As Políticas Educacionais No Brasil Nos Anos 1990

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AS POLTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL NOS ANOS 1990

Adriana Incio Yanaguita


Faculdade de Filosofia e Cincias Universidade Estadual Paulista
Jlio de Mesquita Filho Campus de Marlia
[email protected]
Resumo: Este trabalho teve por objetivo analisar as polticas educacionais dos anos 1990. Assim,
apresenta-se o cenrio poltico-econmico internacional da Amrica Latina no final dos anos
80 e 90, bem como as diretrizes poltico-educacionais dadas pelos organismos internacionais.
Em seguida, tratam-se as polticas educacionais brasileiras do governo Collor at o de FHC,
analisadas mediante a exposio de aes, programas e/ou planos desses governos. Os resultados
revelam que as polticas educacionais desse perodo foram embasadas na perversa lgica do
capital, seguindo as orientaes dos organismos internacionais, de cunho neoliberal.
Palavras-chave: polticas educacionais; organismos internacionais; programas federais para
educao.

INTRODUO
Neste ensaio, considerando que a evoluo de um sistema no depende apenas de
polticas educacionais tpicas, mas obedece a foras sociais mais amplas e complexas que
se manifestam a mdio e longo prazo (DURHAM, 1999, p. 231) abordam-se as polticas
educacionais brasileiras dos governos Collor at o de FHC, tendo como propsito verificar, nestas
polticas, os impactos das orientaes dos organismos internacionais, tidas como neoliberais.
Assim, d-se incio ao texto, apresentando ao leitor o cenrio poltico-econmico
internacional da Amrica Latina no final dos anos 80 at os anos 90, bem como as diretrizes
poltico-educacionais dadas pelos organismos internacionais aos pases localizados nesta parte
do continente americano a fim de superarem a crise dos seus Estados de Bem-Estar Social e
manterem a essncia excludente da ordem social capitalista (MIRANDA, 1997, p. 43).
Apresenta-se, em seguida, as polticas educacionais no Brasil, durante a dcada de
1990, analisadas mediante a exposio de aes, programas e/ou planos dos governos federais,
inseridos no campo educacional.
Encerrando o estudo, nas consideraes finais, revelam-se os resultados desastrosos
dessas polticas educacionais, embasadas na perversa lgica do capital, adotadas pelos governos
federais brasileiros para, segundo seus discursos, a melhoria da educao pblica.
BREVES CONSIDERAES SOBRE A AMRICA LATINA E AS POLTICAS EDUCACIONAIS DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS
No final da dcada de 1980, os pases da Amrica Latina estavam em dficit econmico e
o papel do Estado passava por redefinio como conseqncia da crise e esgotamento do Estado


keynesiano desenvolvimentista (SOUZA; FARIA, 2004), tambm conhecido como Welfare


State ou Estado de Bem-Estar Social, o qual por meio dos seus gastos, objetivava ampliar a
demanda efetiva, impulsionando o crescimento das atividades econmicas e evitando crises.
No imune ao fracasso de seu propsito, a crise atingiu esse Estado, traduzindo-se no aumento
da inflao e do endividamento pblico, na queda ou no lento crescimento da produo, no
aumento do desemprego e constituiu-se num forte apelo maior penetrao das idias liberais
(defesa da propriedade privada, da economia de mercado, laissez-faire, etc.), especialmente, de
matiz neoclssica (RAMOS, 2003).
A escola neoclssica, tendo como seu principal representante Milton Friedman, defende
que as foras de mercado so capazes de resolver os desequilbrios econmicos e condena
duramente a interveno estatal na economia. Esta escola desenvolveu-se em tdiversos pases
(Alemanha, ustria, Sua, Inglaterra, etc.) aps a crise econmica de 1870 e dominou a teoria
econmica ocidental at, pelo menos, a prolongada depresso que se iniciou em 1929.
A partir da, esta escola foi perdendo espao para o pensamento keynesiano, que se
tornou hegemnico aps a 2 Guerra Mundial. No entanto, esse intervencionismo estatal
defendido pelo keynesianismo em oposio ao laissez-faire prevaleceu at os anos de 1970,
quando comea ser questionado pela crise econmica de diversos pases e a teoria neoclssica
retoma o seu lugar na poltica econmica, reaparecendo, com todo vigor, as idias defendidas
por Friedman (AZEVEDO, 1997; RAMOS, 2003).
Durante Consenso de Washington, conferncia do International Institute for Economy
(IEE), realizada na capital americana, em novembro 1989, funcionrios do governo dos EUA,
dos organismos internacionais e economistas latino-americanos discutiram um conjunto de
reformas essenciais para que a Amrica Latina superasse a crise econmica e retomasse o
caminho do crescimento. Formou-se a idia hegemnica de que o Estado sobretudo nos pases
perifricos deveria focar sua atuao nas relaes exteriores e na regulao financeira, com
base em critrios negociados diretamente com o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o
Banco Mundial. Decidiu-se, ento, que
[...] a nica sada para evitar e controlar uma crise generalizada das economias de
mercado era manter um Estado que fosse forte a ponto de aniquilar o poder dos
sindicatos e controlar o dinheiro, ao mesmo tempo em que se efetuassem medidas de
diminuio dos gastos sociais e intervenes econmicas (ANDERSON, 1995 apud
FRANA, 2005, p. 20).

Assim, as reformas nas estruturas e no aparato de funcionamento do Estado nesses pases


consolidaram-se nos anos 1990, por meio de um processo de desregulamentao na economia,
da privatizao das empresas produtivas estatais, da abertura de mercados, das reformas de
sistemas de previdncia social, sade e educao, descentralizando-se seus servios, sob a
justificativa de otimizar seus recursos (SOUZA; FARIA, 2004).
No campo educacional, as reformas efetivadas tiveram por paradigma os diagnsticos,
relatrios e receiturios de rgos multilaterais de financiamento e de rgos voltados para a


cooperao tcnica1, os quais evidenciavam a defesa


[...] da descentralizao como forma de desburocratizao do Estado e de abertura a
novas formas de gesto da esfera pblica; da autonomia gerencial para as unidades
escolares e, ainda, da busca de incrementos nos ndices de produtividade dos sistemas
pblicos, marcadamente sob inspirao neoliberal, [...], tambm [defendiam] as
diferentes formas que a descentralizao da educao assumiu na Amrica Latina (por
exemplo, em termos da municipalizao e da regionalizao)2 (SOUZA; FARIA,
2004, p. 566-567).

Nestes princpios de cunho neoliberal estava presente a viso produtivista, denominada


de acumulao (ou teoria) de capital humano que concebe educao como preparao dos
indivduos para o mercado de trabalho.
Os pressupostos da Teoria do Capital Humano (TCH) podem ser encontrados na Escola
de Chicago, qual tambm est filiado Friedman. A perspectiva da TCH volta-se para o
aspecto utilitarista da educao, onde se observa uma preocupao com a capacidade humana
enquanto capital, o que acaba por reduzir o homem a um simples objeto no processo produtivo
na economia de mercado. Da surge a idia da educao como soluo para as desigualdades
econmicas, funcionando, dessa maneira, como mecanismo de ascenso social (MIRANDA,
1997; RAMOS, 2003).
Essa teoria, muito em voga a partir dos anos de 1960 e criticada notadamente na dcada
de 80, vai encontrar, nos anos 90, um terreno muito frtil para a reafirmao dos seus princpios
devido crise da economia ocidental e subseqente proclamao da educao como instrumento
do crescimento econmico e da ascenso social (RAMOS, 2003; FRANA, 2005).
GOVERNOS BRASILEIROS E SUAS POLTICAS EDUCACIONAIS
De acordo com Palma Filho (2005), no Brasil, o neoliberalismo comea a ascender no
incio dos anos 1990, com a posse de Fernando Collor de Mello na Presidncia da Repblica,
tendo sofrido certa descontinuidade durante a Presidncia de Itamar Franco e uma acelerao
na gesto do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), principalmente no seu primeiro
mandato (1995-1998).
No governo de Collor de Melo (1990-1992), iniciou-se um perodo de reajustes da nao
brasileira aos ditames da nova ordem mundial (SILVA; MACHADO, 1998, p. 25) e o mercado
passou a regular as relaes humanas e, assim, todos os direitos dos cidados (tais como a sade,
a educao, a cultura, etc.). Assim, as polticas educacionais, nesse governo, foram marcadas por
forte clientelismo, privatizao e enfoques fragmentados (VELLOSO, 1992).
Enquanto se debatia e discutia a redemocratizao e o novo paradigma sobre a gesto
educacional, o governo Collor mantinha uma assessoria formada por polticos conservadores,
inclusive no Ministrio da Educao (MEC), caracterizando, em matria de poltica educacional,
um perodo impregnado de muito discurso e pouca ao (ARELARO, 2000; FRANA,
2005).


Mesmo assim, algumas das intenes desse governo para o setor educacional foram
expressas nos seguintes documentos: O Programa Nacional de Alfabetizao e Cidadania
PNAC (1990), O Programa Setorial de Ao do Governo Collor na rea de educao (19911995) e Brasil: um Projeto de Reconstruo Nacional (1991).
Mediante o PNAC, o MEC props a mobilizao da sociedade em prol da alfabetizao
de crianas, jovens e adultos por meio de comisses envolvendo rgos governamentais e nogovernamentais e de reduzir em 70% o nmero de analfabetos no pas nos 5 anos seguintes
(PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001; MACHADO, 2008).
J no Programa Setorial de Ao do Governo Collor na rea de educao (19911995) a meta era inserir o pas na nova revoluo tecnolgica pela qual atravessava o mundo,
exprimindo propostas de situar o Brasil no mundo moderno. Tais propostas apontavam para a
educao como fonte potencializadora das possibilidades de um desenvolvimento sustentado e
de uma sociedade democrtica, de acordo com os princpios difundidos pela Teoria do Capital
Humano (THC). Assim, as idias de eqidade, eficincia, qualidade e competitividade so
introduzidas na educao.
Nesse programa, a gesto democrtica da educao foi focalizada por meio da
descentralizao dos processos decisrios, com a participao de todos os segmentos da
sociedade, que deveriam contribuir, controlando e avaliando as aes implementadas e utilizao
dos recursos pblicos na poltica educacional. Essa gesto deveria significar o apoio do poder
pblico para uma escola que exercesse autonomia, com novos rumos atravs do seu projeto e
prtica pedaggica especfica (FRANA, 2005).
Em Brasil: um Projeto de Reconstruo Nacional (1991) o objetivo era a Reforma
do Estado, visando modernizao da economia, a qual deveria ter no setor privado sua base
principal. Dentro desse projeto, a educao tambm foi considerada elemento necessrio
reestruturao competitiva da economia (THC) e, portanto, embora a presena do Estado fosse
considerada fundamental oferta da educao, seria preciso que ela fosse adequada demanda
da populao e s necessidades econmicas do pas.
Esse projeto ainda previa a criao de mecanismos de integrao e compatibilizao
dos esforos financeiros da Unio e dos sistemas de ensino por meio da estruturao do Fundo
Nacional de Desenvolvimento (FNDE) e do Salrio-Educao Quota Federal, compartilhando as
responsabilidades de sua gesto com o Conselho Nacional de Secretrios Estaduais (CONSED)
e a Unio Nacional dos Dirigentes Municipais (UNDIME).
A tendncia observada nesses dois ltimos documentos - o Programa Setorial de Ao
do Governo Collor na rea de educao (1991-1995) e Brasil: um Projeto de Reconstruo
Nacional (1991) - era a de compartilhar responsabilidades iguais entre governo, sociedade e
iniciativas privadas, reforando a idia de que essa articulao com o setor empresarial traria
benefcios nao brasileira, logrando, certamente, xito na infra-estrutura econmica tecnolgica
e educacional. As propostas das empresas e dos organismos internacionais foram elaboradas e
inseridas com o presidente Collor, mas foram apreciadas apenas no governo subseqente.


No governo de Itamar Franco (1992-1994), as diretrizes governamentais na rea


educacional foram expressas no Plano Decenal de Educao para Todos 1993-2003, sendo este
o documento decisivo s polticas educacionais voltadas para a educao bsica, com nfase
para o ensino fundamental. O referido Plano, cuja elaborao foi coordenada pelo MEC, pode
ser considerado um desdobramento da participao do Brasil na Conferncia de Educao para
Todos3, em 1990, em Jomtien, na Tailndia, promovida pela UNESCO, pelo UNICEF e pelo
BIRD.
O Plano Decenal para Todos (1993-2003), fruto de negociaes com a UNESCO, foi
concebido para dar seqncia aos compromissos internacionais que o Brasil deveria assumir.
Por isso, este Plano direcionou novos padres de interveno estatal (gesto prpria do setor
privado), recolocando as polticas educacionais como embates travados no mbito das diretrizes
governamentais a descentralizao. Essa viso de descentralizao foi incorporada pelos
planos posteriores como um redimensionamento a novas formas de gesto educacional atravs
de um gerenciamento eficaz, com vista ao aumento da produtividade e competitividade pelas
instituies escolares. Incorpora-se linha modernizadora de implantar novos esquemas de gesto
nas escolas pblicas, concedendo-lhe autonomia financeira, administrativa e pedaggica.
Em relao temtica do financiamento no referido Plano, destaca-se que a principal
estratgia para a universalizao do ensino fundamental e erradicao do analfabetismo foi
incrementar os recursos financeiros para a manuteno e investimentos da qualidade da educao
bsica, conferindo maior eficincia e eqidade em sua aplicao. Como detalhamento concebeu
a definio de instrumentos para controle dos gastos pblicos em educao de forma a evitar
que os recursos, que legal e constitucionalmente eram destinados a essa rea, fossem aplicados
em outros programas. As condies adicionais sobre centralizao/descentralizao deviam ser
vistas obedecendo a dois subitens: medidas e instrumentos de implementao, destacando a
consolidao de alianas; e parcerias e equalizao no financiamento.
Na eficincia e equalizao do financiamento, um elemento importante seria a
programao e gesto dos recursos pblicos, eliminando o desperdcio e a superposio de
aes, o que demandaria compromissos de atuao integrada e a definio de estratgias voltadas
para a reviso de critrios de transferncia de recursos intergovernamentais e implantao de
mecanismos legais e institucionais que assegurassem agilidade e eficincia nos financiamentos
compartilhados (intergovernamentais e entre fontes governamentais e no-governamentais) e
eqidade em sua distribuio e programao.
No entanto, este Plano, praticamente, no saiu do papel. De acordo com Saviani, o
mencionado plano foi formulado mais em conformidade com o objetivo pragmtico de atender
a condies internacionais de obteno de financiamento para a educao, em especial aquele
de algum modo ligado ao Banco Mundial (SAVIANI, 1999, p. 129).
A partir de 1995, assume o governo federal Fernando Henrique Cardoso. Nesse governo,
os eixos da poltica educacional permearam o estabelecimento de um mecanismo objetivo e
universalista de arrecadao e repasse de recursos mnimos para as escolas. Verifica-se, no


movimento dessas normas, a incorporao pelo MEC dos eixos da poltica de financiamento
sugerida pelos organismos internacionais e pelo setor empresarial. Desse modo, as diretrizes
passam a ressaltar o financiamento e a avaliao como a base da reforma educacional. Este
deveria implementar mecanismos de controle de qualidade e aquele teria como o foco a definio
de recursos dentro de critrios universalistas e explcitos (FRANA, 2005).
O documento Mos a obra Brasil, proposta desse governo, expressava que a
descentralizao das decises implicava uma reviso do papel das atribuies das esferas de
governo, refletindo-se sobre as formulaes da educao e suas novas formas de parceria entre o
Estado e a sociedade. Conforme este documento, caberia ao poder executivo apenas coordenar
e gerir as prioridades educacionais. Para isso deveriam ser reduzidas as responsabilidades do
MEC como instncia executora e a interferncia direta da Unio nos Estados e Municpios. O
governo apenas lideraria um projeto nacional capaz de estabelecer com clareza competncias
e mecanismos de repasse de recursos correspondentes, de modo a possibilitar a cada uma das
instncias de governo assumir tarefas na prestao dos servios da educao. Seriam essenciais
o fortalecimento do sistema federativo em base de cooperao, integrao e articulao das
aes polticas e dos recursos das diferentes esferas governamentais na rea educacional.
Portanto, mais uma vez, a discusso da descentralizao ganhou nfase, apontando
que a Reforma do Estado incorporou a tendncia de reformulao do padro de gesto no
setor pblico, o da modernizao e a questo da otimizao na alocao de recursos para ser
destacada, tendendo a desloc-la para a escola, propiciando a discusso da participao da
comunidade na gerncia de recursos.
Em conformidade com a proposta Mos a obra Brasil, as diretrizes do Planejamento
Poltico-estratgico (1995-1998) foram direcionadas ao ensino fundamental; valorizao da
escola e de sua autonomia, bem como de sua responsabilidade perante o aluno, a comunidade e
a sociedade; articulao de polticas e de esforos entre as trs esferas da Federao, de modo
a obter resultados mais eficazes e utilizao de recursos polticos e financeiros para garantir a
eqidade e a eficincia do sistema; e implantao de um canal de televiso via satlite, voltado
para o atendimento escola, ensejando novas formas de gesto escolar e parcerias com os
governos estaduais.
Alm disso, nesse documento foram consideradas medidas necessrias inovao:
alteraes nos dispositivos da Constituio Federal de 1988 (CF/88), considerados obstculos
para uma gesto democrtica do sistema educacional (EC n 14/96, Lei 9.424/96 criao e
regulamentao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorizao do Magistrio - FUNDEF); sano de outra Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da
educao nacional que possibilitasse s instituies a criao de novos cursos, programas e
modalidades (LDB promulgada setembro de 1996); estabelecimento de um Conselho Nacional
de Educao menos burocrtico; mudanas nas regulamentaes de modo a garantir maior
autonomia escola; e nfase na avaliao de resultados como forma de controle mais eficiente
(SAEB, ENEM, ENC Provo - e CAPES).


O FUNDEF, a LDB/96 e os exames nacionais determinaram as novas formas de


financiamento, gesto e avaliao da educao bsica, conformando uma nova regulao
assentada na descentralizao e maior flexibilidade e autonomia local, acompanhando tendncia
verificada em mbito internacional. (OLIVEIRA, D., 2009, p. 202).
As anlises do FUNDEF, [...] como principal poltica educacional do Governo FHC I e
II4 (ARELARO, 2004), levantam vrios aspectos de uma poltica antidemocrtica e anti-cidad
para educao, especialmente, bsica. o caso da reduo da responsabilidade da Unio com a
educao, que assumiu uma posio secundria em relao aos outros nveis da administrao
pblica (art. 60, 3.)5.
A Unio desrespeitou a Lei 9.424/96 (artigo 6., 1.) que estipulou o valor mnimo nacional
para o custo-aluno como a razo da soma total dos recursos de todos os Fundos estaduais dividido
pelo total, anual, de matrculas no ensino fundamental (RODRIGUEZ, 2001). Para o ano de 1998,
o valor mnimo deveria ser de R$ 423,07, aproximadamente, mas o governo federal fixou o valor
de R$ 315,00, deixando de aplicar R$ 1.534 bilhes no sistema pblico. Com essa irregularidade,
a Unio deixou de repassar cerca de R$ 12,7 bilhes de recursos federais aos Fundos Estaduais no
perodo de 1998 a 2002 e de 2003 a 2006, a dvida foi de mais de R$ 30 bilhes (DAVIES, 2008).
Tambm com o valor de R$ 315,00, somente oito Estados recebiam complementao
da Unio. Entretanto, se a Lei 9.424/96 (artigo 6., 1.) fosse observada, em 2003, os valores
seriam de R$ 733,80 e R$ 770,50, o que significaria 14 (quatorze) Estados recebendo a
complementao da Unio (RODRIGUEZ; 2001; OLIVEIRA, C., 2004).
Essa falta de compromisso da Unio com o ensino fundamental que contribuiu
para manter as desigualdades da oferta e a baixa qualidade de ensino no sistema pblico.
(RODRIGUEZ, 2001, p. 51).
Outra questo a da focalizao do ensino fundamental, para onde se destinou a maior
parte dos recursos financeiros, e o recuo da universalizao das outras etapas da educao
bsica. O FUNDEF retirou recursos dos demais nveis de ensino para aplic-los exclusivamente
no ensino fundamental, j que suas matrculas no eram levadas em conta para os repasses dos
per capita do Fundo.
Tem em vista que os todos nveis de ensino deveriam crescer de modo planejado e
articulado, de forma integrada pelo sistema pblico como um todo, Rodriguez (2001, p. 47)
denominou este problema de fratura entre os nveis de ensino ou fratura do sistema de
educao bsica, pois ocorreu a diminuio (at mesmo a retrao) da oferta de matrculas no
ensino infantil, no ensino mdio e na Educao de Jovens e Adultos (EJA).
No desespero, por causa da grande presso dos grupos que pleiteavam o ensino
mdio, muitos Estados, como o de So Paulo, burlaram a lei, contando como gasto com ensino
fundamental o salrio de professores que ministravam aulas no ensino mdio (PINTO, 2002).
Quando esta no foi a sada, o que se fez foi adicionar ao caixa escolar recursos advindos do
setor privado6, atravs das parcerias com empresas ou do trabalho voluntrio de pais e dos
amigos da escola (PINTO, 2002, p. 125).


Um terceiro problema decorrente da implantao do FUNDEF o da municipalizao


induzida (PINTO, 2000; ARELARO, 2004) ou descentralizao selvagem (RODRIGUEZ,
2001, p. 49). Esta descentralizao foi feita de modo inadequado (sem planejamento nem
prioridades claras), visto que boa parte dos municpios no se encontrava preparada administrativa
e pedagogicamente. Alm disso, os municpios de pequeno porte foram os maiores receptores
das matrculas de ensino fundamental e, geralmente, os mais frgeis em termos financeiro e
administrativo.
Segundo Guimares (2004, p. 194),
[...] as adeses ao FUNDEF foram decididas em maior ou menor escala como
decorrncia do grau de dependncia dos municpios s transferncias constitucionais,
recebidas por meio do Fundo de Participao dos Municpios (FPM).

Conforme dados do MEC de 2002, apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos


e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP autarquia do MEC), no perodo de 1996 a
2002, houve o crescimento de 61,57% da rede municipal e um decrscimo de 22,91%, 12,75%
e 21,27% das redes estadual, privada e federal, respectivamente (OLIVEIRA, C., 2004).
Os efeitos dessa municipalizao mostraram-se, em sua maioria, catastrficos. Conforme
apontado por Pinto (2002, p. 117), Municpios encerraram salas de pr-escola, superlotando as
classes de 1. srie do ensino fundamental com a matrcula dessas crianas, a fim de angariar
recursos do Fundo, como o caso da cidade de Analndia/SP em que
uma escola municipal de ensino fundamental foi alojada no prdio da Cmara Municipal
(em plena atividade), que no tinha estrutura nenhuma para instalar uma escola.
Outros problemas resultantes do FUNDEF foram: o baixo grau de institucionalidade
dos mecanismos de controle social, ou seja, as dificuldades na implantao dos Conselhos de
Educao e Gestor do Fundo e na forma de atuao deles, precria e insuficiente; a aplicao
inferior a 60% (em mdia, 30 a 40%) dos recursos para pagamento de profissionais de ensino;
a no-criao/no-implantao de Plano de Carreira e remunerao do magistrio; o atraso no
pagamento de salrios aos profissionais do magistrio; a aplicao dos recursos do FUNDEF
em aes no caracterizadas como de manuteno e desenvolvimento do ensino; a realizao
de despesas sem licitao, sobretudo em cursos de capacitao para professores; o desvio dos
recursos da conta do FUNDEF para outras contas; a aquisio e manuteno de transporte
escolar inadequado e superfaturamento na contratao de transporte de estudantes; a elevao do
nmero de alunos no Censo Escolar; e a discrepncia nos valores considerados pela Secretaria
do Tesouro Nacional e pelas prefeituras (GUIMARES, 2004; ARELARO, 2004).
possvel afirmar, ainda que no se esgotaram todas as constataes a respeito do
FUNDEF, que a suposta capacidade redentora do FUNDEF para a educao nacional, no foi
to salvadora como pareceu. Representando a voz dos estudiosos do FUNDEF, este autor
afirma:

Independentemente da forma diferenciada como Estados e municpios atualmente


se relacionam com o Fundef, inequvoco, para muitos pesquisadores, que este
relacionamento, para a maioria dos casos j estudados e descritos, definiu-se muito
mais pelo carter confiscatrio que o Fundef adquiriu do que por qualquer veleidade ou
crena por parte dos administradores quanto melhoria da educao (GUIMARES,
2004, p. 194).

nessa mesma lgica do FUNDEF o recurso racionalidade tcnica como meio


orientador das polticas sociais -, isto , da poltica educacional dos bancos multilaterais para a
Amrica Latina (o neoliberalismo; a retirada do Estado do exerccio das polticas pblicas; uma
forte apelao s reformas; a corrida pela busca da modernizao administrativa e econmica;
a descentralizao, a defesa do consenso e a busca de parcerias; a nfase nas polticas de
participao da sociedade civil), que Luiz Incio Lula da Silva assumiu a presidncia do Brasil
em 2002 (ARANDA; SENNA, 2007; SAVIANI, 2008; OLIVEIRA, D., 2009).

CONSIDERAES FINAIS
As reformas educacionais realizadas nos anos 1990, nos pases da Amrica Latina, tiveram
por preceitos a descentralizao e a desconcentrao, este ltimo envolvendo, fortemente, a
autonomizao das instituies educacionais. Assim, contriburam para a consolidao da
diviso de responsabilidades entre as instncias de governo, incentivando as parcerias com as
instituies no-governamentais, empresas privadas e comunidade.
No Brasil, os impactos sobre os sistemas de ensino das mudanas introduzidas com
as novas legislaes brasileiras, especialmente, a EC n 14/96, a LDB/96 e a Lei 9.424/96,
aprovadas no governo FHC, estabeleceram importantes parmetros para se implementar, com
efeito, o gerenciamento da educao coerente com a proposta de descentralizao fundamentada
no projeto de modernizao da gesto pblica brasileira.
Em decorrncia desses fatores, prevaleceu a tendncia de menor participao do Estado
na educao. Este exerceria apenas funo supletiva, contribuindo, simplesmente, para diminuir
as desigualdades (o que no aconteceu). Segundo Frana (2005), o Estado descentralizou,
progressivamente, suas atribuies e as materializou na educao com a EC n 14/96, transformada
na Lei 9.424/96, que instituiu o FUNDEF. Comprovou-se, nesta emenda, a desobrigao do Estado
na esfera federal para com o ensino fundamental e a erradicao do analfabetismo, ao se propor
que no se aumentassem os gastos com educao, mas que fossem apenas redistribudos.
No governo FHC, o FUNDEF cumpriu satisfatoriamente uma das sadas apontadas pelo
Banco Mundial para a efetiva racionalizao dos recursos educacionais: a municipalizao,
que estava rigorosamente presente nas recomendaes dos organismos internacionais ao
Brasil como soluo racional de combate ao desperdcio de recursos na educao brasileira
(FRANA, 2005, p. 17).
Considere-se que os organismos internacionais, em particular Banco Mundial e a
Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe (CEPAL), no escondem o interesse de


incorporar recursos privados para financiar a educao quando elogiam as escolas privadas, o
direito de a todos assistir e a disponibilidade de pagamento por parte das famlias ao afirmarem
que os filhos esto recebendo uma educao de qualidade, o que permite incrementar o volume
de recursos privados no sistema (KRAWCZYK, 2002, p. 56)7.
Alm disso, argumentam, para defesa desse interesse, que se as escolas pblicas receberem
investimentos do setor privado [...] tero a possibilidade de adaptar-se competio, melhorar
seu servio e fortalecer-se, recuperando a sua credibilidade perante a clientela (KRAWCZYK,
2002, p. 56).
Mediante estas constataes, no se pode negar a influncia dos organismos
internacionais na formulao das polticas educacionais no perodo analisado neste estudo. Isso
como conseqncia da busca de organicidade das polticas, sobretudo no mbito do governo
federal na dcada de 1990, quando, em consonncia com a reforma do Estado e a busca de sua
modernizao, implementaram-se novos modelos de gesto, cujo norte poltico-ideolgico
objetivava [...] introjetar na esfera pblica as noes de eficincia, produtividade e racionalidade
inerentes lgica capitalista (OLIVEIRA, 2000 apud DOURADO, 2007, p. 926).
Nesse contexto, segundo Dourado (2007, p. 926), e em concordncia com a afirmao
do autor, evidenciam-se
[...] limites estruturais lgica poltico-pedaggica dos processos de proposio e
materializao das polticas educacionais, configurando-se, desse modo, em claro
indicador de gesto centralizadora [entenda antidemocrtica] e de pouca eficcia
pedaggica para mudanas substantivas nos sistemas de ensino, ainda que provoque
alteraes de rotina, ajustes e pequenas adequaes no cotidiano escolar, o que
pode acarretar a suspenso de aes consolidadas na prtica escolar sem a efetiva
incorporao de novos formatos de organizao e gesto. Isto no redundou em
mudana e, sim, em um cenrio de hibridismo no plano das concepes e das prticas
que, historicamente, no Brasil, tm resultado em realidade educacional excludente e
seletiva.

Realidade desanimadora... O que fazer? Desistir? No, antes unir-se aos setores
progressistas da sociedade e lutar por uma poltica educacional em defesa da escola pblica
como chave de uma educao democrtica, universal e gratuita.
NOTAS

1. Como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Internacional para a Reconstruo e o


Desenvolvimento (BIRD), o Programa das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO), a
Organizao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF),
o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre outros (MIRANDA, 1997; SOUZA;
FARIA, 2004).
2. Segundo Souza e Faria, nos anos 80, o Chile d incio ao processo de descentralizao, em plena ditadura militar;
em 1992, a Argentina descentraliza seu Ensino Mdio; em 1994, a Bolvia promove ampla descentralizao
de sua gesto educacional; a Colmbia, a partir de 1993, aprofunda a descentralizao de sua educao, j
iniciada, em 1986, pela via de sua municipalizao; e, em 1991, o Mxico intensifica suas aes em torno da
estadualizao da educao, principiada entre o final dos anos 70 e incio dos anos 80 (RODRIGUEZ, 2000
apud SOUZA; FARIA, 2004, p. 567).
3. Esta Conferncia foi um encontro promovido com o objetivo, entre outros, de enfrentamento dos desafios

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extraordinrios para a educao, que cresceram, ao longo da dcada de 1980, com o desmoronamento da
superestrutura poltica, o fortalecimento dos mercados financeiros globais e os avanos tecnolgicos do sistema
de produo. Emergiu novamente a preocupao com o desenvolvimento humano, vinculando-o educao
(TCH) e dando nfase melhoria da qualidade de vida, que tem como um de seus suportes a satisfao
das necessidades bsicas de aprendizagem (NOGUEIRA, 2001). Segundo Pinto (2002), tal conferncia, vai
inaugurar a poltica, patrocinada pelo Banco Mundial, de priorizao sistemtica do ensino fundamental, e
de defesa da relativizao do dever do Estado com a educao, tendo por base o postulado de que a tarefa de
assegurar a educao de todos os setores da sociedade.
4. A LDB/96 e o PNE/2001 no foram objetos de anlise neste estudo. Porm, diversas anlises do LDB/96 e do
PNE (ARELARO, 2004; CONRADO, 2008; HOLANDA, 2005; SAVIANI, 2004) salientam a predominncia
da mesma poltica educacional instituda no FUNDEF.
5. A Unio complementar os recursos dos Fundos [...], sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu
valor por aluno no alcanar o mnimo definido nacionalmente. (SILVA; MACHADO, 1998, p. 128, grifo
nosso).
6. A respeito dessa idia de parcerias ou convnios entre a rede pblica e as empresas privadas consultar Schorr
(2004).
7. Ver os seguintes documentos BANCO MUNDIAL. Reformas educacionais e autonomia das escolas. Os
casos da cidade de Nova Iorque, do Chile e do Estado de Minas Gerais. Departamento de Desenvolvimento
Humano, Diretoria do Brasil, 1999 e CEPAL. Hacia donde va Le gasto pblico em educacin, Logros y
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