Gamboa - Teoria e Prática PDF

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TEORIA E PRATICA

Uma ReIaciio Dinamica e Contraditinia

Silvio Sanchez Gamboa *

RESUMO ABSTRACT
Teoria e pratica sao duas categorias Theory and practice are two
que indicam sempre uma relacao. categories that always indicate a
Entretanto, a literatura nem sempre relationship. The literature, however,
apresenta consenso na interpretaco does not always show a consensus in
dessa relack. Algumas tendencias the interpretation of this relationship.
defendem o primado da teoria perante Some tendencies defend the primacy
a pratica; outras, o primado da pratica of theory over practice; others, the
como forma suprema que confere primacy of practice as the supreme
validez a teoria. Esse dualismo parece form that confers validity on theory.
ser superado quando, em vez de This dualism seems to be overcome
destacar urn ou outro termo, se when, instead of making one term or
prioriza a relacao dinamica entre eles, the other stand out, priority is given
a qual, a sua vez, 6 inserida num to the dynamic relation between them,
processo maior envolvente, which, in turn, is inserted into a more
relativizando assim suas autonomias. encompassing process, relativizing
Tanto a teoria como a pratica sac) the autonomies of each of them. Both
partes da acao social humana, a qual theory and practice are parts of
nao resulta de uma teoria posta em human social action, which does not
pratica, nem de uma pratica que se result from a theory put into practice
torna teoria, mas na inter-relacao nor from a practice that has become a
dinamica e complexa em que uma theory, but from a dynamic and
"tensiona" a outra. 0 termo praxis foi complex interrelation in which there is
criado para denominar essa dinamica. a mutual tension between them. The
Esse termo, ao contrario de outras term praxis was created to define this
concepciies que visam a adequacao, dynamics. This term, unlike other
ao ajuste ou ao equilibrio entre a conceptions that seek adaptation,
teoria e a pratica, expressa a tenso, adjustment or balance between theory
o confronto e a contradicao entre elas, and practice, expresses the tension,
tenso essa que gera urn movimento the confrontation and the
dinamico de superacao. contradiction between them, a tension
that generates a dynamic movement
that overcomes the impasse.

*Prof. da Faculdade de I:ducacao da UNICAM ' e da PUCCAMP.


Introducao a especificidade da interpretacao
dial6tica, sera() objeto das reflexOes ex-
teoria transforma-se pressas neste texto, que pretende reto-
na negacao da prati- mar alguns pontos-chave para a discus-
ca porque a sao sobre esta que tern sido uma das
tensiona; a pratica problematicas mais agudas tanto no cam-
coloca em xeque a po das cincias como da filosofia. Uma
teoria, porque em vez amostrada atualidade bem como da corn-
de se ajustar a ela, p lexidade de tal discussao podemos per-
transforma-se em ceber nas indicacOes bibliograficas. Nes-
seu contrario. Des- sa tentativa elaboramos este artigo, or-
se modo, a relacao teoria-pratica 6, em gan izado nas seguintes partes: 1) a traje-
verdade, uma relacao dialetica. E, como tOria histOrica da discussao sobre a rela-
tal, nao procura o equilibrio, o ajuste, a cao teoria e pratica 2) a controvdrsia das
acomodacao de uma a outra, visa a sua concepcOes; 3) a praxis como sintese
contradicao, isto , a tensao permanente dinamica e, 4) a maneira de conclusao,
entre elas. Vale dizer, a teoria transforma- alguns indicadores da discussao atual
se no contrario da pratica e vice-versa. Se no campo das cincias da acao.
nao 6 assim, deixariam de se constituir
numa relacao dialtica. Estas afirmacOes
podem gerar controversias e surpresas 1 -A TrajetOria HistOrica
como a expressa por uma al una da gradu- da Relaco Teoria-
acao do curso de Pedagogia da
UN ICAMP, que assim se man i festa:
Pritica2
"Algo que me desequilibrou A relacao teoria-pratica sintetiza-
(desequilibrio, no horn sentido, se no termo praxis. 0 termo praxis 6 usado
isto conceit que eu possuia, desde os gregos na Antigtlidade para
fazendo corn que eu pensasse essa designar uma acao propriamente dita. Em
concepoio acarretando em uma portugus temos o termo "pratica" para
nova visiio)foi a questa da prcixis, designar esse use corrente; praxis, no
nunca havia vislumbrado a praxis entanto, a mais usado no vocabuldrio
como uma contraposiceio entre filosOfico. Porem, o sentido nao o mes-
teoria e pralica, mas como uma mo da palavra grega "praxis", originado
unicio dosses fatores". do verbo pattein: agir (Sanchez Vasquez,
As teorias do consenso, tanto as 1968, p. 4) e o sign ificado que ela tern em
idealistas, racionalistas como as nossa lingua. Em grego antigo ela signi-
pragmatistas e utilitaristas desenham a fica "acao para levar a cabo algo", uma
articulacao entre os pares teoria e pratica acao corn fim em si mesma, que nao cria
como a uniao e/ou aproximacao entre ou produz urn objeto alheio ao agente ou
essas categorias. A dialdtica entende a a sua atividade. Para AristOteles a acao
articulacaona contradicao e no conflito. morale praxis nesse sentido, pois rift()
Tanto a diversidade de enfoques, como produz nada fora de si; a atividade do
Delembro, 1995

artesao, ao contrario, ao produzir um a cumprir uma funcao social e politica. A


objeto exterior ao sujeito, nao 6 praxis politica, segundo Platao, e a unica prati-
mas, "poiesis", ou seja, um ato de produ- ca digna, desde que seja impregnada da
zir ou fabricar algo. Portanto, o trabalho teoria. A primazia, portanto, nesta rela-
do artesao, nesse contexto, a uma ativi- cao entre a teoria e a pratica pertence a
dade poetica e nao pi-Mica. Como vemos, atividade teOrica. A praxis politica dos
ao que chamamos hoje praxis, deveria- homens deixa-se guiar ou moldar pela
mos chamar poiesis e vice-versa. As teoria, sem que esta receba alguma coisa
palavras mudam seu sentido segundo o da pratica. Trata-se, portanto, de uma
contexto histOrico-social no qual sao relacao unilateral, pois a teoria nao de-
utilizadas. Dai a conven iencia de retomar pende da praxis. Platao admite em Ultima
a trajetOria do sentido dos termos-chave instancia que a teoria possa ser pratica,
que utilizamos. Os conceitos teoria e reconhecendo, assim, uma praxis politi-
pratica tambern tern seu percurso hist- ca, mas desde que esta seja a aplicacao
rico. Vejamos sucintamente sua traje- dos principios absolutos tracados pela
terria. teoria.
Na Antigtlidade, a filosofia dos AristOteles, por sua vez, nao admi-
gregos repel iu o mundo "prcitico" por te que a atividade politica se ajuste a
nao captar nele muita coisa alem da que principios absolutos ditados pela teoria:
observava (da consciencia comum - o a real idade politica de seu tempo leva-o
cardter pratico-uti I itario). 0 mundo gre-
a concluir pela impossibilidade da unida-
go e romano exaltavam a atividade
de entre teoria e pi-Mica. A vida na polis
contemplativa e intelectual dos homens
separa o que Platao pretendia manter
livres e considerava como indigna toda
atividade pratica material, particularmen- unido idealmente; levando-se em conta
te o trabalho que era exercido pelos es- as exigencias da vida real, a atividade
cravos. politica rift() pode guiar-se por principios
absolutos da razao teOrica. Nesse senti-
Platao acenou corn a possibi I idade do, a teoria e independente da
da unidade entre a teoria e a pratica,
pois esta tern urn contetido racional que
tendo mesmo consciencia da necessida-
tem por objeto as acaes humanas. "E
de dessa uniao. Segundo ele, a teoria
nesse nivel que Aristeteles admite a
deve ser pratica, o pensamento e a acao
devem se manter em unidade, e o lugar praxis politica que, levando em conta os
dessa unidade e a politica: a pratica re- Estados empiricos, reais, seja uma arte de
pousa na teoria, ou seja, as ideias tor- dirigir na pratica os assuntos pUblicos"
nam-se pi-Micas por si mesmas. A teoria (Sanchez Vasquez 1968: 20). Essa arte a
torna-se pratica nao so porque seja um que ele se referee a tahne, urn saber
saber de "salvacao" do homem das tra- fazer; o tecn ico e o homem que sabe fazer
mas da materia (mundo sensivel), mas as coisas, sabe que meios deve empregar
tambern porque a teoria se ajusta plena- para alcancar os fins almejados. A tekhne
mente a pratica, fazendo corn que a pri- nao nos da urn conhecimento individual,
meira deixe de ser um saber puro e passe familiar das coisas (experincia das coi-
MotrIvIricla
sas), mas um certo universal, uma id6ia do fogo, do ar e dos astros nos converte
das coisas. Nesse sentido, pode ser en- em donos e possuidores da natureza. 0
s inada, porque se pode falar do univer- enciclopedistas exaltam o dom in io do
sal, enquanto do individual sO se pode homem sobre a natureza gracas ao traba-
ver ou mostrar. lho e a tcnica.
Os economistas clssicos, Smith e
AristOteles, portanto, isolou a teo- Ricardo, exaltam, tambern, a praxis mate-
ria da pratica. "Para ele a orieniacilo e
rial produtiva. 0 trabalho 'lumano a
iniciaccio na pratica neio acontecem fonte de toda riqueza e de todo valor. Um
atraves da teoria, mas atraves da
passo decisivo para chegar a concepcao
'Tekhne', uma orientacao du acao clue
da praxis, como esfera essencial do ho-
deveria servir como introducao consci- mem, foi dado pela filosofia idealista ale-
ente na ordem existenie "(Goergen, I979,
mA, para chegar a concepco do homem
p.24). como ser ativo e criador. A producao
A negacao das relacOes entre a Lido sO o instrumento do dominio dos
teoria e a pratica (material produtiva) ou homens sobre a natureza, senao sobre
o modo de vincula-las, proven iente, no sua prOpria natureza. Produco e socie-
pensamento grego, de uma concepcao dade ou producao e histOria formam uma
de homem como ser racional e teOrico. unidade
Essa concepcao insere-se na ideologia Em Hegel, as principais iddias so-
dominante e corresponde as condicOes bre a praxis podem-se resumir nestes
sociais da cidade antiga, onde o trabalho termos: A Filosofia Idealista aleme uma
humano e desvalorizado; ha um modo de filosofia da atividade da consciencia e do
producao escravista corn mao de obra espirito. 0 principio ativo a liberdade e
servil suficiente para atender as necessi- a autonomia. Hegel sO pode integrar o
dades praticas do fi lOsofo ou do politico trabalho humano em umaconcepcao geral
- o que conta e o produto do trabalho e da atividade do espirito, dando ao traba-
em que medida util para satisfazer a lho urn conteOdo que ultrapassa o mera-
necessidade do outro e nao a atividade mente econOmico. Hegel concebe o tra-
subjetiva do produtor.
balho como categoria filosOfica ou an-
No renascimento, o trabalho prati- tropolOgica, a praxis material produtivae
co a reivindicado, mas a contemplacao integrada na concepcdo do homem: o
ainda a um status elevado. 0 trabalho trabalho tern urn papel fundamental na
humano tem seu valor como trajeto obri- formacao do homem, e a manifestacao do
gatbrio para facilitar a contemplaco desenvolvimento do espirito. 0 trabalho
(Giordano, Bruno e Leonardo). ao formal- coisas ou ao transformar a
No sculo XVIII eleva-se, cada dia natureza, forma e forja o prOprio homem.
mais, o valor de trabalho humano e da Nao ha homem, como o dernonstra nega-
tecnica. Bacon afirma que o poder do tivamente o senhor e positivamente o
homem se fortalece por me io de urn saber escravo a margem do trabalho, no 6c io.
que se nutre da experiencia, Descartes Hegel nos diz que o trabalho tern a
afirma que conhecer a forma das aches virtude de elevar a consciencia do traba-
Dezembro, 1995

Ihador ate a consciencia de sua liberda- fazem a religio e a pratica; "o ponto de
de, de seu valor humano, mas essa cons- vista da leoria e o ponto de vista da
ciencia a adquirida por de urn longo pro- harmonic corn o mundo". Essa harmo-
cesso teOrico e pratico de luta contra sua nia a quebradaem beneficio do sujeito na
exploracfto, ao fim do qual o oprimido relacAo rel igiosa e na pratica. 0 ponto de
chega a consciencia de sua al ienaco, e, vista teOrico opae-se ao religioso. No
por sua vez, a de sua liberdade. momento em que o homem apresenta
uma consciencia verdadeira de si mes-
"Na Ascensila do trabalhador, do mo, a teoria destrOi a essncia teolOgica
escravo a consciencia de sua li- -falsa- da religiAo, mas corn isso nao se
berdade, Hegel ressalta o papel ciestrOi sua essncia verdadeira - que
do trabalho, da atividade prti- permanece oculta- isto e, sua essencia
Ca, mas ignora a da praxis social, antropolOgica. 0 homem toma o lugar de
o de luta contra a prOpria opres- Deus.
sdo. A liberdade e apenas uma Referindo-sea atividade humana
quesleio de consciencia: nao e em geral, Feuerbach diz que a religio
imposta pela luta real, efeliva" nega o homem como ser ativo. Trata-se
(Sanchez Vasquez, 1968:78). de uma aparncia. A atividade humana
Hegel leva mais longe do que n in- transferida para Deus e, dessa maneira, o
guem a concepcAo da praxis material homem deixa de ser, na aparncia, ativo.
produtiva ao relaciona-la ao processo da A atividade divina nao tern limites: pode
formaco do homem e de sua I ibertacdo, transformar a agua em vinho, ressuscitar
mas ao "espiritualizar" totalmente o mortos, etc. Uma atividade tAo poderosa
trabalho - quem trabalha e o espirito - exime o homem da necessidade de agir,
dissolve a praxis material, numa praxis basta ter le na onipotncia divina e espe-
espiritual e atribui a primeira o papel rar. 0 milagre satisfaz os desejos huma-
fundamental da liberdade do escravo.
nos sem esforco nem trabalho,... a ativi-
Em Feuerbach a concepcAo de dade do homem 6 sacrificada a aco
praxis pode ser resumida assim: Toda sobre-humana e ilusOria de Deus.
atividade ideal ou real, espiritual ou ma-
terial, teOrica ou pratica acarreta certa A categoria da praxis passa a ser
correlacAo sujeito-objeto. A analise en- em Marx uma categoria central e a luz
tre o sujeito e objeto oferece-nos urn desta a que se devem abordar os proble-
duplo aspecto: um subjetivo no qual o mas do conhecimento, da histOria, da
objeto so existe como produto do sujeito sociedade e da prepria real idade. 0 sen-
(na religiao) e outro objetivo, no qual o tido dado pelo marxismo a praxis e o de
sujeito tenta captd-lo como ele a em si, uma atividade humana que produz obje-
independente de qualquer relacao corn tos ou transformacOes sociais na real ida-
ele (o ponto de vista do verdadeiro co- de.- Segundo Gramsci, o marxismo e a
nhecimento). A teoria nao 6 atividade filosofiadaprxis. Com Marx, o problema
subjetiva, mas sim objetiva, por isso deixa da praxis, como atitude humana
os objetos em paz (teoria a contempla- transformadora da natureza e da socie-
cao), nao os submete ao sujeito como o dade, passa para o primeiro piano.
MotrIvicla
Marx sintetiza na Tese I I sobre Platao (427-342 a.C.), mas na
Feuerbach sua contribuicao no debate Modem idade estd representada por au-
sobre pensar e interpretar a realidade e tores como Lebnitz (1646-1716), Kant
atuar sobre ela para transforms-la. Refe- (1724-1804), Hegel (1770-1831)e Di lthey
rindo-se a Filosofia como campo amplo (1833-1911). Nessas abordagens, que
das teorias o pensador diz; "OsfilOsofos denominamos de racional-idealistas, a
limitaram-se a interpretar o mundo de teoria tern primazia, ja que os conjuntos
diferentes maneiras, trala-see de de conceitos e representacaes sac) for-
transforms-lo ". Nessa fa la Marx rechaca mados independentemente da prdtica
as filosofias da interpretacao que se limi- dos homens. A pratica vem a ser a proje-
tarn a aceitar e justificar o mundo, mas cao e extensao das iddias. Para Hegel, por
aceita a filosofia que prdtica, isto , que exemplo, a ideia absoluta transcende o
vem a transformaresse mundo, articula a mundo. 0 mundo real apenas uma rea-
teoria e a prdtica, na filosofia que inter- lizacao progressiva desta iddia absoluta.
preta para transformar, numa relacao Na heranca do neokantismo meri-
dialetica em que a compreensao da reali- dional (Rickert, Dilthey e Windelband),
dade tem sentido, se retorna a realidade Weber traduz esse ideal ismo para o estu-
paratransformd-la. A complex idade des- do cientifico da acao social, extraindo
sas afirmacaes exige um major dela o papel dos valores no conhecimen-
aprofundamento, o que tentaremos no to e seu antipositivismo. 3 Para ele, a
item 3 deste artigo. busca de resultados axiologicamante
neutros no conhecimento cientifico leva-
nos a separar os julgamentos de fato e os
2 -A Controversia julgamentos de valor. Existe uma impos-
das ConcepcOes sibilidade lOgica (heterogeneidadelOgi-
ca) de deduzir urn imperativo pratico ou
A relacao teoria-prdtica, como vi- ale corn base em constatacaes de fato.
mos anteriormente, tem sido objeto de Os dados empiricos nao podem servir de
diversas interpretacOes ao longo da his- pedestal para demonstracao da validade
tOria. Entretanto, para o efeito de nossa deste ou daquele julgamento de valor.
Para Weber, o homem como sujeito da
discussao, apresentaremos alguns exem-
acao, deve ser compreendido na sua
plos de abordagens, destacando aque-
acao subjetiva, nao em qualquer acao,
las que permitem elucidar meihor o con-
sena() naquela que, por suas caracteris-
flito das interpretaceles. Recorremos,
ticas, said significativas, assimildveis aos
neste caso, a apresentacao de duas das
tipos ideais e dao razao a interacao entre
concepcOes, que se local izam nos pOlos
os individuos e a so-ciedade. Isto d, para
opostos de urn continuo de interpreta- Weber, a possibilidade de pesquisar e
cOes que tem em comum a busca da uniao compreender uma acao social implica o
ou equilibrio entre a teoria e a pratica, use de um modelo ideal que perpassa a
negando, conseqUentemente, o conflito realidade e, dentro de uma inacessivel
e a tensao dialdtica entre esses fatores. totalidade, selecionam-se as acOes sig-
A prime ira dessas abordagens, nificativas susceptiveis de compreen-
como vimos na parte anterior, surge corn sac). A teoria sobre a acao social exposta
Dezembro, 1995

no capitulo primeiro de Economiae Socie- para o primado da teoria que ilumina e


dade e na Etica Protestante e o Espirito direciona a pratica, estas abordagens
do Capitalismo enquadra-se no defendem a pratica como criterio de ver-
paradigma compreensivo, de forte influ- dade das teorias.
encia de Dilthey e define-se, entao, o
As bases desta concepcbes estao
modelo tfpico-ideal que 6 uma articula-
cao de categorias forrnais. Esse a um tipo na filosofia anglo-saxOnica e seus princi-
de conduta absolutamente racional, des- pals representantes sac): D. Hume (1171 1 -
tinada a medir o desvio das aches reais 1 776),J. Bentham (1748-1 832)Stuart Mill
ern relacao atal racionalidade referencial. (1806-I 873), C.S. Pierce(1 839-1914), W.
James(1842-1909)eJ.Dewey(1859-1952).
0 tipo ideal nao se refere nem a um Para eles, a pi-Mica experimental e o Onico
modelo estatistico (por exemplo a media) criterio da verdade cientffica e a teoria
nem ao denominador comum de diversos forma-se corn base nos resultados efica-
valores, nem se refere a urn modelo moral. zes da acao humana.
0 tipo ideal tern urn sentido lOgico e,
0 pragmatismo e a expressao de
nesse sentido, a uma elaboracao mental
uma posicao empirista e umadas tendn-
pelaqual uma dada real idade ordenada,
cias do espirito positivo, interessado em
articulando seus elementos consti-
descobrir os criterios objetivos que per-
tutivos e fornecendo urn sistema de rela-
mitem avaliar as ideias morais e as insti-
cOes-,- internamente consistente. Urn
tuicOes political. A filosofiadeveria ocu-
construto de tipo ideal tern duas funcOes
par-se nao dos problemas dos filOsofos,
basicas, representa um modelo particu-
lar corn o qual os fenOmenos concretos mas dos problemas humanos: deveria
podem ser comparados e contrastados e transformar-se visando ao util e provei-
permite a explicacao causal dos aconte- toso para nossas vidas. Nessas teorias
cimentos histOricos valendo-se de urn cientificas, as 'Was sociais e os princf-
dever ser ou causa final que direciona os pios morais devem ser focal izados de tal
acontecimentos. maneira que sejam instrumentos para
buscar o maxim aproveitamento que
Desdobra-se dessa abordagem a
seria posto em funcao dos objetivos
primazia de urn modelo ideal que serve de
prdticos. A teoria pragmatista da verda-
criterio compreensivo a acao humana.
de aceita como conhecimento autntico
Pr6ximo do weberianismo esta o o util e passivel de verificacao prMica. 0
funcionalismo que compreende a acao mandamento moral do pragmatismo con-
controlada nos limites dos sistemas so- siste em fazer o que a rentavel e o que
ciais em funcao dos quais se devem proporciona lucros. A verdade define-se
pautar as condutas do individuo. pelo exit. "0 criterio de verdade reside
Outras concepcao que se coloca no valor prtico, no sucesso e na efic-
no continuo das diversas interpretacOes cia... As aplicaceies pniticas constituem
de consenso, no polo oposto ao racio- a verdade de uma lei, e uma teoria
nal-idealismo, 6 o pragmatismo- cientifica..." (Durozoi; Roussel, 1993,
utilitarismo. Enquanto o primeiro aponta p.370).
MotrIvivAicia

Pierce quem cria o termo indeterminadas e a funcao do pensamen-


pragmatismo, para identificar uma ativi- to a transformar tais situacOes em situa-
dade relativa a fins humanos determina- cOes determinadas e resolvidas. Para isso,
dos, reconhece uma "conexcio o homem cria iddias, conceitos, leis, teo-
indissoltivel entre conhecimento racio- rias as quais utiliza em funcAo da sua
nal e fim racional". Essa adequaco do uti I idade e sua comodidade. Na sua inter-
pensamento ao real significa a confianca pretacAo, a cincia 6 como uma caixa de
na capacidade de o intelecto submeter- instrumentos (conceitos, teorias) dentre
se as verificacOes da experincia. A teo- os quais escolhemos, por via puramente
ria da Sign ificaco (meaning) ilustra esse tcnica e empirica, os que resultam mais
ponto de vista: Oteis em uma dada circunstdncia.
".. segundo essa teoria , a signJi- 0 utilitarismo, tanto de Bentham
cacao rational, 0 conteudo dos como Stuard Mill, ao contrArio de con-
conceitos e interprelado como a cepco kantiana segundo a qual o valor
lei estabelecida pelo intelecto, moral da acdo tido se organiza segundo
para constauir sinteses, cada vez seus resultados, mas segundo a inten-
mais fecundas dos dados du expe- cAo que a anima, o utilitarismo define-se
riencia. Doravante, o postulado como una doutrina que coloca a utilidade
da inteligibilidude do real liga-se como critdrio da acao do ponto de vista
intimamente a uma concepcao ins- moral "A moral utilitarista a teoria raci-
trumental da razeio (e Dewey, psi- onal que permite determinar as tcnicas
cOlogo, que desenvolver esse que garantem o maxim de felicidade
aspecto do pragmatismo em seu individual. Para Benthan essa utilidade
instrumentalismo)''(Duchesneau, tern duas dimensOes: o mAximo de felici-
1974:132). dade individual e o mdximo dee felicidade
para o major ninnero de individuos. Stuard
ParaJames, "0 verdadeiroconsis-
Mill, preocupado corn a qualidade dos
te simplesmente no que e vantajoso para
prazeres e da felicidade, conclui que o
nossopensamento"(Durozoi e Roussel,
individuo deve-; por interesse, em ultima
1993:370). 0 pensamento pratico define
instadncia, querer a felicidade de todos.
o quee verdadeiro em oposico a con-
Assim, para obter minha felicidade devo
cepcao racionalista ideal ista para a qual
tambdm desejar buscar a felicidade de
o util ou pratico depende estreitamente
da definico prdvia do quee verdadeiro. todos.
Em ambos os casos o acordo entre o real A primazia da teoria, defendida
e o pensamento ou entre o pensamento pelas abordagens ideal-racionalistas
e o real, estao implicitos na definicAo do assim como a primazia da pratica, defen-
verdadeiro. A verdadeira pratica a que didas pelas abordagens pragmatico-
coincide corn o pensamento e o pensa- utilitaristas, buscam como verdadeiro,
mento verdadeiro e o que coincide corn nessa relacfto, o acordo entre uma e ou-
o real. tra, a identidade ou aproximacAo entre
Para Dewey, a vida coloca o ho- etas. A verdadeira teoria a que expressa
mem em situacOes problernAticas e os resultados da pratica, ou a que esta
Dezembro, 1995

mais prOxima da aplicacao pratica. A contexto major da acao histbrica da hu-


verdadeira pratica e a que coincide com man idade que busca e constrOi urn novo
a proposta, corn o perfi I ideal, corn o projeto, uma nova real idade. Toda prati-
piano de acao. A pratica que encarna o ca tem um sentido social e histOrico. Dal
pensamento, a acao, que executa a ideia, porque uma pratica ou uma teoria sobre
sao mais verdadeiras na medida em que uma determinada pratica se inserem num
diminuem as diferencias em relacao ao movimento e numa inter-relacao de for-
pensamento e/ou a ideia. cas e tensaes em que uma se constitui na
antitese da outra; uma nega a outra e
vice-versa (principio da negacao da ne-
3 -A Praxis como gacao), porque estao inseridas num pro-
Sintese Dinamica jeto de tempo longo, numa cadeia de
e ContraditOria aches e reaches de carater social e
hi stOrico.
Diferentemente das anteriores
abordagens, a concepcao dialetica con- Porexemplo, pars Gramsci a Filoso-
cebe a relacao entre teoria e pratica nao fia da Praxis urn projeto pratico de
como o ajuste entre uma e outra, seja construcao de um outro mundo ou nova
adequando a teoria a pratica ou vice- realidade. A praxis transformadora en-
versa, mas como o nao conflito e tensao gendra uma realidade histOrica nova
entre elas. Para entender essa inter-rela- dentro de condicOes determinadas por
cao dialetica, e importante explicitar an- uma praxis anterior. Segundo Gramsci,
tes algumas condicaes. A primeira refe- "para a filosofia da praxis o ser
re-se a unidade dos termos: nao pode- pode ser separado do pensar, o homem
mos conceber a teoria separada da prati- da natureza, a atividades da materia, o
ca; ou seja, o ser separado do pensamen- sujeito do objeto; se faz esta separaceio,
to. A exisfencia de uma ou outra depende cai-se numa das tantas formas de reli-
da relacao mOtua entre elas. E a relacao gieio ou de abstraceio sem sentido "(Notas
corn a pratica que inaugura a existncia sobre Maquiavelo, Mexico: J. Pablos,
de uma teoria; nao pode ex istir uma teoria T.111, p.63). A filosofiada Praxis parte da
solta, o que existe a sempre a teoria de critica a coda possibilidade de analisar
uma pratica. A praticaexiste, logicamente, uma acao pratica como fato isolado, ou
como a pratica de uma dada teoria. E a como acao em si mesma. Toda analise
prOpria relacao entre elas que possibi I ita deste tipo seria fragmentada, incompleta
a sua existncia. e falsamente totalizante.

A segunda condicao refere-se a "A teoria da praxis sustem que o


necessidade de articular a relacao teoria `senso comum' culla o verdadei-
e pratica corn contextos interpretativos ro carter nao isolado de cada
mais amplos, into e, tanto a pratica como prcitica: sua conexelo harmonica
a teoria sobre essa pratica nao podem ser ou contraditOria com as diversas
entendidas separadas ou isoladas em si prticas que fazem a produccio
mesmas. Toda prtica esta inserida no social, istoe ao trabalho ' de cada
MotrIvIi4hcla
individuo. Desde esta perspecti- com a que tern a ver o homem
va, a `consciencia praxistica' se- atuando e conhecendo ncio e a
ria reflexdo que definiria os limi- 'natureza como tar , mas a natu-
tes do sistemu teOrico e destruiria reza condicionada pela praxis
a especulaco isolada enquanto humana. Por isso e verdade, por
referida ao juizo du 'racio- um lado, que o homem esta condi-
nalidade ' de suns relacOes corn as cionado pela natureza, por outra
prticas que tern a ver corn o parte, esta aparecer condiciona-
Cleo das relacOes de producdo. da pela praxis humana" (Rod,
Neste caso, as acijes se definem 1977, p. 303).
tanto com respell ao mundo in-
Nessa linha de raciocinio,
terno como com respeito ao mun-
Markovic, na Dialetica da Praxis, coloca
do externo e a subjetividade, no
como contexto major da relaco do ho-
se assume como explicacOo de uma
teoria externa ao sistema, mas mem (sujeito) corn a natureza (objeto) a
como uma das instCncias do sive- prOpria praxis. Segundo Markovic, a re-
ma leOrico" (Cale I lo, H. Gramsci: laco entre sujeito e objeto e de indole
un modelo para las ciencias essencialmente pratica... A praxis no
sociales, p.257, in Astorga, 1986). somente o terreno da comprovaco pos-
terior de supostos teOricos, mas 'praxis'
Qualifica-se como dialdtica "uma designa a encarnaco das relacOes origi-
relacclo existents entre dois momentos
nth-las e fundamentais entre sujeito e
de uma totalidade que se condicionam
objeto. Tanto os principios gnoseolOgi-
reciprocamente entre si, onde a totali-
dade e determinadu pela relaccio entre cos, como a fundamentacfto da verdade,
os momentos e por, suave:, os momentos tem que ser procurados nas relacOes
estdo condicionados pela totalidczde - prticas de sujeito-objeto. Nesse senti-
(ROd, 1977,p. 47). do, a teoria e a praticano se opOem como
A natureza da pratica humana esta dois campos distintos ou separados que
imbricada no pensamento humano. Essa seriam relacionados um corn outro numa
articulaco refere-se tambem, de uma sequencia linear, um depois do outro:
forma geral, a natureza, entendida como ambos os campos so parte de uma mes-
objeto do conhecimento, corn re lacAo ao ma realidade: a acAo social humana. A
homem, entendido este como o sujeito pratica mais simples supOes objetivos,
cognoscente, segundo o explicita Rod, normas, intencionalidade, motivos, jus-
tificati vas, as vezes explicitas ou eviden-
"Seria errado tratur a nutureza e
tes; outras podem estar sendo incons-
o pensamento como opostos que
se excluem mutuamente; sua rela- cientes, escondidas, ou supostos. Mas,
cdo e dialetica tambern, enquanto quando essa pratica a submetida a una
a natureza n pode ser irratio- anal ise, revelam-se pressupostos e inte-
nal, a razcio n() pode ser contra- resses complexos. Nesse sentido,
ria a natureza. Sobretudo, temos Goergen, referindo-se a teoria educacio-
que considerar que a nutureza nal, afirma:

I - I
Dezembro, 1995

"Qualquer pratica, par mais sim- bem critica, critica corn relacao a realida-
ples ou natural que pereca, ester de e corn relacao a pratica transformadora.
carregada de teoria. Quanta mais Nesse sentido, a teoria submetida ao
antiga e ricafor uma culture, mais confronto com a prdtica, coloca-se em
carregada de elementos teoricos tensao, isto , em uma situacao critica.
estara a sua pratica educational. Apenas na medida em que a teoria ester
Esta carga te(irica aumenlou des- "tensionada" pela pratica, ela conse-
de o momenta histOrico em que se gue, ser teoria da e para a praxis.
iniciou a elaboraccio consciente e
intentional de teorias educacio- A dialetica como instrumento de
nais, as quais influenciam a prati- pesquisa da realidade histOrica e social
ca das mais diferentes maneiras. A interpreta para transformar essa realida-
partir de entdo, a prtica torn-se de e, nesse sentido, carrega um propOsi-
uma mescla de elementos to critico e emancipatOrio. Schmied-
cos, ideias, normas consciences Kowarzik, referindo-se a dialdtica na pe-
e elementos inconscientes." dagogia e nas ciencias sociais afirma:
(Georgen, 1979, P. 30).
Nessa linha de raciocinio, a pratica "...a crencia da educacao - como
deve ser entendida no contexto de uma todas as crencias sociais -
formacao social historicamente concre- conduzida por um interesse
tizada, e, como tal, prenhe de pressupos- libertrio de conhecimentos vol-
tos, interesses, racionalizacOes, determi- tados a emancipacilo e libertacao
nacOes econtimico sociais e referncias dos homens. Quando se torna cons-
politico-culturais. Toda teoria, por sua ciente deste interesse condutor do
vez, aldm de ser a racionalizacao de uma conhecimento, percebe-se dia-
pratica, e constituir-se tambem em ins- leticamenie envolvida na teoria
trumental da pratica, na media em que critica da sociedade, pois o obje-
presta auxilio para a solucao de proble- tivo delta "teoria critica e a and-
mas concretos, deve ser fundamental- lise reveladora de todas as impo-
mente critica, critica da pratica na medida slob-es e mecanismos sociais que
em que a questiona constantemente. manrem os individuos nab eman-
Sobre esse aspecto critico da teoria, a cipados e sem liberdade" (1988,
meu ver, a fase menos aprofundada na p. 13).
discussao. podemos apontar algumas
consideracOes. Na sua especificidade, a Pedago-
gia, por exemplo, como teoria da educa-
A dialetica como metodo de com- cao, pretende nao apenas compreender
preensao da real idade nao se esgota na a pratica educativa, mas voltar-se sobre
interpretacao dessa realidade e como essa pratica, sinalizando seu aprimora-
resultado desse processo, nao surge mento. E uma cincia da e para acao
apenas uma teoria. A I igacao necessaria educativa, e como tal, busca sistematizar
corn a pi-Mica faz com que essa compre- a reflexao critica dos processor
ensao seja critica e gere uma teoria tam- educativos.
MotrIvh(4icia
4 -A Praxis e as Cieneias testar as teorias, ou, no melhor dos ca-
da Aefio sos, o circuito acontece, tomando como
ponto de partida os referenciais teOricos
Considerando a contribuicao da ja constituidos nas varias ciencias, os
filosofia da praxis na discussao sobre a quaffs sao aplicados aos atos educativos,
constituicao das denominadas cincias na tentativa de explica-los para depois
claacao, particularmente a Politica, a Eti- retornar a matriz disciplinar, confirman-
ca, a Pedagogia e outros campos seme- do suas hipOteses, num circuito em que
lhantes, cujos objetos -de pesquisa sao os fenOmenos da educacao sao pontos
a acao e a pratica, a recuperacao da praxis de passagens das elaboracOes cientifi-
como categoria epistemolOgica parece cas, caracterizando, assim, urn processo
oferecer pistas para a elaboracao dos de colonialismo epistemoldgico e de
estatutos cientificos epistemolOgicos Cincia aplicada. Isso mesmo acontece
desseas novos campos e para a corn os atos morals objeto da Etica, e com
redefinicao do quadro de referncias das as acOes ou atos politicos, objeto da
cincias ja constituidas.4 cincia politica e corn a motricidade hu-
Os novos campos espistemo1O- mana, as aches-reaches da corporeidade,
gicos formam-se tomando-se por base a a conduta motora, objeto da Educaco
superacao do colonialismo epistemo- Fisica.
Idgico que consiste na transferncia sim- Essa dificuldade de se constituir
ples de metodos e referncias desenvol- como cincias da acao deve-se ao
vidas em outras areas e na tomada por impasse epistemolOgico criado pelas
emprstimo de teorias para entender os abordagens que separam a teoria da -
fenOmenos, ou melhor, as prticas espe- pratica. A construcao de teorias, os pro-
cificas desse campo. A histOria da c ien- cessos de verificacao oufalsaccio forma-
ciastern varios exemplos: a Sociologia, a ram o campo da cincia pura ou das
Psicologia, no seus primOrdios, tomaram cincias basicas e a utilizacao das teorias
emprestado da Fisica, da Biologia e da para a analise e o controle ou a
Matematica seus m6todos e mesmo sua normatizacao dos fenOmenos reais cria-
I inguagem. De maneira semelhante, acon- ram um outro campo o das cincias apli-
tece corn a Pedagogia, que, por falta cadas ou da tecnologia. Os campos da
ainda de urn estatuto prOprio, recebe o educacao, da politica, da dtica e outros
socorro da Psicologia, da Sociologia, da afins, como a Educacao Fisica, foram
Economia, etc. criando-se um circuito do considerados como campos coloniza-
saber que consiste na aplicacao das te- dos por outras cincias ou como cincias
orias oriundas dessas disciplinas aos aplicadas. Dal a dificuldade de se cons-
atos e praticas educativas.. 0 ponto de tituir como campos epistemolOgicos au-
partida e o ponto de chegada sac) as tOnomos. A superacao da fase de
teorias sociolOgicas, psicolOgicas, eco- colon ialismo epistemolOgico ou de cin-
n6micas e nao a pratica educativa, que cius aplicadas exige, em primeiro lugar,
funciona como campo de passagem ou reverter o circuito do conhecimento.
faz o papel de pretexto para provar ou Tomando-se, entao, como ponto de par-
Bezembro, 1995

tida e de chegada, a pratica educativa, os tutos cientificos definem-se melhor sen-


atos morais e politicos e, como instru- do entendidos como ciencias praticas
mental explicativo ou compreensivo, as ou do acdo. Dessa forma, por exemplo, a
teorias das \arias disc ipl inas, mas orga- Pedagogia perfila-se como uma cincia
nizadas com base na especificidade da corn relativa especificidade, por ter um
pratica, seja essa educativa, politica ou objeto pr6prio: a acdo educativa o traba-
tica. Isso implica a articulaco de um lho pedagOgico, ou a pratica pedagOgi-
campo interdisciplinarque tem como eixo
ca. Nesse caso, como em outros em que
a natureza e a especificidade dos novos
a pratica e a acao so o alvo da elabora-
campos epistemolOgicos que articulam a
cfto cientifica, e possivel, segundo
contribuicao das varias teorias cientifi-
Schmied-Kowarzik (1988), a superacao
cas e elaboram explicacaes e compreen-
saes mais ricas e complexas na medida da tradicional diviso das ciencias entre
em que tece, em torno de fenOmenos basicas e apl icadas, criando-se uma nova
concretos, interpretacOes presas e categoria para as novas ciencias tais
tensionadas pelo eixo central, sejam os como a Pedagogia, a Politica e a Etica. E
atos educativos, morais ou politicos. ou no caso das ciencias ja constituidas como
no caso da Educacao Fisica, a a Sociologia, a Antropologia, a Psicolo-
motricidade humana, as acOes-reaches gia, ou nas ciencias aplicadas como Tra-
da corporeidade, a conduta motora, etc.' balho Social, AdministracAo, etc., a reto-
Nesse sentido, a tradicional classi- mada da discussao sobre a relaco te6ria-
ficacdo das ciencias, divididas em basi- ou aco-reflexAo, cria mudancas
cas e aplicadas, naturals, humanas, etc. significativas no seus estatutos episte-
tornam-se limitadas, pois as ciencias da molOgicos.
acao que dificilmente podem ser consi- A retomada da relaco dialdtica
deradas como ciencias basicas, e, pelas entre teoria e pratica ou, em outro nivel,
I imitacaes, acima expostas, tambern pa() superando o dualismo ciencias basicas e
poderiam ser consideradas apenas aplicadas, abre um amplo horizonte de
como ciencias aplicadas. Dai a necessi- desenvolvimento das novas ciencias e
dade de procurar um novo tipo de esta- potencializa uma nova perspectiva para
tuto cientifico para localizar as as ciencias ja constituidas que tem como
especificidades desses novos campos alvo de suas pesquisas os atos huma-
epistemolOgicos. nos, ou acOes sociais. Numa segunda
Tentando respostas para essas fase mais avancada dessa discussdo,
questaes, e considerando que esses nao apenas se reverteria o processo,
novos campos epistemolOgicos tem a partindo da pratica passando pelo cam-
acdo e a pratica como ponto de part ida e po teOrico da interdisciplinaridade, mas,
de chegada da producao de conheci- radicalizando na dialetica teoria-pratica,
mentos, dos registros, das sistematiza- se assumiriam como ciencias da praxis,
cOes e das elaboracOes e articulacaes com todas as implicacOes apontadas no
explicativas e compreensivas, seus esta- item 3, istoe, compreendendo essas acOes
Motrlidicacla
educativas, politicas e dticas, na ' A denominacao de cincias da acao
historic idade da construcao de uma nova nao se refere apenas a essas novas
realidade e na dindmica da formacao de cincias. Tamb6m a Soociologia se
uma nova sociedade. A compreensao da insere nessa nova perspectiva
pratica social dos homens na complexi- epistemolOgica. A sociclogia de
dade da atual formacao social somente Touraine entendida como "Ciacia da
tern sentido na medida em que o interes- acao Social", na medida em que a acao
se emancipatOrio se orienta para a trans- histOrica e os atores sociais passam a
formacao dessa forma de agir, no contex- ser eixos centrais da Sociologia, tam-
to da atual sociedade, para a construcao bdrn uma "cincia da acao" (Alain
de novas formas de trabalho no perfil da Touraine, Sociologie de l'action, Pa-
nova formacao social. Colocar a praxis ris, Seuil, 1965).
comocategoriaepisternolOgica fundante
Na Educacao Fisica, o circuito do co-
dos novos ampos do conhecimento ci-
nhecimento na area parte do fenOmeno
entifico parece uma utopia. Entretanto, a
da motricidade, do movimento do cor-
anal ise das contradicOes, resultantes doa
po humano, da pratica esportiva, da
dual ismo ciacia bsica, cincia aplica-
danca, do jogo, da acao recreativa, das
da, indicam a possibi I idade da sintese, na
atividades de lazer, das condutas
categoria da praxis, A histOria da cincia
motoras, das forcas, das aches e rea-
nao acabou, o futuro se del ineia na supe-
cOes, das tensOes do corpo humano e
raga das contradicOes do presente.
as teorias cientificas as vezes oriundas
da Psicologia, a Fisiologia, a Sociolo-
Notas gia, a Biomecanica contribuiem corn
suas hipOtese, teses e abstracOes na
Esta uma das frases expressadas na explicacao e compreensao desses fe-
avaliacdo da Unidade sobre teoria e nOmenos. Dessa forma, sao convida-
prdtica da disciplina I ntroducao a Pe- das a oferecer seus ricos elementos
dagogia, junho de 1994. explicativos para a elaboracao de urn
Agradeco a Prof' Dr' Maria Teresa conhecimento da motricidade, das
Cartolano Penteado da UN ICAMP aches e reaches, dos movimentos da
pelo levantamento de referncias, rea- corporeidade humana, etc. 0 circuito
lizado num trabalho conj unto, elabora- continua na volta aos fenOmenos, ex-
do em 1984, para a discipl ina Filosofia pl icando-os, compreendendo-os e
das Cincias Humanas, sob a orienta- sugerindo sua modificacao e aprimo-
cao do Profb Dr Pedro Goergen, tam- ramento. Cria-se um movimento
bem da UNICAMP. cognitivo dos fen6menos para os fe-
Sobre a compreensao da re lack) teoria n6menos. Uma volta rica em explica-
e prdtica em Weber, outro artigo deste cOes e compreensOes que "tens ionam"
nOmero especial, oferecera maiores a acao transformadora, e articulam es-
informacOes. treitamente a prdtica-teoria-prtica.
Bezembro, 1995

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