Freud Vol XII - Técnica 1 - A Dinamica Da Transferencia

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Freud: Volume XII - A dinmica da transferncia

O tpico quase inexaurvel da transferncia foi recentemente


tratado por Wilhelm Stekel [1911b] nesse peridico, em estilo
descritivo. Gostaria de, nas pginas seguintes, acrescentar algumas
consideraes destinadas a explicar como a transferncia
necessariamente ocasionada durante o tratamento psicanaltico, e
como vem ela a desempenhar neste seu conhecido papel.
Deve-se compreender que cada indivduo, atravs da ao
combinada de sua disposio inata e das influncias sofridas
durante os primeiros anos, conseguiu um mtodo especfico prprio
de conduzir-se na vida ertica isto , nas precondies para
enamorar-se que estabelece, nos instintos que satisfaz e nos
objetivos que determina a si mesmo no decurso daquela. Isso
produz o que se poderia descrever como um clich estereotpico
(ou diversos deles), constantemente repetido constantemente
reimpresso no decorrer da vida da pessoa, na medida em que as
circunstncias externas e a natureza dos objetos amorosos a ela
acessveis permitam, e que decerto no inteiramente incapaz de
mudar, frente a experincias recentes. Ora, nossas observaes
demonstraram que somente uma parte daqueles impulsos que
determinam o curso da vida ertica passou por todo o processo de
desenvolvimento psquico. Esta parte est dirigida para a realidade,
acha-se disposio da personalidade consciente e faz parte dela.
Outra parte dos impulsos libidinais foi retida no curso do
desenvolvimento; mantiveram-na afastada da personalidade
consciente e da realidade, e, ou foi impedida de expanso ulterior,
exceto na fantasia, ou permaneceu totalmente no inconsciente, de
maneira que desconhecida pela conscincia da personalidade. Se
a necessidade que algum tem de amar no inteiramente
satisfeita pela realidade, ele est fadado a aproximar-se de cada
nova pessoa que encontra com idias libidinais antecipadas; e
bastante provvel que ambas as partes de sua libido, tanto a parte
que capaz de se tornar consciente quanto a inconsciente, tenham
sua cota na formao dessa atitude.
Assim, perfeitamente normal e inteligvel que a catexia libidinal de
algum que se acha parcialmente insatisfeito, uma catexia que se
acha pronta por antecipao, dirija-se tambm para a figura do
mdico. Decorre de nossa hiptese primitiva que esta catexia
recorrer a prottipos, ligar-se- a um dos clichs estereotpicos
que se acham presentes no indivduo; ou, para colocar a situao
de outra maneira, a catexia incluir o mdico numa das sries

psquicas que o paciente j formou. Se a imago paterna, para


utilizar o termo adequado introduzido por Jung (1911, 164), foi o
fator decisivo no caso, o resultado concordar com as relaes
reais do indivduo com seu mdico. Mas a transferncia no se
acha presa a este prottipo especfico: pode surgir tambm
semelhante imago materna ou imago fraterna. As peculiaridades
da transferncia para o mdico, graas s quais ela excede, em
quantidade e natureza, tudo que se possa justificar em fundamentos
sensatos ou racionais, tornam-se inteligveis se tivermos em mente
que essa transferncia foi precisamente estabelecida no apenas
pelas idias antecipadas conscientes, mas tambm por aquelas que
foram retidas ou que so inconscientes.
Nada mais haveria a examinar ou com que se preocupar a respeito
deste comportamento da transferncia, no fosse permanecerem
inexplicados nela dois pontos que so de interesse especfico para
os psicanalistas. Em primeiro lugar, no compreendemos por que a
transferncia to mais intensa nos indivduos neurticos em
anlise que em outras pessoas desse tipo que no esto sendo
analisadas. Em segundo, permanece sendo um enigma a razo por
que, na anlise, a transferncia surge como a resistncia mais
poderosa ao tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser
encarada como veculo de cura e condio de sucesso. Pois nossa
experincia demonstrou e o fato pode ser confirmado com tanta
freqncia quanto o desejarmos que, se as associaes de um
paciente faltam, a interrupo pode invariavelmente ser removida
pela garantia de que ele est sendo dominado, momentaneamente,
por uma associao relacionada com o prprio mdico ou com algo
a este vinculado. Assim que esta explicao fornecida, a
interrupo removida ou a situao se altera, de uma em que as
associaes faltam para outra em que elas esto sendo retidas.
primeira vista, parece ser uma imensa desvantagem, para a
psicanlise como mtodo, que aquilo que alhures constitui o fator
mais forte no sentido do sucesso nela se transforme no mais
poderoso meio de resistncia. Contudo, se examinarmos a situao
mais de perto, podemos pelo menos dissipar o primeiro de nossos
dois problemas. No fato que a transferncia surja com maior
intensidade e ausncia de coibio durante a psicanlise que fora
dela. Nas instituies em que doentes dos nervos so tratados de
modo no analtico, podemos observar que a transferncia ocorre
com a maior intensidade e sob as formas mais indignas, chegando
a nada menos que servido mental e, ademais, apresentando o
mais claro colorido ertico. Gabriele Reuter, com seus agudos
poderes de observao, descreveu isso em poca na qual no

havia ainda uma coisa chamada psicanlise, num livro notvel, que
revela, sob todos os aspectos, a mais clara compreenso interna
(insight) da natureza e gnese das neuroses. Essas caractersticas
da transferncia, portanto, no devem ser atribudas psicanlise,
mas sim prpria neurose.
Nosso segundo problema o problema de saber por que a
transferncia aparece na psicanlise como resistncia est por
enquanto intacto; e temos agora de abord-lo mais de perto.
Figuremos a situao psicolgica durante o tratamento. Uma
precondio invarivel e indispensvel de todo desencadeamento
de uma psiconeurose o processo a que Jung deu o nome
apropriado de introverso. Isto equivale a dizer: a parte da libido
que capaz de se tornar consciente e se acha dirigida para a
realidade diminuda, e a parte que se dirige para longe da
realidade e inconsciente, e que, embora possa ainda alimentar as
fantasias do indivduo, pertence todavia ao inconsciente,
proporcionalmente aumentada. A libido (inteiramente ou em parte)
entrou num curso regressivo e reviveu as imagos infantis do
indivduo. O tratamento analtico ento passa a segui-la; ele procura
rastrear a libido, torn-la acessvel conscincia e, enfim, til
realidade. No ponto em que as investigaes da anlise deparam
com a libido retirada em seu esconderijo, est fadado a irromper um
combate; todas as foras que fizeram a libido regredir se erguero
como resistncias ao trabalho da anlise, a fim de conservar o
novo estado de coisas. Pois, se a introverso ou regresso da libido
no houvesse sido justificada por uma relao especfica entre o
indivduo e o mundo externo enunciado, em termos mais gerais,
pela frustrao da satisfao e se no se tivesse, no momento,
tornado mesmo conveniente, no teria absolutamente ocorrido. Mas
as resistncias oriundas desta fonte no so as nicas ou, em
verdade, as mais poderosas. A libido disposio da personalidade
do indivduo esteve sempre sob a influncia da atrao de seus
complexos inconscientes (ou mais corretamente, das partes desse
complexos pertencentes ao inconsciente), e encontrou num curso
regressivo devido ao fato de a atrao da realidade haver
diminudo. A fim de liber-la, esta atrao do inconsciente tem de
ser superada, isto , a represso dos instintos inconscientes e de
suas produes, que entrementes estabeleceu no indivduo, deve
ser removida. Isto responsvel, de longe, pela maior parte da
resistncia, que to amide faz a doena persistir mesmo aps o
afastamento da realidade haver perdido sua justificao temporria.
A anlise tem de lutar contra as resistncias oriundas de ambas
essas fontes. A resistncia acompanha o tratamento passo a passo.

Cada associao isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem


de levar em conta a resistncia e representa uma conciliao entre
as foras que esto lutando no sentido do restabelecimento e as
que se lhe opem, j descritas por mim.
Se acompanharmos agora um complexo patognico desde sua
representao no consciente (seja ele bvio, sob a forma de um
sintoma, ou algo inteiramente indiscernvel) at sua raiz no
inconsciente, logo ingressaremos numa regio em que a resistncia
se faz sentir to claramente que a associao seguinte tem de levla em conta a aparecer como uma conciliao entre suas exigncias
e as do trabalho de investigao. neste ponto, segundo prova
nossa experincia, que a transferncia entra em cena. Quando algo
no material complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser
transferido para a figura do mdico, essa transferncia realizada;
ela produz a associao seguinte e se anuncia por sinais de
resistncias por uma interrupo, por exemplo. Inferimos desta
experincia que a idia transferencial penetrou na conscincia
frente de quaisquer outras associaes possveis, porque ela
satisfaz a resistncia. Um evento deste tipo se repete inmeras
vezes no decurso de um anlise. Reiteradamente, quando nos
aproximamos de um complexo patognico, a parte desse complexo
capaz de transferncia empurrada em primeiro lugar para a
conscincia e defendida com a maior obstinao.
Depois que ela for vencida, a superao das outras partes do
complexo quase no apresenta novas dificuldades. Quanto mais um
tratamento analtico demora e mais claramente o paciente se d
conta de que as deformaes do material patognico no podem,
por si prprias, oferecer qualquer proteo contra sua revelao,
mais sistematicamente faz ela uso de um tipo de deformao que
obviamente lhe concede as maiores vantagens a deformao
mediante a transferncia. Essas circunstncias tendem para uma
situao na qual, finalmente, todo conflito tem de ser combatido na
esfera da transferncia.
Assim, a transferncia, no tratamento analtico, invariavelmente nos
aparece, desde o incio, como a arma mais forte da resistncia, e
podemosconcluir que a intensidade e persistncia da transferncia
constituem efeito e expresso da resistncia. Ocupamo-nos do
mecanismo da transferncia, verdade, quando o remontamos ao
estado de prontido da libido, que conservou imagos infantis, mas o
papel que a transferncia desempenha no tratamento s pode ser
explicado se entrarmos na considerao de suas relaes com as
resistncias.

Como possvel que a transferncia sirva to admiravelmente de


meio de resistncia? Poder-se-ia pensar que a resposta possa ser
fornecida sem dificuldade, pois claro que se torna particularmente
difcil de admitir qualquer impulso proscrito de desejo, se ele tem de
ser revelado diante desse tipo d origem a situaes que, no mundo
real, mal parecem possveis. Mas precisamente a isso que o
paciente visa, quando faz o objeto de seus impulsos emocionais
coincidir com o mdico. Uma nova considerao, no entanto,
mostra que essa vitria aparente no pode fornecer a soluo do
problema. Na verdade, uma relao de dependncia afetuosa e
dedicada pode, pelo contrrio, ajudar uma pessoa a superar todas
as dificuldades de fazer uma confisso. Em situaes reais
anlogas, as pessoas geralmente diro: Na sua frente, no sinto
vergonha: posso dizer-lhe qualquer coisa. Assim, a transferncia
para o mdico poderia, de modo igualmente simples, servir para
facilitar as confisses, e no fica claro por que deve tornar as coisas
mais difceis.
A resposta questo que foi to amide repetida nestas pginas
no pode ser alcanada por nova reflexo, mas pelo que
descobrimos quando examinamos resistncias transferenciais
particulares que ocorrem durante o tratamento. Percebemos afinal
que no podemos compreender o emprego da transferncia como
resistncia enquanto pensarmos simplesmente em transferncia.
Temos de nos resolver a distinguir uma transferncia positiva de
uma negativa, a transferncia de sentimentos afetuosos da dos
hostis e tratar separadamente os dois tipos de transferncia para o
mdico. A transferncia positiva ainda divisvel em transferncia
de sentimentos amistosos ou afetuosos, que so admissveis
conscincia, e transferncia de prolongamentos desses sentimentos
no inconsciente. Com referncia aos ltimos, a anlise demonstra
que invariavelmente remontam a fontes erticas. E somos assim
levados descoberta de que todas as relaes emocionais de
simpatia, amizade, confiana e similares, das quais podemos tirar
bom proveito em nossas vidas, acham-se geneticamente vinculadas
sexualidade e se desenvolveram a partir de desejos puramente
sexuais, atravs da suavizao de seu objetivo sexual, por mais
puros e no sensuais que possam parecer nossa autopercepo
consciente. Originalmente, conhecemos apenas objetos sexuais, e
a psicanlise demonstra-nos que pessoas que em nossa vida real
so simplesmente admiradas ou respeitadas podem ainda ser
objetos sexuais para nosso inconsciente.
Assim, a soluo do enigma que a transferncia para o mdico
apropriada para a resistncia ao tratamento apenas na medida em

que se tratar de transferncia negativa ou de transferncia positiva


de impulsos erticos reprimidos. Se removermos a transferncia
por torn-la consciente, estamos desligando apenas, da pessoa do
mdico, aqueles dois componentes do ato emocional; o outro
componente, admissvel conscincia e irrepreensvel, persiste,
constituindo o veculo de sucesso na psicanlise, exatamente como
o em outros mtodos de tratamento. At este ponto admitimos
prontamente que os resultados da psicanlise baseiam-se na
sugesto; por esta, contudo, devemos entender, como o faz
Ferenczi (1909), a influenciao de uma pessoa por meio dos
fenmenos transferenciais possveis em seu caso. Cuidamos da
independncia final do paciente pelo emprego da sugesto, a fim de
faz-lo realizar um trabalho psquico que resulta necessariamente
numa melhora constante de sua situao psquica.
Pode-se levantar ainda a questo de saber por que os fenmenos
de resistncia da transferncia s aparecem na psicanlise e no
em formas indiferentes de tratamento (em instituies, por
exemplo). A resposta que eles tambm se apresentam nestas
outras situaes, mas tm de ser identificados como tal. A
manifestao de uma transferncia negativa , na realidade,
acontecimento muito comum nas instituies. Assim que um
paciente cai sob o domnio da transferncia negativa, ele deixa a
instituio em estado inalterado ou agravado. A transferncia ertica
no possui efeito to inibidor nas instituies, visto que nestas, tal
como acontece na vida comum, ela encoberta ao invs de
revelada. Mas se manifesta muito claramente como resistncia ao
restabelecimento, no, verdade, por levar o paciente a sair da
instituio pelo contrrio, retm-no a mas por mant-lo a
certa distncia da vida. Pois, do ponto de vista do restabelecimento,
completamente indiferente que o paciente supere essa ou aquela
ansiedade ou inibio na instituio; o que importa que ele fique
livre dela tambm na vida real.
A transferncia negativa merece exame pormenorizado, que no
pode ser feito dentro dos limites do presente trabalho. Nas formas
curveis de psiconeurose, ela encontrada lado a lado com a
transferncia afetuosa, amide dirigidas simultaneamente para a
mesma pessoa. Bleuler adotou o excelente termo ambivalncia
para descrever este fenmeno. At certo ponto, uma ambivalncia
de sentimento deste tipo parece ser normal; mas um alto grau dela
, certamente, peculiaridade especial de pessoas neurticas. Nos
neurticos obsessivos, uma separao antecipada dos pares de
contrrios parece ser caracterstica de sua vida instintual e uma de
suas precondies constitucionais. A ambivalncia nas tendncias

emocionais dos neurticos a melhor explicao para sua


habilidade em colocar as transferncias a servio da resistncia.
Onde a capacidade de transferncia tornou-se essencialmente
limitada a uma transferncia negativa, como o caso dos
paranicos, deixa de haver qualquer possibilidade de influncia ou
cura.
Em todas estas reflexes, porm, lidamos at agora com apenas
um dos lados do fenmeno da transferncia; temos de voltar nossa
ateno para outro aspecto do mesmo assunto. Todo aquele que
faa uma apreciao correta da maneira pela qual uma pessoa em
anlise, assim que entra sob o domnio de qualquer resistncia
transferencial considervel, arremessada para fora de sua relao
real com o mdico, como se sente ento em liberdade para
desprezar a regra fundamental da psicanlise, que estabelece que
tudo que lhe venha cabea deve ser comunicado sem crtica,
como esquece as intenes com que iniciou o tratamento, e como
encara com indiferena argumentos e concluses lgicas que,
apenas pouco tempo antes, lhe haviam causado grande impresso
todo aquele que tenha observado tudo isso achar necessrio
procurar uma explicao de sua impresso em outros fatores alm
dos que j foram aduzidos. E esses fatores no se acham longe;
originam-se, mais uma vez, da situao psicolgica em que o
tratamento coloca o paciente.
No processo de procurar a libido que fugira do consciente do
paciente, penetramos no reino do inconsciente. As reaes que
provocamos revelam, ao mesmo tempo, algumas das
caractersticas que viemos a conhecer a partir do estudo dos
sonhos. Os impulsos inconscientes no desejam ser recordados da
maneira pela qual o tratamento quer que o sejam, mas esforam-se
por reproduzir-se de acordo com a atemporalidade do inconsciente
e sua capacidade de alucinao. Tal como acontece aos sonhos, o
paciente encara os produtos do despertar de seus impulsos
inconscientes como contemporneos e reais; procura colocar suas
paixes em ao sem levar em conta a situao real. O mdico
tenta compeli-lo a ajustar esses impulsos emocionais ao nexo do
tratamento e da histria de sua vida, a submet-los considerao
intelectual e a compreend-los luz de seu valor psquico. Esta luta
entre o mdico e o paciente, entre o intelecto e a vida instintual,
entre a compreenso e a procura da ao, travada, quase
exclusivamente, nos fenmenos da transferncia. nesse campo
que a vitria tem de ser conquistada vitria cuja expresso a
cura permanente da neurose. No se discute que controlar os
fenmenos da transferncia representa para o psicanalista as

maiores dificuldades; mas no se deve esquecer que so


precisamente eles que nos prestam o inestimvel servio de tornar
imediatos e manifestos os impulsos erticos ocultos e esquecidos
do paciente. Pois, quando tudo est dito e feito, impossvel
destruir algum in absentia ou in effligie.

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