Gamboa - Teoria e Prática PDF
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RESUMO ABSTRACT
Teoria e pratica sao duas categorias Theory and practice are two
que indicam sempre uma relacao. categories that always indicate a
Entretanto, a literatura nem sempre relationship. The literature, however,
apresenta consenso na interpretaco does not always show a consensus in
dessa relack. Algumas tendencias the interpretation of this relationship.
defendem o primado da teoria perante Some tendencies defend the primacy
a pratica; outras, o primado da pratica of theory over practice; others, the
como forma suprema que confere primacy of practice as the supreme
validez a teoria. Esse dualismo parece form that confers validity on theory.
ser superado quando, em vez de This dualism seems to be overcome
destacar urn ou outro termo, se when, instead of making one term or
prioriza a relacao dinamica entre eles, the other stand out, priority is given
a qual, a sua vez, 6 inserida num to the dynamic relation between them,
processo maior envolvente, which, in turn, is inserted into a more
relativizando assim suas autonomias. encompassing process, relativizing
Tanto a teoria como a pratica sac) the autonomies of each of them. Both
partes da acao social humana, a qual theory and practice are parts of
nao resulta de uma teoria posta em human social action, which does not
pratica, nem de uma pratica que se result from a theory put into practice
torna teoria, mas na inter-relacao nor from a practice that has become a
dinamica e complexa em que uma theory, but from a dynamic and
"tensiona" a outra. 0 termo praxis foi complex interrelation in which there is
criado para denominar essa dinamica. a mutual tension between them. The
Esse termo, ao contrario de outras term praxis was created to define this
concepciies que visam a adequacao, dynamics. This term, unlike other
ao ajuste ou ao equilibrio entre a conceptions that seek adaptation,
teoria e a pratica, expressa a tenso, adjustment or balance between theory
o confronto e a contradicao entre elas, and practice, expresses the tension,
tenso essa que gera urn movimento the confrontation and the
dinamico de superacao. contradiction between them, a tension
that generates a dynamic movement
that overcomes the impasse.
Ihador ate a consciencia de sua liberda- fazem a religio e a pratica; "o ponto de
de, de seu valor humano, mas essa cons- vista da leoria e o ponto de vista da
ciencia a adquirida por de urn longo pro- harmonic corn o mundo". Essa harmo-
cesso teOrico e pratico de luta contra sua nia a quebradaem beneficio do sujeito na
exploracfto, ao fim do qual o oprimido relacAo rel igiosa e na pratica. 0 ponto de
chega a consciencia de sua al ienaco, e, vista teOrico opae-se ao religioso. No
por sua vez, a de sua liberdade. momento em que o homem apresenta
uma consciencia verdadeira de si mes-
"Na Ascensila do trabalhador, do mo, a teoria destrOi a essncia teolOgica
escravo a consciencia de sua li- -falsa- da religiAo, mas corn isso nao se
berdade, Hegel ressalta o papel ciestrOi sua essncia verdadeira - que
do trabalho, da atividade prti- permanece oculta- isto e, sua essencia
Ca, mas ignora a da praxis social, antropolOgica. 0 homem toma o lugar de
o de luta contra a prOpria opres- Deus.
sdo. A liberdade e apenas uma Referindo-sea atividade humana
quesleio de consciencia: nao e em geral, Feuerbach diz que a religio
imposta pela luta real, efeliva" nega o homem como ser ativo. Trata-se
(Sanchez Vasquez, 1968:78). de uma aparncia. A atividade humana
Hegel leva mais longe do que n in- transferida para Deus e, dessa maneira, o
guem a concepcAo da praxis material homem deixa de ser, na aparncia, ativo.
produtiva ao relaciona-la ao processo da A atividade divina nao tern limites: pode
formaco do homem e de sua I ibertacdo, transformar a agua em vinho, ressuscitar
mas ao "espiritualizar" totalmente o mortos, etc. Uma atividade tAo poderosa
trabalho - quem trabalha e o espirito - exime o homem da necessidade de agir,
dissolve a praxis material, numa praxis basta ter le na onipotncia divina e espe-
espiritual e atribui a primeira o papel rar. 0 milagre satisfaz os desejos huma-
fundamental da liberdade do escravo.
nos sem esforco nem trabalho,... a ativi-
Em Feuerbach a concepcAo de dade do homem 6 sacrificada a aco
praxis pode ser resumida assim: Toda sobre-humana e ilusOria de Deus.
atividade ideal ou real, espiritual ou ma-
terial, teOrica ou pratica acarreta certa A categoria da praxis passa a ser
correlacAo sujeito-objeto. A analise en- em Marx uma categoria central e a luz
tre o sujeito e objeto oferece-nos urn desta a que se devem abordar os proble-
duplo aspecto: um subjetivo no qual o mas do conhecimento, da histOria, da
objeto so existe como produto do sujeito sociedade e da prepria real idade. 0 sen-
(na religiao) e outro objetivo, no qual o tido dado pelo marxismo a praxis e o de
sujeito tenta captd-lo como ele a em si, uma atividade humana que produz obje-
independente de qualquer relacao corn tos ou transformacOes sociais na real ida-
ele (o ponto de vista do verdadeiro co- de.- Segundo Gramsci, o marxismo e a
nhecimento). A teoria nao 6 atividade filosofiadaprxis. Com Marx, o problema
subjetiva, mas sim objetiva, por isso deixa da praxis, como atitude humana
os objetos em paz (teoria a contempla- transformadora da natureza e da socie-
cao), nao os submete ao sujeito como o dade, passa para o primeiro piano.
MotrIvicla
Marx sintetiza na Tese I I sobre Platao (427-342 a.C.), mas na
Feuerbach sua contribuicao no debate Modem idade estd representada por au-
sobre pensar e interpretar a realidade e tores como Lebnitz (1646-1716), Kant
atuar sobre ela para transforms-la. Refe- (1724-1804), Hegel (1770-1831)e Di lthey
rindo-se a Filosofia como campo amplo (1833-1911). Nessas abordagens, que
das teorias o pensador diz; "OsfilOsofos denominamos de racional-idealistas, a
limitaram-se a interpretar o mundo de teoria tern primazia, ja que os conjuntos
diferentes maneiras, trala-see de de conceitos e representacaes sac) for-
transforms-lo ". Nessa fa la Marx rechaca mados independentemente da prdtica
as filosofias da interpretacao que se limi- dos homens. A pratica vem a ser a proje-
tarn a aceitar e justificar o mundo, mas cao e extensao das iddias. Para Hegel, por
aceita a filosofia que prdtica, isto , que exemplo, a ideia absoluta transcende o
vem a transformaresse mundo, articula a mundo. 0 mundo real apenas uma rea-
teoria e a prdtica, na filosofia que inter- lizacao progressiva desta iddia absoluta.
preta para transformar, numa relacao Na heranca do neokantismo meri-
dialetica em que a compreensao da reali- dional (Rickert, Dilthey e Windelband),
dade tem sentido, se retorna a realidade Weber traduz esse ideal ismo para o estu-
paratransformd-la. A complex idade des- do cientifico da acao social, extraindo
sas afirmacaes exige um major dela o papel dos valores no conhecimen-
aprofundamento, o que tentaremos no to e seu antipositivismo. 3 Para ele, a
item 3 deste artigo. busca de resultados axiologicamante
neutros no conhecimento cientifico leva-
nos a separar os julgamentos de fato e os
2 -A Controversia julgamentos de valor. Existe uma impos-
das ConcepcOes sibilidade lOgica (heterogeneidadelOgi-
ca) de deduzir urn imperativo pratico ou
A relacao teoria-prdtica, como vi- ale corn base em constatacaes de fato.
mos anteriormente, tem sido objeto de Os dados empiricos nao podem servir de
diversas interpretacOes ao longo da his- pedestal para demonstracao da validade
tOria. Entretanto, para o efeito de nossa deste ou daquele julgamento de valor.
Para Weber, o homem como sujeito da
discussao, apresentaremos alguns exem-
acao, deve ser compreendido na sua
plos de abordagens, destacando aque-
acao subjetiva, nao em qualquer acao,
las que permitem elucidar meihor o con-
sena() naquela que, por suas caracteris-
flito das interpretaceles. Recorremos,
ticas, said significativas, assimildveis aos
neste caso, a apresentacao de duas das
tipos ideais e dao razao a interacao entre
concepcOes, que se local izam nos pOlos
os individuos e a so-ciedade. Isto d, para
opostos de urn continuo de interpreta- Weber, a possibilidade de pesquisar e
cOes que tem em comum a busca da uniao compreender uma acao social implica o
ou equilibrio entre a teoria e a pratica, use de um modelo ideal que perpassa a
negando, conseqUentemente, o conflito realidade e, dentro de uma inacessivel
e a tensao dialdtica entre esses fatores. totalidade, selecionam-se as acOes sig-
A prime ira dessas abordagens, nificativas susceptiveis de compreen-
como vimos na parte anterior, surge corn sac). A teoria sobre a acao social exposta
Dezembro, 1995
I - I
Dezembro, 1995
"Qualquer pratica, par mais sim- bem critica, critica corn relacao a realida-
ples ou natural que pereca, ester de e corn relacao a pratica transformadora.
carregada de teoria. Quanta mais Nesse sentido, a teoria submetida ao
antiga e ricafor uma culture, mais confronto com a prdtica, coloca-se em
carregada de elementos teoricos tensao, isto , em uma situacao critica.
estara a sua pratica educational. Apenas na medida em que a teoria ester
Esta carga te(irica aumenlou des- "tensionada" pela pratica, ela conse-
de o momenta histOrico em que se gue, ser teoria da e para a praxis.
iniciou a elaboraccio consciente e
intentional de teorias educacio- A dialetica como instrumento de
nais, as quais influenciam a prati- pesquisa da realidade histOrica e social
ca das mais diferentes maneiras. A interpreta para transformar essa realida-
partir de entdo, a prtica torn-se de e, nesse sentido, carrega um propOsi-
uma mescla de elementos to critico e emancipatOrio. Schmied-
cos, ideias, normas consciences Kowarzik, referindo-se a dialdtica na pe-
e elementos inconscientes." dagogia e nas ciencias sociais afirma:
(Georgen, 1979, P. 30).
Nessa linha de raciocinio, a pratica "...a crencia da educacao - como
deve ser entendida no contexto de uma todas as crencias sociais -
formacao social historicamente concre- conduzida por um interesse
tizada, e, como tal, prenhe de pressupos- libertrio de conhecimentos vol-
tos, interesses, racionalizacOes, determi- tados a emancipacilo e libertacao
nacOes econtimico sociais e referncias dos homens. Quando se torna cons-
politico-culturais. Toda teoria, por sua ciente deste interesse condutor do
vez, aldm de ser a racionalizacao de uma conhecimento, percebe-se dia-
pratica, e constituir-se tambem em ins- leticamenie envolvida na teoria
trumental da pratica, na media em que critica da sociedade, pois o obje-
presta auxilio para a solucao de proble- tivo delta "teoria critica e a and-
mas concretos, deve ser fundamental- lise reveladora de todas as impo-
mente critica, critica da pratica na medida slob-es e mecanismos sociais que
em que a questiona constantemente. manrem os individuos nab eman-
Sobre esse aspecto critico da teoria, a cipados e sem liberdade" (1988,
meu ver, a fase menos aprofundada na p. 13).
discussao. podemos apontar algumas
consideracOes. Na sua especificidade, a Pedago-
gia, por exemplo, como teoria da educa-
A dialetica como metodo de com- cao, pretende nao apenas compreender
preensao da real idade nao se esgota na a pratica educativa, mas voltar-se sobre
interpretacao dessa realidade e como essa pratica, sinalizando seu aprimora-
resultado desse processo, nao surge mento. E uma cincia da e para acao
apenas uma teoria. A I igacao necessaria educativa, e como tal, busca sistematizar
corn a pi-Mica faz com que essa compre- a reflexao critica dos processor
ensao seja critica e gere uma teoria tam- educativos.
MotrIvh(4icia
4 -A Praxis e as Cieneias testar as teorias, ou, no melhor dos ca-
da Aefio sos, o circuito acontece, tomando como
ponto de partida os referenciais teOricos
Considerando a contribuicao da ja constituidos nas varias ciencias, os
filosofia da praxis na discussao sobre a quaffs sao aplicados aos atos educativos,
constituicao das denominadas cincias na tentativa de explica-los para depois
claacao, particularmente a Politica, a Eti- retornar a matriz disciplinar, confirman-
ca, a Pedagogia e outros campos seme- do suas hipOteses, num circuito em que
lhantes, cujos objetos -de pesquisa sao os fenOmenos da educacao sao pontos
a acao e a pratica, a recuperacao da praxis de passagens das elaboracOes cientifi-
como categoria epistemolOgica parece cas, caracterizando, assim, urn processo
oferecer pistas para a elaboracao dos de colonialismo epistemoldgico e de
estatutos cientificos epistemolOgicos Cincia aplicada. Isso mesmo acontece
desseas novos campos e para a corn os atos morals objeto da Etica, e com
redefinicao do quadro de referncias das as acOes ou atos politicos, objeto da
cincias ja constituidas.4 cincia politica e corn a motricidade hu-
Os novos campos espistemo1O- mana, as aches-reaches da corporeidade,
gicos formam-se tomando-se por base a a conduta motora, objeto da Educaco
superacao do colonialismo epistemo- Fisica.
Idgico que consiste na transferncia sim- Essa dificuldade de se constituir
ples de metodos e referncias desenvol- como cincias da acao deve-se ao
vidas em outras areas e na tomada por impasse epistemolOgico criado pelas
emprstimo de teorias para entender os abordagens que separam a teoria da -
fenOmenos, ou melhor, as prticas espe- pratica. A construcao de teorias, os pro-
cificas desse campo. A histOria da c ien- cessos de verificacao oufalsaccio forma-
ciastern varios exemplos: a Sociologia, a ram o campo da cincia pura ou das
Psicologia, no seus primOrdios, tomaram cincias basicas e a utilizacao das teorias
emprestado da Fisica, da Biologia e da para a analise e o controle ou a
Matematica seus m6todos e mesmo sua normatizacao dos fenOmenos reais cria-
I inguagem. De maneira semelhante, acon- ram um outro campo o das cincias apli-
tece corn a Pedagogia, que, por falta cadas ou da tecnologia. Os campos da
ainda de urn estatuto prOprio, recebe o educacao, da politica, da dtica e outros
socorro da Psicologia, da Sociologia, da afins, como a Educacao Fisica, foram
Economia, etc. criando-se um circuito do considerados como campos coloniza-
saber que consiste na aplicacao das te- dos por outras cincias ou como cincias
orias oriundas dessas disciplinas aos aplicadas. Dal a dificuldade de se cons-
atos e praticas educativas.. 0 ponto de tituir como campos epistemolOgicos au-
partida e o ponto de chegada sac) as tOnomos. A superacao da fase de
teorias sociolOgicas, psicolOgicas, eco- colon ialismo epistemolOgico ou de cin-
n6micas e nao a pratica educativa, que cius aplicadas exige, em primeiro lugar,
funciona como campo de passagem ou reverter o circuito do conhecimento.
faz o papel de pretexto para provar ou Tomando-se, entao, como ponto de par-
Bezembro, 1995