Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

Por:
Fernando Kubitza, Ph. D.
Acqua Imagem Servios Ltda
[email protected]

Criao de tilpias em

Foto 1 - Bioflocos sob microscopia, sendo possvel notar

a presena de microalgas sobre os detritos orgnicos

sistema com bioflocos

sem renovao de gua

ioflocos so partculas orgnicas em suspenso na

gua ou aderidas s paredes dos tanques de produo
(Foto1). Estas partculas englobam material orgnico particulado, sobre o qual se desenvolvem microalgas, organismos
microscpicos diversos (protozorios, rotferos, fungos,
oligoquetos), dentre outros microorganismos, em especial
uma grande diversidade de bactrias heterotrficas.
A criao de peixes em sistemas com bioflocos
uma derivao dos sistemas com recirculao de gua,
na qual no se utiliza filtros mecnicos, nem filtros biolgicos convencionais. Os resduos orgnicos gerados
na produo (as fezes, o muco dos peixes e as sobras
de rao) so desintegrados e mantidos em suspenso
dentro dos prprios tanques, servindo como substrato
ao desenvolvimento das bactrias heterotrficas. Estas
bactrias se encarregam da depurao da qualidade da
gua, utilizando compostos nitrogenados potencialmente
txicos aos peixes (como a amnia, o nitrito e o nitrato)
para a sntese de protena e biomassa microbiana, que
enriquecem os bioflocos. Para que isso ocorra de forma
eficiente, necessrio manter adequados nveis de oxignio, pH e alcalinidade nos tanques de criao. Outro
ponto importante assegurar uma relao C/N prxima
a 20:1 nos resduos orgnicos presentes na gua, o que
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Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

feito atravs da adio de uma fonte adicional de carbono

e/ou, da alimentao dos peixes com rao contendo nveis
mais baixos de protena.
A relao C/N dos resduos depende muito dos nveis
de protena da rao utilizada. Quanto mais protena, maior
o teor de nitrognio na rao, resultando em resduos com
baixa relao C/N. Uma rao com 16% de protena possui
relao C:N prxima de 20:1, ideal para a formao de bioflocos. No entanto, as raes usadas nas criaes de peixes
geralmente contm nveis de protena acima de 28%, ou
seja, uma relao C/N menor do que 11:1. Assim, o carbono
acaba sendo um elemento limitante para o desenvolvimento
da biomassa bacteriana e formao dos bioflocos. Por isso o
criador deve realizar aplicaes peridicas de uma fonte rica
em carbono (acar, melao, farinhas de trigo e de mandioca,
quirera de arroz, fub, resduos de padaria ou pastifcio,
entre outras possibilidades). Estas aplicaes geralmente
so definidas com base na concentrao de nitrognio na
gua dos tanques.
A inteno deste artigo no se aprofundar nas bases
tericas do sistema de produo de peixes com bioflocos,
mas sim apresentar e discutir os resultados de dois ensaios
de produo com tilpias que possibilitaro ao leitor melhor
apreciar o potencial de aplicao desta tecnologia de cultivo.

Produo de juvenis de tilpia de 25 g

sob condio experimental

realizar aplicaes
peridicas de uma
fonte rica em
carbono tais como
acar, melao,
farinhas de trigo
e de mandioca,
quirera de arroz,
fub, resduos
de padaria
ou pastifcio,
entre outras
possibilidades.
Estas aplicaes
geralmente so
definidas com
base na
concentrao de
nitrognio na
gua dos
tanques."

gua das caixas. Ao final da primeira

semana (adaptao), os peixes foram
capturados, contados e pesados em
grupo. O peso mdio inicial foi ao
redor de 7,3 g. A partir deste ponto o
ensaio se estendeu por mais 42 dias
(6 semanas), com os peixes sendo
alimentados ao redor de 3% do PV/
dia, dividido em duas refeies iguais,
sempre fornecendo quantidades iguais
de rao em todas as caixas. No
houve renovao de gua, apenas a
reposio semanal do volume de gua
perdido por evaporao.

Monitoramento da qualidade da gua - diariamente foram

medidos os nveis de oxignio e
temperatura da gua s 7:00 e as
17:00 h. Duas vezes por semana
foram mensurados os valores de pH.
Uma vez por semana foram realizadas anlises de alcalinidade total,
amnia total e nitrito. Correes
do pH da gua - a manuteno do
pH da gua dentro de limites adequados (prximo de 7,0 a 7,5) era
feita atravs de aplicaes de cal
hidratada nas caixas em que o pH
chegava a 6,5 ou menos (em doses
equivalente a 10 g por caixa por aplicao). Aplicaes de uma fonte de
carbono - o melao em p foi utilizado como fonte de carbono. Como
as raes com 36 e 40% de protena
possuem relao C/N prxima de
8:1, a quantidade de melao aplicada
foi estimada de modo a prover mais
12:1 de C/N, para se chegar a uma
relao prxima de 20:1, considerada adequada para o desenvolvimento
das bactrias heterotrficas. Assim,
com base nos valores mdios semanais de amnia total (78% de N) e
de nitrito (30% de N), foi calculada
a quantidade de material carbonceo
(melao em p) a ser aplicada na
gua. Por exemplo, se o valor mdio
de amnia total nas 8 caixas era 20
mg/l (20 x 78% = 15,6 mg N/l) e o
de nitrito 8 mg/l (8 x 30% = 2,4 mg
N/l), a soma destes valores equivalia
ao valor mdio estimado de N na
gua (18 mg N/l). Esse valor era
Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

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Tilapicultura

Este primeiro trabalho avaliou

a produo de juvenis de tilpia e a
evoluo da qualidade da gua em um
sistema experimental com bioflocos
sob condies de renovao zero de
gua. O ensaio foi montado dentro de
uma estufa agrcola da empresa Aqua
Gentica (Itupeva-SP), utilizando oito
caixas dgua circulares de fibra de
vidro (tanque experimental). O volume de gua nas caixas foi mantido
prximo de 600 litros, para minimizar o risco dos peixes saltarem para
fora das caixas. Em cada caixa foram
aplicados 2 quilos de sal marinho,
elevando a salinidade para 3,33 g/litro
ou 3,33 ppt. O objetivo do sal foi o de
prevenir infeco fngica dos peixes
e evitar problemas com a toxidez por
nitrito. Em cada caixa foi instalado um
mecanismo de air lift feito com tubo
de PVC e cotovelo de 50 mm, fixado
parede da caixa. Este mecanismo
promovia tanto a aerao, como o
movimento circular da gua na caixa,
conduzindo os resduos orgnicos para
o centro da mesma.
No centro de cada caixa, bem
rente ao fundo, foi fixado um difusor
de ar cilndrico (6,5 cm de dimetro e
8 cm de comprimento com entrada de
ar de polegada), que tinha a funo
tanto de aerar a gua, como de manter
em suspenso os resduos orgnicos
que chegavam ao centro da caixa). O
mecanismo de air lift e os difusores
recebiam ar proveniente de um compressor radial (soprador de ar) de 0,75
CV. Em cada uma das caixas foram
estocados 260 alevinos de tilpia, com
peso mdio prximo de 6,0 a 6,5 g.
Dois tipos de rao foram comparados:
uma com 40% de protena e outra com
36% de protena, com peletes ao redor
de 2 mm (quatro caixas para cada tipo
de rao). Os peixes foram alimentados
duas vezes ao dia (9:00 e 16:00), sendo
que a mesma quantidade de rao (em
peso) foi aplicada em cada caixa (1,5%
da biomassa em cada refeio).
A primeira semana serviu como
adaptao aos peixes e para dar incio
formao de uma flora microbiana na

"O piscicultor deve

Tilapicultura

amostrados durante o ensaio. bem provvel que a

grande diversidade de microorganismos presentes
na gua (e nos bioflocos) pode ter exercido acirrada
competio com potenciais organismos patognicos,
reduzindo sua proliferao nos tanques experimentais,
bem como no trato digestivo dos animais. Essa uma
caracterstica apontada por outros pesquisadores que
vm trabalhando com o sistema de bioflocos com
peixes e camares.

Tabela 1 Resultados obtidos no ensaio de produo de juvenis de tilpia

em sistema experimental com bioflocos (valores combinados de 4 tanques
com 600 litros de gua usados para cada tipo de rao)

multiplicado pelos 600 litros de gua de cada caixa (18 mg

N/l x 600 l = 10.800 mg ou 10,8 g de N por caixa). Assim,
a dose de melao aplicada em cada caixa (doses iguais para
todas as caixas) era calculada como 10,8 x 12 = 129,6 g ou
130 g, arredondando.
O desempenho produtivo os resultados do desempenho
produtivo com juvenis esto resumidos na Tabela 1. Aps 42 dias
de ensaio, os alevinos atingiram 22 a 25 g, com ganho de peso
individual entre 0,35 e 0,42 g/dia. A biomassa mdia final foi
prxima de 10 kg/m3, sem renovao de gua. O ganho de peso
individual e o incremento em biomassa poderiam ter sido maiores, no fossem as baixas temperaturas da gua durante o ensaio
(entre 18 e 26C, no perodo entre 21/04/2010 a 15/06/2010).
Ainda assim, os ndices de converso alimentar foram satisfatrios, entre 1,10 e 1,25. A rao com 36% de protena permitiu
reduzir em 30% o custo de rao por quilo
de juvenil, com um desempenho de crescimento e converso alimentar ligeiramente
superior ao registrado com a rao com 40%
de protena. Isso indica que pode haver a
possibilidade de uma reduo adicional
nos nveis de protena das raes criando
juvenis de tilpia em sistema de bioflocos,
contribuindo ainda mais para a reduo do
custo de rao por quilo de peixe produzido.
Isso uma possibilidade que iremos avaliar
em ensaios futuros. A sobrevivncia mdia
dos peixes foi superior a 99% para ambas
as raes. No foram encontrados parasitos
em raspados de brnquias e da superfcie
(muco) do corpo de juvenis aleatoriamente
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Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

Qualidade da gua durante o ensaio A

concentrao mdia de oxignio dissolvido foi mantida acima de 6 mg/l durante todo o ensaio, graas
aerao contnua por ar difuso (compressor radial,
difusores e air lift). Durante eventuais quedas de
energia, um gerador era acionado para manter o funcionamento do soprador. Os nveis de gs carbnico
se elevaram de 2 mg/litro para cerca de 16 mg/l do
incio ao final do ensaio, em virtude do aumento da
biomassa microbiana e dos peixes (maior respirao
Grfico 1).
Aspecto da gua e evoluo dos demais
parmetros de qualidade da gua
1 ao 7 dia - Nos dois primeiros dias a gua dos
tanques ainda se encontrava bem transparente, comeando
a apresentar um aspecto levemente opaco / leitoso e um
tom ligeiramente esverdeado (Foto 2 e 3), indicando que
as microalgas j comearam a se beneficiar dos nutrientes
aportados atravs da rao. Os valores de pH e alcalinidade,
inicialmente por volta de 7,5 e 30 mg de CaCO3/litro, se
elevaram para 8,0 e 102 mg/litro, respectivamente, no 7
dia (Grfico 2).
Grfico 1. Evoluo dos nveis de oxignio dissolvido e gs carbnico
durante o ensaio de criao de juvenis de tilpia em sistema com
bioflocos. O oxignio foi mantido pela aerao. No entanto, os nveis
de gs carbnico se elevaram de 2 a 16 mg/litro do incio ao final do
experimento, em virtude da maior intensidade de respirao na gua dos
tanques (peixes e bactrias)

7 ao 14 dia - Por volta do 7 dia a gua j apresentava uma

cor esverdeada indicando a presena de fitoplcton (microalgas). A
densidade do fitoplncton aumentou gradativamente com o passar
dos dias at prximo do 14 dia. Nas primeiras duas semanas o criador poder notar uma elevao nos valores de pH da gua (devido
fotossntese) em sistemas expostos luz. Tambm notar um aumento
na concentrao de amnia total na gua, visto que a populao de
bactrias ainda no esta bem estabelecida. A concentrao mdia
de amnia txica chegou a 1,9 mg/l aos 14 dias (Grfico 3), com
valores prximos a 2,5 mg/litro sendo registrado em alguns tanques
em carter transitrio, resultando em reduo temporria no consumo
de alimento, porm sem mortalidade que pudesse ser a isso atribuda.

Grfico 3. Evoluo dos valores mdios de amnia total e de nitrito durante

o ensaio de criao de juvenis de tilpia em sistema com bioflocos. A
concentrao mdia de amnia total se elevou do incio do experimento at o 14
dia, onde atingiu um pico de 27,5 mg/l. Observe que nos dias 7 e 14, em funo
dos nveis mais elevados de amnia total e do pH ao redor de 8,0, a concentrao
mdia de amnia na forma txica se elevou para 0,8 e 1,9 mg/litro (valores marcados
em amarelo). Em alguns tanques foi registrada uma reduo no apetite dos peixes
neste momento, ocorrendo sobra de rao. A partir do 14 dia, os valores de amnia
total declinaram, e foi registrada uma elevao nos valores de nitrito. Isso indicou
que as bactrias comearam a se estabelecer no sistema (bactrias nitrificadoras,
que transformam amnia a nitrito, e as heterotrficas, que degradam a matria
orgnica e incorporam amnia e nitrito em protena microbiana, estimuladas pela
adio de C). O pico de nitrito ocorreu no 28 dia (mdia de 43 mg/l). A partir deste
ponto, os nveis de nitrito tambm comearam a declinar, indicando que o sistema
estava se aproximando da maturao, ou seja, o estabelecimento das bactrias
heterotrficas e formao dos bioflocos. A partir do 35 dia as concentraes de
amnia total e de nitrito se estabilizaram em nveis baixos, sem risco aos peixes.

14 ao 28 dia - Raspando a parede interna dos tanques com os dedos j se pode sentir
a presena de um filme bacteriano (limbo) por
volta do 14 dia. A partir do 21 dia j possvel
notar uma cor marrom na gua da maioria dos
tanques, ainda ligeiramente esverdeada devido ao
fitoplncton. Esse tom marrom um indicativo
da presena de uma massa bacteriana em suspenso na gua, em maior densidade. Os valores de
alcalinidade total e pH declinaram a partir do 14
dia at o final do experimento (Grfico 2), em
virtude da gerao de gs carbnico e do consumo da alcalinidade nos processos microbianos de
decomposio da matria orgnica e nitrificao.
Os valores de pH foram mantidos acima de 6,5
atravs da adio regular de cal hidratada. Isso

Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

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Tilapicultura

Grfico 2. Evoluo do pH e da alcalinidade ao longo do ensaio de criao

de juvenis de tilpia em sistema com bioflocos. Observe que a alcalinidade da
gua se elevou ate o 14 dia e os valores de pH apresentaram ligeira elevao do
7 ao 14 dia, em funo do desenvolvimento de fitoplncton nesta fase inicial
do experimento (a gua dos tanques ficou ligeiramente esverdeada). O sensvel
crescimento da populao bacteriana do dia 14 em diante provocou aumento na
taxa respiratria e na degradao do material orgnico no sistema. Isso eleva a
concentrao de gs carbnico no sistema e gera acidez, que resulta em progressiva
reduo no pH da gua. A partir do dia 14 tambm comeou a ser mais notada a
presena de flocos bacterianos em suspenso na gua ou aderidos s laterais dos
tanques. Por volta do dia 28 as guas dos tanques comearam a receber aplicaes
de cal hidratada, para manter o pH acima de 6,5 e restaurar a alcalinidade

tambm contribuiu para manter valores

de alcalinidade total prximos de 30 mg/
litro. Ainda assim, ao final do experimento
os valores mdios de pH e de alcalinidade
total ficaram em 6,2 e 18 mg CaCO3/l,
comparados aos valores iniciais de 7,5
e 30 mg CaCO3/l, respectivamente, para
estes parmetros. Entre o 14 e o 21 dia
os nveis de amnia total declinaram
rapidamente, enquanto que os de nitrito
se elevaram (Grfico 3), indicando que
as bactrias comearam a se estabelecer
e trabalhar da forma desejada no sistema,
estimuladas pela presena de nitrognio
amoniacal e carbono. Os tanques comearam a apresentar uma formao de espuma
na superfcie da gua por volta do 21 ao 28 dia (Foto 4).
Muitas vezes a espuma ficava bastante espessa, chegando
a cobrir quase toda a superfcie de uma caixa. Nas paredes
laterais dos tanques comeou a aparecer uma borra orgnica
espessa e de colorao marrom, com odor suave (sem cheiro
de putrefao) esse material continha detritos orgnicos e uma
grande quantidade de microorganismos aderidos (bactrias,
microalgas, protozorios, rotferos e alguns oligoquetas foram
visveis ao microscpio).

Tilapicultura

"Aps a colheita
dos peixes a gua
dos tanques, que
j conta com
uma microflora
microbiana
estabelecida e
Fotos 2 a 6 - Evoluo do aspecto da gua durante o
ensaio experimental para a produo de juvenis de tilpia
em sistema com bioflocos. Na foto 2 e 3, a gua ainda
na fase inicial do experimento, com alta transparncia e
ligeiramente esverdeada. Na foto 4, grande formao de
espuma na superfcie da gua e grande quantidade de
limbo bacteriano aderido parede do tanque. Na foto 5,
a espuma j praticamente desapareceu e a gua apresenta
grande quantidade de bioflocos em suspenso. Na foto 6
podem ser vistas amostras de gua dos tanques que foram
deixadas decantar por algumas horas, comparada a uma
amostra no decantada. Note a quantidade de material
orgnico (bioflocos) decantado no fundo dos tubos.

28 a 47 dia As aplicaes de melao em p tiveram incio no

7 dia e foram maiores nas primeiras 4 semanas, em funo dos nveis
mais elevados de amnia e nitrito na gua. Aps o 35 dia as doses
de melao aplicadas foram cada vez mais reduzidas, com os nveis de
amnia e nitrito atingindo valores mais baixos e estveis. A quantidade
de espuma na superfcie dos tanques foi diminuindo com o tempo e,
por volta do 35 ao 40 dia a maioria dos tanques j no apresentavam
mais muita espuma. Neste momento a gua apresentou cor marrom mais
acentuada, semelhana de um ch preto (Foto 5). A quantidade de material particulado em suspenso na gua aumentou consideravelmente,
chegando a representar um volume de slidos decantados por volta de
8 a 15% do volume total de gua (Foto 6). A partir do 28 dia os nveis
de amnia total j declinaram para cerca de um tero do pico observado
aos 14 dias, e a concentrao de nitrito atingiu o valor mdio mximo de
43 mg/l. Diversos tanques chegaram a apresentar concentrao de nitrito
entre 60 e 120 mg/litro. Em um tanque foi registrado o valor mximo
de 480 mg/litro, sem sinais de estresse aos peixes. A manuteno da
gua salinizada a 3,3 ppt, seguramente ajudou a prevenir a intoxicao
por nitrito, mantendo elevados nveis de cloreto na gua (estimados em
2.000 mg de cloreto por litro), o que equivaleu, neste pico extremo de
nitrito de 480 mg/lito, a uma relao de pouco mais de 4 Cl- para 1 NO2(o mnimo recomendado de 6:1). Ainda assim, no houve mortalidade
que pudesse sugerir a toxidez por nitrito.
Aps a colheita dos peixes a gua dos tanques, que j conta com
uma microflora microbiana estabelecida e estvel, pode ser reaproveitada
em ciclos seguintes de produo, o que resulta em trs das principais

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Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

estvel, pode ser

reaproveitada em
ciclos seguintes
de produo, o
que resulta na
conservao de
gua, efluente zero
e disponibilidade
de nutrientes
para os peixes,
possibilitando
reduzir o uso de
rao e os teores
de protena nas
mesmas."

Tilapicultura

vantagens atribudas ao sistema de bioflocos: a) conservao

de gua; b) efluente zero; c) disponibilidade de biomassa
microbiana (nutrientes) para os peixes, possibilitando reduzir o uso de rao e os teores de protena nas mesmas.
Ensaio em escala comercial na produo de
tilpias de 250 g em sistema com bioflocos
Este ensaio foi realizado nas instalaes da empresa
TOF FISH (Lucena, PB) entre o perodo de 9 de setembro
a 18 de novembro de 2010 em um tanque de 1.200 m3 de
volume de gua, com paredes revestidas em alvenaria e
provido com aerao contnua. Trs aeradores de ps de 1
CV e 6 propulsores de ar de 1 CV total de 9 CV de aerao foram usados para manter os nveis de oxignio na
gua e promover, da melhor forma possvel, a circulao
de gua e a suspenso dos resduos slidos (Fotos 7 e 8). A
salinidade da gua ao longo do experimento variou entre
13 e 18 ppt. O oxignio dissolvido e a temperatura da gua
foram monitorados diariamente e os demais parmetros de
qualidade de gua (alcalindiade total, pH, amnia, nitrito,
gs carbnico, transparncia e salinidade) foram monitorados uma ou duas vezes na semana.
Cerca de 62.260 juvenis de tilpia com peso mdio
de 32 g foram transferidos de um tanque berrio para o

Fotos 7 e 8 Vista do tanque de 1.200 m3 usado no ensaio

comercial de criao de tilpia em sistema de bioflocos. Observe
a intensa formao de espuma nas primeiras semanas do ensaio. Com
a aplicao de carbono e formao dos bioflocos, a espuma comea
a desaparecer. Aeradores de ps e propulsores de ar direcionados ao
fundo dos tanques foram utilizados para prover oxignio e manter o
material orgnico em suspenso

tanque experimental. Durante o ensaio os peixes foram

alimentados com rao extrusada de 32% de protena e
peletes de 3-4 mm. A quantidade de rao ofertada diariamente foi limitada a 70% do valor normalmente empregado
na piscicultura para aquela etapa de desenvolvimento. Isso
correspondeu a cerca de 2,0 a 2,5% do peso vivo/dia, para
a faixa de temperatura, que variou entre 24 e 27C durante
o ensaio.
Um resduo de uma indstria de macarro foi utilizado como fonte adicional de carbono para estimular o
desenvolvimento das bactrias e a formao de bioflocos. O
resduo de macarro foi aplicado semanalmente no tanque a
uma taxa de 6 g para cada grama de nitrognio presente na
gua, de forma a manter uma relao C:N prxima de 16:1

Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

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Tilapicultura

(visto que a rao com 32% de protena possui relao C:N prxima
de 10:1). O ensaio se estendeu por um perodo de 70 dias, at que os
peixes atingissem peso mdio prximo a 250 g. As anlises de qualidade
de gua, biometrias, ajustes na alimentao, aplicao de material rico
em carbono e outras atividades foram executadas pela equipe da TOP
FISH sob nossa coordenao.
Os resultados de desempenho produtivo so resumidos na tabela
2. Em 70 dias os peixes cresceram de 32 a 255 g (ganho dirio de peso
de 3,2 g/dia), considerado adequado para esta fase, mesmo sob oferta de
rao limitada a 70% da oferta regular. Ao todo foram aplicados 12.200
kg de rao (taxa mdia de alimentao de 174 kg/dia) e 191 kg de resduo
de macarro. A biomassa de peixes aumentou de 2.011 kg para 14.434
kg no perodo, passando de 1,7 a 12 kg/m3 do incio ao final do ensaio,
sem qualquer renovao de gua. A converso alimentar foi 0,98, valor
considerado excelente para esta fase e obtido graas restrio na oferta
de rao e disponibilidade de bioflocos no sistema. A sobrevivncia dos
peixes foi prxima de 91%. Mais de 70% da mortalidade registrada ocorreu
na primeira semana aps a transferncia dos peixes para o tanque experimental, sendo mais um reflexo do manejo do que das condies do ensaio.

"Com base
nos ndices de
desempenho
alcanados no
ensaio em escala
comercial, foi
realizada uma
estimativa do
custo de produo
dos juvenis de
250 gramas,
considerando
como ponto de

Tabela 2 - Resultados da
produo de tilpias de 250 g
em um tanque sob sistema de
bioflocos bacterianos

partida a aquisio
de juvenis de
30 gramas a

Os valores mnimos e mximos dos principais parmetros de qualidade de gua so resumidos na Tabela 3. Os nveis de oxignio dissolvido
variaram entre 52 e 89% da saturao, enquanto que o gs carbnico se
elevou de valores iniciais de 4 para 10 mg/l prximo ao final do ensaio.
A concentrao de amnia total variou entre 0,6 e 12 mg/litro, sendo que
o mximo valor de amnia txica foi de 0,12 mg/litro, valor considerado
seguro para a tilpia. Os valores de nitrito variaram entre 0,2 e 2 mg/litro.
Como a propriedade opera com gua de salinidade intermediria gua doce
e salgada, estes nveis de nitrito esto longe da causar toxidez aos peixes.
A alcalinidade total declinou de 100 mg para 60 mg CaCO3/l e os valores
de pH declinaram de 8,0 para 7,0 do incio ao final do experimento. No
foi necessria a aplicao de cal hidratada para corrigir os valores de pH e
alcalinidade durante o ensaio. A transparncia da gua medida com o disco
de Secchi reduziu de 60 cm para 25-30 cm do incio ao final do ensaio.

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Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

R$300,00/mil. O
custo de produo
de uma tilpia de
250 gramas foi
R$2,87/kg, ou
R$0,72/peixe."

Estimativa do custo de produo

de tilpias no sistema de bioflocos
Com base nos ndices de desempenho
alcanados no ensaio em escala comercial,
foi realizada uma estimativa do custo de
produo dos juvenis de 250 g, considerando
como ponto de partida a aquisio de juvenis
de 30 g a R$ 300,00/mil. O custo de produo de uma tilpia de 250 g foi R$ 2,87/
kg (ou R$ 0,72/peixe), conforme detalhado
na tabela 4. A compra de juvenis de 30 g
representou 46% deste custo, a rao 37%, a
energia eltrica quase 9% e mo de obra 7%.

Transferindo o custo do juvenil de 250 g (R$ 2,87/kg)

para a fase final de produo (250 a 800 g) foi possvel estimar
o custo de produo para tilpias de 800 g em sistema de bioflocos. Nessa estimativa assumimos a mesma produo de 12
kg/m3 usando a mesma potncia de aerao instalada, o mesmo
volume de tanque (1.200 m 3) e sobrevivncia de 90%. Porm,
o tempo deste ciclo de produo foi estipulado em 100 dias,
aumentando assim o uso de mo de obra e o consumo de energia
nesta fase. A converso alimentar foi estipulada em 1,6 (com
a restrio na oferta de rao e a disponibilidade de bioflocos
para o consumo da tilpia). Com base nessas premissas o custo
de produo de tilpias de 800 g em sistema de bioflocos foi
estimado em R$ 3,00/kg (Tabela 5). O custo do juvenil de 250
g representou R$ 1,00/kg (33,33% do custo total de produo).
Como o custo deste juvenil traz em si diversos componentes de
custo da etapa anterior (juvenis de 30 g, rao, energia eltrica,
mo de obra e outros), realizamos ento a decomposio destes
custos, como pode ser observado na coluna demarcada em azul
na tabela 5. Dessa forma foi possvel estimar os componentes do
custo de produo da tilpia de 800 g, como pode ser apreciado
na referida tabela (rao 56%, juvenis 15%, energia eltrica 15%,
mo de obra 11% e outras despesas 3%, aproximadamente).

Tilapicultura

Tabela 3 - Valores mnimos e mximos dos parmetros

de qualidade da gua no ensaio em escala comercial com
tilpias at 250 g

Tabela 4 - Estimativa do custo de produo de tilpias de 250 g

em sistema de bioflocos com base no resultado do ensaio comercial

Panorama da AQICULTURA, maio, junho, 2011

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Tabela 5 - Estimativa do custo acumulado para a produo de tilpias de 800 g em sistema de bioflocos

Tilapicultura

Condies: 100 dias de ciclo, produo 12 kg/m2; tanque de 1200 m2 CA 1,6; Sobrevivncia 90%

Apesar do uso de energia parecer muito intenso no

sistema de bioflocos, no ensaio comercial, o custo de energia representou 15% do custo total de produo. O custo
de energia acaba sendo diludo pela maior produtividade
e pode ser ainda mais minimizado atravs de um design
mais adequado dos tanques de criao, de forma a reduzir a
potncia de aerao necessria para uma eficiente circulao
de gua e manuteno dos resduos orgnicos em suspenso.

Essa estimativa de custo serve para as condies do

ensaio comercial aqui apresentado e pode variar dependendo
das condies de cada piscicultura e preos regionais. Na
opinio deste autor, estes custos de produo podem ser reduzidos com: a) o uso de rao extrusada com menor teor de
protena e menor suplementao mineral e vitamnica (menor
custo de rao), em funo da grande disponibilidade de bioflocos, que complementam a nutrio protica (aminocidos),
vitamnica e mineral da tilpia neste sistema de criao; b)
design mais apropriado de tanques; c) produo prpria
do juvenil de 30 g a partir de alevinos ps-revertidos
de boa qualidade, tambm em sistema de bioflocos; d)
manuteno de alta produtividade, chegando a 15 ou 18
kg/m3, de modo a diluir os custos de mo de obra e aerao, bem como os demais custos fixos de manuteno
e operao da piscicultura.
Consideraes finais
O potencial de uso da tecnologia de bioflocos na
criao de tilpia fica evidente nos dois ensaios aqui
apresentados. Resultados de produes experimentais
realizadas em outros pases tambm demonstram esse
potencial. O Brasil ainda conta com grande disponibilidade de rea e de gua para a implantao de sistemas
convencionais de criao de peixes (audes, viveiros e
tanques-rede) em diversas regies. No entanto, a implantao de empreendimentos compactos e intensivos de
produo, com a tecnologia de bioflocos, uma alternativa a ser considerada, principalmente quando a espcie
cultivada (no caso a tilpia) se beneficia dos bioflocos
como fonte de alimento e h restries de espao, gua
e descarte de efluentes. A tecnologia de bioflocos um
sistema compacto e intensivo de produo que permite

posicionar o empreendimento prximo a grandes centros

consumidores e nichos especficos de mercado. Possibilita melhor controle de temperatura, particularmente
em regies com inverno rigoroso. Tambm pode ser
uma escolha quando houver a necessidade de excluso
de potenciais patgenos (por exemplo, na inteno de
produzir alevinos de tilpia livres de Streptococcus).
Outra vantagem dos sistemas compactos de produo
a possibilidade de aproveitamento de instalaes muitas
vezes j disponveis (barraces, estbulos, pocilgas,
avirios, estufas agrcolas, entre outras). Apesar das
vantagens relacionadas, a criao de peixes em sistemas intensivos com bioflocos demanda considervel
investimento em instalaes e equipamentos (tanques,
estufas, aquecedores, bombas, aeradores, sopradores de
ar, sistema de back up de energia, etc), que precisam
ser adequadamente dimensionados e desenhados para
alcanar eficiente operao, produtividade e custo,
sendo necessrio contar com o suporte de profissionais
para auxiliar no planejamento, design, dimensionamento
e suporte na operao do sistema.
Mais informaes sobre a criao de peixes em
sistemas de bioflocos podem ser encontradas nas matrias publicadas nesta revista e relacionadas ao final deste
artigo, bem como nos livros Biofloc Technology (de
Yoram Avnimelech, 2009) e Piscicultura em sistemas
de recirculao e de bioflocos bacterianos (de Fernando
Kubitza, 2011).
Saiba mais sobre bioflocos na Panorama da AQICULTURA:
- Edio 96 (Jul/Ago2006): Cultivos em Meios com
Flocos microbianos
- Edio 107 (Mai/Jun2008): O cultivo com
bioflocos: Engorda e formao de matrizes de
Litopenaeus vannamei
- Edio 109 (Set/Out2008):
Bio-Floc Systems: Os avanos, lies e desafios
dos sistemas heterotrficos no Brasil
- Edio 115 (Set/Out2009): Tecnologia de Bioflocos
ganha adeptos e chama a ateno nos diferentes
continentes

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