Psicologia Do Esporte No Brasil em Dois Tempos

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PSICOLOGIA DO ESPORTE NO BRASIL EM DOIS TEMPOS: uma histria contada e

uma histria a ser contada

Cristianne Almeida Carvalho


Doutoranda em Psicologia Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Professora da Universidade Federal do Maranho
[email protected]

Ana Maria Jac-Vilela


Professora Doutora em Psicologia Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]
1 INTRODUO

O presente trabalho trata da trajetria de constituio da Psicologia do Esporte (PE) no


Brasil. A histria contada pela literatura vigente sempre parte de um marco principal, de um
mito de origem: a participao de Joo Carvalhaes na seleo brasileira de futebol na Copa
do Mundo de 1958. A PE no Brasil surge em uma realidade liderada pelos saberes da
Educao Fsica e da Medicina Esportiva, voltados para estratgias de controle do corpo e
acompanhou esse movimento instrumentalizando-se de teorias, testes e tcnicas capazes de
diagnosticar e intervir. A metodologia se baseia num registro narrativo, relacionando-se os
dados documentais extrados de peridicos ou fundamentados pelo acervo bibliogrfico
encontrado. Neste artigo apresentamos fatos que comprovam a existncia de prticas psi no
cenrio da Educao Fsica nas dcadas de 1930 e 1940, constatando que existem
informaes significativas sobre o comeo da Histria da Psicologia do Esporte no Brasil, o
que caracteriza que existe uma histria j contada e outra a ser contada.
A Psicologia do Esporte (PE), como especialidade do saber psicolgico, ilustra uma
faceta da modernidade como o individualismo no esporte quando se estabelece mediante um
confronto entre as demandas externas impostas pessoa (controle do corpo, resultados de
rendimento, superao de limites, etc.) e as suas necessidade e limitaes internas.
Caracterizada por uma interface entre o esporte e as chamadas Cincias do Esporte, composta
de disciplinas como Antropologia, Filosofia e Sociologia do Esporte, no que se refere aos
aspectos scio-culturais, somadas Medicina, Fisiologia e Biomecnica do Esporte, segundo
Rubio (2000). Weinberg e Gould (2001, p. 28) a definem como Psicologia do Esporte e do
Exerccio, afirmando que [...] o estudo cientfico de pessoas e seus comportamentos em
atividades esportivas e atividades fsicas e a aplicao desse conhecimento [...].
Compartilham dessa idia Barreto (2003) e Samulski (2002) e complementam essa definio
Rbio (2003), Rodrigues e Azzi (2007) incluindo alm da perspectiva competitiva e de alto
rendimento esportivo a iniciao esportiva, as atividades fsicas em geral, assim como as
atividades em tempo livre e de reabilitao. O presente artigo prope-se a contar um pouco do
percurso de construo dessa prtica psi entre as dcadas de 1930 a 1940. Para isso, a
metodologia se busca relacionar os dados documentais extrados de peridicos ou
fundamentados pelo acervo bibliogrfico encontrado em um registro narrativo.
Optamos por expor essa narrativa em dois tempos. O primeiro conta a histria
encontrada na literatura vigente. Esta sempre parte de um marco principal, de um mito de
origem: a participao de Joo Carvalhaes (1917-1976) como psiclogo da Seleo
Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de 1958. Tal fato teve grande repercusso nacional.
O Brasil ganhava seu primeiro ttulo mundial. Somado a isso, conquistava o feito de ser o
nico pas sul-americano a ganhar uma copa fora de seu continente, alm de realizar a maior

1
goleada em finais de copa do mundo at ento. nesse contexto que a literatura sobre o tema
registra a primeira participao da psicologia no cenrio esportivo.
Denominamos o segundo tempo a uma histria a ser contada, pois constatamos, a
partir de pesquisas em documentos anteriores a esse perodo, que existem outras pessoas,
fatos e informaes significativos sobre os comeos relao da Psicologia com o Esporte no
Brasil. Tais achados relacionam-se, principalmente, Escola de Educao Fsica do Exrcito
(EsEFEx), primeira instituio do gnero no pas, criada pelo Exrcito brasileiro em 1930 e
Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos (ENEFD) da Universidade do Brasil (atual
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) criada em 1939 para ser uma escola-padro
de formao do profissional e primeira escola de nvel superior. As duas escolas publicaram
revistas especficas na sua rea, respectivamente a partir de 1932 e 1945 em que h artigos
referentes Psicologia e, mesmo, em alguns momentos, uma Seo de Psicologia.

2 PRIMEIRO TEMPO: uma histria contada

Comecemos ento, a contar um pouco dessa histria j conhecida que traz Joo
Carvalhaes (JC) como principal personagem. Paulista de Santa Rita do Passo Quatro em 1935
recebeu habilitao para o magistrio em sua cidade natal. Em 1944, j em So Paulo,
concluiu o curso de Bacharelado em Cincias Polticas na Escola Livre de Sociologia. Joo
Carvalhaes (JC) ou professor Carvalhaes, como era conhecido, obteve registro profissional em
outros dois campos, Jornalismo e Psicologia. Em ambos, seu interesse nos anos 1950 passou a
ser mediado pelo esporte. No jornalismo, dedicava-se a publicar artigos sobre o boxe, usando
o pseudnimo de Joo do Ringue. Na Psicologia, sua experincia profissional se inicia nas
empresas, direcionando-se para psicotcnica e seleo de pessoal. Segundo Costa (2006),
Carvalhaes ocupa de 1942 a 1946 os cargos de Escriturrio e depois, encarregado do Setor de
Seleo de Pessoal na Light & Power. L, executou, a ttulo experimental, trabalhos relativos
aplicao de testes de nvel mental, de interesses e de personalidade. Depois trabalhou
inicialmente como Assistente Tcnico da Diviso de Psicologia e Formao Profissional na
CMTC (1947-1970), uma Companhia de transportes da cidade de So Paulo. Era o
responsvel pelos testes de admisso de motoristas e cobradores e tambm chegou a ser Chefe
da Diviso de Higiene e Segurana do Trabalho do Departamento Mdico dessa empresa.
O mundo vivia um perodo ps-revoluo industrial, marcado por avanos cientficos,
tecnolgicos e novas exigncias mo-de-obra trabalhadora. Nos meios de comunicao
brasielira, ocorre o advento das transmisses de televiso. Na poltica espacial a URSS envia
o primeiro satlite para o espao, o Sputinik I. A Segunda Guerra mundial ainda deixava
resqucios, mas a Europa j vivia os conflitos entre os ideais capitalista e socialista, que deram
origem Guerra Fria.
Na dcada de 50, a nao brasileira viveu o fim da Era Vargas, incluindo seu suicdio
em 1954, e o ousado e polmico governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). O Brasil
sofreu com a depresso econmica do ps-guerra que, segundo Skidmore (2007), demonstrou
ao pas que no havia outro caminho, seno a industrializao, para que se transformasse em
uma potencia mundial. Mas esse percurso no foi fcil. Uma instabilidade econmica com
ndices inflacionrios crescentes ocupou os cenrios polticos e econmicos dessa poca.
Economicamente, na primeira fase da Era Vargas (1930-1945) que o Brasil inicia seu
processo de industrializao, onde no havia um apoio macio das classes sociais, exceo
feita aos militares, que visavam garantir uma indstria siderrgica no pas em prol da defesa
nacional.
O Brasil tentava avanar em seu processo de desenvolvimento industrial e a mo-de-
obra qualificada se fazia necessria, razo pela qual os conhecimentos e a experincia de JC
2
no mbito da psicologia do trabalho foram necessrios para atender uma demanda social de
seleo de pessoas no mbito industrial. Tal experincia lhe serviu para transitar no mundo
esportivo, onde a seleo de atletas capazes e adequados sua funo tambm j se fazia
necessria. Assim, ainda nessa dcada (1954-1959), na Federao Paulista de Futebol, JC
aplicou seus conhecimentos de psicotcnica realidade esportiva, implantando uma unidade
de seleo para rbitros de futebol, atuando tambm na preparao psicolgica destes e junto
Seleo Brasileira de Futebol (WAENY; AZEVEDO, 2006). No mesmo perodo prestou
servios de avaliao psicolgica no So Paulo Futebol Clube, utilizando testes de
inteligncia, personalidade e de habilidades especficas afim de melhor orientar os atletas para
suas atividades.
Com um olhar linear voltado origem, corremos o risco de avaliar sua atuao como
decorrente de sua genialidade. Mas no podemos reificar o passado. Ao contrrio do que
ingenuamente possamos imaginar em um primeiro momento, a experincia de Joo
Carvalhaes no foi tranquila. A repercusso foi controversa, houve tanto aceitao e
reconhecimento, quanto resistncia e estranhamento por parte de dirigentes esportivos e da
mdia, como ilustram as manchetes de alguns jornais da poca: No h jururus na seleo...
Carvalhaes, pea til na mquina da seleo. Como a psicologia ajudou o Brasil a ganhar a
Copa de 1958? Psicologia ganha jogo? O Brasil se fez pela 1 vez a pergunta em 1958 e
concluiu que sim. A seleo seria campe sem doides como Pel, Garrincha, Gilmar?
(GERINGHER, 1958).
Por parte de alguns atletas os temores decorriam da expectativa que a avaliao de JC
indicasse os mais inseguros em momentos decisivos e pudesse interferir na escalao do time.
Apesar disso, Carvalhaes continuou atuante na psicologia. Alm da publicao de artigos
esportivos, ministrou palestras sobre a Psicologia dos esportes, participou de vrios eventos
nacionais e internacionais, alm de participar da Sociedade de Psicologia de So Paulo.
Da em diante, o que observamos a participao da psicologia no mundo da prtica
esportiva como um reflexo da atuao de JC: foi ganhando espao dcada a dcada, em outras
modalidades, mas sempre sujeita a aceitaes e resistncias. No cenrio atual, 50 anos aps
essa reconhecida participao de JC no futebol brasileiro, ainda no se pode dizer que a
Psicologia do Esporte um campo reconhecido nesse universo. Mas com certeza podemos
afirmar que existe uma psicologia a.C (antes de Carvalhaes) e d.C (depois de Carvalhaes).
Vamos nos deter um pouco a.C.

3. SEGUNDO TEMPO: uma histria a ser contada

Sem dvida a participao de JC no futebol e em So Paulo foi marcante poca no


s para a mdia ou para o cenrio esportivo, mas para a psicologia, que nos anos 1950 ainda
no estava regulamentada como profisso. No entanto, parece que sua atuao foi isolada,
pois no h relatos sobre a presena de outras pessoas ou de aes semelhantes a essa em
outros lugares no Brasil. Duvidando dessa ausncia, perguntamo-nos sobre a existncia de
outros profissionais inseridos no mbito esportivo. De alguma maneira, esse encontro entre a
psicologia e a prtica de atividade fsica deveria j ter comeado a se construir para que JC
pudesse ocupar um lugar de destaque, seno pensamos que este se deve a alguma forma de
genialidade. Tais questionamentos motivaram a busca de informaes sobre a insero da
psicologia no universo esportivo no Brasil, vez que no mundo, a bibliografia indica que os
primeiros indcios do surgimento da PE dividem-se entre a Europa e os EUA no fim do sculo
XIX, com nfase nos estudos norte-americanos (RBIO, 2000). De acordo com Weinberg e
Gould (2001) os primeiros registros da PE datam do fim do sculo XIX em 1890 na Amrica
do Norte com os estudos sobre motivao no ciclismo.
3
Partimos das seguintes questes: a atuao de JC um exemplo concreto de prtica psi
no esporte, mas ele teria sido o nico nesse processo de insero da psicologia na atividade
esportiva? Como entendemos que existe um processo de construo de prticas que requerem
certo tempo para ganharem espao e consistncia para de fato se consolidarem, haveria
relaes anteriores entre a psicologia e o esporte?
Os peridicos da Escola de Educao Fsica do Exrcito (EsEFEx) e da Escola
Nacional de Educao Fsica e Desportos (ENEFD) da Universidade do Brasil (atual
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) datados de 1932 e 1945, respectivamente,
resultaram dessa busca. Daqui por diante, para no confundir o leitor adotaremos os nomes
Revista do Exrcito para referncias relativas Revista da Escola de Educao Fsica do
Exercito (EsEFEx fundada em 1932) e Revista da UFRJ para a da Escola Nacional de
Educao Fsica e Desportos (ENEFD), fundada em 1945.
O discurso sobre a importncia da atuao do psiclogo junto s equipes esportistas
(atletas, treinadores e dirigentes) j aparecia com clareza nos anos 1950, mas comeou a ser
construdo nos anos 1930. Uma prova disso so artigos encontrados na Revista do Exrcito,
escritos por militares, mdicos e educadores que versam sobre temas como Educao Fsica
e Educao Psquica (1933) escrito por Plnio Olinto, professor do Instituto de Educao e
Chefe do Servio de Profilaxia Mental do Hospital Nacional; Psicologia e Educao Fsica
(1935) de Loureno Filho, paulista, educador e expoente no movimento dos pioneiros da
Escola Nova e professor de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de So Paulo de 1924 a
1930; A Educao fsica sob o ponto de vista psicolgico, publicado em 1938, pelo 1
tenente Airton Salgueiro de Freitas que seguiu carreira militar e exerceu funes de instrutor
de Educao Fsica e Desportos da EsEFEx e tcnico da equipe brasileira de pentatlo moderno
nos Jogos Olmpicos de Londres em 1948, para citar alguns. Neles podemos observar o que
estamos considerando um esboo da psicologia do esporte, um incio de construo de um
discurso onde a psicologia passa a ser citada como referncia para a educao fsica por no
considerar a distino entre os aspectos fisiolgicos e psicolgicos.
A moderna psicologia do comportamento no mais distingue o fisiolgico do
psicolgico. [...]. Cultura fsica cultura psquica. A harmonia das funes da vida
vegetativa trs a harmonia da vida mental. O bem estar corporal produz
pensamentos nobres e elevados, desperta a inteligncia e aperfeioa a moral [...]
(OLINTO, 1935, [no numerado]).

Toda a psicologia atual, definida como cincia do comportamento


[...] apia uma ampla compreenso de cultura que no pode separar mais a educao
em compartimentos estanques, de exerccios fsicos, intelectuais e morais. [...] A
psicologia de hoje no separa pensamento da ao. A educao de hoje no pode
separar, tambm, o exerccio do corpo, da disciplina, dos valores e do carter [...]
(LOURENO FILHO, 1935, p. 1).

Nesses trechos podemos observar que existe um movimento em prol de uma educao
integrada entre pensamento e ao, aspectos fsicos, intelectuais e morais, com o objetivo da
formao de um homem forte e capaz de bem representar a nao. Sabemos que nas primeiras
dcadas do sculo XX os interesses do Estado estavam voltados para a organizao do pas e
a construo de uma identidade nacional. A intelectualidade da poca abraou este projeto
voltando suas atenes para os destinos da nao e direcionando suas reflexes para questes
sociais. Tal fato ocorre nos diversos setores da escrita, seja acadmica, romanceada, potica
ou humorstica. O Exrcito, conclamado a participar desse projeto, busca alcan-lo a partir
da sua Escola de Educao Fsica.
Este um processo que se inicia na virada do sculo e ganha fora na dcada de 1920,
com motivaes de transformar o Brasil em uma nao desenvolvida e civilizada, portanto,
com identidade.
4
[...] o projeto de organizao nacional proposto por Alberto Torres, a campanha
civilista de Olavo Bilac e a ecloso generalizada do sentido nacionalista denotam as
alteraes decisivas pelas quais passava a sociedade brasileira. A partir da o
intelectual conclamado a engajar-se na organizao do estado, na procura da
identidade nacional, na criao da nao [...] (PADRO, 2003, p. 13).

A cidade do Rio de Janeiro, desde o comeo do sculo XX, era a maior cidade e
capital do pas em termos demogrficos. As transformaes atingiam a populao atravs
obras na pavimentao e urbanizao da cidade, como a derrubada de morros e a construo
de novos bairros como Urca e Jardim Botnico, at mudanas de hbitos sociais e higiene
como o controle do comportamento das pessoas para o banho de mar. As normas incluam,
alm de dias e horrios, tipos de vestimentas e limitaes das prticas esportivas como a
natao. A cidade crescia e precisava se modernizar nos moldes europeus, mas encontrava
grandes dificuldades para conciliar os ideais modernos e suas condies sociais.
De acordo com Padro (2003), eventos como a fundao do Partido Comunista, a
Semana de Arte Moderna em So Paulo, a Revolta Militar no Forte Copacabana e a
Exposio do Centenrio de Independncia marcaram os anos 20, mas este ltimo, em funo
da mobilizao e transformao social e estrutural que causou foi mais enfatizado e
comentado pelos intelectuais que escreviam nos jornais e revistas de grande circulao da
poca. O discurso invocando o patriotismo era evidente nos pronunciamentos do presidente
Epitcio Pessoa (1919-1922), que acreditava que a comemorao do Centenrio seria a sntese
de conquistas como o sentimento de autovalorizao, de amor e louvor ptria que comeava
a surgir.
Nas dcadas de 1930 e 1940, esse processo seguiu permeado por outros
acontecimentos como o governo de Getlio Vargas e a Segunda guerra Mundial. Nesse
contexto o Exrcito brasileiro esteve presente em momentos de conflito como mediador entre
o governo e a sociedade, voltando-se aos interesses da camada dominante em busca do
patriotismo almejado. Na Revista do Exrcito muitos foram os artigos que versavam sobre
temas polticos e sociais principalmente na dcada de 1930. Exemplos so: A importncia da
Educao Fsica para um povo (1932), A Eugenia e a Constituinte, Higiene Prtica o
banho de Sol (1933), Da Eugenia (1934), Homens para o Brasil (1935).
Isto quer dizer que no era um peridico tcnico no sentido dado atual, at porque
educao fsica eram atribudos aspectos morais, intelectuais e comportamentais. Vale
lembrar que o termo educao fsica no final dos anos 1930 foi utilizado no sentido de educar
o fsico. Disciplinar o corpo passou a ser prioridade, e essa educao foi assumida por
instituies como o Exrcito, a Igreja, a escola, e por profissionais como mdicos,
professores, engenheiros (LENHARO, 1986). A atividade fsica, portanto, seria o meio pelo
qual a educao integrada poderia se consolidar e favorecer a construo do homem forte,
saudvel e puro, o ideal de homem brasileiro.
A Educao Fsica na dcada de trinta se volta para a organizao e planejamento
baseados na fisiologia com a finalidade de conservar a sade e a vida. E por isso que a
psicologia passa a ser necessria nesse processo pois, mundialmente j eram bem conhecidos
os estudos de William James (1841-1910) sobre as emoes, E. L. Thorndike (1874-1949)
sobre a fadiga intelectual e do filsofo H. Bergson (1859-1941) sobre sentimentos. Alm
disso, sociabilidade tambm era um objetivo a ser alcanado, pois nas palavras de Loureno
Fillho (1935, p. 1), em um artigo desse peridico que equivale ao que chamamos hoje de
editorial afirma que,
[...] [a sociabilidade] s pode ser alcanada pelo desenvolvimento da iniciativa,
coragem, auto-governo, perseverana, honestidade, senso de justia, de cooperao,
de simpatia e de lealdade, a que os exerccios fsicos coletivos so excelentes
oportunidades [...].

5
Loureno Filho fala aqui de caractersticas subjetivas, que so tambm, claro, sociais,
atribuindo atividade fsica o ambiente propcio a isso. Parece que a psicologia convidada a
fazer parte desse processo como uma ferramenta para que a Educao Fsica alcance seus
objetivos na busca do homem ideal para a nao. Sem dvida, o que vemos aqui um
primeiro encontro entre saberes novos e diversos, um incio da insero da psicologia no
mbito da atividade fsica. Nesse primeiro momento, a psicologia chamada a servir ao
Exrcito visando os ideais nacionais de formao do cidado brasileiro.
Esse alistamento aos poucos favorece uma insero cada vez mais especfica e
diferenciada da psicologia no espao da prtica esportiva. Nos anos 1940, os artigos da
Revista do Exrcito ganham um carter mais tcnico em suas temticas, agora voltadas a
especificidades das modalidades esportivas ou s necessidades estruturais para a sua prtica.
A psicologia e outras reas do conhecimento ganham um lugar de destaque pois tambm
passam a ser consideradas relevantes na prtica da atividade fsica e formao do homem
saudvel. Importante que a revista passou a ter uma sesso de psicologia em seus
nmeros. Ceclia Torreo Stramandinolli1 - assistente da Ctedra de Psicologia Aplicada,
ocupada por Carlos Sanchez Queiroz, e Professora Adjunto de Psicologia Aplicada na Escola
Nacional de Educao Fsica (ENEFD) da Universidade do Brasil, hoje UFRJ - foi
responsvel pela seo de janeiro a maro de 1948. Elisa Dias Veloso (1914 - ) - uma das
fundadoras do Centro de Orientao Juvenil (COJ), no Rio de Janeiro; trabalhou em seleo
profissional e na elaborao de testes de nvel mental entre os anos 1941-1944 no Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), ento dirigido por Loureno Filho
assumiu a seo de psicologia da revista no perodo de outubro a dezembro de 1950.
Nesta poca surge a Revista da Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos, em
1945. A Escola havia surgido em 1934, mas seu peridico s foi criado dez anos depois.
Nessa dcada os estudos de psicologia no Brasil j haviam avanado em outras reas,
principalmente na educao.
Ao contrrio do peridico anterior, este j inicia contendo no s uma seo, mas um
departamento de psicologia aplicada, com o corpo docente, seus catedrticos e assistentes,
suas disciplinas. Na disciplina de Psicologia, Carlos Sanchez Queiroz e Ceclia Torreo
Stramandinoli so respectivamente catedrtico e assistente. Ambos lecionam no curso e
escrevem artigos para a revista esporadicamente. Este peridico ainda no foi explorado, por
isso aqui apresentamos apenas informaes bsicas, mas relevantes.

4. CONCLUSO

Portanto, ao contrrio do que a literatura atual sobre PE apresenta, sua histria no


se inicia com a participao de Joo Carvalhaes nos anos 50, mas de fato ganha uma
expresso nacional e estimula a aplicao do fazer psi. Vale lembrar que essa uma histria a
ser narrada de acordo com a construo dos eventos e fatos histricos, suas inter-relaes e
significaes, como na viso de Dosse (2003). No h como olhar o passado seno a partir do
presente. Portanto, a narrativa que apresentamos no prioriza uma lgica cronolgica linear,
embora, em alguns momentos, ela possa aparecer a fim de apresentar uma seqncia
compreensvel dos acontecimentos.
Nossa busca continua atravs da anlise dos artigos e dos autores desses dois
peridicos, na tentativa de entender melhor essa presena ausente na histria da psicologia no

1
No foi possvel encontrar mais informaes como data de nascimento e morte de Ceclia Torreo
Stramandinolli at o momento. O mesmo ocorre com Carlos Sanchez Queiroz.

6
campo da Educao Fsica de onde, seguramente, derivam-se os chamados esportes e
sua continuidade ou ruptura com o que hoje denominamos de Psicologia do Esporte.

REFERNCIAS

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