2015 LuisCarlosOrioneAlencarArraes PDF
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BRASLIA
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE MSICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO MSICA EM CONTEXTO
TRADIO E INOVAO
NO CAVAQUINHO BRASILEIRO
BRASLIA
2015
LUIS CARLOS ORIONE DE ALENCAR ARRAES
TRADIO E INOVAO
NO CAVAQUINHO BRASILEIRO
BRASLIA
2015
LUIS CARLOS ORIONE DE ALENCAR ARRAES
TRADIO E INOVAO
NO CAVAQUINHO BRASILEIRO
Banca Examinadora
Ao meu filho Andr Felipe pelo incentivo, aos meus irmos Eliane e Paulo e toda
minha famlia pela pacincia.
Aos meus sogros Carlos Antnio e Suely pelo incentivo e fontes bibliogrficas.
Aos msicos Henrique Cazes, Roberto Corra, Mrcio Marinho, Jnior Fernandes,
Marco Csar de Oliveira Brito, Jorginho do Pandeiro, Raffael Santana da Silva, Jorge
Cardoso, Joo Ferreira, Carlos Pial e Lo Benon pelas informaes concedidas.
Aos msicos Diana Mota, Vitor Angeleas, Kaio Graco, Joo Vitor, Guilherme Maia e
Isabella Pina pela foto com os instrumentos.
Aos Professores Doutores Ricardo Dourado Freire e Andr Guerra Cotta que fizeram
parte da minha banca examinadora.
CAVAQUINHO
Menino preto
Cabelo Sapecado
Olhos grandes riscados de sangue
Vem pedir alta noite:
O cavaquinho dos guri
De tanto uso
E j gasto
O cavaquinho jazia
Frio e sem dono
Em pleno abandono
Da noite o pedido
O fez ressurgir
E abraado ao menino
L se foi pra favela
Sentir a batucada
Samba de morro
Alta madrugada
O presente trabalho se refere aos aspectos histrico-sociais que vieram a consolidar uma
tradio na maneira de se tocar o cavaquinho no Brasil, fazendo uma abordagem desde a sua
origem, sua chegada ao nosso pas, e sua participao na construo de uma identidade
cultural nacional. Esse trabalho nos traz ainda uma reflexo sobre a msica como processo
social constante em um mundo de multiculturalidades, possibilitando, a todo o momento, em
qualquer poca, o surgimento de uma inovao na maneira de fazer msica, de executar um
instrumento.
Palavras chaves: Cavaquinho; Tradio; Inovao; Identidade; Processo Social.
ABSTRACT
This work refers to the historical and social aspects that consolidated tradition in a
manner of cavaquinho playing, its origins, its arrival in Brazil and its participation in the
construction of a national cultural identity. This work also reflects on music as an ever-present
social process, in a multicultural oriented world, which allows anywhere and anytime,
spontaneous innovations in making music and instrumental playing.
Figura 1 - Classificao SHV (Hornbostel & Sachs), seo Cordfonos (3) ............... 24
Figura 2 - Vrios Formatos de Palhetas ........................................................................ 26
Figura 3 - Alade .......................................................................................................... 27
Figura 4 - Tanbur .......................................................................................................... 28
Figura 5 - Escultura de Benedetto Antelami, em uma porta do Batistrio de Parma,
sc.XII. ..................................................................................................................................... 29
Figura 6 - Ctola ............................................................................................................ 30
Figura 7 - Gittern .......................................................................................................... 30
Figura 8 - Vihuela ......................................................................................................... 32
Figura 9 - Guitarra Renascentista ................................................................................. 33
Figura 10 - Guitarra Barroca......................................................................................... 34
Figura 11 - Guitarra Romntica construda por Francois Roudhlof, por volta de 1820.
.................................................................................................................................................. 35
Figura 12 - Guitarrico ou requinto ................................................................................ 36
Figura 13 - Cavaquinho Minhoto e Cavaquinho de Lisboa .......................................... 38
Figura 14 - Cavaquinho do Sul ..................................................................................... 39
Figura 15 - Feira de So Martinho ................................................................................ 40
Figura 16 - Rajo .......................................................................................................... 43
Figura 17 - Ukuleles ..................................................................................................... 45
Figura 18 - Trio Morabeza ............................................................................................ 47
Figura 19 - Cuk ............................................................................................................. 48
Figura 20 - Cak ............................................................................................................. 48
Figura 21 - Cavaquinho modelo Paulistinha e o cavaquinho convencional ................. 51
Figura 22 - Cavaquinhos convencional e modelo Canhoto .......................................... 52
Figura 23 - Partes do Cavaquinho ................................................................................ 53
Figura 24 - Grupo de choro do incio do sculo XX. ................................................... 61
Figura 25 - Instrumentos do Regional .......................................................................... 62
Figura 26 - Heitor dos Prazeres, cavaquinista, compositor e pintor,com um cavaquinho
de cinco cordas. ........................................................................................................................ 67
Figura 27 - Roda de Samba. leo de Heitor dos Prazeres ............................................ 70
Figura 28 - Banjo-cavaco e cavaquinho ....................................................................... 72
Figura 29 - Bloco Lrico com Orquestra de Cordas ..................................................... 80
Figura 30 - Fobica ......................................................................................................... 81
Figura 31 - Instrumentos de corda na Barca ................................................................. 83
Figura 32 - Folia de Reis .............................................................................................. 84
Figuras 33 e 34 - Bumba-meu-boi de Una.................................................................... 85
Figura 35 - Waldir Azevedo ......................................................................................... 94
LISTA DE TABELAS
SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................ 14
2.4.14 - Cacuri..................................................................................................... 88
INTRODUO
Por ser de fcil portabilidade, devido ao seu tamanho reduzido, e por ter uma
sonoridade viva, alegre e festiva, acabou conquistando outras terras, outros povos, ajudando a
formar suas culturas.
Assim, esse pequeno pedao de madeira, como o nome indica, foi sendo
levado para a frica (Cabo Verde, Guin Bissau, Angola, Moambique),
Goa na ndia, Jacarta na Indonsia, Hava e, finalmente, para a terra que
adotou e consagrou o instrumento: o Brasil (CAZES, s/d, p. 2).
Alm dos gneros em que usado, outro detalhe marca a diferena entre o
cavaquinho no Brasil e em Portugal; a maneira de tocar. Enquanto aqui
utilizamos a palheta para tanger as cordas, l so utilizados os dedos da mo
direita fazendo rasgueado (CAZES, s/d, p. 08).
1
No meio musical dos cavaquinistas comum se referir afinao do cavaquinho da corda mais grave para a
mais aguda.
2
Espcie de unha de marfim, osso, plstico, com que se faz vibrar as cordas de certos instrumentos.
(HOLLANDA, 2003)
16
O mais clebre solista de cavaquinho foi o carioca Waldir Azevedo (1923-1980), que
elevou seu instrumento categoria de concertista. Antes de Waldir, o cavaquinho era mais
usado como instrumento acompanhante. Todos os cavaquinistas, sejam contemporneos a
Waldir Azevedo ou de geraes posteriores, foram influenciados por ele.
O Brasil tornou-se um caldeiro cultural devido mistura das raas que formaram o
nosso povo. Essa miscigenao influenciou todas as artes e a msica no foi exceo. O
cavaquinho, ou melhor, os cavaquinistas tambm receberam, e recebem constantemente, essa
bagagem cultural universal que no para de chegar de todas as partes do mundo, trazendo as
mais diversas influncias. Portanto, a inovao, no modo de tocar um instrumento, sobrevm
a partir de um momento de ousadia em que o msico comea a experimentar e misturar
culturas.
Nos dias atuais, o cavaquinho brasileiro est muito bem representado por excelentes
msicos como Alceu Maia, Andycavaco, Ana Claudia Cesar, Ana Rabelo, Arnaldinho do
Cavaco, Assis da Paraba, Auzier do Cavaco, Bruno Calmeto, Carlinhos do Cavaco, Carrapa
do Cavaquinho, Chico de Assis, Dudu Braga, Eduardo SantAnna, Ely do Cavaco, Evandro
Barcellos, Henrique Cases, Iuri Gules, Jaime Vignoli, Joo Paulo Albertim, Jorginho Gomes,
Jnior do Cavaco, Jnior Fernandes, Lo Benon, Lucas Lima, Lincoln de Lima, Luciana
Rabello, Luciano do Cavaco, Mrcio Almeida Hulk, Mrcio Marinho, Mariana Sardinha,
Matheus Gomes, Matheus Donato, Mauro Diniz, Messias Brito, Nelson Latif, Nelsinho Serra,
Nilze Carvalho, Paulinho do Cavaco, Paulinho da Viola, Pedro Cantalice, Pedro Molusco,
Pedro Vasconcellos, Roberto Barbosa (Canhotinho), Ronaldinho do Cavaquinho, Srgio Prata,
Siqueira do Cavaco, Tayro Feitoza, Toco Preto, Valrio Xavier (Valerinho), Valmar Amorim,
Vincius Juliano, Warley Henrique, Wellington Monteiro, Xixa e Z Canela, entre outros.
Com tantos cavaquinistas de alto nvel que temos no Brasil, difcil mencionar todos eles.
Por isso peo desculpas se esqueci de citar algum.
17
3
Na guitarra baiana, geralmente, se usa a afinao de bandolim (sol, r, la, mi), mas a afinao de cavaquinho
tambm usada.
4
No banjo-cavaco, normalmente, se usa a afinao tradicional do cavaquinho (r, sol, si, r).
18
entre outros, uma boa informao sobre este instrumento to difundido e popularizado no
Brasil.
5
Estudo dos instrumentos musicais em termos de sua histria, funo social, design, construo e relao com a
performance (GROVE, 2003).
19
7
Disponvel em: http://learningobjects.wesleyan.edu/vim//svh.html. Acesso em: 20/04/2015.
21
8
Disponvel em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/10040/1/2011_JorgeAntonioCardosoMoura.pdf
Acesso em: 25/08/ 2012.
22
Tabela 2 - Legenda da Classificao SVH (Hornbostel & Sachs), seo Cordfonos (3)9
9
Disponvel em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/10040/1/2011_JorgeAntonioCardosoMoura.pdf
Acesso em: 25/08/ 2012.
23
Cordfonos (3)
Compostos
Simples (31)
(32)
Harpas-alade
Alades (321) Harpas (322)
(323)
Alades com
Arco (321.1) Liras (321.2)
brao (321.3)
Em suma, pela similitude dos seus aspectos construtivos, o resultado deste processo de
classificao aponta o alade como matriz construtiva vindo a reunir num mesmo subgrupo
violinos e violas, assim como o violo e o cavaquinho, por possurem caractersticas
construtivas semelhantes e ressaltando o carter de transformao e adaptao da sua
morfologia a contextos culturais diversificados ao longo de largo perodo de tempo como
veremos mais adiante.
25
Considero relevante fazer aqui alguns esclarecimentos sobre a palheta ou plectro, que
segundo consta no Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa: uma espcie de unha de
marfim, osso ou plstico com que se faz vibrar as cordas de certos instrumentos
(HOLLANDA, 2003). O bandolinista e pesquisador Paulo S nos fala, em seu artigo Palheta
e Articulao no Bandolim: Uma Contextualizao para Compositores, Arranjadores e
Instrumentistas, que durante a Idade Mdia o uso da palheta foi comum na famlia das
guitarras e dos alades. S revela que hoje o uso da palheta pode ser observado na execuo
de instrumentos orientais, tais como o biwa, tocado no Japo, e o samisen, tocado na China e
no Japo. Na Grcia Antiga, o uso deste utenslio era bastante comum e, segundo consta no
The New Grove Dictionary of Music and Musicians, era feito de madeira, marfim, osso, casco
de tartaruga, pena ou garra de guia, sendo chamada de pecten ou plectron (S, 2012, p. 66-
67).
Neste trabalho o leitor encontrar o termo palhetada, que uma conjugao do verbo
palhetar, derivado do substantivo palheta. Sobre o assunto, Paulo S comenta: Ao adotarmos
aqui o termo palheta, adotamos tambm o verbo palhetar, que significa as articulaes da
palheta sobre as cordas, envolvendo a mo, o punho, o antebrao e os dedos que seguram a
palheta (S, 2012, p. 66).
A fim de dar ao leitor uma noo introdutria sobre o alade e outros instrumentos que
deixaram traos organolgicos na famlia das guitarras europeias, da qual faz parte o
cavaquinho, dedicaremos a eles algumas consideraes.
10
(PISANI, 1996 apud MOURA, 2011, p. 43).
27
Figura 3 - Alade11
11
Imagem nmero 112 do livro Instrumentos Musicais Populares Portugueses (OLIVEIRA, 1966). Pormenor do
quadro A Virgem com o Menino, com dois anjos msicos, um cantor e o outro alaudista. Este quadro se encontra
no Museu de Arte Antiga de Lisboa e foi pintado por Gregrio Lopes, no sculo XVI.
12
1 Indivduo pertencente a uma raa que se diz descendente de Sem: personagem bblica e um dos filhos de
No. 2 Judeu. Disponvel em <http://www.dicionariodoaurelio.com/semita>. Acesso em: 14/04/2015.
28
O alade comeou a difundir-se com o surgimento da arte gtica, por volta dos sculos
XI e XII. Na sua configurao original tinha caixa de ressonncia, ou melhor, o bojo, com
formato convexo, construda com tiras de madeira. O tampo era plano com uma roscea,
artisticamente elaborada, que servia tanto como abertura para a sada de som como para
ornamentar o instrumento. Preso caixa acstica se estendia o brao, cuja extremidade era
dobrada para trs em um ngulo reto, sobre o qual se esticavam as cordas em nmero que
variavam de quatro a cinco pares. No comeo do sculo XV, o alade apresentava seis pares
de cordas, mas ao final do mesmo sculo seu tamanho foi aumentado e chegou a apresentar 10
ou 11 pares de cordas (CORTE & GATTI, 1950, p. 267).
Figura 4 - Tanbur13
Como uma variao do alade surge o tanbur ou saz (figura 4), um alade de brao
comprido utilizado sobre tudo na Turquia (CAND, 1981, p. 161). Segundo o pesquisador
13
Disponvel em: <http://toosfoundation.com/resources-musical-instruments>. Acesso em: 14/04/2015.
29
Jorge Cardoso Moura, o tanbur originrio da Prsia e possui trs tamanhos, sendo o mais
popular o baglama, de menor porte. O fundo da caixa de ressonncia abaulado, seu brao
possui trastes e o cavalete mvel, apoiado no tampo superior (MOURA, 2011, p. 28).
Na figura acima temos ao centro o Rei David tocando o saltrio, instrumento de cordas
em forma triangular que estava em voga na Idade Mdia, esquerda um tocador de rabel,
outro instrumento medieval, da famlia do violino, e direita um msico tocando o cistro ou
ctola (BRENET, 1981, p. XXI).
Na figura a seguir uma das verses da ctola, com quatro cordas, que se assemelha a
um cavaquinho.
14
Imagem extrada do Diccionario de la Msica de Michel Brenet, 1981, p. XXI.
30
Figura 6 - Ctola15
Outro instrumento que pode ser considerado um dos antecessores das guitarras
modernas o gittern, que tambm aparece em imagens representativas de instrumentos da
Idade Mdia e, muitas vezes, confundido com a prpria ctola.
O gittern se originou nos pases rabes em torno do sculo XIII e foi posteriormente
para Europa, onde recebeu vrias denominaces: guisterne, guitarre, guiterne, guiterre,
quinterne, quitaire, quitarre na Frana; quinterne na Alemanha, guitarra na Espanha e
chitarino na Itlia. Era um instrumento pequeno e no tinha clara diviso entre o pescoo e o
corpo. Seu encordoamento era composto de cordas duplas que variavam entre trs e cinco
pares. Seu formato frontal era piriforme (forma de pra) e sua caixa de ressonncia possua
fundo abaulado, como o alade (GROVE, 1980).
Figura 7 - Gittern16
O Dicionrio de Msica de, Alan Isaacs e Elizabeth Martin, traz a seguinte definio
para guiterne:
15
Disponvel em: <http://www.frantisekpavlik.estranky.cz/clanky/o-nastrojich/citola-_-the-citole-_-sytole-_-
cytiole-_-gytiolle.html>. Acesso em: 17/ 09/2013.
16
Disponvel em: <http://imgarcade.com/1/gittern-instrument/>. Acesso em: 10/03/2015.
31
Segundo Jorge Cardoso Moura, importante ressaltar que alguns dos instrumentos
antigos, como o gittern e a ctola, que fazem parte do processo histrico que originou os
instrumentos modernos, por muitas vezes, ao longo da histria, tiveram seus nomes trocados.
Isto significa que um determinado instrumento pode ter carregado nomenclaturas
diversificadas e tambm que um mesmo nome pode ter sido usado para mais de um
instrumento. Assim, a caracterizao das diferenas nos aspectos construtivos de cada
modelo foi relevante para estabelecer relaes entre nomenclaturas e classificaes
(MOURA, 2011, p. 35).
1.4.1 - A Vihuela
A vihuela pode ser encontrada em diversos tamanhos e nmero de cordas que variam
entre cinco e sete. Originalmente, o nome viola era usado para vrios instrumentos de
cordas, como: a vihuela de arco, que seria a viola da gamba17, com trastes e seis cordas; a
vihuela de roda (viella), instrumento curioso com teclados sobre uma caixa acstica piriforme
e uma manivela que girava uma roda, acionada por outra pessoa; e a vihuela de mano, hoje
denominada vihuela (BRENET, 1981, p. 544-45).
Ricardo Louzao nos mostra sua verso a respeito do surgimento da vihuela e de seu
nmero de cordas:
Como podemos observar na figura abaixo, a vihuela, bem como o alade, tinha entre
uma de suas caractersticas a presena de rosceas e trastes.
Figura 8 - Vihuela18
17
Instrumento da famlia do violino, antecessor do violoncelo.
18
Disponvel em: http://www.musicaantigua.com/la-vihuela-esa-desconocida/ Acesso em: 10/ 03/ 2015.
19
Nicolas de Souza Barros professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Doutor
em Msica (UNIRIO 2008) e um dos mais conceituados especialistas do pas em instrumentos de cordas
dedilhadas, tais como violes de seis e oito cordas, alades diversos, vihuela e guitarra barroca. Disponvel em:
http://www2.unirio.br/unirio/cla/ivl/professores/nicolas-de-souza-barros. Acesso em: 16/09/2013. Depoimento
sobre vihuela: https: //www.youtube.com/watch?v=41j2t4AmuUQ.
33
No eram muitos os que compunham para a guitarra renascentista, que era mais usada
na msica popular, no acompanhamento de cantores ou grupos musicais (BARROS, 2012).
Se pode dizer que a guitarra renascentista (na Espanha), era a irm pobre da vihuela e seu
uso era comum entre o povo (LOUZAO, 2009, p. 22).
20
Dados sobre guitarra renascentista disponvel em: www.youtube.com/watch?v=yKugdWLMQSA. Postado
em: 08/05/2012. Acesso em: 17/09/2013.
21
Disponvel em: http://lahistoriadelaguitarr.blogspot.com.br/2013/03/la-guitarra-renacentista.html. Acesso em:
17/05/15.
34
Segundo Nicolas de Souza Barros, ao longo do sculo XVI o alade comeou a ter
muitas cordas, geralmente na regio grave, e por isso se tornou um instrumento bastante
complicado para tocar. Assim, a guitarra barroca, que pode ser o descendente direto da
guitarra renascentista, tomou o seu lugar nas preferncias dos nobres amadores. Era
construda com cinco pares de cordas duplas, com a mesma afinao das cinco cordas de
baixo do violo moderno e geralmente com poucas cordas graves, o que permite o uso da
tcnica chamada de campanela (pinar as cordas, com os dedos indicador e polegar) na
execuo de escalas musicais. A guitarra barroca tambm tocada com o uso do rasgueado
(BARROS, 2012). Outra caracterstica deste instrumento o desenho do cavalete em formato
de bigode, como podemos observar na figura a seguir:
Ricardo Louzao aponta para o uso de uma corda simples na primeira ordem e fala
sobre as tcnicas usadas na execuo da guitarra barroca: Muito comum neste instrumento,
22
Informaes sobre a guitarra barroca colhidas no depoimento do Professor Nicolas de Souza Barros,
disponveis em:<https://www.youtube.com/watch?v=DPrYTlR9R40>. Acesso em: 17/09/2013.
23
Imagem extrada do livro La Guitarra Mgica (LOUZAO, 2009, p.23).
35
o uso de trs tcnicas: de solo, campanela e rasgueado. Os ataques (como antecessores dos
usados na guitarra flamenca) tambm seriam usados em parte do repertrio (LOUZAO, 2009,
p. 23-24).
Figura 11 - Guitarra Romntica25 construda por Francois Roudhlof, por volta de 1820.
24
Dados sobre a guitarra romntica disponvel depoimento do Professor Nicolas de Souza em:
<https://www.youtube.com/watch?v=MustE5Bs24c>. Acesso 17/09/2013.
25
Imagem extrada do livro La Guitarra Mgica (LOUZAO, 2009, p.24).
36
chegamos ao precursor do violo moderno, a guitarra romntica, que passa a ter seis cordas
simples (BARROS, 2012).
1.4.5 - O Requinto
reduzidas e com quatro cordas de ao, como as utilizadas na atualidade, ou de tripa, usadas no
passado. um instrumento meldico e harmnico de vasta popularidade no Brasil, tanto no
meio urbano como no rural, com som vibrante e agudo.
Existem outras denominaes para esse instrumento, tais como: braga, braguinho,
braguinha, machete, manchete, marchete, machete de braga, machinho, machin, e ainda
cavaco. No Hava conhecido como ukulele e na Indonsia chamado de kerotjong.
Como consta no livro Escola Moderna do Cavaquinho, vrios autores como Mrio de
Andrade, Oneyda Alvarenga, Renato Almeida e Cmara Cascudo afirmam que o cavaquinho
tem origem portuguesa. Cascudo completa dizendo que esse instrumento teria sido levado
para a Ilha da Madeira e, aps absorver algumas modificaes, se difundiu e chegou ao Brasil
(CAZES, s/d, p. 08).
Gonalo Sampaio explica a sobrevivncia das influncias da cultura grega, que ele
prprio sente na msica da Regio do Minho, aponta para uma possvel relao entre o
cavaquinho e os tetracrdios helnicos e acrescenta que o braguinha teria vindo para Braga
38
nas mos dos biscanhos - vindos de Biscaia, hoje Pas Basco (SAMPAIO, 1933, p. 358). De
fato, como j vimos na figura 12, existe na Espanha um instrumento semelhante ao
cavaquinho: o requinto (OLIVEIRA, 1966, p. 140).
Jorge Dias tambm acredita que o cavaquinho pode ter vindo da Espanha, onde so
encontrados instrumentos bem semelhantes e acrescenta:
No pas dos lusitanos, encontramos dois tipos de cavaquinho mais comuns: o minhoto,
com dez trastes e a escala rasa, nivelada com o tampo; e o cavaquinho de Lisboa, com a
escala elevada em relao ao tampo e dezessete trastes.
28
Disponvel em: http://www.oviolao.com.br/cavaquinho.htm. Acesso em: 14/10/2012.
39
O cavaquinho pode ser afinado de diversas maneiras, que variam conforme as regies,
as formas musicais e at mesmo conforme seus executantes, como nos fala Ernesto Veiga:
29
Disponvel em: www.jose-lucio.com/0%20Cav_2011/cavaquinho.htm. Acesso em: 14/10/2012.
40
da caixa acstica bem reduzida, o que proporciona um som mais estridente. Esses
instrumentos recebem a denominao de machinhos (OLIVEIRA, 1966, p. 139).
O minhoto, ainda no fim do sculo XIX, era bastante comum na regio de Coimbra.
Conhecido como machinho, fazia parte dos festejos de S. Joo e das serenatas. H poucas
30
(OLIVEIRA, 1966).
41
dcadas ele ainda era encontrado, geralmente tocado por estudantes minhotos. O cavaquinho
de Coimbra era afinado, de acordo com a viola da regio: r-sol-si-mi. Suas dimenses so
um pouco menores que o cavaquinho minhoto: 50 cm de comprimento total, sendo 9,5 cm de
cabea, 17 cm de brao e 23,5 cm de caixa (com 33,5 cm da pestana ao cavalete); o bojo
superior tem 10,5 cm de largura, e o inferior 13,5 cm; a altura da caixa de 3 cm em cima, e
de 3,4 cm em baixo. O cavaquinho de Coimbra se extinguiu, tanto no uso, como na fabricao
(OLIVEIRA, 1966, p. 141).
31
Disponvel em <http://ensaios.musicodobrasil.com.br/henriquecazes-ocavaquinho.pdf>. Data de acesso: 03 de
dezembro de 2011.
42
Existe tambm na Ilha da Madeira um instrumento que devido ao seu formato pode ser
confundido com o cavaquinho, o rajo. Trata-se de um cordofone muito semelhante ao
machete, entretanto, um pouco maior.
43
Figura 16 - Rajo32
Alguns autores madeirenses como Carlos Santos e Eduardo Pereira consideram esse
instrumento uma inveno insular, uma imitao do violo, em tamanho menor. Ernesto
Veiga de Oliveira aponta uma possvel influncia do guitarro andaluz, instrumento espanhol
de cinco cordas que tem a mesma afinao do rajo e do extinto machinho de cinco cordas,
citado no Regimento do Oficio de Violeiros de Guimares, de 1719 (OLIVEIRA, 1966, p.
141- 42). Nota-se que, tanto na primeira hiptese quanto na segunda, a herana espanhola se
faz sentir.
32
Disponvel em: http://www.gfcasailhadamadeira.com.br/instrumentos.html. Acesso em: 14/10/2012.
44
Vimos que, de uma maneira geral, o cavaquinho minhoto tocado de rasgueado nas
festas populares, fazendo acompanhamentos harmnicos e tem o velho tipo de brao raso de
doze trastes. Enquanto que os instrumentos de carter urbano e burgus, de Lisboa, Algarve e
Ilha da Madeira, menos presos tradio, so usados como instrumentos harmnicos e
meldicos.
Existem ukuleles que so construdos com a mesma forma dos cavaquinhos de Lisboa,
da Ilha Madeira e do Brasil, isto , com o brao em ressalto e dezessete trastes; mas os
ukuleles de fabricao inglesa seguem a linha do cavaquinho minhoto, com o brao no mesmo
nvel do tampo e doze trastes. No Hava existe ainda outro modelo de ukulele, conhecido pelo
nome de taro-patch fiddle, que se relacionaria com o rajo madeirense, por ser maior, como
um violo pequeno de quatro e cinco cordas (OLIVEIRA, 1966, p. 143).
45
Figura 17 - Ukuleles33
Na figura acima, da esquerda pra direita, podemos ver os quatros principais tamanhos
de ukuleles hoje fabricados: o soprano, com 53 cm de comprimento, o concerto, com 58 cm, e
o tenor, com 66 cm, so afinados de cima para baixo em sol-d-mi-la; o bartono, com 76
cm,34 afinado em r-sol-si-mi. Outra curiosidade que suas cordas so de nylon e a quarta
corda (de baixo para cima) aguda, o que proporciona uma sonoridade bem particular ao
instrumento havaiano, que tocado de rasgueado ou dedilhado.
33
Disponvel em: https: //proukulele.wordpress.com. Acesso em: 27/03/2015.
34
Disponvel em: http://ukulelept.blogspot.com.br/2009/12/soprano-concerto-tenor-ou-baritono.html. Acesso
em: 09/04/2015.
35
Informaes extradas do site: http://www.cavaquinhos.pt/pt/CAVAQUINHO/Mundo.htm. Acesso em:
04/03/2015.
46
No referido depoimento, entre uma fala e outra, Luis Baptista faz pequenas
demonstraes das levadas (palhetadas) de cavaquinho, nos ritmos de Cabo Verde, o que me
levou a fazer uma comparao com alguns gneros musicais ocorrentes no Brasil. A morna
lembra o nosso samba-cano; a coladeira, o baio; o cola So Joo, o Jongo e o samba de
Cabo Verde, por sua vez, se parece com nosso samba. A respeito da famlia Baptista, Glucia
Nogueira esclarece:
36
Disponvel em: http://www.cavaquinhos.pt/pt/CAVAQUINHO/Cavaquinho%20cv%20Historia.htm. Acesso
em: 09/04/2015.
37
Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=dSTr01fSY0I. Acesso em: 16/03/2015.
47
38
Disponvel em: http://rouxinoldepomares.blogs.sapo.pt/621285.html. Acesso em: 21/03/2015.
39
Gamelo: Conjunto musical encontrado em comunidades que integram desde grandes cortes, at cidades e
aldeias remotas (GROVE, 1994).
48
Figura 19 - Cuk
Figura 20 - Cak40
Para Angola, o cavaquinho foi levado por marinheiros portugueses e tambm por
marinheiros brasileiros. Sua presena em terras do sudoeste africano auxiliou o
desenvolvimento do Ramkie, cordofone que tem uma lata de leo ou similar como caixa de
ressonncia. Ele tem trs ou quatro cordas, por vzes seis, feitas de linha de pescaria ou de
cabos de freio de bicicleta e seu brao pode ter ou no trastes. O instrumento aparentemente
tem sido executado com o uso de acordes repetitivos. Sobre o assunto, encontramos algumas
linhas no Grove:
Como citado anteriormente, o cavaquinho tambm migrou para outras terras como
Goa, na ndia; Moambique e Guin Bissu, na frica e Macau, na China. Mas foi no Brasil
que o cavaquinho encontrou um ambiente propcio para se desenvolver. amplamente usado
no samba e no choro, estilos musicais nos quais sua participao fundamental, e tambm
40
Figuras 19 e 20. Disponveis em: <http://cavaquinhos.pt/pt/CAVAQUINHO/Indonesia.htm>. Acesso em:
18/03/2015.
41
Afinaes do Cuk e do Cak disponveis em: https://en.wikipedia.org/wiki/Stringed_instrument_tunings.
Acesso em: 17/06/2015.
49
participa de uma gama de manifestaes culturais regionais, emprestando sua alegria, seu
balano e seus acordes de sonaridade aguda.
Uma viagem atravs de grande parte dos estados brasileiros nos ajudou a
colher bastante informao acerca do cavaquinho. Em parte alguma se
encontra esse instrumento to difundido e popularizado como no Brasil.
Tivemos oportunidade de deparar inmeras vzes com tocadores de
cavaquinho (DIAS, 1963).
Como j foi citado nesta pesquisa, o cavaquinho tambm chegou ao Brasil. Foi aqui,
em terras brasileiras, que o cavaquinho teve suas possibilidades sonoras mais exploradas e
desenvolvidas, ao ponto de surgirem aqui alguns dos melhores cavaquinistas do mundo, como
observa Henrique Cazes em entrevista a Meri Fraga, na pgina on line da Escola de Msica da
UFRJ42:
No que diz respeito aos aspectos construtivos, o cavaquinho brasileiro maior que o
cavaquinho portugus, tendo herdado as caractersticas fsicas do cavaquinho de Lisboa e do
cavaquinho da Ilha da Madeira (OLIVEIRA, 1966, p. 143). Tirando as medidas do meu
42
Disponvel em: http: //www.musica.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1694:2015-03-
11-01-30-40&catid=55:destaques&Itemid=149. Acesso em: 24/03/2015.
43
CAZES, Henrique. Apanhei-te Cavaquinho. 1 Episdio, 2012. Disponvel em:
www.youtube.com/watch?v=30ETxHEAksY. Acesso em: 28/03/ 2014.
51
cavaquinho, da marca Do Souto Modelo Waldir 1984, pude constatar que seu comprimento
total de 59 cm, sendo 13 cm para a cabea, 18 cm para o brao e 28 cm para a caixa; seu
bojo tem de largura, 22,5 cm na parte maior e 16,5 cm na parte menor; as cordas, da pestana
ao cavalete, medem 35 cm. A caixa de ressonncia tem uma altura de 08 cm, prximo da
conexo com o brao, e de 09 cm em sua base. Sua escala tem 19 trastes e sob a primeira
corda 20 trastes, o que aumenta em trs notas a extenso do instrumento.
Existem ainda no Brasil dois modelos de cavaquinho que esto gradativamente sendo
esquecidos. O primeiro que cito o cavaquinho modelo Paulistinha. Suas dimenses44, de
cabea, brao e escala so as mesmas do cavaquinho convencional, a diferena est no
tamanho da caixa acstica, que menor, no comprimento (25 cm), na largura (14 cm na parte
menor e 19 na maior) e na altura (4,7cm). A imagem abaixo ilustra as diferenas entre o
cavaquinho modelo Paulistinha e o cavaquinho convencional.
44
As medidas dos cavaquinhos modelos Paulistinha e Canhoto foram conferidas pelo autor desta pesquisa.
45
Foto tirada por mim na Escola de Msica de Braslia, no dia 03/04/2015.
52
cavaquinhos podem variar de acordo com o fabricante e com o gosto do cliente. Uma caixa
acstica maior produz um som mais mdio-grave, enquanto uma menor reala os agudos.
46
Foto tirada pelo autor, na Escola de Msica de Braslia, em 09/06/2015.
47
Qualidade (ou cor) do som caracterstico de um instrumento ou de uma voz (ISAACS & MARTIN, 1985).
53
afinao das cordas. Temos ainda a boca (4), a roseta (5) que enfeita o instrumento e refora
as bordas da boca.
O cavaquinho que aparece na foto propriedade do autor desde 1984, quando foi
adquirido na loja Ao Bandolim de Ouro. Optamos pela colocao de um protetor de palhetas
(6) que era usado na poca. A deciso foi acertada, pois devido aos arranhes que o
instrumento apresenta nas partes sem a proteo, decorrentes das palhetadas de anos de
prtica, provavelmente haveria um orifcio na madeira se no tivesse usado o protetor. J vi
cavaquinho com este tipo de danificao.
A msica brasileira formada, basicamente, pelo resultado das trocas sociais advindas
de transferncias culturais de provenincia amerndia, europeia e africana. No livro
Musicologia, Joseph Kerman faz referncia riqueza cultural que nasce da mistura dos
elementos tnicos, especialmente nas Amricas:
A falta de informao a respeito da msica que foi feita no Brasil nos primeiros
trezentos anos aps sua descoberta elemento dificultador para quem se aventura em uma
pesquisa sobre o assunto. Somente no sculo XIX foram feitos os primeiros registros
documentais por viajantes europeus, como consta no livro Msica Popular Brasileira, da
folclorista Oneyda Alvarenga:
Os aborgenes, primeiros habitantes do Brasil, nos deixaram sua herana musical, que
sentida, principalmente, nas manifestaes folclricas. Sua expressividade sonora simples,
porm possui muita importncia na vida social e religiosa, como registra Oneyda:
O canto sempre teve importncia especial na vida social dos indgenas, a tal ponto que,
se aprisionado, um ndio-cantor em tempos de guerra, sua vida era poupada e tambm a de
seus filhos, como observa Alvarenga:
55
Parece-me que essa resistncia para tocar durante muitas horas ficou como herana em
manifestaes folclricas brasileiras, como a Folia de Reis, e em manifestaes musicais
urbanas como o samba.
As diversas etnias indgenas nos deixaram uma grande variedade de instrumentos que
so muito aproveitados em vrios estilos da msica brasileira: tambores feitos de tronco de
rvore, flautas de vrios tipos e tamanhos, trompas, buzinas, assobios, pios, reco-recos de
bambu, guizos amarrados s pernas, berra-bois ou zumbidores, matracas e maracs (LIMA,
1985, p.80-81). Essa foi a msica que os primeiros missionrios encontraram entre os
aborgenes e trataram de substituir progressivamente pela msica europeia (ALVARENGA,
1950, p. 20).
Visto que foi pela colonizao portuguesa que o Brasil comeou a existir
como nao e foi governado durante mais de trs sculos por Portugal; visto
que as duas outras raas que mais concorreram para a formao do homem
brasileiro sofreram o predomnio e a influncia do homem branco, natural
que coubesse aos portugueses a parte preponderante na constituio da nossa
msica (ALVARENGA, 1950, p. 25).
Os negros escravos que chegaram ao Brasil vieram de diversas tribos africanas e aqui
foram misturados. Esse fato gerou uma diversidade cultural muito grande, entre a prpria
populao negra, fomentando um enriquecimento ainda maior nos vrios rtmos e danas. O
Brasil, que recebeu africanos de diferentes regies, ficou com uma das msicas populares
mais diversificadas do mapa (SOUZA, 2003, p. 25).
Culturas que mais profundos traos deixaram no sentir, pensar, agir e reagir
espontneos das coletividades rurais e urbanas foram as Sudanesas, com o
predomnio do Yorub, e as Bantus, por intermdio dos negros de Angola,
Congo e Moambique (LIMA, 1985, p. 132).
Entre os instrumentos musicais da cultura Yorub em mistura com as culturas Jej (ou
Daomeana) e a Angola-Conguesa, Rossini de Lima aponta, entre os membranofones, os
atabaques rum (grande), rumpi (mdio) e le (pequeno) e os ilus pernambucanos;
entre os idiofones, o agog, o congu, o afoch e o adj; e representando os
aerofones, o afoi, pequena flauta j desaparecida (LIMA, 1985, p. 132).
Os instrumentos musicais que vieram para o Brasil com o povo Bantu, segundo
Rossini de Lima, so os membranofones percussivos tambu, candongueiro,quinjengue,
engome ou angoma e zamb; o membranofone de frico cuca ou puta; o
cordofone de arco musical berimbau ou urucungu; o idiofone marimba, etc (LIMA,
1985, p. 135).
Mas no foram s esses povos que contriburam para a nossa formao musical.
Temos referncias da msica francesa no nosso repertrio infantil e contribuies espanholas,
algumas da mesma fonte de heranas portuguesas, outras puramente espanholas, como as
danas Fandango e Tirana (ALVARENGA, 1950, p. 26).
O Rio de Janeiro, na segunda metade do sculo XIX, passava por grandes mudanas
sociais, polticas, econmicas e culturais. nessa poca que nasce o choro: gnero musical
onde o cavaquinho indispensvel e que tem como influncias predominantes a dana
europeia polca e o ritmo africano lundu. A valsa, o schottisch, a mazurca e a quadrilha, so
outras contribuies culturais vindas da Europa. A habanera cubana e o tango argentino
tambm chegaram ao Brasil e ajudaram a temperar a nossa msica. Recolhi uma vez uma
marchinha para sanfona, danada em bailes rurais de certa zona de Minas Gerais, que no
passava de leve acomodao de um velho tango argentino (ALVARENGA, 1950, p. 26).
Ricardo Cravo Albin emite seus conhecimentos sobre a polca, sua fuso com o lundu e
com instrumentos do choro:
O pianista e ensasta Jos Miguel Wisnik aponta para uma possvel influncia de
Chopin no processo de nascimento do choro:
48
Apontado por musiclogos como uma variante mais bem cuidada do maxixe, constituiu o gnero menos
popular e por isso mesmo de trajetria mais curta. A maioria dos autores concorda que este gnero seja uma
adaptao da habanera introduzida no Brasil pelas companhias de teatro musicado europeu, qual se
incorporaram elementos da polca e do schottisch. O responsvel pela sua criao foi o carioca Henrique Alves de
Mesquita e no Ernesto Nazareth, como muitos pensam (TINHORO, 2013, p. 113-15).
60
Henrique Cazes acrescenta que se tivesse que apontar uma data para o incio da
histria do choro, no hesitaria em dar o ms de julho de 1845, quando a polca foi danada
pela primeira vez no teatro So Pedro, no Rio de Janeiro (CAZES, 1998, p. 17).
O lundu era tocado e danado nas reas rurais, no cultivo da cana-de-acar, com
muita percusso, palmas e refros meldicos. Ao chegar cidade, no sculo XIX, o lundu foi
muito apreciado por todos, independentemente do nvel scio-econmico, como registra
Andr Diniz:
49
Sobre a chamada Cidade Nova, falaremos no item 2.3, O Samba da Minha Terra.
61
50
Disponvel em: http://www.pensario.uff.br/audio/1870-aproximadamente-1870-nasceu-choro-rio-de-janeiro.
Acesso em: 19/03/2015.
62
51
Foto tirada por mim dos msicos da Roda de Choro da Escola de Msica de Braslia, em 16/04/2015. Um
leitor mais observador deve ter reparado que o bandolim de Vitor Angeleas de dez cordas, instrumento que
vem ganhando a preferncia de bandolinistas brasilienses.
63
Numa roda de choro sem cavaquinho de centro, mesmo com vrios violes, se sente a
falta do ritmo balanado e alegre do pequeno instrumento, como confirma o cavaquinista
Henrique Cazes:
Aproveito para citar dois nomes de acompanhadores de cavaquinho que ficaram para a
histria e nos deixaram suas experincias em registros fonogrficos: Canhoto e Jonas.
Jonas Pereira da Silva (1934-1997), apesar de ter sido excelente solista, ficou famoso
com seu cavaquinho de centro no Conjunto poca de Ouro, fundado por Jacob do Bandolim.
O Jacob dizia: ele o nico cavaquinho que tem uma palhetada para cada
msica. Para cada choro ele inventava uma palhetada que dava um apoio
brbaro... ele era muito bom! Ele no adiantava, no atrasava... me dando
apoio (SILVA, 2014).
Vimos que o cavaquinho est presente desde o incio da formao da nossa msica
brasileira, e com o choro no diferente: o cavaquinho est l, como instrumento solista e
como instrumento acompanhador.
O samba, ou samba moderno, ou samba de raiz, que conhecemos nos dias de hoje,
sofreu a influncia de outros ritmos e danas brasileiros, como o lundu, a modinha, o maxixe
e o prprio choro. Suas origens esto nas danas de razes africanas, chamadas batuque, que
eram praticadas por escravos negros na zona rural no sculo XIX. Num sentido mais
abrangente, qualquer manifestao que reunisse canto, dana e uso de instrumentos dos
negros era conhecida como batuque. Esse era ento um termo genrico para designar festejos.
O sentido amplo permaneceu na literatura colonial at o incio do sculo XX, quando a
palavra samba passou a suplantar a palavra batuque (DINIZ, 2010, p. 15).
Na prtica do batuque era comum a formao de uma roda feita pelos integrantes, que
danavam, batiam palmas e cantavam no estilo responsrio, em que um ou mais solistas
cantavam a melodia depois repetida pelo coro. No meio da roda, um integrante se apresentava
65
e fazia uma demonstrao de suas habilidades com a dana. Em seguida, se dirigia a um dos
participantes, em geral do sexo oposto, e lhe dava uma umbigada que tinha a conotao de um
convite para danar. Os dois podiam fazer uma coreografia de par separados antes do
convidado substiuir o primeiro danarino. Se pode admitir que a palavra samba tem sua
origem no termo semba , que na lngua africana bantu significa barrigada (NIN, 1990, p. 30).
Sobre a umbigada, o escritor Carlos Sandroni nos esclarece, em seu livro Feitio
Descente:
As prticas da umbigada foram incorporadas pelo samba de roda baiano, que por sua
vez teve influncia direta no samba como o conhecemos hoje, o samba carioca, ou samba de
raiz. Ento, o samba nasceu na Bahia e foi para o Rio de Janeiro, onde ganhou nova roupagem.
O samba de raiz nasceu no Rio de Janeiro.
Com os negros baianos vieram as suas danas, seus batuques, suas rodas de capoeira e
pernadas e o Samba de Roda Baiano, que passaram a ser praticados com frequncia nas ruas,
nas praas do novo bairro e nas famosas festas nas casas das tias baianas, que eram
senhoras gordas quituteiras, que davam festas para comemorar as datas do calendrio do
candombl (ALBIN, 2003, p. 66).
SANDRONI, 2001, p. 133). Dentre os frequentadores dos pagodes de Tia Ciata destacamos
os msicos Pixinguinha, Joo da Baiana, Donga e Heitor dos Prazeres, que tocava cavaquinho.
52
Disponvel em: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/centenario-de-assis-valente. Acesso em: 19/04/2015.
68
Negra baiana que migrou para o Rio de Janeiro ainda no sculo 19, Ciata
vendia doces vestindo turbante e saia do candombl. Era a tpica figura que
inspirou a ala das baianas do desfile das escolas. noite e nos fins de
semana, msicos, polticos e intelectuais, jornalistas e amigos iam para o
samba na casa dela at ento, samba significava um evento, uma festa e
no um tipo de msica. O novo estlo saiu da criatividade daquele grupo de
amigos (NARLOCH, 2011, p. 147- 48).
Nas reunies na casa de Tia Ciata nasceu o samba Pelo Telefone, dos compositores
Donga (Ernesto dos Santos) e Mauro de Almeida, jornalista conhecido como Peru dos Ps
Frios. Em 1917, Pelo Telefone foi gravado na voz de Baiano (Manoel Pedro dos Santos,
1887-1944) e tornou-se febre no carnaval. a partir de ento que a palavara sambaentra
no vocabulrio da msica popular (SANDRONI, 2001, p. 17). O historiador Andr Diniz
acrescenta:
Hermano Vianna concorda com a criao coletiva da msica Pelo Telefone e registra o
mal estar que a polmica gerou entre os sambistas pioneiros:
Tarik de Souza, em seu livro Tem Mais Samba: Das Razes Eletrnica, ilustra a
passagem do samba amaxixado para o samba do Estcio:
Seja nas danas africanas das roas, o batuque, seja nas casas das Tias Baianas , nas
ruas da Cidade Nova, com o samba amaxixado, ou no Estcio, com o samba do malandro
carioca, o cavaquinho esteve sempre presente, ajudando, com seu apoio rtmico e harmnico,
a trilhar o caminho da desenvoltura do samba, fazendo a ligao entre os instrumentos de
percusso e a harmonia. Como j dizia o antigo samba: Samba sem cavaquinho no samba.
E eu acrescento: a msica do Brasil, sem o cavaquinho, seria muito menos interessante
(RABELLO apud DINIZ, 2008, p. 72).
Paulinho da Viola, na primeira estrfe do seu samba Argumento, faz uma crtica a
possveis mudanas em relao aos instrumentos usados no samba, que ele prprio tinha
observado. E confirma que no samba tem que ter cavaquinho:
A pintura acima, de Heitor dos Prazeres, retrata uma prtica importante da nossa
msica brasileira, o samba feito na rua. Podemos ver, da esquerda para a direita, uma
danarina, um pandeirista, um flautista, um violonista, um cavaquinista e outra danarina.
Nota-se que o artista quer mostrar a noo de movimento que existe na cena, de modo a
transparecer que esto todos tocando, cantando e danando. O nosso cavaquinho est presente
na tela, reafirmando a importncia do instrumento no samba.
Os compositores Joo Bosco e Aldir Blanc, em seu samba Kid Cavaquinho, mostram a
ligao do cavaquinho com o samba e como esse instrumento influente na sociedade amante
do samba, a ponto de mesclarem situaes do quotidiano do sambista com o prprio
instrumento. Os dois primeiros versos sugerem que um cavaquinho, ao lado de instrumentos
de percusso, j o bastante para se tocar um bom samba. Em seguida, os autores fazem
comparaes que mostram a fora do cavaquinho.
53
Disponvel em: http://temasdeartecontemporanea.blogspot.com.br/2013/09/heitor-dos-prazeres-um-homem-
do-povo.html. Acesso em: 19/04/2015.
71
Enquanto o cavaquinho dos blocos acabou sendo o cavaquinho das Escolas de Samba,
o cavaquinho nos Regionais de Choro passou a acompanhar toda sorte de estilos musicais nos
programas de rdio. Com o aparecimento do novo samba, o samba batucada, o samba do
Estcio, o samba moderno, os Regionais procuraram descobrir um jeito de dar uma roupagem
satisfatria ao novo gnero. Os cantores de samba da poca, como Carmen Miranda,
Francisco Alves e Orlando Silva, davam preferncia ao acompanhamento do Regional de
Benedito Lacerda, que tinha Canhoto como cavaquinista e o balano perfeito para
acompanhar o novo samba. Foi a partir da que o cavaquinho se fixou definitivamente como
instrumento essencial no acompanhamento do samba. At hoje o principal mercado de
trabalho para os cavaquinistas o samba (CAZES, 2012).
54
Geral: parte de um estdio de futebol, hoje extinta, onde os expectadores assistiam aos jogos em p, no nvel
do gramado. As brigas que ali aconteciam entre os torcedores, ficaram famosas.
72
Viola, que ajudou a popularizar o cavaquinho na dcada de 1970. O bom cavaquinista tem o
ouvido apurado e um swing de mo direita que transforma o instrumento, por meio das
palhetadas, em elementos de percusso tambm (MACHADO & MARTINS, 2006, p. 96).
Mais recentemente, uma nova verso do samba ganhou fora e dominou o mercado
fonogrfico, o pagode. Com o pagode, entrou em voga o banjo-cavaco, que um banjo com a
mesma escala e afinao de um cavaquinho e, aproximadamente, o mesmo comprimento, no
entanto com a caixa de ressonncia arredondada e, em seu tampo, uma pele de couro ou
acrlico esticada por uma armao de metal que lhe confere um volume de som muito alto.
importante frisar que o cavaquinho tambm usado no pagode, ao lado do banjo-cavaco. Na
figura a seguir temos uma foto de um banjo-cavaco e de um cavaquinho, onde se pode
constatar que os dois instrumentos possuem tamanhos semelhantes.
55
Foto tirada por mim, em 10/04/2015, de instrumentos de minha coleo pessoal.
73
Vimos nessa parte do trabalho que o samba nasceu na Bahia e migrou para o Rio de
Janeiro onde ganhou uma nova cara, nascendo assim o samba carioca, esse que conhecemos
hoje e ficou famoso no mundo todo. Vimos tambm que o cavaquinho esteve presente nas
transformaes socio-culturais que levaram ao nascimento do samba. E ainda que o
cavaquinho est vivo. Presente no samba atual, com sua fora rtmica-harmnica e sua alegria
danante.
Msica Popular aquela que criada por autor conhecido, dentro da tcnica
mais ou menos aperfeioada e se transmite pelos meios comuns de
divulgao musical (ALMEIDA, 1971, p. 90).
popular criada por um autor conhecido, seguindo uma tcnica estudada e divulgada por
meios como rdio, televiso, partituras, entre outros.
2.4.1 - Maxixe
Considerada a primeira dana urbana surgida no Brasil. Foi por algum tempo
expoente da nossa dana urbana, tendo cedido lugar ao samba. Resultou da
fuso da habanera pela rtmica, e da polca pela andadura, com adaptao da
sncopa africana (CASCUDO, 2012, p. 443).
Considerada dana indecente, por seu carter ldico e sensual, o maxixe foi
marginalizado por boa parte da sociedade. A dana ganhou fora ao ser tocada em clubes
carnavalescos e no Teatro de Revista, sendo divulgada por grupos de choro, bandas de
msicas e pianeiros (DINIZ, 2006, p. 24). Ao que parece, a primeira apresentao do
maxixe no teatro carioca ocorreu em 1883 no espetculo A Caradura, cuja maior atrao
era os trechos de maxixe cantados e danados (ALBIN, 2006, p. 463).
O Maxixe, como j foi dito, nasce como dana popular urbana e, aos poucos,
se transforma em msica instrumental e tambm em cano, muito difundida
pelo Teatro de Revista. Muitos elementos musicais do maxixe esto
presentes no choro; a diferena est na sua funo social: maxixe era msica
para se danar, e o choro no trazia esta mesma inteno (CESAR, 2013, p.
30).
Como gnero musical, o maxixe se parece com o samba e, como vimos, acabou por
influenciar compositores da primeira fase do samba feito no Rio de Janeiro - o samba
amaxixado -, entre eles, Donga e Sinh. O cavaquinho estava por l, como instrumento
75
2.4.2 - Baio
Este gnero musical nasceu no Nordeste e seu nome deriva de uma dana denominada
baiano,56que, segundo Jos Ramos Tinhoro, uma forma especial dos violeiros tocarem
lundus na zona rural do nordeste (TINHORO, 2013, p. 51).
Jos Siqueira de Alcntara (1937), mais conhecido como Siqueira do Cavaco, tambm
comps um baio no cavaquinho, Influncia da Regio, onde se percebe o entrelaamento do
baio com o frevo de Pernambuco, sua terra natal. Ormindo Fontes de Melo (1933), o Toco
56
O baiano um produto do mestio; a transformao do maracatu africano, das danas selvagens, e do fado
portugus (CASCUDO, 2012, p. 88).
76
Preto, atuou com seu cavaquinho acompanhando grupos de msica nordestina. Sobre esses
msicos falaremos um pouco mais no terceiro captulo.
2.4.3 - Pastoril
O pesquisador Joo Ferreira Gomes, mais conhecido como Jota Efeg, completa:
frente desses bandos festivos, graciosa menina vestida com alva tnica
branca trazia na ponta de uma vara, o mais alto possvel, uma pequenina
estrla. Era a guia, a estrela que levara os magos do Oriente estrebaria
humilde onde se encontrava o Messias (EFEG, 2007, p. 17).
Os Pastoris ou pastorinhas evoluram para autos, mais profanos que religiosos, como
escreveu Oneyda Alvarenga:
2.4.4 - Rancho
Os ranchos trazem um figurante principal que d nome ao rancho, podendo ser uma
planta, um objeto, um personagem de fbula ou preferencialmente um animal que conduzido
lapinha. Alm de pastoras, existem elementos ornamentais como balizas, porta-machados,
porta-bandeiras, mestres-salas e ainda um ou dois personagens que lutam com a figura
principal. A dana o lundu sapateado (MELLO, 1998, p. 663).
Nos antigos ranchos os folies cantavam seus versos e foi a que se deu o surgimento
do gnero musical marcha. Chiquinha Gonzaga comps a marchinha Abre Alas, para o
cordo carnavalesco Rosas de Ouro, cantada at hoje nos bailes carnavalescos. Os ranchos
foram o embrio das Escolas de Samba (CAZES, 2012).
Jos Ramos Tinhoro nos ajuda a entender esse momento da nossa msica brasileira
de carnaval:
2.4.5 - Marcha
A marcha um ritmo carnavalesco que tem sua origem nos grupos denominados
ranchos, surgidos na segunda metade do sculo XIX e que tinham entre seus instrumentos o
cavaquinho.
Vimos que o cavaquinho, mais uma vez, auxiliou com sua sonoridade as mudanas e
transformaes que ocorreram na nossa msica. Dessa vez, presente entre os instrumentos que
faziam parte das orquestras dos ranchos. A funo bsica do cavaquinho na marcha de
instrumento acompanhante, podendo fazer pequenas intervenes meldicas.
2.4.6 Frevo
Luis da Cmara Cascudo emite suas idias a respeito do parentesco entre o frevo e a
marchinha, em seu livro Dicionrio do Folclore Brasileiro:
O livro Frevo Cem Anos de Folia traz referncias sobre os blocos lricos, o frevo de
bloco, inicialmente denominado marcha de bloco:
57
Disponvel em: http://www.recife.pe.gov.br/especiais/brincantes/2c.html. Acesso em: 05/01/ 2015.
81
Figura 30 - Fobica59
Na imagem anterior vemos o que foi o embrio do Trio Eltrico, a Fobica, um Ford
1929. Empunhando as guitarras baianas, da esquerda para a direita os irmos Aroldinho e
Armandinho, sentado o pai Osmar Macedo, com o pau eltrico 60. Os outros no foram
identificados.
58
Como j vimos, na guitarra baiana se usa as afinaes de bandolim e de cavaquinho.
59
Disponvel em: http://bragganeto.blogspot.com.br/2012/02/antigamente-era-assim-o-primeiro-trio.html.
Acesso em: 07/02/2015.
60
Pau Eltrico: instrumento inventado por Osmar Macedo que somente o brao do cavaquinho eletrificado,
com som amplificado. Depois, acoplado o corpo de madeira macia, se transformou na guitarra baiana.
82
Mos Meu Cavaquinho (1976), gravou o Frevo da Lira, uma composio sua em parceria
com Luiz Lira. Ambos os discos foram lanados pela gravadora Continental.
2.4.7 Fandango
Segundo Lus da Cmara Cascudo, a palavra Fandango tem vrios sentidos no Brasil.
No Norte e Nordeste tambm conhecido como Marujada, Chegana de Marujos ou Barca, e
se trata de uma dana dramtica, mais especificamente um auto, que acontece na poca do
Natal, com personagens vestidos de marinheiro que cantam e danam ao som de uma
orquestra formada por rabecas, violes, violas, cavaquinhos e banjos. A msica possui
influncia europeia por suas solues meldicas e quadratura das estrofes cantadas. O tema
relacionado com as grandes navegaes portuguesas. Os marujos puxam pelas ruas um
pequeno navio, com as velas abertas, at um tablado geralmente armado em frente matriz,
onde acontece a representao, sempre ao ar livre (CASCUDO, 2012, p. 291-292).
61
Disponvel em: http://www.aposolhe.blogspot.com.br/2007/08/Fandango-caiara.html. Acesso em: 09/06/2015.
83
Oneyda Alvarenga, em seu livro Msica Popular Brasileira, aponta para outra
formao de msicos na Chegana de Marujos: Melo Moraes Filho se refere para a chegana
de marujos a guitarras, violes, cavaquinhos, pisto, rabeca, flauta ou clarineta
(ALVARENGA, 1950, p. 75).
Na figura anterior podemos observar um cortejo de Folia de Reis com seus palhaos,
suas bandeiras e entre os msicos um tocador de cavaquinho que harmoniza os cantos ao lado
de dois violeiros.
2.4.9 - Bumba-meu-boi
63
Disponvel em: <http://3.bp.blogspot.com/-
8DJ1CENDqrE/T2dooawCGwI/AAAAAAAACXs/zPox5m6zqpc/s1600/folia+de+reis1.jpg>. Acesso em:
05/01/2015.
85
que fundou na capital federal um Instituto de Percusso com seu nome. Ao ser indagado sobre
o cavaquinho no Boi do Maranho, Pial declarou:
Nota-se que o aparato instrumental do Boi varia de regio para regio e pode ser
bastante diversificado. No Dicionrio do Folclore Brasileiro encontramos a seguinte
definio para Boi-Bumb com uma proposta de instrumentao que usa o cavaquinho:
Festa popular que se realiza em Belm do Par e nos seus arredores, pelo
So Joo. Consiste na exibio de um boi de pau e pano, conduzido por dois
personagens Pai Francisco e Me Catirina que so acompanhados por
dois ou trs cavalos e uma orquestra composta de rabecas e cavaquinhos.
uma variante transparente do Bumba-meu-boi do Nordeste (CASCUDO,
2012, p.117).
64
Disponvel em: http://euvejoarte.blogspot.com.br/2011/07/Bumba-meu-boi-de-una-trofeu-destaque-no.html
Acesso em: 05 /01/ 2015.
86
2.4.10 - Moambique
A origem do nome vem de dana africana do tempo da escravido. Era praticada nos
sertes pelos primeiros escravos mineiros que trabalhavam na extrao de ouro. Hoje o
Moambique africano s no nome, perdeu grande parte de seus elementos tipicamente
negros, como o canto em unssono, a formao em roda, a figura de um ou dois solistas no
centro. Com motivos populares e religiosos, faz devoo Nossa Senhora do Rosrio, a So
Benedito e aos festejos do Divino. Ocorre nos estados de Gois, Minas Gerais, So Paulo e
Rio Grande do Sul (CASCUDO, 2012, p. 454-55).
Os folies simulam uma batalha de bastes, que representam espadas, com coreografia
movimentada dispostos em filas ou arabescos. Suas vestimentas so tnicas azuis ou
vermelhas com guizos presos aos tornozelos e capacetes enfeitados de fitas e espelhos. Os
instrumentos usados so de percusso, mas podem aparecer conjuntos com viola, violo,
rabeca e cavaquinho (ibidem).
2.4.11 - Congada
A msica executada por viola, cavaquinho, tambores, caixa, pandeiro e vrios tipos
de chocalhos. A Enciclopdia da Msica Brasileira, sob coordenao de Oneyda Alvarenga,
confirma a presena do cavaquinho no Moambique e nas Congadas paulistas
(ALVARENGA, 1998, p. 185; 210).
2.4.12 - Jongo
uma dana africana que ocorre nos estados de So Paulo, Minas Gerais, Esprito
Santo e Rio de Janeiro, de forte parentesco com o samba. Seus participantes se vestem de
branco e as mulheres usam saias rodadas, que lembram as baianas.
Os danarinos se dispem em uma roda que gira no sentido lunar, sentido anti-horrio,
comum em danas africanas. Dois deles, geralmente um homem e uma mulher, vo para o
centro da roda, onde travam uma espcie de batalha, exibindo os mais variados passos. A
dana lenta, semelhante que vemos no candombl, com passinhos pra frente e pra trs, que
so acompanhados pelos movimentos de braos no mesmo sentido. Por vezes os danarinos
giram em torno de si mesmos (CASCUDO, 2012, p. 379).
O Jongo cantado por um ou mais solistas, com resposta cantada pelo coro,
acompanhado pelos tambores tamb, candongueiro e gazung, ao lado da cuca e da angoia
(cestinha de vime com caroos), que produz um som semelhante aos chocalhos.
2.4.13 - Carimb
uma dana que apresenta traos da cultura amerndia, africana e portuguesa, nascida
no estado do Par, onde tradio local. Formado um crculo de homens e mulheres, uma
danarina vai ao centro, geralmente vestida de baiana, e dana com seus requebres e trejeitos.
Gira em torno de si mesma, jogando a barra da saia sobre o parceiro mais prximo, cobrindo-
-o e causando hilaridade. Se a saia no cobrir o visado, a danarina substituda na posio
que ocupava na roda. Os instrumentos usados so o carimb (tambor escavado em tronco),
pandeiro, reco-reco e, ocasionalmente, instrumentos de cordas (CASCUDO, 2012, p. 76). O
Carimb que, segundo Ricardo Cravo Albin, tem sonoridade semelhante ao batuque, foi
divulgado pela cantora Faf de Belm na dcada de 1970 (ALBIN, 2006, p. 154). Em viagem
cidade de Belm do Par, no ano de 2012, assisti a uma apresentao de Carimb, que tinha
entre seus instrumentos acompanhantes um banjo-cavaco. Na festa de So Benedito em
Bragana (PA), o Carimb conhecido como Retumbo e uma das danas da Marujada. L
se usa os tambores grande e pequeno, a cuca (tambor-ona), o cavaquinho, a rabeca, a viola e
o violino (CASCUDO, 2012, p. 612).
2.4.14 - Cacuri
O Cacuri uma dana de roda tpica maranhense que surgiu na dcada de 1970,
portanto nova, porm j catalogada no Departamento de Turismo do Estado do Maranho.
apresentada nas comemoraes da Festa do Divno. Alauriano Campos de Almeida, criador
do Cacuri, explica que a dana uma mistura de samba, marcha, valsa e chorado (lundu),
o que exige muito esforo fsico65.
65
Informaes obtidas no artigo publicado em A Gazeta. So Paulo, 14 de outubro de 1975. Disponvel em:
http://jangadabrasil.com.br/revista/agosto69/fe69008c.asp. Acesso em: 10/06/2015.
89
A msica est sempre se modificando, uma arte dinmica, sujeita aos mais diferentes
segmentos culturais. A troca constante de informaes abre um leque de possibilidades
meldicas, harmnicas e rtmicas, colocado disposio dos msicos e dos compositores. Na
fronteira entre gneros ou estilos musicais encontramos elementos que, quando mesclados,
possibilitam o surgimento de um terceiro que passa a constituir uma nova fronteira de
possibilidades.
e determinao, estando sujeito rejeio como tambm a aceitao, por meio de processos
intra e extra-musicais. Esses aspectos se refletem nas prticas de se tocar um instrumento, a
partir do momento em que o msico as utiliza enquanto campo de experimentao em
processos criativos. Nesse sentido, inovao poderia ser entendida tambm como renovao.
Mestre dos mestres, que se celebrizou com o seu aprendiz Mrio, cujo
discpulo venceu naquela poca todas as dificuldades do instrumento
transformando, a sua tonalidade de quatro cordas para cinco, enquanto isso
Galdino, continuava com o seu cavaquinho de quatro cordas tirando
92
Mrio Alves Conceio (1861 - 1905). Existe at os dias atuais uma dvida sobre o
seu nome, que pode ser encontrado como Mrio lvares. Instrumentista e compositor tocava
cavaquinho de quatro e de cinco cordas, alm da bandurria (cordfono semelhante ao
bandolim). Tambm participou da serenata para Santos Dumont. Ficou famoso nas rodas de
choro do final do sculo XIX e incio do sculo XX (MELLO, 1998, p. 482). Entre as rodas
de choro que Mrio frequentava, uma se dava na casa de Pixinguinha, como consta na
Enciclopdia da Msica Brasileira: Samba e Choro:
Clebre no cavaquinho foi Mrio Alves, que Catulo Cearense celebrou: Esse
instrumento em suas mos era uma maravilha! Alm de executor, foi
compositor. Mrio, repito, foi assombroso nesse violozinho de quatro
cordas!!! (ANDRADE, 1989, p.124).
66
Disponvel em: http://www.dicionariompb.com.br/nelson-alves. Acesso em: 23/12/2013.
93
No incio dos anos 1950, formou dupla com Jos Meneses, msico que tocava vrios
instrumentos de cordas. A dupla se apresentava no programa Nada Alm de Dois Minutos, de
Paulo Roberto, na Rdio Nacional. Ali Garoto trocava de instrumentos sem perder a
sequencia das msicas, alternando violo, guitarra, violo-tenor e cavaquinho. Ainda com
Jos Meneses atuou em outros programas, como Ao Som da Viola e Um Milho de Melodias,
nos quais eram solistas da Orquestra da Rdio Nacional, alm de terem gravado vrios discos
(ANTNIO & PEREIRA, 1982, p. 61).
Acompanhou, integrando o Bando da Lua, Carmen Miranda, com a qual viajou para os
Estados Unidos. Deixou composies como: Desvairada, Duas Contas, Sinal dos Tempos,
Meu Cavaquinho e So Paulo Quatrocento. Essa ltima, com letra de Avar, uma
homenagem aos quatrocentos anos da cidade de So Paulo e vendeu 700 mil cpias.
tambm de sua autoria a melodia do samba-cano Gente Humilde, que mais tarde, ganhou
fama ao receber letra de Chico Buarque e Vincius de Morais.
67
Todas as informaes sobre Garoto foram extradas do livro: Garoto Sinal dos Tempos.
94
primeira msica no cavaquinho, o choro Meus Oitos Anos. Como solista, na Cear Rdio
Clube, conheceu o radialista carioca Csar Ladeira, que convidou o jovem msico para
trabalhar na Rdio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, onde passou a dirigir dois programas
semanais, adquirindo grande prestgio como solista. Em 1947, transferiu-se para a Rdio
Nacional, onde trabalhou por aproximadamente 25 anos e fez a dupla com Garoto, citada na
pgina anterior (MELLO, 2000, p. 150).
Nos anos 1960, com a queda do prestgio do choro, em decorrncia do auge da bossa
nova, Z Meneses fundou o grupo Velhinhos Transviados que, com arranjos satirizados, fez
grande sucesso. Segundo o prprio Z Meneses, em depoimento no documentrio Apanhei-te
Cavaquinho Episdio I, o grupo gravou 15 LPs (CAZES, 2012).
No ano de 2012, fez turn pelo Brasil comemorando seus 90 anos de vida e 80 de
carreira. Nessa ocasio, nos presenteou com um show na Escola de Msica de Braslia, onde
atuo como professor de cavaquinho.
Waldir Azevedo (1923-1980) , sem dvida, identificado como o mais clebre solista
de cavaquinho. A respeito da data de nascimento de Waldir, o cavaquinista Henrique Cazes
observou uma curiosidade:
O dia 27 de janeiro tem importncia especial para a msica, pois foi nele que
nasceram Wolfgang Amadeus Mozart e, a exatos 150 anos depois, Radams
Gnattali. Mas h ainda outro aniversariante que fez histria... (CAZES,
1998, p. 107).
68
Disponvel em: <http://chorinhonaescola.blogspot.com.br/2011_06_01_archive.html>. Acesso em: 10/03/15.
95
Waldir desenvolveu uma tcnica para tocar o cavaquinho com a qual ele aproveitava
de forma plena a sonoridade e facilidades do instrumento. Usava as cordas altas, que apesar
de exigir mais fora do executante ao pressionar as cordas, aumenta a sonoridade. Tocava sem
apoiar a mo direita no cavaquinho e se valia de arpejos, tangendo as cordas com a palheta em
uma s direo, efeitos que ajudam na velocidade, no volume e limpeza das notas. Outra
tcnica que ele usava era a de tocar alternadamente uma corda, ora presa, ora solta, o que
fornece uma resposta musical muito boa. Sobre a execuo de Waldir, Ana Claudia Cesar
complementa:
O outro ponto que deve ser observado a execuo de notas que so tiradas
de um arpejo (notas de um acorde executadas uma aps a outra) esse recurso
muito explorado pelo instrumentista: as notas da melodia so notas do
acorde, e isso faz com que a execuo seja mais precisa e rpida, pois a mo
est formatada e toca-se cada nota sem movimentar os dedos; este
aproveitamento das notas dos acordes para a construo de uma melodia
recorrente em toda a obra de Waldir Azevedo (CESAR, 2013, p. 56).
Sua primeira composio, Brasileirinho, um choro ligeiro que surge de uma forma
curiosa, como nos revela Henrique Cazes:
Um sobrinho pequeno insistiu para que o tio tocasse alguma coisa com um
cavaquinho de brinquedo que s tinha uma corda. Nasceu ali o tema de
Brasileirinho (CAZES, 2010, p.14).
Somente ter talento no basta para fazer sucesso, preciso ter sorte, e isso Waldir teve.
Primeiramente, a Continental ficava no mesmo prdio da Rdio Clube e, alm disso, o seu
principal artista de choro, Jacob do Bandolim, acabava de pedir demisso deixando um vazio
na gravadora.
No ano de 1950, Brasileirinho ganhou letra de Pereira Costa e foi gravado pela
cantora Ademilde Fonseca, que voltou s paradas de sucesso. Em seguida, esse chorinho
rpido que convidava para danar, foi gravado por dezenas de artistas no Brasil e no exterior.
Brasileirinho tornou-se pea indispensvel no repertrio dos cavaquinistas e, muitas vezes,
tocado no fechamento das rodas de choro. Pode-se dizer que esta composio o Hino
Nacional do Cavaquinho.
Delicado tambm ganhou letra e foi gravado por Carmen Miranda, cantora que
conquistou o Brasil e o exterior na poca urea do rdio. Esse fato ajudou no sucesso da
composio. Nos Estados Unidos, em verso instrumental, com a Orquestra Percy Faith, o
baio de Waldir esteve em primeiro lugar nas paradas de sucesso (CASTRO, 2005, p. 542).
Em uma turn ao Oriente Mdio, Waldir encontrou, em uma feira no deserto, uma caixinha de
msica que tocava o Delicado.
O que levou Waldir a fazer tanto sucesso foi uma juno de fatores: talento, tcnica,
criatividade, pioneirismo e inovao; aliados a um meio social propcio, num momento
favorvel e sorte. O auge dos Regionais nas rdios deixou em evidncia todos os que deles
faziam parte e Waldir estava l. A evoluo das tcnicas de gravao proporcionou discos de
97
melhor qualidade sonora, que certamente corroboraram para o sucesso de Waldir Azevedo.
No entanto, todos esses fatores, talvez, no teriam surtido efeito se Waldir no estivesse no
lugar certo, na hora certa, fazendo a coisa certa.
interessante notar que Waldir compunha suas msicas com apenas duas partes, o que
foge regra tradicional do choro em trs partes, na forma rond, na qual se expe a primeira
parte (A), em seguida a segunda (B), volta-se para a primeira (A), toca-se a terceira (C) e, por
fim, finaliza-se com a primeira (A).
Alguns anos antes, Pixinguinha teria sido criticado por compor o choro Carinhoso
com duas partes e influncia norte-americana, como nos confirma o crtico Cruz Cordeiro:
Parece que o nosso popular compositor ainda muito influenciado pela msica do jazz [...]
nesse seu choro, cuja introduo um verdadeiro fox-trot, no nos agradou (CORDEIRO,
1930, p. 13).69
No ano de 1971, Waldir transferiu-se pra Braslia, onde sofreu um acidente com um
cortador de grama, quando teve decepada a ponta do dedo anelar esquerdo. Feito o implante e
recuperado, Waldir voltou a tocar. Em agradecimento, comps a msica Minhas Mos Meu
Cavaquinho, gravada em LP do mesmo nome. Essa composio possui melodia suave com
andamento lento, que termina com um trecho da Ave Maria de Bach e Gounod.
Waldir explorou de tal forma as facilidades sonoras do cavaquinho que acabou criando
a impresso de que era fcil chegar quele resultado. Assim, logo apareceram vrios
imitadores. Dizem que havia um no bairro de Jacarepagu que tocava to parecido com ele,
que Waldir o usava como substituto em programas de rdio (CAZES, 2010, p. 47).
69
Disponvel em: <revistaphonoarte.com>. Acesso em: 15/03/2015.
70
Informaes sobre Avendano disponveis nos sites: http://pelotascultural.blogspot.com.br/2012/06/avendano-
junior-viveu-para-o-cavaquinho.html e
http://avendanojunior.musicblog.com.br/. Acesso em: 08/02/2015.
98
soube assimilar. No LP Minhas Mos Meu Cavaquinho, Waldir gravou a msica Assim
Traduzi Voc, uma composio de Avendano Jnior.
O carioca Valmar Gama de Amorin (1949) comeou sua carreira profissional nos
anos sessenta, trabalhando em conjuntos regionais em diversas emissoras de rdio. Foi
cavaquinista de centro no Regional de Abel Ferreira e no Regional de Altamiro Carrilho, em
1970. Foi convidado por Waldir Azevedo para participar do disco Minhas Mos Meu
Cavaquinho (1976), apresentando-se com o mestre por todo o Brasil, ocasio em que
aprendeu as tcnicas de execuo no cavaquinho desenvolvidas por Waldir.
71
Dados sobre Canhotinho em: <http://opontodosmusicos.blogspot.com.br/2014/11/canhotinho.html>. Acesso
em: 08/02/2014.
99
Ormindo Fontes de Melo ou Toco Preto73 (1933), ganhou fama nos tempos do rdio
como solista e acompanhador. Em sua carreira profissional trabalhou nas Rdios Mayrink
Veiga, Tupi e Tamoio. Como cavaquinho de centro, trabalhou com o sambista Roberto
Ribeiro e acompanhou grupos de msica nordestina. Em 1977, ao lado de Z da Velha
(trombone), Josias Nunes (flauta), Rubens (trompete), Valdir (violo 7 cordas), Jairo (violo),
Parada (surdo) e Jayme (pandeiro) participou do Grupo Chapu de Palha, com o qual gravou
dois discos, onde foram includas composies suas, entre as quais Tema Chapu de Palha. O
grupo se apresentava a carter, representando o malandro carioca, camisa listrada, calas e
sapatos brancos e chapu de palha com abas rgidas.
Entre seus discos gravados, em que Toco Preto interpreta clssicos da msica
brasileira, elencamos o LP Chora Cavaquinho, com as faixas Banho de Cheiro (Carlos
Fernando), Manh de Carnaval (Luiz Bonf e Antnio Maria) e Sonho Meu (Dona Yvone
Lara e Dlcio Carvalho) e o CD MPB em Chorinho, que traz Pecado Capital (Paulinho da
Viola), A Noite do Meu Bem (Dolores Duran) e Proposta (Roberto Carlos e Erasmo Carlos).
72
Dados sobre Waldir Silva por Ailton Magioli, Reprter Cultural do Jornal Estado de Minas, enviados no email
Waldir Silva: O Seresteiro Sai de Cena em 02/09/13, repassado em 03/09/13 por Jorge Cardoso Moura
[email protected] e recebido por [email protected], adicionados aos dados
encontrados no Dicionrio Cravo Albin, disponvel em: <http://www.dicionariompb.com.br/waldir-silva/dados-
artisticos>. Acesso em: 05/02/2015.
73
Dados sobre Toco Preto: http://www.dicionariompb.com.br/toco-preto. Acesso em: 05/02/2015.
100
Pernambuco do Pandeiro. Tocou tambm no Hotel Araraquara, na famosa feijoada, que era
ponto de referncia do choro em Braslia, por onde passaram msicos do quilate de Z da
Velha, Dominguinhos e Carlos Poyares e ainda no Bar Calipso e no Bar Cavaquinho. Nesse
ltimo, em uma de suas apresentaes, encontrava-se no pblico Waldir Azevedo, que estava
procurando msicos para integrar seu novo conjunto (TEIXEIRA & RIOS, 2012).
Eli, que estudava a fundo a obra de Waldir, passou a atuar como cavaquinista de
centro, na nova formao de msicos que iria acompanhar o compositor de Brasileirinho, em
suas novas investidas, agora como morador de Braslia (idem).
No ano de 2004, o Grupo Chapu de Palha, onde o msico j havia atuado, gravou de
sua autoria Tributo a Edson Sete Cordas, com participao do prprio Siqueira do Cavaco.
No Recife, teve outra composio gravada pelo Sexteto Capibaribe: Primavera, no CD
Choros Penambucanos.
Em 2012, foi a Lisboa onde ministrou oficina de cavaquinho brasileiro, com o apoio
do Clube de Choro de Lisboa. Com mais de 450 composies, s aos 76 anos, gravou seu
primeiro CD, Entre Ns, com 14 composies prprias, produzido pelos cavaquinistas
Wellington Monteiro e Pedro Cantalice.
74
Dados sobre Siqueira do Cavaco, disponveis em; http://www.dicionariompb.com.br/siqueira/dados-artisticos.
Acesso em: 05/02/2015.
101
Paulo Csar Batista de Faria (1942), o Paulinho da Viola, ficou famoso como
compositor de sambas, mas tambm comps choros ao cavaquinho, tais como Beliscando,
Choro Negro, Abraando Chico Soares, Orao de Outono, Inesquecvel, Choro de
Memrias, Rosinha Essa Menina, Sarau Para Radams e Um Sarau Para Raphael.
Sobre sua vivncia precoce com o gnero musical choro, o prprio Paulinho comenta,
no livro Canta Brasil, de Carlos Galilea Nin:
Nasci numa roda de choro e o samba entrou na minha vida muito tempo
depois, quando fiquei famoso com minha composio Foi um Rio que
Passou em Minha Vida (1969), lanada pela Portela, minha escola (NIN,
1990, p. 91).
Na sua composio Choro Negro, nota-se o sotaque do jazz em melodia lenta com
harmonia sofisticada. Em Sarau Para Radams, choro cheio de breques, com um toque
erudito, o compositor mistura o cavaquinho com pandeiro, piano, flauta e clarinete. Um
ouvinte apreciador de choros tradicionais poder questionar se realmente essa composio
um choro.
Sugeri uma formao que considerava ideal para uma orquestra, a princpio
uma orquestra de choro: quatro bandolins, dois cavaquinhos, duas violas
caipiras, dois violes, um violo de sete cordas, contrabaixo acstico e dois
percussionistas. [...] a OCB trouxe uma mistura j testada anteriormente por
Radams no incio da Camerata: msica barroca, no caso Concerto
Brandemburgus n 3 em sol maior, J.S.Bach e uma seleo dos grandes
compositores do choro como Jacob do Bandolim e Ernesto Nazareth, entre
outros (CAZES, 1998, p.195).
Prestes a completar uma dcada de sua fundao, a OCB, com dificuldades para se
manter, encerrou suas atividades. Trs anos depois, com proposta de trabalho semelhante,
surge o octeto Camerata Brasil. Sobre o acontecimento, Cazes nos esclarece: Mais enxuta e
com nvel tcnico mais homogneo, a Camerata Brasil uma consequncia apurada da OCB
(CAZES, 1998, p. 196).
Ao longo de sua carreira como solista, gravou vrios discos, entre os quais: Henrique
Cazes, Tocando Waldir Azevedo; Waldir Azevedo, Pixinguinha, Hermeto & Cia; Desde que o
choro choro e Relendo Waldir Azevedo. Como pesquisador escreveu, entre outros, os livros
Escola Moderna do Cavaquinho; Choro do Quintal ao Municipal; Waldir Azevedo, Coleo
Folha Razes da Msica Popular e foi protagonista no documentrio, Apanhei-te Cavaquinho,
gravado no Brasil, em Portugal, em Cabo Verde e no Hava. Todas essas fontes foram usadas
103
nesta pesquisa. Entre suas composies, destaco Desengomado, Mitsuro do Cavaco e Estudo
de Arpejo n1.
Jayme Vignoli75 (1967). Comeou a tocar cavaquinho aos treze anos e com dezessete
j atuava profissionalmente. compositor e arranjador. Foi um dos fundadores da Orquestra
de Cordas Brasileiras e integrou a Orquestra de Msica Brasileira, regida pelo maestro
Roberto Gnattali, sobrinho de Radams Gnattali. Vignoli participou do grupo de choro gua
de Moringa, que obteve grande aceitao de pblico no Brasil, Frana e Estados Unidos.
Acompanhou artistas famosos como Paulinho da Viola, Joel Nascimento, Nlson Sargento,
Monarco, Raphael Rabello, Chiquinho do Acordeon, Carlos Malta, Guilherme de Brito, Nei
Lopes, Martinho da Vila, lton Medeiros, Mestre Maral, Adriana Calcanhoto, Wagner Tiso,
Eduardo Dusek, Walter Alfaiate, Cristina Buarque, Rildo Hora, Beth Carvalho, Carlinhos
Vergueiro, Micha, Olvia Byington, Jards Macal, Ivor Lancellotti, Dona Ivone Lara, Zeca
Pagodinho, Dudu Nobre, Christina Buarque e Paulo Moura.
Seu trabalho como cavaquinista e arranjador tem recebido as mais calorosas crticas.
Nos anos de 2013 e 2014, veio a Braslia dividir seus conhecimentos sobre o cavaquinho no
Curso de Vero da Escola de Msica de Braslia. No seu trabalho autoral, aponto Moleque da
Penha76.
75
Dados sobre Jayme Vignoli disponvel em: http://www.samba-choro.com.br/artistas/jaimevignoli. Acesso em:
31/07/2014.
76
Disponvel em https://www.youtube.com/watch?v=1i-G-dJ8mQQ. Acesso em: 14/05/15.
77
Dados sobre Luciana Rabello disponvel em: http://www.dicionariompb.com.br/luciana-rabello/dados-
artisticos. Acesso em: 31/07/2014.
104
Luciana Rabello permaneceu por pouco tempo na Camerata Carioca, de onde saiu por
sentir necessidade de caminhar sozinha. Ao longo de sua carreira, Luciana tocou com diversos
artistas renomados e fez shows pela Europa:
Segundo o Dicionrio Cravo Albin on line, Luciana lanou disco solo em 2000 com
oito composies prprias e quatro composies dedicadas a ela.
Jorginho Gomes (1955?). Apesar de ter como seu primeiro instrumento a bateria,
toca percusso, bandolim e cavaquinho. Ex-integrante do grupo Os Novos Baianos, comps,
no cavaquinho, a msica Um Bilhete Pra Didi, que foi gravada no disco Acabou Chorare,
1972. O tema da msica um baio com forte apelo rtmico, que acaba evoluindo para um
rock, sugerindo uma maneira de tocar o cavaquinho, inspirado na tcnica usada nas violas
nordestinas, com a qual se toca uma corda do instrumento ora presa, ora solta78. De fato,
segundo depoimento do irmo do compositor, o guitarrista Pepeu Gomes79, essa msica foi
toda feita em uma corda s. O cantor e compositor Moraes Moreira80 considera a composio
de Jorginho como o Brasileirinho dos Novos Baianos.
78
Waldir Azevedo j utilizava essa tcnica, mas no com o sotaque das violas caipiras nordestinas.
79
Disponvel em; http://jornalggn.com.br/tag/blogs/bilhete-pra-didi. Acesso em: 28/03/2015.
80
Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=kXD5ZyGQAn0. Acesso em: 28/03/2015.
105
O cavaquinho est presente na Banda Mundo Livre S/A, que faz parte do movimento
Manguebeat, onde o rock foi misturado com ritmos de Pernambuco (BRITO, 2015). O
cavaquinista brasileiro That, em entrevista ao programa Casa do Brasil TV81, mostra que o
cavaquinho pode ser utilizado no bolero, no rock e no reggae. Bernardo Cascarelli Jr., o
Xixa82, conhecido como solista, centrista e compositor de choros, levou o cavaquinho para a
msica sertaneja ao participar dos discos Caipira (1981) e Violeiro (1982) de Rolando
81
Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=8F24Z3BzudE . Acesso em: 05/03/2015.
82
Dados sobre Xixa em: http://www.dicionariompb.com.br/xixa/dados-artisticos. Acesso em: 06/04/2015.
106
Hermeto Pascoal (1936), conhecido por seu trabalho instrumental inovador, toca
vrios instrumentos, entre os quais o cavaquinho, com o qual comps Desencontro Certo,
msica com traos jazzsticos, onde trava uma conversa com a viola caipira de Heraldo
Dumonte. Foi ouvindo essa msica que descobri que a tonalidade de mi bemol boa para
solar no cavaquinho, j que permite ao executante usar trs cordas soltas, o que facilita a
interpretao. No entanto, creio que Hermeto tenha sido o primeiro msico a utilizar essa
tonalidade no instrumento. Outra composio do msico que me chamou ateno Sorrindo,
melodia com razes no choro e no jazz.
Em Braslia, cidade onde moro, podemos sentir que a mistura cultural acontece de
modo muito intenso. A capital recebeu e recebe imigrantes de todas as partes do Brasil e
aglomera aqui a cultura de todas as regies do pas. Sendo o Brasil a mistura de dimenses
culturais distintas, ento Braslia a mistura da mistura cultural. Essa atmosfera multifacetada
um terreno frtil para o surgimento de um jeito novo de tocar.
O grupo brasiliense Liga Tripa, composto por msicos e poetas, apresenta um trabalho
composicional prprio. Alm de tocar ritmos tradicionais brasileiros, o grupo desenvolveu um
ritmo novo, um 6/8, que uma mistura de rock, reggae, balada e iii, chamado ligada. Os
instrumentos usados so dois violes (Aldo Justo e Srgio Duboc), um cavaquinho (Carrapa
do Cavaquinho), uma flauta (Toninho Alves), percusso (Fino), um contrabaixo monocrdio
acstico (Calouro) e vozes (todos).
Segundo informaes enviadas por e-mail84 pelo prprio Marinho e comprovadas pela
mdia, em 2004 o msico foi convidado por Reco do Bandolim para atuar como cavaquinho
de centro no Choro Livre, grupo oficial do Clube do Choro de Braslia, onde teve a
oportunidade de tocar com msicos famosos como Dominguinhos, Hermeto Pascoal, Derico,
83
Mrcio Marinho. Por Humberto Pontes, disponvel em http://marcio-
marinho.blogspot.com.br/2011/10/marcio-marinho-frango-do-cavaco.html. Acesso em: 31/07/2014.
84
SOUZA, Mrcio Marinho de. Entrevista e Release para Carrapa. Mensagem enviada por
[email protected] e recebida por [email protected] em 25/02/15.
108
Osvaldinho do Acordeo, Carlos Malta, Carlos Henrique Machado, Paulo Srgio Santos,
Paulo Moura, Sombrinha, Danilo Brito, Z da Velha e Silvrio Pontes entre outros. Nessa
poca comea sua carreira internacional, com viagens para Argentina, Peru, Uruguai, Bolvia,
Mxico, Dubai, Frana, Alemanha, Tunsia, Portugal, Espanha, China e Estados Unidos
(SOUZA, 2015).
Por fim, no se pretendeu aqui esgotar os protagonistas de tais prticas, mas apontar
como a atividade de trocas e processos no cessa. O surgimento do novo inevitvel e,
segundo o etnomusiclogo, Bruno Nettl, a msica expressa um subtexto cuja mensagem
85
Pedro Vasconcelos. Disponvel em http://pedrovasconcellos.tnb.art.br/. Acesso em: 01/08/2014.
109
determinada por questes como a cultura, classe, gnero e personalidade (NETTL, 1994, p.
139).
CONSIDERAES FINAIS
No decorrer desta pesquisa, vimos que o cavaquinho emprestou sua sonoridade aguda
e seu ritmo marcante a gneros musicais importados, que misturados ajudaram na atual
constituio da nossa msica. Para alm de sua insero no samba e no choro e, em regies
especficas, em manifestaes e prticas folclricas, o cavaquinho brasileiro introduz-se em
gneros musicais e espaos musicais inovadores normalmente no assimilados aos seus
espaos tradicionais.
Na minha leitura, alguns fatores foram decisivos para tal sucesso do cavaquinho na
nossa msica. Sua sonoridade aguda agradvel, no estridente; seu molejo, ginga, balano,
swing, enfim, sua levada rtmica se encaixa em qualquer tipo de msica. Alm disso, seu
tamanho reduzido lhe confere grande portabilidade, que facilita a locomoo do msico, que
pode assim andar e tocar ao mesmo tempo, como acontece nas procisses folclricas. E mais,
comparado com outros instrumentos musicais, o cavaquinho relativamente barato, fato que
o torna disponvel a todas as camadas sociais.
111
Pesquisar e emitir ideias sobre o cavaquinho foi, para mim, muito coerente e prazeroso,
visto que me dedico a esse instrumento desde 1977 e sempre fui fascinado pelo som que ele
produz e pelo efeito que ele provoca nos ouvintes. O interesse pela msica como objeto de
deleite fornece impulso primordial para muitos, se no para a maioria dos musiclogos. Esse
interesse pode ser chamado de crtico (MENDEL apud KERMAN, 1987, p. 32).
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Entrevista ao cavaquinista Jnior Fernandes, via face book, no dia 03 de fevereiro de 2015.