Rumpelstichen
Rumpelstichen
Rumpelstichen
Ariel Ganassim
Havia passado a vida inteira trancado naquele calabouo. No conhecia ningum
alm do homenzinho que trazia sua comida e lhe ensinava as palavras. Nem mesmo
fazia ideia da prpria idade, incapaz de conceber o que significava ser um menino. No
sorria, tampouco sonhava. Quando dormia, enxergava o mesmo escuro ftido das
paredes ao redor. A sua maior felicidade era ter o homenzinho por perto, para lhe educar.
- Tudo debaixo do cu tem um nome. falava o tal homenzinho, sentado no cho
do calabouo enquanto conversavam preciso olhar dentro das coisas para cham-las
pelo nome, como fizeram no comeo dos tempos, no jardim do paraso.
- Tambm tenho um nome? perguntou o menino, assombrado.
- Tem, assim como eu. No dia que conseguir ler meu nome no silncio, por
adivinhao, ter se tornado digno de ver por si mesmo o significado das palavras que
ensino.
Foi tudo o que conversaram naquele dia, o homenzinho se despediu e sumiu. Mas
a porta havia sido esquecida aberta, como nunca antes. O menino hesitou um pouco e
saiu apreensivo, sentindo um frescor maravilhoso no rosto. Alguma coisa fria acariciava
sua pele, sem que pudesse ver o que era, se deixou guiar por aquela sensao, andando
passo aps passo para fora de seu calabouo, encantado com o cu aberto, azul e
imenso. Havia arvores erguidas em todas as alturas, com copas verdes feito a grama,
muitas delas, por onde se enfiou, cada vez mais deslumbrado com o barulho dos
pssaros. Ao perceber, se encontrava perdido.
Qual seria o nome daquelas coisas? No dava para saber. Andou e andou at a
beira de um rio. Estava fascinado com a correnteza, quando viu uma cobra rastejando na
sua direo. Sem conhecer o perigo, se agachou para olh-la, linda, verde e brilhosa
sibilando o seu veneno. De repente, ela voou para cima, levantada por um galho de
rvore. Mais adiante, havia uma mulher, segurando aquilo com cuidado. Atirou a cobra
para dentro do rio e perguntou.
- Est bem?
O menino balanou a cabea, assentindo.
- Como est sujo. Onde esto seus pais? Por acaso rfo?
Ele no soube o que responder, ficou em silncio.
- Venha, eu tenho alguma coisa para comer. disse a mulher.
Era uma lavadeira, com seu cesto de roupas na margem do rio. Dividiram um po,
assim que se sentaram.
- Como est sujo. Aproveite para se lavar um pouco. No tenha medo de mim.
Tambm fui rf. parecido com o Rei, sabia? Sei disso porque j estive na frente dele.
Tem os mesmos olhos cristalinos. D para ver por baixo da sujeira. Podia ser seu filho.
Conhece a histria do filho do Rei? falava, enquanto esfregava os seus panos, atenta
ao menino, que apenas abocanhava o po Antes da Rainha se tornar Rainha, era uma
moa muito pobre. O prprio pai lhe entregou como alquimista, para pagar os impostos,
uma mentira. O safado queria apenas fugir. A pobre moa foi trancafiada em uma torre
com uma roda de fiar e uma pilha de palhas, que devia transformar em ouro ou enfrentar
a forca. No desespero, um duende lhe apareceu. Salvaria a sua vida, ensinando a
alquimia, em troca de seu primognito. Como ela no pretendia ter filhos, desiludida com
a misria dessa vida, aceitou. Mas quando o Rei viu a pilha de ouro, achou que no
encontraria pretendente mais rica e a tomou como esposa. O tempo passou e os dois
tiveram um filho. O duende voltou para cobrar a divida. Apenas se a Rainha adivinhasse o
seu nome, seria poupada. Ela no conseguiu. Ningum tem notcias do herdeiro, at hoje.
Deve ter a sua idade.