PROACI - Síndrome Compartimental
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| PROACI. 2013;9(2):57-77 |
SÍNDROME COMPARTIMENTAL
ABDOMINAL
Introdução
A síndrome compartimental abdominal (SCA) é uma complicação grave, oriunda do aumento exa‑
gerado da pressão intra‑abdominal (PIA), causando significativa morbidade e mortalidade.
lembrar
A gravidade clínica e a frequência da HIA e da SCA justificam a atenção a este
tópico.1
A SCA é definida como uma disfunção orgânica sintomática que resulta do aumento da PIA. O
termo SCA foi criado por Fietsam, em 1989, após descrever o quadro de um paciente em recupe‑
ração pós‑operatória de aneurisma de aorta abdominal que evoluiu com abdome tenso, oligúria,
hipoxemia, hipercarbia e altos picos de pressão inspiratória.
A SCA é uma consequência grave da elevação da PIA. Assim, torna‑se necessário entender
melhor alguns conceitos básicos. Por definição, PIA é a pressão contida no interior do comparti‑
mento abdominal. Fisiologicamente, a PIA pode atingir marcas transitórias de até 80mmHg (tosse,
manobra de Valsalva, levantamento de peso, etc.), mas esses valores não podem ser tolerados
por longos períodos.
A HIA é definida como uma PIA superior a 12mmHg. Os efeitos nocivos da HIA ocorrem muito
antes da manifestação da SCA, e os pacientes que se apresentam com HIA estão associados
a um risco 11 vezes maior de desenvolver complicações abdominais do que aqueles que não
possuem HIA/SCA.1,4
A rápida progressão da HIA leva à SCA, que é formalmente definida como PIA > 20mmHg.
A SCA deve, portanto, ser vista como o resultado final de um aumento contínuo e
progressivo da PIA, o qual, se não for corrigido, resultará na disfunção ou falência de
múltiplos órgãos.2
O consenso mundial de definições de PIA, HIA e SCA, desenvolvido pela WSACS, pode ser visto
resumidamente no Quadro 1.4
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Definições preconizadas pela WSACS4
Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, espera‑se que o leitor
diagnostique e trate a HIA e a SCA dentro dos conceitos atuais propostos pela WSACS;
recorde os seis importantes passos no tratamento dessa síndrome.
Perfusão cerebral
Função cardíaca
Etiologia e fisiopatologia
Função respiratória
Manifestações clínicas
Função renal
Classificação
Função intestinal
Diagnóstico
Perfusão periférica
Tratamento
Caso clínico
Conclusão
Etiologia e fisiopatologia
Qualquer anormalidade que induza a elevação da pressão no interior da cavidade abdominal po‑
de levar à HIA. Assim, diversas são as causas potenciais desta alteração e da SCA, incluindo:3‑5
pancreatite aguda;
aneurisma de aorta abdominal;
tumores abdominais e retroperitoneais;
íleo metabólico;
obstrução mecânica do intestino;
trauma;
transfusão maciça;
sepse.
lembrar
O choque hipovolêmico, a reposição volêmica exacerbada e a transfusão maciça são
importantes e conhecidas causas de HIA e SCA relacionadas ao trauma.
Nos estados de choque hipovolêmico, a vasoconstrição mediada pelo sistema nervoso simpáti‑
co diminui o fluxo sanguíneo para a pele, os músculos, os rins e o trato gastrintestinal em favor da
perfusão do coração e do cérebro. Esse mecanismo fisiológico de defesa acaba produzindo hipo‑
xia celular. A hipoxia gerada no tecido intestinal decorrente da redução acentuada da circulação
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caracteriza a patogênese da HIA e sua progressão para a SCA:6
1. liberação de citocinas;
2. formação de radicais livres de oxigênio;
3. diminuição da produção celular de trifosfato de adenosina (ATP).
Em resposta à lesão hipóxica tecidual, citocinas pró‑inflamatórias são liberadas. Essas moléculas
promovem vasodilatação e aumentam a permeabilidade capilar, levando à formação de edema. Após
reperfusão celular, radicais livres de oxigênio são gerados e têm efeito tóxico sobre as membranas
celulares, agravados pela presença de citocinas, que estimulam a liberação de mais radicais livres.
O fornecimento insuficiente de oxigênio aos tecidos limita a produção de ATP, prejudicando todas as
atividades dependentes de energia celular, particularmente as bombas de sódio e potássio (Na+/K+).
O funcionamento eficaz da bomba de Na+/K+ é essencial para a regulação intracelular de eletrólitos.
Quando a bomba falha ocorre influxo de sódio e água nas células. Como edema celular, as mem‑
branas perdem sua integridade, derramando conteúdo intracelular para o ambiente extracelular,
promovendo irritação tecidual e inflamação.
A inflamação, por sua vez, rapidamente leva à formação de edema, como resultado do aumento
e da fragilidade capilar, promovendo, por exemplo, edema de alças intestinais e aumento da PIA.
Com aumento da PIA, a pressão de perfusão abdominal diminui, perpetuando o ciclo de hipoxia
celular, inflamação, edema e morte celular (Figura 1).3‑6
Diminuição
Choque Lesão Aumento da resposta
Trauma da perfusão
hipóvolêmico tecidual simpática
intestinal
Produção
de radicais livres Edema celular
Ativação
de neutrófilos Morte Membrana
celular celular
Inflamação
Permeabilidade
HIA/SCA
Formação
de edema
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3. Explique o mecanismo por meio do qual a hipoxia pode levar a HIA e SCA.
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Manifestações clínicas
A alteração da PIA possui efeitos sistêmicos importantes. A seguir, serão detalhados os efeitos da
HIA em diferentes órgãos e sistemas.
A mensuração da PIA por via intravesical (padrão atual) é essencial para o diagnóstico
desta complicação, pois o exame físico isoladamente não tem acurácia. Recentes pes‑
quisas demonstraram que a sensibilidade do exame físico na presença de SCA varia
entre 40 e 61% e que o valor preditivo positivo varia entre 45 e 76%. Assim, conclui‑se
que as chances de diagnosticar a SCA por meio apenas do exame físico somente são
as mesmas (ou menores) do que jogar uma moeda para cima, apostando em uma das
faces, ou seja, 50% (ou menos).1,3,4,6
Edema
↑ da PIA força o diafragma para
cima, aumentando a pressão
intratorácica, causando hipercarbia
Impacto da PIA no fluxo e hipoxemia, levando à permanência
sanguíneo capilar dos prolongada no ventilador e ao ↑ PIC ↑ da PIA
órgãos abdominais aumento da incidência de PAV.
Aumento do Ressuscitação
Compressão Elevação da PIA (edema volêmica
da VCI de alças intestinais) volume no terceiro
espaço/edema
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O Quadro 2 apresenta as principais manifestações clínicas decorrentes de HIA e SCA, as quais
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Quadro 2
Perfusão cerebral
A pressão de perfusão cerebral (PPC) alterada foi primeiramente observada em pacientes obesos
mórbidos com HIA crônica. O aumento da PIA força o diafragma para cima, diminuindo o volume
da cavidade torácica e aumentando a pressão intratorácica (PIT).
A PIT aumentada leva ao aumento da pressão venosa jugular e dificulta o retorno venoso do cére‑
bro, elevando a pressão intracraniana (PIC) e, consequentemente, diminuindo o fluxo sanguíneo
cerebral. Essas alterações não são incomuns no período pós‑operatório imediato.
HIA e SCA podem tornar a PPC ainda pior nos casos de pacientes traumatizados com
lesões abdominais combinadas com lesões cerebrais.
Função cardíaca
A HIA dificulta o retorno venoso, causando edema dos membros inferiores. Altos valores de PIT
virtualmente elevam a pressão venosa central (PVC) e a pressão da artéria pulmonar (PAP).
Simultaneamente, a pressão de pós‑carga do ventrículo esquerdo se eleva devido à resistência
vascular aumentada.
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tremamente alta, causa falência ventricular direita e dilatação, com consequente desvio de septo
cardíaco à esquerda, o que dificulta o enchimento do ventrículo esquerdo.
Clinicamente, o paciente se apresenta com baixo débito cardíaco, altas pressões de enchimento
e alta resistência vascular periférica.
Função respiratória
A elevação da PIA diminui a complacência torácica, necessitando de pressões maiores para manter
a ventilação mecânica adequada. Além disso, a capacidade funcional residual também se encontra
reduzida, e a relação entre ventilação e perfusão aumenta, desencadeando dificuldade de troca e
oxigenação dificultada. Clinicamente, é um paciente “difícil de ventilar e oxigenar”.
Função renal
Oligúria ou anúria apesar de reposição volêmica agressiva é um sinal típico de SCA, descrito por
alguns autores como o primeiro sinal clínico a aparecer na presença de HIA.
Mecanismos responsáveis pela diminuição da função renal incluem compressão direta do parên‑
quima renal, diminuição da perfusão renal devido ao débito cardíaco diminuído e retenção de água
e sódio causada pela ativação do sistema renina‑angiotensina.
lembrar
É muito importante interpretar o volume do débito urinário no contexto e na magnitude
da ressuscitação volêmica, e não confiar apenas em números absolutos relativamen‑
te normais.
Função intestinal
A HIA dificulta a perfusão esplâncnica por diminuição do débito cardíaco e aumento da resistência
vascular periférica e esplâncnica.
Perfusão periférica
A elevação da PIA aumenta a pressão venosa femoral e a resistência vascular periférica, além de
reduzir o fluxo arterial femoral em até 65%.
Quadro 3
Classificação da HIA4
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A) 0‑5mmHg.
B) 5‑7mmHg.
C) 12‑15mmHg.
D) 15‑17mmHg.
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6. A respeito das manifestações clínicas de HIA e SCA, marque a alternativa
INCORRETA.
A) Acidose.
B) Exame físico positivo.
C) Oligúria.
D) Hipoxemia.
Diagnóstico
O diagnóstico da SCA deve ser realizado por meio da mensuração da pressão intravesical. De
acordo com as definições preconizadas pela WSACS, a escala de pressão utilizada deve ser em
milímetros de mercúrio (mmHg). Na maioria dos serviços públicos do Brasil, a escala de pressão
utilizada é em centímetro de água (cmH2O), exigindo a conversão entre as escalas de pressão.
lembrar
Sítios eletrônicos de conversão estão disponíveis na Internet. De forma geral, deve‑se
dividir o valor em cmH2O por 1,36 para alcançar o valor aproximado em mmHg.
O valor da PIA que induz à falência múltipla de órgãos varia de um paciente para outro. Por isso,
é necessário fazer o cálculo da pressão de perfusão abdominal (PPA), obrigatoriamente, após
a mensuração da PIA e de sua conversão para mmHg. A PPA é calculada como o valor da PIA
menos o da pressão arterial média (PAM).
A PPA é a variante mais confiável para determinar o grau de perfusão dos órgãos abdominais.
Assim, na predição de falência múltipla de órgãos e do prognóstico, os indicadores apresentam a
seguinte ordem de acurácia: PPA > PIA > pH arterial > base deficit > lactato.
Os fatores de risco associados à presença de HIA e SCA são importantes preditores da presença
desta comorbidade. Por isso, devem ser avaliados na admissão do paciente na sala de emergência
ou na presença de disfunção orgânica. São fatores de risco comuns, entre outros:12‑14
Na presença de dois ou mais fatores de risco, a PIA deve ser mensurada. Na presença
de HIA, a mensuração seriada da PIA deve ser realizada durante toda a fase crítica do
paciente.
A Figura 3 apresenta uma sugestão de protocolo para a mensuração da PIA, baseado nas diretrizes
da WSACS, elaborado para a disciplina de Cirurgia do Trauma da UNICAMP.4
Figura 3: Protocolo para mensuração da PIA – Disciplina de Cirurgia do Trauma, UNICAMP
Reduzir a mensuração da
PIA para intervalos de 4-6 horas
por 24 horas.
Considerar tratamento clínico
• Sedação/bloqueio neuromuscular Descompressão
• Paracentese cirúrgica
• Sucção gástrica/enema
Se PIA continua < 12 mmHg, • Reposição volêmica judiciosa
descontinuar mensuração. • Utilização de coloide
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pitais. Aplicam‑se 25mL de solução salina estéril na bexiga, após cateterização vesical,
pelo pórtico de irrigação do cateter de 3 vias de Foley e com o pórtico de drenagem
clampeado. Uma agulha de 18 gauge ou Abocath® (Jelco®), conectada ao transdutor de
pressão, é inserida no pórtico de irrigação, e a pressão é consequentemente mensurada.
O transdutor deve ser “zerado” na altura da linha axilar média.
Na ausência de um transdutor de pressão, pode‑se utilizar um kit para mensuração da PVC (Figura 4).
Outras tecnologias já possibilitam a mensuração contínua da PIA por meio da conexão do cabo
do transdutor de pressão no monitor cardíaco (Spiegelberg, Hamburgo, Alemanha; CiMON device,
Pulsion Medical Systems, Munique, Alemanha).
lembrar
A mensuração da PIA com agulha para punção do pórtico emborrachado de lavagem
do Foley não está recomendada na atualidade. Portanto, deve‑se utilizar preferen‑
cialmente uma sonda de três vias, como descrito anteriormente.12,14
Tratamento
Os princípios básicos essenciais para o tratamento de HIA e SCA são os seguintes:
Baseado nesses princípios básicos, na presença de HIA, algumas medidas clínicas devem ser em‑
pregadas com o objetivo de impedir a evolução crescente da PIA e melhorar o quadro.
lembrar
A WSACS disponibiliza, em seu sítio eletrônico, as estratégias e medidas aplicáveis
no tratamento clínico da HIA. Essas medidas são, cada vez mais, reconhecidas como
importantes fatores na prevenção e no tratamento da HIA.4
Ações como reduzir o tônus da musculatura toracoabdominal com sedação, analgesia e bloqueio
neuromuscular potencialmente reduzem a PIA para níveis mais baixos. Portanto, são importantes
medidas clínicas a serem tomadas no cuidado do paciente crítico com diagnóstico de HIA. Ainda
não há estudos prospectivos disponíveis na literatura que avaliem os riscos e benefícios da sedação
e da analgesia em casos de HIA e SCA. As medidas descritas são, na verdade, potenciais adjun-
tos no controle da HIA baseados no conhecimento atual da fisiopatologia desta comorbidade.15
Sonda nasogástrica, enema e descompressão endoscópica são outros métodos simples e minima‑
mente invasivos utilizados para reduzir a PIA e tratar a HIA de graus I, II e, eventualmente, III em
um cenário subagudo e que não envolva risco de morte imediata. Agentes estimuladores da motili‑
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evidências confiáveis de seus efeitos sobre a evacuação do conteúdo intraluminal do intestino e
a consequente diminuição do volume total da víscera. No entanto, tais medicamentos ainda são
rotineiramente utilizados por diversos serviços.
O fechamento abdominal temporário ótimo não deve prejudicar a fáscia, a aponeurose ou a pele,
e deve facilitar a aproximação gradual da pele. A discussão detalhada sobre a abordagem da pe‑
ritoniostomia não faz parte do escopo deste artigo.
Publicações recentes demonstraram que a indicação cirúrgica precoce em vigência de SCA resultou
em cerca de 80% menos complicações, incluindo infecções, sepse, fístulas e abscessos. A dre‑
nagem percutânea do líquido peritoneal é uma opção atraente e bem documentada em pacientes
queimados e na literatura pediátrica.
A drenagem percutânea do líquido peritoneal pode funcionar na presença de ascite, por exemplo,
mas é muito improvável que seja eficiente no controle de HIA e SCA de pacientes submetidos à
laparotomia exploradora, principalmente traumatizados submetidos à cirurgia do controle de danos,
em que a SCA é causada por edema intestinal, compressas utilizadas no empacotamento abdo‑
minal, líquido residual e coágulos.
Quando utilizada a técnica de controle de danos, o paciente apresenta‑se com múltiplas lesões
intra‑abdominais. A presença de SCA no primeiro dia pós‑operatório significa mais provavelmen‑
te ressangramento, e a drenagem percutânea do abdome claramente não soluciona o problema.
lembrar
A recidiva do sangramento exige reavaliação da hemostasia abdominal, com des‑
compressão e laparotomia exploradora.
A drenagem percutânea do abdome pode ser uma ferramenta valiosa para um selecionado grupo
de doentes, em que a SCA primária se desenvolve durante o tratamento não operatório de lesões
isoladas em órgãos sólidos abdominais (fígado e baço).
Outra opção de drenagem para pacientes que detenham hematoma intra‑abdominal retido por trauma
de vísceras maciças, principalmente fígado, e que estejam em HIA refratária às medidas clínicas e
em progressiva evolução para SCA é a videolaparoscopia, com lavagem e aspiração do conteúdo
remanescente do hematoma e revisão da cavidade. Infelizmente, ainda não existem evidências
claras e concretas das indicações desta técnica. Contudo, diversos serviços especializados fazem
uso desse procedimento como uma ferramenta útil, nos casos determinados.19‑20
10. Quais são os fatores de risco mais comuns associados à presença de HIA e SCA?
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11. De acordo com o artigo, quais são os princípios básicos essenciais para o tratamento
de HIA e SCA?
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13. De acordo com o artigo, quais são os seis passos especialmente importantes no
tratamento de HIA e SCA?
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14. Um paciente politraumatizado grave, com TCE, hipertensão intracraniana, oligúria
e acidose metabólica é admitido na unidade de terapia intensiva e, menos de 12 horas
depois, revela hipertensão intra‑abdominal de grau II. Neste caso, o que o cirurgião
assistente deve fazer?
Caso clínico
Uma paciente do sexo feminino, de 33 anos de idade, foi vítima de trauma contuso de
abdome após acidente com veículo automotor. Ela foi levada pela equipe de atendimen‑
to pré‑hospitalar para o hospital de trauma referência na cidade, onde deu entrada 25
minutos após o evento traumático.
Ao final das primeiras 24 horas de internação na unidade intensiva, a paciente evoluiu com
piora dos parâmetros ventilatórios e necessitou de intubação orotraqueal. Os parâmetros
de ventilação foram ajustados em ventilação por pressão, com PEEP de 12, e seu abdome
encontrava‑se distendido, mas compressível. A gasometria indicou acidose respiratória.
O residente observou diminuição progressiva do débito urinário.
16. Qual é a variante mais confiável para determinar o grau de perfusão dos órgãos
abdominais?
A) PIA.
B) pH arterial.
C) Base excess.
D) Pressão de perfusão abdominal.
CONCLUSÃO
A SCA é uma condição potencialmente letal causada por qualquer evento que produza aumento
da PIA e provoque diminuição da PPA, induzindo isquemia e disfunção orgânica.
A presença de SCA reflete a evolução progressiva da HIA sem intervenção médica adequada. A
WSACS classificou a HIA em quatro graus e determinou diretrizes para o diagnóstico e o tratamento
desta complicação clínico‑cirúrgica. Como consequência da criação da WSACS e de suas diretrizes
e protocolos, mais médicos e profissionais da área da saúde foram expostos ao conteúdo infor‑
mativo e educacional, podendo atualmente perceber com mais atenção a presença de HIA e SCA.
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Atividade 5
Resposta: B
Comentário: Segundo a WSACS, fundada em 2004 e responsável pelos mais recentes estudos no
assunto, pacientes adultos críticos já possuem a PIA aumentada (5‑7mmHg). A HIA, por sua vez,
é definida como uma PIA acima de 12mmHg.
Atividade 6
Resposta: C
Comentário: A pressão intratorácica elevada aumenta a pós‑carga do ventrículo direito. Quando
esta se encontra extremamente alta, causa falência ventricular direita e dilatação, com consequente
desvio de septo cardíaco à esquerda, o que dificulta o enchimento do ventrículo esquerdo.
Atividade 7
Resposta: C
Comentário: A mensuração da PIA por via intravesical é essencial para o diagnóstico da SCA. O
exame físico isoladamente não apresenta acurácia. Recentes pesquisas demonstraram que a sen‑
sibilidade do exame físico na presença de SCA varia entre 40 e 61% e que o valor preditivo positivo
varia entre 45 e 76%. A HIA e, consequentemente, a SCA provocam diminuição da TFG e oligúria,
sendo este um dos sinais clínicos mais precoces.
Atividade 14
Resposta: C
Comentário: Sonda nasogástrica, enema e descompressão endoscópica são métodos clínicos
simples e minimamente invasivos utilizados para reduzir a PIA e tratar HIA de graus I, II e, eventual‑
mente, III em cenário subagudo e que não envolva risco de morte imediata. Agentes estimuladores
da motilidade gastrintestinal, como bromoprida, metaclopramida ou neostigmine, ainda não de‑
monstraram evidências confiáveis de seus efeitos sobre a evacuação do conteúdo intraluminal do
intestino e a consequente diminuição do volume total da víscera, mas ainda sim são rotineiramente
utilizados por alguns serviços.
Atividade 15
Resposta: D
Comentário: A SCA pode ser classificada em SCA primária, SCA secundária e SCA terciária ou
recorrente. SCA primária é a condição associada ao trauma ou à doença abdominopelviana que
frequentemente requer intervenção cirúrgica precoce ou intervenção radiológica (radiologia interven‑
cionista). Exemplos: tumores abdominais e pélvicos, trauma de abdome, ascite, etc. SCA secundária
refere‑se a condições que não são originárias da topografia abdominopelviana. Exemplos: sepse,
ressuscitação volêmica maciça, grandes queimados (queimadura abdominal de terceiro grau). SCA
terciária ou recorrente refere‑se à condição em que a SCA ressurge após tratamento clínico e/ou
cirúrgico da SCA primária ou secundária. Assim, acidentes em peritoniostomia também possuem
risco de desenvolver SCA.
Atividade 16
Resposta: D
Comentário: O valor da PIA que induz a falência múltipla de órgãos é variante para cada paciente.
Assim, o cálculo da PPA deve obrigatoriamente ser realizado em todos os pacientes que tiverem
a PIA mensurada e convertida em mmHg (PPA = PIA – PAM). A PPA é a variante mais confiável
deficit > lactato na predição de falência múltipla de órgãos e do prognóstico. A falha em manter a
PPA > 60mmHg nos primeiros três dias a partir do diagnóstico representa diminuição no prognós‑
tico destes pacientes.
Atividade 17
Resposta: C
Comentário: A técnica de mensuração da PIA é simples e economicamente acessível para os hos‑
pitais. Instilam‑se 25mL de solução salina estéril na bexiga, após cateterização vesical, pelo pórtico
de aspiração do cateter de Foley e com o pórtico de drenagem clampeado. A PIA deve ser men‑
surada em posição supina e em expiração após constatação de que não há contração da parede
abdominal e que o transdutor está “zerado” no nível da linha axilar média.
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