Frei Luís de Sousa - Breve Análise

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Frei Lus de Sousa de Almeida Garrett (breve anlise)

Romantismo - Origens do movimento romntico em Portugal


Em Portugal, o Romantismo est diretamente ligado s lutas liberais, porque os escritores romnticos
mais representativos deste movimento esttico Garrett e Herculano foram combatentes liberais. Qualquer
destes escritores foi exilado poltico na altura das lutas liberais, tendo vivido em Frana e Inglaterra. Ao
regressarem, trouxeram consigo os ideais deste novo movimento esttico-literrio que introduziram em
Portugal.

Assim, o poema Cames de Garrett, publicado em Paris em 1825, que assinala o incio do
Romantismo em Portugal. Porm, como esta obra no teve sequncia imediata, ser mais correto dat-lo a partir
de 1836, data da publicao de A Voz do Profeta de Alexandre Herculano.

Caractersticas do Romantismo
1. O individualismo O eu o valor mximo para os romnticos. Por isso, o romntico afirma o culto da
personalidade (egocentrismo), da expresso espontnea de sentimentos, do confessionalismo e a subjetividade.

2. O idealismo O romntico aspira ao infinito e a um ideal que nunca atingido. Por isso, valoriza o devaneio
e o sonho.

3. Inadaptao social Por isso, mantm uma atitude de constante desprezo e rebeldia face realidade e s
normas estabelecidas, considerando-se inadaptado e vtima do destino.

4. Privilegia a liberdade como um valor mximo Contrariamente ao classicismo que cultiva a razo, o
romntico cultiva o sentimento e a liberdade, da a expresso Viva a liberdade!.

5. A atrao pela melancolia, pela solido e pela morte como soluo para todos os males.

6. A sacralizao do amor O amor um sentimento vivido de forma absoluta, exagerada e contraditria,


precisamente por ser um ideal inatingvel. A mulher ou um ser angelical bom (mulher-anjo, que leva
salvao), ou um ser angelical mau (mulher-demnio, que leva perdio).

7. O mal du side ou o spleen o pessimismo, o cansao doentio e melanclico, a solido, uma espcie
de desespero de viver, resultante da posio idealista que mantm perante a vida. Por isso, o romntico sempre
um ser incompreendido que cultiva o sofrimento e a solido.

8. O gosto pela natureza noturna Para os romnticos, a natureza a projeo do seu estado de alma, em geral
tumultuoso e depressivo. Assim, esta representada de forma invernosa, sombria, agreste, solitria e
melanclica (locus horrendus), contrariamente ao locus amoenus dos clssicos, que uma natureza
luminosa, harmoniosa e primaveril. Esta natureza noturna traduz a atrao que o romntico tem pela prpria
morte.

9. O amor a tudo o que popular e nacional Para o romntico, no povo que reside a alma nacional. Da o
gosto pela Idade Mdia, pelas lendas, pelas tradies, pelo folclore, por tudo o que nacional.

10. A linguagem declamativa e teatral, porm o vocabulrio muitas vezes mais corrente e familiar.

O Frei Lus de Sousa apresenta alguns dos tpicos romnticos, tais como:

- Sebastianismo - alimentado por Telmo e Maria;

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- patriotismo e nacionalismo - alm do que decorre do Sebastianismo, deve-se ter em conta o comportamento
de Manuel de Sousa Coutinho ao incendiar o seu prprio palcio para impedir que fosse ocupado pelos
Governadores ao servio de Castela;

- crenas e supersties - alimentadas por Madalena, Telmo e Maria, que, sistematicamente, aludiam a
agouros, vises, sonhos;

- religiosidade - uma referncia de todas as personagens; note-se, no entanto, a religiosidade de Manuel de


Sousa Coutinho, que inclui o uso da razo e que determina a entrada em hbito como soluo do conflito;
Madalena, por exemplo, no compreende a atitude de Joana de Castro, a condessa de Vimioso que se tornou
freira (Soror Joana);

- individualismo - o confronto entre o indivduo e a sociedade particularmente visvel em Madalena;

- tema da morte - a morte como soluo dos conflitos um tema privilegiado pelos romnticos; no caso do Frei
Lus de Sousa, verifica-se:

- a morte fsica de Maria (morre tuberculosa);

- a morte simblica de Madalena e de Manuel, que, ao tomarem o hbito, morrem para a vida mundana;

- morte simblica de D. Joo de Portugal que, depois de admitir que morreu no dia em que sua mulher o
julgou morto, simbolicamente, morre uma segunda vez, quando Telmo, depois de lhe ter desejado a morte fsica
como nica maneira de salvar a sua menina, o seu anjo (Maria), aceita colaborar com o Romeiro no sentido de
afirmar que se trata de um impostor, numa ltima tentativa de evitar a catstrofe;

- morte psicolgica de Telmo.

Classificao da Obra
Garrett disse na Memria ao Conservatrio que o contedo do Frei Lus de Sousa tem todas as caractersticas
de uma tragdia. No entanto, chama-lhe drama, por no obedecer estrutura formal da tragdia:

no em verso, mas em prosa;


no tem cinco atos;
no respeita as unidades de tempo e de lugar;
no tem assunto antigo.

Sendo assim, quase podemos dizer que uma tragdia, quanto ao assunto. Na verdade,

1. o nmero de personagens diminuto;

2. Madalena, casando sem ter a certeza do seu estado livre, e Manuel de Sousa, incendiando o palcio, desafiam
as prepotncias divinas e humanas (a hybris);

3. uma fatalidade ( a desonra de uma famlia, equivalente morte moral), que o assistente vislumbra logo na
primeira cena, cai gradualmente (climax) sobre Madalena, atingindo todas as restantes personagens (pathos);

4. contra essa fatalidade os protagonistas no podem lutar (se pudessem e assim conseguissem mudar o rumo
dos acontecimentos, a pea seria um drama); limitam-se a aguardar, impotentes e cheios de ansiedade, o
desfecho que se afigura cada vez mais pavoroso;

5. h um reconhecimento: a identificao do Romeiro (a agnorisis);

6. Telmo, dizendo verdades duras protagonista, e Frei Jorge, tendo sempre uma palavra de conforto, parecem o
coro grego.

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Mas, por outro lado, a pea est a transbordar de romantismo:

1. a crena no sebastianismo;

2. a crena no aparecimento dos mortos, em Telmo;

3. a crena em agouros, em dias aziagos, em supersties;

4. as vises de Maria, os seus sonhos, o seu idealismo patritico;

5. o titanismo de Manuel de Sousa incendiando a casa s para que os Governadores do Reino a no


utilizassem;

6. a atitude que Maria toma no final da pea ao insurgir-se contra a lei do matrimnio uno e indissolvel, que
fora os pais separao e lhos rouba.

Se a isto acrescentarmos certas caractersticas formais, como

7. o uso da prosa;

8. a diviso em trs atos;

9. o estilo todo, do princpio ao fim,

teremos que concluir que um drama romntico, com lances de tragdia apenas no contedo.

Barreiros, Antnio Jos, Histria da Literatura Portuguesa, vol. II

Sebastianismo
[...] Veio depois a derrota de Alccer Quibir e o desaparecimento do Rei (1578). A nao caiu sob o domnio
castelhano. A literatura chorou, com a perda de D. Sebastio, o desfazer das esperanas desmedidas, a runa
dum povo que, havia pouco, deslumbrara o mundo com os Descobrimentos e a criao de um grande Imprio.
Vasco Mouzinho de Quevedo, por exemplo, recorda doridamente o Rei, Sebastio cuja morte inda hoje viva,
/ Renovando-se sempre de ano em ano. Foi ento que surgiu, como instintiva reaco, o sebastianismo. Julgou-
se que s a f visionria poderia salvar-nos. Na primeira metade do sc. XVI vrios pretensos profetas,
desafiando os rigores da Inquisio, haviam aliciado adeptos, nomeadamente cristos novos. Entre esses
profetas contava-se Gonalo Anes, de alcunha o Bandarra, sapateiro de Trancoso (Beira Alta), homem
cujas trovas, largamente divulgadas, se tornariam o evangelho do sebastianismo. O Bandarra (falecido em
1545, segundo um epitfio mandado gravar no sc. XVII) tinha-se inspirado na Bblia para verberar a corrupo
da poca e fazer obscuras predies, entre as quais, parece, estavam a da conquista de Marrocos, a da derrota
dos Turcos e a do Quinto Imprio. [...]

Durante o sc. XIX, o sebastianismo foi passando da esfera poltica para os domnios literrio e culturolgico. O
sonho heroco de D. Sebastio, a sua morte na batalha, o mito do seu regresso e a quimera do Quinto Imprio
inspiram poetas e prosadores. [...] No Frei Lus de Sousa de Garrett, Telmo, o velho criado, quem associa f
no retorno do Rei a convico de que D. Joo de Portugal, seu amado amo, um dia aparecer.
(Coelho, Jacinto do Prado, DICIONRIO DE LITERATURA)

No Frei Lus de Sousa, o mito sebastianista alimenta, desde o incio, o conflito vivido pelas personagens, na
medida em que a admisso do regresso de D. Sebastio implicava idntica possibilidade da vinda de D. Joo de
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Portugal, que combatera ao lado do rei na batalha de Alccer Quibir, o que, desde logo, colocaria em causa a
legitimidade do segundo casamento de D. Madalena. No inocente, nem fruto do acaso, o facto de Garrett ter
concebido que Madalena aparecesse em cena justamente a ler Os Lusadas. Efetivamente, tal facto est tambm
associado ao mito sebastianista que, deste modo, marca a obra desde o seu incio.

Quem se encarregar, pois, de dar corpo a tal mito? Telmo Pais, o velho aio de D. Joo e em cuja morte no
acredita, e Maria, filha de D. Madalena de Vilhena e de Manuel de Sousa Coutinho, educada por Telmo.

Tragdia
Composio originria da Grcia antiga e que, de acordo com a Potica de Aristteles, apresentava como
principais elementos caracterizadores o facto de despertar, no pblico, o terror e a piedade. Para os autores
clssicos, a tragdia era o mais nobre dos gneros literrios.

No teatro da Grcia clssica, a tragdia era constituda por cinco atos: o prlogo, que corresponde ao primeiro
ato; os episdios, correspondentes ao segundo, terceiro e quarto atos; e o xodo, correspondente ao quinto ato.
Alm dos atores, intervinha o coro, que manifestava a voz do bom senso, da harmonia, da moderao, face
exaltao dos protagonistas.

Caracterstica tambm da tragdia clssica era a chamada lei das trs unidades: unidade de espao, de tempo e
de ao, que conferia a este gnero uma intensidade e densidade particulares, graas concentrao de todos os
elementos num nico local, no espao de um dia e numa ao assente nos acontecimentos estritamente
necessrios.

Do ponto de vista temtico, a tragdia apresenta um heri que, desafiando propositada ou involuntariamente as
leis dos deuses, por estes castigado. Os mais destacados tragedigrafos gregos foram squilo, Sfocles e
Eurpides

Elementos Essenciais da Tragdia Grega


Hybris - Sentimento que conduz os heris da tragdia violao da ordem estabelecida atravs de uma ao ou
comportamento que se assume como um desafio aos poderes institudos (leis dos deuses, leis da cidade, leis da
famlia, leis da natureza).

Pathos - Sofrimento, progressivo, do(s) protagonista(s), imposto pelo Destino (Anank) e executado pelas
Parcas (Cloto, que presidia ao nascimento e sustinha o fuso na mo; Lquesis, que fiava os dias da vida e os
seus acontecimentos; tropos, a mais velha das trs irms, que, com a sua tesoura fatal, cortava o fio da vida),
como consequncia da sua ousadia.

gon - Conflito (a alma da tragdia) que decorre da hybris desencadeada pelo(s) protagonista(s) e que se
manifesta na luta contra os que zelam pela ordem estabelecida.

Anank - o Destino. Preside s Parcas e encontra-se acima dos prprios deuses, aos quais no permitido
desobedecer-lhe.

Peripcia - Segundo Aristteles, "Peripcia a mutao dos sucessos no contrrio". Assim, poderemos
considerar um acontecimento imprevisvel que altera o normal rumo dos acontecimentos da ao dramtica, ao
contrrio do que a situao at ento poderia fazer esperar.

Anagnrise (Reconhecimento) - Segundo Aristteles, "o reconhecimento, como indica o prprio significado da
palavra, a passagem do ignorar ao conhecer, que se faz para a amizade ou inimizade das personagens que
esto destinadas para a dita ou a desdita." Aristteles acrescenta: "A mais bela de todas as formas de
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reconhecimento a que se d juntamente com a peripcia, como, por exemplo, no dipo." O reconhecimento
pode ser a constatao de acontecimentos acidentais, trgicos, mas, quase sempre, se traduz na identificao de
uma nova personagem, como acontece com a figura do Romeiro no Frei Lus de Sousa.

Catstrofe - Desenlace trgico, que deve ser indiciado desde o incio, uma vez que resulta do conflito entre a
hybris (desafio da personagem) e a anank (destino), conflito que se desenvolve num crescendo de sofrimento
(pathos) at ao clmax (ponto culminante). Segundo Aristteles, a catstrofe " uma ao perniciosa e dolorosa,
como o so as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos e mais casos semelhantes."

Katharsis (Catarse) - Purificao das emoes e paixes (idnticas s das personagens), efeito que se pretende
da tragdia, atravs do terror (phobos) e da piedade (eleos) que deve provocar nos espectadores.

1. Ao dramtica
Frei Lus de Sousa contm o drama que se abate sobre a famlia de Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena
de Vilhena. As apreenses e pressentimentos de Madalena de que a paz e a felicidade familiar possam estar em
perigo tornam-se gradualmente numa realidade. O incndio no final do Ato I permite uma mutao dos
acontecimentos e precipita a tenso dramtica. E no palcio que fora de D. Joo de Portugal, a ao atinge o seu
clmax, quer pelas recordaes de imagens e de vivncias, quer pela possibilidade que d ao Romeiro de
reconhecer a sua antiga casa e de se identificar a Frei Jorge.

O Ato I inicia-se com Madalena a repetir os versos d'Os Lusadas:

"Naquele engano d'alma ledo e cego, que a fortuna no deixa durar muito"

As reflexes que se seguem transmitem, de forma explcita um pressgio da desgraa que ir acontecer.
Obedecendo lgica do teatro clssico desenvolve a intriga de forma que tudo culmine num desfecho
dramtico, cheio de intensidade: morte fsica de Maria e a morte para o mundo de Manuel e Madalena.

2. Do drama clssico ao drama romntico


Se se pretender fazer uma aproximao entre esta obra e a tragdia clssica, poder-se- dizer que possvel
encontrar quase todos os elementos da tragdia, embora nem sempre obedea sua estruturao objetiva.

A hybris o desafio, o crime do excesso e do ultraje. D. Madalena no comete um crime propriamente na ao,
mas sabemos que ele existiu pela confisso a Frei Jorge de que ainda em vida de D. Joo de Portugal amou
Manuel de Sousa, apesar de guardar fidelidade ao marido. O crime estava no seu corao, na sua mente, embora
no fosse explcito como entre os clssicos.

Manuel de Sousa Coutinho tambm comete a sua hybris ao incendiar o palcio para no receber os
governadores. A hybris manifesta-se em muitas outras atitudes das personagens.

O conflito que nasce da hybris desenvolve-se atravs da peripcia (sbita alterao dos acontecimentos que
modifica a ao e conduz ao desfecho), do reconhecimento (agnrise) imprevisto que provoca a catstrofe. O
desencadear da ao d-nos conta do sofrimento (pthos) que se intensifica (climax) e conduz ao desenlace. O
sofrimento age sobre os espectadores, atravs dos sentimentos de terror e de piedade, para purificar as paixes
(catarse). A reflexo catrtica tambm dada pelas palavras do Prior, quando na ltima fala afirma: "Meus
irmos, Deus aflige neste mundo queles que ama. A coroa da glria no se d seno no cu".

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Tal como na tragdia clssica, tambm o fatalismo uma presena constante. O destino acompanha todos os
momentos da vida das personagens, apresentando-se como um fora que as arrasta de forma cega para a
desgraa. ele que no deixa que a felicidade daquela famlia possa durar muito.

Garrett, recorrendo a muitos elementos da tragdia clssica, constri um drama romntico, definido pela
valorizao dos sentimentos humanos das personagens; pela tentativa de racionalmente negar a crena no
destino, mas psicologicamente deixar-se afetar por pressentimentos e acreditar no sebastianismo; pelo uso da
prosa em substituio do verso e pela utilizao de uma linguagem mais prxima da realidade vivida pelas
personagens; sem preocupaes excessivas com algumas regras, como a presena do coro ou a obedincia
perfeita lei das trs unidades (ao, tempo e espao).

3. Tempo
A ao dramtica de Frei Lus de Sousa acontece em 1599, durante o domnio filipino, 21 anos aps a batalha de
Alccer-Quibir. Esta aconteceu a 4 de Agosto de 1578.

"A que se apega esta vossa credulidade de sete e hoje mais catorze vinte e un anos?", pergunta D.
Madalena a Telmo (Ato I, cena 11).

"Vivemos seguros, em paz e felizes h catorze anos" (1, cena 11).

"Faz hoje anos que que casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastio, e faz anos tambm
que vi pela primeira vez a Manuel de Sousa", afirma D. Madalena (Il. cena X).

"Morei l vinte anos cumpridos" () "faz hoje um ano quando me libertaram", diz o Romeiro (Il. cena XIV).

A ao reporta-se ao final do sculo XVI, embora a descrio do cenrio do Ato I se refira "elegncia"
portuguesa dos princpios do sculo XVII.

O texto , porm, escrito no sculo XIX, acontecendo a primeira representao em 1843.

4. Personagens
D. Madalena de Vilhena a primeira personagem que aparece na obra, mas pode-se afirmar que toda a famlia
tem um relevo significativo. So as relaes entre esposos, pais e filha, o criado e os seus amos ou mesmo o
apoio de Frei Jorge que esto em causa. Um drama abate-se sobre esta famlia e enquanto Manuel de Sousa
Coutinho e D. Madalena se refugiam na vida religiosa, Maria morre como vtima inocente.

D. Madalena tinha 17 anos quando D. Joo de Portugal desapareceu na batalha de Alccer-Quibir. Durante 7
anos procurou-o. H catorze anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho. Tem agora 38 anos (17 + 21).
Mulher bela, de carcter nobre, vive uma felicidade efmera, pressentindo a desventura e a tragdia do seu
amor. Racionalmente, no acredita no mito sebastianista que lhe pode trazer D. Joo de Portugal, mas teme a
possibilidade da sua vinda. E com medo que a encontramos a refletir sobre os versos de Cames e a sentir, como
que em pesadelo, a ideia de que a sobrevivncia de D. Joo destrua a felicidade da sua famlia. No imaginrio de
D. Madalena, a apreenso torna-se pressentimento, dor e angstia. neste terror que se v na necessidade de
voltar para a habitao onde com ele viveu.

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Manuel de Sousa Coutinho (mais tarde Frei Lus de Sousa) um nobre e honrado fidalgo, que queima o seu
prprio palcio, para no receber os governadores. Embora apresente a razo a dominar os sentimentos, por
vezes, estes sobrepem-se quando se preocupa com a doena da filha. um bom pai e um bom marido.

Maria de Noronha tem 13 anos, uma menina bela, mas frgil, com tuberculose, e acredita com fervor que D.
Sebastio regressar. Tem uma grande curiosidade e esprito idealista. Ao pressentir a hiptese de ser filha
ilegtima sofre moralmente. Ser ela a vtima sacrificada no drama.

Telmo Pais, o velho criado, confidente privilegiado, define-se pela lealdade e fidelidade. No quer magoar nem
pretende a desgraa da famlia de D. Madalena e Manuel. Mas como verdade recorrente no mito sebastianista,
acredita que D. Joo de Portugal h de regressar. No fim, acaba por trair um pouco a lealdade de escudeiro pelo
amor que o une filha daquele casal, D. Maria de Noronha. Representa um pouco o papel de coro da tragdia
grega, com os seus dilogos, os seus agoiros ou os seus apartes.

O Romeiro apresenta-se como um peregrino, mas o prprio D. Joo de Portugal. Os vinte anos de cativeiro
transformaram-no e j nem a mulher o reconhece. D. Joo, de espectro invisvel na imaginao das personagens,
vai lentamente adquirindo contornos at se tornar na figura do Romeiro que se identifica como "Ningum". O
seu fantasma paira sobre a felicidade daquele lar como uma ameaa trgica. E o sonho torna-se realidade.

Frei Jorge Coutinho, irmo de Manuel de Sousa, amigo da famlia e confidente nas horas de angstia, ouve a
confisso angustiada de D. Madalena. Vai ter um papel importante na identificao do Romeiro, que na sua
presena indicar o quadro de D. Joo de Portugal.

5. Cenrio
O Ato I passa-se numa "cmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegncia dos princpios do sculo
XVII", no palcio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada. Neste espao elegante parece brilhar uma
felicidade, que ser, apenas, aparente.

O Ato II acontece "no palcio que fora de D Joo de Portugal, em Almada, salo antigo, de gosto melanclico e
pesado, com grandes retratos de famlia". As evocaes do passado e a melancolia prenunciam a desgraa
fatal.

O Ato lll passa-se na capela, que se situa na "parte baixa do palcio de D. Joo de Portugal". " um casaro
vasto sem ornato algum". O espao denuncia o fim das preocupaes materiais. Os bens do mundo so
abandonados.

6. A Atmosfera
H ao longo da intriga dramtica uma atmosfera psicolgica do sebastianismo com a crena no regresso do
monarca desaparecido e a crena no regresso da liberdade. Telmo Pais quem melhor alimenta estas crenas,
mas Maria mostra-se a sua melhor seguidora.

Percebe-se tambm uma atmosfera de superstio, nomeadamente desenvolvida em redor de D Madalena.


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7. Simbologia
Vrios elementos esto carregados de simbologia, muitas vezes a pressagiar o desenrolar da ao e a desgraa
das personagens. Apenas como referncia, podemos encontrar algumas situaes e dados simblicos:

A leitura dos versos de Cames referem-se ao trgico fim dos amores de D. Ins de Castro que, como D.
Madalena, tambm vivia uma felicidade aparente quando a desgraa se abateu.

O tempo dos principais momentos da ao sugerem o dia aziago: sexta-feira, fim da tarde e noite (Ato I), sexta-
feira, tarde (Ato II), sexta-feira, alta noite (Ato lll); e sexta-feira D. Madalena casou-se pela primeira vez;
sexta-feira viu Manuel pela primeira vez; sexta-feira d-se o regresso de D. Joo de Portugal; sexta-feira
morreu D. Sebastio, vinte e um anos antes.

A numerologia (1) parece ter sido escolhida intencionalmente. Madalena casou 7 anos depois de D. Joo haver
desaparecido na batalha de Alccer-Quibir; h 14 anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho; a desgraa,
com o aparecimento do Romeiro, sucede 21 anos depois da batalha (21=3x7). 0 nmero 7 um nmero primo
que se liga ao ciclo lunar (cada fase da Lua dura cerca de sete dias) e ao ciclo vital (as clulas humanas
renovam-se de sete em sete anos), representa o descanso no fim da criao e pode-se encontrar em muitas
representaes da vida, do universo, do homem ou da religio; o nmero 7 indica o fim de um ciclo peridico. O
nmero 3 o nmero da criao e representa o crculo perfeito. Exprime o percurso da vida: nascimento,
crescimento e morte. O nmero 21 corresponde a 3x7, ou seja, ao nascimento de uma nova realidade (7 anos foi
o ciclo da busca de notcias sobre D. Joo de Portugal e o descanso aps tanta procura); 14 anos foi o tempo de
vida com Manuel de Sousa (2x7, o crescimento de uma dupla felicidade: como esposa de Manuel e como me
de Maria; 14 gerado por 1+4=5, apresentando-se como smbolo da relao sexual, do ato de amor); 21 anos
completa a trade de 7 apresentando-se como a morte, como o encerrar do crculo dos 3 ciclos peridicos O
nmero 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade (imagem do completar obrigatrio do ciclo da
vida), enquanto o 3 indica perfeio; o 21 significa, ento, a fatalidade perfeita.

Maria vive apenas 13 anos. Na crena popular o 13 indica azar. Embora como nmero mpar deva apresentar
uma conotao positiva, em numerologia gerado pelo 1+3=4, um nmero par, de influncias negativas, que
representa limites naturais. Maria v limitados os seus momentos de vida.

Elementos trgicos Hybris (o desafio) Agn (o conflito) Pathos Katastroph


(o sofrimento) (a catstrofe)
D. Madalena de contra as leis e os interior, de por causa do causada pelo
Vilhena direitos da famlia: conscincia adultrio regresso de D. Joo
- morte psicolgica:
adultrio no contnuo pela incerteza da
corao sorte do primeiro separao do
crescente marido marido
consumao pelo
casamento com gerador de conflitos: violento pela volta profisso religiosa
Manuel com D. Manuel ao palcio do
com D. Joo primeiro marido salvao pela
profanao de um com Maria purificao:
sacramento com Telmo cruel aps
conhecimento da irm Sror
bigamia existncia do Madalena das
primeiro marido: Chagas
pela perda do
marido
pela perda de Maria
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Manuel S. revolta contra as no tem conflito de sofre a angstia morte psicolgica:
Coutinho autoridades de conscincia pela situao da sua
Lisboa mulher separao da esposa
no entra em separao do
desafia o destino conflito com as sofre a angstia mundo
ao incendiar o outras personagens pela situao profisso religiosa
palcio presente e futura da
a sua hybris filha glria futura de
recusa o perdo desencadeia e escritor:
agudiza os conflitos
inconscientemente das outras Frei Lus de Sousa:
participante da personagens glria de santo
hybris de sua
esposa
D. Joo de Portugal abandona a famlia no tem conflito sofre o morte psicolgica:
esquecimento a que
no d notcias da alimenta os foi votado separao da
sua existncia conflitos dos outros mulher
sofre pelo
aparece quando agudiza todos os casamento da sua a situao
todos o julgavam conflitos com o seu mulher irremedivel do
morto regresso anonimato
sofre por no poder
travar a marcha do
destino
D. Maria de revolta contra a no tem conflito sofre fisicamente: morre fisicamente
Noronha profisso religiosa tuberculose
dos pais entra em conflito vai para o cu
com: sofre
revolta contra D. sua me psicologicamente:
Joo de Portugal seu pai no obtm resposta
Telmo a muitos agoiros
convida os pais a D. Joo de Portugal vergonha da
mentir ilegitimidade
Telmo Pais afeioa-se a Maria conflito com outras sofre pela dvida no poder resistir a
personagens: constante que o tantos desgostos
deseja que D. Joo com D. Madalena assalta acerca da
de Portugal tivesse com D. Manuel morte de D. Joo de
morrido com Maria Portugal
com D. Joo de
Portugal sofre hesitando
entre a fidelidade a
D. Joo e a D.
Manuel

sofre a situao de
Maria

9. Estrutura dramtica
Estrutura Externa

Frei Lus de Sousa composto por trs atos:

Ato I 12 cenas;
Ato II 15 cenas;
Ato III 12 cenas.
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Ato I cenas I - IV Informaes sobre o passado das personagens Preparao da ao - deciso
dos governadores e deciso de incendiar o palcio
cenas V - VIII
Ao: incndio do palcio
cenas IX - XII
Ato II cenas I - III Informaes sobre o que se passou depois do incndio

cenas IV - VIII Preparao da ao: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa

cenas IX - XV Ao: chegada do Romeiro


Ato III cena I Informaes sobre a soluo adotada

cenas II - IX Preparao do desenlace

cenas X - XII Desenlace

Estrutura Interna

Exposio Ato I, cenas I a IV

Apresentao (atravs das falas das personagens) dos antecedentes da ao (que explicam as circunstncias
atuais), das personagens e das relaes existentes entre elas.

Conflito Cenas V a XII do Ato I, Ato II at Cena IX do Ato III

Desenvolvimento gradual dos acontecimentos, com momentos de tenso e expectativa desde o conhecimento
de que os governadores ao servio de Espanha escolheram o palcio de Manuel de Sousa Coutinho para se
instalarem, em fuga da peste que grassava em Lisboa, at ao reconhecimento do Romeiro como D. Joo de
Portugal e que despoletaram uma srie de peripcias.

Desenlace Ato III, Cenas X a XII

Desfecho motivado pelos acontecimentos anteriores consumao da tragdia familiar em que Maria morre,
vtima de tuberculose, e os seus pais vem-se obrigados a separar-se. morrendo para a vida mundana e um
para o outro.

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