As Políticas Educacionais No Brasil Nos Anos 1990
As Políticas Educacionais No Brasil Nos Anos 1990
As Políticas Educacionais No Brasil Nos Anos 1990
INTRODUO
Neste ensaio, considerando que a evoluo de um sistema no depende apenas de
polticas educacionais tpicas, mas obedece a foras sociais mais amplas e complexas que
se manifestam a mdio e longo prazo (DURHAM, 1999, p. 231) abordam-se as polticas
educacionais brasileiras dos governos Collor at o de FHC, tendo como propsito verificar, nestas
polticas, os impactos das orientaes dos organismos internacionais, tidas como neoliberais.
Assim, d-se incio ao texto, apresentando ao leitor o cenrio poltico-econmico
internacional da Amrica Latina no final dos anos 80 at os anos 90, bem como as diretrizes
poltico-educacionais dadas pelos organismos internacionais aos pases localizados nesta parte
do continente americano a fim de superarem a crise dos seus Estados de Bem-Estar Social e
manterem a essncia excludente da ordem social capitalista (MIRANDA, 1997, p. 43).
Apresenta-se, em seguida, as polticas educacionais no Brasil, durante a dcada de
1990, analisadas mediante a exposio de aes, programas e/ou planos dos governos federais,
inseridos no campo educacional.
Encerrando o estudo, nas consideraes finais, revelam-se os resultados desastrosos
dessas polticas educacionais, embasadas na perversa lgica do capital, adotadas pelos governos
federais brasileiros para, segundo seus discursos, a melhoria da educao pblica.
BREVES CONSIDERAES SOBRE A AMRICA LATINA E AS POLTICAS EDUCACIONAIS DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS
No final da dcada de 1980, os pases da Amrica Latina estavam em dficit econmico e
o papel do Estado passava por redefinio como conseqncia da crise e esgotamento do Estado
Mesmo assim, algumas das intenes desse governo para o setor educacional foram
expressas nos seguintes documentos: O Programa Nacional de Alfabetizao e Cidadania
PNAC (1990), O Programa Setorial de Ao do Governo Collor na rea de educao (19911995) e Brasil: um Projeto de Reconstruo Nacional (1991).
Mediante o PNAC, o MEC props a mobilizao da sociedade em prol da alfabetizao
de crianas, jovens e adultos por meio de comisses envolvendo rgos governamentais e nogovernamentais e de reduzir em 70% o nmero de analfabetos no pas nos 5 anos seguintes
(PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001; MACHADO, 2008).
J no Programa Setorial de Ao do Governo Collor na rea de educao (19911995) a meta era inserir o pas na nova revoluo tecnolgica pela qual atravessava o mundo,
exprimindo propostas de situar o Brasil no mundo moderno. Tais propostas apontavam para a
educao como fonte potencializadora das possibilidades de um desenvolvimento sustentado e
de uma sociedade democrtica, de acordo com os princpios difundidos pela Teoria do Capital
Humano (THC). Assim, as idias de eqidade, eficincia, qualidade e competitividade so
introduzidas na educao.
Nesse programa, a gesto democrtica da educao foi focalizada por meio da
descentralizao dos processos decisrios, com a participao de todos os segmentos da
sociedade, que deveriam contribuir, controlando e avaliando as aes implementadas e utilizao
dos recursos pblicos na poltica educacional. Essa gesto deveria significar o apoio do poder
pblico para uma escola que exercesse autonomia, com novos rumos atravs do seu projeto e
prtica pedaggica especfica (FRANA, 2005).
Em Brasil: um Projeto de Reconstruo Nacional (1991) o objetivo era a Reforma
do Estado, visando modernizao da economia, a qual deveria ter no setor privado sua base
principal. Dentro desse projeto, a educao tambm foi considerada elemento necessrio
reestruturao competitiva da economia (THC) e, portanto, embora a presena do Estado fosse
considerada fundamental oferta da educao, seria preciso que ela fosse adequada demanda
da populao e s necessidades econmicas do pas.
Esse projeto ainda previa a criao de mecanismos de integrao e compatibilizao
dos esforos financeiros da Unio e dos sistemas de ensino por meio da estruturao do Fundo
Nacional de Desenvolvimento (FNDE) e do Salrio-Educao Quota Federal, compartilhando as
responsabilidades de sua gesto com o Conselho Nacional de Secretrios Estaduais (CONSED)
e a Unio Nacional dos Dirigentes Municipais (UNDIME).
A tendncia observada nesses dois ltimos documentos - o Programa Setorial de Ao
do Governo Collor na rea de educao (1991-1995) e Brasil: um Projeto de Reconstruo
Nacional (1991) - era a de compartilhar responsabilidades iguais entre governo, sociedade e
iniciativas privadas, reforando a idia de que essa articulao com o setor empresarial traria
benefcios nao brasileira, logrando, certamente, xito na infra-estrutura econmica tecnolgica
e educacional. As propostas das empresas e dos organismos internacionais foram elaboradas e
inseridas com o presidente Collor, mas foram apreciadas apenas no governo subseqente.
movimento dessas normas, a incorporao pelo MEC dos eixos da poltica de financiamento
sugerida pelos organismos internacionais e pelo setor empresarial. Desse modo, as diretrizes
passam a ressaltar o financiamento e a avaliao como a base da reforma educacional. Este
deveria implementar mecanismos de controle de qualidade e aquele teria como o foco a definio
de recursos dentro de critrios universalistas e explcitos (FRANA, 2005).
O documento Mos a obra Brasil, proposta desse governo, expressava que a
descentralizao das decises implicava uma reviso do papel das atribuies das esferas de
governo, refletindo-se sobre as formulaes da educao e suas novas formas de parceria entre o
Estado e a sociedade. Conforme este documento, caberia ao poder executivo apenas coordenar
e gerir as prioridades educacionais. Para isso deveriam ser reduzidas as responsabilidades do
MEC como instncia executora e a interferncia direta da Unio nos Estados e Municpios. O
governo apenas lideraria um projeto nacional capaz de estabelecer com clareza competncias
e mecanismos de repasse de recursos correspondentes, de modo a possibilitar a cada uma das
instncias de governo assumir tarefas na prestao dos servios da educao. Seriam essenciais
o fortalecimento do sistema federativo em base de cooperao, integrao e articulao das
aes polticas e dos recursos das diferentes esferas governamentais na rea educacional.
Portanto, mais uma vez, a discusso da descentralizao ganhou nfase, apontando
que a Reforma do Estado incorporou a tendncia de reformulao do padro de gesto no
setor pblico, o da modernizao e a questo da otimizao na alocao de recursos para ser
destacada, tendendo a desloc-la para a escola, propiciando a discusso da participao da
comunidade na gerncia de recursos.
Em conformidade com a proposta Mos a obra Brasil, as diretrizes do Planejamento
Poltico-estratgico (1995-1998) foram direcionadas ao ensino fundamental; valorizao da
escola e de sua autonomia, bem como de sua responsabilidade perante o aluno, a comunidade e
a sociedade; articulao de polticas e de esforos entre as trs esferas da Federao, de modo
a obter resultados mais eficazes e utilizao de recursos polticos e financeiros para garantir a
eqidade e a eficincia do sistema; e implantao de um canal de televiso via satlite, voltado
para o atendimento escola, ensejando novas formas de gesto escolar e parcerias com os
governos estaduais.
Alm disso, nesse documento foram consideradas medidas necessrias inovao:
alteraes nos dispositivos da Constituio Federal de 1988 (CF/88), considerados obstculos
para uma gesto democrtica do sistema educacional (EC n 14/96, Lei 9.424/96 criao e
regulamentao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorizao do Magistrio - FUNDEF); sano de outra Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da
educao nacional que possibilitasse s instituies a criao de novos cursos, programas e
modalidades (LDB promulgada setembro de 1996); estabelecimento de um Conselho Nacional
de Educao menos burocrtico; mudanas nas regulamentaes de modo a garantir maior
autonomia escola; e nfase na avaliao de resultados como forma de controle mais eficiente
(SAEB, ENEM, ENC Provo - e CAPES).
incorporar recursos privados para financiar a educao quando elogiam as escolas privadas, o
direito de a todos assistir e a disponibilidade de pagamento por parte das famlias ao afirmarem
que os filhos esto recebendo uma educao de qualidade, o que permite incrementar o volume
de recursos privados no sistema (KRAWCZYK, 2002, p. 56)7.
Alm disso, argumentam, para defesa desse interesse, que se as escolas pblicas receberem
investimentos do setor privado [...] tero a possibilidade de adaptar-se competio, melhorar
seu servio e fortalecer-se, recuperando a sua credibilidade perante a clientela (KRAWCZYK,
2002, p. 56).
Mediante estas constataes, no se pode negar a influncia dos organismos
internacionais na formulao das polticas educacionais no perodo analisado neste estudo. Isso
como conseqncia da busca de organicidade das polticas, sobretudo no mbito do governo
federal na dcada de 1990, quando, em consonncia com a reforma do Estado e a busca de sua
modernizao, implementaram-se novos modelos de gesto, cujo norte poltico-ideolgico
objetivava [...] introjetar na esfera pblica as noes de eficincia, produtividade e racionalidade
inerentes lgica capitalista (OLIVEIRA, 2000 apud DOURADO, 2007, p. 926).
Nesse contexto, segundo Dourado (2007, p. 926), e em concordncia com a afirmao
do autor, evidenciam-se
[...] limites estruturais lgica poltico-pedaggica dos processos de proposio e
materializao das polticas educacionais, configurando-se, desse modo, em claro
indicador de gesto centralizadora [entenda antidemocrtica] e de pouca eficcia
pedaggica para mudanas substantivas nos sistemas de ensino, ainda que provoque
alteraes de rotina, ajustes e pequenas adequaes no cotidiano escolar, o que
pode acarretar a suspenso de aes consolidadas na prtica escolar sem a efetiva
incorporao de novos formatos de organizao e gesto. Isto no redundou em
mudana e, sim, em um cenrio de hibridismo no plano das concepes e das prticas
que, historicamente, no Brasil, tm resultado em realidade educacional excludente e
seletiva.
Realidade desanimadora... O que fazer? Desistir? No, antes unir-se aos setores
progressistas da sociedade e lutar por uma poltica educacional em defesa da escola pblica
como chave de uma educao democrtica, universal e gratuita.
NOTAS
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extraordinrios para a educao, que cresceram, ao longo da dcada de 1980, com o desmoronamento da
superestrutura poltica, o fortalecimento dos mercados financeiros globais e os avanos tecnolgicos do sistema
de produo. Emergiu novamente a preocupao com o desenvolvimento humano, vinculando-o educao
(TCH) e dando nfase melhoria da qualidade de vida, que tem como um de seus suportes a satisfao
das necessidades bsicas de aprendizagem (NOGUEIRA, 2001). Segundo Pinto (2002), tal conferncia, vai
inaugurar a poltica, patrocinada pelo Banco Mundial, de priorizao sistemtica do ensino fundamental, e
de defesa da relativizao do dever do Estado com a educao, tendo por base o postulado de que a tarefa de
assegurar a educao de todos os setores da sociedade.
4. A LDB/96 e o PNE/2001 no foram objetos de anlise neste estudo. Porm, diversas anlises do LDB/96 e do
PNE (ARELARO, 2004; CONRADO, 2008; HOLANDA, 2005; SAVIANI, 2004) salientam a predominncia
da mesma poltica educacional instituda no FUNDEF.
5. A Unio complementar os recursos dos Fundos [...], sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu
valor por aluno no alcanar o mnimo definido nacionalmente. (SILVA; MACHADO, 1998, p. 128, grifo
nosso).
6. A respeito dessa idia de parcerias ou convnios entre a rede pblica e as empresas privadas consultar Schorr
(2004).
7. Ver os seguintes documentos BANCO MUNDIAL. Reformas educacionais e autonomia das escolas. Os
casos da cidade de Nova Iorque, do Chile e do Estado de Minas Gerais. Departamento de Desenvolvimento
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