1.

Contextualizao da Ilha do Fogo e do Concelho de So Filipe

1.1. Localizao Geogrfica

A Ilha do Fogo situa-se a 48 58 de latitude Norte e 24 31 a Oeste do meridiano de

Greenwich. a quarta maior ilha do arquiplago, depois de Santiago, Santo Anto e
Boa Vista, ocupando uma rea de 476Km2 do territrio nacional e cerca de 37409
habitantes. Dista de sua vizinha Ilha Brava, nove milhas martimas (porto a porto) e de
Santo Anto que lhe fica mais distante 140 milhas martimas. Com a ilha de Santiago,
com a qual se mantm uma histrica tradio de complementaridade, fica a,
sensivelmente 60 milhas de distncia, que tem vindo a encurtar-se com a ligao area
regular.
uma ilha aproximadamente circular e de perfil tronco-cnico ligeiramente mais a
longada no sentido Norte- Sul (26Km) e com uma largura de 24Km de Weste para Este,
como se pode ver na gravura 1. Mapa da Ilha do Fogo.

Gravura 1. A Ilha do Fogo e So Filipe no contexto geogrfico de Cabo Verde

Fonte: : www.guiadelmundo.com/.../ mapa.html e www.dholmes.com/master-list/caboverde/map e

semelhana das outras ilhas atlnticas, de origem vulcnica, (sendo o seu vulco o
ponto mais alto do pas com cerca de 2829m de altitude) bastante acidentada. Quase
toda ilha constituda por falsias e arribas distinguindo apenas duas zonas planas no
litoral, constituindo aquilo que se designa por fajs, que so a dos Mosteiros e Casinha.
Segundo o gegrafo Orlando Ribeiro, no que toca formao do relevo diz: o Fogo
uma ilha excepcional, no s no seu grupo, como tambm no conjunto das ilhas
vulcnicas do atlntico, onde nenhuma existe to bela e to bem conservada1

1.2. Evoluo histrica da Ilha

Aps a sua descoberta, a ilha por ter sido alvo de erupes vrias, rapidamente deixou
de ser a Ilha de So Filipe - nome de baptismo da ilha, devido ao facto de ter sido
descoberta no dia em que homenageado o referido santo pela igreja catlica- para
passar a denominar-se de Fogo.2
A Ilha do Fogo a primitiva Ilha de So Filipe, cujo patrono ainda hoje consagrado
como nome de sua cidade. Apesar das controvrsias, por parte de historiadores e outros
investigadores, quanto descoberta ou achamento das ilhas, incluindo a Ilha do
Fogo, aceita-se de maneira geral que as ilhas tenham sido descobertas durante duas
viagens sucessivas:3 (1460 as ilhas do grupo oriental: Santiago, Fogo, Maio, Boa Vista e
Sal e as restantes entre 1460 e 1462).
O primeiro Diploma em que a ilha mencionada, a carta Rgia de Dezembro de 1460,
pela qual D. Afonso V doou ao Infante D. Fernando, seu irmo, os Aores, a Madeira e
as cinco ilhas de Cabo Verde at ento conhecidas. 4 Nesta carta so referidas por duas
vezes: a Ylha de Sam Jacobo e Fellipe, isto , Santiago e Fogo.
Tambm a origen do povoamento da Ilha do Fogo est envolto em alguma obscuridade.
A primeira notcia da ilha encontra-se num documento de 1503, em que so arrendados
os direitos reais dela, conjuntamente com os da ilha de Santiago.
Neste mesmo documento aparece pela primeira vez a mudana do nome da ilha de So
Filipe para Fogo, que contudo j se lia num mapa de 1486, segundo nos diz Fontoura da
Costa, Carta das Ilhas de Cabo Verde (1506-1508), Lisboa, 1939.
Segundo C. J. De Senna Barcellos5, provavelmente antes do fim do sculo XV, a Ilha do
Fogo j era povoada, porque em 1500 assinalava-se j a existncia de uma igreja na
ilha, o que testemunhava a existncia de um ncleo de povoamento j importante.

1 RIBEIRO, Orlando. A ilha do Fogo e as suas erupes. Junta de Investigao do Ultramar.

Memrias Srie Geogrfica I. 1960
2 Folheto turstico da ilha do Fogo- DjarFogo
3 Alguns autores que so de opinio que as ilhas foram descobertas em duas viagens: Senna Barcello
(1899,pp. 1-20), Orlando Ribeiro (1955, pp. 92-95) e Antnio Brsio (1962, pp. 52-79).
4 Santiago, Fogo, Maio, Boa Vista e Sal.
5 Op. cit. p. 57.1899
Corroborando esta afirmao, Daniel A. Pereira nos escreve o seguinte: o povoamento
do Fogo ter-se-ia verificado antes de 1493, pois, a relao de entrega de alguns objectos
de culto divino essa ilha deixa pressupor isso, na medida em que existia uma igreja.6
Foi sombra da Ilha de Santiago que a Ilha do Fogo comeou a desenvolver. Segundo
parece, os primeiros habitantes da Ilha do Fogo foram os servos brancos de D. Fernando
e os escravos dele.
Entretanto outros documentos7 nos afirmam sem indicar nomes, que alguns povoadores
que habitavam a Ribeira Grande, vila que j se havia constituda em Santiago (hoje
Cidade Velha), concomitantemente, gente de Santiago (negros cativos) seriam assim os
primeiros habitantes da ilha.
Devido s suas condies climticas, que propiciava o cultivo de grandes plantaes de
algodo, que na poca desempenhava um papel de extrema importncia nas transaes
comerciais dos moradores de Santiago com a Costa da Guin, rapidamente aumentou na
ilha o contingente humano.
importante salientar que nesta poca, a distribuio da populao pelo espao era em
larga medida determinada pela forma de repartio das actividades econmicas. Tanto a
localizao quanto o nmero de homens eram resultado da estrutura econmica
implantada no arquiplago ou mais especificamente na ilha. Portanto onde predominava
a prtica agrcola intensa, o povoamento tambm era intenso e estvel.
Assim no sculo XVI, a menos de cinquenta anos de descobrimento, o oficial Valentim
Fernandes diz: Santiago povoada de muita gente e, em aluso Ilha do Fogo, refere
o mesmo investigador, esta ilha povoada de gente.8
Esta dinmica de povoamento deveu-se s alteraes introduzidas pela carta de 1472,
mais conhecida pela carta de delimitao de privilgios, que obrigava aos moradores de
Santiago a produzir os bens que vendiam no continente africano, ou seja, os meios de
compra dos escravos negros (mercadoria altamente apetecida e concorrida) tinha de ser
agora com os nados e criados na prpria ilha.
Assim esses mercadores viram-se obrigados a organizar na ilha um complexo produtivo
e tambm estender as propriedades produtivas para alm de Santiago. Sendo assim, a

6 PEREIRA, Daniel. Apontamentos Histricos sobre a Ilha do Fogo. Praia. Fev. 89.
7 RIBEIRO, Orlando. A ilha do Fogo e as suas erupes. Junta de Investigao do Ultramar, Memrias
Srie Geogrfica (I), 2 ed. 1960. A . H. N.
8 FERNANDES, Valentim. (1508-1510) Citado por, ALBUQUERQUE, Lus de, MADEIRA, Maria
Emlia (coord.) et al. Histria Geral de Cabo Verde, 3Vol. Lisboa- Praia. Instituto de Investigao
Cientfica Tropical, Instituto Nacional de Investigao e Patrimnio Culturais de Cabo Verde.2002.
nica ilha com potencialidades era a do Fogo, a maior produtora de algodo, que como
j dissemos, era de extrema importncia no comrcio com a Costa.
Esta expanso de propriedades agrcolas para a Ilha do Fogo, permitiu que esta ilha
conhecesse um grande esplendor econmico nessa poca. importante referirmos aqui
que, somente as classes capitalizadas (homens do comrcio) estavam em condies de
financiar os custos de satisfazer a exigncia de tornar a propriedade da terra um meio de
produo real.
A partir de ento os grandes proprietrios, dividindo entre si o patrimnio agrrio das
ilhas comearam a investir nelas com escravos (mo-de-obra) e instrumentos. Tendo
posse econmico esses homens comearam a construir habitaes que retractavam o seu
poderio econmico casa como alma e espelho do seu dono9.
Em 1513, a ilha j tinha o seu primeiro capito donatrio, Ferno Gomes, e estava
dividida entre alguns grandes proprietrios, entre os quais se afigurava, Joo Fernandes
que dominava o norte da Ilha, ficando como recordao desse domnio um monte com o
mesmo nome. O mesmo foi pouco tempo depois nomeado mamposteiro-mor da
rendio dos cativos, isto , arrecadador das contribuies dos escravos, cujo
quartejamento se passou a fazer no Fogo10.
De acordo com a documentao a que vimos referindo, em 1528 D. Joo III, rei de
Portugal doou a capitania da ilha a Joo Menezes de Vasconcelos, conde de Penela, por
morte de Ferno Gomes. Em 1532 foi nomeado um feitor dos tratos de algodes no
Fogo, trocando estes por escravos da Guin.
Nos meados do sculo XVI, a ilha tinha j uma vida social desenvolvida, que se avalia
pelas questes que se envolviam os habitantes e os corregedores, apoiados por uns e
recriminados por outros.
Entretanto a Ilha do Fogo nunca alcanou um desenvolvimento comparvel da Ilha de
Santiago, dominada pelos seus moradores rurais, tanques de gua para rega que
produzia com abundncia o milho, canas sacarinas para produo de aguardente11.

9 importante realar e dar a devida importncia s residncias dos remediados que se ergueram ao lado
da dos grandes proprietrios, uma vez que estas explicam-se somente em relao s pequenas aonde
vivem as camadas mais pobres e vice versa.
10RIBEIRO, Orlando. A ilha do Fogo e as suas erupes. J.I.U. (Junta de Investigao do Ultramar).
1960.p.97.
11 A Ilha de Santiago no conjunto das ilhas era a que sem dvida apresentava menos desfavorecida, pois,
sendo a maior, tinha bons portos, contava com boas nascentes de gua doce, enquanto que a Ilha do Fogo
alm de ser rida era mal dotada de recursos hdricos, praticamente no tinha gua, sendo salobra a pouca
que havia.
A ilha do Fogo ao contrrio, estava desamparado do comrcio e da navegao. Apesar
de criarem ali cavalos e fabricarem panos de algodo era interdito vend-los a
estrangeiros. Juntaram-se a essas dificuldades vrias outras calamidades, como por
exemplo: secas, fomes, ataques de corsrios- perante as quais as desmanteladas defesas
no opunham qualquer resistncia.
Fazendo uma retrospectiva da vida econmica da Ilha do Fogo, podemos dizer que no
fim do sculo XVIII, ela passou por srios apertos e jazia no maior abandono, uma vez
que, a ilha de Santiago sob a sombra da qual ela havia desenvolvida tambm passava
pelas mesmas dificuldades.
Alm do mais, os morgados das ilhas que, entre si repartiam as terras, no dispunham
nem de posses, nem de iniciativas para as cultivar. Estando tais propriedades vinculadas,
no se podiam vend-las, e ningum as tomava de renda com receio de que os donos
alterassem os preos.
Quanto sociedade em si, segundo alguns investigadores na Ilha do Fogo houve maior
mestiagem do que na Ilha de Santiago, at quase final do sculo XVII, os brancos
eram maioritrios na populao total dessa ilha.12
Mas no incio do sculo XIX a situao inverteu-se, sendo os brancos a minoria. A
mesma autora salienta que no incio do sculo XIX, numa populao de 13500
habitantes, s havia 150 brancos, contra 8000 negros e 5000 mestios. Em 1950, estes
representavam j 97% da populao total, os negros 2% e os brancos 1%.13
J no incio do mesmo sculo, as estratificaes sociais estavam to bem delineadas que
se considerava a sociedade foguense como sendo composta de trs camadas sociais
distintas: a dos brancos autctones, a dos mestios e a dos negros14.
Entretanto, Henrique Teixeira de Sousa,15 ao estudar a estrutura social da Ilha do Fogo
nos anos 40 do sculo XX, distinguia quatro classes: a dos brancos que constituam a
aristocracia tradicional, a dos mulatos (mestios) filhos de pai branco e me escrava, a
dos mulatos propriamente ditos, filhos de pai e me escravos e o povo, integrada por
representantes dos trs grupos anteriores.

12 BARROS, Simo (1933-1935) citado por ANDRADE, Elisa Silva. As Ilhas de Cabo Verde da
Descoberta Independncia Nacional (1460-1975). Paris. Ed. Lharmattan. 1996.
13 Op. Cit. ANDRADE, Elisa.1996. p.47.
14 Op. Cit. ANDRADE, Elisa.1996. p.48.
15 SOUSA, Henrique Teixeira. A estrutura social da Ilha do Fogo em 1940.In: Claridade revista de
Arte e letras, n. 5. S. Vicente 1947. P.42. 2 ed. Organizado por Manuel ferreira, Linda-a- Velha. ALAC.
1986
 de salientar que, segundo alguns investigadores, como o caso de Joo Augusto
Martins16, Teixeira de Sousa, esta diviso social no de carcter tnica, pois, gente
branca, indica as pessoas que viviam em melhores condies de vida, em bons
sobrados17, andam bem vestidas, bem caladas e no eram vtimas das fomes.
Por outro lado gente preta so os homens, mulheres e crianas que habitavam os
pobres funcos18 e que nada possuam alm da misria que os castigavam duramente 19.
Entre essas duas camadas sociais encontrava-se o mulato, muitas vezes rejeitado
pelas famlias tradicionais e conservadores do lao sanguneo.
de ressaltar que houve diferena na ascenso dos mulatos filhos de branco e os
oriundos dos escravos. Os primeiros so todos filhos bastardos e ostentam com
vaidade o apelido do pai que os teve e nunca mais quis saber deles.
Os outros, hbeis empreendedores, elevaram-se socialmente, triunfando na sua
generalidade. Tornaram-se comerciantes e agricultores e foram tomando conta de
sobrados e terras. Mandavam estudar os filhos e envergonham os brancos cados na
misria e os mestios incapazes de idntico progresso situao essa que se verifica a
partir de 195120.

1.3. Especificidade da Urbe So-Filipense e do seu Concelho

O povoado de So Filipe como j tinha sido referido no incio desse trabalho, teve o seu
incio nos finais do sculo XV, e em 1513 j tinha o seu capito donatrio.
A primeira referncia a So Filipe, antes chamada de vila, surge num documento rgio
de Janeiro de 1515. A cidade afirmar-se-ia como centro administrativo do Fogo,
ganhando o estatuto de cidade em 1922.
Localizada numa arriba de 50-70 metros do nvel mdio das guas do mar, a cidade
desaponta beira de uma falsia que se debrua sobre a extensa praia de areia negra da
Fonte Bila, que deve o nome antiga fonte que existia na desembocadura da Ribeira de
Trindade, situada ao Norte, que comea na praia de Nossa Senhora e termina no Vale
dos Cavaleiros (Cais de So Filipe) e servindo de limite natural povoao que nascia.
A imagem a seguir apresentada revela as especificidades naturais do concelho
traduzidas no declive que lhe caracterstico.

16 Cf. MARTINS, Joo Augusto. Madeira, Cabo Verde e Guin. Lisboa. 1981. p.102.
17 Habitao de dois pisos ou mais, construda no velho estilo colonial.
18 Pequena habitao coberta de colmo.
19 RIBEIRO. Orlando. A Ilha do Fogo e as suas erupes. Lisboa.JIU.1954.pp. 164-165.
20 SOUSA , Henrique Teixeira. A estrutura social da Ilha do Fogo em 1940. In lugar cit.p.42.
 Gravura 2 - Especificidade natural do concelho traduzida no declive que lhe
caracterstico

Do lado Sul, delimitando o primeiro casario, situa-se a Ribeira de So Joo, onde existia
uma outra fonte de gua salobra, conhecida por fonte de Nh Gernimo ou Nh
Djilormo no crioulo local.
Do lado Oeste, junto Ribeira de So Joo temos a primeira fortificao, Fortim Dona
Maria Carlota, rainha de Portugal na poca, junto ao qual existe ainda algumas peas de
artilharia pesada a evocar a defesa da vila aos possveis ataques dos corsrios.
Esse edifcio fica no espao onde a vila comeou, isto , a Bila Baxo, foi antiga
botica e at a pouco tempo funcionou como Cadeia Civil.
Acompanhando a falsia para o sentido Norte construiu-se a primeira igreja, que
inicialmente (at 1570) era denominada de igreja de So Filipe.
Da descrio feita da urbe pode-se denotar que a Cidade de So Filipe foi se
desenvolvendo obedecendo os limites naturais impostos pela prpria geografia fsica da
ilha ribeiras e mar.
Anterior sua elevao categoria de cidade, os foguenses denominavam-na de Vila, e
os seus principais habitantes repartiram-na em duas zonas: Bila Bxo, Vila Baixo e
Bila Riba, Vila de Cima.
A Bila Bxo comea no cimo das rochas do Boqueiro e termina pelo Norte na rampa
da Achada Pato, a sul fica a ribeira do Lm e a Leste um barranco onde mais tarde se
construiu um paredo formando o Alto So Pedro.21
21 A opinio quanto origem e utilidade desse paredo um pouco obscuro. Segundo alguns
investigadores, como o caso de Arquitecto Antnio Jorge Delgado (ex. ministro da cultura de Cabo
Verde) o paredo do Alto So Pedro que serviu de linha divisria entre Bila Bxo e Bila Riba fruto
de rivalidade entre famlias de classe dominante.In Revista Bimestral-Casas de Portugal- n. 59
Agosto/Setembro/2005.
A rua principal, a de Joo Pais de Vasconcelos antigo Governador de Cabo Verde, ia de
Sul para Norte, desde a igreja matriz at perto da rampa de Achada Pato, passando pelo
largo anteriormente conhecido como M de Rua (meio de rua) contornadas pela
moradia dos principais da Bila Bxo. Para Leste estendia a parte mais elevada que era
denominada de Bila Riba.
Estabelecida as duas zonas principais dentro da antiga vila de So Filipe, surgiu a
contenda expressa em rivalidades ente a as duas zonas com contornos que envolvem
complexos de superioridade e inferioridade, numa procura de se fazer valer o grau de
importncia de cada zona no contexto da cidade e o status dos respectivos habitantes. 22
Muitas famlias consideradas brancas na poca, puderam constatar e viver esse dilema.
O Sr. Ablio Macedo, na sua obra, Figuras do Fogo, Numa Evocao da Infncia
(Biografia) In revista Mgma, Revista de Divulgao, Informao e Recreao, Ano I,
n. 1, Abril/1988 A. H. N. nos informa como vivenciou tal dilema fazendo a seguinte
assero: quando ainda tenro infante, ofereceu-se-nos a ocasio de tomar,
apaixonadamente, partido nessa memorvel contenda. Nasci na Bila Bxo (Na casa de
Nha Candjana) e foi ali que decorreram-se-me os primeiros anos. (...) Mais tarde,
porm, resolveu meu pai construir um grande e belo prdio na Bila Riba e mudar para
l a nossa residncia. No se pode conceber o abalo que esta resoluo... produziu no
pequeno mundo da nossa casa, e na dos nossos vizinhos primos. O Qu?! Trocar a nossa
zona to querida...por outra nossa rival escarnecida?! Como se poder conceber tal
plano que ns considervamos uma autntica defeco?... de crer que ele tivesse
perdido todo o sentimento dos preconceitos bairristas, por isso se manteve intransigente,
e um dia soluando, tivemos de o seguir na sua resoluo insensata.
Ainda segundo o mesmo autor a vila de So Filipe era constituda por dois mundos
com vidas parte, entre os quais no se admitia o mais ligeiro contacto. At muitos
afirmam que para preservar a linhagem de famlias brancas realizavam-se casamentos

Entretanto, o Sr. Fausto de Rosrio, nos apresenta uma outra verso dos factos. Segundo o mesmo o
paredo do Alto de So Pedro foi construdo com a finalidade de proteger as pessoas que viviam na
Bila Bxo , que devido ao declive ou inclinao do terreno eram vtimas das cheias e lamas que por
ali passava durante a poca das chuvas.
22 Transportando a realidade de uma colnia portuguesa- O Brasil, para a nossa vivncia a autora
MOTA, Antnia da Silva, no seu trabalho- Aspectos da Cultura Material em Inventrios Post
Mortem da Capitania do Maranho, Sculos XVIII e XIX (Prof. Assistente do Depto. De Histria da
UFMA, doutoranda em Histria do Norte e Nordeste do Brasil- UFPE) escreve que, a importncia e o
valor das moradias variam conforme o tamanho, a qualidade dos materiais de construo, a localizao
espacial dentro do agrupamento urbano, uma vez que neste perodo havia uma segregao social por
bairros. As reas mais valorizadas eram as que se encontravam prximas do porto e dos principais prdios
da administrao civil e eclesisticas.
entre parentes em grau mais ou menos prximo. Da se explica o motivo de toda aquela
gente se orgulhar de uma descendncia aristocrtica.
Com a sua elevao categoria de cidade a 12 de Julho de 1922, no mais predominava
com nfase a antiga repartio da cidade Bila Bxo, Bila Riba que ganhara uma
conotao poltico social durante o perodo em que seus ocupantes se dividiram em
fraces para disputarem a hegemonia da ilha.
A partir do centro histrico, a cidade tem vindo a expandir-se com o crescimento de
novos bairros em torno da parte antiga.
Segundo nos descreve o Plano de Desenvolvimento Urbano de So Filipe, (PDUSF
1996) a cidade de So Filipe est estruturada em quatro partes:23
- O Centro histrico constitui um conjunto urbano sedimentado, com um lento
desenvolvimento ao longo do tempo, que originou uma variedade de espaos
urbanos e construes de grande valor arquitectnico.
- A segunda zona corresponde a um crescimento natural no prolongamento da
parte antiga.
- A Este da antiga cidade, entre as duas, j referidas atrs: a da Trindade e a de
So Joo, que constituram desde sempre os limites naturais da cidade, houve
um grande crescimento espontneo, que segundo especialistas na matria, o
Arquitecto Antnio Jorge Delgado (ex-ministro da cultura de Cabo Verde autor
de uma pesquisa sobre o tema) gerou grandes problemas urbansticos,
nomeadamente de infra-estruturas e de ligao ao ncleo antigo.
- Finalmente a Norte e a Sul do centro histrico foram projectadas novas reas de
extenso planeada.
Aproximadamente 80% de edificaes encontra-se nos bairros exteriores cidade.
Dentre estes os que concentram maior nmero de edifcios so: Lm de Cima, Santa
Filomena de Cima e de Baixo, cada um desses bairros com cerca de 10% do total do
parque edificado da cidade e os bairros com menor nmero de edifcios so: Achada So
Filipe e Xaguate com cerca de 2% do total de edifcios da cidade24
As zonas onde se concentram a dinmica urbana so: Centro Histrico, Congresso,
Cobom, Lm de Cima e de Baixo, Santa Filomena Baixo e Cima.

23 Plano de Desenvolvimento Urbano de So Filipe. Cf. Cmara Municipal de So Filipe (CMSF),

Documento orientador da cidade editado em 1996 e depositado nos arquivos do Municpio
24 PDUSF (1996)
Actualmente, na sequncia da criao do Municpio de Santa Catarina 25 o Concelho de
So Filipe, passa a ter apenas duas freguesias: a de Nossa Senhora de Conceio, onde
fica a sede do municpio e a freguesia de So Loureno, deixando desta forma o
concelho de ter o poder histrico sobre o vulco.

2.2. Povoamento das ilhas de Santiago e Fogo e as dificuldades iniciais

A expresso [] queremos que elle haja livremente as ditas jlhas e senhorio e

povoradores (povoadores) dellas [] constante da carta de doao de 19 de Setembro
de 146226, passada pelo rei ao Infante D. Fernando, simboliza a vontade de D. Afonso V,
em que fosse desencadeado imediatamente o povoamento das ilhas.

Da Noli teve como recompensa pelos seus feitos, a parte sul/oeste de Santiago
cuja carta de doao no chegou at ns. Mas, segundo o Pe. Antnio Brsio aquele
genovs chegou a Santiago nesse ano de 1462 acompanhado de alguns membros da sua
famlia e de portugueses do Alentejo e do Algarve 27. Por sua vez Diogo Afonso, a quem
foi doado a capitania norte da citada ilha, cuja a sede viria a ser transferida para o
povoado da Praia por volta de 1516 e assim marcar a sua entrada na histria de Cabo
Verde, ao que parece, est na posse da mesma, antes de 29 de Outubro do mesmo ano 28.
Pelo que se passaram cerca de dois anos entre a descoberta da primeira ilha, a de
Santiago e o incio do seu povoamento efectivo.

Logo no incio, as primeiras tentativas para encetar o povoamento no foram

fceis, na opinio de Orlando Ribeiro. 29 Testemunha esta constatao, o contedo da
carta de privilgo de D. Afonso V, datado do 12 de Janeiro de 1466, onde se diz que
Santiago se comeara a povoar haver quatro anos, pelos cuidados do Infante D.
Fernando, seu irmo e senhor da ilha; mas [] por ser to alongada de nossos reinos a
gente no quer em ela viver seno com mui grandes privilgios e franquezas e despesa
sua por isso, e a rogo do Infante, considerou o rei que os moradores da dita ilha que da
25 Lei n. 66/VI/2005. Cf. B. da Repblica de Cabo Verde de 9 de Maio de 2005( II Serie) p. 629.
26 Vide anexo documental, anteriormente indicado e cujo excerto, a que ao mesmo remete, traz na parte
final a expresso da vontade de D. Afonso V em proceder ao povoamento imediato da ilhas.
27 BRSIO, Antnio - Descobrimento, Povoamento evangelizao, pp. 83-97.
28 ALBUQUERQUE, Lus de O descobrimento das Ilhas de Cabo Verde. In: SANTOS, Maria Emlia
Madeira e Albuquerque Lus de (Coordenao) Histria Geral de Cabo Verde.... p. 39.
29 RIBEIRO Orlando Primrdios da ocupao das ilhas de Cabo Verde. Liboa:Faculdade de letras da
Universidade de Lisboa. 1955, pp. 8-9
em diante para sempre hajam e tenham licena para cada vez que lhes prouver
poderem ir com navios a tratar e resgatar em todos os nossos tratos das partes da
Guin []30 reservando apenas para a coroa o trato de Arguim.

Com base ainda em Orlando Ribeiro, o resgate na costa da Guin constitua o

monoplio real e apenas por privilgio expressamente concedido, poderia ser exercido
por estranhos. Deste trfico pagariam o trato coroa que, por intermdio dos seus
oficiais o fariam arrecadar. Tambm ficariam isentos da dzima pelos produtos das suas
herdades que da trouxerem ao reino e de todos os direitos de comrcio que exercerem
em todas as outras ilhas do mar oceano. Tais privilgios considerveis, na ptica de
Ribeiro, fariam com que o comrcio de escravos, no tardasse a transformar Santiago
num entreposto.

Efectivamente, sublinha o autor, at esse ano de 1466, nos quatro que haviam
transcorrido desde o incio do povoamento no parece que a ocupao tivesse tomado
qualquer importncia. Uns religiosos que se estabeleceram em Santiago acharam a terra
como desejavam, destituda de povos, excepto alguns genoveses que mais tratavam de
colher algodo pelo mato31. Viveram os frades em grande retiro e j por isso, pela pouca
caridade dos vizinhos, sustentavam-se principalmente de algum peixe que pescavam.

Passados os primeiros anos em que se experimentou as dificuldades

mencionadas no povoamento o infante D. Fernando v o seu empreendimento ganhar
um impulso com os incentivos dados, pelo que ao mesmo tempo, as famlias do Algarve
e do Alentejo estabelecidas intensificaram o comrcio e a relao com as negras da terra
e da Guin e assim, o povoamento se foi propagando pela via da miscigenao.
Valendo-se do exclusivo que lhes fora conferido de resgataram na Guin grande nmero
de escravos para o arroteamento das terra e do processo de miscigenao inicial, se
originaram logo as trs espcies de castas, que se proliferam no territrio: brancos de
descendncia pura europeia, pretos de linhagem pura africana (dos escravos negros da
Guin), promovida pelos senhores em proveito prprio e mulatos resultantes do
cruzamento dos brancos da Europa com as negras da Guin. Sublinha o autor, esta casta
30 A obra de Brsio traz na integra o texto da carta de privilgio de D. Afonso V, datado do 12 de Junho
de 1466, onde entre outros aspectos, se constata as dificuldades no povoamento nos primeiros quatro anos
bem com as medidas adoptadas pelo rei visando ultrapassar tais constrangimentos. In: Brsio, Antnio
Monumenta Missionria Africana (frica Ocidental) 2 Srie Vol. I, pp.431-435; In: HGCV-CD, pp.19-22.
31 BARCELOS, parte I Subsdios para a Histria de Cabo Verde p. 28.
aumentou significativamente quando no sculo XVI comearam a ser enviados para o
arquiplago degredados a cumprir sentena, no tendo parado a introduo de escravos
da costa da Guin.

Faz notar Carreira, o recurso mo-de-obra do continente fronteirio justificou-

se, devido necessidade de fixao humana e explorao da terra numa segunda fase.
Segundo Artur Teodoro de Matos,32 veio modificar as caractersticas do povoamento das
ilhas a Carta de Limitao de Privilgios de 8 de Fevereiro de 1472. que inicialmente
o povoamento esteve ligado s necessidades de acostagem, pelo papel decisivo no
comrcio e da navegao. A carta rgia acima referida declara e delimita as
prerrogativas concedidas aos moradores de Santiago quanto ao resgate na Costa da
Guin, revelando o trecho referente ordem do rei de seguinte modo: []Dizemos que
o dito capito e moradores da dita ylha nom mandem nem vao a outras alguuas partes
resguatar, saluo aaquellas que j emtam ao tempo que o dito priuilgio outorgam em as
quaes se j por alguus comeara de ratar e resguatar, tyrando arguim com suas
demarcaooes []33.

Esta carta rgia veio segundo Matos, modificar as caractersticas do povoamento

de Cabo Verde na medida em que estando os moradores condicionados o acesso aos
produtos no originrios da ilha de Santiago, para sustentar a sua economia tiveram que
procurar nas actividades agro-pastoris e artesanais produzidos ou recolectados
localmente, para ultrapassar os constrangimentos impostos por tais limitaes.
Reforaram o cultivo de milho, legumes, hortcolas, cana do acar, algodo, passaram
a explorar mais intensamente o gado bravo, por excelncia para a extraco de peles de
caprinos, criao de cavalos entre outros e produtos artesanais (panos de terra, fabrico
de aguardente, acar mascavado) bem como a maior procura de plantas e moluscos
tintureiros. Assim dotaram-se de produtos locais de exportao e abastecimento de
navios bem como participar no comrcio da Guin. Esta nova realidade permitiu que as

32 MATOS, Artur Teodoro de (Coordenao de) A colonizao Atlntica. Lisboa: Editorial Estampa,
2005, p. 15.
33 A Carta de Limitao de Privilgios de 8 de Fevereiro de 1472 publicado in Histria Geral de Cabo
Verde Corpo Documental (HGCV-CD) declara e delimita as prerrogativas concedidas aos moradores de
Santiago quanto ao resgate na Costa da Guin que gerou uma situao que impulsionou os moradores a
encontrarem sadas sua frgil economia internamente, o que veio a lanar as base para um povoamento
mais acelerado.
populaes se fixassem e alastrassem mais rapidamente dada necessidade de mo-de-
obra para o arroteamento das terras34.

Refere Teodoro de Matos, o povoamento da ilha de Santiago no primeiro sculo de

colonizao era bastante irregular, distinguindo-se, desde logo, duas capitanias
separadamente. Provavelmente, sustenta o autor, a partir de 1466 foram entregues para
povoar: a zona Sul/Oeste com sede em Ribeira Grande, a Antnio da Noli e a rea
Norte/Leste, com sede em Alcatrazes, todas na forma de gesto directa. A ribeira
Grande, era a regio que melhores condies tinha, designadamente, maior abundncia
de gua, como de resto se pode comprovar hoje.

A ilha do Fogo, a segunda ilha a ser povoada entre 1480 e 1593 por aco dos
moradores de Santiago, de forma semelhante e como uma espcie de apndice desta 35.
Fogo foi ento povoado devido expanso da actividade comercial na costa da Guin
que lhes exigiu cada vez maior quantidade de bens de troca, produzidos localmente. A
passou a ter grandes propriedades e para essa ilha se deslocou uma grande quantidade
de escravos, mo de obra para o trabalho nos campos algodoeiros, tendo-se criado uma
capitania semelhante ao da Ribeira Grande e tendo sido um dos seus primeiros
detentores, Ferno Gomes, para a partir de 20 de Abril de 1520 passar para as mos de
D. Joo de Vasconcelos, conde de Panela36, por doao do rei D. Joo III.

34 MATOS, Artur Teodoro de, A colonizao Atlntica p. 16

35 MATOS, Artur Teodoro, A colonizao Atlntica p. 18.
36 TORRO, Maria Manuel Subsdios para a Histria Geral de Cabo Verde. O Algodo da Ilha do
FogoIn: Revista Studia 50, Lisboa 191, pp. 157- 176.