A Norma Jurídica Sob A Ótica de Kelsen

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A NORMA JURDICA SOB A TICA DE KELSEN

Buenos Aires 31/05/2010.


1 INTRODUO

Preliminarmente, antes de iniciar uma exposio a respeito daquilo que se entende como
sendo o conceito de norma jurdica segundo Hans Kelsen justo expor algumas idias
fundamentais que guiaram seu pensamento e estabelecer algumas premissas necessrias
para essa abordagem.

Em primeiro lugar, Kelsen define o Direito Positivo como sendo uma ordem social coativa.
Ora, trata-se de um verdadeiro sistema jurdico composto por normas jurdicas vlidas com o
objetivo de regulamentar a conduta humana e cujo elemento diferenciador perante as
demais ordens sociais a previsibilidade de uma coao, capaz de sustentar toda eficcia do
sistema.

Assim, na busca de uma melhor forma de estudar e extrair o verdadeiro contedo da ordem
jurdica Kelsen formula sua "Teoria Pura", defendendo a formulao de uma cincia cujo
objeto nico seria o prprio Direito Positivo e que no poderia se deixar influenciar por
qualquer outro fator estranho realidade normativa.

Este um ponto na teoria kelseniana que causa algumas interpretaes equivocadas,


necessitando de um esclarecimento para no confundir o que realmente pretendia Kelsen.
Diante disso, fundamental que se entenda que a "pureza" buscada por Kelsen no era do
Direito Positivo (ordem jurdica), mas da Cincia do Direito ou da Teoria Geral do Direito. O
Direito Positivo para Kelsen no puro, ou seja, no sentido de formado por estruturas lgicas
desprovidas de contedo semntico! Se assim o fosse, jamais poderia o Direito Positivo
regular condutas humanas. O que se pretendia com a elaborao da Teoria Pura do Direito
era afastar a filosofia poltica, a sociologia, a histria, a tica ou a psicologia, examinando a
ordem jurdica pura e simplesmente, sem quaisquer interferncias que poderiam ser
prejudiciais a sua compreenso, atrapalhando o cientista e contaminando o resultado do
estudo.

Cabe aqui, portanto, uma constatao. ordinariamente empreendida uma viso errnea e
distorcida da Teoria Pura do Direito como Filosofia Poltica, buscando sustentar-se
teoricamente na obra de Hans Kelsen, para fundamentar e justificar especialmente
genocdios, opresses e crueldades ocorridas na primeira metade do sculo XX.

Ora, os que assim procedem ou no compreendem a Teoria Pura formulada pelo mestre de
Viena ou no concordam com a sua Teoria e no logrando xito na tentativa de refutar de
maneira justa sua Teoria Pura seguem o caminho da ridicularizao de sua Teoria, mediante
uso de argumentos ab absurdos.

Kelsen teorizou a respeito da Democracia e se refugiou nos Estados Unidos quando da


ascenso do nazismo, pois foi perseguido em razo de sua origem judaica e polemizou com
Carl Schmitt (esse sim teria afirmado que "O Fhrer protege o Direito").

Essa afirmao de Kelsen de que a Cincia do Direito tem como objeto o Direito Positivo
provoca uma diferenciao entre os dois sistemas, sendo a principal dela referente ao
discurso lingstico. O Direito Positivo, sendo manifestao normativa, utiliza-se de uma
linguagem necessria para regulamentar o comportamento humano, sendo assim uma
linguagem prescritiva, pois prescreve comportamentos. Por sua vez, a Cincia do Direito que
tem como objeto de estudo o Direito Positivo apresenta-se em uma linguagem descritiva,
pois busca descrever as normas jurdicas, linguagem apta para transmisso de
conhecimentos.

Partindo dessa diferenciao dos dois sistemas e, reconhecendo essa sobreposio de


camadas de linguagem entre Direito Positivo e Cincia do Direito dentro da viso kelseniana
que Lourival Vilanova[1] alertava para a distino entre norma jurdica e proposio jurdica
(resultado do processo cognoscitivo do cientista do direito), sendo que a primeira provm do
fato dos costumes ou de ato do legislador possuindo uma linguagem prescritiva de possveis
fatos dentro de um universo de fatos aptos a provocar uma relao jurdica. Enquanto a
proposio jurdica possui um carter semntico descritivo de fatos.

Firmadas essas idias iniciais, vejamos alguns dos pontos a cerca do que se entende como
norma jurdica na Teoria Pura do Direito e na Teoria Geral das Normas, destacando, inclusive,
as alteraes de pensamento ocorridas.

2 A NORMA JURDICA

2.1 NORMA JURDICA E DIREITO

Para Kelsen, o Direito uma ordem social coativa. Mais ainda, um conjunto sistemtico de
normas que regulam a conduta humana. Atravs dessa definio de direito, podemos
observar o que diferencia substancialmente o direito das demais ordens sociais (como a
religio ou a moral), pois a possibilidade da aplicao da coao para maior efetividade das
normas jurdicas caracterstica exclusiva do direito.

O prprio Direito estabelece que no sendo verificado o comportamento prescrito dever ser
aplicada a sano jurdica prevista, em geral um mal aplicado mesmo contra a vontade do

destinatrio (compulsoriamente) e, se for necessrio, com o emprego da fora (1995, p. 35).


Ele adverte que dizer que a ordem jurdica coativa no quer dizer que sempre se usar a
fora fsica para sua eficcia, mas que a comunidade jurdica legitimada a aplic-la quando
necessrio (1995, p. 36).

As normas jurdicas so os elementos do Direito. So juzos prescritivos [2] criados segundo o


que est estabelecido no prprio Direito. De acordo com Kelsen, so atos de comando
qualificados pela autorizao da prpria ordem jurdica positiva (1986, p. 35). Portanto, a
juridicidade de uma norma no derivada de um ordenamento natural, da moral ou de sua
correspondncia com o valor justia. A condio para que a norma seja jurdica extrada do
prprio ordenamento jurdico a que ela pertence, pois foi criada por um agente por ele
credenciado ou autorizado.[3]

2.2 ESTRUTURA DAS NORMAS

2.2.1 O juzo prescritivo

Kelsen se preocupou em construir uma estrutura que fosse comum a todas as normas,
visando permitir uma melhor compreenso do Direito e disponibilizar um instrumento til
para a atividade de interpretao e aplicao do Direito. Entretanto, uma leitura apressada
ou mesmo uma interpretao equivocada fazem crer que ele teria afirmado que o Direito
formado somente por estruturas "matemticas", "lgico-formais", "puras" ou "desprovidas de
contedo".

Lembre-se que Kelsen no cuidava de nenhum ordenamento jurdico em particular. O que


pautou sua investigao, portanto, foi buscar um ponto comum em todos os ordenamentos
para se trabalhar dentro de uma estrutura universal, para isso foi necessrio elevar os
conceitos a uma categoria da Teoria Geral do Direito e da Lgica Jurdica.

Desse modo, buscava uma estrutura que representasse a norma jurdica de forma universal.
Mas no afirma, em momento algum que a norma jurdica exclusivamente uma estrutura
puramente formal. Alis, seria um verdadeiro contrassenso assim pensar, pois se a norma
destinada a regular comportamento humano, ento no composta apenas por uma
estrutura formal (pois as estruturas formais so desprovidas de contedo semntico).

Para alcanar seu objetivo, Kelsen se valeu da atividade de formalizao, isto , de um


desenvolvimento lgico de purificao dos contedos empricos ou materiais, substituindo-os
por smbolos. Por exemplo: por meio da formalizao, podemos dizer que as regras das
cincias naturais apresentam sempre a forma " assim que se S ento P". [4] Vejamos os
postulados: " assim que se nenhuma fora for aplicada a um objeto em repouso (S) ento
este permanecer em repouso (P)" (primeira lei de Newton); " assim que se aquecermos
um objeto (S) ento este se dilatar (P)".

Mas note-se que nas regras da cincia, a relao entre a condio (S) e a consequncia (P)
necessria. H uma relao de causalidade que, caso no se verifique (P) em decorrncia de
(S), a regra tornada falsa.

Observou Kelsen que a norma jurdica no guiada pelo princpio da causalidade, mas pelo
da imputao (1986, p. 31-33). Isto , a relao entre a condio prevista na norma e a
consequncia no necessria, mas desejada. No se deve perder de vista que a norma
indica uma prescrio (1986, p. 2). Isto quer dizer que se a no verificao da conseqncia
prevista no torna falsa a norma, mas apenas indica sua violao.

Essa observao pode ser alcanada estudando mais profundamente as diferenas entre o
Direito Positivo e a Cincia do Direito, conforme j indicado acima. Os enunciados
(prescritivos) do Direito Positivo correspondem a uma lgica dentica, aonde, suas normas
ou so vlidas ou so invalidas, sendo a sua violao (desrespeito a prescrio) caso de
aplicao da sano (norma coativa).

Na Cincia do Direito, contudo, a lgica aplicada a apofntica, o que resulta numa valncia
da linguagem diversa da valncia do Direito Positivo. Enquanto, as normas so vlidas ou
invlidas, naquele, por sua vez, os enunciados (descritivos) so tomados como verdadeiros
ou falsos, sendo que a sua contradio no implica em sano, pois visa descrever seu
objeto sem interferir na conduta humana.

A estrutura do juzo prescritivo para Kelsen, portanto, "Se A , B deve ser", tambm por
vezes representada como "Se A, ento B deve ser" ou "Se A, ento deve ser B". Demonstrase com isso que se verifica um fato que corresponda hiptese A (o descritor da norma),
ser devido o comportamento B (o prescritor da norma). Essa estrutura representaria as
prescries de qualquer ordem jurdica e at mesmo das normas da moral. Exemplo: Se o
sinal estiver vermelho (A) deve parar o carro (B).

Lourival Vilanova[5] prope uma reviso da estrutura lgica da norma proposta por Kelsen,
afirmando, com apoio na lgica, que o dever ser no atue apenas sobre o prescritor da
norma, mas sobre todo o juzo. Enuncia que a estrutura da norma deve ser vista como D (p
q), "lendo-a" como "deve ser que o fato p implica a relao jurdica R entre sujeito s' e s'',
pelo qual um dever realizar um comportamento em face de outrem". [6]

2.2.2 A norma jurdica completa A sano e a norma.

A estrutura antes apresentada representa um juzo prescritivo, mas no a norma jurdica


"completa". A significao da norma jurdica, enquanto elemento da ordem social coativa, s
expressa na estrutura que combina o que Kelsen chamou de norma primria e norma

secundria.[7] A norma primria prevendo um certo comportamento e a secundria prevendo


que em decorrncia do no cumprimento do comportamento devido, isto , diante de um ato
ilcito, ser aplicada a sano: Se A, B deve ser e Se B, S deve ser.

Isto , a norma jurdica a combinao entre a norma primria e a secundria. A norma


primria estatui um comportamento devido, uma ordem (B). Se o comportamento (que
tambm um fato) no verificado (-B ou a negao de B), ento h a possibilidade de
algum exigir do Estado-Juiz uma prestao: a sano jurdica (tambm um
comportamento). Vejamos: Se auferir renda (A) deve levar aos cofres pblicos certa soma
em dinheiro (B) e Se no levar certa soma em dinheiro (-B), deve o Estado-Juiz satisfazer o
crdito do sujeito ativo da relao tributria (S).

Duas advertncias so necessrias. A primeira a de que essa representao, como


qualquer outra, redutora da realidade. Isto , h diversas normas que existem entre as
normas qualificadas como primria e secundria (em relao ao exemplo citado, poderamos
mencionar a normas que trazem a previso da multa, do procedimento administrativo de
constituio do crdito, da forma do ttulo executivo, dos requisitos para a propositura do
executivo fiscal, ). A reduo feita para fins didticos, sem com isso retirar a essncia da
norma jurdica ou do Direito (da as aspas quando adjetivamos de completa a norma).

A segunda que Kelsen, na Teoria Pura do Direito, chama a norma que prev a sano de
primria e a que prev o comportamento inicialmente devido de secundria. Isso se justifica
em razo do privilgio da norma que estatui a sano na fase inicial do pensamento
kelseniano (aspecto caracterstico do Direito). na Teoria Geral das Normas que Kelsen
passa a nominar a norma que prescreve o comportamento de primria, e a que prev a
sano como consequncia ao no cumprimento do comportamento de secundria.

2.2.3 Algumas crticas

Inmeras crticas, a maior parte improcedentes, foram feitas a Kelsen em relao estrutura
normativa proposta por ele, alm das tentativas, que em sua maioria tambm foram
frustradas, de reparos ou revises.

Destaquemos duas delas. A primeira se refere existncia de supostas normas jurdicas que
no trariam sanes como consequncia de sua no observncia pelo fato de no veicularem
comportamentos, mas definies ou disposies. Um exemplo seria a suposta norma
insculpida no art. 18, 1, da Constituio Federal do Brasil de 1988: "Braslia a Capital
Federal". Poder-se-ia indagar: Qual o comportamento prescrito, qual a norma secundria,
qual sano?

Kelsen j previa questionamentos dessa ordem e demonstrou que dispositivos como este da
Constituio brasileira no so mais do que fragmentos de normas. Isso porque a norma

uma significao, aquilo que se depreende de enunciados ou de costumes quando reputados


como fontes do Direito. No caso especfico, dever-se-ia combinar o dispositivo em questo
com, por exemplo, o art. 92, pargrafo nico (que prev que o Supremo Tribunal Federal
ter sede na Capital Federal) com qualquer das alneas do inciso I do art. 102 (que prev a
competncia originria do STF). Reunindo esses enunciados, construiramos uma norma
qualquer que poderia ser apresentada como "se pretender invalidar lei por vcio de
inconstitucionalidade deve propor ao perante o STF cuja sede em Braslia".

Essa observao de Kelsen encontra sustentao na clara distino entre o plano da


expresso e o plano do contedo, onde as palavras (e frases) so meros veculos e que a
significao da mensagem deve ser (re)construda pelo receptor (destinatrio, aplicador ou
intrprete). At porque, a experincia mostra que quase nunca encontramos enunciados nas
leis que correspondam exatamente estrutura das normas.

Vale destacar, que tanto o texto de lei como a norma jurdica so enunciados, so
manifestaes lingsticas. Logo, linguagem a forma pela qual se d a propagao do
conhecimento. o que afirma Lourival Vilanova (1997 p. 37-38), "mediante a linguagem
fixam-se as significaes conceptuais e se comunica o conhecimento." Continua o
pensamento afirmando que "o conhecimento ocorre num universo-de-linguagem e dentro de
uma comunidade-do-discurso".

Uma definio do que conhecimento, segundo concepes de Lourival Vilanova (1997, p.


37-38), afirmar que ele produzido a partir da ntima relao do sujeito cognoscente com
o objeto do estudo, fazendo nascer dessa relao uma base para desencadear um processo,
qual seja, o ato de revestir essa percepo do sujeito com o objeto, em uma linguagem
estruturada, que ser denominada de significao (chamada por Vilanova de proposio).

Portanto, quando da afirmao de que as normas jurdicas vlidas so significaes de


enunciado prescritivo (texto de lei), implicitamente conclumos que o texto de lei no
norma, apenas um suporte fsico que serve como referncia a um objeto do mundo. A
norma, nesse processo, o resultado de um trabalho de apreenso sensorial do cientista
com o seu objeto de estudo (texto de lei), que resulta na elaborao de uma estrutura
sinttica capaz de dar ao seu objeto o sentido completo de previso hipottica de certo fato
conjuntamente com a sua conseqncia jurdica.

Outra crtica que deve ser afastada a de Paulo Nader, que busca uma "sntese" das nas
primrias e secundrias, construindo a forma "Se A, B deve ser, sob pena de S". No nos
parece que essa estrutura possa ser logicamente representada como uma nica proposio,
sempre sendo decomposta em duas, tal como aquela elaborada por Kelsen.

2.3 A CLASSIFICAO DAS NORMAS

2.3.1 Normas Gerais e Individuais

Dentre as inmeras classificaes possveis, destaca-se em Kelsen especialmente duas: a


que se refere generalidade ou individualidade e a relativa quanto s funes.

Quanto primeira, Kelsen (1986, p. 10) afirma ser individual a norma que prescreve um
comportamento nico, determinado. Isto , a caracterizao da norma individual no se d
apenas pela identificao ou determinao precisa do destinatrio, mas pela determinao de
uma conduta nica. Assim, individual a norma (moral) emitida pelo pai que, em razo de
estar autorizado, determina a um ou mais filhos a dar felicitao ao professor por ocasio de
seu aniversrio (1986, p. 11). individual a norma jurdica emitida pelo juiz que condena
algum a pagar certa soma em dinheiro a outrem.

Por sua vez, ser geral a norma, mesmo estando identificado o destinatrio, que fixe como
devido um comportamento no individualizado. So gerais, portanto, as normas que
prescrevem que todos os ladres devem ser condenados a priso ou que um filho no minta
ao pai (1986, p. 10-11).

Assim, a linguagem prescritiva da norma geral no obriga o comportamento desejado, e sim,


motiva, direciona (imputao) o sujeito para uma deciso desejada do comportamento
prescrito. Assim, imprescindvel para que a norma tenha a efetividade desejada, uma correta
aplicao desse mandamento prescricional, que somente a incidncia da norma individual
pelo sujeito credenciado capaz de fornecer.

2.3.2 Normas de imposio, de permisso, de autorizao e de derrogao

Extremamente complexa a classificao de Kelsen quanto s funes da norma jurdica.


Parece-nos, nesse ponto, existir tambm uma modificao daquilo que foi proposto na Teoria
Pura do Direito e, posteriormente, na Teoria Geral das Normas. Fiquemos com a ltima
classificao, para evitar maiores dificuldades.

Inicialmente, necessrio que se advirta que no h, no caso, uma abertura quanto ao


carter da norma jurdica ser um dever ser. O que Kelsen adverte que a imposio de algo
no a nica forma de se exprimir o dever ser. Vejamos.

Inicialmente, Kelsen aponta como funo especfica da norma a imposio, a prescrio de


como uma conduta deve ser (1986, p. 120). Nesse ponto, ele adverte que tanto a prescrio
de como se comportar como de no se comportar so qualificados como imposies.
Passemos a palavra para o mestre

Toda a proibio pode ser descrita como uma imposio. A proibio: 'No se deve furtar',
uma imposio. A proibio: 'No se deve furtar', igual imposio: 'Deve-se omitir furto'.
Assim, imposio pode ser descrita como proibio. A imposio: 'Deve-se falar a verdade',
uma proibio: 'No se deve mentir', i. e., no omitir dizer a verdade. A proposio: '
imposto obedecer aos pais' idntica proposio: ' proibido no obedecer aos pais'.

A permisso seria uma outra funo da norma jurdica, caracterizada pela proibio de se
impor ou de se proibir uma certa conduta. Esse ponto nos parece crtico, pois parece que a
permisso poderia ser representada tambm por uma imposio (proibido proibir ou proibido
impor ou mesmo devido suportar o fazer ou no fazer). [8]

Uma outra funo para Kelsen seria a autorizao, entendida como "conferir a uma pessoa o
poder de estabelecer e aplicar normas" (1986, p. 129). So as normas constitucionais que
autorizam o legislativo a criar normas gerais ou a norma que autoriza ao juiz aplicar normas
gerais (e com isso criar normas individuais) a casos concretos (1986, p. 130-131).

Por fim, seria uma ltima funo da norma a derrogao. Para Kelsen, a norma derrogante
seria aquela que extinguiria a validade (existncia) da norma. uma norma que estatui um
no-dever-ser (1986, p. 134).[9]

2.4 NORMA E VALOR

No poderamos esquecer de mencionar que Kelsen no nega a existncia de valores no


ordenamento jurdico, ao tratar, em tpico especfico na Teoria Pura do Direito, a questo da
norma e valor.

A idia de que o Direito possui contedo axiolgico no est adstrito s formulaes


jusnaturalistas ou culturalistas. Kelsen observa que na medida em que a norma liga um fato
a uma conduta, funciona como uma medida de valor. Uma medida objetiva, no
necessariamente idntica ou correspondente a um valor subjetivo de determinada pessoa ou
de um grupo de pessoas.

A "pureza" pregada por Kelsen, reafirme-se, da Teoria, da Cincia, do sujeito cognoscente.


Se possvel ou se adequada tal metodologia, questionamento que transborda os limites
da prpria teoria proposta. Entretanto, vale lembrar que a negao da "pureza" poder
ocasionar o estudo de uma ordem jurdica de posse de ideologias ou pr-conceitos que no
refletem aqueles valores consagrados nas normas ou princpios ou mesmo contrrios queles
dos grupos sociais.

Por fim, cabe esclarecer que a "pureza" no invocada como forma de se alcanar uma
interpretao nica ou inequvoca da norma jurdica. Pelo contrrio, a pureza que permite
no apontamento, pela cincia, dos caminhos possveis, diante da plurissignificao da
maioria das normas jurdicas (1995, p. 394). Caber ao rgo aplicador da norma adotar o
caminho mais adequado, promovendo a interpretao autntica.

3 CONCLUSO

No era pretenso expor por completo o pensamento de Kelsen sobre as normas jurdicas,
mas expor, de forma sinttica, aquilo que se entende como fundamental (da porque as
imprecises e os vazios aqui existentes no devem ser atribudos ao mestre de Viena).

Na teoria da norma jurdica elaborada por Kelsen de se destacar o rigor com que foi
investigado seu conceito enquanto norma de regulamentao da conduta humana, sua
estrutura que abriga a previso da sano e ainda as classificaes possveis. Esse ltimo
ponto, alis, o que nos parece mais sujeito a indagaes, sem, entretanto afastar as
premissas firmadas pelo jurista austraco.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1. Direito Internacional privado parte geral: representado por normas que definem qual o
direito a ser aplicado a uma relao jurdica com conexo internacional, indicando o direito
aplicvel . Como fundamentos podem ser destacados: conflito de leis; intercmbio universal
ou comrcio internacional; extraterritorialidade das leis. importante observar que sob tica
das ordens jurdicas elas podem ser de dois modos: uma s ordem (quando para soluo de
um problema independe de outro ordenamento jurdico seno o prprio do pas); duas ou
mais ordens jurdicas (quando para soluo de um problema preciso se levar em conta o
ordenamento jurdico de um outro pas).

- Conceito: em linhas gerais, como exposto anteriormente, o direito internacional privado


seria um conjunto de princpios e regras sobre qual legislao aplicvel soluo de relaes
jurdicas privadas quando envolvidos nas relaes mais de um pas, ou seja, a nvel
internacional.

- Objeto: o direito internacional privado resolve conflitos de leis no espao referentes ao


direito privado; indica qual direito, dentre aqueles que tenham conexo com a lide sub
judice, dever ser aplicado. O objeto da disciplina internacional, sempre se refere s
relaes jurdicas com conexo que transcende as fronteiras nacionais. Desta forma, alguns
pontos so analisados pelo direito internacional privado, que so a questo da uniformizao
das leis, a nacionalidade, a condio jurdica do estrangeiro, o conflito de leis como j citado
e o reconhecimento internacional dos direitos adquiridos pelos pases.

- Objetivo: o direito internacional privado visa realizao da justia material meramente de


forma indireta, e isso, mediante elementos de conexo alternativos favorecendo a validade
jurdica de um negcio jurdico. Outro objetivo do direito internacional privado importante de
ser lembrado a harmonizao das decises judiciais proferidas pela justia domstica com
o direito dos pases com os quais a relao jurdica tem conexo internacional .

- Normas jusprivatistas internacionais: a norma do direito internacional privado delimita a


eficcia das normas de ordem interna e indica a lei estrangeira que deve reger uma
determinao relao jurdica internacional. Pode se dizer que trata de questes
contaminadas por, pelo menos, um elemento estrangeiro (casamento, nacionalidade, local
da morte, local dos bens etc). Esse elemento estrangeiro fundamental; ele que diferencia
o direito internacional privado do direito privado comum. As normas podem se classificar
quanto a fonte, quanto a natureza e quanto a estrutura.
a) Quanto a fonte: pode ser legislativa, doutrinria e jurisprudencial, pode ainda ser interna
ou internacional (tratados e convenes).
b) Quanto a natureza: geralmente conflitual, indireta ou seja, no solucionam a questo
em si mais indicam qual direito deve ser aplicado. Art. 263 do Cdigo de Bustamente; artigo
7 da LICC direta quando dotam regras materiais uniformes, que do soluo a questo.
H ainda as normas qualificadoras, que no so conflituais, nem substanciais, mas
conceituais.
c) Quanto a estrutura: so unilaterais, bilaterais ou justapostas. Unilaterais ou incompletas
so aquelas que se preocupam apenas com a aplicao da regra do direito internacional
privado aos nacionais, ou seja, a regra de direito interno, independentemente do direito
estrangeiro. O caput diz a lei do domiclio da pessoa natural, ou seja, se aplica tanto a
brasileiros como a estrangeiros. Essas normas se direcionam ou aos seus nacionais ou exclui
os nacionais e afeta s os estrangeiros. As bilaterais ou completas, so as que se destinam a
todos os nacionais, tem um aspecto universal, multilateral, ocupando-se de todo o mundo.

- Elementos de conexo: o problema fundamental do direito internacional privado a


determinao e utilizao das regras solucionadoras de conflitos interespaciais, isto , a
utilizao dos elementos de conexo. As regras jurdicas em geral possuem a estrutura de
uma hiptese e um dispositivo que regulamenta esse fato. Por exemplo, fato: a pessoa
quando alcana 18 anos. Fato alcanar 18 anos.
Conseqncia - tornar-se capaz. Os elementos de conexo, como a prpria expresso
dispe, nada mais so do que vnculos que relacionam um fato qualquer a um sistema
jurdico. Segundo Dolinger, sua enumerao leva em conta o sujeito (sua capacidade)
determinando o local onde est situado ali tambm ser a sede da relao jurdica, o
objeto (imvel ou mvel) e o ato jurdico (considerando a localizao do ato).
Existem vrias regras de conexo, e apenas para citar como exemplos: lex patriae (lei da
nacionalidade da pessoa fsica), lex domicilli (lei do domiclio), lex loci actus (lei do local do

ato jurdico), entre outras. No sistema brasileiro de direito internacional privado os principais
elementos de conexo que podem ser analisados, apenas a ttulo de exemplificao: art. 7,
caput, da Lei de Introduo do Cdigo Civil que trata do domiclio; art. 7, 1 da mesma Lei
que trata das formalidades do casamento, etc.

Qualificao: Qualificar classificar, definir, para alguns. Se tivermos uma questo de


direito internacional privado, preciso determinar a forma pela qual ela se enquadra no
sistema jurdico de determinado pas. [...] se resume em identificar como a questo que se
pe ao julgador, ao doutrinador, conceituada no sistema jurdico aliengena . Existem
diferentes mtodos de se classificar a qualificao, por exemplo:

1 Lex fori: a maioria dos internacionalistas indicam que para melhor soluo deve-se
aplicar a lei do fori. Aqui no Brasil quase sempre se opta pela Lex fori, com duas excees a
do artigo 8 e 9 da LICC.

2 Lex Cusae: a lei do ordenamento jurdico que potencialmente seria aplicado a causa.

3 Conceitos autnomos e universais: para saber como se classifica um determinado fato,


eu vou investigar todos os sistemas jurdicos e vou ver qual a maioria seguida em relao
aquele fato, da sigo aquele ordenamento.

- Aplicao do direito estrangeiro: no se faz por ato arbitrrio do juiz, mas em decorrncia
de mandamento legal da legislao interna. Reputa-se a norma estrangeira com fora coativa
igual brasileira. As partes, em princpio, no podem renunciar ao seu imprio. Sua
obrigatoriedade de tal natureza que o julgador tem o dever de aplic-la mesmo quando
no invocada pelas partes. Embora se diga, em meio a divergncias doutrinrias, que o
direito estrangeiro competente se integra na ordem brasileira, no decorre da afirmativa a
concluso de que se aplica o princpio jura novit curia. O juiz pode dispensar a prova do
direito estrangeiro, se o conhecer, embora da possa decorrer o inconveniente de, no
julgamento coletivo, haver necessidade de se provar sua existncia. Os tratados e
convenes internacionais celebrados pelo Brasil se equiparam ao direito federal, dispensada
a parte do nus da prova do texto e da vigncia. Aquele que alegar direito estrangeiro
dever provar-lhe o teor e a vigncia, salvo se o juiz dispensar a prova. O meio mais prprio
de prova o da certido passada pela autoridade consular estrangeira, contendo o texto
legal e sua vigncia, ou uma certido de autoridade estrangeira autenticada pelo cnsul.

Para certos autores, no caso de dificuldades decorrentes da ausncia de relaes


diplomticas, lcito recorrer a pareceres de doutos e doutrina. O nus da prova do direito
estrangeiro cabe a quem o alega. Se nenhuma das partes postular a aplicao de norma que
possa resultar em soluo segundo o direito aliengena, ao autor compete o nus da prova.
Algumas regras para a aplicao do direito estrangeiro so a recepo formal (posso fazer
uma recepo meramente formal), a recepo material e a aplicao sem incorporao
(aplicao da norma jurdica no possui qualquer incorporao ou integrao com regime
jurdico do foro). Assim como existem regras para aplicao em tela, tambm existem
limites, que devem ser observados como o princpio de ordem pblica (princpios
estruturantes do direito privado; esto na Constituio Federal, logo, todos eles so
princpios de ordem pblica. Ento, direito estrangeiro que fere a ordem pblica pode at ser
vlido, mas ineficaz no Brasil - LICC art. 17. Por exemplo: Divrcio islmico - D-se pela
repudia. O STF no homologa esse tipo de sentena, pois fere a ordem pblica; Casamento
poligmico - Vale o primeiro casamento, e os demais so ineficazes para o ordenamento
jurdico brasileiro, etc.). Outra limitao diz respeito fraude Lei: por exemplo, troca de
domiclio (para fugir da aplicao da lei tributria), alterao de nacionalidade. A fraude lei
implica em ineficcia do ato. Observar os recursos cabveis por fora do art. 105, III, a e
c da Constituio Federal.

2. Direito Internacional Privado Parte Especial Nacionalidade e Naturalizao:


nacionalidade um vinculo jurdico poltico estabelecido entre um Estado e uma pessoa.
Existe uma diferena entre nacionalidade e cidadania, na cidadania existe um plus que so
os direitos polticos, tais como os de votar. A cidadania pressupe sempre a aquisio de
nacionalidade. Cidado aquele que exerce seus direitos polticos. Artigo 12 da CF trata da
aquisio e perda da nacionalidade. pressuposto para o exerccio da cidadania, que a
pessoa seja brasileira, mais no necessariamente nato. So brasileiros natos aqueles
nascidos no Brasil. Se uma embaixadora estiver aqui no Brasil fazendo algum servio e
estiver grvida e o filho nascer aqui, esse filho no vai ser brasileiro. Se porventura a
Diretora presidente da Embraer for para uma feira na Alemanha e estiver grvida, esse filho
no vai ser brasileiro, porque ela no est exercendo funo de Estado. Aqueles que exercem
funo do Estado se tiverem seus filhos fora do Brasil sero brasileiros. Aquisio de
nacionalidade no Brasil: Ius solis, Ius sanguines. Regra geral s se tem uma e apenas
nacionalidade. Aquisio de nacionalidade originrio e secundaria art. 12 da CF II.

Naturalizao: a naturalizao um meio derivado de aquisio de nacionalidade e consiste


na equiparao do estrangeiro, no que se refere aos direitos e deveres. Naturalizao para
portugueses ou originrios de pases de lngua portuguesa, os requisitos so residncia por
um ano e idoneidade moral.

A regra geral de concesso de naturalizao originria o ius sanguines. As condies


essenciais para que um estrangeiro se naturalize brasileiro so:

1. prova de que possui capacidade civil, segundo a lei brasileira;

2. residncia continua no territrio nacional, pelo prazo mnimo de cinco anos;

3. saber ler e escrever a lngua portuguesa;

4. exerccio de profisso ou posse de bens suficientes manuteno prpria e da famlia;

5. bom procedimento;

6. ausncia de pronuncia ou condenao no Brasil; prova de sanidade fsica.

A naturalizao requerida ao Presidente da Republica, com declarao, por extenso, do


nome do naturalizando, sua nacionalidade, naturalidade, filiao, estado civil, data do
nascimento, profisso, lugares onde residiu antes, devendo ser por ele assinada. So
exigidos como complemento petio: carteira de identidade para estrangeiro, atestado
policial de residncia contnua no Brasil, atestado policial de bons antecedentes e folha
corrida, passados pelos servios competentes dos lugares do Brasil onde o naturalizante tiver
residido, carteira profissional, diplomas, atestados de associaes, sindicatos ou empresas
empregadoras; atestado de sanidade fsica e mental, certides ou atestados que provem as
condies j citadas anteriormente como essenciais naturalizao. O requerimento e os
documentos que o completam so apresentados ao orago competente do Ministrio da
Justia, no Distrito Federal, ou Prefeitura Municipal da localidade em que residir o
requerente. Aps o exame da documentao, realizam-se sindicncias sobre a vida
pregressa do naturalizando, devendo o processo ultimar-se em cento e vinte dias, contados a
partir do protocolo do requerimento.

- Condio jurdica do estrangeiro: o Estado que acolhe estrangeiros em seu territrio deve

reconhecer-lhes certos direitos e deve exigir deles certas obrigaes. Exemplo de direito do
Estado: o de vigilncia e policia sobre o estrangeiro, embora se deva conduzir tal pratica com
a brandura possvel. O Estado deve regular a condio do estrangeiro, protegendo suas
pessoas e seus bens, e reconhecer a todos o menino de direitos admitidos pelo direito
internacional. Os direitos que devem ser reconhecidos aos estrangeiros so:

1) o direito liberdade individual e a inviolabilidade da pessoa humana, liberdade de


conscincia, de culto, inviolabilidade de domicilio, direito de propriedade;

2) direitos civis e de famlia. Os direitos e liberdades supracitados no so absolutos, pois


no impedem que os estrangeiros sejam presos ou punidos com a pena ultima. tambm
licito e recomendvel que se recuse ao estrangeiro a faculdade de exercer, pas de
residncia, os direitos polticos que tenham no pas de origem. importante comentar,
sobretudo que traz a Lei de Introduo ao CC os limites aplicao do direito estrangeiro,
enunciando que as leis, os atos e as sentenas de outro pas, bem como quaisquer
declaraes de vontade, no tero eficcia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional,
a ordem pblica e os bons costumes. Esses limites so chamados de salvaguarda
imunolgica. A ordem pblica o princpio mais usado para limitar a aplicao da lei
estrangeira. Ordem pblica a soma dos valores morais e polticos de um povo. V-se que
se trata de um conceito fluido, varivel no tempo e no espao. Um exemplo de aplicao da
ordem pblica como fator de limitao aplicao da legislao estrangeira: uma sentena
argelina condenou uma mulher ao divrcio e perda da guarda do filho por no querer
acompanhar o marido para fora do pas, o que foi tido, na Frana, como ofensivo ordem
pblica; uma lei tunisina no admite fixao de filiao no decorrente de casamento (filho
natural no pode nem mesmo pedir alimentos); mas o mais marcante exemplo temos nos
casamentos polgamos dos rabes. Acima de tudo, muito importante lembrar que de
acordo com a CF, no art. 95, o estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos
reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituio e das leis.

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