A Dimensão Afetiva No Ensino e Na Aprendizagem
A Dimensão Afetiva No Ensino e Na Aprendizagem
A Dimensão Afetiva No Ensino e Na Aprendizagem
RESUMO: O objetivo deste artigo fazer um levantamento crtico de alguns estudos da rea de Aquisio
de Segunda lngua que exploram a dimenso afetiva no ensino e na aprendizagem de uma segunda lngua.
Ao faz-lo aponto como a tradio do pensamento ocidental tem relegado s margens da lingstica o
tratamento adequando da relao entre as emoes e a aprendizagem de uma nova lngua. Alm disso,
aponto alguns impasses desta tradio que nos impendem de compreender sua dinmica dialgica e sistmica
na sala de aula. Concluo, apontando estudos no contexto brasileiro que superam estes impasses presentes nos
estudos estrangeiros aqui revisados.
ABSTRACT: The aim of this paper is to assess critically some studies from the field of Second Language
Acquisition that explore the affective dimension in the teaching and learning of a second language.
Throughout I suggest that western thought has marginalized research that tries to understand the relationship
between emotions and the learning of a new language. Furthermore, I demonstrate some obstacles from this
tradition of research that may impede us from understanding the dialogic and systemic dynamics of emotions
in the classroom. I conclude by making reference to studies in the Brazilian context that overcome these
obstacles.
1. Introduo
De acordo com a tradio do pensamento filosfico e cientfico ocidental, a lingstica se ergueu como
disciplina fundamentada no conceito da faculdade da linguagem como aquilo que nos distingue dos animais.
A preocupao ocidental exacerbada e quase que unvoca com estudo do propriamente lingstico formal
e/ou gramatical ao longo dos ltimos 2500 anos atesta para o fato da concepo de linguagem como a
expresso primordial de processos que fazem parte da dimenso racional, das leis da lgica universal do ser
humano (Rajagopalan, 2004). A lgica do pensamento ocidental, de Plato a Darwin, sugere que a emoo
pertence ao mundo animal e que, quando manifestado nos humanos, esta deve ser sumariamente reprimida,
negligenciada e controlada pela mente racional. Weedwood (2000) diz: A histria registrada da lingstica
ocidental comea em Atenas: Plato foi o primeiro pensador europeu a refletir sobre o problema
fundamentais da linguagem (p. 21), de maneira que a lingstica pode ser vista como descendente direta do
pensamento racionalista e que, portanto, exclui as emoes de suas preocupaes.
Neste cenrio, no de se estranhar que toda a trajetria da lingstica nos mostra um distanciamento
gradual da vida social cotidiana na qual a emoo, a cognio e a linguagem como atividades imbricadas e
mutuamente constitudas so uma constante. O que observamos na edificao deste campo disciplinar ao
longo da histria uma abstrao crescente dos afazeres prticos da linguagem tendo o movimento
gerativista de Noam Chomsky, da metade do sculo passado em diante, sua culminao reducionista,
abstracionista e minimalista. Com o advento da teoria gerativista, a lingstica passa a ser orientada por um
eixo disciplinar dogmtico, ditando leis de trabalho axiomticas inteiramente dissociadas do nosso
envolvimento cotidiano com a linguagem (cf. Rajagopalan, 2004). Segundo o prprio Rajagopalan (2003), o
campo da lingstica aplicada est, de fato, fazendo com que sua disciplina me, a lingstica, repense alguns
de seus conceitos fundadores. E para ela que nos voltamos na seo seguinte, visando a buscar conceitos
mais prximos da realidade prtica do ensino e da aprendizagem de lnguas em sala de aula. Neste trabalho
busco revisar de maneira crtica estudos de uma vertente da lingstica aplicada, denominada de Aquisio
de Segunda Lngua (ASL), que abordam a dimenso afetiva e emocional no ensino e na aprendizagem de
lnguas. Ao longo, busco discutir alguns impasses conceituais herdados da tradio do pensamento ocidental
que esto presentes nestes estudos que dificultam a compreenso dinmica da dimenso afetiva e emocional
no ensino de lnguas. Concluo indicando estudos no contexto nacional que vo alem das abordagens
estrangeiras.
1
[email protected]
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2. Aquisio de Segunda Lngua: Diferenas Individuais
2
Minha traduo de: In the present context, affect will be considered broadly as aspects of emotion, feeling, mood or attitude which
condition behavior and influence language learning.
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Schumann argumenta que o aprendiz adquire a lngua na medida que ele se aproxima e se integra aos
falantes da lngua alvo. Na poca, sua teoria envolvia construtos psicolgicos que foram fortemente
criticados como demasiadamente abstratos, idealizados e reducionistas3.
De acordo com seu marco terico da neurobiologia do afeto, o crebro avalia os estmulos que recebe
e isso leva a uma resposta emocional e conseqentemente comportamental. Schumann (1997) postula cinco
dimenses de avaliao de estmulos: novidade, prazer, significncia de objetivos e necessidade, potencial de
ao, imagem social e identitria. O autor argumenta que esta perspectiva neurobiolgica, fornece
componentes materiais-neurobiolgicos que sustentam construtos psicolgicos como o conceito de
motivao como a glndula pituitria, a pineal e o sistema lmbico. Note-se o uso constante de Schumann do
par mente-crebro, um colapso que reduz e sobrepe um ao outro provocando possveis caminhos
reducionistas para a compreenso da inter-relao entre emoo e cognio. De fato, uma das principais
dificuldades na compreenso e utilizao da teoria de Schumann correlacionar sua hiptese neurobiolgica
e mental as dados pinados por ele em autobiografias de aprendizes de L2 e de colocar o crebro como um
homnculo responsvel pela avaliao dos estmulos da aprendizagem. Perde-se aqui a possibilidade de se
compreender o papel da prpria linguagem, das identidades pessoais e da reflexo na aprendizagem de uma
L2. Alm disso, a nfase de Shumman no crebro internaliza o estudo das emoes, como estados afetivos
cerebrais individuais, perdendo-se aqui o foco nas relaes do indivduo em seu contexto de aprendizagem.
A proposta neurobiolgica de Schumann compartilha de algumas crenas naturalizadas da tradio
filosfica ocidental, que pode limitar a compreenso da inter-relao sistmica entre emoo e cognio no
ensino/aprendizagem de lnguas (cf. Arago, 2005). Como por exemplo: a) a tentativa incansvel de se
estabelecer um isomorfismo entre determinados circuitos neuronais e estruturas cerebrais com
comportamentos sociais complexos; b) em conseqncia, um colapso que reduz e sobrepe um ao outro
provocando caminhos reducionistas como as abordagens mente-crebro; c) a insistncia na investigao,
comprometida com rgos financiadores e a tecnologia moderna, de neurnios, glndulas, reas do crebro e
demais elementos do sistema nervoso central que esto em menor ou maior grau envolvidos com a
emoo/cognio como propriedades de agentes individuais isolados; d) a compreenso das emoes como
estados mentais-cerebrais; e) uma crescente abstrao na busca por substrato neurobiolgico que sustenta
comportamentos sociais e relacionais complexos.
Segundo Ellis (1994: 471), h uma pletora de variveis individuais que foram identificadas por
diversos pesquisadores. Para o autor os construtos so vagos e se sobrepe de vrias maneiras, o que torna
difcil resumir de maneira coerente os resultados dos estudos por ele revisados. Ele argumenta, ao longo do
captulo dedicado a temtica que no h distino clara entre termos como crena, atitude, estado, fator,
varivel, estilo de aprendizagem e motivao. Ellis (1994: 520-523) resume a pesquisa sobre as diferenas
individuais agrupando-as com os seguintes conceitos: a) crenas: estados mentais, conscientes ou
inconscientes, sobre como uma L2/LE pode ser aprendida de maneira mais efetiva. Elas refletem
experincias prvias e fatores como estilo cognitivo e personalidade; b) estilos cognitivos: alunos apresentam
diferentes estilos de aprendizagem, variando entre uma tendncia e preferncia a ser mais analtico,
descontextualizado e formalista na aprendizagem e uma tendncia a apresentar um estilo mais global,
intuitivo, e pragmatista em sua prtica de aprendizagem; c) idade: no h consenso entre os autores que
debatem a questo do perodo crtico, porm estudos mais conclusivos sugerem que as crianas tm
vantagem na pronncia e na aquisio naturalstica, enquanto os adultos tm maior vantagem na rea da
memria, estratgias de aprendizagem e maturidade no uso circunstanciado da linguagem4; d) aptido:
conceito similar ao da idade, no h consenso entre autores na rea, mas argumenta-se que este seja um
atributo inato do aprendiz que o predispe a desenvolver habilidades comunicativas e lingsticas com maior
facilidade; e) estados afetivos: ansiedade, apreenso comunicativa, medo de avaliao entre outros fatores
negativos. Apresentam um considervel impacto na aprendizagem; f) motivao: indicador poderoso de
sucesso na aprendizagem, j que parece aumentar o esforo, o engajamento e a perseverana dos alunos; g)
personalidade: a relao entre personalidade e aprendizagem ainda no est clara; alguns estudos sugerem
uma correlao entre extroverso e o desenvolvimento de habilidades orais. Ellis (1994: 523) conclui sua
reviso assumindo a abordagem computacionalista corrente e indicando que as diferenas individuais
produzem variabilidade na velocidade e no resultado final da aprendizagem, mas h pouca evidncia para
sugerir que estas diferenas tm algum efeito marcante nos processos mentais-cognitivos que abarcam o
3
Ver Norton (2000) para crticas contundentes do modelo de pidgnizao e aculturao de Schumann (1978).
4
Tratei de maneira crtica a problemtica conceitual do perodo crtico e sua relao com a sala de aula em um trabalho anterior
(Arago, 2003).
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desenvolvimento da interlngua. O conceito de motivao e ansiedade tm sido estudados pela literatura da
rea. Passamos ento a revisar os principais estudos na rea que enfocam estes dois conceitos.
5
A esse respeito conferir especialmente o trabalho dos seguintes autores: Miccoli (2000) e Norton (2000).
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compreendido. Isto pode ser devido ao fato do conceito ter um sentido distinto para o pblico do que ele tem
para os pesquisadores. MacIntyre (1999: 24) em comum acordo com Scovel (2000) argumenta ainda que o
cenrio confuso entre os pesquisadores que tendem a compreender o conceito e seus efeitos de maneira
bastante distinta. MacIntyre (2002) argumenta que as propriedades motivacionais da emoo na
aprendizagem de lnguas tm sido severamente subestimadas. Entretanto, no campo da psicologia e da
neurobiologia h uma forte relao entre motivao e emoo e, de fato, h um peridico com este mesmo
nome. A emoo vista como um sistema motivador primrio do ser humano fornecendo intensidade,
urgncia e energia para o comportamento. Desta maneira, a emoo funciona como um amplificador ou um
delimitador do comportamento humano formando parte central do sistema de motivaes de alunos de uma
segunda lngua ou lngua estrangeira. Para MacIntyre (2002: 61-62), o sentimento de constrangimento, por
exemplo, pode produzir uma reao de retraimento comportamental que, dependendo de sua intensidade,
pode levar o aluno a evitar interaes em sala ou at a abandonar o curso.
O autor argumenta que estamos num momento da pesquisa em que se deve levar em considerao uma
multiplicidade de motivos que se encontram em competio nas aes dos alunos. Alguns destes motivos
para agir levam a se envolver com a L2/LE, enquanto outros tendem a fazer com que alunos resistam ou
evitem este envolvimento. MacIntyre (2002: 68) fecha seu artigo indicando possveis frentes de trabalho que
podem ser desenvolvidas: a) compreender como o desempenho bem sucedida em sala beneficia a motivao
intrnseca e a integrativa; b) estudar processos emocionais opostos em ao, procurando entender suas
propriedades motivadoras e limitantes; c) investigar a questo da escolha pela realizao ou no de uma
determinada tarefa e de uma determinada lngua na aprendizagem. MacIntyre acredita que o recado mais
considervel desta perspectiva se encontra na tentativa de encorajar estudos mais detalhados das
propriedades emocionais das emoes vividas na aprendizagem de uma lngua.
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