Resenha - Cadernos À Vista - Escola, Memória e Cultura Escrita

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Resenha

Cadernos vista: escola, memria e cultura


escrita

Ana Chrystina Venancio Mignot (Org.)


Cidade: Rio de Janeiro
Editora: Eduerj
Ano: 2008

Conforme anuncia o ttulo, o propsito da obra trazer os cader-


nos escolares nossa vista. Objeto ordinrio da educao escolar, o
caderno reconhecido como elemento fundamental da escolarizao
moderna, mas muitas vezes passa despercebido aos nossos olhos,
j to acostumados sua presena. O subttulo da obra Escola,
memria e cultura escrita , destaca o objeto caderno escolar, as
memrias nele incrustadas bem como a reflexo acerca da cultura
escrita que perpassar boa parte dos textos.
Organizado por Ana Chrystina Venancio Mignot, o livro possui
272 pginas divididas em 14 artigos escritos por autores brasileiros
e estrangeiros. Sua editorao impecvel, sendo grande parte
dos artigos ilustrados com fotografias que representam fontes das
pesquisas.
Os 14 artigos que compem o livro esto estruturados em quatro
eixos, propostos por Mignot. So eles:
1) Balano dos estudos feitos no mbito da historiografia da
educao;
2) Produo e circulao dos suportes e utenslios da escrita
escolar;
3) Usos dos cadernos escolares;
4) Iniciativas pessoais e familiares de salvaguarda desses docu-
mentos produzidos durante a trajetria escolar.

Em Os cadernos escolares como fonte histrica: aspectos me-


todolgicos e historiogrficos, Antonio Viao faz um mapeamento
desses materiais pedaggicos ao longo da histria, tomando-o como

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produto da cultura escolar, e discorre acerca das dificuldades metodo-


lgicas que perpassam as pesquisas debruadas sobre essa temtica.
Discute, ainda, a utilizao dos cadernos escolares como instrumento
de conhecimento e reconhecimento da escola e seu cotidiano, abor-
dando a importncia de um entrecruzamento de fontes.
Em Os cadernos de classes como fonte primria de pesquisa:
alcances e limites tericos e metodolgicos para sua abordagem,
Silvina Gvirtz e Marina Larrondo apresentam um estudo, realizado
em alguns pases da Europa e da Amrica do Sul, no qual evidenciam
quanto os cadernos escolares dizem a respeito dos sistemas educa-
tivos e so produtores de saberes, alm de transmissores. Saberes
esses que devem ser incorporados pelos alunos, sendo, portanto,
produtores de efeitos.
Dentre os trabalhos que apontam para um estudo da origem,
produo e disseminao do uso dos cadernos escolares, bem como
da importncia e do sentido que esse suporte tomou em sala de aula,
encontra-se o captulo escrito por Rogrio Fernandes, Um marco no
territrio da criana: o caderno escolar. O autor faz uma genealogia
dos cadernos escolares, os quais, aos poucos, substituram as caixas
de areia e as ardsias, que eram aparatos de baixo custo da cultura
escrita. Remete o olhar para o mbito da indstria e do mercado, os
quais deram suporte para a disseminao do uso do caderno indivi-
dual. Para Rogrio Fernandes, no obstante o mercado estar atento
s mudanas e contribuir para o uso em massa do caderno, foram
necessrias tambm mudanas nas prticas escolares. Os alunos
passaram a ser protagonistas no processo de ensino e aprendizagem,
por meio da teorizao e individualizao, o que facilitou a difuso
do caderno como principal instrumento de escrita do aluno, refletindo
naquele o trabalho do professor.
Ana Chrystina Venancio Mignot, em seu captulo Antes da
escrita: uma papelaria na produo e circulao dos cadernos esco-
lares, fala da trajetria da Casa Cruz, que passou de mercado de
artigos de pesca a uma renomada papelaria, atendendo elite do Rio
de Janeiro, em fins do sculo XIX e incio do sculo XX, estando em
funcionamento at os dias atuais e atribuindo seu enorme sucesso ao
ecletismo com que trabalhava. Afirma que o caderno h muito no
mais um conjunto de folhas cosidas juntas. Utilizando-se de exem-

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plares de colees de cadernos, anncios em peridicos e entrevistas


com antigos proprietrios, Mignot faz uma relao entre os processos
de escolarizao, industrializao e comrcio que contriburam para
a massificao do uso dos cadernos, elevando-os de objetos de desejo
a objetos de consumo. Observou, ainda em seu estudo, como os
cadernos contriburam para a transmisso de valores e ensinamentos
que deveriam ser perpetuados: mensagens introjetadas de amor
ptria, de obedincia ordem e amor ao trabalho (p. 72). Por fim,
conclui que esses suportes da escrita foram banalizados, mas ao
longo da histria afetaram as prticas de escrita, os processos de
ensino-aprendizagem e os uso do tempo nas salas de aula.
No captulo Instrumentos da escrita na escola elementar: tec-
nologias e prticas, Mrcia de Paula Gregrio Razzini fala de uma
demanda por outros instrumentos que comearam a servir de suporte
ao papel com o crescente uso dos cadernos escolares e se consagra-
ram ao longo do tempo, como penas, tintas e, posteriormente, lpis,
canetas, entre outros. Ao utilizar vrias fontes para seu estudo, entre
elas anncios, dicionrios, manuais pedaggicos e inventrios de
escolas, a autora aponta que, alm da substituio da caixa de areia
ou da ardsia pelo caderno, se operou tambm a substituio de seus
aportes, o dedo ou o lpis de pedra pelas canetas de pena, lpis e
canetas de madeira. Ao concluir, a autora chama a ateno para que
faamos uma reflexo sobre os usos excessivos das canetas e lpis
em sala de aula, o que poderia contribuir para um empobrecimento
da oralidade escolar, a qual peculiar, uma vez que possui padres
formais que s a escola poderia e pode oferecer maioria da popu-
lao, de acordo com a autora.
Rosa Maria Souza Braga, no captulo A boa letra tem grande
importncia: Orminda Marques e as prescries sobre a escrita,
versa sobre os cadernos de caligrafia e discute a importncia que
estes adquiriram no perodo em questo. Em seu estudo, Rosa Maria
utiliza o livro escrito por Orminda, cujo intuito foi unir cincia e edu-
cao, tendo como ttulo A escrita na escola primria. Nesse livro,
Orminda defende a incorporao de uma metodologia da escrita por
parte dos alunos, a qual contempla graciosidade no trao, ou seja, a
necessidade de um senso esttico desde cedo, alm de economia do
tempo na tarefa de escrita e disciplinamento do corpo.

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Aprendendo com cadernos escolares: sujeitos, subjetividades e


prticas sociais cotidianas na escola, captulo escrito por Ins Barbosa
de Oliveira, mostra como supostos consumidores no so apenas
passivos de uma ao, mas usam o que lhes oferecido para consumo
e imprimem subjetividades, tornando esses objetos muito particulares
e diversificando seus usos. Ins Barbosa de Oliveira defende que
possvel, partindo desse pressuposto, colocar como sujeitos de um
estudo no somente os alunos a quem esses cadernos pertencem, mas
tambm os demais sujeitos da cultura escolar, como os professores e
as metodologias por eles aplicadas, o que permite compreender uma
pluralidade de redes tecidas entre alunos e escola.
No texto Aprendendo a usar cadernos: um caminho necess-
rio para a insero na cultura escolar, Anabela Almeida Costa e
Santos, pela tica da psicologia escolar e da pesquisa etnogrfica,
analisou cadernos de alunos de uma turma de 1 e outra de 4 srie
de uma escola pblica paulista. Segundo a autora, essas duas sries
marcam momentos distintos da escolarizao e apropriao do
objeto caderno, a 1a como fase de iniciao quanto ao seu uso e,
no caso da 4a srie, de autoria, uma vez que nesta os alunos passam
a criar novas formas de se apropriar do caderno, revelando com
maior nfase caractersticas pessoais. Conclui que, ao longo dos
anos, os estudantes comeam a ter domnio das regras do uso desse
material, o que possibilita que seja utilizado efetivamente como
auxiliar de estudo.
Mara del Mar del Pozo Andrs e Sara Ramos Zamora, no texto
Representaes da escola e da cultura escolar nos cadernos infantis
(Espanha, 1922-1942), tm como objeto de estudo uma coleo
de 300 cadernos oriundos de escolas pblicas espanholas. A anlise
desse material permitiu um aprofundamento acerca das prticas
escolares de cultura escrita dessas instituies. O foco do texto est
nas percepes da escola e dos valores educativos que se refletem
nos cadernos escolares (p. 162).
De acordo com as autoras, um dos aspectos mais interessantes
da prtica de escrita era a redao de cartas pelos alunos, atividade
muito esmerada e presente nos cadernos. O estudo concluiu que
nesses cadernos coexistiam os escritos disciplinados e dirigidos
pelos professores e uma principiante forma de expresso infantil

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espontnea. Entretanto, as autoras no se propuseram a responder


se os escritos refletiam exclusivamente a personalidade do professor
ou da criana.
Em Cadernos escolares: memria e discurso em marcas de
correo, Isa Cristina da Rocha Lopes trabalhou com uma coleo
de 45 cadernos da 1a a 4a sries do ensino fundamental, originrios de
acervos pessoais. O estudo props-se a delinear tendncias visveis
nesses cadernos e pode-se perceber o quanto a marca da presena
do professor no perodo estudado (1951-2003) esteve aparente nos
cadernos dos alunos, por meio de registros escritos, sinais grficos e
imagens constituintes de um discurso escolar indicador de identida-
des. De acordo com a autora, conclui-se que produes discursivas
semelhantes podem cumprir funes diferentes, pois dependem de
quando aparecem e de quais sentidos esto impregnados.
No texto O contedo emocional de trs cadernos escolares do
franquismo, Kira Mahamud ngulo fala-nos da educao de me-
ninas na Espanha, a partir da anlise de trs cadernos pertencentes
a uma professora. Esses cadernos so conhecidos como cadernos
de circulao ou de aula e so assim chamados porque todos os
alunos participavam de sua escrita; destinavam-se ao registro da
memria das aulas, uma espcie de dirio. O objetivo do trabalho
centrou-se em enfatizar o contedo emocional desses cadernos, a
partir de trs elementos: transparncia da professora na expresso dos
seus sentimentos, referncias ao amor ptrio e religioso nas lies de
comemoraes e recurso poesia para o ensino. Os cadernos conti-
nham vrias poesias favorveis ao regime franquista e serviam como
impregnadores da nova ideologia. A autora concluiu, entre outras
coisas, que a professora concebia o caderno de circulao como um
recurso e material educativo, que exercia funo de introjeo da
cultura escrita, de doutrinao de uma viso de mundo a partir do
conhecimento e sentimentos, no se caracterizando apenas como
dispositivo de controle e inspeo.
Eurize Caldas Pessanha, no texto Entrevendo o currculo: um
estudo sobre cadernos escolares de normalistas, usa como fonte de
pesquisa dois cadernos de duas normalistas da dcada de 1930, um de
higiene e outro de rascunho (anotaes rpidas). A autora considerou
esses cadernos frestas para enxergar parte do processo de negociao

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do currculo e pretendeu analisar quais prticas de transmisso de


conhecimentos poderiam ser deduzidas a partir deles. O texto est
estruturado em trs partes: na primeira, a autora situa os cadernos
a partir da histria das escolas frequentadas pelas normalistas; na
sequncia, descreve-os materialmente; e, por ltimo, explicita os
conhecimentos e prticas possveis de serem visualizadas.
Em A esttica e as ilustraes nos cadernos escolares: o caso de
uma escola de meninas na Espanha franquista, Ana Mara Badanelli
Rubio analisa cadernos pertencentes mesma professora mencionada
no artigo de Kira Mahamud ngulo, porm de perodos diferentes.
Estes cadernos de rotao, que relatavam os acontecimentos
escolares, continham ilustraes de qualidade excepcional feitas
pelas alunas. Alm de servirem como dirio, a professora selecionava
atividades que as alunas deveriam desenvolver, o que indica que
eram meticulosamente planejados. Sendo assim, esses cadernos
no eram um espao de fruio, imaginao e fantasia. A autora
conclui que os cadernos no eram apenas um meio para aquisio
de conhecimentos, mas tambm um local de registro do cotidiano
escolar e de informaes a respeito dos atores envolvidos. Ana
Mara pontua, ainda, questes a respeito da esttica presente nos
cadernos, devido inspeo pela qual passariam, questes de gnero
e de religiosidade.
Para finalizar, em Velhos cadernos, novas emoes, Mirian
Paura Sabrosa Zippin Grinspun d voz s prprias lembranas
a respeito dos cadernos de famlia e os motivos que a levaram a
guard-los. Pela anlise dessa coleo, evidencia permanncias e
rupturas ao longo da escolarizao da sua famlia.
Da leitura desta obra, retiramos algumas reflexes acerca do
objeto caderno, hoje consagrado e tornado quase invisvel, bana-
lizado por aqueles que o usam.
Conforme os autores dos artigos sublinham, os cadernos so,
pela especificidade que os sujeitos lhes emprestam, passveis de
serem compreendidos para alm de sua materialidade, uma vez
que nos falam, de modo prprio, de caractersticas de uma poca.
Versam sobre currculos e mtodos de ensino e de como e em quais
circunstncias esses mtodos foram empregados. Falam-nos de sub-
jetividades, no somente de alunos e de professores, mas de atores

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envolvidos no processo de escolarizao, de uma cultura especfica


e de processos naturalizados e internalizados por quem passa pelos
cadernos escolares e deixa suas marcas escritas nas linhas e nas
entrelinhas.
Os textos enfatizam a importncia dos cadernos como fontes
de pesquisa ocupadas de investigaes que ajudam a compreender
a complexa construo da cultura escolar (ou culturas, como tm
preferido alguns autores). Escrevendo a partir de espaos geogrficos
diferentes, mas tendo em comum esse suporte material to marcante
da vida escolar, os autores remetem a diferentes abordagens e pos-
sibilidades de leitura de um mesmo objeto.

Endereo para correspondncia:


Marlia Gabriela Petry
Servido Antnio Ludovino dos Santos, 294, Apto. 03
Trindade, Florianpolis, SC
CEP 88036-646
E-mail: [email protected]

Glria Cristina Maciel Moreira


Rua Aroeira do Campo, 91
Campechem, Florianpolis, SC
CEP 88066-280
E-mail: [email protected]

Recebido em: 28 jul. 2009


Aprovado em: 15 out. 2009

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