Artigo Vigano A Enfermeira e A Instituição Parceira
Artigo Vigano A Enfermeira e A Instituição Parceira
Artigo Vigano A Enfermeira e A Instituição Parceira
Carlo Vigan
Psiquiatra e psicanalista de Milo.
Membro da Scuola Lacaniana de Psicoanalisis (SLP.)
AME da Ecole de la Cause Freudienne (ECF).
Membro da Ecole freudienne de Paris
Docente do Istituto freudiano de Roma e do Centro Paul Lemoine de Palermo.
Consultor de Pesquisa junto Ctedra de Psicoterapia da Universidade de Milo.
Supervisor clnico do Centro de Acolhimentoe tratamento de Dependncia de Milo.
End: 15 via C. da Sesto, 20123, Milano, Italia
email: [email protected]
Abstract: In this article, Vigan points out the importance of mental health professional
to be put as a symbolic wall in the treatment of psychotic. He presents three times of
self-psychotic treatment and the way the institution as a partner can assist him in this
work of self-defense, self-construction and Others adherence. .
Key-words: partner-institution, self-defense, self--construction
Autodefesa e Autoconstruo
colocar como sinal. Por isto se isola, se fecha em seu quarto, tapa os ouvidos, inverte o
dia com a noite, porque noite o Outro emite menos sinais, o Outro dorme. Por isto o
psictico pode viver.
Por isto digo que o psictico deve evitar qualquer signo do Outro, o ideal para o
psictico um lugar sem o Outro, um deserto, uma ilha. No perodo medieval o
colocavam dentro de uma nau, vocs conhecem a nau dos insensatos, uma pintura de
Bosch que representava isto - era a intuio que o psictico precisava de um lugar sem
nenhum sinal da presena do Outro, no meio do mar no tem Outro. E tambm quando
o encontramos parece que no nos escuta, que no nos olha, chamamos a isto, autismo.
como um ser congelado. Por isto qualquer palavra, qualquer forma de ateno, que o
resguarde, ou o deixe indiferente, simplesmente o agride. Este o primeiro movimento
do psictico, a autodefesa, o isolamento, congelamento.
A segunda operao que faz para viver uma operao de autoconstruo. Esta
muito importante porque se demonstra que de qualquer maneira o psictico est
dentro da linguagem. Ainda que sua palavra possa no produzir sentido, ele est de
qualquer maneira, dentro da estrutura humana da linguagem.
O psictico no como um primitivo que no conhece a linguagem, ou antes,
como um animal. O psictico uma pessoa humana com todos os seus defeitos. Isto
importante porque muitas vezes, vem espontaneamente a ns tratar o psictico como um
ser primitivo, como se ele estivesse fora da linguagem humana, porque no o
compreendemos, no tivemos compreenso daquela operao de autodefesa que lhes
falei antes.
Aquilo que demonstra que o psictico est dentro da linguagem o uso que ele
faz dela, por exemplo, o movimento alternado para frente, para trs. Eu vi uma pessoa
que o dia inteiro fazia assim. Esta uma forma de linguagem, um uso do significante,
elementar, para frente para trs, para frente para trs.
Isto demonstra que o psictico como todos ns tem necessidade de estar na
linguagem. Eu me recordo de outro psictico que todo dia tinha um horrio de trabalho.
Depois do horrio de almoo saa para o parque e seu trabalho era procurar pequenas
pedrinhas e tarde voltava com o bolso cheio. Evidentemente ele procurava um certo
tipo de pedrinha, ele tinha o seu simblico, ele ocupava o dia inteiro procurando este
tipo de pedrinha. Quando retornava para o lugar onde morava, tirava tudo do bolso e j
estava pronto para outro dia de trabalho. H outros que tm um pequeno objeto, uma
pequena boneca, ou uma porta que fecha e abre, abre e fecha. Procura fazer com estes
gestos a sua construo significante, de estar dentro do mundo da linguagem.
Ns pensamos que a linguagem sempre feita do modo do computador, de
mais/menos. Linguagem da informtica que talvez vocs no conheam, tem s dois
sinais mais (+) e menos (-). um pouco como a psicose, quando se vai ao teclado
escrever uma palavra, amor: a-m-o-r , e o computador faz: mais, mais, mais, menos ou
menos, menos, menos, mais, traduz uma linguagem de frente para trs, de trs para
frente. Por isto com esta operao, o sujeito procura realizar a existncia simblica do
prprio corpo, que normalmente realizada pela estrutura simblica do dipo e pela
famlia. Portanto elevar o prprio corpo, a prpria biologia dignidade do simblico.
Todos estes gestos demonstram que um homem e no um animal. No existe nenhum
animal que para viver tenha a necessidade de fazer estes movimentos, este ritmo, estes
pequenos gestos, porque o animal para viver no precisa estar na linguagem. O animal
guiado pelo seu instinto, o psictico, ao contrrio, um homem e necessita da
linguagem.
O problema do psictico que esta sua produo simblica, ele a produz
sozinho, sem o Outro, no tem o Outro que reconhea sua linguagem. propriamente
por isto que estes gestos tornam-se repetitivos, no acabam mais. A ns parece que
acabaro, esperamos que ele se canse, que chegue fadiga, mas em vez disto, no
acabam, porque no encontra o Outro que o reconhea. Por isto, at o fim, estes gestos
no se tornam uma palavra. E como eles no acabam mais, ns lhe damos
medicamentos e bloqueamos os msculos de modo que pare com este ritual esquisito,
que pare de fazer estas coisas. Por isto, paradoxalmente, muitas intervenes que
fazemos no tratamento dos psicticos vo contra seus dois movimentos, suas duas
tentativas, a da autodefesa e a da autoconstruo.
Ns somos tentados a impedir a autodefesa e a autoconstruo e, portanto somos
um pouco sdicos, um pouco persecutrios, por isto no podemos nos surpreender
quando o psictico recusa o tratamento. H uma escassa adeso ao tratamento, como
dizem os mdicos. Se o sujeito faz uma boa adeso, um terceiro movimento.
Adeso ao Tratamento
reunies para compreender, por exemplo, os doentes. No Instituto Raul Soares chamam
de Sesso Clnica2, eu vi isto - a construo do caso.
A construo do caso colocar-se em simpatia com o doente, colocar-se do lado
do doente, ver como ele est trabalhando na autodefesa e na autoconstruo. Ento, se
tivermos construdo a posio atual do psictico, poderemos tomar boas decises na
equipe. Assim poderemos ajud-lo no seu trabalho, facilitar o trabalho feito pelo
psictico, ao invs de aument-lo, dificult-lo.
Para facilitar o trabalho do psictico necessrio que primeiro falemos do
trabalho que ele est fazendo, que o construamos, que possamos dar uma ordem
simblica ao seu trabalho. A primeira ordem no simblico poder falar, poder
produzir na equipe um saber sobre o caso particular. um saber que vai ser construdo
para cada caso. um saber que no aprendemos na escola de enfermagem, porque na
escola a gente no conheceu aquele senhor que est ali doente. A escola ensina coisas
gerais, o nome da doena, tipos de medicamentos, como se organiza o servio, mas no
ensina a construir um caso clnico, eu creio. Isto se ensina no hospital, no servio, se se
uma equipe. E, portanto isto um ponto fundamental do trabalho da equipe.
Pontos de Estabilizao:
Reunio semanal, de mbito institucional, dedicada para construo dos casos clnicos.
B Um rgo Suplementar
O Parceiro do Psictico
ali para ensinar como cozinhar. Devemos criar ocasies para que o paciente descubra
como se faz para comer. Oh meu Deus! Pode at inventar uma receita nova. Se nos
ocupamos da hora do banho de 2a a 6a, de todos os dias do paciente, nos turnos que so
estabelecidos, no para ensinar o paciente a tomar banho, para que se estabelea uma
ordem mnima. Uma vez uma paciente, como eu compreendi, viu os objetos de
maquiagem da enfermeira e pediu se podia experimentar. A enfermeira ensinou-lhe a se
maquiar. Daquele dia em diante todas as mulheres quiseram se pintar, se arrumar.
Olharam-se no espelho, descobriram que tinham um corpo e aconteceu uma mudana
radical. Foi uma inveno mnima, um acaso. A enfermeira podia ter dito: no, estas
coisas so minhas, voc deve arrumar-se com as coisas do hospital. Poderia ter feito
uma reunio e poderia ter pedido administrao que fornecesse esse tipo de material
para os pacientes. No teria tido sucesso nenhum. Ningum estaria pintado e a
administrao teria dito: ns gastamos dinheiro toa. Portanto esta uma parceira da
inveno do paciente.
E este o critrio que deve valorizar, fiscalizar a nova organizao. Se todos os
novos dispositivos oferecem mltiplas ocasies para esta parceria, ento, vo bem. So,
de verdade, uma alternativa ao manicmio. Entretanto, repito se no so animados pelo
nosso desejo, tornam-se uma mquina de segregao ainda piores que o manicmio.
Porque pacientes sero confinados em seu buraco, sem a mnima possibilidade de
relacionar-se com outros pacientes, ou com o muro do hospital.
Debate
Portanto til fazer qualquer coisa de prtico, mas no para ensinar, e sim para
aprender. Penso que isto pouco tranquilizador, pode deixar a enfermeira um pouco
inquieta porque difcil no fazer nada. Na realidade preciso uma grande vocao,
uma grande formao para chegar a isto. Eu vejo que os enfermeiros com mais
experincia chegam a uma posio deste tipo, sobretudo tornam-se muito capazes de
colher novidades dos pacientes, de aprender sua lngua privada. E de manh diz:
porque hoje no me disse a coisa que todos os dias me diz? Toda manh me diz:
quando bebemos o caf? E eu respondo sempre: as dez, e hoje no me pediu, e isto se
torna uma novidade, uma surpresa. Ento o problema torna-se este: quando a enfermeira
percebe esta novidade, a quem fala disto? O que se faz com isto? Fala disto com mdico
e o mdico diz: bah! No importante.O mdico diz: mas est tranqilo ou est
agitado? Mas voc diz: est tranqilo demais, o mdico diz: melhor assim! Ento
fala com os colegas. Isto se torna um problema: com quem falar? Existem certamente
reunies, deveriam existir, nas quais se fala destas observaes. necessrio estar
pronto, na equipe, para reconhecer a autoridade clnica de quem acolheu um elemento
de novidade. Neste sentido a equipe no hierrquica, pode-se acolher um elemento
clnico importante mesmo o ltimo da hierarquia. No necessrio ser mdico,
enfermeiro, psiclogo. Por exemplo, na minha comunidade tem uma pessoa que
cozinheira, no enfermeira, e como as pessoas vo muito cozinha, muitas
particularidades clnicas so colhidas pela cozinheira. A cozinheira participa da reunio
e muito mais importante que o psiquiatra. Sabe muitas coisas dos pacientes, por isso
capta o que algum que acompanha o paciente ao supermercado no compreende.
Porque as coisas mais importantes, os pacientes dizem no supermercado quando
caminham no meio das pessoas? Provavelmente, como na nau dos loucos, no espao
annimo mais fcil falar, ou menos persecutrio. O paciente sentado na frente da
psicloga no consultrio, no diz nada, no revela seu segredo. Mas na rua, fora dos
espaos, onde est tudo misturado, vem a palavra. Muitas vezes um estagirio que o
acompanhou ao mercado, ento a autoridade clnica naquele momento o estagirio,
num outro momento o cozinheiro. E, portanto, no trabalho de parceria, necessrio
que existam momentos sem hierarquia. As hierarquias so teis, servem para
organizao. No estou propondo um ideal anrquico. Existe a hierarquia para organizar
o servio, mas tambm tem os momentos fora da hierarquia. O que me ocorre que se
faa existir a possibilidade de emergir uma autoridade clnica, que pode ser qualquer
um.
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cidade e pode no querer voltar a andar, ter medo. Portanto no se pode levar o sujeito
cidade fora.
Mas tem um outro problema importante no que se refere insero na cidade,
este um problema da parte da cidade, e no devemos ver o problema s da parte do
paciente. Este tema que Basaglia se detinha muito sobre ele, que a cidade deve mudar
at o ponto de no fazer medo ao paciente. , portanto um tema poltico, de poltica
geral, social, antes tambm de poltica cultural. No existe uma cidade na qual no
existam 10% de doentes mentais. Lacan chegou a dizer que a loucura o limite da
liberdade humana, no sentido que o homem livre porque pode escolher a loucura.
A loucura no um tolhimento da liberdade. A loucura o risco que o homem
corre por ser livre. O problema da cidade que aceite isto, que aceite a presena da
loucura como um dado positivo e no como um dado negativo, como a testemunha da
liberdade humana, como a escolha extrema que o homem pode fazer. Antes ter a
loucura como escolha, e isto na Antigidade era muito presente. Na sociedade primitiva
o louco era uma pessoa mais que os outros, no menos que os outros. O louco era
algum que estava em contato com a divindade, que fazia as profecias, vrias pessoas
iam at ele perguntar, pedir, consultar sobre o seu futuro. Os antroplogos dizem que os
loucos dizem coisas sem sentido, ento funcionam bem como profecia. A profecia
melhor aquela que no se compreende bem, aquela que sempre deixa dvida, porque
cada um entende da forma que est dentro dele, a boa profecia deve ser interpretada. Se
a profecia diz que em 11 de setembro caem as torres gmeas, isto se chama cincia e
no profecia, um saber cientfico.
O louco pela prpria diversidade um personagem importante na cidade, em
certas civilizaes. Na idade mdia ele tornou-se algum que no estava em contato
com a divindade, mas era algum que estava em contato com o demnio, por isto foi
necessrio coloc-lo nos barcos, na nau. , porm, entre Deus e o diabo, sempre uma
pessoa excepcional. Como disse Foucault: s com a revoluo francesa, com a
industrializao, que no mais se encontrou uma dignidade para loucura.
Quando todos ns nos tornamos trabalhadores dentro do dito sistema capitalista,
o doido tornou-se um ser intil, algum que no trabalha. Hoje que tem o capitalismo
avanado, que de certo ponto de vista, certo percentual de desocupao necessrio,
talvez encontraremos um lugar para o louco, sero desocupados voluntrios. E os
servios de reabilitao se empenham para fazer os loucos trabalharem, para que
trabalhem na fbrica, em qualquer lugar, mas este um problema delicado, como eu
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dizia, desocupados voluntrios, portanto deveria ser uma escolha. O louco pode escolher
se quer trabalhar ou no. Portanto o problema da insero no trabalho sempre o
problema da rede de ser animada, no uma obrigao de trabalho, mas pode ser uma
possibilidade.
Eu vejo mais como um problema cultural, poltica da cidade, que a cidade aceite
a presena da loucura como uma presena positiva. Este um problema dos
profissionais, dos enfermeiros, das instituies. Para as enfermeiras, na realidade tem
muita coisa para fazer. Devem fazer pouco com os pacientes, mas devem fazer muito na
sociedade, devem criar as possibilidades para que o paciente possa entrar na cidade,
organizar festas, concertos, teatros, passeios, mostras de arte, todas aquelas ocasies nas
quais os cidados possam se encontrar positivamente com a loucura, possam mudar o
juzo sobre a loucura, passando do medo surpresa. Porque a cidade tem medo da
loucura, a cidade cr que o louco seja perigoso, toma-o por um delinqente. Na
realidade o psictico incapaz de ser mau, ele pode fazer mal s se sentir um perigo de
morte, quando rompe tudo. Quando fere o pai ou a me, preciso anos de preparao
deste ato, e, portanto, se se muda a atitude, se no fossem estes anos que o pai e a me
tiveram medo dele, o psictico jamais lhes faria mal. prprio de estrutura, a pessoa
menos agressiva que a gente possa pensar.
O problema de segunda demanda, sobre o entendimento da insero na cidade,
eu falei s sobre o ponto de vista do paciente, necessrio falar tambm sobre o ponto
de vista da cidade.
Causa prazer que tenha encontrado na parbola de Basaglia semelhanas com o
que eu disse.
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Juliana Motta: Porque eu penso que o nico saber que se representa enquanto
um trabalho da enfermagem, enquanto estatuto de saber de como operar nos trabalhos,
nas instituies, nos servios como se o saber da enfermagem, eu particularmente no
acredito nisto, no isto que eu ensino para as minhas alunas, espero que elas aprendam
isto bem, mas fica s na esperana, que aquilo que a gente escuta, eu tenho
companheiros aqui, colegas, que a inscrio desta prtica da enfermagem por este
saber sobre a regulao e a regra na instituio. um papel que eu acho doloroso
porque desnuda alguma coisa, um vazio aparece e vamos construir em cima disto.
Queria que voc comentasse isto, ou as pessoas tambm pudessem falar alguma coisa.
Dbora: Eu penso que esta questo que a Juliana coloca, acho que hoje um dos
temas que mais nos mobiliza, as enfermeiras mais prximas da psicanlise, pelo menos.
Porque em geral a gente est nessa funo de professora, a gente tem essa funo
transmisso de um saber da enfermagem, da psicanlise. E uma das dificuldades que a
gente encontra nesta transmisso justamente favorecer as condies para que o
enfermeiro possa desocupar este lugar de tanto saber, para poder escutar o que os
pacientes nos trazem. Mas eu queria saber, eu sei que voc tem uma experincia com o
trabalho com enfermeiras em Como, e eu queria que voc contasse como que voc fez
para trabalhar a resistncia que as pessoas tinham para sair desta posio de saber.
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