Morte e Vida Severina

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Morte e Vida Severina

Joo Cabral de Melo Neto


O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM E A QUE VAI
O meu nome Severino, Mas isso ainda diz pouco: de velhice antes dos trinta,
como no tenho outro de pia. se ao menos mais cinco havia de emboscada antes dos vinte
Como h muitos Severinos, com nome de Severino de fome um pouco por dia
que santo de romaria, filhos de tantas Marias (de fraqueza e de doena
deram ento de me chamar mulheres de outros tantos, que a morte severina
Severino de Maria j finados, Zacarias, ataca em qualquer idade,
como h muitos Severinos vivendo na mesma serra e at gente no nascida).
com mes chamadas Maria, magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos
fiquei sendo o da Maria Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:
do finado Zacarias. iguais em tudo na vida: a de abrandar estas pedras
Mais isso ainda diz pouco: na mesma cabea grande suando-se muito em cima,
h muitos na freguesia, que a custo que se equilibra, a de tentar despertar
por causa de um coronel no mesmo ventre crescido terra sempre mais extinta,
que se chamou Zacarias sobre as mesmas pernas finas a de querer arrancar
e que foi o mais antigo e iguais tambm porque o alguns roado da cinza.
senhor desta sesmaria. sangue, Mas, para que me conheam
que usamos tem pouca tinta.
Como ento dizer quem falo melhor Vossas Senhorias
ora a Vossas Senhorias? E se somos Severinos e melhor possam seguir
Vejamos: o Severino iguais em tudo na vida, a histria de minha vida,
da Maria do Zacarias, morremos de morte igual, passo a ser o Severino
l da serra da Costela, mesma morte severina: que em vossa presena emigra.
limites da Paraba. que a morte de que se morre

Morte e Vida Severina Joo Cabral de Melo Neto

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM E A QUE VAI

O meu nome Severino, Vejamos: o Severino e iguais tambm porque o


como no tenho outro de pia. da Maria do Zacarias, sangue,
Como h muitos Severinos, l da serra da Costela, que usamos tem pouca tinta.
que santo de romaria, limites da Paraba. E se somos Severinos
deram ento de me chamar Mas isso ainda diz pouco: iguais em tudo na vida,
Severino de Maria se ao menos mais cinco havia morremos de morte igual,
como h muitos Severinos com nome de Severino mesma morte severina:
com mes chamadas Maria, filhos de tantas Marias que a morte de que se morre
fiquei sendo o da Maria mulheres de outros tantos, de velhice antes dos trinta,
do finado Zacarias. j finados, Zacarias, de emboscada antes dos vinte
Mais isso ainda diz pouco: vivendo na mesma serra de fome um pouco por dia
h muitos na freguesia, magra e ossuda em que eu vivia. (de fraqueza e de doena
por causa de um coronel que a morte severina
Somos muitos Severinos
que se chamou Zacarias ataca em qualquer idade,
iguais em tudo na vida:
e que foi o mais antigo e at gente no nascida).
na mesma cabea grande
senhor desta sesmaria. que a custo que se equilibra, Somos muitos Severinos
Como ento dizer quem falo no mesmo ventre crescido iguais em tudo e na sina:
ora a Vossas Senhorias? sobre as mesmas pernas finas a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima, a de querer arrancar e melhor possam seguir
a de tentar despertar alguns roado da cinza. a histria de minha vida,
terra sempre mais extinta, Mas, para que me conheam passo a ser o Severino
melhor Vossas Senhorias que em vossa presena emigra.
Tecendo a Manh
A educao pela pedra
1.
Um galo sozinho no tece uma manh: Uma educao pela pedra: por lies;
ele precisar sempre de outros galos. para aprender da pedra, freqent-la;
De um que apanhe esse grito que ele captar sua voz inenftica, impessoal
e o lance a outro; de um outro galo (pela de dico ela comea as aulas).
que apanhe o grito de um galo antes A lio de moral, sua resistncia fria
e o lance a outro; e de outros galos
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo, a de economia, seu adensar-se compacta:
para que a manh, desde uma teia tnue, lies de pedra (de fora para dentro,
se v tecendo, entre todos os galos. cartilha muda), para quem soletr-la.
2. Outra educao pela pedra: no Serto
E se encorpando em tela, entre todos, (de dentro para fora, e pr-didtica).
se erguendo tenda, onde entrem todos, No Serto a pedra no sabe lecionar,
se entretendendo para todos, no toldo
e se lecionasse no ensinaria nada;
(a manh) que plana livre de armao.
l no se aprende a pedra: l a pedra,
A manh, toldo de um tecido to areo uma pedra de nascena, entranha a alma
que, tecido, se eleva por si: luz balo.
Joo Cabral de Melo Neto Joo Cabral de Melo Neto

Tecendo a Manh A manh, toldo de um tecido to areo


que, tecido, se eleva por si: luz balo.
1.
Um galo sozinho no tece uma manh: Joopedra
A educao pela Cabral de Melo Neto
ele precisar sempre de outros galos.
Uma educao pela pedra: por lies;
De um que apanhe esse grito que ele para aprender da pedra, freqent-la;
e o lance a outro; de um outro galo
captar sua voz inenftica, impessoal
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos (pela de dico ela comea as aulas).
que com muitos outros galos se cruzem A lio de moral, sua resistncia fria
os fios de sol de seus gritos de galo, ao que flui e a fluir, a ser maleada;
para que a manh, desde uma teia tnue,
se v tecendo, entre todos os galos. a de economia, seu adensar-se compacta:
lies de pedra (de fora para dentro,
2.
cartilha muda), para quem soletr-la.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, Outra educao pela pedra: no Serto
se entretendendo para todos, no toldo (de dentro para fora, e pr-didtica).
(a manh) que plana livre de armao. No Serto a pedra no sabe lecionar,
e se lecionasse no ensinaria nada; l no se aprende a pedra: l a pedra,
uma pedra de nascena, entranha a alma

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