Uma Etnografia Sobre Maracatus de Baque Solto
Uma Etnografia Sobre Maracatus de Baque Solto
Uma Etnografia Sobre Maracatus de Baque Solto
MUSEU NACIONAL
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ANTROPOLOGIA
SOCIAL
Rio de Janeiro
Fevereiro, 2008
1
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Carnaval em Terras de Caboclo:
uma Etnografia sobre Maracatus de Baque Solto
2
Carnaval em Terras de Caboclo:
uma Etnografia sobre Maracatus de Baque Solto
Aprovada por:
________________________________________
Prof. Dr. Jos Srgio Leite Lopes
________________________________________
Profa. Dra. Renata de Castro Menezes
__________________________________________
Profa. Da. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
______________________________________
Prof. Dr. Moacir Gracindo Soares Palmeira
(Suplente)
_______________________________________
John Cunha Comerford
(Suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro, 2008
3
Chaves, Sui Omim Arruda C.
4
RESUMO
5
ABSTRACT
This thesis aims at investigating the meanings of Carnival, from the perspective of
the dancers (players) of the Maracatu de Baque Solto. More precisely, what it means
to dance the Maracatu, as perceived by people from the milieu, who see themselves as
wise, people who are experienced in Maracatu. What is it like, to dance the
Maracatu? How does it feel to be a Maracatuzeiro? This ethnographic work seeks to
think the Maracatu through its relations and reciprocities entailed on the ideas of
knowledge and culture, as conceived by the people devoted to this game/dance
(brincadeira).
Chapter One describes my arrival at the place where I did my fieldwork, and
introduces the local people who acted as my liaison with the groups, as well as the two
groups of Maracatu de Baque Solto (MBS) where I took part, as a baiana, during the
2004 and 2006 Carnival. It also depicts the pre-carnival period and the final rehearsal
(sambada).
Chapter Two presents the climax, that moment for which the Maracatu groups
prepared themselves throughout the whole year: the three days of Carnival. It also
outlines a parallel between the text and the film Baque Solto made in partnership
with Tatiana Gentile, during the process of writing this thesis.
In Chapter Three, I address the past narratives of the MBS, as a privileged
territory to reflect upon recognition and to attribute values to the different intensities
of Maracatu dancing. That is, a number of mythical narratives and stories from the
past that guide us towards understanding how the Maracatu culture was formed, on
the basis of positions assigned and relations around the knowledge of Maracatu.
6
Agradecimentos
A meu orientador Jos Srgio Leite Lopes, pela confiana , estmulo e generosidade.
Aos professores, pelo prazer de assistir a seus cursos durante o mestrado: Jos Srgio
Leite Lopes, Marcio Goldman, Antondia Borges, Gilberto Velho, Federico Neiburg,
Lygia Sigaud, Ovdio Abreu e Emerson Giumbelli.
Aos professores que foram fundamentais na graduao: Maria Laura Viveiros de
Castro Cavalcanti, Els Lagrou, Marco Antnio Gonalves, Andr Botelho, John
Comerford, Peter Fry, Regina Novaes e Patrcia Monte-Mr.
A Moacir Palmeira, Renata Menezes e Fernando Rabossi agradeo por abraarem o
projeto do filme.
Aos funcionrios da Biblioteca, Secretaria e Xerox do PPGAS, pela eficincia e
dedicao. Agradeo tambm aos funcionrios do NuaP e CAPES pela bolsa
concedida.
Em Pernambuco:
A toda a famlia Arruda especialmente: Maria Ligia, Paulo, Lo e Emlia, por
tornarem os perodos pernambucanos sempre aconchegantes, animados e afetuosos;
Clarissa, Barbosinha, Lcia, Flora e Lara, por todo o apoio, amizade e dedicao;
Nara, pelo gravador emprestado em cima da hora. Famlia de D. Maria e Seu
Geraldo, pelo esprito carnavalesco e pelos deliciosos almoos grande mesa.
A Maria Acselrad e Gustavo Villar, pela amizade criada ao longo desta pesquisa, pela
sensibilidade com que me acompanharam pelos caminhos da Mata Norte, pela ampla
troca, pelo quintal compartilhado e pelo brilho da quarta-feira de cinzas. Mari, pelo
encanto de sua presena na casa da goiabeira e semente de Toms, que nos
mostrava como a vida cresce dia a dia.
A Carlos Sandroni, pelas ajudas diversas, amizade e incentivo.
A Siba Veloso, pela generosidade e colaborao.
Aos Amigos: Joaninha, Murilo, Andr, Climrio, Srgio, Niltinho, Ederlan (e famlia),
Z Mrio, Aguinaldo (e famlia), Biu Alexandre, Fabinho, Martelo, Maria Paula e
Badango. Ao Maracatu Leo de Ouro de Condado. Ao Maracatu Estrela de Ouro de
Aliana e a todos que de alguma forma me ajudaram a transitar nesse mundo.
7
No Rio de Janeiro e outros mundos:
Martinha Arruda, dearest James Green e Yama Arruda, por todo apoio e incentivo,
agora e sempre. Adyr e Luiz pelos estmulos paternos, cada um a sua maneira.
famlia carioca especialmente: Lina, Elza, Marcos, Moni, Tiana, Pablo e Catherine
pelo carinho e pela compreenso das minhas ausncias festivas.
Joo Duarte pela grande amizade, amor, companheirismo e tambm pelas leituras.
Luiz Fernando Dias Duarte pelo carinho, generosidade e estmulo.
Clarisse Kubrusly pela constante interlocuo, pela forte amizade nascida entre rios,
risos e lgrimas; pelos momentos compartilhados desde o campo at o fim da
dissertao. Tatiana Gentile por ser, alm de grande amiga, tima companheira de
trabalho e de viagem; por toda a participao, troca e colaborao nessa pesquisa.
Ana Carneiro e Paula Siqueira pelas leituras instigantes, conversas vivas e toda a
amizade vivida nos momentos belos e difceis. Aos amigos que estiveram presentes
nessa travessia: (las chicas) Julieta, Virna, Camila, e, de novo, Aninha e Paulinha
pelos incentivos, pela antropologia pensada no bar, na praia, na rua, na cozinha; pelos
carnavais e corais que passaram e pelos que viro; Lu e Felipe que do gosto mineiro
vida carioca; Nicolas pela amizade e pelos quilos de erva mate gentilmente fornecidos;
Marcelo, Salvador, Flvio, Isabel, Marta, Rogrio, Z Renato, Deborah, Ceclia,
Bernardo, Chico, Cssia, Guto, Bia, Cia, Cris e Lia pelos bons momentos.
Adel Novaes e Toms Magno pela grande amizade de vnculos amadrinhais e pela
finalizao de som do filme. Constana Scofield e Thales Magno pela generosidade e
delicadeza. Cludio Serra e Ana Helosa pelas aulas alegres de francs.
Lula Marcondes e Lucia Duncan por toda amizade ao norte, pela generosa
vizinhana de Adelaide, pelos chimas tomados, pela estria internacional de Baque
Solto e pelos mapas de Pernambuco.
Alexandre Pimentel, Joana Correia, Emlio Domingos, Mariana Oliveira, Paloma S,
Beatriz Arosa, ngela Mascelani, Moana e Lucas Van de Beuque, Stella Penido e
Norma Nogueira pelas colaboraes diversas. Martinha pela reviso e tudo mais.
8
SUMRIO
Introduo 10
9
Introduo
Este trabalho teve incio durante minha graduao em Cincias Sociais (IFCS/
UFRJ), no projeto de iniciao cientfica. A pesquisa que eu vinha desenvolvendo, sob
a orientao da Prof. Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, tinha como
objetivo amplo investigar as imagens do ndio vistas e atualizadas nos festivais
populares do Brasil contemporneo. O Maracatu de Baque Solto despontou como
desdobramento desta pesquisa, no ltimo ano da iniciao cientfica (2004), em que
realizei o trabalho de campo, durante um ms e meio, na Zona da Mata Norte de
Pernambuco3 e, com base nessa primeira insero etnogrfica, escrevi o trabalho de
concluso da pesquisa de iniciao cientifica. Esse trabalho consistiu em notas e
reflexes, sobre a jornada dos trs dias de carnaval de um Maracatu da cidade de
Condado: o Maracatu de Baque Solto Leo de Ouro, no qual eu havia brincado de
baiana.4
1
Como meio, utilizo de forma particular a noo de mundos artsticos de Howard Becker (1977). Melhor
dizendo, incluo nessa noo as brincadeiras ditas populares que, na reflexo de Becker, no constituam uma
comunidade artstica por no considerarem sua atividade uma profisso. De fato, arte e cultura so
categorias externas, para definir o que se faz entre o povo de Maracatu. No entanto, com a crescente
profissionalizao destes grupos, a formalizao do conhecimento e o reconhecimento (por parte das pessoas
que brincam e da sociedade) de que o que se faz cultura, podemos dizer que se trata de um mundo, ou
seja: pessoas e organizaes que produzem os acontecimentos e objetos definidos por esse mesmo mundo
como brincadeira.(Becker, 1977: 9).
2
Brincadeira um termo nativo, que remete a festividade, envolvendo msica, dana, poesia, improvisao,
etc.
3
Ver Anexo 1 Mapa Estado
4
Ver Anexo 2: Personagens do Maracatu.
10
No mestrado, decidi continuar a pesquisa, julgando-a merecedora de um trabalho
ampliado e aprofundado. Assim, voltei a campo, no ano de 2006 e, durante trs meses
e meio, convivi com integrantes do Maracatu Leo de Ouro de Condado e do
Maracatu Estrela de Ouro de Aliana. Alm destes grupos, conversei com pessoas (em
alguns casos entrevistei-as) e com outros grupos de Maracatu de Baque Solto5. As
visitas, conversas e entrevistas informais, gravadas ou no, foram realizadas nos
seguintes locais: Condado, o stio Ch de Camar, Aliana, Nazar da Mata, Barra de
Catuama, Itaquitinga, Upatininga, Recife e Olinda.
5
Com sedes em cidades da Zona da Mata Norte: Maracatu Leo da Mata de Itaquitinga e o Maracatu (de
Mulheres) Corao Nazareno de Nazar da Mata. Sediados em Olinda (Zona Metropolitana): o Maracatu
Chuva de Prata e Maracatu Piaba de Ouro.
6
Mario de Andrade (1982) atribui a raiz lingstica da palavra ao tronco amerndio, devido semelhana com
fonemas guaranis. Marac o instrumento amerndio, de percusso, conhecidssimo. Catu em tupi quer
dizer bonito. Dabbeville (285,188 face), que grafava bastante mal as vozes amerndias, cita o nome do
morubixaba Maracapu (Maracapou) que diz significar som de marac. Podia-se assim lembrar a formao
Marac-catu, donde Maracatu, fundidas as duas slabas c. E ainda outra interpretao lembrvel. Mar
indica T.Sampaio (260, 309) como sendo a guerra, a confuso, a desordem, a revoluo. Donde Marct e
posteriormente Maract, por assimilao. Isto guerra bonita, a briga bonita, a briga de enfeite, invocando o
cortejo real festivo mas guerreiro. (Andrade, 1982: 137, 138)
7
Sobre Maracatu de Baque ver Pereira da Costa, Guerra Peixe, Katarina Real, Roger Bastide, Virginia
Barbosa, Isabel Guillen, Climrio Santos & Tarcsio Soares, entre outros.
8
Guerra Peixe reagiu ao uso da expresso Maracatu Rural, por Katarina Real, no livro Folclore no
Carnaval Pernambucano. O maestro acusa a antroploga norte-americana de ter lanado a denominao,
ignorando por completo os designativos que os prprios populares usam para o tipo de Maracatu que
chamam de Maracatu-de-orquestra ou Maracatu-de-trombone. (1981: Prefcio)
11
A maior parte dos grupos de Maracatus de Baque Solto9 se concentra nas
cidades e municpios da Mata Norte10 e, em menor nmero, h sedes na Zona
Metropolitana. Os participantes dos Maracatus que habitam a Mata Norte so, em sua
maioria, trabalhadores sazonais no corte da cana-de-acar, moram na rua, como so
chamadas as cidades da regio. O trabalho na cana, por ficha (carteira assinada), ou
por diria, muitas vezes no suficiente para o sustento das famlias, sendo
complementado com outras atividades, como o trabalho como feirante ou pedreiro.
Brincar Maracatu e Cavalo-Marinho tornou-se uma forma de ganhar um dinheiro
extra.
9
Esto registrados na Associao de Maracatus de Baque Solto 104 grupos. O Maracatu de Crianas e o
de Mulheres, ambos de Nazar da Mata, no so filiados. No total so 106 grupos de Maracatu de Baque
Solto no Estado de Pernambuco, com sedes na Zona da Mata Norte e Zona Metropolitana. Informao do ano
de 2007.
10
Gilberto Freyre, em seu livro Nordeste, aponta para a ironia desta sub-regio ser chamada de Zona da Mata,
diante de tamanha devastao da mata para explorao agrcola. Sabe-se o que era a mata do Nordeste,
antes da monocultura da cana: um arvoredo tanto e tamanho e to basto e de tantas prumagens que no podia
o homem dar conta. (...) A fogo que foram se abrindo no mato virgem os claros por onde se estendeu o
canavial civilizador, mas ao mesmo tempo devastador. (2004:79).
12
Aguinaldo, puxador de cordo do Maracatu Leo de Ouro, deixou de fazer
ficha nas usinas, por conta das freqentes viagens e apresentaes do Maracatu e do
Cavalo-Marinho e das conseqentes faltas que tinha no trabalho.11
Desde que deixou o trabalho na cana, Aguinaldo ajuda a mulher com a banca
de verdura na feira de sbado e recebe o auxlio do Programa Bolsa Famlia12 pelos 3
filhos que estudam. Nas viagens, coloca venda as golas de Maracatu que faz.
Ederlan morador da cidade de Condado, tal como Aguinaldo e Luiz, mas, sendo
um jovem de famlia classe-mdia, nunca trabalhou na cana. Logo que criaram o
Ponto de Cultura de Ch de Camar, Ederlan conseguiu emprego de produtor.
11
Aguinaldo diz que a maior vantagem de trabalhar fichado o abono do PIS (Programa de Integrao
Social). Abono para trabalhadores que ganham at dois salrios mnimos.
12
Programa do Governo que, por cada filho na escola, paga uma bolsa, na poca, de R$15 por criana.
13
no era apresentao. Z Duda, mestre do Estrela de Ouro, conta sobre quando
comeou a brincar:
13
O mestre do Maracatu, o cantador, tira o Maracatu, isto , canta para o Maracatu sair, se movimentar.
14
Morar significava ligar-se a um engenho. Ningum morador de usina e trabalhador de engenho. (104)
15
A importncia da atuao das Ligas Camponesas e a estruturao de um projeto de lei, tendo em vista a
reforma agrria (Estatuto do Trabalhador Rural e Estatuto da Terra). Sobre a modificao da conscincia
social dos trabalhadores atravs da noo de direito. (Sigaud, 1976).
14
Os anos de chumbo parecem ter sido marcantes nesse processo civilizador16
dos Maracatus. Na capital, Recife, o papel da Federao Carnavalesca de Pernambuco
(FCP) 17
mencionado, pelos Maracatuzeiros, como delimitador de uma ruptura na
maneira como os Maracatus brincavam o carnaval.
16
Elias e Dunning (1992) abordam como o lazer se mostra no processo civilizador e seu importante papel no
alvio das pulses e na internalizao das regras que regem os grupos e a comunidade da qual os indivduos
so parte. As situaes de busca da excitao e lazer como parte do processo so: submetidas
progressivamente ao controle mais acentuado que havia sucedido no passado. (p.101)
17
Fundada em 1935, a FCP congrega todas as categorias de agremiaes carnavalescas, organizando com
verba da Prefeitura do Recife e do Governo do Estado, o julgamento e o desfile das agremiaes. De acordo
com o projeto apresentado no congresso, uma das tentativas mais ousadas das elites governantes em busca da
legitimidade popular (Arajo, 1992 apud Assis, 1997). Interessante notar que o ano de fundao da FCP
coincide com o ano em que Mrio de Andrade nomeado diretor do Departamento de Cultura de So Paulo.
Sobre esse ponto, relevante pensar o projeto-poltico do Estado Novo.
15
democratizado o negcio, de 1980 pra c, (sic) comeou a liberar pra Maracatu Rural e
ele representa a turma do interior. (Assis, 1997: 45)
Para entrar a fundo nessa questo, seria necessrio trazer outros planos para
a discusso: como o movimento da contracultura em vrias partes do mundo, os
movimentos regionais (o Movimento de Cultura Popular na dcada de 60, Armorial,
dcada de 70, o Manguebeat nos anos 90, assim como outros movimentos) enfim,
pensar circunstncias e relaes circulares19 significativas, no processo de
espetacularizao dos Maracatus. E no cabe aqui fazer uma reviso crtica da
bibliografia sobre Maracatu, dialogando com os movimentos intelectuais, polticos e
estticos que, por si s, seria uma outra pesquisa. Embora bastante instigante, ela nos
tiraria do nosso caminho20.
18
Fundada em 1990, em Aliana, na Mata Norte, por 13 dirigentes, tendo como seus principais articuladores
mestre Salustiano, mestre Batista, Biu Hermenegildo.
19
A noo de circularidade de nveis de cultura. Bakthin (2002), Ginzburg (2002), Da Matta.
20
A literatura sobre Maracatu de Baque Solto constitui um conjunto bastante heterogneo, com orientaes e
objetivos distintos. Entre autores que escreveram sobre Maracatu esto: Pereira da Costa (1908), Cmara
Cascudo (1956), Mauro Souto Maior (1969), Katarina Real (1974), Roger Bastide (1945/1959), Guerra-Peixe
(1981), Mario de Andrade (1982), Roberto Benjamin (1976/1982), Olimpio Bonald Neto (1987), Leonardo
Dantas (1988). Quanto a trabalhos acadmicos na rea de antropologia, temos as dissertaes de mestrado de
Elisabeth Assis (1997) e Mariana Mesquita Nascimento (2000), as monografias de Melo (1997), Svia
Sumaia Vieira (1999) e Ana Valria Vicente (2003). Em 2005, a Coleo Maracatus Maracatuzeiros editou
16
O que desejo ressaltar aqui que, nos anos 80, o processo de abertura poltica e
democratizao do Estado brasileiro pode ser pensado como um tempo liminar21, isto
, uma ruptura que, do ponto de vista nativo, delimita o tempo passado, marcando o
processo de transformao do Maracatu em cultura.
trs volumes sobre Maracatu Rural: Festa de caboclo de Severino Vicente, a publicao da dissertao
(op.cit) de Mariana Mesquita Nascimento e da monografia (op.cit) de Ana Valria Vicente. Ainda em 2005,
foram lanados: Maracatu Rural: Luta de Classes ou Espetculo? de Roseana Borges de Medeiros e o
Batuque Book, um songbook de Maracatu Baque Virado e Baque Solto de Climrio de Oliveira dos Santos e
Tarcsio Soares Resende
21
A idia de liminaridade de Turner (1974) nos serve, na medida em que qualifica um redimensionamento de
uma ordem da estrutura vigente.
22
Conceito de territrio: O territrio de fato um ato, que afeta os meios e os ritmos, que os territorializa.
O territrio um produto de uma territorializao dos meios e dos ritmos. (op. cit. 2002: 120)
17
Aires, e no os movimentos como plano de investigao -- esta etnografia trata dos
sujeitos que integram este universo dos Maracatus. 23
23
Aproximao com a idia de Mauss O potlach, a distribuio dos bens, o ato fundamental do
reconhecimento militar, jurdico, econmico, religioso, em todos os sentidos da palavra. Mauss (2003:247).
24
Viveiros de Castro (2004) fazer antropologia comparar antropologias.
25
Encontro a partir das noes de objetividade relativa e relatividade cultural.(op.cit)
18
texto e do filme, Baque Solto, que realizei em parceria com Tatiana Gentile, durante
um certo perodo do processo de escrita desta dissertao26.
* * *
26
O filme foi viabilizado por uma verba obtida atravs do Edital de Memria Camponesa do NuaP (PPGAS).
A idia era fazer um filme que reunisse meu material de pesquisa, filmado em 2004 - juntamente com Emilio
Domingos - e o material de Tatiana Gentile, filmado em 2006, perodo em que ambas estvamos no campo.
27
Para sua denominao, os Maracatus elegem o seu smbolo, seja animais como leo, guia, pavo, seja
elementos da natureza como estrela, chuva, seguidos de caractersticas ou adjetivos como, brilhante, da mata,
vencedor, de ouro, etc. H muitos grupos com o mesmo nome, por exemplo, Leo da Mata, e o que os
diferencia o nome da cidade a que pertencem.
19
Captulo 1 - O Encontro: a entrada no campo
Assim que cheguei ao Recife, em janeiro de 2004, para dar incio pesquisa de
campo, dois amigos que moram na capital pernambucana convidaram-me para
acompanh-los a uma sambada (ensaio) do Maracatu de Baque Solto, onde iriam
brincar naquele carnaval. Faltavam duas semanas para o carnaval, quando chegamos
cidade de Condado28, para o ltimo ensaio do Maracatu de Baque Solto Leo de Ouro.
O dono do Maracatu, Biu Alexandre,29 nos recebeu dizendo: vem jantar, que a noite
vai ser longa. Essa foi a primeira de muitas noites que passaria em claro, com o povo
do Maracatu. J nessa primeira viagem Mata Norte, definiu-se o grupo que eu
acompanharia, melhor dizendo, no qual eu brincaria de baiana, durante o carnaval
daquele ano: o Maracatu de Baque Solto Leo de Ouro de Tupaoca30.
20
Estas duas brincadeiras, o Maracatu e o Cavalo-Marinho, quando no esto se
apresentando, brincando, constituem um conjunto de objetos e artefatos (roupas,
chapus, surres, golas, guiadas, instrumentos musicais, mscaras, arcos, bandeira,
etc.). Isto , fora da situao de brincadeira, o conjunto de objetos fica guardado:
adormecido ou em manuteno33. O espao destinado a este fim comumente
chamado de sede, terreiro ou barraca, lugar que agrupa o brinquedo e a brincadeira. O
lado de fora da sede, o terreiro, onde acontecem as sambadas. No carnaval, esses
artefatos e roupas so animados pelas pessoas que brincam.34 Nas sambadas, todos
brincam paisana.
significativas caractersticas do Cavalo-Marinho: sua fatalidade mvel - uma capacidade de conviver com a
alteridade, que constitui um tipo de identidade em movimento. Movimento este que faz com que toda
brincadeira seja uma experincia nica.
33
Trocam as lantejoulas sem brilho das golas, restauram vestidos, etc.
34
Um boi-artefato, que baila, morre e ressuscita, foco de brincadeiras pelo pas a fora (Cavalcanti,
2006:69), no carnaval pernambucano h vrios bois. Em Pernambuco, costuma-se chamar de alma a pessoa
que brinca no boi, isto , embaixo do boi. Esse termo me parece significativo pois d a idia de que o artefato
e a alma do vida ao boi.
21
clarinete, saxofone, etc.). A sambada um espao de organizao, treinamento e
negociao para o carnaval. Configura-se uma situao em que as pessoas que tm
interesse em brincar no Maracatu podem demonstr-lo ali. O dono, ou pessoas ligadas
ao Maracatu fazem convites, estabelecem-se compromissos entre o dono do Maracatu
e os participantes. um dos momentos em que se assumem responsabilidades e
posies dentro do Maracatu. 35
35
Muitos compromissos so estabelecidos cotidianamente, atravs de recados, conversas, ou articulaes
variadas entre as pessoas. Combina-se por exemplo de tirar as medidas da pessoa para fazer uma roupa, ou
consegue-se emprestado uma arrumao, combina-se de costurar uma gola, etc.
22
improvisado em seis ou dez linhas, se liga a sentimentos e atitudes diante da
brincadeira: gostar, brincar, danar, lutar, responder verso, beber, farrar, fazer resenha
(fazer gozao), se interessar, observar, curtir, aprender, etc. 36
36
Samba, no Brasil, constitui um tema interessante, para pensar a diversidade musical que este gnero
propicia, nas vrias regies do Pas. A diversidade do ritmo, a dana e os sentidos sociais singularizam
diferentes sambas, embora, num plano geral, paream estar relacionados a situaes festivas.
37
Esta dana a que me refiro pode ser vista no DVD Baque Solto, no incio da Segunda-Feira de Carnaval.
38
Capoeira: jogo-luta-dana em roda, ao som de atabaques, pandeiro, agog e berimbau.
23
manobras, realizadas no incio e no final da noite de sambada, abrem e fecham o
samba. Nos trs dias de carnaval, como veremos adiante, as manobras so parte dos
rituais de chegada e entrega que marcam o ciclo: o incio e o fim do carnaval.
As respostas aos versos podem ser feitas por um contramestre, algum que tem
a inteno de ser mestre e criar versos (ou que j mestre e est na posio de
contramestre) ou, na falta deste, por uma ou mais pessoas que respondam aos versos40.
Na sambada at qualquer bebo responde, como resenha Biu Alexandre. O mestre do
Leo, Negoinho, no tinha um contramestre, ou outra pessoa fixa que respondesse os
versos, quem respondia eram alguns tocadores do terno.41 Enquanto o mestre canta
versos, todos os personagens do Maracatu ficam parados (em p ou agachados).
Quando o terno comea a bater, o movimento da manobra feito.
39
Ver anexo 3. Esquema Rpido de Versos de Maracatu.
40
No carnaval, se o Maracatu no tem um contramestre, algumas baianas podem ser chamadas para responder
aos versos.
41
Durante o carnaval (2004), isto foi um problema que se refletiu na rouquido do Mestre. Ao final dos trs
dias, Negoinho estava quase afnico.
24
Marcha, que chama quadra, s manobra, quando o
Maracatu t evoluindo. Marcha puxa o brinquedo avante,
pra botar Maracatu em cima do palanque, tirar de cima do
palanque. O mestre tira outra marcha, apita e todo mundo
abaixa. O Samba s pra ficar levantando guiada, galope.
Todo mundo parado s levantando a guiada. Samba p-de-
palanque. Galope o samba de trs, galope o samba curto.
Trs pernas, Galope tem um taco de marcha, um taco de
samba. Trs ps de samba. (Luiz)
42
Ver Anexo n. 2 - personagens e desenho do Maracatu.
43
Marca de aguardente de cana, produzida e muito consumida no estado de Pernambuco, a ponto do nome
Pitu ser um sinnimo de cachaa.
25
Ao longo da sambada, Biu Alexandre veio conversar e me perguntou se eu
queria brincar de baiana. Eu lhe disse que no sabia brincar de baiana e ele
respondeu: brincar de baiana muito fcil, s querer. Dona Maria, mulher de Biu
Alexandre, tirou minhas medidas para fazer a roupa de baiana e ficou combinado que
eu estaria l no Domingo de Carnaval.
Nesse ano de 2004, fiquei um ms e meio entre idas e vindas da Zona da Mata
para o Recife. Dona Maria, me de Ederlan, me recebeu diversas vezes na sua casa
em Condado. Sempre que eu me despedia, ela repetia: voc no tem que agradecer de
ficar em minha casa, afinal voc no pra aqui, que nem Ederlan, roda muito.
Conheci Ederlan no sbado, antes de ir para a sambada do Leo de Ouro, quando fui
com meus amigos at a casa dele, entregar uma mscara de Cavalo-Marinho. Desde
ento, Ederlan, na poca com 23 anos, tornou-se um dos meus principais
interlocutores, grande amigo e companheiro de estrada. Ederlan me acompanhou em
diversas viagens pelas cidades da Zona da Mata44, presenciou entrevistas, levando-me
casa de pessoas que achava que eu gostaria de conhecer.
44
Alm de Condado, estive em outras cidades da Zona da Mata durante o carnaval, numa verdadeira
peregrinao. E, aps o perodo carnavalesco, viajei, realizando entrevistas (Condado, Itaquitinga e
Upatininga); em Aliana, assisti Reunio da Associao de Maracatus e ao Toque para Orix no stio Ch de
Camar.
45
Alm de tocar, Ederlan bota figuras no Cavalo-Marinho.
26
Goldman (2003) assemelha algumas tcnicas do trabalho do etngrafo no
campo, com certas formas de aprendizado, presentes em culturas orais. No candombl
essa busca denominada catar folha:
27
O breve contato que tive com integrantes do Estrela de Ouro, no ano de 2004,
foi num toque para orix, no centro esprita de Seu Mrio, que fica dentro do stio Ch
de Camar. Centro Esprita usualmente chamado de xang, catimb, casa de
esprito, ou simplesmente centro. Nessa poca, Ch de Camar ainda no era Ponto de
Cultura, mas j era um local conhecido por conta do Maracatu Estrela de Ouro, um
dos maiores e mais famosos.
Depois de nos servir o caf46 na sua casa, Deda apresentou seu marido, o Pai-de-
santo do centro. Mario e Deda formavam um casal na vida real e na realeza do
Maracatu: so respectivamente o rei e a rainha do Estrela de Ouro.47
Logo que o toque comeou, avistei Biu Alexandre e sua esposa, Moa,
sentados, assistindo e cantarolando o ponto de Exu que dava incio festa.
46
Lanche da noite. come-se carne ou frango, fub tambm chamado de quarenta (cuscuz soltinho), macaxeira
(mandioca), inhame, po, biscoito, manteiga, caf, etc.
47
Nos Maracatus de Baque Virado, o rei e a rainha esto no topo da hierarquia dos personagens,
especialmente a rainha, posio de grande prestgio. No Maracatu de Baque Solto, os personagens de maior
destaque so o mestre, o mestre de caboclo, caboclos de frente e arreiamar, etc. O rei, a rainha e a corte so
personagens incorporados pela poltica da FCP, que no teriam tanto destaque. No caso do Estrela de Ouro, a
posio de Rei e Rainha adquire importncia dentro do brinquedo, j que, Mrio e Dda exercem papis de
liderana na comunidade de Ch de Camar e no Maracatu.
28
A festa propriamente aconteceu com seqncias de toques e cantos para Exu,
Ogum, Oxossi, Xang, Ians, Oxum, Iemanj, Oxal. Alguns pontos eram os mesmos
que se cantam em centros de umbanda no Rio de Janeiro. Ao final do toque, foram
servidos: farofa, frango, arroz, vatap, acaraj, camaro, primeiro aos filhos de santo e
depois ao pblico.
Mal troquei algumas palavras com Biu Alexandre, Deda conduziu-me para a
sede do Maracatu Estrela, um casaro conectado ao centro esprita. O casaro da sede
do Maracatu ligado, atravs de um cmodo, pequena casa do centro esprita. Na
sede, Deda mostrou-me uma foto de Severino Batista vestido de caboclo, com uma
arrumao antiga (gola pequena, surro amarrado com arame). Batista era o dono do
stio, um pequeno proprietrio rural, que foi fundador do Maracatu Estrela e tambm
de um Cavalo-Marinho. Com a morte de Batista, o Maracatu ficou sob a
responsabilidade de seu filho Z Loureno, ou Z Batista48. Quando Batista era vivo, o
local onde hoje o centro esprita funcionava como quarto de fazer cangalha, cesta feita
de palha, amarrada em cima do burro para transportar a cana, que era vendida para
usinas e engenhos. Conforme conta Z Duda, o Mestre da Estrela:
48
O Cavalo-Marinho que est no sitio, hoje
49
Expresso que atribui intensidade: da cibola
29
Deda falou durante muito tempo sobre a personalidade de Batista e como
conduzia o Maracatu. Se ela queria convencer-me, da importncia de mestre Batista50 e
de Ch de Camar no universo das brincadeiras da regio, conseguiu. O toque para
orix, no terreiro de Ch de Camar, revelou-se um lugar privilegiado, para pesquisar
o conjunto de relaes que renem a estrutura e a organizao de um grande Maracatu
(Estrela de Ouro), com as prticas religiosas de um centro esprita (Centro Esprita
Nossa Senhora da Conceio, Pai Mrio).
O toque foi o evento que encerrou o meu campo de 2004: uma festa de orix
num centro esprita, que fica dentro do stio Ch de Camar, ao lado da sede do
Maracatu Estrela de Ouro. O dono do Maracatu Leo, com o qual eu passei o
carnaval, freqenta, isto , assiste aos toques, deste e de outros centros espritas da
regio. Foi tambm no toque de orix que conheci Joabe, um jovem msico que, tal
como Ederlan, se relaciona com diferentes grupos de Maracatu e mora com a famlia,
na sede da Associao de Maracatus de Baque Solto, em Aliana.
50
Traando um paralelo, a funo que no Maracatu denominada dono, na brincadeira do Cavalo-Marinho
chamada mestre.
30
Esta primeira ida ao campo definiu um dos principais objetivos da pesquisa de
ento: articular as relaes entre o carnaval, a religiosidade e os modos de aprendizado
dentro de um Maracatu de Baque Solto.
No ano de 2006, voltei Zona da Mata Norte, para fazer o campo para a
pesquisa da dissertao. Optei por aceitar o convite de Deda e brincar o carnaval no
Maracatu Estrela de Ouro de Aliana. Minha inteno era ter um horizonte
comparativo, no que se refere dinmica especfica dos trs dias de carnaval e, assim,
ampliar tambm minha rede de relaes com integrantes de Maracatus. Melhor
dizendo, isto foi o que consegui fazer. De incio, meu interesse era permanecer mais
tempo em Ch de Camar, pensar as relaes e prestaes de um Maracatu, que tem
dentro do prprio terreiro um Centro Esprita (cujo Pai-de-santo o rei) e que se
tornou, em 2005, um Ponto de Cultura52. Considero fascinante o trabalho a ser feito
51
Lvi-Strauss (2002) usa o exemplo da bricolge (bricolagem - arte de trabalhar com restos de matrias j
usadas, reunindo-as em um novo conjunto) para exemplificar, no plano prtico, aquilo que, no plano terico
ou especulativo, seria uma cincia do concreto.
52
Projeto do MinC iniciado no governo Lula. Os pontos de cultura so: iniciativas desenvolvidas pela
sociedade civil, que firmaram convnio com o Ministrio da Cultura (MinC), por meio de seleo por editais
pblicos, tornam-se Ponto de Cultura e fica responsvel por articular e impulsionar as aes que j existem
nas comunidades. O Ponto de Cultura no tem um modelo nico, nem de instalaes fsicas, nem de
programao ou atividade. Um aspecto comum a todos a transversalidade da cultura e a gesto
compartilhada entre poder pblico e a comunidade. Para se tornar um Ponto de Cultura preciso participar
31
nesse stio, j que, Ch de Camar rene, no mesmo terreiro, o centro esprita, o
Maracatu e outras brincadeiras: Cavalo-Marinho, Coco e Ciranda e, mais
recentemente, o Ponto de Cultura. Tal configurao apresenta, de forma bastante
concreta, uma situao (contempornea) dos Maracatus, em que convivem a cultura
e a religio, que (no passado) eram consideradas noes antagnicas, como
mostraremos adiante.
da seleo por meio de edital pblico at hoje a Secretaria de Programas e Projetos Culturais do MinC, que
coordena o Programa Cultura Viva, j emitiu quatro editais. Quando firmado o convnio com o MinC, o
Ponto de Cultura recebe a quantia de R$ 185 mil (cento e oitenta e cinco mil reais), divididos em cinco
parcelas semestrais, para investir conforme o projeto apresentado. Parte do incentivo recebido na primeira
parcela, no valor mnimo de R$ 20 mil (vinte mil reais), utilizado para aquisio de equipamento
multimdia em software livre (os programas sero oferecidos pela coordenao), composto de
microcomputador, mini-estdio para gravar CD, cmera digital, ilha de edio e o que for importante para o
Ponto de Cultura.
53
Kombi, Van, ou carro lotao so os meios de transportes mais comuns na regio.
32
desconforto aos meus amigos do Leo. Inicialmente, eles no manifestaram nenhum
sinal de incmodo, mas com o tempo, passaram a me alfinetar, por eu no ter
brincando no Leo. O grande prazer do Carnaval brincar entre amigos, entre
pessoas com quem temos certa intimidade. Afinal de contas, o Maracatu vale pela
amizade, como repete Aguinaldo. Se eu havia feito amizade no Leo, no tinha
sentido (para eles) a mudana de Maracatu.
Outra questo, que gerou certos desconfortos, foi a minha hospedagem'. Fiquei
boa parte do tempo na casa de Aguinaldo e sua famlia: a mulher, Vanice e os trs
filhos, Clcia, Ine e Minho. Para no ficar pesado para a famlia que me acolheu, me
mudei para casa de Dona Maria, me de Ederlan. Essa mudana criou certos
ressentimentos, por parte de meus anfitries, que reforavam a m conduta de minha
atitude de brincar em outro Maracatu.
33
pessoas, enquanto pertencentes a Maracatus distintos. Como a disputa faz parte do
jogo, no houve grandes contratempos, afinal (cito novamente Aguinaldo): carnaval
so 3 dias, amizade pro ano todo.
O Leo de Ouro saiu com uma nova bandeira portando o nome da sua nova
cidade: Condado. Cada Maracatu de Baque Solto traz bordado na sua bandeira o
nome, (Leo), com uma caracterstica ou adjetivo (de Ouro), a cidade de
pertencimento (atualmente, Condado) e a data de fundao (1972).
54
Refiro-me entrevista aqui como conversa, gravada ou no.
34
O Leo de Ouro foi fundado em 1972 na cidade de Tupaoca, Aliana, por
Severino Memezo. Em 2001, Biu Alexandre passou ser o dono do Maracatu, a pedido
de Memezo, que no tinha mais condio de cuidar do brinquedo, por motivo de
sade. Memezo entregou o Maracatu para Biu Alexandre, em troca dos remdios de
que precisava.
O ttulo de vice-campeo foi uma prova, para Biu Alexandre, de que ele est
conseguindo levantar o Maracatu. O fato de o Leo ter mudado de dono e de cidade
trouxe a discusso sobre o que correto estar bordado na bandeira do Maracatu: a
cidade em que foi fundado, ou a cidade em que est sediado? Durante a reunio da
Associao de Maracatus de Baque Solto, logo aps o carnaval de 2004, esse debate
sobre a cidade do Leo se manifestou numa briga, em que o dono de outro Maracatu
contestava o fato de a Prefeitura de Aliana ter cedido o nibus, para transportar o
Leo de Ouro, que estava em Condado. Na poca, Biu Alexandre se defendeu,
dizendo que o certo era o Maracatu ter o nome da cidade onde foi fundado.
35
De acordo com Biu Alexandre, depois de muita discusso, no ano de 2005, o
Leo de Ouro passou para a cidade de Condado, com apoio do prefeito, Dr. Egberto.
Na mesma linha dos slogans de outras cidades da Mata Norte: Nazar da Mata, a
Terra dos Maracatus, e Goiana a Terra dos Caboclinhos, a prefeitura de Condado est
investindo na cidade como Terra do Cavalo-Marinho. O vislumbre do potencial de
turismo cultural da regio est em pleno desenvolvimento e o pessoal de Maracatu e de
Cavalo-Marinho est muito entusiasmado com a atuao do prefeito. A gente tem
que agradecer muito ao prefeito, que t dando o maior apoio, Dr. Egberto, pois ele foi
o prefeito que entrou na nossa cidade pra dar valor cultura. diz Aguinaldo55.
55
Entrevista de 11/04/2006, Condado.
56
Os fiteiros vendem bebidas, salgados e doces, muitas vezes produzidos caseiramente, por pequenos
comerciantes e fornecidos aos fiteiros.
57
O Cavalo-Marinho de Biu Alexandre, que dono do Leo de Ouro.
58
O brinquedo de Antonio Teles.
36
diretora Maria Paula Rego. Maria Paula, que dirige a Cia. Grupo Grial, montou
alguns espetculos sobre Maracatu e Cavalo-Marinho, dos quais participaram quatro
integrantes do Leo de Ouro. As trs geraes da famlia - Biu Alexandre, Aguinaldo
(filho) e Fabinho (neto) - e Martelo, o mais antigo caboclo de lana e Mateus59 (de
Cavalo-Marinho) da regio, que h dois anos brincava no Leo.60
Biu Alexandre e, por extenso, algumas pessoas de sua famlia que o ajudam a
manter as brincadeiras, enfatizam sempre a peleja61 que cuidar desses brinquedos.
59
Personagem em diversas brincadeiras do boi, e tambm presente no Maracatu.. No Cavalo-Marinho: o
Mateus o palhao da festa, o responsvel pela ordem e desordem da roda, junto com Bastio, que chega
logo em seguida. Ambos possuem bexigas de boi nas mos, que tm por funo, alm de marcar o ritmo do
pandeiro na prpria perna, bater naqueles que se intrometem inadvertidamente na roda, geralmente, quando
embriagados. So as famosas lapadas, expresso que curiosamente tambm significa dose de
cana. (Acselrad, 2002: 60)
60
Em abril de 2006, Biu Alexandre, Martelo e Fabinho foram com a Cia. Grial, para a Alemanha,
apresentar espetculos num dos eventos da Copa do Mundo.
61
Pelejar: Lutar, enfrentar as dificuldades da vida, farrear, brincar.
37
1.5 - O Ponto de Cultura Estrela de Ouro
38
O Ponto de Cultura foi inaugurado em julho de 2005. Desde ento, muitas
mudanas foram realizadas: a sede do Maracatu ganhou sala de informtica, sala de
aula, biblioteca.
62
A existncia de Produtos Tursticos estruturados, que possibilitem a elaborao de roteiros, representa um
dos principais pontos para o crescimento da atividade turstica em uma regio. Desta forma, o PROMATA
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentvel da Zona da Mata de Pernambuco -, desenvolveu o
projeto de Reestruturao e Implantao da Rota Engenhos e Maracatus, transformando, assim, a Zona
da Mata em um destino turstico que venha a se consolidar no Estado de Pernambuco. Citado texto do site:
http://www.promata.pe.gov.br/internas/turismo/rotas.asp
39
Marinho, da Ciranda e do Coco esto recebendo R$ 190,00 por
uma apresentao realizada mensalmente no prprio stio e
tambm recebero cach para realizar as oficinas, melhorando
ainda mais os recursos para cada famlia. Uma bolsa do Ministrio
do Trabalho ir contemplar, com R$ 150,00, quarenta moradores
da regio, participantes dos grupos culturais, entre os 16 e 24 anos
de idade. importante salientar que a comunidade de Ch de
Camar est mobilizada, no sentido de transformar a realidade em
que vivem. Foram eles que entraram com grande parte da mo de
obra na reforma da casa-sede e tm participado de todas as
reunies de trabalho. 63
Logo que cheguei a Recife, dia 16 de fevereiro de 2006, liguei para Ederlan para saber
como estavam as coisas, e ele com entusiasmo me disse: aqui t cheio de novidade. Ch de
Camar, agora, tem um Ponto de Cultura Estrela de Ouro e o Maracatu est com mais de cem
pessoas esse ano. Contou que estava trabalhando com produo no Ponto de Cultura. Amanh
vai ser o ltimo ensaio antes do carnaval, l na Ch, voc no pode perder. Combinamos que
estaria em Condado no dia seguinte tarde. Conforme havia combinado com Ederlan, cheguei a
Condado sbado tarde.
63
http://www.estreladeouro.org/index.php
40
Ederlan no iria mais para o ensaio do Estrela, estava a caminho de Olinda, onde ia
substituir um tocador do terno do Piaba de Ouro, o Maracatu de Mestre Salustiano. (Ainda que
eu tivesse em Deda uma interlocutora em potencial, Ederlan teve quase sempre um papel de
mediador em Ch de Camar.)
Caminhamos para a praa dos caboclos, onde estava parado o nibus que levaria os
moradores de Condado para Camar. Ederlan me apresentou ao Major, um dos caboclos que
estava sentado no meio fio, dizendo: Major, essa menina aqui de casa e ela vai para Camar
com vocs. E pediu para ele me apresentar para Luiz, o Mestre dos Caboclos. Neste instante,
chegou de bicicleta outro caboclo, filho de Luiz, chamado Leo. 64 Quando Luiz apareceu, Leo me
apresentou a ele dizendo que eu era amiga de Ederlan, e Luiz falou: T com Ederlan, t com a
gente.
No nibus, que partiu para Camar, j se via a animao do pessoal a caminho do
ensaio, cantando bregas de sucesso, danando, enfim, fazendo zoada65.
Chegamos a Camar sob uma chuva fina. Fui para perto de Luiz que me apresentou ao
Afonso, Professor Biu Vicente (respectivamente produtor e coordenador do Ponto de Cultura) e Z
Loureno (dono do Maracatu e filho de Batista). Perguntei por Deda e eles me apontaram uma
senhora magra de azul, bem diferente da alegre anfitri de dois anos atrs.
Na frente do antigo quarto de cangalha agora est escrito em letras grandes: Centro
Nossa Senhora da Conceio Pai Mrio. Perguntei por Seu Mrio e ela, me conduzindo pela
mo, foi perguntando a todos onde estava Mrio. Alguns diziam que ele estava dentro do quarto
da sede, outros diziam que no. Ficamos um bom tempo procurando.
Mrio estava ocupado preparando a boneca do Maracatu, a Ritinha. Deda disse:
vamos ver a boneca, a boneca segredo. Acompanhamos Mrio ao centro e ele tirou a boneca
preta, vestida luxuosamente, de um saco plstico. Deda ajeitou o vestido da Ritinha e logo a
guardou de volta no plstico, conduzindo-me sua casa, para mostrar algumas fotos da abertura
do Ponto de Cultura. Deda contou que Gilberto Gil e o Presidente de Angola tinham ido
inaugurao do Ponto de Cultura.
64
O meio mais utilizado para se locomover dentro da cidade a bicicleta.
65
Barulho, baguna, brincadeira, confuso
41
O ensaio j estava para comear. Eu fazia parte de um dos cordes das baianas,
organizados por Deda, que se encarregou de segurar minha bolsa, para eu danar. O Maracatu
fez uma longa manobra, a ponto de o suor escorrer.
Seu Mrio vendia bebidas atravs de uma porta de um cmodo que liga a sede ao centro
esprita. Depois da manobra, o ensaio seguiu mais informalmente. Num certo momento, teve
incio uma disputa entre o Z Duda, Mestre do Maracatu e o Contramestre, Jurandir. Os versos
eram feitos num enfrentamento crescente. O pessoal vibrava em torcida, com os versos de um e
outro. Quando a coisa ficou um tanto agressiva, Jurandir comeou a fazer versos que falavam do
respeito que tinha por Z Duda. Essa atitude de Jurandir pareceu demarcar um certo limite de
enfrentamento que ele, como contramestre, se colocava, em relao ao mestre, Z Duda. Ficou a
impresso de que as hierarquias 'atuam' na conduta pessoal dos sambadores, isto , que o
'campo' da disputa potica pode ser influenciado por afirmaes de posies internas.
O carnaval era promissor para o Estrela, pois havia muito investimento naquele ano,
nas roupas, na bandeira, nos enfeites de cabea encomendados para as baianas.
O processo de volta para Condado comeou na alta madrugada. As pessoas mais
cansadas iam se acomodando nos bancos do nibus, onde j havia corpos adormecidos. O pessoal
mais bicado66 continuava pelo terreiro fazendo zoada67. Bem prximo do nibus estacionado,
explodiu uma briga entre o mestre de caboclo e um outro cabra. Uma senhora resmungou:
oxente, gente arengando68 essa hora, vamo simbora pra casa, oi a os menino, vamo simbora e
afagou a cabea de uma criana que estava dormindo no seu colo.
Quase 5 horas da manh, debaixo de chuva forte, escutvamos gritos: pra aqui,
moo!. Gente sendo acordada para saltar, outros saltando irritados por terem perdido a sua
parada.
Termino este captulo com este trecho do meu dirio de campo, que descreve
a sambada-ensaio do Estrela, por dois motivos basicamente.
66
Bbo, embriagado.
67
Barulho, baguna, brincadeira, confuso
68
Arengar: brigar, discutir, bater boca.
42
independente de comparecer ao Maracatu durante o carnaval. A sambada um espao
para quem quer aprender a sambar Maracatu, observando, imitando, danando,
escutando e respondendo aos versos do mestre, batendo pau, bebendo cachaa,
fazendo farra, compartilhando da descontrao de brincar na barraca. talvez o
momento em que o Maracatu mais se aproxime do sentido relaxado de brincar.
As pessoas (do Estrela), com quem tive uma relao mais cotidiana, so
moradores de Condado: Luiz, Badango, o casal Coxinha e Janete, outros caboclos -
que se encontravam na praa para conversar. E com Z Duda, que mora com a irm,
a filha e a neta, -- que tambm brincam de baiana no Maracatu -- no litoral da Mata
Norte, Barra de Catuama, onde passei trs dias.
Ainda que nessas condies, considero que esta descrio nos ajuda na
problemtica geral da dissertao, trazendo questes que nos conectam com a vivncia
do terreiro de Maracatu e seu processo de profissionalizao.
43
pai vai l na casa de Domingo
Diga a Domingo que Domingo venha c
Domingo pai, Domingo filho, Domingo neto
Domingo que mora perto
Domingo de Carnaval69
69
Msica de autor desconhecido cantada por Ronaldo, 10 anos, filho de Badango, que brinca de caboclo de
lana no Estrela, e neto de Martelo, caboclo do Leo.
70
O empreendimento ocorreu, por ocasio da aprovao do projeto do filme no Edital de Memria
Camponesa e Cultura Popular do NuaP (PPGAS) e com o financiamento que obtive junto ao NuaP, Nead e
Asepa.
44
com o material e o conseqente enriquecimento dos dados, como pela valiosa
possibilidade de dialogar, discutir, testar e trocar informaes, com algum que
conhece muito bem o universo que estamos tratando, como o caso da Tatiana.
A escrita da dissertao foi, em vrios planos, afetada pelo exerccio de
construir uma narrativa atravs da imagem e do som. Considero, assim, o texto e o
filme uma pareia71, em especial neste segundo captulo, que trata especificamente da
dinmica dos trs dias de carnaval dos Maracatus contemporneos. A idia aqui
brincar em duas pernas (o texto e o filme), trazendo a experincia de pensar,
descrever e dar movimento vivncia intensa, que se inicia no domingo de carnaval
e vai at a quarta-feira de cinzas.
No cabe aqui explicar o filme, nem se pretende que o filme d conta das
diversas atividades que envolvem os trs dias. Cada um num registro diferente, de
informao e expresso, faz a sua parte. A inteno enriquecer a atuao de um
Maracatu de Baque Solto, durante o perodo para o qual se prepara o ano todo.
71
Parelha
45
As preparaes para o carnaval so de muitas ordens, como vimos no
captulo anterior. As preparaes espirituais e o saber constituem alguns dos
aspectos que demonstram o interesse, o amor e a paixo do Maracatuzeiro pela
brincadeira. A dedicao e o trabalho no Maracatu, ao longo do ano, tambm
revelam o interesse do folgazo.
46
chapus, o casal Bel e Eliane, que bordam golas de Maracatu, fazem buqus para as
baianas de frente, Adailton, que fez o chapu do arreiamar, etc.
72
Forma de se dizer quantos caboclos tem um Maracatu: 50 varas igual a 50 caboclos.
47
Enfim, a pr-produo longa, exige trabalho, pacincia e paixo. A
sambada tem um relevante papel nesta preparao, que agregar e treinar o povo,
afiar o terno.
Os dois Maracatus com os quais vivi a intensidade dos trs dias de carnaval,
diante da Federao Carnavalesca, competem em grupos diferentes, que dizem
respeito ao seu tamanho e riqueza: o Estrela integra o Grupo Especial, no qual
competem os Maracatus grandes (por volta de cem pessoas). E o Leo est afiliado
ao grupo B, os Maracatus pequenos (mais ou menos cinqenta pessoas). 73
73
Ver Anexo 4: Tabela das Agremiaes Campes do Carnaval 2006.
48
Embora os dois grupos no sejam diretamente rivais na passarela, h entre
seus integrantes o sentimento de rivalidade e hostilidade, como tambm h
amizade e solidariedade.
49
Maracatu e combina de brincar com sua prpria arrumao, o que garante um
cach maior, enquanto desfalca o outro Maracatu, que fica com uma vara a menos.
Nestas situaes, quando a armao descoberta a tempo, o dono do Maracatu
desfalcado vai tirar satisfaes com o dono do outro Maracatu, que paga pelo
prejuzo causado.
50
3.2 - O Ritual de Chegada dos caboclos
Os caboclos mais antigos dizem que, hoje em dia, no existe mais chegada
de Maracatu de tanto que se modificou. A quantidade de apresentaes de um
Maracatu durante o carnaval, faz com que a chegada seja reduzida, cortando certas
etapas como a chamada dos caboclos.
51
A chegada de Maracatu uma graa para aquele
representante que vai olhar. O Maracatu sem chegada fica feio
demais, porque todo mundo quer ver a graa do caboclo. Hoje
t se acabando chegada de Maracatu. Antes Maracatu no
tinha muita revoluo em Federao, saia de 18hs, 17:30 da
barraca, compromisso era pouco. Hoje, tem representao, pra
chegar de dois e dois no ia dar, para chegar no Recbeat de
18hs. No Maracatu mesmo, o bonito mesmo a chegada, eu
fao aquilo porque eu sou mandado, no posso mandar em
tudo. Mas eu sei que o povo s acha graa chegando de um em
um, pra ver o caboclo que sabe pegar numa vara, sabe chegar,
sabe manobrar. Para ver quem sabe fazer uma manobra bonita
(Luiz, mestre de caboclo)
52
Brinca com leo de ouro
Tambm bastarde Biu Lexandre
Deus que guarde o tesouro
53
que quando t no brinquedo. E ali, a gente se esfora muito
mais do que no brinquedo, porque ali, ele t se ajeitando pra
chegar, onde t fazendo o que ele quer fazer, mostrando a
posio dele. Ele responsvel por tudo ali, para mostr que t
errado
2.4 - A Jornada
Como todo ciclo tem seu nascimento e morte, toda a sua travessia vivida
com grande expectativa. A barraca, ou sede do Maracatu, onde tudo comea e
54
termina, e onde se retorna, algumas vezes durante o carnaval, para almoar ou
dormir.
55
Os encontros
A Passarela
56
para receber as muitas atraes carnavalescas. O principal deles o Plo Recife
Multicultural, que fica no Marco Zero. Alguns dos outros plos so: Plos das
Agremiaes, Plo das Fantasias, Plo de Todos os Frevos, Plos de Todos os
Ritmos, Polinhos, Plos Descentralizados, etc. Logo aps as apresentaes, o
Maracatu recebe o cach.
Casas e Homenagens
57
As hierarquias internas do Maracatu ficam claras, nas homenagens feitas em
algumas das cidades em que ele se apresenta. Quando o Maracatu tem um
contrato, numa cidade onde mora algum de posio, pode haver um esforo no
brinquedo, para prestar uma homenagem famlia daquela pessoa.
Em 2004, aps se apresentar em Itaquitinga, cidade do Mestre Negoinho, o
Maracatu Leo fez uma homenagem, passando na casa da me (de santo) do
mestre. Negoinho cantou versos agradecendo e elogiando a pequena senhora que
chorava na janela.
Filas
Nos palcos dessas cidades do interior preciso esperar numa fila. s vezes
espera-se por horas, at o grupo se apresentar. Os grupos se arrumam: formam os
cordes, as trincheiras, ficam prontos para se apresentarem. Com o tempo de
espera na fila, h uma tendncia disperso do grupo, uns saem para comer ou
beber algo, ir ao banheiro, ou alguns caboclos saem pra beber escondido. A
disperso torna-se uma grande preocupao para as pessoas responsveis pelo
brinquedo: o dono, o mestre e o mestre de caboclo fazem esforo para controlar
quem est ali, para vigiar uma grande quantidade de pessoas.
Os caboclos de posio costumam ter algum outro caboclo para substitu-
los, caso ocorra algum imprevisto. Atrs dos puxadores de cordo, ficam os contra-
cordo, que devem estar sempre a postos na ausncia dos puxadores.
Estas filas de espera constituem, entre outras coisas, um espao de contato
entre os diferentes grupos de Maracatu. Os integrantes dos grupos aproveitam esses
momentos de espera, para verem os outros Maracatus. Os conhecidos e amigos
so cumprimentados. Embora muitos cumprimentos sejam amigveis, a condio
58
em que ali se encontram de rivalidade. A comparao, com outros grupos de
Maracatu, mostrava-se quase sempre carregada de comentrios negativos,
xingamentos e uma constante afirmao da superioridade do seu Maracatu. Em
muitos momentos, assisti algumas pessoas, tanto do Leo quanto do Estrela, se
agrupando, para comentar como os caboclos do Maracatu de fulano estavam
mirrados, os vestidos das baianas estavam tronchos, o Mestre no cantava nada, o
arreiamar no sabia danar. Por vezes, se escutava algo como: aqueles vestidos at
esto bonitos, mas o chapu t todo desmantelado. A rivalidade, mais uma vez,
ganha expresso.
Os moradores da cidade, que gostam das brincadeiras, tm o costume de
oferecer gua para o pessoal que est esperando sua vez de se apresentar.
O nibus
O nibus tambm o lugar dos cochilos, embora entre os caboclos possa ser
perigoso por causa das brincadeiras (amarrar a fofa para ele tropear, colocar
algum objeto dentro da boca ou do ouvido, jogar gua em cima, etc.)
Cada vez que o nibus estacionava numa nova cidade, para o Maracatu se
apresentar, o movimento se repetia: todos os integrantes saam do nibus, cada um
responsvel por sua roupa; o caminho era descarregado com os surres, chapus,
lanas, a bandeira, a carcaa da burra, etc. Os caboclos botavam a arrumao, as
baianas a armao da saia, o vestido, o rei e a rainha suas capas, coroas, os
arreiamar o cocar, enfim, todos se vestiam e/ou pegavam os objetos que lhes cabia,
seguindo o dono do Maracatu em direo ao palco.
59
Feita a apresentao, o grupo andava de volta para onde o nibus estava
estacionado, j tirando algumas peas do vesturio. O caminho era novamente
carregado. Todos entravam no nibus e partamos para o prximo destino.
Chegando outra cidade, toda a movimentao se repetia, como um outro ciclo do
carnaval.
O Maracatu e a poltica
77
Associao de Mulheres de Nazar da Mata. De acordo com o site: Em comemorao semana da
Mulher, realizada pela AMUNAM, a coordenao define junto com a equipe, a formao de um Maracatu
100% feminino. Maracatu Corao Nazareno. Idealizado e fundado em 08 de maro de 2004. Neste ltimos
trs anos, tem se destacado na regio Mata Norte, principalmente na festividade carnavalesca, com seu brilho
e beleza. O Maracatu Corao Nazareno umas das formas mais evidentes que a AMUNAM encontrou, para
levar a delicadeza, a leveza, a feminilidade e a fortaleza da mulher a um ambiente formado prioritariamente
por homens.
60
caboclos, as vozes e os apitos do mestre e do contramestre, o apito do arreiamar, o
terno (conjunto de percusso), as melodias dos instrumentos de sopro (trombone,
trompete, clarinete, piston, saxofone), a batida da bexiga do Mateus, o estalar do
chicote da burrinha, a corneta (de chifre de boi) do caador, etc.
61
Os versos cantados durante o carnaval so muito reduzidos, pelo pouco
tempo de apresentao. Basicamente, o mestre canta uma marcha de boas vindas,
um samba e uma marcha de despedida. O contedo desses versos, na maior parte
das vezes, apresenta o Maracatu, dizendo a cidade de onde veio, citando nomes de
pessoas de posio no brinquedo (dono, mestre de caboclo, etc.), cumprimenta o
povo da cidade, o poltico que os recebeu e j comea a se despedir.
Num outro dia, o Leo esperava para se apresentar no palco, montado por
um vereador, em Araoiaba e ocorreu uma situao interessante. Enquanto
espervamos na fila o momento da apresentao, eu conversava com Negoinho, o
mestre do Leo, quando fomos interrompidos por um homem que dizia ser
vereador por Goiana. Ele perguntou para Negoinho: T vendo aquele outro
mestre ali? Eu j dei R$10 a ele e vou te dar tambm, pra voc falar o nome do
Boiadeiro. Ele candidato a prefeito daqui de Araoiaba, oposio ao Cuscuz (o
prefeito). Negoinho respondeu: t bom, t ligado sem dar muita importncia. O
homem insistiu: Boiadeiro, no se esquece. Depois da apresentao passa l e
pega os 10 reais.
62
algum. Num certo momento, ele nos chamou e nos apresentou a uma mulher
dizendo: Essa aqui a nossa vereadora, ajuda muito a gente, gosta muito do
Maracatu. E esses aqui (apontando para Emlio e para mim) so gente da cultura,
eles esto filmando a gente, so gente da cultura !
O Maracatu e os pesquisadores
63
conhecido, de uma cidade de 20 poucos mil habitantes. A busca por uma
autenticidade, nas brincadeiras populares, um eficaz dispositivo de acusaes e
depreciaes. A baiana virou palhaa aos olhos de um terceiro outro, que se
encontrava na posio de espectador da brincadeira e que no admitia que aquele
contexto pudesse incluir baianas de fora, brancas.
64
chegar tem que desencruzar. Chegou pra sua sede tem que
desencruzar pra conduzir tudo de bom pro prximo ano. Se
no, fica um terreiro enguiado. D trabalho pela frente.
Fomo em paz voltamos em paz voltamos em paz. (Luiz)
65
Eu sempre digo que assim:
o Maracatu nem do Diabo nem de Deus
coisa dos homens, porque os homens que criaram.
Mas a verdade que ningum
sabe quem que administra. (Joabe)
O Cavalo-Marinho aparece como uma festa criada por Deus, que celebra,
entre outras coisas, o nascimento de Cristo, a alegria, a graa, a beleza. J o
Maracatu, a brincadeira carnavalesca, considerado uma festa inventada pelo
diabo numa tentativa de pegar Cristo. Lida com o lado maligno da vida, o perigo, a
rivalidade declarada, a canalizao de maus sentimentos, uma espcie de
obstruo religiosa. A seqncia temporal em que as festas acontecem, o Cavalo-
Marinho no perodo natalino, at o dia de reis, e o Maracatu durante o Carnaval,
sugere um modelo estrutural (Levi-Strauss, 1967) da celebrao regional: a
brincadeira de deus e a brincadeira do diabo.
66
Cavalo-Marinho como brincadeira de Deus. Jos Borba, falecido Mateus', atribua
a criao do Cavalo-Marinho ao tempo em que os homens surgiram na terra e aqui
viviam infelizes e dispersos. Por compaixo, Deus teria decidido colocar uma
beleza entre eles, inventando o Cavalo-Marinho e colocando-o no fundo do mar.
Diante de um animal to bonito, o homem no resiste e, ento o traz para a terra.
Na terra, o Cavalo-Marinho imediatamente se transforma em brincadeira e passa a
existir com o sentido de fazer os homens felizes. (Acselrad, p.40)
78
O Banco do Cavalo-Marinho formado por quatro instrumentos: rabeca, baje, pandeiro e o mineiro.
79
Categoria nativa para quem brinca Cavalo-Marinho. No Maracatu nunca ouvi referncia s pessoas que
brincam como brincadores mas como Maracatuzeiros.
80
O desmantelo uma categoria usada na regio para designar o descontrole, o erro, o azar, a desagregao,
desafinao.
67
Acselrad fala sobre o cuidado, como categoria primordial no Cavalo-Marinho,
por tratar-se de uma brincadeira que gera um vnculo coletivo ou compartilhamento
de algo que merece respeito. O cuidado orientado por dois juzos de valor
considerados referenciais bastante populares nesta regio: o desmantelo e a
consonncia. O desmantelo se associa ao descuido, desagregao e a consonncia
ateno e ao cuidado. (op.cit. 36)
81
A autora cita um artigo de Vernant (2001) em que so identificados trs lugares onde se pode encontrar
o que chamamos de crer: Seriam eles: os ritos a ao humana concertada e expressiva; as imagens, os
dolos e os artefatos as formas de figurao, e os mitos as narrativas orais desprovidas de dogma ou
teologia. (Cavalcanti, 2006: 74)
68
que o diabo aparece como o criador do Maracatu, e na dimenso ritual, em que o
diabo faz parte do calo do carnaval, a preparao espiritual.
69
Quando eles acabaram com Cristo eles no voltaram pra casa.
como a cabocaria da Pscoa, os caboclos que t brincando a volta
dos judeus, quando acabaram com Cristo. Quem gosta brinca
mais, mais folia de bebida. a volta dos caboclos, hoje, que
representa. No que eles so os judeus, eles to representando o
que fizeram com Cristo. Na quarta de cinzas no passou o
carnaval? Aquelas sete semanas, respeito. Ai chegou a
Pscoa. (Biu Alexandre)
Essa narrativa de onde o Maracatu partiu nos foi contada por pessoas de
uma gerao de mais de sessenta anos: Martelo, Biu Alexandre e Seu Man Silva.
Os trs moradores de Condado relataram o mito de origem do Maracatu, revelando
o valor do conhecimento dessa explicao, como algo que poucas pessoas sabem.
70
passar pelo ritual de encruzamento de bandeiras, uma maneira dos Maracatus
passarem um por dentro do outro, simbolizando um acordo de paz, de forma que
cada grupo seguia o seu caminho. Se um dos grupos se recusasse a encruzar as
bandeiras, a guerra estava anunciada.
83
A Histria do Diabo de Robert Muchembled fala da multiplicidade e transmutao de formas e da figura
do sculo XII ao sculo XX: ele parte integrante do dinamismo do continente, sombra que se adivinha no
no dito e de cada pgina no livro do processo ocidental de civilizao do qual Norbert Elias se tornou o
terico, sem realmente propor a questo do Mal e de suas relaes com o movimento em direo ao Bem e
ao Progresso. (Muchembled. 2001:8).
71
medieval ao maligno romntico, o diabo compe uma figura complexa e
misteriosa. um personagem que protagoniza muitas histrias, contadas no
interior: em cada encruzilhada, meia noite no canavial, nos vapores da usina.
No universo dos cordis nordestinos, o diabo tambm um personagem bastante
presente. Na literatura ocidental, a disputa entre Deus e Diabo, o bem e o mal,
encontra na histria de Fausto um marco desse personagem. Desde o final do
sculo XVI, popularizou-se na Europa, surgindo diversas representaes teatrais
sobre a Histria de Fausto, meio mago, meio cientista considerado, na poca, um
charlato.
No mito de Fausto, na verso escrita por Goethe (de 1797 a 1832), o pacto
com o demnio engendrado na conscincia de Fausto, dos limites da
compreenso do mistrio da existncia atravs do domnio das cincias, gerando o
anseio de conhecer mais e ter vivncia da alegria, do amor, da magia. A oferta de
Mefistfeles de conduzir Fausto ao universo das emoes plenas, do prazer, da
sabedoria infinita, em troca de entregar-lhe sua alma, o resultado da aposta de
que Deus vencido pelo diabo.
72
Semelhante ao Fausto, cujos anseios o levaram a vender sua alma, o homem
que brincava de caboclo, nas narrativas de Maracatu, fazia um pacto com o demnio
em busca da superao dos limites humanos. Uma supresso da ordem dominante, o
poder de Deus, que o tornasse poderoso e sbio, para manipular sua fora de forma
maligna. A figura do diabo no Maracatu se vincula inconformidade com os limites
(terrestres, corporais, naturais), tendo como guia a expresso da rivalidade. A disputa
pelo poder torna-se aqui o nosso foco, na medida em que, a prpria investigao do
que est em jogo nessa disputa, torna-se um elo das narrativas de origem e dos
enfrentamentos contemporneos dos Maracatus de Baque Solto.
73
O pacto com o demnio, aparece nas narrativas como uma maneira de o
caboclo negociar a sua fora, para ficar melhor na briga. A violncia fsica
identificada como motivadora dos carnavais antigos a diverso era brigar e o
pacto com o demnio, o calo de antigamente, era uma maneira de preparar o
caboclo para a briga, para ele poder sair no pau sem levar a pior . O pau, a lana
do caboclo, que a arma de proteo da sua bandeira e ataque da bandeira do
outro Maracatu, um objeto que traz em si um problema espiritual para o
Maracatu:
74
baixas e sentimentos cruis. Martelo aponta para esta dimenso maligna do
Maracatu, contrastando o brinquedo do tempo em que era menino, em que o
cabra tinha que ser macho pra brincar, com o Maracatu de hoje que todo mundo
brinca.
A noo de enguio nos traz a idia de um rito negativo, que lida com o lado
sombrio, violento e malfico. Numa disputa entre deus e o diabo, o Maracatu
aparece como brincadeira do diabo, anticrist que, numa acepo moralizante da
experincia religiosa, estaria a servio do mal, lidando com a malignidade do
mundo, propagando a violncia. Estes elementos em muito se assemelham aos
rituais pertencentes ao mundo da jurema no Recife, especialmente os cultos de
esquerda tal como descrito por Carvalho (2003) 85.
Embora muitos neguem ter uma relao direta com essas casas ou centros,
quase todos os meus interlocutores afirmam que, no passado, quem brincava
Maracatu necessariamente estava ligado a uma religiosidade, muito prxima aos
chamados cultos de esquerda da jurema. S brincava homem e homem que
soubesse respeitar.
75
negociava com o bicho preto, eles faziam um contrato, eles se
contratavam. Antigamente uma mulher num brincava, os meninos
no brincavam, as baianas era baiano, homem vestido de mulher,
hoje diferente, hoje tudo se modificou. Hoje ningum brinca pro
Pata, porque ningum quer se contratar com o bicho preto. Eu
mesmo num quero. Mas antigamente, era contrato. Ento fazia
contrato de 7 anos, de 14, de 21, s era mpar. Ento, quando
terminava o contrato, fazia outro. (O contrato) era se entregar ao
demnio. Para brincar de caboclo, eles se entregavam ao demnio.
E naquele dia (em que o stimo ano se completava), o demnio
vinha buscar ele. Antigamente o pessoal era mais maligno, era para
fazer malignidade no mundo. Aqui, Condado, era terra de caboclo
ruim, a gente passou num lugar que os caboclos se encontrava l,
os Maracatuzeiro se encontrava l. Os caboclos que ia, que levava,
se encontrava, tocaiava. A gente passou l no Bringa, (o cemitrio)
de Itaquitinga, l eles esperava um pelo outro. Ali morreu muito
caboclo. Eles esperavam para brigar com o caboclo de outro
Maracatu. Brigar, matar, morrer. (Biu Alexandre, 28/02/2004)
Biu Alexandre chama de Pata pois no gosta de falar o nome dele. O contrato
com a Pata mencionado por Biu Alexandre traz a idia de que, a proteo do caboclo
que fazia o calo, era uma forma de ficar com o diabo e poder fazer tudo, brigar,
matar e nada lhe acontecer. O contrato com o demnio narrado como uma forma de
se preparar para a diverso daqueles dias: brigar, lutar, matar ou morrer, mas com
respeito.
76
A interdio do contato sexual a principal forma de respeito, tendo um
carter inquestionvel entre os Maracatuzeiros86. O corpo carnavalesco do
Maracatu parece manter a sua fora, entre outros segredos, atravs do controle dos
fluidos vitais.87
86
Wacquant (2002: 87) trata a abstinncia sexual como um dos sacrifcios exigidos do pugilista, nas semanas
antes da luta, sob pena de perder os fluidos vitais e minar sua fora fsica e sua energia mental.
87
Serve-nos aqui a idia tcnica, no sentido que Mauss (2003: 407) lhe atribui: um ato tradicionalmente
eficaz (e vejam que nisso no difere do ato mgico, religioso, simblico).
88
Uma das histrias mais famosas na regio a do caboclo Joo de Mnica, que desapareceu depois do 21
carnaval do contrato com o diabo. Conta-se que o diabo veio busc-lo, pois ele no refez o contrato pra
brincar o carnaval no 22 ano. Ele s fazia tudo encarnado (vermelho): chapu gola tudo diz Martelo.
77
Que nem antigamente, que o povo fazia calo para isso
mesmo, para pular a janela de costas, para encontrar o
camarada dele e mete-lhe o cacete, bater pau um com outro e
at se mat e furar uns aos outros. s vezes ele pegava uma
briga com o amigo dele, antes do carnaval, a guardava aquilo
ali tudinho, para pegar durante o carnaval, ia descontar s na
semana de carnaval. Agora no tem mais isso no, at porque
os Maracatus agora so cheios de meninos, ningum qu bot
as crianas em bico de pau. Mas, antigamente, a diverso era
brigar. Desconta a mgoa de So Joo no
Carnaval. (Aguinaldo)
78
conhecer muitas histrias de Maracatu e h quem diga que ele uma prova viva,
isto , um caboclo que efetivamente fez o contrato.89
89
Existia, antigamente que, quem brincava um ano, tinha que brincar sete (...) Isso bem antigo, h
muito tempo, no tempo que Maracatu andava a p, h uns 60, 80, 90 anos atrs. E hoje existe uma prova
viva disso, que um tal de Martelo l de Condado, ele foi um dos caras que fez o pacto com o demnio.
90
As trs vendas ficavam em Ch de Camar, no municpio de Aliana, Zona da Mata Norte de Pernambuco.
Eram trs armazns muito prximos, localizados neste stio pertencente a Mestre Batista, famoso dono de
Maracatu e Cavalo-Marinho. Atualmente, h apenas uma das vendas.
91
As Trs Vendas: faixa 7 do primeiro disco do Mestre Ambrsio, msica e letra de Siba.
79
Engoliu cobra coral
*linha tradicional de catimb
92
Peter Burke (2000: 219) descreve os carnavais europeus tradicionais com caractersticas como: nfase na
bebida e na violncia, composio de sociedades carnavalescas dominadas por adultos do sexo masculino,
interpretadas por ele como rituais de afirmao da masculinidade.
80
Outra recorrente narrativa sobre uma bebida tomada pelos caboclos, o
azougue, que seria uma mistura de cachaa, plvora e limo e ervas, que deixaria
os caboclos ligados, agitados, azougados.
93
Bataille (1993) em sua teoria da religio, concebe o sacrifcio como um retorno a intimidade, da imanncia
entre o homem e o mundo, entre o sujeito e o objeto. (op.cit: 38)
94
Colocar a mo no azeite de dend fervendo para ver se est mesmo com o santo Maggie, 1975 apud
Carvalho, 2003. No Cavalo-Marinho h uma figura, o Caboclo de Ororub, que pisa e deita em cima de
cacos de vidro.
81
hoje mudou muito. que nem seu Martim e pai falou pra voc.
O cara saia daqui e ia pra Nazar a p, ia pra Aliana a p, pra
Timbaba a p. No tinha passarela, no tinha esse negcio de
prefeituras fazendo aquela festa nas cidades. Era pesquisando,
como um caboclo sai, pedindo um trocado. Hoje toda cidade
aqui no Pernambuco tem carnaval. Hoje todo mundo corre
atrs ...mas do dinheiro. (Aguinaldo 07/07/06)
82
de caboclo, mas naquele tempo no. Tinha um resguardo
maior, viviam pra aquilo ali mesmo, aquilo ali era outra
coisa.... Ainda tem, ainda existe isso. Do respeito. Respeitavam
mais, voc botou aquilo ali t pro que der e o que vier. Morria
por aquilo ali. Quem brinca de caboclo, eles no dizem, mas
um quer ser melhor que o outro. E quando um caboclo arreia
guiada pro outro, t procurando confuso. E o outro no quer
ficar por baixo. Ai a hora de dizer que melhor agora.
Ningum fala, faz. (Fabinho)
Quem Maracatuzeiro
Do passado se recorda
Bombo amarrado de corda
Carbureto no terreiro
No farol de um candeeiro
At manhecer o dia
Mas hoje com energia
Tudo eletrificado
Com carro de som ligado
Isso tecnologia
83
Maracatu de Outrora
Passava por desespero
O brinquedo do terreiro
Brigava com o de fora
S que est sendo agora
muito mais civilizado
Depois de modernizado
Ningum briga com ningum
Que a modernidade vem
Dando apago no passado.
Maracatu do povo
Quem musico tem espao
Valete, dama de passo
Guarda-chuva e lampio
E com penas de pavo
O arreiamar no se engana
Tem bandeirista bacana
Rei, rainha e bailarina
Mateu, burra e Catirina
Caboclo, terno e baiana
84
Exige o toque do terno
Sax, trombone e piston
E povo escutando o som
De um mestre bem popular
Cantando o que precisar
Com idia bem completa
Que onde existe poeta
Tem poesia no ar
Mestres de antigamente
Alguns no sabiam ler
Hoje possvel se ver
Mestre mais inteligente
Cantando corretamente
Com talento e vocao
que a nova gerao
Vem se conscientizando
o futuro nos chamando
Para globalizao
At mesmo a crianada
hoje j no sente medo
De ver caboclo rochedo
De surro gola e de guiada
Ela fica encantada
Com o brilho da fantasia
O toque da bateria
Agita adulto e criana
Maracatu virou dana
Pra crianada hoje em dia
Eu mesmo no me atrapalho
Com bengala e apito
Fazendo samba bonito
Para quem bate chocalho
Se cantar meu trabalho
Vou viver cantando assim
E se depender de mim
A cultura no desaba
Carnaval no se acaba
Nem Maracatu tem fim
85
processo de espetacularizao e profissionalizao dos Maracatus, como revela o
poeta, traz um deslocamento do eixo de expresso da rivalidade entre os grupos.
86
A idia aqui a cultura valorizando a beleza do Maracatu, o espetculo. A
brincadeira, na linguagem atual, reveste suas armas nos termos da cultura, isto ,
no que se pode comprar com o dinheiro. O reconhecimento da sociedade visto,
pelos Maracatuzeiros, como um olhar diferente sobre aquilo que eles faziam,
como fica claro numa conversa entre Aguinaldo e Martim:
Hoje muita gente brinca por amor... mas por amor ao dinheiro e no por
amor brincadeira, resenha Biu Alexandre, ressaltando o valor do dinheiro como
uma maneira de medir o interesse e amor da pessoa pela brincadeira.
Se a pessoa brinca por amor brincadeira, ela brinca at sem ganhar nada.
Se a pessoa gosta daquilo de verdade, investe seu prprio dinheiro, para fazer ou
melhorar sua arrumao: no fica s pegando arrumao de sede.
87
Se hoje todo mundo brinca a aluso ao passado, ao respeito, qualifica quem
conhece Maracatu. O respeito uma noo nativa, que demonstra a conscincia
de quem brinca, do que se faz no Maracatu, da profundidade daquele mundo.
Agora como entender o Maracatu: primeira coisa respeito. No Maracatu se a
pessoa casada, no pode nem dormir junto com a mulher. Ele tem que respeitar
aquela brincadeira. porque muita gente no respeita, s vezes d at um certo
desmantelo.
Como j vimos anteriormente, quem toma parte num Maracatu est sujeito ao
perigo, ao azar, ao desmantelo. No somente o carnaval considerado um perodo
em que tem muita coisa-ruim solta. Para agravar, quem est brincando no
Maracatu est muito visado, est cheio de brilho e boniteza. Quem brinca no
Maracatu deve estar com o corpo fechado, para no se tornar alvo de inveja, do
olhado, enfim dos sentimentos negativos, dos quais o carnaval parece ser um forte
catalisador.
88
A mulher, no passado, como gnero fisicamente ausente, mas
simbolicamente onipresente em negativo (Wacquant.2003:87) nos conduz a esta
problemtica contempornea do Maracatu.96
A proibio das relaes sexuais - que se inicia antes do carnaval (o tempo varia
de Maracatu para Maracatu, de pessoa para pessoa: 1 ms, 15 dias, 7 dias) e se
estende at a quarta-feira de cinzas um princpio do Maracatu, confirmado por
absolutamente todas as pessoas com quem conversei. O resguardo sexual uma
questo de respeito ao Maracatu, associado ao saber.
Conta-se que a primeira mulher que brincou num Maracatu era uma me-de-
santo, que preparava espiritualmente o brinquedo de Joo Lianda, em 1965. Ela
96
Porque aquelas baianas que sabem brincar danam mesmo como as baianas dos Xangs, quase
a dana do Xang. Principalmente o traje, os vestidos, que traje de xang. a mesma coisa. Voc num
brincou de baiana? Voc j brincou de Xang, voc xangozeira.
89
brincou com a boneca que a madrinha do Maracatu, que precisa de cuidados que
ajudem a manter a harmonia coletiva. Joabe conta que, quando os outros Maracatus
viram que era mais bonito botar uma mulher de dama do passo, todos comearam a
botar. Mas, ressalta, que muitas mulheres no tinham preparo para brincar Maracatu
por no saberem lidar com aquilo.97
97
Hoje as pessoas levam Maracatu como esporte mais ainda existe isso, preparar a boneca, entendeu? Porque
era uma religio, hoje no uma religio mas tem que ser respeitado.
90
Os conhecedores do Maracatu costumam dizer, que as mulheres no tm
compromisso com o Maracatu, que elas no respeitam, pois no acontece nada
com elas acontece com o cabra. As atribuies dos infortnios carnavalescos
trazem o elemento feminino como base de acusaes.
Como diz Seu Luiz: Um caboclo que pega uma arrumao um caboclo,
n? um caboclo, mas falta muito pra ser um caboclo. Tendo umas pessoas que
sabem o que Maracatu, brincar Maracatu muito fcil. O negcio ter uma
experincia de um caboclo, ai que so elas.
Essa idia de que, para ser caboclo, no basta simplesmente botar uma
arrumao, mas saber ser caboclo, inclui sempre uma moral de no dizer que sabe.
No interior se diz que quem bom, no diz que : quem bom, o povo quem fala. O
saber est ligado ao segredo. Quem sabe guarda.
91
O respeito dinamiza uma noo de responsabilidade individual, que
assegura o equilbrio espiritual do coletivo. O esquema de coero e autocontrole,
se revela na tentativa de estabelecer a sorte, isto , de afastar o desmantelo.
O segredo parece ser uma frmula mgica, coletiva ou individual, que tanto
pode ser falada como tocada. Se o segredo for revelado, o Maracatu desmantela.
Se algum toca no segredo (o apito do mestre ou o cravo do caboclo), tambm
desmantela. Mesmo que o segredo tenha sido bem guardado, se algum
desrespeitar, desmantela. O segredo do Maracatu tambm sua fora. Cito uma
conversa entre Aguinaldo e Amaro:
Aguinaldo: o dono de Maracatu tem segredos, tem coisa que ele no pode dizer.
Eu mesmo que no sou dono tenho coisa. Tem coisa que ele guarda com ele at
92
morrer. Tem coisa que s sabe quem de Maracatu. Por que se vira fuxico, fcil
outro Maracatu saber. Dono de Maracatu nenhum conta seu segredo, pois o outro
pode tentar acabar com ele e a brincadeira.
Amaro: quase que nem candombl, que tambm tem segredo. Eu levanto meu
terreiro, fao um filho de santo, mas tem coisa que eu no ensino a ele, o ponto de
matar. Um dia ele pode ter dio de mim e me matar: ele vai usar o segredo. 99
Esta e outras conversas me levaram idia de que, quase que nem candombl
h uma iniciao no Maracatu. Que os segredos do Maracatu dizem respeito ao
saber, ao fundamento. No se pode deixar escapar o saber do Maracatu, pois ele
constitui uma fora que, caso fique fora do controle dos seus guardies, torna-se
um ponto fraco.
99
Amaro brinca de baiana no Leo de Ouro. Esta conversa aconteceu durante a entrevista com Amaro, em
que Aguinaldo estava presente. (28/02/2004)
93
A preparao espiritual, no plano individual, transmite a idia de que o
Maracatuzeiro precisa construir um novo corpo, para brincar o carnaval. Um
corpo espiritualmente imunizado doena, ao insucesso numa briga, ressaca e ao
cansao depois do carnaval.
94
reconhece que eu to diferente, que eu mudei. Meu sangue se
some. D uma evoluo no corpo. Chega na tera-feira, tomo
um banho de mato cheiroso, troquei de roupa e t novo.
95
mesmo rejeitou, o que obscuramente intimidade indistinta. (...) A religio cuja
essncia a busca da intimidade perdida se resume no esforo da conscincia de si:
mas esse esforo to vo, j que a conscincia da intimidade s possvel ao nvel
que a conscincia no mais uma operao cujo resultado implica durao, quer dizer,
ao nvel em que a clareza, que efeito da operao, no est mais dada. (op.cit: 46)
96
O Fim do Ciclo: o Carnaval de Pscoa
Chuva forte da manh. Escuta-se o bater do surro de caboclos que andam na rua. Um
caboclo passa na porta da casa. Clcia, filha de Aguinaldo, comenta: parece at vspera de
Carnaval. Sbado de Aleluia. Quando samos na rua avistamos catitas brincando, fazendo
graa com as pessoas.
Aguinaldo: Semana Santa aqui, tem gente que s come uma vez por dia, no toma
banho e no namora Eu indagando: como no Carnaval? e ele responde: , quase que nem
Carnaval.
Na manh seguinte, Domingo de Pscoa, dez caboclos de Condado, entre eles
participantes do Leo e do Estrela, lotam duas kombis para Itaquitinga. Todos na expectativa da
surpresa que fariam, para Seu Baixa, dono do Maracatu Leo da Mata de Itaquitinga. Bel, o
caboclo que estava organizando o Carnaval de Pscoa, havia combinado com os tocadores do
terno do Maracatu de seu Baixa.
O Maracatu da Pscoa, composto apenas de terno e caboclos, manobrou algumas vezes
na frente da sede do Leo da Mata, surpreendendo Baixa e sua mulher, que logo trataram de
improvisar um almoo para o pessoal.
Na volta de Itaquitinga para Condado, as duas kombis que vieram cheias, uma voltou
vazia e a outra com espao sobrando. A maior parte dos caboclos ficou por l tomando bicada e
brincando o carnaval de Pscoa com surro nas costas. Na mesma noite, Aguinaldo e eu, que
voltamos na kombi semi-vazia, tivemos notcias do bando de caboclo bicado, que no queria
deixar os bares fecharem, sambando Maracatu. Como Fabinho nos contou depois, a cabocaria
de Pscoa foi caminhando por todo o trecho, de Itaquitinga at Condado, parando nas biroscas,
botando um CD de Maracatu, para sambar e tomar bicada. Afinal, na Pscoa que a
cabcocaria faz o Carnaval.
97
vivida atravs valores dominantes dos festejo nas idias de finitude do corpo /
resguardo, o riso / a reserva, a matria / o esprito, etc., essas oposies operam
contrariamente nos valores do Maracatu.
98
pois a atualidade no tem esperana, e a atualidade no tem futuro: o futuro ser
justamente uma nova atualidade. 101
Vejo a tradio como um gosto compartilhado, que cria uma linhagem ao longo
do tempo. O Maracatu tem sua tradio, o rock tem sua tradio. No disco (Toda vez
que eu dou um passo o mundo sai do lugar) h diferentes tradies se comunicando.
No gosto do termo contemporneo como oposio a tradio. Ele usado
geralmente, para reforar preconceitos contra coisas consideradas arcaicas ou
primrias. Minha msica e minhas letras esto profundamente ligadas ao meu tempo.
Mesmo porque, no tenho a menor preocupao com a preservao ou manuteno de
nada. Fao Maracatu porque ele est vivo, e as pessoas da minha terra gostam dele
porque gostam, e no para preserv-lo. (..) Se ele acabar um dia, porque no
conseguiu se adaptar. O Maracatu sobreviveu porque foi pra cidade, teve contato com
a TV e o rdio, seus poetas tiveram alfabetizao e ampliaram seus temas. Se a
tradio d o passo frente, acompanhando o mundo, ela segue viva. Se no, no
adianta gravar, fazer livro, registrar, defender... (Siba)
101
Essa frase e tambm trecho da introduo so parte do texto A Paixo segundo GH de Clarice Lispector.
99
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______. A Idealizao do Passado Numa rea de Plantation. CONTRAPONTO, v.
II, p. 115-126, 1977.
SANTOS, Climrio O.; RESENDE, Tarcsio S. Batuque book: Baque Virado e Baque
Solto. Recife: Ed. do Autor, 2005.
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Anexo 1
MAPAS
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Anexo 2
Personagens do Maracatu
Na frente do Maracatu:
Mateus: Personagem presente em outras brincadeiras como o Boi e o Cavalo-
Marinho, da lenda de Mateus e Catirina. Usa um chapu de funil com fitas de
celofane, usa um surrozinho de madeira, nas mos carrega uma bexiga que bate na
coxa.
Catirina: A Catita como chamada nas ruas um homem vestido de mulher com a
cara pintada de preto e uma cesta nas mos. Ela faz graa com o pblico e pede
dinheiro. Conta-se que, no passado, a Catita era quem conseguia algum dinheiro e
comida do pblico pra o Maracatu. a Catita deve ser gil e saber roubar comida.
Burra Calu: um homem vestido de burra que estala um chicote no cho abrindo
espao para o Maracatu.
Caador: de acordo com Biu Alexandre o caador dos escravos, da lenda de Mateu
e Catirina. Toca um berrante de chifre de boi, tem um chapu de pele de animal,
carrega uma espingarda e leva pendurado um bode empalhado ou s a pele.
No miolo:
O Bandeira: um homem que carrega a bandeira. Veste uma roupa de sdito real.
A Bandeira: Na bandeira do Maracatu esto bordados: o tipo de Maracatu (baque
solto), o nome do Maracatu (em geral algum animal leo, guia), a cidade em que ele
foi fundado, a data de fundao e o smbolo. A bandeira objeto de maior cuidado, e
o desejo de um Maracatu rival furar a bandeira do outro. como se, tendo a
bandeira rasgada, o Maracatu estar desmantelado, perde-se um elo entre aquelas
pessoas.
A corte: Rei, Rainha e dois carregadores de guarda sol que cobrem o casal real. Ficam
atrs da bandeira. A corte nos Maracatus de Baque Solto foram uma imposio da
Federao Carnavalesca de Pernambuco (data).
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Boneca/ Calunga: preta de pano. o smbolo do Maracatu, todo Maracatu tem uma
boneca, inclusive os de Baque Virado.
A Dama da Boneca: uma baiana que carrega a boneca, fica perto do Bandeira ao
centro.
Arreiamar ou Caboclo de Pena: Usa um grande e pesado cocar enfeitado e um saiote
de penas. Traz uma gola mais curta que a do caboclo e nas mos carrega uma
machadinha de ndio. Alm do mestre, o arreiamar o nico que tem um apito e a sua
responsabilidade principal cuidar das baianas.
Baianas: formam dois cordes simtricos atrs dos arreiamar. Usam um vestido longo
e armado, na cabea usam um leno ou um chapu, as baianas de vestido de cor igual
formam pareias, cada uma no cordo. Atualmente, os homens que brincam de baiana
em meio maioria de mulheres, moas e meninas, so homossexuais. As baianas se
enfeitam com colares, brincos, maquiagem. Com as inovaes das exigncias da FCP,
em 2006, as baianas devem levar nas mos uma varetinha com o smbolo do
Maracatu.
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hierarquia interna que se define pelas posies. O mestre de caboclos o que tem
maior autoridade e responsabilidade, quem cuida da cabocaria. Ele organiza, toma
conta e controla os lanceiros. Os dois puxadores de cordo e os dois bocas de
trincheira so os caboclos que tm uma relao direta com o mestre de caboclos na
conduo da manobra do Maracatu. A comunicao entre eles chamada de namoro,
pois eles ficam atentos movimentao da manobra atravs do olhar. O p-de-
bandeira o caboclo responsvel pelo terno que fica atrs do Maracatu.
Atrs do cortejo:
O Mestre: carrega uma bengala e um apito. Faz de improviso as marchas, sambas e
galopes. que movimentam o Maracatu.
O terno: conjunto musical: cuca, ganz, bumbo, tarol e gongu.
Msicos: tocam os instrumentos de sopro geralmente trombone, piston e saxofone.
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Anexo 3
Esquema de rpido dos versos de Maracatu
(por Siba Veloso) 102
Marcha
4 linhas de sete slabas
a
b 2x
c
b
Ex:
Abriu-se o porto do samba
Cada um que seja ativo
Ningum morre antes do tempo
Nem corre sem ver motivo
Samba em dez
10 linhas de sete slabas
a
b
b
a
a
c 2x
c
d
d
c
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2x significa resposta das duas linhas ou da nica, no caso do samba curtinho.
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Ex:
Enquanto eu vivo no cho
Cantando samba pesado
Vive o Pardal pendurado
Em fio de alta tenso
Cantando a nica cano
Que Deus lhe deu pra cantar
Canta o pardal pra jantar
E eu s canto quando janto
Pardal canta em todo canto
e eu canto em todo lugar
Galope/Samba em seis
seis linhas de sete slabas
x
a 2x
a
b
b
a
Ex:
Cantar qualquer coisa
Que o povo ache legal
Seno o seu pessoal
Vai dizer desde o comeo
Tem mestre de todo preo
Mas tu no vale um real
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Samba curto
Igual ao galope mas primeira linha tem 4 slabas apenas
Ex:
De novo eu vou
Subindo o mesmo batente
Com mais futuro pra frente
Bem mais histria pra trs
E carregando bem mais
Samba pesado na mente
Samba curtinho
4 linhas de sete slabas
Ex:
Destrambelhado e demente 2x
Dorminhoco e desleixado
Doido, desmoralizado
demagogo, decadente
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Anexo 4
Quadro Leo X Estrela
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Livros Grtis
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