cautela, tornar possvel que ela se torne moeda,
subtraindo-a ao consumo presente, quando faltar moeda e abundar mercadoria; para depois
restitu-la ao rol de mercadoria, para uma venda e consumo futuro, quando faltem os bens e
abunde a moeda. Teramos ento uma moeda numa base muito mais ampla, tendo como
lastro uma quantidade suficiente de mercadoria amoedveis, ou seja, que, para reequilibrar o
preo e tornar estvel o valor da moeda, podem livremente transferir-se da posio de
mercadoria de moeda, e ao contrrio, exercendo a funo de uma ou de outra, segundo a
necessidade.

Imaginemos a economia de uma nao representada por um navio, dividido


pela metade no sentido do comprimento, por uma linha que chamaremos de trocas e aos
lados da qual existam bens em relao de troca direta, duma parte e doutra. Em tal sistema de
trocas diretas, sem a intromisso do elemento moeda, sendo a circulao dos bens
proporcional circulao dos meios de troca, o lado direito do navio teria carga igual ao
esquerdo. No havendo anttese entre bens e moeda, no haveria oscilaes no navio, nem
crises, e isto sem interveno de regimes autoritrios, que regulassem todo o movimento
econmico da nao.

Mas, quando a essa economia direta substitumos a monetria, teremos de


um lado o meio da troca, a moeda, e de outro os bens comerciveis. Dado que, como vimos,
cada desequilbrio desses dois elementos tende a amplificar-se, no havendo nenhum
elemento natural e automtico de reequilbrio entre bens e moeda, entre um e outro lado do
navio, a economia da nao s caminharia sob ameaa de constante desequilbrio, e mesmo
de emborcamento ( crise ).

Trata-se, agora, de achar o meio de reequilibrar o navio, compensando o


demasiado acmulo de um lado e o alvio de outro, ao contrrio a favor ou da moeda ou das
mercadorias, segundo os casos. Hoje o sistema j funciona, mas em quantidade insuficiente
para reequilibrar o navio. A quantidade de mercadoria amoedvel limita-se apenas ao ouro e
prata. Hoje o jogo do reequilbrio s funciona em mnima parte e o navio no ressente muito
seu efeito. Hoje o trabalho de reequilbrio est confiado a uma quantidade mnima, em relao
grande massa de bens que precisa ser reequilibrada. O reequilbrio, portanto, no estado
atual, funciona com efeitos mnimos, no porque esteja errada a frmula de equilbrio, mas
por insuficincia da massa reequilibradora. Ainda que perfeito o sistema como princpio,
insuficiente, porque apenas uma mercadoria amoedvel constitui uma parte muito pequena de
valor em relao ao valor de todas as outras mercadorias.

Trata-se aqui, ao invs, de conseguir o amoedamento de um vasto grupo de


mercadorias (gro, caf, algodo, ferro, gasolina, etc., segundo a produo das naes) que,
acumuladas nos armazns por parte dos prprios produtores, comerciantes e industriais, ou
dos bancos, funcionariam como lastro da moeda legal circulante, a qual teria assim seu
correspondente bem determinado e realmente existente, com plena cobertura, e portanto de
inteira confiana, como o papel-moeda a base ouro. Para ser mais perfeito, o reequilbrio
deveria permitir, quando houvesse equilbrio entre o valor dos bens amoedveis e o dos bens
no amoedveis, que se passasse da produo destes produo daqueles, e do consumo
destes ao consumo daqueles, de acordo com a utilidade dos produtores e consumidores.
Toda a economia, e mesmo as trocas internacionais, s poderiam ter vantagem com uma
moeda, meio de troca, que se baseia em lastros reais e est fora de arbtrio dos governos e
das oscilaes de valor. E s assim, com o trabalho, base de tudo, se poderia gerar riqueza
mesmo sob forma de moeda slida, independente dos aambarcadores mundiais do ouro.

Resta-nos apenas, para concluir, observar a mecnica do amoedamento e do


desamoedamento. Veremos assim como o sistema, ao invs de tender ampliao do
desequilbrio, tende a reequilibrar-se. Dividiremos o fenmeno em trs fases; 1 - Quando um
lado pesa mais que o outro e o navio pende mais, por exemplo, para a direita. 2 - Quando os
dois lados se equilibram e o navio est a prumo. 3 - Quando o navio tem maior peso do lado
oposto e pende, por exemplo, para a esquerda. Eis como pode operar-se o reequilbrio.

1. Fase - Quando o grupo das mercadorias bsicas custa menos que a


unidade monetria. - Nesta fase os possuidores de mercadorias amoedveis, ao invs de
oferece-las ao mercado, com tudo o que se segue, a conservam, provocando paralelamente
uma emisso de ttulos equivalentes a elas, e de que elas representam o lastro. Esses ttulos
de curso legal como o papel-moeda, criam um aumento de circulao e assim se restabelece
o equilbrio. Concomitantemente o Banco de emisso reduz a taxa de desconto, alarga o
crdito, aumentando desse modo a quantidade de moeda circulante. Eis assim restabelecido
o equilbrio.

2. Fase - Quando o grupo das mercadorias bsicas custa tanto quanto a


unidade monetria - Nesta fase nenhuma modificao se opera, estando j tudo em equilbrio.

3. Fase - Quando o grupo de mercadorias bsicas custa mais que a unidade


monetria. - Nesta fase, os possuidores de mercadorias amoedveis so constrangidos a
reembolsar ao Banco de emisso parte dos ttulos obtidos como antecipao durante a
primeira fase, e para isso devem vender parte de sua mercadoria. Assim diminuda a
quantidade da moeda circulante e se restabelece o equilbrio. Concomitantemente o Banco de
emisso eleva a taxa de desconto, restringe os crditos, diminuindo desse modo a quantidade
de circulao legal. E assim fica restabelecido o equilbrio.

No primeiro caso tudo se reequilibra com o amoedamento. No segundo tudo


j est em equilbrio. No terceiro caso tudo se reequilibra com o desamoedamento. Assim, os
desequilbrios, ao invs de aumentar, so corrigidos, e as crises no podem desenvolver-se.
Assim o interesse do indivduo e o da coletividade no so mais inimigos em anttese, e
podem concordar no princpio utilitrio compreendido e aceito por todos, qual o da sua
vantagem. Assim pode resolver-se o problema que atormenta o mundo, da instabilidade
monetria. Compreendido o princpio geral, cada tcnico de finanas poder adapt-lo s
condies particulares do seu pas e do momento, segundo as modalidades requeridas pelo
caso particular, mesmo tendo em conta que, podem ser evitadas assim crises dolorosas,
enquanto a riqueza deriva de recursos naturais, da inteligncia e sobretudo do trabalho.

Quisemos entrar mesmo neste problema especial de circulao monetria,


por sua imensa importncia social, dado que ela , para o organismo econmico o que a
circulao do sangue no organismo humano. Circulao que, se no for bem regulada, pode
ser mortfera, tanto por excesso como por defeito. A circulao monetria deve estar sempre
em relao direta com a circulao dos bens, ao passo que, com os sistemas atuais ela tende
relao inversa. Infelizmente, se verdade o que diz Filangieri ( Leis Econmicas ): os
homens seguem o curso do metal como os peixes seguem as correntes das guas; ou seja
se a circulao da moeda um fenmeno to importante, perguntamo-nos quo grande deve
ser a lacuna das atuais condies, quando o prprio Francesco Ferrara declara que a teoria
da circulao da moeda um captulo das cincias econmicas que mister refazer de
todo. No prefcio de seu Tratado da Moeda, J. M. Keynes afirma que: no obstante seja a
matria monetria objeto de ensino em todas as Universidades do mundo, estranho, que
no exista um texto que trate sistematicamente e a fundo da teoria e dos fenmenos da
moeda, tal como existe hoje no mundo moderno.

Por isso quisemos demorar-nos sobretudo nesta questo to viva e atual, em


redor do qual giram tantos outros problemas sociais. Com isto quisemos tambm desenvolver
alguns aspectos do fenmeno econmico, j delineados nos ltimos captulos de A Grande
Sntese. O leitor inteligente acha aqui a chave para resolver por si outros problemas
particulares, aplicando, como demonstramos no caso deste captulo, os princpios gerais do
sistema monista de toda a Obra, e o mtodo nela seguido para sua aplicao. Assim poder
ele alcanar a explicao e a orientao nos fenmenos mais dspares.

ORIENTAES TERAPUTICAS E PATOGNESE


DO CANCER

Enfrentaremos, agora, outras questes de carter prtico-social.

Nenhum problema pode ser verdadeiramente resolvido, se no partirmos de


sua orientao csmica, que o enquadre em relao ao funcionamento orgnico do todo.
necessrio, pois, partir do geral, nele depois engastando, no ponto exato, o particular. Tudo
ligado no universo. Portanto no de estranhar que possamos achar as causas remotas dos
estados patolgicos em crescimento, nas condies espirituais do mundo de hoje. natural,
por isso, que escape orientao materialista da cincia e sobretudo da medicina moderna, o
significado ntimo da doena, que tende a fixar-se em formas especficas na raa, como ltima
conseqncia de erradas correntes de pensamento que dominam em nosso tempo. Para
manter o estado de sade, necessrio que todo o mecanismo fsico-espiritual de nosso
composto humano funcione em harmonia com os princpios das leis que regulam a vida. De
acordo com o conceito unitrio da vida, a medicina somtica e a medicina psquica deveriam
colaborar. Deveria o mdico ser tambm um sacerdote do esprito. No ser humano, que ,
como vimos, a fuso de uma alma com um corpo, esto conexos fenmenos de ordem
espiritual e material, com conseqncias fsicas de fatos psquicos, e efeitos psquicos de
causas fsicas. Alex Carrel (O Homem, esse desconhecido) afirma que o conjunto formado
pelo corpo e pela conscincia pode ser modificado, tanto por fatores orgnicos como por
fatores mentais.

Tudo o que existe vivo, e a cincia no sabe o que seja a vida, porque esta
o princpio espiritual que anima tudo e que a cincia ignora. Assim, tudo o que existe um
organismo a funcionar, que traz escrita nele a sua lei. Quem se afasta dessa ordem, a ela volta
reconduzido pelo sofrimento. Ningum nega o valor dos novos meios diagnsticos e
teraputicos. Entretanto, muitos progressos no particular so anulados em parte, pela
desorientao no conjunto. Alm disso, errada a psicologia espiritualmente anrquica, de
que eles se valem, com a pretenso de tomarem o lugar da ordem natural e de dobr-la
vontade humana. Vem isso como conseqncia do princpio to instintivo e axiomtico, da
luta pela vida, que a cincia inadvertidamente usa, sem discuti-lo; e, no entanto, quanto mais
se eleva algum em conhecimento, mais deixa ela de ser imposio pelo domnio, e se torna
adeso, em obedincia a uma sabedoria que j est atuando na vida. Princpio da luta que
pertence aos planos mais baixos da vida, onde ecoa ainda mais viva a posio luciferiana da
revolta ordem de Deus, posio psicolgica que leva a cincia a tornar-se, no meio de
civilizao e bem-estar, mas antes de tudo instrumento de destruio blica.

No campo mdico, leva essa psicologia a uma teraputica repressiva,


enquanto a medicina deveria ser somente a arte que imita, secunda e promove os processos
curativos da natureza. Esta, no doente, age seguindo um programa prprio, conservativo e
compensativo, que o mdico deveria respeitar e ajudar. Pena, ento, quando a terapia no
segue a da natureza ou totalmente a ela se ope com intervenes to enrgicas que paralise
sua ao. Essa psicologia de luta para dominar e submeter levou a outro perigoso erro: o
equvoco microbista, pelo o qual toda a medicina se concentrou na luta contra os micrbios.
Correspondia perfeitamente a psicologia atvica da luta pela vida, a crena de que a sabedoria
humana tivesse finalmente descoberto, com o microscpio, o verdadeiro inimigo oculto, no
infinitamente pequeno e, finalmente, nele tendo encontrado a causa das doenas, fcil lhe
fosse venc-las. E o homem, sempre vido de guerras, iniciou com isso uma nova guerra, e
nela acreditaram mdicos e doentes, estes ltimos sugestionados pela nova cincia que os
aterrorizava com o espectro do micrbio. Mas explicaremos melhor, logo abaixo, estes
conceitos.

Outra conseqncia da supracitada psicologia luciferiana, o fracionamento


que ela tende por sua natureza, estando situada no plo oposto ao que representa a unidade
em Deus. A especializao, o perder-se, desorientando-se, no ddalo das anlises, arruinando
assim a virtude da sntese e da unidade, um dos erros de todo o pensamento cientifico
moderno. Procede-se hoje por anlise, subdividindo e seccionando, cada vez mais
aprofundando-se o particular. Assim, quanto mais subdividirmos um organismo unitrio,
tanto mais nos afastaremos da possibilidade de compreend-lo. E por fim, no nos fica em
mo seno um acmulo de elementos desconexos, dos quais teremos que achar os
significados reconstruindo-os na unidade, num conjunto que os explique e valorize, e cuja
imagem desapareceu de nossa frente. No de ordem analtica, mas sinttica, o
conhecimento do ser humano. Inegavelmente so grandes as descobertas da cincia mdica,
mas, para compreender, no basta um mosaico de julgamentos separados, pois bem diferente
o desenho geral, o nico que valoriza as vrias partes numa ordem superior. No pode ser
obtida a compreenso do ser humano, adicionando todos os infinitos conhecimentos
analticos, tirados da observao do particular, mas s vendo-o de outro ponto de vista em
seu conjunto. Se o mtodo da observao e experimentao representou grande progresso ao
criar a cincia, no ele entretanto isento de perigos. Especializar-se quer dizer separar,
significa ir de encontro ao princpio fundamental da unidade, que o que rege todas as
formas da vida. O organismo humano feito por rgos que se fundem, e no por
compartimentos estanques.

O microbismo mencionado acima um dos efeitos dessa psicologia. ele o


calcanhar de Aquiles da atual medicina, o locus minoris resistentiae do conceito
patogentico. D-nos ele, mediante as bactrias, uma explicao que parece fcil e acessvel,
mas apenas aparente, como veremos, e no resiste crtica. Outra conseqncia e caminho
de extravio, o laboratrio. Se verdade que fornece elementos para o diagnstico, nem
sempre resolve o problema. Indivduos h que continuam doentes, apesar de serem negativos
os exames. Quantas vezes poder-se- negar uma lcera porque o radiologista no acha o
nicho doudenal; ou ento negaremos a qualidade tuberculosa de um depauperamento
orgnico, de uma tenaz dor torcica, de uma febre ligeira, porque o escarro no apresenta
bacilos e a radiografia negativa, quando ao contrrio a histria clnica e o hbito
constitucional do enfermo falam claro de uma pretuberculose? Assim, quantas outras
doenas so excludas, com base da resposta negativa do laboratrio! No deve ele substituir
a nossa sntese pela sua anlise. Nosso julgamento deve dominar, e no sujeitar-se a tais
respostas, deve ilumin-las com sua luz e complet-las onde elas se calam. Em outros termos,
mister curar o enfermo como unidade orgnica, e no a doena, teoricamente decomposta
em seus elementos.
Como se v, a medicina est enferma de diversas enfermidades. Mas, dado
que isto uma conseqncia da corrente de pensamento hoje em voga, natural que esteja
desviado do bom caminho tambm o conjunto dos doentes. A massa destes, sendo eles
homens de nosso tempo, tem um conceito errado da vida. Esta um ato de ordem e
disciplina, do esprito e do corpo, e no uma corrida ao gozo. Os vcios de todos, ricos e
pobres, as condies antinaturais da vida nas grandes cidades, mil hbitos artificiais,
transformam a elevao do nvel da vida num perigo para a sade. Esta dada, antes de tudo,
por um regime simples e sbrio de ordem, porque a doena s entra quando lhe tivermos
aberto as portas, enfraquecendo as naturais resistncias orgnicas, com um sistema errado
de vida. Nisto entram tambm nossos hbitos psquicos, nosso modo de conceber e dirigir-
nos. Com sua direo materialista, a sociedade moderna elevou, como bitipo modelo, o
homem de ao, desvalorizando o homem de pensamento, que o que mais vale. Conseguiu-
se assim eliminar da vida social o sentido de orientao nas infelicidades, a f que anima no
porvir, a conscincia das metas remotas para as quais vivemos, o equilbrio e a calma dos
sbios.

Chegar-se- dessa forma a eliminar o bitipo do homem bom e honesto, e far-


se- sempre mais dura a luta, numa nsia sem trguas. Mesmo que o trabalho produza bem-
estar, se no for orientado a fins superiores, ele, ficando espiritualmente estril, nos deixar
desiludidos. Caro pagar a sociedade, com sofrimentos nervosos e morais a carncia desses
elementos indubitavelmente necessrios vida. No poder permanecer impune e sem
conseqncias o erro de ter querido fazer do homem, ser espiritual, apenas uma mquina de
produzir dinheiro. O esprito, cloroformizado, pela concepo materialista da vida, manifesta-
se como pensamento falaz, incerto, agitado desorientado, que no caminha direto ao alvo,
mas perde-se na tentativa de alcana-lo. Essa ingente corrente ao vazio parece dinamismo,
mas uma corrida para procurar sem encontrar, e que no conclui, como faria o pensamento
ponderado que sabe e vai direto ao escopo. A vida moderna, em grande parte, apenas
barulho intil, uma irrequietude que dissipa sem produzir, disperso de energias, inquieto
nervosismo debaixo do qual est o vazio. Trabalha-se com foras ilusrias, produzidas por
excitantes. Cada desequilbrio produz novo desequilbrio e assim cada vez mais rpido gira o
turbilho que tudo arrasta. No mais se sabe hoje quanto frutifica o saber trabalhar com
calma. E por isso trabalha-se para perda, com a mquina inada de atritos. Com as premissas
que o materialismo hoje lhe deu, a vida se torna a fadiga do diabo, desarmnica, dolorosa,
que s produz dano. Ao passo que a fadiga de Deus harmnica, alegre e produz frutos de
paz. Nem mesmo sabemos mais repousar e freqente faz-lo cansando-nos com inteis
fadigas. O homem moderno tem medo do silncio, e, para repousar, gosta de aturdir-se com
novos rumores.

Vive-se esmagando o prximo. E isto significa a dor de todos, mesmo do


vencedor, porque ele tambm poder cair amanh na posio de vencido. mister
compreender que, esmagando o prximo, hoje, que se est formando a unidade social
humana, no estamos esmagando um estranho, mas uma parte de nosso prprio organismo
ou corpo social, de que somos clulas. indispensvel a eliminao do dio que corri a
todos. A ferocidade na luta pela vida imprime traumas na psiqu, que se fixam na raa, com
complexos congnitos de inferioridade. Formam-se assim pontos fracos que depois investem
tambm contra o terreno orgnico, criando focos de vulnerabilidade que constituem as portas
abertas para as doenas. Cada erro se paga: mesmo este da desorientao espiritual. E paga-
se com a moeda soante de nossa dor. Cada estado desarmnico ecoa e se repercute de plano
em plano, at que fique exaurido seu impulso e no esteja tudo pago por ns mesmos. Para
remediar a tudo isso seria necessria no s uma profilaxia e higiene fisiolgica, mas
sobretudo uma espiritual.

Diante de tal estado de coisas, ao invs de reconhecer essa condio


patolgica, ao invs de compreender que suas causas esto, antes de tudo no esprito, e que
a cura s pode ser obtida refazendo-se tudo desde o incio, prefere o homem abandonar-se ao
belo sonho de que, com a baqueta mgica do farmacutico, a medicina opere por si o milagre
de curar-nos. Na verdade, sonhar belo. Mas lgico que, depois, tudo seja iluso. Antes,
abusa-se de tudo com uma vida desregrada, e depois pretende-se o milagre da cura pela
cincia. Com essa psicologia dominante, como impedir que ela influencie o prprio mdico,
que assim levado a usar sistemas enrgicos que dem o que o cliente quer: o tangvel
resultado imediato, sem cogitar-se do que poder custar isso ao organismo perturbado em
seus equilbrios naturais?

Doutro lado, como impedir, dada a psicologia dominante, que se forme sobre
ela uma indstria farmacutica que satisfaa esse estado de nimo? natural que a procura
provoque a produo e a oferta. Aparece assim no mercado, um acervo de produtos j
confeccionados para cada tipo de doena. Desse modo, prescindindo das particulares
condies do enfermo, acha-se automaticamente pronto o remdio. E porque tudo seja
acessvel a todos, mesmo s classes menos favorecidas, mecaniza-se a vida em servios
simplificados e administrados em srie. Essa industrializao , na verdade, economicamente
rendosa e mais realizvel, porque praticamente mais fcil, mas no , sem dvida, o meio
mais apto finalidade de curar. Todavia, como se v, existe uma cadeia de exigncias de todo
o gnero; dessa forma, elas so satisfeitas, e assim explica tudo. H somente um pequeno
erro. A soluo do problema da sade fsica e espiritual, problema nico, no pode alcanar-
se por esse caminho. A sade no se conquista com o produto farmacutico, mas com um
regime so de vida, fornecido pela compreenso de suas leis e a obedincia a elas. A sade
um estado de equilbrio que s pode ser conquistado pelo esforo do autodomnio, para
manter-nos disciplinados na ordem, tanto espiritual como material. E uma medicina enferma
de analitismo, de microbismo, de laboratorismo, etc., no poder de modo algum, por meio da
indstria farmacutica, realizar o milagre do absurdo de curar um pblico de doentes
desorientados, ignaros das regras do sadio viver.

***

Aps esta viso panormica, entremos nas mincias da questo. Procuremos


compreender como, no obstante isso, saiba a vida triunfar de tudo. Se assim no fora, j de
h muito teria desaparecido a humanidade. Acredita-se, em geral, que as doenas cheguem
por acaso, quando o capricho de alguns micrbios patognicos os faa agredir e instalar-se
em nosso organismo. Mas no assim. Em muitos casos s entram os micrbios quando h
uma porta aberta e um convite que os instigue a entrar. No s o micrbio ento que o
inimigo, mas tambm nosso estado orgnico a causa de nossas doenas. A lei que cada
um traga em si mesmo a causa das prprias enfermidades: que muitas vezes a doena atrai
o micrbio, e no o micrbio forma a doena. Como ocorre isso?

A orientao diagnstica postpasteuriana, organstica e localista, foi sempre


levada a considerar o ponto de chegada, mais do que o ponto de partida da doena.
Descoberta a presena de determinado micrbio, a medicina fica satisfeita por poder
consider-lo a causa primeira da doena, tanto mais que a experincia confirmava essa
presena. E eis a srie dos antibiticos, sulfas, penicilinas, com outros derivados do mofo;
estreptomicina, clitocibina, aspergilina, aureomicina, cloromicetina, super-penicilina,
subtilina, etc. Assim os antibiticos, palavra que significa contrrios vida, deveriam cur-la.

Passa-se as coisas diferentemente. O micrbio l est, sem dvida, porque


onde existe matria orgnica desvitalizada e em dissoluo, ele no pode faltar. Mas l no se
encontra ele para agredir com seu poder homicida, mas para cumprir sua funo benfica, de
ordem, que entra no quadro do desenvolvimento e da soluo da doena. Os micrbios so
muitas vezes efeito, e no causa da doena, so o ponto de chegada, e no o de partida dela.
H aqui um erro de perspectiva psicolgica. No existem na natureza antagonismos, mas
integraes. A doena em geral est na constituio do indivduo, suas razes mergulham no
terreno orgnico do sujeito. O ponto de partida o acumular-se de substncias txicas, de
matrias morbgenas contra o qual, quando elas atingem o limite da tolerncia, reage a
natureza orgnica por legtima defesa, e a doena explode, por lei de conservao. Ela , pois,
uma crise protetora, um esforo curativo da natureza, necessrio para restabelecer o
equilbrio fisiolgico humoral.

Essa reao tem a sua razo de ser, sua estrutura, seu ciclo, sua durao, seu
individual tempo interior, sua soluo. A natureza viva , sem dvida, inteligente e finalstica,
tendendo prpria conservao. natural, ento, que em tais processos reativos realizem
operaes de acmulos, de transformao, de eliminao de substncias txicas, de detritos
celulares, operaes que s os micrbios podem realizar, porque a eles que, no terreno
agrrio como no animal, est confiada a funo desintegradora das substncias
desvitalizadas. So eles ento atrados, como por uma chamada, acorrem e realizam sua
funo auxiliar e integradora, pela soluo do processo morboso. Assim como os micrbios
do terreno se lanam sobre as matrias em decomposio, para transform-las e torn-las
assimilveis s plantas, assim tambm os micrbios que se acham incuos, espera no
ambiente ou em ns, quase que sentindo a presa, se lanam sobre as matrias em
decomposio que se acumularam, para transform-las e elimin-las.
Ento, no o micrbio que atenta vida celular, mas a clula organizada
que, desorganizando-se, decompondo-se e dissolvendo-se, permite ao micrbio viver e
cumprir sua funo csmica proteoltica. Nada h de funesto e mortal nas coisas da natureza.
A doena muitas vezes uma experincia de salvao e a morte a passagem a outra forma
de vida. As prprias doenas epidmicas, como peste e clera, so conseqncias da
resposta do organismo s causa patognicas. Assim no fora, numa epidemia deveria perecer
a totalidade.

Segue-se da que o sistema de truncar os sintomas de uma doena aguda,


como se fossem eles a causa, um represso perigosa com resultados ilusrios. As doenas
agudas so uma concentrao de luta, onde esta necessria. Trata-se de movimentos
calculados, que se devem desenvolver segundo um plano preestabelecido. Ento a satisfao
de truncar uma doena, prepara outra mais grave, porque a natureza no abandona a luta e
acende alhures a necessria reao para sua conservao. Isto at que, exauridas as foras
disponveis, ela se relaxa, e permite ento, o advento da anarquia orgnica do cncer. Se este
vai crescendo, deriva isso tambm do sistema de obstacular o desenvolvimento das salutares
reaes morbosas. perigoso atrapalhar os clculos da natureza que se defende, eliminando
os micrbios com os quais ela conta. Paralisando-os, anula-se tambm um meio de defesa.
Mas, alm disso, o antibitico um txico para o organismo, tanto que paralisa todos os
elementos qumicos, fsicos, histolgicos, secretivos, nervosos e magnticos, que a natureza
havia mobilizado para sua defesa. Desaparecem, ento, os sintomas. Eis o milagre, que
iluso. O esforo vital de defesa foi anulado de um golpe. Faz-se o deserto. Os humores
txicos, de que estava saturada a economia e contra os quais se armara a natureza,
continuam a polu-la e o doente permanecer doente. Ele, ento, ao invs de recobrar-se, fica
fraco e cansado. E se a seguir, no obstante tudo, souber a natureza e tiver a fora de
reacender uma reao de defesa, cair o organismo num estado progressivamente
discrstico, que prepara as mais variadas sndromes degenerativas, at a tragdia do cncer.
por isso que, com tantas descobertas, as estatsticas vo registrando aumento de doentes.

O princpio da caa ao micrbio no resolve. Observe-se apenas o fato de que


ele se habitua e, circulando qual patrimnio comum a todos, requer, para ser abrandado e
debelado, uma dose, sempre mais forte da substncia com que o queramos eliminar. Seria
indispensvel maior respeito s leis da natureza, evitando intervenes violentas e diretas.
Ela fez a torrente circulatria hermeticamente fechada, a fim de que as substncias que so
absorvidas pelo sangue, sejam antes homogeneizadas pelos complexos fisiolgicos do
organismo a que pertence o sangue. perigoso, por isso, o comunssimo uso de atentar
integridade do sistema circulatrio mediante injees endovenosas.
***

Penetremos ainda em maiores particularidades, para nos aproximarmos da


compreenso do caso especfico do cncer. Esclarecemos acima estes pontos: a natureza
possui uma inteligncia sua, que usa com finalidades defensivas e conservadoras. A doena,
ento, um movimento curador, que faz parte de seus equilbrios. A doena no devida s
ao micrbio, mas sobretudo ao estado de vulnerabilidade do organismo. Se bem que a nossa
seja a era microbiana, em que a medicina se apega ao conceito de infeco, os micrbios no
so ferozes homicidas, mas colaboradores dos processos da vida. a anormalidade do tecido
que precede a chegada e a fixao do micrbio, de modo que as formaes microbianas se
apresentam, quando necessrio desenvolver-se sua funo proteoltica de purificao dos
focos.

Dito isso, procuremos compreender o mecanismo da patognese do cncer.


Para melhor compreender o fenmeno, reportemo-nos s origens do nosso organismo.
Daremos assim um breve passeio pelas ntimas maravilhas da vida, o que nos permitir
observar a sabedoria de seus planos de desenvolvimento e esquemas arquitetnicos e fazer
novas observaes tambm em relao a reencarnao.

A entidade psico-fsica que constitui o homem, apenas, em ltima anlise, a


vibrante organizao de bilhes de clulas em contnua evoluo ou involuo, em contnua
adaptao ao ambiente externo, assim como o cosmo apenas um imenso agregado de
tomos. Vida orgnica e vida inorgnica, fenmeno biolgico e fenmeno fsico-qumico, so
expresses da mesma matria que se organiza e se agrega de modo diversssimo. De tal
forma que poderemos dizer que, no mundo biolgico, a clula est para o organismo, assim
como, no mundo fsio-qumico, o tomo est para o microcosmo. E como o tomo inorgnico
constitudo por um ncleo central de carga eletro-positiva e por um ou mais eltrons de
carga eletro-negativa, assim a clula constituda por um ncleo central e pela substncia
protoplasmtica. Assim, clula e tomo so unidades constituintes elementares do mundo
orgnico e do inorgnico, igualmente cindidas e reunidas, em seus dois elementos
componentes, inversos e complementares, sempre positivos e negativos. Assim o tomo
regido e animado pela coeso de duas partes antagnicas que o compem: a carga eletro-
negativa ou magntica e a carga eletro-positiva ou radioativa. Por sua vez, a clula, outro
equilbrio por compensao dos contrrios uma espcie de tomo orgnico tem diferente
do tomo inorgnico, o ncleo carregado eletro-negativamente, e a massa protoplasmtica
carregada eletro-positivamente. Essa inverso de carga eltrica entre o mundo inorgnico e o
orgnico o ponto nevrlgico da biologia. Paralelismo que relacionam tudo com um princpio
unitrio. Quando for penetrado o mistrio biolgico at a profundidade do tomo constituinte,
segundo as universais leis da matria, o fenmeno da vida poder ser visto em sua unidade
com todos os outros fenmenos.

Enquadrado assim em relao ao fenmeno csmico, o fenmeno da vida


humana, vejamos como se inicia ele em seu lado fsico. Deriva nosso organismo vivo de uma
primeira semente representada pela esfera de segmentao, que se forma pela fuso das duas
clulas sexuadas, masculina e feminina. Elas so o produto de dois organismos vivos, que se
formaram pelo mesmo processo, numa corrente vital nica, em que se escreve toda a histria
vivida e se imprimem todas as qualidades adquiridas no campo orgnico. Tudo assim
transmitido e, com o nascimento, cada indivduo recebe dessa forma uma sua particular
constituio fsica, com qualidades de resistncia e vulnerabilidade congnitas, hereditrias,
atvicas. Assim, a substncia fisiolgica que fornece a matria prima para a construo do
organismo humano pode estar, desde o incio, sadia ou estragada, conforme a carne
transmitida pelos pais.
A primeira clula do novo organismo constituda, pois, pela fuso dos dois
elementos prolgenos, unidos numa simbiose celular, em que so impressos os caracteres
das duas clulas progenitoras, caracteres que continuaro a transmitir-se em toda a
multiplicao celular sobre a qual se baseia a formao do organismo fsico. Logo que se
forma esta primeira clula, inicia-se o processo de construo de uma vida prpria autnoma
e independente, que faz centro em redor de outro eu ou personalidade, que no a dos pais,
ainda que o material, com que se possa vestir de um corpo, seja tomado do organismo vindo
da me. Da primeira clula, comea um processo de reproduo e multiplicao por cises
(cariocinese), com ritmo e diferenciaes bem disciplinadas: ritmo forte nas primeiras fases
embrionais e de crescimento, que em seguida paulatinamente decresce, proporo que os
tecidos vo se diferenciando e se formam os rgos e aparelhos orgnicos; at que, quando o
organismo adquiriu sua conformao definitiva e adulta, a reproduo celular to
exatamente disciplinada, que se limita apenas a substituir as clulas que, na troca vital, se vo
gastando. A disciplina tambm dada pelos limites dentro dos quais a clula deve reproduzir-
se, sem o que o organismo nem atingiria nem manteria sua configurao.

Leva-nos tudo isto, a consideraes de carter filosfico e espiritual, que s


podamos fazer aps o presente estudo, de ndole tcnica, para uso dos mdicos. Quem dirige
todo o fenmeno? H nele uma disciplina perfeita, uma coordenao de operaes que
cooperam para a execuo de um exato e preconcebido esquema arquitetnico. Uma
disciplina presume um disciplinante, um trabalho inteligente indica um princpio inteligente,
um trabalho perifrico um motor e uma direo central, a construo de uma estrutura
orgnica s pode derivar de uma unitria vontade finalstica a que obedecem as clulas.
Quem que dirige todo esse trabalho? Por si, certamente no. Cada uma da clulas, por mais
que seja levada por hbitos e lembranas atvicas, a refazer um caminho j tantas vezes
percorrido ( a ontognese repete a filognese), no pode dirigir um trabalho de conjunto,
diferente do de cada uma, no pode possuir um conhecimento que suporte as funes da
prpria vida de cada uma. Ento, o que dirige tudo um genrico consciente csmico? Mas,
neste campo da vida, tudo individualizado, tanto como forma prpria exterior, quanto como
princpio diretivo; portanto um genrico consciente csmico s pode ser concebido como
individuado na forma de um eu pessoal ou princpio espiritual da personalidade. Ser talvez
a alma da me? Mas o processo continua, mesmo que a me morra logo aps o parto e,
mesmo em seu seio, h diretivas autnomas, independentes da vontade dela.

S nos resta admitir um princpio espiritual preexistente, que intervenha para


realizar esse trabalho. Inicia-se a sua ao diretora na primeira reunio dos elementos
prolgenos sexuais, no timo da concepo (em confirmao, veja o cap.: O Livro Tibetano
dos Mortos). O trabalho que vemos realizar-se, como conseqncia, demonstra-nos a
verdade e necessidade desta afirmao. o esprito que, nos primeiros tempos, vivendo da
vida da me, faz para si e por si, o seu invlucro fsico adaptando-se ao terreno paterno-
materno de que o deriva, e adaptando a si esse material de construo. Assim o esprito
constri sua casa. Podemos assim agora, no campo biolgico, esclarecer o fenmeno da
reencarnao, de que em breve nos ocuparemos. Aqui no se trata de uma memria atvica
celular, que poderemos chamar analtica e perifrica, mas de outra memria espiritual, que
poderemos denominar sinttica e central; para indicar-nos a sua existncia, seria suficiente a
lei do equilbrio do dualismo universal. Quando do nascimento do corpo, a alma se dedica ao
trabalho de formao de um organismo que corresponda a um esquema preestabelecido, que
a alma j conhece por sucessivas encarnaes no bitipo humano. No se lana ela a uma
experincia nova, mas apenas repete uma experincia j realizada quem sabe quantas vezes,
cujo conhecimento s pode ser adquirido lentamente por graus. Doutra forma, o esprito no
poderia realizar esse trabalho. Tudo converge para demonstrar-nos a verdade da tese
reencarnacionista. Material orgnico e esprito j se conhecem bem, e s de longa
convivncia podia nascer a sintonia fsio-psquica que permite sua fuso num mesmo
composto humano. A vida baseia sua resistncia na adaptao, e assim ela possvel de
ambas as partes, do corpo em relao ao esprito e do esprito em relao ao corpo. Por longa
repetio, a alma humana habituou-se, homogeneizou-se, no ambiente terrestre.
absolutamente impossvel que um princpio espiritual, que se destacou do mundo do
absoluto, possa, no momento da concepo, enxertar-se de um golpe no mundo da matria.
Como aceitar esse conceito, quando ele contrasta com os hbitos fenomnicos do universo e
est em flagrante contradio com o que vemos ser feito pela vida a cada instante? Alm
disso, com a teoria da criao da alma ao nascimento, cairia toda a teoria da evoluo
espiritual, que a contrapartida da queda pela violao da ordem da lei: cairia o sistema que
explica tudo, e dever-se-ia concluir pelo desequilbrio, pelo absurdo, pelo caos.

Cada princpio espiritual (no sentido mais amplo, de princpio que anima
qualquer forma de vida), tem seu tipo biolgico ao qual ele est proporcionado, em que possa
encarnar-se, e no qual acha sua adequada expresso e gnero de experincia adaptada,
necessria para sua evoluo. Quanto menos evoludo for esse princpio, tanto mais
elementar ser sua veste corprea, descendo no mundo animal at ao vegetal, at ao mineral
(cristais) e atmicos. Mas quanto mais se desenvolver esse princpio, tanto mais tender a
superar a expresso de forma humana e a emigrar em ambientes onde lhe ser possvel
construir para si uma habitao mais perfeita, adaptada ao seu novo desenvolvimento e ao
seu gnero de experincias, necessrias a ele para continuar a evolver. Mas esta uma cincia
que aprendida gradualmente e que no pode ser usada seno quando conquistada por
merecimento. Recordemos que os fatos nos mostram reinar no universo um princpio de
ordem, segundo o qual, apesar de todas as revoltas, cada coisa est contida em seu devido
posto, nos limites que lhe dizem respeito. Mesmo se, em casos particulares, pode ocorrer o
contrrio, nos princpios diretivos reina inviolvel a disciplina.

***

Depois desta moldura introdutria, til tambm para a teoria da reencarnao,


retomemos agora o caminho, para alcanar a compreenso do fenmeno do cncer.
Escolhemo-lo entre muito outros, porque nos permite ele realizar vrias observaes
importantes. Vimos que a primeira clula do novo organismo uma simbiose celular. Este o
tipo da sadia simbiose fisiolgica, de que deriva um desenvolvimento disciplinado de clulas,
que obedecem a um princpio central diretivo. Tudo aqui se desenvolve segundo leis
organizadoras, associativas, corporativas, que dominam frrea e totalitariamente as mirades
de clulas que compem o organismo inteiro. A patolgica celulao neoplstica do cncer,
ao contrrio, tem caractersticas opostas. A clula neoplstica no obedece mais disciplina
do poder central e, arrastada pelo prprio prurido gentico, reproduz-se louca e
anarquicamente. Da o neoplasma. Acontece assim, que essa clula neoplstica,
reproduzindo-se por subdiviso como as outras, no rebeldes, das quais mantm caracteres
de semelhana, seno de identidade, torna-se a progenitora de uma colnia celular anrquica
que se arraiga no tecido semelhante, constituindo aquela monstruosa massa que se chama
cncer. Vive parasitariamente na sociedade policelular orgnica; da qual esgota o sangue e os
coeficientes nutritivos, em cuja torrente humoral despeja os produtos de sua especial troca,
verdadeiro glten de morte, de modo que, gradual e irremediavelmente, subverte a admirvel
e concorde sociedade celular, at destruir todo o organismo. No maravilhoso e harmnico
complexo de nossos tecidos, rgos e aparelhos, que so expresses de ordem e disciplina,
essa clula secessecionista, subversiva, anrquica e criminosa , ao contrrio, a expresso
da desordem e do mal no campo orgnico.

O fato de que o cncer aumenta proporo que nos afastamos da vida sadia
segundo a natureza, numa sociedade tambm espiritualmente corrompida, o fato de que ele
aumenta com a corrupo desta, faz pensar que o cncer seja o resultado de um
desconjuntamento dos ritmos vitais e exprima um estado patolgico de todo o complexo
humano. Seu modo de comportar-se faz pensar, de acordo com a lgica que at aqui
desenvolvemos, em um relaxamento do poder diretivo central, que espiritual e, por
conseguinte, um regresso involutivo dos elementos que compem sua veste corprea.
Significa isto que algumas clulas escapam assim disciplina que as dirige, e por
conseguinte, recaem em sua fase involuda e desorganizada de reproduo indisciplinada. A
ordem uma conquista da evoluo, como o o entrosar-se em unidades mltiplas coletivas,
que aquela ordem aceita em sua construo. E a clula que escapa a um poder central
coordenador s pode ter sua diretivas individuais, uma independente da outra, sem
capacidade para formar qualquer estrutura orgnica. No caso do cncer, achamo-nos ento,
no mesmo indivduo, diante de duas unidades biolgicas diferentes, que convivem nas
mesmas bases fundamentais da vida, isto , a colnia celular anrquica do cncer e a
estrutura disciplinada do organismo humano. Explicaremos abaixo por que a clula rebelde
neoplstica se comporta assim. Ela derivada de um micrbio que, aps longussima estada
e adaptao, conseguiu desindividualizar-se e assumir caracteres afins aos das clulas dos
evoludos organismos policelulares.

Mas antes de explicar tudo isso, paremos para algumas observaes. Parece
que, mesmo no campo biolgico, as foras do mal assumem as mesmas caractersticas que o
individuam no campo moral. A desordem e a revolta pertencem aos planos mais involudos da
vida, cujas formas inferiores tentam sempre agredir as formas mais evoludas, desde que
estas relaxem o controle e a defesa, que s pode ser exercitada pela fora e inteligncia do
poder central. Repete-se esse fenmeno no campo social, quando vemos que, logo que se
corrompe e enfraquece um governo, imediatamente das camadas inferiores da sociedade
emerge a rebelio, para apoderar-se do poder. Leva-nos isto a ver uma relao entre o
difundir-se do cncer e o crescente relaxamento moral de nossos tempos. Quando a
desordem chega at ao poder central que o esprito, ele perde os meios diretivos at da
disciplina orgnica. O funcionamento e a estrutura das clulas se ressentem de estados de
nimo prolongados, habitudinrios, que tendem a imprimir-se nelas, projetando as prprias
deformaes do plano espiritual at o plano orgnico. essa transmisso do subconsciente,
e da, por ideoplastia, estrutura orgnica, que explica a evoluo das formas como
conseqncia da evoluo do esprito, que a causa dela. Ento natural que, quando do
centro se inicia esse processo de depurao, se verifique um regresso geral involutivo.
Compreende-se ento como uma clula inferior e degenerada de origem micrbica, possa
tentar revolues no seio de um organismo relaxado pelo poder central. Este, ento, no
merecendo mais ficar no plano evolutivo atingido, justo que, de acordo com os equilbrios
da vida, aparea agredido pelos inferiores e que seja eliminado, se no der prova de possuir
em si o poder do comando e defesa que lhe d o direito de viver.

Essa ntima conexo entre o prprio tipo espiritual e a forma orgnica que o
reveste, induz-nos a admitir que, na reencarnao, o esprito deva escolher um organismo do
seu tipo, que tenha suas qualidades, boas como ms, porque de outro modo no pode formar
a sintonizao necessria para a fuso. Como poderia essa realizar-se sem uma semelhana?
Na unio da alma com o corpo, claro que devem funcionar as leis de afinidade, que operam
por atrao e repulso. Desse modo, para poder conseguir realizar uma vida inteira de to
ntima convivncia, devemos admitir identidades fundamentais de qualidades entre esprito e
organismo, e que este ltimo represente a verdadeira expresso do primeiro no plano fsico.
Leva-nos isto a admitir outro fato que aperfeioa mais ainda a teoria da reencarnao. Quando
um esprito vem inserir-se numa clula prolgena hereditariamente tarada, da qual s pode
retirar um organismo com certas predisposies patolgicas congnitas, no ocorre isto por
acaso, mas segundo a lei de justia que d a cada um o que lhe cabe por seu merecimento.
Ser atrado por afinidade, para uma determinada estrutura orgnica, o tipo correspondente
de personalidade, e no qualquer outro, ou seja, aquele tipo que tem um comprimento de
onda que esteja em sintonia com a onda biolgica da clula prolgena. Poderemos ento dizer
que os pontos vulnerveis, as predisposies este ou quele ataque patolgico, esto antes
de tudo no esprito; a no ser assim, mesmo se verificasse excepcionalmente o ataque contra
um esprito so, a prpria natureza diversa deste representaria um impulso contrrio,
tendente cura. As exigncias da lgica, os princpios de ordem e equilbrio, um instintivo
sentido de justia, confirmam estas concluses.
Mas a atividade anrquica e separatista das clulas do cncer levam-nos
ainda a outras consideraes. O homem atual pode considerar-se como clula de um novo
grande organismo, a humanidade, hoje em formao. Como tal, acha-se o homem hoje
socialmente na fase involuda das clulas desorganizadas, no ainda disciplinadas por um
poder central e a ele obedientes. Assemelha-se a nossa sociedade mais massa desordenada
celular do cncer, do que estrutura ordenada de um organismo policelular. Como no perodo
paleontolgico, as novas formas de vida de nosso mundo esto na fase embrional da
tentativa. O poder central deve formar-se por seleo, com a destruio das formas
fracassadas, imaturas, no bastante slidas para saberem resistir. E, formando ele, deve
impor e manter com sua real superioridade, a ordem entre os menos evoludos, porque, ao
primeiro sinal de inferioridade ou fraqueza dele, estes se sublevaro para destruir o poder
central e tentar uma forma sua diferente. S assim poder formar-se o novo organismo social
humanidade, segundo a lei geral das unidades coletivas, com a coordenao e unio de cada
uma das individualidades humanas.

Representa assim o homem atual a clula anrquica que, tal qual a do cncer,
se reproduz sem disciplina nem freio. Esse o estado das unidades primitivas, muito mais
prolficas que evoludas, a fim de que um grande nmero possa ser sacrificado, sem dano
para a vida, em tentativas procura de formas melhores. Quantas existncias so sacrificadas
com essa finalidade, desapiedadamente ceifadas pela seleo! O mais idneo, s ele que
sobrevive. Por isso, nesta fase, prolificar fcil e abundante, proporcionado a inconscincia
do homem que no percebe que, de acordo com a sabedoria da Lei, est gerando para a dor e
a morte. E isto um bem, seno quem o levaria a procriar para atingir to duro sacrifcio e
fadiga, embora tudo isto seja necessrio para eu se cumpra a evoluo? Mas, no futuro,
dever ocorrer ao organismo social o que hoje sucede no organismo humano, e mesmo na
sociedade de alguns animais (abelhas, formigas), onde os nascimentos so controlados em
relao aos meios de subsistncia e s possibilidades de educao. A moral evolve com a
vida e justifica-se com as exigncias supremas dela. Hoje imoral o controle dos
nascimentos, porque contrrio aos interesses da vida na fase atual, como vimos agora
mesmo. Nem podia isso ser concedido a um homem desprovido de conscincia coletiva, de
conscincia eugentica, cego diante dos remotos fins da vida, um homem que ainda no
transformou em automatismos, isto , em instinto natural, mediante longa repetio, o estado
de absoluta adeso Lei e obedincia a ordem. S a esse tipo biolgico pode conceder-se
tais liberdades. Hoje seriam usadas apenas para fins de abuso, para fraudar a natureza,
buscar gozos, fugindo aos sagrados deveres impostos pela prole. E hoje, a vida quer que se
procrie em abundncia, para que haja bastante gente para sacrificar, a fim de resistir s
guerras e s suas grandes destruies, misria, a tantas doenas novas criadas pela
civilizao, sobretudo seleo dos mais dbeis e feroz luta corpo a corpo de todos contra
todos, na qual tantos perecem sem derramamento de sangue. Enquanto no se passar desta
atual fase catica a uma fase de ordem, o sistema de colaborao e disciplina que se realiza
em nosso organismo no poder ser alcanado pelo organismo coletivo. Mas, atingida uma
fase de ordem, em que a atual disperso da vida no mais for requisitada pelas formas
caticas de existncia, no permitir mais a natureza um desperdcio que ento ser intil, e
disciplinar o esforo gentico em proporo as suas novas condies. O homem evoludo,
civilizado e consciente no procriar mais apenas para seu gozo egostico, para abandonar os
filhos lei feroz da seleo do mais forte; mas procriar apenas quando souber que a vida
garantida e assegurado um mnimo indispensvel de bem-estar.

***

Aps estas breves digresses, que nos aconselhou o argumento, retomemos


o problema da gnese do cncer. Os saprfitos endorgnicos, em convivncia perene, de
contraste e adaptao, com a natureza orgnica, so quatro: o espiroqueta de Schaudinn e o
plasmdio de Laveran, da srie acidgena; o bacilo de Koch e o gonococo de Neisser, da
srie alcalingena.

O saprfito que, no homem, em geral, produz o cncer o espiroqueta. Por


que isso? Este o menos exigente, o mais paciente e contemporizador. Fica escondido
durante anos, durante geraes inteiras. Sem bulha, adapta-se, e raro que organize ataques.
O organismo que o hospeda no teme a fraude que ele esconde, e portanto no reage como o
faz contra os outros saprfitos, mais vivazes e esfaimados, espreita entre tecidos mais
altamente diferenciados, cujas sentinelas esto continuamente alertas. Mas a vida do
espiroqueta, ainda que reduzida, exala, no obstante, produtos txicos que lentamente
alteram o quimismo celular, a fsica nuclear, a prpria estrutura dos tomos da molcula
protoplasmtica, e bem assim o potencial magntico e radioativo, negativo e positivo, da
clula inteira.

Ora, a clula de um organismo policelular que esteja em perfeita sade,


como uma cidadela fortificada, cujo muro de cinta no permite invaso de elementos
heterogneos. Mas, quando na luta enervante contra o saprfito, se tenha gasto e relaxado a
membrana celular; e quando o prprio saprfito, por fora da luta mesma, se tenha
gradualmente enfraquecido, at perder suas tendncias evolutivas e agressivas, achar-nos-
emos diante de duas substncias prolficas, j originariamente heterogneas, as quais quer
por constituio quase idntica, como a experincia o comprova, quer pelo recproco
contraste e adaptao, acabam achando-se, em seus agrupamentos atmicos, em estado de
equivalncia, em relao as leis que dominam os processos de fuso.

Dissemos equivalncia e fuso. Mas, a este propsito, h outro fato. O


espiroqueta de Schaudinn encerra uma cromatina nuclear idntica dos ncleos celulares,
especialmente no homem. H, pois, forte afinidade. Diz-nos Pfeiffer que: a causa da
neoplasmognese uma cromatina heterognea, trazida de fora por um portador de
cromatina; e que esta cromatina no homem exatamente a cromatina nuclear do espiroqueta
de Schaudinn. Este portador, ento, s pode ser o germe que habita permanentemente na
economia do organismo humano, no estado saprofitrio. legtimo pensar, ento que, em
conseqncia da contnua intoxicao, a cinta celular j bem defendida e fortificada para
deixar passar somente as correntes osmticas nutritivas homogeneizadas, possa relaxar suas
malhas tanto, que permita o ingresso cromatina heterognea, produto do saprofitismo
espiroqutico, qual a prpria clula se acostumou no prolongado contraste.
Tudo isso tende a um estado de semelhana, pelo qual os dois termos
contrrios acabaro fundindo-se em simbiose. Temos, com efeito, um contraste contnuo e
prolongado, durante o qual tanto o agressor como o agredido, no podendo alcanar uma
vitria plena e definitiva, acabaro por adaptar-se, em base lei da adaptao, atenuando
respectivamente sua energia agressiva e reativa. Tudo isto faz-nos pensar que o espiroqueta
tenha habitado no terreno orgnico humano desde a noite dos tempos e se tenha a
acomodado a ponto de ter caracteres confundveis com a substncia nuclear do
antropoplasma. E faz-nos pensar tambm que o contraste e a adaptao entre o plasma
humano e o plasma espiroqutico, prolongando-se por indefinido fluir de geraes,
constituam um fator de mais alta importncia para atingir semelhante fraternidade de dois
plasmas, de tal forma que desarranje a disciplina reprodutiva da clula orgnica.

Que acontece ento? Acontece a simbiose clula-micrbica. Teremos


simbiose de uma clula que no mais clula, com um micrbio que no mais micrbio;
isto , de dois elementos desindividualizados, que fundem suas cromatinas nucleares, at a
vitais, para dar lugar a um conglomerado nuclear que contm em si uma parte da substncia
nuclear celular, e uma parte da substncia nuclear do micrbio. Teremos uma neoclula, que
no perdeu, em absoluto a virtude reprodutiva, mas ao contrrio a sente exaltada pela
cromatina micrbica. Neoclula sui generis, hbrida, subordinada por uma substncia que
no tem nenhuma inteno de sujeitar sua tendncia ultra-reprodutiva s Leis do organismo
em que penetrou. Neoclula degenerada, que se rebela as leis s quais obedecem as clulas
sadias, em perfeita disciplina. Anrquica, no seio da ordem, procurar transform-la em
desordem, para arruinar toda a sociedade policelular qual se agarrou.

Forma-se assim a clula neoplstica, que constitui uma hibridao celular,


com caracteres semelhantes mas no idnticos aos da clulas. Nela esto fixados os
caracteres parentais da clula e do vrus, como esto fixados na esfera de segmentao, os
caracteres parentais do espermatozide e do vulo. Temos, assim, um clula simbitica
patolgica, com a mesma fuso e permanncia dos caracteres parentais, como acontece na
clula simbitica fisiolgica. Ou seja, temos na clula neoplstica uma fuso, como a que
ocorre com as clula prolgenas sexuadas, para formar o neoplasma fisiolgico, na qual a
operao dos elementos genticos, dada a fuso, se desindividualizam, iniciando uma nova
individualidade celular, em que permanecem, em potncia, os caracteres dos pais.

Eis como nasce o hbrido neoplstico, contexto celular todo sui generis,
que obedece a leis suas, no s do organismo em que se abriga, obedece primeiro quela
imposta pela tendncia ultra-reprodutiva do vrus. Por isso ocorre que, enquanto as clulas
dos organismos policelulares se reproduzem em proporo aritmtica, as monoclulas
micrbicas se reproduzem em proporo geomtrica. O prurido reprodutivo das primeira
contido pela leis rgidas centrpetas da associao e organizao, ao passo que nas segundas
ele extravasa soba elstica lei da reproduo, eminentemente centrfuga. Alm disso, a
reproduo celular constrangida dentro dos limites da configurao anatmica dos tecidos
e rgos, ao passo que a reproduo micrbica pode dilatar-se indefinidamente. Assim,
enquanto a clula orgnica, por memria ancestral, habituou-se disciplina, com a qual freia
o prprio mpeto reprodutivo, proporcionado-o s exigncias de toda a sociedade das clulas,
sob diretivas unitrias de um eu central, a clula micrbica, ignara de qualquer disciplina
finalstica coletiva, trata apenas de reproduzir loucamente, no sendo nisto vigiada por
nenhum poder coordenador. Esta observao confirma tudo quanto dissemos acima, em
relao ao controle dos nascimentos, ou seja, explica-nos como, numa humanidade
desorganizada e involuda como a atual, deve vigorar o princpio da prolificao livre e
incontrolada. E explica-nos como, numa futura humanidade orgnica e evoluda, a vida impor
uma disciplina ao mpeto reprodutivo, de modo que ele obedea s exigncias de toda a
coletividade.

Eis de onde deriva o cncer. Formada a clula simbitica pela unio de dois
elementos heterogneos e antagonistas, ela se torna a cabea do tronco genealgico de um
novo ser desmentado que, por sua origem, s obedece sua lei e finalidade, que no so de
maneira nenhuma as do organismo no seio do qual se desenvolve. Assim essa clula, pela
desistncia do organismo a reagir, gera uma populosa colnia celular, organizao
histolgica disforme, avulsa de unidade orgnica e inimiga dela. Este o cncer.

Para concluir, tiremos algumas conseqncias de tudo o que dissemos. No


existe, no pode existir e intil procurar, um micrbio no cncer. Nessa forma ele no
encontrvel materialmente, nem individualizvel, nem muito menos isolvel, como no so
encontrveis, nem individualizveis, nem isolveis, da esfera de segmentao, uma vez feita a
fuso, o espermatozide e o vulo, e bem assim suas respectivas cromatinas nucleares.
Segue-se da que a doena do cncer no pode considerar-se, em sentido absoluto, nem
infecciosa, nem contagiosa, ainda que nisso tome parte a cromatina de um vrus micrbico;
mas pode considerar-se doena degenerativa. O vrus jamais ser encontradio no contexto
do neoplasma, porque perdeu seus traos fisionmicos, se desindividualizou no longo
processo de homogeneizao da prpria substncia nuclear com a da clula. No mximo,
poder achar-se circulando na economia, no estado granular ultramicroscpico, sobretudo
durante a fase preneoplstica. assim que o espiroqueta, uma vez entrado na economia
orgnica, no sai mais dela, apesar dos remdios chamados especficos. Cessada a
sintomatologia reativa, ele perde o estado figurado toxnico e se transfigura para sempre no
estado de ultavrus txico, que polui permanentemente a economia do indivduo e de sua
descendncia.

Assim, a doena dada no pelo assalto atual de um micrbio, mas por uma
geral incapacidade congnita do organismo de defender-se, incapacidade j revelada, pelo
fato de ter o organismo permitido o estabelecimento dele e sua colnia inicial. A tragdia no
reside tanto, ento, no fato, de apresentar-se o tumor, quanto no ter sido permitido o advento
dele. Portanto, o problema cifra-se todo em saber-se colocar algum em condies de no
permitir esse advento. E vimos de que depende isso. A extirpao do tumor, por qualquer
meio que seja, no pode recompor a unidade vital em sua harmnica submisso s leis que
presidem ao equilbrio da economia normal. Nem o cirurgio, nem os raios X, nem o rdio,
nem outros medicamentos aparecidos hoje, podero fazer voltar um poder central decado e
incapaz de governar. Assim acontece com todos os governos fracos e ineptos, que o primeiro
sopro de revoluo derruba. Este o triste destino das sociedades civilizadas que se
tornaram, como a nossa, insensibilizadas e anrgicas em suas virtudes reativas,
discrasizadas pelo materialismo edonstico e tendente ao paganismo, poludas em tudo o que
surge no esprito por saprofitismo psquicos, que ecoam no plano orgnico com
saprofitismos celulares. indispensvel compreender que, no conceito unitrio da natureza,
mesmo se a cincia no admite isso, a sade dirigida tambm pelas qualidades de ordem,
equilbrio e sabedoria de um poder central, que em tudo se prende ao princpio orgnico da
vida. Isto reconduz-nos aos conceitos, com que iniciamos este captulo.

Entretanto, no devemos ser pessimistas. Muito j se pode fazer evitando as


causas determinantes do estado orgnico que predispem ao desenvolvimento da doena.
Isto , evitar os coeficientes fsicos e qumicos que deprimem o tnus vital dos tecidos, nos
pontos em que agem localmente, como caf, lcool, tabaco, muitos medicamentos,
substncias qumicas irritantes nos alimentos, traumas etc. logo que se deprime o tnus vital
celular, facilita-se a simbiose clulo-micrbica. Um regime de vida simples, so e regrado,
previne o cncer. Dissemos, no incio, que o cncer aumenta na proporo do afastamento do
viver segundo a natureza. Ele parece um produto da vida artificial da Civilizao. Nutrir-se de
acordo com a natureza e no por gula, com produtos genunos e no com produtos sintticos
farmacutico-industriais conservados. Evitar os medicamentos violentos da medicina
repressiva que, estrangulando ao nascer os processos morbosos agudos e desviando-os de
seu curso natural, deixam o plago humoral poludo e em tempestade, resultando da o
enfraquecimento da resistncia celular. Dessaprofitizar em tempo o terreno orgnico,
estimulando o organismo a combater a cilada permanente do saprofitismo endorgnico, de
modo que a clula orgnica no prolongado contraste com o saprfito, seja sempre vitoriosa e
no se precipite no estado de involuo que, coincidindo com o estado de involuo da clula
saprofitria, permite o aparecimento da simbiose e portanto a neoplastia. Trata-se de
combater a causa primeira do mal, isto , aquela fragilidade e morbilidade dos tecidos e
aquele particular qumio-fsio-tropismo que lhe preparam o terreno.

Mas h outro fator importante, e o elemento espiritual. Tudo conexo, no


universo e tambm no composto humano, feito de alma e corpo. Chega a admitir nossa
cincia materialista que a psique deriva da matria do corpo, e no ao contrrio. Ns, ao
contrrio, no podemos deixar de admitir o poder da psique, formadora, diretora e
conservadora do corpo, tanto no que diz respeito ao aparecimento e ao prprio propagar-se e
difundir-se dos estados morbosos, como no que relaciona ao mais ou menos rpido
desaparecimento dos fatos patolgicos. Assim, pode-se afirmar que a psique pode fazer
adoecer o rgo sadio, como pode curar o rgo doente. Ainda que a biologia queira explicar
todos os fenmenos, mesmo espirituais, s com o mundo fsico, permanecem demonstradas
estas nossas afirmaes por todo o sistema desenvolvido na nossa obra. Aquele princpio
vital, imaterial e impondervel, que a alma, tudo, porque sem ela a matria seria incapaz de
agregar-se em organismos vivos. Para ser positiva, a cincia apega-se experincia. Mas o
que dirige a experincia a sua razo interna, seu finalismo, que lhe guia o processar-se,
um conceito que pertence ao esprito. Sem esse conceito que o ilumine e que nos revele a
alma do fenmeno, este no tem significado. A experincia precisa ser interpretada por meio
do engenho, que foi definido: a faculdade de unir e reduzir unidade comum, coisas
separadas e diferentes (G. B. Vico)

Em muitos casos, seria necessrio comear curando a alma. Por esses


caminhos, hoje desusados, a terapia futura poder curar muito mais doenas do que hoje se
possa imaginar. Mas isto no exclui que, paralelamente, a nova cincia sutil das ondas e
radiaes, com que ela mesmo se vai encaminhando para o reino do esprito, possa achar a
estrada que beneficiar e salvar tantos pobres seres sofredores.

Concluindo, depois de haver tratado no presente volume de vrios problemas


sociais, tanto materiais como espirituais, quisemos tratar neste captulo, de outro assunto que
tem grande importncia para todos, qual seja, a terapia em geral e, no caso particular, a
gnese do to espalhado cncer, doena da civilizao moderna. Os mais diversos temas,
todos palpitantes de atualidade, foram aqui tratados com os mesmos princpios do nosso
sistema, e assim as questes mais dspares, reconduzidas unidade, isto , quele Monismo,
que o conceito central da Obra.

Quisemos assim aplicar vida prtica de cada dia os princpios do sistema


desenvolvido nos volumes precedentes, e agora transportado ao terreno atual das
realizaes.

A TEORIA DA REENCARNAO

( 1a Parte)

Seria loucura acreditar que o exame, que neste volume procedemos, das
condies atuais do mundo, possa ser suficiente para modific-lo e salv-lo. To vasto
fenmeno no poder ser feito seno pelas poderosssimas foras, que s Deus pode
dominar. Ns, desprovidos de todo poder, somos apenas simples observadores. Mas
conseguimos ascender, por meio da inspirao, a uma torre, de que so vistos os longnquos
horizontes. Pudemos assim narrar aos que em baixo haviam permanecido, que aquelas
poderosssimas foras que esto nas mos de Deus, esto prontas a mover-se, e qual a sua
direo; e tambm as razes e o significado de tudo isso.

Se a crtica, por vezes, parecer um pouco spera, no foi para condenar do


alto da ctedra, nem to pouco para ofender; mas apenas para, fraternalmente, explicar que
num sistema, guiado pela perfeio e sabedoria de Deus, a causa de tantas dores nossas s
pode estar em ns mesmos, e so at poucas, em relao ao que merecemos. Se o homem,
com o seu esprito rebelde, fosse dado o poder, ele tentaria destruir o universo; e sem a
providncia de Deus que tudo guia, qui conseguiria destruir seu planeta. O fato que
estamos ainda em baixo, muito em baixo, na escala evolutiva. E baixo quer dizer, mais
prximo do plo negativo, representado por Satans e pelo caos, do que do plo positivo
constitudo por Deus e pela ordem. O fato de que, na Terra, domina a lei de seleo do mais
forte isto , da ascenso por esmagamento demonstra quanto ainda estamos vizinhos do
plo negativo, ou seja, do princpio satnico da revolta, pela qual s vence quem mais forte,
nesta posio s avessas, da rebelio. natural que esse mundo, visto dos planos mais altos
como quisemos fazer neste volume parea infernal, ou seja, um lugar a que almas baixas
venham, condenadas a viver a por expiao. No possvel aqui a felicidade seno do modo
precrio e como uma forma de inconscincia. A felicidade consciente, causada pela chegada
do ser plenitude do conhecimento da prpria harmonizao na ordem divina, s pode
aparecer nos mundos superiores.

Se observamos as caractersticas das vrias formas de vida, em relao


altitude dos diversos tipos biolgicos na escala evolutiva, veremos que nosso mundo
pertence mais aos planos infernais que aos paradisacos. Poder haver no alm, em outros
ambientes, infernos ainda piores. Mas o terrestre suficiente para nossas foras. Aqueles que
merecem um pior, no tenham pressa, eles o acharo.

Que o inferno e que o paraso? Pela queda, de que nasceu nosso universo
material, o princpio da unidade que lhe constitui a base podia ser emborcado, mas no
destrudo. Resta assim por toda parte um vnculo entre todos os seres. No alto, esse vnculo
que une o amor, em baixo permanece ele, mas s avessas, como dio. Num todo orgnico,
nem um ser pode viver isolado. No paraso, isto , nas fases biolgicas mais evoludas, para
as quais caminhamos, esto os seres abraados para amar-se e fazer o bem, que a todos d
alegria. No inferno, ou seja, nas fases biolgicas menos evoludas, de que provimos e em que
nos achamos ainda, abraam-se os seres para se estrangular, para fazer o mal mutuamente, o
que dor para todos. Anttese perfeita, avesso completo, que, com a evoluo, se vai
endireitando. No paraso, a vida de um condio para a vida do outro. No inferno, a morte de
um condio para a vida do outro, e ao contrrio. No mundo dos animais, com efeito, a
carne de cada ser alimento para nutrir outro, a derrota de um a vitria do outro. Princpios
estes que todos conhecem bem e que, no mundo humano, s mudam de forma,
permanecendo os mesmos na substncia. De fato, regulam eles a seleo sexual, a conquista
da vida, o xito em cada coisa; representam o mtodo para chegar s riquezas, aos gozos,
glria, ao poder.

Assim, o paraso o reino da ordem, da harmonia, da paz. O inferno o reino


do caos, da dissonncia, da guerra. Quem vive em estado paradisaco, ama o prximo. Quem
vive em posio de inferno, odeia e mata o prximo. Isto porque, no paraso, a vida de um
aumenta a vida do outro, ao passo que no inferno, a vida de um sufoca e ameaa a do outro.
Por isso o Evangelho, a fim de guiar-nos ao paraso, diz-nos: Ama teu prximo, enquanto no
mundo, infelizmente, com freqncia, se odeia o prximo, o que significa inferno. E como
poderia ser diferente, um lugar em que o prximo um rival natural, s vezes um perigo e um
inimigo a destruir? Como podia ser diferente um mundo em que reina o princpio da luta pela
vida e da vitria do mais forte, onde a lei : devorar ou ser devorado? No paraso, cada ser
nosso amigo, para ajudar-nos, e por isso a vida fcil. No inferno, cada ser nosso inimigo,
de tal forma que a vida bem dura. Mas isto lgico, porque, sendo o inferno uma posio de
negao de Deus, no pode isto ser seno a negao da vida e da felicidade que Deus
representa.

Pouco basta para compreendermos a qual dos reinos pertence nosso mundo.
Permaneceremos todos amarrados por uma cadeia de rivalidades, luta e terror, bem infernal.
E ningum poder negar que isto seja o resultado da lei vigente no mundo animal e humano, a
da luta pela vida e da seleo do mais forte, nem que esta seja a lei vivida pelo homem de
hoje. O indivduo, que consiga apenas superar sozinho essa fase animal, fica aterrorizado por
to completa ausncia de senso coletivo, necessrio para poder compreender e dar valor a
utilitarismos mais vastos e de to grande vantagem; fica aterrorizado pela estupidez deste
contnuo agredir-se um a outro; aterrorizado fica tambm, pela to grande ignorncia das
mais elementares leis da vida, razo pela qual se chega a acreditar no absurdo: que seja
possvel colher flores semeando veneno. As geraes mais civilizadas do futuro
compreendero o significado destas palavras.

Os cticos e os prticos podero rir de ns. No entanto, fizemos neste volume


uma vasta resenha das velhacarias humanas, demonstrando conhec-las, e demonstrando
que no somos otimistas por ingenuidade, mas por motivos positivos bem slidos. O mundo
deve caminhar para a colaborao, que o princpio do futuro: colaboracionismo sempre
mais amplo, porque a vida caminha para as grandes unidades. As virtudes atuais do vencedor
custa do prximo derrotado, sero desprezadas amanh, quando, ao contrrio, ser virtude
social a compreenso do prximo. Isto no fantasia, porque a vida em alguns pontos j
realizou esse progresso de unificao por colaborao, tal como nas sociedades celulares
dos tecidos orgnicos, como nas sociedades animais por exemplo, as das abelhas e das
formigas onde a cooperao desinteressada obtida com aplicao somente dos mais
simples princpios utilitrios, de acordo com a lei do mnimo meio. Puderam assim essas
colnias conquistar, como rendimento coletivo, resultados que a sociedade humana est
ainda longe de conseguir. claro, lgico que as leis da vida contm esse princpio, isto , a
tendncia a formar, pela cooperao, novas, maiores e superiores unidades biolgicas e a
humanidade ser uma delas. Tudo isso lei de progresso, e ningum poder jamais faz-la
parar.

O planeta Terra nosso campo de trabalho. Era caos. Cabe-nos a ns


transformar o inferno das feras no paraso dos anjos. Se soubermos evoluir, esse paraso ser
nosso. Se o no soubermos, ficaremos no inferno at que queiramos evolver. Se soubermos
realizar o trabalho de transformar o caos em ordem, essa ordem, depois, ser nossa. Se
soubermos transformar a atual ferocidade em bondade, ser para ns, depois, essa bondade.
O inferno existe, mas no uma vingana de um Deus cruel. Esta uma concepo que o
homem criou, porque estava proporcionada e mesmo adaptada sua mentalidade. Para
induzir este tipo de homem a no praticar o mal, ocorria uma idia de pena eterna, to
aterradora para ser proporcionada sua pouca sensibilidade: bem aterradora em vez de
racional, no importa se absurda, porque no ser aparece o medo antes da razo. O inferno
verdadeiro, realidade indiscutvel, o que criamos por ns mesmos, e que temos debaixo dos
olhos. No , pois, uma verdade de f, mas uma tremenda verdade cotidiana. E positivo,
pelas leis biolgicas que, com um pouco de inteligncia e boa vontade, possamos sair desse
inferno, isto , destru-lo na terra, para substitu-lo por um estado que se avizinhe do paraso.
Um s o grande problema: evoluir.

Por mais que se queira ting-la de civilizao, certo que a nota fundamental
de nosso mundo o esprito de domnio e de ferocidade, que persiste, por atavismo tenaz, em
nossa formas de vida. Essa ferocidade, todavia, tanto mais se torna perceptvel e salta aos
olhos, quanto mais se vai o homem sensibilizando por evoluo. Esse o inimigo que est em
ns e que em ns precisamos vencer. Tal a lei satnica do caos, lei de luta, desordem e
dio. Mister acordar de novo nosso eu involudo, at sentirmos como, pelo contrrio, a vida
vibra de outras foras, que nos parecem no existir, s porque ainda no conseguimos
perceb-las. Revelam elas, entre ns, a operante presena de Deus. Verifica-se, ento, uma
transformao milagrosa, e tudo muda. isto possvel, porque tudo o que conhecemos, se
nos revela s em funo de nossas capacidades perceptivas. Poderemos ento compreender
ser verdadeiras palavras to estranhas como estas: A privao e a dor no so, em realidade,
aquela derrota que parecem ser em nosso mundo de ferocidade. Mas se Deus, presente como
bondade e amor, nos tira qualquer coisa e por isso nos deixa sofrer, s para fazer-nos subir
e depois dar-nos mais, em plano mais elevado, em forma de alegria maior. E isto possvel,
porque a dor a experincia que mais amadurece a alma e afina nossa sensibilidade, de
forma que possa assim gozar vibraes que antes no podiam ser percebidas. Poderemos
assim, pois, imergir-nos consciente na divina harmonia universal. Entraremos ento no reino
do paraso, porque sentiremos o paraso nascer dentro de ns.

Dir-se-, entretanto: como poder dar-se a evoluo, transformar-se o inferno


em paraso, como poderemos ns mesmos recolher o fruto de nossas fadigas? Afirma-se que
viveremos em nossos filhos. Mas isto sobreviver de modo genrico, sentimental e potico,
ao passo que o homem, justamente utilitrio e portanto calculador, quer um resultado
concreto, prprio e individual. Um instintivo sentido de justia exige, mesmo, que a cada
particular fadiga corresponda um proporcional resultado particular. O problema do paraso,
isto , de nossa felicidade, como todos os problemas humanos, um problema individual,
antes que seja um problema coletivo. A soluo do segundo s pode ser a conseqncia da
soluo de muitos casos do primeiro. Recorre-se em nossos tempos, ao invs, a mtodos e
sistemas exteriores, que permanecendo no exterior da superfcie e da forma, resultam
inadequados, porque no penetram na substncia. Inadequados, porque a soluo da questo
econmica, mesmo elevando o nvel de vida que sem dvida grande coisa no
suficiente para resolver o problema da felicidade, em que entram os fatores mais dspares.
Podemos ser ricos, e faltarem-nos coisas indispensveis e preciosas, como a inteligncia, a
vontade, a sade, a bondade, os afetos, e assim por diante. O lado econmico apenas um
dos elementos do bem-estar, e a felicidade depende da cooperao de todos. E ningum
poder, nesta nossa terra, em que no existem duas coisa iguais, impedir que existam
diferenas entre um homem e outro. Mesmo se todos estivessem economicamente nivelados,
disparidades intrnsecas da natureza de cada um, os colocariam de imediato em posies
sociais diversas, segundo suas qualidades! Isto pertence s leis da vida, e ningum poder
imped-lo.

Ento, o problema da felicidade mais que econmico e social, se nos revela


antes como um problema de destino individual. E at a posio econmica, seja herdada ou
adquirida com o prprio trabalho, reduz-se ento a uma questo de destino, isto , de
qualidades pessoais, conquistadas por ns mesmos no passado, ou seja, de merecimentos
ou desmerecimentos prprios. Ento, a repartio econmica no mundo aparece-nos, como
uma conseqncia de uma justia moral, de uma justia mais alta, de Deus, segundo nossas
obras, da qual sobrevm todas as posies favorveis ou contrrias, de satisfao ou
privao na vida, em todos os campos, seja riqueza, como inteligncia, sade, afetos etc.
problemas que so completamente ignorados nos projetos humanos da justia econmica: e
todavia problemas reais. Limita-se o homem a ver que h ricos e pobres, e quisera remediar o
desnvel igualando-os. Mas saber ele porque se formaram essas diferenas e porque mal
suprimidas tendem logo a formar-se de novo? Porque um indivduo se acha, por
determinadas circunstncias exteriores, em dada posio, e outro em outra?

Do problema do destino j escrevemos bastante em outras obras,


especialmente no fim do volume A Nova Civilizao do III Milnio. Mas isto implica na
soluo tambm de outro problema, o da reencarnao. Indiretamente, essa soluo foi
admitida e suposta em sentido positivo em todo o desenvolvimento da nossa primeira Obra,
se bem que no fosse o problema tratado at aqui com explcita referncia. Entretanto,
iniciando esta nossa Segunda Obra, era necessrio tratar de propsito e em particular de um
assunto de to grande importncia. Fazemo-lo, pois, agora, especialmente porque depois de
havermos navegado to longamente pelos mares do conhecimento, s agora podemos dispor,
a favor da tese reencarnacionista, de solues j adquiridas em concomitantes problemas
menores, de pontos fixos j demonstrados, ou seja, prontos j para serem utilizados a tal fim.
Fazemo-lo agora, j num estgio mais avanado, quando o leitor que percorreu o caminho dos
volumes precedentes, pode ter assim alcanado conosco muitas concluses de problemas
mais particulares, que so necessrias para atingir esta, maior e mais complexa. Fazemo-lo
agora, porque a reencarnao tambm um problema social e nos explica como cada um de
ns volta a esta Terra, para colher o fruto, bom ou mau, de quanto precedentemente tenha
querido semear de bom ou de mau. Em outros termos a transformao do inferno em paraso,
na terra, tornada possvel e compreensvel atravs do fenmeno da reencarnao.

Faamos antes algumas observaes de carter geral. Na Europa, a teoria da


reencarnao, penetrou vinda da sia que a professa, atravs da Teosofia. Tendo em vista
que apenas culta minoria dos estudiosos se interessa por esses problemas, ficando as
massas indiferentes, o catolicismo no tomou posio de franco antagonismo contra tal
teoria. Afirmam sacerdotes cultos que a questo ainda no foi definida nos conclios e
portanto opinvel, isto , sujeita a diversas opinies. Outros pensam diversamente, conforme
sejam por temperamento prprio levados a simpatizar ou detestar a teoria. Sendo este um
problema de que poucos, relativamente, na Europa, se ocupam, e no sendo doutrina
dominante de outra religio, o catolicismo no se preocupa, naquele continente, de conden-
la expressamente. No indiferentismo geral em relao aos problemas religiosos, ainda que
algum catlico nela creia, ningum com isso se preocupa, uma vez que isto no lesa a
ningum interesses materiais, e que por tanto no so levados a reclamar.

Na Amrica do Sul, e sobretudo no Brasil, interessam-se as massas por essa


doutrina, dado que faz parte integrante do espiritismo de Allan Kardec a difundido. A teoria
da reencarnao de clareza to intuitiva e de logicidade to evidente que, da mesma forma
que a existncia de Deus, no sentimos necessidade at agora de ocupar-nos dele
diretamente, tanto mais que esta teoria est subentendida em cada pgina da Obra e implcita
na soluo de cada problema. A melhor demonstrao de uma teoria no demonstr-la, mas
mostrar-lhe os resultados positivos a cada passo. A melhor demonstrao do fato de que
temos pernas ser o caminhar, sem recorrer a dissertaes comprobatrias sobre a
existncia e uso das pernas. Alhures2 prometemos que daramos provas decisivas desta
matria, e eis-nos a cumprir a nossa promessa.

A melhor prova que podemos dar da teoria da reencarnao a seguinte. O


sistema de toda nossa Obra, j se pode agora verificar que resolve harmnica e logicamente,
fundindo-os num todo orgnico, os maiores problemas do conhecimento. Problemas
menores, no diretamente tratados, tm a soluo implcita no sistema que lhes d a chave.
Posto isto, estamos autorizados a crer que este sistema corresponde realidade dos fatos.
Qualquer problema, mesmo os no diretamente tratados, de possvel soluo no sistema,
com os mesmos princpios e o mesmo procedimento por ele aceitos. Apresenta-se-nos o todo
como um edifcio completo em cada uma de suas partes, das suas origens no Absoluto at os
particulares no contigente, apresenta-se-nos como um organismo em ao, em que cada
componente est em seu lugar, bem coordenado com o outro, mediante justa funo e mata a
atingir. O todo regido por to simples e evidente lgica, que instintivamente persuade, tal
como os conceitos axiomticos que aceitamos todos sem discutir. O todo coligado e
fundido num monismo absoluto, ou seja, estritamente unitrio, reduzvel a uma frmula
nica e constitudo por um s organismo em que se coordenam todos os fenmenos mais
dspares, desde os do mundo fsico aos do mundo moral. Ora, ou esse sistema verdadeiro,
ou o no . Se verdadeiro, temos a explicao racional de tudo. Se no verdadeiro, recai
tudo na confuso, na contradio, no mistrio. Se no quisermos escolher este segundo
caminho, temos que aceitar o primeiro.

Posto isto, verificamos que a teoria da reencarnao, se bem que no


demonstrada por ns at agora especificamente, dada sua evidncia que fazia parecer
suprfluo o trabalho, o ponto-chave, a pedra angular de todo o edifcio, que sem ela cairia.
Mesmo se a teoria da reencarnao no ressaltasse por si mesma de lgica evidente,
devemos admitir que se no poderia dar a essa incgnita da equao, outro valor que o da
reencarnao, pois todos os fenmenos, concordes com a lgica mais cerrada, nos dizem que
esse X s pode ter um significado no sentido reencarnacionista. S esse valor pode colocar-
se neste ponto do organismo lgico do todo. Com efeito temos dois casos: ou incgnita se
d esse valor, e ento continua tudo a ser logicamente explicado e resolvido at o fundo, sem
resduos; ou se lhe d outro valor, e ento, qualquer seja ele, tudo permanece insolvel e
incompreensvel. Com isto no queremos diminuir a importncia daquilo que foi maravilha no
seu tempo, a teologia de So Toms. Mas ele no podia situar os problemas por ns hoje
situados e que o mundo moderno resolve com a cincia. Ningum poder dizer num universo
em marcha, que deva ser aquela a nica, ltima e definitiva teologia de um mundo que, por
fora das circunstncias, deve e quer progredir.

2
Conferncia na Federao Esprita do Estado de So Paulo 5 de Outubro de 1951
Vimos que o conceito da evoluo a espinha dorsal de todo o sistema,
como segundo tempo da subida aps a queda3. No podemos parar na simples evoluo da
forma, no sentido Darwiniano. Pois esta mesma s se explica como evoluo do princpio
espiritual que rege todas as formas, do qual estas so expresso. Por aqui se compreende a
utilidade da dor ao lado da bondade de Deus, e tantas outras coisas. Suprimamos esses
conceitos e cairemos num caos de contradies, em que triunfa no Deus, mas o mal. Ora,
evoluo espiritual s pode significar reencarnao. S a eterna existncia de um eu pessoal
pode permitir seu progresso, sua responsabilidade e correo pela dor. Fora desse ponto de
vista, a estrutura orgnica do todo perde seu significado e a grande marca para a redeno
em que tudo caminha, perde sua meta. A eterna existncia de um eu pessoal imposta ainda
por sua intrnseca natureza divina; isto quer dizer reconhec-la e respeit-la, porque tudo o
que divino no pode ter princpio nem fim.

O eu nascendo na Terra, representa desde os primeiros anos uma


personalidade sua, j definida em seus pontos essenciais, que jamais podero os anos
modificar completamente. Se quisermos atribuir uma lgica e justia ao fato, de que
nascemos em posies e com qualidades to diferentes, temos que admitir que isto a
conseqncia de um passado prprio e individual que, em virtude do princpio universal de
causa e efeito, nos acompanha em suas conseqncias. Se assim no fora, outra coisa no
nos caberia, seno declarar esse fato como injustia e recair nas trevas do mistrio. Mesmo
os animais nascem com instintos, como os homens com suas qualidades pessoais. Quem fez
isto? No, a obra de Deus criador no pode ficar merc dos atos sexuais de tantos
inconscientes, para fornecer almas quando a estes mais agrade.

Alm disso, deve haver proporo entre causa e efeito. Ento, no possvel
que uma causa limitada no tempo (uma s vida) possa produzir um efeito de natureza
ilimitado (eternidade). Essa causa s poder produzir um efeito a ela proporcional, da mesma
ordem, isto , limitado por natureza. Ora, um pedao de tempo e eternidade, ou seja, finito e
infinito, so entidades de ordem diversa. A eternidade jamais se poder conseguir somando
nmeros finitos, por maiores que sejam, de unidades limitadas de tempo.

Ademais, se no quisermos negar a eternidade do esprito aps a morte,


temos que admitir em paralelo sua eternidade antes do nascimento. O universo um
organismo equilibrado. No pode haver balana com prato de um s lado. No pode existir um
semicrculo sem um correspondente, inverso e complementar que o complete, que uma
mesma quantidade seja avalivel, de um lado em termos de infinito e de outro em termos de
finito, isto , que possa no ter fim o que teve princpio, um desequilbrio inadmissvel, um
absurdo lgico e matemtico. O universo todo lgico. No se pode ser eterno s de um lado,
isto , s no futuro. Se quisermos admitir a sobrevivncia da alma, mister situar a vida
humana entre duas entidades da mesma natureza, entre duas entidades equivalentes, uma no
passado e a outra no futuro. Como uma linha, limitada de um lado e ilimitada de outro,
somente uma parte ou seo da linha que s completa se concebida como ilimitada e
infinita de ambos os lados; assim a existncia do esprito no tempo, limitada de um lado (pelo
nada do qual teria nascido) e eterna do outro, apenas uma parte ou seo de toda a vida do
esprito, que s completa, se concebida como eterna dos dois lados (passado e futuro,
infinito negativo e infinito positivo). Ento se quisermos dar vida um princpio com
nascimento, necessidade temos de dar-lhe um fim com a morte, como o fazem os
materialistas. O que nasce deve morrer. Somente o que no nasce no deve morrer. Se no
quisermos dar vida um fim com a morte, no lhe podemos dar um princpio com o
nascimento. No h que fugir: se a alma foi criada no momento do nascimento, deve terminar
com a morte. Se no termina com a morte, deve preexistir ao nascimento.

3
UBALDI, Pietro. Deus e Universo
Mas h outra razo em favor da reencarnao. Em nosso universo, a
existncia de cada ser toma a forma do tornar-se ou transformismo, de modo que existir
s pode significar tornar-se. Ora, fixar o ser num estado definitivo, no mais sujeito ao
caminho evolutivo ou involutivo, como o estado para sempre imutvel do paraso ou do
inferno, significa paralisar o tornar-se, que quer dizer paralisar a existncia, ao menos qual
a encontramos em nosso universo em evoluo e enquanto ele existir em tal forma. Se o ser
quer continuar a existir, deve pois continuar seu transformismo ou caminho evolutivo, mesmo
depois da morte, como nos indica a reencarnao. H um termo ao tornar-se, mas s no fim
do processo evolutivo, e com a perfeio atingida no regresso a Deus.

Os vrios grupos humanos podero sustentar o que quiserem segundo seus


interesses. Mas a reencarnao uma verdade biolgica positiva, que hoje pertence j a
cincia; fato objetivo independente das afirmaes de qualquer escola ou religio. A essa
doutrina se refere o prprio Evangelho, que sem ela seria incompreensvel em vrios pontos.

* * *
Procuremos encarar o problema mais de perto, em seus pormenores. No
basta, s vezes, que verdadeira seja uma teoria para que se possa apresent-la a todos. Pode-
se ento assistir, nos pases reencarnacionistas ao triste espetculo da caa ao prprio
passado, feita como um jogo, por leviandade e curiosidade v, s para saber quais foram as
prprias encarnaes anteriores. Afirmar a teoria como princpio, significa sustentar uma
verdade.. abandonar-se a uma pesquisa de advinhos, na qual pode-se esconder o orgulho e
dominar a fantasia, , pelo contrrio, mais condizente a desacreditar que confirmar a teoria da
reencarnao. Muitos, com efeito, pretendem rever-se de preferncia no nos comuns
desconhecidos, mas em personagens histricas, o que pouco provvel, pois estes
representam muito poucos lugares vagos em relao ao nmero de pretendentes. Verifica-se
o caso de vrias pessoas vivas afirmarem ter sido a mesma personagem do passado. E tudo
isso feito sem possibilidade de controle; mas elementar e mesmo regra de honestidade,
que se no tenha o direito de fazer nenhuma afirmao gratuitamente, isto , quando no se
no possam aduzir provas tanto para os outros como para si mesmos. Assim, o povo simples
e fantasioso, ainda que sem malcia e certamente de boa f, pode construir lendas destitudas
de qualquer fundamento e s a base de vagos indcios, hipteses e elementos incontrolveis.
A teoria da reencarnao uma coisa sria e no deve ser usada para satisfazer v
curiosidade. Quem chega a ter intuies a respeito, estude a si mesmo, faa pesquisas
ntimas para conhecer-se e reconstruir a histria de seu destino, para melhor trabalhar de
acordo com a lei de Deus. Mas bom no divulgar isto, ao menos at achar confirmaes em
provas positivas, por todos aceitveis.

Assim, igualmente prudente se deveria ser na pesquisa das causas que


justifiquem o atual destino e condies de vida de outrem. Aplicando a lei dos opostos, isto ,
o princpio geral de que cada abuso gera carncias, fcil imaginar que cada privao e dor
presente seja a conseqncia de um excesso passado em sentido contrrio. Mas, se este o
princpio, no nos autoriza a julgar o prximo em casos particulares, pois muitas so as
formas de reao da Lei e muitos os elementos que nela concorrem. Nosso julgamento ser
tanto mais inoportuno, quanto mais tender a transformar-se em fcil condenao e a libertar-
nos do dever da piedade e da ajuda. No aproveitemos desgraas do prximo, s para nela
ver justa punio da Lei, pois assim ns tambm nos tornaremos culpados. Recordemo-nos
ainda de que se trata de afirmaes gratuitas que, se so aplicaes de princpios gerais
correspondente verdade, no oferecem em cada caso particular, nenhuma possibilidade de
controle, e, portanto, podem ser puro trabalho de fantasia. Ningum pode dizer com
segurana que aquelas culpas com que explicamos as dores de algum, tenham sido de fato
por ele cometidas.
Entretanto, no se pode desconhecer o bem que faz essa teoria a qual, de
forma mais convincente que a das penas eternas, mostra de modo prtico e prximo a ns
como tudo se paga neste mesmo mundo, com as dores que conhecemos, explicando-nos a
presena dessas dores entre ns com uma exata proporo ao mal cometido, com lgico
reverso de posies como um instintivo sentido de justia nos diz que deve ser. Assim, o
pagamento do erro se faz de forma tal que todos possam ver em ao, na vida prtica, bem
como em forma especfica e estritamente pessoal. S assim podem explicar, de acordo com a
justia de Deus, tantas injustias aparentes; e dessa forma resulta a dor como guindada
funo benigna de escola e de prova imposta por um Deus bom, s para nosso bem. este o
nico modo de poder conciliar o fato de tantas vidas desgraadas, com a bondade e justia de
Deus. Os outros sistemas no resolvem o problema e, deixando-o envolto em mistrio,
tendem infelizmente a levar quem queira um pouco indagar e raciocinar, a tristemente concluir
com o absurdo da maldade ou, pelo menos, da insapincia do Criador. Ora, no podemos
negar que, por mais que se queira fugir da lgica no terreno religioso, esta tenha grande
importncia, tanta em si mesma como prova, quanto como elemento persuasivo e
tranquilizador que permite aceitar os fatos, especialmente os mais duros para ns, com mais
clareza e convico e portanto com maior sentido de obedincia. E a teoria da reencarnao,
no h que negar, corresponde lgica perfeita, em que cada elemento enquadrado na
forma mais simples e persuasiva. Deus lgico, opera logicamente, e o universo uma
construo lgica, um organismo racionalmente funcionando. Tudo o que se coaduna com
esta qualidade fundamental do sistema tem, pois, probabilidade imensamente maior de ser
verdadeiro, isto , correspondente realidade. A teoria do inferno eterno, considerada sem
paixo, com a finalidade de no concluir a favor de uma religio ou de outra, mas apenas de
conhecer a verdade, no se sustm diante da teoria reencarnacionista, ainda que possa ser
explicada como um terrorismo psicolgica, produto de tempos ferozes, necessrio para gente
feroz.. o inferno nasceu das trevas da longa noite medieval, bem explicvel, dada a dureza dos
tempos, como forma de psicose coletiva que invadira todas as manifestaes da vida, e
portanto tambm da religio.

Mas h outros fatos. A teoria da reencarnao est em harmonia com as leis


da natureza que conhecemos, como a indestrutibilidade da substncia, pela qual, se as
mudanas se operam s na forma, a personalidade humana poder mudar, mas no ser
destruda. Essa teoria a ampliao, no campo moral, da lei de conservao da energia,
estabelecida pelos fsicos. Enfim, s essa doutrina se coaduna com o que poderamos chamar
de hbitos fenomnicos do universo. Este costuma funcionar por ciclos e retornos, e nunca
por bruscas inovaes, muito menos por formao imediata de elementos novos, mas s por
lenta transformao dos j existentes. Tudo s ir nascer de uma precedente forma diversa,
em que ex-novo do desconhecido j existia. Essa idia da criao do nada e ex-novo, seja
para a alma como para qualquer outra individuao do ser, representa to flagrante
contradio com tudo o que normalmente acontece de fato e constituiria, na soberana ordem
do universo, uma to estridente desordem, que na lgica do sistema, nos apareceria como um
absurdo. Se a estrutura do existir, em nosso universo, repete sempre o modelo central ou
tipo, dado pela unidade interiormente cindida em dualismo, e portanto o ser no concebvel
seno em funo de seu contrrio, o no-ser; se tudo volta e torna a voltar e nasce dessa sua
volta; se tudo cclico, como poderia o existir, que sempre bi-polar, mesmo no caso da
pessoa humana, ser manco ou falho, s metade, sem a outra metade inversa e complementar,
nica que a pode tornar completa?

Quebra-se assim o equilbrio e a prpria continuidade fenomnica, que um


fato fundamental da nossa cotidiana experincia. S o fenmeno da vida humana, s esse, iria
de encontro corrente seguida por todos demais fenmenos, e nos apareceria assim
desconexo deles, como desligado do fenmeno semelhante da vida de todos os outros seres
que, no se sabe a razo, sendo igualmente vida, seriam regidos por lei diversa. No haveria
neles um princpio espiritual. Mas sem a indestrutibilidade e eternidade deste, para todos, que
centro conservaria as experincias da vida, onde acumularia o patrimnio dos instintos e
qualidades adquiridas, como seria possvel o aperfeioamento longo e lento que constitui a
evoluo? Como pode um inseto evoluir com uma vida de apenas poucos meses? Que pode
ele aprender e registrar? E no entanto, vemo-lo nascer com uma sabedoria sua, que
suficiente para resolver todos os problemas da sua vida. Como pode um homem, numa vida
com a mxima mdia de 80 anos, aprender toda a sabedoria, exaurir todas as experincias,
adquirir mritos ou demritos da tal envergadura e valor, para produzir conseqncias
eternas? Mas o nosso universo um organismo de impulsos e movimentos proporcionados.
Uma causa to minscula no pode produzir efeitos to gigantescos, um timo de vida vivida,
muitas vezes sem compreenso alguma, pode produzir conseqncias irreparveis e
definitivas. Em outros termos, no h unidade de medida que, ao mesmo tempo, possa servir
par medir o finito e o infinito. Como se v, se abolirmos a teoria da reencarnao,
demoliremos todo o sistema construtivo da evoluo, e tudo rui no absurdo, ao invs de
formar um organismo lgico.
Como Einstein pde s com processos de lgica matemtica, atingir
concluses que depois a observao e a experincia confirmaram, assim podemos apenas
pelos processos da lgica e do raciocnio, chegar a demonstrar uma verdade da teoria da
reencarnao, espera que a observao e a experincia confirmem nossas concluses,
mesmo se hoje no for isto possvel faltando cincia meios positivos para dominar e
penetrar tais fenmenos. Entretanto, acontece um fato importante: a teoria da reencarnao
sai do terreno emprico das religies e da f, para entrar no positivo da cincia. A
demonstrao racional o primeiro passo, o controle experimental ser o segundo. Por
controle experimental, entendemos mtodos de observao positiva, cientificamente exatos,
submetidos a controle severo, apenas possveis quando as cincias psicolgicas e sobretudo
das radiaes estiverem mais desenvolvidas. Aqui podemos apenas dar o primeiro passo,
mas este suficiente para indicar em que direo dever dar-se o segundo. O atual mtodo
fidestico til e necessrio para as massas apenas pelos processos de lgica e raciocnio,
merece pois o nosso mximo respeito. A f no suficiente, porm, para explicar e impor ao
mundo essa teoria, o que s pode fazer com a demonstrao e a experincia, isto , com os
meios da cincia positiva, aceita por todos.

A teoria da evoluo, em que se baseia o sistema das duas Obras que estou
escrevendo, teoria que o mundo admite, implica a conservao dos valores que o ser adquire,
atravs da experincia da vida. Vive-se para aprender e s o aprender valoriza o viver. Ora,
diz-nos a lgica que, sem reencarnao, a conservao dos maiores valores da vida
impossvel, porque lhes falta o fio condutor da evoluo. Ento, sem reencarnao, perderia o
sistema do universo todo o poder de recuperao, para corrigir sua imperfeio e voltar
perfeio, e a dor seria um tormento sem sentido, nem escopo til. Ora, no possvel to
flagrante contradio, logo no centro de um sistema que sabemos ser lgico e estritamente
utilitrio. absurdo que ele, em seu ponto mais vital, renegue seus princpios fundamentais.
Herdar todo o passado, sem que nada se perca de tudo o que se viveu, sem que nada se
desperdice desse trabalho fundamental ao qual foi confiada a reconstruo do eu, essa uma
necessidade absoluta e insuprimvel, porque sem ela no desaba uma religio, uma filosofia,
ou um grupo humano que lhes est conexo, mas desaba a lgica de todo o universo.

Estudamos o problema da hereditariedade no fim do volume A Nova


Civilizao do Terceiro Milnio. Vimos (cap. XXVII e XXVIII sobre a Personalidade humana)
que h dois tipos de registro, o recente e o atvico, o novo e o velho, isto , o que nos
fazemos e o que fizeram nossos ancestrais. Vimos que tudo se transmite, sem que a evoluo
no poderia dar-se. Vimos que duas so as foras de hereditariedade que funcionam como
canais de transmisso, ou seja, que ao lado da hereditariedade fisiolgica (pais-filhos) h uma
hereditariedade espiritual prpria, individual. Dois so, portanto, os caminhos aptos a
transmisso dos resultados das anteriores experincias: um caminho para as do corpo,
transmitidas atravs da carne, e outro para as do esprito, transmitidas atravs da alma. O
que nasce da carne carne, mas o que nasce do esprito esprito (Joo, 3:6). Assim, o
nosso ser que nasce, traz consigo no s uma memria biolgica, que guia a reconstruo do
organismo, repetindo sus histria celular continuada atravs da hereditariedade fisiolgica,
mas tambm um destino, que conseqncia do passado pessoal de cada um, por ele
semeado antes livremente e que agora o acompanha em forma de determinismo fatal,
transmitindo tudo isso atravs de uma paralela hereditariedade espiritual. Este ltimo
conceito est desenvolvido no cap. XXIV Nosso destino livre, do mesmo volume citado: A
Nova Civilizao do Terceiro Milnio.

Ento, duas formas de continuidade: a biolgica e a espiritual. A primeira para


continuar a estrutura atvica, o tipo biolgico j construdo, ainda que a ele acrescentado
contnuos aperfeioamentos. A segunda para continuar, no no plano biolgico, mas no
espiritual e moral, o desenvolvimento do prprio tipo de personalidade, de acordo com as
premissas j colocadas, a este trazendo novos aperfeioamentos. Achamo-nos sempre, nos
dois planos, diante do mesmo fenmeno, pelo qual sempre o passado que preside ao
desenvolvimento presente e futuro (Lei de causalidade). Deste modo, cada novo indivduo
nasce com seu destino biolgico, conseqncia de seu passado biolgico vivido na carne dos
pais; e com seu destino espiritual, conseqncia de seu passado espiritual, pessoalmente
vivido por sua alma. Dois destinos necessariamente sintonizados pela escolha (consciente ou
inconsciente) feita pelo esprito ao reencarnar-se, dois destinos influenciando-se
reciprocamente em seu desenvolvimento harmonizados, que se fundem, enquanto dura a vida
na Terra, num s destino. Poder-se-ia cham-lo um composto, um complexo fsico-espiritual,
de que depende o perodo de vida que o ser percorre em nosso mundo.

O primeiro germe destes conceitos est na Grande Sntese (Instintos e


Automatismos) e, em muitos outros pontos dos volumes que se seguiram, foram controlados
e desenvolvidos em harmonia com o sistema. Pode o leitor ach-los por si, quase a cada
passo da Obra. Trata-se aqui apenas de restringir as fileiras convergentes para as solues
finais neste captulo; trata-se de puxar as redes para concluir. Foram esses problemas
tratados l separadamente e diversamente enquadrados, em relao a outros pontos de
referncia e para alcanar outras concluses. Mas os observamos agora, aqui, em sntese,
para deles fazer a plataforma destas concluses em favor da teoria da reencarnao. Era
mister ter concludo esse longo caminho atravs de tantos meandros da fenomenologia
universal, para ter agora pronta, em mos, j alcanada, a soluo de tantos problemas
menores e mais particulares, sobre os quais, nesta fase de sntese, no mais possvel
determo-nos. S agora, nesta ltima fase, possvel pr de acordo as solues particulares,
fazendo-as convergir para uma soluo nica, que, a uma voz, constituda de muitas vozes
diversas e concordantes, de todos os lados nos repete: reencarnao. Para destruir esta
teoria, mister seria demolir muitas concluses j conseguidas, anular muitas solues que
nos satisfizeram e persuadiram. Trabalho longo, mas s assim podemos chegar s afirmaes
definitivas, bem como couraados por observaes, experincia, solues e concluses,
apoiadas em slidas bases que difcil ser abalar, porque seria preciso destruir um sistema
completo, que se demonstrou lgico e satisfatrio, porque resolve sem deixar resduos os
fundamentais problemas do conhecimento. Aqui, a reencarnao no apresentada como
fenmeno isolado que se prope e se resolve desligado e independente dos outros. Esta
teoria aqui se apresenta, no avulsa, mas em conexo com toda fenomenologia universal; no
como coisa per si, mas como pedra incrustada no edifcio do universo, o qual sem ela ruiria;
no como um corpo separado funcionando por si, mas como um rgo to vital, que sem ele
o grande organismo do todo no pode funcionar.

***
Mas focalizemos de novo, em particular, o problema da reencarnao. S esta
teoria nos deixa aberto o canal de transmisso dos resultados da experincia da vida.
Totalmente insuficiente a hereditariedade fisiolgica para os filhos que nascem, sobretudo
quando os pais so ainda jovens, e portanto possuem quantidade mnima de experincia a
transmitir. Para que pudesse ser transmitida aos filhos, ao menos a maior parte dela, seria
indispensvel que os pais gerassem em avanada idade, quase no fim de suas vidas. Ao
contrrio, a reproduo confiada aos jovens, mais aptos materialmente, e menos maduros
espiritualmente. A hereditariedade fisiolgica no pode, pois, ser o caminho para a
transmisso das qualidades intelectuais e morais que so as mais importantes. Deve ento
haver outro caminho que no possibilita a perda de nenhuma experincia.

Outra objeo surge. Rebela-se nossa mente ao conceito que a personalidade


do filho deva estar exclusivamente dependente da personalidade dos pais, sofrendo-lhes as
conseqncias de alegria ou dor, submetidos a causas estranhas a seus prprios atos, e
igualmente injustas por que no merecidas. Que um fato de tal monta, com cargo de
responsabilidades e conseqncias como um destino de alegrias e dores, deva depender do
capricho de dois seres que geram quando querem; que um fato to vital e importante tenha
que derivar da vontade s vezes de inconscientes; que o prprio Deus deva permanecer
disposio destes para realizar a criao de uma alma adequada, no momento por eles
escolhido; tudo isto representa tal contradio e absurdo na ordem do universo, que se torna
inconcebvel, para quem dele tenha compreendido um pouco o perfeito funcionamento.
Rebela-se a mente idia de poder algum pagar por culpas no exclusivamente suas.
Revolta-se totalmente o senso instintivo de justia se tiver que admitir que o nascer em
determinado ambiente, receber nele determinada educao, ter de assumir o tipo biolgico e a
carne, sadia ou enferma dos pais, com os instintos anexos, bons ou maus, o ter de herdar
condies de vida em que se basear o nosso destino, revolta-nos a alma ter que admitir que
tudo isso seja devido ao acaso, e esteja na dependncia da escolha sexual e do capricho dos
pais, isto , nas condies produzidas por outros e no estritamente nossas, pessoais. No
podemos acreditar nisto; o admiti-lo nos choca e ofende, porque de tudo isto pode resultar
uma existncia de alegria ou de dor, que nos pode tornar satisfeitos ou fazermos odiar a vida
at ao desespero. No se pode ficar agnstico e indiferente diante da primeira fonte de nosso
destino. E no podemos ficar persuadidos dos fatos gravssimos que disto resultam, e
portanto aceit-los, se no virmos que dessa fonte tudo nasce com lgica e justia. No
sendo assim, a conscincia dar razo ao instinto de revolta, acrescentando s tristes
condies de fato, o inferno na alma. Ento, no caso dos filhos destinados apenas aos delitos,
s doenas, dor, eles teriam o direito de amaldioar quem lhes deu uma vida triste, no
pedida. Ento a unio para gerar poderia antes aparecer como a associao de dois seres
egostas, que, por seu exclusivo prazer, podem impunemente cometer um delito em dano a
um terceiro, o filho incapaz de defender-se. E a lgica dos fatos autorizaria esta maldio a
dirigir-se at Deus, pois que ningum saberia justific-lo pelo fato de uma criao de almas
to diferentes e em to diversas condies, quando a justia exigiria que almas novas fossem
criadas todas iguais e ao menos assim o fosse ao nascer.

No sistema reencarnacionista o eu uma individuao eterna, personalidade


em formao pela evoluo, nica responsvel diante da Lei; personalidade que colhe em
bem ou mal, sob a forma de destino, o que ela quis livremente semear. S assim a ningum se
pode culpar, e em cada caso apenas aceitar e bater no peito, at alegando-se mesmo, porque
corrigido o erro e aprendida a lio com a prova, tudo se restabelece, na ordem que foi
violada e na alegria ansiada. Assim a mente compreende, e quem compreendeu pode aceitar
melhor e saber sofrer, sem culpar a outros, mas apenas a si mesmo; pode, suportando
melhor, adaptar-se sua dura posio de dor, quando sabe a funo corretiva desta. As idias
de punio e vingana excitam a revolta contra Deus, que ento aparece egosta e injusto. Na
realidade, todos ns somos filhos apenas de ns mesmos, e nossa posio presente
conseqncia fatal de nosso passado livre. Os pais nos do o corpo fsico, da mesma
natureza que os seus, mas no a alma. S nosso corpo de carne filho de sua carne; nosso
esprito, porm, filho apenas de suas prprias obras. o nosso eu que escolhe em que
ambiente nascer e, se o no sabe ainda fazer, nisto guiado pela sbias foras da vida.
evidente a todos que as crianas tm uma personalidade sua prpria desde pequenos. Esta,
desde o incio, bem definida, de modo que a seguir, mesmo delineando-se melhor nos
particulares, continua idntica e irremovvel em suas notas fundamentais. assim que o
gnio no se transmite, porque no filho dos pais. assim que entre irmos, se h
semelhanas exteriores, as personalidades so inconfundveis, e com freqncia so
diferentssimas. E se h afinidade entre pais e filhos, esta dada pelo corpo, resulta do
ambiente comum, mas sobretudo da necessidade de que as almas sejam afins, para que uma
possa avizinhar-se tanto da outra, que chegue a vestir-se com a mesma carne. Para revestir-
se com uma carne da mesma natureza, necessria uma sintonizao espiritual. Assim se
explica tambm, ainda que isto nem sempre se verifique, certa nota espiritual semelhante
entre pais e filhos.

As observaes em favor da tese reencarnacionista so muitas, porque com


ela tudo se explica, sem ela se confunde tudo. Se s houvesse o canal da hereditariedade
fisiolgica, depois de passada a poca da reproduo, que significado experimental teria a
vida no sentido da evoluo? Nenhum. Seria tempo perdido. Aprender-se-ia uma lio toda
terrestre, em funo da vida fsica, para usufruir um cio eterno num mundo espiritual, sem
corpo e sem a nossa matria, em um ambiente em que no se compreende como poderiam
ser utilizadas essas qualidades. Como pode uma experincia todo material servir de escola a
fim de preparar-se para uma vida totalmente espiritual? Quando somos jovens temos fora,
mas no a experincia. Quando somos velhos, temos a experincia, mas a fora e a vida
desaparecem. verdade que os jovens, vivendo, usam a fora para transform-la em
experincia. Mas essa experincia no usada na terra, porque sobrevm a morte; no se
transmite aos filhos porque nascidos h muito tempo; e, nos ambientes no terrestres, de
uso difcil. Para que serviria ento este conhecimento terreno especfico, se no se
regressasse terra, onde somente a, pode ele ser usado? E com efeito vemos nascerem
pessoas com qualidades inatas, atitudes instintivas de carter nitidamente humano, que s
podem explicar-se como resultado de um trabalho terreno precedente de construo. No h
outro modo de explicar-se isto, num universo em que nada se cria e nada se destri.

Mas com isto so explicados tambm outros fatos. Sem a reencarnao, a


vida dos solteiros estaria perdida para a evoluo. Se a continuao do processo evolutivo
fosse confiada somente hereditariedade fisiolgica, a vontade de qualquer um em
permanecer celibatrio teria o poder de intervir no corao da Lei e paralis-la em seu
processo mais substancial. A teoria da criao da alma no nascimento estritamente
individualista e ignora o importantssimo aspecto coletivo da vida, que considera cada um
como uma clula de organismos tnicos muito mais vastos. Permaneceria ainda o mistrio
dos que morrem crianas. Com a teoria reencarnacionista, no representa isto, seno uma
tentativa, sem xito apenas na carne, mas que o esprito pode recomear sempre com
melhores resultados, para prosseguir sua evoluo, e talvez at de modo mais eficiente, aps
haver superado isto, que pode ter sido uma prova ou nova experincia. Mas, com a teoria da
criao no nascimento e da vida nica, que significado teria uma vida, sem tempo de fazer
experincias, e com que direito pode ela pretender o mesmo paraso que os outros devem
conquistar duramente, com uma vida de renncias e dores?

Se a evoluo s atuasse pelo canal da hereditariedade fisiolgica, ento o


gnio, o super-homem, que so valores biolgicos maiores, deveriam ser os mais prolficos. E
ao contrrio, quanto mais evoludo o ser, menos tende a reproduzir-se. Quer ento a vida
perder seus maiores valores? No. Na realidade esses valores se transmitem por outros
canais, os da hereditariedade espiritual. E assim se explica como gnios e super-homens
renasam sem seguir os caminhos da hereditariedade fisiolgica. Se no houvesse
reencarnao, quanto mais fosse evoludo o indivduo, mais facilmente se perderia como
valor biolgico, tendendo a desaparecer da raa humana. Contradies e absurdos, que a
lgica da vida no pode conter. Ao contrrio, quem d tudo de si, colher o que semeou e
como o tenha semeado e, atravs de suas experincias, poder enriquecer a si e aos outros.
Nosso planeta o terreno que devemos cultivar, e conforme queiramos faz-lo um deserto ou
um jardim, aqui morreremos dilacerados ou repousaremos felizes, como resultado daquilo
que quisemos fazer.

A conscincia e o conhecimento instintivo com que nascemos, no uma


caracterstica nossa, genrica, igual para todos, mas um conjunto de qualidades
especficas, diferentes de indivduo para indivduo, do qual formam o carter particular e a
personalidade. Essas qualidades, pelo fato de se apresentarem aptas e proporcionadas ao
ambiente terrestre, onde deve justamente us-las o homem, demonstram um conhecimento
especfico das condies deste ambiente. Da deduziremos que devem ter sido a formadas e
no alhures, isto , serem frutos de uma experincia terrestre. Certo, sem dvida, que no
no cu que essas atitudes de ndole prevalentemente material, quase todas em funo e
dependentes da vida fsica, se podem haver formado. O esprito que guia os primeiros atos da
criana, demonstra saber retomar o caminho da vida material, dando provas de ter um
conhecimento j adquirido e possudo. Aderente s suas condies fsicas terrestres,
conhecimento nada metafsico, que possa fazer pensar numa direta e imediata filiao do
mundo altssimo do Absoluto divino. Esta poder revelar-se mais tarde, mas s em proporo
ao grau de evoluo atingido, isto , do caminho j percorrido ou da maturidade elaborada
atravs de longussima srie de experincias. Poder revelar-se mais tarde, mas s em
proporo ao trecho de subida que o ser soube realizar, para Deus, com o esforo prprio
pessoal evolutivo de redeno. Revelar-se-, pois em graus diversos e para os involudos, no
se revelar em absoluto; revelar-se- como resultado de uma conquista prpria e laboriosa,
em diferentes propores de acordo com esta, e no como um dom gratuito de Deus, dom
que, ento, a justia quereria que fosse igual e, mesmo que tarde, se manifestasse para todos
igual.

evidente que a alma que se encontra na Terra demonstra, por suas atitudes,
que provm de uma experincia terrestre e no celeste. Os meninos, guiados por um instinto
de luta, so turbulentos, audaciosos, levados a brincar com armas (conquista violenta). As
meninas, levadas pelo instinto materno, so tranqilas, afetuosas, inclinadas a brincar com
bonecas (cuidado dos filhos). E estas so qualidades da personalidade, no do corpo fsico.
As almas so diferenciadas segundo tipos diversos, e demonstram conhecer e saber aplicar
as fundamentais leis biolgicas, isto , a luta pela seleo do mais forte e a reproduo e
defesa da vida. A alma aparece na Terra como uma entidade fundida com a realidade
biolgica, e no como um produto abstrato metafsico. Dizem que as almas no tem sexo, e
isto verdadeiro no sentido terreno, mas possuem as qualidades que depois, na Terra,
formam o substrato prprio ao bitipo de um sexo ou do outro. Assim, no esprito macho
dominar o instinto de domnio, a inteligncia, a vontade; no esprito feminino a obedincia, a
intuio, o amor. As qualidades fundamentais que depois formaro o bitipo masculino ou
feminino, esto antes de tudo na alma que, embora no tenha sexo, dele possui os elementos
basilares. Vemos assim na Terra almas do tipo masculino encarnadas em corpos sexualmente
masculinos, da mesma forma que em corpos sexualmente femininos: e ao contrrio, almas do
tipo feminino, encarnadas em corpos sexualmente femininos, como tambm em corpos
sexualmente masculinos. E tudo isto, permanecendo na normalidade, sem que implique de
modo algum inverso sexual; mostra-nos isto que a personalidade espiritual independente
da veste orgnica que vem assumir no corpo. Um esprito dotado de qualidades viris assim
permanece, qualquer que seja o tipo de corpo que para si escolha, e assim para um esprito
dotado de qualidades femininas, mesmo mantendo-se eles no mbito da normalidade sexual,
de acordo com o tipo masculino ou feminino de seu corpo. Tudo isto explicvel e
compreensvel, porque a evoluo tende unificao da unidade quebrada no dualismo
universal, e neste caso formao de um bitipo completo, em que se refundam as duas
metades, macho e fmea. Para atingir essa reunificao, ambos os bitipos espirituais, com
as qualidades masculinas e femininas precisam atravessar todas as experincias, tanto do
prprio tipo sexual como do oposto, pois s assim, somando-se e completando mutuamente
suas complementaes. Podem fundir-se e assim formar o bitipo completo, em que
coexistem todas as qualidades do ser, e da a ciso, devida queda do sistema, pode resultar
sanada.

No se pode negar, e no-lo mostra a observao, que cada alma, encarnando-


se na Terra, traz consigo como um feixe de impulsos seus, que depois obrigaro sua vida
terrena a tomar esta ou aquela direo. Quantos acontecimentos em nossa vida tendem a
realizar-se como por fora prpria, impondo-se, nossa prpria vontade; e quantos, por mais
que faamos, jamais conseguiremos traduz-los em realidade! Vemos pois que a alma
encarnando-se, traz consigo um destino especfico, seu particular, que ser como o roteiro no
qual tender a realizar sua vida. Sem dvida, se o futuro sempre livre, o passado nele
marcou pontos fixos, de passagem obrigatria, dos quais se no pode fugir. E isto continua
verdadeiro, ainda que o cinzento dominante na maior parte dos destinos, constitudos de
pequenas coisas, o torne menos visvel. Mostra tudo isso que, quando nasce o homem, j
foram colocadas diante de sua vida premissas que depois difcil abalar. Se isto um fato de
observao, o senso da justia diz-nos que essas premissas devem ter sido postas por ele
mesmo. Essas premissas, partindo de seu primeiro estado espiritual, depois dinmico,
chegam em forma impondervel ao estado de impulso ou fora, e materializam-se nas
condies concretas de ambiente, constituio fsica etc., que formaro o tipo de cenrio em
que a alma viver sua vida, isto , o terreno sobre o qual se desenrolar sua vida.

Em tais bases se eleva a obra de construo do edifcio espiritual,


representado pelo desenvolvimento de uma vida. A cada indivduo est reservado um tipo
particular de experincia, cuja explicao e justificao se contm toda nas supras citadas
premissas sua vida. So suas as premissas, suas so as atuais conseqncias. Cada vida
um elo de uma longa cadeia de vidas. Estas vidas, reciprocamente, se completam, se
explicam e s se justificam, se vistas todas reunidas em conjunto. Isto porque a obra de
construo do edifcio espiritual, representado pelo desenvolvimento de uma vida, s um
momento da obra de construo de um mais vasto edifcio espiritual, representado pelo
regresso da alma a Deus. assim que s em sentido evolucionista e reencarnacionista se
pode compreender o significado da vida, de uma de nossas vidas, enquadrada assim no plano
do tornar-se universal. Solto da cadeia, cada um dos elos muito pouco nos diz, permanece
um caminho fracionado e manco, de que no podemos ver o desenvolvimento, a provenincia
e a meta na eternidade. Mas fundido na cadeia, nossa breve vida assume insuspeitados
significados profundos, expande-se at os mais longnquos horizontes, potencializa-se e se
acresce de novos valores, porque essa vida levada a contacto com suas mais longnquas
origens e com suas maravilhosas concluses, origens e concluses at ao plano altssimo do
Absoluto e da Divindade.

Compreende-se, ento, a ntima fora espiritual que anima o fenmeno da


evoluo; compreende-se o progressivo revelar-se da divindade sepultada, pela queda, no
profundo do ser, e lentamente acordada pelo choque das provas e da dor. Vemos ento a
substncia do fenmeno evolutivo, dentro da forma que ele anima; vemos o princpio
espiritual reger essa forma em cada plano do ser, desde a pedra at o super-homem; e
compreendemos que nada pode existir, seno enquanto for animado por uma centelha
proveniente de Deus. Mas se desa, porm, na escala da evoluo, mais este princpio
aprisionado, encapsulado, escondido na materialidade. E quando mais se sobe nessa escala,
mais se liberta esse princpio e se revela na espiritualidade. Nossas crianas tm o sentido do
bem e do mal, compreendem no plano tico conceitos incompreensveis aos selvagens que,
amorais, vo direto satisfao de suas necessidades e desejos, ignaros desse mundo mais
alto. Vemos como, com o progresso da civilizao, a alma humana vai sempre se
enriquecendo de qualidades. De que nasce, pois, o progresso, e como pode explicar-se sua
contnua ascenso com o tempo, se no como efeito das experincias da vida e do acumular-
se de seus resultados teis? Temos sob os olhos muitos fatos concomitantes: o desenvolver-
se de muitas vidas no tempo, o progresso das civilizaes, o desenvolvimento da
conscincia, o enriquecimento do esprito com tantas novas qualidades. Sem a reencarnao,
permanecem desconexos esses fatos, sem significado e sem explicao. Com essa teoria
ficam explicados, integram-se e convergem harmonicamente para a prpria soluo.

S com essa concepo possvel admitir-se a salvao de todos, porque h,


com abundncia, tempo para realizar experincias de todo o gnero. Ao invs, agora com a
teoria do inferno, parte dos seres j teria ido formar definitivamente o ncleo da revolta
eterna, isto , o tumor canceroso que para sempre manchar a obra da criao, tornando
assim definitivamente v e imperfeita a obra de Deus. No podemos absolutamente admitir o
absurdo representado por uma tal falncia. No. S com a teoria da reencarnao poderemos
explicar-nos tudo e tudo aceitar, porque corresponde justia, ou seja: as particulares
condies de ambiente, de qualidades fsicas e espirituais como que vimos no mundo, o
modo particular com que para cada um de ns, a seguir se desenvolve a vida. intil neg-lo.
Dissemos acima que h acontecimentos , em nossa existncia, que querem acontecer, sejam
alegres ou dolorosos, e acontecimentos que no querem verificar-se e, se acontecem, s a
seu modo, contra nossa vontade. H um destino mais forte que ns. Quem o fez, quem o
guia? Colocarmos Deus, caso por caso, ilogicamente, sem finalidade a ns conhecida,
amarrando nosso livre arbtrio e assim tornando-nos irresponsveis? Que nem sempre somos
livres, um fato. E como poderemos ser responsveis e portanto dever pagar as
conseqncias, se no somos livres? No podemos admitir que seja Deus que nos amarre,
mas somente que fomos ns, com o nosso passado; de forma que, se agora no somos
livres, somos igualmente responsveis, porque somos ns mesmos que quisemos reduzir-
nos escravido, amarrando-nos s conseqncias de nossas aes. Nossas obras nos
acompanham. S assim, quando o destino nos golpeia, no poderemos culpar seno a ns
mesmos; ao invs de amaldioar, s poderemos agradecer a Deus que nos corrige, pedindo-
lhe que nos ajude a corrigir-nos. S assim no pode a mente lanar a culpa em Deus, pois
assim exclumos que Ele opere por arbitrariedade, mas ao contrrio, como exige Sua
perfeio, mediante apenas a lgica, a justia e a bondade. As conseqncias morais da
reencarnao nos falam de Sua verdade e bondade.

Um caso clssico, em que se aplicam os supracitados conceitos, o de


Judas. Como complemento necessrio da descida, vida e misso de Cristo, era indispensvel
a Sua paixo, de que dependia a redeno da humanidade. Sua morte na Cruz fazia parte da
lgica do seu sistema, baseado no Amor e no Sacrifcio. Todos os acontecimentos que
condicionaram essa paixo, inclusive a traio de Judas, deviam pois ter um carter de
fatalidade. bem verdade que a traio podia ter sido cometida por outro, e podiam os
sacerdotes achar outro meio para apoderar-se de Cristo. Mas isto no impedia que algum
tivesse que prender, condenar, matar Cristo sem o que no podia verificar-se a paixo. Em
todo o caso, no se pode excluir, pois que houvesse um predestinado, incumbido de cumprir
essa parte, necessria no drama sem a qual a misso no se teria podido realizar. Ora, se ele
era predestinado e sua ao era fatal, ele no era livre; e se no era livre, como poderia ser
responsvel, e portanto considerado culpado?

Mas ainda h mais. As profecias j tudo haviam predito como deveria isto
ocorrer, mesmo em suas modalidades. O Evangelho de So Mateus, explica. Como pois se
cumpririam as Escrituras, que dizem assim deve suceder? . . . Mas tudo isso aconteceu, a
fim de que as Escrituras dos profetas se cumprissem. E isto tudo a propsito do beijo de
Judas e da priso de Cristo. Pouco depois acrescenta: Assim se cumpre o que foi anunciado
pelo profeta, que disse e apanharam trinta moedas de prata preo daquele que foi vendido. .
.. Por sua vez confirma-o So Marcos em seu Evangelho: Certamente vai embora o Filho do
Homem, como dele foi escrito mas ai do homem, pela qual trado o Filho do Homem! Melhor
lhe fora jamais ter nascido, em primeiro lugar, no podemos deixar de observar aquele
jamais ter nascido, que d impresso de um ato escolhido e querido pelo prprio sujeito,
que o teria podido evitar. Sem a reencarnao, Cristo com essas palavras s poderia ter
expresso: seria melhor que Deus no tivesse criado este. Ora, inconcebvel que Deus tenha
errado, pensar que teria podido fazer melhor agindo de outra forma, e que Cristo tenha
salientado esse erro.

As profecias, pois, dizem tudo com preciso. Fica claro, dos textos citados,
que qualquer que fosse o homem chamado para entregar o Cristo, j devia existir um
predestinado para isso e j sobre a sua cabea pesava a priori essa condenao. Ora, como
pode ser considerado responsvel, culpvel e punvel um ser que, sendo criado por Deus,
no podia deixar de nascer, um ser cuja ao, de uma ou de outra forma, era indispensvel
realizao da paixo de Cristo, e cuja traio, j tendo sido profetizada, era um ato inevitvel?
O verdadeiro culpado, ento, teria sido Deus que, mesmo sabendo tudo, e sem deixar-lhe a
liberdade alguma, havia criado e feito nascer um predestinado a esse ato.

Sem a teoria da reencarnao o emaranhado das contradies permanece


inexplicvel. Limitamo-nos a explicar este caso, sem citar o que j foi por outros feito
cabalmente muitos outros pontos em que s se pode compreender o Evangelho no sentido
da reencarnao, qual a se alude claramente. O problema este: como conciliar a atual falta
de liberdade, fato evidente ao menos naquela vida de Judas, com sua culpabilidade? Como
pode julgar-se passvel de condenao e portanto de castigo, um ser que no pode escolher?
E se a primeira qualidade do esprito a liberdade, como esta ter sido tirada a Judas? E isto
s para que desse fato surgisse sua perdio? Temos aqui um fato indiscutvel, ou seja, um
traidor inelutavelmente condenado antecipadamente, para ser amaldioado pelo mundo e
condenado pelo cu. Se esse conceito de culpvel por predestinao repugna a todo senso
de justia, absurdo de outro lado o livre arbtrio num ser como Judas, ou de qualquer outro
no mesmo caso, a quem fosse entregue em mos o poder de, com sua escolha, desmentir as
profecias e paralisar o desenvolvimento da paixo de Cristo. Havia, pois, um homem
irremediavelmente lanado para a traio e depois para seu desesperado suicdio, sem
escapatria para ele. Neste caso ento, teria sido ele vtima maior porque inocente, sacrificada
at seu ltimo oprbrio, e perdio eterna, para triunfo final de Cristo.

S com a teoria da reencarnao se resolve tudo. Sem dvida, o ato de


traio de Judas foi fatal, e Cristo sabia que podia com certeza com ele contar. Mas a
liberdade se coagulou e fixou, ligando-se em forma de fatalidade, s no ltimo momento, isto
, quando essa foi necessria. Derivava ela de todo o seu passado, fora longa e livremente
preparada nas vidas precedentes. Nestas, Judas quis espontaneamente constituir-se traidor,
isto , quis escolher, entre as qualidades boas ou ms, estas ltimas; com repetidos
pensamentos e aes, ele as absorvera e fixara em seu bitipo, de modo que no podia mais
mudar-se, ao menos no momento. Quando viveu ao lado de Cristo, j se havia ele de tal forma
irremediavelmente enredado nesse modo de pensar e viver, que lhe no restava mais
possibilidade de escolha. Tudo era fatal, pois, mas s naquele momento. Fora livre,
precedentemente, portanto permanecia intacta a responsabilidade e portanto a culpabilidade.
Foi assim que Judas pde tornar-se condenvel. Cristo nada mais fez que escolher um
homem j pronto para a sua funo e admit-lo entre os apstolos, para que, no momento
propcio, ele a realizasse. Mas, apesar de que no fim, lanado no caminho do mal, este no
pudesse mais retirar-se, sua responsabilidade, que agora parecia desaparecer no
determinismo, permanecia intacta, porquanto remontava a vida anteriores, em que ele mesmo
criara em si essa personalidade e livremente se quisera amarrar a este destino. A culpa de
Judas no foi tanto o beijo traidor, ltima conseqncia de um hbito de traies, quanto o ter
querido adquirir esse hbito, que agora tinha no sangue e no se adquire num dia. Uma
responsabilidade de tamanha gravidade, exigia uma culpabilidade proporcionada, profunda
verdadeiramente merecida em plena conscincia e liberdade. Por fim, ao lado de Cristo, j a
obra de Judas foi automtica. Quem sabe quantas traies j fizera e, com a ltima, pagou-as
todas, como merecia.

assim que a reencarnao nos explica como seja possvel permanecer


responsveis e constrangidos a pagar. Isto porque, esta inexorabilidade uma conseqncia
inelutvel do que nos mesmos preparamos no passado. As conseqncias, no mais
podemos ento fugir de modo permanecemos responsveis, sem ser mais livres. O caso de
Judas no o nico. O bem e o mal, no passado, amarra-nos a todos no presente. O destino
de todos, na fase de efeito, em certo pontos determinstico. Est assim resolvido o
inexplicvel o emaranhado das precedentes contradies. Eis como, s com a teoria da
reencarnao, podem conciliar-se os dois extremos opostos: liberdade e responsabilidade de
uma parte e fatalidade de outra. Assim tudo simples e claro. Em cada caso, a evidncia das
solues s pode confirmar-nos na verdade a teoria da reencarnao.

A TEORIA DA REENCARNAO

( 2a Parte)

Observemos, agora, a teoria da reencarnao sob outros aspectos. Uma da


objees apresentadas em contrrio, baseia-se de que ns no lembramos das vidas
passadas. A objeo de um simplismo pueril, pois, se s tivesse existido aquilo de que nos
recordssemos, muito pouco de ns restaria. Se tivssemos que nos basear na recordao,
no teria existido nossa maturao como feto, nosso nascimento, nem os primeiros anos de
nossa vida. Da mesma forma, infinitas particularidades cotidianas, por ns vividas, no teriam
acontecido, porque as no recordamos, nem teriam existidos nossos tataravs, que no
conhecemos. Se s fosse verdadeiro o que est sob o controle direto de nossa conscincia,
no existiria a assimilao dos alimentos, a circulao do sangue, a atividade da natureza,
curadora nas enfermidades e reparadora no sono. Que grande parte de ns mesmos nos
escapa, se realiza sem que o saibamos! Acontece mas as diretivas esto no inconsciente
que no falta de conscincia, mas s uma conscincia diferente, interior, subterrnea, que
trabalha sem nada dizer conscincia normal, de viglia; uma conscincia profunda, que est
em contacto com as leis da vida e com o pensamento diretivo dela. essa outra conscincia,
muito mais vasta que a cerebral, de superfcie, a que dirige a nossa existncia cotidiana,
qual esto confiadas as maiores atividades e diretivas da vida. ela que transmite ao normal
consciente, sob a forma de julgamentos sintticos, axiomticos, de impulsos instintivos, as
suas concluses. Quando devem estas transformar-se em aes, o impulso deve transportar-
se do centro espiritual da alma ao centro cerebral do corpo, e s ento o eu se torna sabedor,
na forma de conscincia normal.

A conscincia profunda aparece como inconscincia para a cotidiana que


pouco lhe nota a presena. Mas daquela que emergem movimentos instintivos, raios de
inspirao, intuies que a razo, depois procura analisar e compreender. Essa conscincia
profunda, muito mais vasta que o eu a ns conhecido, contm muitas coisas que escapam
nossa psiqu normal, feita para uso da vida no nosso mundo relativo. Essa psiqu normal
como um olho menor, com que a alma percebe as coisas com viso microscpica, uma
funo cerebral a servio do corpo. Mas tudo um meio ou instrumento, para que o esprito
possa vir em contacto com o ambiente terrestre, meio que abandonamos com a morte fsica,
porque esse rgo cerebral no serve mais ao esprito, que lhe destilou os valores e absorveu
o produto sinttico.

Ora, esta menor conscincia terrena, constituda por um funcionamento


sensrio perifrico e por um funcionamento cerebral central, ligados por meio do sistema
nervoso, s pode ser depositria dos resultados das experincias terrenas desta vida, isto ,
das mais prximas e imediatas snteses menores, tudo em funo do desenvolvimento dos
meios sensrios e cerebrais. Partindo do mundo virgem da realidade material exterior e do
infinito pormenor do particular, esta uma primeira destilao que forma a histria da vida
atual, a de que nos recordamos. E nessa vida lgico que nada mais se possa recordar. Esta
psiqu cotidiana apta a conter sobretudo os produtos racionais da experincia. O esprito
sabe muito mais, e por sua vez concentra em sntese maiores as menores snteses cerebrais
de cada vida, realizadas pela psiqu cotidiana, transporta e funde a memria particular de
cada vida, na memria de uma vida maior. Ora, esse esprito, na maior parte dos indivduos do
bitipo humano, est ainda adormecido no inconsciente, e portanto incapaz de recordar,
especialmente quando est fechado num corpo fsico, cujas funes superiores se limitam s
atividades sensrio-nervoso-cerebrais, sem saber subir evolutivamente mais acima.

assim que cada vida forma, durante sua existncia, uma memria sua,
separada das precedentes, dando dessa forma a cada vida a sensao de ser a nica. Os
resultados de todas so registradas no esprito, mas estando este ainda involudo,
adormecido, adormecido no estado de inconscincia, a memria do passado permanece
profundamente sepultada no inconsciente, que ainda no despertou e, se pode aparecer em
relampejos nos estados hipnticos ou medinicos, nas intuies ou na fase de
desencarnao, perde-se essa memria de modo absoluto no perodo da vida no corpo,
quando a vitalidade deste assume a predominncia. Somente nos casos de seres muito
evolvidos pode o esprito manter-se desperto mesmo no crcere, debaixo do vu da vida
fsica, com fora de lanar at ao plano cerebral jorros de intuio que revelem, com uma
memria diferente da normal, lembranas da vida anterior.

Temos, pois, duas memrias, a cerebral, que s abarca a vida atual, e a


espiritual, que abarca todas as vidas. O crebro um instrumento de registro s de
impresses sensrias terrenas, e no vai alm de sua coordenao racional. O crebro, pois,
no pode conter outra memria alm daquela de sua vida, antes da qual ele no existia e
depois da qual se desagrega. Para a grande maioria, a memria espiritual est sepultada no
inconsciente, e ento no pode oferecer nenhuma recordao, pois no sabe funcionar nesta
vida. Esta, desenrolando-se no plano fsico, s pode possuir uma memria cerebral, que nada
pode saber do que existia antes da formao do crebro, que o rgo em que se baseia. Por
isso, no se podem recordar em geral as vidas precedentes, e ento se diz que elas no
existiriam. Trata-se de dois centros, um interior ao outro de natureza e com funes diversas.
Um, o menos profundo, analtico-racional; o outro, mais profundo, intuitivo-sinttico.
Representa o primeiro uma srie de operaes em curso, o segundo uma srie de operaes
j executadas; o primeiro abarca a fase da aquisio experimental das qualidades, mediante o
embate contra as resistncias do ambiente externo terreno, o segundo abarca a fase de
registro executado, e portanto da aquisio definitiva dessas qualidades, agora tornadas
prprias da personalidade. As instintivas manifestaes atuais do eu, ainda que a conscincia
central delas no guarde lembrana, so o resultado do passado em que foram preparadas e
de que livremente foi lanada a semente.

verdade que a memria cerebral no nos d a recordao analtica das


vidas precedentes. Mas no h esta forma apenas de memria. Permanece em ns uma
lembrana sinttica, no sentido de que no podemos explicar em ns as idias inatas,
instintos, qualidades, tendncias, se no admitido que a semente que agora desabrocha,
tenha sido por ns plantada em existncias pretritas, que cada marca tenha sido impressa
naquela forma especfica, porque do nada no nasce nada, mas tudo nasce de um precedente
do mesmo tipo e natureza sua. No podemos compreender nossa atual vida, seno como um
desenvolvimento de estados precedentes, correspondentes e proporcionados. Se quisermos
limitar-nos apenas memria cerebral, no conhecemos a causa de muitas coisas que vemos
em ns nascer do inconsciente, pois tudo o que somos e fazemos, mesmo no mundo analtico
do domnio cerebral, s se explica pesquisando-lhe as origens no mundo interior do esprito.
Eis pois que, como desenvolvimento e conseqncia, um passado emerge ainda que no em
forma de memria direta, das profundidades de nosso ser; pode-se reconstruir-se um
passado remontando s avessas o caminho que da causa desce ao efeito. Como do que
fazemos hoje poderemos deduzir o que seremos amanh, assim do que agora somos
podemos reconstruir o que ontem fizemos. Mais ainda, na primeira parte da vida, at o uso da
razo, isto , at o controle cerebral nas diretivas da ao, age o homem por instinto, sem
disso dar-se conta. Esse perodo tambm, que parece irresponsvel, responsvel pelo fato
de que constitui apenas a conseqncia automtica dos impulsos, j queridos e postos em
movimento na vida precedente; ao passo que na madureza, o controle racional intervm com
o poder de corrigir esses impulsos, iniciando novas rotas, com conseqncias automticas,
ao menos da primeira parte, dita irresponsvel, isto , no controlada racionalmente, da vida
futura.

O fato, pois, da falta de lembrana do passado, no prova nada contra a


reencarnao. Uma memria de natureza cerebral no pode abarcar o que foi sentido e
pensado com outro crebro que fazia parte de outro corpo. verdade que a matria orgnica
que constitui nosso organismo se renova toda quase completamente, mas esta vai sempre
substituindo a velha, de que conserva as mesmas caractersticas. As clulas de um novo
crebro, numa nova vida, no so, em absoluto, o derivado orgnico das clulas cerebrais do
corpo da existncia precedente, e portanto no pode sobreviver a este nenhuma memria
direta, mas s uma diferente memria espiritual, pela qual, ainda que nada recorde, tudo,
como destilao de valores, em ns sobrevive e nada se perde.

Se observarmos todo o procedimento, de perto, s podemos admirar quanto


seja providencial este desembarao de uma barafunda de particularidades, inerentes ao
mundo material, mas inteis no mundo espiritual, a fim de que permanea, para a
personalidade, apenas o essencial, o que vale mais. S assim, libertada do peso das escrias
suprfluas, pode ela mais rpido continuar seu caminho. Uma lembrana analtica do passado
exercitaria enorme presso sobre o presente essa recordao s pode realizar-se
proporo que o esprito, evolvendo, se torna mais sensvel, isto , paralelamente sua
purificao, o que muito providencial porque isto quer dizer: medida que se vai tornando
mais leve o fardo do passado carregado de erros. Dessa forma, cada um tem a sensao de
comear nova vida. Sente-se por isso mais livre e leve, ao passo que se tudo soubesse, ficaria
carregado de recordaes, de dvidas e problemas s vezes de rancores, que estorvariam
seus movimentos. No haveria a feliz iluso da infncia e da juventude, pois parece que na
Terra s se pode ser feliz na inconscincia. Podem-se assim gozar aqueles perodos de
repouso e, com mais esperana, enfrentar as fadigas de uma nova vida.

Como vemos, aqui nos movemos numa psicologia diferente da normal,


levadas quase a pedir contas a Deus de Seu modo de agir. justo que a razo procure
compreender. Mas tambm devemos compreender que nosso pensamento no
absolutamente a medida das coisas que parecem no necessitarem de forma alguma de
nossa compreenso, para funcionarem por si de modo maravilhoso. H, portanto, quase diria,
outro aspecto de conhecimento ou sabedoria, que no consiste em indagar para saber ou
dominar, mas no abandonar-se a essa infinita sabedoria que tudo rege. Aonde no chega
nossa mente, h o pensamento de Deus onipotente que por si resolve todos os problemas; h
a corrente da vida que nos guia e arrasta. A maior parte dos seres humanos e todos animais
vivem, sem nada saber. Apenas obedecem os impulsos da vida, que para eles tudo sabe.
Funciona nosso corpo e se renova sem que nada saibamos, muitas vezes cura-se sozinho, e,
colocada a primeira semente, tudo se desenvolve automaticamente. Que que nossa cincia
e nossa vontade podem diante de tais maravilhas? No somos ns que vivemos autnomos e
separados, mas a vida que vive em ns. Por vezes atuam em ns tantas maravilhas suas,
sem que disso nos apercebamos. Doutras vezes intrometemo-nos com intervenes
teraputicas no trabalho da natureza, s para prejudicar. Nossa vida anterior ao nosso
conhecimento e depende dele muito pouco. Antes que cada um de ns nascesse, j existia o
esquema de nossa estrutura orgnica. Existimos antes de nos termos percebido disso. No
resta dvida de que h uma imensa conscincia csmica, que sabe fazer tudo e faz por ns
tudo o que no saberamos fazer. E ns queremos impor-nos a tudo. Mas aquela conscincia
csmica faz-nos saber que ela manda mais que todos. Que pode a razo diante do instinto e
do sentimento? O irracional, que no fundo apenas o supra-racional que tudo domina, ri-se
dos clculos do nosso racional, e lhe transmite suas ordens. Nunca somos ns, com nosso
crebro, que tomamos as maiores decises de nossa vida. Se assim , como poderemos
admirar-nos porque o mistrio de nossas vidas passadas foi todo confiado a essa sabedoria
superior da vida, que j dirige, sem dar-nos conta, tantos de nossos fatos vitais?

Observemos, agora, a teoria da reencarnao em relao cincia. Pode-se


dizer que Freud, sem querer, haja dirigido seus primeiros passos para levar a pesquisa
psicolgica positiva ao terreno da reencarnao. Fixando e aplicando o conceito do
subconsciente, Freud afirmou e demonstrou a existncia de uma atividade espiritual que se
no pde exaurir na vida atual, mesmo se ele no ultrapassou o limiar desta. Chegado a esse
ponto em seu caminhar s avessas, ele embrenha pela hereditariedade fisiolgica, mas no
nos d disso as provas, nem podia no-las dar, de que a continuao desse caminho para trs
no podia tomar outra direo, diferente da assinalada no crebro, experincias e
personalidades dos pais. De qualquer modo, Freud inaugurou um sistema que, levado apenas
um pouco mais para trs, leva-nos vida precedente. Ora, um fato que, se com a
psicanlise, com a pesquisa para explicao dos traumas psquicos e depois pelo desmantelo
das posies psicolgicas erradas, andamos para trs at a meninice e o nascimento, podem
existir traumas e posies to profundamente congnitas que para conhec-las e corrig-las,
precisaria remontar at suas razes, que so to profundas, que s podem ser achadas na
vida anterior ao nascimento. Trata-se de casos que, nem mesmo a vida dos pais ou avs nos
mostra conter as causas, e que se apresentam como fato pessoal do sujeito, cujas origens
no podem, pois, achar-se seno em sua vida individual antes do nascimento, desde que no
sejam achadas na atual.

H sinais caractersticos da personalidade, qualidades especficas inatas,


feridas nervosa ou morais, se que a vida presente do sujeito, como a de seus pais ou avs
no nos do explicao. Em tais casos, uma verdadeira psicanlise, para ser completa,
deveria remontar mais atrs nessa corrente de vida at aos tempos anteriores ao nascimento
do sujeito. Mas que caminho escolher? O da hereditariedade psicolgica ou da
hereditariedade espiritual? A cincia ignora a segunda, mas temos motivos para crer que a
personalidade humana seja filha mais do segundo que do primeiro tipo de hereditariedade. A
personalidade resiste, em suas notas fundamentais que permanecem constantes, a toda
contnuas mudanas do corpo fsico, sujeito a um metabolismo incessante. Uma entidade
que, fundamentalmente, fica idntica a si mesma, no pode derivar de um organismo fsico
(dos pais) que no conhece essa estabilidade. O corpo se transforma sempre, o tipo do
indivduo permanece; se este se transforma, suas mudanas so muito menores. O esprito
permanece muito mais estvel e independente enquanto atravessa a viagem da vida. Ora,
Freud dirigiu suas pesquisas no terreno mesmo da personalidade, cujas atitudes no podem
explicar-se cabalmente seno remontando a seu passado, segundo a teoria da reencarnao.

Poder-se-ia dizer que os pais do a matria prima, a carne, o corpo, com


algumas de suas caractersticas, e que, nesta base material, se inocule a personalidade do
filho, como um motorista em seu veculo. Ento, matria prima, recebida dos pais, o novo eu
d sua marca prpria, o dirigente adapta a si o seu veculo. A matria prima, j elaborada
pelos pais para eles mesmos, vem assim elaborada por outro eu para si mesmo. Poder ento
ocorrer tambm que um habilssimo dirigente (personalidade evoluda) se ache na
contingncia de ter que guiar um veculo primitivo, com rgos defeituosos, que impedira a
manifestao dos talentos do sujeito. E tambm que um motorista sem valor algum se
encontre a guiar um belo automvel, que ele, em sua ignorncia, estragar totalmente. Ainda
que a carne seja do mesmo bitipo familiar, ela se encontrar desposada com diversos tipos
de personalidade, no caso de cada um dos filhos,, mas isto sempre com uma base de
afinidade, sem a qual, fuso nenhuma pode formar-se. Se o corpo mais forte que o esprito,
vencer a carne, filha por herana fisiolgica, dos pais, e a personalidade que a veste, ser
por ela rebocada: isto , a mquina prevalecer sobre o dirigente e o indivduo ir deriva,
merc das leis animais. Mas se o esprito mais forte, este dominar e plasmar sua
imagem a carne, filha dos pais, imprimindo-lhe as caractersticas prprias.

Vimos na A Grande Sntese, o progresso da formao dos instintos e novas


qualidades, com o mtodo dos automatismos, ou repetio habitudinria. A psicanlise no-lo
confirma, ao percorrer o caminho inverso. Evidentemente o esprito no um edifcio imvel,
uma entidade qualitativamente constante. A psicanlise remontando para trs o caminho da
vida, procura individuar os erros cometidos na fase que uma vida pode abranger, erros de
desenvolvimento da personalidade, para individu-los e depois corrigi-los, apresentando-os
ao esprito em posio emborcada, para endireitamento das formas psquicas contorcidas,
que assim se formaram. Em outros termos, diz Freud: aqui erramos o caminho. Voltemos
atrs e refaamo-lo com um sentido justo. Trata-se de refazer um procedimento errado,
tornando a faz-lo de novo, substituindo a antiga, com outra repetio habitudinria, com
sacudidelas equivalentes e reequilibradoras em sentido contrrio, recomeando em outra
direo a formao de alguns caracteres da personalidade. Tudo isso lgico e certo. Mas, na
prtica, bem difcil refazer uma vida revivendo-a de novo, corrigir erros devidos a lentas
adaptaes, alterar qualidades de formao to longa, que se estende at as vidas
precedentes. Freud no se deu conta de que, em alguns casos, se trata de intervir no
determinismo de um destino que remonta a semeaduras remotas, das quais no podemos
impedir hoje a frutificao. No se deu conta de que inelutvel a Lei, segundo a qual tudo se
paga. No h psicanlise que possa evitar o aparecimento dos efeitos, quando foram
estabelecidas as causas.

Se o princpio justo, na verdade muito difcil descer e operar no


subconsciente e demolir posies que se estabilizaram como qualidades adquiridas. Vemos
as religies terem em vo lutado durante milnios para modificar os instintos animais do
homem, sem t-lo conseguido. Tanto maior ser essa dificuldade no caso individual, quanto
mais profundamente essas qualidades se imprimiram e se fixaram no esprito do sujeito; - e
tanto mais elas a se fixaram, quanto mais foram repetidas, isto , confirmadas pela prtica da
vida, que as aceitou e a elas se adaptou. E no entanto este o mesmo processo corretivo que
usa a Lei, mandando-nos as provas opostas ao erro cometido. O mtodo de endireitamento
pelo uso dos contrrios um velho processo biolgico que a vida sempre usou para ensinar-
nos a no mais errar e a rearmonizar-nos na ordem da Lei. Se, por tudo isso, fica confirmado e
justificado o princpio da psicanlise, ela continua, tal como concebida hoje, impotente
diante dos processos psicolgicos profundos, que no so exauridos numa s vida, diante
das psicoses cujas primeiras razes se firmam nas vidas precedentes, e que o ambiente da
vida atual no basta para explicar. Por vezes, o trauma psquico no apresenta traos nos pais
e se manifesta to cedo e instintivo no sujeito, sem causas exteriores que o possam justificar,
que s pode ser explicado remontando a estados de existncia antecedentes ao nascimento,
porque s neles pode tudo isso ter-se formado. Concluindo, a psicanlise no ser completa e
solucionadora seno quando souber estender sua pesquisa at o terreno pr-natal, segundo
os princpios da teoria da reencarnao.

* * *
Vistas assim as relaes entre a psicanlise e a reencarnao, enfrentemos
outro aspecto da questo.

Observemos a estrutura das clulas germinais. O vulo humano no chega ao


tamanho de um ponto. Dentro de uma camada de gelatina aquosa h um ncleo central mais
espesso e mais escuro. Dentro dele acham-se 24 cromossomos, filamentos estriados
horizontalmente com estrias claras e escuras. Estes cromossomos contm cerca de 3.000
genes. Na cabea ovide do espermatozide, que tem uma cauda como os girinos, h
igualmente um ncleo com cromossomos e genes. Essa cabea cerca de 40 vezes menor
que o vulo.

Cada filamento dos cromossomos como um fio de prolas, uma serie


longitudinal de genes. So assim duas filas: uma de derivao materna e uma paterna. Um
cromossomo visvel ao microscpio. Os genes so ainda menores, de dimenses que
escapam nossa imaginao. Temos, ento, uma multido de genes dispostos aos pares, ao
longo de filamentos longitudinais. Esses genes do vulo se combinam com os do
espermatozide quando esses dois elementos se encontram e se fundem, e essa
combinao que determina os caracteres hereditrios do nascituro.

O nmero de genes j representado por cifra astronmica. Imagine-se qual


no ser o de suas possveis combinaes! Pense-se que, para cada vulo existem de 200 a
500 milhes de espermatozides, que partem juntos procura do mesmo. Mas, aps poucas
horas, permanecem vivos apenas alguns milhares, at que um consiga atingir o vulo e
perfurar-lhe o invlucro. Ento o espermatozide perde a cauda, e a cabea penetra no vulo,
alterando-lhe a estrutura, com ele fundindo-se e iniciando o crescimento por diviso celular.

Ora, cada gene representa um carter a reproduzir. Dada a disposio em


pares dos genes, um materno e um paterno, achamo-nos aqui, como dizamos, diante da
possibilidade de inumervel quantidade de combinaes. Pois, se grande o nmero de
genes, maior ainda o nmero de seus possveis encontros. A cada nascimento, realiza-se
uma combinao, diante de um inconcebvel nmero que no chega a realizar-se. Aqui, na
reproduo dos caracteres da personalidade, achamo-nos diante de um sistema de
probabilidades, que nos recorda o que dirige o mundo da moderna fsica estatstica e
quantstica. Isto, porque as leis do ser tendem a unificar-se no mesmo princpio, tanto mais,
quanto mais descermos em profundidade, isto , em direo ao centro. Neste caso,
encontramos o mesmo sistema probabilstico quando descemos na profundidade do mundo
biolgico, como do fsico-atmico. Diante da reproduo dos caracteres da personalidade,
achamos que o fenmeno escapa a uma regulao determinstica, para obedecer s as leis
estatsticas ou de probabilidade, em que as livres irregularidades de cada caso, por
compensao nos grandes nmeros, desaparecem numa regularidade coletiva. Assim lei se
realiza deterministicamente, mesmo deixando livre o indivduo de mover-se como quiser em
seu caso isolado. Isto possvel, porque inumerveis irregularidades livres individuais
compensadas (caso isolado), podem na massa, resultar numa obrigatria regularidade
coletiva (lei da espcie).

No caso das combinaes dos genes, significa isso possibilidade de


inumerveis encontros livres individuais, mesmo permanecendo determinstica a lei geral das
distribuies dos bitipos por equilbrios tnicos, distribuio dos sexos, e qualidades
dominantes, de massa. Isto significa, para cada tipo de individualidade espiritual, a
possibilidade de achar, sua disposio, um nmero enorme de combinaes, e de poder
escolher, qualquer que seja seu gnero, a combinao a ele semelhante, com a qual possa
estabelecer aquela sintonizao por afinidade, que necessria para que o esprito possa,
num dado tipo de estrutura orgnica, formar sua veste corprea. Se a lei biolgica
determinstica em suas grandes linhas, no entanto to vasta, que engloba, deixando-os ao
mesmo tempo livres, os movimentos das unidades componentes. Quanto teoria da
reencarnao, tudo isso quer dizer que no uma alma de tipo genrico, como a que deveria
ser criada ao nascimento, sem um passado seu de formao, mas, ao contrrio, s uma
alma do tipo especifico, resultante do caminho que ela percorreu, a que pode sentir
necessidade de achar, entre inumerveis combinaes aquela que seja de seu tipo, ou seja, o
germe do material orgnico afim, com o qual possa estabelecer a sintonia indispensvel para
fundir-se com ele. Isso tudo careceria de sentido, e de nada disso se teria necessidade, no
caso de espritos que se no definiram em suas qualidades, por uma prpria experincia
terrestre precedente, os quais, s por isso, podem procurar e achar, nas combinaes fsicas
dos genes, a posio afim de sintonizao, em relao ao prprio bitipo.

Uma alma que naquele momento nascesse de Deus, descendo diretamente


dos cus do absoluto, completamente ignara das condies do ambiente terrestre, no teria
razo de escolher nas combinaes dos genes porque jamais poderia achar, por mais
variadas que fossem aquela que pudesse sintonizar-se com uma natureza sua sem
precedentes terrestres. Para uma alma assim, h impossibilidade de achar qualquer afinidade
no material orgnico humano, para poder fazer com ele uma veste corprea. Se, ao contrrio
vemos que a personalidade espiritual demonstra, desde os primeiros momentos de vida,
conhecer o ambiente terrestre, e estar proporcionada a ele, em seus instintos e estrutura; e,
dado que as combinaes dos genes no podem, por sua natureza sintonizar-se e fundir-se
seno com um princpio espiritual afim a eles; se vemos que a vastssima amplitude de
escolha permite a sintonizao e fuso com qualquer tipo de alma, que se defina nesse
ambiente terreno, s nos resta, se quisermos explicar tudo isso, admitir que essa alma j
conhea a Terra, que aqui tenha sido formada com sua caractersticas, que tm um sabor bem
terreno e nada celestial, de imperfeio do involudo e no da perfeio divina, como ocorrer
se a alma tivesse sado naquele momento do seio de Deus. Pois neste caso no se poderiam
explicar aquelas imperfeies de involudo, nem uma vida de provaes para aperfeioar-se.
S nos resta admitir que essa alma aqui volte para desenvolver-se, num terreno adaptado
semente. E dizer isso, dizer: reencarnao.

Mas h ainda outro fato. A possibilidade de um to grande nmero de


combinaes entre genes, poder permitir que qualquer tipo de vivente venha luz dos
mesmos pais, isto , que um tipo bom possa nascer de maus e ao contrario. E assim se
explica como isto s vezes acontea. Mas se nem sempre acontece assim, antes, os filhos
tendem em geral ao assemelhar-se aos pais, isto no pode ser devido s infinitas
combinaes possveis dos genes, mas a algum outro fator importante. Isso s pode ser a lei
de afinidade, que que preside escolha, feita pelo bitipo que se vem encarnar numa
determinada famlia e ambiente. Se as combinaes dos genes no podem absolutamente
assegurar, por seu nmero extraordinrio, a semelhana entre pais e filhos, e se essa
semelhana to freqentemente existe, no podemos dar-nos explicao desse fato seno
recorrendo lei de afinidade, base da sintonia necessria fuso esprito-corpo. Dizer isto,
dizer: reencarnao. ento o princpio de afinidade que resulta o que as combinaes dos
genes no so suficientes para regular. Eles ento representam apenas o veculo dos
caracteres preexistentes da personalidade, que o que escolhe aqueles determinados genes,
como seu meio de expresso, e no escolhida por eles, que so apenas um meio e no a
causa determinante.

Um corolrio pode deduzir-se dessas verificaes, ou seja, que relativa a


eugentica que prope apenas a reproduo dos bitipos escolhidos como sos. Cada
bitipo contm todas as qualidades dos genes, oferecendo assim a possibilidade de se
prestarem como veculos de qualquer tipo de caracteres e dar a vida a qualquer gnero de
personalidade. Assim, os bons podem tambm os defeituosos e ao contrario. Nossa
eugentica s conhece o caminho da hereditariedade fisiolgica. Mas as coisa acontecem de
outro modo. A enorme riqueza dos genes tem a funo de oferecer a escolha mais ampla com
qualquer tipo possvel de combinao. Quem faz a escolha, de acordo com o prprio tipo
coisa que a eugentica ignora o princpio espiritual; ele que regula todo o fenmeno,
proporcionando tudo s da prpria natureza, que j se definiu bem no ambiente terrestre e
que a este volta para continuar o trabalho aqui iniciado. E aqui tambm, se a eugentica
observou que a sade dos filhos depende da dos pais, isto no proveniente dos genes
seno como efeito, ao passo que o que regula tudo a lei de afinidade, pela qual gente doente
atrai como filhos espritos doentes, e a s espritos sos, que procuram e devem construir-se
corpos sos, como sede proporcionada a eles. Por isso os tarados no deveriam gerar. Mas
infelizmente eles, como os involudos, acham no nosso mundo o ambiente inferior que lhe
mais adequado. A vida regula tudo, com leis segundo as quais a gerao dirigida por
princpios de carter espiritual e moral. Mas, tudo isso, dada a sua orientao, a cincia ainda
no pode compreender.
A nossa tese, de que a escolha dos genes seja feita pelo princpio espiritual,
por afinidade, e que eles no so a causa, mas apenas um veiculo dos caracteres da
personalidade, sufragada tambm por outra afirmaes. H, com efeito, alguns fatos
biolgicos que podem fazer duvidar da validade do asserto, de que as diversas
individualidades sejam devidas somente a diferenas nas combinaes dos genes. A prpria
unio das duas clulas germinais pode produzir dois indivduos perfeitamente diferenciados.
Este o caso dos gmeos monocoriais. Examinados objetivamente, suas caractersticas
originrias so to semelhantes que podem considerar-se quase idnticas. E no entanto, elas
formam depois duas pessoas e individualidades bem distintas, no corpo, nas sensaes
como na conscincia. A morte de um no a do outro, a dor de um no a do outro. Trata-se,
para cada um dos dois gmeos, de um eu separado. Mesmo se os caracteres morfolgicos
tendem semelhana, as duas personalidades podem ser diferentssimas.

A isto a biologia no sabe responder. O que certo que, no caso dos


gmeos monocoriais, no a natureza da combinao dos genes a causa determinante. E
ento, como acontece que uma individualidade particular est unida a uma particular
combinao gentica? Isto s pode explicar pela afinidade, base da sintonizao necessria
fuso esprito-corpo, como acima foi dito. O que nos leva a concluir que s podemos
compreender o fenmeno, admitindo que a marca individual deriva antes de tudo do princpio
espiritual, que quem estabelece a personalidade. esta concepo desloca o centro de
gravidade da questo, do terreno material ao espiritual. Apenas este ponto de vista
aceitvel, porque apenas ele resolve tudo. Ento resulta ser a individualidade humana uma
entidade que se forma e existe independentemente dos genes e de suas combinaes.
Independentemente, significa que, se determinado n, particular da trama, no se realiza,
aquela individualidade citada vai identificar-se com outro n. Ento, a relao entre os genes
e o eu seria anloga que existe entre o eu e o ambiente, isto , a combinao gentica
ajudaria o eu a determinar os prprios caracteres, mas no seria o determinante exclusiva da
personalidade do indivduo.

Permanecendo no mbito positivo apenas das consideraes biolgicas, o


problema no solvel e permanece um enigma, ao passo que tudo se torna claro se a
introduzirmos o elemento espiritual. Pode-se, ento, como concluso sustentar o que se
segue: a preexistncia de um dado numero de individualidades espirituais j constitudas com
todas as suas caractersticas pessoais, prontas a combinar-se com um par de genes. Estas
esto ansiosas para faz-lo e procuram os meios de combinar-se (veja capitulo seguinte).
Esses meios so a afinidade, pela sintonizao de vibraes. Sendo esta uma qualidade que
se encontra na vida fsica como na espiritual, pode ela funcionar como denominador comum e
ponte de unio entre os dois elementos que pertencem a dois planos evolutivos diversos.
Nestas bases, pode realizar-se a fuso, mediante a qual o eu espiritual torna a direo do
desenvolvimento orgnico, adaptando a si mesmo a matria prima recebida dos pais. Esta
formaria o ambiente que a nova personalidade adapta a si mesma e qual se adapta, trabalho
que tornado possvel pela originaria aproximao, por meio da afinidade e da sintonia, e
assim se explica porque essas duas condies so necessrias para a fuso.

Ento, verifique-se ou no uma particular combinao de genes, mera


circunstancia que, se faltar no paralisa o fenmeno, pois que no tem valor determinante
para a existncia da individualidade, que sua verdadeira causa, mas tem apenas a funo de
fornecer-lhe uma base em que possa fixar-se, para formar para si, com o corpo, um
instrumento de ao e realizao no plano fsico do ambiente terrestre. Se agora
multiplicarmos o enorme numero de combinaes possveis de genes num acasalamento,
com o ilimitado numero de seres humanos e acasalamentos possveis na Terra, veremos que
cada individualidade espiritual se achara sempre diante de uma to vasta escolha de
elementos, que, para qualquer bitipo humano, ser possvel estabelecer por afinidade a
sintonia e, portanto, fundir-se.

Este o imenso trabalho escondido e silencioso que continuamente se realiza


inadvertido, e que preside a formao do feto. Tudo, escolhido segundo as leis de atrao. A
escolha sexual, que tende fuso conjugal, precede estoutra escolha por parte do esprito, do
ambiente apto formao de seu corpo. Assim, os egosmos separatistas esto
necessariamente ligados por atraes e reorganizaes continuas, que renem e fundem
juntos os elementos separados, mantendo-os todos ligados juntos na unidade da vida. Por
isso, as diretivas do nascimento no so confiadas aos pais, simples instrumento instintivo e
mecnico, que nada sabe. Quem dirige o fenmeno o elemento espiritual, ele, diretamente,
se for bastante evoludo e portanto consciente a tal ponto que o possa realizar; ou de outro
lado a sabedoria das leis da vida, quando o indivduo ainda no tem capacidade de escolha
nem autonomia de julgamento. Neste caso, ele preso automaticamente correntezas e por
elas guiadas posio que lhe compete, porque melhor a ele se adapta. sempre, portanto, o
elemento espiritual que domina o fenmeno fsico, e no ao contrario. Verifica-se assim, a
combinao gentica, pela qual a personalidade espiritual se une ao corpo, seu instrumento
de trabalho e expresso, provisoriamente para realizar o processo inverso da separao do
mesmo, quando houver terminado o ciclo e o trabalho que deve. Eis, ento, que tambm o
mundo positivo da biologia no pode ser compreendido se no luz da teoria
reencarnacionista.

Certamente no podemos pretender que a cincia positiva da biologia, dada


sua orientao, possa sustentar hoje essa doutrina. Logo que subirmos s alturas filosficas
das ultimas razes, a cincia costuma calar. Mas, admitindo que, ao contrario, nos queremos
ter a explicao dos fenmenos; admitindo que a biologia no nos fornece nem uma doutrina
positiva a respeito da relao das individualidades com as combinaes dos genes, nada
explicando-nos sobre isso; admitindo, enfim, que existe a teoria da reencarnao, j
sufragada por tantas provas que a tornam certa e que, neste caso, ela explica tudo, bem
lgico que ns a aceitemos, porque ela uma soluo e a melhor, e sem ela s nos resta
renunciar a compreender, numa triste posio de agnosticismo e ignorncia. No se pode ter
outra atitude, quando a prpria cincia positiva que nos guia at a porta da teoria
reencarnacionista.

* * *
Os problemas no podem ser esgotados e resolvidos s do ponto de vista
positivo cientifico. Esta tcnica, agora examinada, da encarnao do esprito num corpo, no
seu tipo especifico e adaptado de corpo, corresponde alm disso a uma necessidade lgica e
filosfica, segundo o plano de criao, exposto no nosso volume: Deus e Universo.
Demonstramos a, que nosso universo fsico o resultado da queda do esprito, da qual
nasceu a matria e a forma. A encarnao repete essa queda cada vez que uma alma retorna
ao corpo; e cada vida representa uma etapa da subida, ao longo do caminho da evoluo, e
uma poro de fadiga e de dor com que ele percorrido, assim, realizando progressivamente
a prpria redeno. E assim, o homem recair tantas vezes no corpo e em seus castigos,
repetindo o motivo da primeira revolta do ser rebelado, que fez ruir o universo na forma fsica;
e assim, permanecer o homem tanto tempo submetido ao ciclo vida-morte, at que
evolvendo e reespiritualizando-se, tenha queimado, ardendo na chama de sua dor, a forma
material que o aprisiona, e tenha voltado sua primitiva posio de puro esprito. S as o
ritmo vida-morte, iniciado com a primeira queda, poder ser lentamente absorvido e esgotar-
se, at o regresso a Deus, l onde se extingue a reencarnao.

O que nos revela a observao objetiva, isto , material e sensria da cincia,


uma pequena parte, uma ilha que emerge de um continente submerso. A cincia positiva
move-se no campo dos efeitos, mas escapam-lhe as causa, que esto alhures. Ela no sabe o
que a vida porque no conhece o essencial, que para cada coisa, para todas as formas do
ser, o esprito. A cincia para no corpo, mas como pode compreend-lo se no conhece o
esprito que o anima? Esse corpo, em princpio, uma clula. Ele cresce. Quem o faz crescer,
e por que o faz s at certo ponto? Do primeiro ncleo, desenvolve-se, por continua
subdiviso e multiplicao de clulas, um aglomerado em continuo aumento, sem que
aparea o motor gentico dele. Parece um caos amorfo. Mas eis que, em certo momento,
comea-se a delinear uma diferenciao na estruturas das clulas produzidas, uma disciplina
que dirige esta maravilhosa multiplicao. Cada clula obedece a diretivas precisas, e pararo
em grupos em certas zonas, para comear a construir certos rgos ou tecidos: o crebro, o
olho, o corao, os ossos, etc. deste maravilhoso e inteligente trabalho nasce o milagre do
organismo nico, em que, por fim, se coordenam os resultados de todos os trabalhos
parciais, em plena eficincia de funcionamento orgnico. Em lugar da primeira desordem,
ento entoada uma como orquestrao sinfnica, em que cada instrumento executa, em
harmonia com todos os outros, a sua parte segundo a lgica de um plano geral que rege tudo.

Ora, um trabalho to sbio, no pode ser produto do acaso, tanto mais que
ele se reproduz exata e regularmente para cada ser que vem nascer na Terra. Quem os dirige,
pois? No suficiente a ao dos hormnios para explicar tudo isso. Mais do que a causa
ltima das especializaes, representam eles antes as alavancas de comando, que fazem
disparar um mecanismo j preexistente. Eles no bastam para dar-nos a formao dos
rgos, mas apenas podem acionar alguns mecanismos que levam a esse resultado. H,
portanto, independente deles uma forca diretriz inteligente que, segundo um seu plano ou
esquema preestabelecido, produz isso tudo. A morfognese, ou seja, a origem das formas,
mediante a qual a vida assume seus modelos predeterminados, depende pois de esquemas
preexistentes no mundo espiritual, sem o que essa morfognese no se explica.

O problema, agora, o de saber como acontece tudo isso. Damos uma


resposta conseguida por via intuitiva e que a cincia poder considerar como uma hiptese.
Quando e como entra a alma no feto? Qual a tcnica fisiolgica da reencarnao?

Partamos das duas clulas germinais, o espermatozide e o vulo. So dois


seres unicelulares, cada um com suas caractersticas individuais especificas. Enquanto o
vulo no sabe mover-se por si, o espermatozide se move com uma rapidez relativamente
fantstica, de dois centmetros e meio cada oito minutos. Ele pode continuar a nadar assim,
por dois dias, realizando um trabalho que no tem paralelo em outros indivduos
monocelulares. Demonstra bem que sabe que o vulo seu objetivo, porque executa os
movimentos prprios para realizar sua viagem nada fcil, a fim de atingi-lo. Das varias
centenas de milhes de espermatozides que iniciam essa viagem, s alguns milhares se
avizinham da meta, e s um, ou poucos mais, a alcanam.

No se pode negar que existe neste pequeno ser uma vontade precisa e uma
inteligncia que dirige sua ao. Demonstra ele, no trabalho em que est todo empenhado,
que sabe superar no poucas dificuldades que lhe armam ciladas, pondo obstculos ao seu
xito. Os espermatozides que vencem as varias centenas de milhes de irmos, deve t-las
superadas todas. Aqui tambm est em vigor a lei da seleo do mais forte, como nos animais
e no homem, demonstrando-nos que essa uma lei geral. Quando enfim o espermatozide
alcana o vulo, perfura a barreira externa dele para penetr-lo. Para consegui-lo melhor,
trouxe consigo pequena quantidade de uma substancia que tem a propriedade de dissolver
esse invlucro protetor.

Como pode esse ser monocelular ter tal providencia, demonstrando saber
tantas coisas? E esta uma inteligncia especifica e especializada, prpria dele e preexistente
a ao. Vemos aqui a execuo de uma serie de atos coordenados, tendentes a alcanar um
escopo preciso. Alm disso, no pode negar-se que esse ser esteja vivo; e vida quer dizer
vontade e ao dirigida por uma inteligncia. H, pois, neste ser um centro inteligente, seu
prprio, que constitui a vida dele. Temos, pois, que admitir nele uma como pequena alma,
ainda que elementar, mas da natureza imaterial de que feita a vida.

Eis-nos agora no ponto crucial: como ocorre a encarnao, isto , como o


princpio superior espiritual do eu humano se funde na primeira clula e nas que dela derivam,
para depois formar um corpo humano?

Creio que para responder, mister se torna recorrer lei das unidades
coletivas, que alhures mostramos constituir o meio para formao unificadora das unidades
menores, na construo das unidades orgnicas maiores. Ocorre isto tambm na sociedade
humana, nos sistemas planetrios e estelares, assim, como nos atmicos, moleculares, etc.
Ento o eu humano que quer reencarnar-se, avizinha-se gradualmente, no como espao, mas
por afinidade vibratria, isto , aos poucos se vai sintonizando como princpio espiritual, com
o princpio espiritual que rege, organizando o material molecular atmico que as constitui,
estas primeiras clulas do feto em formao, logo elas comeam a constru-lo. Estas
representam o terreno que o eu humano utiliza para a sua manifestao futura. as duas
primeiras clulas germinais, a resultante da sua fuso e as outras que dela derivam depois,
so como que os tijolos do edifcio que aquele eu vai construir para si, ou como os soldados
do seu exrcito. Ele como o engenheiro construtor, pe em ordem o material da edificao
para fazer a sua construo ou, como um general, disciplina seus soldados para deles fazer
um todo orgnico. A comparao poderia repetir-se com o caso de um diretor de um negocio,
que enquadra os seus trabalhadores, etc., isto , em todos os casos em que um chefe assume
a direo, coordenando os elementos de que dispe, para fins superiores vida e ao trabalho
deles como indivduos.

H, portanto, vrios princpios espirituais que se no destroem mutuamente,


mas se coordenam por afinidade (vibrao). Na unio das duas clulas germinais e na
primeira multiplicao celular, o eu superior no trabalha ainda nem como engenheiro, nem
como general ou diretor. O trabalho de organizador de clulas ainda no requerido, o
edifcio ainda simples e basta o impulso de cada clula e sua pequena inteligncia para
dirigi-lo. Mas nesse nterim o esprito humano est cada vez mais avizinhando-se, entendendo
essa vizinhana como sintonizao vibratrio, atravs do comprimento de onda da
freqncia e do tipo de individuao cintica. Quanto mais se complica o trabalho construtivo,
mais ele necessita da ajuda de um diretor, por parte do eu superior. No cncer, a multiplicao
das clulas anrquica, porque no existe essa direo.

Eis ento que esse eu superior, tendo em mira fins mais complexos, que no
so alcanveis pelas limitadas inteligncias de cada clula que quando ficam abandonadas
a si mesmas, como no cncer, se arruinam), comear a guia-las, a coordenar seu
agrupamento proporo que elas se produzem, ou organiz-las em tecidos diferenciados
destinados a funes especificas. Acontece ento que, enquanto o feto cresce e se define em
suas varias partes, se a inteligncia celular que prov multiplicao do material, e se o
incnscio materno que a dirige e que preside o funcionamento elementar mecnico como um
prolongamento prprio, quem dirige a diferenciao em vrios tipos de tecidos e a guia
formao dos vrios rgos, preparando seu funcionamento, independente do da me,
unicamente a inteligncia do eu humano que se apresta para a nova reencarnao. Assim, a
determinao do sexo, feita pelo esprito, conforme ele, dadas as suas qualidades, ache
mais adequado para si viver num corpo masculino ou num feminino.

assim, que este se fabrica, sob sua prpria direo, como um seu casulo;
corpo do qual o esprito vai tomando posse gradativamente, numa espcie de temporria
colaborao com a me; corpo em que crescer definitivamente, tomando posse
independente e destacando-se da colaborao materna, quando o feto nascer, completamente
construdo, luz. Ento o corpo pertencer todo e exclusivamente ao novo eu que se
encarnou e, como corpo foi formado imagem e semelhana daquele eu que o plasmou,
assim, tambm continuar a desenvolver-se sob sua contnua influencia diretriz, para tornar-
se cada vez mais sua prpria forma, isto , sua mais exata manifestao exterior no plano da
matria.

Nesta sua forma fsica, pois, nosso eu se encontra sem recordar. Tudo se
passou na zona dos automatismos conquistados pela repetio muito longa e abandonados
ao subconsciente. Acima destes, a grande lei estabelece os ritmos maiores. Segundo esses
ritmos, o eu vem depois, no fim da vida, executar o processo inverso, e quando o organismo
que se construiu se estraga, o esprito desprende-se dele, desencarnando. Logo que este
falta, e cessa sua ao diretriz aquele organismo abandonado a si mesmo, se desagrega.
Achamo-nos assim, donos de um corpo temporariamente, e no fim despojados dele. Ele
tomado como emprstimo terra, qual devemos restitu-lo no fim, constitudo de um
material comum, que de todos, e que ns mesmos amanha poderemos tomar de novo por
emprstimo, para uma nova reencarnao. S o esprito individualmente nosso. A cincia
no nos d nenhuma explicao desse jogo. S a teoria da reencarnao faz dele um
processo lgico, dando-lhe um significado profundo e uma meta final.

Podemos todos verificar que a personalidade algo de muito mais vasto que
as funes racionais e cerebrais, contendo qualidades e elementos que as superam de muito.
Dizer que o pensamento uma secreo do crebro, como dizer que a matria seja a fonte
da vida, a mquina eltrica a causa da eletricidade, que o violino crie a musica e o relgio
construa o tempo. No fundo de cada questo de fisiologia h, ao invs, algo de impalpvel
que recua a medida que avanamos. No pode ela reduzir-se aos fenmenos positivos da
fsica e da qumica. H um elemento que no matria e que se chama vida, h o pensamento
que no pode limitar-se a um efeito mecnico. A teoria materialista da biologia no aceitvel,
portanto. No podem ser entendidos os rgos do corpo seno como instrumentos e
condies, organizados por um princpio superior para sua manifestao. No ser humano h
um centro e h rgos perifricos. Estes fazem o trabalho de anlise e de transmisso
centrpeta. Aquele faz o trabalho de sntese e de emisso centrifuga. Assim, o eu faz contato
com o mundo externo, chega a conhec-lo e reage sobre ele. Esse eu no apenas a central
de recepo, repartio, controle psquico e julgamento das mensagens recebidas, mas
tambm a central diretriz das reaes correspondentes a cada estmulo e transmitidas aos
rgos do corpo. Tambm aqui aparece o dualismo, isto , mecanismo equilibrado no binmio
ao-reao, ou seja, circuito constitudo por dois semi-circuitos inversos e complementares:
percepo e ao. A central do eu transmissora e receptora. Sem os sentidos, no poderia o
esprito ler as mensagens que atravs deles lhe manda o mundo externo. Se o esprito no
fosse transmissor, no poderia enviar para o exterior, atravs dos rgos de seu corpo, as
suas reaes. alma desencarnada, faltam os meios para perceber nosso mundo como o
percebemos ns, para fazer-se perceber por ele e para agir sobre ele.

Tudo isto to simples e evidente que a tcnica humana reproduziu vrios


desses instrumentos e deles se serve. Mas no sabe reproduz-los ainda todos. Reproduzindo
ainda outros, poder fazer descobertas tcnicas. E vice-versa, reproduzindo artificialmente os
que j sabemos imitar, ser possvel suprir falta dos rgos fsicos e assim, curar doentes
em que esses rgos se estragaram. Enfim, quando se conhecer toda a tcnica da estrutura
dos meios sensrios e seu funcionamento at a central espiritual e os meios de conexo com
esta, ser possvel chegar a fornecer os meios de percepo e expresso em nosso mundo
sensrio s almas desencarnadas. Ser ento derrubado o muro que nos divide com o alm.

Por essa estrada poder chegar descoberta cientfica da alma, de uma alma
que demonstra saber viver mesmo sem corpo, alm de saber viver na forma que todos
conhecemos, em sua vida unida ao corpo. Ver-se-, ento, que a alma no uma abstrao
filosfica, teolgica metafsica, mas uma realidade objetiva com a qual a medicina,
proporo que se aprofunda, ter que fatalmente que encontrar-se e que contar com ela. S
sendo assim, compreendida, poder a alma reentrar no mbito dominado pelos mtodos da
cincia mdica. A observao anatmica dos corpos mortos no suficiente. Trata-se aqui do
fenmeno da vida, de que a anatomia apenas a casca e a conseqncia. preciso remontar
os caminhos sensriais at o centro conscincia. Sobrepujadas a anatomia e a histologia, o
segredo est na cintica atmica dos corpos qumicos que compem as ltimas e mais
apuradas clulas, do sistema, as nervosas, ou seja, nos equilbrios que se renovam sempre
daquela qumica instvel; e subindo mais ainda, nas emanaes dinmicas, lanadas no
espao por aquela cintica atmica. Entramos no terreno extra-sensrio do telepsiquismo.
preciso alcanar essas radiaes-pensamento que esto conexas com aquela cintica
atmica Nesta devem fixar-se movimentos rtmicos ligados s leis cclicas, em que deve
basear a memria, o registro das impresses, a formao dos automatismos e a aquisio das
qualidades instintivas ou inatas. Deve aqui o mdico aliar-se ao rdio-tcnico para
individualizar essas radiaes pelas caractersticas da onda (ultra-curta) e examinar seu modo
de comportar-se. Do estudo analtico desse feixe de ondas, reconstruir analtica e
cientificamente a sntese psquica do eu que, mais acima ainda, escapa no impondervel.
Poder-se-, ento, acompanhar o fenmeno com o mtodo da intuio nas dimenses
superiores, que esto fora do domnio da cincia positiva. Para os primeiros passos, situa-se
o problema nas profundidades da qumica orgnica, da cintica atmica, de que deriva uma
diferente orientao das vibraes das correntes noricas: ou seja, problema de movimento
nas trajetrias internas dos tomos componentes. Essas trajetrias so linhas de forca das
quais se desenvolvem as emanaes noricas e nas quais se inserem as recepes noricas,
imprimindo-lhes modificaes que formaro os novos caracteres adquiridos pela
personalidade.

Na Grande Sntese foi sustentada a tese das origens eltricas da vida, pela
qual a matria evolvendo atravs das formas dinmicas, da fase da energia (beta), ascende,
com a vida fase (alfa), o esprito. Esta a atual ascese evolutiva que, como vimos no
volume Deus e Universo, implica e pressupe a inversa descida involutiva da queda e
desmoronamento do sistema, do estado de esprito ao estado da energia, e neste caso da
eletricidade, que continuar na forma de sistema nervoso a dirigir os organismos dessa vida;
assim, no processo inverso da queda que o fenmeno da reencarnao repete em cada caso
individual o crebro constitui o rgo de insero do esprito no mundo da matria, o que
quer dizer que o esprito, ao fazer-se um corpo, se insere primeiramente no organismo eltrico
deste. Com efeito, pelo crebro comea a construo orgnica do feto. A primeira
manifestao fsica do esprito no tero materno comea, pois, na forma dinmica que, por
ser a mais evoluda, lhe mais afim. Ela, depois, recolhe em torno de si os materiais
orgnicos fornecidos pela clula paterna e pelo tero materno. H, assim, uma lgica
construtiva, dada pela prpria estrutura do sistema do universo, na operao que o esprito
realiza, de revestir-se de uma casca sempre mais densa; isto at que, no nascimento do feto, a
forma fsica da matria est completa e pode comear a funcionar, como acima vimos, por
meio dos sentidos, recebendo e transmitindo. No h outros meios, e o esprito no pode
receber nem transmitir seno o que lhe permitem as possibilidades da mquina fsica em que
ele se consubstanciou. No fim da vida verifica-se o processo inverso, da libertao da casca
por parte do esprito, que leva consigo, registrados em seu sistema de foras como trajetrias
dinmicas, os resultados da sua experincia na vida, transformados, dessa forma, em
qualidades suas pessoais.

Assim, nascer morrer, e morrer significa nascer. E eis outra prova da


reencarnao: porque no pode morrer, nascendo, seno quem estava vivo; e porque, se
morrer significa nascer, quem nasce dessa morte dever de novo morrer, reencarnando-se
novamente. Tudo rtmico e equilibrado no universo. O motivo da queda se repete em cada
reencarnao, porque tudo regido por um esquema de tipo nico que se repete em todas as
alturas e em todas as dimenses. Tudo se repete. Assim, a ontognese repete a filognese.
Como no homem, que est no cimo da escala da evoluo terrestre, se repete a histria da
vida do planeta, assim, nas vicissitudes de sua vida repete-se o motivo fundamental de sua
queda. Ela como um regresso matria, como uma contradio evolutiva do sistema, a que
se contrape o progresso realizado na vida e que, na morte se fixa na alma, como um novo
passo seu para o alto. Assim, caminha a vida: 1.) a sua contrao descida do esprito na
matria, numa sua forma dura, em que ele permanece prisioneiro das provaes e das dores;
2.) a expanso da vida na libertao do esprito da matria, enriquecido pelas provaes
superadas e pela nova experincia adquirida. Assim, a morte no igual para todos, e pode
parecer para o involudo um fim doloroso, e ao evoludo uma alegre libertao. A proporo,
pois, que o ser evolve, liberta-se ele da morte, isto , da conseqncia da queda,
transformando em alegria o sistema emborcado em dor.

A teoria do pensamento produzido pelo crebro baseava-se na localizao


das varias funes, de acordo com os lobos cerebrais. Mas, se podemos encontrar
localizaes cerebrais para funes animais, no h circunvolues nem centro para todas
funes superiores do esprito, como a inspirao artstica, a intuio cientifica e filosfica, as
aspiraes msticas e religiosas, a concepo dos ideais e das idias abstratas. Ao contrario,
est provado que, em muitssimos casos, a destruio de partes das zonas cerebrais no
lesou em absoluto as faculdades intelectuais. Se existe uma possibilidade de localizao,
refere-se ela s funes inferiores mais elementares, mas se torna cada vez mais
problemtica quando se passa s funes espirituais superiores. O trabalho criativo, original,
no se faz com o crebro, mas s com o esprito. Com o primeiro s podemos obter
resultados de ordem analitico-racional, ou uma erudita repetio de coisas velhas. O crebro
um rgo de menor potncia que o esprito, por este usado para os trabalhos menores.

Mas h mais. Lemos no volume O problema da alma e da cincia de hoje, de


Picone Chiodo, 1945: Est demonstrado que, em circunstancias excepcionais, pode a
inteligncia conservar-se ntegra apesar da destruio do crebro. Desse modo cai
inexoravelmente a hiptese gratuita explicativa, formulada pelos fisilogos, segundo a qual os
lobos cerebrais que permanecem, suprem os destrudos. Sucede que esses casos, sendo
literalmente inexplicveis por qualquer hiptese fisiolgica, arrastam ao bratro ingente das
teorias erradas tambm aquela que afirma que o pensamento funo do crebro. Ao
contrario, o rgo cerebral permeado e dirigido em suas funes por algo qualitativamente
diferente, e s assim pode explicar-se como consiga conservar-se a inteligncia, apesar da
destruio parcial ou total do crebro.

O esprito extravasa por todos os lados os limites se seu meio, que ele utiliza
e dirige. O crebro empregado nos usos da vida, no contigente do ambiente animal. O
esprito sabe as coisas profundas e distantes, domina um campo muito mais vasto, de
dimenses superiores s do espao e do tempo. Conhece a telepatia e a profecia. As funes
cerebrais so de ordem inferior s espirituais. O funcionamento cerebral no cobre
absolutamente a totalidade do consciente. Pensar com o crebro, isto , racionalmente,
significa pensar de forma muito mais limitada, do que pensar com o esprito, ou seja,
intuitivamente. E quando se acreditou, por terem sido ofendidos os meios nervosos e
cerebrais, que tivesse sido lesado o esprito, porque se viam alteradas as funes espirituais,
no se compreendeu que tinham sido ofendidos e estragados apenas os intermedirios de
sua expresso em nosso mundo. No , ento, o esprito que fica alterado, mas s suas vias
de comunicao e manifestao, s a mecnica de sua insero em nosso mundo material.
Assim, os materialistas, vendo o rgo do esprito e no o esprito, e vendo na morte a
destruio desse rgo cerebral, crem que, com isso, termine tambm o esprito. Mas a
realidade que este no se desorganiza absolutamente, pelo simples motivo que seu rgo
se perca. Se o esprito tem necessidade dele para manifestar-se, pode entretanto existir sem
esse meio de expresso, isto , morre apenas para nossos sentidos. Sabemos bem como
restrita a gama de vibraes que estes podem perceber. Eles no so, de certo, a medida de
todas as coisas. Ento, o esprito pode muito bem existir em formas no perceptveis para
nossos sentidos fsicos, e continuar bem vivo, ainda quando a ns possa parecer morto. E
que coisa poder fazer ento esse esprito, que se elaborou com a vida no ambiente terrestre,
se no continuar depois a sua elaborao aqui regressando?

Como vimos, as provas em favor da tese reencarnacionista chega-nos


convergentes e decisivas, dos campos mais disparatados. No captulo seguinte a
examinaremos ainda sob outros pontos de vista.

VIII
O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS
(Tcnica da Reencarnao)

Consideremos, agora, a teoria da reencarnao sob um ponto de vista que


coincide com os precedentes, no obstante sua completa diversidade, e nos d uma
confirmao no s dos particulares, mas sobretudo da verdade de todo o sistema. E essa
confirmao chega-nos bem de longe, tanto no tempo como no espao. Trata-se de uma
antiga tradio do Tibete, o Livro Tibetano dos Mortos (Bardo Thdol), traduzido para o
ingls pelo lama Kasi Dawa Samdup, que, desse modo, transmitiu ao mundo ocidental parte
do ensinamento dos grandes mestres da sabedoria budista do Tibete, especialmente no que
diz respeito s experincias post mortem, no perodo da existncia como desencarnados, e
ao fenmeno da reencarnao . relembra-nos ele o Livro Egpcio dos Mortos e representa
um dos elos da grande corrente de homens, religies e povos, unidos atravs do tempo e do
espao pela mesma f na reencarnao. Bastaria o fato inegvel de sua difuso no mundo,
para constituir uma prova da verdade dessa teoria.

interessante o Livro Tibetano dos Mortos, porque nos mostra de forma


cientifica, poderamos dizer, o mecanismo da transmigrao, de vez que a encontram
aplicao alguns fatos comprovados pela cincia ocidental. Escolhemos esse livro, entre
tantos de sua espcie, porque o nico que trata racionalmente do perodo de existncia
entre a morte e o renascimento, baseando-se em dados que tm correspondncia no terreno
fisiolgico e psicolgico que a experincia humana pode controlar. E isto est conforme aos
ensinos de Buda: que no se aceite como verdadeira nenhuma doutrina, antes de t-la
experimentado e reconhecido como verdadeira, promanasse ela mesmo das Escrituras.
Assim, a teoria da reencarnao -nos apresentada nesse livro como uma lei natural, que se
harmoniza com todas as outras leis do ser, e o fenmeno como correspondente grande lei
que constitui o prprio princpio da criao, isto , a potencialidade criadora do pensamento.
Co efeito, ns nos construimos a ns mesmos, com os nossos pensamentos, da mesma
forma que Deus, com a simples atividade de Seu pensamento, criou o universo. P pensamento
a fonte primeira de tudo. Resulta da o Karma, pelo qual, o que livremente se semeou, ser
totalmente colhido mais tarde.

Estabelecido o princpio do poder determinante do pensamento, o resto se


desenvolve logicamente. A existncia depois da morte apenas uma continuao da vida, j
no mais em condies fsicas, mas em condies psicolgicas, como conseqncia do
fenmeno psicolgico que se iniciou na vida terrena. Este lado, que na terra constitui apenas
uma parte da vida em funo das atividades fsicas, passa ento a prevalecer e domina todo o
campo do ser. D-se, assim, uma inverso: a vida no procede mais do exterior para o
interior, como percepo por meio dos sentidos, mas procede do interior para o exterior,
como projeo das impresses colhidas, armazenadas e assimiladas, pela repetio, em
forma de automatismos. Tudo isso se desenvolve canalizado pela lei de causa e efeito com
correspondncias especificas e proporcionadas do efeito para a causa.

A existncia depois da morte , pois, uma continuao no plano psquico da


vida precedente no plano fsico, at o momento em que se retoma um corpo, para continuar o
caminho da evoluo. A natureza dessa existncia de desencarnados a conseqncia exata,
em alegria e dor, e em qualidades de representaes mentais da existncia material
precedente, que por sua vez a conseqncia de todas as anteriores. E no mundo dos
desencarnados a representao mental tudo. Falando psicologicamente, poderamos
chamar a isso um estado de sonho prolongado, cheio de vises vivssimas, decorrentes
diretamente do contedo mental do indivduo que as percebe.

No esqueamos que o ser decaiu no relativo, e vive na grande May, ou


iluso, isto , no irreal, quer esteja encarnado ou desencarnado, dado que o real s pode
alcanar-se no fim do caminho evolutivo, quando forem reencontrados a perfeio e o
absoluto. Nossas percepes, que chamamos luz, som, calor, tato, olfato, etc., so sensaes
exclusivas da nica parte de nosso ser que possui capacidade sensitiva, isto , o esprito.
Objetivamente, de per si, eles no existem, mas unicamente em funo dessa capacidade
sensitiva apta a perceb-las. Tirai esta e existiro apenas vibraes com determinada
freqncia e comprimento de onda. Os sentidos so simplesmente meios de transmisso
dessas vibraes, que, recebidas, selecionadas e coordenadas nos centros nervosos, so a
percebidas, lidas e registradas, pela central nica, que o esprito, e nele somente que se
tornam luz, som, calor, etc., como as chamamos. Esse estado de iluso proporcional ao
grau de involuo do esprito, que corresponde ao grau de materialidade de sua existncia, ou
seja, inconscincia, ignorncia, profunda imerso no irreal. Quanto mais for involudo o
esprito, tanto mais adormecido est ele. Mas pode ser desfeita a grande May ou com o
evolver, desmaterializando a prpria forma de vida, aprendendo a cada vez mais perceber de
maneira extra-sensria. Nesse caso, tambm a vida de alm-tmulo se torna mais clara; surge
e cada dia mais se firma uma capacidade de orientao e de escolha, na grande corrente dos
renascimentos, o esprito sempre mais se aproxima da viso real e se torna cada vez mais
senhor do seu destino.

No fundo do ser h esse ncleo central, o ego, centelha divina, que a queda
no pde destruir e permanece como um conjunto de potencialidades latentes, comprimidas,
adormecidas mas ansiosas para se tornarem ativas, para expandir-se, despertando. Nesse
ego, apesar de tudo, Deus permaneceu como centelha animadora. DEle, a espera de
infinitos desenvolvimentos, nasce o impulso ntimo e instintivo da evoluo, que forma, desse
modo, o movimento ascensional de todos os seres do universo. Nesse fenmeno da evoluo
enxerta-se, como necessidade absoluta, o fenmeno da reencarnao, sem o qual no seria
possvel a reconstruo do eu. Desse modo, a vida nica, pulsando do seu lado material para
o seu lado espiritual dois aspectos inversos e complementares, sem os quais seria
incompleto o fenmeno - vai vivendo momentos diferentes, em que prossegue o
desenvolvimento das mesmas foras em evoluo. No fim de cada ciclo, a alma deposita nos
braos do ciclo seguinte os resultados alcanados, e crava no caminho da evoluo o marco
de seu percurso. Tudo funciona obedecendo a uma lei de harmonia. Assim como no estado
embrional humano, o feto passa por todas as formas de estrutura orgnica, desde a ameba
at o homem, da mesma forma, no estado posterior morte deve a alma retomar, tanto mais
conscientemente quanto mais for evoluda, todas as experincias vividas em suas existncias
passadas, para a elas acrescentar os resultados da ltima. Na terra a cincia v apenas um
lado da existncia, a metade somente do fenmeno da vida. Nosso mundo fsico e biolgico
deve ser completado com o mundo espiritual, que lhe forma o substrato e do qual fornece a
explicao, e se isso no for feito, nada se compreender.

Se em torno de ns olhamos, vemos que tudo vivo, que tudo constitudo


pela vida, regido por esse princpio espiritual que impulsiona tudo a caminhar no sentido
evolutivo. Evoluo que se revela na forma, apenas num segundo tempo e como
conseqncia, antes de tudo, est no esprito. Quer isso dizer que tudo que existe, do mineral
ao gnio, evolve, alcanando um grau cada vez maior de iluminao. E isto quer dizer
despertar da conscincia, comeando pela capacidade de sentir e reagir, que representa o
primeiro e mais rudimentar acordar da alma. Este o caminho do ego ou centelha divina, alma
de toda individuao existente, para remontar s origens.

Tudo isso, entretanto, no acontece ao acaso, ou desordenadamente. Todo


ser est aderente sua forma que sua expresso, de acordo com o grau que atingiu. Nos
planos mais elevados cada indivduo est ligado ao seu tipo biolgico, nele est encerrado e
no lhe so permitidas improvisaes de qualquer espcie. Todavia as portas no esto
fechadas. A Lei impe apenas um princpio regulador, que garante a estabilidade da forma e
dos tipos, pois sem isso a vida se tornaria um caos. Pode-se sair do recinto fechado que o ser
formou para si, e que manifesta o caminho percorrido. A estabilidade lhe garante que esse
resultado, conquistado por ele, seu e, se lhe permite sair, s o faz em continuao , ao longo
da linha causa-efeito, lentamente, pelo caminho da transformao evolutiva, de acordo com o
conhecido mtodo do registro das experincias e da sua assimilao e transformao em
qualidades, por meio dos automatismos.

assim que o bitipo humano, como alma, espiritualmente o produto


hereditrio dos reinos sub-humanos. O bitipo que constitui o elo biolgico de juno entre
uma forma orgnica inferior e a superior to procurado pela escola darwiniana e por seus
sucessores para demonstrar a teoria da evoluo em bases puramente materialistas
representado antes de tudo por um tipo, que definido por particularidades psquicas prpria,
ou seja, de desenvolvimento espiritual. A essncia da evoluo dessa natureza, sendo a
transformao orgnica sua ltima conseqncia. o esprito que forma suas prprias
qualidades, que ele depois exterioriza nos rgos fsicos de seu corpo. A continuidade da
evoluo existe, e deve existir, primeiramente, no lado desenvolvimento do eu, ainda que isso
no aparea externamente, porque suas formas que aparecem com interrupes, o exprimem
apenas de modo descontnuo. preciso compreender o que Darwin e seus seguidores
materialistas no compreenderam e no podiam compreender, isto , que a evoluo guiada
por um fluxo vital e que sua substancia espiritual . a chave do fenmeno da evoluo est
precisamente nos antpodas da f materialista, sobre a qual eles se basearam. No centro do
fenmeno da evoluo est a expanso progressiva do princpio divino aninhado nas
profundezas do eu e capaz de desenvolvimentos infinitos. Darwin e seus seguidores no
podiam compreender tudo isso. No centro da evoluo, existe esse princpio espiritual, capaz
de aprender atravs do choque da luta pela vida, pois, se assim no fora, esse grande esforo
no teria sentido nem finalidade. O ambiente martela desapiedadamente a bigorna, a fim de
despertar uma alma capaz de atingir desse modo a iluminao. O alvo da evoluo algo que
Darwin e sua escola no podiam perceber, ou seja, desenvolvimento espiritual que o
despertar da conscincia at encontrar Deus.

Nada se pode efetivamente compreender do fenmeno da evoluo, se no se


percebe a semente psquica que a causa dessa forma. E essa semente que forma ao seu
redor o seu prprio corpo, com os materiais do ambiente. Por isso, s capaz de produzir um
organismo correspondente sua prpria natureza. assim que o princpio psquico
involuidssimo do mineral (to involudo que muitos o negam) no poder produzir seres mais
evolvidos que os cristais, capazes somente de orientar suas molculas em formas
geomtricas. E assim, gradativamente subindo at o homem, nenhum indivduo pode formar
para si uma veste corprea que seja mais que ele mesmo. E chegamos assim a reencarnao,
que no diz respeito somente ao homem, mas, nesse amplssimo sentido, o todo ser vivente.
Assim, pois, cada ser humano no poder nascer se no num corpo adequado ao
desenvolvimento psquico do esprito animador. No poder nascer no corpo de um animal ou
ao contrario. Imitir o princpio espiritual de um ser humano na forma fsica, de um animal, de
um inseto, seria como querer que o oceano entrasse num rio. Todavia h uma possibilidade
terica de que isso se venha a dar, quando, por involuo um oceano se evaporasse at
tornar-se um rio. Verifica-se, nesse caso, o processo inverso da evoluo, isto , em lugar de
desenvolvimento de conscincia, a sua reduo e adormecimento. Ento as qualidades mais
elevadas anteriormente adquiridas, atrofiam-se por falta de exerccio, como acontece para o
rgo corpreo que no seja mais utilizado.

Nesse caso toda reencarnao origina no um desenvolvimento, mas uma


perda de conscincia, de sensibilidade, de inteligncia, isto , uma descida sempre maior para
a inconscincia. Em outros termos, o ser expulso, cada vez mais, do divino consciente
universal que tudo rege, em lugar de ser sempre mais acolhido nele para conhecer e colaborar
como obreiro de Deus, como acontece a quem evolve.

Tais transformaes, em geral, tem lugar somente nos limites de regressos


relativos e temporrios, seguidos, antes ou depois, por recuperaes salutares. Elas tornam-
se possveis pelo fato que existem evidentes semelhanas entre bitipos mais ou menos
evoludos, dado que os planos inferiores contm os primeiros princpios, os mais
elementares, dos planos superiores. assim que, ns mesmos, atribumos a animais
qualidades humanas, como a fidelidade ao co, a imundcie ao porco, a operosidade formiga
ou abelha, traio a cobra venenosa, o assassnio ao tigre, a astcia raposa, o instinto
do furto e da imitao ao macaco, a misria vil ao verme, a leviandade e a graa borboleta, a
fora ao boi, a coragem ao leo, etc. todos reconhecem nos animais sentimentos humanos de
amor , dio, vingana, inveja, cime, inteligncia, estupidez, etc. Evoluindo, esses rudimentos
de conscincia desenvolver-se-o no homem, mas se este involve, poderia reduzir-se, da
riqueza de seus sentimentos, queles rudimentos. Desse modo, involvendo, o assassino
poderia chegar a reencarnar-se num animal feroz, o sensual, e guloso no suno, etc. Mas isto
demasiado difcil, dado que haveria necessidade de perodos extremamente longos de
retrocessos, insistindo num mal que constitui dor tambm para o sujeito que o pratica, dor
que ele mesmo instintivamente, procura libertar-se. Perodos longussimos de milhares de
encarnaes so precisos para que se possam verificar essas transformaes biolgicas,
seja em sentido involutivo como no evolutivo, neste segundo caso para desenvolver a
conscincia subumana latente, na conscincia desenvolvida do homem.

As operaes da natureza so dirigidas por leis de proporo e harmonia e,


por trs da biologia das formas orgnicas, h uma outra biologia de que tudo depende e sem
a qual aquelas operaes no so compreensveis. Nenhuma forma aparece por acaso, mas
o resultado de longos perodos de amadurecimento de fenmenos espirituais. O gnio e o
santo representam o produto destilado de quem sabe de quantos milheiros de encarnaes.
Por certo a evoluo uma fora que impele para frente; a lei fundamental da vida, mas,
agora temos observado, no se pode excluir a possibilidade terica do processo inverso, isto
, da involuo, porque o homem no um autmato amarrado a evoluo. Antes, a liberdade,
a lei fundamental e inviolvel do seu ser. esta sua liberdade que nos impe a admisso da
possibilidade de que o homem dela faa o uso que melhor entender, tambm, pois, para
retroceder. Se o homem no pudesse tambm involver, no seria mais livre. Na prtica,
entretanto, haver corretivos que tornaro apenas terica essa possibilidade de auto-
destruio por involuo. Mas nunca poderemos admitir que a lei seja um sistema
escravizante que reduza o ser a um autmato e, portanto, irresponsvel.

Permanece, pois, livre e pode sempre retroceder. Esse princpio de liberdade


no pode permitir a excluso de uma vontade contnua e tenaz de regresso. Que acontecer,
ento? lgico que, se no sistema, permanecesse definitivamente um simples tomo de mal,
o plano de Deus resultaria falido. No , pois, concebvel que seja deixada liberdade da
criatura a possibilidade de vencer definitivamente contra Deus, arruinando Sua obra. Impe-
se, por isso, a destruio final do mal e, pois, do ser que o personifica. Isto porque junto da lei
da liberdade, h aquela que exige, quando o mal queira impor-se definitivamente, sem nunca
converter-se no bem que a lei do sistema, que seja eliminado por aniquilamento.
J desenvolvemos esse tema no volume Deus e Universo, nos caps. VII e X.
Aqui resumimos e precisamos alguns particulares.

Como, pois, se combinam estas duas exigncias opostas: a que garante a


liberdade do ser e a que exige a destruio final do mal para salvaguardar a incolumidade do
sistema? Quais so os corretivos que tornaro somente terica esta possibilidade de
destruio do rebelde? Como pode dar-se tudo isto sem violao do princpio da liberdade?

Todo o ser, embora decado, permanece sempre uma criatura de Deus, em


cujo fundo sempre est acesa a Sua divina centelha animadora, cuja natureza positiva, no
negativa, consistente no existir e no no destruir. Por isso no pode, por sua prpria natureza,
deixar de agir e rebelar-se contra seu prprio aniquilamento, dado que o princpio
fundamental que o rege o do eu sou, a afirmao primeira pela qual Deus . A revolta, a
inverso ao negativo pelos caminhos do mal, nunca poder anular este princpio fundamental
do egocentrismo. Eis, pois, inserido no mago do ser um freio automtico prpria liberdade,
que a limita a uma possibilidade terica, porque, quando se trata de ir contra o prprio
interesse egostico, ainda que seja possvel a liberdade de faz-lo, ningum o querer fazer.
Eis o impulso que corrige a direo errada que a liberdade pode tomar pelas vias do mal; eis o
que torna em simples possibilidade que, na prtica, desse modo, venha a ser irrealizvel; eis o
que, em todo o caso, salva o ser rebelde da anulao final, qualquer seja a sua livre vontade.

H, tambm, um outro freio ou limitao liberdade do ser, para estancar o


progresso nas vias do mal e impedir-lhe a loucura do suicdio por aniquilao. A liberdade do
ser no to grande que lhe permita alcanar o ponto em que, sobrevivendo exclusivamente
como mal, o sistema tornar-se-ia poludo e, em que, para eliminar a poluio do sistema o ser
viria a auto-eliminar-se. A liberdade um qualidade de Deus e do ser no decado, qualidade
do esprito que, atravs da involuo, se inverte cada vez mais no determinismo da matria.
Disto decorre que, quanto mais se insistir na vontade do mal, tanto mais involui-se e perde-se
a liberdade e, com isto, a capacidade de efetivar o mal. Ento a vontade mal dirigida paralisa-
se e desse modo, automaticamente, o ser encontra-se impedido de prosseguir, tanto mais,
quanto se adiantara no caminho do mal e, portanto, se seu prprio aniquilamento. A liberdade
uma qualidade fundamental e inalienvel do ser, que a recebeu ntegra como divina
qualidade a que tinha direito como filho de Deus. Mas, com a sua revolta e conseqente
queda, esta qualidade toldou-se na derrocada, o que vem significar a sua tendncia a
deslocar-se para sua inverso ao negativo, isto , para o determinismo. Com a evoluo, o
ser, elevando-se novamente, reconquista sempre mais a sua liberdade originria. Mas, eis
que, quem involve, cada vez mais o perde e com isto perde a possibilidade de praticar o mal e,
portanto, de progredir para seu aniquilamento. Com a involuo verifica-se uma espcie de
congelamento daquela liberdade no determinismo, que se torna sempre mais rgido quanto
mais se descer para os planos inferiores. Ento uma outra vontade, a da Lei, substitui-se
sua, porque determinismo quer dizer vontade da Lei. Assim que o ser retomado pela Lei,
como um destroo incapaz de se dirigir e entregue corrente, agora dominante em sentido
evolutivo, porque agora, a Lei a evoluo, por reao completa, compensa e reequilibra o
processo involutivo precedente. O ser, desse modo, reconduzido tona, contra sua prpria
vontade de mal e auto-destruio.

Estes corretivos da liberdade do ser, agindo cada vez mais energicamente,


quanto mais esse a utiliza em seu prprio dano e em sentido destrutivo, querendo evolver-se
no erro e no mal, tais corretivos acabam por endireitar o caminho do ser na direo evolutiva,
isto , na de construo e salvao. assim que a Lei, mesmo respeitando a liberdade
fundamental do ser, resulta construda to sabiamente que contm em si os meios
automticos adequados a frear essa liberdade, quanto dela se faa mau uso.
Assim que essa Lei chega a impedir aquela auto-destruio, que de outro
modo seria necessria pelo fato de que o mal no pode, absolutamente, vencer em forma
definitiva, seja mesmo infinitesimal, mas somente pode permanecer transitoriamente e
servindo aos fins do bem. Permanecem, desse modo, satisfeitas as duas exigncias opostas:
esta da absoluta eliminao do mal, como a outra do princpio de liberdade, que no
negado. Assim que podemos concluir que a possibilidade de aniquilamento do rebelde,
contra a Lei, permanece apenas como possibilidade terica.

Aps esta digresso explicativa, til para uma melhor compreenso do


argumento de que estamos tratando, voltemos a examinar o Livro Tibetano dos Mortos.
Confirma-nos ele uma idia aceita pelo Ocidente, ou seja, que o subconsciente mantm em
reserva, em estado de latncia, a memria de todo passado biolgico do indivduo e da
espcie. Aqui porm, memria biolgica ancestral, que reproduz no plano orgnico as
qualidades adquiridas pela raa em suas longas experincias, acrescenta-se uma memria
pessoal, que reproduz no plano psquico as qualidades adquiridas pelo indivduo, nas
experincias de sua mltiplas vidas. O nosso passado foi duro e bestial e, no subconsciente,
como nos ensina a psicanlise, esto inscrito tanto o terror da luta como os instintos mais
primitivos e ferozes. Nosso passado recente a tenebrosa Idade Mdia, de somente agora
estamos emergindo. Consiste o progresso em nos libertarmos desse amargo lastro
psicolgico, que ainda persiste em ns; em libertar-nos todos daquelas terrificantes formas
de pensamento que oprimiram a humanidade durante sculos, como a perseguio ao
prximo em nome da virtude e as vinganas de Deus com as torturas do inferno; em libertar-
nos todos das formas de pensamento de agressividade e ferocidade em que a humanidade
viveu at hoje, construindo uma tica falseada por iluses psicolgicas, constitudas, por
vezes, de desabafos sdicos ou aceitaes masoquistas, que nada tm que ver com a
verdadeira moral.

A parte psicolgica, correspondente a esta memria pessoal, tem funo


preponderante naquele Livro Tibetano dos Mortos, em relao vida depois da morte. A vida
do desencarnado, diz este livro, totalmente produzida pelo contedo mental do prprio
indivduo que a percebe. Assim um muulmano ver o paraso de Maom, um indiano ver
seu nirvana, o cristo o seu cu de anjos e santos, o materialista, depois da morte, ter
somente vises negativas, vazias, tal como imaginava quando vivo. Essas vises mudam de
acordo com a erupo das formas-pensamento fixadas no indivduo que agora as percebe.
Isto at que sua fora crmica condutora se no haja exaurido por si mesma. Trata-se de
formas-pensamento ou criaes mentais que, no estado de desencarnado, sem corpo
material, adquirem, num ambiente impondervel, a consistncia do real, qual nos aparece em
nosso mundo sensrio, em vida. Essas formas-pensamento so constitudas de matria sutil,
que representa a primeira fase na criao da matria, a que diretamente deriva do
pensamento, que sobre ela tem poder gentico e modelador. Assim, essas formas-
pensamento derivam diretamente do pensamento, isto , dos pensamentos que cultivamos ou
que nos dominaram em vida, ou seja, de nossa atitude espiritual dominante e habitual, de que
derivaram tambm as atividades mais repetidas, geradoras por isso daqueles automatismos
com que se fixam as tendncias e instintos futuros. Assim, afirma o livro citado, no estado de
desencarnados vivemos no ambiente que ns mesmos formamos com os nossos
pensamentos durante a vida. Esgotado o impulso que ns mesmos lhe imprimimos, termina a
representao ou projeo e o estado de desencarnado. O esprito sente ento atrado a
dirigir-se para o mundo dos vivos, para nele recomear suas experincias.

Essa a doutrina do Livro Tibetano dos Mortos. Quer ele avisar-nos que, no
estado de desencarnado, essas vises no so realidade, mas apenas reflexos das prprias
formas-pensamento. Os pensamentos so como germens concretos, sementes que podem
ser plantadas no terreno de nossa conscincia. Se encontram terreno favorvel, isto , afim,
de modo a poder sintonizar com ele, lanam razes, sejam eles bons ou maus, crescem e
formam a personalidade, ou natureza espiritual de um homem, da qual, mais tarde, depender
seu destino e tambm sua forma fsica, especialmente a da face. Nessas sementes, imprimem-
se os pensamentos dominantes na vida de um homem. Quando olhamos a face de um
semelhante nosso, atravs das formas materiais, vislumbramos sua alma. Esta que nos
interessa acima de tudo, porque ela que tudo. Caso eliminada seja, ns nos distanciamos
com repugnncia do cadver, que somente o despojo morto, sem qualquer valor ulterior.
Essa alma que procuramos no rosto alheio um corpo sutil, uma espcie de organismo
dinmico de determinadas vibraes de natureza especifica, cujo conjunto define aquele feixe
de formas-pensamento e tendncias, que se chama personalidade. Essas formas-pensamento
so inseparveis da alma, representam sua prpria natureza, de modo que seguiro o
indivduo em qualquer lugar em que ele se encontre. So forcas ativas, cujo movimento fatal
no pode ser detido, e que tem que desenvolver-se deterministicamente at o fim, de acordo
com a lei crmica de causa e efeito.

No estado de desencarnado, o homem encontra-se no mundo dos efeitos,


cujas causa foram semeadas na vida por meio de pensamentos dominantes e de suas obras.
Por isso, paraso e inferno so estados mentais de alegria ou de dor, criados por ns
mesmos, existentes para cada um na forma por ele prprio gerada, e inexistentes fora de sua
mente. So estados ou condies completamente espirituais daquela alma que, tendo perdido
os meios sensrios para sentir, permanece sempre o centro de toda a capacidade sensitiva,
especialmente agora que est livre do corpo. A crena difundida em nosso mundo, em estado
de alegria ou sofrimento depois da morte e isto dependendo da boa o m conduta precedente
do indivduo, crena que reconhecemos em tantos povos, nos mais diversos lugares e, pode-
se diz-lo, em todos os tempos, demonstra que nos encontramos em face de um fenmeno
que no pode ser produto de um s pensador ou de determinada filosofia ou religio, mas que
parte da realidade biolgica universal, verdadeira para todos, em todos os tempos. H
conceitos instintivos, comuns a toda a humanidade, como os conceitos de bem e de mal, que
se revelam inerentes prpria natureza humana e que fazem parte de uma tica biolgica
universal, do que tambm os animais superiores mais inteligentes, e que de mais perto
convivem com o homem, chegam por vezes a participar. Foi assim que pde nascer, nos
lugares e tempos mais remotos, a mesma idia de inferno e paraso, ainda que repleta das
mais diversas imagens mentais, sugeridas pelo prprio ambiente terrestre particular. Mas o
fato de que, em to diferentes representaes, da hindu maometana, crist etc.,
reencontramos um fundo idntico e comum nos assegura que no nos achamos em face de
produto particular de uma religio, mas como j o dissemos, diante de um produto biolgico
universal, que se baseia em fenmenos positivos da vida, independentes de qualquer religio,
tanto que todas as religies, por mais diversas, o repetem, igualmente. Dos egpcios aos
cristos h um julgamento posterior morte, com as respectivas conseqncias. Tudo isso
no , somente problema religioso. Quando o homem houver aprofundado as cincias
biolgicas e psicolgicas, chegando a compreender a biologia tambm como fenmeno
espiritual, ento poder reconhecer cientificamente a verdade objetivas desses estados
espirituais, depois da morte que se chama inferno e paraso. Existncia objetiva mas s como
estado mental, exclusivamente pessoal, em ntima relao com a existncia terrena
precedente e com seu tipo de pensamentos e atividades dominantes.

Depois da morte, o que o indivduo pensou e fez torna-se objetivo. Tudo o que
nele viveu, volta a ele na forma de reflexos crmicos. As formas-pensamento visualizadas em
sua conscincia, que ele deixou enraizar-se, crescer e expandir-se, vivem agora diante dele,
tomando forma concreta naquele ambiente mais sutil, em que isso se torna possvel. De fato a
tendncia de todo pensamento de atingir a sua manifestao. E isto, repetindo o motivo
fundamental da criao, do primeiro ato gentico operado por Deus, do qual desceu a
construo do universo fsico. Aquele o primeiro grande modelo; esta a repetio. E o
universo funciona Atravs de modelos nicos e de sua repetio em todas as dimenses e
graus de evoluo. Assim, a vida encontrado um caminho, tende a passar por ele infinitas
vezes, at que encontre uma estrada melhor. Quando a cincia psicolgica estiver mais
evoluda, esses fenmenos mentais tornar-se-o claramente compreensveis, e compreender-
se- como nossos impulsos mentais, em vida, possam, depois, personificar-se em formas, no
estado depois da morte.

* * *
Neste ponto ingressamos na parte que mais interessa teoria da
reencarnao. Chega o momento em que o impulso das foras, postas em movimento na vida,
se esgota, cessando seus efeitos de alegria ou de dor, segundo sua natureza boa ou m.
Desperta ento o ser, alcanando a compreenso de seu novo estado, isto , do fato de ter
morrido e de se encontrar sem corpo fsico. Ento, diz o Livro Tibetano dos Mortos, o ser
ingressa no estado transitrio da procura do renascimento, fenmeno do qual aquele livro
oferece as diretrizes, ensinando as modalidades do processo para reencarnar-se bem.
Alcanando a certeza de encontrar-se sem corpo, por ter este morrido, nasce ento na alma,
o desejo de formar novo corpo para si. Procura ento o lugar onde reencarnar, para
recomear nova vida.

Por que acontece isto? Porque a vida contnua e no pode parar. H entre
uma vida e outra, um elo de conexo causal, pelo qual, as causas devem extinguir-se em seus
efeitos, e o que foi iniciado num ciclo tem que cumprir-se no seguinte. O impulso irrefrevel
da vida no pode parar, e forosamente tem que seguir adiante nessa linha, que lhe foi
determinada pela Lei. A vida no pode parar, e deve continuar seu caminho ao longo da trilha
crmica. Mas, por que que o esprito deve tender a reencarnar-se, isto , a descer na matria
nela construindo para si uma forma fsica? H um conceito profundo na base dessa
necessidade, que no apenas a tendncia que todo pensamento tem, como j vimos, de
atingir sua manifestao, como repetio do motivo fundamental da criao. J explicamos,
no volume Deus e Universo, como o universo fsico, que nos circunda, , no a verdadeira
criao de Deus, porque sua criao foi espiritual, mas uma queda, uma descida dela na
matria, como conseqncia de uma revolta da criatura contra o Criador.

H, pois, tambm este outro motivo fundamental, como base da gnese do


universo fsico, o motivo da queda na forma material. Ora, pelo mesmo princpio acima
exposto, de que o universo funciona por modelos nicos, e por sua repetio, aquele motivo
fundamental, uma vez firmado, tende a repetir-se ao infinito. Por isso, uma vez gravados em si
mesma os resultados da vida fsica, repassando numa viso depois da morte todo o caminho
percorrido e estabelecendo desse modo at que ponto da escala evolutiva haja chegado, pelo
trabalho da vida, a alma s pode continuar seu caminho, se levar, de novo, aqueles
resultados, ao cadinho das lutas da vida fsica, a fim de novamente elabor-los, levando-os
mais adiante. por isso que a evoluo no pode dar-se de forma ascendente contnua e
retilnea, mas unicamente de acordo com o primeiro modelo da queda, isto , por um caminho
interrompido por contnuos retornos ou descidas na matria, a fim de nela completar um novo
trecho de subida, conseqncia das etapas precedentes. O motivo original da queda faz com
que o ser no se possa adiantar seno atravs do retrocesso de um passo, a cada dois
passos frente. Com efeito, esse o andamento da trajetria tpica dos motos fenomnicos,
exposta no comeo da Grande Sntese, trajetria da qual, s assim, podemos explicar essa
forma de desenvolvimento. Com a queda, o ser estabeleceu essa lei, e ela que o impele a
retroceder a cada impulso, ao longo do caminho do esprito, que caminho de libertao e
felicidade, recaindo numa nova vida na estrada da matria, que o caminho da escravido e
da dor.

Por isso o esprito est jungido roda crmica de suas sucessivas


reencarnaes, necessrias para completar a evoluo e reconquistar o paraso perdido.
Depois de havermos compreendido por que a evoluo teve que tomar esse ritmo de
impulsos interrompidos por continuadas quedas, procuremos agora compreender quais
sejam os princpios que presidem ao fenmeno de escolha do renascimento. Como tudo em
nossa vida um jogo de atraes e repulses, assim ocorre neste caso, que relembra a
escolha sexual. Dizer que o que liga uma vida outra o anel da conexo causal, significa
mais precisamente, que as escolhas das formas do renascimento guiada por uma predileo
crmica instintiva, que constitui automaticamente o impulso determinante. Cada ser humano
possui afinidades com determinados bitipos e ambientes terrestres, acha-se em sintonia
com os mesmos e por eles sente atrao e afeio, o que para ele constitui uma chamada
irresistvel. Com aqueles determinados bitipos e naqueles determinados ambientes, esse ser
humano reencontra seus velhos hbitos da vida precedente, sua expanso, suas satisfaes,
sua ligaes de dio e de amor. Se no for um ser superior, ele permanece apegado a todas
essas coisas da terra, e esse apego prende, poderosa fora que, mesmo sem que ele o
perceba, o atrai, como acontece com a atrao sexual. H semelhana, entre esta e a
predileo crmica do renascimento. Os dois fenmenos so to conexos um ao outro, que
parecem um nico fenmeno, do qual representam apenas dois momentos sucessivos. Para a
grande maioria ignara, tudo isto acontece por instinto, por obedincia mecnica s leis de
atrao e repulso. Para os seres mais evolvidos a escolha livre, consciente, executada em
virtude de realizaes complexas, em funo da organizao do universo e do progresso da
humanidade, como atividade voluntria para a execuo de determinadas obras e de destinos
especiais. Mas isto, para ns, constitui exceo.

Do mesmo modo que todos chegam escolha sexual por instinto, sem saber
o porqu de certas preferencias, ainda que razes profundas existam, assim tambm quase
todos chegam a escolha da reencarnao por instinto, sem saber o motivo, embora existam
razes especificas para isso. No por acaso que um esprito nasce aqui ou ali; a sabedoria
da Lei guia tudo harmonicamente e, por meio dos instintos, sabe conduzir o indivduo para
onde deve ir, aonde a sua ignorncia no lhe permitiria chegar. H equilbrios de foras que
determinam o tempo, a raa, os pas, a famlia, a mulher e, com isto, o ambiente em que o
indivduo deve nascer. Antes de mais nada, tudo isso obedece natureza do bitipo
espiritual, que deve encontrar o terreno apropriado para nele colher os materiais a fim de
construir uma forma adequada no plano fsico. As atraes e repulses so foras que
constituem liames invisveis, que mantm coesos os mais distantes elementos constitutivos
do universo. Tudo se movimenta ao longo desses fios, que formam uma rede que intimamente
une tudo a tudo. H trilhos invisveis, de natureza dinmica e psquica, que guiam o caminho
das almas para determinados pontos, de preferncia a outros. O que as impele a seguir esse
trilho , como na vida, o instinto, o desejo. Essas ansiedades representam o im que atrai os
seres para certos ambientes. Nascem de um estado de afinidade, de co-vibrao, dando lugar
a atos inconscientes, instintivos. Mais as maiores atividades da vida, sabmo-lo, no so
confiadas sabedoria humana, demasiado fraca e pequena, para que se lhe possa confiar
algo de importncia. Mais do que conscincia do indivduo, so elas confiadas sabedoria
das leis da vida, a uma maior conscincia universal que, sabendo tudo, tudo dirige.

E, assim, est automaticamente pronto o impulso que conduzir cada alma


inconsciente para o ambiente em que se vai reencontrar a si mesma, e portanto tambm, l
mesmo, as conseqncias de suas aes no passado. Est assegurada, dessa forma, a
continuidade e sussesso lgica das experincias na evoluo,, tudo harmonicamente, sem
interrupes. Assegurada fica, assim, no mecanismo da transmigrao, a conexo causal
crmica. desse modo que as almas inconscientes do grande fenmeno que esto vivendo,
vo sendo arrastadas, tudo ignorando da mesma forma que os elementos componentes do
tomo ao longo das trajetrias da vida, impelidas por essas foras, ora aqum ora alm do
limite que separa os dois mundos da vida e da morte, atradas pelo desejo, obedecendo as
leis que no conhecem. Em fileiras, empurradas pelo divino impulso da vida, perseguidas pela
dor para apressar o passo da evoluo, de iluso em iluso, vo indo, errando cegamente e
construindo destinos e provas, tudo para aprender. Em fileiras imensas, em massas de
humanidades, em falanges csmicas, de mundo para mundo, vo sofrendo, lutando,
aprendendo. Turbilho to grande quanto a luz da poeira csmica estelar, at as mais
longnquas galxias, este universo espiritual em equilbrio com o universo fsico universo
impondervel que a cincia ainda no conhece. E tudo, num harmnico sentido evolutivo,
ascende para Deus.

O conceito central, que guia o Livro Tibetano dos Mortos, o de alcanar a


iluminao, nica condio que pode permitir o ser escapar corrente das mortes e dos
renascimentos. Em termos ocidentais, a iluminao a conscincia, e tudo isso quer dizer
que, a referida corrente no pode ser quebrada, seno alcanando o termo da evoluo, isto ,
com a subida at Deus, no fim do ciclo. Evidentemente, no esto desenvolvidos naquele
volume os conceitos que aqui especificamos, para tornar compreensvel seu difcil texto. Mas
nele esto presentes, embora escondidas e latentes, fazendo parte de sua filosofia.
Ingressamos, agora, aqui, no tema especifico do texto tibetano que, acima de tudo, se refere
arte de escolher uma nova reencarnao.

No podemos aceitar a concepo negativa dessa filosofia tibetana, que


afirma estar a causa de todos os males no desejo e na sede de sensaes, e que diz estar a
salvao na supresso de tudo isso, pois isso que nos amarra s rodas das reencarnaes;
no entanto, interessa-nos esse livro. Porque esclarece diversas particularidades do fenmeno
da reencarnao, que estamos estudando, e confirma algumas das asseres feitas em outros
volumes da presente Obra. O nosso conceito da significao da reencarnao diferente. A
salvao no consiste em saber escapar-lhe, nem na conseqente evaso da vida, mas
consiste em saber utilizar tudo isso para evolver, porque a salvao reside apenas em saber
remontar o caminho da descida. Concepo ocidental positiva e dinmica, no perdida no
vazio das abstraes para escapar ao irreal, mas apaixonada e criadora tambm em nosso
mundo, que deve ser corrigido e melhorado, e no renegado aprioristicamente, sem remdio.
Assim, o mundo moderno pode, com a concepo crist do amor, completar a concepo
budista, menos completa, a da supresso do desejo. Para ns a reencarnao no apenas
uma condenao, mas sobretudo um meio de redeno, atravs das provas da vida. A dor
no um castigo, mas um meio de salvao, como no-lo ensinou o Cristo com sua paixo. A
finalidade ltima da vida no alcanar um nirvana, cuja realidade consista no aniquilamento
de todos os recursos do eu, cuja alegria provenha de um repouso contemplativo e de uma
felicidade negativa, representada unicamente pela excluso da dor. No! No queremos, ns
do mundo cristo, apenas a paz obtida com a renncia, retraindo-nos da vida num supremo
vcuo da alma destacada de tudo; queremos, isto sim, a felicidade conseguida com um
trabalho produtivo de bem, seja na terra como no cu, afirmando-nos na vida, na suprema
plenitude da alma que se enriqueceu com tudo ao reencontrar Deus. O fenmeno doloroso da
morte e do renascimento no vencido se desaparecermos pela fuga do caminho da
evoluo, mas se caminharmos para a frente, pois sabemos que o desenvolvimento da
conscincia, pouco a pouco e automaticamente sutiliza, at anul-las com a espiritualizao,
essas formas de vida despedaadas prprias do plano da matria.

Falando dos mtodos que so aconselhveis ao esprito, para evitar o castigo


das reencarnaes, o Livro Tibetano dos Mortos, a fim de ensinar-nos a arte profunda por
meio da qual escaparemos volta do esprito ao grmen vital humano, explica verdades que
confirmam asseres nossas, sobre esse assunto, neste mesmo volume. Possuindo o esprito
a viso da unio dos seres humanos, enxerta-se neste terreno no momento em que o
espermatozide se une clula do vulo materno. H, pois, ao lado da fecundao fisiolgica,
outra fecundao espiritual que naquela se enxerta, sem o que a primeira no poderia tomar
diretrizes autnomas no seio materno. A unio entre dois seres possui, pois, no s uma
significao biolgica, como tambm um contedo espiritual. Ento, no h apenas a
felicidade criadora dos dois cnjuges, mas um terceiro ser tambm, o nascituro, atrado por
idntica paixo de amor, sensibilssimo como esprito, alcana em sintonia a mesma
felicidade criadora, pelo que precipita de seu estado de conscincia, como que perdendo os
sentidos, a um estado de inconscincia. Isto porque ento se completou o motivo da queda, e
a priso na carne, embora mnima e embrional j se fechou em redor dele, e para viver s lhe
restar o caminho de desenvolv-la, utilizando-a para a sua manifestao. O esprito, ento,
penetrou na forma, e esta ser sua moradia, de que no poder sair seno quando completar
sua vida. Desde ento at a morte, esprito e corpo permanecero fundidos num composto
nico. A formao do feto confiada ao divino consciente da vida, enquanto o inconsciente
humano despertar paulatinamente, fundido em sua nova forma, numa conscincia que ser
funo daquela. A conscincia ir despertando cada vez mais at a idade madura do corpo,
quando o eu tiver conseguido tomar posse totalmente e, por seu intermdio, tiver aprendido a
manifestar-se em todas suas potencialidades.

Esta perda de conscincia, no ato da descida na forma material, um eco do


primeiro motivo da queda, que volta e se repete a cada reencarnao. Recomea depois a
subida, desde a profunda priso do feto, no seio do corpo, que meio de expresso; subida
lenta para o alto, em que volta a ecoar, retorna e repete o motivo contrario ao precedente, ou
na retomada ascensional. A vida de cada indivduo, resume assim em pequena escala o
fenmeno maior do universo, o da queda dos espritos puros rebeldes na forma material
(primeiro semi-ciclo, chamado involuo) e o da retomada ascensional para o estado
espiritual originrio (segundo semi-ciclo, denominado evoluo). Desse modo, com o
desenvolvimento de cada vida, vamos reencontrando lentamente e com esforo, a
conscincia de ns mesmos, assim como a massa dos espritos decados vai, com a
evoluo, lentamente e com esforo, a conscincia de si mesma e o conhecimento perdido.

O Livro Tibetano dos Mortos no explica tudo isso com clareza, com estes
termos e referencias prprios da nossa psicologia ocidental, mas se exprime com estranha
linguagem simblica, que, sem o sentido da intuio que nos fornea a chave em muitos
pontos permaneceria obscuro. Continuando em seu ponto de vista, de que a salvao esteja
em evitar a reencarnao, aconselha ao esprito diversos modos para fechar, como diz o livro,
as portas das matrizes, isto , para impedir a si mesmo a queda no grmen embrional do feto.
Aconselha, assim, uma espcie de castidade ao esprito, com a qual deveria evitar a
conjuno carnal com a primeira semente do corpo. Pode tudo isso ter profunda significao,
dando-nos a compreenso do fenmeno da castidade voluntria. Certo que a unio normal
entre homem e mulher corresponde s leis da natureza. Mas sabemos, tambm, que esta
natureza a lei de um mundo que resultado da queda, a disciplina do estado de involuo.
Se o rebelar-se a esta lei da natureza, desviando de suas normas, constitui erro, todavia
possvel sobrepor-se a elas, mas isto to s quando seguem, em seu lugar, as normas de uma
lei superior quelas leis da natureza, lei indicada pela evoluo e situada num plano mais
elevado. A unio normal a regra sadia para os seres que precisam de todas as provas e
dores inerentes vida, necessria para evolver. O caminho da ascenso deve passar por esta
rota, e portanto bom que a grande maioria por ela se lance, ainda que esta seja a estrada da
dor. Alm disso existe, sem dvida, a iluso da alegria, convidando-os a realizao de um ato
de que se retrairiam se pudessem calcular suas dolorosas conseqncias.

Quem compreendeu a lgica do sistema no pode estranhar que tudo em


nosso mundo, inclusive o prazer do amor tenha que resultar numa iluso. natural que, num
mundo originado nas runas da queda, tudo, no fim, se demonstre como traio. Mas
exatamente evoluindo que podemos sair de tudo isso. Ento possvel, subindo, ingressar
num mundo sempre menos ilusrio, uma vez que a iluso herana da queda. Mas, quanto
mais nos elevamos, tanto menos estamos jungidos a formas de vida na matria, e menor a
necessidade da carne, produto da conjuno sexual que parte daquele mundo inferior e
ilusrio. E eis que agora, desponta uma lei diversa, a da castidade, lei da natureza tambm
esta, mas da natureza de um plano mais elevado. Explica-se, ento, como os santos, seres
mais evoludos, fogem da gnese sexual. Eles j emergem do plano ocenico das grandes
massas humanas, para o mago de outra lei de natureza, que no mais aquela que exige
permaneamos amarrados ao jogo das reencarnaes com a unio material. Seu amor
espiritualizado proporciona outras solues menos ilusrias, cujo contedo mais puro
consegue resultados mais espirituais. Quanto mais nos distanciamos do estado involudo,
isto , da matria e da forma carnal, tanto mais nos distanciamos de suas dores e iluses.

Em vista de tudo isso, compreende-se porque o Livro Tibetano dos Mortos


aconselha ao esprito que resista a volpia de sua conjuno carnal com o primeiro grmen
do corpo. Ou seja, aconselha esta nova espcie de castidade de desencarnados, concebvel
como paralela que os santos costumam manter na carne, e que considerada uma virtude
entre os encarnados. Aquele livro, porm, aconselha essa castidade a todos, sem
discriminao, ao passo que s possvel e s se adapta ao bitipo evoludo. Verifica-se, de
fato, que no possvel, por exclusiva vontade prpria, evadir-se lei do prprio plano, mas,
ao contrario, s possvel sair dele atravs de amadurecimentos lentssimos. Os cnjuges na
terra, como o esprito, no alm, obedecem todos a uma lei de atrao fatal, que os impele
irresistivelmente a seguir o caminho traado pelos princpios reguladores de seu plano de
vida, ou seja: amor material, encarnao, vida, provas e dores, evoluo. O livro, de resto
prev esta inelutabilidade, e no fim limita-se a fornecer conselhos sobre a escolha da matriz,
ou seja, de ambiente melhor para reencarnar.

Mas aqui acresce outra circunstncia. H outra fatalidade que prende o ser, o
seu Carma. O ser irresistivelmente dominado pelas foras crmicas. Estas o impelem a
tomar um corpo, porque foi no terreno fsico que ele semeou (com pensamentos e atos), e
nesse terreno deve ele agora colher. Essas foras o impelem a encarnar-se em determinado
grmen, porque esse o ambiente que lhe afim, o ambiente de suas afinidades
sintonizaes e atraes. A capacidade de escolha est em proporo ao desenvolvimento de
conscincia, qualidade que o bitipo humano comum est longe de ter adquirido. Tambm
neste campo, tmo-lo observado, o ser obedece a impulsos instintivos, manobrado por
princpios diretivos, diante dos quais sua mente cega. As leis da vida comandam o ser
ignorante e o canalizam pelos trilhos obrigatrios, conforme suas qualidades. Nossas obras
nos seguem, nosso passado sempre ressurge em ns e em torno de ns. da Lei que esses
impulsos causais no podem aquietar-se at sua exausto no terreno dos efeitos:
desencadeamento de foras, boas ou ms, de alegria ou de dor, encerradas no campo de
foras da esfera do eu. Aquele livro chama, com expresso imaginosa, de frias crmicas
tormentosas ou tempestades crmicas., o desencadeamento das formas malficas.
Constituindo o nascimento na terra, em geral, um impulso para a expiao, pois que a terra
lugar de provas e de dor, onde se nasce para aprender e pagar, so as foras trevosas que
predominam geralmente. por isso que as frias crmicas perseguem o esprito, para fora-lo
a ingressar numa matriz, ainda que o esprito veja que esta da piores, que no promete
seno dores. Essas foras crmicas personificam-se em formas-pensamento, quais demnios
ferozes, subverso dos elementos, tempestades terrificantes, perseguies e torturas.
Amedrontado, o esprito procurar um refgio, mas a ventania terrvel do Carma, irresistvel,
tudo arrastando, fora pelas costas com golpes insistentes. O esprito, sobrepujado por
vises espantosas, que para ele so realidade, procura esconder-se e joga-se no primeiro
grmen que encontra, o pior, o mais merecido, aquele que as inteligentes e justas forcas da
vida lhe puseram ao alcance. Assim que aquele esprito toma um corpo miservel de baixeza
e sofrimento. Aquele ser nasce neste mundo, mas ele nasceu no inferno que traz consigo.

Tambm nasceu a porque, infelizmente, a esto suas atraes. Para a o


impeliram no s as horrveis frias crmicas, mas tambm seus pensamentos e obras do
passado, afins com aquele ambiente, seus hbitos a ele semelhantes, seus desejos que nele
quer satisfazer, seus apegos, suas recordaes.

Para a o trouxeram no s as foras que continuam a avanar na direo da


trajetria j iniciada, no s essa espcie de constrio dinmica, mas tambm uma instintiva
atrao para o ambiente que se lhe assemelha, onde reencontra a si mesmo e pode continuar
a realizar-se, reforando em seu tipo biolgico, afirmando sempre mais o seu eu, tal qual .
H, pois, no apenas o ataque pelas costas, mas atrao pela frente. Tudo isso torna a
descida naquele pobre grmen um fato irresistvel. Nasce, desse modo, um delinqente, um
assassino, nasce no seu inferno interior, expandindo-se em torno de si o inferno na terra.
Essa alma andar, caminhando no tempo, ir semeando o mal e acreditando, com isso, que
fere os outros, mas no entanto fere cada vez mais a si mesmo. E cada vez mais sofrer nesse
caminho contrrio senda da lei, que a evoluo. Desenvolvemos alhures o tema do fim do
mal, que se torna fatal pelo fato de que, sendo o mal negativo por sua prpria natureza,
quanto mais vive, mais se aniquila, isto , pela simples existncia de seu modo de ser,
automaticamente tende auto-destruio. O mal no pode ser eterno e no pode vencer.

Mas, nem todos os Carmas so assim. H os inumerveis medocres, que no


fizeram nem grande bem nem grande mal, formando destinos cinzentos e insignificantes,
gente sentada beira da grande estrada da evoluo, espera pois a eternidade, sem
dvida bastante longa brincando com puerilidades, passivos, satisfeitos com a inrcia:
so os adormecidos. Os impulsos crmicos no os perseguem ferozes e terrificantes, mas os
impelem igualmente, e eles vo, como as gotas de chuva, como as folhas ao vento, como a
gua dos rios que corre para o mar. Vo e pousam naquele grmen que seu Carma e suas
atraes querem; tudo por instinto, mecnica e automaticamente, sem o saber. Estas almas
caem, assim, na terra, no seu purgatrio, purgatrio que trazem consigo, dado pela sua
prpria natureza, adaptando-se, vegetando, perdendo tempo na preguia ou dormindo.

H, enfim, os espritos superiores. Estes, raramente descem terra, que no


seu mundo. Quem no deve pagar ou no tem que aprender, no pode descer terra seno
para cumprir uma misso de bem para os outros. Ento, ele um mestre que vem para
ensinar, e sofre s por amor a humanidade. Com plena conscincia, ele escolhe o tempo, o
lugar, a matriz em que nascer na terra. Sua encarnao um ato de sacrifcio, sua descida na
priso da carne, apropriada a almas pouco evoludas como as humanas, sua paixo mais
dolorosa. Por ser ele to adiantado no caminho da evoluo, j est desligado da roda morte e
do renascimento. O plano de vida humana j foi por ele vivido, h muito tempo, e constitui
passado remoto. Fruto de inumerveis existncias de vida pura e reta, sua mente iluminada
por clara viso da Lei, da qual se torna obreiro ao servio de Deus.

Eis como se desenvolve toda a mecnica da reencarnao. O Livro Tibetano


dos Mortos conclui com uma observao assinalvel. O melhor sistema para escolher a
melhor matriz, o de tornar-se livres de toda atrao ou repulso, de todo o desejo de tomar
ou de evitar. Esse conceito baseia-se numa verdade mais profunda, pelo que pode afirmar-se
que o que nos faz errar mais, o querermos ser astuciosos demais; fora; o que nos induz
em maior erro, o querermos escolher de conformidade com o nosso prazer; o que nos deixa
alcanar menos o querermos obter demais, fora; o que nos limita a menor xito, a
imposio de nossa vontade errada. O que possui uma coisa qualquer, pode perd-la e sofrer;
mas que nada possui, nada poder perder. Quem se agarra a alguma coisa, para no cair,
pode cair se largar a presa; mas que a nada se agarra, nada pode largar, e no pode cair. Tudo
isso quer significar que o segredo para a escolha de uma reencarnao, que nos faa, mais
tarde, sofrer o menos possvel, o desapego de tudo, o no se deixar atrair pelos velhos
instintos, que nos reconduzem aos antigos ambientes, o saber desamarrar-se de tudo a que
a eles nos prende, para poder entrar em ambientes melhores, ainda que estes no
correspondam os nossos gostos do momento. Tudo isso, porque os hbitos mentais
adquiridos na vida precedente tendem a perpetuar-se por inrcia, propendendo sempre a
reconduzir-nos para as mesmas condies de vida. Em outros termos, no momento decisivo
da escolha do grmen, procurar usar o melhor critrio de que podemos dispor, buscando
colocar-nos em condies de poder, depois, subir melhor. O segredo est em no se deixar
atrair cegamente por uma matriz, escravos do desejo, mas em saber escolh-la com
inteligncia, para obter uma encarnao e uma vida, no de simples satisfao, mas de
progresso. Quem no procurar escolher iluminadamente, permanecer prisioneiro de seus
apegos e vtima do desejo, no jogo das iluses prprias dos planos inferiores. Aprender a
escolher, significa por-se no caminho de nossa conscincia da Lei, no mais suport-la
cegamente, como ocorre com os involudos, que tudo ignoram, mas para saber, ao longo dos
canais da Lei, dirigir-se inteligentemente para a meta radiosa do bem, do conhecimento e da
felicidade.

Assim termina o Barbo Thdol ou Livro Tibetano dos Mortos. Dele tratamos
porque, como j o dissemos, ele confirma muitos conceitos aqui afirmados, antes de
tomarmos conhecimento desse livro. No presente volume ns demonstramos que nas mais
diversa ramificaes particulares dos princpios gerais do sistema. Mas o adentramo-nos na
complexidade dos pormenores, confirmou-nos a verdade destes princpios nicos e simples,
que tudo regem. Para confirmao deles, quisemos escutar tambm esta voz que nos chega
do longnquo passado e do remotssimo Tibete.

Com isto, encerramos o estudo do tema da reencarnao, desenvolvido


nestes trs ltimos captulos. Observamos a teoria sobre diversos pontos de vista: da lgica,
da cincia, da tica, da psicologia, da biologia, etc., at delinear a tcnica do funcionamento
do fenmeno. Cremos, com isto, haver oferecido elementos suficientes para poder considerar
a teoria da reencarnao definitivamente provada, e realmente correspondente realidade dos
fatos. Para chegar a esta concluso, percorremos as estradas mais diversas. Mas o ponto de
chegada foi sempre o mesmo: reencarnao.

Procuramos, com isto, acima de tudo, alcanar o seguinte resultado: conduzir


definitivamente a teoria da reencarnao, do mundo incerto da f religiosa e do terreno onde
sempre se discute sem resolver, para o plano positivo da lgica e da cincia, cujos resultados
as religies no podero deixar de aceitar. Outro resultado alcanado, no desprezvel,
cremos tenha sido o de haver provado, com a reencarnao, que o bem e o mal que fizemos,
volta, mais tarde, para ns, inelutavelmente, como destino nosso, de que no se pode fugir.
Ter demonstrado que os pensamentos e as aes que se dirigem contra os outros, se
inscrevem em ns mesmos, e que tudo isso ns o fazemos a ns mesmos, hav-lo provado
como verdade positiva, independente de toda religio, como moral biolgica universal; no se
pode deixar de reconhecer que tudo isso possua importncia, seja do ponto de vista
individual, como do social. Para o homem racional de hoje no mais lcito recusar o que est
demonstrado racionalmente. Nada disso podamos t-lo dito antes, mas somente o podemos
neste momento, em que estamos mais adiantados na nossa Obra, na hora da madureza dos
tempos.

FIM

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