O Mundo Na Palma Da Mão
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O Mundo Na Palma Da Mão
O MUNDO NA PALMA DA MO
N
o ano 2 0 0 0 , A cidade em seu bolso. Nascimento da sociedade
informacional mvel era o t t u l o de u m l i v r o de T i m o K o -
p o m a a , p u b l i c a d o na F i n l n d i a . Para termos u m a i d e i a
d a acelerada v e l o c i d a d e do d e s e n v o l v i m e n t o dos d i s p o s i t i v o s m -
veis, e s p e c i a l m e n t e d o telefone c e l u l a r , hoje se p o d e a f i r m a r sem
susto q u e no s a c i d a d e , mas q u a l q u e r parte d o m u n d o se tor-
n o u acessvel ao t o q u e de m i n s c u l o s d g i t o s de u m p e q u e n o
aparelho q u e quase cabe na p a l m a d a m o de u m a criana.
N o p r i n c p i o , e r a m os c o m p u t a d o r e s mainframe: u m a g r a n d e
e d e s a j e i t a d a c o l e o de caixas u n i d a s p o r f i o s . E n t o , v i e r a m os
c o m p u t a d o r e s pessoais: u m a p e q u e n a c a i x a q u e p o d i a ser ajus-
t a d a sobre u m a m e s a . L o g o d e p o i s , a c a i x a f e c h a d a a b r i u - s e p a r a
o m u n d o , c o m p o n d o u m a rede g i g a n t e s c a de c o n e x e s . A g o r a ,
os c e l u l a r e s c o m p u t a d o r i z a d o s so m e n o r e s q u e os mouses dos
desktops, m o v e m - s e p o r t o d o s os l a d o s , c o m p a n h e i r o s insepar-
veis de seus d o n o s , q u e os l e v a m at p a r a o b a n h e i r o . P o r m e i o
de G P S (Global Positioning System), os c e l u l a r e s s e m p r e s a b e m
LINGUAGENS LIQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE 0 MUNDO NA PALMA DA MO
E m processos que, de quase dois sculos para c, tm se tornado U m tal crescimento t a m b m explicvel p e l o fato de que a
m e n t e i n t r o d u z i d a , adotada, adaptada e a b s o r v i d a , ela faz crescer sua leveza a u m e n t a e seu t a m a n h o d i m i n u i : ela no apenas u m
rdicos e econmicos. Isso t e m recebido o n o m e de " e c o l o g i a midi- escrever e receber mensagens escritas, msica, vdeo, internet b a n -
da larga, alm de outras funes que no p a r a m de aparecer c o m o
t i c a " que i m p l i c a a total integrao de u m a mdia nas interaes
aquelas i n t r o d u z i d a s pelos sistemas de p o s i c i o n a m e n t o que nos
sociais cotidianas. E m b o r a haja u m a tendncia a pensar as mdias
p e r m i t e m saber onde esto nossos a m i g o s e os lugares a que quere-
apenas c o m o meios de conexo e transmisso de mensagens de u m
mos chegar (ver captulo 8).
p o n t o a o u t r o , elas, na realidade, a l t e r a m de m o d o s i g n i f i c a t i v o os
E m b o r a sejam leves e d i m i n u t o s a c o m p a n h a n t e s de nossos
a m b i e n t e s e m que v i v e m o s e a ns mesmos c o m o pessoas.
passos, os c e l u l a r e s esto nos l e v a n d o a e x p e r i e n c i a r , c o m o d i z
E c o l o g i a s m i d i t i c a s so i n t r i c a d a m e n t e enredadas p o r q u e
M e y r o w i t z ( 2 0 0 3 , p . 9 7 ) , u m a v i r a d a d r a m t i c a no nosso senso
novas m d i a s so i n t r o d u z i d a s e m u m a p a i s a g e m h u m a n a j p o -
de l o c a l i z a o , t e m p o , v a l o r e s , t i c a , e t i q u e t a e c u l t u r a . O l i v r o
v o a d a p o r m d i a s p r e c e d e n t e s . L o n g e de l e v a r as a n t e r i o r e s ao
e d i t a d o p o r K a t z e A a k h u s ( 2 0 0 2 ) , u m dos p i o n e i r o s no a s s u n -
d e s a p a r e c i m e n t o , a m d i a e m e r g e n t e v a i se e s p r e m e n d o entre as
t o , t a m b m no d e i x a dvidas q u a n t o ao fato de q u e o c e l u l a r se
o u t r a s e g r a d a t i v a m e n t e e n c o n t r a n d o seus d i r e i t o s de e x i s t n c i a
i n s i n u o u nas c a p i l a r i d a d e s d a v i d a c o t i d i a n a , a l t e r a n d o nossas
ao p r o v o c a r u m a r e f u n c i o n a l i z a o nos papis d e s e m p e n h a d o s
f o r m a s de v i v e r ao p r o p i c i a r p o s s i b i l i d a d e s de c o m u n i c a o a n -
pelas a n t e r i o r e s . j u s t a m e n t e isso q u e t e m s u c e d i d o c o m os
tes i n e x i s t e n t e s . P o r t a n t o , a c o m p l e x i d a d e de sua i d e n t i d a d e e
d i s p o s i t i v o s m v e i s , c u j a v e l o c i d a d e de absoro e d o m e s t i c a o
a intensidade c o m que v e m afetando o c o m p o r t a m e n t o psicos-
v e m se d a n d o e m p r o g r e s s o g e o m t r i c a espantosa.
s o c i a l dos i n d i v d u o s no p o d e m ser m i n i m i z a d a s . Este c a p t u l o
Q u a n d o c h e g a m , as novas mdias so, v i a de regra, recebidas
t e m p o r f i n a l i d a d e apresentar a l g u m a s das m l t i p l a s facetas
c o m o forasteiras, p r o v o c a n d o relutncia, e s t r a n h a m e n t o e m e s m o
dessas afeces.
t e m o r . S e m p r e l e v a certo t e m p o at q u e sejam capazes de i n t r o -
d u z i r mudanas sensveis na e c o l o g i a v i g e n t e . F u g i n d o regra,
tal processo no sucedeu c o m os telefones celulares. Eles so to 1. PRESENA-AUSNCIA
leves, uns v e r d a d e i r o s m i m o s , vo para onde v a m o s , pequenos
objetos de e s t i m a o , nos bolsos, nas bolsas, c o l a m - s e ao nosso T o m a n d o c o m o e i x o a superao das d i s t n c i a s , a q u e b a t i -
v e l , seus i n f i n i t o s fios invisveis nos p e m p o t e n c i a l m e n t e e m trs passos na h i s t r i a das m d i a s e m suas relaes c o m o espa-
o n d e e s t o . L i g a d o s a c m e r a s f o t o g r f i c a s e a sensores m e t e o r o l - c o m q u e as sementes b r o t a m e m c a m p o s a d u b a d o s at o p o n t o de
g i c o s , q u m i c o s , b i o l g i c o s , mdicos e de raio g a m a , tornaram-se seus recursos, servios e aplicaes serem hoje u m dos segmentos
pequenas c r i a t u r a s s e n s v e i s , quase v i v a s . de m a i o r c o n s u m o no m u n d o .
E m processos q u e , de quase dois sculos para c, tm se tornado U m tal crescimento t a m b m explicvel p e l o fato de que a
mente i n t r o d u z i d a , adotada, adaptada e a b s o r v i d a , ela faz crescer sua leveza a u m e n t a e seu t a m a n h o d i m i n u i : ela no apenas u m
e m torno d e l a prticas e protocolos sociais, c u l t u r a i s , polticos, j u - telefone porttil, mas t a m b m a c u m u l a as funes de fotografar, de
rdicos e econmicos. Isso t e m recebido o n o m e de " e c o l o g i a midi- escrever e receber mensagens escritas, msica, vdeo, internet b a n -
da larga, alm de outras funes que no p a r a m de aparecer c o m o
t i c a " que i m p l i c a a total integrao de u m a mdia nas interaes
aquelas i n t r o d u z i d a s pelos sistemas de p o s i c i o n a m e n t o que nos
sociais cotidianas. E m b o r a haja u m a tendncia a pensar as mdias
p e r m i t e m saber onde esto nossos a m i g o s e os lugares a que quere-
apenas c o m o meios de conexo e transmisso de mensagens de u m
mos chegar (ver captulo 8).
p o n t o a o u t r o , elas, na realidade, a l t e r a m de m o d o s i g n i f i c a t i v o os
E m b o r a sejam leves e d i m i n u t o s a c o m p a n h a n t e s de nossos
ambientes e m que v i v e m o s e a ns mesmos c o m o pessoas.
passos, os c e l u l a r e s esto nos l e v a n d o a e x p e r i e n c i a r , c o m o d i z
E c o l o g i a s m i d i t i c a s so i n t r i c a d a m e n t e enredadas p o r q u e
M e y r o w i t z ( 2 0 0 3 , p . 9 7 ) , u m a v i r a d a d r a m t i c a no nosso senso
novas m d i a s so i n t r o d u z i d a s e m u m a p a i s a g e m h u m a n a j p o -
de l o c a l i z a o , t e m p o , v a l o r e s , t i c a , e t i q u e t a e c u l t u r a . O l i v r o
v o a d a p o r m d i a s p r e c e d e n t e s . L o n g e de l e v a r as a n t e r i o r e s ao
e d i t a d o p o r K a t z e A a k h u s ( 2 0 0 2 ) , u m dos p i o n e i r o s no a s s u n -
d e s a p a r e c i m e n t o , a m d i a e m e r g e n t e v a i se e s p r e m e n d o entre as
t o , t a m b m no d e i x a dvidas q u a n t o ao fato de q u e o c e l u l a r se
outras e g r a d a t i v a m e n t e e n c o n t r a n d o seus d i r e i t o s de e x i s t n c i a
i n s i n u o u nas c a p i l a r i d a d e s d a v i d a c o t i d i a n a , a l t e r a n d o nossas
ao p r o v o c a r u m a r e f u n c i o n a l i z a o nos papis d e s e m p e n h a d o s
f o r m a s de v i v e r ao p r o p i c i a r p o s s i b i l i d a d e s de c o m u n i c a o a n -
pelas a n t e r i o r e s . E j u s t a m e n t e isso q u e t e m s u c e d i d o c o m os
tes i n e x i s t e n t e s . P o r t a n t o , a c o m p l e x i d a d e de sua i d e n t i d a d e e
d i s p o s i t i v o s m v e i s , c u j a v e l o c i d a d e de absoro e d o m e s t i c a o
a intensidade c o m que v e m afetando o c o m p o r t a m e n t o psicos-
v e m se d a n d o e m progresso g e o m t r i c a espantosa.
s o c i a l dos i n d i v d u o s no p o d e m ser m i n i m i z a d a s . E s t e c a p t u l o
Q u a n d o c h e g a m , as novas mdias so, v i a de r e g r a , recebidas
t e m p o r f i n a l i d a d e apresentar a l g u m a s das m l t i p l a s facetas
c o m o forasteiras, p r o v o c a n d o relutncia, e s t r a n h a m e n t o e m e s m o
dessas afeces.
temor. S e m p r e leva certo t e m p o at q u e sejam capazes de i n t r o -
d u z i r mudanas sensveis na e c o l o g i a v i g e n t e . F u g i n d o regra,
tal processo no sucedeu c o m os telefones celulares. Eles so to 1. PRESENA-AUSNCIA
leves, uns v e r d a d e i r o s m i m o s , vo para onde v a m o s , pequenos
objetos de e s t i m a o , nos bolsos, nas bolsas, c o l a m - s e ao nosso T o m a n d o c o m o e i x o a superao das d i s t n c i a s , a q u e b a t i -
v e l , seus i n f i n i t o s fios invisveis nos p e m p o t e n c i a l m e n t e e m trs passos na h i s t r i a das m d i a s e m suas relaes c o m o espa-
m
%o
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O s e g u n d o avano na superao das d i s t n c i a s v e i o c o m o b. A tecnologia colaborativa personalizada. A possibilidade
rdio e a t e l e v i s o . O s i s t e m a de d i s s e m i n a o q u e eles t r o u x e - de expresso q u e a personalizao e n c o n t r a no c i b e r e s p a o ,
r a m c r i o u u m n o v o t i p o de espao s o c i a l , o espao m i d i t i c o na criao de u m s i s t e m a f r a g m e n t r i o e p e r m a n e n t e m e n t e
q u e , entre o u t r a s i n f l u n c i a s , t a n t o d e u n o v a f o r m a n a t u r e z a t e m p o r r i o de i n f o r m a o , c o m o se e n c o n t r a nos blogs.
d o debate e d o c i r c o p o l t i c o s q u a n t o m o d i f i c o u a t e c n o l o g i a de
C. O s i s t e m a de t r a n s p u b l i c a o . T r a t a - s e a q u i d o s i s t e m a de
t r a n s m i s s o das n o t c i a s d a g u e r r a , c u j o e x e m p l o e m b l e m t i c o
copyright d a net q u e reconhece o p a p e l f u n d a m e n t a l q u e a
foi a G u e r r a d o G o l f o , s e g u n d o G y r g y , c o n v e r t i d a e m u m a es-
colaborao desempenha e m qualquer p r o d u t o c u l t u r a l .
pcie de playground.
O t e r c e i r o passo f o i d a d o p e l a revoluo d a i n t e r n e t e a m a i s
O p a r a d o x o q u e se i n s i n u a na expresso " d i s t n c i a v i r t u a l "
recente fuso das vrias e s t r u t u r a s e f e r r a m e n t a s d a c o m u n i c a -
acentua-se s o b r e m a n e i r a q u a n d o a c o m u n i c a o mvel p r i o r i t a -
o i n t e r a t i v a m v e l e c o m u n i c a o c o m f i o o u s e m f i o q u e
r i a m e n t e c o n s i d e r a d a . E s t u d o s sobre o assunto esto repletos de
t a m b m c r i a r a m u m espao p r p r i o , o c i b e r e s p a o , u m d o m n i o
paradoxos, tais c o m o "presena m e d i a d a " , "presena ausente",
c o m p a r t i l h a d o p e l o setor p b l i c o e p r i v a d o no q u a l se expres-
"presena u b q u a " , todas elas voltadas para as a m b i g u i d a d e s q u e
sam i d e n t i d a d e s e v i z i n h a n a s v i r t u a i s , c o m p o n d o a " d i s t n c i a
o b i n m i o presena e ausncia passou a a d q u i r i r . P a r a tocar nessas
v i r t u a l " no seu s e n t i d o m a i s l e g t i m o . A c u l t u r a f e r v i l h a e c o -
a m b i g u i d a d e s , c o m e c e m o s p e l o c o n c e i t o de n o m a d i s m o .
m u n i d a d e s c o m p e t e m nesse e s p a o , o m e r c a d o t e n t a a g a r r - l o
c o m sua t r u c u l n c i a c a r a c t e r s t i c a , mas no h nele n e n h u m a
c o i s a q u e se assemelhe a c o n t r o l e e c e n s u r a , o q u e desfaz a p r e - 1.1. Nomadismo e presena ausente
m i s s a m a i s c o m u m dos t e c n o p e s s i m i s t a s de q u e i n f o r m a o s i g -
N o m a d i s m o u m conceito estudado por Deleuze e G u a t t a r i
n i f i c a sim qua non m a n i p u l a o e c o n t r o l e . ( p p . 1 . 9 9 5 - 1 . 9 9 7 ) , q u e o e x p l i c i t a r a m no t r a t a d o de n o m a d o -
O q u e esse espao t e m de v e r d a d e i r a m e n t e r e v o l u c i o n r i o , l o g i a - a m q u i n a de g u e r r a - e m Mil plats. O s autores a p o n -
c o n f o r m e G y r g y ( p p . 1 0 1 - 1 0 2 ) , a cooperao rpida e i n t e n s a t a m p a r a trs c a r a c t e r s t i c a s d o m o v i m e n t o n m a d e no espao
q u e ele c r i a entre as v i z i n h a n a s v i r t u a i s , d i s p e n s a n d o a c o p r e - geogrfico:
sena. O s f e n m e n o s m a i s recentes q u e nele esto s u r g i n d o m e -
r e c e m ser m e n c i o n a d o s : a. os p o n t o s e c a m i n h o s de u m a rede n m a d e ;
a. O s a r q u i v o s v i r t u a i s d o m o v i m e n t o de c o d i f i c a o open b . o espao a r i t m t i c o ;
o
LINGUAGENS LQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE 0 MUNDO NA PALMA DA MO
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So t a m b m c a m i n h o s c o n s t r u d o s m e d i d a q u e se c a m i n h a a c u r v a , e m q u e no h reta s e m c u r v a t u r a s e n t r e m e a d a s , n e m
("no h c a m i n h o s , h q u e c a m i n h a r " ) . J u n t o c o m os c o n c e i t o s a l t o , n e m b a i x o , n e m d i r e i t a , n e m e s q u e r d a , n e m regresso,
de r i z o m a , d o b r a , c o r p o s e m r g o s , o c o n c e i t o d e l e u z i a n o de nem progresso, i m p o n d e r a b i l i d a d e .
n o m a d i s m o a d m i r a v e l m e n t e a n t e c i p a t r i o . N a s redes d o c i b e - A conexo constante, que i n c l u i tanto interaes sociais
respao no s os c a m i n h o s so m v e i s , c o m o t a m b m os ns. q u a n t o c o n e x e s c o m a i n t e r n e t , e n q u a n t o as pessoas se m o v e m ,
E n q u a n t o nas c o n e x e s ancoradas, os c o m p u t a d o r e s e telefones m u i t a s vezes no b u r b u r i n h o f e r v i l h a n t e d a c i d a d e , insere c o n -
o c u p a v a m l u g a r e s f i x o s , nas c o n e x e s m v e i s e c o n t n u a s os te- textos r e m o t o s d e n t r o de c o n t e x t o s presentes. Essa d o b r a de
lefones r e p r e s e n t a m p o n t o s de c o n e x o m v e i s , m o b i l i d a d e q u e c o n t e x t o s no u m a d o b r a s i m p l e s , p o i s i m p l i c a o m o v i m e n t o
lhes d a d a p e l o usurio q u e c i r c u l a p e l o s espaos fsicos. D u p l o atravs d o e s p a o , no m o m e n t o m e s m o e m q u e se i n t e r a g e c o m
nomadismo e dupla mobilidade, portanto. os o u t r o s , t a n t o c o m os q u e esto d i s t a n t e s q u a n t o c o m os q u e
O q u e a l i m e n t a as a m b i g u i d a d e s v i g e n t e s o fato de q u e , no o c u p a m o espao c o n t g u o . Essa s i t u a o de d e s d o b r a m e n t o e
d u p l o n o m a d i s m o e na d u p l a m o b i l i d a d e , as b o r d a s entre os es- i n c l u s o f o i c a r a c t e r i z a d a p o r G e r g e n ( 2 0 0 2 ) c o m o u m estado
tados de presena e ausncia q u e , nas sociedades t r a d i c i o n a i s , eram p e r v a s i v o de p r e s e n a ausente.
ntidas tornam-se borradas. Presena e ausncia i n t e r c a m b i a m - s e , O f e n m e n o da presena ausente j e m e r g i u no m u n d o i m p r e s -
sobrepem-se e m u m m e s m o espao, gerando a vivncia da u b i - so: m i r a d e s de vozes de lugares l o n g n q u o s c o m e a r a m a entrar,
q u i d a d e : estar l, de o n d e m e c h a m a m , e estar a q u i , o n d e sou a q u a l q u e r m o m e n t o , sem serem detectadas, p a r a desafiar as rea-
c h a m a d o , ao m e s m o t e m p o . l i d a d e s acalentadas de u m a c o m u n i d a d e . N a i m p r e n s a , as vozes
A l g u m q u e fala no telefone c e l u l a r p a r t e e ao m e s m o t e m - ausentes se t o r n a m presentes e, m e d i d a q u e so a b s o r v i d a s , as
p o est m e n t a l m e n t e afastado, at certo p o n t o , d o c o n t e x t o dos crenas d a c o m u n i d a d e l o c a l d i m i n u e m . O d e s e n v o l v i m e n t o das
i n d i v d u o s q u e o c u p a m a m e s m a rea e s p a c i a l . U m l a d o de sua t e c n o l o g i a s de c o m u n i c a o t r o u x e m a i o r intruso d a presena
m e n t e t a m b m p a r t e de u m c o n t e x t o d i s t a n t e d a pessoa c o m ausente na v i d a das c o m u n i d a d e s face a face. O a d v e n t o d o tele-
q u e m fala e e s t , p o r sua v e z , e m u m l u g a r r e m o t o . O espao se fone e da t e l e f o n i a mvel r e v e r t e u essa t e n d n c i a a n t e r i o r , p o i s
d e s d o b r a , e os d o i s c o n t e x t o s se e n c a i x a m , u m d e n t r o do o u t r o . agora as relaes face a face so r e v i t a l i z a d a s . E n t r e t a n t o , essa
isso q u e c r i a no usurio a sensao d a u b i q u i d a d e : estar e m revitalizao se d p o r c a m i n h o s t o r t u o s o s , q u e r d i z e r , elas p a s -
d o i s l u g a r e s ao m e s m o t e m p o . O rdio e a televiso j i n s i n u a m sam p e l a i n t e r m e d i a o dos e q u i p a m e n t o s mveis q u e , p o r sua
u m a u b i q u i d a d e leve. O u v i r sobre o u v e r i m a g e n s de u m a c o n - v e z , p r o v i d e n c i a m o u t r o m o d e l o de presena ausente.
t e c i m e n t o u m a espcie de t r a n s p o r t e m e n t a l q u e g e r a a iluso D e u m l a d o , o c e l u l a r traz presena d o usurio pessoas e
de e s t a r m o s d e n t r o d o a c o n t e c i m e n t o c o m o t e s t e m u n h a s dos s i t u a e s r e m o t a s , o u seja, a p r e s e n a d o q u e est ausente; de
fatos. C o m o t e l e f o n e , e m a i s a g u d a m e n t e c o m o c e l u l a r , e n t r e - o u t r o , o f a l a n t e t a m b m e n t r a na s i t u a o v i v i d a p e l o i n t e r l o c u -
tanto, de t e s t e m u n h a s passamos a personagens interagindo tor. A l g o s i m i l a r j s u c e d i a c o m o telefone f i x o . E n t r e t a n t o ,
d e n t r o de d o i s c o n t e x t o s s i m u l t a n e a m e n t e : c o m o i n t e r l o c u t o r , nesse caso, o l u g a r o c u p a d o pelos m e m b r o s d a conversao era
d o o u t r o l a d o , e c o m aqueles e m relao aos q u a i s o c u p a m o s p r e s s u p o s t o e r a r a m e n t e e n t r a v a no c o n t e d o d a c o m u n i c a o .
u m a p o s i o r e l a t i v a . N o v a m e n t e a q u i cabe c o m j u s t e z a m a i s O espao o c u p a d o e a s i t u a o v i v i d a pelos falantes no e r a m
u m c o n c e i t o p r e m o n i t r i o de D e l e u z e : o c o n c e i t o de d o b r a partes do assunto c o m u n i c a d o p o r q u e no era objeto de indagao.
( 1 9 9 1 , p p . 2 9 - 3 0 ) , p o n t o de i n f l e x o , o n d e a t a n g e n t e atravessa N a comunicao mvel, pelo contrrio, a primeira pergunta
m
%o
LINGUAGENS LIQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE 0 MUNDO NA PALMA DA MO
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LINGUAGENS LIQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE 0 MUNDO NA PALMA DA MO
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desenvolveram novas competncias para o processamento r- t o q u e , p o d e m ser e s c o l h i d o s o t i p o d e t o q u e , os c o n e s , os s a l v a -
pido da informao, formando novas conexes entre esferas telas e os papis de p a r e d e .
separadas do conhecimento, e filtrando um campo complexo O r a , a p e r s o n i f i c a o est na base dos processos i d e n t i f i c a t -
para discernir os elementos que exigem ateno imediata.
rios q u e f o r t a l e c e m laos e m o c i o n a i s . N o casual a nfase c o m
q u e tantas pessoas d e c l a r a m s e m t i m i d e z a frase revelatria d o
T a n t o a s s i m q u e "as escolhas e s t t i c a s c o n t e m p o r n e a s so seu apego ao c e l u l a r : " N o v i v o s e m e l e ! " . Esse apego a j u d a a
f r a g m e n t a d a s , o e s t i l o d e e d i o d a M T V , as camadas densas d a e x p l i c a r o e x t r a o r d i n r i o r i t m o de c r e s c i m e n t o no c o n s u m o des-
m s i c a t e c n o , as p g i n a s v i s u a l m e n t e m u i t o m a i s c o m p l e x a s se p e q u e n o o b j e t o . A p e g o g e r a d e p e n d n c i a . E s t a cresce m e -
dos l i v r o s de q u a d r i n h o s c o n t e m p o r n e o s r e f l e t e m t a n t o o dese- d i d a m e s m a q u e novas funes vo sendo acrescidas ao c e l u l a r .
jo d o c o n s u m i d o r p o r novas f o r m a s d e j o g o p e r c e p t i v o , q u a n t o A personificao no est apenas nos aspectos externos d o ce-
sua c a p a c i d a d e p a r a a b s o r v e r m u i t o m a i s i n f o r m a o ao m e s m o l u l a r , seu m o d e l o , cor, s i n a l de t o q u e e t c , mas m u i t o m a i s p r o p r i a -
t e m p o q u e as geraes precedentes". Pesquisas t m d e m o n s t r a d o , mente na capacidade que cada usurio desenvolve para se a p r o p r i a r
p o r e x e m p l o , q u e as crianas q u e j o g a m games i n t e n s i v a m e n t e e r e i n v e n t a r os recursos d o c e l u l a r p e l o m o d o de u s - l o . C a d a
c o m r e g u l a r i d a d e d e m o n s t r a m ter m e l h o r e s h a b i l i d a d e s p e r c e p - pessoa t r a t a o seu c e l u l a r e a q u i l o q u e ele l h e p r o p o r c i o n a de
tivas e c o g n i t i v a s d o q u e as q u e no j o g a m . C i r u r g i e s j esto u m a m a n e i r a d i f e r e n c i a l e m u i t o p e s s o a l . M a i s u m a das razes
u s a n d o videogames p a r a r e f i n a r sua c o o r d e n a o o l h o - m o de p a r a e x p l i c a r a v e l o c i d a d e n a expanso d o seu u s o .
E m b o r a o r i g i n a l m e n t e o s e n t i d o d o c o n c e i t o tomasse c o m o M a s o c o n c e i t o d e c o m u n i d a d e s no u n n i m e . G r e e n ( 2 0 0 3 ,
r e f e r n c i a , no c a m p o d a b i o l o g i a , a c l u l a v i v a , a g e n e r a l i d a d e p . 5 3 ) esclarece q u e , n a s o c i o l o g i a , c o m u n i d a d e u m a c a t e g o r i a
d o processo, q u e o c o n c e i t o d e f i n e , p o s s i b i l i t o u s u a expanso n e g a t i v a o u r e s i d u a l , r e f e r i n d o - s e s relaes q u e esto e m o p o -
para os m a i s d i v e r s o s c a m p o s d o c o n h e c i m e n t o e os f e n m e n o s sio o u so a b a n d o n a d a s q u a n d o as organizaes e c o n m i c a ,
m a i s d i s t i n t o s . A s s i m , sistemas s o c i a i s , p o r e x e m p l o , vo se tor- p o l t i c a e c u l t u r a l d o c a p i t a l i s m o t a r d i o so d e f i n i d a s . O m o d e l o
n a n d o a u t n o m o s , a u t o g e r a n d o - s e a p a r t i r de suas i n t e r a e s de relao s o c i a l das c o m u n i d a d e s c o n t r a s t a c o m a e m e r g n c i a
i n t e r n a s , a u t o - o r g a n i z a n d o - s e e a u t o d e f i n i n d o suas f r o n t e i r a s , das sociedades m o d e r n a s , nas q u a i s as t r a n s f o r m a e s e c o n m i -
de m o d o q u e a d q u i r e m v i d a p r p r i a c u j o a l v o a sua p r p r i a cas, t e c n o l g i c a s e c u l t u r a i s d e s l o c a r a m (e d e s m a n c h a r a m n o ar)
perpetuao. a tradio, e a c o m p l e x i d a d e c r i o u u m a v i d a social mais racio-
o s e n t i d o d e c o n t n u a c o a d a p t a o m t u a das f r o n t e i r a s nalizada, i n d i v i d u a l i z a d a , fragmentada, transitria e despren-
entre sistemas engajados q u e V i n c e n t e m p r e s t a p a r a e x p l i c a r o d i d a de laos d e e m o o e de o b r i g a o . Isso est i m p l c i t o n o
c o m p o r t a m e n t o dos usurios de c e l u l a r e s c o m o " s i s t e m a s e n g a - c o n c e i t o d e s o l i d a r i e d a d e m e c n i c a e o r g n i c a de D u r k h e i m e
j a d o s " q u e vo se a c o m o d a n d o s d i f e r e n t e s situaes de uso e na anlise d a b u r o c r a c i a de W e b e r .
c o m p e n s a n d o pelas p e r t u r b a e s q u e esse uso p r o v o c a nos a m - S e g u n d o G r e e n ( p . 5 4 ) , essa c a r a c t e r i z a o p r o b l e m t i c a
b i e n t e s . E v i d e n t e m e n t e , q u a l q u e r pessoa p o s s u i o seu p r p r i o p o r q u e se c o n c e n t r a nos aspectos e s t r u t u r a i s das relaes e m
estado de autopoiesis, t e n h a o u no u m c e l u l a r . Q u a n t o m a i s per- detrimento da dimenso cultural e simblica da v i d a social.
t u r b a e s o c o r r e r e m e m sua v i d a , m a i s sui generis o seu estado A l m d i s s o , pressupe relaes espaciais c o m o u m a d i c o t o m i a
a u t o p o i t i c o pessoal se t o r n a r . O c e l u l a r , p o r t a n t o , u m a das m u t u a m e n t e e x c l u s i v a entre relaes copresentes e d i s t a n t e s .
facetas de u m a v i d a e m d e v i r . D i f e r e n t e m e n t e de D u r k h e i m e W e b e r , S i m m e l t e n t o u a r t i c u -
N o e n t a n t o , ele v e m p r o d u z i n d o notvel i m p a c t o t a n t o no l a r a n a t u r e z a c o n t r a d i t r i a das m u d a n a s sociais e c o m u n i t -
nvel pessoal q u a n t o s o c i a l . A ligao e m o c i o n a l q u e se c r i a entre rias nas sociedades i n d u s t r i a i s , ao e x a m i n a r as e x p e r i n c i a s d e
o c e l u l a r e seu p o s s u i d o r d e v i d a no s ao d e s e n v o l v i m e n t o d o afinidade e v i d a e m c o m u m na modernidade crescentemente i n -
indivduo e sua autopoiesis, mas t a m b m c o n e c t i v i d a d e q u e o d i v i d u a l i z a d a . A s s i m , os indivduos no so c o m p l e t a m e n t e i n d i -
c e l u l a r p r o p i c i a . M e s m o q u e a pessoa no o esteja u t i l i z a n d o no v i d u a l i z a d o s , n e m inteiramente unificados. M a s ainda aqui relaes
m o m e n t o , o c e l u l a r f u n c i o n a c o m o fios invisveis p r o n t o s a tornar de c o - p r e s e n a esto pressupostas.
presente, a q u a l q u e r i n s t a n t e , u m a rede de conexes, o q u e nos O r a , so esses pressupostos q u e as c o m u n i d a d e s v i r t u a i s der-
o b r i g a a repensar o c o n c e i t o de c o m u n i d a d e s . rubam. Apoiando-se e m Fernback (1999), G r e e n argumenta que,
para d a r c o n t a das condies de v i d a telepresente on-line, o c o n -
c e i t o de c o m u n i d a d e deve levar e m c o n t a a i m p o r t n c i a c e n t r a l
1.5. Comunidades redefinidas
d o s i m b l i c o e seu p a p e l n a criao de c o m u n i d a d e s para alm
D e s d e q u e f i c o u p a t e n t e a vocao d a i n t e r n e t p a r a a f o r m a - das definies racionalistas de " c o m u n i d a d e s de interesse". E m -
o d e g r u p o s d e interesses, "comunidades" popularizou-se bora estejam inseridos nas relaes de c o n s u m o d o c a p i t a l i s m o
c o m o o t e r m o i d e a l p a r a c a r a c t e r i z a r as aldeias v i r t u a i s de pes- t a r d i o , s u b m e t i d o s a d i s c i p l i n a s q u e esto, elas t a m b m , t o r n a n -
soas q u e f o r m a m g r u p o s nas redes t e n d o p o r base interesses e do-se d i s t r i b u d a s e m v e i s , ao m e s m o t e m p o os indivduos d e -
a f i n i d a d e s e no a p r o x i m i d a d e g e o g r f i c a (ver c a p t u l o 16). s e n v o l v e m relaes interpessoais realizadas graas aos d i s c u r s o s ,
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