Livro Extrativismo HOMMA ONLINE

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Extrativismo

Vegetal na Amaznia
histria, ecologia,
economia e domesticao

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria


Embrapa Amaznia Oriental
Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

Embrapa
Braslia, DF
2014

Exemplares desta publicao podem ser adquiridos na:


Embrapa Amaznia Oriental
Tv. Dr. Enas Pinheiro, s/n. CEP 66095-903 - Belm, PA.
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Embrapa Amaznia Oriental
Comit Local de Publicao
Presidente: Silvio Brienza Jnior
Secretrio-Executivo: Moacyr Bernardino Dias-Filho
Membros: Jos Edmar Urano de Carvalho

Mrcia Mascarenhas Grise

Orlando dos Santos Watrin

Regina Alves Rodrigues

Rosana Cavalcante de Oliveira
Reviso tcnica
Antnio Cordeiro de Santana Ufra
Manoel Malheiros Tourinho Ufra
Fernando Antnio Teixeira Mendes Ceplac
Colaborao
Grimoaldo Bandeira de Matos
Wagner Nazareno Menezes dos Santos
Superviso editorial e reviso de texto
Narjara de Ftima Galiza da Silva Pastana
Normalizao bibliogrfica
Luiza de Marillac Pompeu Braga Gonalves
Projeto grfico, tratamento de imagens, capa e editorao eletrnica
Vitor Trindade Lbo
1 edio
1 impresso (2014): 500 exemplares
Verso on-line disponvel em: www.embrapa.br/amazonia-oriental/publicacoes
Todos os direitos reservados.
A reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em parte,
constitui violao dos direitos autorais (Lei n 9.610).
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Embrapa Amaznia Oriental
Extrativismo vegetal na Amaznia : histria, ecologia, economia e domesticao /editor tcnico,
Alfredo Kingo Oyama Homma. Braslia, DF : Embrapa, 2014.
468 p. : il. color. ; 15 cm x 23 cm.
ISBN 978-85-7035-335-1
1.Timb. 2. Agricultura orgnica. 3. leo essencial. 5. Pau-rosa. 6. Andiroba. 7. Jaborandi. 8. Aa. 9.
Aa Irrigao. 10. Capacidade de suporte. 11. Castanha-do-par. 12. Castanha-do-brasil. 13. Polticas
pblicas. 14. Castanha-do-par Indstria. 15. Baunilha. 16. Bacuri - Manejo. 17. Bacuri Mitos e lendas.
18. Cupuau. 19. Guaran. 20. Uxi. 21. Jambu. 22. Tucum. 23. Fruto tropical. 24. Ferro-guza. 25. Minrio
Amaznia. 26. Sistemas agroflorestais. 27. Priprioca. 28. Madeira. I. Homma, Alfredo Kingo Oyama.
CDD 634.98
Embrapa 2014

Autores
Alfredo Kingo Oyama Homma
Agrnomo, doutor em Economia Rural, pesquisador da Embrapa
Amaznia Oriental, Belm, PA.
Andra Vieira Loureno de Barros
Agrnoma, doutora em Cincias Agrrias, professora da
Universidade Estadual do Par, Belm, PA.
Antnio Jos Elias Amorim de Menezes
Agrnomo, doutor em Sistemas de Produo Agrcola Familiar,
analista da Embrapa Amaznia Oriental, Belm, PA.
Arnaldo Jos de Conto
Agrnomo, mestre em Economia Aplicada, pesquisador aposentado
da Embrapa Amaznia Oriental, Belm, PA.
Clio Armando Palheta Ferreira
Economista, analista aposentado da Embrapa Amaznia Oriental,
Belm, PA.
Clarisse Maia Lana Nicoli
Agrnoma, mestre em Economia Rural, pesquisadora da Embrapa
Caf, Braslia, DF.
Fabrcio Khoury Rebello
Economista, doutor em Cincias Agrrias, professor da Universidade
Federal Rural da Amaznia, Belm, PA.
Joo Tom de Farias Neto
Agrnomo, doutor em Gentica e Melhoramento de Plantas,
pesquisador da Embrapa Amaznia Oriental, Belm, PA.
Jos Edmar Urano de Carvalho
Agrnomo, mestre em Fitotecnia, pesquisador da Embrapa Amaznia
Oriental, Belm, PA.
Kleber Farias Perotes
Agrnomo, mestre em Cincias Florestais, tcnico da Emater/PA
disposio no Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do
Par, Belm, PA.

Marcos En Chaves Oliveira


Engenheiro-qumico, doutor em Engenharia Mecnica, pesquisador
da Embrapa Amaznia Oriental, Belm, PA.
Oscar Lameira Nogueira
Agrnomo, doutor em Cincias Ambientais, pesquisador aposentado
da Embrapa Amaznia Oriental, Belm, PA.
Paulo Roberto Souza Pereira
Agrnomo, extensionista da Emater/PA no Escritrio Local do
Municpio de Augusto Corra, PA.
Raimundo Nonato Brabo Alves
Agrnomo, mestre em Fitotecnia, pesquisador da Embrapa Amaznia
Oriental, Belm, PA.
Robert Toovey Walker
Geogrfo, doutor em Cincias Regionais, professor da Michigan State
University, EUA.
Ronaldo da Silva Sanches
Agrnomo, extensionista rural no Escritrio Local da Emater/PA de
Santa Izabel do Par, PA.
Rui de Amorim Carvalho
Economista, mestre em Economia Rural, pesquisador aposentado da
Embrapa Amaznia Oriental, Belm, PA.
Srgio Antnio Lopes de Gusmo
Agrnomo, doutor em Agronomia, professor associado da
Universidade Federal Rural da Amaznia, Belm, PA.
Terezinha Cavalcante Feitosa
Sociloga, doutora em Cincias Sociais, professora da Universidade
Federal do Par, Campus de Marab, PA.

Agradecimentos
Ao economista Otto Vergara Filho (19 1999), pesquisador da
Embrapa Solos e ao professor Samuel Isaac Benchimol (19232002),
maior conhecedor da economia do pau-rosa e smbolo da inteligncia
amaznica, ambos falecidos, os sinceros agradecimentos pela
colaborao prestada.
Ao Sr. Nazareno Neves Mateus (Associao dos Produtores Rurais
de Campo Limpo), ao Sr. Jeremias/Ivanete, ao Prof. Ariberto
Venturini (UFPA) e Sra. Osmarina Cardoso da Cruz (Associao
dos Produtores Rurais Rancho Fundo), bem como a todos os outros
produtores participantes da reunio no fornecimento das informaes
sobre a priprioca.
Ao Sr. Jos Paixo da Silva, presidente da Cooperativa dos Catadores
de Folhas de Jaborandi, ao Sr. Domingos Alves da Silva, associado,
ao Dr. Edgar Pinheiro (Banco da Amaznia S.A.) e ao Dr. Orlando
Maia Alves (Ibama), lotados em Parauapebas, pela ajuda prestada na
conduo deste trabalho para a coleta de dados sobre o jaborandi.
Ao Sr. Manuel Nazar Ferreira Rodrigues, proprietrio da Renmero
Indstria e Comrcio, por franquear a entrada na indstria e o livre
acesso aos funcionrios na coleta dos coeficientes tcnicos relacionados
ao processo de beneficiamento da castanha-do-par.
Aos agricultores japoneses e seus descendentes da Colnia Agrcola de
Tom-Au e Acar; dirigentes da Cooperativa Agrcola Mista de TomAu; Associao Cultural e Fomento Agrcola de Tom-Au e Agronag
Comrcio e Representao Ltda., os nossos agradecimentos pelas
informaes sobre cultivo de aaizeiro irrigado, castanha-do-par,
baunilha, uxizeiro, SAFs, cupuauzeiro, pimenta-do-reino, cacaueiro,
bacurizeiro e agricultura na Amaznia. Entre os que tivemos maior
contato: Mitinori Konagano, Francisco Wataru Sakaguchi, Tomio
Sasahara, Noburo Sakaguchi, Seya Takaki, Noboru Takakura, Shigeru
Hiramizu, Mrcio Hiramizu, Ivan Hitoshi Saiki, Mikio Nagai, Thomas
Nagai, Jailson Takamatsu, Kunio Matsunaga, Tsuneo Kusano, Hironori
Ono, Mitsuharu Onuki, Shigeru Yokokura, entre outros.
Ao Dr. Edowardo Muneaki Shimpo (Emater Benevides), Dr. Fabrcio
Khoury Rebello (Universidade Federal Rural da Amaznia), Dr.
Antnio Erildo Lemos Pontes (Frutal Amaznia), Dr. Yukihisa
Ishizuka (Amazon Agroforestry Association) e Sr. Eder Sena, pelo
apoio e ajuda para o desenvolvimento de tpicos deste livro.

A todos os agricultores entrevistados nos diversos municpios ao longo


destas ltimas dcadas, que com pacincia e confiana forneceram
valiosas informaes sobre suas vidas, experincias e coeficientes
tcnicos, na crena da busca de uma utopia plausvel para a regio.
A lista de pesquisadores, analistas e assistentes da Embrapa bastante
extensa: Adriano Venturieri, Claudio Jos Reis de Carvalho, Edilson
Carvalho Brasil, Eurico Pinheiro, Grimoaldo Bandeira Matos, Jair
Carvalho dos Santos, Jos Edmar Urano de Carvalho, Jos Furlan
Jnior, Jos Paulo Chaves da Costa, Luadir Gasparotto, Luciane
Chedid Melo Borges, Luiz Guilherme Teixeira Silva, Luiza de Marillac
P. Braga Gonalves, Manoel da Silva Cravo, Michell Olivio Xavier da
Costa, Moacyr Bernardino Dias-Filho, Narjara de Fatima Galiza da
Silva Pastana, Osvaldo Ryohei Kato, Rafael Moyses Alves, Regina Alves
Rodrigues, Ronaldo Macedo da Rosa, Vitor Trindade Lbo e Wagner
Nazareno Menezes dos Santos.
Aos revisores tcnicos, os Dr. Manoel Milheiros Tourinho e Dr.
Antnio Cordeiro de Santana, ambos da Universidade Federal Rural
da Amaznia, e Dr. Fernando Antnio Teixeira Mendes (Ceplac), os
agradecimentos pela colaborao prestada.
Os agradecimentos para o Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de
Tecnologia Agropecuria para o Brasil (Prodetab), ao Fundo Estadual
de Cincia e Tecnologia (Funtec), da antiga Secretaria Executiva de
Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Par (Sectam),
ao Banco da Amaznia e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientfico e Tecnolgico, pelo financiamento das atividades de
pesquisa.

Apresentao
com grande satisfao que colocamos disposio dos leitores o livro

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia


e domesticao no formato de e-book, que permitir o seu acesso e
disponibilizao para um pblico mais amplo, em nvel local, nacional
e mundial.
Trata-se de uma coletnea de 31 artigos sobre o extrativismo vegetal
na Amaznia, feita ao longo destas ltimas trs dcadas e organizada
pelo pesquisador Alfredo Homma, da Embrapa Amaznia Oriental.
Do livro participam 18 autores, quatro deles j aposentados,
entre pesquisadores da Embrapa Amaznia Oriental, Emater/PA,
Universidade Federal Rural da Amaznia, Universidade do Estado do
Par e Michigan State University.
O extrativismo vegetal na Amaznia constitui um tema de discusso
nacional e mundial, sobretudo depois do assassinato do lder sindical
Chico Mendes (19441988). Os autores defendem a tese da importncia
da domesticao de recursos extrativos potenciais da Amaznia
como um caminho necessrio para promover a democratizao e
valorao desses recursos na forma de produtos que venham alcanar
amplamente o mercado, gerar renda e emprego no campo e, sobretudo,
assegurar um padro de vida adequado, aumentando a produtividade
da terra e da mo de obra. Essa tese ganha mais efeito conforme se
constata que h problemas agrcolas relacionados maioria das
reservas extrativistas na Amaznia.
Desde a fundao do antigo Instituto Agronmico do Norte, em 1939,
precursora da atual Embrapa Amaznia Oriental, grandes esforos
foram feitos para a domesticao de vrios produtos extrativos.
Dentre estes, destaca-se: seringueira, guaranazeiro, castanheira-do-par, cupuauzeiro, aaizeiro, bacurizeiro, pimenta-longa, timb,
espcies madeireiras nativas (tachi-branco, paric), uxizeiro, entre as
principais, em colaborao com outras instituies de pesquisa. Para
a maioria delas, as unidades da Embrapa na Amaznia tm dedicado
ateno especial s tcnicas de manejo.
Um destaque especial deve ser dado ao crescimento do mercado de
frutas da Amaznia, o que tem sido a grande novidade destas ltimas
duas dcadas. Caractersticas singulares associadas ao sabor, cor,
aroma, formato e textura tm atrado consumidores de todo o Pas e do
mundo. Em passado no muito distante, o consumo das frutas nativas
era restrito apenas populao local e ao perodo da safra. Com o
avano das tcnicas de beneficiamento e congelamento, o mercado de
frutas nativas foi ampliado para o ano todo, multiplicando a demanda

local em pelo menos quatro vezes, o que induziu novos plantios. Essas
possibilidades se estendem, tambm, para as plantas aromticas,
medicinais, inseticidas, corantes, entre outros, que exigem maiores
investimentos de pesquisa visando sua domesticao e manejo.
Com a plena implantao do Cdigo Florestal no Pas, reacende a
importncia da seleo de espcies da biodiversidade amaznica,
reconhecidas no passado, do presente e aquelas com potenciais ainda
por serem descobertos para promoo da recomposio das reas
de Reserva Legal (ARL) e das reas de Preservao Permanente
(APP). A consolidao do Cdigo Florestal traduz-se como um
anseio da sociedade brasileira, certamente contribuir para promover
a recuperao de reas que no deveriam ter sido desmatados e
dar maior garantia de um equilbrio harmnico entre as atividades
produtivas e o meio ambiente.
Nesse contexto, constata-se a necessidade de aumento da produtividade
das propriedades agrcolas em face da reduo de rea til. Nesse
sentido, uma sada para os produtores seria promover a recomposio
das ARL e APP com espcies vegetais nativas que propiciem uma
possvel renda futura, contribuam complementarmente para o
equilbrio da fauna e, sobretudo, criem uma nova natureza para as
geraes futuras.
Cabe, portanto, s instituies de pesquisa contribuir para a gerao
de tecnologias que, uma vez disseminadas, venham trazer alternativas
de renda e emprego. com esse sentimento que lanamos esta
publicao, esperando que tenha utilidade a um pblico igualmente
amplo, formado por estudantes, tcnicos, pesquisadores e produtores
interessados no desenvolvimento da Amaznia.
Adriano Venturieri
Chefe-Geral da Embrapa Amaznia Oriental

Prefcio
ste livro rene 31 captulos enfocando produtos extrativos que
E
tiveram a importncia econmica reduzida com o esgotamento de seus
estoques, substitudos por plantios ou por sintticos (timb, pau-rosa,
jaborandi, guaran, cupuau, jambu, priprioca, baunilha, sistemas
agroflorestais), e aqueles ainda com forte domnio do extrativismo
ou do manejo (madeira, andiroba, aa, castanha-do-par, bacuri,
uxi, pequi, tucum, carvo para as guseiras). Esses tpicos procuram
abordar aspectos histricos, econmicos e ecolgicos, alm da
domesticao.
uma coletnea de trabalhos resultantes de pesquisas desenvolvidas
nos ltimos 20 anos, que sofreram adaptaes, tendo sido publicados
nas sries da Embrapa Amaznia Oriental, Revista Amaznia: Cincia
e Desenvolvimento, Revista Cincia Hoje, Revista Estudos Avanados,
Anais dos Congressos da Sociedade Brasileira de Economia,
Administrao e Sociologia Rural (Sober), Encontros da Sociedade
Brasileira de Economia Ecolgica (Ecoeco), Congresso Brasileiro
de Recursos Genticos, Frutal Amaznia e seminrios diversos.
Agradecemos o apoio que foi concedido ao longo do tempo por meio
dos recursos do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologia
Agropecuria para o Brasil (Prodetab), do Fundo Estadual de Cincia
e Tecnologia do Estado do Par (Funtec), do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e, em especial, do
Banco da Amaznia.
H uma grande nfase com relao ao extrativismo vegetal ps-assassinato de Chico Mendes (1944-1988), envolvendo as polticas
internacionais do Reducing Emissions from Deforestation and Forest
Degradation (REDD), dos programas federais e estaduais do governo
brasileiro e das organizaes no governamentais, que o colocam como
cerne da questo para a reduo dos desmatamentos e queimadas, para
a gerao de emprego e renda e como modelo de desenvolvimento
adequado para a regio amaznica.
um desafio promover o desenvolvimento de cadeias produtivas de
produtos dispersos em pequenas quantidades, sem economia de escala,
com falta de infraestrutura, baixa produtividade da terra e da mo de
obra, perecibilidade e baixo valor dos produtos versus programas sociais
como Bolsa Famlia. A separao em produtos florestais madeireiros e
no madeireiros como concepo traduz a falsa iluso destes ltimos
como sendo sustentveis por definio. A sustentabilidade econmica
versus biolgica depender da taxa de extrao: nem sempre a
sustentabilidade biolgica garante a sustentabilidade econmica ou
vice-versa. No h diferena do ponto de vista econmico com relao

a essa separao. A designao de produtos tradicionais, por si s, no


apresenta garantia de sustentabilidade.
A carncia de dados estatsticos sobre os produtos extrativos da
Amaznia, considerados inexistentes, por no fazerem parte da coleta
oficial, aumenta o carter da invisibilidade, a despeito de constiturem
estratgia de sobrevivncia de milhares de famlias da regio. A
domesticao dos recursos da biodiversidade amaznica, como j
ocorreu (ou est iniciando) para o cacaueiro, a cinchona, a seringueira,
o cupuauzeiro, o jambu, o guaranazeiro, a pupunheira, o paric, o
mogno, entre os principais, apresenta-se como o caminho mais
seguro para garantir a gerao de renda e emprego, proteger contra a
biopirataria e garantir a preservao dos estoques remanescentes.
No sculo 19, assistiu-se ao maior esforo de domesticao de uma
planta tropical, que foi a seringueira, efetuada pelos ingleses. Insistir
no modelo extrativista para os produtos que apresentam conflito entre
a oferta e a demanda, como ocorre com a seringueira, a castanha-do-par, o aa, o tucum, o pau-rosa, o mogno, o paric, o bacuri,
o pequi, o piqui, entre outros, demonstra o equvoco da crena na
disponibilidade dos recursos extrativos como uma barreira para
estimular os plantios. Todas essas plantas j deviam compor a pauta
de produtos produzidos mediante plantios na regio amaznica. Esse
aspecto resulta em que o sucesso da domesticao tende a acontecer
fora das reas de ocorrncia do recurso extrativo.
A transferncia de recursos da biodiversidade amaznica e a crena em
sua inesgotabilidade tm prejudicado seriamente o desenvolvimento
regional. Foi o que ocorreu com o cacaueiro, a seringueira, o
guaranazeiro, a pupunheira e est ocorrendo com o aaizeiro, o
cupuauzeiro e o jambu, entre os principais. Essa subtrao de recursos
da biodiversidade se contradiz ao discurso de enfatizar a manuteno
do extrativismo.
Para que ocorra o plantio de espcies da biodiversidade amaznica,
determinadas condicionantes so necessrias: mercado e preos
favorveis, disponibilidade de tecnologia de domesticao e produtores
com percepo para essas novas oportunidades. A inexistncia de
tecnologias de domesticao, a falta de alternativas econmicas
e as dificuldades de infraestrutura ajudam na manuteno do
extrativismo vegetal. Da o perigo de muitas propostas internacionais
ao favorecerem o extrativismo vegetal, a lgica da manuteno da
floresta em p, pregarem o culto ao atraso, desviando os esforos dos
pesquisadores e dos institutos de pesquisa para aes que dificultam o
desenvolvimento dessas comunidades e da regio amaznica.
A Amaznia encontra-se em um ponto de inflexo: desafios do Novo
Cdigo Florestal, da economia verde, da urbanizao, do imenso
estoque de reas desmatadas, como fonte supridora mundial de

minrios, geradora de hidroeletricidade, e do baixo capital social de


seus habitantes. H necessidade de recuperar seu passivo ambiental e
de os agricultores da Amaznia trabalharem com apenas um quinto
das reas de suas propriedades enquanto nas reas fora da Amaznia
ocorre o inverso. Isso implica que para as atividades agrcolas
comuns da Amaznia necessrio quadruplicar a produtividade
agrcola. Em longo prazo, indica a necessidade de a regio amaznica
desenvolver novas atividades exclusivas, baseadas nos recursos da sua
biodiversidade, mediante domesticao e integralizao da cadeia
produtiva na prpria regio. A recuperao das reas de Preservao
Permanente (APP) e das reas de Reserva Legal (ARL) pode dar
origem a um novo tipo de extrativismo no futuro, baseado no plantio
domesticado e em sua transformao em florestas enriquecidas.
Esperamos que esse resgate de trabalhos sobre extrativismo vegetal
sirva de testemunho para o futuro e para incentivar as polticas de
domesticao dessas plantas da verticalizao dos produtos da sua
biodiversidade.

Alfredo Kingo Oyama Homma


Pesquisador da Embrapa Amaznia Oriental

Sumrio
17

45

75

95

107

119

133

149

157

167

177

193

201

221

225

229

233

243

259

269

285

297

307

321

329

345

363

377

405

411

425
437

461

Introduo1
Depois do assassinato, em 22 de dezembro de 1988, do lder sindical
Chico Mendes (nascido em 1944), o extrativismo vegetal passou a
ser considerado como a grande ideia ambiental brasileira para conter
os desmatamentos e queimadas na Amaznia e em outras partes
do mundo tropical. A grande pergunta que fica se realmente o
extrativismo vegetal, defendido pelos seguidores de Chico Mendes,
seria a forma ideal de desenvolvimento para a Amaznia. Qual
seria a viabilidade econmica da extrao de produtos florestais no
madeireiros? (HOMMA, 2010a, 2010b).
A importncia econmica de produtos extrativos tem apresentado
modificaes ao longo da histria. Assim o caso de vrios produtos
extrativos que tiveram grande importncia na formao econmica,
social e poltica da Amaznia. Entre esses produtos podem ser
mencionados as drogas do serto e o cacau (Theobroma cacao
L.) no perodo colonial, a borracha (Hevea brasiliensis M. Arg.), a
castanha-do-par (Bertholletia excelsa H.B.K), o palmito e o fruto
do aa (Euterpe oleracea Mart.) e a extrao da madeira, entre os
principais. A sustentabilidade da extrao dos recursos extrativos
apresenta modificaes com o progresso tecnolgico, o surgimento
de alternativas econmicas, o crescimento populacional, a reduo
dos estoques, os nveis salariais da economia, as mudanas nos preos
relativos e outros fatores. De uma forma geral, as atividades extrativas
se iniciam, passam por uma fase de expanso, de estagnao e depois
declinam, no sentido do tempo e da rea espacial.
A opo extrativa como uma soluo vivel para o desenvolvimento da
Amaznia deve ser considerada com cautela. Para produtos extrativos
que apresentam um grande estoque natural, como o caso do fruto e
do palmito de aa, da madeira, da castanha-do-par e at mesmo da
seringueira, medidas devem ser tomadas para permitir uma extrao
1

Verso ampliada da publicao: Homma (2012).

18

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

mais balanceada. A manuteno do extrativismo no deve ser feita em


detrimento das alternativas tecnolgicas decorrentes da domesticao.
Para muitos produtos, a oferta extrativa no consegue atender o
crescimento do mercado, como acontece com o pau-rosa (Aniba
rosaeodora Ducke), o bacuri (Platonia insignis Mart.), a madeira, o uxi
[Endopleura uchi (Huber) Cuatrecasas], a seringueira, entre outros.
So possibilidades econmicas que esto sendo negligenciadas para a
gerao de renda e emprego. Nem sempre a sustentabilidade biolgica
garante a sustentabilidade econmica e vice-versa e o crescimento
do mercado tende a provocar o colapso da economia extrativa pela
incapacidade de atender a demanda. falsa a concepo que considera
todo produto no madeireiro como sustentvel.
A reduo dos desmatamentos e queimadas na Amaznia vai
depender de aes concretas visando utilizao parcial da fronteira
interna j conquistada em vez da opo extrativa que apresenta
grandes limitaes e do contingente populacional envolvido. Nesse
sentido, a implementao de polticas agrcolas mais importante do
que a prpria poltica ambiental para resolver as questes ambientais.
A nfase na biodiversidade abstrata tem prejudicado a definio de
rumos concretos de polticas pblicas na Amaznia, esquecendo a
biodiversidade do presente e do passado. Os produtos extrativos que
apresentam alta elasticidade de demanda, ou quando todo o excedente
do produtor captado pelos produtores, apresentam maiores chances
de sua domesticao imediata. Nem todos os produtos extrativos
vo ser domesticados, aqueles que apresentam grandes estoques na
natureza, baixa importncia econmica, existncia de substitutos,
dificuldades tcnicas para o plantio e longo tempo para a obteno
do produto econmico tero maiores dificuldades para que se
transformem em plantas cultivadas.

O extrativismo como ciclo econmico


O extrativismo constitui um ciclo econmico de trs fases distintas
(Figura 1). Na primeira fase, verifica-se um crescimento na extrao,
quando os recursos naturais so transformados em recursos
econmicos com o crescimento da demanda. Na segunda fase, atingese o limite da capacidade de oferta, em face dos estoques disponveis
e do aumento no custo da extrao, uma vez que as melhores reas
tornam-se cada vez mais difceis. Na terceira fase, inicia-se o declnio
na extrao, com o esgotamento das reservas e o aumento na
demanda, induzindo ao incio dos plantios, desde que a tecnologia
de domesticao esteja disponvel e seja vivel economicamente.
Muitos plantios foram iniciados pelos indgenas e pelas populaes
tradicionais, identificando as plantas com as melhores caractersticas
de interesse e, posteriormente, nas instituies de pesquisa. A expanso
da fronteira agrcola, a criao de alternativas econmicas, o aumento

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

da densidade demogrfica, o processo de degradao e o aparecimento


de produtos substitutos so tambm fatores indutores desse declnio.
Figura 1. Ciclo do
extrativismo vegetal na
Amaznia.
Fonte: Homma (1980).

A sustentabilidade do extrativismo vegetal tambm depende do


mercado de trabalho rural, no qual, com a tendncia da urbanizao,
a populao rural est perdendo seu contingente no s em termos
relativos mas tambm em termos absolutos. Com isso, aumenta o
custo de oportunidade de trabalho no meio rural, o que tende a tornar
invivel a manuteno do extrativismo e da agricultura familiar, dada
a baixa produtividade da terra e da mo de obra. Em longo prazo, a
reduo do desmatamento na Amaznia seria afetada pelo processo
de urbanizao e da reduo da populao rural em termos absolutos,
promovendo a intensificao da agricultura e, com isso, os recursos
florestais sofreriam menor presso.
A disperso dos recursos extrativos na floresta faz com que a
produtividade da mo de obra e da terra seja muito baixa, tornando essa
atividade vivel pela inexistncia de opes econmicas, de plantios
domesticados ou de substitutos sintticos. Conforme alternativas
so criadas e as conquistas sociais elevam o valor do salrio mnimo,
torna-se invivel a sua permanncia, por ser uma atividade com baixa
produtividade da terra e da mo de obra. Um dos erros dos defensores
da opo extrativa para a Amaznia considerar esse setor como
sendo isolado dos demais segmentos da economia.
A economia extrativa est embutida dentro de um contexto muito
mais amplo do que tradicionalmente analisado. Em geral, a sequncia
consiste em: descoberta do recurso natural, extrativismo, manejo,
domesticao e, para muitos, descoberta do sinttico (Figura 2). No
caso do extrativismo do pau-rosa, por exemplo, passou diretamente do
extrativismo para a descoberta do sinttico (HOMMA, 1992).

19

20

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 2. Possveis
formas de utilizao do
recurso natural depois
da transformao em
recurso econmico.
Fonte: Homma (2008, 2012).

Logo aps a descoberta do Brasil, o extrativismo do pau-brasil


(Caesalpinia echinata Lam.) foi o primeiro ciclo econmico do pas,
tendo perdurado por mais de trs sculos, e o incio do esgotamento
dessas reservas coincidiu com a descoberta da anilina, em 1876, pelos
qumicos da Bayer, na Alemanha. Outros produtos extrativos tm sido
afetados com a substituio por produtos sintticos, como a cera de
carnaba (Copernicia cerifera), o linalol sinttico (essncia de pau-rosa),
o DDT [timb (Derris urucu Killip & Smith, Derris nicou Benth)], os
chicles sintticos, a borracha sinttica (trs quartos do consumo mundial
de borrachas), entre outros exemplos (HOMMA, 1996).
Com o progresso da biotecnologia e da engenharia gentica, possvel
que os recursos naturais possam ser domesticados ou sintetizados
diretamente da natureza sem passar pela fase extrativa. Esse
aspecto coloca poucas chances quanto revitalizao da economia
extrativa, com a descoberta de novos recursos extrativos potenciais,
principalmente frmacos e aromticos. possvel que essa situao
ocorra no incio ou quando o estoque de recursos extrativos disponveis
for muito grande (HOMMA, 2008). A partir da dcada de 1990,
surgiram diversos cosmticos utilizando plantas da biodiversidade
amaznica. A grande questo se esses novos produtos vo ser to
populares como o Leite de Rosas desenvolvido pelo seringalista
amazonense Francisco Olympio de Oliveira, em 1929, e o Leite de
Colnia desenvolvido pelo mdico, farmacutico e advogado Arthur
Studart, em 1960, no Rio de Janeiro.
A fabricao de fitoterpicos e cosmticos, que constitui a utopia de
muitas propostas do aproveitamento da biodiversidade na Amaznia,
alm de demandar grandes custos de pesquisa e de testes, esbarra na
Medida Provisria 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Essa Medida
Provisria dispe sobre o patrimnio gentico, a proteo e o acesso
ao conhecimento tradicional associado repartio de benefcios e
transferncia de tecnologia para a sua conservao e utilizao. A
repartio de benefcios econmicos com comunidades nativas no
estimula grandes empresas a efetuar investimentos de alto risco.
de se questionar se realmente existem essas megaoportunidades de
se apoiar apenas no procedimento tradicional de coleta extrativa, que
com certeza ficar restrito ao mercado da angstia (PRADAL, 1979),
com a venda de chs, infuses e garrafadas das vendedoras da Feira

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

do Ver-o-Peso e de outros locais similares, com apelo folclrico e


turstico. O apelo mercadolgico constitui no tratamento de doenas
totalmente impossveis de serem identificadas no passado (colesterol,
prstata, triglicerdeos, etc.).

O fenmeno da domesticao
A humanidade iniciou o processo de domesticao de plantas e
animais nos ltimos 10 mil anos, tendo obtido sucesso com mais de
3 mil plantas e centenas de animais que fazem parte da agricultura
mundial. Desde quando Ado e a Eva provaram a primeira ma
(Malus domestica) extrativa no Paraso, o Homem verificou que no
poderia depender exclusivamente da caa, da pesca e da coleta de
produtos florestais.
A domesticao comea na seleo efetuada pelos prprios coletores,
observando as caractersticas teis e, dependendo do crescimento do
mercado, tende a avanar para plantios, at mesmo em uma situao
de completa ausncia de pesquisa (LEAKEY; NEWTON, 1994;
MAZOYER; ROUDART, 2010). Por outro lado, existem plantas para
as quais a domesticao tende a ser bastante difcil, como o uxizeiro,
com baixa e lenta taxa de germinao, dificuldade no processo de
enxertia e no longo tempo para a entrada do processo produtivo. Em
outras situaes, a interveno da pesquisa se torna necessria, como
foi o caso da domesticao da pimenta-longa (Piper hispidinervium),
planta nativa existente no Acre, de cujas folhas descobriu-se o safrol.
Sem o plantio seria totalmente impossvel a sua explorao.
paradoxal afirmar que as tentativas de domesticao apresentam
chances de sucesso fora da rea de ocorrncia do extrativismo vegetal,
como aconteceu com o cacaueiro, a seringueira e o guaranazeiro.
Vrias plantas amaznicas esto sendo cultivadas nos estados da Bahia,
Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo e Paran, como aconteceu e
est ocorrendo com cacaueiro, guaranazeiro (Paullinia cupana HBK),
seringueira, aaizeiro, pupunheira (Bactris gasipaes HBK) e jambu
(Spilanthes oleracea). O alcaloide spilanthol presente nas folhas, ramos
e flores do jambu descrito em patentes como apropriado para uso
anestsico, antissptico, antirrugas, ginecolgico, anti-inflamatrio
e como creme dental, com diversos produtos no mercado vendidos
como remdio e cosmtico. Essa a razo da existncia de 5 patentes
que utilizam o jambu, registradas no United States Patent and
Trademark Office (USPTO), no perodo de 2000 a 2006 (1 americana, 1
francesa e 3 japonesas), 7 na World Intellectual Property Organization
(WIPO) (japonesa, americana, inglesa, dinamarquesa, sua, brasileira
e australiana), no perodo de 2006 a 2010, e 1 no Instituto Nacional
de Propriedade Intelectual, em 2005. O jambu utilizado pela
Natura na composio do creme antirrugas Chronos e era adquirido
de plantios na Regio Metropolitana de Belm. A partir de 2004, o

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22

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

jambu passou a ser fornecido pelo Grupo Centroflora, fundado em


1957, por produtores selecionados, que cultivam de forma orgnica
nos municpios de Pratnia, Botucatu, Ribeiro Preto e Jaboticabal e
efetuam a secagem em Botucatu.
Quando os ingleses procederam domesticao da seringueira no
Sudeste Asitico, efetuando-se a segunda experincia bem-sucedida
da biopirataria na Amaznia, foi como se tivessem desligado um
eletrodomstico da corrente eltrica. Esse caminho foi seguido
com o tomateiro (Lycopersicon esculentum Mill.) e a batata-inglesa
(Solanum tuberosum) ambas da Cordilheira dos Andes , o fumo
(Nicotiana tabacum), o milho (Zea mays, L) e a cinchona (Chinchona
calisaya Wedd, C. ludgeriana R. et P.), transformados em cultivos
universais pelos primeiros colonizadores europeus. De forma inversa,
muitas plantas de origem africana, como cafeeiro (Coffea arabica
L.), dendezeiro (Elaeis guineensis), quiabeiro (Hibiscus esculentus),
melancieira (Citrullos vulgaris Schrad) e tamarineiro (Tamarindus
indica), foram domesticadas no Pas.
No caso de produtos extrativos com grande importncia econmica,
o caminho inevitvel a domesticao, o manejo ou a descoberta
de substitutos sintticos. A domesticao do jaborandi (Pilocarpus
microphyllus Statf.) e o incio da domesticao da fava-danta
(Dimorphandra gardeniana e D. mollis Benth), realizada pela Merck,
podem ser considerados exemplos desse caso.
Existem plantas e animais que nunca sero domesticados por no
terem importncia econmica, em razo do longo tempo necessrio
para obteno do produto, da existncia em grandes estoques ou da
dificuldade de sua domesticao. Apesar da importncia econmica,
como o caso do babau (Orbignya phalerata Mart.) e do tucum
(Bactris setosa Mart.) ou de madeiras duras como o jacarand-da-baia
(Dalbergia nigra), provavelmente sero utilizados substitutos ou sero
abandonados. Os produtos extrativos que ainda apresentam grandes
estoques, como castanheira-do-par, babau e at mesmo seringueira,
entram nessa categoria, cuja viabilidade pode depender de subsdios
governamentais.
No caso de animais, o processo de domesticao tende a ser orientado
para as caractersticas que facilitam a coexistncia com o homem,
o comportamento sexual promscuo, a interao adulto-jovem e a
facilidade de alimentao. Mesmo animais de difcil domesticao,
como o cultivo de ostras para produo de prolas (Pinctada sp.),
avestruz (Struthio camelus), codornas (Coturnix coturnix), peixes,
camares de gua salgada (Penaeus sp.) e camares de gua doce
(Macrobrachium rosenbergii), so obtidos em criaes, ampliando a
oferta e oferecendo a preos mais reduzidos. improvvel que criaes
de baleias ou de onas, bem como o plantio de rvores madeireiras de
lento crescimento sejam viveis economicamente (HOMMA, 2008).

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

A coleta de cogumelos selvagens na Europa utilizando porcos e


ces treinados sempre ir existir, convivendo com aqueles obtidos
mediante o cultivo que atende totalidade do mercado mundial.
Com o crescimento do mercado, so plantadas muitas drogas, como
a maconha (Cannabis sativa) e a coca (Erythroxylum coca Lam.), e a
sua destruio inteligente seria descobrir pragas e doenas que possam
prejudicar o seu desenvolvimento (HOMMA, 1980, 1992, 2012).
Na Amaznia, das centenas de frutas nativas existentes, vrias so
produtos extrativos invisveis, sem importncia econmica definida,
e somente algumas sofrero o processo de domesticao. Enquanto
existirem estoques dessas plantas na natureza que compensem a
utilizao da mo de obra para a sua coleta, a atividade extrativa
pode perpetuar, pelo menos at que alguma fora externa afete
esse equilbrio. Em outras situaes pode prevalecer o dualismo
tecnolgico, com o extrativismo vegetal ou animal convivendo com o
processo domesticado, de forma temporria ou permanente.
O extrativismo de diversas plantas ou insetos utilizados como corantes,
como pau-brasil, anil (Indigofera tinctoria L.), cochonilha (Dactylopius
coccus) e carageru (Arrabidaeae chica H.B.K.), desapareceu com a
descoberta da anilina e de outros corantes sintticos (CARREIRA,
1988). O extrativismo do babau foi a base da economia do Maranho
at a dcada de 1950 e perdeu a sua importncia com a expanso do
cultivo de gros como soja (Glycine max L. Merrill), milho, algodo
(Gossypium herbaceum), com a obteno de leo para cozinha e com
a expanso da fronteira agrcola. O atual aproveitamento do babau se
destina a nichos de mercados para cosmticos, no discurso da incluso
social e da criao de babauais livres, permitindo o seu acesso nas
propriedades privadas.
O extrativismo de plantas medicinais como a salsaparrilha-do-par
(Smilax papiracea), que era utilizada para o tratamento de sfilis,
a cinchona para tratamento de malria, etc., foi substitudo com o
progresso da indstria farmacutica e da medicina. A descoberta
do Viagra para a cura da impotncia masculina tem reduzido a
matana de animais e a utilizao de plantas empregadas na medicina
tradicional e popular na sia (HIPPEL; HIPPEL, 2002). Algumas
plantas domesticadas podem ser encontradas em cultivos na forma
extrativa, como a seringueira, a baunilha (Vanilla spp.) e o cacaueiro,
ou a introduo de espcies domesticadas em ambientes extrativos
(erva-mate) e de animais, como bfalos (Bubalus bubalis), que se
tornam selvagens com a falta de manejo. Com o cumprimento do
Cdigo Florestal, provocando a reduo de rea agrcola disponvel,
a reverso do plantio domesticado para extrativismo pode ocorrer
visando ao aproveitamento de reas de Reserva Legal e reas de
Preservao Permanente.

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24

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

No futuro, novas plantas e animais da Amaznia sero domesticados.


Com o processo de domesticao, consegue-se ampliar a oferta e
obter um produto de melhor qualidade a preos mais reduzidos,
beneficiando consumidores e produtores.

Polticas de manuteno do
extrativismo
A economia amaznica tem se desenvolvido pelo aproveitamento dos
recursos disponveis na natureza. Foi o que ocorreu com a extrao da
borracha, da castanha-do-par, do pau-rosa, do leo-de-tartaruga, do
pirarucu e, em poca mais contempornea, da madeira, do palmito e
do fruto de aaizeiro, da minerao, do petrleo, da energia hidrulica,
entre dezenas de outros produtos. O aproveitamento de recursos
disponveis na natureza, com negligncia quanto ao seu esgotamento,
fundamenta-se na exportao de matria-prima, desestimula a
industrializao, provoca realocao no mercado de mo de obra e,
perversamente, afeta a economia local. Isso sintetiza claramente o
modelo de Dutch Disease desenvolvido por Coorden e Neary (1982),
quanto ao efeito da descoberta de reservas de gs natural no Mar do
Norte na dcada de 1960, afetando a economia holandesa (BARHAM;
COOMES, 1994).
Mercados constituem a razo para a existncia e o desaparecimento
de economias extrativas. A transformao de um recurso natural em
produto til ou econmico o primeiro passo da economia extrativa.
Contudo, medida que o mercado comea a expandir, as foras que
provocam o seu declnio tambm aumentam. A limitada capacidade de
oferta de produtos extrativos leva necessidade de se efetuar plantios
domesticados ou o seu manejo e descoberta de substitutos sintticos
ou de outro substituto natural.
As reservas extrativas esto sendo consideradas como soluo para
se evitar o desmatamento na Amaznia, melhor opo de renda e
emprego, proteo da biodiversidade e, mais recentemente, como
mecanismo de aplicao do Reduce Emissions for Deforestation
and Degradation ou Reduo de Emisses para o Desmatamento
e Degradao (REDD). A anttese dessa proposta que tem grande
simpatia dos pases desenvolvidos o desconhecimento do mecanismo
da economia extrativa e da importncia de se modificar o perfil
tecnolgico da agricultura amaznica.
A dinmica do extrativismo vegetal que conduz a forma trapezoidal
(Figura 3) pode apresentar sucessivos deslocamentos desse ciclo ao
longo do tempo e para determinada rea geogrfica. Foi o que ocorreu
na Amaznia em pocas sucessivas com a fase das drogas do serto,
do extrativismo de cacau, seringueira, castanha-do-par, pau-rosa,

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

entre outros. No caso do extrativismo da madeira, que sempre tem sido


considerado em termos agregados, na verdade, constitui-se de dezenas
de espcies madeireiras. Em geral, o incio da extrao madeireira
se caracteriza pela extrao da espcie mais nobre, como mogno
(Swietenia macrophylla King), passando, com o seu esgotamento, para
madeiras de segunda e terceira categorias.
Figura 3. Possibilidades
de mudanas no ciclo
do extrativismo vegetal
por estmulo de polticas
governamentais.
Fonte: Homma (1996).

Nas atuais reas de extrao de palmito e de fruto do aa no esturio


amaznico, verifica-se que a viabilidade econmica dessa atividade e
da existncia dos estoques de aaizais decorrente das transformaes
da economia extrativa ao longo do tempo. A extrao comercial do
palmito de aa iniciou-se em 1968, no Municpio de Barcarena,
Par, em razo da exausto de estoques de juara (Euterpe edulis
Mart.) nos remanescentes da Mata Atlntica. Essa palmeira tem
como caracterstica no apresentar rebrotamento aps o corte. Deve
ser ressaltado que a paisagem no esturio amaznico onde ocorrem
os aaizais vem apresentando contnua mudana desde o sculo 17.
No passado, a extrao de ucuba (Virola surinamensis, Myristica
sebifera), andiroba (Carapa guianensis Aublet), resinas, breu, patau
(Jessenia bataua), cacau, murumuru (Astrocaryum murumuru),
pracaxi (Pentaclethra filamentosa), jutaicica e ltex de maaranduba
[Manilkara huberi (Ducke) Stand.] teve grande importncia relativa
em comparao com a extrao atual de palmito e fruto de aa
(NOGUEIRA, 1997). A extrao de madeira teve forte impacto ao longo
dos sculos, favorecendo a formao de estoques mais homogneos de
aaizeiros. A extrao de borracha tambm provocou modificaes na
paisagem desde o incio do boom e durante a II Guerra Mundial.
Nesse contexto, a importncia das reservas extrativas seria a de tentar
prolongar a vida do extrativismo (Figura 3, B e C), em alguma das
trs fases mencionadas anteriormente (Figura 1). Mas pode ocorrer o
inverso (Figura 3, D), induzindo reduo da vida til da economia
extrativa se forem introduzidas novas opes econmicas. Muitas das

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

propostas do recente neoextrativismo no passam de introduo de


atividades agrcolas entre os extrativistas, que, se tiverem sucesso,
podem levar ao abandono das atividades extrativas tradicionais
(HOMMA, 2000; REGO, 1999).
A manuteno do extrativismo na Amaznia exige conservar a
floresta, impedir o surgimento de atividades competitivas, melhorar
ou abrir estradas, manter baixa densidade populacional e, sobretudo,
evitar o financiamento de pesquisa de domesticao, uma vez que
esses aspectos se tornam indutores do seu desaparecimento. No caso
da Amaznia, a evidente simpatia de cientistas e ambientalistas de
pases desenvolvidos para a manuteno do extrativismo vegetal pode
criar vetores de fora impedindo a domesticao, apesar dos evidentes
benefcios sociais para os produtores e consumidores. Nesse sentido,
as polticas visando a apoiar o extrativismo vegetal em detrimento da
domesticao podem prejudicar os interesses sociais da populao.

Manejo de recursos extrativos


A importncia das tcnicas de manejo seria a possibilidade de
aumentar a capacidade de suporte, como est ocorrendo no manejo de
aaizais nativos no esturio do Rio Amazonas. Os extratores procuram
aumentar o estoque de aaizeiros, promovendo o desbaste de espcies
vegetais concorrentes, transformando em uma floresta oligrquica,
como se fosse um plantio domesticado, aumentando a produtividade
dos frutos e de palmito (Figura 4). Esse mesmo fenmeno est
ocorrendo com o manejo de rebrotamento de bacurizeiros no Nordeste
Paraense e no Estado do Maranho, induzido pelo crescimento do
mercado urbano dessa fruta.
Figura 4. Modificao
da capacidade de
suporte decorrente
do manejo de aaizais
nativos.
Fonte: Homma (2008).

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

O crescimento do mercado induziu a expanso nos ltimos anos para


mais de 80 mil hectares de aaizeiros manejados para a produo de
frutos, atendendo mais de 15 mil produtores no Estado do Par. O
crescimento do mercado de fruto de aaizeiro tem sido o indutor dessa
expanso, com a ampliao do consumo, antes restrito ao perodo da
safra, para o ano inteiro decorrente dos processos de beneficiamento,
congelamento e exportao para outras partes do pas e do exterior.
A lucratividade e o reduzido investimento para o manejo dos aaizais
descartam o interesse dos ribeirinhos em criarem reas de domnio
comum, como um socialismo florestal.

Novas oportunidades e desafios da


domesticao na Amaznia
Vrias plantas amaznicas foram domesticadas nestes ltimos trs
sculos, destacando-se cacaueiro (1746), cinchona (1859), seringueira
(1876), jambu, guaranazeiro, castanheira-do-par, cupuauzeiro
[Theobroma grandiflorum (Spreng.) Schum], pupunheira, aazeiro,
jaborandi e pimenta-longa, sobretudo a partir da dcada de 1970.
Outras plantas que passam por um processo de domesticao
so mogno, paric (Schizolobium amazonicum Huber ex. Ducke),
bacurizeiro, andirobeira, uxizeiro, pau-rosa, entre os principais.
Outras plantas que sero incorporadas ao processo de domesticao
decorrente do crescimento do mercado so copaibeira [Copaifera
langsdorfii (Desf.) Kuntze], tucumanzeiro (Astrocarium aculeatum
G.F.W. Meyer, fruta muito apreciada em Manaus, e Astrocaryum vulgare
Mart., com potencial para biodiesel), fava-danta, piqui [Caryocar
villosum (Aubl.) Perz.], cumaruzeiro (Coumarouna odorata), puxuri
(Licaria puchury-major), etc.
A seguir sero comentadas algumas plantas nas quais se verifica um
conflito entre a oferta extrativa e a demanda desses produtos, em que os
consumidores e os produtores esto perdendo grandes oportunidades
com a nfase extrativa.

Plantas medicinais, aromticas e


inseticidas naturais
Discute-se muito sobre o potencial da biodiversidade amaznica, na
crena da obteno de extratos de plantas, animais ou microrganismos
que curariam diversos males contemporneos (CROSBY, 1993;
SCHEUENSTUHL; CARICATTI, 2008). Na outra vertente,
enquadram-se a obteno de corantes, inseticidas naturais e essncias
aromticas para substituir produtos sintticos, entre outros. Trata-se
da verso moderna da lenda do El Dorado narrada pelos habitantes do
Novo Mundo e da Fonte de Juventude, tenazmente procurada por Juan
Ponce de Len (14601521), que veio em 1493, na segunda viagem de
Cristovo Colombo (14511506), at a sua morte em Cuba.

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A partir da dcada de 1990, surgiram diversos cosmticos utilizando


plantas da biodiversidade amaznica. A grande questo se esses novos
produtos vo ser to populares como o Leite de Rosas desenvolvido
pelo seringalista amazonense Francisco Olympio de Oliveira, em
1929, e o Leite de Colnia, desenvolvido pelo mdico, farmacutico
e advogado Arthur Studart, em 1960, no Rio de Janeiro. A criao de
novos mercados dos produtos da biodiversidade amaznica consiste
em sair da abstrao e aproveitar as plantas e animais da biodiversidade
do passado e do presente e investir em novas descobertas. Esse erro
evidenciado em muitas megapropostas de Parques Tecnolgicos
em curso na Amaznia e na criao do Centro de Biotecnologia da
Amaznia, em 2002, em Manaus (HOMMA, 2003b).
A fabricao de fitoterpicos e cosmticos, que constitui a utopia de
muitas propostas do aproveitamento da biodiversidade na Amaznia,
alm de demandar grandes custos de pesquisa e de testes, esbarra na
Medida Provisria 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Essa Medida
Provisria dispe sobre o patrimnio gentico, a proteo e o acesso
ao conhecimento tradicional associado repartio de benefcios e
transferncia de tecnologia para a sua conservao e utilizao. A
repartio de benefcios econmicos com comunidades nativas no
estimula grandes empresas a efetuar investimentos de alto risco.
Esto ocorrendo na Amaznia pesados investimentos na criao
de Parques Tecnolgicos, dentre eles o Centro de Biotecnologia da
Amaznia (CBA), institudo em 2002, pelo Decreto 4.284, no mbito
do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentvel
da Biodiversidade (Probem), inscrito no Primeiro Plano Plurianual
(PPA) do governo federal, que revelam equvocos na conduo dessa
poltica com relao biodiversidade abstrata.

Cinchona a casca que salvou milhes de vidas


atribuda a Clements Markham (1830-1916) com a ajuda do botnico
Richard Spruce (18171893) a transferncia com sucesso das sementes
de cinchona, em 1860, desenvolvendo plantios iniciais na ndia e no
Sri Lanka. Os espanhis descobriram que os ndios da parte baixa dos
Andes utilizavam a casca da cinchona para o tratamento da malria,
cujo primeiro relato escrito data de 1636. A malria representava
um terrvel flagelo para muitas colnias do Imprio Britnico e essa
descoberta salvou milhes de pessoas durante sculos (SMITH, 1990).
Com a invaso das tropas japonesas no Sudeste Asitico, bloqueouse o controle da produo de quinino da Ilha de Java, em 1942, que
constitua monoplio dos holandeses. Antes, em 1940, quando as
tropas alems ocuparam Amsterd, confiscaram todo o estoque de
quinino disponvel na Europa. Dessa forma, alm da borracha vegetal,
a produo de quinino tornou-se estratgica para as tropas americanas
que combatiam no Pacfico, fazendo com que os botnicos do New
York Botanical Garden e da Smithsonian Institution procedessem a

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

uma ampla coleta de quinino na Colmbia, tendo conseguido 6 mil


toneladas, constituindo a salvao dos Aliados. Nesse meio tempo,
procurou-se tambm envidar esforos no desenvolvimento do quinino
sinttico, tendo dois cientistas, William von Eggers Doering (1917
2010) e Robert Burns Woodward (19171979), conseguido em 1944,
j demasiado tarde para atender a terrvel escassez de quinino, a cura
da malria pelos meios sintticos (CAUFIELD, 1984). Foram tambm
efetuadas grandes plantaes de cinchona na frica, no Peru e no
Mxico. Robert Burns Woodward, por suas pesquisas com quinino
(1944), colesterol, cortisona (1951) e vitamina B12 (1971), recebeu o
Prmio Nobel de Qumica, em 1965.

Pau-rosa
Trata-se de outra riqueza do Amazonas e do Par, que chegaram a
exportar o mximo de 444 t de leo essencial, em 1951. A mdia do
trinio 20092011 foi pouco mais de 8 t e o custo do leo essencial por
volta de US$ 129,00/kg. Para exportar a quantidade mxima j deveriam
ter iniciado plantios h cerca de 20 a 30 anos, permitindo o corte de
30 mil rvores/ano, gerando divisas da ordem de US$ 74 milhes/ano.
A sua verticalizao na regio constitui alternativa na formao de
um polo floro-xilo-qumico para a produo de leos essenciais para
perfumaria, cosmticos e frmacos na Amaznia (HOMMA, 2003d).

Timb
O timb foi muito utilizado como inseticida natural antes do advento
dos inseticidas sintticos, desapareceu e est retornando para utilizao
na agricultura orgnica, mas em bases racionais (HOMMA, 2004d).
Antes da Segunda Guerra Mundial, os estados do Amazonas e do Par
eram grandes exportadores de raiz de timb, utilizada como inseticida.
A descoberta da utilizao do DDT pelo qumico suo Paul Hermann
Mller (18991965), em 1939, para controle de insetos transmissores
de doenas, acabou com o mercado de inseticidas naturais. O sucesso
no combate s doenas fez com que, em 1948, recebesse o Prmio
Nobel de Medicina. O lanamento do livro A Primavera Silenciosa
de Rachel Louise Carson (19071964), em 1962, tornou evidentes
os riscos ecolgicos do uso indiscriminado de inseticidas sintticos
na agricultura. Com isso, comeou a crescer a importncia do uso
de inseticidas orgnicos, sobretudo a partir da dcada de 1990,
aumentando o interesse do cultivo de plantas inseticidas, como
timb, neen, fumo, etc. Atualmente, o pas importa timb do Peru,
para utilizao na agricultura orgnica e para a recuperao de reas
degradadas como leguminosa. O timb exemplo de uma planta
domesticada, amplamente cultivada no Sudeste Asitico, Japo, Porto
Rico e Peru e depois abandonada. Houve a seleo de variedades
efetuada pelos ingleses, americanos, japoneses, peruanos e brasileiros,
que foram perdidas, necessitando novo comeo.

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Jaborandi
O yabor-di (planta que faz babar) era utilizado h vrios sculos pelos
ndios tupi-guarani, que mascavam as folhas desse arbusto. O uso dessa
planta para fins medicinais foi introduzido em Paris pelo engenheiro
militar pernambucano Joo Martins da Silva Coutinho, em 1874. A
descoberta do princpio ativo pilocarpina das folhas do jaborandi
foi efetuada simultaneamente, em 1876, na Frana por E. Hardy e na
Inglaterra por A.W. Gerrard (COSTA, 2012; HOMMA, 2003c).
A empresa alem Merck foi a pioneira na domesticao do jaborandi,
efetuando um plantio de 500 ha na Fazenda Chapada, adquirida em
1989, em Barra do Corda, Maranho, levando autossuficincia a
partir de 2002.
Para o beneficiamento das folhas de jaborandi, a Merck criou a
Vegetex, em 1972, em Parnaba, Piau, fechada em 2000, com estoque
de pilocarpina suficiente para abastecer o mercado mundial por 5
anos. Ocorre que 1 ano aps o fechamento da Vegetex, 80% do estoque
estava vendido, fazendo com que a Merck retomasse suas atividades de
forma terceirizada. Em julho de 2002, o Grupo Centroflora (criado em
1957) assumiu o controle dos ativos da Vegetex, criando a Vegeflora,
beneficiando o jaborandi procedente de Barra do Corda.
Em 2009, a Diviso de Produtos Naturais da Merck foi adquirida
pela Quercegen Agronegcios 1 Ltda., brao da Quercegen Pharma,
sediada em Massachusetts, Estados Unidos, que passou a enfatizar o
plantio de fava-danta e uncria [Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem.
& Schult.) DC.], alm do jaborandi. A fava-danta e a uncria so
utilizadas para a produo de quercentina, um poderoso antioxidante
e anti-inflamatrio, com capacidade imunolgica.
Com a venda da Merck ocorreu o rompimento com a Vegeflora,
cancelando o fornecimento de folhas de jaborandi, procedentes da
Fazenda Chapada, no Maranho. Isso levou a Vegeflora a efetuar
seu prprio plantio de jaborandi no Territrio dos Cocais, Piau,
distribudo mundialmente pela indstria farmacutica Boehringer
Ingelheim.

Andiroba
O leo de andiroba, alm dos aspectos medicinais, foi muito utilizado
no passado e por ocasio da Segunda Guerra Mundial na iluminao no
interior da Amaznia, pela escassez de querosene. At antes da Segunda
Guerra Mundial existiam indstrias gerenciadas por descendentes
de italianos que beneficiavam leo de andiroba em Belm e Camet
a serem utilizados para movelaria. J existem diversos plantios de
andiroba combinados com cultivos de cacaueiros integrando sistemas
agroflorestais nos municpios de Tom-Au e Acar. Como o perodo

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

de colheita coincidente, o aproveitamento tem sido efetuado em favor


do cacau, que mais lucrativo (HOMMA, 2003e). H necessidade de
desenvolvimento de tcnicas mais produtivas para o beneficiamento,
cuja retirada das cascas, aps o cozimento, bastante trabalhosa.
Medidas para inibir as fraudes precisam ser aperfeioadas. O potencial
extrativo grande, necessitando da organizao de comunidades,
beneficiamento e comercializao. As opes do plantio da andiroba
para produo madeireira e de frutos como subproduto nas reas j
desmatadas precisam ser consideradas, mesmo que isto ocorra em
detrimento do extrativismo das reas tradicionais, com o crescimento
do mercado.

Copaba
Veiga Jnior e Pinto (2002) efetuaram um profundo levantamento
histrico da copaba. No passado, o leo de copaba era utilizado
contra disenteria, bronquites rebeldes, afeces cutneas, catarro
pulmonar, blenorragias e leucorreias, que eram exportadas para a
Europa (CARREIRA, 1988). A oferta de leo de copaba depende
integralmente do extrativismo, que precisa ser substitudo por
plantios, por razes de crescimento de mercado e padronizao do
leo, procedente de meia dzia de espcies, com cor, densidade e
composio diferenciadas. H necessidade de investir na pesquisa
para identificao de espcies mais promissoras, desenvolver tcnicas
de domesticao e efetuar plantios. Por ser rvore perene, as decises
atuais s tero impacto nas prximas dcadas, da a necessidade de
urgncia com relao a esses investimentos.

Salsaparrilha
um cip da famlia das Liliaceas (Smilax papiracea Poir), com
ocorrncia nas terras altas, no curso superior dos afluentes do Baixo
Amazonas. um cip quadrangular, com acleos fortes e curtos, muito
cerrados, dispostos em forma de ponta ao longo de quatro cantos da
parte inferior do caule. As razes com at 3 m de comprimento so
vermelhas e utilizadas no tratamento de sfilis, molstias cutneas e
reumatismo. O sabor forte e nauseoso, mas, na poca pr-penicilina,
era importante no tratamento de doenas venreas. A Companhia
Geral do Gro Par e Maranho chegou a exportar 3.482 arrobas no
perodo de 1759 a 1778 (CARREIRA, 1988).

Ipecacuanha
Muito utilizado como componente de xaropes antitussgenos at a
dcada de 1960, quando foi substitudo por compostos qumicos,
decorrente do esgotamento dessa planta com o avano da fronteira
agrcola, sobretudo em Rondnia. O padre Joo Daniel tem a seguinte
descrio:

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

[...] uma raiz delgada, cheia de ns, e do feitio do genital dos patos, e
daqui vem o chamarem-lhe os naturais ipecacuanha, que quer dizer na sua
lngua genital do pato. purga j mui vulgar na Europa com efeitos e prstimos admirveis para parar todos os cursos ou sejam soltos, ou do sangue,
porque lhes tira o mau humor e causas. Tambm os seus por dados a beber
s mulheres lhes limpam o tero e fazem conceber (DANIEL, 2004. V. 2,
p. 193).

Carageru
Trepadeira da famlia das Bignoniaceae, de cujas folhas secas, por
macerao, extrai-se uma tinta vermelha insolvel na gua, porm
solvel no lcool e no azeite. A tinta e as folhas so empregadas contra
disenterias e impigens (CARREIRA, 1988). H interesse recente das
pesquisas farmacolgicas em virtude de seu efeito anti-inflamatrio de
picadas de serpentes dos gneros Brothrops e Crotalus (OLIVEIRA et
al., 2009).

Puxuri
rvore da famlia das Lauraceas, possui frutos aromticos, estimulantes
e txicos, usados com xito no combate s diarreias, dispepsias e
leucorreias. No Municpio de Tom-Au, alguns produtores nipo-paraenses tm conseguido xito no plantio de puxuri e efetuam a
venda das sementes para o exterior.

Pimenta-longa
Representa uma planta da biodiversidade amaznica que foi
identificada como fonte de safrol pelo pesquisador Jos Guilherme
Soares Maia, do Museu Paraense Emilio Goeldi. Em dezembro de
1990, o Ibama proibiu a derrubada de sassafrs em Santa Catarina e
no Paran, que eram utilizados para a extrao do safrol (MAIA et al,
2002). Em 1997, foram realizados os primeiros plantios comerciais de
pimenta-longa em Rondnia (Vila Extrema) e no Par (Igarap-Au)
(ROCHA NETO et al., 2001).

Plantas alimentcias
Para os produtos extrativos alimentcios que apresentem conflitos
entre a oferta e a demanda, urgente promover a domesticao. A
despeito da exaltao da magnitude da biodiversidade futurstica,
os grandes mercados e a sobrevivncia da populao regional ainda
dependero dos atuais produtos tradicionais, representados pela
biodiversidade extica, como o rebanho bovino e o bubalino, e pelos
cultivos, como cafeeiro, dendezeiro, soja, milho, algodo, pimentado-reino, bananeira, juta, coqueiro, laranjeira, entre os principais.
A biodiversidade nativa ainda no ocupou parte relevante do seu
potencial, que pode aliar preservao ambiental, renda e qualidade de
vida para os agricultores da Amaznia.

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

Mandioca uma planta universal


A farinha de mandioca representa o produto emblemtico da
alimentao amaznica e brasileira como herana da civilizao
indgena, envolvendo a descoberta e a domesticao dessa planta, alm
do processo de beneficiamento, h cerca de 3,5 mil anos (ROOSEVELT
et al., 1995). Foram os colonizadores portugueses que efetuaram sua
difuso no continente africano, tornando-o alimento bsico, tendo a
Nigria tornado-se o maior produtor mundial. No continente asitico,
destaca-se a Tailndia como terceiro produtor mundial, na produo
de raspas de mandioca. Atualmente, 500 milhes de pessoas dependem
da mandioca como alimento, sendo cultivada em 80 pases, dos quais o
Brasil participa com 15%.
O padre Joo Daniel tem o seguinte comentrio com relao
mandioca:
[...] so pois todos este danos, e toda a pobreza das suas povoaes, e falo
do cultivo da maniva, e uso da farinha-de-pau; e nunca aqueles habitantes,
e suas povoaes, sero ricos, nem fartos, enquanto o no desterrarem das
terras, e introduzirem em seu lugar as sementeiras da Europa, e mais mundo (DANIEL, 2004, v. 2, p. 193).

Um comentrio interessante do Joselito da Silva Motta, pesquisador


da Embrapa Mandioca e Fruticultura, sobre a farinha de mandioca:
aumenta o que est pouco, esfria o que est quente, engrossa o que
est ralo, e, na pana, o que d sustana (MANDIOCA..., 2005).

Cacau
O ciclo do extrativismo e do plantio semidomesticado do cacaueiro
foi a primeira atividade econmica na Amaznia, tendo perdurado
at a poca da Independncia do Brasil, quando foi suplantado pelos
plantios da Bahia. O cacaueiro foi levado em 1746, por Louis Frederic
Warneaux, para a fazenda de Antnio Dias Ribeiro, no Municpio
de Canavieiras, Bahia. interessante frisar que da Bahia o cacaueiro
foi levado para os continentes africano e asitico, transformando-se em principal atividade econmica nesses locais. Com a entrada
da vassoura-de-bruxa nos cacauais da Bahia, em 1989, a produo
decresceu do mximo alcanado em 1986, de 460 mil toneladas
de amndoas secas, para o nvel mais baixo, em 2003, com 170 mil
toneladas e o incio da recuperao com as tcnicas de enxertia de copa
para 196 mil toneladas, em 2004.
A partir de 1976, o governo federal deu incio, por intermdio da
Ceplac, ao Plano de Diretrizes para a Expanso da Cacauicultura
Nacional (Procacau), que previa a implantao de 300 mil hectares
de novos cacaueiros e a renovao de outros 150 mil hectares em
plantaes decadentes e de baixa produtividade da Bahia e do Esprito
Santo. Com a aprovao do Procacau, a Amaznia foi contemplada

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34

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

com uma meta inicial de 170 mil hectares a serem implantados,


obedecendo seguinte distribuio: Amazonas, 10 mil hectares;
Par, 50 mil hectares; Rondnia, 100 mil hectares; alm de outros 10
mil hectares a serem implantados nos estados do Acre, Maranho,
Mato Grosso e Gois. A despeito da existncia de 108 mil hectares
de cacaueiros plantados nos estados do Par e Rondnia, estes no
tm recebido a devida ateno por parte de planejadores agrcolas.
No trinio 20082010, quase 65 mil toneladas de amndoa de
cacau foram importadas, somando mais de 159 milhes de dlares,
equivalente a um tero da produo brasileira de cacau. Isso indica a
necessidade de duplicar a rea plantada, sobretudo nos estados do Par
e Rondnia nos prximos 5 anos, gerando renda e emprego, sobretudo
para a agricultura familiar, mesmo com crises cclicas de preos, e
promovendo a recuperao de reas alteradas.

Castanha-do-par
A Bolvia o maior produtor mundial de castanha-do-par e em
Cobija est localizada a Tahuamanu S.A., considerada a indstria de
beneficiamento mais moderna do mundo. A capacidade da oferta
extrativa do Brasil, da Bolvia e do Peru apresenta limitaes, tendo
sua produo mundial sido constante h seis dcadas. H necessidade
de ampliar a oferta mediante plantios. Os estoques de castanheiras
no Sudeste Paraense foram substitudos por pastagens, projetos de
assentamento, extrao madeireira, minerao, expanso urbana, etc.
Existem plantios pioneiros de castanha-do-par: um de 3 mil hectares,
com 300 mil ps plantados na dcada de 1980, na estrada ManausItacoatiara, em plena produo; outro na regio de Marab, plantado na
mesma poca, pertencente ao ex-Grupo Bamerindus, que foi destrudo
pelos integrantes do MST e por posseiros. Plantios esto sendo
efetuados na regio de Tom-Au, em sistemas agroflorestais, desde
o incio da dcada de 1980, e apresentam-se similares s castanheiras
nativas. Seria possvel expandir para 100 mil hectares, para recompor
reas de Reserva Legal e de Preservao Permanente, com mercado
assegurado. Toda a atual produo extrativa espalhada em mais de
1 milho de hectares poderia ser obtida em apenas 20 mil hectares
cultivados. A dificuldade decorre do longo tempo para o retorno de
capital, estimado em 27 anos em plantio solteiro (PIMENTEL et al.,
2007).

Aa
As reas de ocorrncia de aaizeiros no Estado do Par, a partir da
dcada de 1970, sofreram grandes derrubadas para extrao do
palmito, o que levou o presidente Ernesto Geisel (1974-79) a assinar a
Lei 6.576/1978, proibindo a sua derrubada, mas que no obteve xito.
A valorizao do fruto a partir da dcada de 1990 teve efeito positivo
sobre a conservao de aaizais. Os aaizeiros cuja localizao permitia

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

o transporte de frutos por um dia para os locais de beneficiamento


deixaram de ser derrubados para a extrao de palmito (NOGUEIRA;
HOMMA, 1998). Apesar da existncia de 1 milho de hectares
nos quais se verifica a presena de aaizeiros nativos na foz do Rio
Amazonas e nos quais, mediante manejo, poderia ser aumentada a
densidade, a sua transformao em floresta oligrquica, em grande
escala, esconde riscos ambientais refletidos para a flora e a fauna.
Estima-se que 80 mil hectares de ecossistemas das vrzeas foram
transformados em bosques homogneos de aaizeiros. Essas reas
esto sujeitas a inundaes dirias com o movimento das mars,
a construo de canais de escoamento de gua, a movimentao
de embarcaes e a contnua retirada de frutos sem reposio de
nutrientes, podendo conduzir a riscos de estagnao da produo no
longo prazo. necessrio que os plantios de aaizeiros sejam dirigidos
para as reas desmatadas de terra firme e para reas que no deveriam
ter sido desmatadas. O plantio em reas de terra firme seria passvel de
adubao e da colheita semimecanizada, bastante difcil para as reas
de vrzea, evitando o penoso trabalho dos trepadores de aaizeiros.
O plantio irrigado em reas de terra firme e o zoneamento climtico
poderiam ampliar a obteno de fruto de aa para diferentes pocas do
ano e reduzir o preo para o consumidor local, que chegou a R$ 24,00/
litro em 2008, provocando a excluso social de um produto alimentcio
das classes menos favorecidas. A migrao rural-urbana transferiu
consumidores rurais para o meio urbano, aumentando a presso sobre
esse produto. A estimativa que seja possvel expandir os plantios de
aaizeiros em reas de terra firme para mais de 50 mil hectares com
mercado assegurado. Em 2004, a Embrapa Amaznia Oriental lanou
a cultivar BRS Par com ampla aceitao no setor produtivo, sobretudo
nas reas de terra firme.

Cupuau
A oferta de cupuau nativo est em declnio na regio de Marab,
decorrente da baixa densidade na floresta, da destruio dos
ecossistemas para o plantio de roas e pastagens e da obteno de
frutos mediante cultivo em tempo relativamente curto, o que induziu
a expanso dos plantios. Os agricultores nipo-brasileiros de Tom-Au
foram os primeiros a acreditar na potencialidade do cupuauzeiro,
iniciando os plantios comerciais em 1980, pelo agricultor Katsutoshi
Watanabe. O maior perigo do desmatamento das reas de ocorrncia
de cupuauzeiros nativos a destruio de material gentico que pode
ser importante para programas de melhoramento. A produo atual
de cupuau provm, basicamente, de plantios comerciais, estimados
em mais de 20 mil hectares, distribudos no Par (13 mil hectares),
Amazonas, Rondnia e Acre, principalmente. As amndoas de
cupuau apresentam grandes possibilidades para as indstrias de
frmacos, cosmticos e, principalmente, para a produo de chocolate

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

de cupuau (cupulate, patenteado pela Embrapa Amaznia Oriental


em 1990), para as pessoas que so alrgicas cafena e teobromina
que esto presentes no cacau. H necessidade do desenvolvimento
de novas alternativas, como a implantao de indstria de bombons
e cosmticos para aumentar a produo. A oferta de amndoas
depender do aumento de consumo da polpa de cupuau. Em 2002,
a Embrapa Amaznia Oriental procedeu ao lanamento das cultivares
Coari, Codajs, Manacapuru e Belm e, em maro de 2012, lanou a
cultivar BRS Carimb, com mais tolerncia vassoura-de-bruxa e de
alta produtividade.

Bacuri
O bacurizeiro uma das poucas espcies arbreas amaznicas de
grande porte que apresenta estratgias de reproduo por sementes
e por brotaes oriundas de razes. Nos locais de ocorrncia natural,
que vo desde a Ilha de Maraj, seguindo a faixa costeira do Par e
do Maranho e adentrando no Piau, a densidade de bacurizeiros
em incio de regenerao chega a alcanar a expressiva marca de
40 mil indivduos/hectare. Constitui-se em importante alternativa
para promover a recuperao de mais de 50 mil hectares de reas
degradadas e para recompor reas de Reserva Legal e Preservao
Permanente, mediante seu manejo ou efetuando plantios racionais. O
manejo consiste em privilegiar as brotaes mais vigorosas que nascem
nos roados abandonados, colocando-as no espaamento adequado. A
primeira produo de frutos ocorre entre 5 e 7 anos (HOMMA et al.,
2010b).
Com o crescimento do mercado de frutas amaznicas, que antes tinha
consumo local e restrito ao perodo da safra, decorrente da exposio
da mdia nacional e internacional sobre a regio, a polpa de bacuri
tornou-se a mais cara, atingindo R$ 32,00/kg, sem condies de
atender nem o mercado local. Isso fez com que a presso da demanda
fosse sentida nas reas de ocorrncia, induzindo o manejo desses
rebrotamentos e o estabelecimento de plantios por agricultores nipo-paraenses.
Os estoques de bacurizeiros foram derrubados no passado para a
obteno de madeira e, no momento, ainda continua a destruio
das reas de ocorrncia no Maranho e Piau para o plantio da soja,
expanso do cultivo do abacaxi (Ananas comosus L. Merril) e roados
na Ilha de Maraj, produo de carvo, lenha e feijo-caupi [Vigna
unguiculata (L.) Walp] no Nordeste Paraense (HOMMA et al., 2010b).
Considerando uma rea mnima de 20 mil hectares, com produtividade
de apenas 200 frutos/planta/ano, possvel aumentar a produo
atual em 400 milhes de frutos, que corresponde aproximadamente
a 120 mil toneladas de frutos ou 12 a 15 mil toneladas de polpa. Isso
implica receita bruta de R$ 384 milhes anuais, para os prximos 10

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

a 15 anos, sem falar das possibilidades de agregao de valor pela


industrializao. O aproveitamento dos rebrotamentos de bacurizeiros
e o desenvolvimento de plantios constituem uma soluo local para
recuperar reas alteradas, alm de gerar renda e emprego.

Uxi
O uxizeiro foi bastante derrubado para extrao madeireira e para
a formao de roados. Sendo assim, sua produo depende de
remanescentes que sobreviveram, tendo um amplo mercado local.
Ultimamente tem despertado ateno pelo alto contedo em fitoesteris
(CARVALHO et al., 2007). Ainda nos primrdios da domesticao,
tem como desafio a dificuldade para a germinao de suas sementes
e do processo de enxertia. A estratgia seria aproveitar as mudas que
nascem debaixo dos uxizeiros existentes na floresta, da a importncia
da conservao dessas reas de ocorrncia. Os colonos nipo-paraenses
de Tom-Au esto introduzindo essa planta, alm do bacurizeiro e o
piquiazeiro, em sistemas agroflorestais, formando novas combinaes
com aaizeiros, cacaueiros e cupuauzeiros (MENEZES; HOMMA,
2012).

Pupunha e tucum
Estima-se 15 mil hectares de pupunheiras no Pas, dos quais 7,5 mil
hectares em So Paulo, no Vale da Ribeira, 2,5 mil hectares na Bahia,
destinados para produo de palmito, e 1,5 mil hectares na Amaznia.
Alm da sua utilizao para a indstria de palmito, apresenta
possibilidade para a produo de rao para animais e leo vegetal. O
Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia a instituio que mais
avanou na domesticao dessa planta. interessante o conhecimento
popular para verificar a qualidade da pupunha: uns pressionam com
a unha, verificam se tem bicadas de pssaros, colorao, etc. Alguns
supermercados de Belm comearam a vender frutos de pupunha
a retalho, em vez de cacho, que pode ser uma tendncia futura de
comercializao dessa fruta por tamanho, colorao e peso.
Enquanto os paraenses gostam de pupunha cozida, comercializada
nas ruas, os amazonenses tem predileo pelo tucum, tendo at
mesmo criado o X-Caboquinho, um sanduche com essa fruta.
H necessidade de promover a domesticao do tucumanzeiro para
atender ao grande consumo da cidade de Manaus. O abastecimento
de tucum em Manaus feito durante o ano inteiro, proveniente de
diversos municpios do Estado do Amazonas, alguns distantes at mil
quilmetros, e de Terra Santa (Par) e Roraima, provenientes da coleta
extrativa (DIDONET, 2012).

Guaran
Durante a gesto do presidente Emlio Garrastazu Mdici (19051985)
e de Lus Fernando Cirne Lima como ministro da Agricultura (1933),

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

foi assinada a Lei 5.823, de 14 de novembro de 1972, conhecida como


a Lei dos Sucos, regulamentada pelo Decreto-Lei 73.267, de 6 de
dezembro de 1973. Essa Lei estabeleceu quantitativos de 0,2 g a 2 g
de guaran para cada litro de refrigerante e de 1 g a 10 g de guaran
para cada litro de xarope. Apesar de o quantitativo entre o mnimo e
o mximo permitido ser de 10 vezes, provocou uma grande demanda
pelo produto, fazendo com que a produo semidomesticada do
Estado do Amazonas, que oscilava entre 200 t a 250 t anuais, atingisse
patamares de at 5,5 mil toneladas, em 1999, caindo no trinio 2008
2010 para 3,8 mil toneladas, das quais a Bahia produziu 89%. Segundo
a Associao Brasileira das Indstrias de Refrigerantes e de Bebidas
No Alcolicas (Abir), em 2010, o consumo per capita de gua de
guaran no pas foi de 1,81 L, sendo a mnima de 0,41 L no Nordeste,
0,95 L no Sul, 1,75 L no Centro-Oeste, 4,03 L no Sudeste, 0,62 L no
Norte, 6,63 L na Grande Rio de Janeiro e 2,22 L na Grande So Paulo,
o que enseja as possibilidades de crescimento com aumento de renda e
do crescimento populacional (HOMMA, 2012).

Urucum
Planta domesticada, destacando-se So Paulo como maior produtor
brasileiro de urucum, seguido de Rondnia, Par, Minas Gerais,
Paran, Bahia e Paraba, entre os mais importantes. Utilizado
inicialmente pelos ndios como tintura e proteo contra insetos, o seu
uso estendeu-se para culinria e para fins medicinais.

Cubiu
Planta da mesma famlia do tomateiro, destaca-se como o mais novo
recurso da biodiversidade amaznica, cultivado no Municpio de
Presidente Figueiredo, no Amazonas, e exportado para os Estados
Unidos como fonte de pectina. usado pelas populaes interioranas
e nos quartis do Estado do Amazonas em sucos e em cozidos com
peixe, ocupando o lugar do tomate, bastante caro.

Jambu
A divulgao do uso do jambu em nvel nacional e mundial muito se
deve iniciativa do chef-de-cuisine Paulo Martins (19462010), do
conhecido restaurante L em Casa, criado em 1972, tendo servido
dezenas de personalidades nacionais e internacionais, como o Papa
Joo Paulo II (1980), o Imperador Akihito (1933) e a Imperatriz
Michiko (1934) nas duas visitas que fizeram a Belm, em 1978 e 1997
(HOMMA et al., 2011b).
Em abril de 2012, foi realizado o 10 Festival Ver-o-Peso da Cozinha
Paraense, iniciado em 2000 e interrompido em alguns anos por causa
do estado de sade do chef Paulo Martins. Esse festival foi uma das
alavancas da divulgao do jambu e de outras frutas amaznicas na

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

culinria nacional e internacional, ao convidar chefs nacionais e


internacionais para conhecerem os produtos utilizados na gastronomia
paraense. Em 2007, o famoso chef catalo Ferran Adri (1962) ficou
encantado com o poder eletrizante da folha de jambu, capaz de fazer
a lngua e os lbios formigarem (BOTELHO, 2007).

Planta industrial
Seringueira
A borracha natural moldou a civilizao do planeta de modo que seria
impossvel descrever aqui. Os indgenas utilizavam-na para confeco
de moringas e at de bolas. A primeira descrio do uso da borracha
natural foi feita por Charles Marie de La Condamine (17011774), que
realizou uma expedio ao Peru e Bacia Amaznica (17351744).
A partir de 1951, o Brasil iniciou a importao de borracha vegetal,
que atinge 70% do consumo nacional. Em 1990, a produo de
borracha obtida de plantios superou a borracha extrativa. No trinio
20072009, a participao da borracha extrativa representava apenas
1,81% do total da produo de borracha natural do Pas. A produo
de borracha vegetal, a despeito de planos como o Prohevea (1967),
Probor I (1972), Probor II (1977) e Probor III (1981), foi um fracasso
e mecanismo de corrupo (HOMMA, 2003b). O governo atualmente
subsidia o preo da borracha extrativa pagando um preo superior ao
da borracha obtida de plantios por meio da poltica de preos mnimos.
Em 2010, o Brasil bateu o recorde de importao de borracha natural,
atingindo a marca de US$ 790,4 milhes (260,8 mil toneladas) contra
US$ 283 milhes (161,3 mil toneladas) no ano anterior, aumento de
179,3%. Para suprimir as importaes, j deviam estar em idade de
corte cerca de 300 mil hectares de seringueiras, que poderiam gerar
emprego e renda para 150 mil famlias de pequenos produtores.
A ndia, a China e o Vietn conseguiram aumentar a produo de
borracha vegetal num curto perodo, enquanto o Brasil produz pouco
mais de 200 mil toneladas, destacando-se os estados de So Paulo,
Bahia e Mato Grosso.
A implementao de um Plano Nacional da Borracha mais do que
urgente para o Pas, considerando o risco do aparecimento do mal-das-folhas (Microcyclus ulei) no Sudeste Asitico por razes acidentais
ou de bioterrorismo, do esgotamento das reservas petrolferas e por
ser um produto estratgico da indstria mundial (DAVIS, 1997).
A proposta de criao da Embrapa Seringueira, apresentada em
fevereiro de 2012, com sede em So Paulo, numa modalidade de
parceria pblico-privada, pode ser importante apoio tecnolgico para
a expanso dessa cultura.

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 5. Produo de
borracha de plantios
e de origem extrativa,
19902010.

Plantas fibrosas
Curau e a valorizao da malva por meio da juta
A fibra de curau (Ananas erectifolius) obtida de uma bromlia, mais
concentrada na regio de Santarm, foi muito utilizada at o sculo 18
na cordoaria para embarcaes, para uso agrcola e domstico, antes do
advento das cordas de fabricao industrial. A fibra de curau chegou a
ser exibida na Exposio Universal de Paris, realizada em 1889, quando
foi inaugurada a Torre Eiffel (PINHEIRO, 1939). O interesse recente da
fibra do curau renasce com a Mercedes Benz na dcada de 1990 para
a utilizao em encostos de caminhes, com plantios concentrados no
Municpio de Santarm.
Em 2011, o Brasil importou mais de 21 milhes de dlares de fibra
bruta e sacaria de juta da ndia e de Bangladesh, totalizando 16 mil
toneladas. A lavoura de juta foi introduzida pelos imigrantes japoneses
em Parintins, aps aclimatao efetuada pelo colono japons Ryota
Oyama (18821972), em 1934, iniciando a produo comercial em
1937. Com a produo nos estados do Amazonas e Par, o Brasil
atingiu a autossuficincia em 1953, sendo iniciada novamente em 1970.
Com a introduo da juta, ocorreu a valorizao da malva, uma planta
daninha que ocorria em grande intensidade no Nordeste Paraense e
passou a ocupar o lugar da juta nas reas de vrzeas a partir de 1971,
passando a dominar a produo. Em 1978, a produo de fibra de malva
alcanou o dobro da juta, em 1983, o triplo e, em 2010, mais de 93%.
Para o Pas atingir a autossuficincia, necessrio produzir de 25 mil
a 30 mil toneladas de fibra, envolvendo 10 mil a 15 mil produtores,
sendo necessrio duplicar a atual produo concentrada no Estado do
Amazonas (HOMMA et al, 2011a). H um crescente interesse do uso
de juta e malva para a substituio de embalagens plsticas.

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

Smbolo cultural
Cuieira
A cuieira (Crescentia cujete) merece um destaque nesta breve descrio
por ser um utenslio utilizado pelos indgenas e smbolo da cultura
paraense associado ao tacac. A etnotecnologia da fabricao da cuia
envolve o corte da fruta em dois hemisfrios, a secagem e a pintura
de preto proveniente do extrato aquoso do caule de cumat (rvore
da famlia das Melastomceas cujas cascas so ricas em tanino).
Aps a pintura, as cuias so colocadas sobre um recipiente contendo
urina humana em decomposio, a cujos vapores elas ficam expostas,
no entrando em contato direto com a urina, apenas com as suas
emanaes amoniacais. Hoje, a urina substituda pelo amonaco.
O corante endurecer e escurecer, adquirindo as propriedades de
uma laca negra e brilhante, que proteger a cuia do apodrecimento e
facilitar seu manuseio e higiene (MACHADO, 2012?).

Outras plantas da biodiversidade


amaznica
A lista seria extensa, pois mencionaria outras plantas, tais como:
camu-camu [Myrciaria dubia (HBK) Mc Vough], piqui, mangaba,
tapereb, baunilha, priprioca (Cyperus articulatus L), patau [Jessenia
bataua (Mart.) Burret], bacaba, etc., na forma extrativa e em pequenos
plantios, e breu-branco (Protium pallidum), patchuli (Pogostemon
spp.), buriti (Mauritia flexuosa), tucum (Par), murumuru, unha-de-gato, cumaru, pequi, bromlias, orqudeas, marapuama, catuaba,
mangabeira, guariroba, amap-amargo, cumat, cip-titica, guarum,
piaaba, espetos de bambu, etc., provenientes do extrativismo, nem
sempre efetuado de forma adequada (BORM et al., 2009; NICOLI
et al, 2006). O clssico livro de Paulo B. Cavalcante (19222006)
lista 163 frutas comestveis na Amaznia, metade constituda de
fruteiras nativas, o que reala o potencial de plantas que podero ser
incorporadas no futuro (CAVALCANTE, 2010).

Recursos faunsticos
H quatro dcadas, o consumo de aves estava restrito para doentes ou
mulheres em resguardo. A partir da dcada de 1960, o Pas iniciou
uma grande expanso da avicultura e a produo de carne de frango
suplantou a da carne bovina, com menos impactos ambientais. O
Brasil tornou-se o maior exportador de frangos e de carne bovina,
destinando 30% e 20%, respectivamente, da produo nacional. O
mesmo no ocorre com a pesca, em que 73% da produo nacional
de origem extrativa e 27% proveniente de criatrios. Em nvel
mundial, essa proporo de 50% entre extrativa e aquicultura.
Deve-se ressaltar que, no Pas, a produo de pescado no atinge

41

42

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

10% do que produzido de carne bovina ou de frango. Com certeza


o desmatamento da Amaznia teria sido maior se a produo de
frango no tivesse alcanado os atuais patamares tecnolgicos. Nesse
sentido, so grandes as oportunidades de se efetuar uma revoluo na
Aquicultura Brasileira, viabilizando criatrios de peixes amaznicos
como tambaqui (Colossoma macropomum), pirarucu (Arapaima
gigas), tucunar (Cichla ocellaris) e a criao de tartaruga-da-amaznia
(Podocnemis expansa), tracaj (Podocnemis unifilis), etc. Os sucessos
da piscicultura esto localizados em Mato Grosso do Sul, Amazonas
e, atualmente, no Estado do Acre, visando sada para o Pacfico e
obteno de farinha de peixe do Peru como matria-prima para rao.

Concluses
O extrativismo vegetal na Amaznia foi muito importante no passado,
importante no presente, mas h necessidade de pensar sobre o futuro
da regio. Foi o extrativismo da seringueira que permitiu o processo
de povoamento da regio e a construo de infraestrutura produtiva.
Ademais, sustentou a economia nacional por trs dcadas como
terceiro produto de exportao, vindo depois do caf e do algodo,
e promoveu a anexao do Acre soberania nacional. Como outros
exemplos, no caso da seringueira, o Pas no pode ficar dependendo
da economia da borracha extrativa. Justifica-se a manuteno do
extrativismo como uma maneira de comprar tempo, enquanto no
surgirem alternativas para evitar o xodo rural ou quando existirem
em grandes estoques. A formao de um parque produtivo forte com
a domesticao de plantas extrativas atualmente conhecidas e aquelas
potenciais a melhor garantia para evitar a biopirataria na Amaznia
e nos pases vizinhos, alm de gerar renda e emprego.
No se pode negar que a economia extrativa foi a razo e a causa
do atraso regional, apoiando-se na disponibilidade dos recursos
naturais e na crena da sua inesgotabilidade. Para a manuteno
da economia extrativa, importante impedir as pesquisas com a
domesticao de plantas e animais passveis de serem incorporados
ao processo produtivo. Dessa forma, o culto ao atraso de muitas
propostas ambientais, tanto nacionais como estrangeiras, em favor
do extrativismo na Amaznia, escondem resultados que podem ser
avessos aos interesses dos consumidores, das indstrias e dos prprios
extratores. De forma idntica, para a manuteno do extrativismo
importante que no se criem alternativas de renda e emprego, a melhoria
da infraestrutura, em face da baixa produtividade da terra e da mo de
obra da economia extrativa, da o obscurantismo de muitas propostas
ambientais defendidas pelos pases desenvolvidos para a Amaznia. A
extrao pulverizada e a inexistncia de economia de escala tornam
um grande desafio como um modelo adequado para a Amaznia. A
melhoria do nvel de vida das populaes extrativistas, estimuladas,
por exemplo, com a energia eltrica, induz ao desenvolvimento de

CAPTULO 1 - Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opo para a Amaznia?

outras atividades, para aumentar a renda, no passvel de ser obtida


apenas com a coleta de produtos da floresta.
Ao contrrio do propalado, a criao de reservas extrativistas nem
sempre constitui em garantia da conservao e preservao dos
recursos naturais. Apesar da nfase no manejo, a explorao de muitos
recursos extrativos tende a levar sua exausto e destruio da
floresta, mudando para novos locais. A extrao madeireira, a criao
bovina e as atividades de roa podero levar a uma reserva extrativista
sem extrativismo no decorrer do tempo. Para evitar desmatamentos
e queimadas na Amaznia, ser necessrio o aproveitamento parcial
dos 75 milhes de hectares j desmatados (2013), com atividades
produtivas adequadas e promovendo a recuperao de reas que no
deveriam ter sido desmatadas. Nesse elenco encaixa-se um conjunto
de produtos da biodiversidade, do passado, do presente e aqueles por
descobrir.
Para os produtos extrativos alimentcios que apresentem conflitos
entre a oferta e a demanda urgente promover a sua domesticao. A
insistncia no extrativismo leva a prejuzos sociais para os produtores
e consumidores. Para os produtos extrativos utilizados como plantas
medicinais, cosmticos, txicos, etc., pelas comunidades tradicionais,
a modificao da Medida Provisria 2186-16 necessria, sob risco de
impedir o desenvolvimento de novos produtos e como mecanismo de
gerao de renda e emprego para as populaes regionais.
A implementao do Cdigo Florestal conduzindo recuperao de
ecossistemas destrudos pode induzir ao desenvolvimento de sistemas
hbridos envolvendo plantios domesticados convertidos em extrativos
ou manejados para recompor reas de Reserva Legal e reas de
Preservao Permanente.

43

Introduo1
O ataque de pragas e doenas tem sido uma grande preocupao
desde tempos remotos. Muitas plantas nos seus 400 milhes de
anos de evoluo tm desenvolvido mecanismos de proteo como
repelncia e at ao inseticida. O mtodo de controle de pragas mais
antigo envolvia at sacrifcios humanos, com rituais pagos e forte
superstio. Para resolver esses problemas, o Homem tem procurado
utilizar diversos produtos. O uso de extratos e de plantas pulverizadas
como inseticidas datam de 400 a.C., nos tempos do rei Jerjes, da
Prsia, hoje Ir, no controle de piolhos, espalhando um p obtido de
flores secas de pretro (Chrysanthemun cinerariaefolium). O primeiro
inseticida natural com uso definido foi efetuado em 1736, com folhas
de tabaco trituradas, na Frana, para exterminar afdios. H um grande
equvoco em considerar que todos os produtos de origem vegetal, tais
como os inseticidas vegetais, sejam produtos incuos. Existe uma
grande quantidade de produtos vegetais que so altamente txicos,
como a cicuta (Cicuta spp.), cujo extrato aquoso Socrtes foi obrigado
a beber quando condenado morte (MERK, 2003; TAMBELLINI,
1976).
O desenvolvimento, em 1867 e 1868, de verde-de-paris (acetoarsenito
de cobre) para controle de colepteros e outros insetos mastigadores,
na forma de emulso com querosene, foi considerado um grande
avano. No perodo de 1890 a 1920, os praguicidas mais utilizados
eram p de enxofre, enxofre molhvel, arsenicais (verde-de-paris,
arsenatos de clcio e chumbo), fumo, pretro, rotenona, petrleo, leo
de baleia, resinas, sabo, dissulfeto de carbono e cido hidrocinico.
Em 1910, as preparaes inseticidas contendo sulfato de nicotina a
40% se transformaram em um dos produtos mais populares na poca.
No perodo de 1920 a 1940, os praguicidas mais utilizados eram o
arseniato de chumbo e de clcio, p de enxofre, enxofre molhvel,
1

Verso ampliada da publicao Homma (2004d).

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

fluossilicato de brio, criolita (fluoaluminato de sdio), pretro, timb,


fumo, qussia e helboro e selenossulfeto de potssio e amnio para o
controle de caros (PRATES, 2003; SAITO; LUCHINI, 1998).
O interesse comercial pela raiz do timb (Figura 1) comeou a
deslanchar a partir do incio do sculo 20, procurando identificar seus
princpios ativos e sua estrutura molecular. Enquanto isso, o Japo
tornava-se um grande produtor de pretro e de Derris, tornando-se
um produto estratgico com a ecloso da Segunda Guerra Mundial
(KOSEKI; INOUE, 1938; PEREZ, 1944). Em 1934, o Japo produziu
7,7 mil toneladas de pretro e, no ano seguinte, 12,9 mil toneladas,
fazendo com que aps a descoberta das propriedades inseticidas do
diclorodifeniltricloroetano (DDT), em 1939, a Companhia J. R. Geigy
S.A. propusesse, em 1942, ao governo ingls, a sua substituio para o
combate de vetores de tifo e malria. Isso levou difuso comercial do
DDT, com o fim da Segunda Guerra Mundial e o incio do domnio
dos inseticidas sintticos, que no estavam sujeitos s incertezas da
produo e da flutuao de princpios ativos. Contudo, as aplicaes
de produtos qumicos, como os arsenicais, dos quais somente a
agricultura americana chegou a utilizar mais de 41 mil toneladas,
acentuou-se com a entrada do DDT. Comearam ento a surgir
evidncias como a intoxicao de trabalhadores e consequncias no
meio ambiente e dos efeitos cumulativos, que culminaram, em 1954,
com o estabelecimento, nos Estados Unidos, da primeira legislao
sobre o uso do DDT nas lavouras. Em 1972, a Agncia de Proteo
Ambiental dos Estados Unidos proibiu o uso do DDT, exceto em casos
excepcionais de interesse de sade pblica. No Brasil, no incio dos
anos 1950, com a introduo de inseticidas fosforados para substituir o
uso do DDT, era comum o agricultor utilizar o brao, com a mo aberta
girando meia volta em um e outro sentido, para facilitar a mistura.
Figura 1. Exemplar
de timb existente na
Embrapa Amaznia
Oriental.

Foto: Grimoaldo Bandeira de Matos.

46

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

Publicado em 1962, Silent Spring, da biloga marinha norte-americana


Rachel Carson, foi a primeira obra a detalhar os efeitos adversos da
utilizao dos pesticidas e inseticidas qumicos sintticos, iniciando o
debate acerca das implicaes da atividade humana sobre o ambiente
e o custo ambiental dessa contaminao para a sociedade humana.
A mensagem era diretamente dirigida para o uso indiscriminado do
DDT: barato e fcil de fazer, foi aclamado como o pesticida universal e
tornou-se o mais amplamente utilizado dos novos pesticidas sintticos
antes que seus efeitos ambientais tivessem sido intensivamente
estudados. Com a publicao de Silent Spring, o debate pblico sobre
agrotxicos continuou atravs dos anos 1960 e algumas das substncias
listadas pela autora foram proibidas ou sofreram restries. Cabe
ressaltar que o deslocamento para o centro da arena pblica da questo
dos agrotxicos, antes restrita aos crculos acadmicos e publicaes
tcnicas, foi, sem dvida, o maior mrito de Rachel Carson como
pioneira na denncia dos danos ambientais causados por tais produtos.
Em maio de 2001, foi assinada por 90 pases a Conveno de
Estocolmo, procurando banir o uso de 12 inseticidas considerados
mais perigosos para a sade humana e para o meio ambiente (aldrin,
clordane, dieldrin, endrin, dioxine, heptacloro, hexaclorobenzeno,
mirex, toxapheno, PCBs, furanos).

A (re)descoberta do timb pela


civilizao ocidental
O uso de sumo de plantas extradas de troncos ou razes para efetuar
a captura de peixes mediante envenenamento conhecido desde os
primrdios da civilizao humana. Essa prtica era bastante utilizada
pelas tribos indgenas na sia, frica e na Amrica do Sul, quando os
europeus tomaram conhecimento. O grande botnico Georg Eberhard
Rumpf (16271702), autor de Herbarium Amboinense, escrito entre
1653 e 1692 e publicado em 1741, descreveu trs espcies de plantas
venenosas para captura de peixes: a Derris elliptica, outra que no pode
ser identificada e a Derris trifoliata (ONGE, 2002).
Em 1665, Rochefort observou que os indgenas das Antilhas serviam-se da raiz de uma planta, que cortavam em pedaos e lanavam nas
lagunas onde havia peixes. Em 1775, o botnico francs J.B. Fuse
Aublet (17201778) foi o primeiro a efetuar uma descrio completa
de uma planta denominada de nicou, usada para matar peixes na
Amrica do Sul, batizando-a de Robinia nicou. de mencionar que
a classificao de plantas s foi possvel a partir da publicao do
Fundamenta Botanica, em 1736, pelo sueco Carl Linn (17071778),
que foi o responsvel pela classificao das plantas e dos animais em
gneros e espcies, dando incio Moderna Botnica Sistemtica.

47

48

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

No incio do sculo 19, Marsden em seu livro History of Sumatra (1811),


Raffles no livro History of Java (1817) e Crawfurd em seu livro History
of the Indian Archipelago (1820), descreveram o uso de razes de Derris
na pesca. Em 1825, Blume efetuou a descrio de Derris trifoliata como
veneno para peixes, denominando-a de Derris heterophylla e, em 1839,
Newbold mencionou tuba como o ingrediente para pontas de flechas
(BURKILL, 1935, v. 1, p. 783-792).
Em 1848, o cirurgio Oxley, residente em Cingapura, descreveu
o cozimento de razes de Derris como um poderoso inseticida
para rvores de noz-moscada, associando com a ideia da eficcia
no tratamento de piolhos. Em 1849, Robert Little, um mdico de
Cingapura, descrevia a utilizao de razes de Derris pelos jardineiros
chineses para combater as pragas da noz-moscada e tambm para
coceiras. Essa utilizao induziu domesticao de Derris elliptica
pelos chineses e venda de suas razes, cujo cultivo atingiu a ndia.
A sua importncia despertou a ateno para o seu patenteamento, a
sua popularizao e o crescimento das exportaes desse produto da
Malaia Inglesa (BURKILL, 1935, v. 1, p. 783-792).
Epp, em 1851, em seu livro Schlderung aus Ost-Indiens Archipel,
descreveu o uso de Derris em Banka para eliminar os insetos nas
hortalias. Em 1858, Bleeker, um ictilogo, confirmava a utilizao
de Derris trifoliata para envenenar peixes em Java, designando como
Blume, de Derris heterophyla. Em 1859, Helfrich menciona a utilizao
de Derris em infuso como inseticida em Borneo.
Em 1861, Seeman mostrava a utilizao de Derris uliginosa Benth
como inseticida nas Ilhas Fiji. Em 1866, Jagor relatava a pesca com
vrias espcies de Derris em Cingapura. Dez anos depois, Filet (1876)
identificava as espcies D. pubipetala Miq, D. multiflora Benth e D.
montana Benth como veneno de peixes nas ndias Holandesas.
Em 1877, um ano aps o carregamento das sementes de seringueira,
por Henry Wickham, em Kew, era introduzida a D. elliptica Benth,
procedente de Cingapura para uso como inseticida nos jardins, cuja
informao provinha de McNair, que estava enviando os materiais. Em
1890, Dymock, Wraden e Hooper, autores do livro Pharmacographia
Indica, descreviam a presena de duas resinas e de um glucosdio
aliado saponina nas razes de Derris. Era o comeo da identificao
qumica dos componentes da raiz de Derris.
Greshoff, em 1890, conseguiu extrair uma substncia resinosa das
razes de Derris, que chamou de derrid, mostrando que matava os
peixes. Paff, em 1891, trabalhando com material procedente do Brasil,
da ento Lonchocarpus nicou, extraiu uma substncia que denominou
de timboin (BURKILL, 1935, v. 1, p. 783-793).

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

Em 1892, Wray reportou os experimentos que vinha efetuando desde


1888, afirmou que os jardineiros chineses de Perak utilizavam razes de
Derris elliptica como inseticida na forma de infuso, a qual passavam
nas folhagens, e denominou de tubain a substncia txica, resinosa,
vermelho-marrom que tinha extrado.
O qumico francs E. Geoffroy, em 1895, estudando Lonchocarpus
nicou, conseguiu extrair uma substncia branca cristalina que batizou
de nicouline. Greshoff, prosseguindo os estudos, em 1898, afirmou
que a substncia que tinha isolado da Derris, a derrid, bem como
a tubain de Wray, o timboin de Pfaff e a nicouline de Geoffroy,
eram todas substncias similares e que a nica diferena era o grau de
pureza. Gresoff tinha obtido uma substncia cristalina do derrid que
passou a denominar de composto cristalino da derrid.
Em 1899, o qumico alemo H. E. Th. van Sillevoldt afirmou que
derrid e timboim apresentavam similaridade das frmulas
qumicas, mas no eram substncias idnticas. A grande descoberta
seria proporcionada em 1902, por K. Nagai, que obteve uma substncia
cristalina extrada de Derris elliptica Benth, levada da sia Tropical
para o Japo, cujos resultados foram publicados no Journal of Tokyo
Chemistry Society. A frmula qumica era mais simples que aquela
encontrada por von Sillevoldt.
Vrios livros que foram publicados no incio do sculo 20, destacando-se In Malay Forests, escrito por Maxwell (1907), e The Pagan Tribes of
Borneo, de Hose e McDougall (1912), relatam sobre o uso de Derris na
captura de peixes na Indochina, na Malsia, na Austrlia, em Fiji e na
Amrica do Sul.
A partir de 1910, o extrato de timb foi amplamente usado para
destruir carrapatos das lhamas no Peru. Em 1911, apareceram as
primeiras fbricas na Inglaterra que produziam inseticidas lquidos
com extratos de Derris, vendidos com o nome das respectivas
marcas das fbricas. Somente em 1931 comearam a aparecer marcas
comerciais nos Estados Unidos, para combater afdios e insetos que
infestavam animais, principalmente piolhos.
O avano do processo de fabricao do timb em p envolve o corte
das razes em pedaos, utilizando-se mquinas circulares, guilhotinas,
ou mesmo faces. Seguia-se a triturao em moinhos de martelos,
passando o material triturado em uma peneira para retirar o material
grosso que era novamente colocado no moinho, tendo cuidado para que
a temperatura no subisse a mais de 70 C. O p era homogeneizado em
peneira malha 200, sendo analisado o contedo de rotenona e efetuada
a mistura para obter um contedo homogneo. Para a comercializao
como inseticida, o p resultante era misturado com talco para formar
uma mistura contendo 1% de rotenona ou menos. A maior parte dos
ps de comrcio continha 0,75% a 1% de rotenona. Nessa proporo

49

50

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

o p era eficaz contra as lagartas das couves, os afdios das ervilhas


e muitos outros vermes. Para matar as moscas, usavam-se extratos
das razes dissolvidas em safrol, lcool-fenis ou outros dissolventes,
misturados com querosene.
Em 1911, o qumico Lenz, trabalhando com Derris elliptica procedente
de Nova Guin, obteve uma substncia cristalina que batizou de
derrin. A substncia cristalina obtida por Geoffroy, de Lonchocarpus,
tambm era branca e tinha ponto de fuso a 162 C, enquanto a
substncia cristalina amarelada de Lenz tinha ponto de fuso a 158 C,
e a substncia obtida por Gresoff era amarelada.
Em 1917, Ishikawa desenvolveu uma frmula qumica diferente para
os cristais de Nagai, que denominou de tubatoxin, a partir de material
de Derris eliptica. Porm, Atsumi e Shimada, em 1924, chegaram
concluso que Ishikawa tinha obtido a rotenona de Nagai. Takei, nesse
mesmo ano, modificou a frmula ligeiramente.
Dessa forma, no incio da dcada de 1920, tornou-se compreensvel que
havia duas substncias nas razes de timb: a resina e a rotenona. As
atenes dos primitivos observadores estavam presas apenas resina,
cujo tratamento qumico obtinha tambm a rotenona, mostrando a
inter-relao dessas duas substncias. Em 1930, E.P. Clark conseguiu
isolar da Derris, alm da rotenona, vrios compostos cristalinos. A sua
importncia no controle de insetos levou R.C. Roark, da USDA, em
1931, a escrever uma completa lista de insetos susceptveis rotenona
(ROARK, 1944).
Esse conjunto de pesquisas provou tambm que a distribuio de
rotenona varia nas diversas partes da planta, entre espcies, sendo
mais concentrada nas razes finas que nas grossas. O maior teor de
rotenona era obtido em plantas com 2 anos de idade, a partir do qual
ia decrescendo. As folhagens de Derris elliptica e D. philippinensis Merr
eram txicas o suficientes para matar bovinos. No outro extremo, a
D. heptaphylla apresentava reduzida toxicidade e era utilizada como
aromatizante.
Em 1929, o botnico Ellsworth Paine Killip em companhia de Albert
C. Smith efetuou a descrio de Lonchocarpus nicou, encontrada no
Peru, e Lonchocarpus urucu, encontrada no Baixo Amazonas. J. Francis
MacBride, em 1943, daria o batismo definitivo, enquadrando o timb
na famlia das Leguminosas, passando a ter a denominao de Derris
urucu (Killip et Smith) MacBride e Derris nicou (Killip et Smith)
MacBride, homenageando os dois botnicos que o antecederam.
A elucidao da estrutura qumica da rotenona foi efetuada somente
em 1933, pelos pesquisadores americanos da USDA, F. B. LaForge,
H. L. Haller e L. E. Smith. Na dcada de 1930, os americanos tinham
grande interesse no uso da rotenona. A sntese e a biossntese da
rotenona ocorreria somente em 1984, por L. Crombie.

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

As limitaes do uso do timb e de outras plantas inseticidas em grande


escala para a agricultura levaram ao desenvolvimento de inseticidas
sintticos. A sntese do DDT e a sua importncia para o combate
de insetos foi efetuada em 1939 pelo suo Paul Hermann Mller
(18991965), sendo patenteado naquele pas, em 7 de maro de 1940,
pela companhia de corantes J.R. Geigy S.A., com o nome de Gesarol.
Esse produto tinha sido sintetizado em 1873, por Othmar Zeidler,
um estudante de qumica alemo, que trabalhava no laboratrio
de Adolph von Bayer, na Universidade de Strasbourg, mas que no
recebeu nenhuma ateno na poca. As primeiras recomendaes para
o combate de pragas de gros armazenados apareceram por volta de
1947, com o uso do DDT em p. Posteriormente, em 1965, surgiu o
Malathion em p, intensamente usado durante os 30 anos seguintes.
A contribuio no combate aos vetores de tifo, malria, febre amarela
e da doena do sono estava sendo efetuado apenas com o pretro, com
oferta e eficcia limitada. O DDT ampliou as possibilidades de controle
de endemias, resultando no Prmio Nobel de Fisiologia, para Paul
Mller, em 1948, pela sua contribuio para a sade mundial.

A fase comercial do timb antes da


descoberta dos inseticidas sintticos
O timb era um produto quase no comercializado no mercado
internacional antes da dcada de 1930. Em 1932, o porto Cingapura j
realizava a exportao de razes de Derris para Estados Unidos (52 t),
Inglaterra (84 t), Japo (42 t) e outros pases (35 t), totalizando 315 t
(KOSEKI; INOUE, 1938). Java, Sumatra, Pennsula Malaca, Filipinas e
ndia Oriental eram locais onde eram produzidas as razes de Derris.
Em 1933, foi efetuada a primeira exportao de raiz de timb do
Estado do Par para os Estados Unidos.
Em 1936, os Estados Unidos importaram 411 t de raiz de timb e
738 t de Lonchocarpus nicou. Em 1940, houve a importao de 1 mil
toneladas de raiz em bruto de timb do Peru, 176 t de raiz e 3 mil
toneladas de timb pulverizado do Brasil, 33,6 t de raiz de timb da
Venezuela e 14.560 t de razes de Derris da Malaia Inglesa, das ndias
Holandesas e das Filipinas. As exportaes brasileiras cresceram de
147.158 kg de raiz e 762.226 kg de timb em p, em 1937, para 38.396 kg
de raiz e 1.055 t de p, em 1938, ocorrendo uma reverso na forma de
produto beneficiado. A quantidade de timb beneficiada no Pas, em
1938, foi de 1.250 t na forma de p. Considerando o perodo de 1932
a 1940, as importaes de Derris dos Estados Unidos aumentaram de
17 t para 1.460 t, ou seja, 84 vezes. A produo mundial de raiz de timb
cresceu de 2.973,7 t em 1938 para 5.402,6 t em 1940, quase dobrando
no trinio (Tabela 1). As importaes de Derris elliptica representavam
metade da oferta de rotenona nos Estados Unidos, antes da ocupao
japonesa no Sudeste Asitico (MOORE, 1943; 1945).

51

52

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 1. Estimativa da produo mundial de razes de timb em toneladas,


no perodo de 19381940.
Pas
Brasil
Peru
Venezuela
Malaia Britnica
Indochina Francesa
Japo
ndias Holandesas
Filipinas
Total

Ano
1938

1939

1940

1.135,0

681,0

454,0

681,0

1.135,0

1.362,0

90,8

45,4

908,0

1.589,0

1.362,0

136,2

68,1

45,4

295,1

908,0

113,5

681,0

794,5

90,8

295,1

408,6

2.973,7

4.903,2

5.402,6

Fonte: Higbee (1948).

A participao das importaes dos Estados Unidos de plantas do


gnero Derris, principalmente da Malaia Inglesa, das ndias Holandesas
e das Filipinas, cresceram de 24% entre 1937 e 1938 para 43% em 1939
e atingiram 50% em 1940, em detrimento das importaes da Amrica
do Sul. O programa de seleo efetuado pelas ndias Holandesas e
por Malaca aumentou o teor de rotenona em uma dcada de 1% a 2%
para 10% a 12%, por meio de cuidadosa seleo e multiplicao de
linhagens com maior produtividade em razes e no teor de rotenona.
A importao de razes de timb pelos Estados Unidos alcanou
3.632 t em 1941. Essas razes deviam ter um teor mnimo de 5% de
rotenona e 8% a 10% de umidade. Compensavam-se as razes com teor
de rotenona superior a 5% e no se aceitavam razes com teor inferior
a 3%.
Em 1937, as importaes de p e razes de timb pelos Estados
Unidos excediam pouco mais de 908 t e, em 1940, os Estados
Unidos j eram o maior consumidor de rotenona do mundo,
importando aproximadamente 2.951 t na forma de p e de razes
(QUASI..., 1940). Esse material era suficiente para elaborar 13.620 t
de inseticida comercial. Aproximadamente metade dessa importao
era proveniente de plantaes do Sudeste Asitico e a outra metade
provinha do Brasil, do Peru e da Venezuela. J em 1946, os Estados
Unidos atingiam o recorde de importao com 5.161,53 t de p e de
razes de timb, 99% das quais eram provenientes da Amrica do Sul,
de modo que as plantaes do Peru respondiam por 4.948,6 t. Contudo,
essa quantidade era insuficiente para atender demanda anual
estimada em 11.350 t (Tabela 2).

Equador

Trinidad e Tobago

Honduras

Guatemala

Ilhas Leeward

Trinidad e Tobago

Fonte: Higbee (1948).

Total Geral

1.095,05

259,69

0,91

Total

50,39

Inglaterra

25,88

182,51

Filipinas

Congo Belga

ndias Holandesas

Indochina Francesa

Malaia Britnica

frica Oriental
Britnica

835,36

Colmbia

Total

171,60

Peru

Venezuela

663,75

1937

Brasil

Pas

1.393,33

337,78

0,91

10,44

61,74

264,68

1.055,55

24,97

216,56

814,02

1938

2.682,69

1.320,23

3,18

118,95

127,12

14,98

1.056

1.362,45

77,18

785,42

499,85

1939

2.981,87

1.462,79

104,87

452,64

65,38

836,27

3,63

33,60

1.010,15

1.519,08

1941

171,16

771,8

35,41

876,22

6,81

3.630,64

1.861,4

Derris

1.769,24

27,69

1.146,35

595,19

Lonchocarpus
475,34

1940

1.724,29

500,31

8,63

195,22

296,46

1.223,98

1.136,36

87,62

1942

1.620,78

1.620,78

7,72

2,27

943,87

666,93

1943

2.872,46

2.872,46

5,90

12,26

59,93

69,01

2.475,21

251,52

1944

4.003,83

22,7

1,36

0,91

20,43

3.981,13

2,72

2,27

27,24

3.906,22

42,68

1945

5.161,53

13,17

0,454

0,91

4,54

7,26

5.148,36

2,27

4.931,35

214,74

1946

Tabela 2. Importao de raiz e raiz de timb em p pelos Estados Unidos, por principais pases de origem, em toneladas, no perodo de 1937-1946.

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica


53

54

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O timb no Peru conhecido como barbasco ou cube (Lonchocarpus


nicou), encontrado em maior abundncia na Amaznia Peruana. O
cultivo comercial dessa planta no Peru foi intensamente praticado
a partir da dcada de 1930. Permite obter a primeira colheita aos
3 anos, com uma produo de 8,8 mil quilos/hectare de raiz fresca
ou 3.960 kg/ha de raiz seca e com uma densidade de 4,4 mil plantas/
hectares no espaamento de 1,5 m x 1,5 m. A rentabilidade bruta do
timb est estimada em US$ 1.980,00 com uma produo de 3,96 t
de raiz seca, proporcionando uma receita lquida de US$ 1.584,00 por
hectare (GOMES, 1946).
Essa planta foi cultivada com grande xito econmico antes da Segunda
Guerra Mundial at 1955, quando o seu cultivo foi decrescendo com
o incremento da tecnologia de inseticidas e o aparecimento de novos
produtos de fabricao sinttica. Para atender a essa demanda, os
plantios de timb no Peru, durante as dcadas de 1930 e 1940, eram
de aproximadamente 5 mil a 7,3 mil hectares em reas derrubadas
de floresta densa. Esses plantios estavam localizados em Lagunas,
Yurimaguas e Tingo Maria, no curso do Rio Huallaga; Jeberos, entre
os rios Huallaga e Maraon; Contamana, no Rio Ucayali; Barranca e
Nauta, no Rio Maraon; Iquitos e Tamshiyacu, no Rio Amazonas e
Satipo, no Rio Satipo, um afluente do Rio Tambo e este, do Rio Ucayali.
Na Venezuela, pequenos plantios eram encontrados em El Tigre, no
Estado de Anzoategui e nas ilhas de Urbana e El Infierno, na foz do
Rio Orinoco.
A produo foi aumentando durante os anos posteriores, atingindo
uma produo de 5.340 t no ano de 1946 no Peru. Na dcada de 1950,
com o descobrimento do DDT, o timb foi deslocado do mercado
quase totalmente. Em 1965, a rea plantada de timb no Peru era de
3.430 ha, cuja rea colhida foi de 885 ha, apresentando um rendimento
mdio de 2.180 kg/ha de raiz seca e uma produo de 1.931 t.
No Brasil, os pequenos plantios isolados e a coleta extrativa se
desenvolviam nas proximidades de Belm, Portel, Acar, Gurup,
Mazago e Macap, na foz do Rio Amazonas; em Porto de Moz, no
Rio Xingu; em Belterra, no Rio Tapajs e em povoados espalhados ao
longo dos rios Amazonas, Madeira e Negro, no Estado do Amazonas.
A exportao de timb pelo Brasil caiu de 863.108 kg, em 1936, para
80.110 kg 10 anos depois (CAMINHA FILHO, 1940).
A partir da dcada de 1980, com a tendncia a restringir o uso de
agroqumicos, retoma-se o interesse no uso de inseticidas orgnicos
como o timb. Atualmente, a principal zona de produo de timb
no Peru o vale do Rio Apurmac, a 250 km da cidade de Huamanga,
no Departamento de Ayacucho. Dentro desse vale encontram-se as
zonas de Santa Rosa (1.836 ha), Ayna (257 ha), San Miguel, Chunge,
Sivia (290 ha), Huanta, Pichari (23 ha) e Kimbiri (23 ha). Outras
reas de ocorrncia de timb so Merced, rios Pichis, Pachitea e

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

Ucayali, Iquitos, Yurimaguas e, tambm, Brasil e Guianas. O vale


do Rio Apurmac, onde se concentra a produo de timb, tem sido
fortemente afetado pela guerrilha do movimento Sendero Luminoso,
resultando na destruio do depsito de Edmundo Morales, maior
monopolista de timb, em 29 de outubro de 1982, na localidade de
Santa Rosa (FUMERTON, 2002).
Na cidade de Tacna, Peru, opera uma fbrica processadora de timb
que exporta 100%, com capacidade de compra de 20 t mensais para
os Estados Unidos, seguindo-se Alemanha, Bangladesh, Blgica,
Espanha, Japo, Frana, Nova Zelndia e Reino Unido. A raiz seca de
timb no Peru est sendo comercializada a US$ 0,65 a US$ 0,75 por
quilo e na forma de p o preo atinge US$ 2,80 a US$ 3,20 por quilo.
O atual uso do timb para inseticidas ou pesticidas, na agricultura;
na eliminao de parasitos de rebanho; no mbito domstico, na
eliminao de moscas, pulgas, piolhos; na aquicultura, na eliminao
de peixes indesejveis e predadores antes da criao de peixes ou
camares de gua doce. Na ocorrncia de grandes infestaes de
peixes, os criadores de camaro utilizam p de timb na proporo de
20 kg/ha para eliminar os peixes.
Um concorrente para o timb o nim (Azadirachta indica J.; Meliaceae),
que apresenta excelentes resultados, alm do espectro de sua utilizao,
indo de cosmticos at uso madeireiro, encontrando-se no mercado
formulaes comerciais prontas. Deve-se ressaltar que a substituio
integral dos inseticidas orgnicos bastante remota, devendo a sua
utilizao se constituir em uma alternativa dentro de um programa de
manejo integrado de pragas, que deve ser complementado com outras
medidas de controle existentes.
A rotenona e os rotenoides tm sido utilizados como inseticidas e
como anestsicos temporrios, auxiliando na captura de peixes. A
partir da dcada de 1950, mais de 3,5 mil toneladas anuais de Derris
spp. e de Tephrosia spp. foram importadas pelos Estados Unidos. Em
1972, cerca de 750 t de razes dessas plantas foram utilizadas em jardins
e casas para combate de insetos e ectoparasitas de animais.
Propaga-se assexualmente por meio de estacas de 30 cm de
comprimento, provenientes da haste, com um mnimo de 3 ns, os
quais se planta imediatamente em forma diagonal. No comum que se
propague sexualmente (sementes). O espaamento recomendado de
70 cm entre plantas e 1 m entre linhas, obtendo-se uma densidade mdia
de 14 mil plantas por hectare. Vrias cartilhas com recomendaes
sobre preparo de solo, preparo das estacas, transplantio, adubaes,
tratos culturais, culturas consorciadas, colheita, secagem das razes,
embalagem, transporte e pulverizao das razes foram publicadas
nos Estados Unidos e no Brasil, durante as dcadas de 1930 e 1940
(GOMES, 1946; HIGBEE, 1948).

55

56

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A recomendao para os plantios de timb no Peru era a derrubada


de floresta densa, uma vez que as despesas com capinas eram mais
reduzidas, ante a carncia de mo de obra na regio Amaznica.
Plantios de mandioca eram efetuados nas entrelinhas para garantir a
subsistncia e o cuidado na escolha das hastes para o plantio de timb,
cujas perdas chegavam a 50%, sendo o ideal 20%. Outros plantios
comuns eram feijo, arroz, banana, quiabo, entre outras, variando-se
o espaamento de 1,0 m x 3,5 m ou 1,5 m x 2,0 m para acomodar as
culturas intercalares.
A rea mdia dos plantios dos agricultores peruanos no excedia 2 ha
a 2,5 ha, em face da limitao da mo de obra familiar. O rendimento
por hectare era de 4.540 kg de razes frescas ou 2.270 kg de razes secas,
exigindo o gasto de 300 dias/homens, do plantio colheita. Esse gasto
de mo de obra era distribudo em 115 dias para derrubada da rea,
20 dias para o preparo das estacas para o plantio, 85 dias para capinas
e 80 dias para colheita. Nas reas de vegetao secundria, o gasto de
mo de obra aumentava para 360 a 400 dias/homens, decorrente do
aumento das capinas (HIGBEE, 1948).
O arranquio das razes do timb exigia grande fora fsica, com o
corte dos arbustos a 50 cm do solo e a seguir enfiando uma estaca
pontiaguda no solo para suspender as razes e descobrir a sua direo.
Essas razes eram seccionadas e puxadas individualmente com a fora
fsica das mos. Essa atividade extenuante permitia apenas 5 a 6 horas
de trabalho dirio e a coleta de no mximo 55 kg de razes frescas. Cada
p de timb permitia a obteno de 0,5 kg a 2,5 kg de razes frescas.
Os produtores ou coletores revendiam para os compradores locais,
estes entregavam para os exportadores, que efetuavam a classificao
e a embalagem. Essas razes eram secas em armazns desprovidos de
paredes, livres do sol e da chuva, at ficarem reduzidas a 20% do seu peso
original, que contm 60% de umidade, e prensadas na forma de fardos,
embaladas em tecido branco de algodo, pesando entre 100 kg e 120 kg.
Quando transformados em p, a legislao publicada em 1941 obrigava
a ser embalados em sacos de papel do tipo kraft e acondicionados
em caixas de madeira, com indicativo do teor de rotenona (GOMES,
1946). O decreto regulamentando a classificao do timb, publicado
em 1941, estabelecia trs tipos. O tipo 1 consistia de raiz pulverizada
contendo mnimo de 5% de rotenona; o tipo 2, raiz pulverizada com
o mnimo de 4% de rotenona e o tipo 3, raiz fragmentada com 2% de
rotenona.
Em Porto Rico, onde as tcnicas de cultivo mais avanaram, chegou-se a desenvolver mtodos de plantio de timb com a coleta manual
de razes, aps a passagem de trator de roda com arado, e com a
prvia remoo manual das copas. Esses plantios eram feitos em reas
destocadas, com a formao de mudas em viveiros e seu posterior
transplante em local definitivo (TORRES, 1934; SOUZA, 1942;
HIGBEE, 1948).

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

57

O registro da extrao do timb no Anurio Estatstico do Brasil foi


iniciado em 1938, registrando a quantidade mxima de 3.047 t de
timb em raiz naquele ano. No Estado do Par, no perodo 19361938,
chegou-se a produzir mais de 3 mil toneladas de razes pulverizadas
de timb (Tabela 3). At 1945, a quantidade se mantm acima de
400 t para ento decrescer abruptamente a partir de 1946. Os estados
do Par e Amazonas se destacam como maiores produtores no perodo
19381949.
Tabela 3. Produo brasileira de timb em raiz (t) no perodo de 19381949.
Estados

1938

Par

(1)

timb em p;

1940

1941

1942

1943

1944

1945

1946

1947

1948

1949

49

308(1)

152

403

361

193

2.866

822(1)

435(1)

387

461

218

247

21

29

10

(1)

539

864

579

511

450

167

129

22

37

Amap
Brasil

1939

181

Amazonas

3.047
(2)

871

(2)

743

inclusive 435 t em p.

Em um clssico trabalho publicado por Rubens Rodrigues Lima,


em 1947, j se prenunciava a decadncia da indstria do timb
(LIMA, 1947). interessante mencionar que essa queda no decorria
ainda do avano do DDT, mas da extrao predatria das razes
do timb, da a recomendao pelo seu plantio (Tabelas 4 e 5). Em
levantamento realizado por aquele autor, foram encontradas cinco
usinas funcionando precariamente em Belm, por falta de matria-prima, mquinas desmontadas e remoendo resduos de antigos
beneficiamentos. Essas fbricas eram as seguintes:
Usina Tupi Simo Rof & Cia Travessa Benjamin Constant, 17.
Indstria Vegetal do Baixo Amazonas Passagem Padre Julio, s/n.
Usina Conceio Brasil Extrativa Rodovia Pinheiro, s/n.
J. Benzecri & Filho Travessa Magno de Arajo, 235.
Alto Tapajs S.A. Travessa do Timb, 1.051.
Tabela 4. Exportao de raiz de timb em p pelo porto de Belm, no
perodo de 19361946.
Ano

Quantidade (kg)

Valor (Cr$)

1936

863.108

3.597.815,50

1937

763.316

3.810.930,00

1938

994.310

5.316.624,10

1939

532.500

2.764.966,00

1940

437.000

2.415.215,00

1941

387.095

2.027.114,20

1942

102.545

950.231,90

1943

264.260

2.637.439,50
Continua...

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

58

Tabela 4. Continuao.
Ano

Quantidade (kg)

Valor (Cr$)

1944

56.750

708.195,50

1945

78.465

807.927,70

1946

80.110

1.251.261,20

Fonte: Lima (1947).

Tabela 5. Produo brasileira de timb em raiz (t) no perodo de 19381949.


Destino

1939

1940

1941

1942

Rio de Janeiro

1943

1944

1945

1946

7.300

5.300

8.045

45.000

23.490

13.700

30.000

So Paulo

600

850

500

500

3.050

10.000

Alemanha

4.500

Argentina

500

2.000

2.050

Estados Unidos

381.228

280.300

376.450

57.500

263.606

30.200

54.750

50.000

Frana

109.050

108.000

Inglaterra

Blgica

14.850

39.400

Itlia

50

Japo

9.000

Sucia

800

Rio Grande Sul

1.000

100

Pernambuco

41

100

Amap
Total

10

15

529.928

434.850

387.095

102.545

264.106

56.750

78.465

80.110

Fonte: Lima (1947).

A pulverizao das razes efetuada por essas fbricas consistia de


cinco operaes distintas, envolvendo fragmentao das razes,
moagem e pulverizao, seleo, homogeneizao, anlise, mistura
e normalizao em porcentagens certas de rotenona e extrato total.
Abertos os fardos de razes, estas so cortadas a faco nas pequenas
fbricas ou em mquinas cortadoras rotativas ou cortadores de
guilhotina. Os fragmentos de razes eram submetidos a moinho de
martelo pulverizadores, contidos em uma armadura para evitar a sada
do p, que girava com velocidade de 1,6 mil a 1,8 mil rotaes por
minuto. O grau de finura do p era controlado com peneiras de seda
(120mesh), retornando para o moinho aquelas de maior tamanho.
No perodo 1950 a 1959, ocorre a perda de importncia do timb
em face da entrada dos inseticidas sintticos (Tabela 6). O Estado
do Par ainda se destaca como maior produtor nacional, sempre em
quantidades decrescentes, seguido da perda de importncia do Estado
do Amazonas e a entrada do Estado do Maranho, como segundo
produtor nacional.

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

Tabela 6. Produo brasileira de timb em raiz (t), no perodo de 19501959.


Estados

1950

1951

1952

1953

1954

1955

1956

1957

1958

1959

Amazonas

25

Par

72

95

83

127

145

169

243

199

135

Amap

Maranho

16

24

30

21

18

Piau

Brasil

72

95

84

143

169

199

264

221

166

No perodo de 19601969, ocorre ainda a predominncia do Estado do


Par, sempre em quantidades decrescentes, e os estados do Maranho,
Amap e Minas Gerais, com tendncia decrescente, assumindo em
determinados anos como segundo produtor nacional (Tabela 7).
Tabela 7. Produo brasileira de timb em raiz (t), no perodo de 19601969.
Estados

1960

1961

1962

1963

1964

1965

1966

1967

1968

Amazonas

42

13

14

Par

13

Acre

1969

134

71

60

53

18

20

21

16

15

Amap

10

10

Maranho

32

43

19

Minas
Gerais

Brasil

183

93

84

97

73

50

37

26

28

28

O perodo de 19701979 caracterizado pela irregularidade na


extrao, com a dominncia do Estado do Par e o desaparecimento
da extrao nos estados do Amap, Maranho, Minas Gerais e Rio de
Janeiro (Tabela 8).
Tabela 8. Produo brasileira de timb em raiz (t), no perodo de 19701979.
Estados
Par
Amap

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

15

15

14

15

41

32

30

112

Minas
Gerais

Rio de
Janeiro

138

30

23

19

15

41

32

30

Maranho

Brasil

59

60

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A partir de 1985, desapareceram as estatsticas sobre a extrao do


timb no Anurio Estatstico do Brasil, destacando-se apenas o Estado
do Par como nico produtor, encerrando com 25 t (Tabela 9).
Tabela 9. Produo brasileira de timb em raiz (t), no perodo de 19801985.
Estados

1980

1981

1982

1983

1984

1985

Par

38

46

68

29

26

25

Brasil

38

46

68

29

26

25

A partir de 2001, comeam a ser registradas as importaes de extrato


de pretro e de razes contendo rotenona, de forma agregada, cujo
valor alcanou a cifra de mais de 192 mil dlares em 2010 (Tabela 10).
A importao procedente da Alemanha, Austrlia, China, Estados
Unidos, Frana, Itlia, Japo, Peru, Inglaterra e Sua. O valor das
importaes sugere a importncia de incentivar plantios de timb
para algumas comunidades selecionadas, para atender determinados
nichos de mercados.
Tabela 10. Exportao de raiz de timb em p pelo porto de Belm, no
perodo de 19361946.
Ano

Quantidade (kg)

Valor (Cr$)

2001

108.232

3.630

2002

44.618

5.049

2003

18.417

2.206

2004

9.533

2.025

2005

2006

12.851

75

2007

2.589

40

2008

817

11

2009

1.081

20

2010

192.385

4.918

2011

45.556

1.731

2012

136.526

2.426

2013

87.038

1.098

Fonte: Brasil (2014a).

Histrico das pesquisas com timb no


continente americano
Os Estados Unidos deram um grande avano nas pesquisas com
a domesticao da Derris elliptica (Roaxb) Benth, iniciando as
atividades na Agricultural Experiment Station da University of Puerto
Rico, em Rio Piedras, em 1931. Essas pesquisas passaram, em 1936,
para a Puerto Rico Experiment Station, vinculada ao United States
Department of Agriculture, em face da importncia estratgica para

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

a agricultura americana. Essa estao chegou a desenvolver tcnicas


de cultivos e publicou diversos manuais para orientar o seu plantio
(HIGBEE, 1948; MOORE, 1943; 1945).
Durante a dcada de 1940, na Estao Experimental Agrcola de Tingo
Maria, foram efetuados diversos estudos sobre cultivo e seleo de
clones procedentes dos rios Apurmac, Ucayali, Maraon e Huallaga,
com teor de rotenona que alcanava 8%. Destaque deve ser dado,
tambm, para o Instituto Qumica Agrcola Industrial de Iquitos, no
mesmo perodo, pela seleo de plantas com maior teor de rotenona
(HIGBEE, 1948).
O interesse pelo plantio do timb foi motivo de pesquisa em outros
pases e colnias, como Malaia Britnica, ndias Holandesas, Filipinas,
Taiwan, Guatemala, Nicargua e Equador. A Malaia Britnica chegou
a desenvolver variedades de Derris elliptica com alto teor de rotenona,
denominadas de Sarawak Creeping, Changi 1, Changi 2, Changi 3,
Singapore 1 e Singapore 2. A Changi 3 era considerada superior em
teor de rotenona e por sua adaptabilidade em diversos locais. A Good
Year Rubber Plantation Co. introduziu a variedade Changi 3 para o
All-Weather Estate, prximo de Ciricito, Panam, em 1935, visando
utilizar como cobertura viva nos plantios de seringueira. Esses clones
de Changi 3 por sua vez tinham sido trazidos dos plantios da Good
Year Pathfinder Estate em Kabasalan, Zamboanga, nas Filipinas.
Em 1940, esse material foi levado para Porto Rico e, em 1943,
para a Estao Experimental Agrcola do Equador, para a Estao
Experimental Agrcola de Tingo Maria, no Peru, para o Servio
Tcnico Agrcola de Nicargua, para o Instituto Interamericano de
Cincias Agrcolas (criado em outubro de 1942), em Costa Rica, para
o Instituto Agropecurio Nacional, na Guatemala, e para Canal Zone
Experiment Gardens, Summit, Panam.
No Brasil, logo aps assumir a direo do Instituto Agronmico
do Norte (IAN), em abril de 1941, Felisberto Cardoso de Camargo,
teve a ateno voltada para a pesquisa com timb, acreditando na
possibilidade de grandes cultivos para a produo de inseticida na
Amaznia.
A primeira providncia nesse sentido foi receber a coleo de plantios
de Lonchocarpus utilis (Derris nicou) e de Lonchocarpus urucu (Derris
urucu), pertencentes Seco de Fomento Agrcola do Ministrio
da Agricultura, existente no Horto Cipriano Santos, localizado
na ento Avenida Tito Franco, hoje Almirante Barroso, a qual foi
doada pelo agrnomo Francisco Coutinho de Oliveira, que chefiava
aquela unidade. Esse plantio foi efetuado pelo engenheiro-agrnomo
Raimundo Monteiro da Costa, entusiasta do timb e que trabalhara
na Concesso Ford, em 1936, a partir de coleta de material da regio
das Ilhas. Para isso, encarregou os agrnomos Milton Albuquerque e
Hugo Rangel de Borborema, que tinha sido uma espcie de diretor

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62

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

pro tempore do Instituto Agronmico do Norte no final de 1940 at a


chegada de Felisberto Cardoso de Camargo, para efetuar a transferncia
do material para as dependncias do IAN. Os clones de L. utilis foram
transplantados no perodo de 8 a 20 de agosto de 1942 e o de L. urucu,
no perodo de 31 de agosto a 10 de setembro de 1942. Na oportunidade
foi tambm transplantado o material disponvel na Vivenda Ximenes,
constitudo de L. utilis (Derris nicou), que foi plantado tambm por
Monteiro da Costa, no perodo de 15 de setembro a 24 de outubro de
1942 (RELATRIO..., 1943).
O tcnico E. C. Higbee (1948), da USDA, em visita a Belm, em 1942,
elogiou o trabalho do IAN na anlise de 232 plantas de Lonchocarpus
urucu (Derris urucu), com teor de rotenona variando de 2,2% a 11,2% e
148 plantas de Lonchocarpus utilis (Derris nicou), com teor de rotenona
variando de 0,9% a 20,1%. Outra observao de Higbee (1948) do
experimento do IAN que apesar de Lonchocarpus utilis (Derris
nicou) produzir maior teor de rotenona, produz pouca raiz, enquanto
a Lonchocarpus urucu (Derris urucu) produz maior quantidade de raiz,
da ser mais lucrativo para os agricultores. Higbee (1948) confessou
que levou esse experimento efetuado no IAN e montou na Estao
Experimental Agrcola de Tingo Maria, no Peru, em 1943.
A segunda prioridade acertada pelos pesquisadores do IAN foi
o desenvolvimento das pesquisas qumicas sobre o contedo de
rotenona. As indstrias de Manaus e de Belm efetuavam a moagem
das razes secas de timb em moinhos de martelo e o p resultante era
aspirado por ventiladores e vrias vezes repetido at resultar num p
finssimo, impalpvel. Nessa operao sobrava um resduo constitudo
de fibras, que a parte celulsica da raiz, antes desprezada. Havia um
conflito entre a anlise qumica de rotenona requerida pelas indstrias
que estavam interessadas na anlise do p e por aquelas interessadas
na parte agronmica, que devia identificar o contedo de rotenona da
raiz, bem como sua procedncia.
A Seco de Qumica, dirigida por Walter Baptist Mors, no perodo de
1943 a 1946, com a ajuda de Gerson Pereira Pinto, sofria de constantes
faltas de energia eltrica. Apesar de todas as dificuldades, efetuava
muitas anlises de razes de timb, bastando mencionar que, em 1946,
foram analisadas 33 amostras de timb-macaquinho (RELATRIO...,
1947). A anlise do contedo de rotenona das razes, mesmo nos
locais mais desenvolvidos na poca, como em Porto Rico, era um
processo lento e demorado, o que dificultava os trabalhos de seleo e
melhoramento dos clones de timb.
As pesquisas com timb tomaram grande impulso a partir de julho de
1947, quando a Seco de Qumica preparou um extenso programa
de pesquisa, envolvendo coleta de amostras para anlise, processo de
secagem, mtodos analticos, estudo da rotenona e dos rotenoides,
solubilidade, estabilidade e envelhecimento da rotenona, produtos da

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

decomposio, industrializao, fermentao e economia industrial.


A constante falta de energia eltrica e de pessoal exigia um tempo
mnimo de 3 anos para conseguir cumprir as metas estabelecidas
(RELATRIO..., 1948).
A parte agronmica tambm desenvolveu intensa atividade, sobretudo
pela incorporao de Rubens Rodrigues Lima a partir de 1945 que,
no ano seguinte, passa a trabalhar com o timb. Houve a montagem
de um grande experimento com duas espcies de timb (Derris urucu
e Derris nicou), com quatro espaamentos (1 m, 2 m, 3 m e 4 m) e
cinco pocas de arranquio (1 a 5 anos), em uma rea de 1 ha. Esse
experimento foi instalado no dia 20 de janeiro de 1947. Alm desse
experimento foi instalado um procurando avaliar a utilizao de timb
como adubo verde e outro de melhoramento do timb. O programa
de melhoramento procurava produzir um hbrido interespecfico
entre o timb-macaquinho (Derris nicou), que apresentava maior teor
de rotenona, mas pouca produo de razes, e o timb-urucu (Derris
urucu), com maior produo de razes e baixo teor de rotenona.
O grande desafio que o timb-macaquinho no florescia e era
importante induzir a florao (RELATRIO..., 1948).
Foi efetuado um esforo em ampliar o banco de germoplasma de timb,
que em 1947 passou a contar com nove espcies: Derris urucu (Killip
et Smith) Macbr, D. nicou, D. floribundus Benth, D. diacolor Huber,
D. spruceana Benth, D. amazonica Killip, D. rariflora (Mart et Benth)
Macbr, D. pterocarpa (D.C) Killip e D. elliptica Benth. Para suprir a falta
de laboratoristas, foi aberto um concurso cuja banca examinadora foi
oficializada no dia 18 de maro de 1947, com os seguintes membros:
Derson de Almeida (presidente), Benedito de Abreu S e Jos Maria
Hesketh Conduru. Derson de Almeida trabalhou no IAN no perodo
de 1946 a 1953, dedicado identificao de princpios ativos. Benedito
de Abreu S, que era colaborador emrito do IAN, no recebia nenhum
vencimento.
No perodo de 9 a 12 de janeiro de 1948, foi instalado um experimento
com timb-urucu e timb-macaquinho como adubo verde,
envolvendo trs espaamentos (1 m x 1 m, 2 m x 1 m, 2 m x 2 m) e
trs pocas de arranquio (3, 4 e 5 anos). Outros ensaios referiam-se
conservao de razes de timb por secamento em estufa de defumar
borracha laminada, enxertia de timb-macaquinho em timb-urucu
e vice-versa, polinizao controlada em timb-urucu e aplicao da
iluminao artificial em timb-macaquinho como tentativa para forlo a florescer (RELATRIO..., 1949). Experimentos posteriores com
emprego de hormnios nas gemas no conseguiram induzir a florao
e dessa forma a sua reproduo s pode ser feita por estacas, sendo
por isso considerado uma espcie tpica de cultura pr-colombiana
(LIMA; COSTA, 1998). Outro experimento desenvolvido pelo chefe
da Seo de Qumica, Derson de Almeida, envolvia a suspeita de no

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

ser a rotenona o princpio repelente que no manuseio das razes de


timb implicava no ataque das mucosas, irritao da pele e dores de
cabea dos laboratoristas, e suspeitava que algo voltil migrava com
gua ao secar o timb.
Em 1948, o IAN no intuito de disseminar o plantio de timb efetua a
distribuio de 21.250 estacas de Derris urucu para os agricultores ao
longo da Estrada de Ferro Bragana, 2.500 mudas de Derris nicou para
o Fomento Agrcola de Belm, 400 mudas para Porto Velho, 15 kg de
mudas para o Instituto Agronmico de Campinas e 20 kg de mudas
para o Estado do Cear, estas trs ltimas tanto de Derris urucu quanto
de Derris nicou (RELATRIO..., 1949).
Em 1949, a equipe da Seo de Melhoramento de Plantas do Instituto
Agronmico do Norte contava com George ONeill Addison, abalizado
professor de gentica na Esalq, contratado por Felisberto Cardoso
de Camargo como Chefe da Seco de Melhoramento de Plantas, e
os tcnicos Rubens Rodrigues Lima, Milton Albuquerque e Rosendo
Miranda Tavares, este ltimo trabalhou no IAN no perodo de 1944
a 1950. Em janeiro de 1949, foi efetuado o arrancamento de ensaios
de parcelas instaladas em 1947 de timb-urucu e timb-macaquinho,
ambos com 2 anos de idade. O teor de rotenona encontrado no
timb-urucu foi de 11,36% e no timb-macaquinho, de 11,57%. Esses
resultados, pela falta de maiores informaes, mesmo na atualidade,
revestem de grande valor apesar de no terem sido publicados (Tabela
11).
Tabela 11. Produtividade de razes de timb-urucu e timb-macaquinho,
em diferentes espaamentos e com 2 anos de plantio, em Belm.
Produtividade

Espaamento
1mx1m

2mx2m

3mx3m

4mx4m

Timb-urucu
P (kg)

0,601

0,977

1,634

1,739

Hectare (kg)

6.010

4.885

1.815

1.086

Timb-macaquinho
P (kg)

0,301

0,493

0,772

0,555

Hectare (kg)

3.010

2.465

857,53

376,87

Fonte: Relatrio... (1950).

Outro experimento realizado em 1949 visava determinao do nmero


de cromossomos de Derris urucu usando corante orcein-actico,
infelizmente no chegou a resultados conclusivos, especulando quanto
existncia de 22 cromossomos nas suas clulas haploides.
Em 1949, o IAN efetuou a distribuio de 20.750 estacas de timb,
sendo 2,5 mil de timb-macaquinho para a Seo de Fomento Agrcola
e 18.250 de timb-urucu, distribudas e plantadas pelos prprios

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

tcnicos do IAN nos roados ao longo da Estrada de Ferro Bragana


em continuao da campanha educativa para vulgarizar o uso do
timb-urucu como adubo verde mais apropriado para regenerar os
solos esgotados daquela regio.
Durante o ano de 1951, continuaram a coleta de material botnico,
procurando obter espcies com maior teor de rotenona. Em 1951,
destacam-se a concluso de trs trabalhos que no chegaram a ser
publicados, dois de autoria de Reinout Ferdinand Alexander Altman,
que trabalhou no IAN no perodo de 1951 a 1955, intitulados
Preliminary notes on the separation and identification of some volatile
components of rotenone bearing roots e Separation of an oil with
emulsifying properties from Derris root, e outro de Delson de Almeida
intitulado Processo de determinao de rotenona em funo de Cl4C de
cristalizao de solvato. Esses trabalhos cristalizavam a experincia
de uma dcada de pesquisa com timb no Instituto Agronmico do
Norte.
Contudo, a premonio da crise da substituio do timb pelos
inseticidas sintticos estava patente na reunio com os tcnicos do
Instituto Agronmico do Norte. Em resposta pergunta de Altman,
o diretor Felisberto Cardoso de Camargo, no dia 25 de julho de 1951,
afirmava que as referidas pesquisas continuam a ser de importncia,
ainda que este produto tenha perdido o seu interesse comercial. Somos
um instituto cientfico e, em primeiro lugar, trabalhamos em ajuda da
agricultura de modo geral. As constantes crises de energia eltrica,
falta de material e equipamentos, bem como da equipe, comearam
a trazer suas consequncias, que terminaram na criao de um clima
spero de trabalho. O qumico Derson de Almeida, em ofcio datado de
3 de setembro de 1951 ao diretor do IAN, solicita horrio de trabalho
especial de 12h s 18h, alegando que faltava luz na cidade e com isso
no tinha tempo para estudos, o que foi negado. O atrito com o chefe
da Seo de Qumica, R. F. A. Altman, levou sua transferncia para a
Seo de Botnica, depois de 16 anos de trabalho, e o seu desligamento
em 1953 (RELATRIO..., 1951; 1952).
A perda da importncia do timb como inseticida passa a conduzir as
atividades de pesquisa decorrente da fora da inrcia de seus membros
at o seu desaparecimento. Em 1952, divulgado o relatrio Anlise
fotoqumica dos timbs; extratos totais das razes de Derris urucu, de
autoria de Gerson Pereira Pinto, que trabalhou no IAN no perodo de
1946 a 1953 (RELATRIO..., 1953). Em 1954, era divulgado o relatrio
Extrao e identificao de um princpio voltil existente nos timbs
branco e urucu, de autoria de Hilkias Bernardo de Souza, que passou a
incorporar o IAN em 1950, tratando de algo que era uma preocupao
desde 1948, quanto aos sintomas alrgicos apresentados pelos
auxiliares de laboratrio (RELATRIO..., 1955). Em 1955, Hilkias
Bernardo de Souza consegue finalmente determinar o princpio txico
voltil do timb por meio do mtodo colorimtrico.

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Em novembro de 1953, o primeiro nmero da Revista Norte


Agronmico, de responsabilidade dos estudantes da Escola de
Agronomia da Amaznia, publicava um anncio sobre o Timborl
(Figura 2), um sabo para combate a pulgas, carrapatos, sarnas,
eczemas, feridas, e, em fim, todos os parasitos e dermatoses,
assegurando a higiene e beleza aos animais, contendo timb (NORTE
AGRONMICO, 1953, p. 73). O exemplar de dezembro de 1955 trazia
um artigo do professor Hilkias Bernardo de Souza e do estudante
Hlio Marinho Azevedo sobre Nova possibilidade de emprego do timb
como inseticida (SOUZA; AZEVEDO, 1955).
Figura 2. Anncio
sobre uso de timb para
combate aos parasitos e
dermatoses de animais
de estimao.
Fonte: Norte Agronmico
(1953).

Com isso, as pesquisas com timb entraram em estado de esquecimento


gradativo, destacando a publicao de dois extensos artigos, em 1959
e 1960, na prestigiada Revista Bragantia, do Instituto Agronmico de
Campinas, de autoria de Lus Otvio Teixeira Mendes, que trabalhou
no Instituto Agronmico do Norte no perodo de janeiro de 1942 a
dezembro de 1945, atuando durante 3 anos como diretor substituto
e chefe da Seco de Coordenao de Trabalho Experimental. No
primeiro artigo, publicado em dezembro de 1959, Teixeira Mendes
efetua uma avaliao de 253 plantas de timb-urucu, separando
plantas com maior teor de rotenona, que atinge 11,2%, as mais pobres
com 2,2% e a mdia de 6,07%. Em outro artigo, publicado em abril
de 1960, efetua a avaliao de 153 plantas de timb-macaquinho, em
que separou 82 plantas com teores de rotenona inferiores a 5% e 71
plantas com teores superiores a 9%. Nos dois artigos, Teixeira Mendes
agradece apenas aos qumicos Abraham Wolf van Dick, holands que
trabalhou no IAN no perodo de 1941 a 1943, Vital Fisher Gomes,
que trabalhou no perodo 19421943, e Walter Baptist Mors, fato
profundamente lamentado pelos tcnicos locais que trabalharam na
parte agronmica e perderam a oportunidade de efetuar essa avaliao.
O consolo que o timb perdera a sua importncia, com a perda de

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

todo material coletado. Esses dois trabalhos foram o canto de cisne da


pesquisa cientfica na primeira fase.
O interesse sobre o timb veio renascer em janeiro de 1984, quase
duas dcadas e meia depois, quando o chefe do Centro de Pesquisa
Agropecuria do Trpico mido (Cpatu), Cristo Nascimento, convidou
o professor Rubens Rodrigues Lima, j aposentado da Faculdade de
Cincias Agrrias do Par, para efetuar coleta de germoplasmas de
plantas amaznicas de cultura pr-colombiana (COSTA, 1996; LIMA;
COSTA, 1991).
Com isso, um novo banco de germoplasma de timb foi ativado no
Cpatu, com novas coletas efetuadas pelo Prof. Rubens Rodrigues
Lima, a partir de 1984. Pesquisadores dessa instituio sugerem a
explorao dessa espcie para uso em formulaes de defensivos
naturais, destacando-se a sua utilizao para controle de piolhos em
bubalinos, proposta pela equipe liderada por Norton Amador da
Costa, em substituio aos defensivos sintticos, que so muito txicos
e agressivos ao meio ambiente (INSETICIDA..., 1987; COSTA et al.,
1986). O extrato aquoso de timb diludo em porcentagem de 0,25%
a 2,00% seria pulverizado duas vezes com intervalo de 13 dias. Outra
importncia realada foi a utilizao do timb-urucu como excelente
protetor do solo pela sombra que projeta, pelo emaranhado de folhas
que desprende e pela riqueza de nodosidade nas razes, resultantes da
simbiose com Rhizobium, contribuindo para aumentar a fertilidade do
solo em nitrognio (LIMA; COSTA, 1998).
Essas coletas procederam at dezembro de 1988, tendo um saldo de
1.093 plantas matrizes, em vrias regies da Amaznia Brasileira,
no qual foram includas diferentes espcies de timb (timb-urucu,
timb-macaquinho, timboranas e timb-asitico). O timb-asitico
(Derris elliptica), que foi introduzido pelos imigrantes japoneses,
em Parintins, na dcada de 1930, foi intensamente utilizado pelos
pesquisadores para a determinao dos seus princpios ativos no
incio do sculo 20. As atividades de pesquisa do professor Rubens
Rodrigues Lima encerraram no final de 1989. Em 1994, foi extinto
o projeto e as colees de plantas medicinais foram invadidas pelo
mato, tendo desaparecido muitas das plantas coletadas. O interesse
pelo timb na agricultura orgnica tem despertado ultimamente a
realizao de pesquisas em centros de ps-graduao, destacando-se
a tese de mestrado de Jos Paulo Chaves da Costa, defendida em 1996,
na Faculdade de Cincias Agrrias e Veterinrias de Jaboticabal, da
Universidade Estadual Paulista, e a tese de doutorado de Herclito
Eugnio Oliveira da Conceio, na Universidade Federal de Lavras,
em 2000, ambos da Embrapa Amaznia Oriental (CONCEIO
et al., 2002; COSTA, 1996). A falta de continuidade das atividades
de pesquisa constitui em grande preocupao para os programas de
aproveitamento da biodiversidade na Amaznia. O discurso sobre a

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

importncia da biodiversidade da Amaznia no est combinando


com a prtica verificada (COSTA, 1996; LIMA; COSTA, 1991, 1997).

Concluses
A busca de praguicidas naturais que causem menores desequilbrios
ecolgicos e menores riscos para os aplicadores e para os consumidores
tem sido uma preocupao permanente, sobretudo a partir da dcada
de 1960.
O extrativismo da raiz de timb teve uma importncia econmica at
o advento da descoberta do DDT e de outros inseticidas sintticos. O
seu declnio, alm da competio com o aparecimento do DDT, esteve
relacionado, tambm, com a reduo dos estoques mais acessveis
nos estados do Par e do Amazonas. Foi iniciado o processo da
domesticao pelo antigo Instituto Agronmico do Norte, mas que
foi abandonado com a disseminao do uso do DDT e de outros
inseticidas sintticos.
O extrativismo do timb mostra o ciclo que muitas plantas potenciais
da biodiversidade amaznica podero seguir no futuro. So
transformados em recursos econmicos, expandem a sua extrao
ou so domesticados e depois podem desaparecer com a competio
de novos produtos e o deslocamento para novas reas produtoras.
Desaparecem e podem aparecer novamente com novos usos. Os
exemplos da biodiversidade do passado e do presente (pau-brasil,
cochonilha, carnaba, cacau, seringueira, leo de andiroba para
iluminao, jaborandi, guaran, etc.) ilustram essa assertiva. Nos
plantios efetuados no passado, a recomendao era a derrubada da
floresta densa para reduzir despesas com capinas, em uma poca
carente de mo de obra. A descoberta de substitutos sintticos afetou
o extrativismo do timb e a disseminao dos seus plantios racionais.
A identificao dos componentes qumicos do timb, desde a
publicao do primeiro relato sobre o uso dessa planta pelos indgenas,
em 1741, at a identificao da estrutura molecular em 1933,
consumiu quase dois sculos. Atualmente, possvel efetuar essas
identificaes em questo de meses, aumentando os riscos de perda
de direito de propriedade intelectual e do conhecimento tradicional da
biodiversidade da Amaznia.
Possveis acordos com pases tecnologicamente mais avanados no
estudo da biodiversidade no podem ficar restritos ao curto prazo
estabelecido para a coleta e identificao, mas tambm no longo prazo,
fora do mbito do contrato. Muitos produtos da biodiversidade perdem
a sua importncia, mas podem reaparecer depois de vrias dcadas. O
conhecimento sobre a biodiversidade cumulativo e multiplicativo,
extrapola a dimenso do presente. Mesmo nas clusulas comerciais de

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

exportao do produto devem constar as possibilidades de repartio


de possveis descobertas futuras, mesmo fora do prazo do mbito
contratual.
interessante mencionar que, nas dcadas de 1930 e 1940, as pesquisas
agronmicas e qumicas com timb tiveram um grande avano, em
Belm, no Instituto Agronmico do Norte, no Peru, em Porto Rico
e nas possesses britnicas e holandesas na sia. Toda essa memria
tcnica com relao a essas variedades foram perdidas, indicando
que no somente a biodiversidade por descobrir corre risco de
desaparecimento, mas tambm a biodiversidade do passado e do
presente. Muitas culturas anuais, como o feijo, pela sua diversidade,
com a modificao do mercado, a substituio de culturas tradicionais
por culturas de exportao, a expanso de novas atividades, o processo
de urbanizao, a perda da diversidade cultural com a extino
de espcies que fazem parte de hbitos religiosos ou do folclore,
entre outros, correm srios riscos de desaparecimento, sendo sua
multiplicidade muito maior que a dos ancestrais que a originaram,
com base mais estreita.
O interesse pela agricultura orgnica reacendeu a importncia do
timb e de outras plantas que apresentam carter inseticida. Dessa
forma, nichos de mercado esto surgindo, como na piscicultura e
na agricultura orgnica, com a importao desse produto do Peru,
da frica e da sia. O valor mximo importado em 2001, acima de
100 mil dlares, serve de indicativo quanto ao potencial de mercado
nacional a curto prazo e como planta para recuperar reas degradadas.

Anexo A
Decreto 1.259, de 3 de abril de 1934, do Governo do Estado do
Par, ditando medidas sobre a cultura e exportao do timb
O desembargador secretrio geral do Estado, respondendo pelo
expediente da Interventoria Federal, usando de suas atribuies legais,
e,
Considerando a necessidade que o Governo tem de zelar pela boa
aceitao dos produtos de exportao do Estado, com o que muito
lucrar em sua economia, promovendo o beneficiamento local de seus
produtos naturais ou cultivados;
Considerando ser a cultura e industrializao do timb, ora em
incio, de grande futuro para o Estado, pelas perspectivas de utilizao
que apresentam os produtos derivados;
Considerando que nem todas as variedades de timb, aqui
encontradas, tem o mesmo valor comercial ou industrial, havendo,
portanto, necessidade de proceder a seleo e aproveitar, unicamente,
as variedades que tiverem cotao no comrcio;

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Considerando, finalmente, o dever que tem o governo de fomentar a


cultura racional dessa planta, para fins industriais, com o objetivo de
desenvolver uma nova fonte de renda para o Estado.
Decreta:
Artigo 1 A cultura, comrcio e exportao do timb ficam, desta
data em diante, sujeitos regulamentao e fiscalizao da Diretoria
Geral da Agricultura, Indstria e Comrcio, dentro do estabelecido
neste decreto.
Artigo 2 Ser facilitada a cultura do timb a empresas ou pessoas
interessadas em sua plantao, mediante pedido e comunicao feitos
seo de Fitotecnia da Diretoria Geral da Agricultura, Indstria e
Comrcio, para efeito de registro, contendo, informaes do local, da
cultura, municpio, rea a plantar e nmero de ps por hectare.
Pargrafo nico As plantaes j existentes ficam sujeitas a este
registro, devendo os interessados fazer a devida comunicao seco
acima, dentro de sessenta dias contados desta data.
Artigo 3 Sero procedidos, na Estao Granolgica e em outros
campos de cultura, criados pela referida Diretoria Geral, estudos
cientficos sobre as diversas qualidades de timb existentes no Estado.
Artigo 4 De incio, s ser permitida a plantao das espcies de
timb, macaquinho e urucu, visto serem as que apresentam melhor
rendimento em seu princpio ativo, devendo, os interessados solicitar
Diretoria Geral de Agricultura, Indstria e Comrcio, sempre que haja
uma plantao a fazer, a designao de um agrnomo para verificar e
selecionar as variedades do timb a plantar.
Neste caso, a plantao desta variedade s ser permitida com as
mudas fornecidas pelas ditas estaes em primeira cultura, ficando
depois a cultura das mesmas espcies sujeitas a verificao oficial,
periodicamente, do rendimento em seu princpio ativo que deve dar.
Artigo 6 Fica proibida a exportao de toda e qualquer espcie de
timb em razes inteiras, devendo estas, para este fim, ser devidamente
preparadas: secas e reduzidas a p, ou triturao; acondicionadas em
barricas ou em latas de folhas de Flandres, hermeticamente fechadas.
Artigo 7 O timb s ser exportado acompanhado de um certificado
fornecido pela Diretoria Geral de Agricultura, Indstria e Comrcio,
mediante requisio do interessado a essa Repartio, pedindo exame
do produto a exportar.
O exame constar da dosagem da humidade e do princpio ativo
Rotenona.

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

Artigo 8 S ser permitida a exportao do timb em cuja anlise


se verifique a existncia do princpio ativo, em quantidades superiores
a 3,5% do produto convenientemente seco, coeficiente este inferior,
porm, ao exigido no artigo 5 tendo em conta a perda que se pode
verificar durante as operaes preparatrias do produto.
Artigo 9 A efetivao de qualquer embarque de timb sem o exame
e o certificado acima exigidos, sujeitar o seu proprietrio multa de
200$000, que ser cobrada em dobro nos casos de reincidncia.
Artigo 10 revogam-se as disposies em contrrio.
O Secretrio geral do estado assim o faa executar.
Palcio do Governo do Estado do Par, 3 de abril de 1934.
R. Nogueira de Faria, respondendo pelo expediente da Interventoria
Fausto Batalha, pelo secretrio geral.

Anexo B
Decreto 8.174, de 6 de novembro de 1941 Aprova as
especificaes e tabelas para a classificao e fiscalizao da
exportao do timb, visando sua padronizao
O Presidente da Repblica, usando das atribuies que lhe confere
o art. 74 da Constituio e tendo em vista o que dispe o art. 6o
do decreto-lei nmero 334, de 15 de maro de 1938, e o art. 94 do
regulamento aprovado pelo decreto n. 5.739, de 29 de maio de 1940,
decreta:
Art. 1 Ficam aprovadas as especificaes e tabelas para a classificao
e fiscalizao da exportao do timb, visando a sua padronizao,
assinadas pelo ministro de Estado dos Negcios da Agricultura.
Art. 2 Revogam as disposies em contrrio.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 1941, 120 da Independncia e 53
da Repblica.
Getlio Vargas
Carlos de Souza Duarte
DO. 08/11/1941.
Especificaes e tabelas para a classificao e fiscalizao da exportao
do timb, baixadas com o decreto n. 8.174, de 6 de novembro de
1941, em virtude das disposies do decreto-lei n. 334, de 15 de maro
de 1938 e do regulamento aprovado pelo decreto n. 5.739 de 29 de
maio de 1940.

71

72

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Art. 1. A classificao do timb (Lonchocarpus nicou, Aubl. Benth. e


Lonchocarpus urucu, Killip), para efeito de exportao, ser feita em
trs tipos, com os seguintes caractersticos:
Tipo 1 constitudo de p, resultante da moagem das razes, ou seja
timb pulverizado, de colorao natural, isento de matrias estranhas,
contendo no mnimo 5% (cinco por cento) de rotenona, 19% (dezenove
por cento) de extrativos totais e no mximo 10% (dez por cento) de
umidade, devendo as partculas respectivas passar integralmente em
peneiras de 200 (duzentos) fios por 645 (seiscentos e quarenta e cinco)
milmetros quadrados, ou seja uma polegada quadrada.
Tipo 2 constitudo de p, resultante da moagem das razes, ou seja
timb pulverizado, de colorao natural, isento de matrias estranhas,
contendo 4% (quatro por cento) de rotenona, 17% (dezessete por
cento) de extrativos totais e no mximo 10% (dez por cento) de
umidade, devendo 80% (oitenta por cento) das partculas respectivas
passar integralmente em peneiras de 200 (duzentos) fios por 645
(seiscentos e quarenta e cinco) milmetros quadrados, ou seja uma
polegada quadrada, e 99% (noventa e nove por cento) em peneiras
de 100 (cem) fios por 645 (seiscentos e quarenta e cinco) milmetros
quadrados, ou seja uma polegada quadrada.
Tipo 3 constitudo de pequenos fragmentos de razes trituradas,
ou seja timb triturado, de colorao natural, isento de matrias
estranhas, contendo 2% (dois por cento) de rotenona, 12% (doze
por cento) de extrativos totais e no mximo 10% (dez por cento) de
umidade, devendo as partculas respectivas passar integralmente por
peneiras de 12 (doze) fios por 645 (seiscentos e quarenta e cinco)
milmetros quadrados, isto , uma polegada quadrada, e ficar retidas
em peneiras de 25 (vinte e cinco) fios por 645 (seiscentos e quarenta e
cinco) milmetros quadrados, ou seja uma polegada quadrada.
Pargrafo nico. Todo timb pulverizado ou triturado que, pelo aspecto,
contextura e percentagem de elementos ativos, no corresponda aos
tipos a que alude o presente artigo ser classificado abaixo do padro.
Art. 2 A embalagem do timb ser feita em sacos de papel kraft
acondicionados em caixas de madeira.
Pargrafo nico. Sero assinalados, em cada saco ou invlucro o tipo e
o teor dos princpios ativos correspondentes.
Art. 3 Os depsitos para armazenagem do timb devem ser
cobertos, ventilados, iluminados e assoalhados ou de pavimentao
impermevel.

CAPTULO 2 - Timb: expanso, declnio e novas possibilidades para agricultura orgnica

Art. 4 Os certificados de classificao, respeitado o disposto no artigo


36 do regulamento aprovado pelo decreto n. 5.739, de 29 de maio de
1940, sero vlidos pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da
data de sua emisso.
Art. 5 As despesas relativas classificao e fiscalizao da exportao
de timb, e, bem assim, aquelas previstas no regulamento aprovado
pelo decreto n. 5.739, de 29 de maio de 1940, para trabalhos realizados
a requerimento ou por solicitao da parte ou partes interessadas,
sero cobradas de acordo com a tabela seguinte, por quilograma:
I Classificao (art. 80), inclusive emisso de certificado

$020

II Reclassificao (art. 39), inclusive emisso de certificado

$005

III Arbitragem (pargrafo nico do art. 84)

$050

IV Inspeo para os fins indicados nas alneas c e d do art. 79 $003


V Taxa de fiscalizao da exportao (art. 5 do decreto-lei n. 334,
de 15 de maro de 1938, e arts. 70, 81 e 82 do regulamento aprovado
pelo decreto n. 5.739, de 29 de maio de 1940), inclusive emisso de
certificado
$010
Art. 6 Os casos omissos sero resolvidos pelo Servio de Economia
Rural, com aprovao do Ministro da Agricultura.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 1941.
Carlos de Souza Duarte
DO 08/11/1941.

73

Apesar de a produo do leo essencial de pau-rosa (Aniba rosaeodora


Ducke) basear-se na extrao de um recurso natural renovvel, a
natureza de sua extrao, com o corte da planta-matriz, tem conduzido
a uma atividade no sustentvel. Isso acontece, tambm, em razo do
descompasso entre a taxa de extrao e a taxa natural de regenerao.
Os primrdios da utilizao do leo essencial de pau-rosa, at a dcada
de 1960, foram para a indstria de sabonetes e de perfumaria, como
fixadora de perfumes. A Perfumarias Phebo Ltda., fundada em 1932,
em Belm, Par, fabricante do conhecido sabonete Phebo e de cerca de
200 tipos de perfumes, tinha como componente bsico a utilizao do
leo essencial de pau-rosa. A escassez do produto fez com que seu uso
ficasse restrito perfumaria fina, por exemplo, como componente do
Chanel n 5, criado na dcada de 1920, pela estilista Gabrielle Chanel.

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Introduo1

No incio, a extrao do leo essencial de pau-rosa na Amaznia


concentrou-se na fronteira com os estados do Amazonas e do Par,
estendendo-se para as regies de Itacoatiara e Maus. At a dcada de
1970, a extrao de pau-rosa (Figura 1) expandiu-se para as regies de
Parintins, Santarm e nos rios Tapajs, Madeira, Aripuan, Negro e
Solimes, chegando at Iquitos, no Peru (GUENTHER, 1972).
Uma ideia do esgotamento pode ser estimada, considerando que, de
1937 a 2002, foram exportadas quase 13 mil toneladas de leo essencial
de pau-rosa. Sabe-se que 18 t a 20 t de madeira so necessrias para
produzir um tambor de leo (180 kg) e que uma rvore de porte
adequado pesa, em mdia, 1,75 t. O dimetro altura do peito
(DAP) das rvores extradas variava de 30 cm a 60 cm. As estimativas
de rendimento variam de 0,7% a 1,1% de leo essencial do peso da
madeira em tora de pau-rosa. Isso indica que necessrio 1 t de
tora para produzir 10 kg de leo essencial de pau-rosa. Estimando a
distribuio mdia de uma rvore para cada 5 ha e que, no mnimo,
825 mil rvores foram abatidas, pode-se concluir que mais de 4 milhes
1

Verso ampliada do artigo Homma (2003d).

B
Figura 1. rvore nova
(a) e adulta (b) de
pau-rosa, plantada
na propriedade do
Sr. Tomio Sasahara,
Municpio de Tom-Au,
Par.

76

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

de hectares de matas foram explorados. Mitja e Lescure (1996), em


levantamento realizado no Municpio de Presidente Figueiredo,
Estado do Amazonas, estimaram em 4 kg de essncia de linalol por
hectare de floresta.
Segundo Benchimol (1988), a reduo na intensidade de extrao com
o aparecimento do substituto sinttico tem permitido a regenerao
parcial da espcie, aproximando-se da taxa de manejo florestal. Enquanto
nas dcadas de 1940 e 1950, abatiam-se, em mdia, 20 mil rvores/ano,
na dcada de 1980 caia para 6 mil rvores/ano. Para Carvalho (1983),
conforme levantamento realizado na Floresta Nacional do Tapajs, em
rea de grande ocorrncia de rvores de pau-rosa, at o fim dos anos
1960, a regenerao tinha proporcionado rvores com at 20 m de
altura e um dimetro mximo de 15 cm, com uma densidade de 3,87
rvores/5 ha. Essa uma indicao de que os extratores de pau-rosa
esto abatendo rvores de pequeno porte nas antigas reas de extrao.
Quando a extrao do leo essencial de pau-rosa foi iniciada na
Amaznia Brasileira, em 1926, a Guiana Francesa ainda dominava o
mercado mundial do produto. Dada a extrao indiscriminada naquela
colnia francesa, em 1932, apenas trs destilarias estavam em operao
e a extrao era reduzida, o que levou sua extino e expanso da
produo amaznica. Naquela colnia francesa, a extrao de paurosa iniciou-se antes da Primeira Guerra Mundial, quando grandes
quantidades de toras eram embarcadas para destilao na Alemanha,
Frana e Inglaterra. Com a escassez de transporte martimo por ocasio
da Primeira Guerra Mundial, partiu-se para a destilao no prprio
local de extrao. Dessa forma, 50 destilarias do interior chegaram a
exportar, por ano, mais de 86 t de leo essencial de pau-rosa.
Nos estados do Amazonas e do Par, nas dcadas de 1930 e 1940,
mais de 40 usinas foram implantadas para processamento desse leo
essencial. Na dcada de 1950, havia cerca de 50 destilarias, a maioria
no Estado do Amazonas, variando a produo de 100 t at 600 t anuais,
dependendo da flutuao dos preos mundiais (KISSIN, 1952).
Em 1969, conforme levantamento realizado pela antiga
Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (Sudam), havia
53 usinas de destilao em funcionamento, sendo 3 no Par e 50 no
Amazonas (TEREZO et al, 1971). Em decorrncia do esgotamento das
reas mais acessveis e das baixas cotaes do produto, com a expanso
do produto sinttico, em 1971, esse total reduziu-se para 24 usinas,
sendo 9 no Par e 15 no Amazonas. Em 1980, segundo dados do Censo
Industrial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE),
esse nmero caiu para quatro estabelecimentos apenas no Estado do
Amazonas. Em 1988, seis usinas de destilao encontravam-se em
funcionamento2 (BENCHIMOL, 1988).
2
Informao pessoal fornecida por S. Benchimol ao pesquisador da Embrapa
Amaznia Oriental Alfredo Kingo Oyama Homma, em 28.10.88.

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

Ciclo de extrao, exportao e preo


do leo essencial de pau-rosa
Analisaram-se sete perodos distintos, relacionando extrao,
exportao e preos. As transformaes e as medidas polticas ocorridas
foram levadas em considerao para possibilitar o entendimento dos
fenmenos. Dessa forma, os esforos com vistas domesticao do pau-rosa e expanso dos substitutos sintticos constituem argumentos
importantes na explicao do processo extrativo de pau-rosa.
Os dados utilizados na anlise esto nas Tabelas 1 e 2. Os dados sobre
extrao, a partir de 1975, deixaram de ser coletados pelo IBGE. O
estudo a partir daquele ano baseia-se nos dados de exportao.

Dcada de 1920
A extrao de leo essencial de pau-rosa para fins industriais na
Amaznia comeou em 1926, com o esgotamento das reservas na
Guiana Francesa e a instalao da primeira usina em Juruti Velho, na
localidade de Taparap, Par. No primeiro ano de funcionamento,
exportou quase 16 t de leo essencial de pau-rosa. O beneficiamento
de pau-rosa foi a primeira agroindstria flora-qumica implantada na
Amaznia (BENCHIMOL, 1988).
O ambiente econmico era marcado pela escassez de alternativas
econmicas que se seguiu queda da economia da borracha. A
domesticao da seringueira no Sudeste Asitico, que passou a dominar
o mercado mundial da borracha, sugeria que plantios racionais do
pau-rosa poderiam alcanar sucesso semelhante. A despeito disso, a
existncia de estoques naturais funcionava como uma barreira para
qualquer esforo nesse sentido e a extrao indiscriminada de pau-rosa levou a ocupar a terceira posio na pauta de exportaes da
regio Norte. Sua extrao, s vezes, alcanava nveis superiores aos
que o mercado podia absorver. Em 1927, de 200 t extradas, 80 t
ficaram estocadas.
A grande competio entre extratores levava queda dos preos e
descontinuidade da produo nos dois anos seguintes, 1928 e 1929
(GUENTHER, 1972). Essas circunstncias justificavam a adoo de
medidas protecionistas. A preocupao com o esgotamento levou
os extratores do Estado do Amazonas a tomarem medidas a fim de
organizar e proteger essa indstria nascente. Supostamente, o potencial
existente era grande para a poca, apesar do desconhecimento de sua
dimenso exata.

Dcada de 1930
Em 9 de abril de 1932, o governo do Estado do Amazonas promulgou
o Decreto 1.455, que estipulava a quantidade de leo a ser produzida

77

78

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

anualmente e a obrigatoriedade do replantio pelas destilarias,


por rvore de pau-rosa abatida. Praticamente todos os extratores
subscreveram essa obrigao com prazo de validade de 5 anos e com a
inteno de renovar por outros 5 anos.
Uma cooperativa foi criada em 1932, no Estado do Amazonas, aps
superadas as dificuldades iniciais, resultando no Consrcio dos
Extratores de Essncias Vegetais. Em 1935, idntica medida foi adotada
pelo Estado do Par. Essa organizao passou a ocupar, com o tempo,
destacada influncia, se no monopolista, nos estados do Amazonas e
do Par. Atuando em estrita cooperao com o governo, o Consrcio
estabelecia, para cada ano, a quantidade mxima a ser exportada, a
correspondente quantidade a ser extrada e as cotas para cada membro.
Essa forma de controle de extrao identificava a proteo para os
membros do Consrcio, que exploravam um recurso de propriedade
comum transformando-o em propriedade privada. O Consrcio
atuava tambm como estabilizador de produo e de qualidade,
promovia vendas e incentivava as exportaes. Era uma organizao
de nove membros no Estado do Amazonas e seis no Par (KISSIN,
1952). Como resultado da obrigatoriedade do replantio, cerca de
28 mil rvores chegaram a ser plantadas, no perodo 1933 a 1943,
utilizando-se mudas obtidas por regenerao natural. Esse Consrcio
continuou sua existncia at 1944, quando a emergente demanda de
borracha vegetal pelos Estados Unidos e pases aliados atraiu toda a
mo de obra disponvel extrao do ltex, relegando a extrao de
pau-rosa para o segundo plano (TEREZO et al, 1971).

Dcada de 1940
No perodo que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, o governo
estabeleceu uma srie de medidas, como a de limitar a extrao em
torno de 100 t anuais de leo de pau-rosa e fixar as exportaes em
aproximadamente 80 t, com o objetivo de manter a demanda e o preo
em alta.
A despeito dessas recomendaes, a extrao mdia anual da dcada de
1940 foi de 256,6 mil quilos e uma exportao mdia anual de 188 mil
quilos. Os preos mdios de exportao apresentaram-se irregulares,
bem como as quantidades extradas e as exportaes.
O comrcio sofreu muito na poca da Segunda Guerra Mundial, em
decorrncia da paralisao dos negcios com a Europa, causando
irregularidades nas quantidades extradas e exportadas, a despeito da
valorizao da essncia de pau-rosa. A entrada do Japo na guerra,
em 1941, provocou a paralisao da extrao de linalol de rvores de
ho-oil (Cinnamomum camphora Sieb. var. linaloolifera Fujita), um
sucedneo extrado das florestas em Taiwan, desde 1920, provocando

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

grandes conflitos com as populaes rurais (GUENTHER, 1972). Essa


rvore encontrada tambm no Japo e na China. Com isto, o preo
alcanou, em pouco tempo para a moeda da poca, CR$ 100,00 o
quilograma e chegou a CR$ 200,00, assegurando lucros extraordinrios
para os extratores arregimentados nos Consrcios do Par e do
Amazonas.
Surgindo protestos e pedidos de todos os lados, o governo federal
retirou daquelas duas organizaes o direito de arbtrio exclusivo na
extrao e produo de essncia de pau-rosa. Aos interventores dos
estados do Amazonas e do Par cabiam autorizar ou negar a instalao
de novas usinas e fixar a cota de exportao de cada produtor (BASTOS,
1943).
Por causa das condies caticas advindas da Segunda Guerra Mundial,
no Estado do Amazonas, os extratores reuniram-se numa organizao
denominada Conferncia dos Produtores de leo de Pau-Rosa, que
foi amparada por legislao estadual (Lei 152, de 27 de dezembro de
1947) e reconhecida como rgo de consulta do governo estadual. A
Conferncia tinha como rgo executivo uma comisso permanente
e atuava, sobretudo, fixando semestralmente o preo mnimo para o
produto, com o intuito de firmar a situao dos exportadores em face
dos compradores e representando os interesses comuns da indstria
em relao ao poder pblico federal e estadual. A lei que amparou
os produtores de pau-rosa reconheceu a necessidade de seu plantio,
prescrevendo certas medidas para prevenir contra gradual extino
das rvores de pau-rosa. Dessa forma, o governo, em colaborao com
a Conferncia, estabeleceu que uma rvore deveria ser plantada para
cada 20 kg de leo vendido. O replantio seria feito sob a superviso de
uma entidade governamental, verificando-se o exato cumprimento da
lei (KISSIN, 1952; TEREZO et al, 1971).
Em 1947, foram extradas 193 t de leo de pau-rosa e as exportaes
absorveram parte do estoque do ano anterior, destinando-se metade
para a Europa e metade para os Estados Unidos. Contudo, em 1948,
o comrcio sofreu novamente, ficando praticamente paralisado por
causa da restrio extrema das compras inglesas, provocada pela
escassez de divisas naquele pas, e pela suspenso quase completa dos
negcios com os Estados Unidos, em consequncia da retrao desse
mercado na ocasio (KISSIN, 1952).

Dcada de 1950
As quantidades extradas e exportadas de leo essencial de pau-rosa
atingiram o mximo durante a dcada de 1950, com mdia anual de
408,2 mil quilos, e as quantidades exportadas com mdia anual de 297 t.
Em 1955, o ciclo da extrao atingiu o seu mximo, com 599 t, e, em
1951, registrou-se o maior volume exportado, 444 t.

79

80

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

As cotaes apresentavam tendncia crescente at 1954, para ento


decrescer at o final da dcada. Em 1951, a produo foi muito
estimulada pela aplicao do regime de compensao de cmbio
ao comrcio de leo de pau-rosa. Nesse ano, a maior parte do leo
exportado pelo Estado do Amazonas foi vendida ao preo mnimo
de US$ 1.388/tambor FOB. Isso permitiu lucros satisfatrios nas
vendas feitas com cmbio vinculado. Em 1951, os embarques nos
estados do Amazonas e do Par alcanaram quantidade recorde, sendo
interessante notar que mais de 100 t foram vendidas para a Inglaterra.
At a dcada de 1950, a extrao de pau-rosa foi crescente,
assemelhando-se da atual fase de extrao madeireira, na
incorporao de novas reas de extrao. Provavelmente, as reservas
mais acessveis e produtivas foram extradas. Os insucessos nas
tentativas de domesticao, os incipientes resultados das pesquisas
efetuadas nas dcadas de 1930 e 1940 e as incertezas no surgimento
do substituto sinttico foram as razes da manuteno do processo
extrativo.

Dcada de 1960
Durante a dcada de 1960, a quantidade anual mdia extrada foi
de 259,6 mil quilos e as exportaes anuais mdias de 196.926 kg,
semelhantes s da dcada de 1940. O setor comeava a evidenciar
sinais de esgotamento dos estoques de matrias-primas mais acessveis,
decorrente da intensidade da extrao. As cotaes para o perodo
foram relativamente baixas, uma vez que a escassez do produto natural
no levou a uma tendncia crescente dos preos, pois o vcuo foi
ocupado pelo similar sinttico.
A manifestao do esgotamento, evidenciada pela alta taxa de abate
de rvores, que consumia 20 mil rvores/ano, ensejou o incio do
desenvolvimento de pesquisas com vistas domesticao do pau-rosa
e a descoberta de outros sucedneos naturais contendo linalol.
Deve-se destacar as pesquisas realizadas durante a dcada de 1960
pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (Inpa), conseguindo
desenvolver com sucesso mtodos de propagao do pau-rosa,
tanto por semente como vegetativamente, por estacas, bem como o
aproveitamento integral de outras partes do pau-rosa, alm do tronco,
para a extrao da essncia. Contudo, ressalte-se a vulnerabilidade
da planta a pragas e doenas em plantios artificiais. Desse modo,
as pesquisas tm-se empenhado em efetuar triagens de plantas de
crescimento rpido e resistncia a pragas e doenas e que contenham
alto teor de linalol (ARAJO, 1967, 1971; VIEIRA NETO, 1972).

Dcada de 1970
O processo de domesticao prosseguiu na dcada de 1970, por
meio dos esforos da antiga Sudam, que vinha atuando na regio

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

de Santarm, Par, onde se faziam experimentos de povoamentos


homogneos em solos anteriormente explorados com pau-rosa. Ainda
no Par, o Museu Paraense Emlio Goeldi desenvolvia pesquisa para
encontrar sucedneos naturais para o pau-rosa e outras essncias. Um
exemplo desse substituto natural, pesquisado durante a dcada de 1970,
foi o Croton cajuara Benth., conhecido vulgarmente por sacaca,
sem sucesso prtico. rvore de porte pequeno, que contm linalol
em menor proporo que o pau-rosa; seu ciclo vegetativo permite
que com 5 anos j tenha condies de aproveitamento industrial
(PEDROSO, 1986; SAUERESSING, 1987). Alguns colonos nipo-brasileiros de Tom-Au chegaram a efetuar plantios experimentais
de pau-rosa na dcada de 1970, cujas rvores existentes testemunham
as oportunidades perdidas.
interessante mencionar que existem dezenas de plantas vulgares que
produzem linalol (bergamota, limo, jasmim, etc.). O grande problema
da extrao a partir dessas plantas para a utilizao na perfumaria fina
refere-se transferncia de odores de frutas, ao teor de gordura, a
serem, s vezes, irritantes para as vias respiratrias e a pele e a no
terem o bouquet indispensvel. O leo essencial de pau-rosa mpar
nesse sentido.
No campo de substitutos sintticos, o xito da sntese qumica nos
laboratrios americanos, no final da dcada de 1950, permitiu a
produo dos componentes bsicos do linalol e do acetato de linalila
(GOTTLIEB, 1957). Essa produo industrial, que passou a oferecer
ao mercado mundial o substituto do leo de pau-rosa a preos
bastante reduzidos, trouxe profundas modificaes na dcada de
1970 na extrao do produto natural. Como o linalol e o acetato de
linalila so sintetizados a partir de subprodutos petroqumicos, o
impacto da quadruplicao dos preos do petrleo, nos fins de 1973,
gerou a paralisao das unidades produtoras, da ocorrendo uma
brusca demanda mundial do produto natural, que causou elevao
especulativa do preo do leo essencial de pau-rosa, em princpios de
1974, para US$ 5.148,00/tambor.
Em 1974, como consequncia das altas cotaes do produto, houve
grandes esforos de extrao sobre os estoques remanescentes.
Contudo, as cotaes, j no segundo trimestre de 1974, registravam
queda para US$ 2.775,00/tambor e, meses depois, para menos de
US$ 1.189,00/tambor, com a reativao das unidades de produo
sinttica nos Estados Unidos e na Alemanha Ocidental, que passaram
a oferecer linalol a preos massificados de US$ 595,00 a US$ 714,00/
tambor (BENCHIMOL, 1977).
A introduo da motosserra na Amaznia, a partir de 1971, e a
abertura de estradas permitiram o acesso a novas reas, at ento
inacessveis, e a elevao da produtividade da mo de obra. Em termos
reais, o preo atingido em 1974 foi o maior desde a dcada de 1950.

81

82

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Essa euforia especulativa gerou, em funo da elasticidade-preo da


oferta, uma produo de mais de 500 t de leo de essncia de pau-rosa,
equivalente a quase 3 mil tambores, que no puderam ser escoados por
falta de mercado.
J no ano seguinte, o setor experimentava sbita queda de 46,23% nas
cotaes, que recaiu tambm sobre todos os leos essenciais no mundo.
Com isto, desencadeou-se a pior crise no comrcio de leo essencial
de pau-rosa, piorada pela acumulao de um estoque de 2,5 mil
tambores, que foram exaurindo, financeiramente, os exportadoresbeneficiadores, tragados pela alta dos juros e pela correo monetria
do penhor mercantil. As presses do setor terminaram por sensibilizar
o Banco do Brasil, que resolveu acudir o setor em julho de 1976,
com emprstimos a juro zero e opo de compra aps decorridos 12
meses (BENCHIMOL, 1977). Desse modo, essa queda na demanda
desestabilizou o setor de extrao de pau-rosa, cuja recuperao
tornou-se difcil, pois o leo essencial de pau-rosa, em virtude dos
altos custos de sua extrao, da expanso do substituto sinttico e do
esgotamento de suas reservas conhecidas, ficou restrito ao uso por
parte da perfumaria fina, com a perda de todo o mercado saboneteiro.
As importaes brasileiras de linalol e de acetato de linalila sintticos
so provenientes da Alemanha Ocidental, Sua, Estados Unidos,
Espanha, Frana, Japo, Holanda, Mxico e Itlia. As importaes
brasileiras de linalol mais que sextuplicaram e as de acetato de linalila
mais que triplicaram nestes ltimos 30 anos. O maior atrativo est
nos seus preos bem inferiores aos do produto natural, alm de serem
estveis e livres de variao da extrao caractersticas dos produtos
naturais. A exceo ocorreu em 1974, quando houve um aumento
abrupto em relao a 1973, de 88,15% e 85%, para linalol e acetato de
linalila sintticos, respectivamente, com a crise do petrleo (Tabela 1).
A estabilidade nos preos est condizente com a teoria de substituio
de recursos naturais. Esses so fatores importantes que permitem seu
uso em sabes, detergentes e em outras aplicaes industriais de uso
popular.
Tabela 1. Quantidade, preo e valor total das importaes de linalol e
acetato de linalila e preo de exportao de essncia de pau-rosa, no
perodo de 19732013.
Linalol

Acetato linalila

Preo
exportao
essncia
pau-rosa
US$/kg
FOB

Valor total
importaes
US$ CIF

Quant.
(kg)

Preo
US$/kg
CIF

Quant.
(kg)

Preo
US$/kg
CIF

1973

56.160

3,29

29.278

3,73

13,57

293.932

1974

30.516

6,19

18.899

6,90

19,77

319.321

1975

16.705

8,48

17.936

8,91

10,97

Ano

301.398
Continua...

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

Tabela 1. Continuao.
Linalol

Acetato linalila

Preo
exportao
essncia
pau-rosa
US$/kg
FOB

Valor total
importaes
US$ CIF

Quant.
(kg)

Preo
US$/kg
CIF

Quant.
(kg)

Preo
US$/kg
CIF

1976

44.519

6,52

36.100

7,13

11,75

547.897

1977

41.911

6,57

44.960

7,05

11,36

592.230

1978

14.944

6,95

23.545

7,06

10,80

270.132

1979

8.752

6,70

14.647

7,58

11,61

169.709

1980

36.051

6,82

29.310

7,98

5,38

479.814

1981

46.091

6,62

31.496

7,64

14,85

546.022

1982

61.685

6,28

33.299

7,47

13,92

639.068

1983

71.627

5,73

42.124

6,60

18,42

688.246

1984

79.679

5,29

33.299

7,47

14,87

670.033

1985

74.614

5,17

41.095

6,16

10,17

639.041

1986

99.576

6,67

56.538

7,51

10,4

1.089.129

1987

87.325

7,98

41.188

7,43

18,1

1.003.445

1988

112.579

8,13

40.162

8,78

24,3

1.268.109

1989

143.614

7,66

57.965

8,36

27,5

1.585.093

1990

131.527

7,74

55.554

8,70

30,4

1.501.120

1991

164.359

7,51

47.599

8,70

32,3

1.647.571

1992

125.897

7,86

38.605

9,91

23,7

1.364.465

1993

148.966

7,54

61.696

9,17

36,6

1.689.393

1994

160.778

7,76

76.847

8,83

23,9

1.926.121

1995

187.046

8,89

87.436

9,91

29,5

2.529.998

1996

235.233

8,89

73.963

10,77

27,3

2.887.034

1997

247.281

8,09

93.150

9,68

38,2

2.902.829

1998

274.768

7,85

73.963

10,77

44,4

2.954.811

1999

265.241

7,56

92.013

8,55

39,3

2.791.410

2000

260.981

7,57

99.359

7,37

33,0

2.707.825

2001

311.926

5,86

111.168

6,05

31,9

2.500.220

2002

360.670

4,89

109.176

5,80

30,4

2.398.125

2003

344.639

5,39

120.679

5,76

34,2

2.553.136

2004

411.967

5,57

160.063

5,83

49,7

3.228.513

2005

409.789

5,31

147.359

5,79

67,9

3.032.084

2006

497.166

5,09

181.204

5,57

97,83

3.538.483

2007

483.815

4,95

172.804

5,37

81,58

3.321.460

2008

471.530

5,55

206.956

5,53

108,40

Ano

3.762.659
Continua...

83

84

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 1. Continuao.
Linalol

Acetato linalila

Preo
exportao
essncia
pau-rosa
US$/kg
FOB

Valor total
importaes
US$ CIF

Quant.
(kg)

Preo
US$/kg
CIF

Quant.
(kg)

Preo
US$/kg
CIF

2009

598.382

6,81

220.298

7,07

106,10

5.631.817

2010

705.130

6,27

245.280

6,86

116,90

6.104.303

2011

507.248

7,58

249.648

8,29

163,65

5.914.527

2012

710.743

7,33

333.261

8,01

123,33

7.881.650

2013

661.100

6,61

304.633

7,95

192,64

6.794.829

Ano

Fonte: IBGE (2012b); Brasil (2014c, 2014b).

A demanda mundial, que girava em torno de 1,5 mil tambores anuais,


caiu para menos de 300 tambores. A quantidade mdia anual exportada,
na dcada de 1970, caiu para 170.111 kg. Assim, em 1976, os estoques
em poder do Banco do Brasil, excedendo 2 mil tambores, atravessaram
os 5 anos de crise estrutural, pois os contratos assinados incluam
clusula de paralisao da atividade extratora (BENCHIMOL, 1977).
Aps a grande queda nas cotaes em 1975, as exportaes reduziram-se ao nvel mais baixo desde 1943, o que contribuiu para a elevao
dos preos. Houve crescimento nas quantidades exportadas no
quinqunio 19761980, notadamente dos estoques acumulados.
O que se verificou, em 1975 e nos anos seguintes, ilustra as propores
da crise de mercado para um recurso natural em face do esgotamento
das reservas mais acessveis e da retrao da demanda, frente
existncia de um substituto sinttico que tem mostrado estabilidade
nos preos. Com essa competio, os preos do leo de essncia de
pau-rosa apresentaram tendncia irregular, alm da perda do mercado
para o substituto sinttico, uma vez que no ocorreu o processo de
domesticao. Dessa forma, a partir de 1975, o setor de extrao entra
numa aguda crise conjuntural com a retrao da demanda simultnea
reduo das atividades de extrao.

Dcada de 1980
A quantidade mdia anual exportada, no perodo 19801985, caiu
para 103.331 kg, prevalecendo a tendncia decrescente desde a dcada
de 1960. Apesar de as cotaes mostrarem-se relativamente elevadas,
os preos reais, com exceo do de 1983, mostraram-se semelhantes
aos das dcadas anteriores.
O volume exportado, em 1980, o maior desde 1975, fez com que
casse a cotao do produto e se reduzissem as exportaes nos 2 anos

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

seguintes. Essa reduo nas exportaes contribuiu para o aumento


das cotaes e, consequentemente, para o aumento nas exportaes
no binio 19831984, para novamente cair na fase descendente de
exportao/cotao. At 1982, os preos mantiveram-se irregulares,
para voltar a subir abruptamente, em 1983, e cair bruscamente nos
anos seguintes. O sbito aumento na demanda e no preo do leo
essencial de pau-rosa em 1983, por parte das perfumarias francesas
e americanas, decorreu ao incndio da fbrica de linalol de Givaudan,
na Sua, com a perda de estoques do linalol e do acetato de linalila
existentes. A instabilidade do mercado, decorrente da concorrncia
do substituto sinttico, constitui uma das causas. Em 1986, apesar de
manter a cotao similar do ano anterior, as exportaes reduziram-se 47,61%.
A exausto das reservas mais acessveis exige penetrao de 10 km a
20 km das margens dos rios para o interior da mata, o que, alm de
penoso, aumenta consideravelmente o custo da extrao. O corte das
toras de pau-rosa e o seu transporte at as margens dos rios navegveis
exige extremo sacrifcio do homem-extrator que transporta as achas
de pau-rosa de 1 m de comprimento nas costas, ou puxados por um
cip ou corda. Por isso, poucos so os caboclos que se desafiam
extrao de madeira no interior da selva, preferem extrair madeira nas
vrzeas ou prximos delas. Assim, mesmo com preos favorveis, de
US$ 4.757,71 a US$ 5.154,18 por tambor, em 1988, o setor de extrao
no conseguiu produzir mais que 800 tambores.
Deste modo, a partir da dcada de 1980, o leo natural de pau-rosa
no mais usado na indstria saboneteira (que representou o grosso
de demanda), apenas na indstria de perfumaria. O leo natural de
pau-rosa vale hoje mais pela sua fragrncia e odor (nota madeira) do
que por seus 85% de linalol contido, a despeito de o sinttico possuir
100% de linalol. Com a escassez do leo essencial de pau-rosa, no se
utiliza o leo natural para extrair o linalol nele contido como fixador,
mas utiliza-se por suas qualidades de odor e fragrncia. Ocorre
tambm que as grandes empresas de perfumaria que manipulam as
frmulas dos bouquets (mix de essncias) misturam o sinttico com
o produto natural geralmente na base de 70% sinttico e 30% natural
(BENCHIMOL, 1988). Esse fato caracteriza a complementaridade
que o produto natural passou a ter e a formao de mercado distinto,
destinando-se o produto natural exclusivamente perfumaria fina.
Por sua vez, a diferena de localizao entre as reas de maior
intensidade de expanso da fronteira agrcola, bem como o processo
de povoamento com as reas de ocorrncia de pau-rosa, permitiu que
as reservas disponveis decrescessem mais do que a prpria extrao.
Apesar da caracterstica aleatria da descoberta de novas reservas de
pau-rosa, desde que a diferena entre o preo e o custo de extrao
fosse correspondente ao custo da descoberta do recurso, a preferncia

85

86

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

era por permanecer na extrao. Dessa forma, pode-se evidenciar que,


com uma sbita melhoria nas cotaes, os extratores remanescentes
procuram aproveitar as circunstncias do mercado, tentando descobrir
novas reservas ou adentrar para reas mais distantes das margens dos
rios.
A extrao do recurso natural, mesmo quando o preo do produto
supera o custo de extrao, dificilmente levar sua extino integral.
O final da extrao econmica do recurso anteceder o da sua extino,
mediante a dificuldade da localizao e a rarefao, por serem reas
de difcil acesso, distantes e pela perda da economia de escala. O
esgotamento total do recurso extrativo, ou de coleta ou aniquilamento,
raramente ser observado com a extrao econmica.

Dcada de 1990 e o novo milnio


Durante as dcadas de 1980 e 1990, os preos mantiveram tendncia
crescente, atingindo o mximo em 1998, com US$ 7.986,00/tambor.
O alto preo do leo de pau-rosa e o seu esgotamento passam a ser
enfatizados em diversos programas governamentais com vistas ao seu
plantio racional. Novas tcnicas, visando a extrair o leo de pau-rosa
das folhas e galhos sem derrubar as rvores, passam a ser enfatizadas
nas pesquisas conduzidas pelo Inpa e pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) (MAIMO, 2000).
A partir da dcada de 1990, a essncia do pau-rosa e a sua presena em
perfumes finos passam a ser questionadas quanto ao aspecto tico da
forma como extrada. As grandes empresas de perfumarias passaram
a se especializar em atender crescente demanda do consumidor
natural. Multinacionais francesas como Yves Rocher, Biotherm,
Clarins e Ushua, a inglesa The Body Shop e as americanas Rose Brier
e Mahogany passaram a dedicar-se venda de cosmticos com base
natural (ROSEWOOD..., 1995). Muitas dessas empresas tiveram o seu
sucesso associado com a defesa da proteo ambiental e dos animais,
dos direitos humanos, das parcerias com comunidades carentes, da no
utilizao de animais nos seus testes de laboratrio e de buscar uma
qualidade natural e teraputica dos cosmticos, recorrendo a insumos
naturais renovveis e conservando os recursos naturais. O sentido do
mercado global associado para os produtos at ento com mercados
exclusivamente locais. Na onda ecolgica, cresceu tambm o mercado
de plantas medicinais e aromticas, de modo que o Mercado do Vero-Peso, em Belm, Par, ganhou fora entre as barracas de cheiro e,
frente delas, as barracas de mandingueiras, constituindo em sucesso de
programas de televiso (BEZERRA, 2003).
O processo de esgotamento dos estoques de pau-rosa fez com que
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renovveis (Ibama) editasse a Portaria 01/98, em 18 de agosto de 1998,
regulamentando a explorao, industrializao e comercializao do

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

pau-rosa no Estado do Amazonas (BRASIL, 1998). Essa portaria


estabeleceu o abate de rvores com DAP superior a 20 cm e o plantio
de 4 rvores por metro cbico de matria-prima em 1998, de 8
rvores a partir de 1999 e, a partir de maio de 2000, as empresas que
industrializam pau-rosa devero ter implantados plantios equivalentes
ao consumo anual. Atualmente, estima-se que existem cerca de 42 mil
mudas de pau-rosa plantadas no Estado do Amazonas. A tendncia
crescente do valor do produto exportado foi acompanhada pelo
declnio da quantidade extrada (FERREIRA, 2002).
No Brasil, a incorporao da proteo ambiental na indstria de
cosmticos perceptvel em grandes empresas e tambm nas pequenas
indstrias comunitrias. Em 1993, foi fundada a Associao de Silves
pela Preservao Ambiental (Aspac), no Municpio de Silves, Estado
do Amazonas, antiga regio extratora de leo de essncia de pau-rosa,
e em 1999 foi criada a Associao Vida Verde da Amaznia (Avive)
com o objetivo de elaborar uma proposta de projeto comunitrio para
o desenvolvimento de uma linha de produtos naturais aromatizados
com os leos essenciais regionais. Com a colaborao de instituies
de pesquisa, do Fundo Mundial para a Vida Selvagem e do governo da
ustria, foi implantada uma Reserva de Desenvolvimento Sustentvel
(RDS), por meio do Edital 4 do Fundo Nacional do Meio Ambiente
(FNMA), em 2001. Utilizando equipamentos de rapel para a coleta
de sementes, folhas, galhos e cascas de rvores, alm de outros
equipamentos para a destilao e o preparo de leos (capacidade de
20 L), passaram a plantar espcies nativas aromticas, ao mesmo tempo
em que desenvolviam novas linhas de produtos e de embalagens.
Em 1993, a Amaznia Legal contava com 10 usinas em funcionamento,
gerando 1,5 emprego por cada tambor de essncia beneficiado. Apesar
do rigor da legislao trabalhista, so poucas as reclamaes na
justia, denotando um desinteresse dos filhos dos antigos extratores
no trabalho com o pau-rosa. Uma tradicional firma de extrao, a
Francisco Ianuzzi, sediada em Parintins, no incio da dcada de 1990,
produzia 150 a 200 tambores/ano3.
Em 2003, a despeito da grande procura de leo essencial de pau-rosa, existiam apenas sete destilarias em funcionamento no Estado
do Amazonas. A extrao efetuada em terras pblicas do Estado
do Amazonas, sobretudo na bacia dos rios Jatapu e Nhamund, e do
alto rio Trombetas, no Estado do Par4. Houve melhoria do processo
tecnolgico, com a utilizao de equipamentos de extrao madeireira
usados para o transporte de toras, mediante arraste com abertura de
estradas, permitindo distanciar das margens dos rios.
3
Informao pessoal sobre a economia do pau-rosa fornecida por A. Ianuzzi em
Belm, PA, em 27.10.1993.
4
Informao pessoal sobre a economia do pau-rosa fornecida por M. G. da C.
Mota em Belm, PA, em 3.4.2003.

87

88

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A busca de substitutos culmina com o xito da domesticao da


pimenta-longa (Piper hispidinervum C.DC), identificada pelos
pesquisadores do Museu Paraense Emlio Goeldi, e da domesticao
e dos tratos culturais efetuados pelos pesquisadores da Embrapa
Acre e da Embrapa Amaznia Oriental. Os plantios comerciais j
esto sendo desenvolvidos no Estado do Acre e, no Estado do Par,
foi realizado em carter experimental, no atraindo produtores, em
razo da competio com outras alternativas econmicas (MAIA et al,
2002; CAVALCANTE, 2002). No perodo de 27 e 28 de junho de 2000,
foi realizada em Manaus a 1 Reunio Temtica sobre Conservao
e Utilizao de Populaes de Pau-rosa, patrocinada pela Embrapa
Amaznia Ocidental e pelo Inpa.
A busca de substituto para o pau-rosa est sendo feita em grande
escala na China, na Provncia de Xiamen, em grandes plantios de
Cinnamomum camphora, com o domnio da cultura de tecidos e da
propagao vegetativa, visando um mercado atual de 30 mil toneladas
de linalol. Somente uma empresa de perfumaria, a Xiamen Peony
Fragrancy & Chemicals Co. Ltd, pretende expandir seus plantios para
20 mil hectares de Cinnamomum camphora.
As quantidades importadas de linalol e acetato de linalila durante as
dcadas de 1980 e 1990 tm sido crescentes, com valor mximo de
importao em 1998, com US$ 2.954.811, o que mostra o mercado
potencial para o plantio racional de pau-rosa. Os preos de linalol tem
se mantido constante, com pequenos acrscimos, no acontecendo o
mesmo com o acetato de linalila.

Consideraes finais
A anlise dos preos de exportao, no perodo 19372011 (Tabela
2), mostra uma caracterstica irregular. Para um produto que vem
apresentando o esgotamento das reas mais acessveis, seria esperada
tendncia crescente nos preos, para haver uma compensao
intertemporal, conforme o Princpio de Hotelling. Porm, esses preos,
no perodo 19421974, mostraram tendncia decrescente. Os preos
comeam, realmente, a mostrar uma tendncia crescente somente a
partir da segunda metade da dcada de 1980. Essa tendncia aproxima-se do enunciado por Pindick (1978), de que os preos de recursos
naturais tenham a forma de U, isto , decrescem para ento subir.
Tabela 2. Produo e exportao de leo de essncia de pau-rosa, no Brasil,
no perodo de 19372013.
Extrao
Ano

1937

Quant.
(t)
160

Exportao

Valor
(Cr$ 1.000)

5.059

Quant.
(kg)
130.706

Valor (US$)
FOB

Valor
(Cr $ 1.000,00)

Preo
mdio
US$/
Tambor

Continua...

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

Tabela 2. Continuao.
Extrao
Ano

Quant.
(t)

Exportao

Valor
(Cr$ 1.000)

Quant.
(kg)

Valor (US$)
FOB

Valor
(Cr $ 1.000,00)

Preo
mdio
US$/
Tambor

1938

109

3.738

92.789

1939

167

6.625

185.177

1940

220

8.642

197.000

10.267

1941

324

24.411

275.000

21.289

1942

268

39.252

153.000

22.746

1943

170

24.502

67

1944

335

34.850

306.000

37.977

214

1945

167

20.013

66.000

11.615

618

1946

481

76.210

332.000

58.662

611

1947

193

16.593

210.000

26.517

425

1948

103

8.025

60.000

6.085

341

1949

305

25.083

281.000

25.642

307

1950

590

22.579

335.000

40.115

403

1951

356

32.135

444.000

68.073

1.388

1952

265

33.930

145.000

22.511

1.586

1953

478

58.630

332.000

55.012

1.280

1954

454

61.039

268.000

65.167

2.731

1955

599

153.866

360.000

149.360

3.015.000

1.507

1956

342

76.424

288.000

111.788

2.157.000

1.348

1957

293

66.566

181.000

75.687

1.307.000

1.300

1958

272

101.648

111.000

54.850

584.000

947

1959

433

112.264

326.000

185.117

1.239.000

684

1960

289

103.245

157.000

116.711

638.000

733

1961

221

93.852

174.000

161.537

649.000

688

1962

157

86.116

95.000

184.979

506.000

1.054

1963

134

160.806

61.000

213.442

383.000

1.136

1964

205

725.449

102.000

634.578

474.000

861

1965

283

1.030.316

241.000

1.922.294

1.052.000

780

1966

256

1.348.350

204.000

2.135.263

980.000

867

1967

346

2.078.482

311.000

4.346.997

1.657.000

935

1968

377

2.793.659

336.700

5.051.605

1.554.000

841

1969

328

3.000.240

287.560

5.085.000

1.290.000

790

1970

321

2.493.000

280.963

5.262.000

1.151.000

711

1971

155

2.095.000

217.000

4.499.000

849.000

678
Continua...

89

90

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 2. Continuao.
Extrao
Ano

Quant.
(t)

Exportao

Valor
(Cr$ 1.000)

Quant.
(kg)

Valor (US$)
FOB

Valor
(Cr $ 1.000,00)

Preo
mdio
US$/
Tambor

1972

175.000

5.713.000

963.000

1.159

1973

244.000

20.131.000

3.312.000

2.674

1974

313.657

40.654.328

6.201.681

3.292

1975

500

95.000

8.323.000

1.042.000

1.770

1976

18.000

2.257.772

211.600

2.116

1977

116.660

18.346.646

1.325.293

2.045

1978

116.923

22.656.283

1.262.918

1.944

1979

123.909

35.692.420

1.439.042

2.090

1980

155.020

93.267.961

834.570

969

1981

56.155

70.377.561

834.120

2.674

1982

59.445

131.160.838

827.472

2.506

1983

110.410

1.205.041.085

2.033.917

3.316

1984

146.705

3.133.414.371

2.182.318

2.678

1985

92.255

4.593.378.598

938.065

1.830

1986

48.332

500.243

1.863

1987

39.386

713.984

2.263

1988

94.876

2.305.986

4.375

1989

78.435

2.154.335

4.944

1990

59.772

1.815.366

5.467

1991

73.512

2.374.952

5.815

1992

77.996

1.845.844

4.260

1993

51.410

1.882.128

6.590

1994

59.684

1.429.206

4.310

1995

59.095

1.740.476

5.301

1996

47.443

1.293.239

4.907

1997

45.954

1.756.940

6.882

1998

35.456

1.573.011

7.986

1999

39.901

1.567.379

7.071

2000

31.557

1.041.292

5.939

2001

29.980

957.082

5.746

2002

22.816

694.245

5.477

2003

32.398

1.108.920

6.161

2004

29.453

1.462.742

8.939

2005

38.528

2.615.774

12.221
Continua...

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

Tabela 2. Continuao.
Extrao
Ano

Quant.
(t)

Exportao

Valor
(Cr$ 1.000)

Quant.
(kg)

Valor (US$)
FOB

Valor
(Cr $ 1.000,00)

Preo
mdio
US$/
Tambor

2006

21.137

2.067.863

17.610

2007

36.119

2.946.676

14.685

2008

21.137

2.291.333

19.513

2009

16.955

1.798.841

19.097

2010

4.164

486.762

21.042

2011

3.316

542.680

29.458

2012

1.080

133.200

22.200

2013

2.075

399.730

34.675

Fonte: IBGE (2012b); Brasil (2014b, 2014c).

A despeito da tendncia decrescente verificada aps a dcada de


1950, considerando o gradativo esgotamento das reservas acessveis
e a consequente desativao das usinas de destilao, houve sensvel
esforo de extrao em 1974, com o aumento das cotaes, tendo a
extrao de leo essencial de pau-rosa atingido a marca de 500 t.
A imperfeio do mercado, o aparecimento do substituto sinttico
e a expanso de cultivos de Cinnamomum camphora, especialmente
na China, fizeram com que fosse ocupado o vcuo do esgotamento
da essncia de pau-rosa. A dependncia da extrao de pau-rosa de
estoques de rvores existentes na natureza limita a sua expanso e a
gerao de renda e emprego para a Amaznia. A melhoria do mercado
pode intensificar o esforo de extrao e explorao, obtendo um
aumento temporrio na quantidade extrada. Isto indica que os recursos
extrativos vegetais no so extrados at sua exausto e termina por
levar ao abandono da atividade extrativa, pelo surgimento de outras
alternativas econmicas e do desequilbrio quanto capacidade de
regenerao da espcie vegetal.
No caso da extrao do pau-rosa, a incerteza na demanda do produto
parece que sempre esteve presente. Pode-se conjecturar que essa
incerteza manifestava-se pelo receio da perda de mercado com a
entrada de outro produto natural, com a competitividade com os
prprios extratores e, posteriormente, com o aparecimento dos
sintticos. Dessa forma, o desempenho dos extratores de pau-rosa com
vistas em intensificar a extrao no presente coerente com a averso
ao risco quanto demanda futura (WEINSTEIN; ZECKHAUSER,
1975).
No final da dcada de 1950, a tecnologia da sntese qumica do linalol
e do acetato de linalila trouxe nova incerteza quanto desvalorizao

91

92

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

da essncia natural, que passa a substituir o produto natural, levando


a grande queda de preos na dcada de 1970. Esse aspecto confirma
o carter preditivo da tendncia de preo em situao de incerteza na
data do aparecimento do substituto (DASGUPTA; STIGLITZ, 1981).
Acrescenta-se, ainda, o fato de a averso ao risco dos extratores levar
intensificao da extrao do recurso no presente (HEAL, 1975). Desse
modo, se no tivesse aproveitado por completo a essncia de pau-rosa,
com o aparecimento do substituto industrial, a regio teria perdido em
termos de receitas de exportao acumulada, no ltimo meio sculo,
cerca de 70 milhes de dlares. A descoberta do substituto sinttico
do leo essencial de pau-rosa teve efeito positivo em evitar a sua
destruio em maior escala.
O interesse pelo plantio domesticado em carter empresarial ficou
restrito s experincias realizadas nas dcadas de 1930 e 1940, dado
o receio do desaparecimento dessa atividade bastante promissora na
poca. Esses plantios foram realizados com a finalidade de cumprir
uma legislao, porm no tiveram resultados animadores. A carncia
de informaes de pesquisa relacionadas com o cultivo da espcie
dificultava as aes tendentes domesticao do pau-rosa.
A sntese do linalol, antes que se processasse a domesticao,
desestimulou, tambm, as iniciativas com vistas a efetuar plantios
racionais. A precariedade dos conhecimentos tecnolgicos para
efetivar grandes plantios homogneos de pau-rosa e o longo tempo
necessrio para atingir a idade adulta aumentavam as dificuldades em
relao matria-prima.
Nesse sentido, a domesticao e a expanso de plantios de pau-rosa,
frente existncia de um substituto industrial, revelam-se bastante
difceis. Essa possibilidade s se tornar vivel se a pesquisa alcanar
considervel aumento na produtividade e, assim, possibilitar a produo
da essncia natural a custos inferiores aos do similar industrial, com o
crescimento dos custos industriais do produto sinttico ou a tendncia
da volta aos produtos naturais, tornando o leo de pau-rosa insumo
indispensvel.
H, ainda, o risco da existncia de sucedneos naturais que contenham
linalol ou no, com maiores chances de domesticao a curto
prazo e vantagens comparativas referentes precocidade para seu
aproveitamento industrial.
Dado o carter da seletividade e da aleatoriedade da espcie, a extrao
da essncia de pau-rosa desenvolveu-se como se fosse um bem comum.
Enquanto os estoques de pau-rosa eram relativamente abundantes,
provavelmente havia externalidades positivas, que no eram diludas
com o aumento do nmero de extratores. Porm, medida que esses

CAPTULO 3 - Extrativismo do leo essencial de pau-rosa na Amaznia

estoques foram escasseando, o nmero de extratores passou a ser


crtico, manifestando-se na externalidade de congesto e fazendo com
que reduzisse o nmero de destilarias.
As atividades de explorao para a descoberta de novos estoques atuam
concomitantemente com as da extrao. No se dispe de um inventrio
florestal ou de informaes sistematizadas sobre a ocorrncia de pau-rosa no mbito de planejamento governamental. Essa deficincia de
maiores pesquisas sobre inventrios de recursos naturais deve implicar
maiores custos para os extratores e aproveitamento irracional das
reservas existentes.
medida que as reservas mais acessveis vo escasseando, a extrao
tende a se afastar das margens dos rios e das estradas e seguir em
direo s cabeceiras dos rios. Naturalmente, isto impe custos
adicionais que aumentam em razo da inexistncia de esforos de
explorao sistematizados. A permanncia no setor vai depender
dos estoques em extrao e da expectativa de descoberta de novas
reas, diante da incerteza na dimenso dos estoques, bem como das
flutuaes favorveis das cotaes do produto.
Os recursos extrativos, medida que vo diminuindo, podem perder
utilidade. A retrao na demanda que acompanha o esgotamento
conduz queda nos preos, inviabilizando a extrao dos estoques
remanescentes e desestimulando o esforo de explorao. Isto faz
com que esses recursos sejam substitudos por outras alternativas
econmicas, apressando seu desaparecimento, ou que os extratores
abandonem essa atividade. Os produtos que no necessitam de
industrializao ou beneficiamento podem ter um ciclo de extrao
mais longo pela independncia com a escala da planta industrial
mnima e acompanhar a ideia da escassez e de preos crescentes, dado
o crescimento da demanda.
Existe um grande potencial de mercado para pau-rosa que pode ser
estimado pela quantidade mxima j exportada em 1951, de 444 t,
que, se comparada com a exportao em 2002, de menos de 23 t,
indica que poderia multiplicar por 20 vezes, mostrando que existe
um potencial de corte anual de aproximadamente 30 mil rvores. O
valor das exportaes superiores a 6 milhes de dlares e o preo do
leo essencial atingindo quase US$ 8.000/tambor (180 kg) indica as
possibilidades do seu plantio como importante fonte de gerao de
renda e emprego em bases mais sustentveis. Adiciona-se o valor da
importao de substitutos sintticos que atinge quase 3 milhes de
dlares.

93

1.620

900

1.440

1.620

360

1.080

760

720

900

1.080

1.080

720

720

530

885

1.960

180

540

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

315

390

130

1.080

1989

Argentina

Alemanha

Importadores

540

529

180

180

Austrlia

2.125

5.910

5.940

4.620

1.440

720

720

Blgica

100

540

2.698

4.661

3.143

5.643

1.980

1.260

900

180

180

530

360

720

360

1.080

1.080

Espanha

1.440

3.136

2.952

12.578

14.079

20.223

18.930

21.457

16.014

19.620

7.880

14.525

14.930

30.415

24.840

33.014

21.962

41.985

30.495

34.695

49.911

51.572

40.360

54.385

Estados
Unidos

Tabela 3. Exportao brasileira de leo essencial de pau-rosa (kg).

540

180

852

2.902

3.770

6.653

4.649

5.182

3.084

1.875

4.176

4.655

8.062

5.176

4.860

3.060

7.360

8.460

8.309

4.680

10.992

6.635

2.822

10.420

Frana

0
0

525

2.622

2.455

4.784

6.585

5.538

2.690

2.520

2.865

1.620

4.856

5.220

6.826

1.440

10.080

5.735

6.650

1.080

1.980

Inglaterra

1.080

900

360

3.240

2.822

10.420

Holanda

180

930

540

180

3.920

7.560

5.400

7.200

3.960

9.000

13.680

11.340

9.360

Sua

180

Itlia

20

Paraguai

2.975

Colmbia

50

Cingapura

355

180

360

410

410

Japo

2.075

1.080

3316

4164

16955

21137

36.119

30783

38.528

29.453

32.398

22.816

29.980

31.557

33.901

35.456

45.954

47.443

59.095

59.684

51.410

77.996

73.512

59.772

78.435

Total

94
Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Introduo1
A priprioca uma planta da famlia das Cyperaceae, cujo nome
cientfico Cyperus articulatus L., uma espcie de capim alto, em cuja
extremidade brotam flores midas, quase insignificantes. Os talos desse
capim produzem pequenos tubrculos que, quando cortados, exalam
um perfume fresco, amadeirado e picante, tradicionalmente usado em
banhos de cheiro e na fabricao de colnias artesanais no norte do
Pas, principalmente no Par. Diversas espcies da famlia Cyperaceae
apresentam grande importncia na farmacopeia local, sendo usadas,
principalmente, como contraceptivo, analgsico e no tratamento das
diarreias. No Estado do Par, a priprioca vem despertando um grande
e crescente interesse cientfico e econmico, em virtude do agradvel
aroma do leo essencial obtido dos seus rizomas. Os leos essenciais
dessas espcies so constitudos principalmente por sesquiterpenos
pertencentes s classes do cipereno, cariofilano, eudesmano,
patchoulano e rotundano. Essas espcies so cultivadas em quintais
para uso prprio e em sistema de consrcio com outras culturas para
comercializao (ZOGHBI et al., 2003).
O nome priprioca (Figura 1) vem do tupi e tem sua origem em uma
lenda dos ndios Aruaca, do Estado do Amazonas, registrada em lngua
tupi pelo pesquisador Antnio Brando de Amorim, em 1926. Piripiri
era um guerreiro que exalava um cheiro misterioso e irresistvel para
as mulheres. Porm, ele sempre se esvaa em fumaa quando elas
tentavam se aproximar. Aconselhadas pelo paj, para tentar segur-lo, elas amarraram os ps do guerreiro com os prprios cabelos, mas
foi intil na manh seguinte, ele havia desaparecido de vez. Onde
ele dormira, surgiu uma planta cujas razes soltavam o mesmo aroma
de Piripiri. A planta recebeu o nome do ndio por ter se tornado a
sua morada, Piripiri-oca, priprioca ou a casa de Piripiri. Como as
lendas indgenas todas apresentam um tronco comum de enredo e
1

Verso ampliada de Nicoli et al. (2006).

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

da inexistncia de referncias escritas, pode-se aventar que muitas


lendas podem ter sido elaboradas posteriormente para dar sentido
sobrenatural ou mstico (TOLEDO, 2007).
Figura 1. Inflorescncia
da priprioca em plantio
no Municpio de Santo
Antnio de Tau, Par.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

96

Este trabalho procura estimar o custo operacional efetivo da priprioca


e relatar a transformao de um produto da biodiversidade amaznica
em recurso econmico, mediante a criao de mercado e a consequente
domesticao.

O incio do cultivo da priprioca no


Nordeste Paraense
Para conseguir a produo de priprioca, a empresa de cosmticos
Natura, fundada em 1969, com sede em So Paulo, contactou trs
comunidades, todas no Estado do Par, nos municpios de Bujaru (Boa
Vista), Acar e Santo Antnio do Tau. Em Santo Antnio do Tau, em
2003, estimulou 16 produtores organizados por meio da Associao
dos Produtores Rurais de Campo Limpo a efetuarem os primeiros
plantios (Figura 2), financiando o custeio da lavoura. Inicialmente, a
rea para cada produtor foi de 20 canteiros de 1,20 m x 50 m, que,
posteriormente, com a produo obtida acima da expectativa da
empresa, foi reduzido para sete canteiros e, atualmente, para quatro
canteiros (240 m), com uma produo estipulada de 900 kg/produtor. Para
estimular os produtores, a Natura efetuou uma doao de R$ 23.000,00,
que a associao utilizou para aquisio de um nibus de segunda
mo para o transporte de crianas para as escolas; alm do pagamento
de cach de filmagem de R$ 500,00 para cada produtor envolvido
na propaganda institucional da empresa. O preo estipulado para a
compra das batatinhas de priprioca foi estabelecido em R$ 3,00/kg para um
contrato de 4 anos, em vigor at a safra de 2006. Com a remunerao obtida

CAPTULO 4 - Aproveitamento da biodiversidade amaznica: o caso da priprioca

nessa atividade, os produtores investiram na construo de 16 casas de


alvenaria com cobertura de telha, estimadas em R$ 10.000,00 cada.
Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 2. Plantio de
priprioca no Municpio
de Santo Antnio do
Tau, Par.

Esses produtores foram motivo de reportagens do Globo Rural (22 de


maro de 2004), bem como do Programa do Par (TV Liberal) e
do Cumpadre Wagner (Record). Na novela Celebridade (Rede Globo),
veiculada durante 2003 e 2004, os atores globais Marcos Palmeira e
Malu Mader fizeram uma ampla divulgao para o lanamento do
perfume de priprioca. Os Correios, com a colaborao do Museu
Paraense Emlio Goeldi, fizeram o lanamento do selo com a estampa
da priprioca em 23 de novembro de 2004. Entrementes, outro grupo
comunitrio com 26 produtores, pertencentes Associao dos
Produtores Rurais Rancho Fundo, da mesma localidade, efetuaram
o plantio de priprioca e, segundo informaes obtidas, foram os que
mantiveram o primeiro contato com os representantes da Natura e que
participaram das entrevistas televisionadas, porm, no conseguiram
vender nada e ainda foram ludibriados por outros compradores
desonestos. Com o fornecimento da priprioca pela primeira associao,
fecharam-se as oportunidades de comercializao com a Natura e os
plantios existentes ficaram sem mercado, bem como outros que foram
estimulados pela propaganda. Apesar da grande expectativa com
relao biodiversidade amaznica, para vrios produtos representam
conquistas de nichos de mercado, que se transformam em produtos
similares aos de qualquer planta domesticada.

Metodologia e coleta de dados


Os dados sobre tcnicas de cultivo, produtividade e custos na produo
de priprioca foram obtidos por meio de trs visitas de campo efetuadas
durante os meses de janeiro e fevereiro de 2006, entre os produtores

97

98

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

e suas lideranas, vinculados Associao dos Produtores Rurais de


Campo Limpo e Associao dos Produtores Rurais Rancho Fundo,
localizados no Municpio de Santo Antnio do Tau, ao longo da PA-140,
km 29, ramal Bom Jesus, localidade Campo Limpo.
Enquanto o mercado estava restrito ao consumo local, a priprioca
era obtida de coleta de ocorrncias naturais e de pequenos plantios
espordicos. Com o crescimento do mercado, ocorreu o processo
de domesticao, baseado em processo de tentativa/acerto, uma vez
que no ocorreu um esforo sistemtico da pesquisa agrcola. Apesar
da nfase no extrativismo vegetal defendida pelos movimentos
ambientalistas, vivel enquanto o mercado for restrito, com a
ampliao da demanda criam-se vetores de fora que levam sua
destruio (HOMMA, 1996). A sequncia final o patenteamento de
diversos produtos, cujos direitos passam a ser resguardados.

Descrio da produo de priprioca


Preparo da rea
Os canteiros so feitos em leiras de 1,20 m de largura por 50 m
de comprimento e as batatinhas de priprioca so plantadas no
espaamento de 0,40 m na linha e 0,40 m entre as linhas partindo do
centro, deixando 0,20 m nas bordas. No sentido do comprimento,
o espaamento de 0,50 m a 1,0 m entre as leiras, para permitir o
trfego de carrinhos de mo para transporte das mudas e facilitar os
tratos culturais. Com o crescimento da priprioca, esses espaos vo
sendo fechados. Dessa forma, tem-se uma rea til para o plantio de
priprioca formada por 80 leiras/hectare, com 60 m/leira, totalizando
4,8 mil m/ha de rea til.
Antes do preparo das leiras, se a rea for uma capoeira, necessrio
efetuar uma gradagem com trator de roda para revolver a terra e
fazer as leiras. Se o terreno no tiver muitos tocos revolvido com
um enxadeco. Feita a afofao, efetua-se a adubao com 4 sacos
de esterco de galinha/leira pesando cada um 25 kg a 30 kg, antes do
plantio. Aps 4 a 5 dias, as batatinhas de priprioca so plantadas.
O esterco de galinha constitui-se em uma mistura com cama de
avirio, cuja curtio consiste em deixar na chuva e cobrir com lona
por 3 dias. Esse esterco obtido de granjas prximas, sendo cada saco
vendido a R$ 3,00, incluindo o transporte. comum a modalidade de
juntar o esterco nas granjas, pagar R$ 1,00/saca e fretar o caminho
para transportar. No permitido o uso de fertilizantes qumicos, pois
poderia afetar a qualidade dos rizomas na fabricao dos perfumes.
Como os plantadores de priprioca se dedicam tambm ao plantio
de hortalias, por falta de tempo, eles preferem adquirir o esterco
incluindo o transporte.

CAPTULO 4 - Aproveitamento da biodiversidade amaznica: o caso da priprioca

Plantio
Antes do plantio conveniente deixar os rizomas de molho por 1 dia,
para facilitar o pegamento, depois de 3 dias plantados j comeam a
grelar. A poca apropriada para o plantio o incio da estao chuvosa,
nos meses de janeiro e fevereiro.
Em cada linha da leira, gasta-se 125 rizomas, plantados no
espaamento de 0,40 m x 0,40 m. Para cada leira so necessrios 3 kg
de semente (rizoma), e uma pessoa prepara 5 kg/dia. Os rizomas so
plantados manualmente, com auxlio de uma vara para abertura das
covas, que devem ser rasas para facilitar o arranquio dos rizomas com
a enxada por ocasio da colheita, saindo como se fossem um tapete
de rizomas entrelaados. Como so 80 leiras/hectare, ento seriam
240 kg de rizoma de priprioca/hectare, que, ao custo de R$ 3,00/kg
comercializado, seria R$ 720,00/hectare.

Tratos culturais
Os tratos culturais compreendem a realizao de quatro limpezas para
retirada das ervas daninhas, efetuadas manualmente (mondar), uma
vez que no possvel o uso de enxadas. O uso da enxada apresenta o
risco de cortar as plantas germinadas dos rizomas e danificar as hastes,
prejudicando o crescimento da priprioca. Essa operao, que efetuada
de ccoras, bastante desconfortvel, sujeita a dores lombares, alm da
presena de formigas-de-fogo (Solenopsis spp., Ordem Hymenoptera,
Famlia Formicidae) em grande quantidade. Na primeira e na segunda
capina, uma pessoa gasta 1 dia/leira e na terceira e quarta capina,
gasta-se cerca de 2 dias/leira, dependendo do grau da infestao.
A priprioca bastante rstica, no necessitando de outros tratos
culturais, sendo a paquinha [Neocurtilla hexadactyla (Perty, 1832),
Ordem Orthoptera, Famlia Gryllotalpidae] o nico inseto observado,
que chega a cortar o rebrotamento dos rizomas, mas sem maiores
problemas ou prejuzos.

Produtividade
A produtividade dos rizomas varia com a idade da planta, de modo
que com 9 meses a produo obtida varia de 180 kg a 200 kg/leira,
chegando a atingir 300 kg/leira com 18 meses. A empresa d preferncia
s batatinhas mais jovens (colheita a partir de 9 meses), porque se
extrai mais leo e, medida que vo envelhecendo, algumas batatinhas
secam. Os rizomas-me que deram origem s plantas adultas ficam
pretos e secos quando a colheita retardada, formando novas camada
de razes abaixo da anterior. Por esse motivo, foi estabelecido que a
colheita fosse feita entre 9 meses a 1,5 ano de idade no mximo.
Considerando a mdia obtida por cada leira, de 180 kg de rizoma de

99

100

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

priprioca, depois de lavada e ensacada, possvel obter-se 14,4 mil


quilos por hectare.
Uma planta produz em mdia 35 rizomas, podendo produzir at 62
rizomas quando plantada em espaamento maior (0,5 m x 0,5 m) e
colhida com mais de 12 meses, com limpeza e adubao de superfcie
aps 6 meses.

Colheita
O arranquio dos rizomas de priprioca, depois de 9 meses de plantio,
comea com o corte das hastes com terado para efetuar a limpeza
das leiras, em plena poca seca. A seguir, procede-se novo corte, mais
rente ao solo, para reduzir o tamanho das hastes, a fim de facilitar a
retirada dos rizomas e da terra. Esses dois cortes promovem um grande
desgaste dos terados, exigindo que sejam constantemente afiados.
Com a enxada, promove-se o levantamento dos rizomas que esto
emaranhados, enquanto outra pessoa bate os rizomas para retirada da
terra aderente e dos pelos. Em seguida, so amontoados para serem
lavados. So necessrias quatro dirias para colher e bater uma leira
de priprioca. A operao de transporte, lavagem e ensacamento da
produo de uma leira de priprioca demanda 2 a 2,5 homens/dia. A
colheita pode ser efetuada, quando o plantio foi realizado no incio da
poca chuvosa, com adubao orgnica e capinas para livrar das ervas
daninhas, durante os meses de outubro a dezembro. Alm dos rizomas,
as folhas da priprioca podem ser utilizadas para produo de fibra e
utilizao de cestarias diversas, apesar de o uso ser restrito.

Comercializao
Os 16 agricultores da Associao dos Produtores Rurais de Campo
Limpo efetuaram, durante o ano de 2004, duas colheitas de 4,5 t,
uma em outubro e outra em novembro, e uma terceira colheita de
3,5 t em dezembro, totalizando 17 t de rizoma entregues para Beraca/
Brasmazon (Indstria de Oleaginosas e Produtos da Amaznia, PA),
empresa do segmento de leos e gorduras vegetais e animais que
fabrica leos fixos e essenciais para uso na indstria de fragrncias,
cosmtica e fitoterpica, para a extrao de leo que posteriormente foi
exportado para a Natura, em So Paulo. A Brasmazon uma empresa
criada em 1995, por meio da associao de professores da Universidade
Federal do Par, que em 2003 foi adquirida pela Beraca Ingredients,
empresa brasileira atuante no mercado de produtos qumicos desde
1956, sendo atualmente a maior fabricante e distribuidora brasileira
de ativos vegetais naturais para a indstria cosmtica, farmacutica, de
fragrncias e nutracutica do mundo.
No contrato estabelecido com a Natura, em 2003 e 2004, foi definido o
tamanho de rea a ser plantado por cada associado (uma vez que no
conheciam ao certo a produtividade dessa espcie quando cultivada).

CAPTULO 4 - Aproveitamento da biodiversidade amaznica: o caso da priprioca

Em 2003, foram plantados 305 canteiros, considerando todos os


associados (cada associado deveria plantar 20 canteiros, nmero que
nem todos conseguiram). Em 2004, o contrato foi de 7 canteiros por
associado, em virtude de a produtividade ter superado as expectativas
da Natura. Em 2005, o contrato passou a ser por volume de batatinhas,
fixado em 900 kg/associado, o que equivale a 4 canteiros para cada
produtor. Em fevereiro de 2006, a Natura ainda no tinha negociado,
apesar da necessidade de ser feito nos primeiros meses do ano, para
no atrasar o plantio. Os rizomas ensacados so enviados para a
Beraca/Brasmazon que efetua a extrao do leo essencial e envia para
a Natura, que fabrica a fragrncia com know-how da sua Givaudan.

Custo operacional efetivo


O custo operacional efetivo, considerando o sistema de produo
adotado e aperfeioado nesses ltimos 3 anos, de R$ 1,30/kg de
rizoma de priprioca, proporcionando um lucro lquido de R$ 1,70/kg
vendido. Naturalmente, nesse valor no est includo o custo da terra
e a necessidade de mudana de local depois de certo tempo de cultivo,
em virtude de infestaes com ervas daninhas (Tabela 1). Trata-se de
uma atividade altamente intensiva em mo de obra, a qual representa
82% do custo de produo.
Para esse clculo foi considerado que a depreciao do carrinho de mo
para o transporte dos rizomas, plantio e colheita de 2 anos, e tambm
estipulou-se a quantidade necessria de ferramentas, equivalente ao
plantio mximo de 20 canteiros por associado, como realizado em
2003. Foi considerada a produtividade mdia de 180 kg de rizoma
por canteiro (colhido com 9 meses de idade), conforme desejado pela
firma compradora.
Tabela 1. Custo operacional efetivo de produo de priprioca no
Municpio de Santo Antnio do Tau, por hectare. Leiras de 1,20 m x 50 m e
produtividade de 14,4 mil quilos por hectare, janeiro, 2006.
Itens

Unidade

Valor Unitrio
R$ 1,00

Valor Total
R$ 1,00

43,75

175,00

40

15,00

600,00

Quantidade
Preparo da rea

Gradear

h.m.

Fazer leira

d.h(2)

(1)

Adubao
Esterco de
galinha

Saca (25 kg 30 kg)

320

3,00

960,00

Incorporao do
adubo

d.h.

40

15,00

600,00
Continua...

101

102

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 1. Continuao.
Itens

Unidade

Valor Unitrio
R$ 1,00

Valor Total
R$ 1,00

240

3,00

720,00

Quantidade
Plantio

Batatinha-semente

kg

Preparar semente d.h.

16

15,00

240,00

Plantar

d.h.

40

15,00

600,00

Capinas (1 e 2)

d.h.

160

15,00

2.400,00

Capinas (3 e 4)

d.h.

320

15,00

4.800,00

Tratos culturais

Colheita
1 Roagem (mais
alta)

d.h.

40

15,00

600,00

2 Roagem
(rente solo)

d.h.

40

15,00

600,00

Arrancar e bater
a terra

d.h.

320

15,00

4.800,00

Carregar, lavar e
ensacar

d.h.

50

15,00

750,00

Sacaria

Saca

480

0,25

120,00

Ferramentas
1993

148.966

9,17

36,6

1.689.393

1994

160.778

8,83

23,9

1.926.121

1995

187.046

9,91

29,5

2.529.998

1996

235.233

10,77

27,3

2.887.034

1997

247.281

9,68

38,2

2.902.829

1998

274.768

10,77

44,4

2.954.811

Custo operacional
efetivo

18.769,00
Receita Bruta

Rizoma priprioca

kg

Receita Lquida
Custo unitrio

14.400

3,00

43.200,00
25.235,00

kg

R$ 1,30

Nota: Referente a 80 canteiros/ha, dimenso do canteiro: 1,20 m X 50 m deixando um vo de


50 cm a 1 m entre os canteiros; espaamento entre os rizomas-semente de priprioca: 0,4 cm X 0,4 cm,
equivalente a trs linhas de plantio em cada canteiro no sentido do comprimento, sobrando
20 cm at as bordas laterais do canteiro.
(1)
h.m. = hora mquina.
(2)
d.h. = dia homem (diria).

CAPTULO 4 - Aproveitamento da biodiversidade amaznica: o caso da priprioca

Mito da biodiversidade
A apropriao do conhecimento das populaes indgenas e
tradicionais da Amaznia, efetuada pelas indstrias de cosmticos e
frmacos, tem sido frequente na Amaznia, por empresas nacionais e
externas. A coleta e a aquisio de produtos, visando identificao de
princpios ativos e ao seu patenteamento, tm sido rotina nas ltimas
dcadas. A prpria Brasmazon, que efetua o beneficiamento de leo
de priprioca para entrega Natura, foi a responsvel pelas exportaes
de leo de andiroba para a Rocher Yves Biolog Vegetale, que culminou
no patenteamento do princpio ativo para composio cosmtica ou
farmacutica em 1999.
Alguns desses episdios ganharam dimenso mundial, como ocorreu
com a empresa japonesa Asahi Foods Ltda. em 2000, quando efetuou o
registro da marca cupuau, descoberto em 2003, e felizmente cancelada
em 1 de maro de 2004 pelo Escritrio de Marcas do Japo (JPO).
O caso tragicmico est relacionando com a patente da rapadura. Em
1989, a empresa de alimentos orgnicos alem Rapunzel efetuou o
registro da rapadura como marca de seu acar orgnico, na Alemanha.
Sete anos depois, fez o mesmo nos Estados Unidos. O Brasil descobriu
apenas em 2005, depois que um comunicado annimo chegou a
Diviso de Propriedade Intelectual do Itamaraty.
Em agosto de 2002, a empresa Natura Inovao e Tecnologia de Produtos
Ltda. foi acionada por estar adquirindo e utilizando o conhecimento
tradicional do breu-branco (Protium pallidum), no Estado do Amap,
especificamente na Reserva de Desenvolvimento Sustentvel (RDS)
do Rio Iratapuru. No entorno da RDS est localizada a Comunidade
do So Francisco do Iratapuru, que manteve o primeiro contato com
a empresa Natura para aquisio do breu-branco. A comunidade
vive dos recursos existentes no territrio da reserva e sua principal
organizao a Cooperativa Mista de Produtores e Extrativistas do
Rio Iratapuru (Comaru), que exerce funes de representao formal
e poltica dos moradores da RDS (COSTA, 2005). Comunidade do
So Francisco do Iratapuru foi prevista a seguinte forma de repartio
de benefcios:
a. Pagamento do valor de R$ 10.000,00, em parcela nica, em nome
da Comaru, pelo acesso ao patrimnio gentico, independente do
resultado da pesquisa.
b. Certificao da parte da RDS do Iratapuru no tocante ao extrativismo
local.
c. Percepo do valor de meio por cento da receita lquida aferida por
meio das vendas dos produtos que contm a resina do breu-branco,
pelo perodo em que ocorrer o seu fornecimento pela comunidade.

103

104

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O valor de meio por cento integra o Fundo Natura para o


Desenvolvimento Sustentvel das Comunidades, conforme
previamente discutido entre as partes, e ser objeto de posterior
instrumento especfico que ir dispor sobre sua criao, funcionamento
e extino.
Tendo em vista que a criao do Fundo teve efeitos para o ano de 2004,
com valores estimados para o referido exerccio, e que os produtos com
resina de breu-branco foram lanados em setembro de 2003, a Natura
pagou comunidade, em parcela nica, o valor de R$ 101.222,00,
referente receita lquida do exerccio de 2003, aferida com a venda
dos produtos que contm a resina do breu-branco. Uma mudana na
reorientao da poltica da empresa talvez possa ser esperada com a
instalao da primeira fbrica da Natura fora de So Paulo, localizada
no Municpio de Benevides, como a maneira de contornar as crticas
que tem recebido das comunidades tradicionais (FBRICA..., 2006).

Concluses
Existe um grande interesse pelo uso da imagem da Amaznia por
empresas, bancos privados e pelo prprio governo (federal, estaduais
e municipais) que no corresponde aos recursos aplicados para
promover a preservao e conservao da biodiversidade. O uso da
imagem da Amaznia promove uma simpatia perante a opinio
pblica de forma barata, nem sempre associada aos impactos que so
transmitidos.
Na comercializao desses produtos, a imagem da Amaznia, o
sentido de fora da natureza, de pureza e de sustentabilidade da
atividade, transmitida para o consumidor. D-se a impresso que
a empresa est salvando a Amaznia, adotando prticas sustentveis
quando, na verdade, seguem as mesmas regras de mercado de
qualquer produto agrcola ou florestal. No restam dvidas que, para
um pequeno grupo de agricultores, os benefcios das compras pela
Natura tiveram impactos nas suas atividades. Isso ocorreu a partir de
2003, apesar de posteriormente o volume comprado ter sido reduzido,
podendo a mdio e longo prazos desaparecer com a abertura de novos
mercados e com a disseminao dos plantios. Apesar da propaganda,
o interesse das empresas est voltado para a aquisio do produto ou
da matria-prima, sem interesse pela verticalizao, especializao
da mo de obra e democratizao do conhecimento. Muitas dessas
propostas apregoam uma sustentabilidade exgena, em vez de vir
endogenamente ao sistema. No obstante o mito da biodiversidade,
muitos desses mercados se caracterizam como sendo nichos especficos
que rapidamente so saturados.
Como ponto final, bastante complexo avaliar o mercado de produtos
invisveis, que constituem produtos sobre os quais no existem dados

CAPTULO 4 - Aproveitamento da biodiversidade amaznica: o caso da priprioca

oficiais e aqueles destinados para o mercado da angstia (pacientes


desenganados pelos tratamentos da medicina moderna), produtos
de beleza, msticos, entre outros. A caracterstica monopsnica ou
oligopsnica dessas empresas na aquisio de matrias-primas e de
oligoplio ou concorrncia monopolstica na comercializao dos
produtos finais e o cerceamento de dados e informaes quase total.

105

Introduo1

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

A andiroba (Carapa guianensis Aublet) foi descrita pela primeira vez


pelo botnico francs Jean-Baptiste Christopher Fuse Aublet (1720
1778), em 1775, na Guiana Francesa, como pertencente famlia das
meliceas. uma rvore de grande porte (Figura 1), podendo atingir
30 m de altura, de fuste reto e cilndrico, com sapopemas na base, casca
grossa e amarga, apresentando descamao em placas. A andiroba
uma denominao indgena que significa sabor amargo (nhandi leo
e rob amargo).
O fruto um ourio redondo, formado de 4 valvas, de
3 mm a 4 mm de espessura, coriceas, duras, de cor
parda, que, quando amadurece, abre-se deixando cair
no cho as sementes, em nmero de 7 a 9, semelhantes
castanha-portuguesa. Essas sementes so poligonais,
chatas na parte interna e convexas na parte externa, casca
lisa um pouco esponjosa, cor marrom, recobrindo uma
massa branca, levemente rosada, compacta, mas pouco
dura e oleosa. A semente contm aproximadamente
25% de casca e 75% de massa oleaginosa contendo 43%
de leo (GUIMARES et al., 1970; PESCE, 1941).
encontrada principalmente nos estados do Par,
Amap, Amazonas, Maranho e Roraima, com
predominncia nas vrzeas e faixas alagveis ao
longo dos cursos dgua, frequentemente formando
associaes com as seringueiras e com rvores de
ucuuba, jaboti, pracaxi, etc.
O interesse pelas propriedades do leo da andiroba fez com que a
Rocher Yves Biolog Vegetale registrasse, em 28 de setembro de 1999,
na Frana, Japo, Unio Europeia e Estados Unidos, a patente sobre a
1

Homma (2003e).

Figura 1. rvore adulta


de andirobeira plantada
no Municpio de Tom-Au.

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

108

composio cosmtica ou farmacutica contendo extrato de andiroba.


Em 21 de dezembro do mesmo ano, Morita Masaru conseguiu no
Japo a patente sobre agente repelente para formigas e insetos com
utilizao do leo da fruta de andiroba (O CASO..., 2005?).
Em face da denncia na imprensa nacional do acordo da Bioamaznia
com a Novartis, o governo federal editou a Medida Provisria 2.186,
de 2001, que condiciona o acesso a recursos naturais autorizao
da Unio e prev a repartio de benefcios, se houver uso e
comercializao. Ressalta-se que o controle da biopirataria depende
mais da consolidao de acordos e tratados que probam o registro e o
patenteamento de recursos naturais que no tenham sua procedncia
claramente definida (FERREIRA, 2003; SILVA et al., 2002).
O aproveitamento das sementes de andiroba como repelente de
insetos foi desenvolvido nos laboratrios da Fundao Oswaldo
Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministrio da Sade, no Rio de Janeiro,
patenteado em 1994. O bagao das sementes que sobra da extrao
do leo usado como anti-inflamatrio e cicatrizante deixa de ir para
o lixo e se transforma no principal componente da vela de andiroba,
cujo odor exalado eficaz para repelir os mosquitos, inclusive o Aedes
aegypti, transmissor da dengue e da febre amarela. A Fiocruz licenciou
a fabricao de vela de andiroba para dez empresas, de seis estados, que
so fiscalizadas para garantir a aplicao correta da tecnologia para
produzir a vela de andiroba (GONALVES, 2001; PASTORE JNIOR;
BORGES, 1998, 1999).
A falta de sries estatsticas sobre a extrao de sementes de andiroba
e produo de leo constitui uma limitao para o planejamento com
relao a essa oleaginosa. Os dados coletados pelo IBGE restringem
aos perodos de 19371939 e 19751985, para ento desaparecer das
sries estatsticas (Tabela 1). Esse aspecto qualifica essa extrao como
sendo invisvel em termos de estatsticas oficiais, que a despeito do
crescimento populacional deve estar limitado na faixa de 400 t anuais
de sementes de andiroba.
Tabela 1. Produo de sementes de andiroba nos perodos 19371939 e 19751985, em toneladas.
Estados
Par

1937

1938

1939

197,172 266,490 397,530

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

80

67

102

115

115

141

156

140

109

129

138

223

225

Amap

19

17

16

12

12

Maranho

153

218

115

150

150

164

187

194

201

Amazonas
Piau
Brasil

2,250 15,058
-

2,873

199,422 281,548 400,511

252

302

233

276

276

305

342

334

310

352

363

Fonte: Anurio Estatstico do Brasil (1938, 1939, 1940, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986).

CAPTULO 5 - Histrico do sistema extrativo e extrao de leo de andiroba cultivado no Municpio de


Tom-Au, Estado do Par

Esse trabalho mostra a lucratividade da produo de leo de andiroba


de um plantio comercial existente no Municpio de Tom-Au. Outro
aspecto analisado foi o desenvolvimento histrico para servir de
subsdios para programas de expanso desse cultivo.

Histrico do uso de leo de andiroba


na Amaznia
O uso de leo de andiroba bastante antigo na Amaznia. No perodo
de 1854 a 1864, o uso de leo de andiroba foi fartamente utilizado na
iluminao pelos moradores da cidade de Belm, sendo substitudo
pelo gs, somente em 1896 foi utilizada a luz eltrica. Durante a
Primeira Guerra Mundial, quando faltava querosene era muito comum
no interior da Amaznia o uso de leo de andiroba para a iluminao
(FRANCO, 1998). Antes que Edwin Drake iniciasse a explorao de
petrleo, com a abertura do primeiro poo em Oil Creek, Pensilvnia,
em 27 de junho de 1859, a iluminao em grande parte era feita com o
uso de leos vegetais e animais.
No sculo 19, no perodo de 18201880, o Estado do Amazonas
chegou a produzir 3 mil a 4 mil litros de leo de andiroba por ano
para iluminao, fabricao de velas e sabo (SALGADO, 1996).
Atualmente, a sua procura est voltada para a fabricao de sabonetes e
cremes de beleza finos, o uso como produto medicinal e para fabricao
de velas de andiroba, servindo como inseticida natural.
A indstria de leo de andiroba teve origem na cidade de Camet,
tanto que, em 1898, dois teros da produo de leo de andiroba em
todo o Estado do Par provinha daquela cidade. Em 1908, o total de
leo de andiroba importado pela cidade de Belm foi de 62 mil litros
(LEITE, 1997).
A industrializao de oleaginosas nativas da Amaznia muito se
deve ao qumico industrial italiano Celestino Pesce (18691942),
que emigrou para So Paulo, iniciando uma pequena indstria de
chocolate, destilaria de leo e lcool de milho. Vindo para a Amaznia,
adquiriu em 1913 a Fbrica Industrial Cametaense, fundada em 1893
pelo padre Antnio Ferreira da Silva Franco e pelo mdico Virglio
de Mendona, que se dedicava principalmente extrao de sebo de
ucuuba (BORGES, 1986; PESCE, 1941).
Dessa forma, at 1913, a indstria de fabricao de leos na Amaznia
era limitada preparao de leos com as sementes de andiroba
dessa fbrica existente no Municpio de Camet, que consistia de um
conjunto de trs precrias prensas de marca francesa. O leo preparado
era usado na iluminao, na movelaria e no preparo do sabo chamado
cacau, servindo de custico as cinzas das cascas do fruto de cacaueiro,
com baixo rendimento e que por isso paralisara.

109

110

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A fbrica de Camet adquirida por Celestino Pesce, em 1913, que


ficava no Bairro Olaria e que o povo chamava de Fbrica Grande,
passou a trabalhar com outras oleaginosas e exportava para a Europa e
So Paulo. Pesce importou da Alemanha uma prensa hidrulica e uma
caldeira da Inglaterra e passou a fabricar leos, sabes, refrigerantes,
chocolates, talco e perfumes. Em 1919, Pesce, em sociedade com
o industrial italiano J. B. Merlin, fundou a Fbrica Conceio, na
localidade conhecida como Pinheiro, atual Icoaraci, em melhores
condies, passando a exportar sementes de oleaginosas para a Itlia
e mantendo a filial em Camet. Posteriormente, outras indstrias
similares foram implantadas, fazendo com que, na dcada de 1950,
20% do leo produzido nos estados do Amazonas e Par fossem de
andiroba (BORGES, 1986; PINTO, 1956).
A ecloso da Segunda Guerra Mundial, o rompimento das relaes
diplomticas e comerciais com Alemanha, Itlia e Japo, no dia 28 de
janeiro de 1942, e a sequncia de torpedeamentos de navios brasileiros
por submarinos alemes levaram o governo brasileiro a estabelecer o
Decreto-Lei 4.166, em 10 de maro de 1942, ao confisco de bens de
sditos alemes, italianos e japoneses em garantia aos danos causados
pelos seus pases. O torpedeamento de cinco navios mercantes
brasileiros (Araraquara, Baependi, Anbal Benvolo, Itagira e Arar),
muitos deles utilizados no transporte de imigrantes japoneses para
a Amaznia, entre os dias 18 e 19 de agosto de 1942, causando 652
vtimas, provocou comoo nacional e hostilidades aos japoneses,
alemes e italianos residentes no Pas, levando destruio dessas
indstrias pertencentes aos italianos, com perda de centenas de
empregos.
Mouro (1989), em exaustivo levantamento sobre as indstrias
paraenses, relata a existncia de quatro grandes usinas que se dedicavam
ao beneficiamento de sementes de oleaginosas nativas na dcada
de 1920. A Usina Victoria, de propriedade da Sociedade Annima
Oleifici Nazionale, com sede em Gnova, Itlia, localizava-se na Ilha
das Onas, beneficiava 3,5 t de sementes dirias, utilizando mquinas a
vapor e eletricidade e empregava 400 pessoas, das quais 150 menores e
mulheres na seleo das sementes. A Usina Conceio, de propriedade
dos italianos J. B. Merlin e Celestino Pesce, utilizava maquinaria
movida eletricidade, empregava 300 pessoas (homens, mulheres e
crianas), exportava principalmente para a Itlia e tinha uma filial
em Camet. A Fbrica Vila Nova dedicava-se a beneficiamento das
sementes, extrao de leos, saboaria e refinao para uso culinrio e
exportava para o sul do Pas, Europa e Amrica do Norte, empregando
200 pessoas. Finalmente, a Fbrica Santa Maria, de Antnio Machado,
produzia leos e manteiga vegetal, alm de beneficiar arroz, ocupando
mais de 200 pessoas em suas atividades.

CAPTULO 5 - Histrico do sistema extrativo e extrao de leo de andiroba cultivado no Municpio de


Tom-Au, Estado do Par

As fbricas instaladas na dcada de 1950, em Belm, passaram a efetuar


a britagem das sementes de andiroba at a reduo a pequenos pedaos
do tamanho de uma polegada. Sem moagem posterior so conduzidas
a uma estufa regulada a 60 C70 C e aps secagem conveniente so
prensadas a temperatura de 90 C. O rendimento industrial com duas
prensagens raramente excede 30% sobre as sementes com umidade de
8% e a torta resultante era aproveitada como combustvel.
Nas fbricas localizadas no interior dos estados do Par e Amazonas,
durante a dcada de 1950, o processo era mais emprico e aproximava-se das tcnicas indgenas. As sementes eram amontoadas ao relento,
fermentando dentro de poucos dias e, com o desenvolvimento de
microrganismos aps 20 a 25 dias, as sementes eram transformadas em
massa oleosa. Revolvendo-se a massa, as cascas das sementes quebram-se facilmente e, em seguida, essa massa era colocada em calhas com
pequena inclinao onde o leo comeava a escorrer dentro de 6 horas.
Algumas fabriquetas chegavam a utilizar prensas de parafuso ou o
tipiti em substituio ao escoamento por gravidade. O rendimento
era baixo, raramente atingindo 18%.
Antes da expanso do cultivo de oleaginosas como algodo, soja,
amendoim, girassol, milho, arroz, entre os principais, as gorduras
animais e de oleaginosas extrativas como o babau e patau, bem como
de plantios de coqueiros e de dend, tinham grande importncia na
alimentao humana. Os leos no comestveis tinham destinao para
lubrificantes, movelaria, indstria de sabes, velas, entre outros. Essa
importncia fez com que, em 1940, o governo federal criasse o Instituto
de leos, colocando dentro da estrutura do Centro Nacional de
Ensino e Pesquisa Agronmica (Cnepa), criado atravs do Decreto-Lei
982, de 23 de dezembro de 1938. Era uma das prioridades do Instituto
de leos o aproveitamento do potencial extrativo dos leos vegetais e
da expanso de cultivos de oleaginosas potenciais. As dificuldades de
importao de leos vegetais durante a Segunda Guerra Mundial foi,
tambm, uma das razes desse interesse. Durante a dcada de 1950,
fazia parte da preocupao do Instituto de leos a expanso do cultivo
de dend no Pas, que culminou, posteriormente, na implantao do
primeiro plantio comercial dessa palmeira, em Benevides, em 1968.
As transformaes posteriores da estrutura da pesquisa agrcola no
pas levaram o Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuria
(DNPEA), antecessor da Embrapa, criao, em 1971, do Centro
Nacional de Pesquisa de Tecnologia Agroindustrial de Alimentos,
resultante da fuso de trs rgos: Instituto de Tecnologia de leos,
Instituto de Tecnologia de Bebidas e Instituto de Tecnologia Agrcola
e Alimentar, que passou a integrar a Embrapa a partir de 1973 (PAIVA
et al., 1973; SCHUH; ALVES, 1971).
Em nvel regional, a criao da Superintendncia do Plano de
Valorizao Econmica da Amaznia (SPVEA), em 1953, colocava

111

112

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

o aproveitamento das oleaginosas nativas da Amaznia como uma


das prioridades, destacando-se a grande abundncia do babau. Com
a Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (Sudam),
criada em 1966, a prioridade principal j era o cultivo de dend para a
produo de leo vegetal.
Durante a dcada de 1970, os restos de ucuuba e de andiroba foram
bastante utilizados pelos agricultores japoneses de Tom-Au para
a fabricao de compostos orgnicos utilizados para a adubao de
pimenta-do-reino (Tabela 2). Havia falta de matria orgnica para a
expanso dos pimentais que ocorria naquela dcada. A massa obtida
depois do cozimento das sementes, do seu descascamento e da extrao
do leo foi analisada no Laboratrio de Solos da Embrapa Amaznia
Oriental e mostrou ser extremamente rica em potssio (27,90%), com
menor teor de nitrognio (1,56%), clcio (0,61%), fsforo (0,54%),
magnsio (0,19%) e sdio (0,70%).
Tabela 2. Produo brasileira de timb em raiz (t) no perodo de 19381949.
1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

22.473

148.620

67.428

61.000

36.840

38.333

101.820

Fonte: Cooperativa Agrcola Mista de Tom-Au (2012).

Material e mtodos
Os dados para o clculo de custo de produo foram obtidos de um
plantio adulto de 10 mil ps em um sistema consorciado com cacau em
uma rea de 40 ha, no Municpio de Tom-Au, onde originalmente
foram plantados 12 mil ps. Essa rea constitui o desdobramento de
plantios anteriores de pimenta-do-reino, que foram substitudos com o
ataque do Fusarium, iniciados com 14 ha em 1976 (YAMADA, 1999).
O espaamento adotado apresenta variaes de 5 m x 5 m, 2,5 m x 4 m
e 2,5 m x 6 m. O planejamento para essa coleta de dados foi efetuado
em duas visitas de campo realizadas durante os meses de maio, junho
e agosto de 2003.
Para esse clculo, considerou-se a partir do plantio j formado, no
incluindo o custo de formao e manuteno do estoque de rvores
existentes. Foi feita uma estimativa do custo de produo de leo de
andiroba, considerando a capacidade do galpo de escoamento do leo
para 1 t de massa cozida.

Processo de obteno de leo de


andiroba em Tom-Au
Aps a coleta, as sementes so postas em um tanque com gua ou
em um crrego por um perodo de 12 horas para separar as sementes
defeituosas, que so encharcadas e com isso vo para o fundo, ou
promover a destruio da postura de insetos no seu interior. As

CAPTULO 5 - Histrico do sistema extrativo e extrao de leo de andiroba cultivado no Municpio de


Tom-Au, Estado do Par

dimenses desse tanque rstico para atender produo de 150 L de


leo de andiroba de 2 m x 1 m x 0,80 m. Com o encharcamento,
possvel aniquilar os ovos dos insetos que se encontram no interior
do fruto e se transformam em mariposas se deixar armazenadas sem
serem encharcadas, prejudicando a obteno do leo. Pesce (1941)
confirma a prtica dos moradores estuarinos em construrem jiraus
suspensos, nos quais eram colocadas as sementes de andiroba que,
com o aumento do nvel das guas decorrente das mars, efetuavam a
destruio dos insetos porventura existentes nas sementes.
No sistema extrativo, quando essas rvores esto localizadas nas
margens de cursos de gua, os extrativistas somente recolhem as
sementes que esto flutuando. H necessidade de determinar o inseto
causador, mas o proprietrio afirma ser semelhante ao que ataca as
brotaes dos plantios de mogno (Hypsipyla grandella), uma vez que
os plantios de andiroba no so imunes a esse ataque.
Uma pessoa chega a coletar entre 200 kg e 300 kg de semente por dia de
servio. O perodo de safra principal nos meses de janeiro e fevereiro,
que concentram 70% da produo de sementes. A produtividade de
um p de andiroba adulto de grande porte pode alcanar ate 120 kg de
semente, mas a mdia de 20 kg a 25 kg/p.
A despeito da concentrao da produo de sementes nos dois
primeiros meses do ano, a produo de julho a agosto considerada
como a de melhor qualidade e rendimento de leo. Recomenda-se,
contudo, que essas sementes coletadas no perodo seco fiquem durante
3 dias de molho e, depois de cozido, basta deixar por 10 dias para
fermentar.
Efetuada a separao, as sementes imprestveis devem ser cozidas em
um tacho, que pode ser um tambor de 200 L cortado longitudinalmente,
com capacidade de acomodar 2,5 sacas ou 150 kg de sementes. Deve
ser tampado com uma folha de metal (flandre, zinco, lata) para evitar
que as sementes flutuem. Iniciada a fervura, esta deve ser mantida por
at 1 hora, verificando se j est cozida, quando ocorre a separao da
casca com facilidade. Depois de cozidas, so retiradas da gua fervente
e postas em um caixote de madeira nas seguintes dimenses: 1,5 m x
2,0 m x 0,6 m, de modo que as diversas partidas do cozimento podem
ser misturadas com at 3 ou 4 dias seguidos. Dependendo do volume
de extrao, h necessidade de dispor de vrios caixotes de madeira e
de tachos para o cozimento.
No caso da impossibilidade do seu cozimento por problemas de
disponibilidade de tachos, de espao para fermentao ou de secagem
da massa, recomendvel deixar as sementes conservadas na gua por
at 1 semana.
Nesses caixotes de madeira deve ser deixado por um perodo de 10 a 15
dias para fermentar e logo a seguir deve ser iniciado o descascamento

113

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

das sementes. Sem a fermentao das amndoas cozidas, a qualidade


do leo no adequada, aventando a hiptese, que precisa ser
comprovada, da produo de princpios ativos gerados pelo bolor.
A operao de descascamento das amndoas constitui a parte mais
trabalhosa e dispendiosa da produo de leo de andiroba. O trabalho
de descascamento dessa semente, por causa da casca que adere
fortemente massa oleosa, demasiado difcil. Uma pessoa bem
treinada consegue descascar 3 a 4 latas de querosene de sementes
por dia. Como esse servio efetuado em condies precrias
de acomodao, no cho, bem possvel que, em condies mais
apropriadas de trabalho ou com o desenvolvimento de mesas com
bancadas e equipamentos apropriados, possa aumentar o rendimento
dessa operao que bastante trabalhosa e limitante.
Com o descascamento, as sementes que sofreram o processo de
fermentao so transformadas em massa equivalente de po, porm
de colorao marrom escura, que so postas a descansar para escorrer
o leo, na forma de bolo. A relao de 20 kg de sementes cozidas para
produo de 5 kg de massa depois de descascadas.
Como essas massas no podem receber umidade, so postas a secar e
escorrer em barraces cobertos de plsticos ao abrigo de chuva e do
sereno (Figura 2), durante 15 dias no vero ou 20 a 25 dias durante
o inverno. O calor do sol vai liberando o leo contido na massa,
que escorre em uma folha de zinco um pouco inclinado e deve ser
recolhido em um recipiente, e a seguir so armazenadas em tambores
de plsticos com a capacidade de 50 L. Diariamente deve ser
efetuado o manuseio da massa, sem o qual esta se torna empedrada,
prejudicando a retirada do leo. Nessa operao, uma pessoa pode
manusear 200 kg de massa por hora, devendo ser efetuado durante uns
5 dias, para permitir o mximo escorrimento do leo.
Figura 2. Estufa com
cobertura de plstico
branco onde colocada
a massa resultante do
processo de cozimento
e fermentao das
sementes de andiroba.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

114

A rea para permitir o escoamento do leo, cujo tempo pode levar


at 25 dias durante o inverno, constitui outra grande limitao para a
produo em grande escala de leo de andiroba. Em um galpo de 10 m
x 8 m pode-se acomodar 1,5 t de massa, com cinco carreiras de bacias

CAPTULO 5 - Histrico do sistema extrativo e extrao de leo de andiroba cultivado no Municpio de


Tom-Au, Estado do Par

de zinco de 0,5 m x 1,0 m e com recolhedores de leo improvisados


com canaletas de bebedouros de aves. Esse galpo deve estar coberto
com plstico transparente para permitir a entrada dos raios solares
e protegido nas laterais para evitar a entrada da chuva. O custo
dessa estrutura est estimado em mdia de R$ 1.500,00, incluindo a
aquisio de madeirame, que deve ser de bambu na cumeeira e nos
suportes superiores, pois as estruturas metlicas tendem a rasgar o
plstico com o aquecimento. A durabilidade da cobertura dos plsticos
pode ser estimada em 2 anos.
O rendimento est estimado em 1 L de leo para cada 20 kg de
sementes fresca colhida. Deve-se mencionar que esse rendimento varia
bastante segundo o procedimento utilizado e o volume de sementes
sendo processado. comum encontrar rendimentos de 30 kg de
sementes para 1 L de leo. O preo do leo para o produtor estava
sendo comercializado a R$ 20,00/litro. Em face da existncia de um
mercado de leo em franco crescimento e do grande trabalho para
a fabricao do leo, a fraude frequente no comrcio, inclusive em
farmcias especializadas, misturando-se com leo de cozinha, patau,
banha de porco, entre outros. Segundo os produtores, o teste para se
verificar essa mistura consiste em esfregar na pele, de modo que o
leo verdadeiro tende a secar e o falsificado tende a continuar com a
mancha caracterstica do leo.
Pode ser utilizado o tipiti para retirar o leo remanescente da massa
resultante depois de escorrer o leo por mais de 5 dias, que em geral
constitui um sebo de cor creme sendo coagulado no fundo do
vasilhame de armazenamento. Esse sebo tem utilidade na indstria
de velas como repelente de mosquitos e a massa remanescente pode
ser utilizada como adubo orgnico, alm de outras aplicaes que
necessitam ainda serem melhor avaliadas. As cascas das sementes
quando queimadas em combusto lenta constituem tambm um
excelente repelente para insetos e so utilizadas como adubo orgnico.
O custo do litro de leo de andiroba considerando apenas os custos
variveis de R$ 3,23/litro (Tabela 3).
Tabela 3. Custo de preparao de 1,5 mil quilos de sementes para produo
de 75 L de leo de andiroba, Municpio de Tom-Au, Par (2003).
Atividades
Catao das sementes 300 kg/dia

Dias/homens Custo R$ 1,00


5,00
60,00

Transportar 25 sacos de sementes

0,50

Colocar as sementes de molho

0,50

6,00

Lavar as sementes

2,50

25,00

Cozimento 150 kg/vez 3 horas/cada 10 bateladas

3,75

45,00

Lenha para cozimento 30 horas de durao

1,00

10,00

Retirada da polpa das sementes 3 a 4 latas/dia

6,25

75,00

Revirada da massa

1,25

15,00

Total

6,00

242,00

115

116

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Para o clculo da depreciao dos investimentos fixos, como tanque


para limpeza das sementes, estrutura da estufa, galpo para os
apetrechos e cochos de madeira, considerou-se uma vida til de 10
anos. Para tambores de cozimento, cobertura plstica e tambores
de armazenamento, uma vida til de 2 anos. Foi considerada uma
capacidade de beneficiamento de 150 L de leo durante o ano (Tabela
4). O custo da depreciao dos investimentos fixos R$ 3,69/litro. O
custo total do litro de leo seria R$ 6,92, obtendo-se R$ 13,08 de lucro
lquido.
Tabela 4. Investimentos fixos necessrios com capacidade de beneficiar 1,5 mil
quilos de sementes em cada etapa, Municpio de Tom-Au, Par, 2003.
Discriminao

Unidade

Tanque de gua para macerao das


sementes

Tambor para cozimento


Cocho para fermentao

Valor total
R$ 1,00

Depreciao
R$ 1,00

253,00

25,30

40,00

20,00

200,00

20,00

Galpo para colocao dos cochos, etc.

1.000,00

100,00

Estrutura estufa para retirada do leo

1.000,00

100,00

Cobertura plstico estufa para retirada


do leo

500,00

250,00

Tambores para armazenamento do leo

Total

80,00

40,00

3.073,00

553,30

Na Tabela 5, sintetiza-se a lucratividade do processo de beneficiamento


de leo de andiroba. Deve-se ressaltar que esse custo est subestimado,
uma vez que no est includo o custo de produo da semente de
andiroba. Como no existe um mercado de sementes de andiroba local
para produo de leo, subtende-se que esse custo obtido daria uma
ideia da lucratividade do processo de beneficiamento.
Tabela 5. Rendimentos e rentabilidade do beneficiamento de 3 mil quilos
de sementes de andiroba para produo de leo, Municpio de Tom-Au,
Par, 2003.
Discriminao
Custo de preparao
Depreciao investimentos

Valor
(R$ 1,00)
484,00

Percentual
46,70

553,30

53,30

Custo total

1.037,30

100,00

Produo de leo

150 litros

Custo do litro de leo

6,92

Preo do litro de leo

20,00

Lucro lquido por litro

13,08

65,40

Concluses
Apesar da grande abundncia das andirobeiras em toda a Bacia
Amaznica, o fato de produzir madeira parecida com o cedro e como

CAPTULO 5 - Histrico do sistema extrativo e extrao de leo de andiroba cultivado no Municpio de


Tom-Au, Estado do Par

sucedneo do mogno, no deixando atacar pelos cupins e fungos,


levou grande devastao, a partir da dcada de 1950, apesar da
proibio determinada pelo governo amazonense j na dcada de
1930. Por outro lado, com a difuso de novas fontes de energia para
iluminao, aumentou a destruio das rvores de andiroba para
produo madeireira, restringindo a importncia do leo de andiroba
apenas para fins medicinais. Com a ecloso da questo ambiental, a
partir do final da dcada de 1980, a importncia do leo de andiroba
para fins medicinais, cosmticos e como inseticida natural teve grande
crescimento.
O cultivo da andiroba encontra-se disseminado tanto em plantios
isolados como em sistemas agroflorestais, tanto para a produo
madeireira como para a produo de sementes. O plantio de
andirobeiras pode ser utilizado em programas de reflorestamento nas
reas j desmatadas e para recompor reas que no deveriam ter sido
desmatadas. A comercializao e a verticalizao de leo de andiroba
para fins cosmticos, frmacos e como inseticida natural constitui uma
prioridade para aumentar a renda dos produtores que atuam de forma
pulverizada.
No que concerne pesquisa agrcola, h necessidade de determinar
processos ou instrumentos mais rpidos para efetuar a extrao do
leo, o descascamento das sementes cozidas ou a sua substituio,
efetuando a retirada anterior ao cozimento. O papel da fermentao e a
maneira de apressar constitui outro tpico importante para a pesquisa.
Essa etapa constitui a fase mais limitante dessa atividade.
Apesar da lucratividade, a fabricao de leo de andiroba constitui uma
atividade trabalhosa, que fica limitada pela necessidade de fermentao
da semente cozida, de seu descascamento e do lento escorrimento de
leo da massa obtida, necessitando de uma grande rea de estufa.
A retirada do leo da massa cozida deve ser substituda por
procedimentos mais rpidos e com menores custos de produo. A
retirada de leo sem passar pelo processo de fermentao, como era
efetuada at antes da metade do sculo passado como combustvel para
iluminao, e os altos preos do leo de andiroba podem conduzir a
fraudes na produo de leos sem qualidades especficas. Para assegurar
a garantia da qualidade do leo de andiroba necessrio que sejam
determinados indicadores para evitar possveis fraudes que podem
colocar em risco a sade humana por vendedores inescrupulosos.
O ataque de pragas nas sementes e seu controle eficaz constitui outra
prioridade de pesquisa para reduzir perdas. Outro aspecto refere-se
necessidade de incluir a coleta de sementes de andiroba no conjunto
de informaes estatsticas pelo IBGE para fins de planejamento com
relao a essa atividade.

117

Introduo1
A explorao de plantas medicinais, aromticas, inseticidas e corantes
naturais ser a grande riqueza da Amaznia no futuro? Um exemplo
desse prognstico afirma que em 2050 a Amaznia seria capaz de
produzir 1,28 trilho de dlares, equivalente a dois PIBs atuais do
Pas. O valor da produo em dlares seria distribudo da seguinte
forma: petrleo, 650 bilhes; medicamentos e cosmticos, 500 bilhes;
agricultura e extrativismo, 50 bilhes; minrios, 50 bilhes; carbono,
19 bilhes; turismo, 13 bilhes; madeira, 3 bilhes (COUTINHO,
2001).
Com a ecloso da questo ambiental na Amaznia, a partir do final
da dcada de 1980, criou-se o mito da biodiversidade, baseado na
exportao de plantas medicinais, aromticas, inseticidas e corantes
naturais, como sendo a grande riqueza do futuro. Associa-se a esse
mito a ideia de exportar gua da Amaznia e da venda de crditos de
CO2 sequestrados das florestas, mediante o provvel bloqueio dessas
reas.
Um grande equvoco envolve a prpria definio da biodiversidade. A
mdia est transmitindo a errnea concepo de que a biodiversidade
da Amaznia algo mgico, por descobrir, que vai curar todos os males
(cncer, Aids, produtos geritricos, impotncia, sobretudo doenas
nobres de pases desenvolvidos, etc.), e que a populao regional vai
ganhar fabulosas riquezas (GONALVES, 2001; HOMMA, 2002;
PASTORE JNIOR; BORGES, 1998; VILELA-MORALES; VALOIS,
2000).
A produo de frmacos, aromticos, inseticidas e corantes naturais
poder atingir substancial valor na pauta de exportaes regionais,
principalmente pelos investimentos na rea de cosmticos, frmacos
e da fundao do Centro de Biotecnologia da Amaznia, que esto
1

Verso atualizada de Homma (2003c).

120

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

sendo realizados na Zona Franca de Manaus. O plantio comercial


de jaborandi da Merck em Barra de Corda, Maranho, indica a
importncia da verticalizao em associaes com as empresas
nacionais e multinacionais, caso contrrio, continuar-se- como
mera exportadora de matria-prima. No caso de plantas medicinais,
o interesse est relacionado com determinadas doenas de pases
desenvolvidos e de alto nvel de renda (colesterol, presso alta,
produtos geritricos, cncer, etc.).
Levantamento florstico realizado na Floresta Nacional de Carajs
(Flona Carajs) revelou a existncia de 25.716 plantas/hectare, dos
quais 6.008 plantas aptas colheita, com capacidade de produo de
120,16 kg de folha seca/hectare (MANEJO..., 1997). A mdia para o
Municpio de So Flix do Xingu de 84 kg de folha seca/hectare/ano,
com a colheita no perodo de setembro a abril.
O Ibama, por meio da Portaria 37-N, de 3 de abril de 1992, incluiu o
jaborandi na Lista Oficial de Espcies da Flora Brasileira Ameaadas
de Extino, dentre as 107 espcies de plantas do territrio nacional,
das quais 22 pertencem Amaznia Legal (SILVA et al, 2002).
O objetivo deste trabalho foi descrever o processo de extrao das
folhas de jaborandi, estimar o custo de extrao e as consequncias
do processo de domesticao, que pode ser similar a outros produtos
da biodiversidade. Os dados foram obtidos mediante entrevistas
com os coletores de folha de jaborandi localizados no Municpio de
Parauapebas, realizadas durante os meses de junho e agosto de 2003.
Resultam tambm de dados acumulados sobre o extrativismo de
jaborandi desde 1993, mediante entrevistas com coletores localizados
no Sudeste Paraense. Trata-se de um resgate dos coletores de folhas de
jaborandi que poder servir determinao de polticas pblicas de
domesticao de recursos da biodiversidade frente desagregao da
economia extrativa.

Descrio da planta
O jaborandi (Pilocarpus microphyllus Stapf ex. Wardl) um arbusto de
sub-bosque, pertencente famlia das Rutceas e ao gnero Pilocarpus,
encontrado, atualmente, nos estados do Maranho, Par, Piau e Bahia.
So conhecidas 14 espcies de jaborandi, das quais apenas trs no so
encontradas no Pas (MANEJO..., 1997).
Trata-se de uma planta nativa de regio de clima quente e mido, de
porte arbustivo verdejante e bastante ramificada, apresenta um bom
crescimento vegetativo em chapades arenosos, podendo tambm
ser encontrada em terrenos argilosos de baixa fertilidade e cobertos
por vegetao de capoeira, como em solos litlicos com afloramentos
rochosos (MARQUES; COSTA, 1994).

CAPTULO 6 - Extrativismo de folhas de jaborandi no Municpio de Parauapebas, Estado do Par

Os exemplares dessa espcie apresentam altura mdia de 2 m, com


folhas compostas medindo em mdia 40 cm e fololos coriceos, de
forma lanceolada. As flores so pequenas e dispostas em racimos
(cacho) compactos (Figura 1). Os frutos so dispostos em cachos
brancos contidos em cpsulas de crtex acinzentado e liso. Os fololos
retirados do rquis (eixo) contm, da infuso obtida, os alcaloides
pilocarpina, jaborina, pilocarpidina, jaboridina, jabonina e cidos
jabrico e pilocrpico.
Fotos: Jos Paixo da Silva.

Figura 1. Detalhe
de moita de arbusto
de jaborandi na
Floresta Nacional dos
Carajs, Municpio de
Parauapebas.

Histrico do uso
O yabor-di (planta que faz babar) era utilizado h vrios sculos
pelos ndios tupi-guarani, que mascavam as folhas desse arbusto. O
uso dessa planta para fins medicinais foi introduzido em Paris pelo
engenheiro militar pernambucano Joo Martins da Silva Coutinho,
em 1874. A descoberta do princpio ativo pilocarpina das folhas do
jaborandi foi efetuada simultaneamente, em 1876, na Frana por E.
Hardy e na Inglaterra por A.W. Gerrard (MANEJO..., 1997).
A histria da explorao comercial do jaborandi para fins medicinais
no tratamento de glaucoma iria surgir no Pas um sculo depois, em
face do interesse de Emanuel Merck, que desde 1820 investigava o
comportamento dos alcaloides. Um outro membro da famlia, Louis
Merck, defendeu uma tese de doutorado intitulada Contribuies ao
Conhecimento da Pilocarpina, apresentada em 1883 na Universidade de
Freiburg e, em 1885, efetuou o isolamento da pilocarpidina das folhas
de jaborandi. O uso das folhas de jaborandi no tratamento de glaucoma
remonta a 1876 e atribudo a Adolfo Weber (COSTA, 2012).
Das folhas de jaborandi so processados os sais de pilocarpina
(cloridrato de pilocarpina, nitrato de pilocarpina e pilocarpina base)
utilizados na formulao de colrios para tratamento do glaucoma,

121

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

122

reduzindo a presso intraocular. So tambm utilizados no tratamento


da radiao induzida xerostomia (efeito boca-seca), em tratamentos
ps-quimioterpicos dos cnceres da cabea e do pescoo, aprovado
pela Food and Drug Administration, em 1994 (FERREIRA, 2003;
MOURA, 2003; PASTORE JUNIOR; BORGES, 1998).
A Merck surgiu no Brasil, em 1923, na cidade de Palmira, interior de
Minas Gerais, para a produo de solventes e cidos orgnicos e, 10
anos depois, mudou-se para o bairro do Andara, no Rio de Janeiro,
passando ento a fabricar produtos qumicos e farmacuticos. O
interesse da Merck no aproveitamento industrial da coleta extrativa
das folhas do jaborandi para produo de pilocarpina fez com que, em
1968, instalasse em So Lus, Maranho, a Unidade Industrial Merck
Maranho (COSTA, 2012).
O uso da pilocarpina no tratamento do glaucoma, iniciado em 1876,
por Adolfo Weber, permaneceu at a dcada de 1960 como nico
tratamento disposio dos oftalmologistas para tratar a hipertenso
ocular, a despeito dos efeitos colaterais. Na dcada de 1970, surgiu o
maleato de timolol, em 1995, a dorzolamida e, em 1996, o latanoplost,
que vem sendo considerado como novo medicamento miraculoso no
tratamento do glaucoma, apresentando restries em razo de seu alto
preo.

Produo de jaborandi
O Estado do Maranho concentra a extrao de folha seca de jaborandi,
vindo depois os estados do Par, Piau e a quase insignificante
extrao da Bahia. A maior extrao no Pas ocorreu no ano de 1993,
apresentando uma tendncia decrescente. A extrao do Estado do
Par tem sido bastante irregular, de modo que em 2001 equivale a 5%
da produo mxima ocorrida em 1993 (Tabela 1).
Tabela 1. Extrao de folha seca de jaborandi em toneladas, no perodo de 19902012.
1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Brasil

1.374

1.260

1.257

2.422

2.280

2.155

723

1.415

1.313

1.613

1.235

1.146

Par

30

25

65

520

416

354

283

226

158

135

54

27

Maranho

1.279

1.194

1.152

1.867

1.825

1.761

431

1.179

1.145

1.471

1.174

1.113

Piau

66

38

38

33

38

40

Bahia

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Brasil

1.088

800

243

222

224

229

360

217

266

299

294

Par

19

19

29

10

10

30

33

35

Maranho

1.063

780

214

212

214

227

358

215

236

267

259

Piau

Bahia

Fonte: IBGE (2012).

CAPTULO 6 - Extrativismo de folhas de jaborandi no Municpio de Parauapebas, Estado do Par

Domesticao do jaborandi
Entendendo das limitaes do processo extrativo no fornecimento de
folha de jaborandi, decorrente da forte concorrncia entre a Unidade
Industrial da Vegetex e a Fitobrs, que levou a um extrativismo
predatrio, em 1989, a Merck implantou a unidade Agroindustrial
Fazenda Chapada, no Municpio de Barra do Corda, no Maranho.
Com 3 mil hectares, a fazenda possibilitou a concretizao de pesquisas
iniciadas em 1972, com o objetivo de domesticar o jaborandi e alcanar
a autossuficincia para a produo de pilocarpina, por meio do cultivo
racional dessa planta em larga escala (MANEJO..., 1997; 2003).
Na Agroindustrial Fazenda Chapada existem 500 ha com 15 milhes de
ps de jaborandi plantados com irrigao com pivot central, utilizando
as mais modernas tcnicas agrcolas e processo de colheita e secagem
totalmente mecanizado. Esse plantio fez com que a Merck atingisse a
autossuficincia de matria-prima em 1999.
Deve-se reconhecer o esforo da Merck no processo de domesticao do
jaborandi, apesar de ainda apresentar inmeros desafios agronmicos.
A partir do quarto ano j possvel efetuar o corte das folhas, cuja
densidade alcana 60 mil plantas/hectare, permitindo 5 a 6 cortes por
ano, com 1,2 mil quilos de folha seca/hectare/colheita, obtendo-se 6 mil
a 7,2 mil quilos/hectare/ano. O teor de pilocarpina estimado em 0,6%
mnimo 1,2% mximo, obtendo-se a produtividade de 36 kg/ha/ano
a 43,20 kg/ha/ano ou 10.800 kg a 12.960 kg na rea total do plantio
existente.
Na Agroindustrial Fazenda Chapada, alm do jaborandi, outros 400 ha
esto plantados com fava-danta (Dimorphandra gardneriana Tul.),
que uma leguminosa arbrea, nativa dos cerrados brasileiros, com
grande incidncia nos estados do Maranho e do Piau. O esforo
da domesticao da fava-danta, cuja casca do fruto rica em rutina,
tambm conhecida como vitamina P, substncia medicamentosa usada
no tratamento de varizes e fragilidade capilar, vem recebendo grande
ateno por parte da Merck desde 1996.
A Unidade Industrial Merck Maranho produz em mdia 450 t de
rutina por ano, atendendo cerca de 40% das necessidades mundiais
dessa substncia. Como subproduto da extrao da rutina, a Unidade
Industrial Merck Maranho fabrica rhamnose e quercetina.
A Unidade Industrial Vegetex, em Parnaba, Estado do Piau, foi
implantada logo aps a do Maranho e produz anualmente 9 t de
pilocarpina que, alm de atenderem s necessidades nacionais, so
exportadas para Amrica do Norte, sia e Europa. A produo de
folhas de jaborandi da Agroindustrial Fazenda Chapada representa
60% do necessrio para manter a produo de pilocarpina na Vegetex.

123

124

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Com a autossuficincia da Merck decorrente dos plantios em Barra


do Corda, as compras de jaborandi no Sudeste Paraense passaram a
ser monopolizadas pela Sourcetech Qumica Ltda., uma empresa
brasileira dedicada ao desenvolvimento e produo de matrias-primas
e medicamentos de origem natural e de compradores avulsos ligados
a indstrias de cosmticos. A Sourcetech est implantada na cidade
de Pindamonhangaba, distante 150 km de So Paulo, onde possui
instalaes para a produo de extratos vegetais, refino e isolamento
de princpios ativos e produo de alcaloides.

Extrativismo de folhas de jaborandi no


Municpio de Parauapebas
O sistema de coleta envolve a formao de uma equipe de 10 a 12 pessoas,
no qual existe um lder que, alm de coletar as folhas de jaborandi,
encarregado de localizar as reboleiras, que constituem as maiores
concentraes de jaborandi, para permitir a maior produtividade do
grupo. A compensao do trabalho do lder da equipe de receber
um pagamento de 15% a 20% superior aos dos demais membros,
compensando a sua menor produo. Existe um lder que coordena os
diversos grupos e fica na cidade, encarregado de contratar transporte
para conduzir as equipes, caminho para transportar as folhas e de
negociar as folhas coletadas. Esse lder dos grupos encarregado de
conseguir o adiantamento do rancho tanto para os coletores de folha
como para as suas famlias. O custo do rancho para uma equipe de
10 a 12 pessoas, consistindo de arroz, feijo, farinha, carne de sol,
sal, acar, caf, leo, alho, cebola, extrato de tomate e macarro,
est estimado em R$ 1.000,00, que sero descontados no final da
coleta, bem como o rancho entregue para cada famlia de coletores,
estimado entre R$ 70,00 a R$ 100,00, para passar o ms. frequente
alguns coletores descumprirem o perodo estabelecido para coleta, por
motivo de doena ou quebra do acordo, arcando o lder do grupo com
o prejuzo do financiamento do rancho e da produo obtida.
Trata-se de um servio essencialmente masculino, decorrente da vida
no acampamento, da dificuldade de locomoo no emaranhado da
mata e do transporte de folhas, subindo e descendo reas montanhosas
e pedregosas.
A coleta do jaborandi no Estado do Maranho no seu auge chegou a
envolver 25 mil famlias e no Estado do Par, cerca de 1,2 mil famlias.
No Estado do Par, a ocorrncia natural de jaborandi foi verificada
nos municpios de So Flix do Xingu, Parauapebas, principalmente
na Serra dos Carajs, Altamira, Marab e Moju.
A Cooperativa de Colhedores de Folha de Jaborandi, fundada em
1997, com 60 associados, paga para seus membros R$ 1,70/kg de folha

CAPTULO 6 - Extrativismo de folhas de jaborandi no Municpio de Parauapebas, Estado do Par

seca e revende a R$ 3,50 a R$ 4,00 para a Sourcetech Qumica Ltda


(QUASE..., 2003). A Merck S.A. Indstrias Qumicas no adquire
mais folhas de jaborandi desde o ano 2000, levando a uma crise para
o setor extrativo. Do valor vendido pela Cooperativa de Colhedores
de Folha de Jaborandi, 20% entregue para o Ibama. Em So Flix do
Xingu, o recolhimento para o Ibama de 10% em funo da menor
rentabilidade da atividade (PLANO..., 2002). Essa cobrana pelo
Ibama para custear eventuais despesas de vistoria nas reas de coleta
quanto adoo de procedimentos recomendveis de coleta de folhas
de jaborandi.
As folhas de jaborandi so classificadas de acordo com a qualidade da
secagem, que determina o teor de pilocarpina. Basicamente h trs
tipos: AA que cotado a R$ 5,20/kg, o tipo A por R$ 4,00/kg e o tipo
B por R$ 3,20/kg. Dificilmente os compradores classificam as folhas
como sendo do tipo AA, colocando sempre algum defeito decorrente
da fermentao das folhas, da presena de galhos finos, etc.
A Cooperativa dos Colhedores de Folha de Jaborandi trabalha na
Floresta Nacional de Carajs, que ocupa uma rea de 412 mil hectares,
formada pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e registrada
no Ibama. A CVRD exerce poderoso controle na entrada e sada
dos extratores na Flona Carajs e a criao da Cooperativa foi uma
estratgia para exercer maior vigilncia quanto coleta ilegal que era
praticada at 1997. Ao mesmo tempo, tende a limitar o apoio com
receio da criao de outras iniciativas similares como a de coletores de
castanha-do-par, copaba, babau, entre outros.

Montagem do acampamento dos


folheiros, materiais e equipamentos
Por se tratar de um extrativismo expedicionrio, para o acampamento
h necessidade de construo de um barraco nas dimenses de 8 m
x 8 m, aproveitando as rvores do local para acomodar as redes para
10 a 12 pessoas, mantimentos, ferramentas e preparao de refeies.
Para armar um barraco, o trabalho de 10 pessoas durante meio dia
suficiente para cortar a madeira e estender a lona de plstico preta
de 10 m x 10 m por cima. O local escolhido para o acampamento
prximo a um curso de gua e de secagem das folhas em uma clareira
aberta na vegetao, estendido em uma lona plstica preta ou um
lajeado de pedra.
Alm da barraca para acomodao e para cozinhar, um outro barraco
de 5 m x 5 m necessrio para armazenar as folhas de jaborandi secas
e ensacadas, que devem estar afastadas do cho por meio de troncos.
Utiliza-se uma lona plstica preta de 6 m x 8 m para a sua cobertura.

125

126

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

As ferramentas necessrias so uma tesoura de poda, que custa


R$ 30,00 e, com cuidado, pode durar 10 anos, sendo necessria a
substituio da mola para cada safra, que custa R$ 2,00, e um terado
com bainha, que custa R$ 8,00 com durabilidade de 3 anos. A perda
da tesoura implica no desconto no valor da produo auferida. Um
rolo de barbante custa R$ 2,00 e suficiente para costurar 50 sacos,
adquiridos a R$ 0,50/unidade.
Cada colhedor de folha leva utenslio de cozinha, como panelas,
pratos, copos plsticos, talheres e medicamentos diversos (para dor
de cabea, febre, cortes, diarreias, lcool, etc.), no valor de R$ 30,00/
equipe. Ataques de carrapatos e, em casos severos, de leishmaniose
tm sido verificados.
O transporte dos coletores, dos materiais, dos equipamentos para
montagem dos barraces e para a coleta das folhas do jaborandi e
do rancho para a equipe efetuado mediante aluguel de veculo
at o local mais prximo da rea a ser acampada, tanto na ida como
no retorno. Algumas vezes necessrio efetuar a mudana de local
em virtude da baixa produo ou da distncia para o transporte das
folhas, implicando em novo aluguel de veculo, que custa R$ 150,00
por viagem.

Extrao da folha os folheiros


A produo de folhas dos arbustos de jaborandi varia entre 0,5 kg a
1 kg de folha verde durante o ano, sendo necessrio deixar descansar
1 ano, aproximadamente, para realizar a prxima colheita. O trabalho
de corte de folhas efetuado por equipes de 10 a 12 pessoas que
permanecem acampadas por um perodo de 25 a 30 dias nos locais de
proliferao do jaborandi. O trabalho de colheita comea s 7h e vai
at 13h. Depois, h necessidade de efetuar o transporte das folhas at o
acampamento e colocar para a secagem.
Uma pessoa colhe aproximadamente 60 kg de folha verde por dia,
que so convertidos em 30 kg de folha seca. Um volume maior vai
depender das reboleiras existente e da adoo de procedimentos no
recomendveis para a recuperao da planta, podendo alcanar at
100 kg/dia de folha verde. Uma equipe com 10 a 12 pessoas chega
a coletar 5 mil quilos de folha seca por um perodo de 30 dias de
acampamento, dependendo do local.
O processo de colheita pode ser pelo sistema tradicional de raspagem,
no qual com a mo so retiradas todas as folhas da planta, prejudicando
a sua regenerao, sistema muito utilizado na coleta clandestina no
passado. O sistema de poda efetuado com tesouras com o corte
de apenas parte das folhas, deixando-se as folhas e ramos residuais
para ajudar na recuperao. O sistema de raspagem permite uma

CAPTULO 6 - Extrativismo de folhas de jaborandi no Municpio de Parauapebas, Estado do Par

127

produtividade quase trs vezes superior poda no primeiro ano, mas


tende a declinar nos anos subsequentes.
Para proporcionar a regenerao do jaborandi, a poca chuvosa seria
a mais apropriada para a colheita, de outubro a abril, quando ocorrem
os maiores ndices de precipitao em Parauapebas. Ressalta-se que,
nesse perodo, as dificuldades aumentam para o processo de secagem
e transporte, aumentando os custos de produo, apesar da maior
disponibilidade de mo de obra (Tabela 2).
Tabela 2. Custo de preparao de 1,5 mil quilos de sementes para produo de 75 L de leo de
andiroba, Municpio de Tom-Au, Par (2003).
J
282,34

F
311,26

M
338,02

A
263,29

M
131,09

Chuva

J
37,05

J
17,45

A
27,09

S
62,81

Perodo menos chuvoso

Fonte: Homma (2003c).

Os sacos so utilizados para colocar as folhas de jaborandi medida


que so coletados, sendo denominados de borroca, e levados para
o local de secagem. Esses sacos so amarrados na cintura e, durante
um acampamento de coleta, chegam a rasgar 5 a 6 sacos em razo da
caminhada no emaranhado da vegetao.
Ultimamente est havendo procura de sementes que esto sendo
cotadas a R$ 150,00/kg, devendo ser colhidas enquanto estiverem
com as cpsulas ainda verdes, uma vez que, quando estas se abrem, as
sementes so lanadas para distncias que atingem 5 m. A produo
por planta de 3 g/ano, totalizando 50 sementes. O ms de coleta de
sementes julho.

Secagem das folhas


As folhas coletadas durante o perodo de 7h at 13h so ento levadas
para o acampamento, estendidas em uma lona de plstico preta ou em
um lajeado de pedra e reviradas de hora em hora. Na poca seca, uma
tarde de sol suficiente para proceder a secagem das folhas, que so
deixadas de um dia para outro cobertas para absorverem um pouco de
umidade antes do ensacamento na manh do dia seguinte antes de ir
para nova coleta. Evita-se ensacar logo aps a secagem, uma vez que
as folhas tornam se extremamente quebradias, ocasionando grandes
perdas.
O ensacamento efetuado em sacos de fibra anteriormente usados
com trigo, adubo, raes, entre outros, socando as folhas com um
basto, com a capacidade de 60 kg, pesando cada saco entre 25 kg a
30 kg de folha seca que so transportados at o local de embarque.
Cada saco identificado com o coletor para a medida da produo e
do acerto de contas final.

O
127,96

N
157,45

D
232,21

Chuva

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

128

Foto: Jos Paixo da Silva.

Quando a colheita efetuada no inverno, necessria a construo de


uma estufa solar para secar as folhas (Figura 2). Uma estufa padro
mede em torno de 5 m x 10 m, sendo a largura no final de 3,5 m. A
construo dessa estufa obedece alguns princpios de termodinmica,
efetuando a maior largura na boca de 5 m e no fundo de 3,5 m, com
10 m de comprimento e suspensas na parte central com trs forquilhas
de 1,5 m e nas laterais de 0,60 m. A lona de plstico preta deve formar
uma piscina de 3 cm a 5 cm de altura, na qual a lona de plstico
branca deve ficar por baixo da lona de plstico preta para permitir o
escoamento do suor das folhas.
Para montar essa estufa necessrios o servio de 3
pessoas durante 1 dia. As folhas permanecem nessa
estufa durante 4 a 5 dias, dependendo da intensidade
do sol no inverno. Para isso, necessria uma lona
de plstico preta para forrar o cho na dimenso de
10 m x 10 m, que custa R$ 3,50/metro, e uma lona
de plstico branco para cobertura nas dimenses de
18 m x 8 m, que custa R$ 5,00/metro. A durabilidade
da lona de plstico branco de 6 meses, uma vez que
resseca. A capacidade de secagem dessa estufa de
mil quilos de folha verde, com camada que no pode
ser superior a 20 cm.

Figura 2. Detalhe da
estufa para secagem
de folha de jaborandi
durante o perodo
chuvoso.

O uso da estufa para casos extremos de pouca


luminosidade, uma vez que sua capacidade bastante
limitada, exigindo a construo de outro barraco
menor de 6 m x 8 m, coberto com lona de plstico
preta nas dimenses de 10 m x 10 m, que custa
R$ 3,50/metro, para armazenar a folha verde que
est sendo coletada at desocupar a estufa. O teor de
umidade desejado de 12% para as folhas secas no final do processo de
secagem da estufa, sob risco de perder as folhas.

Transporte das folhas


O transporte de 2,5 mil a 3 mil quilos de folha seca de jaborandi do
local da coleta at o local de embarque do caminho pode atingir
distncias de at 10 km, chegando a consumir 2 a 3 dias de servio de
toda a equipe, e feito no ombro. Esse transporte feito em etapas, em
sucessivos tombos, evitando-se o deslocamento completo do local de
secagem na mata at o ponto de embarque do caminho para armazm
na sede do municpio.
O transporte de caminho do local da coleta at o armazm na cidade
de Parauapebas custa R$ 350,00 para transportar 60 a 70 sacas, pesando
3,5 mil quilos (Figuras 3 e 4). Quando a armazenagem se estende
por um longo perodo, as perdas podem chegar a 15% decorrente da

CAPTULO 6 - Extrativismo de folhas de jaborandi no Municpio de Parauapebas, Estado do Par

Foto: Jos Paixo da Silva.

Figura 3. Transporte
de folhas de jaborandi
secas e ensacadas para
o armazm na cidade de
Parauapebas.

Foto: Jos Paixo da Silva.

secagem das folhas. A cobrana de 20% do Ibama para o Municpio


de Parauapebas e de 10% em So Flix do Xingu efetuada com o
peso e o preo da venda depositada diretamente pelo comprador. O
local de armazenamento deve ser seco e ventilado em cima de um
estrado, evitando-se o contato com o cho, e dispor de uma balana
com capacidade de 200 kg, que custa R$ 709,00 e tem durabilidade de
10 anos.

Figura 4. Detalhe do
transporte de folha
de jaborandi secas
no Municpio de
Parauapebas. comum
fundir dois sacos para
aumentar o contedo
das folhas a serem
transportadas.

Em So Flix do Xingu, o transporte feito por veculos utilitrios,


aproveitando as estradas abertas por antigos madeireiros, e custa
R$ 400,00 a R$ 500,00 por carga, chegando bem prximo dos locais
de coleta. Durante o perodo de extrao madeireira era comum os
extratores aproveitarem a carona do transporte de madeira, colocando
sacos de folha seca de jaborandi em cima das toras de madeira. Com
a crise madeireira, essa forma de transporte ficou difcil e a falta de
emprego est levando coleta de folha de jaborandi como uma
alternativa para fugir da crise. Em So Flix do Xingu, comum o uso
de animais de carga, que conseguem transportar 120 kg por viagem.
O frete de So Flix do Xingu para So Paulo custa R$ 300,00/t e um

129

130

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

caminho trucado consegue transportar 10 t ao custo de R$ 3.000,00.


Esse preo elevado decorrente das pssimas condies das estradas,
especialmente no trecho de So Flix do Xingu a Xinguara, onde uma
extenso de 267 km consome quase 10 horas no trajeto. O proprietrio
da rea onde se encontra as reservas de jaborandi cobra 10% do valor
da produo obtida.

Estimativa dos custos de produo


Foi efetuada uma estimativa do custo de produo da coleta de folha de
jaborandi e do valor da remunerao da mo de obra. Por se tratar de
um extrativismo expedicionrio, os investimentos no local de extrao
consistem apenas de barracas de lonas de plstico, lonas plsticas para
secagem, tesouras de poda, terados, sacarias e utenslios domsticos.
O transporte dos coletores e da folha de jaborandi seca efetuado com
veculos alugados no municpio.
No que se refere aos coletores, considerando uma coleta de 5 mil quilos
de folha seca para 12 coletores, ter-se- uma mdia de 416,67 kg/pessoa
e, como vendem a R$ 1,70, depreende-se que tm uma receita bruta de
R$ 708,34. Desse valor devem ser subtradas as despesas comuns dos
coletores, que perfazem R$ 160,44, obtendo-se um saldo lquido de R$ 547,90
referente a um ms de trabalho na atividade de coleta (Tabela 3).
Tabela 3. Principais componentes do custo de extrao da folha de
jaborandi, considerando uma equipe de 12 pessoas e 5 mil quilos de folha
coletada (agosto, 2003).
Componentes
Aquisio de rancho

Quantidade
12 pessoas

Aquisio de medicamentos 12 pessoas


Transporte dos coletores
ida e volta
Caminho para transportar
jaborandi

Unidade Gasto total Custo total


R$ 1,00
R$ 1,00
R$ 1,00
1,00
1.000,00
1.000,00
1,00

30,00

30,00

2 viagens

150,00

300,00

300,00

1 viagem

350,00

350,00

350,00
100,00

Sacaria

200 sacas

0,50

100,00

Barbante

3 rolos

2,00

6,00

6,00

Molas para tesoura

12 molas

2,00

24,00

24,00

Lona plstica barraca para


alojamento

10 metros

3,50

35,00

7,00

Lona plstica barraca para


estocar folha

5 metros

3,50

17,50

3,50

Lona plstica preta para


secagem de folha

12 lonas

35,00

420,00

84,00

Tesoura Corneta para poda

12 unidades

30,00

360,00

14,40

Terados com bainha

12 unidades

8,00

96,00

6,40
1.925,30

Nota: Foi considerada a durabilidade das lonas plsticas para 5 meses de coleta, das tesouras para 5
anos e dos terados para 3 anos, utilizando durante 5 meses/ano.

CAPTULO 6 - Extrativismo de folhas de jaborandi no Municpio de Parauapebas, Estado do Par

Ao lder do grupo de coletores cabe a tarefa de conseguir a Autorizao


para Transporte de Produtos Florestais (ATPF), a vistoria da rea
por engenheiro-florestal particular e por um tcnico do Ibama, que
implica em constantes deslocamentos para a cidade de Marab. A
responsabilidade na comercializao das folhas de jaborandi e do
aluguel de um depsito para armazenar as folhas enquanto aguarda a
venda so outras atribuies do lder do grupo (Tabela 4).
Alm das despesas acima mencionadas, o lder do grupo dever
depositar na conta do Ibama o correspondente a 20% do valor
comercializado para o coletado em Parauaebas e 10% para o jaborandi
coletado em So Flix do Xingu.
Tabela 4. Despesas referentes comercializao das folhas de jaborandi,
considerando uma produo de 5 mil quilos de folha seca (agosto, 2003).
Atividades
Pagamento aos coletores
Recolhimento de 20% para o Ibama
Aluguel do armazm
Balana Filizola

Gasto total
R$ 1,00
5.000 kg x R$ 1,70

Custo total
R$ 1,00
8.500,00

3.150,00

3.150,00

250,00/ms

250,00

709,00

5,06

1.000,00

71,43

Vistoria do Ibama

750,00

53,57

Despesas com deslocamento e vistorias

600,00

42,85

Vistoria do engenheiro-florestal

ATPF

10,00

10,00

Deslocamentos para Marab

50,00

50,00

1.000,00

1.000,00

Salrio mensal do lder


Salrio mensal do ajudante
Total

300,00

300,00
13.432,91

Nota: Foi considerado o preo de comercializao de R$ 3,50/kg de folha de jaborandi seca. Os custos
das vistorias do engenheiro-florestal e do Ibama foram diludos para uma extrao equivalente de
70 t de folha seca durante uma safra. A depreciao da balana foi considerada para uma vida til
de 10 anos.

Para o lder do grupo, considerando a extrao de 5 mil quilos de folha


seca e uma perda mdia de 10% em razo da secagem no armazm,
tem-se uma receita bruta de R$ 15.750,00 que, subtradas as despesas de
extrao e comercializao no valor de R$ 13.432,91, tem-se um saldo
lquido de R$ 2.317,09. Esse valor lquido seria o lucro da Cooperativa
dos Catadores de Folhas de Jaborandi, que depende da produtividade
da coleta que oscila para um grupo de 12 catadores entre 3 mil quilos a
5 mil quilos. Com a produtividade de 5 mil quilos, o custo de extrao
de folha de jaborandi de R$ 2,68/kg. Considerando uma extrao de
3,5 mil quilos de folha seca, o lucro lquido cai para R$ 1.088,10 e o
custo de extrao da folha de jaborandi sobe para R$ 2,83/kg.

Consideraes gerais
A atividade econmica de extrao de folha de jaborandi proporciona
aos coletores uma remunerao mensal equivalente a 2,28 salrios

131

132

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

mnimos nos meses em que estiverem envolvidos na coleta. O custo


de extrao da folha de jaborandi, dependendo da densidade de
ocorrncia, pode variar de R$ 2,68 a R$ 2,83/kg. Conclui-se que,
decorrente da falta de organizao, do baixo preo pago pelas folhas,
do custo de aluguis de veculos para transporte e da cobrana pelo
Ibama, os catadores de folhas constituem em operrios sem direitos
trabalhistas das indstrias de cosmticos e de frmacos. Uma possvel
ajuda para os extratores seria a aquisio de um veculo para transporte
de coletores de folhas e ajuda na comercializao com empresas
nacionais e externas.
A domesticao do jaborandi pela Merck constitui um exemplo de
investimento de pesquisa no qual todo o beneficio econmico foi
totalmente apropriado pela empresa. A domesticao do jaborandi
promoveu a concentrao da produo, entendida pela Merck como
a maneira de salvaguardar o fornecimento de matria-prima afetada
pela depredao das reas de ocorrncia natural.
A domesticao da fava-danta, tambm em execuo pela Merck,
constitui a repetio do exemplo do jaborandi, que pode ser estendida
para outros recursos da biodiversidade, principalmente para a produo
de fitofrmacos e de componentes da indstria de cosmticos.
H necessidade de se criar mecanismos para que esses resultados
possam ser democratizados para atender aos interesses dos agricultores
locais. A gerao de tecnologia de domesticao de produtos da
biodiversidade pela iniciativa privada tem o aspecto positivo do estado,
no intuito de investir em outros setores mais prioritrios ou que no
conseguem capturar os benefcios privados. Entretanto, constitui
em limitao para a difuso da produo familiar como alternativa
econmica.
A nfase exagerada sobre as potencialidades da biodiversidade da
Amaznia como sendo a redeno econmica da regio esconde
surpresas, pois os benefcios para a agricultura familiar podem ficar
totalmente restritos. As possveis vantagens comparativas dos recursos
extrativos existentes so destrudas pela domesticao ou pela extrao
predatria.
Com a sada da Merck na comercializao do jaborandi extrativo,
os trabalhadores passaram a ser coletores de encomendas avulsas e
incertas da Sourcetech e das indstrias de cosmticos. A descoberta
de substitutos da pilocarpina no tratamento de glaucoma coloca
em questo a prpria importncia do jaborandi no futuro. Como
aconteceu com a cinchona no tratamento da malria, os fitofrmacos
apresentam ciclos de utilidade, sujeitos ao desenvolvimento cientfico
e tecnolgico.

Introduo1
A modernidade do agronegcio do aa (Euterpe oleracea), nas
vrzeas mais prximas da cidade de Belm, est presente nas antenas
parablicas, nos aparelhos de TV e de som, na antena de telefone
celular, no barco e no atracadouro defronte casa erguida sobre estacas,
nas bombas para puxar gua do rio para a casa, nos geradores eltricos
e nas baterias. Sinal de luxo, reluzentes mquinas de beneficiar aa
movidas a gerador enfeitam o interior de diversas casas, deixando para
trs a trabalhosa tarefa de amassar com as prprias mos. Soalhos de
madeira brilhantes no interior dessas casas contrastam com a moldura
dos aaizais manejados ao redor. As antigas casinhas com alguns ps
de aaizeiros de 10 anos atrs, que lembravam as idlicas paisagens que
Paul Gauguin (1848-1903) pintou, quando, em 1891, partiu para o Taiti,
sofreram grandes transformaes. Esse pintor do ps-impressionismo
francs que retratou a beleza do povo e os mitos subjacentes religio
tradicional do Taiti projetou uma viso idealizadora da vida nativa
que difere dos moradores ribeirinhos do passado. O crescimento da
demanda do fruto de aa provocou grande interesse no manejo de
aaizeiros nas reas de vrzeas e no plantio em reas de terra firme.
Com o crescimento do mercado dessa fruta, tem expandido, tambm,
o plantio em reas de terra firme, em antigas reas de pimentais
(Piper nigrum), de roas abandonadas, de novos plantios envolvendo
consrcios com outras espcies frutferas como cacaueiro (Theobroma
cacao), cupuauauzeiro (Theobroma grandiflorum), bacurizeiro
(Platonia insignis), uxizeiro (Endopleura uxi), pequiazeiro (Caryocar
villosum), entre outras, e como etapa final de cultivos semiperenes, tais
como: maracujazeiro (Passiflora edulis f. flavicarpa), bananeira (Musa
spp.), pimenteira-do-reino, ou aproveitando pastagens degradadas.
Nesse sentido, a mesorregio do Nordeste Paraense tem despertado
a ateno dos produtores no plantio de aaizeiros, muitos deles
procurando inovar tcnicas de cultivo em processo de erro/acerto,
1

Homma (2006a)

134

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

visando desenvolver sistemas de cultivo apropriados, aumentar a


produtividade e a produo, tanto na safra como na entressafra.
O plantio de aaizeiro em reas de terra firme representa excelente
alternativa para a recuperao de reas desmatadas, como tambm
para reduzir a presso sobre o ecossistema de vrzea, muito mais
frgil, evitando sua transformao em bosques homogneos dessa
palmeira. Outra vantagem no plantio de aaizeiros em reas de terra
firme est relacionada com a facilidade de transporte rodovirio e de
beneficiamento de forma mais rpida, sem depender do transporte
fluvial mais lento.
A possibilidade de se efetuar adubao em reas de terra firme
permite ampliar as possibilidades de aumentar a produo e a
produtividade. Nas reas de vrzea, por sofrerem inundao diria,
a prtica da adubao no possvel, somente os tratos culturais de
limpeza e manejo dos perfilhos e a contnua retirada dos frutos.
de se questionar quanto sua sustentabilidade em longo prazo, pois
no se sabe consistentemente se a contnua exportao de nutrientes,
decorrente da retirada dos frutos, est sendo reposta pelos sedimentos
carreados pelas inundaes peridicas, em quantidades e propores
adequadas. Essa sustentabilidade est relacionada com a qualidade da
gua, que apresenta variao na quantidade de sedimentos (rios de
guas barrentas, pretas, etc.) e no grau de utilizao dessas reas no
passado.
Outra possibilidade est relacionada com o cultivo de aaizeiro irrigado
ou em reas que dispensam a irrigao como alternativa para se obter o
aa fora da poca, conseguindo at o triplo do preo da poca da safra
e a colheita em condies menos inspitas que nas vrzeas.

Riscos ecolgicos nas vrzeas


Nas reas de vrzeas, aaizais nativos manejados esto concentrados
no esturio dos rios Tocantins, Par e Amazonas. No Municpio
de Igarap-Miri, Par, essa prtica comeou no incio da segunda
metade da dcada de 1990, em reas sujeitas inundao das mars
(NOGUEIRA et al., 2005). Esse fenmeno resulta de foras de atrao
que o sol e a lua exercem sobre a massa lquida da terra, ocasionando,
assim, oscilaes peridicas do nvel da gua dos oceanos, at certo
ponto bastante regulares. Essas variaes so denominadas fluxo
e refluxo ou, como referenciado na linguagem dominante local,
enchente e vazante. A enchente consiste na elevao gradual do nvel
dgua, que demora um perodo de 6 horas e 12 minutos at atingir sua
cota mxima, sendo denominada preamar. Nesse ponto permanece
por mais ou menos 7 minutos at o incio do refluxo. A vazante ,
assim, o rebaixamento do nvel dgua, igualmente durante um tempo
aproximado de 6 horas e 12 minutos, at atingir seu nvel mnimo, o

CAPTULO 7 - Aa: novos desafios e tendncias

baixamar. Nesse momento, do mesmo modo, o nvel estabiliza-se por


mais 7 minutos at reiniciar o fluxo (MARQUES, 2004).
Nas vrzeas, o manejo de aaizais nativos vem promovendo a
derrubada verde (sem queima) de reas ribeirinhas sujeitas s
inundaes por mars. Com a construo de canais para facilitar
a drenagem da gua inundada, h grande movimentao de canoas
e barcos para o transporte de frutos, causando srias consequncias
para a flora e a fauna. Essas reas, no passado, pela facilidade de
transporte na gua, sofreram forte explorao madeireira e intensivo
extrativismo de cacau, de sementes de oleaginosas, em particular da
andirobeira (Carapa guianensis) e ucuubeira (Virola surinamensis)
e de ltex de seringueira (Hevea brasiliensis). O cultivo da cana-de-acar (Saccharum officinarum) tambm foi uma atividade de relativa
importncia nessas reas.
Antes da expanso da demanda de frutos do aaizeiro, a extrao tinha
por objetivo o consumo domstico, com pouca venda de excedente,
associado produo de alimentos como arroz (Oryza sativa) e
mandioca (Manihot esculenta), captura de peixes e camares e ao
cultivo da cana-de-acar para aguardente. A partir da dcada de
1970, essas reas sofreram fortes derrubadas dos aaizeiros para
extrao do palmito, o que levou o presidente Ernesto Geisel a assinar
a Lei 6.576/78, proibindo a sua derrubada, que no obteve xito. A
valorizao do fruto teve efeito positivo sobre a conservao de
aaizais. Os aaizeiros, nas reas prximas aos grandes mercados
consumidores de aa da Amaznia, deixaram de ser derrubados para
a extrao de palmito e passaram a ser mantidos na rea para produo
de frutos (NOGUEIRA; HOMMA, 1998).
A quase totalidade da rea destinada para o manejo de aaizais nas
vrzeas constituda de vegetao secundria (capoeira), que j sofreu
forte extrao madeireira no passado. Outras reas incorporadas
so matas de vegetao primria, que sofreram extrao de ltex de
seringueira, sementes de andiroba e ucuuba, etc., onde necessrio
efetuar derrubadas de rvores mais grossas e de buritizeiros (Mauritia
flexuosa) com quase 1 m de dimetro. Uma particularidade nas reas
manejadas a no utilizao do fogo, em decorrncia dos danos que
provoca nos perfilhos e plantas jovens oriundas da regenerao natural.
A biomassa resultante da derrubada deixada no local, apodrecendo
no prazo de 1 ano. Assim sendo, as imagens de satlites no detectam
facilmente esse tipo de derrubada. O uso da motosserra descartado
em favor do machado, uma vez que fica mais fcil manobrar a queda de
rvores e de buritizeiros de grande porte, sem prejudicar as touceiras
de aaizeiros.
A adoo da prtica do manejo consiste na remoo da cobertura
vegetal original em reas onde se encontram aaizeiros cuja densidade
varivel e em competio com outras espcies dominantes, mas com

135

136

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

chances de sua proliferao, estas reas so escolhidas (NOGUEIRA,


1997). Alguns produtores efetuam a substituio integral da cobertura
vegetal original, privilegiando apenas os aaizeiros que so plantados
nos espaos livres. Outros produtores adotam sistema de substituio
parcial, deixando buritizeiros do sexo feminino e eliminando os de
sexo masculino, pelo fato de no produzirem frutos. A eliminao
de buritizeiros do sexo masculino uma prtica condenvel, pois,
dependendo do nmero de plantas derrubadas, poder tornar
improdutivas as plantas de sexo feminino pela no disponibilidade
de gros de plen que possibilitem a fecundao e a consequente
converso de flores em frutos. Diversas outras espcies so tambm
derrubadas para abrir espaos para os aaizeiros, entre as quais: a
sumaumeira (Ceiba pentandra) e o cacaueiro.
Apesar da imagem de sustentabilidade dos aaizais manejados nas
vrzeas, uma expanso em larga escala dessa prtica na foz do Rio
Amazonas esconde elevados riscos ambientais em mdio e longo
prazos. Os ribeirinhos interessados no manejo de aaizeiros, com
recursos do FNO e do Pronaf, sempre procuram fazer mais do que
foi especificado nos contratos. Trata-se de um comportamento atpico,
que no se verifica nas culturas de terra firme, em face da lucratividade
e do mercado favorvel para a venda de frutos do aaizeiro.
H dificuldade em adquirir grandes propriedades nas reas de
vrzeas, constitudas por moradores tradicionais, cuja venda ocorre
mais em decorrncia de herana ou problemas familiares, alm do
complexo sistema de posse. Esse aspecto tende a dificultar a entrada
de agricultores sulistas ou mais capitalizados e aqueles acostumados
a viver na beira de estrada. A civilizao das vrzeas coloca
comportamentos culturais e modernidades mais peculiares que a
agricultura empresarial e, para uma atividade altamente intensiva
em mo de obra na colheita e com a dificuldade de mecanizao,
dificilmente grupos capitalistas vo se envolver no processo
produtivo nas reas de vrzeas, podendo, no entanto, se envolver no
sistema de beneficiamento. As campanhas eleitorais nas vrzeas, por
exemplo, so feitas em barcos com motores e alto falantes que ficam
apregoando para os distantes moradores ribeirinhos localizados ao
longo dos canais que entremeiam a mesopotmia da foz dos rios
Tocantins, Par e Amazonas.
A utilizao e aplicao do herbicida glifosato, apesar de no ser
prtica comum para controle de batatarana [Ipomoea asarifolia (Desf.)
Roem. & Schult.], planta da Famlia Convolvulcea, espcie de erva
trepadeira ou rastejante que se enrosca nas copas de aaizeiros nas
reas manejadas provocando a asfixia, constitui prtica condenvel.
utilizada por alguns ribeirinhos para reduzir os custos de manejo.
A utilizao de herbicida em reas de vrzeas sujeitas a inundaes
peridicas apresenta alto potencial de contaminao das guas

CAPTULO 7 - Aa: novos desafios e tendncias

ribeirinhas. A abertura de valetas em curva de nvel para escoamento


da gua promove uma rpida drenagem e facilita a conduo do
aaizal, podendo ter consequncias no processo produtivo em mdio
e longo prazos.

Impactos indiretos
A colheita dos cachos inclui a debulha dos frutos e o seu transporte at
o local do embarque, efetuado nas costas ou em pequenas embarcaes
a remo (cascos) e paga-se R$ 3,00/rasa. A rasa uma medida local
que consiste em duas latas de 20 L (28,4 kg). A rasa confeccionada
com talos de arum (Ischnosiphon ovatus Kcke.), planta da famlia
das Marantceas, qual pertence a araruta (Maranta arundinacea).
A confeco das cestas de arum feita por moradores locais e custa
R$ 2,50/unidade, com capacidade para duas latas, ou R$ 1,00/unidade
quando cabe uma lata. A durabilidade dessas rasas para uma safra.
Para um aaizal com produo de 10 mil latas/safra ou 5 mil rasas/
safra, so necessrios 300 cestos.
A rasa de arum constitui-se em inveno nativa de grande versatilidade
para o transporte em canoas e outros tipos de embarcaes que
apresentam espaos curvos no seu interior. A utilizao de caixas
de plstico com forma retangular, bastante usadas na colheita e no
transporte de frutas em outras regies do Brasil, tem restries para
o transporte do aa, uma vez que no podem ser acomodadas nos
espaos curvos das embarcaes. Alm disso, as rasas quando vazias
podem ser empilhadas uma dentro da outra, reduzindo o espao, e
colocadas no toldo das embarcaes, por serem leves. Foi muito
utilizada no passado para o transporte de farinha de mandioca e de
frutas como bacuri, buriti e patau (Jessenia bataua) e na colheita das
razes de mandioca.
A confeco das rasas de arums, cujos talos so vendidos a R$ 5,00/
cento, permite a fabricao de cinco rasas e constitui o servio de 1
dia. Existem moradores nas casas ribeirinhas onde essas rasas so
fabricadas adotando um princpio de linha de produo com diviso
de tarefas. Os talos de arum so provenientes do Municpio de Moju,
uma vez que a presso na sua extrao levou reduo dos estoques no
Municpio de Igarap-Miri.
Os barcos a motor que efetuam o transporte dos frutos dirigem para
cada brao de rio em dias determinados, criando uma relao de
confiana baseada na amizade, com fornecimento de cestas de arums,
transporte de pessoas e de bens, e outras facilidades. O transporte das
rasas com os frutos de aa comea pela manh, a partir das 9h ou 10h,
tempo suficiente para aqueles que j efetuaram a coleta ou aqueles que
j coletaram na tarde do dia anterior. Esses barcos de transporte de
frutos podem ser de intermedirios, que so chamados de marreteiros

137

138

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

e pagam mais do que os compradores fixos que entregam para as


empresas beneficiadoras locais. Os intermedirios que efetuam o
transporte dos frutos de aa dos beirades para os barcos a motor
ganham R$ 0,50 a R$ 0,70/lata. Esses barcos geralmente possuem 2
pessoas para ajudar no transporte e o mestre encarregado de pilotar
a embarcao.
A partir da tarde, os barcos a motor comeam a descarregar as rasas
com os frutos de aa no porto de Igarap-Miri, para serem embarcados
nos caminhes para beneficiamento nas indstrias. Esses servios de
desembarque das rasas dos barcos e o embarque nos caminhes so
efetuados pelos carregadores que ganham R$ 0,10/rasa. As precrias
condies do porto de desembarque em Igarap-Miri mostram o
descaso dos prefeitos para um ativo produto da economia local, sendo
os embarques nos caminhes efetuados no escuro.
Em mdia, um barco motor consegue carregar 500 latas ou 250 rasas
e necessita ter um estoque de mil rasas para serem entregues para os
produtores, para gerar compromisso de entrega. Funcionam como
se fossem caminhes de coleta de leite para entrega nos laticnios no
Sudeste Paraense.
O local de desembarque dos frutos de aa (a pedra) como se
fosse uma bolsa de mercadoria em que os preos oscilam conforme a
oferta dos frutos e dos descarregamentos que so efetuados. Na safra,
o preo de R$ 12,00/rasa e pode chegar a R$ 45,00 ou R$ 60,00/
rasa na entressafra. Os atacadistas ou prepostos das indstrias de
beneficiamento de aa de Igarap-Miri e de outras localidades, como
Tom-Au, Belm, Ananindeua e Castanhal, ficam administrando
os descarregamentos, efetuam a pesagem e transferem os frutos das
rasas para caixas de plstico, mais apropriadas para o transporte em
caminhes, com capacidade de 1 mil a 1,3 mil latas, algumas com
refrigerao.
Alguns cuidados so necessrios para proteger os frutos do aa. Se
efetuar muitas transferncias dos frutos para diversas rasas, medies
e posterior embarque nas caixas de plstico costume falar que o aa
est surrado, isto , o fruto fica ralado, prejudicando a qualidade e
comprometendo o rendimento no beneficiamento.
A qualidade do fruto do aa apresenta grande variao. de fala
comum que o fruto do aa pequeno rende mais, de modo que uma
lata (14,2 kg) rende 30 L de suco. O aa tuira o fruto bem maduro
que chega coberto com um p branco, geralmente colocado na parte
superior da rasa para valorizar o produto. J o aa par constitudo
de frutos maduros e verdes, de pssima qualidade, cuja venda
induzida quando tem pouco aa no mercado.
Outro aspecto refere-se ao aa moqueado, quando constitudo de
frutos que foram colhidos em dias anteriores ou ocorreu a demora no

CAPTULO 7 - Aa: novos desafios e tendncias

transporte e comeou a secar. Outro cuidado refere-se a proteger os


frutos de eventuais chuvas, sendo necessrio cobrir com lona, pois a
umidade tende a fermentar e prejudicar os frutos.

Obteno do fruto do aaizeiro na


entressafra
Nas reas de vrzeas, alguns produtores descobriram que os aaizeiros
da primeira safra sempre produzem fora da poca normal. Dessa
forma, seria possvel efetuar o manejo, deixando um estipe em
formao na touceira do aaizeiro, permitindo-se obter uma parte
da produo desses novos rebentos. A queda da renda para muitos
pequenos produtores nas reas de vrzeas por ocasio da entressafra
do aaizeiros recomenda desenvolver procedimentos para permitir a
produo de frutos na entressafra
O mercado de aa, na entressafra do Par, que o maior produtor e
consumidor do Brasil, abastecido parcialmente com frutos oriundos
dos estados do Amap e do Maranho. A produo dita do Estado do
Amap , na sua quase totalidade, oriunda de municpios paraenses
situados ao noroeste da Ilha de Maraj, principalmente Chaves e Afu,
cuja produo se concentra no perodo de dezembro a abril, com
pico de produo geralmente nos meses de fevereiro e maro. Parte
da produo enviada para a microrregio Belm, cuja safra se situa
entre junho e dezembro, com pico de produo nos meses de outubro e
novembro. Convm ressaltar que, no perodo da entressafra amapaense
e da regio noroeste da Ilha de Maraj, esse Estado, especialmente a
capital Macap, em parte abastecida com frutos oriundos de outras
regies da Ilha de Maraj, pois alguns aaizais de vrzea localizados
em Mazago e Anauerapucu produzem aa fora da poca.
No Estado do Maranho, a safra ocorre no perodo de janeiro a
maio e extrada nos municpios de Carutapera, Lus Domingues e
Godofredo Viana. Uma parte da produo do Estado do Maranho
deslocada para o Estado do Par, coincidindo exatamente na poca da
escassez do fruto.
No Estado do Amazonas, a extrao de aa da variedade Euterpe
precatoria e concentra-se nos municpios de Codajs, Tef e Coari.
A safra vai de maro a julho, mas sem condies de exportar para o
Estado do Par, em decorrncia da distncia.
Outra possibilidade seria adotar a irrigao, o que eleva bastante os
custos de produo pelo consumo de energia, que ser comentado
em outra seo deste artigo. Nas reas de vrzeas, alguns agricultores
fazem a retirada de espatas cujas inflorescncias iriam produzir frutos
na poca da safra, com o intuito de obter produo na entressafra.

139

140

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Efetuada a retirada das espatas, entre janeiro e junho, a safra se


deslocaria de agosto/dezembro para janeiro/maro. A consequncia
uma queda na produtividade dos frutos, aumentando os riscos
de furtos, decorrente da produo na entressafra, com preos mais
elevados.

Plantio de aaizeiro com irrigao


Esse plantio pioneiro, com financiamento do Banco da Amaznia, foi
efetuado no Municpio de Santo Antnio do Tau e pertence ao senhor
Noboru Takakura, que imigrou para o Brasil em 1954, com 13 anos de
idade. Esse produtor possui um pomar de aaizeiro com 55 ha irrigados
por asperso, de um total de 85 ha implantados em 1997. A propriedade
possui 130 ha, e dedica-se tambm a criao de 110 mil aves, plantio de
mamoeiro, pimenteira-do-reino, coqueiro (Cocos nucifera), cupuau,
dend (Elaeis guineensis) e espcies madeireiras como a teca (Tectona
grandis).
Os 55 ha de aaizeiros comearam a ser irrigados por asperso em
2002, segundo a tica do proprietrio de somente iniciar a irrigao
quando a planta j estiver com 5 anos, para se ter a certeza do lucro
advindo da produo. Os 30 ha que esto sem irrigao vo ser
incorporados medida que iniciar a frutificao. Existem diversos
tipos de espaamentos entre os aaizeiros e combinaes de culturas
que foram testadas ao longo do tempo (8 m x 5 m; 7 m x 5 m; 7 m x 6 m;
7 m x 2,5 m), envolvendo o consrcio com mamoeiro, cupuauzeiro e
teca. O espaamento mais adequado foi de 7 m x 6 m, totalizando 238
touceiras de aaizeiro/hectare. O cupuauzeiro, em decorrncia da
maior lucratividade relativa do aa em fruto, foi todo eliminado, uma
vez que est concorrendo com o aaizeiro em termos de nutrientes,
consumo de gua de irrigao, formao da copa e reduo da produo
com o sombreamento. J o consrcio com mamo apresenta vantagens
como o aproveitamento da rea enquanto o aaizeiro est crescendo e
permite amortizar os custos de implantao do aaizeiro, considerando
o rpido retorno que o mamoeiro apresenta e o aproveitamento dos
resduos de adubao dessa cultura. O proprietrio entende que
o reflorestamento na Amaznia deve ser efetuado em etapas, por
exemplo, o cultivo do mamo custeia a implantao do aaizeiro e este,
de espcies florestais.
A produtividade mdia do sistema irrigado de 120 latas/hectare,
considerada baixa, decorrente do espaamento de 6 m x 7 m adotado
pela menor densidade, no quinto ano, quando se inicia a irrigao,
esperando atingir 4,5 t/ha (300 latas) na estabilizao. O procedimento
adotado que os aaizeiros aos 5 anos, quando se inicia a irrigao por
asperso, tenha trs estipes formados e trs estipes pequenos. Com o
manejo, espera-se que aos 10 anos, tenha trs estipes adultos e trs com
5 anos, todos produzindo. O proprietrio acha que o ideal seria plantar
trs plantas em uma cova, o que permitiria obter maior rendimento.

CAPTULO 7 - Aa: novos desafios e tendncias

A produo do aa irrigado concentra-se nos meses de novembro


(30%), dezembro (30%), janeiro (25%), fevereiro, maro e abril (5%). A
produo da safra do esturio amaznico concentra-se no vero, sendo
duas a trs vezes superior da safra de inverno.
A produo do aa irrigado depende da variedade plantada, do tipo
de solo e dos tratos culturais, e a quantidade de frutos desenvolvidos
apresenta variao. O primeiro cacho apresenta-se bastante cheio,
porm o segundo e o terceiro cacho, em razo do reduzido porte da
palmeira, apresentam menor quantidade de frutos. A partir do quarto
cacho a produo tende a normalizar. Os cachos produzidos no sistema
de aa irrigado so menores do que aqueles produzidos nas reas de
vrzeas, da a produtividade ser mais modesta.
Apesar de ser um pioneiro em utilizar irrigao por asperso no
aaizeiro em larga escala, o proprietrio acha que o ideal seria
procurar reas mais apropriadas, mediante zoneamento climtico, que
dispensem a irrigao, como no trecho entre Bujaru e Santa Izabel do
Par. Outra observao seria evitar solos arenosos, preferindo aqueles
com maior teor de argila.

Mecanizao na colheita do fruto



Em 1945, o comerciante Ovdio Bastos, estabelecido na
Avenida Mundurucus, em Belm, utilizou o primeiro prottipo da
mquina de amassar aa, que veio a substituir as amassadeiras de
aa. Com o tempo, essa mquina foi sendo aperfeioada, ganhando
importncia a partir do final da dcada de 1980, com o crescimento
da demanda da bebida aa. provvel que, nos prximos anos, sejam
aperfeioados os procedimentos de colheita de frutos, dispensando-se
a escalada dos aaizeiros.
A colheita efetuada por escaladores, geralmente meninos e rapazes,
utilizando peconha, uma espcie de lao feito de corda, cips, pano
ou da prpria palha dos aaizeiros, que colocada nos ps para
facilitar a escalada dos estipes. O escalador leva uma faca para cortar
os cachos, que precisam ser descidos junto, para evitar que sejam
jogados no cho provocando perda de frutos. No sistema tradicional,
os coletores mostram as suas habilidades passando de um estipe para
outro, em arriscadas operaes. A demonstrao dessas habilidades
uma constante nos Festivais de Aa, sendo conhecidos aqueles que
conseguem tirar maior quantidade de frutos em menor tempo.
Equipamentos rsticos de colheita que dispensam a perigosa escalada
nos aaizeiros foram desenvolvidos nos ltimos anos por agricultores.
So varas com dispositivos em sua poro terminal, que retiram os
cachos dos aaizeiros, com perda insignificante de frutos. O primeiro
modelo, confeccionado com madeira, foi concebido pelo senhor

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Dorival Costa Carvalho, colono maranhense que mora na localidade


Sapecado, no Municpio de Marab, em 2000. Outra variante desse
coletor de aa foi desenvolvida no Maranho, utilizando um vergalho
de ferro amarrado na ponta de uma vara. Convm ressaltar que, em
meados da dcada de 1980, o pesquisador Carlos Hans Mller, da
Embrapa Amaznia Oriental, antevendo as possibilidades do cultivo
do aaizeiro em terra firme e considerando a possvel escassez de
mo de obra devidamente habilitada para escalar os estipes, elaborou
um modelo de vara colhedora de frutos de aa confeccionada com
alumnio. Essa vara, com comprimento de 6 m, apresentava em sua
parte terminal uma lmina para corte do cacho e um recipiente
em forma de meia-lua, confeccionado com tela de plstico, que
acondicionava o cacho aps o corte. O recipiente contendo o cacho de
aa era trazido at o solo por um sistema de roldana, sem nenhuma
perda de frutos (NOGUEIRA et al., 2005).
As varas de colheita at ento desenvolvidas nada mais representam
que uma forma aperfeioada de um instrumento rstico denominado
man de viagem, que utilizado no extrativismo do aa, quando o
estipe apresenta altura superior a 18 m e muito fino, o que aumenta
substancialmente o risco de acidentes, pois o estipe pode quebrar com
o peso do escalador. O man de viagem uma vara de madeira com
uma forquilha e uma corda amarrada em sua extremidade terminal. O
escalador sobe no tronco da palmeira onde est o cacho a ser colhido
ou mesmo em um estipe vizinho at o ponto em que se sinta seguro e
com o auxlio do man de viagem laa o cacho e puxa, provocando sua
queda. O cacho fica pendurado na corda, pois previamente teve uma
de suas extremidades amarrada ao tronco. A utilizao desse mtodo
de colheita implica perda de considervel quantidade de frutos.
A escalada dos estipes dos aaizeiros exige pessoas novas e com
destreza, sendo muito comum a utilizao de crianas, pela agilidade
que apresentam. A aprovao da Emenda Constitucional 20, a partir
de dezembro de 1998, que estabelece a idade mnima de 16 anos para
ingresso no mercado de trabalho, faz com que as restries quanto ao
uso da mo de obra infantil restrinjam essas atividades para a agricultura
familiar (FERRO; KASSOUF, 2005). Dessa forma, para a conquista de
mercados externos, a restrio do uso de mo de obra infantil pode
se constituir em grande limitao futura, bem como a expanso de
grandes plantios, se equipamentos eficientes para a colheita dos frutos
no forem desenvolvidos rapidamente. As restries trabalhistas tm
feito com que muitos produtores paguem a extrao mediante sistema
de empreita. Outra modalidade o prprio comprador efetuar a
coleta e o pagamento pela produo coletada, procedimento bastante
utilizado para pequenas vendas. Com o crescimento do mercado, est
ocorrendo a expanso de plantio em terra firme e de reas manejadas
de vrzeas, provocando a falta de mo de obra para coletar frutos dos
aaizeiros, alm de roubos.

CAPTULO 7 - Aa: novos desafios e tendncias

Fotos: Rui de Amorim Carvalho, Antnio Jos Elias Amorim de Menezes e Oscar Lameira Nogueira.

Um terceiro modelo foi desenvolvido pelo agricultor Noboru


Takakura, para efetuar a mecanizao no seu plantio de 85 ha de
aaizeiros. Para isso, procurou efetuar plantios com espaamento de
6 m x 7 m, deixando faixas para o trnsito de tratores para facilitar as
operaes de limpeza, adubao e colheita do aa, e desenvolveu uma
vara com um mecanismo de gancho com presso na extremidade que
consegue prender o cacho e puxar, sem necessidade de escaladores.
Com um trator e dois operrios, um em cada lado de uma caamba
acoplada ao trator, vo rodando nos renques de aaizeiros, colhendo
e depositando os frutos na caamba. Para evitar danos nos frutos,
os cachos so batidos levemente entre si. Com esse procedimento,
consegue colher 100 latas de frutos/dia. O aumento da produtividade
da mo de obra grande se comparado com o processo tradicional,
em que um escalador experiente consegue colher entre 8 a 12 latas de
frutos/dia (Figura 1).

E
A

Figura 1. Evoluo no
desenvolvimento de
coletor de aa.
(A) coletor de cacho de
aa feito de madeira
(Marab); (B) modelo
primitivo para coleta em
Carutapera (MA) e
(C) Viseu; (D) vara
e (E) pea coletora
desenvolvidas por
Noboru Takakura em
Santo Antnio do Tau;
(F) modelo desenvolvido
por Shigeru Hiramizu,
Tom-Au, que est
amplamente utilizado;
(G) vara coletora de
alumnio e (H) pente
para retirada de frutos,
ambos desenvolvidos
por Shigeru Hiramizu.

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144

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Esse mtodo de colheita evita outro problema decorrente da adubao


orgnica com cama de avirio, representado pela presena de formigas-de-fogo (Solenopsis spp.) nos ps de aaizeiros plantados nas reas de
terra firme, dificultando em muitos locais a colheita pelo mtodo de
escalada das rvores. Nas vrzeas no existe a ocorrncia de formigas-de-fogo. Apesar das formigas, o roubo de frutos constitui risco
presente. Em alguns pomares de aaizeiro, vigias com espingardas
so mantidos na rea at o anoitecer, para evitar o furto de frutos. A
ocorrncia de furtos durante a noite rara, por causa da dificuldade
que se tem de identificar os cachos aptos para colheita.
O quarto modelo constitui outro aperfeioamento efetuado pelo
agricultor Noboru Takakura, que vai ser utilizado na prxima safra.
Esses inventos so indicadores de que, nos prximos anos, o arriscado e
laborioso servio de subir nos estipes de aaizeiros seja substitudo por
procedimentos de colheita mais eficazes e eficientes, utilizando varas
telescpicas de alumnio e tratores com carretas. Esse procedimento
seria apropriado tambm para efetuar a coleta de cachos de pupunha
(Bactris gasipaes), substituindo o atual processo de corte e de aparar
o cacho com saco, envolvendo no mnimo duas pessoas. Com isso,
permitiria aumentar a produtividade da mo de obra, evitando a
incorporao de mo de obra infantil no arriscado servio de subir
nos estipes, alm das conotaes morais, e poderia tambm expandir
o plantio em grande escala. H uma perda da produtividade da terra
pela necessidade de fazer os plantios menos adensados, mas que ser
compensada pelo aumento da produtividade da mo de obra nas
operaes de limpeza, adubao e coleta.

Integrao dos aaizeiros nos sistemas


agroflorestais (SAFs) nas reas de terra
firme
Outra grande inovao no plantio de aaizeiros em reas de terra firme
foi a sua incorporao em SAFs, sobretudo nos municpios de Tom-Au, Acar, Concrdia do Par, Santa Izabel do Par, Castanhal e
Santo Antnio do Tau. Estimulada pela experincia dos colonos nipo-brasileiros, o aaizeiro passou a integrar em diversos SAFs, a partir da
dcada de 1990, em combinao com outros cultivos perenes como
cupuauzeiro, cacaueiro, castanheira-do-par (Bertholletia excelsa),
entre os principais. Outras espcies perenes como o bacurizeiro,
o uxizeiro e o pequiazeiro comeam a ser introduzidas nos SAFs,
visando mercados em ascenso e futuros. Para reduzir os custos de
implantao, os SAFs se iniciam com lavouras de pimenta-do-reino,
mamoeiro ou maracujazeiro, tendo-se ao final do ciclo dessas culturas
os cultivos perenes.

CAPTULO 7 - Aa: novos desafios e tendncias

Os agricultores nipo-brasileiros de Tom-Au tm sido uma


fonte geradora de novas alternativas, numa produo coletiva de
conhecimentos, criando ilhas de eficincia (ARCE & LONG, 2000)
imitadas pelos agricultores locais, sobretudo envolvendo as culturas
de maracuj, pimenta-do-reino, cacau, cupuau e aa. Muitas das
atividades desenvolvidas pelos agricultores nipo-brasileiros tratam de
produtos de no mercados atuais noni (Morinda citrifolia), puxuri
(Licaria puchury), marang (Artocarpus odoratissimus Blanco), longan
(Euphoria longan), castanha-do-maranho (Bombacopsis glabra), etc.
e de longo prazo de maturao (castanha-do-par, espcies madeireiras,
etc.), que podem se tornar produtos de mercado no futuro, como tem
acontecido para vrias atividades atuais cupuau, tapereb (Spondias
mombim), acerola (Malpighia emarginata), mangosto (Garcinia
mangostana), etc. Os SAFs que incluem espcies madeireiras, como
paric (Schizolobium amazonicum), freij (Cordia goeldiana), mogno
(Swietenia macrophylla) andiroba, etc., consorciadas com cacau e
cupuau, constituem uma discusso em aberto de como viabilizar o
corte dessas rvores para extrao madeireira.
Nas reas de vrzeas, o manejo de aaizeiros transformando em
matas homogneas coloca em conflito o prprio conceito de Sistemas
Agroflorestais Naturais e de extrativismo. Esse aumento da capacidade
de suporte privilegiando os aaizeiros leva formao de macios
homogneos, como se fosse um plantio domesticado.

Beneficiamento industrial de polpa de


aa nos estados do Par e Amap
O crescimento do mercado de polpa do fruto do aa tem induzido
a implantao de plantas industriais, visando atender aos mercados
interno e externo. Esse movimento pode trazer no futuro diversos
desdobramentos, como a substituio em mdio e longo prazo de
batedeiras de aa, em que a compra de produtos beneficiados nos
supermercados, como j ocorre com tucupi, farinha de mandioca,
massa de manioba pr-cozida, entre outros, pode beneficiar os
consumidores.
As vantagens do processamento em escala industrial seriam melhorar
a higiene e a qualidade do produto, com uso de gua adequada e
pausterizao, reduzindo riscos de contaminao microbiolgica
ao mximo. A intoxicao confirmada em 18 de maro de 2005, em
19 casos de contaminao de doena de Chagas provenientes da
ingesto de caldo de cana com barbeiro (Panstrongylus megistus), nos
municpios de Navegantes, Penha e Joinville, localizados s margens da
BR-101, em Santa Catarina, reacendeu a cautela com a importao de
polpa de aa sem a devida pasteurizao. A hiptese de transmisso
oral da doena de Chagas defendida pelo Instituto Evandro Chagas,

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146

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

em que os barbeiros seriam atrados pela luz dos pontos de venda,


caindo dentro das mquinas e, por ocasio do embarque dos frutos,
atrados pela luz das embarcaes, caindo nos paneiros (VALENTE
et al., 2005). H necessidade de que sejam redobradas as precaues
sanitrias quando se pretende expandir as vendas para o mercado
interno e, principalmente, externo. A conservao de polpa do aa
exige cuidados especiais por ser alcalino, facilitando a proliferao de
fungos e bactrias.
A entrada de grandes unidades de beneficiamento de polpa pode at
mesmo levar falncia das unidades familiares menos conectadas com
os mercados mais dinmicos. O aumento no preo da polpa de aa,
decorrente da presso na demanda, tem provocado excluso social das
populaes de menor poder aquisitivo, de um produto que no passado
era exclusivo dessa categoria.
Outro aspecto refere-se capacidade gerencial de muitos dirigentes
das agroindstrias, sem preparo adequado, constituda de egressos
de lideranas sindicais, atuando em procedimentos burocrticos, nos
quais os tcnicos de nvel mdio que passam a orientar as atividades
da agroindstria. A modernidade com a vinda de sulistas e de grandes
grupos estrangeiros interessados no mercado da polpa de aa pode
levar destruio desse tipo de organizao.
Os benefcios das leis de incentivos fiscais da Zona Franca de
Macap e Santana, alm da diferena de poca da frutificao no
aaizeiro na parte superior da foz do Rio Amazonas, tm induzido o
estabelecimento de diversas indstrias no Estado do Amap. A entrada
de grandes empresas no Estado do Amap, como a Aa do Amap
Agro-Industrial Ltda (Sambazon), que est construindo uma fbrica
em Santana com capacidade para processar 25 toneladas/polpa/
dia pela maior oferta de frutos e menor concorrncia com outras
indstrias, pode-se tornar tendncia para outras empresas (CHELALA;
FERNANDES, 2006). Muitas empresas paraenses, por ocasio da safra,
efetuam o deslocamento temporrio de suas equipes para o Estado do
Amap para garantir o abastecimento de seus estoques.
O crescimento do mercado de polpa de aa est provocando uma
sangria lquida desse produto das vrzeas amaznicas e tambm dos
aaizeiros que comeam a ser plantados nas reas de terra firme em
direo aos grandes centros urbanos do Pas e para alguns pases
que comeam a importar esse produto. A migrao rural-urbana
em direo a Belm aumentou tambm o consumo dos tradicionais
consumidores de aa, pagando um preo bastante elevado, em
comparao com a situao anterior. As tcnicas de beneficiamento
de polpa de frutas (cupuau, aa, bacuri, etc.), permitindo o seu
congelamento, ampliaram para o ano inteiro o consumo de frutas
regionais, antes restrito poca da safra. Alm da exportao de polpa
de aa interestadual e internacional, aumentou tambm o comrcio

CAPTULO 7 - Aa: novos desafios e tendncias

de frutos e polpa de aa para os municpios paraenses que apresentam


pequena produo dessa fruta.

Concluses
O lanamento da cultivar de aa BRS Par, em 2004, pela Embrapa
Amaznia Oriental, foi um grande acontecimento, que chama a
ateno para evitar amadorismos em efetuar plantios utilizando
sementes de origem desconhecida oriundas de batedeiras de aa e
para maior fiscalizao na venda de mudas. Deve-se mencionar que
essa precauo j observada pelos maiores plantadores de aaizeiros
no Estado do Par. Novidades surgiro nos prximos anos, em termos
de: variedades mais produtivas, adaptadas para as reas de vrzea e
terra firme; prticas culturais; nutrio e adubao; processos que
aumentem a produtividade da mo de obra na colheita e minimizem
os riscos de acidentes, entre outros.
Para reduzir os custos de exportao, um desafio a ser vencido
refere-se obteno da polpa integral de aa ou reduo do teor
de gua da bebida aa, transformao em p com durabilidade e
sabor adequados, novos produtos duradouros, entre os principais.
Vrios desses produtos j se encontram disponveis em balces de
supermercados e em mercados virtuais, como xampus, sabonetes,
bombons, doces, mix de aa com outras frutas tropicais, bebidas
e cpsulas energticas, biojoias, leo e corante de aa, em que
os consumidores sero os juizes dessa viabilidade. Em termos de
medicamentos e frmacos, as possibilidades futuras so ilimitadas, tal
qual o processo de patenteamento iniciado pela Embrapa Amaznia
Oriental e pela Universidade Federal do Par do uso do corante de
aa como identificador de placa bacteriana sinaliza esse caminho.
Trata-se de um campo sujeito a grande concorrncia internacional,
no qual o registro de patentes por instituies de pesquisa dos pases
mais desenvolvidos ser sempre uma ameaa se esforos de pesquisa
cientfica no forem desenvolvidos no Pas. O interesse pelos produtos
nutracuticos ou funcionais, muitos deles sem comprovao cientfica,
mas baseado no mercado da angstia como adequado para evitar o
cncer da prstata, produto geritrico, entre outros, tendem a criar
um mercado simpatizante, apoiado no crescimento do contingente de
idosos no Pas e no mundo.
Um dos grandes entraves ao beneficiamento da fruta a informalidade,
que leva contaminao e descaracterizao dos produtos. A
cor forte da polpa de aa constitui um atrativo para gerar fraudes,
cuja lucratividade pode ser ampliada mediante maiores adies
de gua. A falta de legislao especfica, de fiscalizao eficiente e o
desconhecimento dos consumidores permitem que essa adulterao
no seja percebida. A Portaria n 78, de 17 de maro de 1998, classifica
a bebida aa da seguinte forma: a) aa grosso ou especial, quando

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148

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

apresenta teor de slidos totais superior a 14%; b) aa mdio ou


regular, quando apresenta teor de slidos totais entre 11% e 14%; c)
aa fino ou popular o produto com teor de slidos totais entre 8% e
11%. Com base nessa classificao, no aa grosso o teor de gua seria
inferior a 86%, no mdio entre 86% e 89% e no fino entre 89% e 92%
(BRASIL, 1998).
Apesar da existncia de amplo mercado para frutos do aaizeiro, o
manejo nas reas de vrzea esconde riscos ambientais que podem
ganhar magnitude e que precisam ser considerados. A transformao
do frgil ecossistema de vrzeas em bosque homogneo de aaizeiros,
com construo de canais e grande movimentao de barcos a motor,
sem dvida ter efeitos na flora e na fauna. A contnua extrao de
frutos precisa ser avaliada com relao reposio de nutrientes
proporcionada pelas mars dirias, em horizonte de mdio e longo
prazo.
Para reduzir a presso sobre as vrzeas seria importante contrabalanar
com os plantios de aaizeiros em reas de terra firme, em sistemas
agroflorestais, ocupando as reas desmatadas e aquelas que no
deveriam ter sido desmatadas.

Introduo1
O plantio de aaizeiro (Euterpe oleracea) em rea de terra firme
constitui-se em alternativa para a recuperao de reas desmatadas, com
consequentes benefcios sociais pela gerao de renda e de emprego.
Alm disso, o cultivo dessa palmeira em rea de terra firme representa
uma forma de reduzir a presso de utilizao de reas situadas no
ecossistema de vrzea que, por suas caractersticas, bem mais frgil
e de mais difcil recuperao e vem sendo seriamente ameaado pela
adoo de prticas inadequadas no manejo de aaizais nativos, que
seguramente em futuro prximo podero gerar consequncias drsticas
para a flora, a fauna e at mesmo para a produo de aa. Entre essas
prticas destacam-se: a derrubada verde, ou seja, a eliminao total
de arbustos e rvores sem o uso de fogo, transformando a paisagem
em macios homogneos de aaizeiros; a construo de canais, para
facilitar o transporte dos frutos e o escoamento das guas de mars;
o controle da vegetao herbcea com a utilizao de herbicidas. O
problema agravado pelo movimento mais intenso de pequenas
embarcaes utilizadas no transporte do aa, o que vem causando
eroso e mesmo o tombamento de aaizeiros adultos.
A adoo da prtica do manejo de aaizais em vrzeas consiste na
remoo da cobertura vegetal original em reas de ocorrncia natural
da espcie, cuja densidade varivel, e em competio com outras
espcies dominantes, mas com chances de sua proliferao. Aps
a limpeza, essas reas so escolhidas. Alguns produtores efetuam
a remoo de toda a cobertura vegetal original, deixando apenas os
aaizeiros, que so tambm plantados nos espaos livres. Conquanto,
outros produtores efetuam apenas a substituio parcial da cobertura
vegetal, eliminando buritizeiros (Mauritia flexuosa) do sexo masculino,
pelo fato de no produzirem frutos, sumaumeiras (Ceiba pentandra),
cacaueiros (Theobroma cacao), entre os principais. Apesar da imagem
da sustentabilidade dos aaizais manejados das vrzeas, a expanso
1

Homma et al. (2006c).

150

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

em larga escala desse sistema de produo na foz do Rio Amazonas


esconde potenciais riscos ambientais em mdio e longo prazo.
Com a expanso do mercado de aa, o plantio feito em reas de
terra firme, em antigas reas de pimentais (Piper nigrum) e de roas
abandonadas, de plantios envolvendo consrcios com outras espcies
perenes como cacaueiro, cupuauzeiro (Theobroma grandiflorum),
pimenteira-do-reino, etc., como etapa final de cultivos, tais como
maracujazeiro (Passiflora edulis), bananeira (Musa spp.), etc.,
aproveitando pastagens degradadas, entre outros. Nesse sentido, a
mesorregio do Nordeste Paraense tem despertado a ateno dos
produtores no plantio de aaizeiros, muitos deles procurando inovar
tcnicas de cultivo em processo de erro/acerto, visando desenvolver
sistemas de cultivo apropriados, aumentar a produtividade e a
produo, tanto na safra como na entressafra.
A possibilidade de efetuar adubao nas reas de terra firme permite
ampliar as possibilidades de aumentar a produtividade. Esse aspecto
no ocorre nas reas de vrzeas, promovendo apenas a contnua
retirada dos frutos. de se questionar quanto sua sustentabilidade
em longo prazo, se a contnua retirada de macro e micronutrientes,
exportada pelos frutos, est sendo reposta pelos sedimentos deixados
pelas inundaes peridicas.
Dessa forma, o plantio de aaizeiro irrigado ou em reas que dispensam
a irrigao constitui alternativas para se obter aa fora da poca normal
de produo, conseguindo at o triplo do preo da poca da safra e a
colheita em condies menos inspitas do que nas vrzeas. Mesmo
nas reas de vrzea, alguns produtores descobriram que os aaizeiros
da primeira safra sempre produzem fora da poca normal. Seria
possvel efetuar o manejo deixando um estipe em formao no aaizal,
permitindo obter uma parte da produo desses novos rebentos. O
cuidado seria com relao a furtos que ocorrem com frequncia em
virtude do alto preo do produto.
Este trabalho analisou um plantio de aaizeiro irrigado por asperso,
com rea de 55 ha de um total de 85 ha implantados em 1997, localizado
no Municpio de Santo Antnio do Tau, distante 74 km de Belm. O
pomar pertence ao agricultor Noboru Takakura, que emigrou para o
Brasil em 1954, com 13 anos de idade. A rea total da propriedade
envolve 130 ha, parte dela destinada criao de 110 mil frangos de
corte, produo de mamo (Carica papaya), pimenta-do-reino, coco
(Cocos nucifera), cupuau, dend (Elaeis guineensis) e plantio de
espcies madeireiras como a teca (Tectona grandis).
Para a estimativa do custo operacional do cultivo de aa irrigado por
asperso considerou-se os trabalhadores recebendo todos os direitos
trabalhistas, adicionais de horas extras e a semana com 5,5 dias de
servio. O proprietrio concede, ainda, uma gratificao, feita de

CAPTULO 8 - Custo operacional de plantio irrigado de aazeiro no Nordeste Paraense

carter subjetivo, conforme o andamento e a qualidade do servio, que


no foi considerada nos custos.

Sistema de plantio
Os 55 ha de aaizeiros comearam a ser irrigados por asperso em
2002, segundo a tica do proprietrio de somente comear a irrigao
quando a planta inicia a fase de frutificao, haja vista que, na rea
em que est implantado o pomar, no existem restries hdricas
severas que limitem o crescimento vegetativo. Os 30 ha que esto sem
irrigao vo ser incorporados medida que iniciarem a frutificao.
O aaizal foi implantado em talhes com espaamentos diversificados
e diferentes combinaes de culturas que foram testadas ao longo do
tempo (8 m x 5 m; 7 m x 5 m; 7 m x 6 m; 7 m x 2,5 m), envolvendo o
consrcio com mamoeiro, cupuauzeiro e teca. O espaamento mais
adequado foi de 7 m x 6 m, totalizando 238 ps de aaizeiro/hectare,
para permitir a mecanizao de diversas etapas do processo produtivo.
O cupuauzeiro, em face de maior lucratividade do aa, foi todo
eliminado com motosserra, em 2006, uma vez que estava concorrendo
com o aaizeiro em termos de nutrientes e gua e com produo muito
baixa, em decorrncia do sombreamento excessivo provocado pelos
aaizeiros. J o consrcio com mamoeiro apresenta vantagens como o
aproveitamento da rea enquanto o aaizeiro est crescendo e permite
amortizar os custos de implantao do aaizeiro, considerando o rpido
retorno que o mamoeiro apresenta, e o aproveitamento dos resduos de
adubao dessa cultura. O proprietrio entende que o reflorestamento
na Amaznia deve ser efetuado em etapas: o cultivo do mamoeiro
custeia a implantao do aaizeiro e este, de espcies florestais.

Mudas
A produo e a disponibilidade de mudas de boa qualidade o primeiro
passo para a implantao de um aaizal. A obteno de mudas de
boa qualidade requer a seleo de plantas conhecidas por apresentar
boa produtividade, construo de um viveiro, irrigao apropriada,
preparo 1 ano antes do plantio definitivo, evitando adensamento das
mudas para evitar estiolamento. Outra alternativa seria obter essas
mudas de viveiristas idneos, adquirindo-as prontas, ganhando tempo,
mas observando a qualidade dessas mudas.
Os grandes plantadores de aaizeiros e aqueles que ganharam
experincia no processo de erro/acerto chamam a ateno para no
plantarem mudas que estejam estioladas em virtude da disposio
incorreta das mudas nos viveiros comerciais. Mudas nessa situao,
quando plantadas no local definitivo, so queimadas pelo sol, o que
retarda o crescimento. Os produtores que j efetuaram grandes plantios
de aaizeiros colocam esses aspectos como sendo de primordial
importncia para o sucesso do cultivo e preferem fazer suas prprias
mudas.

151

152

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Sistema de irrigao
A irrigao por asperso efetuada h 4 anos, entre setembro e
dezembro, uma vez por semana, recebendo volume de gua de
375 L/touceira, distribuda durante 1,5 hora. O servio de irrigao
comea as 6h da manh, envolvendo duas pessoas, efetuando a
mudana a cada 1,5 hora e encerrando-se as 18h, sem interrupo. O
almoo dos trabalhadores efetuado entre o perodo de irrigao de
determinada quadra. Procedido o incio da irrigao da ltima quadra
do dia, os trabalhadores deixam o servio e a irrigao continua por
1,5 hora, sendo desligada pelo proprietrio para recomear no dia
seguinte.
Apesar de alto investimento, cerca de 100 mil reais, com 3 anos de
carncia e 5 anos para pagamento do emprstimo, o proprietrio
afirma que a opo da irrigao por asperso foi tomada pois, sem
esse procedimento, o preo e a produo de fruto de aa seriam
muito baixos em decorrncia da safra e de o terreno arenoso no ser
apropriado. O sistema de motobombas e 5 km de tubulaes com 48
bicos foi financiado pelo Banco da Amaznia S.A., de modo que o custo
de manuteno at o momento no tem ultrapassado R$ 1.000,00/ano,
apesar de constantes furtos de registros dos canos de irrigao. Para
irrigar 55 ha, foram instaladas trs motosbombas com capacidade de
35 mil litros/hora, que consomem R$ 800,00/ms de energia eltrica/
motobomba. Para o clculo da depreciao, considerou-se um tempo
de uso de 10 anos, porm o proprietrio estipula o dobro desse tempo,
em face do reduzido uso durante o ano.

Sistema de colheita
No sistema tradicional, a colheita dos frutos efetuada por exmios
escaladores, inclusive mulheres, que mostram as suas habilidades
passando de uma planta para outra, em arriscadas operaes, trazendo
os cachos ou jogando-os em locais estipulados. A demonstrao dessas
habilidades so uma constante nos Festivais de Aa, sendo conhecidos
aqueles que conseguem tirar maior quantidade de frutos em menor
perodo de tempo.
importante realar a inventividade e a criatividade dos agricultores
em superar dificuldades e encontrar solues criativas. Prevendo
a impossibilidade de recrutar um contingente de escaladores de
aaizeiros e pelo risco que a atividade apresenta, que implicaria nus
financeiro com seguro contra acidentes, aumentando sensivelmente os
custos de produo, esse agricultor procurou aumentar a produtividade
da mo de obra.
Para isso, efetuou plantios com espaamento de 7 m x 6 m, deixando
ruas para o trnsito de tratores para facilitar as operaes de limpeza,
adubao e colheita do aa. Desenvolveu uma vara com um

CAPTULO 8 - Custo operacional de plantio irrigado de aazeiro no Nordeste Paraense

mecanismo de gancho com presso na extremidade que consegue


prender o cacho e puxar, sem necessidade de escaladores. Com isso, um
trator acompanhado de dois catadores, um em cada lado da caamba,
vai rodando nos renques de aaizeiros, colhendo e despejando na
caamba. Para evitar danos nos frutos, os cachos so batidos de leve
entre si e com isso essa equipe consegue coletar 100 latas/dia. Uma lata
uma medida aproximada de 14,2 kg de frutos de aaizeiros. Um novo
prottipo de coletor foi desenvolvido e vai ser utilizado na prxima
safra. No processo tradicional, uma pessoa consegue coletar entre 8 e
12 latas por dia.
Com esse processo, evita-se outro problema decorrente da adubao
orgnica representado pela grande populao de formigas-de-fogo
nos ps de aaizeiros, dificultando em muitos locais a escalada dos
estipes. Nas vrzeas, em funo das inundaes peridicas, no existe
a ocorrncia de formigas-de-fogo. Apesar das formigas, o roubo de
frutos constitui um risco presente, sendo necessria a utilizao de
vigilantes armados com espingardas, que permanecem na rea at
escurecer. A escurido da noite impede o furto de frutos, pois nessa
situao no possvel identificar quais cachos esto aptos para serem
colhidos. Foram montadas duas guaritas e, durante o perodo da safra,
o vigilante d um tiro de advertncia diariamente para afugentar os
ladres que chegam propriedade.

Tratos culturais
A formao do aaizal inicia-se com o plantio de mamoeiros, logo aps
o plantio das mudas de aaizeiros, pois mesmo com a produtividade
reduzida cobre todos os custos de implantao e promove o
aproveitamento do adubo residual. Enquanto os mamoeiros esto
crescendo, essas reas no recebem irrigao.
A limpeza nos renques de aaizeiros efetuada com roadeira, uma
no incio do inverno e outra no incio da safra, gastando 15 dias para
limpar 85 ha. A limpeza de ervas daninhas entre os ps e das folhas
cadas de aaizeiros efetuada uma vez com terado, de modo que
cada pessoa consegue limpar 205 ps/dia. O objetivo dessa limpeza
evitar o risco da entrada de fogo no aaizal durante a poca seca. Outra
operao a de coroamento, geralmente em junho, nas touceiras de
aaizeiros, em que um trabalhador consegue fazer 300 touceiras/dia.
A retirada dos rebentos de aaizeiros efetuada com um cavador e
uma pessoa consegue limpar 200 ps/dia de servio, com cuidado para
no danificar a touceira.
Apesar de ser um pioneiro em utilizar irrigao por asperso no
aaizeiro em larga escala, o proprietrio acha que o ideal seria procurar
reas mais apropriadas, que dispensem a irrigao, como no trecho
entre Bujaru e Santa Izabel do Par. Outra observao seria evitar solos
arenosos, preferindo aqueles com maior teor de argila.

153

154

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Produtividade
A produtividade mdia do sistema irrigado de 120 latas/ha no quinto
ano, quando se inicia a irrigao, esperando atingir 4,5 t/ha (321 latas)
na estabilizao. Em virtude de problemas climticos, a safra de 2005
foi considerada 20% inferior de 2004, esperando em 2006 atingir a
mdia de 180 latas/ha. O procedimento adotado que os aaizeiros,
aos 5 anos, quando inicia a irrigao por asperso, tenha trs estipes
formados e trs estipes pequenos. Com o manejo, espera-se que aos 10
anos tenha trs estipes adultos e trs com 5 anos, todos produzindo. O
proprietrio acha que o ideal seria plantar trs plantas em uma cova, o
que permitiria obter maior rendimento.
A produo do aa irrigado concentra-se nos meses de novembro
(30%), dezembro (30%), janeiro (25%), fevereiro, maro e abril (5%). A
produo da safra do esturio amaznico concentra-se no vero, sendo
duas a trs vezes superior da safra de inverno. A produo do Estado
do Amap mais forte no perodo de janeiro a junho, com picos de
produo entre fevereiro e abril, de modo que parte da produo
enviada para o Estado do Par. J no Estado do Amazonas a safra vai
de janeiro a agosto, mas sem condies de exportar para o Estado do
Par.
A produo do aa irrigado depende da capacidade do aaizeiro
de emitir cachos, cuja densidade de frutos desenvolvidos apresenta
variao. O primeiro cacho apresenta-se bastante cheio, seguido de
outro menor e o terceiro muitas vezes com quantidade insignificante.
O quarto cacho, com a retirada do primeiro, ganha nova conformao
e tende a encher novamente. Os cachos produzidos no sistema de aa
irrigado sem a utilizao de adubao qumica so menores do que
aqueles produzidos nas reas de vrzeas, da a produtividade ser mais
modesta.
Tabela 1. Custo operacional de aa irrigado por asperso no Municpio de Santo
Antnio do Tau, por hectare. Espaamento de 7 m x 6 m (238 touceiras/ha) e
produtividade de 120 latas/ha. Abril, 2006.
Itens
Trator

Coeficiente
Depreciao e
manuteno

Unidade

Valor R$ 1,00

Ha/ano

37,65

Carreta

Depreciao e
manuteno

Ha/ano

5,88

Roadeira

Depreciao e
manuteno

Ha/ano

5,88

Torre de vigilncia

Depreciao

Ha/ano

4,36

Espingarda

Depreciao

Ha/ano

0,91

Munio

Cartuchos

Ha/ano

7,27

Tratorista

Salrio

Hora

3,32

Ajudante

Salrio

Hora

2,22
Continua...

CAPTULO 8 - Custo operacional de plantio irrigado de aazeiro no Nordeste Paraense

Tabela 1. Continuao.
Itens
Limpeza com roadeira (2
vezes/ano)

Coeficiente

Unidade

Valor R$ 1,00

17 horas

Tratorista

17 horas

56,44

Combustvel

17 horas

283,39

Limpeza com terado (1 vez/


ano)

205 touceiras/dia

18,46

Coroamento

300 touceiras/dia

12,62

Tirar filho cavador

200 touceiras/dia

18,93

Mo de obra para adubao


orgnica

2,67 horas

Tratorista + 2 ajudantes

2,67 horas

Combustvel

2,67 horas

Esterco de aves

5 kg/p

20,72
44,51
R$ 3,00/30 kg

119,00

Conjunto de motobombas

Depreciao 10%

181,82

Manuteno de motobombas

R$ 1.000,00/ano

18,18

Colheita

100 latas/8 horas

Tratorista + 2 ajudantes

120 latas

9,6 horas

74,50

Combustvel

120 latas

9,6 horas

160,03

Motobomba

174,55

Mo de obra para irrigao

2 pessoas

Energia eltrica

R$ 800,00

55,54

Transporte

2,00/lata

240,00

Vigilncia

4 meses

12,54

Ferramentas leves

1,09

Subtotal
Receita bruta

1.559,81
120 latas

R$ 20,00

2.400,00

Receita lquida

840,19

Custo lata aa

12,99

Nota: Ferramentas leves para 6 trabalhadores (3 terados, 4 limas, 3 catadores de aa, 3 draga, 2
ps)/85 ha/ano.
Terado R$ 15,00; lima R$ 8,00; enxada e enxadeco R$ 15,00; catador de aa R$ 10,00; draga R$ 8,00;
p R$ 15,00.

Concluses
O custo de uma lata de fruto de aa irrigado de R$ 12,99, o que
est bastante elevado, em decorrncia do consumo de combustvel
do trator que representa 1/3 do custo de produo. O custo do
transporte, o consumo de energia eltrica na irrigao, a mo de
obra e a depreciao do conjunto de motobombas e do trator e
equipamentos constituem variveis em que seria possvel reduzir
os custos via aumento da produtividade. A utilizao de fertilizante
qumico poderia duplicar a produtividade, at o momento fortemente
baseada na adubao orgnica, utilizando o insumo disponvel da
propriedade. A identificao de reas propcias, onde seja dispensvel
a irrigao, e de tcnicas de manejo envolvendo a contnua existncia
de novas estipes em produo deve constituir na melhor poltica a ser
seguida para obteno do aa na entressafra. O tipo de solo arenoso
onde foi implantado esse sistema constitui outra dificuldade para a
rentabilidade.

155

156

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A queda da renda para muitos pequenos produtores por ocasio da


entressafra dos aaizeiros recomenda desenvolver procedimentos que
tentem reduzir o custo da irrigao, alm de realizar adubao qumica
adequada para elevar a produtividade, que est bastante baixa.

Introduo1
O plantio de aaizeiro (Euterpe oleracea) em rea de terra firme
constitui-se em alternativa para a recuperao de reas alteradas,
para a gerao de renda e emprego como tambm para reduzir a
transformao do ecossistema de vrzeas, mais frgil, em bosques
homogneos dessa palmeira.
Nas vrzeas do esturio amaznico, o manejo incorreto de aaizais
nativos vem promovendo a derrubada verde, sem queima, porm
com impactos ambientais que podem comprometer a diversidade da
flora e da fauna desse ecossistema e, at mesmo, a produo de aa.
Em muitos locais dessas reas manejadas ocorre a construo de canais
para facilitar a drenagem da gua inundada pelas mars e o aumento
da movimentao de barcos para o transporte de frutos, provocando
eroso nas margens e impactos para a flora e a fauna.
A adoo da prtica do manejo de aaizais em vrzeas consiste na
remoo da cobertura vegetal original em reas em que se verifica a
presena de aaizeiros e em competio com outras espcies. Alguns
produtores efetuam a substituio integral da cobertura vegetal,
deixando apenas os aaizeiros. Nas reas liberadas pela remoo de
outras espcies ou em que o aaizeiro ocorre em densidade baixa
efetuado o plantio de aaizeiros, com plantas jovens oriundas da
regenerao natural ou com mudas produzidas para essa finalidade
(NOGUEIRA, 1997; NOGUEIRA et al., 2005; NOGUEIRA;
HOMMA, 1998). Outros produtores efetuam substituio parcial
da vegetao original, deixando os buritizeiros (Mauritia flexuosa)
do sexo feminino, as samaumeiras (Ceiba pentandra), os cacaueiros
(Theobroma cacao) e outras espcies que tm valor econmico. Apesar
da imagem da sustentabilidade dos aaizais manejados nas vrzeas
na foz do Rio Amazonas, a expanso em larga escala desse sistema de
produo, com o crescimento do mercado, esconde potenciais riscos
1

Homma et al. (2010b).

158

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

ambientais em mdios e longos prazos e da prpria sustentabilidade


da produo de aa.
Com a expanso do mercado de frutos de aa, alm do manejo de
populaes naturais de aaizeiro, localizadas nas vrzeas do esturio
do Amazonas, o cultivo da espcie est se expandindo em reas de
terra firme. Na quase totalidade dos casos, os pomares de aaizeiro
implantados em reas de terra firme tm sido estabelecidos em reas
ocupadas anteriormente com pastagens ou com outras culturas. Em
Tom-Au, PA, predominantemente tm sido utilizadas reas que
foram utilizadas com a cultura da pimenteira-do-reino e, em muitos
casos, os plantios envolvem consrcios com outras espcies perenes
como o cacaueiro, o cupuauzeiro (Theobroma grandiflorum) e a
pimenteira-do-reino. O consrcio com espcies semiperenes tambm
praticado, nesse caso ocupando as entrelinhas dos aaizeiros com
as culturas do maracujazeiro (Passiflora edulis) e da bananeira (Musa
spp.), entre outras.
A mesorregio do Nordeste Paraense tem despertado a ateno dos
produtores no plantio de aaizeiros, muitos deles adotando tcnicas de
cultivo inovadoras com o objetivo de maximizar a produo de aa e
produzi-lo fora da poca normal, ocasio em que o preo do produto
quatro a cinco vezes superior ao do perodo de safra.
A possibilidade de efetuar adubao nas reas de terra firme permite
aumentar a produtividade e a reposio de nutrientes. Esse aspecto no
possvel nas reas de vrzea sujeitas a inundaes dirias, promovendo
apenas a contnua retirada dos frutos. de se questionar quanto sua
sustentabilidade em longo prazo, se com a contnua retirada de macro
e micronutrientes, exportados pelos frutos, estes esto sendo repostos
pelos sedimentos deixados pelas frequentes inundaes e das palhadas
de aaizeiros.
Dessa forma, o plantio de aaizeiro irrigado em reas de terra
firme submetidas aos tipos climticos Ami e Awi ou em reas com
tipo climtico Afi, em que a irrigao no se constitui em prtica
estritamente necessria, constitui alternativa para se obter aa fora
da poca, conseguindo at quntuplo do preo da poca da safra e a
colheita em condies menos inspitas do que nas vrzeas. Mesmo
nas reas de vrzea alguns produtores descobriram que os aaizeiros
da primeira safra sempre produzem fora da poca normal. Seria
possvel efetuar o manejo deixando um estipe em formao no aaizal,
permitindo assim obter uma parte da produo desses novos rebentos.
A oferta do fruto de aa na entressafra, que ocorre no primeiro
semestre, apresenta uma reduo de 20% a 30% do volume
comercializado durante o ano em Belm, acarretando aumentos
significativos no preo do produto. Esse aumento de preo prejudica
as classes de menor poder aquisitivo, que tem na polpa do aa um

CAPTULO 9 - Custo operacional de aaizeiro irrigado com microasperso no Municpio de


Tom-Au, Par

importante complemento alimentar, e inviabiliza o funcionamento das


agroindstrias (DIMENSTEIN; FARIAS NETO, 2008).

O sistema de irrigao utilizado


Este trabalho analisou um plantio pioneiro de 30 ha de aaizeiro
irrigado por microasperso, com 9 mil touceiras, das quais 8,5 mil em
produo, localizado no Municpio de Tom-Au, distante 250 km
de Belm. Esse plantio pertence ao agricultor Shigeru Hiramizu, que
emigrou para o Brasil em 1964, com 17 anos de idade. A propriedade,
com rea total de 430 ha, possui 150 ha de dendezeiros (Elaeis
guineensis, Jacq.), 50 ha de aaizeiros e 40 ha de pastagem. Em menor
escala tambm conta com outras culturas, como a pimenteira-do-reino e o cupuauzeiro, que ocupam rea bem menores.
A rea atualmente ocupada com a cultura do aaizeiro foi primeiramente
utilizada para o plantio de pimenteira-do-reino e, aps a morte das
pimenteiras, com as culturas do cupuauzeiro e da gravioleira (Annona
muricata L.). O severo ataque de vassoura-de-bruxa nos cupuauzeiros
e da broca-dos-frutos e do caule nas gravioleiras levaram sua
eliminao, efetuando-se, ento, novo plantio de pimenteira-do-reino
e de cupuauzeiro, em 1992.
Os cupuauzeiros foram plantados nos espaamentos de 7 m x 4 m, 6 m
x 4 m e 6 m x 3 m. Em 1997, iniciou-se o plantio dos aaizeiros nos
espaamentos de 7 m x 4 m, 6 m x 4 m e 6 m x 3 m. Os cupuauzeiros em
decorrncia do deficit hdrico acentuado ocorrido, do sombreamento
excessivo provocado pelos aaizeiros e da alta infestao de vassoura-de-bruxa, apresentavam produtividade muito baixa. Com o incio da
irrigao por microasperso, os cupuauzeiros apresentaram aumento
de produtividade de frutos em torno de 30%, porm foram eliminados
do sistema em 2006 e 2007, transformando-se em monocultivo de
aaizeiro em virtude da competio por gua e nutrientes e em face da
maior lucratividade do aa.
Os 30 ha de aaizeiros comearam a ser irrigados por microasperso
em 2005, uma vez que sem a irrigao eram obtidas apenas 5 t de
frutos por safra, o que inviabilizava o empreendimento. O resultado
j surpreendeu na safra de 2006, que passou para 100 t, aumentando
ainda mais no ano seguinte, com volume de produo de 180 t.
A irrigao por microasperso efetuada a partir do ms de julho
e continua at que ocorram as primeiras chuvas, geralmente em
novembro. Como o perodo compreendido entre a abertura das
flores e a colheita dos frutos se d em aproximadamente 6 meses,
para que ocorra a produo de frutos no primeiro semestre h
necessidade de manuteno da umidade do solo nos meses de agosto
a novembro, perodo de menor precipitao pluviomtrica na regio
(DIMENSTEIN; FARIAS NETO, 2008).

159

160

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A irrigao efetuada diariamente de gua obtida de dois poos


artesianos, com profundidades de 50 m e 60 m, respectivamente,
utilizando duas bombas submersas de 11 cv com capacidade de vazo
total de 40 mil L.h-1. Cada touceira de aaizeiro recebe um volume
de gua entre 100 L e 120 L, sendo um microaspersor para cada duas
touceiras, distribudo durante 1,5 a 2 horas, no perodo das 16h da
tarde at 12h do dia seguinte, de forma automtica. A estimativa de
consumo de gua por hectare da ordem de 35 mil litros.

Custo do sistema de irrigao por


microasperso
Para a estimativa do custo operacional do cultivo de aaizeiro irrigado,
considerou-se o pagamento dos direitos sociais aos trabalhadores
que foram convertidos para custo dia, uma vez que estes atuam em
vrias atividades na propriedade. O proprietrio concede, ainda, uma
gratificao para determinadas atividades, como medida de estmulo,
conforme o andamento e a qualidade do servio, que tambm foi
considerada nos custos. A importncia deste trabalho de resgatar essa
experincia de plantio irrigado com microasperso e da colheita com
podes aperfeioados para servir de difuso para outros produtores
da regio.
Os dois poos artesianos que so utilizados para a irrigao dos
aaizeiros possuem profundidade de 52 m, sendo o custo de escavao
estimado em R$ 200,00 por metro, implicando em um investimento de
R$ 20.800,00 (Tabela 1).
Tabela 1. Custo operacional de cultivo de aaizeiro irrigado por microasperso
no Municpio de Tom-Au, por hectare. Espaamento de 6 m x 6 m
(300 touceiras/hectare) e produtividade de 596 latas/hectare, julho, 2008.
Itens
Mo de obra
Bateo terado (5 vezes
ao ano)

Coeficiente

Unidade

Valor R$ 1,00
2075,07

150 touceiras ao dia

10 dh

200,00

R$ 0,03 por
touceira

45,00

Prmio produtividade
limpeza
Coroamento

300 touceiras ao dia

R$ 2,54 por hora

20,32

Tirar filho aaizeiro cavador 200 touceiras ao dia

R$ 2,54 por hora

30,48

Aplicao de adubo qumico


2,50 kg por touceira
(7 vezes)

10 dh

200,00

Aplicao de herbicida
Aplicao de farinha osso
Colheita
Prmio coleta

3 vezes ao ano

3 dh

60,00

2 kg por touceira

36 dh

720,00

14 a 18 latas por dia

34 dh

680,00

R$ 0,20 por lata

596 latas

Insumos

119,27
2378,8

Energia eltrica

R$ 1.500,00 por ms

Motobomba

250,00

NPK (10-28-20)

15 sc

R$ 100,00 por saca

1.500,00
Continua...

CAPTULO 9 - Custo operacional de aaizeiro irrigado com microasperso no Municpio de


Tom-Au, Par

Tabela 1. Continuao.
Itens
Farinha osso
Herbicida (1%)

Coeficiente
600 kg
3 vezes ao ano

Unidade
R$ 850,00 por
tonelada

Valor R$ 1,00

R$ 99,00 por litro

118,80

Equipamentos leves

90,02

Ferramentas leves
Engradados para transporte
Vara de colheita

R$ 19,98

Unidades

1,09

100 engradados
para 30 ha

66,60

R$ 60,00 por unidade 7 varas para 30 ha


7 apanhadores
para 30 ha

Apanhador de aa

R$ 15,00 por unidade

Pente para debulhar aa

R$ 15,00 por unidade 7 pentes para 30 ha

Lona (5 m x 10 m)

510,00

14,00
3,50
3,50

R$ 200,00

2 lonas para 30 ha

Conjunto de motobombas

R$ 11.000,00

ha por ano

73,33

Abertura de poo

R$ 20.800,00

ha por ano

69,33

R$ 4.089,15 por
hectare

ha por ano

817,83

R$ 1.000,00 ao ano

ha por ano

18,18

596 latas

R$ 20,00

11.920,00

R$

Lata

Depreciao

Tubulao
Manuteno de conjunto de
motobombas

978,67

Custo operacional
Receita bruta

5.522,56

Receita lquida
Custo aa

1,33

6.397,44
9,27

Nota: Ferramentas leves para 6 trabalhadores (3 terados, 4 limas, 3 catadores de aa, 3 dragas, 2
ps)/30 ha por ano. Uma lona dura 10 anos.
Terado R$ 15,00; lima R$ 8,00; enxada e enxadeco R$ 15,00; catador de aa R$ 10,00; draga R$ 8,00;
p R$ 15,00.

O gasto de energia eltrica para a irrigao por microasperso foi


estimado em R$ 1.500,00 mensais e constitui-se em despesa elevada,
sem falar nos impactos ambientais futuros, se grande nmero de
produtores passarem a adotar essa prtica. Ressalta-se que os produtores
no utilizam a tarifa de energia para irrigao, que poderia reduzir entre 67%
at 80% em relao tarifa rural, pela necessidade de maiores investimentos
com transformadores (at 45 kva e acima de 45 kva) e medidores digitais
exclusivos. Outra razo refere-se pssima qualidade da energia
eltrica fornecida, sujeita a grandes oscilaes durante o perodo
noturno, que poder implicar em prejuzos na manuteno dos
equipamentos. O desconhecimento por parte da Rede Celpa no afeta
as especificidades dos projetos de irrigao e levam desconfiana dos
produtores em proceder a esses investimentos.
O custo das duas bombas submersas de 11 cv foi de R$ 5.500,00,
tendo investido R$ 5.000,00 na montagem da unidade automtica
de irrigao, permitindo a irrigao das quadras sem necessidade
de interveno manual, que tornaria bastante complicado o seu
monitoramento durante a noite. A depreciao foi calculada estimando
uma vida til de 5 anos.

161

162

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Para a irrigao dos 30 ha, foram instalados 1.750 m de tubulao


principal, 4,1 mil metros de tubulao secundria e terciria que por
sua vez se ramificam para 21,2 mil metros de mangueiras para serem
distribudos para 4,5 mil microaspersores (bailarinos). Os dimetros
dessas tubulaes se inicia com 100 mm, seguindo para 75 mm at
50 mm para se ramificar nas mangueiras distribuidoras com 16 mm
a 17 mm com microaspersores. Quanto aos projetos de irrigao,
pela inexistncia de resultados de pesquisa nessa rea na Amaznia,
verifica-se um grande amadorismo, sujeito ao processo de tentativa e
acerto, com variaes quanto ao dimetro das tubulaes, colocao
dos registro com reduo brusca do dimetro, distncia, topografia,
entre outros aspectos. No caso especfico desse produtor, o projeto
de irrigao foi adaptado ao plantio de aaizeiro j existente, no qual
efetuou a troca total das mangueiras tipo santeno.
Cada microaspersor com seu respectivo suporte custa R$ 2,40, sendo
colocado a cada 4 m, para irrigar duas touceiras de aaizeiros. O sistema
utilizando mangueira flexvel do tipo santeno que comercializado
a R$ 100,00/100 m no est sendo utilizado pois no tem fora para
jogar gua na touceira do aaizeiro. A presena de ervas daninhas tem
o efeito de prejudicar a irrigao, bem da dificuldade por ocasio da
limpeza. A vida til do conjunto com microaspersores foi estimada em
5 anos, com reparos anuais.

Colheita semimecanizada do fruto


No sistema tradicional, a colheita dos frutos efetuada por exmios
escaladores, inclusive mulheres, que mostram as suas habilidades
passando de uma planta para outra, em arriscadas operaes sujeitas
a acidentes, trazendo os cachos ou jogando em locais estipulados. A
demonstrao dessas habilidades uma constante nos Festivais de Aa,
sendo premiados aqueles que conseguem colher maior quantidade de
frutos em determinado perodo de tempo
importante ressaltar a capacidade criativa de alguns agricultores
que, para superar problemas inerentes s suas atividades, desenvolvem
ou adaptam certos artefatos. No caso do cultivo do aaizeiro em terra
firme, um dos problemas que se tem a no disponibilidade de mo
de obra devidamente capacitada para efetuar a colheita dos frutos. Esse
problema no existe nas reas ribeirinhas, haja vista que a convivncia
permanente com a palmeira induz os moradores, desde a infncia,
a exercitar a prtica de escalar os aaizeiros em busca dos frutos. O
agricultor Shigeru Hiramizu, prevendo a dificuldade de recrutar
considervel contigente de escaladores para a colheita em seu aaizal
e considerando o grande risco de acidentes que a atividade apresenta,
o qual implica custos adicionais com seguro contra acidentes e com
pagamento de adicional de periculosidade, adaptou vara de colheita
utilizada na dendeicultura para a colheita de cachos de aa. Alm

CAPTULO 9 - Custo operacional de aaizeiro irrigado com microasperso no Municpio de


Tom-Au, Par

disso, para aumentar ainda mais a produtividade da mo de obra,


tambm desenvolveu um pente para a debulha do aa, ou seja, para
a remoo dos frutos das rquilas..
Os procedimentos de colheita e de debulha j esto sendo utilizados
por outros produtores nipo-brasileiros e com certeza sero difundidos
para outros locais. O custo dessa vara de alumnio de R$ 60,00 por
unidade. Para a colheita dos frutos dos 30 ha presentemente em fase de
produo so utilizadas sete varas de colheita.
O apanhador de fruto consiste de uma crista de galo adaptada de
serra de motosserra usada e um gancho para prender o cacho de aa,
feita artesanalmente, e custa R$ 15,00/unidade. A propriedade possui
sete varas para a colheita dos frutos oriundos do pomar de 30 ha. Com
a crista de galo efetua-se um leve corte no cacho e a seguir encaixa-se
o gancho no cacho e efetua-se a puxada, vindo este preso no gancho.
Os cachos so deixados em uma lona para evitar contaminao e para
efetuar a retirada dos frutos mediante o uso do pente. Essa lona
adquirida no comrcio tem as dimenses de 5 m x 10 m e pode durar
10 anos.
Aps a colheita, os frutos so colocados em local protegido da
radiao solar direta para evitar perda de qualidade pela secagem da
polpa. Com esse equipamento e o pente, um operrio consegue colher
de 200 kg a 250 kg, ou equivalente a 14 a 18 latas por dia, dependendo
da disponibilidade de frutos maduros. O coletor ganha um adicional
de R$ 0,40 por caixa de fruto de aa colhido, equivalente a duas latas.
Uma lata uma medida aproximada de 14,2 kg de frutos de aaizeiros.
No processo tradicional, uma pessoa consegue coletar entre 8 e 12
latas por dia, porm com grande risco e com bastante esforo fsico. A
colheita dos frutos vai de julho at fevereiro, com mais intensidade no
perodo de outubro a dezembro, atingindo a poca da entressafra. Os
frutos so colocados em engradados de plstico e so necessrios 100
engradados para atender 30 ha, uma vez que utilizado no transporte
para posterior devoluo.

Produtividade
A produtividade mdia do sistema irrigado de 28,23 kg por touceira
em plantas com 6 anos de idade, no qual a microasperso foi iniciada
h 2 anos. No primeiro ano da microasperso, a produtividade mdia
de frutos por touceira foi de 11 kg.
Os frutos de aa so vendidos a R$ 20,00 a lata, sendo entregue para a
Cooperativa Agrcola Mista de Tom-Au. Da safra de 2007, das 180 t
colhidas, 20 t foram destinadas para comercializao de terceiros.

163

164

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tratos culturais
A limpeza nos renques de aaizeiros decorrente da presena de
microaspersores no solo requer muito cuidado quanto utilizao
de enxadas e terados e no pode ser efetuada com roadeiras. Dessa
forma, a limpeza efetuada bateo com terados 4 a 5 vezes durante
o ano, dependendo da infestao de ervas daninhas. Efetua-se o
pagamento de R$ 0,02 a R$ 0,03 por touceira como gratificao, e uma
pessoa consegue limpar 150 touceiras por dia de servio.
A aplicao de herbicida Roundup utilizada para limpar os locais
onde esto os aspersores, uma vez que as plantas daninhas quando
crescem impedem que a gua aspergida pelos microaspersores atinjam
os aaizeiros. A roagem com faco ou foice no utilizada para
evitar danificaes nos aspersores. A aplicao do herbicida efetuada
duas a trs vezes durante o ano, na proporo de 200 mL do produto
comercial para 20 L de gua (1%). So utilizados pulverizadores costais
com capacidade para 20 L de calda. Em mdia, cada 20 L de calda
suficiente para controlar em volta de 160 microaspersores.
Para pulverizar 5 ha, um trabalhador gasta 0,5 dia e 10 bombas de 20 L. O
agricultor considera prejudicial a utilizao do herbicida para o aaizeiro,
pois provoca o seu tombamento, quando atinge a touceira. Por essa razo,
pensa-se em substituir seu uso pela roagem manual ou utilizao de
leguminosa puerria (Pueraria phaseoloides) como cobertura viva. A
estimativa do proprietrio que o custo seja de R$ 1,00 por touceira para
limpeza durante o ano.
A adubao qumica efetuada com a aplicao de 2 kg a 2,5 kg de
NPK (formulao 10-28-20), dividida em sete parcelas iguais, custando
R$ 82,50 por 50 kg, decorrente da compra em grande quantidade. Com
cinco pessoas, possvel efetuar a adubao em 30 ha, aplicando 250 g
por touceira em um dia de servio. Quando se aplica 500 g por touceira,
o tempo necessrio duplicado. Alm da fertilizao qumica aplica-se
2 kg de farinha de osso por touceira em uma nica aplicao, que foi
adquirida razo de R$ 850,00/tonelada. Uma pessoa pode aplicar 10
sacos de farinha de osso perfazendo 250 touceiras por dia de servio.
Em uma quadra, efetua-se o plantio de puerria no aaizeiro e com isso
a bateo foi dispensada. Outro trato cultural relacionado ao manejo
dos estipes seria deixar sempre trs estipes por touceira.

Concluses
O custo operacional de produo da lata de aa obtida na irrigao por
microasperso de R$ 9,27, bastante inferior ao obtido de R$ 13,78 na
irrigao por asperso em Santo Antnio do Tau (HOMMA et al.,
2006c). A obteno do fruto na entressafra permite cobrir os custos

CAPTULO 9 - Custo operacional de aaizeiro irrigado com microasperso no Municpio de


Tom-Au, Par

operacionais com lucro lquido equivalente a quase o dobro desse


valor. Naturalmente, no esto includos os custos de implantao da
cultura e os custos ambientais decorrentes da utilizao da gua, que
podem ampliar se mais produtores adotarem esse procedimento.
Entre os itens de custos mais importantes destacam-se a mo de obra,
o consumo de energia eltrica na irrigao, os fertilizantes, o adubo
orgnico e a depreciao do conjunto de motobomba e equipamentos.
possvel ainda reduzir os custos via aumento da produtividade dos
frutos previstos nos experimentos realizados pela Embrapa Amaznia
Oriental e da reduo do uso de mo de obra mediante a cobertura
com a puerria.
necessrio que os agricultores se unam por meio de suas entidades
de classe para efetuarem gestes junto Rede Celpa quanto s
especificidades dos projetos de irrigao no Estado do Par, os
desconhecimentos por partes das subsidirias localizadas nos
municpios, a melhoria da qualidade da energia eltrica fornecida e da
segurana quanto aos investimentos a serem efetuados.

165

Introduo1
O aaizeiro uma palmeira nativa da Amaznia que se destaca entre os
diversos recursos biolgicos vegetais pela abundncia e por produzir
importante alimento para as populaes locais, alm de se constituir
na principal fonte de matria-prima para a agroindstria de palmito.
encontrado habitando toda a regio do esturio amaznico, como uma
espcie componente da floresta nativa ou em formas de verdadeiros
macios naturais conhecidos como aaizais, com predominncia
nas reas de vrzeas, notadamente quando h constante extrao de
madeira e palmito.
Os produtos derivados do extrativismo dos aaizeiros ocupam lugar
de destaque na economia do Estado do Par, pela produo de frutos
e palmito, os quais, juntos, mobilizam, anualmente, recursos da ordem
de 200 milhes de dlares, sendo 10% desse valor proveniente da
exportao de palmito para outros pases (PALMITO..., 1989; PAR,
1990; SUDAM, 1992). Dentre as principais exportaes paraenses
realizadas durante o ano de 1996, o palmito atingiu 14,2 milhes de
dlares, sendo superado apenas pelos produtos madeireiros, pelo leo
de dend (Elaeis guineensis) e pela pimenta-do-reino (Piper nigrum).
Vale ressaltar que as exportaes de palmito de aaizeiro vm
decrescendo uma vez que, em 1992, atingiram 29,3 milhes de
dlares para um total de aproximadamente 6 mil toneladas. Em anos
anteriores, como em 1983, as exportaes brasileiras desse produto
ultrapassaram 11 mil toneladas, suprindo quase a totalidade do
palmito comercializado a nvel internacional (URP et al., 1991).
1
Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, submetida ao Curso de
Biologia Ambiental, Centro de Cincias Biolgicas, Universidade Federal do
Par. Nogueira e Homma (1998).

168

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A produo paraense de frutos e palmito de aaizeiro representa cerca


de 93% e 82%, respectivamente, do total produzido no Brasil, dos
quais somente o Estado do Par produz anualmente mais de
100 mil toneladas de frutos e cerca de 20 mil toneladas de palmito. Pelo
lado social, os frutos provenientes dos aaizeiros so de fundamental
importncia para a subsistncia de algumas populaes ribeirinhas,
pelo alimento que proporcionam e pela comercializao do excedente
familiar (NASCIMENTO, 1993). Essa extrao constitui a produo e
o consumo invisveis no contabilizados pelas estatsticas oficiais.
Embora o aaizeiro ocorra naturalmente em grandes concentraes
em toda a regio do esturio amaznico, a produo econmica de
frutos e palmito creditada basicamente s microrregies homogneas
de Camet (MRH 041), Furos de Breves (MRH 035) e Arari (MRH
036) que, ao longo dos ltimos 10 anos, contriburam com mais de
90% da produo estadual de frutos e palmito. Em termos de produo
de frutos, destacam-se os municpios de Camet, Limoeiro do Ajuru,
Abaetetuba, Igarap-Miri, Ponta de Pedras e Mocajuba. Com relao
ao palmito, os maiores produtores so os municpios de Camet, Afu,
Breves e Anajs. Esses municpios so responsveis por cerca de 80%
da produo paraense de frutos e palmito de aaizeiro (PAR, 1990;
PRODUO..., 1994; SANTOS et al., 1996).
A partir de meados dos anos 1960, o aaizeiro (Euterpe oleracea Mart.)
passou a se constituir na principal alternativa para a produo de
palmito, considerando a quase extino da palmeira juara (Euterpe
edulis Mart.), nativa da Mata Atlntica, at ento a mais importante
fornecedora de matria-prima para a indstria palmiteira. A forma
indiscriminada com que os aaizais passaram a ser explorados, em
razo da grande quantidade de produto demandada pelas fbricas,
tem provocado a degradao da espcie, principalmente nos locais
onde no se pratica qualquer forma de manejo e nem se observa o
tempo mnimo suficiente para a recomposio dos estoques de plantas
adultas (ANDERSON; IORIS, 1992). Como consequncia, tem-se
verificado a reduo espacial concomitante de outro importante
produto do aaizeiro, que so os frutos destinados alimentao das
populaes locais.

Material e mtodos
O modelo mais simples assume que o aaizeiro, tanto para a extrao
do palmito como do fruto, tem uma taxa de crescimento dada por uma
funo g(X), onde X a quantidade de aaizeiros existentes, cuja forma
tpica da curva apresentada na Figura 1 (FISHER, 1981; PETERSON;
FISHER, 1977).

CAPTULO 10 - Importncia do manejo de recursos extrativos em aumentar a capacidade de suporte: o


caso de aaizeiros (Euterpe oleracea Mart.) no esturio amaznico

Figura 1. Funo
logstica de crescimento
dos recursos naturais
renovveis.

A taxa de crescimento inicial no pode continuar indefinidamente por


causa da competio entre os aaizeiros e outras espcies vegetais. A
quantidade de rea disponvel s permite que cresam Xc aaizeiros em
determinado espao, em que Xc a chamada capacidade de suporte,
que representa o nmero mximo de aaizeiros para um determinado
espao antes que a taxa de crescimento se torne negativa. Representa
a quantidade mxima de aaizeiros permitida pela natureza como
atributo ecolgico do ambiente. A quantidade Xo mostra o nmero
mnimo, que instvel, em que a taxa de crescimento nula e a
recuperao do recurso considerada impossvel a uma quantidade
inferior. Pressupe-se que os aaizeiros sejam homogneos no
contexto global, apresentando dotao finita de estoque. O ponto onde
a taxa de crescimento alcana o mximo chamado de produtividade
mxima sustentvel (PMS). Nesse ponto a taxa de crescimento lquido
mxima e, sendo menor que Xc, teoricamente, pode ser mantida
indefinidamente (FISHER, 1981). Enquanto a intensidade da extrao
(como fonte adicional mortalidade) permaneceu reduzida, a
extrao tinha efeito no significativo sobre a magnitude dos estoques
disponveis para a sua recuperao (NOGUEIRA, 1997).
O manejo de aaizeiros tem a condio de modificar a capacidade
de suporte Xc1 para uma capacidade limite Xc2, equivalente de um
plantio racional (FISHER, 1981; NOGUEIRA, 1977; PETERSON;
FISHER, 1977). Com isso, aumenta a taxa de crescimento, reduz os
custos de extrao, aumenta a rentabilidade, o PMS e o ponto de timo
econmico (Figura 2). O aumento da capacidade de suporte decorre do
processo de homogeneizao dos estoques de aaizais, pela eliminao
das espcies vegetais concorrentes.

169

170

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 2. Modificao
da capacidade de
suporte decorrente do
manejo dos aaizais
nativos.

O estudo foi conduzido no Municpio de Igarap-Miri, Microrregio


Homognea de Camet, situado na foz do Rio Amazonas, envolvendo
a coleta de coeficientes tcnicos entre os ribeirinhos, durante o perodo
de janeiro de 1995 a dezembro de 1996. A caracterstica principal do
meio fsico onde esto localizados os aaizais a predominncia de
extensas reas de vrzeas inundveis pelas guas das mars peridicas
mais de 30% da rea territorial. A economia da regio calcada
no extrativismo de produtos vegetais pelos habitantes ribeirinhos,
com nfase para o palmito e para os frutos do aaizeiro. O referido
municpio foi escolhido para a conduo do trabalho tendo por
base possuir vastas reas de aaizais nativos, ser grande produtor de
frutos e palmito dessa palmeira, e pela semelhana socioeconmica
que apresenta com a maioria dos municpios localizados na regio do
esturio amaznico.
Identificou-se cinco sistemas de explorao de aaizais utilizados pelas
populaes ribeirinhas, sendo dois para extrao de frutos (manejado
e no manejado) e trs para extrao de palmito (manejados com corte
trienal e anual e no manejado com corte trienal).
Coletou-se os coeficientes tcnicos que possibilitaram a obteno dos
valores presentes de benefcios lquidos (VPL) para os cinco sistemas
utilizados (OLIVEIRA; REZENDE, 1995; HOMMA et al., 1996).
Para todos os casos foi considerado o horizonte de tempo infinito em
funo da capacidade de regenerao natural dos aaizeiros de vrzea
e procedeu-se anlise de sensibilidade quanto aos limites extremos
da taxa de juros (0, ).

CAPTULO 10 - Importncia do manejo de recursos extrativos em aumentar a capacidade de suporte: o


caso de aaizeiros (Euterpe oleracea Mart.) no esturio amaznico

Os cinco sistemas analisados foram:

Caso 1 Extrao de frutos em aaizais nativos manejados


Os aaizais foram submetidos preparao prvia, durante os trs
primeiros anos, por meio de raleamento da vegetao natural e
aumento da populao de aaizeiros, com incio da produo de frutos
a partir do quarto ano.

Caso 2 Extrao de frutos em aaizais nativos no manejados


Refere-se a aaizais sem preparao prvia com fluxo de receita lquida
constante ao longo dos anos, os quais so visitados anualmente pelos
extratores apenas durante a safra de frutos, no sofrendo qualquer
tipo de interferncia. Nesse caso, considera-se a extrao de frutos
iniciando-se no tempo zero at .

Caso 3 Extrao de palmito, com intervalos de 3 anos, em


aaizais nativos manejados
Os aaizais nativos foram previamente preparados, nos moldes
daqueles destinados produo de frutos, com incio de explorao e
intervalo de corte de palmito com 3 anos.

Caso 4 Extrao de palmito, com intervalos de 1 ano, em


aaizais nativos manejados
Refere-se a aaizais nativos que foram previamente preparados, da
mesma forma que os destinados para produo de frutos, com incio
de explorao de palmito aos 3 anos e intervalo de corte anual.

Caso 5 Extrao de palmito, com intervalos de 3 anos, em


aaizais nativos no manejados
Aaizais nativos sem preparao prvia que so explorados para a
produo de palmito com intervalos de 3 anos, sendo essa a forma
tradicional praticada na regio do esturio amaznico, em reas
destinadas quase exclusivamente para essa atividade.

Resultados e discusso
Nas Tabelas 1 e 2 apresentam-se as caractersticas do aaizal, a utilizao
de mo de obra e as produtividades de frutos e palmito observadas
em aaizais nativos de vrzea permanentemente manejados e no
manejados.

171

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

172

Tabela 1. Mo de obra para implantao, manuteno e explorao e produtividade por hectare em


aaizais nativos de vrzea, manejados e no manejados, destinados produo de frutos, Microrregio
Homognea de Camet, Estado do Par.
Discriminao

Unidade

Manejado

No manejado

Caractersticas do aaizal
Nmero de plantas adultas

Unid.

800

Estipes em produo

Unid.

900

400
500

Nmero de cachos

Unid.

2.700

1.500

Extrao do palmito

D/H(1)

D/H

30

D/H

20

20

Mo de obra 1 ano
Raleamento e roagem
Transplantio de mudas

Mo de obra 2 e 3 anos
Roagem semestral

D/H
Mo de obra 4 ano, anual

Coleta dos cachos

D/H

40

Debulha dos cachos

D/H

10

Transporte dos frutos para venda

D/H

20

10

Extrao do palmito (desbaste)

D/H

Roagem semestral

D/H

10

Produo
Palmito(2) 1 ano

Unid.

1.000

Frutos(3) anual

Lata(4)

300

Frutos a partir do 4 ano, anual

Lata

600

Palmito a partir do 4 ano, anual

Unid.

200

100

Dia/homem: R$ 10,00; (2) Valor unitrio: R$ 0,40;

(1)

(3)

Valor unitrio: R$ 2,50; (4)Corresponde a 20 L ou 14 kg de frutos.

Tabela 2. Mo de obra para implantao, manuteno e explorao e produtividade por hectare em


aaizais nativos de vrzea, manejados e no manejados, para a extrao de palmito, Microrregio
Homognea de Camet, Estado do Par.
Discriminao

Unidade

Manejado
(3 anos)

Manejado
(1 ano)

No manejado
(3 anos)

Caractersticas do aaizal
Nmero de plantas adultas

Unid.

800

800

400

Intervalo de corte

Ano

3
7

Mo de obra 1 ano
D/H(1)

Raleamento e roagem

D/H

30

30

Transplantio de mudas

D/H

Roagem

D/H

10

10

Corte do palmito

D/H

Extrao do palmito

Mo de obra anual/trienal

Descasca do palmito

D/H

Enfeixe do palmito

D/H

Transporte do palmito

D/H

2
1.000

Produo
Palmito 1 ano

Unid.

1.000

1.000

Palmito 3 ano, anual

Unid.

800

Palmito 3 ano, trienal

Unid.

1.600

1.000

(1)

Dia/homem: R$ 10,00.

CAPTULO 10 - Importncia do manejo de recursos extrativos em aumentar a capacidade de suporte: o


caso de aaizeiros (Euterpe oleracea Mart.) no esturio amaznico

173

Considerando o preo obtido pelos frutos e palmito de aaizeiros


e as despesas com mo de obra para estabelecimento dos aaizais
manejados, extrao, processamento parcial e transporte dos produtos,
foi elaborada a planilha de custos e receitas para os diferentes sistemas
de manejo, levando-se em conta as fases de preparao (A, B, C) e de
explorao (R) dos aaizais, cujos resultados esto apresentados na
Tabela 3.
Tabela 3. Custo, receitas e remunerao da mo de obra para os diferentes sistemas de manejo e
explorao dos aaizais nativos de vrzea (R$ 1,00).
Forma de explorao

Caso 1 Aaizal
manejado/frutos

Caso 2 Aaizal
no manejado/frutos
Caso 3 Aaizal
manejado/palmito (3 anos)

Caso 4 Aaizal
manejado/palmito (1 ano)
Caso 5 Aaizal
no manejado/palmito (3 anos)

Perodo

Custo

Receita
bruta

Receita
lquida

Remunerao
da mo de
obra

A0

70,00

400,00

330,00

A1

330,00

-330,00

A2

200,00

-200,00

A3

200,00

-200,00

R1

820,00

1.520,00

700,00

8,54

R2

360,00

760,00

400,00

11,11

B0

70,00

400,00

330,00

B1

350,00

-350,00

B2

100,00

-100,00

R3

200,00

640,00

400,00

20,00

C0

70,00

400,00

330,00

C1

350,00

-350,00

C2

100,00

-100,00

R4

150,00

320,00

170,00

11,33

R5

140,00

400,00

260,00

37,14

Os VPL observados para os diferentes sistemas de manejo e explorao


de aaizais nativos de vrzea, considerando taxas de juros anuais de
10% e os valores extremos (0, ), esto apresentados na Tabela 4 e na
Figura 3.
Tabela 4. Valor presente dos benefcios lquidos (VPL) para diferentes sistemas de manejo e explorao de
aaizais nativos destinados extrao de frutos e palmito (R$ 1,00).
Sistemas de manejo
e explorao

Frmula do
VPL

VPL
i=10%

VPL
i=0

VPL
i=

Caso 1 Aaizal
manejado/frutos

4.973,00

330,00

Caso 2 Aaizal
no manejado/frutos

4400,00

400,00

Caso 3 Aaizal
manejado/palmito (3 anos)

1258,00

330,00

Caso 4 Aaizal
manejado/palmito (1 ano)

1334,00

330,00

Caso 5 Aaizal
no manejado/palmito (3 anos)

1.046,00

260,00

174

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 3. Valores
presentes de benefcios
lquidos (VLP)
observados em aaizais
nativos sob diferentes
sistemas de manejo e
taxas de juros.

Pode-se verificar na Tabela 4 que o aaizal manejado para a produo


de frutos o que apresenta maior vantagem econmica pelo critrio
do VPL, seguindo-se do aaizal no manejado e de outros sistemas
de extrao de palmito. Quando as taxas de juros so elevadas, as
vantagens em se manejar os aaizais nativos para a produo de frutos
tendem a se dissipar, passando os aaizais no manejados a ser mais
competitivos.
Quanto extrao de frutos, a partir de uma taxa de juros maior
que 15,2%, o aaizal no manejado passa a ser superior ao sistema
manejado, evidenciando que com taxas de juros elevadas no
compensa para o extrator efetuar programa de manejo.
A extrao de palmito, independente das taxas de juros, mostra a
vantagem da explorao dos aaizais manejados em relao aos no
manejados, desde que no ocorra a incorporao de novas reas.
Os resultados dos VPL evidenciam que a explorao dos aaizais
nativos, manejados ou no manejados, visando produo de frutos,
mais vantajosa que os destinados produo de palmito (Tabela 4). Isso
significa dizer que a explorao dos aaizais nativos para a produo
de frutos como atividade principal, em reas de fcil comercializao e
transporte do produto, mais rentvel, em pelo menos trs vezes que
para a extrao de palmito.

CAPTULO 10 - Importncia do manejo de recursos extrativos em aumentar a capacidade de suporte: o


caso de aaizeiros (Euterpe oleracea Mart.) no esturio amaznico

importante ressaltar a preferncia dos extratores de palmito na adoo


de sistemas no manejados. Apesar de esse sistema apresentar menor
VPL, justifica-se pelo fato do extrator estar sempre incorporando
novas reas para a extrao de palmito, sem necessidade de proceder a
investimentos para a sua regenerao.

Concluses
A partir do final da dcada de 1980, tem-se enfatizando na Amaznia
o manejo de recursos extrativos como soluo para a conservao dos
recursos naturais. Em muitas situaes de curto prazo, a facilidade de
acesso e o grande estoque de aaizais fizeram com que o extrativismo
na forma no manejada apresentasse maiores vantagens econmicas.
Nas reas prximas aos centros consumidores de frutos, a adoo
das prticas de manejo pelos extratores comprovaram as vantagens
econmicas desse procedimento. interessante frisar que no passado
essas reas sofreram intensivo processo de extrao de palmito e a
valorizao econmica dos frutos induziu sua conservao, o que a
legislao no conseguiu inibir em anos anteriores.
Em reas com grande disponibilidade de aaizais, onde a coleta de
frutos torna-se invivel em virtude da longa distncia dos locais de
comercializao, a extrao de palmito prtica dominante. Em face
dos grandes estoques de aaizais, a extrao de palmito em sistemas no
manejados, mediante contnua incorporao de novas reas, revela-se
superior em termos de rentabilidade em comparao com o sistema
manejado. Esse aspecto explica o processo de explorao predatria
que tem caracterizado essa atividade, cuja taxa de extrao praticada
coloca em risco os estoques de aaizais no esturio amaznico com o
crescimento da demanda desse produto.
O manejo dos aaizais nativos mostrou-se importante para o aumento
da capacidade de suporte, dobrando a produo por unidade de rea
para a extrao de frutos e proporcionando um incremento de 60%
no caso de palmito. O aumento da capacidade de suporte, obtido por
meio do processo de homogeneizao nos aaizais manejados, conduz
a preocupaes com as possveis consequncias ecolgicas para a flora
e a fauna. A homogeneizao dos estoques de aaizais tende, no seu
limite, a imitar um plantio racional.
Outra varivel importante analisada refere-se taxa de juro. Quando
esta elevada, tende a dissipar as vantagens econmicas em manejar
aaizais, tanto para frutos como para palmito. Dependendo da
dimenso do mercado, em um ambiente com altas taxas de juros,
a extrao de palmito no presente mais vantajosa do que adotar
prticas de manejo. Esses resultados tm importantes ilaes polticas
quando se pretende efetuar programas de manejo para a conservao
da Floresta Amaznica.

175

176

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A reduzida vantagem econmica do manejo de aaizais nativos para


a produo de palmito evidencia a necessidade de polticas pblicas
que incentivem tambm ao plantio de outras palmeiras com potencial
comprovado, como a pupunheira. O cultivo dessa palmeira para
a produo de palmito, pelas suas caractersticas de precocidade
e produtividade, torna-se indispensvel para reduzir a presso de
extrao de palmito de aaizeiros.
Finalmente, essa pesquisa chama ateno quanto necessidade de
ampliar o conhecimento sobre as inter-relaes do manejo na flora
e fauna, a participao das unidades familiares na administrao
de aaizais, os direitos de propriedade e conservao dos aaizais, a
sustentabilidade do manejo e os efeitos do processo de domesticao
de aaizais.

Introduo1
A microrregio de Marab, localizada no sul do Estado do Par, foi
incorporada ao processo de extrao da castanha-do-par no incio
do sculo passado. No contexto da dinmica da economia extrativa
regional, a importncia da extrao de castanha-do-par cresceu com
a domesticao da seringueira no Sudeste Asitico, provocando a crise
da economia gumfera na regio. A partir da dcada de 1960, vem
sofrendo uma srie de transformaes econmicas, sociais e polticas,
afetando a base da economia extrativa.
A coleta de castanha-do-par, no incio, conheceu uma fase de
extrao livre, em que a terra no era apropriada por particulares.
A partir dos anos 1920, as reas de castanhais passaram a ser
monopolizadas sob diversas formas, desde os casos de compra direta
ou mediante ttulos da dvida pblica do Estado at o arrendamento e
aforamento dos castanhais. A partir da nova Lei de Terras de 1930 at
o incio da dcada de 1950, a forma predominante de apropriao dos
castanhais foi o arrendamento. O controle econmico e poltico passou
a prevalecer nas concesses para a extrao. No final do mandato
do General Zacarias de Assuno, em 1954, foram introduzidas
importantes modificaes no arrendamento de terras devolutas do
Estado para fins de extrao de castanha-do-par. Inicialmente,
concedia-se uma licena de explorao por uma safra. Depois da
licena inicial, passava-se a um contrato de arrendamento por 5 anos
(o primeiro considerado a ttulo precrio). O direito de renovao
do arrendamento constitua, no terceiro passo, numa forma de
aforamento perptuo, com pouca margem para disputa, acelerando-se,
a partir da, o processo de concentrao (EMMI, 1988; VELHO, 1981).
Os aforamentos abrangem um perodo que vai de 1955 a 1966 (a partir
da passam a ser adquiridos por transferncia de direitos dos foreiros
originais). O Estado do Par nesse perodo concedeu 252 aforamentos,
destes 168, ou seja, 66,6% foram para Marab (EMMI, 1988).
1

Homma et al. (1996).

178

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Enquanto o transporte da castanha-do-par dependia exclusivamente


do Rio Tocantins, os donos das reas de castanhais mantinham o
controle sobre o recurso extrativo, reproduzindo o mesmo processo
de apropriao do excedente verificado na extrao de borracha.
Esse sistema de apropriao mantinha as semelhanas descritas por
Domar (1970) e Kazmer (1977) de controle da terra para assegurar
a apropriao do excedente econmico. Esse princpio tambm
mencionado por Marx, que dedicou um captulo de O Capital para
enfatizar as ideias de Wakefield sobre a colonizao sistemtica, no
qual afirmava que as terras virgens no deviam ser postas ao alcance
das populaes pobres por preos baixos, visto que se transformariam
em produtores independentes (GUIMARES, 1981). O sistema
poltico prevalecente na concesso das glebas de castanhais era em
favor das classes dominantes. Para isso, desenvolveu-se um conjunto
de artifcios jurdicos as doaes privilegiadas, o lento processo de
decises centralizado nas capitais e, s vezes, meios violentos para
assegurar as ocupaes. Nesse perodo, a importncia da terra estava
mais na disponibilidade de castanhais ou seringueiras existentes do
que na sua utilizao para fins agrcolas (BECKER, 1982; HALL, 1989).
A partir da dcada de 1960, com a abertura da Rodovia Belm-Braslia,
na dcada de 1970, da Rodovia Transamaznica e de diversas rodovias
estaduais viria a acontecer o rompimento desse ciclo. A entrada de
grandes contingentes migratrios, provocando a invaso de reas de
castanhais, a interrupo da navegao do Rio Tocantins com o incio
da construo da Usina Hidreltrica de Tucuru, em 1976, e a entrada
em funcionamento, em 9 de novembro de 1984, terminaram minando
gradativamente o poder poltico e econmico dos donos de castanhais.
Nessa fase, a terra com finalidade de cultivo passa a ganhar maior
importncia (PINTO, 1980).
A descoberta das grandes jazidas de minrios de ferro verificada
em 1967 tornou a regio alvo de interesse nacional e internacional,
culminando com a implantao do Programa Grande Carajs, em
1980, reduzindo a importncia da economia extrativa da castanha-do-par. A descoberta de garimpos de ouro, como o da Serra Pelada, onde
em 1983 chegou a ter 80 mil garimpeiros, produzindo 40 kg de ouro
por dia, provocou um fluxo migratrio para a regio sem precedentes
e o deslocamento de mo de obra extrativa para essas novas atividades.
A descoberta de jazidas de minrios provocou a reorganizao das
relaes de preos e de mercados de produtos e fatores, produzindo
efeitos semelhantes ao Dutch Disease, da descoberta de extensos
depsitos de petrleo no Mar do Norte. A dimenso dos recursos
minerais levou implantao do megaprojeto da Companhia Vale
do Rio Doce (CVRD), o incio das operaes mecanizadas a cu
aberto das jazidas de minrio de ferro, em janeiro de 1986, visando
exportao atravs da Estrada de Ferro Carajs, de 890 km de extenso,
inaugurada em 28 de fevereiro de 1985, pelo presidente Figueiredo. O

CAPTULO 11 - Polticas agrcolas e econmicas para a conservao de recursos naturais: o caso de


castanhais em lotes de colonos no sul do Par

impacto indireto do complexo mineral da CVRD na atrao de fluxo


de migrantes difcil de ser avaliado, veio aumentar a gravidade do
problema fundirio, a ocupao da regio e a destruio dos recursos
naturais.
Essas transformaes vieram acompanhadas da destruio da base
de recursos extrativos representados pelos castanhais. A derrubada
dos castanhais justificava-se pela necessidade de reas para produo
de alimentos para o crescente contingente migratrio e pela grande
expanso da pecuria, com incentivos fiscais criados a partir de
1967 e de crdito rural. Segundo Bunker (1982), a formao de
pastos financiados por meio de programas especiais de crdito rural
tiveram a consequncia no intencional de desintegrar a economia
de exportao extrativa do Mdio Amazonas Paraense, da castanha-do-par e de outros produtos extrativos menos importantes, mesmo
a despeito do fato de que a economia extrativa gerava mais renda e
criava mais emprego do que os pastos que a substituram.
A abertura de extensa rede de estradas estaduais e municipais e o fluxo
contnuo de migrantes, principalmente nordestinos, sem interesse pelo
extrativismo da castanha-do-par e com o sentido de luta apenas pelo
uso da terra, recrudesceram o interesse pela ocupao e destruio
dos castanhais. O confronto entre posseiros, fazendeiros e aviadores
de castanha-do-par, no chamado Bico do Papagaio, no limite dos
estados de Tocantins, Maranho e Par, mostra a dimenso da crise
fundiria e social, com a consequente destruio de castanhais. Essa
rea foi palco da atuao do grupo guerrilheiro do Partido Comunista
do Brasil (PC do B), levando o governo Mdici a iniciar operao de
combate em 12 de abril de 1972.
A partir da dcada de 1980, a extrao madeireira veio adicionar novo
componente de destruio de recursos naturais na regio. O sistema de
extrao madeireira na Amaznia se identifica pela contnua ocupao
de novos estoques de recursos florestais. O extrativismo madeireiro
atravessou diversas fases na Amaznia. No incio, a madeira era
considerada como se fosse um bem livre, pela inexistncia de mercados
e pela antieconomicidade da extrao e do beneficiamento, em que
somente as madeiras mais nobres e aquelas de interesse circunstancial
eram aproveitadas. Quanto s demais espcies, em geral, eram
queimadas por ocasio do desmatamento. A grande maioria dos
desmatamentos na Amaznia, durante as dcadas de 1950 a 1960,
para a implantao de pastagens levaram destruio desses imensos
estoques de recursos madeireiros, cujo valor se reala no presente. A
segunda fase caracteriza-se pela intensificao da extrao madeireira,
de carter seletivo, em face da heterogeneidade dos recursos florestais,
com nfase para as espcies madeireiras selecionadas. A terceira
fase caracteriza-se pela valorizao daquelas madeiras consideradas
inferiores, decorrente da ampliao do mercado, das facilidades
infraestruturais e do incio das presses de natureza ambiental.

179

180

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O crescimento de um mercado de madeira, alm do deslocamento


da prpria fronteira de extrao madeireira, constituiu um convite e
a viabilizao para a entrada de migrantes centrados inicialmente na
extrao do mogno. Com o esgotamento das espcies mais promissoras,
o estoque de castanheiras, pela sua facilidade de localizao, passou a
ser alvo de abate pelas madeireiras. A necessidade de madeira pelos
colonos fez com que muitos deles trocassem seis rvores de castanheiras
dos seus lotes por 1 m3 de madeira serrada, em geral refugo, para a
construo de moradias. Como a construo de uma casa de colono
consome-se em mdia 3 m3 de madeira serrada, depreende-se que
18 castanheiras foram sacrificadas por cada moradia. A existncia de
extensos estoques de castanheiras mortas, como consequncia das
queimadas, mesmo que estas no sejam derrubadas (cemitrios de
castanhais), e de incndios florestais, ensejaram o Ibama a permitir
a explorao dessas castanheiras para fins madeireiros por meio da
Portaria 48, de 10 de julho de 1995, publicada no Dirio Oficial da
Unio, em 17 de julho de 1995. Apesar de ainda no ter sido liberada,
sem uma rigorosa fiscalizao essa lei pode dar margens a incndios
florestais deliberados para proceder a morte dessas castanheiras.
A Tabela 1 mostra a concentrao da castanha-do-par extrada em
1972, na regio de Marab, onde 19 extratores (29,7%) extraiam 87,6%
da produo. Nessa tabela no est includa a extrao da regio da
Transamaznica, das reas sob a jurisdio da Funai e dos castanhais
pblicos (BRASIL, 1977). Essa concentrao j mostrava que a
viabilidade da extrao de castanha-do-par naquela regio depende da
existncia de grandes reas. Se considerar a produo de um pequeno
extrator e a transformao de todos os castanhais em propriedade
comum, isso indicaria que seria possvel aumentar o contingente de
pequenos extratores para, no mximo, 500. Apesar do contedo social,
isso no teria condies de assentar o contingente de migrantes que se
dirigem para aquela regio. Sem dvida, a tendncia da destruio dos
castanhais j estava desenhada mesmo antes do recrudescimento da
presso migratria (KITAMURA; MLLER, 1984). A atual nfase que
se coloca na transformao dos estoques de castanhais em propriedade
comum, como se prope com a criao das reservas extrativistas
quando esse recurso se torna escasso, no assegura a sua conservao
e a preservao da floresta.
Tabela 1. Concentrao de extratores e quantidade extrada de castanha-do-par na microrregio de Marab, Par, em 1972.
Tipo de
extrator

Nmero

Quantidade Percentual
extrada (hL) extratores

Percentual
quantidade

Quantidade
extrator (hL)

Exportador
30.000 hL a
50.000 hL

221.000

9,4

50,7

36.833

Grande
extrator
5.000 hL

13

161.000

20,3

36,9

12.384
Continua...

CAPTULO 11 - Polticas agrcolas e econmicas para a conservao de recursos naturais: o caso de


castanhais em lotes de colonos no sul do Par

Tabela 1. Continuao.
Tipo de
Quantidade Percentual
Nmero
extrator
extrada (hL) extratores
Mdio extrator
2.500 hL a
7
19.600
10,9
3.500 hL

Percentual
quantidade

Quantidade
extrator (hL)

4,5

2.800

905

Pequeno
extrator 500 hL
a 1.500 hL

38

34.400

59,4

7,9

Total

64

436.000

100,0

100,0

6.812

Fonte: Brasil (1977).

A extrao de castanha-do-par na Amaznia, no Estado do Par,


na microrregio e no Municpio de Marab vem decrescendo desde
a dcada de 1980 (Tabela 2). Mesmo considerando a fragmentao
do antigo Municpio de Marab, verifica-se que no mbito da
microrregio, com o processo de ocupao, a produo vem decaindo.
O crescimento na fase inicial deve-se ao acesso a novas reas de
extrao e seu posterior decrscimo. Essa queda na produo tem
afetado o abastecimento de matria-prima das exportadoras em Belm,
que passaram a depender do abastecimento de castanha-do-par
proveniente do Acre. Esse transporte feito em barcaas subindo o Rio
Purs na poca das cheias e retornando o mais rpido possvel, ante
a dificuldade de navegao nesse rio. Isso reduz um pouco a alegada
importncia de se efetuar a verticalizao da extrao de castanha-do-par no Acre, uma vez que seu escoamento, nesse caso, vai ter que
ser feito por via rodoviria at Porto Velho e, a seguir, por via fluvial
pelo Rio Madeira, encarecendo o custo de produo. Na opinio de
Santana e Khan (1992), o futuro do extrativismo da castanha-do-par
est seriamente comprometido, em razo das presses populacionais
que reclamam atividades mais produtivas, da baixa rentabilidade dessa
atividade, assim como da instabilidade de atividades substitutas, como
a pecuria, a produo de subsistncia e a garimpagem.
Tabela 2. Produo de castanha-do-par na Amaznia, no Estado do Par, na
microrregio e Municpio de Marab, Par, em toneladas.
Par

Microrregio
Marab

Municpio
Marab

Ano

Amaznia

1950

22.636

11.145

7.513

1960

39.382

13.405

8.095

8.095

1970

49.912

26.830

22.068

17.732

1975

51.719

20.667

7.887

3.912

1980

40.456

22.611

15.022

8.823

1985

45.020

15.417

3.845

2.000

1987

36.241

17.954

5.695

3.085

1988

29.391

12.899

3.844

1.980

1989

25.672

8.465

2.793

550

1990

51.195

16.235

1.160

600

1991

35.838

9.456

1.073

550

7.513

Continua...

181

182

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 2. Continuao.
Ano

Amaznia

Par

1992

25.303

10.962

1993

26.505

6.936

Microrregio
Marab
950
880

Municpio
Marab
500
450

Fonte: Censo Agropecurio (1950, 1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1995, 1993).

Durante a dcada de 1980, o plantio de castanha-do-par passou a ser


enfatizado a partir das tecnologias desenvolvidas pelo ento Cpatu, hoje
Embrapa Amaznia Oriental, referentes precocidade na germinao
e s tcnicas de enxertia. Vrios plantios foram realizados, destacando-se um em Itacoatiara, Estado do Amazonas, com 3 mil hectares e 300
mil ps plantados. Ante a baixa produtividade dessas castanheiras, em
virtude de problemas relacionados incompatibilidade de matrizes,
de outras alternativas mais promissoras e do cancelamento dos
recursos do Fiset Reflorestamento, atualmente o processo de plantio de
castanheiras fica restrito sua incorporao em sistemas agroflorestais
(HOMMA, 1989).
Com a intensificao do processo de derrubadas e queimadas, a partir
da dcada de 1960, um dos evidentes riscos associados aos recursos
florestais remanescentes, manejo florestal, sistemas agroflorestais,
cultivos perenes e plantios silviculturais na Amaznia esto associados
a incndios florestais. A despeito da proibio legal quanto derrubada
das castanheiras, essas reas j sofreram extrao madeireira de
outras espcies mais nobres. A permanncia de resduos florestais e
da abertura de estrada decorrentes da extrao madeireira aumenta
consideravelmente quanto entrada de fogo acidental. A convivncia
de pequenos agricultores que se utilizam do processo de derrubada
e queimada e de pecuaristas que ateiam fogo s pastagens constitui
grande risco para a manuteno dos estoques de recursos extrativos
e os plantios de essncias florestais nos sistemas agroflorestais. As
castanheiras dependem da reproduo cruzada, tanto que os riscos
de incndios florestais e os desmatamentos reduzem tambm a
capacidade de produo de castanha, cujo efeito negativo maior se
a rea for pequena.
Os dados para esta pesquisa foram coletados entre colonos localizados
no Castanhal Araras, Municpio de So Joo do Araguaia, na
microrregio de Marab, em maio de 1993 e outubro de 1995.

Modelo conceptual
Foi possvel estabelecer as condies de comportamento dos
agricultores que induzem a derrubada das castanheiras, a despeito do
potencial de lucro decorrente da extrao. Para o desenvolvimento
do modelo, enfocou-se a escolha dicotmica entre agricultura e

CAPTULO 11 - Polticas agrcolas e econmicas para a conservao de recursos naturais: o caso de


castanhais em lotes de colonos no sul do Par

o extrativismo da castanha e/ou cupuau. Para essa finalidade,


desenvolveu-se um modelo de averso ao risco no qual o produtor
pode engajar-se tanto na extrao de castanha e/ou cupuau quanto na
produo de culturas anuais. Assume-se que a extrao desses recursos
extrativos no longo prazo apresenta riscos associados a incndios
florestais e invaso de terras. Esses riscos dependem do tamanho do
lote, embora esse aspecto no tenha sido considerado neste modelo.
A dinmica do desmatamento foi incorporada pelo fato de que uma
renda assegurada decorrente da extrao de castanha e/ou cupuau
para os pequenos produtores torna-se inferior renda da produo
de culturas anuais e posterior converso para pastagens. Como
consequncia, a utilidade associada com culturas anuais supera
a renda decorrente da extrao de castanha e/ou cupuau e os
pequenos produtores mudam suas atividades econmicas segundo as
convenincias, a despeito do alto lucro potencial desses dois produtos
extrativos.
Na Figura 1, tem-se a representao convencional do processo de
deciso em uma situao de averso ao risco (ELLIS, 1993). A extrao
de castanha e/ou cupuau apresenta instabilidade quanto ao lucro a
ser obtido. Podem-se obter extremos quanto ao valor esperado do
lucro, c com baixa probabilidade ou g com alta probabilidade. Os
valores dos lucros esperados com certeza absoluta, em condio de
indiferena ao risco, so indicados pelos pontos a e b. Presume-se
que os lucros esperados decresam ao longo do tempo decorrente da
intensificao de incndios florestais, de invases de terra, de coleta
furtiva e de instabilidade de preo. Enquanto o mercado de castanha
apresenta caracterstica de oligopsnio, a de culturas anuais apresenta
maiores possibilidades de compradores. A funo de utilidade do
pequeno produtor reflete grande averso ao risco ao longo do tempo,
fazendo com que a curva de averso ao risco mude entre o tempo t e
t+1, pelas mesmas razes acima mencionadas. Determinada renda e
associada com a produo de culturas anuais mais baixa do que o
valor esperado da extrao de castanha e/ou cupuau para a situao
de averso de risco referente ao ponto a, mas torna-se superior se a
averso ao risco do produtor aumenta, quando se considera o ponto
b. Um equivalente de produo sem risco no tempo t dado pela
interseo da linha horizontal com origem em a, que constitui o
ponto f, no qual a atividade extrativa apresenta vantagens superiores
agricultura. De modo similar, uma produo equivalente no tempo
t+1 ocorre com a renda d, em que a atividade agrcola apresenta-se
superior extrao de castanha e/ou cupuau. A criao de reservas
extrativistas constitui uma opo para reduzir os riscos decorrentes
da insegurana fundiria, minimizando o deslocamento de a para b.
Fica dvida quanto segurana do lucro derivado apenas da atividade
extrativa.

183

184

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 1. Interpretao
hipottica da averso ao
risco dos colonos com
relao extrao da
castanha-do-par e/ou
cupuau vs atividades
agrcolas.

Para um colono com um lote padro de 50 ha, com disponibilidade


de castanheiras e/ou cupuauzeiros, existem duas alternativas com
relao utilizao da sua rea:
1- Extrao de castanha-do-par e/ou de cupuau. Nessa alternativa
pressupe-se a manuteno da cobertura florestal original e sua
possvel transformao em reservas extrativistas.
possvel analisar a deciso do desmatamento considerando o valor
presente da extrao de castanha e/ou cupuau em comparao com a
derruba total de castanheiras para venda como madeira. Considerou-se para essa situao que a sequncia de pagamentos inicia-se no
tempo 0, uma vez que todas as castanheiras e cupuauzeiros nativos
esto produzindo, com durao infinita e um fluxo de pagamentos
constante, tem-se VPL(cast.)(r) = (1+r)/r (HIRSHLEIFER, 1970),
em que VPL(cast.)(r) representa o valor presente lquido do fluxo de
benefcios lquidos da extrao de amndoas de castanha-do-par e
frutos de cupuau ou ambas (). No foram considerados os possveis
benefcios ambientais decorrentes da manuteno da floresta.
2- Venda total de castanheiras do lote, derruba gradativa da rea,
plantio de culturas anuais e, posteriormente, pastagem visando
atividade pecuria. Trata-se de fenmeno em curso na microrregio
de Marab, onde os colonos efetuam derrubadas contnuas do seu
lote, tanto de floresta densa quanto de capoeira, visando ao plantio de

CAPTULO 11 - Polticas agrcolas e econmicas para a conservao de recursos naturais: o caso de


castanhais em lotes de colonos no sul do Par

culturas anuais e perenes e posteriormente sua transformao em


pastagens. Nesse tpico no foram considerados os provveis custos
ambientais concernentes destruio dos recursos florestais.
Nesse caso ter-se-ia ento:
Y=Vm + VPL(pec.)(r),
em que Y o valor presente de benefcios lquidos da venda de rvores
de castanheiras como madeira (Vm) e VPL(pec.)(r) o valor presente
dos fluxos de benefcios lquidos das atividades de plantio de culturas
anuais e pecuria (), como funo da taxa de desconto. O fluxo
de benefcios lquidos das atividades de culturas anuais e pecuria
comearia no tempo k e encerraria no tempo k+p, isto , teria a
durao de p anos.
Considerando a opo entre manter a extrao de castanha-do-par
ou vender as castanheiras e iniciar atividades agrcolas (culturas anuais
e pecuria), obtm-se pelo desenvolvimento da equao (1):
Y=Vm + VPL(pec.)(r)

(1)

Se Vm + VPL(pec.)(r)>VPL(cast.)(r), mais lucrativo para o colono


proceder a venda das castanheiras como madeira, proceder a derrubada
da rea, efetuar o plantio de cultivos anuais e posteriormente a criao
de gado.
Sabe-se que:

Pode-se determinar as equaes das curvas de VPL(cast.)(r) e Vm +


VPL(pec.)(r), obtendo-se os pontos extremos nos quais r = 0 e r = .
Para r = 0, tem-se:

Se r= , obtm-se:

185

186

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Procura-se determinar a inclinao da curva Y=Vm + VPL(pec.)(r) e


sua comparao com a curva do VPL(cast.)(r).

tem-se:

que sempre negativa,


e a inclinao da curva do
dada por
ou
Figura 2. Interpretao
hipottica das curvas
de VPLs para as diversas
alternativas e taxas de
desconto.

, que sempre negativa.

CAPTULO 11 - Polticas agrcolas e econmicas para a conservao de recursos naturais: o caso de


castanhais em lotes de colonos no sul do Par

Se dY/dr > [VPL(cast.)(r)], indica que o fluxo lquido de benefcios


da atividade agrcola (culturas anuais e pecuria) superior ao fluxo
lquido decorrente da extrao de castanha-do-par. Ressalta-se que
essa igualdade prevalece quando:

Isto demonstra que deve existir uma determinada taxa de desconto,


para alguns valores de e , em que para valores inferiores no seria
racional derrubar as castanheiras e implantar atividades agrcolas e o
inverso para valores superiores.
Existe um segmento de produtores, principalmente aqueles
envolvidos no programa do Centro Agroambiental de Tocantins
(CAT), que efetuaram tentativas de plantio de castanheiras, mogno e
cupuauzeiros. Essa opo no foi considerada no clculo, uma vez
que os agricultores estavam efetuando os plantios de castanheiras e
mogno sem uma visualizao econmica dos resultados e que vrios
deles tiveram seus plantios destrudos pela entrada acidental do fogo.
O horizonte de tempo considerado para a extrao de castanha-do-par e cupuau infinito, como a maioria das propostas sobre reservas
extrativistas tendem a justificar. Esse tempo demasiadamente longo,
com possibilidade de modificaes tecnolgicas e de mudanas nas
relaes de preos de produtos e fatores, mas amplamente utilizado
nas justificativas dos ecologistas em favor do extrativismo vegetal
na Amaznia. Do ponto de vista terico, todas essas alternativas
devem ser homogeneizadas quanto ao horizonte de tempo arbitrado,
no cometendo erros de anlises que comparam o extrativismo da
castanha-do-par por 50 anos e a pecuria por apenas 10 anos, por
exemplo. Pressupe-se que todas essas alternativas apresentam outros
riscos e incertezas que no podem ser incorporados ao modelo.
Para todas as alternativas, o risco de incndios florestais real se no
conseguir modificar a agricultura de derruba e queima e a utilizao
de fogo nas pastagens. A prevalecer o contnuo fluxo migratrio no sul
do Par e as presses recentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) para ocupao de fazendas, sempre haver o risco de
invases nas reas com estoques de castanheiras, de cupuauzeiros e
espcies madeireiras, alm da terra para fins agrcolas.

Resultado e discusso
A produtividade das castanheiras apresenta variao de 0,16 a 0,55 hL/ha
de castanha com casca, se considerar o conjunto da rea do castanhal
(KITAMURA; MLLER, 1984). A densidade de castanheiras varia
entre 33 a 107 castanheiras adultas por lote de 50 ha. A disponibilidade
de castanheiras adultas nos lotes dos colonos apresenta grandes

187

188

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

variaes dependendo da localidade, por exemplo, um produtor


afirmou existirem 20 rvores nos 30 ha de mata remanescente e outro,
75 rvores em 35 ha de floresta. A produo de castanha considerando
um lote de 50 ha de floresta e uma mdia de produtividade de 0,46 hL/
rvore, varia de 15 hL a 49 hL. A coleta de 20 hL de castanha-do-par
necessita de 41 dias-homens. Um castanheiro adestrado pode juntar,
diariamente, de 700 a 800 ourios, o que pode produzir at 2 hL de
castanha com casca (Tabela 3). Um hectolitro corresponde a 50 kg de
castanha natural com casca. Se for com casca, mas desidratada, h
reduo de 36% no peso e se for descascada, h uma reduo de 63%
no peso, todas em comparao com a castanha com casca natural
(ALMEIDA, 1963; SOARES, 1976).
Tabela 3. Quantidade de mo de obra necessria para extrao de uma
tonelada (20 hL) de castanha-do-par, com casca, na microrregio de Marab,
Par.
Itens

Dias-homens/tonelada

Coleta

15

Quebra

20

Transporte

Lavagem

Total

41

Fonte: Homma (1989).

Considerando o preo de castanha-do-par, que no lote do colono


vendido a R$ 17,00/hl, e considerando o valor da mo de obra a
R$ 3,00/dia e o preo de uma rvore de castanheira a R$ 20,00, pode-se
estimar a receita advinda dessas duas alternativas. Dada a variao da
produtividade e dos preos da castanha, um lote de 50 ha de floresta
pode render entre R$ 168,00 e R$ 537,00, com uma renda mdia anual
de R$ 352,00 (1). Os preos dos produtos e custos dos fatores de
produo referem-se a outubro de 1995.
Quanto ao cupuauzeiro, tal como a castanheira, a sua concentrao
bastante heterognea. Nas reas de alta concentrao, a densidade
pode alcanar 5 rvores/ha, com uma produo mdia de 5 frutos/p.
Um produtor com 30 ha de floresta afirmou possuir 450 ps, dos quais
colheu 2 mil frutos no perodo de novembro de 1995 a maro de 1996,
vendeu a um preo mdio de R$ 0,60/fruto, obtendo uma receita bruta
mensal de R$ 200,00. Como o custo de produo refere-se basicamente
a coleta e transporte, variando entre 2 a 3 horas/dia, infere-se que um
lote privilegiado com alta concentrao de cupuauzeiros poderia obter
uma produo de 3,3 mil frutos, o que permitiria uma receita lquida
de R$ 1.800,00. Como em algumas reas no existem cupuauzeiros,
a receita lquida mdia considerada seria R$ 900,00 (2). Como
os cupuauzeiros nativos so rvores que chegam a atingir 30 m de
altura, muitos frutos so desperdiados se no forem beneficiados para
extrao de polpa, pela quebra ao atingirem o solo. Por ser uma cultura
que inicia a sua produo com 2 a 3 anos, pela sua lucratividade, pelo
crescimento de mercado e pela heterogeneidade de sua concentrao

CAPTULO 11 - Polticas agrcolas e econmicas para a conservao de recursos naturais: o caso de


castanhais em lotes de colonos no sul do Par

no extrativismo, h uma tendncia para a substituio de cupuauzeiros


nativos por plantios.
Considerando a opo da venda das castanheiras como madeira, com
o preo mdio das rvores de R$ 20,00, obtm-se uma receita variando
entre R$ 670,00 a R$ 2.150,00 [mdia de R$ 1.410,00 (Vm)]. possvel
determinar uma taxa de desconto que proporcione um valor presente
em termos de produo de castanha e cupuau, equivalente a R$ 352,00
e R$ 900,00 (R$ 1.252,00 = 1+ 2=3) por ano, respectivamente, que
seja equivalente mdia obtida com a venda de castanheiras como
madeira (R$ 1.410,00). Considerando um lote onde existem estoques
de castanheiras e cupuauzeiros, a taxa de desconto que iguala esses
dois fluxos de 792%. Nos lotes em que no ocorrem cupuauzeiros
nativos, apenas castanheiras, o que mais comum, a taxa de desconto
que iguala esses dois fluxos de apenas 33%, o que explica em parte a
razo da destruio dos castanhais e o interesse dos colonos no plantio
de cupuauzeiros, do que a depender da coleta extrativa desse fruto.
importante observar que foram includos os custos de mo de
obra para a extrao de castanha e cupuau, embora no tenham
sido consideradas as receitas advindas do plantio de culturas anuais
e da criao de gado, pois precisaria de um desenvolvimento mais
complicado, envolvendo pousio das reas cultivadas, desmatamentos
de floresta densa e degradao das pastagens, procedeu-se apenas a
uma deduo analtica. As pesquisas do Centro Agro-Ambiental do
Tocantins (ELEMENTOS..., 1992) estimaram para a microrregio de
Marab que a pecuria proporciona uma lucratividade de US$ 500.00/
ano (), ou US$ 25.00/ha/ano, considerando um rebanho de 10 vacas,
sem considerar a produo de leite. Como os colonos mais bem
sucedidos na venda de cupuau e castanha tm por objetivo a criao
de gado, a que reside o conflito quanto sua estabilidade no futuro,
em face da degradao das pastagens. A receita decorrente da produo
de arroz, considerando uma produtividade mdia de 1,6 mil quilos/
hectare, consegue remunerar o trabalho com 20 kg de arroz casca/dia,
uma vez que, dependendo da localizao, uma diria equivalente
varia de US$ 2,00 a US$ 8,00. Chama-se a ateno para o fato de que
essas receitas esto sendo consideradas para utilizao de 20 ha de
pastagens ou de apenas 1 ha para culturas anuais, sem considerar as
outras culturas como mandioca (20 sc a 133 sc de farinha/ha), feijo,
milho, pequenas criaes, etc. Considerando um lote onde ocorrem
apenas estoques de castanhais, infere-se que Vm>VPL(cast.)(r), [em
que VPL(cast)(r)=(1+r)/r], para r*>r=33%, ento ter-se- que
Vm+VPL(pec.)(r*)>VPL(cast.)(r*), porque VPL(pec.)(r*) positivo,
conforme pode ser evidenciado nos lucros decorrentes da atividade
pecuria e de cultivos anuais.
Como o horizonte de tempo considerado de longo prazo, mesmo
com a queda da produtividade para as culturas anuais depois de 2
anos de cultivo e da degradao das pastagens depois de 8 a 10 anos, o

189

190

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

colono levado a derrubar reas de floresta densa adicionais ou reas


de capoeiras com mais de 4 anos para a manuteno do ciclo, que
pode ser sustentvel para agricultura migratria. O paradoxo que a
insustentabilidade tende a ocorrer com a limitao do desmatamento
para 50% do lote quando se dedica atividade pecuria sem
proceder a inovaes tecnolgicas. Essas razes microeconmicas de
sobrevivncia e do sentido de luta dos colonos estarem voltados para
o uso agrcola da terra, alm das transformaes sociais, econmicas e
polticas no mbito regional, nacional e internacional, tm conduzido
destruio das reas de castanhais na microrregio de Marab.

Concluses
Verifica-se que a derrubada de reas em que existe grande disponibilidade
de castanheiras e cupuauzeiros representa um desperdcio para os
produtores, considerando a alternativa entre extrao de madeira ou a
coleta de castanha e cupuau. Deve-se observar que, apesar da alta taxa
de desconto, considerando a manuteno integral da floresta no lote
e a extrao de castanha e de cupuau, a renda mensal equivalente
a apenas um salrio mnimo, ante ao reduzido tamanho do lote,
alm da sazonalidade. Como existe metade de mo de obra ociosa,
considerando apenas a do chefe de famlia, cria-se uma opo natural
para promover o desmatamento para a implantao de roas para
produo de alimentos e posterior transformao em pastos. A atual
nfase governamental e dos movimentos ambientalistas em colocarem
as atividades extrativas, desconhecendo a sua dinmica, como maneira
de proteger a biodiversidade da Amaznia pode resultar em efeitos
contrrios aos esperados.
Razes de risco e incerteza representam tambm fatores de insegurana
para a adoo de tcnicas de manejo florestal com vistas a racionalizar
a extrao madeireira na Amaznia. O conflito enfrentado pelo
madeireiro, que inicialmente tem como objetivo a extrao daquelas
espcies mais nobres, em razo da heterogeneidade dos recursos
madeireiros da Floresta Amaznica, por questo de economicidade
e distncia em relao aos mercados, faz com que se retorne
mesma rea quando outras espcies remanescentes so valorizadas.
Isto descaracteriza o procedimento de manejo florestal, conforme
determinado tecnicamente, que prev o retorno rea original de
extrao somente depois de 30 ou 40 anos, afetando dessa forma o
processo de regenerao, uma vez que as expectativas de curto prazo
so diferentes das de longo prazo. Por outro lado, o atendimento das
etapas do manejo florestal exige o seu acompanhamento por perodo
que vai de 30 a 40 anos, com srios riscos de incndios florestais e
principalmente invases de posseiros e mais recentemente do MST, alm
do projeto de vida pessoal do madeireiro e da grande disponibilidade
de estoques de madeiras em reas novas. O procedimento de manejo
que exige divises de reas em 30 ou 40 talhes, conforme exigido

CAPTULO 11 - Polticas agrcolas e econmicas para a conservao de recursos naturais: o caso de


castanhais em lotes de colonos no sul do Par

pelo Ibama, torna-se tecnicamente e economicamente invivel quando


as reas so pequenas ou dependendo da dimenso das serrarias. O
fluxo migratrio para a Amaznia torna-se incompatvel quanto
preservao e conservao dos recursos florestais, na ausncia de
uma poltica agrcola para a regio, visando o aproveitamento das reas
j desmatadas. A questo de manejo florestal est tambm associada
com a alternativa que for colocada para os pequenos agricultores
na Amaznia. A entrada de pequenos produtores e de posseiros
est associada inicialmente ao processo de extrao madeireira para
custear a derrubada e a instalao nas novas reas. A presso sobre os
recursos madeireiros na Amaznia decorre tambm do esgotamento
desses recursos de outras reas do Pas e do mundo e da transferncia
de problemas econmicos, sociais e ambientais extrarregio.
O manejo na forma como conduzido tem sido mais pretexto para
justificar a extrao madeireira do que uma alternativa econmica
adequada. Para outras reas mais ricas em mogno, a extrao se
justifica como uma maneira de evitar riscos de invases de posseiros e
de incndios florestais. Dessa forma, est se tornando lugar comum a
retomada de retirada de mogno com reduzido dimetro nas mesmas
reas anteriormente extradas, aproveitando as antigas estradas
existentes. Isto pode ser explicado teoricamente por meio do modelo de
Faustmann, no qual o valor das rvores muda com cada ciclo de rotao,
refletindo o aumento do risco associado com incndios e invaso de
terra. Como consequncia, o madeireiro no adota um nico ciclo
de rotao, mas uma srie infinita de tempo de rotao, que reflete as
mudanas no panorama social e econmico. Esse perodo de rotao
diminui com o tempo, mesmo que ocorra uma neutralidade dos riscos,
levando o madeireiro a cortar rvores cada vez mais finas. A averso
ao risco pode ampliar esses efeitos. Em termos intuitivos, o madeireiro
cortar mais cedo possvel para evitar possveis perdas decorrentes da
entrada de fogo ou de invaso da terra, um comportamento que tende
a reduzir a idade dos estoques remanescentes.
A conservao de recursos naturais da Amaznia exige uma efetiva
poltica agrcola que procure uma utilizao parcial dos 47 milhes
de hectares desmatados. Com apenas uma frao dessa rea, muitas
delas j com alguma infraestrutura fsica e social, ser possvel atender
a populao que vive na regio. A grande dificuldade que para a
utilizao dessas reas desmatadas, representadas sobretudo por
capoeiras em diversos estdios, torna-se indispensvel a aplicao de
insumos modernos e de mecanizao, levando a um aumento nos custos
de produo agrcola a curto prazo. Nesse sentido, importante que
o poder pblico procure investir na melhoria das estradas existentes,
assegurar a disponibilidade de calcrio e de fertilizantes qumicos
com o aproveitamento das jazidas existentes na regio e proporcionar
assistncia tcnica voltada para atendimentos s comunidades, alm de
maiores investimentos em infraestrutura social no meio rural, dentre
outros.

191

Introduo1
As castanheiras que produzem a nutritiva castanha-do-par, um dos
principais produtos de exportao da Amaznia esto desaparecendo
no Sudeste do Par, regio com imensas reas desmatadas e graves
problemas fundirios. Muitos fatores contriburam, nas ltimas
dcadas, para a destruio dos castanhais, que poderia ser reduzida
com polticas pblicas mais coerentes, fiscalizao efetiva do
desmatamento e conscientizao da populao quanto importncia
desse recurso natural.
Milhares de castanheiras centenrias desapareceram nos ltimos 30
anos no Sudeste do Par, regio que abrange 38 municpios, sendo
Marab o mais importante em termos econmicos. A histria da
ocupao dessa regio por migrantes de outras reas comeou em
1898, quando foi fundado o povoado de Itacainas, que originaria a
cidade de Marab. O povoado nasceu em funo da explorao do
caucho (Castilloa ulei), rvore que produz um ltex usado para fabricar
uma borracha inferior obtida da seringueira (Hevea brasiliensis).
Com a expanso dos seringais no Sudeste Asitico, ocorreu o declnio
da extrao da borracha amaznica, o caucho perdeu importncia
e a extrao da castanha-do-par (Bertholletia excelsa) tornou-se
a principal atividade econmica da regio. Durante 60 anos, os
castanhais sustentaram milhares de extrativistas e toda uma oligarquia
decorrente dessa riqueza. A partir do final dos anos 1960, porm, o
governo comeou a apoiar a agropecuria, por entender que esta
renderia mais que a mata em p. Com isso, posseiros, colonos e
fazendeiros avanaram sobre a floresta, substituindo-a aos poucos por
culturas anuais e pastos.
Para promover a ocupao da Amaznia, foram construdas as rodovias
Belm-Braslia (BR-010), inaugurada em 1960, e Transamaznica
1

Verso original publicada em: Homma (2004a).

194

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

(BR-230), inaugurada em 1972. Aps o ciclo de implantao da


agropecuria, uma nova fase comeou, voltada para a explorao
dos recursos naturais: os minrios da serra de Carajs e a madeira
das rvores da floresta. O governo federal criou em 1980 o Programa
Grande Carajs, para iniciar a extrao mineral, inaugurou em 1984 a
hidreltrica de Tucuru e, em 1985, a Estrada de Ferro Carajs. Mais
rodovias foram construdas, ligando municpios do Sudeste Paraense.
A extrao de madeira comeou com o mogno e depois atingiu outras
espcies, inclusive a castanheira. Em consequncia, at 1997, cerca de
70% das reas de castanhais j haviam sido desmatadas no Sudeste
Paraense, segundo estudos de pesquisadores da Embrapa Amaznia
Oriental destruio que se reflete na queda da produo de castanha-do-par nessa mesorregio (Tabela 1).
Tabela 1. Produo de castanha-do-par com casca na mesorregio do
Sudeste Paraense em toneladas, no perodo 1950-2012.
Ano

Sudeste Paraense

Par

Brasil

1950

7.514

1960

8.095

1970

17.732

1973

22.191

1974

5.588

1975

8.067

1976

12.400

1977

14.621

1978

15.505

1979

17.580

1980

15.139

1981

12.048

1982

8.816

1983

6.143

1984

5.114

1985

3.999

1986

6.654

1987

5.838

1988

3.981

1989

2.909

1990

3.157

16.235

51.195

35.838

1991

2.872

9.456

1992

2.432

10.962

25.303

1993

2.194

6.936

26.505
38.882

1994

2.371

9.689

1995

1.521

12.215

40.216

1996

1.460

8.458

21.469

1997

1.248

9.510

22.786

1998

1.184

8.150

23.111
Continua...

CAPTULO 12 - Cemitrio das castanheiras

Tabela 1. Continuao.
Ano
1999

Sudeste Paraense
1.199

Par
5.959

Brasil
26.856

2000

1.165

8.935

33.431

2001

1.169

6.972

28.467

2002

1.115

5.770

27.389

2003

966

5.361

24.894

2004

1.109

7.642

27.059

2005

953

6.814

30.975

2006

900

5.291

28.806

2007

944

7.639

30.406

2008

940

6.203

30.815

2009

927

7.015

37.467

2010

930

8.128

40.357

2011

932

7.192

42.152

2012

896

10.449

38.805

Fonte: Produo Extrativa Vegetal e Silvicultura (1994); Produo da Extrao Vegetal (2012).

Hoje, as castanheiras esto desaparecendo: os madeireiros derrubam


tanto as ainda vivas quanto as mortas em p (cujo alto nmero levou
as pesquisadoras Marlia Emmi e Rosineide S. Bentes a criarem o
termo cemitrio das castanheiras, em 1988). Tambm contribuiu
para essa destruio a Portaria 108 (1998) do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama), que
autorizou o corte (para obter madeira) de castanheiras mortas ou no
produtivas nos municpios de Eldorado dos Carajs e So Geraldo do
Araguaia, sem ter como realizar uma fiscalizao efetiva. A ausncia
de esqueletos de castanheiras em uma rea (como entre Marab e
Xinguara) no significa que elas no existiam ali. Na verdade, foram
derrubadas pelos madeireiros, o que no ocorria antes em virtude
da proibio, da grande disponibilidade de madeira e da abertura de
novas frentes de explorao da floresta.
O desmatamento acontece porque, para os pequenos produtores,
a extrao da castanha-do-par e do cupuau nativo (Theobroma
grandiflorum) menos vantajosa: em um lote de 50 ha, a coleta desses
frutos renderia R$ 900,00 por ano, enquanto a renda da madeira
chegaria a R$ 1.410,00 e a da agropecuria seria ainda maior.
A destruio de castanheiras no Sudeste Paraense est associada s
polticas pblicas conflitantes, ao forte fluxo migratrio, ao surgimento
de novas alternativas econmicas e insustentabilidade da agricultura
de derruba-queima e das pastagens. A produo familiar nas chamadas
novas fronteiras tende a se manter enquanto no se completa o ciclo
de retirada da madeira, seguida de culturas anuais, que se tornam
pastagens at o solo perder a fertilidade. Quando os estoques florestais
se esgotam, o posseiro ou agricultor percebe que sua sobrevivncia
ser ameaada em breve e repete o modelo mais adiante, avanando
sobre a floresta.

195

196

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A legislao nunca deixou de proteger as castanheiras, mas as


leis s vezes contraditrias se revelaram ineficazes, em razo
da interpretao duvidosa e da falta de mecanismos para seu
cumprimento. Enquanto o comportamento individual for regido
por razes econmicas, incentivos e penalidades, a conservao e/ou
preservao estar ameaada. Para reverter a indiferena quanto aos
crimes ambientais, necessrio modificar os valores pessoais e definir
os delitos individuais na legislao. Aes sociais baseadas em normas
de conduta e representaes coletivas so a maior garantia para a
conservao e/ou preservao dos recursos naturais.
A destruio das castanheiras, apesar da proteo legal e do mercado
definido, decorre ainda da perda de competitividade da castanha-dopar. O aaizeiro (Euterpe oleracea), por exemplo, j conservado
pelos coletores em funo da valorizao dos frutos (em relao ao
palmito, que exige o corte dos caules). No caso das castanheiras, porm,
mais lucrativo vender as rvores, ou fazer carvo, ou substituir a mata
por culturas agrcolas ou pastos. O tamanho dos lotes no garante a
sobrevivncia apenas com a extrao da castanha, feita apenas na
poca chuvosa.
Mesmo que as castanheiras pudessem produzir ad infinitum, a
renda que geram dificilmente tornaria atrativa sua manuteno.
Onde h cupuauzeiros e castanheiras nativos, o cupuau tornou-se
mais rentvel que a castanha. A frutificao rpida do cupuauzeiro
estimulou seu plantio, para substituir a coleta na mata. Mas as famlias
no se sustentam s com o extrativismo, o que leva agricultura de
subsistncia, com evidente risco para a sustentabilidade ecolgica e
econmica a mdio e longo prazos.
A promulgao da Constituio de 1988 desencadeou a criao
de dezenas de municpios no Sudeste Paraense, fenmeno poltico
associado tentativa de receber benefcios pblicos, j que em tais reas
a infraestrutura social no correspondia s aspiraes da populao.
Novos municpios, alm de facilitarem a obteno de eventuais
benefcios, criam feudos ou currais eleitorais e instalam um novo
dinamismo local, atraindo migrantes, gerando obras de infraestrutura
e expandindo a fronteira agrcola, entre outros efeitos. Logo, tambm
estimulam a contnua destruio dos castanhais.
A violncia no campo, frequente nas manchetes da mdia sobre
o sudeste do Par, apenas a ponta do iceberg social da regio,
decorrente de polticas pblicas inadequadas e da transferncia de
problemas de outras partes do Pas. Essa violncia foi registrada em
muitos episdios e atingiu um nvel extremo no chamado massacre
de Eldorado dos Carajs, em 17 de abril de 1996, quando 19 pessoas
morreram em confronto com tropas enviadas pelo governo estadual.

CAPTULO 12 - Cemitrio das castanheiras

Os assentamentos fundirios e as invases de propriedades so


outras causas da derrubada de castanheiras. Nas frentes pioneiras, a
agricultura familiar se instala acompanhando as estradas de extrao de
madeira, derrubando e queimando o que resta da floresta. Madeireiros
e agricultores familiares so os principais atores nas frentes pioneiras
da Amaznia. Os primeiros extraem de maneira predatria o
maior nmero possvel de rvores com madeiras de maior valor e,
assim que estas se esgotam, avanam na fronteira, abrindo caminho
para a instalao de posseiros.
A anlise dos fatos histricos confirma a inconsequncia da destruio
dos castanhais, que poderia ter sido reduzida ou evitada. Ela significa
a busca do caminho mais fcil, que evita ferir interesses econmicos e
polticos, ou afirmao comum na Amaznia a busca do equilbrio
cognitivo, baseado na justificativa de que outros j o fizeram, no
passado e em outros pases.
O declnio do extrativismo da castanha-do-par no decorreu da
expanso de plantios racionais. Est associado, na verdade, ao conflito
decorrente da ocupao comum do espao geogrfico por diferentes
atores sociais, nas ltimas trs dcadas, e do interesse do Estado
pelos recursos minerais locais. As castanheiras sempre foram vtimas
dos conflitos de polticas pblicas (entre ministrios, entre as esferas
federal, estadual e municipais e at entre rgos ambientais), bem
como da ausncia ou descumprimento dessas polticas. Esse trabalho,
que contou com recursos do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento
de Tecnologia Agropecuria para o Brasil (Prodetab), mostra que essa
morte anunciada continua em pleno processo.
A outra lio dessa histria a de que os problemas ambientais na
Amaznia no so isolados. A destruio das castanheiras um efeito
colateral de problemas socioeconmicos tanto da Amaznia quanto
de fora. A migrao para o Sudeste do Par est associada pobreza
no Nordeste, como revelam os dados sobre a origem de posseiros e
integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST). Juntos, as polticas
pblicas e os interesses de empresas (do pas e do exterior) nos recursos
minerais do Par resultam, em decorrncia da reduzida gerao de
empregos, em um paradoxo: a presena da pobreza absoluta em uma
das regies mais ricas em jazidas minerais do planeta.
Outra questo a viso de que o processo de destruio dos recursos
florestais parte de uma evoluo econmica. A princpio, o
desmatamento e as queimadas chocam, mas medida que as reas so
limpas, plantadas ou urbanizadas, passam a compor uma segunda
natureza aceita como progresso, como ocorreu nas reas mais ricas
do Pas. Reduzir a destruio da floresta, portanto, exigir um esforo
hercleo: alm de coibir a extrao ilegal de madeira e controlar
derrubadas e queimadas, ser necessrio conscientizar a populao
quanto a esse erro conceitual.

197

198

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Grande parte dos envolvidos no extrativismo tambm realiza cultivos


agrcolas. O tempo gasto na atividade extrativa depende do produto a
ser coletado, da facilidade de acesso a ele, da compatibilidade com o
calendrio agrcola e da relao de preos entre produtos agrcolas e
extrativos. Na Amaznia, com o aumento populacional e a urbanizao,
os preos relativos das culturas anuais (em especial alimentos) subiram
ao longo do tempo, e por isso muitos dos que viviam da coleta de
produtos florestais mudaram para a agricultura. Assim, o apoio ao
extrativismo no garante a reduo de desmatamentos e queimadas
isso vai depender da situao econmica do extrator.
Um forte estmulo ao extrativismo vegetal, sem critrio, poder criar
dois grupos distintos. Um, menor, servindo de modelo, no desmatar
nem queimar, mas drenar recursos do governo ou externos e
depender da produo de alimentos em reas desmatadas ( custa de
mo de obra e bens de energia vindos de outras regies). O grupo maior,
que produzir os alimentos, continuar a depender da depredao de
recursos naturais e de eventuais benefcios pblicos. Portanto, para
evitar a extrao predatria de madeira e o desmatamento na Amaznia
ser preciso combater a pobreza no Nordeste e dar sustentabilidade
aos minifndios no Sul e Sudeste, alm de incentivar o reflorestamento
em outras regies.
A incompatibilidade (s vezes antagonismo) entre as polticas pblicas
federal, estadual e municipais vem causando o colapso do extrativismo
em vrias partes do Pas, levando perda de recursos genticos que
podero ser valiosos no futuro. Isso se d com a carnaba (Copernicia
prunifera) no Nordeste, a castanha e o cupuau no Par, a seringueira
e o uxi (Endopleura uchi) em outras reas amaznicas, entre outros.
A preservao desses recursos deve ser feita com uma viso mais
ampla, pois talvez os produtos extrativos nunca atinjam um valor que
os torne economicamente atraentes. A importncia do extrativismo,
envolvendo certas circunstncias, locais e produtos, est em ganhar
tempo at que surjam outras alternativas econmicas.
O historiador norte-americano Warren Dean (1932-1994), no
clssico livro A ferro e fogo, publicado aps sua morte em acidente no
Chile, relata a destruio da Mata Atlntica, hoje reduzida a menos
de 8% de sua extenso na poca em que o Brasil foi descoberto.
Fenmeno semelhante est ocorrendo, no caso dos castanhais, no
Sudeste Paraense, palco, nos ltimos 30 anos, de conflitos fundirios
envolvendo agricultores de fronteira, grileiros, garimpeiros,
fazendeiros, madeireiros e ndios. A existncia, ali, de uma grande
rea desmatada fato consumado. As decises sobre os rumos do
desenvolvimento nessa rea podem influir fortemente no que acontece
nos remanescentes de floresta (que incluem muitas castanheiras) na
mesma regio.

CAPTULO 12 - Cemitrio das castanheiras

Ainda h chance de salvar as florestas (e suas castanheiras)


remanescentes no Sudeste Paraense e evitar ali o que aconteceu na
Mata Atlntica. Para isso, essencial transformar as terras desmatadas
em uma terceira natureza reas que, aps serem alteradas, sofrem
nova interveno, ou para recuperao (como ocorreu, por exemplo,
no Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, que era um antigo
cafezal) ou para um aproveitamento especfico, como a agricultura. Na
rea desmatada, preciso intensificar a agricultura e adotar polticas
pblicas harmnicas. J na rea de floresta remanescente necessrio
maior rigor na fiscalizao do desmatamento e da extrao madeireira.
A maioria pensa em salvar o que resta da primeira natureza, mas
tambm seria importante recuperar reas devastadas (a segunda
natureza), implantando atividades produtivas apropriadas, o que
desestimularia o avano sobre a floresta. Essa terceira natureza
reduziria o risco ambiental e poderia ser complementada com a
regenerao de reas (mananciais, por exemplo) que no deveriam ter
sido destrudas.

199

Introduo1
A castanheira-do-par (Bertholletia excelsa H.B.K) tem a sua rea de
distribuio nas partes amaznicas do Brasil, Bolvia, Peru, Colmbia,
Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa. Tem por habitat a
mata virgem alta de terra firme, em agrupamentos mais ou menos
extensos, tradicionalmente conhecidos como castanhais, sempre
associada a outras espcies florestais de grande porte, nunca em
formaes oligrquicas (CAVALCANTE, 2010; PIMENTEL et al.,
2007). As rvores dessa espcie podem atingir at 60 m de altura por
4 m de dimetro na base do tronco, e rvores desse porte tem idade
estimada de 800 anos (MLLER et al., 1995). Aps a decadncia da
borracha, a extrao da castanha-do-par passou a constituir o principal
produto extrativo para exportao da regio, alcanando o seu apogeu
na dcada de 1950. Com a abertura de rodovias, desencadeada a partir
da dcada de 1960, as reas de ocorrncia de castanheiras foram sendo
derrubadas, provocando o seu contnuo declnio. Por ser uma planta
algama, ou seja, necessita de polinizao cruzada para que ocorra
a frutificao e consequentemente a produo, os desmatamentos
e as queimadas, ao destruir o habitat natural do agente polinizador
(Hymenoptero do gnero Bombus spp.), tm contribudo para reduo
da produo.
A extrao de castanha-do-par no Brasil tem declinado abruptamente
a partir da dcada de 1990, passando para a Bolvia a posio de maior
produtor mundial (Figura 1, Tabela 1). Com o crescimento da extrao
boliviana, a produo mundial tem se mantido constante, apesar do
evidente declnio do consumo per capita, se considerar o crescimento
populacional dos pases desenvolvidos como maiores consumidores
desse produto.
1

Homma e Menezes (2008).

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

202

Figura 1. Produo de
castanha-do-par do
Brasil, da Bolvia e do
mundo em toneladas
(1961-2010).

Tabela 1. Estimativa da produo mundial de castanha-do-par com casca no perodo de 19612012, em


toneladas.
Pas

1961

1962

1963

1964

1965

1966

1967

1968

1969

1970

Bolvia

2.834

3.117

4.306

5.000

6.000

6.000

7.000

7.000

6.200

8.500

Brasil

51.713

45.442

40.431

44.223

40.798

55.470

34.164

50.977

40.004

104.487

Peru

1.800

1.800

1.200

1.800

1.700

1.588

1.443

1.317

1.387

1.680

59.377

53.389

48.987

54.053

51.528

66.108

45.657

62.324

50.621 117.667

Mundo
Pas

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

Bolvia

10.500

11.400

7.500

10.700

11.800

14.750

11.900

11.350

8.700

9.380

Brasil

67.005

70.000

52.095

35.776

51.719

61.043

53.958

40.449

43.242

40.456

Peru

1.635

1.247

1.349

1.367

1.384

1.283

1.315

1.240

1.177

1.107

Mundo

82.140

85.647

63.944

50.843

67.903

80.076

70.173

56.039

56.119

53.943

Pas

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

Bolvia

10.412

11.000

13.000

11.500

12.000

21.366

17.777

16.080

17.496

17.000

Brasil

36.702

36.849

50.860

40.710

45.020

36.136

36.241

29.391

25.672

51.195

Peru

1.302

1.476

1.521

1.656

1.430

1.396

1.506

1.607

1.572

1.639

Mundo

51.416

52.325

68.381

56.866

63.450

63.898

60.524

52.078

49.740

75.768

Pas

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Bolvia

18.000

18.500

17.500

16.500

15.400

18.000

23.000

15.400

30.000

36.000

Brasil

35.838

25.303

26.505

38.882

40.216

21.469

22.786

23.111

26.856

33.431

Peru

1.634

1.564

1.582

1.525

1.662

1.336

520

407

325

325

Mundo

61.027

51.111

50.787

62.716

64.368

47.806

51.506

44.624

64.153

76.207

Pas

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Bolvia

38.000

36.582

38.500

40.000

43.259

41.000

42.000

42.629

45.000

45.000

Brasil

28.467

27.389

28.000

28.500

30.000

28.806

30.406

30.815

37.467

40.357

Peru

227

234

179

203

274

302

237

287

300

260

Mundo

74.273

72.481

73.319

76.284

82.030

79.429

83.398

85.588

92.231

99.917

Pas

2011

2012

Bolvia

42.152

43.500

Brasil

45.000

45.000

Peru

315

315

Mundo

87.467

88.815

Fonte: FAO (2012).

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par

203

Na extrao de castanha-do-par no Brasil, destacam-se os estados do


Acre, Amazonas, Par e Rondnia. No Estado do Par, a principal rea
de ocorrncia, que era o Sudeste Paraense, sofreu forte devastao com
a abertura de rodovias e ferrovias, deslocamento de migrantes, obras de
infraestrutura, criao de novos municpios, implantao de guseiras,
expanso da pecuria e extrao madeireira (Figura 2, Tabela 2).
Figura 2. Produo de
castanha-do-par nos
principais estados e
no Pas em toneladas
(19902011).

Tabela 2. Produo brasileira de castanha-do-par com casca no perodo de 19282012.


Estados
Ano

Rondnia
(t)

Acre
(t)

Amazonas
(t)

Roraima
(t)

Brasil
Par
(t)

Amap
(t)

Mato
Grosso
(t)

Valor
Produo Exportao
US$ 1000
(t)
(t)
FOB

1928/32

1.927

14.339

12.651

67

34.138

20.496

1933

2.632

16.413

19.805

546

39.400

28.695

1934

2.632

20.680

9.504

810

38.434

24.468

1935

2.632

19.038

26.184

506

51.097

27.401

1936

2.632

5.404

14.050

557

37.116

24.322

1937

2.632

4.220

8.499

643

23.133

13.145

1938

2.632

19.160

9.678

927

34.501

23.961

1939

2.632

12.642

19.135

556

35.709

22.887

1940

2.632

18.940

14.855

620

40.527

26.117

1941

2.632

9.805

10.189

325

22.709

15.499

1942

2.632

9.177

6.991

223

21.211

8.397

1943

2.632

2.615

2.213

37

5.172

413

1944

2.632

1.890

1.591

48

3.557

1.277

1945

2.632

4.737

150

2.095

66

20

7.128

2.056

1946

559

2.632

10.405

235

9.399

22

23.989

17.199

1947

345

2.632

9.575

721

13.760

656

20

28.082

19.278

1948

182

2.632

8.900

369

8.392

524

19.566

13.507

1949

654

2.632

13.268

1.081

11.646

911

31.452

21.264

1950

1.100

2.632

7.627

240

11.145

754

22.636

17.198

1951

1.612

2.632

13.885

240

14.516

990

120

33.635

24.820

1952

1.598

2.632

4.758

468

7.154

523

80

17.601

13.063

7.418

1953

759

2.632

12.808

184

13.165

1.341

30

30.612

22.332

11.126

1954

1.869

2.632

9.966

713

13.775

1.523

25

31.878

23.243

10.270

12.596

Continua...

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

204

Tabela 2. Continuao.
Estados
Ano

Rondnia
(t)

Acre
(t)

Amazonas
(t)

Roraima
(t)

Brasil
Par
(t)

Amap
(t)

Mato
Grosso
(t)
30

Valor
Produo Exportao
US$ 1000
(t)
(t)
FOB
35.593
25.389
13.086

1955

1.370

2.632

12.520

177

15.933

819

1956

1.746

2.632

19.133

1.310

12.247

2.541

41.524

30.710

13.635

1957

1.620

2.632

14.487

841

13.603

1.268

37.150

30.559

11.659
11.966

1958

1.168

2.632

12.514

927

19.887

1.732

38.888

29.135

1959

2.247

2.632

5.290

202

6.255

723

21.691

15.887

8.095

1960

1.205

2.632

11.855

227

12.228

2.416

39.382

26.395

14.286

1961

2.884

2.632

14.752

17.974

2.916

51.713

36.252

15.621

1962

3.314

2.632

11.085

405

22.158

2.130

10

45.442

23.030

9.910

1963

1.527

2.632

9.929

77

21.123

2.247

11

40.431

25.193

8.882

1964

1.270

2.632

14.143

77

25.332

1.086

13

44.223

24.185

10.421

1965

824

2.632

9.432

75

26.063

867

18

40.798

19.911

11.597

1966

1.025

2.632

19.094

354

25.377

1.480

59

55.470

30.323

15.084

1967

1.587

2.632

8.366

52

18.868

1.238

53

34.164

19.979

10.129

1968

3.313

2.632

11.862

432

27.390

1.346

53

50.977

36.172

14.969

1969

2.412

2.632

7.994

432

20.585

1.314

54

40.004

24.115

12.076

1970

3.230

2.632

56.659

89

26.913

1.161

84

104.487

32.267

13.639
13.770

1971

3.357

2.632

30.222

114

18.152

960

124

67.005

24.192

1972

37.579

20.229

1973

2.050

2.162

8.193

249

37.675

966

800

52.095

33.848

22.763

1974

2.166

8.655

5.693

299

17.761

702

500

35.776

20.664

20.222

1975

2.543

6.604

9.884

11.069

20.667

853

100

51.720

34.230

24.735

1976

2.853

9.389

13.039

9.800

24.983

900

80

61.044

23.293

21.968

1977

2.955

7.197

8.800

8.600

25.681

660

65

53.958

21.292

32.082

1978

1.603

7.483

8.839

14

21.906

400

205

40.449

20.921

32.710

1979

1.826

6.542

9.413

75

24.636

450

800

43.242

29.106

43.037

1980

1.201

6.624

8.811

244

22.611

965

40.456

22.436

26.821

1981

784

7.181

6.410

55

21.357

600

315

36.702

18.610

24.734

1982

833

8.328

11.774

84

14.681

720

430

36.849

18.105

32.240

1983

1.466

13.714

11.132

524

22.947

900

176

50.859

21.962

36.038

1984

1.392

14.021

10.715

804

11.957

1.560

262

40.711

19.664

24.330

1985

563

14.761

10.754

974

15.417

2.270

281

45.020

24.915

25.155

1986

1.165

10.191

3.583

926

17.297

2.400

573

36.135

19.631

21.871

1987

784

8.737

5.489

815

17.954

1.755

707

36.241

20.221

29.134

1988

885

8.623

3.394

1.169

12.899

1.631

351

28.952

18.079

25.943

1989

907

8.663

4.234

805

8.465

2.201

397

25.672

13.571

21.745

1990

1.472

17.497

13.059

16.235

2.250

674

51.194

23.794, 4

32.453,282

1991

1.080

14.630

7.957

9.456

1.898

813

35.838

13.950,5

17.590,915

1992

1.043

11.156

193

10.962

1.556

392

26.505

16.989,6

19.674,037

1993

1.118

11.984

4.267

6.936

1.810

389

38.882

14.040,9

20.076,797

1994

794

11.034

15.465

9.689

1.650

250

40.217

17.970,7

28.719,806

1995

792

9.367

15.727

12.215

1.858

258

40.216

15.604,8

24.992,189

1996

461

3.858

6.670

8.458

1.776

21.224

10.160,5

16.526,538

1997

461

3.378

7.357

9.510

1.845

230

22.786

14.661,3

26.075,115

1998

2.063

3.628

7.368

54

8.150

1.606

241

23.111

15.128,6

21.180,289

1999

1.935

9.613

7.467

31

5.959

1.582

267

26.856

11.094.875 6.105.766

Continua...

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par

Tabela 2. Continuao.
Estados

Brasil

Ano

Rondnia
(t)

Acre
(t)

Amazonas
(t)

Roraima
(t)

Par
(t)

Amap
(t)

2000

6.508

8.247

7.823

34

8.935

1.639

Mato
Grosso
(t)
245

Valor
Produo Exportao
US$ 1000
(t)
(t)
FOB
33.431 27.686.194 18.927.995

2001

5.481

5.924

8.352

69

6.972

1.393

277

28.467

11.149.679 10.551.995

2002

4.385

6.674

8.985

66

5.770

1.157

351

27.389

12.602.947 9.642.786

2003

3.357

5.661

9.068

68

5.361

1.048

331

24.894

6.946.901 10.869.674

2004

2.830

5.859

9.150

88

7.642

1.106

385

27.059

13.391.408 21.713.676

2005

2.710

11.142

8.985

91

6.814

860

373

30.975

17.241.160 34.509.587

2006

2.652

10.217

9.165

91

5.291

917

473

28.806

13.749.183 18.985.189

2007

2.105

10.378

8.871

90

7.639

847

476

30.406

16.312.964 25.550.482

2008

1.927

11.521

9.111

102

6.203

519

1.430

30.815

13.078.502 20.319.491

2009

2.107

10.313

16.012

104

7.015

390

1.527

37.467

9.884.343 11.792.320

2010

1.797

12.362

16.039

106

8.128

447

1.477

40.357

8.998.138 13.446.855

2011

3.523

14.035

14.661

105

7.192

401

2.234

42.152

10.350.315 14.175.468

2012

1.714

14.088

10.478

112

10.449

426

1.538

38.805

11.117.894 25.155.805

Fonte: Produo Extrativa Vegetal e Silvicultura(1994); Produo da Extrao Vegetal (2012).

No Sudeste Paraense, a abertura de estradas provocou a perda


de controle no comrcio de castanha-do-par, antes feita por via
fluvial. Alm disso, a destruio das castanheiras, decorrente da
expanso da fronteira agrcola, terminou enfraquecendo as famlias
que controlavam as reas de castanheiras e o seu comrcio (EMMI
et al., 1987). O fortalecimento dos sindicatos rurais e associaes de
agricultores familiares, na esteira do aproveitamento de produtos no
madeireiros, levou a diversas iniciativas visando ao seu beneficiamento
para fugir do oligopsnio/oligoplio. As dificuldades do processo de
beneficiamento, a falta de capacidade administrativa de dirigentes
egressos de movimentos sindicais, as disputas de lideranas e a falta
de conhecimento tcnico levaram muitas dessas iniciativas ao fracasso.
As caractersticas do setor extrativo e o sucesso da indstria de castanha
boliviana, que passou a drenar a extrao de castanha-do-par do
Estado do Acre, tm sido assunto muito estudado em diversas teses de
ps-graduao (COSLOVSKY, 2005; ZUIDEMA, 2003). O Programa
Manejo de Bosques de la Amazonia Boliviana (Promab) concentra o
mais avanado grupo de pesquisa florestal sobre a castanha-do-par
no mundo. Outro obstculo que se apresenta espcie foi causado
pela destruio das castanheiras e pela presso excessiva na explorao
da castanha-do-par, causando a reduo da oferta da amndoa para
alimentar a fauna e a prpria regenerao da espcie, cenrios que
indicam um problema de sustentabilidade ambiental dessa espcie
vegetal a longo prazo (PERES et al., 2003; ZUIDEMA, 2003).
A Bolvia passou a dominar o mercado da castanha-do-par no s
em quantidade exportada, mas tambm em tecnologia, qualidade
sanitria e, principalmente, valor agregado. A Bolvia controla 71%
do mercado mundial de castanha-do-par processada, enquanto o

205

206

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Brasil responsvel por apenas 18% desse nicho. Ademais, 97% do


faturamento da indstria da castanha boliviana vm da castanha
processada, enquanto apenas 45% do faturamento brasileiro vm
desse produto. Entre as principais razes, destaca-se a desarticulao
do setor industrial da castanha-do-par no Estado do Par, enquanto
os bolivianos de Riberalta e Cobija procuraram formar um cluster com
financiamento europeu, mo de obra barata sem direitos trabalhistas,
administrao mais profissional das 30 indstrias localizadas e troca
de experincias (COSLOVSKY, 2005). A presena de modernas
indstrias de beneficiamento em Riberalta e Cobija fizeram com que
56,41% da castanha-do-par com casca brasileira fosse drenada para a
Bolvia, grande parte sem controle fiscal, atravessando uma fronteira
seca entre os dois pases.
H at mesmo um forte movimento visando mudana do nome
castanha-do-par ou castanha-do-brasil para castanha-da-amaznia,
liderado pelo governo e por movimentos ambientalistas na Bolvia
e no Estado do Acre. Trata-se de um movimento anticultural, se
considerar que em todos os textos mais antigos sobre a Amaznia, dos
relatos dos primeiros viajantes e das descries das exportaes desse
produto, sempre foi mencionado como sendo a castanha-do-par
(BAENA, 2004; DANIEL, 2004, v. 1, p. 455). interessante lembrar que
os movimentos sociais e ambientalistas sempre pregaram a valorizao
do conhecimento tradicional, mas no caso da castanha-do-par esto
defendendo o inverso. A esse propsito, o embaixador Joo Clemente
Baena Soares (1931 ), que foi secretrio-geral da Organizao dos
Estados Americanos (OEA) no perodo 19841994, logo que foi eleito
efetuou uma visita ao ento Centro de Pesquisa Agropecuria do
Trpico mido, onde assistiu a uma palestra de Cristo Nazar Barbosa
do Nascimento sobre as pesquisas em desenvolvimento. Este ltimo,
ao mencionar castanha-do-brasil, imediatamente teve chamada a sua
ateno quanto ao nome correto da planta como sendo castanha-dopar, pelo embaixador Baena Soares, cuja famlia tem razes histricas
no Estado do Par,
O beneficiamento da castanha-do-par constitui um tpico no
descrito em quase todos os trabalhos sobre essa amndoa, decorrente do
desinteresse do restrito grupo de indstrias que controlam o mercado
de castanha para reduzir a concorrncia. O processo extrativo de
coleta, o plantio e a comercializao das castanhas em bruto e depois de
beneficiadas so amplamente comentados na literatura. O oligopsnio
ao qual os extratores so submetidos, que prevalece na aquisio de
castanha em bruto, com poucos compradores, e o oligoplio na venda
do produto beneficiado, ao qual muitas vezes esto conectados, tm
dominado o mercado desse produto na Amaznia por vrias dcadas.
A capilaridade e a infraestrutura necessria para coletar e concentrar a
produo, alm da complexidade da indstria de beneficiamento e de
comercializao, sempre dificultavam a entrada de novos concorrentes
neste mercado.

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par

Metodologia
Coleta dos dados
Os dados sobre a cadeia produtiva da castanha-do-par foram obtidos
da Renmero Indstria e Comrcio, estabelecida no Municpio de
Camet, empresa que iniciou suas atividades em 20 de agosto de 1996,
oferecendo farinha com castanha-do-par para a merenda escolar
daquele municpio. O objetivo desta pesquisa foi obter dados tcnicos
inexistentes na literatura quanto ao rendimento do setor industrial,
que pudesse comparar a castanha-do-par in natura com casca com
a castanha-do-par beneficiada. Esses dados foram colhidos em duas
visitas, uma em novembro de 2005 e outra em agosto de 2006, nas
quais foram franqueadas a coleta e a anlise dos dados em todas as
etapas do processo produtivo.

Resultado e discusso
A cadeia comercial da castanha-do-par
Um resumo sobre o processo extrativo importante para compreender
as etapas do processo de beneficiamento. Um castanheiro treinado
pode juntar, diariamente, de 700 a 800 ourios, produzindo 2 hL (1 hL
equivale de 50 kg a 56 kg) de castanha-do-par com casca, rendimento
que mesmo nos castanhais mais produtivos deve ser considerado
muito bom, pois a distncia entre as rvores faz com que se perca
muito tempo em longas caminhadas num terreno naturalmente hostil.
Os ourios so transportados nas costas em jamaxim (cesto adaptado
para transporte), o castanheiro apanha os ourios com uma vara com
trs pontas ou com a ponta do terado, transportando-os em um cesto
amarrado s costas. Esses ourios so amontoados em determinado
ponto estratgico da floresta, onde efetuado o corte para a retirada
das amndoas e seu transporte (ALMEIDA, 1963; SOARES, 1976). Um
ourio pode pesar de 0,50 kg at 2,50 kg, com dimetro de 8 cm a
15 cm e contendo de 12 a 25 castanhas. O rendimento mdio de 1 ha
nas reas de ocorrncia de castanheiras situa-se entre 0,25 hL e 0,41 hL,
ou de 25 kg a 35 kg de castanha-do-par com casca, ou de 7 kg a 11 kg
de amndoas (ALMEIDA, 1963; SOARES et al., 1976). Dependendo
do local, a densidade de castanheiras varia entre 33 e 107 castanheiras
adultas em 50 ha, apresentando grande variao, pois nem todas
produzem no mesmo ano.
Todas as indstrias tm seus agentes, que so moradores da
comunidade ou comerciantes localizados nas sedes municipais
encarregados da aquisio da castanha-do-par nos locais de extrao
e de observar o volume da safra. A escolha das castanhas adquiridas
(que podem ser da safra do ano anterior), a maneira como foi efetuado
o armazenamento na floresta e nas comunidades, a lavagem das

207

208

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

amndoas, o grau de umidade, a contaminao com leo diesel ou


peixe salgado durante o transporte nas embarcaes, tudo isso precisa
ser observado, pois reflete na qualidade do produto final. A origem
da castanha-do-par tambm tem grande influncia na qualidade do
produto, sendo comum a afirmativa de que as castanheiras do Estado
do Par produzem amndoas pequenas.

As fases do processo de beneficiamento da


castanha-do-par
Ao contrrio das amndoas europeias, como nozes e avels, que se
quebram facilmente, a castanha-do-par, em funo da sua morfologia
difcil de ser quebrada, fragmentando a amndoa em vrios pedaos
e muitas vezes ficando aderida na casca. Dessa forma, diversos
procedimentos de beneficiamento j foram utilizados no passado,
tanto na regio como no exterior, alguns aperfeioados ao longo do
tempo. O processo industrial mais antigo consistia em deixar de molho
em tanque com gua por 8 a 10 horas e submergir com um paneiro de
ferro em gua fervente por 1 a 2 minutos. Esse procedimento provocava
o amolecimento da casca e a amndoa ficava mais elstica, facilitando a
quebra e a posterior secagem em estufa (ALMEIDA, 1963).
Outro procedimento utilizado na Inglaterra, quando se importava
castanha-do-par com casca, era o descascamento em massa. Aps
o prvio aquecimento, levavam-se as castanhas ao congelamento,
tornando a casca vtrea e facilitando a quebra por agitao ao se
chocarem umas contra as outras. O procedimento mais moderno
utilizado atualmente em Cobija, na Bolvia, pela empresa Tahuamanu
S.R.L., que emprega uma combinao de vapor a alta presso, quebra-nozes mecnico vibratrio e uso de nitrognio lquido. Dispe
de certificao, garantindo que a castanha-do-par est livre de
contaminao. Com esse processo a empresa recebeu o certificado
de orgnico, por parte da exigente Associao dos Estados Unidos
para a Melhoria das Colheitas Orgnicas. Essa empresa controla 10%
do mercado mundial de castanha-do-par e emprega 300 pessoas no
processo produtivo.
Os extratores efetuam a coleta e a quebra dos ourios, liberando as
amndoas, que so amontoadas na floresta, sujeitas a intempries da
natureza. O armazenamento para embarque e o transporte constituem
etapas que podem prejudicar o produto e aumentar o risco de
contaminao. Dessa forma, quando as castanhas chegam na usina
de beneficiamento, so submetidas ao primeiro processo de limpeza,
passando por uma peneira vibratria, na qual se procura separar o
p que acompanha os talos centrais do interior do ourio (umbigo)
e castanhas ocas, que representam aproximadamente 3% da massa
inicial.

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par

A recepo da castanha-do-par
O processo de beneficiamento de castanha-do-par se inicia aps o
recebimento do produto em sacos de polietileno com capacidade para
cinco latas, equivalente a 1 hL, que so transportadas em caminhes
ou barcos de locais distantes como Lbrea, Manacapuru e Jari. O
transporte uma operao onerosa, uma vez que, durante a navegao,
muitas vezes h necessidade de efetuar transbordos entre embarcaes,
como exemplo, um barco vindo de Lbrea ou Manacapuru descarrega
a sua carga no porto de Belm, para ento a carga ser embarcada
para Camet em barcos menores com capacidade de transportar 75 t,
equivalente a 1,5 mil sacos de castanha-do-par. No porto, esses
sacos so retirados dos barcos e passam para o caminho, que leva
at s fbricas de beneficiamento, onde as castanhas so estocadas
para permitir o funcionamento durante o maior nmero de meses. A
estocagem exige grande capital de giro, sem o qual no ser possvel
armazenar quantidade suficiente para garantir o funcionamento da
fbrica por maior tempo. O incio de funcionamento dessas usinas, por
constituir alternativa de trabalho para grande contingente de homens
e mulheres, pelo carter intensivo de utilizao da mo de obra,
sobretudo na quebra da castanha-do-par, ansiosamente aguardado.

A limpeza das castanhas e o armazenamento


As castanhas, quando so recebidas no ptio da fbrica, chegam
midas, uma vez que a colheita e o transporte so efetuados durante o
perodo chuvoso, e com muitas impurezas. Por isso, necessrio efetuar
a secagem, a limpeza, a classificao e o armazenamento adequado.
Depois que so descarregadas dos caminhes para a movimentao
interna das castanhas no ptio da indstria, so ento transportadas
em padiolas com capacidade de 2 hL.
A segunda etapa compreende a utilizao de outra peneira vibratria,
em um plano inclinado com furos de diferentes tamanhos, procurando
separar em castanhas pequenas (15%), mdias (60%) e gradas (20%
a 25%), ou seja, classificar as amndoas. Quando as castanhas so
uniformes pode-se dispensar essa fase.
A terceira etapa do processo refere-se secagem, efetuada em cilindros
giratrios por 8 horas, mediante injeo de ar quente em processo
contnuo durante o perodo de beneficiamento.
O tempo de secagem e o tipo de secador utilizado constituem segredos
de cada indstria. Essas castanhas, aps o processo de secagem, so
resfriadas por no mnimo 24 horas e armazenadas no cho, ficando
prontas para serem submetidas ao banho de vapor. As exportaes
de castanha-do-par com casca so realizadas dessa forma. No
passado, as exportaes de castanha-do-par com casca no passavam
pelo processo de secagem, sendo passveis de germinao se fossem
plantadas.

209

210

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O cozimento e retirada da casca


A quarta etapa o processo de cozimento, no qual as castanhas recebem
um banho de vapor na autoclave para facilitar o seu descascamento. A
presso e o tempo de cozimento a que so submetidas variam de 6 a
22 segundos. O tempo a que so submetidas ao vapor constitui outro
segredo industrial. Essa etapa tem como resultado o menor percentual
de castanha quebrada, amndoa manchada, entre outros defeitos. Uma
vez que a exposio excessiva ao banho de vapor torna a amndoa
amarela, em decorrncia da impregnao da cor da casca, um tempo
menor tende a causar a quebra da amndoa.
Aps o tratamento trmico, a castanha retirada da autoclave com
auxlio de uma grande colher de madeira, que lembra um remo. O
material ainda quente colocado em um carrinho para a distribuio
entre as quebradeiras.
A quinta etapa refere-se ao descascamento das castanhas, que devem
ser levadas ainda quentes para as mesas onde esto instaladas as
mquinas de quebrar castanhas e colocadas em srie em uma mesa nos
dois lados. Trata-se de uma operao executada predominantemente
pelas mulheres, mas os homens tambm a executam, em virtude da
falta de emprego. Colocam-se as cascas em um vasilhame no colo, as
castanhas descascadas em outro vasilhame e as defeituosas em uma
vasilha menor, geralmente confeccionada com uma garrafa pet cortada.
medida que as castanhas vo se esgotando, novas partidas de castanhas
cozidas so encaminhadas. As cascas e as amndoas de castanhas so
recolhidas e pesadas por mesa. Assim, so atribudos prmios de
produtividade, relacionados com a produo e o menor percentual
de castanhas quebradas. As quebradeiras tem um aproveitamento de
30 kg a 32 kg por pessoa/dia, sendo o rendimento maior na parte da
manh e reduzindo na parte da tarde, em decorrncia do cansao e do
esforo repetitivo.
A partir do momento em que a castanha descascada, toda medida
que era efetuada em termos de hectolitro passa a ser efetuada em peso.
As cascas de castanhas so guardadas em depsito prprio e utilizadas
para alimentar a caldeira. O excedente descartado, uma vez que o
volume de produo de casca elevado e no se consegue consumir
toda casca produzida na caldeira. Tanto a casca de castanha como o
p podem ser utilizados como adubo orgnico depois de devidamente
tratados (compostagem).
Um aspecto importante a mencionar so as conexes entre as diversas
etapas, nas quais o volume de castanhas secas e castanhas cozidas deve
estar em sincronia com a velocidade de descascamento, caso contrrio
pode faltar matria-prima para as quebradeiras, o que redunda
em prejuzos para a fbrica e para os operrios por envolver maior
contingente de mo de obra.

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par

A sexta etapa compreende a classificao das castanhas que foram


descascadas em uma mesa vibratria com plano inclinado, separando em
piolhos (16 mm), mdia 1 (18 mm), mdia 2 (20 mm), grande (22 mm)
e extragrande (> 22 mm).

Secagem e classificao das castanhas


Em peso, dependendo do tipo da castanha, obtm-se 59,21% de
amndoas mdias, 31,29% de amndoas grandes e 9,50% de amndoas
quebradas. As castanhas grandes e extragrandes apresentam grande
valor e so altamente procuradas, sem problemas de comercializao.
Como necessrio um certo volume para proceder classificao,
essa etapa realizada no final do perodo da manh e tarde. A partir
da pesagem das castanhas das mesas das quebradeiras e durante a
classificao, ocorre o processo de separao das castanhas inteiras
porm defeituosas e das quebradas. As inteiras que apresentam partes
defeituosas so cortadas com uma faquinha e transformadas em
castanhas quebradas, operao que assume importncia em funo do
volume produzido.
A stima etapa envolve a colocao das castanhas descascadas e
classificadas em bandejas com bordas de madeira e com telas plsticas
na parte inferior e o empilhamento delas em estufas, para a retirada
do excesso de umidade, operao que demanda cerca de 72 horas.
Existem dois tipos de bandeja para a secagem de castanha: uma com
a capacidade de 20 kg, comportando as castanhas classificadas como
pequenas e mdias, e outra com capacidade de 10 kg, na qual so
colocadas as castanhas de tamanhos grande e extragrande, j que estas
ltimas demandam um tempo maior para secar.
Em geral, as castanhas entram com 17% de umidade e saem do
processo de secagem com 7% de umidade. Esse procedimento varia
entre as indstrias, sendo considerado outro ponto de importncia,
tratado como segredo industrial, uma vez que garante produto de
melhor qualidade e maior vida de prateleira, alm de evitar perda de
peso exagerada.
As estufas so aquecidas com ar quente e ventiladas para manter
a temperatura entre 50 C e 55 C. Para uma secagem uniforme das
amndoas, evita-se temperaturas elevadas, que podem causar o que
se denomina fazer a amndoa suar leo, levando ao rano, com o
produto final apresentando cheiro e gosto desagradveis (ALMEIDA,
1963).
A oitava etapa compreende a classificao final, na qual se manuseia
a castanha para retirada de pelculas remanescentes que ficam soltas
ou aderidas s amndoas, aps a secagem e separao ou corte com
pequena faca de castanhas que apresentam partes defeituosas. As
amndoas so colocadas em sacos aluminizados no interior de caixas

211

212

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

de papelo retangulares (33,5 cm x 17,5 cm x 55,5 cm) com capacidade


para acondicionar 20 kg de castanha e so fechadas a vcuo. Esses
sacos que foram fechados a vcuo so estocados em um estrado de
madeira por 2 a 3 dias para verificar se ocorreu a entrada de ar. Caso
no tenha ocorrido, as caixas de papelo so fechadas e lacradas com
fita gomada e prontas para o embarque.
Outra possibilidade de aproveitamento tecnolgico da castanha-do-par est na extrao de leo. O rendimento em leo pode alcanar
at 62%, mas a mdia de 42%, considerando a castanha descascada.
A extrao de leo j foi executada na Indstria Renmero em safras
anteriores, experincia que no avanou, uma vez que para obter
um valor melhor demandava uma etapa de refino, o que exigia a
contratao de outra indstria, que cobrava R$ 3,50/kg pelo leo
refinado. A Indstria Renmero j efetuou vendas de leo de castanha-do-par para Coreia do Sul, Japo e Estados Unidos, comercializando
aproximadamente 60 t. Alm de ter comercializado para a indstria
Natura, produtora de cosmticos, algo em torno de 3 t, com preo na
faixa de US$ 9,00/kg.

Rentabilidade
A amndoa de castanha-do-par, adquirida a R$ 80,00/hectolitro dos
coletores, colocada na usina de beneficiamento a um custo
de R$ 110,00/hectolitro. Aps o beneficiamento, obtm-se uma caixa
com 20 kg, que comercializada a R$ 310,00. Isso indica que 1 kg de
castanha beneficiada implicou na utilizao de 5 L de castanha com
casca. O beneficiamento promove a valorizao da castanha-dopar em 3,87 vezes o valor da castanha com casca, como se tem uma
estimativa de que o beneficiamento esteja por volta de R$ 165,00/20 kg,
pode ser calculada a rentabilidade do processo.
Considerando que em mdia 50 kg de castanha com casca rende 20 kg
de amndoa de castanha pronta para exportao, pode-se depreender
os benefcios advindos da sua verticalizao na Amaznia (Figura 3,
Tabelas 1 a 4).
Como exerccio, consideremos o ano de 2011, quando foram
exportados 10.264.951 kg de castanha com casca no valor de
US$ 13.593.401, ao preo de US$ 1,32/kg. Se tivesse sido beneficiada,
poderia render 4.105.880 kg de amndoa, no valor de US$ 6,84/kg.
Uma receita adicional de US$ 14.490.818, que seriam transformados
em renda e emprego para a populao regional.

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par

Figura 3. Exportao de
castanha-do-par com
casca e sem casca no
perodo 19962011, em
toneladas.

O mercado de castanha-do-par sofreu grande transformao com


relao pesquisa conduzida nos anos de 2005 e 2006. Ocorreu um
aumento considervel na exportao de castanha-do-par com casca
para a Bolvia a partir de 2004. As exportaes de castanha-do-par
sem casca ficaram reduzidas a um nvel insignificante (Tabelas 3 e 4).

213

1.767

12

43

822

Itlia

Nova
Zelndia

Noruega

Pases
Baixos

Reino Unido

Sua

87.127

10.324.125

842.419

31.451

10.885

1.426.610

142.414

9.729

913

115

16

1.841

235

107

4.280

10.707.670

1.075.422

161.778

15.860

2.148.366

201.274

131.307

4.022.326

12.369

952

223

13

2.103

254

81

5.555

130

146

167

2.723

13

Quant.

13.661.879

1.199.032

293.360

12.810

2.190.483

255.657

83.165

5.783.484

135.334

10.207

122.019

182.724

3.376.580

17.024

US$ FOB

1994

875

124

2.079

442

79

4.883

16

164

130

2.459

16

Quant.

11.318

181

Frana

11.781

101

Espanha

4.714.262

14.828

90.106

66.139

2.779.054

1.210

US$ FOB

1993

Total

5.775

Estados
Unidos

11

108

60

2.041

Quant.

43

Dinamarca

9.267

110.407

61.400

2.873.140

14.743

US$ FOB

1992

Tunsia

Bolvia

China

91

Blgica

Canada

85

136

Austrlia

2.750

Alemanha

Argentina

18

Quant.

frica do Sul

Pases

Tabela 3. Exportao de castanha-do-par fresca ou seca, com casca.

12.899.290

26.042

1.059.485

140.703

8.839

2.302.144

425.872

90.571

5.459.895

19.897

163.540

167.700

3.016.346

18.256

US$ FOB

1995

8.510

13

847

140

25

1.586

337

53

3.639

38

42

13

1.766

11

Quant.

11.195.139

12.133

1.202.227

214.605

38.500

1.981.971

409.000

76.722

4.673.407

50.944

79.252

18.200

2.423.680

14.498

US$ FOB

1996

11.821

14

1.118

128

44

13

1.436

211

82

5.101

41

145

165

118

64

3.128

13

Quant.

16.113.736

15.600

1.664.300

164.811

57.571

14.300

1.871.314

238.501

113.041

6.680.193

58.512

37.500

239.118

136.766

88.350

4.716.779

17.080

US$ FOB

1997

12.052

14

1.036

1.108

78

129

4.155

60

88

1.940

347

99

90

2.882

18

Quant.

Continua...

12.342.790

15.600

1.165.196

7.448

1.216.261

75.789

177.242

4.948.003

58.300

97.017

532.500

339.782

104.236

106.750

3.476.893

21.773

US$ FOB

1998

214
Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

75.840

7.674.925

13.566

13.376.839

0
7.903

26
6.263.460

14.020
6.949

27

7.350.073

30.700

1.107.844

86.608

1.493.746

113.455

5.618

102

94

1.355

38

17

51

7.178.863

171.084

122.562

1.933.538

50.416

26.078

138.023

3.516.569

6.842.601

85.800

117.260

82.933

270
65

232.128

125.440

48.180

3.885.055

100.175

58.458

1.935.629

73.645

13.750

55.000

29.148

US$ FOB

2004

150

81

14

3.151

50

50

6.316

50

13

25

Quant.

10.296

4.987

1.053

81

1.070

76

16.730

95.834

2.838

21.987

90.940

105.500

15.600

951.500

35.066

US$ FOB

2003

Total

713.303

64.219

58.728

9.172

1.216.849

26

75

2.543.451

225

137

84

13

637

26

Quant.

52

Tunsia

74.109
167.182

2.959

288.641

42.000

155.357

103.243

13.900

1.258.564

US$ FOB

2002

Ucrnia

1.070.016

621

1.596.058

82

13

1.528

905

Peru

1.613

90.850

6.336

1.524.137

268

114

Reino Unido

84

1.671

38.280

128.497

70

42.350

335.006

41

145

Pases
Baixos

24

Noruega

207

Nova
Zelndia

Mxico

Itlia

Hong Kong

28.003

187.020

2.971.547

16

3.753

103

6.728.443

43.868

Frana

6.717

61

Espanha

3.615.823

36.416

2.143

41

158

25.698

41

102

13

1.038

Quant.

Estados
Unidos

81.108

25.083

85.810

793.739

US$ FOB

2001

Dinamarca

91

31

76

935

Quant.

222

104.700

90.179

80.508

2.931.435

44.592

US$ FOB

2000

China

Bolvia

97

78

2.962

19

Quant.

50

60

489

Blgica

58.452

52.883

2.074.180

30.518

US$ FOB

1999

Canada

46

52

Austrlia

1.211

Alemanha

Argentina

16

Quant.

frica do Sul

Pases

Tabela 3. Continuao.

13.058

104

225

48

4001

77

8.460

70

52

16

Quant.

Continua...

12.432.033

232.093

78.287

182.858

7.568.640

147.402

3.891.012

121.746

87.000

116.160

6.820

US$ FOB

2005

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par
215

Total

11.216

Fonte: Brasil (2014a).

10.696.034

172.801

13.983

859

26

87

Tunsia

Vietn

92

Romnia

110.766

46.848

50

3.057

25

Japo

266.963

1.851.250

2.370

75

12

120

Itlia

339

1.057

Hong Kong

4.387.820

522.772

120.558

100

7.312

Peru

2.565

Estados
Unidos

102.652

2.987.033

Nova
Zelndia

75

302

China

Bolvia

Canada

63

6.511

Austrlia

13

95.658

54

17

Argentina

30.844

15.535.162

1.505.191

36.036

155.980

42.240

160.925

5.077.110

4.139.464

142.029

4.040.611

157.403

17.286

30.588

US$ FOB

2007

Quant.

18

US$ FOB

2006

Quant.

Alemanha

frica do Sul

Pases

Tabela 3. Continuao.

12.736

254

52

134

27

2.689

2.115

26

7.304

74

39

20

15.733.175

528.221

100.056

307.064

10.903

5.402.245

4.506.547

59.924

4.505.753

147.175

66.682

91.765

6.380

US$ FOB

2008

Quant.

9.047

181

182

207

621

2.061

1.322

352

4.057

33

18

13

8.465.360

260.115

309.291

346.060

307.027

3.110.992

1.942.444

514.989

1.573.468

49.647

24.602

26.725

US$ FOB

2009
Quant.

8.142

104

138

544

905

1.692

4.731

24

9.087.363

202.766

257.056

400.918

2.091.183

3.861.518

2.183.234

77.272

13.228

US$ FOB

2010
Quant.

10.265

39

1.458

671

740

7.273

75

13.539.401

170.379

1.086.533

3.387.302

3.582.852

5.011.098

311.810

42.240

US$ FOB

2011
Quant.

10.445

409

1.477

3.258

657

765

3.729

49

39

51

110

Quant.

20.213.054

1.094.211

1.013.925

10.492.868.

2.396.226

2.371.550

2.285.770

196.234

128.970

184.800

48.500

US$ FOB

2012

12.143

104

2.925

517

756

25

7.755

39

10

11.446.532

358.687

1.923.430

1.598.982

2.650.116

88.945

4.603.952

146.178

44.092

US$ FOB

2013
Quant.

216
Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

73

29

20

288

1.848

Frana

Itlia

Japo

Nova
Zelndia

Pases
Baixos

Portugal

Reino Unido

5.288

83

Espanha

Total

1.924

Estados
Unidos

76

Cingapura

46

Canada

Rssia

3.000.975

Bolvia

Venezuela

494.054

Blgica

9.349.912

45.045

68.024

124.344

196.985

3.437.246

155.442

87.736

6.930

995.197

518

564.970

Austrlia

291

Alemanha

172.964

US$ FOB

1992

Argentina

89

Quant.

frica do Sul

Pases

4.570

1.440

294

64

83

71

1.658

49

16

422

383

85

Quant.

9.111.553

2.454.747

636.790

130.658

193.228

235.409

3.342.908

119.160

32.736

11.220

973.227

818.142

163.328

US$ FOB

1993

5.615

1.118

787

54

156

156

2.214

48

127

352

451

116

Quant.

15.057.887

4.950

2.865.870

2.088.298

129.580

393.000

14.700

473.960

6.004.338

142.840

364.720

427

974.965

22.165

1.231.439

346.635

US$ FOB

1994

Tabela 4. Exportaes de castanha-do-par fresca ou seca, sem casca.

4.287

1.121

364

69

34

166

213

1.426

50

47

407

284

100

Quant.

12.092.899

2.947.022

1.069.277

198.154

110.250

392.650

645.530

4.054.047

163.577

139.533

17.864

1.242.133

811.654

301.208

US$ FOB

1995

1.651

177

343

17

36

107

573

49

131

113

105

Quant.

5.331.399

576.818

1.032.296

48.900

122.482

421.562

1.819.703

166.670

438.310

362.478

342.180

US$ FOB

1996

2.841

317

464

48

92

23

125

1.432

16

179

111

34

Quant.

9.961.379

1.125.289

1.616.428

173.730

240.165

82.368

481.800

5.023.921

56.144

638.486

396.994

126.054

US$ FOB

1997

3.074

16

316

16

128

54

97

147

1.677

48

22

260

205

81

Quant.

Continua...

8.837.499

26.400

839.070

73.450

356.928

164.282

289.378

21.263

499.009

4.715.018

161.568

61.380

755.889

602.774

271.090

US$ FOB

1998

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par
217

84

16

128

Alemanha

Arbia Saudita

Austrlia

1.086

1.868.288

72

204.120

127

512

48

118

Quant.

24.464

110

Portugal

Reino Unido

2.649

4.886.219

30.803

21.120

56.611

2.694

90

16

155

5.252.874

123.838

43.305

265.192

11.396

579.832

1.329

93

3.690.811

198.880

3.095

64

214

14.871.075

250.312

997.700

23.760

1.365.663

32

96

10

241

16

14.309.355

16

16

32

10.677
121.176

351

4.183

5.362

26.752

38.124

6
64

602.457

Total

3.419.950

60.720

1.307.380

323

113

16

32

124

144

16

227

2.022

16

176

695

15

32

159

Quant.

Vietn

1.119

16

Venezuela

16

26.400

Rssia

16

22

463

Repblica Tcheca

282.866

462.528

188.320

176

48

292

83.072

32

198.337

241.243

1.019.560

5.308.921

Noruega

210.100

44

80

207

1.015

63.340

Pases Baixos

64

12.408

42.988

48.048

183.360

1.978.436

16

584.320

77.601

571.498

2.400.516

234.080

625.843

US$ FOB

2004

719.763

88.032

16

29

62

44.000

28.670

28.160

776.654

38.720

33.330

US$ FOB

2003

160

47

49.386

16

16

Mxico

Nova Zelndia

26.400

96.855

16

Litunia

14.190

6
47

35.360

8.810

Lbia

90.849

29.040

76.384

15.783

467.399

1.443.543

Lbano

42

11

32

193

704

16

185.492

39.424

38.765

392.477

Jordnia

Japo

51.040

237.657

81

105

38
16

16.570

144.626

Itlia

10

58

204

Israel

Ilhas Canrias

Frana

784.593

661

280

170

566.999

496

Espanha

36.960

Estados Unidos

2.640

10.12016

16

16

21.903

308

16

12

Quant.

14

7.200.230

23

888.893

779.134

134.824

US$ FOB

2002

Emirados rabes Unidos

2.718

464

400

60

Quant.

Egito

Coveite

591.712

475.056

702.592

136.386

US$ FOB

2001

128

China

208

63.256

22

250

336

68

Quant.

Canada

977.182

10.560

1.886.114

324.104

US$ FOB

2000

356

740

110

Quant.

16

1.492.304

466.400

35.200

227.950

196.460

US$ FOB

1999

Bulgria

Blgica

57

Quant.

frica do Sul

Pases

Tabela 4. Continuao.

Continua...

22.077.554

70.400

201.344

561.317

66.000

1.247.092

602.800

89.953

178.607

13.200

698.720

630.080

106.580

1.353.166

10.688.216

70.400

896.620

3.366.476

75.614

198.880

962.009

US$ FOB

2005

218
Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

32

Blgica

Canada

Coveite

23.320

166.889

48

54

32

Israel

Itlia

Japo

44.800

64

214.720

Fonte: Brasil (2014a).

8.289.155

31.570

2.330

10.015.320

1.013

4.586.316

837

3.326.960

856

73.920

1863

16

3
95

Total

507.100

33.440
336.380

160

Tunsia

112

91.520
285.120

80

129.634

79

80

16

32

211.200

497.750

32.340

144.320

353.760

Rssia

48

102

32

80

128

288

36

64

946.000

592.416

30.800

13.200

72.000

129.184

61.600

1.381.465

20.939

104.004

479.160

316.770

4.359.492

422.752

267.520

549.120

16.170

739.147

841.280

16.277

1.283.920

217.800

US$ FOB

2010
Quant.

Reino Unido

208

191

Pases Baixos

882.112

120

350.460

72

16

32

Nova Zelndia

267.292

204.160

Malsia

Lbia

41.800

25

16

16

147.840

Grcia

32

Hong Kong

77.440

Frana

16

28.650

32

Espanha

175.888

3
1.973.910

336

455

134

76

887

5.921.572

19.800

88.000

830.720

211.587

US$ FOB

2009
Quant.

Estados Unidos

1.362

16

176

44

US$ FOB

2008
Quant.

Emirados rabes
Unidos

3.893.051

20.680

92.947

78

1.084.160

518.619

256

116

US$ FOB

2007

26

13.200

140.800

11.000

1.479.480

8.800

5.410

61.219

329.384

Quant.

Egito

Bolvia

336

Angola

Austrlia

16

Alemanha

Arbia Saudita

66

US$ FOB

2006

Quant.

frica do Sul

Pases

Tabela 4. Continuao.

85

16

16

16

16

16

582.067

116.160

116.659

132.000

105.662

1.400

25.916

70.400

US$ FOB

2011
Quant.

673.043

96

48

24

48

12

144

208

80

32

16

48

16

848

314

128

64

207.680

61.600

278.740

112.640

5.755.028

77.661

2.059.939

724.416

373.648

US$ FOB

2013
Quant.

4.942.751 1.475.899 9.668.109

38.500

658.944

244.288

232.320

25.344

306.240

91.981

953.800

60.241

1.571.680

738.144

US$ FOB

2012
Quant.

CAPTULO 13 - Avaliao de uma indstria beneficiadora de castanha-do-par, na microrregio de


Camet, Estado do Par
219

220

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Concluses
Os resultados mostram que 1 hL de castanha bruta que entra no
ptio da usina de beneficiamento, pesando em mdia 50 kg, rende
em torno de 20 kg de amndoa de castanha beneficiada, pronta para
comercializao. No processo de beneficiamento, 10% so perdidos na
forma de castanhas quebradas e das castanhas comercializadas, 75%
so classificadas em amndoas mdias e 15% em amndoas gradas.
Isso indica que a amndoa de castanha beneficiada para exportao
representa uma reduo de 60% em relao ao peso da castanha bruta.
Grande parte da mo de obra do setor de beneficiamento utilizada
para a quebra da castanha, com predominncia de mulheres e dos
operrios encarregados de limpar a castanha recebida. A mo de obra
especializada refere-se ao foguista encarregado de controlar o forno e
a caldeira para a produo de vapor, o cozinheiro responsvel pelo
banho de vapor sob presso nas castanhas secas, a classificao das
castanhas descascadas, o processo de secagem na estufa, a classificao
final, a pesagem e a embalagem. A falta de matria-prima constitui a
grande limitao para o funcionamento da fbrica aps 4 a 6 meses,
dependendo do estoque. Da a necessidade de adquirir o mximo de
castanha durante o curto perodo da safra.
Observa-se que o processo de beneficiamento de castanha-dopar bastante complexo, exigindo capital de giro para adquirir a
castanha e efetuar o armazenamento para conseguir um estoque
que permita o funcionamento da fbrica por um perodo mais longo
e a manuteno dos trabalhadores por mais tempo. Outros desafios
gerenciais referem-se a evitar os riscos da contaminao do produto
e a sua comercializao, a exigncia de mo de obra capacitada para
determinadas atividades e a existncia de estoques de castanheiras,
como condies fundamentais para a manuteno da atividade.
O fracasso das tentativas de beneficiamento de castanha-do-par
nos estados do Acre e do Amap decorre da complexidade da cadeia
produtiva e de beneficiamento, composta e gerenciada por egressos
de movimentos sindicais, sem a qualificao necessria para gestar
uma empresa, alm da falta de pessoal tcnico especializado e com
capacidade gerencial. Observa-se que a economia regional est
incorrendo em grandes perdas, estimadas em mais de 14 milhes de
dlares anuais, decorrente da exportao de castanha-do-par em
casca.
A longo prazo, a sustentabilidade da indstria de beneficiamento de
castanha-do-par vai depender da implantao de plantios racionais
de castanheiras para garantir uma oferta confivel e da formao de
estoques adequados em reas mais prximas e acessveis dos locais
de beneficiamento, alm do correto manejo das populaes nativas,
permitindo a regenerao da espcie e a manuteno da fauna
dependente dos frutos da castanheira.

Introduo1
No perodo de 8 a 18 de setembro, estivemos visitando as reas de
castanhais no sul do Par, em decorrncia do Convnio Embrapa/
Sectam. Em Marab, as invases nas sedes do Incra e da CEF, pelos
integrantes do MST e dos garimpeiros, respectivamente, retratam
que esses eventos constituem apenas a face visvel do iceberg social-econmico-poltico dessas reas que centralizavam a produo de
castanha-do-par. Nas ltimas trs dcadas, essa regio tem sofrido
as maiores intervenes humanas desde o incio da ocupao da
Amaznia. A conexo de Marab com a Rodovia Belm-Braslia em
1969, a Transamaznica em 1971, a guerrilha do Araguaia em 1972,
o incio da construo da hidreltrica de Tucuru em 1976, a abertura
da PA-150, o Programa Grande Carajs em 1980, o auge da Serra
Pelada em 1983, a inaugurao da Estrada de Ferro Carajs em 1985,
a implantao da Hidrovia do Rio Araguaia em 1995, entre outros
eventos, constituem fatores que levaram contnua subtrao dos
estoques de castanhais.
O fluxo migratrio cujo sentido de luta tinha por objetivo o uso da
terra para fins agrcolas conflitava com a conservao ou a preservao
dos castanhais. Esse fluxo, facilitado pelas vias de acesso rodovirio
e ferrovirio, resultou, tambm, na transferncia de problemas de
outras reas do Pas para aquela regio, exteriorizados pelos violentos
conflitos fundirios que sempre preocuparam desde a criao do
Getat em 1980 e a sua extino em 1987, sem conseguir uma efetiva
soluo para esse xadrez fundirio. O saldo, naturalmente, sempre foi
a contnua destruio dos estoques de castanhais.
Essas transformaes mostram, tambm, um evidente conflito entre a
opo do desenvolvimento pelos novos atores sociais que entram em
cena, como pecuaristas, madeireiros, capital nacional e internacional
interessado na explorao mineral, produo de energia eltrica e, mais
recentemente, na expectativa da produo de soja. Em outro conjunto,
1
Publicado originalmente em Homma e Carvalho (1998) e Homma e Carvalho
(1998/1999).

222

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

os posseiros, os pequenos agricultores e, mais recentemente, os


integrantes do MST, passaram a pressionar as reservas remanescentes
dos castanhais, procedendo a sua substituio por atividades agrcolas,
por questo de sobrevivncia. Permanecem nessas reas enquanto a
fronteira agrcola mantm essas caractersticas, mas mudam para
novo local quando a fronteira passa a constituir em ameaa sua
sobrevivncia, pela perda da fertilidade do solo e esgotamento das
reservas madeireiras, inclusive as castanheiras.
A destruio das castanheiras, apesar de a espcie ser protegida
legalmente contra a sua derrubada desde a dcada de 1960, est
relacionada tambm com a perda de competitividade frente a outras
alternativas econmicas. O valor da castanheira em p, mesmo
que possa produzir ad infinitum, a manter o atual valor, sem a sua
verticalizao pelos coletores, dificilmente ser atrativo para a sua
manuteno. A valorizao do mercado de cupuau fez com que a
manuteno dos cupuauzeiros nativos seja mais rentvel do que as
castanheiras. Esse fato est levando, por sua vez, o plantio domesticado
dessa espcie, chegando, por exemplo, no Castanhal Araras, a
percentuais de 70% para domesticado e 30% para extrativo e o inverso
no Projeto Agroextrativista de Praialta e Piranheira, em Nova Ipixuna.
A atividade extrativa por si s no consegue garantir a sustentabilidade
econmica, exigindo a implantao de agricultura de subsistncia, da
o evidente risco quanto sustentabilidade ecolgica e econmica a
mdio e longo prazos.
A localizao dos atuais assentamentos fundirios e das invases
de propriedades em reas de castanhais constitui outra varivel de
presso emergente que est levando derrubada de castanheiras
para ocupao para agricultura de subsistncia em simbiose com os
extratores de madeira.
Enquanto ocorria a expanso das pastagens, durante as dcadas de
1970 e 1980, as castanheiras eram mantidas e mortas em p, pela
derrubada e queimada, pelo contnuo uso do fogo para a limpeza
das pastagens e pelos incndios florestais. Uma viso dantesca desse
quadro pode ser vista, por exemplo, na estrada que vai de Eldorado dos
Carajs a So Geraldo do Araguaia. Nas dcadas anteriores, a grande
disponibilidade de oferta de madeira, a sua proibio e a constante
abertura de novas frentes de expanso faziam com que esse recurso
no fosse plenamente utilizado pelas serrarias.
Um fato emergente est relacionado com a dificuldade de acesso
a novas reas para a extrao madeireira motivada por presses
ambientais e a abertura de novas rodovias, que tendem a ficar cada
vez mais difceis nos anos futuros, o que justificaria a necessidade
de incentivar a silvicultura na Amaznia. Isso tem induzido defesa
do aproveitamento das castanheiras mortas, sujeitas a ameaas de
expanso da fronteira agrcola como est ocorrendo nas reas de

CAPTULO 14 - A derrubada das castanheiras no sul do Par

invases no sul do Par, bem como o aproveitamento das castanheiras


improdutivas ou desvitalizadas.
A controvertida Portaria 108, de 18 de setembro de 1997, do Ibama,
que autoriza o processamento e a comercializao de castanheiras,
exceto para exportao, com vigncia a partir de 1 de janeiro de 1998,
nos municpios de Eldorado dos Carajs e So Geraldo do Araguaia,
tem se constitudo em novo fator de derrubada de castanheiras. Em
que pese os aspectos positivos da referida portaria, torna-se bastante
difcil o seu cumprimento, pela complexidade que a questo envolve.
Warren Dean (1932-1994), no seu clssico livro A Ferro e Fogo, que
veio a pblico aps seu trgico acidente em 1994, relata a destruio da
Mata Atlntica, que ficou reduzida a menos de 8% da cobertura original
poca do descobrimento do Brasil. De maneira similar, esse mesmo
fenmeno est ocorrendo no sul do Par com relao aos castanhais.
Esperamos que esses fatos sirvam como reflexo quanto definio
de uma poltica pblica que procure ocupar as reas desmatadas e
preservar as remanescentes. Chama a ateno isso exigir uma ao
herclea, que ultrapassa as boas intenes e esperanas de inmeras
propostas de projetos pontuais com financiamentos internacionais.
Em outro aspecto, a reduo dos desmatamentos no sul do Par
implica na conduo de polticas pblicas efetivas tambm nos locais
de origens dos migrantes, reduzindo a sua vinda para a Amaznia. H
ainda a necessidade de tecnificar e treinar os agricultores, visando
intensificao das atividades produtivas para induzir permanncia na
mesma rea espacial. Ainda h tempo de reverter essa situao.

223

Introduo1
Em 1952, por sbia deciso do presidente da Associao Comercial do
Par, Antnio Martins, foi institudo o dia 27 de janeiro como sendo o
Dia da Castanha, por marcar o incio da safra nos castanhais do Estado
do Par. interessante verificar que o Estado do Amazonas considera
o dia 29 de abril como o Dia do Castanheiro. Independente das datas,
isso demonstra o reconhecimento da importncia que a extrao da
castanha e o castanheiro tinham para a economia amaznica.
No era para menos, uma vez que a extrao da castanha estava em
pleno crescimento, atingindo seu auge na participao da economia
amaznica em 1956. Nesse ano, as exportaes de castanha-do-par representaram o mximo de contribuio no valor total das
exportaes amaznicas, com 71%.
Enquanto a economia da borracha se caracterizou pela realizao
de uma dzia de seminrios e a criao de entidade oficial, a da
castanha s teve dois eventos para discutir os rumos e as polticas
desse importante recurso natural. No perodo de 20 a 25 de fevereiro
de 1967 aconteceu a 1 Conferncia Nacional da Castanha-do-par
(CONFERNCIA NACIONAL DA CASTANHA-DO-PAR, 1967),
organizada pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrrio e
pela Confederao Nacional de Agricultura, em Belm, que foi aberta
pelo ento governador Alacid Nunes. Nesse evento as reivindicaes
do setor estavam relacionadas com a questo dos transportes e a
possibilidade do aumento da safra. Um dos trabalhos apresentados
nesse evento afirmava que apenas 1 milho de castanheiras estavam
sendo colhidas, mas que existiam 5 a 8 milhes de castanheiras e que
esses alimentos estavam sendo perdidos.
O segundo evento foi o 1 Simpsio Nacional da Castanha-do-Brasil
realizado em Belm, organizado pelo ento superintendente da Sudam,
Dr. Elias Sefer, no perodo de 12 a 15 de dezembro de 1982. Alm da
discusso quanto destruio dos castanhais, que passou a constar da
1

Homma (1999c).

226

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

pauta dos problemas, ainda inexistente na dimenso da gravidade do


seminrio realizado 15 anos antes, procurava estimular o plantio de
castanha-do-par. Uma das razes que a Embrapa havia conseguido
resolver os problemas relativos germinao e formao de mudas
e, tambm, havia o atrativo da enxertia, reduzindo o tempo do incio
da primeira frutificao pela metade, que foi motivo at da emisso de
um selo postal. Havia a possibilidade de se utilizar os incentivos fiscais
para reflorestamento e com isso transformar o extrativismo em plantio
racional.
Os resultados prticos mais importante deste ltimo evento foi a
implantao de um grande plantio de 3,5 mil hectares, com 320 mil
castanheiras enxertadas, na Estrada Manaus-Itacoatiara, pela
Agropecuria Aruan S.A. A outra foi a Fazenda Bamerindus, no
Sudeste Paraense, infelizmente destruda pelos invasores. Afora isso,
verifica-se pequenos plantios espontneos e isolados de produtores.
A legislao nunca deixou de proteger as castanheiras. O Cdigo
Florestal (Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965), a Portaria 2.570 do
IBDF (de 22 de novembro de 1971) e a recente Lei de Crimes Ambientais
(Lei 9.605, de 13 de fevereiro de 1998) do toda a proteo legal para
evitar a sua derrubada. As castanheiras, apesar de serem poupadas nas
derrubadas, so imoladas ao fogo, morrendo em p, resultando nos
conhecidos cemitrios de castanhais no Sudeste Paraense, a espetar os
cus, em agonia.
A grande questo no momento como salvar as castanheiras restantes
ou se possvel. Em primeiro lugar, preciso entender que a atual
situao constitui a conjugao de vrios fenmenos. Assim, no dia
7 de junho de 1898, o Coronel Carlos Gomes Leito fundou o Burgo
de Itacainas, que daria origem cidade de Marab. Nos ltimos
30 anos, verificou-se uma violenta subtrao de reas de castanhais
em decorrncia de polticas pblicas ou de mudanas de alternativas
econmicas.
A abertura da antiga PA-70, em 1969, conectando com a Rodovia
Belm-Braslia, a Rodovia Transamaznica e as estradas operacionais
do Exrcito em 1972, a PA-150 cortando o corao dos castanhais, a
Estrada de Ferro Carajs em 1985 e outras que se seguiram levaram
atrao de migrantes, competindo com as reas dos castanhais.
O sentido de luta desses migrantes era a utilizao da terra para
fins agrcolas e no para a coleta da castanha. Outro aspecto
estava relacionado com as grandes transformaes da economia
desencadeadas com a descoberta das jazidas minerais de Carajs em
1967, com os incentivos fiscais promovendo a expanso da pecuria,
os programas de colonizao, o auge da Serra Pelada, a extrao
madeireira, o contnuo ciclo migratrio, a criao de dezenas de
municpios, entre outros.

CAPTULO 15 - O Dia da Castanha

Reverter essa tendncia exige o isolamento de reas de castanhais ainda


intactos, o controle de fluxos migratrios e de incndios florestais e
a proibio de assentamento em reas de castanhais e da derrubada
de castanheiras para fins madeireiros. So medidas para proteger a
integridade fsica dos castanhais, que exigem a mudana de mentalidade
da sociedade. Ao contrrio dos aaizais, em que a valorizao dos
frutos tende a levar conservao pelos prprios extratores, no caso
das castanheiras, na viso do posseiro muito mais lucrativo vender as
rvores, plantar culturas anuais e cupuau ou transformar em pastos.
O tamanho dos lotes no assegura uma lucratividade para garantir a
sobrevivncia apenas da extrao da castanha, alm de constituir em
atividade de inverno. Esse o mecanismo indutor da destruio.
H necessidade de intensificar a agricultura com o uso de mecanizao
agrcola e adubao para aumentar o tempo de permanncia do
pequeno produtor no lote, para evitar novas derrubadas. O paradoxo
dessa medida que poderia estimular a vinda de mais posseiros. Os
pecuaristas precisam promover a recuperao das pastagens, evitando-se com isso o uso do fogo na limpeza dos pastos. O risco de incndios
florestais, alm de danificar os estoques de castanheiras, constitui um
perigo para os projetos de reflorestamento. O reflorestamento constitui
uma necessidade imediata para atender s guseiras existentes nos
estados do Par e do Maranho. Medidas de estmulo e incentivo para
o plantio de castanheiras, tanto por pequenos produtores ou em projetos
de reflorestamento, devem ser efetuadas. Ainda h tempo para reverter
essa situao que, com certeza, ser cobrada pelas geraes futuras.

227

Introduo1
Este artigo pretende adicionar alguns esclarecimentos com relao
entrevista ao jornalista Campbell (1999a, 1999b) na reportagem sobre
a crise dos castanhais no Estado do Par, publicado em O Liberal,
no dia 17 de janeiro de 1999, e motivo de comentrio do Sr. Valdir
de Campo, presidente da Associao das Indstrias Madeireiras de
Eldorado dos Carajs (Assimec), publicado no mesmo jornal, no dia
10 de maro de 1999.
A grande questo no momento como salvar as castanheiras
remanescentes e ampli-las. As pesquisas tendem a mostrar uma
contnua subtrao dos estoques de castanheiras. Por exemplo, a
tese de mestrado de Raul F. Batista, defendida no dia 3 de maro,
no Centro Agropecurio da UFPA, mostra que mais da metade da
cobertura florestal nos municpios de Marab, Jacund, Itupiranga,
Nova Ipixuna, So Joo do Araguaia e So Domingos do Araguaia
foram derrubados no perodo 19731996. Resultados preliminares
da pesquisa em andamento Embrapa/Funtec comparando imagens de
satlites de 1997 e de 10 anos atrs, do chamado Polgono Castanheiro,
criado em 1983, revelam essa mesma preocupao.
Em primeiro lugar, preciso entender que a atual situao constitui a
conjugao de vrios fenmenos. Assim, no dia 7 de junho de 1898, o
Coronel Carlos Gomes Leito fundou o Burgo de Itacainas, que daria
origem cidade de Marab. Nos ltimos 30 anos, verificou-se uma
violenta subtrao de reas de castanhais em decorrncia de polticas
pblicas ou de mudanas de alternativas econmicas.
A abertura da antiga PA-70, em 1969, conectando com a Rodovia
Belm-Braslia, a Rodovia Transamaznica e as estradas operacionais
do Exrcito em 1972, a PA-150 cortando o corao dos castanhais, a
Estrada de Ferro Carajs em 1985 e outras que se seguiram, levaram
atrao de migrantes, competindo com as reas dos castanhais.
1

Homma (1999a).

230

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Outro aspecto estava relacionado com as grandes transformaes


da economia desencadeadas com a descoberta das jazidas minerais
de Carajs em 1967, os incentivos fiscais promovendo a expanso
da pecuria, os programas de colonizao, o auge da Serra Pelada, a
extrao madeireira, o contnuo ciclo migratrio, a criao de dezenas
de municpios, entre outros. Era evidente o conflito entre a preservao
e o progresso.
O fluxo migratrio cujo sentido de luta tinha por objetivo o uso da
terra para fins agrcolas conflitava com a conservao ou a preservao
dos castanhais. Esse fluxo, facilitado pelas vias de acesso rodovirio
e ferrovirio, resultou, tambm, na transferncia de problemas de
outras reas do Pas para aquela regio, exteriorizada pelos violentos
conflitos fundirios, que sempre preocuparam desde a criao do
Getat em 1980 e a sua extino em 1987, sem conseguir uma efetiva
soluo para esse xadrez fundirio. O saldo, naturalmente, sempre foi
a contnua destruio dos estoques de castanhais. A localizao dos
atuais assentamentos fundirios e das invases de propriedades em
reas de castanhais constitui outra varivel de presso que est levando
derrubada de castanheiras para ocupao e para agricultura de
subsistncia em simbiose com os extratores de madeira.
As polticas fundirias da regio, ao reduzirem o tamanho dos lotes
de 100 ha no passado, para, posteriormente, 50 ha e, atualmente, 25 ha,
como j vem sendo implementado em novos assentamentos da regio
vm colocando instabilidade em considerar o extrativismo como
atividade econmica. Se ainda forte a presso sobre a terra na regio,
em funo da existncia de fluxos migratrios externos e internos
a ela, no se deve encarar a concesso de terra a um maior nmero
de indivduos como soluo social para esse problema, contribuindo
para novas migraes mais frente na fronteira num futuro prximo.
Diminuir a rea dos estabelecimentos sem aumentar a produtividade
dos sistemas agrcolas contribuir para acelerar o processo de expulso
no lote e para a inexorvel destruio das reas de castanhais no Sudeste
do Par. Sem levar em conta a existncia desse ciclo, dar apenas um
lote de 25 ha para os integrantes do MST e posseiros, sem tecnificao,
no apresenta nenhuma garantia de sustentabilidade futura.
Reverter essa tendncia exige o isolamento de reas de castanhais
ainda intactos, o controle de incndios florestais e a proibio de
assentamento em reas de castanhais e da derrubada de castanheiras
para fins madeireiros. So medidas para proteger a integridade fsica
dos castanhais, que exigem a mudana de mentalidade da sociedade.
Ao contrrio dos aaizais, em que a valorizao dos frutos tende a levar
conservao pelos prprios extratores, no caso das castanheiras, na
viso do posseiro muito mais lucrativo vender as rvores, plantar
culturas anuais e cupuau ou transformar em pastos. O tamanho dos

CAPTULO 16 - Como salvar as castanheiras?

lotes no assegura uma lucratividade para garantir a sobrevivncia


apenas da extrao da castanha, alm de constituir em atividade de
inverno.
Na minha opinio, o Decreto 1.282, assinado pelo presidente Itamar
Franco, no dia 19 de outubro de 1994, permitindo a utilizao de
castanheira morta ou desvitalizada para extrao madeireira at o ano
2000, que culminou na Portaria 108, de 18 de setembro de 1997, do
Ibama, regulamentando essa extrao, revelou-se uma faca de dois
gumes. O interesse dos pequenos produtores e posseiros na venda
de castanheiras, independente de sua vitalidade, sem condies de
fiscalizao e controle fez com que acelerasse o processo de destruio.
Derrubar castanheiras seculares mediante a substituio por plantios
de castanheiras revela-se algo extremamente duvidoso.
Por outro lado, a iniciativa da Assimec, em plantar 300 mil mudas de
castanheiras nos prximos 5 anos em Eldorado dos Carajs, merece
nosso louvor e apoio. Um projeto de semelhante envergadura que
conheo o da Agropecuria Aruan, na Estrada Manaus-Itacoatiara,
com 3,5 mil hectares e com 320 mil castanheiras enxertadas,
implantadas no perodo 19811988. bem possvel que a viso de
dezenas de caminhes conduzindo toras de castanheiras noite adentro
no Sudeste Paraense seja substituda futuramente por renques de
castanheiras decorrentes de plantios racionais. Medidas de estmulo
e incentivo para o plantio de castanheiras ou de outras espcies
madeireiras, tanto por pequenos produtores quanto para grandes
projetos de reflorestamento devem ser efetuados. nesse sentido que
vejo o futuro da indstria madeireira na Amaznia e que sempre tenho
defendido para a regio.

231

Introduo1
Antnio Gonalves Dias (18231864), famoso poeta maranhense,
natural de Caxias, que morreu afogado quando retornava da Europa no
navio Ville de Boulogne, que naufragou nos baixios de Atins, Municpio
de Guimares, prximo de So Lus, Estado do Maranho, dedicou
baunilha um poema, onde se l:
A baunilha
Vs como aquela baunilha
Do tronco rugoso e feio
Da palmeira em doce enleio
Se prendeu!

Se o verme a raiz lhe ataca,


Se o raio o cimo lhe ofende,
Cai a palmeira, e contudo
Inda a baunilha recende!

Como as razes meteu


Da snea no musgo raro,
Como as folhas verde-claro
Espalmou!

Um dia s! que mais tarde,


Exausta a fonte do amor,
Tambm a baunilha perde
Vida, graa, encanto, olor!

Como as bagas pendurou


L de cima! como enleva
O rio, o arvoredo, a relva
Nos odores,
Que inspiram falas de amores!
D-lhe o tronco apoio, abrigo,
D-lhe ela perfume amigo,
Graa e olor!
E no consrcio de amor
Nesse divino existir
Que os prende, vai-lhes a vida
De uma s seiva nutrida,
Cada vez mais a subir!
1

Homma et al. (2006d).

234

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Este poema foi escrito em 1861, na cidade de Manaus, quando o poeta


participou da Comisso Cientfica de Explorao, pela qual viajou
por quase todo o norte do Pas. O equvoco do poeta foi acreditar que
as orqudeas seriam parasitas de outras plantas, como se estivessem
aproveitando a seiva da palmeira para sobreviver.
A baunilha uma orqudea trepadeira nativa do sudeste do Mxico, da
Guatemala e de outras regies da Amrica Central, cujos plantios esto
mais difundidos na Ilha de Madagascar, Indonsia, China e Comoros.
Existem algumas espcies nativas do Brasil, mas que no possuem
mercado, pois seu aroma muito diferente. A substncia qumica que
d o aroma da baunilha um aldedo chamado vanilina, isolado em
1816. muito utilizada na indstria de alimentos, incorporada em
mistura com chocolates, doces, sorvetes e bebidas. Tambm utilizada
para a produo de essncias para a fabricao de perfumes, sabonetes,
talcos, cremes, entre outros. Ante a pequena produo e o alto preo,
so mais utilizados aromatizantes sintticos que simulam o aroma
de baunilha. O alto preo da vanilina proveniente de extrato natural
rende US$ 4.000,00/kg e tem estimulado pesquisas conduzidas para a
sua produo por micro-organismos e a produo biotecnolgica por
cultura de clulas da planta (DAUGSCH; PASTORE, 2005).
Os principais pases produtores so: Madagascar, que lidera a produo
mundial de baunilha, seguido da Indonsia, China e Mxico (Tabela
1). As espcies de baunilha cultivadas nesses pases so diferentes. A
Vanilla planifolia Andrews (LEN, 1987) cultivada em Madagascar
conhecida por produzir a melhor qualidade dita Bourbon para
preparaes alimentares como gelados, bolos, chocolates e bebidas.
A Vanilla tahitensis (Sul do Pacfico), a Vanilla java (Indonsia) e a
Vanilla pompona (Antilhas) so utilizadas como aromatizante do
tabaco e nas indstrias de cosmticos e farmacutica.
Tabela 1. Maiores pases produtores de baunilha no perodo 19902012,
em toneladas.
Pas
China
Indonsia

1990 1995 2000 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
371

386

650

1.000 1.200 1.350 1.400 1.382 1.300 1.385 1.350

1.262 1.958 1.681 2.366 3.768 3.177 3.319 3.341 2.400 3.500 3.400

Madagascar

1.000

840

880

Mxico

195

207

255

280

291

637

523

524

395

362

390

60

100

119

170

200

195

215

270

287

290

Turquia

2.613 1.240 2.534 2.800 3.055 2.830 3.000 3.500

Tonga

47

85

130

133

140

150

199

263

200

202

202

Uganda

15

33

45

48

64

52

48

30

180

170

Comoros

250

160

140

65

75

76

50

65

66

42

42

Mundo

3.211 3.784 3.984 6.754 8.344 8.558 8.899 8.794 6.680 9.454 9.864

Fonte: FAO (2012).

CAPTULO 17 - Cultivo de baunilha: uma alternativa para agricultura familiar na Amaznia

A reexportao efetuada por diversos pases desenvolvidos,


como Frana, Alemanha e Estados Unidos, que controlam o
mercado desse produto. O preo apresenta grande instabilidade e
decorre das oscilaes na produo em Madagascar e Indonsia.
No perodo de 2001 a 2004, o preo tem sido bastante elevado,
atingindo US$ 340,00/kg, mas a partir de 2005 j apresentava
queda. Os produtores de Tom-Au venderam as vagens de
baunilha na safra 2003/2004 a US$ 110,00/kg, sendo atualmente
cotado a US$ 30,00, em virtude da safra de Madagascar (Tabelas 2 e 3).
Tabela 2. Quantidade e valor de importaes de baunilha pelo Brasil no
perodo de 19892013.
Ano

Quantidade (kg)

Valor (US$)

1989

5.066

351.379

Preo (US$/kg)
69,36

1990

2.836

205.423

72,43

1991

6.269

404.968

64,60

1992

2.275

171.442

75,36

1993

2.610

197.123

75,53

1994

4.631

317.685

68,60

1995

7.481

426.256

56,98

1996

23.366

254.193

10,88

1997

5.013

167.850

33,48

1998

8.831

217.359

24,61

1999

6.830

210.201

30,78

2000

11.485

338.900

29,51

2001

6.090

760.755

124,92

2002

5.433

1.040.679

191,55

2003

2.355

561.751

238,53

2004

1.428

486.390

340,61

2005

1.465

137.042

93,54

2006

936

72.844

77,82

2007

1.743

117.438

67,38

2008

7.973

194.974

24,45

2009

2.327

49.122

21,11

2010

644

21.078

32,73

2011

937

26.272

28,04

2012

980

62.991

64,28

2013

290

16.240

56,00

Fonte: Brasil (2014b).

235

236

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 3. Importao brasileira de baunilha, no perodo 20002013, em


quilos.
Pas

2000

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Argentina

2.994

1.465

Frana

171

523

75

824

10

528

Madagascar

1.817

452

703

1.038

200

79

185

499

Alemanha

3.695

ndia

2013
10
5

198

15

149

75

100

500

6.100

2.100

50

20

75

Mxico

100

65

120

40

150

Indonsia

1.020

60

100

100

Itlia

32

Porto Rico

1.080

Chile

363

Espanha

16

75

69

87

125

109

Estados
Unidos

316

62

15

152

50

50

Lbano

22

Papua Nova
Guin

12

Grcia

frica do Sul

10

Uganda

700

315

Canad

59

97

Fonte: Brasil (2014c).

A produo de baunilha no Pas muito reduzida, tanto que no consta


nas estatsticas oficiais, comportando-se como se fosse um produto
invisvel. As necessidades do Pas de baunilha natural so supridas via
importao, cujo valor e quantidade retratam o mercado potencial que
poderia ser desenvolvido pela agricultura familiar na regio amaznica
e nas reas remanescentes da Mata Atlntica.

A produo de baunilha em Tom-Au


Os produtores nipo-brasileiros de Tom-Au sempre se caracterizaram
pela produo coletiva de novas tcnicas e processos que so replicados
pelos pequenos produtores, como j vem ocorrendo com vrios
Sistemas Agroflorestais (SAFs) (ARCE; LONG, 2000; FRAZO et al.,
2005; HOMMA, 2004b; INICIATIVAS..., 2006; YAMADA, 1999). A
experincia de dois produtores de baunilha no Municpio de Tom-Au, o Sr. Tsuneo Kusano e o Sr. Hironori Ono, constituem exemplos
que precisam ser divulgados para serem incorporados nos SAFs de
agricultura familiar, criando nova alternativa de renda e emprego. A
importncia do resgate dessas experincias revela-se importante, uma
vez que os colonos antigos esto falecendo e no se encontram registros
escritos das prticas adotadas. Por ser uma planta trepadeira, poderia

CAPTULO 17 - Cultivo de baunilha: uma alternativa para agricultura familiar na Amaznia

ser incorporada nos SAFs dos agricultores familiares, aproveitando


as rvores permanentes e para enriquecimento da reserva florestal,
obtendo ganhos adicionais.
Ambos os produtores utilizam a variedade Planifolia mexicana, que
foi introduzida pelo ex-Instituto Experimental Agrcola Tropical da
Amaznia (Inatam), fundado em 1974, trazida do Mxico, na busca
de alternativas para os produtores de pimenta-do-reino afetados pelo
Fusarium. O plantio do Sr. Tsuneo Kusano possui 330 ps de baunilha em
produo e plantou, em 2005, mais mil ps, que esto sendo conduzidos
em arame, aproveitando estaces de pimenteiras estendidos na sombra
das seringueiras em uma rea limpa, de um antigo pimental (Figura 1).
Considerando a produo mxima de 40 kg de baunilha obtida pelo
Sr. Tsuneo Kusano, de 300 ps produtivos, na safra 2003/2004, terse-, uma estimativa de 133 g de baunilha beneficiada por planta. J
na safra 2004/2005, obteve-se apenas 10 kg, caindo a produtividade
para 33 g/planta. As experincias do Sr. Tsuneo Kusano mostraram
que a baunilha consorciada com caf no d certo, uma vez que as
suas razes so muito superficiais, mas com eritrina e seringueira do
muito bem. Acha que com sombrite uma boa maneira de se cultivar
a baunilha, apesar de ser mais caro, pela infraestrutura necessria e por
exigir reparos constantes.
Foto: Yukihisa Ishizuka.

Figura 1. Plantio
consorciado de
seringueira com
baunilha em rea
anteriormente cultivada
com pimenta-do-reino
em propriedade de
agricultor no Municpio
de Tom-Au.

O Sr. Hironori Ono possui 500 plantas, utilizando rvores de


seringueiras como tutor vivo, que se encontram em uma capoeira, em
face de regenerao da vegetao secundria, depois do abandono do
pimental (Figura 2). Enquanto as baunilhas no frutificarem, ele as deixa
subindo nas rvores de seringueira, atingindo 10 m a 15 m. Quando
comeam a frutificar, ele procede ao descolamento dos rizomas de
baunilha do tronco da seringueira com cuidado para no quebrar e

237

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

coloca em suporte de estacas, para que possa efetuar a polinizao e a


colheita. A produtividade nesse sistema baixa, tendo obtido produo
mxima de 15 kg perfazendo 30 g/planta e na safra 2004/2005 obteve
apenas 3 kg, caindo para 6 g/planta. Atualmente, o Sr. Hironori
Ono est experimentando 100 plantas de baunilha utilizando ps de
limoeiros.
Figura 2. Plantio de
baunilha utilizando
seringueira como tutor
vivo em vegetao
secundria.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

238

Preparo das mudas


Para o preparo da rea necessrio fazer leires da mesma forma
com que se fazem para a cultura do mamo. As mudas so feita com
0,8 m a 1 m de comprimento dos ramos, enterrando-se duas gemas na
cova, uma vez que esse tipo de muda faz com que as plantas adultas
cresam e floresam mais cedo. Os estaces custam R$ 1,40 com 2,2 m
de comprimento e gasta-se aproximadamente 1,6 mil estaces/hectare.
O espaamento utilizado de 1,5 m entre plantas e 5 m entre fileira.
Existem alguns cuidados com as mudas de baunilha, ou seja, preciso
pentear, que consiste em retirar partes secas, galhos e folhas da planta
sombreadora, e regar com cuidado na sua formao, semelhantes ao
que efetuado com as mudas de maracuj.

Colheita
Do plantio para a primeira florao leva 2 a 3 anos e da florao para
colheita leva em torno de 8 a 9 meses. No perodo do inverno, realiza-se a poda de formao para dar incio florao no perodo de agosto
a setembro. A colheita efetuada no perodo chuvoso, de abril a junho,
mas pode apresentar variaes dependendo da intensidade do perodo
seco.

CAPTULO 17 - Cultivo de baunilha: uma alternativa para agricultura familiar na Amaznia

Geralmente, 300 vagens frescas produzem 1 kg de vagem seca (Figura


3). A produtividade de 5 a 6 pencas/p, de modo que 100 kg de vagens
verdes rendem 30 kg a 35 kg de vagens secas. A vida til est estimada
em at 15 anos, devendo ser efetuado novo plantio.
Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 3. Vagens de
baunilha em processo
de desenvolvimento,
plantadas na sombra de
seringueiras.

Para que ocorra a florao das plantas, so necessrios 30 dias de sol.


No perodo da florao, necessrio o exame dirio das flores para que
se possa efetuar a polinizao, sendo necessrio trabalhar 2 a 3 horas/
dia. Na baixa florao, necessrio apenas 2 a 3 vezes por semana e
trabalhar somente 1 hora/dia.
O ciclo de florao leva aproximadamente 30 dias para ser completado.
Por sua estrutura reprodutiva, a baunilha necessita do auxlio de
insetos para o transporte de plen ao rgo feminino de suas flores,
uma vez que a massa polnica pesada demais para ser levada pelo
vento e a parte receptiva do rgo feminino no exposta o suficiente
para receb-la. Em 1836, o botnico Charles Morren foi o primeiro a
efetuar a polinizao artificial da baunilha. Para realizar a polinizao
manual, h necessidade de um palito de bambu ou de fsforo. Uma
pessoa poliniza 200 flores/dia trabalhando no horrio das 11h at as
12h. A poca ideal de colheita no deixar os frutos se abrirem na
ponta, perdendo o valor comercial e dificultando o beneficiamento.

Tratos culturais
Existem vrias doenas na cultura da baunilha que atacam folhas e
frutos. Essas doenas ocorrem com maior frequncia no perodo de
chuvas e diminuem com a chegada da estao seca.

239

240

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Utiliza-se adubao orgnica com esterco de curral na proporo


de 1,2 kg/planta. Alm disso, aproveita-se a casca de cacau como
adubao orgnica, colocando 1,5 kg/planta.
Os tratos culturais podem ser feitos com roagem manual ou com
roagem qumica com uso de glifosato, com trs aplicaes/ano, em
que se coloca 200 mL de produto comercial/20 L de gua, gastando-se
3,5 L/400 litros de gua, durante o ano, para 1.330 ps de baunilha.
Na aplicao de herbicida o funcionrio leva de 3 a 4 dias, com carga
horria de 8 horas/dia.
H necessidade de vencer limitaes de doenas no identificadas que
levam morte das plantas, a presena de fungos nas vagens preparadas
e a oscilao de preos.

Processamento
H vrios procedimentos para o beneficiamento de baunilha. O
processo utilizado pelos dois produtores consiste em mergulhar vagens
de baunilha em um recipiente perfurado, dando um banho-maria em
gua e com temperatura entre 85 C e 90 C durante 10 a 15 segundos.
Em seguida, deixar por 30 a 35 segundos em descanso, depois repetir a
operao at trs vezes e colocar em uma flanela para enxugar. No se
pode colocar as vagens em gua fervente, uma vez que afeta o aroma e
o processo enzimtico da fermentao. Aps o banho-maria, deve-se
secar no perodo das 12h s 14h, durante 1 semana, at atingir o ponto
certo, quando a vagem enrola-se no dedo e no quebra, guardando
sempre em uma caixa de isopor para transpirao, isto , deixar suar.
Proceder classificao, separando em primeira e refugo, que
depende do tamanho e da qualidade das vagens e do cheiro decorrente
do processo de fermentao e maturao. Da produo mxima obtida
pelo Sr. Tsuneo Kusano, de 40 kg, na safra 2003/2004, cerca de 6 kg foi
considerado refugo, cuja cotao a metade do preo.
Existe problema de ataque de fungos nos frutos, produzindo uma
mancha esbranquiada que prejudica a qualidade. Em razo do seu
alto preo, o mercado bastante exigente, sobretudo nos ltimos anos,
necessitando extremo cuidado no beneficiamento (Figura 4).

CAPTULO 17 - Cultivo de baunilha: uma alternativa para agricultura familiar na Amaznia

Foto: Alfredo Homma.

Figura 4. O processo
de beneficiamento
e secagem deve ser
efetuado com muito
cuidado para evitar
o aparecimento de
fungos.

Concluses
A cultura apresenta desafios que precisam ser solucionados pela
pesquisa, principalmente com relao a fungos que prejudicam as
vagens depois de beneficiadas e oscilao na produtividade. Contudo,
a experincia desses dois produtores pode ser democratizada, iniciando
em pequena escala pelos pequenos produtores, aproveitando as rvores
existentes na propriedade, tanto de plantios racionais como da mata,
que poderia constituir em uma alternativa de gerar renda adicional. Se
considerar a produtividade de 100 g/p de baunilha, para suprimir as
importaes de 2005, seriam necessrios 15 mil ps de baunilha, que
poderiam ser disseminadas entre os pequenos produtores.

241

Introduo1
Este trabalho procura mostrar a importncia do aproveitamento de
bacurizeiros (Platonia insignis Mart. Clusiaceae) para promover a
gerao de renda e emprego, como j ocorre com cacaueiro (Theobroma
cacao), cupuauzeiro (Theobroma grandiflorum), guaranazeiro
(Paullinia cupana), aaizeiro (Euterpe oleracea), pupunheira
(Bactris gasipaes Kunth), entre outras que j fazem parte de plantios
racionais ou da utilizao de prticas de manejo. O aproveitamento
de rebrotamentos naturais de bacurizeiros nas antigas reas de
ocorrncia constitui uma importante alternativa para promover
a recuperao de reas desmatadas e que no deveriam ter sido
desmatadas, mediante a criao de linhas de crdito especficas. Outra
poltica importante seria incentivar os plantios racionais, impedindo
a destruio dos remanescentes de bacurizais decorrente da expanso
da fronteira agrcola com atividades competitivas e da criao de
uma legislao visando sua proteo. No menos importante seria o
desenvolvimento de mquinas apropriadas para o beneficiamento da
polpa, a domesticao visando seleo de variedades mais produtivas,
com maior teor de polpa, e o aproveitamento da casca e do caroo, que
representam a totalidade do peso dos frutos.
A ecloso da questo ambiental na Amaznia, sobretudo a partir da
dcada de 1990, despertou a ateno para diversas frutas amaznicas,
como o cupuau, o aa, a pupunha, o tucum (Astrocaryum aculeatum
G.F.W. Meyer) e o bacuri, entre outras. O aspecto cultural tambm est
presente no consumo das frutas regionais: em Manaus predomina
o consumo de tucum, includo at no conhecido sanduche
X-Caboquinho, enquanto em Belm predomina a venda de pupunha
cozida e a essncia do sabor bacuri, em um popular chope na Estao
das Docas.
1

Homma et al. (2007a).

244

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A quase totalidade das frutas amaznicas, com exceo do abacaxi


[Ananas comosus (L.) Merril] e da castanha-do-brasil (Bertholletia
excelsa HBK), tinham, at ento, expresso somente no mercado
regional e o consumo era limitado ao perodo da safra. Com as tcnicas
de beneficiamento e congelamento, passaram a ser consumidos durante
todo o ano e, com o crescimento populacional, ampliou a demanda,
conflitando com os estoques extrativos (FRAZO; HOMMA, 2006;
MEDINA; FERREIRA, 2003; SHANLEY; MEDINA, 2005).
Os frutos dessa rvore sempre foram considerados pelas populaes
que habitam os locais de ocorrncia natural da espcie como dos
melhores da Floresta Amaznica. Ademais, possui uma vantagem em
relao maioria das frutas nativas da Amaznia: pode ser consumido
ao natural.
O extrativismo do bacuri faz parte do elenco de produtos invisveis
extrados da Floresta Amaznica, tais como a pupunha, o uxi
[Endopleura uchi (Huber) Cuatrecasas], o tucum e diversas espcies
do txon Oenocarpus, conhecidas como bacaba, entre outras que no
so computadas nas estatsticas oficiais, mas que so importantes na
estratgia de sobrevivncia de agricultores familiares (MENEZES,
2002).

O bacurizeiro no contexto histrico


O bacurizeiro, ao longo destes ltimos dois sculos e meio, teve uma
grande mudana no conceito do seu aproveitamento. Passou de uma
fruta sem importncia para uma rvore de interesse madeireiro e
com fruto valorizado, como se pode evidenciar no relato de diversos
autores. O padre Joo Daniel (17221776), missionrio da Companhia
de Jesus, que viveu na Amaznia entre 1741 e 1757, quando foi preso
por ordem de Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marqus do Pombal
(16991782), em 18 anos de priso qual no sobreviveu (17571776),
no seu clssico livro Tesouro descoberto no mximo Rio Amazonas,
descreveu o bacuri da seguinte forma:
A fruta bacuri, posto que tenha seus senes, tambm, merece sua meno,
pelo seu excelente gosto. A sua rvore famosa de grande, e tambm o fruto
de bom tamanho, pois maior que os maiores pssegos molares. Tem a
casca grossa, e para dar a casca, e se abrir a fruta, quer mao, ou requer se
dar com ela em uma pedra, ou pau; e se todo o seu miolo fosse comestvel,
seria fruta de maior estimao, e regalo; mas o mau que sendo to grande,
tem muito pouco de comer, porque tudo so caroos vestidos ou revestidos
de uma felpa por modo de algodo muito alva, e to pegada aos caroos
que necessrio bom dente para arranc-la, ou uma boa navalha para lhe
fazer as barbas; porm deliciosa no gosto com um excelente agridoce,
mas mais lambujem que sustento, e por isso prpria para gente moa, que
tem bons dentes, porque os velhos, e a outra gente de bem contentam-se
com o mais miolo. este uns gomos da mesma massa, que serve de diviso
aos caroos e como estes so de trs em trs, ordinariamente so os gomos
maiores, ou menores conforme lhe do lugar os caroos, por no serem

CAPTULO 18 - Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do Nordeste Paraense e


da Ilha de Maraj

estes iguais em todas as frutas, e espcies. Costumam pois os moradores,


quebrada a fruta, separar com um garfo estes gomos intermdios para um
prato, e se o querem cheio necessrio quebrar mais fruta; mas no seu superlativo gosto pagam muito bem o trabalho em as quebrar, e suprem a sua
pouquidade: falo das doces, em que sempre h algum tal ou qual cido; e
to tenros os gomos, que parecem nata, ou manteiga. H outras espcies em
que prevalece o cido ao doce, e outras em que, no havendo sinal de doce,
so azedas como limes, e no podem tragar, de todos porm se faz um
doce muito substancial, e delicioso (DANIEL, 2004, v. 1, p. 566).

Antnio Ladislau Monteiro Baena (17821850), na sua obra Ensaio


corogrfico sobre a Provncia do Par, publicada em 1839 um
exaustivo tratado sobre a geografia, os recursos naturais e a populao
destacava a importncia do bacurizeiro como rvore de construo:
rvore que d fruta agridoce. Ela tem casca acitrinada e semelhante
do piqui na figura. O lenho desta rvore serve na construo natica.
Isso fez com que, ao longo dos sculos, frondosos bacurizeiros fossem
derrubados para extrao de madeira, utilizada na construo civil
e, principalmente, na construo naval artesanal da Amaznia. No
ltimo caso, utilizada para a confeco de peas que do a forma de
carena dos barcos.
Osvaldo Orico (19001981), famoso escritor paraense, comenta no
seu clssico livro Cozinha amaznica: uma autobiografia do paladar,
publicado em 1972, que o diplomata Jos Maria da Silva Paranhos
Jnior (18451912), o Baro do Rio Branco, que se notabilizou pela
resoluo dos problemas das fronteiras brasileiras com os pases
vizinhos, adotou o bacuri como sobremesa dos grandes banquetes
oficiais do Itamarati (ORICO, 1972). Em 1968, por ocasio da sua
visita ao Brasil, a Rainha Elizabeth II (1926 ) ficou encantada com o
sorvete de bacuri preparado pela Confeitaria Colombo, que foi a razo
de diversas encomendas posteriores. O sucesso do programa da artista
global Regina Cas, intitulado Um p de qu?, um deles enfocando o
bacuri, que passou a ser divulgado a partir de 8 de junho de 2004, mostra
a mudana nestes dois sculos em que essa fruta segue o caminho
do cupuau [Theobroma grandiflorum (Spreng.) Schum] e do aa
(Euterpe oleracea Mart.), ganhando dimenso nacional e internacional
e tornando-se a polpa mais cara existente no mercado. Espera-se que,
dentro dos prximos anos, a colheita de frutos de bacuri seja parte
integrante da safra de plantios racionais e de manejos conduzidos nos
locais de ocorrncia onde ainda depende do extrativismo com oferta
limitada e em novos locais.
A coleta de bacuri, logo aps o contato com o colonizador, destinava-se somente para o consumo dos coletores e de seus familiares, sem
preocupaes com a sua comercializao. Com o avano da colonizao
e a expanso da fronteira agrcola, extensas reas da floresta foram
derrubadas para dar lugar s roas para a produo de alimentos.

245

246

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

rea de ocorrncia
O bacurizeiro uma planta perene de porte mdio a alto, podendo
atingir nos indivduos mais desenvolvidos uma altura de 30 m e
dimetro na altura do peito (DAP) de 2 m. Quando componente
da vegetao primria, ocorre em baixa densidade, geralmente com
nmero inferior a um indivduo por hectare. uma rvore social,
formando agrupamentos de seis a oito indivduos, distanciados entre
si em cerca de 30 m a 40 m. Entretanto, em ecossistemas de floresta
secundria de terra firme, a densidade bem maior, em virtude de
a espcie apresentar estratgias de reproduo sexuada e assexuada.
Nesse tipo de vegetao, quando a espcie ocorre formando macios
quase homogneos, em densidade que comumente supera a marca de
200 indivduos por hectare, indicativo de que em tempos passados
algum tipo de manejo foi efetuado para favorecer o estabelecimento e
o crescimento dos bacurizeiros.
O tronco geralmente retilneo, sem ns, pois apresenta desrama natural. A
madeira do bacurizeiro apresenta densidade entre 0,80 g/cm3 e 0,50 g/cm3,
fcil de trabalhar e recebe acabamento esmerado (LOUREIRO et
al., 1979). Essas caractersticas despertaram a ateno da indstria
madeireira amaznica, razo da eroso gentica em algumas populaes
da espcie. A propsito, no ento maior polo madeireiro da Amaznia,
em Paragominas, PA, no final dos anos 1980, o bacurizeiro ocupava a
33 colocao, em termos de volume de madeira serrada, superando
outras espcies bem mais conhecidas e cotadas nos mercados regional,
nacional e mesmo internacional, tais como: a andiroba (Carapa
guianensis) e o acapu (Vouacapoua americana) (LISBOA et al., 1991).
Ressalte-se que, em muitos casos, as estatsticas no evidenciavam a
explorao madeireira do bacurizeiro, pois sua madeira semelhante,
no aspecto e na estrutura anatmica, madeira do anani (Symphonia
globulifera L), sendo comercializada como se fosse dessa espcie.
Outro aspecto que merece considerao refere-se ao fato de que
milhares de bacurizeiros foram sacrificados em decorrncia da
especulao imobiliria em reas litorneas do Estado do Par, como
no Municpio de Salinpolis e no Distrito de Ajuruteua, em Bragana.
O extrativismo de frutos do bacurizeiro constitui-se em atividade
econmica com destaque para os estados do Par, Maranho, Piau
e Tocantins, no obstante verificar-se a ocorrncia da espcie em
todos os estados da Amaznia Legal (CAVALCANTE, 2010). A no
explorao do bacuri nos estados do Acre, Amap, Amazonas, Mato
Grosso, Rondnia e Roraima est associada ao fato de que nesses locais
a espcie ocorre em reas de vegetao primria, com reduzido nmero
de indivduos por hectare e distante dos centros consumidores, o que
inviabiliza o extrativismo. Nessa situao, o bacuri representa apenas
recurso de sobrevivncia na floresta.

CAPTULO 18 - Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do Nordeste Paraense e


da Ilha de Maraj

No Estado do Par, as reas mais importantes de coleta esto


localizadas na mesorregio do Nordeste Paraense e na Ilha de Maraj.
No Nordeste Paraense, os bacurizeiros encontram-se disseminados
na faixa costeira que vai do Municpio de Curu at Viseu, numa
extenso de 300 km, em reas degradadas, algumas com quase quatro
sculos de ocupao, que no passado foram habitat dessa planta. Na
Ilha de Maraj, a extrao comercial importante na rea que envolve
os municpios de Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari e So Sebastio
de Boa Vista.

Manejo ou plantio?
Nas regies de ocorrncia do bacurizeiro, mesmo depois da derrubada
das rvores e das queimadas para a formao de roados, essa espcie
vegetal apresenta notvel capacidade de regenerao natural, por
apresentar estratgias de reproduo sexuada e assexuada. Esta
ltima por meio de brotao de razes, mesmo quando as plantas
so derrubadas e queimadas, podendo alcanar at 15 mil rebentos/
hectare, verificado em levantamento efetuado no Municpio de
Maracan (HOMMA et al., 2005a).
comum, no linguajar do caboclo, dizer que o bacurizeiro nasce at
dentro de casa. Paradoxalmente, a propagao da espcie por sementes
muito difcil. Carvalho et al. (1998; 1999; 2002) apresentaram
estudos demonstrando a dificuldade na produo de mudas a partir
de sementes. O bacuri possui um tipo especial de dormncia que
impede a emergncia da parte area da planta. A emergncia dessa
estrutura ocorre, em mdia, 540 dias aps a semeadura, ocasio em
que a raiz primria j apresenta comprimento superior a 180 cm. Alm
da propagao por sementes, o bacurizeiro pode ser propagado por
processos assexuados, como brotaes de razes, estacas de razes e
enxertia. No entanto, cada um desses mtodos apresenta limitaes
que, por enquanto, inviabilizam sua utilizao na produo de mudas
de bacuri em escala comercial.
Outro aspecto que tem limitado o cultivo da espcie refere-se baixa
sobrevivncia das mudas plantadas. Mesmo experimentalmente no se
tem, at ento, obtido resultados satisfatrios, sendo comuns ndices de
mortalidade, 1 ano aps o plantio, superiores a 30%. A mortalidade
particularmente mais drstica quando os pomares so instalados com
mudas enxertadas. As causas de tais problemas no esto devidamente
elucidadas, mas existem hipteses associadas a patgenos que atacam
o sistema radicular.
Em um momento em que se est procurando alternativas de gerao
de renda e emprego para o Estado do Par, nada mais salutar que
dar outro destino para essas reas degradadas, depois de dezenas de
anos de prtica de agricultura migratria, promovendo o manejo das

247

248

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

densas brotaes de bacurizeiros. A faixa litornea da mesorregio do


Nordeste Paraense poderia ser transformada em grande polo produtor
dessa fruta. Em vez da destruio sistemtica das reas de bacurizais
na mesorregio do Nordeste Paraense para a formao de roados, da
venda de madeira, de lenha para alimentar os fornos de farinha, da
produo de carvo vegetal, de cercados para captura de peixes, entre
outros, o seu adensamento controlado permitiria aumentar a renda
familiar, preservando essa espcie perene.
O manejo do bacurizeiro pode ser efetuado a partir das brotaes de
razes que nascem nos roados abandonados para aproveitamento do
espao remanescente com o plantio de cultivos anuais (mandioca e
caupi) por duas safras. Para a reduo do custo, manter a rea limpa
e promover a integrao com cultivos perenes, formando sistemas
agroflorestais. O incio da produo de frutos ocorre entre 5 e 7 anos
aps o incio do manejo. necessrio, no entanto, cuidados para evitar
incndios decorrentes de queimadas efetuadas em reas prximas.
Trata-se de uma planta rstica que, em decorrncia do crescimento
do mercado de frutos, passou a receber ateno de agricultores
que comearam a salvar alguns ps de bacurizeiros nos quintais. O
manejo atual consiste em privilegiar as brotaes mais vigorosas,
deixando em espaamento aleatrio, que varia de 4 m a 8 m nos
roados abandonados. Os cuidados posteriores referem-se apenas a
roagens do mato, efetuadas anualmente durante o crescimento dos
bacurizeiros para evitar a competio com o mato e, quando adultos,
para facilitar a coleta dos frutos.
Levantamentos efetuados no Nordeste Paraense e na Ilha de Maraj
evidenciaram que muitos agricultores j esto realizando o manejo de
bacurizeiros, no entanto, deixando quantidade de rvores por hectare
muito elevada, o que compromete a produo de frutos. No raro
encontrar-se bacurizais manejados com densidade de 400 bacurizeiros
por hectare, quando o recomendado de 100 a 120 plantas por
hectare. A elevada densidade de bacurizeiros, seguramente, se
constitui em importante fator responsvel pela baixa produtividade
de muitos bacurizais, conquanto outros aspectos devam ser tambm
considerados. Por exemplo, a grande uniformidade gentica em alguns
bacurizais pode ser tambm um fator que contribui para a baixa
produo de frutos.
Essa espcie, no obstante apresentar flores hermafroditas, mecanismo
de autoincompatibilidade gentica, impede que o plen de uma
determinada flor fecunde essa flor ou outras flores da mesma planta
ou plantas diferentes do mesmo clone. Uma estratgia para contornar
esse problema consiste em introduzir nos bacurizais manejados clones
oriundos de outros locais, para aumentar a variabilidade de gros de
plen no pomar. Ressalte-se que essa introduo pode ser efetuada
enxertando-se brotaes oriundas de razes no prprio local em que

CAPTULO 18 - Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do Nordeste Paraense e


da Ilha de Maraj

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes e Grimoaldo Bandeira de Matos.

Figura 1. Diversos
tipos de manejo de
bacurizeiros formados a
partir de rebrotamento
de razes, no Nordeste
Paraense, caracterizados
pelo reduzido
espaamento adotado.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

esto estabelecidas. Conquanto no se tenha resultados cientficos


consistentes, admite-se que a introduo de dez plantas de clones
diferentes para cada 100 bacurizeiros manejados seria suficiente para
se ter aumento de produtividade (Figuras 1 e 2).

Figura 2. Bacurizal
plantado na Base
Fsica de Tom-Au,
pertencente Embrapa
Amaznia Oriental.

249

250

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Com a valorizao dos frutos do bacurizeiro, sobretudo no Nordeste


Paraense, nos ltimos 10 anos, muitos produtores passaram a
preservar as plantas existentes prximo das casas, constituindo
em Sistemas Agroflorestais e reas manejadas nos roados. Essas
reas manejadas apresentam grande heterogeneidade, tendo como
caracterstica comum a alta densidade de plantas, dificultando a
formao de copas e o desenvolvimento de plantas-irms, impedindo
a polinizao. Outros produtores efetuam a poda do broto principal,
promovendo a formao de copas mais baixas. O fato de as reas de
ocorrncia de bacurizeiros sofrerem forte presso de ocupao pode
estar restringindo as possibilidades desse aproveitamento futuro com
grandes perspectivas de mercado, de gerao de renda e emprego e de
regenerao das reas degradadas.
No entanto, h necessidade de incentivar plantios racionais, cuja
procura pelas agroindstrias para atender compromissos de
exportao (nacionais e internacionais) apresentam limitaes pela
falta de frutos (FRAZO; HOMMA, 2006; HOMMA, 2004c; LEAKEY,
2005). O crescimento do mercado de bacuri tambm est induzindo a
realizao de plantios com caroos, como ocorre na propriedade do
Sr. Shigeru Yokokura, no Municpio de Acar, e do primeiro plantio
enxertado na propriedade do Sr. Kunio Matsunaga, no Municpio de
Tom-Au. A utilizao de mudas enxertadas importante por reduzir
o tempo necessrio para que as plantas entrem na fase de frutificao e
para fixar caractersticas desejveis, como produtividade, tamanho do
fruto e rendimento percentual de polpa, entre outras.
Dessa forma, importante conhecer os atuais sistemas de manejo
que esto sendo utilizados pelos pequenos agricultores nas reas
de ocorrncia natural do bacurizeiro no Estado do Par, em face da
reduzida quantidade de dados experimentais sobre essa planta. Existe
tambm grande limitao quanto a maiores conhecimentos sobre
seu cultivo, que precisam ser avaliados a partir dos estoques naturais
existentes. As possibilidades de mercado para a polpa do bacuri so
semelhantes s do aa e do cupuau, cujo mercado potencial indica
que o setor produtivo j deveria estar com a mesma rea plantada de
cupuauzeiros na Amaznia, estimada em mais de 25 mil hectares. O
manejo dos aaizeiros em vrias localidades da foz do Rio Amazonas,
pelo financiamento do Banco da Amaznia, confirma essa assertiva,
com exportao para todo o Pas e para o exterior.

Reduzir a destruio dos bacurizeiros


A destruio da cobertura vegetal no Nordeste Paraense est visvel
nos igaraps com os leitos secos, que constitui uma destruio
acumulada ao longo do tempo. O Nordeste Paraense representa uma
rea de ocupao bastante antiga, onde a vegetao primria foi toda
derrubada, tanto pela borda ocenica como pelas margens do eixo da

CAPTULO 18 - Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do Nordeste Paraense e


da Ilha de Maraj

Estrada de Ferro Bragana, inaugurada em 1908, e pela abertura de


estradas vicinais (PENTEADO, 1967). Como a faixa costeira tinha a
predominncia de plantas de bacurizeiros, estas foram derrubadas e
quando aproveitadas foram para serrarias, construo de casas rsticas
e embarcaes ou queimadas. A resposta foi a recolonizao por meio
de brotaes de razes, formando extensas reas de bacurizeiros, como
testemunha dessa ao antrpica.
O hbito das comunidades costeiras de comer peixe assado na brasa
conduz necessidade do uso de carvo, no qual as madeiras de bacuri
e de murici-do-mato (Byrsonima spicata) so bastante utilizadas. O
carvo feito com troncos de bacurizeiros de boa qualidade, uma vez
que no solta fasca e nem faz fumaa. Existe mercado para a venda
de madeira para fornos de farinha, olarias, carvo vegetal, padarias,
construo civil, construo de cercados para peixe (curral), cercas
residenciais, entre outros, nos quais a madeira de bacuri muito
utilizada. As hastes dos bacurizeiros, pelo fato de serem retas, so muito
utilizadas para a construo de currais para peixes, andaimes para
construo civil e cercas, dependendo da grossura e do comprimento.
Um metro cbico de madeira de bacuri est cotado a R$ 7,00 e um saco
de carvo vendido a R$ 5,00 ou R$ 7,00. A madeira de bacuri muito
utilizada para andaimes e vendida a R$ 6,00/dzia.
As caieiras (forno para fazer carvo) existentes no Nordeste Paraense,
que utilizam madeira de bacuri, so diferentes das que so utilizadas
no Sudeste Paraense para as guseiras, que so feitas de tijolos ao
nvel do solo e com a forma abobadada, como se fosse uma catedral.
As existentes no Nordeste Paraense consistem de uma vala no cho,
com 1,0 m a 1,2 m de profundidade, encimadas como uma abbada
efetuada com cobertura de barro e uma sada para a fumaa no outro
extremo, como se fosse um periscpio vindo do nvel inferior da
vala. Para a confeco da abbada, que chamada de capota, esta
coberta com palha de inaj (Maximiliana regia Mart.) para permitir a
colocao da massa de barro, que vai ser endurecida com a combusto,
e a sua durabilidade posterior vai depender do cuidado para no bater
na abbada e rachar.
As olarias, alm da compra de lenha, efetuam tambm a troca de 12 m
de madeira para um milheiro de tijolos e de 15 m para um milheiro
de telhas simples. A lenha deve ser levada olaria j cortada e um
motosserrista cobra R$ 80,00/dia, podendo cortar 30 m a 40 m/dia
de servio. Deve-se acrescentar o custo do transporte de uma carrada
de caminho com capacidade de 20 m, que cobra R$ 200,00/frete.
Como um milheiro de tijolos custa R$ 120,00, acrescido do custo do
transporte de R$ 180,00, chega-se concluso que mais lucrativo
fabricar carvo.
A deficincia de lenha tambm j percebida para aqueles que fazem
farinha de mandioca no Nordeste Paraense, onde os plantios de

251

252

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

mandioca (Manihot esculenta) nas reas de capoeiras, pelo reduzido


tempo de pousio, no produzem quantidade suficiente de lenha para
torrar a farinha, exigindo buscar em outros locais. Isto est fazendo com
que 10% a 15% do custo de produo de farinha estejam relacionados
com o custo da lenha. H necessidade de induzir o reflorestamento
com rvores de rpido crescimento para atender agricultura familiar
e para as olarias.
O risco da entrada do fogo est presente em todos os bacurizais,
sejam aqueles em floresta primria, em vegetao secundria ou
em reas manejadas. As observaes mostram que os bacurizeiros
no apresentam resistncia ao fogo, a no ser a resposta quanto ao
rebrotamento por intermdio das razes. Com a entrada do fogo, o
calor no tronco provoca o descolamento da casca e a sua combusto
facilitada pela resina, provocando a sua morte.

Prticas adotadas nos bacurizeiros


Os agricultores adotam diversas prticas visando aumentar a produo
de frutos de bacuri, que eles chamam de bacurizeiros vadios, ou
seja, aqueles que chegam a florar mas no so convertidos em frutos.
A maioria das prticas no tem comprovao cientfica, como a de
efetuar cortes, descascar, colocar pregos, pendurar garrafas com gua
ou amarrar com cs das calas os troncos das rvores. O corte da casca
efetuado de vrias maneiras com um terado, fazendo uma inciso
sem tirar a casca distante da inferior de dois a trs dedos, por ocasio
da lua cheia durante a florao. A seguir, colocado um prego 3/9
deixando a cabea para fora para que a casca cubra mais tarde com
a cicatrizao, tambm, logo aps a inciso efetuada na casca. Outros
j efetuam uma inciso de 10 cm a 15 cm raspando a casca sem ferir
o lenho e, mais drasticamente, uma inciso profunda ferindo o lenho,
com golpes de terado. As observaes deste ltimo procedimento
mostram que os bacurizeiros no conseguiram segurar a florao,
abortando todas as flores emitidas.
Outro mito refere-se ao uso do cip-de-tracu (Philodendron
megalophyllum) para dar uma surra na rvore do bacuri e depois
amarrar na altura do peito, provocando a queda dos frutos semimaduros
e verdes. O exotismo das prticas chega at a recomendar, para o
aumento da safra seguinte, a relao sexual com os ps de bacurizeiros.
Outros comentrios e depoimentos colhidos juntos aos agricultores
entrevistados afirmam que os bacurizeiros no gostam de zoadas, da
o fato de no frutificarem quando localizados nos quintais, apesar de
produzirem bastantes flores. Essas lendas e crendices sobre o bacuri,
apesar da riqueza cultural, precisam ser desmistificadas pela pesquisa.
comum encontrar bacurizeiros em agrupamentos que, provavelmente,
so formados por rvores geneticamente idnticas, como se fossem

CAPTULO 18 - Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do Nordeste Paraense e


da Ilha de Maraj

rvores clonadas, decorrentes da regenerao por meio de brotaes


radiculares. Nos sistemas de produo identificados, a maioria dos
agricultores mantm pelo menos uma ilha de mata, ou seja, uma rea
isolada com grande concentrao de bacurizeiro (Figura 3).
Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 3. Bacurizeiros
em rea de vegetao
secundria no Municpio
de Bragana, Estado
do Par.

No existe consenso com relao ao agente polinizador das flores


do bacurizeiro entre os agricultores. A indita pesquisa conduzida
por Maus e Venturieri (1996) desvendou a atuao da famlia dos
Psittacidae
(marianinha-de-cabea-amarela,
periquito-da-asa-dourada e aratinga-de-bando), Coerebidae (sa-roxa), Icteridae
(japiim-xexu) e Thraupidae (pipira-vermelha, sanhao-azul, sanhao-do-coqueiro) na polinizao dos bacurizeiros. Como o bacurizeiro
uma planta de fecundao cruzada, polinizada pelos pssaros, supe-se
que a reproduo esteja relacionada ao cruzamento entre indivduos
de diferentes agrupamentos ou ilhas. A destruio das matas
circunvizinhas e a captura e venda dessas aves podem constituir em
srio risco para a produo de frutos de bacuri.
Existe uma multiplicidade de pssaros, abelhas e macacos que estragam
as flores e frutos dos bacurizeiros mencionados pelos produtores
entrevistados. As perdas provocadas por periquitos, cuja espcie
precisa ser identificada, simplesmente furam o fruto do bacuri verde,
parcialmente, com isso provocam a sua queda e partem para outro
fruto, uma vez que no consomem o fruto inteiro. Na Ilha de Maraj,
a infestao por ervas-de-passarinho (Loranthaceae Juss. e Viscaceae
Batsch) frequente em bacurizeiros antigos, sendo de difcil controle,
e dependendo da intensidade chegam a sufocar a planta, tornando-a
improdutiva e vindo a sucumbir.

253

254

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Entretanto, o prejuzo maior provocado pela coleta fortuita causada


pela derrubada de frutos mediante a subida nos bacurizeiros e
sacudindo os galhos, mesmo noite. Com isto, provocam a queda
dos frutos maduros e semimaduros, que so abafados para posterior
comercializao, e dos frutos ainda em fase de crescimento, que so
abandonados no cho, causando prejuzos estimados em torno de 5%
a 10% da safra. Esse procedimento ocorre no incio da safra, quando
os preos esto elevados. Os frutos verdoengos so postos para
amadurecer de diversas formas: enterrando na terra com sal (bacuri
salgado), utilizando o carbureto nas reas onde ocorrem plantios de
abacaxizeiros (Ananas comusus) e outros, abafando, mas somente com
o intuito de iludir os consumidores. H necessidade de conscientizar as
comunidades locais contra essa prtica que, alm de reduzir a safra de
bacuri, restringe a gerao de renda para as comunidades e prejudica
os bacurizeiros para a safra seguinte.

Melhorar o processo de
beneficiamento
A polpa do bacuri retirada mediante a bateo do fruto com um
cacete, evitando-se o corte com a faca. Com a bateo, o fruto se parte e
a polpa se desprega com mais facilidade da casca, separando o filhote
ou lngua (polpa sem caroo) e as mes, que so os caroos envoltos
com a polpa, os quais so retirados com uma tesourinha. Existem
comunidades que efetuam a quebra do bacuri durante a tarde e a
noite, efetuando a entrega na manh seguinte, pelo fato de no terem
geladeira ou freezer ou por falta de energia eltrica. Outros adquirem
gelo para conservar a polpa, enquanto se procede a extrao, ou pagam
para conservar no freezer daqueles que o possuem. Os coletores da
Ilha de Maraj, pela dificuldade de energia eltrica, preferem vender o
fruto in natura na Feira do Ver-o-Peso ou em Icoaraci, para onde so
transportados pelas embarcaes. O comrcio do fruto in natura tende
a prejudicar os frutos menores, que no apresentam valor comercial
e poderiam ser aproveitados para a extrao da polpa. Outro aspecto
que o mercado futuro est mais voltado para a polpa, no levando
em considerao a sua acidez, condio exigente para o consumo in
natura, que tem preferncia pelas frutas mais doces.
O processo de extrao da polpa vai desde o mais emprico, separando
os filhotes e lavando os caroos com um pouco de gua em uma bacia
para retirar o mximo de polpa e depois mistur-los com os filhotes,
passando pelo corte da polpa com a tesoura, at procedimentos
higinicos utilizando luvas e mscaras em ambiente livre de insetos e
sua posterior pasteurizao. A utilizao de luvas e mscaras decorre,
muitas vezes, de cumprir um ritual, cujo procedimento de contaminao
nem sempre percebido. Dependendo do rendimento dos frutos e da
disposio do local de trabalho, conseguem retirar 10 kg polpa/dia ou,
as mais exmias, at o dobro dessa quantia.

CAPTULO 18 - Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do Nordeste Paraense e


da Ilha de Maraj

Constituindo-se de uma fruta em que o rendimento de polpa muito


reduzido (10% a 12%) do peso do fruto, no foi desenvolvida at o
momento uma mquina adequada para despolpar o bacuri, como
ocorre com o cupuau e o aa. Dessa forma, toda a sua extrao
efetuada manualmente nas comunidades locais, cuja produo
revendida para as agroindstrias de polpas e de sucos, sorveterias, etc.
Existe um mercado de filhotes do fruto de bacuri que so vendidos a
preo mais elevado, destinados para doces e iguarias finas.
A retirada da polpa do bacuri assume caractersticas sui generis,
comuns para outras atividades como a quebra do coco-babau
(Orbygnia spp.), castanha-do-par (Bertholletia excelsa), castanha-de-caju (Anacardium occidentale), cupuau, aa, muruci (Byrsonima
crassifolia), entre outros. A falta de uma mquina para efetuar a
retirada da polpa constitui um desafio tecnolgico que, provavelmente,
se houver interesse, ser rapidamente resolvido.
Os agricultores costumam no utilizar vasilhames de alumnio para
a extrao da polpa de bacuri, uma vez que arroxea, aconselhando
o uso de vasilhames de plstico. Em algumas comunidades, utiliza-se a queima do caroo para fazer fumaa para espantar carapans e
como combustvel para cozinhar decorrente da resina que contm. O
aproveitamento do caroo para a extrao de leo mediante cozimento
prtica adotada em algumas comunidades para tratamento de artrite.
As cascas e os caroos de bacuri representam, respectivamente, 65%
e 25% do peso do fruto. necessrio descobrir novas possibilidades
visando ao seu aproveitamento integral. Algumas pessoas utilizam
a casca para a confeco de doces. A Beraca/Brasmazon iniciou a
aquisio de caroo de bacuri para a extrao de leo palmstico
presente em grande quantidade, sob a forma de tripalmitina, para
a indstria de perfumaria, mas ainda em quantidade reduzida,
mostrando o potencial que esse setor apresenta. Nas comunidades, os
extratores jogam as cascas e os caroos em buracos ou locais distantes
do trajeto, pois, segundo eles afirmam, causam muita frieira.

Concluses
A regio de dominncia de bacurizeiros constitui a faixa costeira
filiforme, que se alastra nos estados do Par e do Maranho, se
estendendo at o Piau. Dessa forma, a viabilidade de manejo do
rebrotamento teria grande impacto em criar um polo produtor de
bacuri, bem como o estmulo para os plantios racionais, matria-prima
para agroindstrias e exportao de polpa (no Pas e no exterior)
gerando renda, emprego e uma nova alternativa econmica.
A atual valorizao da polpa de bacuri, quatro vezes mais cara
que a do cupuau, constitui na sequncia de eventos que se iniciou
com o consumo de frutos pelos indgenas, posteriormente pelos

255

256

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

colonizadores europeus, seguindo-se do aproveitamento madeireiro


e da destruio para o plantio de roas e fabricao de carvo. Uma
nova fase est surgindo com adoo de prticas de manejo, plantios
racionais e o possvel patenteamento de propriedades qumicas a
serem descobertas.
Nas comunidades em que ocorrem os bacurizeiros adultos, a maioria
das reas manejadas foi iniciada somente depois que as rvores
comearam a produzir e consistiu apenas de uma roagem anual
para facilitar a coleta dos frutos. Mais recentemente, com aumento da
importncia do fruto, alguns agricultores comearam a manejar a rea
mais cedo, aproveitando a regenerao natural das reas deixadas para
pousio. Com cerca de um ano e meio, as plantas j esto com altura,
aproximadamente, de 2 m e comeam a ser selecionadas. Essa prtica
comea no decorrer do roado, deixando as plantas mais vigorosas no
espaamento aproximado de 8 m a 10 m e eliminando as demais.
As reas de ocorrncia de bacurizeiros adultos foram derrubadas para
a extrao de madeira e sua transformao em roados, desde o sculo
17, quando o mercado do fruto no tinha nenhuma importncia, a
no ser para consumo local e na poca da safra. Mesmo na atualidade,
as reas de ocorrncia de bacurizeiros continuam sendo devastadas
pela baixa densidade das plantas, o que no garante a sustentabilidade
econmica frente a outras alternativas econmicas de curto prazo,
como roados. A expanso de soja no Estado do Maranho tem se
constitudo em fenmeno recente dessa destruio, pela ocupao
das reas de ocorrncia de bacurizeiros, acontecendo o mesmo com
os plantios de caupi (Vigna unguilata) no Nordeste Paraense e de
abacaxizeiros na Ilha de Maraj.
Espera-se, com a adoo de sistemas de manejo apropriados,
a transformao de roados abandonados de rebrotamento de
bacurizeiros em pomares com espaamento definido, mediante linhas
de crdito especficas, integrando cultivos anuais e perenes. Por ser um
produto extrativo cuja oferta fixa, determinada pela natureza, com
tendncia declinante ante a depredao, pode-se concluir que, se nada
for feito pela sua preservao, no mximo haver a obteno dessa
mesma produo. Com o manejo, espera-se que se possa aumentar
a produtividade da terra pelo aumento da densidade de bacurizeiros,
que varia de 0,5 a 1,5 planta/hectare para 100 plantas/hectare, com
espaamento 10 m x 10 m e com isso aumentar a capacidade de
suporte e a produtividade da terra e da mo de obra, permitindo
colher maior quantidade de frutos em menor tempo, aumentando
a renda das unidades familiares. Dessa forma, a produtividade seria
aumentada, teoricamente, 66 vezes. Considerando uma rea mnima
de 10 mil hectares manejados, seria possvel aumentar a produo
para 400 milhes de frutos e uma receita de R$ 106,6 milhes, para os
prximos 10 a 15 anos, sem falar das possibilidades de agregao de

CAPTULO 18 - Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do Nordeste Paraense e


da Ilha de Maraj

valor pela industrializao. Para isso, alm de manejar os bacurizeiros


h necessidade de manejar o homem, protegendo as rvores e
preservando as aves responsveis pela polinizao. A existncia de
bacurizais improdutivos pode decorrer da destruio dessas aves
polinizadoras, o que tambm coloca em dvida quanto ao sucesso do
plantio em larga escala e dos programas de manejo, com o contnuo
processo de desmatamento na Amaznia.
Com a adoo das tcnicas de manejo do rebrotamento de
bacurizeiros seria possvel aumentar a densidade, transformando
roados improdutivos espera da recuperao da capoeira para
nova derrubada em bacurizais econmicos, com isso aumentando a
renda e desestimulando a prtica da derrubada e queimada. Por ser
planta perene de grande porte, promoveria a recuperao das reas
alteradas e at como fonte produtora de madeira, sequestro de carbono
atmosfrico, entre outros. Com o manejo de bacurizeiros aumentando
a densidade para 100 plantas/hectare, permitiria a produo de 19 t de
frutos e 2 t de polpa, e resduos correspondentes a 12 t de casca e 5 t de
caroos, que poderiam ser aproveitados antes de serem revertidos ao
solo, efetuando a sua fertilizao.
Aumentando a produo, reduziria o risco de perdas por furtos de
frutos e compensaria o consumo local, sobrando excedente para a
comercializao. O retorno seria em termos do aumento da oferta
de frutos de bacurizeiros, com o mercado em expanso e demanda
reprimida decorrente dos estoques existentes que esto sendo
destrudos pela expanso da fronteira agrcola, pelo crescimento
populacional e pela substituio por outras alternativas econmicas.
O crescimento da oferta dos frutos de bacuri permitiria ampliar a
venda de polpas, doces, geleia, iogurte, picol, sorvetes, sucos e outros
derivados em mbito nacional e externo, ao lado do cupuau, do aa
e da pupunha, incluindo uma nova fruta na pauta de frutas regionais,
pois apresenta vantagens comparativas e competitivas. No se descarta
a sua utilizao em outros componentes, acompanhando a moda
amaznica de sua incluso em xampus, sabonetes, etc.
Dessa forma, a indicao de tcnicas de manejo de rebrotamento de
bacurizeiros de reas degradadas seria importante para transformar
em bacurizais produtivos, assim como para obteno de coeficientes
tcnicos que sero importantes para que o Banco da Amaznia, o
Banco do Brasil e o Banco do Nordeste do Brasil viabilizem linhas
de financiamento especficas para o manejo de rebrotamento de
bacurizeiros e sua manuteno at o incio da frutificao. Outra
poltica seria o Banco da Amaznia, o Banco do Nordeste do Brasil
e o Banco do Brasil no financiarem atividades que redundem na
destruio de reas de bacurizeiros. A identificao de clones de
bacurizeiros sem caroo, quanto ao formato de frutos, quantidade
de polpa, grau de acidez, precocidade, entre outros, ser importante

257

258

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

para programas de melhoramento gentico, de prticas de manejo e


da domesticao, visando futuros plantios racionais e a legislao
proibindo a derrubada de bacurizeiros, como importantes para
gerao de emprego e renda. Outro aspecto seria chamar a ateno
para os pesquisadores no desenvolvimento de tecnologias visando
ao aproveitamento de cascas e caroos de bacuri, a integrao
dos bacurizeiros em sistemas agroflorestais, a necessidade de
desenvolvimento de mquinas despolpadeiras e a importncia do
bacuri na estratgia de sobrevivncia da agricultura familiar.

Introduo1

O bacuri uma das frutas mais populares da regio


amaznica. Essa fruta, pouco maior que uma laranja,
contm polpa agridoce, rica em potssio, fsforo e
clcio, sendo consumida diretamente ou utilizada na
produo de doces, sorvetes, sucos, geleias, licores e
outras iguarias. Sua casca tambm aproveitada na
culinria regional e o leo extrado de suas sementes
usado como anti-inflamatrio e cicatrizante na
medicina popular e na indstria de cosmticos. O
bacurizeiro (Platonia insignis) pode atingir mais de
30 m de altura, com tronco de at 2 m de dimetro
nos indivduos mais desenvolvidos (Figura 1). Sua
madeira, considerada nobre, tambm tem variadas
aplicaes. Essa rvore ocorre naturalmente desde a Ilha de Maraj,
na foz do Rio Amazonas, at o Piau, seguindo a costa do Par e do
Maranho.
1

Homma et al. (2010a).

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Algumas frutas da Amaznia, como guaran, aa e cupuau, j so


conhecidas em outras partes do pas e at no exterior, mas outras
so consumidas apenas pela populao local. Entre as que comeam
a ganhar mercado fora da regio est o bacuri, do qual extrada
uma polpa usada para fazer sorvetes, doces, sucos e outros produtos.
A maior procura por essa fruta j est superando a capacidade de
produo atual, essencialmente extrativa, mas estudos
mostram que essa situao pode ser modificada com
a adoo do cultivo e do manejo de plantas oriundas
de regenerao natural, que geraria renda e emprego e
permitiria uma regenerao parcial de extensas reas
desmatadas e abandonadas.

Figura 1. Bacurizeiros
nativos existentes na
natureza so rvores
frondosas que atingem
at 40 m de altura e
dimetro de 2 m.

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O bacurizeiro uma das poucas espcies arbreas da Amaznia que se


reproduzem de modo tanto sexuado (por meio de sementes) quanto
assexuado (por brotaes oriundas de razes). Em reas de ocorrncia
natural, com vegetao aberta, a densidade de indivduos em incio de
regenerao pode chegar a 40 mil por hectare (1 ha equivale a uma rea
de 100 m x 100 m), por causa das brotaes (Figura 2). Por esse motivo,
o caboclo amaznico diz que o bacurizeiro nasce at dentro de casa.
Esse fenmeno semelhante ao que ocorre com Populus tremuloides,
vulgarmente conhecido como choupos-tremedores, que em uma
colnia clonal no Estado de Utah, Estados Unidos, ocupa 43 ha, com
peso estimado de mais de 6 mil toneladas que a converte no organismo
vivo mais pesado da Terra que se conhece, com 40 milhares de troncos,
cujas razes tm 80 mil anos e o contnuo vigor na reproduo est
despertando o interesse dos cientistas (QUAL ..., 2014).
Figura 2. Os
rebrotamentos de
bacurizeiros nas reas
de ocorrncia chegam
a atingir mais de 40 mil
plantas por hectare, que
seria possvel aproveitar
sem necessidade de
fazer mudas.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

260

A produo atual de polpa de bacuri tem origem basicamente na coleta


dos frutos de rvores oriundas de regenerao natural, que escaparam
da expanso de povoados, do avano da agricultura e da pecuria e
da extrao madeireira no litoral do Par e do Maranho nos ltimos
quatro sculos. No passado, o bacurizeiro foi mais importante como
espcie madeireira que como planta frutfera. Sua madeira resistente
e de colorao bege-amarelada era muito utilizada na construo de
embarcaes e de casas, o que ainda observado em muitas reas de
ocorrncia natural.
O mercado de frutas amaznicas tinha, at recentemente, consumo
local e restrito ao perodo da safra, mas a crescente exposio da regio
nos meios de comunicao, no Pas e no exterior, sobretudo aps o
assassinato do ambientalista Chico Mendes (19441988), chamou a
ateno para esses produtos (Figura 3). O aumento da procura pela
polpa de bacuri elevou seu valor (o preo por quilo era R$ 10,00 em
2005 e passou para at R$ 20,00 atualmente) e indicou que a produo

CAPTULO 19 - Bacuri: fruta amaznica em ascenso

extrativa no tem condies de atender sequer o mercado local. Essa


maior presso de demanda teve reflexos nas reas de ocorrncia,
induzindo o manejo dos rebrotamentos naturais e o estabelecimento
de pomares por agricultores do Par, em especial da colnia nipo-brasileira no estado. O bacuri, que era uma das comidas do mato de
Macunama, o heri sem nenhum carter do romance modernista
(1928) de Mrio de Andrade (18931945), prepara-se para seguir o
caminho de castanha-do-brasil, guaran, aa, cupuau e pupunha,
ganhando dimenso nacional e internacional.
Foto: Jos Edmar Urano de Carvalho.

Figura 3. Frutos de
bacuri maduros para
serem comercializados.

O bacurizeiro na Histria
O primeiro relato conhecido sobre o bacuri est no livro Histria da
misso dos padres capuchinhos na ilha do Maranho, escrito pelo frade
francs Claude dAbbeville (?1632), publicado em 1614. Sua descrio
da espcie, grafada como pacuri, a seguinte:
O pacuri uma rvore muito alta e grossa, suas folhas parecem-se com as
da macieira e a flor esbranquiada. O fruto tem o tamanho de dois punhos, com uma casca de meia polegada muito boa de comer como doce, tal
qual a pera. A polpa desse fruto branca, parecida com a da ma, de gosto
suave; encontram-se dentro quatro nozes comestveis.

Outro religioso, o padre jesuta Joo Daniel (17221776), que viveu


na Amaznia entre 1741 e 1757, descreveu o bacuri. A partir de 1757
e at sua morte, o padre ficou preso em Portugal no perodo da
caa aos jesutas promovida por Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o
Marqus do Pombal (16991782) e, na priso, escreveu um enorme
tratado sobre a regio amaznica, Tesouro descoberto no mximo Rio
Amazonas, no qual fez detalhadas observaes:
A fruta bacuri, posto que tenha seus senes, tambm merece sua meno,
pelo seu excelente gosto. A sua rvore famosa de grande, e tambm o fruto
de bom tamanho... Tem a casca grossa, e para dar a casca, e se abrir a fruta,

261

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

quer mao, ou requer se dar com ela em uma pedra, ou pau; ... porque tudo
so caroos vestidos ou revestidos de uma felpa por modo de algodo muito
alva... esta uns gomos da mesma massa, que serve de diviso aos caroos.
(...) Costumam pois os moradores, quebrada a fruta, separar com um garfo
esses gomos intermdios para um prato, e se o querem cheio necessrio
quebrar mais fruta; mas no seu superlativo gosto pagam muito bem o trabalho em as quebrar, e suprem a sua pouquidade: falo das doces, em que
sempre h algum tal ou qual cido; e to tenros os gomos, que parecem
nata, ou manteiga (DANIEL, 2004, v. 1, p.450)

O Ensaio corogrfico sobre a provncia do Par, livro em que o militar


e gegrafo portugus Antnio Ladislau Monteiro Baena (17821850)
descrevia a geografia, os recursos naturais e a populao paraenses,
publicado em 1839, tambm destacou a importncia do bacurizeiro,
rvore que d fruta agridoce. Segundo Baena, a espcie tem casca
acitrinada e semelhante do piqui e seu lenho serve na construo
nutica. Um fato curioso sobre a fruta relatado pelo escritor paraense
Osvaldo Orico (19001981) em seu livro Cozinha amaznica: uma
autobiografia do paladar, de 1972: o diplomata Jos Maria da Silva
Paranhos Jnior (18451912), o baro do Rio Branco, famoso pela
soluo dos problemas de fronteira do Brasil com os pases vizinhos,
adotou o bacuri como sobremesa nos grandes banquetes oficiais do
palcio do Itamarati, no Rio de Janeiro, em sua gesto (1902 a 1912)
como ministro das Relaes Exteriores. Sabe-se ainda que, em 1968,
em visita ao Brasil, a rainha Elizabeth II, da Gr-Bretanha, ficou
encantada com o sorvete de bacuri preparado por uma confeitaria do
Rio de Janeiro, razo de diversas encomendas posteriores.

Extrativismo, manejo e plantio


A coleta dos frutos feita principalmente em bacurizeiros que crescem
naturalmente ou em reas com brotaes espontneas manejadas.
Mais recentemente, a espcie comeou a ser cultivada por meio
de mudas. Em florestas primrias, o bacurizeiro ocorre em baixa
densidade, em geral inferior a 1 indivduo/ha. uma rvore social, que
forma agrupamentos de seis a oito indivduos, distantes cerca de 30 m
a 40 m entre si. Na vegetao secundria de terra firme podem ocorrer
macios quase homogneos, com mais de 200 indivduos adultos/ha, o
que sugere que em tempos passados algum tipo de manejo foi efetuado
para favorecer o estabelecimento e o crescimento dos bacurizeiros.
O manejo consiste em selecionar as brotaes mais vigorosas que
nascem em reas agrcolas abandonadas (Figura 4), mantendo
distncia de 10 m entre elas e eliminando as demais. Os nicos
cuidados posteriores so roagens nos primeiros anos de crescimento
(para evitar a competio com o mato) e depois em torno de rvores
adultas, na poca de frutificao (para facilitar a coleta dos frutos).
A primeira produo de frutos ocorre de 5 a 7 anos aps o incio
do manejo. necessrio, nas reas manejadas, evitar que queimadas
efetuadas em terrenos prximos cheguem ao bacurizal, pois a espcie
bastante sensvel ao fogo.

CAPTULO 19 - Bacuri: fruta amaznica em ascenso

Foto: Grimoaldo Bandeira Matos.

Figura 4. Selecionando-se as brotaes mais


vigorosas, depois de
10 a 20 anos ter-se-
frondosas rvores,
promovendo a
regenerao das reas
degradadas, gerando
renda e emprego.

Avaliaes efetuadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa


Agropecuria (Embrapa) no nordeste do Par e na Ilha de Maraj
evidenciaram que muitos agricultores tm feito o manejo de maneira
inadequada, deixando as rvores muito prximas uma das outras, o
que implica baixa produo de frutos. No raro encontrar bacurizais
manejados com nmero de rvores/ha quatro a cinco vezes superior
ao recomendado (de 100 a 120 plantas/ha). Essa elevada densidade
um dos fatores responsveis pela baixa produtividade de frutos, pois as
rvores crescem muito em altura, sem alargar a copa.
A notvel capacidade de reproduo do bacurizeiro por brotaes
oriundas de razes facilita o manejo, mas pode trazer um problema:
todos os indivduos de uma rea de 1 ha, por exemplo, podem se
originar da mesma planta-me, no havendo variabilidade gentica.
Isso prejudicial porque o bacurizeiro, como outras espcies arbreas
amaznicas (entre elas o cupuauzeiro e a castanheira-do-brasil),
apresenta autoincompatibilidade gentica, ou seja, as flores no se
convertem em frutos quando a flor que fornece o plen da mesma
planta que a flor que o recebe (Figura 5). Assim, os clones rebrotados da
mesma planta-me tambm seriam incompatveis, o que inviabilizaria
a produo de frutos ou tornaria-os dependentes de plen vindo de
longe. Os polinizadores principais so pssaros de diferentes espcies,
e o principal atrativo para eles o nctar produzido em abundncia
(at 5 mL de nctar por dia) pela flor do bacurizeiro. Uma estratgia
recomendada para assegurar a variabilidade gentica em bacurizais
manejados a de introduzir diferentes clones na rea, o que pode ser
feito por meio de enxertos (de outra origem) em indivduos locais ou
do plantio de mudas trazidas de outras regies.

263

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 5. Diferentes
padres de cor das flores
dos bacurizeiros.

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes .

264

O crescimento do mercado de bacuri est expandindo o plantio com


plantas obtidas de sementes. Essas plantas demoram, em mdia, 10
anos para produzir os primeiros frutos, mas crescem mais rpido que
mudas enxertadas e tm, quando adultas, tronco retilneo, permitindo
o aproveitamento da madeira. Mudas enxertadas, ao contrrio,
dificultam o uso da madeira, mas comeam a produzir mais cedo,
entre 4 e 5 anos (Figura 6). importante, porm, escolher (para os
enxertos) espcimes com frutos de qualidade superior, em especial
quanto proporo de polpa, que deve ser de no mnimo 18% do peso
do fruto.

CAPTULO 19 - Bacuri: fruta amaznica em ascenso

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 6. Com a
enxertia, os bacurizeiros
iniciam a frutificao
com 4 a 5 anos,
reduzindo o tamanho
das rvores.

Os desafios do bacuri

Foto: Jos Edmar Urano de Carvalho.

Para obter a polpa, os agricultores partem a casca com um porrete


(Figura 7). Retirada a casca, encontram os filhotes ou lnguas, como
chamam a poro da polpa que no est aderida s sementes, e as
mes, nome dado parte da polpa que envolve as sementes (caroos).
As sementes devem ser separadas cuidadosamente, com o uso de
tesouras, porque qualquer ferimento no caroo libera uma resina
que mancha a polpa. Por isso, os produtores de bacuri no utilizam
as mquinas despolpadoras existentes no mercado, mas esse problema
poderia ser evitado com o desenvolvimento de um equipamento
especfico para extrao da polpa dessa fruta.
Figura 7. Corte
transversal de um fruto
de bacuri mostrando a
polpa.

265

266

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

As comunidades que produzem o bacuri tambm precisam ser


conscientizadas sobre prticas equivocadas de coleta fortuita. Os
agricultores provocam a queda de frutos subindo nos bacurizeiros e
sacudindo os galhos, mesmo noite. Em geral, isso acontece no incio
da safra, quando os preos esto elevados. Essa prtica leva queda
de frutos maduros e semimaduros, mas tambm de frutos ainda em
fase de crescimento, que so abandonados no cho, causando a perda
de 5% a 10% da safra, segundo estimativas. Os frutos imaturos so
enterrados no cho com sal e carbureto de clcio (produto usado
para induzir florao no abacaxizeiro e em outras plantas), visando
seu amadurecimento forado e venda posterior, prtica que engana os
consumidores.
Muitas reas de vegetao onde ocorrem bacurizeiros continuam
sendo derrubadas para formar pastagens e culturas agrcolas (soja,
feijo-caupi, abacaxi e outras), obter lenha para olarias, produzir
carvo ou extrair madeira para construo civil. A baixa lucratividade,
decorrente da densidade reduzida de bacurizeiros na vegetao nativa,
torna a opo de curto prazo mais atraente para os agricultores. Isso
pode ser alterado com tcnicas de manejo (desbaste dos rebrotamentos
espontneos ou plantio de mudas).
O manejo simples: a densidade de bacurizeiros deve ser corrigida
para 100 a 120 indivduos/ha, ordenados de tal forma que formem
uma malha quadrangular de 10 m por 10 m. Isso pode ser feito nos
rebrotamentos naturais pela seleo de plantas vigorosas distantes 10 m
umas das outras, ou por meio do plantio de mudas em reas com
menor densidade da espcie. A formao de pomares manejados de
bacuri representa importante alternativa para recuperar mais de 50 mil
hectares de reas degradadas dos estados do Par, Maranho e Piau
e para recompor reas de Reserva Legal (RL) e reas de Preservao
Permanente (APP).
Como o bacurizeiro uma planta de fecundao cruzada, polinizada
principalmente por pssaros, a produo dos frutos depende da
presena destes. Assim, tambm importante um manejo da
populao humana local, para evitar a captura e venda desses pssaros
e a destruio das matas prximas onde vivem, aes que podem
causar srios prejuzos produo de bacuri.
Um clculo simples mostra como o bacuri pode trazer grande benefcio
para a regio amaznica. Caso seja possvel, por exemplo, adicionar
20 mil hectares atual rea de produo, com uma produtividade mdia
de 200 frutos por ano em cada planta (Figura 8), a produo anual
aumentaria em 400 milhes de frutos, quantidade que corresponde a
cerca de 120 mil toneladas de frutos e 12 a 15 mil toneladas de polpa. Isso
implicaria em receita extra de R$ 200 milhes anuais (a preos atuais)
para a regio, sem contar com possveis aumentos na produtividade
por rvore e no percentual de polpa por fruto (decorrentes de tcnicas

CAPTULO 19 - Bacuri: fruta amaznica em ascenso

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

e pesquisas de melhoramento da espcie) e com a agregao de valor


pela industrializao. A cultura manejada do bacuri aproveitando os
rebrotamentos ou com plantios racionais constitui, portanto, uma
soluo local capaz de gerar renda e emprego, alm de contribuir para
a reduo dos problemas ambientais globais.
Figura 8. Diferentes
padres de frutos,
mostrando a grande
diversidade existente.

267

Introduo1
Na mesorregio do Nordeste Paraense e na Ilha de Maraj existem
vastas reas onde ocorre o rebrotamento de bacurizeiros (Figura 1),
em que muitos produtores j efetuam manejo, alguns com mais de 50
anos. Por sua vez, j se verifica o interesse por parte dos produtores no
seu plantio, como est ocorrendo em Tom-Au, mediante a utilizao
da enxertia. O crescimento do mercado dessa fruta, atualmente a
polpa mais cara, coloca como uma grande oportunidade de incentivar
o manejo promovendo a transformao de capoeiras degradadas
em bacurizais manejados produtivos, recuperando ecossistemas
destrudos e gerando renda e emprego.
Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 1. Rebrotamento
de bacurizeiros no
Municpio de Augusto
Corra, mesorregio do
Nordeste Paraense.

As populaes rurais nos locais de ocorrncia de bacurizais nativos no


esto conseguindo aproveitar os benefcios decorrentes do crescimento
do mercado desse produto, por falta de maiores informaes sobre as
Pesquisa com apoio do Banco da Amaznia e do Programa Piloto para a Proteo
das Florestas Tropicais PPG7. Homma et al. (2008a).

270

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

tcnicas de manejo, alm de baixo estoque dos bacurizeiros adultos


existentes, reduzida quantidade de frutos que se dilui no consumo
local, baixos preos de venda pela caracterstica pulverizada do fruto
e da polpa, apesar de ser a polpa mais cara no mercado a nvel dos
consumidores, e dificuldade no processamento de polpa, totalmente
manual, de baixo rendimento e sem higiene. Existem tambm
alternativas econmicas insustentveis que competem para a sua
sobrevivncia.
O bacurizeiro apresenta estratgias de reproduo por sementes
e por brotaes oriundas de razes, o que facilita sobremaneira a
regenerao natural. Mesmo em reas submetidas a ciclos sucessivos
de corte-queima-cultivo-pousio, a regenerao natural se processa
eficientemente, no sendo raro encontrar reas em pousio contendo
at 15 mil bacurizeiros jovens por hectare (HOMMA et al., 2007a,
2007b, 2010c).
Densidades de bacurizeiros acima de 120 plantas por hectare implicam
em competio intraespecfica por luz, gua e nutrientes. Densidades
superiores a 120 plantas por hectare fazem com que poucas plantas
consigam crescer com vigor, pois, alm dessa competio, os solos
so frequentemente de baixa fertilidade natural. A competio por
luz, em decorrncia da grande densidade de plantas, faz com que os
bacurizeiros cresam muito em altura em detrimento do crescimento
em dimetro, tornando-os susceptveis ao de ventos fortes, alm de
terem reduzida copa, prejudicando a produo de frutos.
A quase totalidade do que se denomina de bacurizais nativos reas
em que se encontra grande nmero de bacurizeiros adultos produzindo
frutos foi produto de manejo emprico efetuado no passado ou,
em casos mais raros, que teve oportunidade de regenerar sem sofrer
novas derrubadas e queimadas. Nos bacurizais nativos, o nmero de
rvores adultas por hectare varivel e sem nenhuma organizao em
termos de distncia entre plantas. Em algumas reas, encontram-se
densidades de 30 plantas por hectare e em outras, nmero superior a
400 bacurizeiros adultos por hectare.
Manejar bacurizeiros nativos significa, em parte, aproveitar a
agressividade natural da planta, manifestada por sua elevada
capacidade de regenerar-se naturalmente (Figura 2). O pressuposto
bsico do manejo favorecer o crescimento dos bacurizeiros pela
reduo da competio por luz, gua e nutrientes entre os prprios
bacurizeiros (competio intraespecfica) e com o mato (competio
interespecfica). uma prtica que, se efetuada corretamente, no
tem impactos ambientais negativos. Ao contrrio, recupera reas
extremamente alteradas e que, em alguns casos, no tm uso alternativo
imediato em razo da baixa fertilidade do solo.

CAPTULO 20 - Viabilidade tcnica e econmica da formao de bacurizal mediante


manejo de rebrotamento

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 2. Incio das


atividades de manejo
de rebrotamentos
de bacurizeiros em
uma propriedade no
Municpio de Maracan,
mesorregio do
Nordeste Paraense.

Estratgias para o manejo de


bacurizeiros
As recomendaes para o manejo de bacurizeiros nativos preconizam
que a densidade final de plantas situe-se entre 100 e 120 plantas por
hectare (CARVALHO et al., 2007).
Muitos produtores familiares deixam os bacurizeiros crescerem e
depois ficam com pena de eliminar as rvores para chegar densidade
de plantas recomendada. Isto se constitui no erro mais frequente
encontrado em bacurizais manejados pelos produtores familiares
encontrados no levantamento realizado no Nordeste Paraense
(HOMMA et al., 2007b; SOUTO et al., 2006).
Por ocasio do desbaste operao que tem por finalidade ajustar
a densidade de bacurizeiros para 100 a 120 plantas por hectare
importante que as plantas que permanecero na rea j estejam com
sistema radicular relativamente bem desenvolvido (Figura 3). Alguns
produtores, empiricamente, desenvolveram uma tcnica eficiente
para verificar se as pequenas rvores esto com sistema radicular
desenvolvido. Consiste em balanar com as mos o tronco das rvores
em diversos sentidos. Caso verifique que as rvores apresentam pouca
estabilidade, recomendado efetuar a imediata eliminao. Esse
procedimento adotado pelos agricultores familiares extrativistas em
decorrncia de rvores nessa situao tombarem facilmente pela ao
de ventos. Ressalte-se que no raro encontrar rvores que, 3 anos
aps o incio do manejo, ocasio em que j apresentam altura de 5 m e
dimetro na altura do peito de 10 cm, ainda no desenvolveram razes
adventcias. Assim sendo, o procedimento de verificar se as rvores
sofrem grande inclinao importante, especialmente no desbaste
final, para evitar o tombamento das plantas manejadas (Figura 4).

271

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 3.
Rebrotamentos com
4 anos de idade, com
contnuo desbaste
anual e com a seleo
das rvores que sero
consideradas definitivas,
em uma propriedade no
Municpio de Maracan.

Figura 4. Seleo final


dos bacurizeiros e
derrubada aps 4 anos
de manejo, deixando no
espaamento de
10 m x 10 m.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

272

Quando o manejo efetuado nas reas com nmero de bacurizeiros


superior a mil indivduos por hectare, o estiolamento das plantas
acentuado e as rvores ficam esguias e com copa reduzida. Dependendo
da idade, bacurizeiros com essa caracterstica assemelham-se a plantios
de eucalipto, com rvores apresentando dimetro equivalente ao de
cabos de vassoura.
A poda do pice da planta constitui-se em tcnica utilizada por alguns
agricultores familiares extrativistas no manejo de bacurizais. efetuada
com o intuito de favorecer o crescimento em dimetro e proporcionar
copa com maior envergadura. O ideal que a poda seja efetuada
quando as plantas atingem altura entre 1,5 m e 2 m de altura. Essa
tcnica popularmente denominada de aperear2 os bacurizeiros e
consiste da remoo da poro terminal das plantas. Essa operao
efetuada com um terado bem afiado com um corte em forma de bisel
para evitar o acmulo de gua.
Aperear corruptela de aparar, palavra que na linguagem popular de agricultores da
mesorregio do Nordeste Paraense de uso mais corrente que cortar.

CAPTULO 20 - Viabilidade tcnica e econmica da formao de bacurizal mediante


manejo de rebrotamento

Com a poda do broto terminal, o bacurizeiro perde a condio de


planta de uso mltiplo, pois no formar grande fuste, no existindo
portanto possibilidade de utilizao futura para aproveitamento
madeireiro. A arquitetura de bacurizeiros submetidos a esse tipo de
poda adequada para a produo de frutos. A planta fica com porte
semelhante ao de uma planta enxertada.
No caso do manejo com 100 bacurizeiros por hectare, que
implica manter as plantas distanciadas entre si em cerca de 10 m,
aproximadamente 80% da superfcie do terreno fica livre e pode ser
utilizada para o cultivo com culturas anuais na fase inicial e de outras
espcies frutferas perenes, formando sistemas agroflorestais. No caso
da mesorregio Nordeste Paraense, em particular na microrregio
Bragantina, constituem-se em boas alternativas o murucizeiro,
o cajueiro, a goiabeira, a caramboleira e, de forma secundria, o
sapotizeiro e a gravioleira. Outra alternativa o urucuzeiro. Essas
espcies so recomendadas porque suportam relativamente bem
o perodo de estiagem caracterstico da regio, em particular o
murucizeiro, o cajueiro, a goiabeira e o urucuzeiro. Deve-se destacar que
o murucizeiro o mais frequentemente encontrado nas propriedades
dos agricultores familiares, inclusive em associao com bacurizeiros,
e apresenta grande perspectiva de comercializao.
Recomenda-se, no caso das espcies frutferas, a utilizao de mudas
enxertadas, com exceo da goiabeira e do murucizeiro que podem
ser por estaquia. A utilizao de mudas obtidas por via assexuada
possibilita que as plantas entrem em fase de produo de frutos
bem antes que mudas obtidas a partir de sementes, alm de permitir
a obteno de frutas de melhor qualidade, desde que se utilizem
clones com caractersticas superiores. Essas espcies, com exceo
do sapotizeiro, quando propagadas por via assexuada e plantadas no
incio da estao chuvosa (janeiro) da regio, comeam a produzir os
primeiros frutos entre 9 a 12 meses aps o plantio, embora produes
comerciais s ocorram a partir do segundo ano. No caso do sapotizeiro,
o incio de produo s se verifica 2 a 3 anos aps o plantio.

Formao de bacurizal a partir de


regenerao natural em reas de roas
abandonadas sem destoca
A maioria dos produtores da mesorregio do Nordeste Paraense no
tem condies econmicas para criar um bacurizal com destoca, razo
para discutirmos esse mtodo primeiro. A primeira etapa do manejo
em roas abandonadas consiste na demarcao da rea que se deseja
manejar, colocando-se um piquete em cada vrtice do retngulo.
Para orientar melhor a disposio dos bacurizeiros, conveniente
que o mato seja roado, deixando na rea somente os bacurizeiros,

273

274

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

nada impedindo deixar outras rvores teis (Figura 5). Em seguida,


na linha frontal da rea demarcada, que preferencialmente deve
estar ao leste, so fincados piquetes distanciados entre si em 10 m,
o mesmo se efetuando no limite oposto do terreno. Ao lado de cada
um desses piquetes so colocados outros dois, um esquerda e outro
direita, distanciados do piquete central em 1 m. Posteriormente,
cordas de nilon ou de fibras vegetais so usadas ligando os piquetes
correspondentes situados a leste e a oeste, com o objetivo de definir o
melhor alinhamento possvel dos bacurizeiros que sero manejados.
Assim sendo, delimita-se talhes de 2 m de largura e comprimento
que varia de acordo com a rea que se pretende manejar. Por exemplo,
caso seja uma rea de 50 m x 100 m, sero formados quatro talhes de
2 m x 100 m.
Concluda essa etapa, efetua-se, ento a eliminao de todos os
bacurizeiros situados entre os dois talhes, podendo essa rea
ser preparada e utilizada para o plantio de culturas alimentares
como feijo-caupi, milho, arroz, mandioca, maxixe (Figuras 6 e 7).
Obviamente, essas culturas devem ser conduzidas obedecendo-se
aos procedimentos tcnicos recomendados para cada uma delas
(CARVALHO et al., 1997; CONTO et al., 1997; CRAVO et al., 2005;
NICOLI et al., 2006). Os gastos com mo de obra para efetuar a
demarcao e a limpeza das entrelinhas de 1 ha estimado em 18 a 20
dias-homens.
Figura 5.
Rebrotamentos de
bacurizeiros como
encontrados nas roas
abandonadas.

CAPTULO 20 - Viabilidade tcnica e econmica da formao de bacurizal mediante


manejo de rebrotamento

Figura 6. Bacurizeiros
separados em faixas
e com eliminao de
rebrotamentos entre as
faixas para o plantio de
caupi e mandioca.

Figura 7. Diagrama
para o plantio de
mandioca e caupi
aproveitando o espao
livre entre os renques de
bacurizeiros.

Anualmente os bacurizeiros que esto dentro dos talhes devem ser


gradativamente desbastados, deixando os mais vigorosos, sacudindo
para verificar a sua estabilidade quanto ao tombamento. O desbaste
de plantas deve continuar at que a densidade seja reduzida para 100
bacurizeiros por hectare (Figura 8).

275

276

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 8. Processo de
desbaste de bacurizeiros
ao longo do tempo.
(A) Eliminao dos
bacurizeiros para reduzir
a competitividade; (B)
Estande final com 100
rvores/hectare.

CAPTULO 20 - Viabilidade tcnica e econmica da formao de bacurizal mediante


manejo de rebrotamento

importante que sejam efetuadas amontoas ou cobertura mortas em


volta dos bacurizeiros. Esse procedimento possibilita formao de
maior nmero de razes adventcias, o que minimiza o tombamento
de plantas pela ao de ventos. H necessidade de efetuar uma limpeza
anual com terado, que tende a diminuir caso a rea seja utilizada para
o cultivo de culturas anuais ou perenes.
A rea entre os talhes de bacurizeiros seria utilizada para o plantio de
duas fileiras duplas de mandioca, totalizando 6.640 covas de mandioca/
hectare. No caso do feijo-caupi seriam plantadas nove fileiras, sendo
trs entre as fileiras de mandioca e dos rebrotamentos de bacurizeiros
e trs entre as duplas fileiras de mandioca, totalizando 36 mil covas de
feijo-caupi.
O plantio de mandioca no toco, sem adubao, aproveitando o espao
entre os renques de bacurizeiros manejados, no espaamento 0,6 m x
0,6 m x 2 m, daria uma produo estimada de 7,5 t de raiz, o que daria
em torno de 25 sacas de farinha de 60 kg.
O plantio de feijo-caupi, aproveitando o espao entre os renques de
bacurizeiros, com adubao dirigida, no espaamento 0,50 m x 0,25 m,
daria uma produo de 360 kg de feijo-caupi (CRAVO et al., 2005;
NICOLI et al., 2006). O plantio de mandioca seria realizado com 1
ms de antecedncia com relao ao feijo-caupi. Essa rea poderia
ser utilizada para uma segunda safra de mandioca e de feijo-caupi,
obtendo-se produo similar para ambas as culturas (Tabela 1).
Tabela 1. Estimativa de custo de implantao de 1 ha de bacurizeiro
manejado a partir de roados abandonados com o cultivo de mandioca e
feijo-caupi aproveitando as entrelinhas no Nordeste Paraense.
Operao

Valor
Unidade Quantidade Unitrio
R$
Preparo rea manejo bacurizeiro

Broca, coivara, marcao, desbaste


e aceiros

H/D(1)

25

15,00

Valor Total
R$

375,00

Plantio mandioca
Preparo maniva e plantio

H/D

5,0

15,00

75,00

Capinas

H/D

9,5

15,00

142,50

Arranquio e transporte

H/D

8,5

15,00

127,50

Preparo lenha

H/D

7,0

15,00

105,00

Macerao, descascar, ralar e torrar

H/D

28,0

15,00

Subtotal

420,00
1.245,00

Plantio feijo-caupi
Adubao

H/D

1,0

15,00

15,00

Capina

H/D

5,0

15,00

75,00

Colheita/beneficiamento

H/D

0,5

15,00

7,50

kg

10

3,00

30,00

Sementes

Continua...

277

278

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 1. Continuao.
Operao
NPK

Valor
Unidade Quantidade Unitrio
R$
kg
100
1,00

Valor Total
R$
100,00

FTE (micronutrientes)

kg

10

1,00

10,00

Defensivos

kg

40,00

40,00

Subtotal

277,50

Total

1.522,50

Produo farinha

Saco

25

80,00

2.000,00

Produo feijo-caupi

Saco

50,00

300,00

Lucro lquido

777,50

H/D: Homem/Dia

(1)

Dessa forma, na primeira safra de mandioca e feijo-caupi obter-se-


um lucro lquido de R$ 777,50/hectare, custeando toda a despesa de
implantao do manejo de bacurizeiro. Na segunda safra, o custo de
preparo de rea ficaria dispensado, permitindo lucro lquido de
R$ 1.152,50/hectare. A ideia o produtor repetir a operao em outra
rea adjacente, adicionando nova rea a ser manejada, repetindo o
processo, aguardando o desenvolvimento dos bacurizeiros e o incio
da frutificao, que poder ocorrer entre 8 e 10 anos de idade.
Sendo assim, com o plantio de mandioca e feijo-caupi seria possvel
custear a formao de um bacurizal com 100 rvores e com lucro. A
despeito da imobilizao da rea para outras alternativas, o plantio de
feijo-caupi e mandioca permite a manuteno da rea limpa pelos
prximos 4 anos, quando os bacurizeiros tero alcanado DAP acima
de 10 cm, reduzindo as despesas com capinas e a formao do pomar.
O cuidado importante refere-se entrada de fogo acidental ou de
queimadas de roados prximos.

Formao de bacurizal a partir


de regenerao natural em roas
abandonadas com utilizao da
mecanizao
Outra opo seria aproveitar as reas mecanizadas onde ocorreu
o plantio de feijo-caupi e mandioca com emprego de fertilizantes
e calagem e as terras que foram arrendadas para o plantio dessas
culturas e depois foram abandonadas. Nesse sentido, procura-se
aproveitar o rebrotamento que ocorre nessas reas mecanizadas e
na capoeira circundante. Esse procedimento seria aconselhvel para
aqueles que querem efetuar um manejo de reas maiores ou aproveitar
a mecanizao disponvel para preparar uma pequena rea manejada
de rebrotamento de bacurizeiros. A dificuldade seria a perda de rea
decorrente da manobra do trator que seria necessria nas cabeceiras.

CAPTULO 20 - Viabilidade tcnica e econmica da formao de bacurizal mediante


manejo de rebrotamento

Adota-se procedimento similar ao descrito na formao de bacurizal


a partir de regenerao natural em reas de roas abandonadas sem
destoca, com a demarcao da rea que deseja manejar.
O uso da mecanizao acarreta um aumento de 50% no custo de
implantao em relao ao manejo no toco, fazendo com que no
ocorra lucro no primeiro ciclo de cultivo (Tabela 2). No segundo
ciclo de cultivo, como no h necessidade de efetuar a limpeza e a
gradagem pesada da rea, o lucro seria acrescido de pelo menos mais
R$ 460,00, porm inferior ao sistema de toco. A ressalva que se coloca
com relao ao aproveitamento do rebrotamento de bacurizeiros em
reas mecanizadas, a despeito de existirem produtores utilizando
esse procedimento, refere-se fragilidade do sistema radicular
em comparao aos rebrotamentos oriundos de reas de toco. Ao
contrrio do manejo realizado em reas sem destoca, cujo sistema
radicular permanece intacto, com a destoca, o rebrotamento originado
com o preparo da rea resulta em um sistema radicular fragilizado,
que poder provocar tombamentos no futuro pela ao do vento e do
prprio desenvolvimento da planta.
Tabela 2. Estimativa de custo de implantao de 1 ha de bacurizeiro
manejado a partir da regenerao natural em roados abandonados com o
cultivo de mandioca e feijo-caupi aproveitando as entrelinhas, no Nordeste
Paraense (2007), com preparo mecanizado.
Operao

Valor
Unidade Quantidade Unitrio
R$
Preparo rea manejo bacurizeiro

Limpeza rea

Valor Total
R$

Htp(1)

100,00

Gradagem pesada

Htp

60,00

60,00

Gradagem niveladora

Htp

60,00

120,00

400,00

Plantio mandioca
H/D(2)

5,0

15,00

75,00

Capinas

H/D

9,5

15,00

142,50

Arranquio e transporte

H/D

8,5

15,00

127,50

Preparo lenha

H/D

7,0

15,00

105,00

Macerao, descascar, ralar e torrar

H/D

28,0

15,00

420,00

Preparo maniva e plantio

Plantio feijo-caupi
Plantio

H/D

15,00

60,00

Aplicar defensivos

H/D

15,00

15,00

Colheita/beneficiamento

H/D

15,00

90,00

Calcrio dolomtico

Kg

800

0,22

176,00

Pulverizador costal

Unidade

180,00

180,00

Equipamento Proteo Individual

Unidade

100,00

100,00

Cambures

Unidade

30,00

90,00

Kg

100

1,00

100,00

Litro

0,5

100,00

NPK
Adubo foliar/defensivo

50,00
Continua...

279

280

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 2. Continuao.
Operao

Valor
Unidade Quantidade Unitrio
R$

Total

Valor Total
R$
2.311,00

Produo farinha

Saco

25

80,00

2.000,00

Produo feijo-caupi

Saco

50,00

300,00

Lucro lquido

11,00

Htp: Hora trator de pneu; (2)H/D: Homem/Dia.

(1)

Produtividade dos bacurizeiros


manejados
A produtividade do bacurizeiro, tal qual a da castanheira-do-par,
difcil de ser estimada em decorrncia de a espcie apresentar
ciclicidade de produo, ou seja, anos de alta produo so sucedidos
por um ou mais anos de baixa produo. No Banco de Germoplasma
de Bacurizeiro da Embrapa Amaznia Oriental, localizado no
Municpio de Tom-Au, Par, foi avaliada a produtividade de frutos
de dez plantas-matrizes nos 6 primeiros anos de produo (Tabela 3)
(CARVALHO, 2007; CARVALHO et al., 2007).
Tabela 3. Estimativa de produtividade de fruto e polpa de bacuri por hectare
baseado em plantio no Banco de Germoplasma da Embrapa Amaznia
Oriental, Municpio de Tom-Au.
Anos plantio
11

Frutos/hectare
12.910

Produo polpa (kg)


645,00

12

1.880

94,00

13

15.020

751,00

14

9.450

472,50

15

17.950

897,50

16

1.670

83,50

17

54.180

2.709,00

Mdia

16.190

809,50

Nota: Considerou-se 100 plantas/hectare. A produtividade de polpa foi estimada em 40 frutos/kg.

A Tabela 3 mostra a produtividade de frutos e polpa de bacurizeiros por


hectare de matrizes selecionadas pela Embrapa Amaznia Oriental,
indicando o potencial do aproveitamento desse material mediante
utilizao da enxertia, como j efetuado por alguns produtores no
Municpio de Tom-Au.
Em uma populao nativa situada no Municpio de Paragominas, Par,
em 16 bacurizeiros com dimetros na altura do peito variando entre 50
cm e 115 cm foram assinaladas em cinco safras sucessivas as seguintes
produtividades: 631,1 frutos/planta, 96,3 frutos/planta, 256,3 frutos/
planta, 228,0 frutos/planta e 479,6 frutos/planta, com produtividade
mdia no perodo de 338,3 frutos/planta. Nos levantamentos de
campo realizados nas mesorregies do Nordeste Paraense e de Maraj

CAPTULO 20 - Viabilidade tcnica e econmica da formao de bacurizal mediante


manejo de rebrotamento

foram observados bacurizeiros produzindo mais de 2 mil frutos/


rvore. Observam-se tambm bacurizeiros com baixa produtividade,
no alcanando 100 frutos/planta (CARVALHO, 2007; CARVALHO
et al., 2007; HOMMA et al., 2007a, 2007b SHANLEY, 2000).
Nas reas manejadas originadas de rebrotamentos de rvores adultas
so encontradas plantas j produzindo 5 a 10 frutos 4 anos aps o incio
do manejo. Essa precocidade decorrente do fato de que as brotaes
oriundas de razes de plantas adultas no apresentam fase juvenil. A
precocidade em termos de produo de frutos em plantas oriundas
de razes de plantas adultas semelhante de plantas enxertadas, cuja
primeira florao comumente ocorre entre 3 e 4 anos aps o plantio,
mas sem importncia econmica (ARAJO et al., 2007).
Uma propriedade que manejar 1 ha de bacurizeiros poder dispor
de 100 rvores que, depois de adultas, com aproximadamente 20
anos podero produzir 161 frutos/rvore ou 16.190 frutos/hectare,
independente do material gentico selecionado. Isso poderia gerar
uma renda de R$ 4.830,00 com a venda de frutos, considerando o
preo recebido pelos coletores de R$ 30,00/cento. Nas comunidades
que dispem de energia eltrica para permitir a conservao da
polpa, alm de reduzir o peso no transporte do fruto e possibilitar o
aproveitamento de frutos menores, poder-se- obter 809 kg de polpa
que poder ser revendida a R$ 10,00/kg, obtendo-se R$ 8.090,00/
hectare. O despolpamento, por utilizar basicamente a mo de obra
familiar, permite aumento de renda familiar, aproveitamento de frutos
midos sem valor comercial e reduo do custo de transporte.
Um dos problemas atuais nos locais de ocorrncia de bacurizeiros
o grande furto de frutos e a destruio de frutos verdoengos que so
abandonados, com grandes prejuzos para os proprietrios e para a
comunidade. O aumento das reas manejadas de bacurizeiros seria
uma maneira de ampliar a oferta de frutos e desestimular a coleta
fortuita, da mesma forma como ocorreu no incio da expanso de
laranjeiras nos municpios de Ourm, Irituia e Capito Poo e das
safras de abacaxi em Salvaterra e em Floresta do Araguaia.
Outro ponto que chama ateno a derrubada de bacurizeiros
para construo civil, construo de currais para captura de peixe,
fabricao de carvo e at mesmo nas construes de abrigos para
criao de pequenos animais nas propriedades da mesorregio do
Nordeste Paraense. com esse sentido que a tcnica de manejo de
bacurizeiros visa aumentar a produo de frutos e a rentabilidade
dos agricultores envolvidos, valorizando essas reas e evitando a sua
destruio.

281

282

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Concluses
Para efetuar o manejo de bacurizeiro, faz-se necessrio a realizao
de uma srie de atividades conforme as exigncias dessa fruteira,
como: desbastes de rea, execuo de capinas e outros tratos culturais
indispensveis para o crescimento e frutificao das rvores. Apesar
da demanda por financiamentos por parte das lideranas comunitrias
onde ocorre o rebrotamento de bacurizeiros, como os investimentos
no so elevados por se tratar de pequenas reas, possvel o agricultor
efetuar com recursos prprios, utilizando a mo de obra familiar
e aproveitando-se de financiamentos para cultivos de feijo-caupi
ou mandioca. Tanto para a agricultura de toco como utilizando a
mecanizao, o custo ressarcido na primeira safra de feijo-caupi e
mandioca.
No caso do manejo de bacurizeiros pelos agricultores familiares, cujo
custo de implantao est entre R$ 1.500,00 a R$ 2.300,00 por hectare,
conforme a tecnologia adotada, uma das possibilidades seria pleitear
recursos para o plantio de feijo-caupi ou mandioca e associ-lo a
essa modalidade inovadora de manejo. H possibilidade de enquadrar
o manejo de bacurizeiro a partir de rebrotamento associado com
cultivos anuais e consorciamento com cultivos perenes no Pronaf
(Grupos B e C e das linhas inovadoras Pronaf Jovem, Pronaf Mulher
e Pronaf Floresta, entre as principais). O que define o enquadramento
o perfil do beneficirio (assentado ou no e Renda Bruta Anual) e a
necessidade de crdito, ou seja, o montante a ser solicitado conforme
a finalidade de custeio ou investimento. Como a ocorrncia de
rebrotamentos de bacurizeiros se verifica somente nas antigas reas
de ocupao, excluiu-se o Pronaf A e A/C, que so especficos para
recuperao de assentamentos e beneficirios da reforma agrria, que
ocorre em reas mais recentes.
H muitos pequenos produtores efetuando manejo de bacurizeiros
a partir de rebrotamentos nas mesorregies do Nordeste Paraense e
de Maraj com recursos prprios. O grande problema para estimular
o manejo de bacurizeiros o longo tempo para entrada de produo
comercial e a necessidade de proteger contra o risco da entrada de
fogo. Essa mesma assertiva vlida para outras plantas com potencial
na Amaznia, como castanheira-do-par, uxizeiro, cumaruzeiro,
tucumanzeiro, entre as principais (PIMENTEL et al., 2007). Os lucros
so altamente atrativos quando as rvores esto em plena produo,
como se pode evidenciar nos bacurizeiros manejados, alguns com
mais de 50 anos.

CAPTULO 20 - Viabilidade tcnica e econmica da formao de bacurizal mediante


manejo de rebrotamento

A despeito dessas limitaes, a transformao de roados abandonados


em pomares adensados de bacurizeiros apresenta um grande potencial
nas mesorregies do Nordeste Paraense e de Maraj, pois o produto
possui ampla perspectiva de mercado. Por se tratar da formao de
pequenos pomares com 50 a 100 rvores, possibilitaria a diversificao
da produo familiar e incrementos no nvel de renda, alm da
recuperao de reas degradadas.

283

Introduo1
O bacurizeiro (Platonia insignis Mart.) uma espcie arbrea de
porte mdio a grande, com aproveitamento frutfero, madeireiro e
energtico, com centro de origem na Amaznia Oriental Brasileira.
Ocorre espontaneamente, em todos os estados da regio Norte e
no Mato Grosso, Maranho e Piau. A rea de maior concentrao
do bacurizeiro o esturio do Rio Amazonas, com ocorrncia mais
acentuada na microrregio do Salgado, na Ilha do Maraj e em alguns
municpios da microrregio Bragantina (CAVALCANTE, 2010).
O bacurizeiro uma das poucas espcies arbreas amaznicas de
grande porte que apresenta estratgias de reproduo por sementes e
por brotaes oriundas de razes. Atualmente, a totalidade da produo
de frutos de origem extrativa de rvores oriundas de brotaes que
conseguiram escapar da extrao madeireira e da expanso de reas
urbanas de cidades situadas no litoral do Par e Maranho, nos ltimos
quatro sculos. No passado, o bacurizeiro foi mais importante como
espcie madeireira que como planta frutfera. Sua madeira resistente
e de colorao bege-amarelada foi muito utilizada na construo de
embarcaes e de casas, o que ainda se verifica em muitas reas de
ocorrncia natural.
Com a valorizao dos frutos do bacurizeiro, sobretudo nos ltimos
10 anos, muitos produtores das mesorregies do Nordeste Paraense
e da Ilha do Maraj passaram a preservar as plantas existentes nas
proximidades de suas casas ou roados, adotando prticas de manejo
com grande heterogeneidade ou efetuando plantios e at enxertia.
A notvel capacidade de reproduo do bacurizeiro por brotaes
oriundas de razes pode determinar que em uma rea de 1 ha, por
exemplo, todos eles sejam oriundos de uma mesma planta-me. Nessa
situao, os bacurizeiros so de um s clone, no havendo variabilidade
1

Verso ampliada do trabalho Menezes et al. (2008).

286

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

gentica. Como o bacurizeiro uma planta de fecundao cruzada,


polinizada pelos pssaros, a reproduo est relacionada ao cruzamento
entre plantas de diferentes agrupamentos. Isto decorrente do fato de
que o bacurizeiro, a exemplo de outras espcies arbreas amaznicas,
como o cupuauzeiro e a castanheira-do-brasil, apresenta mecanismo
de autoincompatibilidade gentica, ou seja, no h converso de
flores em frutos quando a fonte de plen do mesmo gentipo da flor
receptora.
Este trabalho procura discriminar as crendices entre algumas prticas
adotadas no manejo de bacurizeiros nativos pelos agricultores
extrativistas das mesorregies do Nordeste Paraense e da Ilha do
Maraj. Neste levantamento foram identificadas diversas crendices,
mitos e lendas sobre o bacurizeiro, constituindo em um conjunto de
prticas no convencionais com o objetivo de aumentar a produo e
induzir as rvores que produzem poucos frutos.
A irregularidade dos bacurizeiros alternando anos de alta e baixa
frutificao e da existncia de rvores que no frutificam constitui
a razo da adoo dessas prticas no convencionais. Como o
sucesso do manejo depende da variao gentica existente entre as
plantas, da a razo de muitos bacurizeiros apresentarem grande
desenvolvimento e florao, sem se transformarem em frutos. Assim,
a soluo dos agricultores se traduziu na adoo de diversas crendices.
Os pesquisadores recomendam a prtica da enxertia ou o plantio de
bacurizeiros para aumentar a variabilidade gentica, viabilizando a
fecundao.
O aproveitamento dos rebrotamentos de bacurizeiros e o
desenvolvimento de plantios racionais constituem soluo local
para resolver um problema ambiental global, alm de gerar renda e
emprego.

Reviso de literatura
Pereira (2001) afirma que comum a confuso entre o que mito e o
que lenda. Apesar da similitude, ele procura estabelecer a fronteira
entre lenda e mito. Lenda consiste em uma narrao escrita ou oral,
de carter maravilhoso, no qual os fatos histricos so deformados
pela imaginao popular ou pela imaginao potica. O mito constitui
uma narrativa dos tempos fabulosos ou heroicos, com significao
simblica, geralmente ligada cosmogonia e referente a deuses
encarnados das foras da natureza e ou de aspectos da condio
humana. Constitui tambm a representao dos fatos ou personagens
reais, exagerada pela imaginao popular, pela tradio.
Jaboulle (1986) classifica os mitos como de natureza teolgica
(relata o nascimento dos deuses, os seus matrimnios e genealogias),
cosmolgica (debrua-se sobre a criao e o ordenamento do mundo

CAPTULO 21 - Crendices e verdades sobre prticas adotadas por agricultores extrativistas em


bacurizais nativos na Amaznia

e seus elementos construtivos), antropognica (apresenta a criao


do homem), antropolgica (prolonga o anterior, descrevendo as
caractersticas e desenvolvimento do gnero humano), soteriolgica
(apresenta o universo de iniciao e dos mistrios, das catbases e
percursos purificatrios), cultural (narra as atividades de heris que,
tal como Prometeu, melhoram as condies do homem), etiolgica
(explica a origem de pessoas e coisas, pesquisa as causas por que se
formou uma tradio, procurando em especial encontrar episdios
que justifiquem normas), naturalista (justifica, miticamente, os
fenmenos naturais, telricos, astrais, atmosfricos), moral (relata
as lutas entre o Bem e o Mal, entre anjos e demnios, entre foras e
elementos contrrios) e escatolgica (descreve o futuro, o homem aps
a morte, o fim do mundo).
Lus da Cmara Cascudo (LENDA, 1972) acredita ter encontrado o
elemento de distino entre lenda e mito no fator tempo-espao. No
seu Dicionrio do Folclore Brasileiro, o verbete lenda traz a seguinte
definio:
Episdio heroico ou sentimental com elemento maravilhoso ou sobre
humano, transmitido e conservado na tradio oral popular, localizvel no
espao e no tempo [...]. Conserva as quatro caractersticas do conto popular:
antiguidade, persistncia, anonimato, oralidade [...]. Muito confundido
com o mito, dele se distingue pela funo e confronto. O mito pode ser
um sistema de lenda, gravitando ao redor de um termo central com rea
geogrfica mais ampla e sem exigncia de fixao no tempo e no espao.

J crendice refere-se crena popular sem fundamento, geralmente


descreve pressgios e precaues popularmente associados sorte e
ao azar (JORGE; MEIRELLES, 2005). Entre as crendices populares,
acredita-se que d azar passar debaixo de uma escada, quebrar um
espelho ou cruzar com um gato preto na rua. Muita gente tambm
teme as sextas-feiras que caem no dia 13, em especial quando se trata
do ms de agosto que ms de desgosto ou ms de cachorro
louco. O Dicionrio Houaiss define crendice como a
crena ou noo sem base na razo ou no conhecimento, que leva a criar
falsas obrigaes, a temer coisas incuas, a depositar confiana em coisas
absurdas, sem nenhuma relao racional entre os fatos e as supostas causas
a eles associados (HOUAISS, 2009).

Ou seja, acreditar em fatos ou relaes sobrenaturais, fantsticas ou


extraordinrias e que tambm no encontram apoio nas religies ou
no pensamento religioso.
Existem diversas lendas, mitos e crendices sobre o bacurizeiro
(Platonia insignis Mart.). Como as lendas indgenas, todas apresentam
um tronco comum de enredo e da inexistncia de referncias escritas,
pode-se aventar que muitas podem ter sido elaboradas posteriormente,
para dar sentido sobrenatural ou mstico.

287

288

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O bacuri era uma fruta que os ndios no comiam. Um dia, o Senhor


da Floresta baixou numa clareira na floresta e colocou ao seu lado um
imenso cesto. Chamou os ndios das proximidades e mandou que eles
apanhassem um fruto amarelo, com pouca polpa e muito caroo, e deu
o nome de bacuri. Antes de os ndios colocarem no cesto os frutos,
passaram a quebr-los e a comer. Ficaram maravilhados. Comeram
tudo. No foi nenhum para o cesto. O Senhor da Floresta se irritou
de tal forma que subiu na primeira rvore e foi morar no Cu, na Lua.
Hoje, as manchas que se veem na Lua ele comendo bacuri e os ndios
s comem bacuri de costas para a Lua para no verem o Senhor da
Floresta, com vergonha (...).2
Nas reas de extrativismo de bacuri na Amaznia Brasileira ocorrem
diversas crendices, em particular nas mesorregies do Nordeste
Paraense e da Ilha do Maraj. So prticas empricas, com o objetivo
de favorecer a produo de frutos, que o imaginrio popular criou ao
longo dos tempos, no consubstanciadas no conhecimento cientfico
e nem na razo, consequentemente sem relao lgica entre os efeitos
e as causas, e que, mesmo assim, vm sendo transmitidas de gerao
a gerao. Essas crendices so acompanhadas de outras prticas
concretas utilizadas por agricultores extrativistas para favorecer a
produo de bacuri, sendo as mais comuns: a roagem do mato e o
desbaste de bacurizeiros oriundos de brotaes de razes, para diminuir
as competies interespecficas e intraespecficas e para facilitar a
coleta dos frutos; a poda do pice da planta, para deter o crescimento
em altura e formar copa com maior envergadura (MATOS, 2008).

Material e mtodos
Neste estudo utilizou-se uma amostra intencional, com base na
informao da existncia de agricultores familiares que efetuavam
a coleta de bacuri em suas propriedades. Foram entrevistados 56
agricultores da mesorregio do Nordeste Paraense e 52 da mesorregio
da Ilha do Maraj e com lideranas comunitrias, durante o perodo
20042009. Procurou-se entrevistar aqueles agricultores que
estivessem efetuando o manejo e que possussem rvores produtivas
na floresta primria, da regenerao da vegetao secundria, de reas
manejadas e de plantios. Sempre que possvel, procurou-se coletar
informaes com pessoas-chave em diversas comunidades, para
conhecer o histrico do bacuri naquela localidade, sua comercializao
e os problemas existentes.
A escolha das mesorregies do Nordeste Paraense e da Ilha do Maraj
como rea de estudo decorreu da informao corrente de que so reas
produtoras que respondem pela maior oferta dessa fruta. Conforme
Cavalcante (2010), a rea de maior concentrao do bacurizeiro
Informao pessoal fornecida pelo Cel. Joo Bosco Camura ao pesquisador da
Embrapa Amaznia Oriental Alfredo Kingo Oyama Homma, em 15.11.05.

CAPTULO 21 - Crendices e verdades sobre prticas adotadas por agricultores extrativistas em


bacurizais nativos na Amaznia

o esturio do Rio Amazonas, com ocorrncia mais acentuada na


microrregio do Salgado, na Ilha de Maraj e em alguns municpios
da microrregio Bragantina. As microrregies abrangidas foram
Bragantina, Camet, Guam, Salgado, Arari e Furo de Breves (Tabela
1 e Figuras 1 e 2).
Tabela 1. Amostra de agricultores entrevistados nas safras de 20052007,
nas mesorregies do Nordeste Paraense e da Ilha do Maraj.
Mesorregio Microrregio
Bragana

Camet

Nordeste
Paraense

Guam
Salgado

Arar

Maraj

Augusto Corra

Produtores
entrevistados
7

Bragana

0,92

Camet

0,92

Igarap-Miri

2,77

Limoeiro do Ajuru

0,92

Oeiras do Par

0,92

Viseu

3,70

Curu

20

18,51

Municpio

6,48

Maracan

1,85

Marapanim

22

20,45

Cachoeira do Arar

4,62

Arar

6,48

Salvaterra

30

28,00

2,77

Soure
Furo de Breves So Sebastio da Boa Vista
Total

1
108

0,92
100,00

Fonte: Matos (2008).

Figura 1. Mesorregio
do Nordeste Paraense,
com a localizao dos
municpios estudados.

289

290

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 2. Mesorregio
da Ilha do Maraj,
com a localizao dos
municpios estudados.

Resultados e discusso
Uma das prticas mais comuns adotadas consiste em provocar
ferimentos na casca dos bacurizeiros ou mesmo efetuar o anelamento
do tronco para aumentar a produo de frutos ou para fazer com
que os bacurizeiros vadios que no produzem frutos, no obstante
apresentarem florao abundante, passem a produzi-los (Tabela
2). Enfiar um prego no tronco de bacurizeiros para estimular a
produo de frutos tambm se constitui em prtica bastante comum
nos bacurizais nativos das mesorregies Nordeste Paraense e Ilha do
Maraj.
Tabela 2. Prticas adotadas para induzir a frutificao dos bacurizeiros nas
mesorregies do Nordeste Paraense e da Ilha do Maraj, Par.
Tipos de prticas
Corte na rvore

Nordeste Paraense
Nmero
6

%
10,72

Maraj
Nmero
4

%
7,72

Corte na rvore/adubao orgnica

3,84

Coloca prego

7,17

7,72

Coloca prego/descasca tronco

1,78

3,84

Corte na rvore e coloca prego

1,78

3,84

Coloca prego e adubao mineral

3,84

Coloca prego e pendura garrafa com


gua

1,92

Descasca o tronco da rvore

1,92
Continua...

CAPTULO 21 - Crendices e verdades sobre prticas adotadas por agricultores extrativistas em


bacurizais nativos na Amaznia

Tabela 2. Continuao.
Tipos de prticas
Faz fogo para fazer fumaa

Nordeste Paraense
Nmero
0

%
0

Maraj
Nmero
1

%
1,92

Faz poda

1,78

3,84

No faz nada

40

71,42

26

50,00

Total

56

100,00

52

100,00

O corte da casca efetuado geralmente com um faco, porm de


diferentes maneiras. Um dos procedimentos adotados consiste em
fazer dois pequenos sulcos paralelos na casca, em todo o permetro do
tronco, sem atingir, porm, o lenho (Figura 3). Os sulcos so geralmente
efetuados na altura do peito, ou seja, aproximadamente a 1,3 m da
base da planta. Outra forma de provocar leses envolve simplesmente
a raspagem da casca em uma extenso de cerca de 15 cm de largura
em todo o permetro do tronco. Nos limites inferiores e superiores da
poro raspada so aplicados golpes com um faco, os quais atingem
o lenho, no se caracterizando, porm, como inciso anelar, pois no
envolve todo o permetro do tronco. A crendice popular indica que
essas prticas s so eficientes quando efetuadas em dias de lua cheia.
Foto: Grimoaldo Bandeira de Matos.

Figura 3. Abertura
de sulcos na casca de
bacurizeiro.

Efetivamente, no existem comprovaes cientficas que justifiquem


a utilizao de leses pouco profundas na casca para aumentar a
produo de frutos ou para induzir o incio de produo de frutos
de bacurizeiros. Leses no tronco de plantas frutferas para estimular
a florao ou melhorar a fixao e o tamanho de frutos implicam
remoo tanto da epiderme como das capas subepidrmicas e do
floema, pois dessa forma ocorre acmulo de carboidratos e de fito-hormnios, acima da regio lesionada (SALISBURY; ROSS, 1996). No

291

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

caso especfico do bacurizeiro, no existem estudos que comprovem


a eficcia dessas prticas, desconhecendo-se mesmo se a cicatrizao
ocorre eficientemente. Ferimentos no tronco ou em qualquer parte da
planta provocam exsudao de resina, o que atrai abelhas do txon
Trigona, que vo em busca dessa substncia para construo de seus
ninhos. Dependendo da extenso do ferimento, essas abelhas podem
provocar leses mais profundas, dificultando a cicatrizao dos
tecidos. Ressalte-se que alguns agricultores relataram que quando os
cortes so muito profundos ocorre o aborto total de flores.
O aborto total de flores no pode ser atribudo exclusivamente a essa
prtica haja vista que em alguns anos isso ocorre independente de se
provocar ou no o anelamento ou qualquer outro tipo de leso na casca
do tronco. O aborto total de flores no bacurizeiro pode estar associado
aos seguintes fatores: dficits hdricos acentuados durante a florao,
o que comum nos anos de ocorrncia do fenmeno El Nio; falta
de polinizao, haja vista que a espcie essencialmente algama por
exibir mecanismo de autoincompatibilidade gentica e o transporte de
plen efetuado por agentes biticos (MAUS; VENTURIERI, 1996);
ou, ainda, pelo fato de a espcie apresentar ciclicidade de produo, ou
seja, anos de alta produo de frutos so sucedidos por um ou mais
anos sem produo ou com reduzida carga de frutos. Assim sendo, nos
anos de baixa produo frequente o aborto total de flores de algumas
plantas.
A prtica de enfiar um prego no tronco tambm no pode ser
considerada eficiente para estimular a produo de frutos (Figura 4).
relativamente comum em outras regies do Brasil, sendo utilizada
somente em pomares domsticos e quase sempre em espcies frutferas
que apresentam problemas de baixo vingamento de frutos. Conquanto
se especule que o prego ao sofrer oxidao poderia liberar ferro
para a planta e o ferimento provocado induzir a produo de etileno
(SILVA, 2012), h de se admitir que, no caso especfico do bacurizeiro,
uma rvore de porte mdio a grande, a quantidade de ferro liberada
pelo prego e de etileno produzido so insignificantes para provocar
respostas fisiolgicas que favoream a produo de frutos.
Figura 4. Colocao de
prego no tronco para
aumentar a produo
de frutos.

Foto: Grimoaldo Bandeira de Matos.

292

CAPTULO 21 - Crendices e verdades sobre prticas adotadas por agricultores extrativistas em


bacurizais nativos na Amaznia

No Municpio de Salvaterra, Par, alguns catadores de bacuri, no


incio da safra, sobem nos bacurizeiros e agitam os ramos com as mos
para provocar a queda de frutos. Posteriormente, cavam um buraco no
solo e colocam os frutos, os quais so protegidos por camadas de folhas
nas superfcies inferior e superior do buraco. Antes de recobrir os
frutos com terra, adicionam um pouco de carbureto para que os frutos
completem a maturao. Esse procedimento no est correto, haja vista
que o ato de balanar os ramos provoca o desprendimento de grandes
quantidades de frutos que no esto maduros e, consequentemente,
no completaro a maturao, pois o bacuri um fruto no climatrico
(TEIXEIRA, 2000). O carbureto provoca apenas o desverdecimento
parcial dos frutos. Na verdade, essa prtica se constitui numa forma
de ludibriar os consumidores com a comercializao de frutos no
maduros no incio da safra. Conquanto a prtica de enterrar frutos
imaturos seja comum em outras localidades, a utilizao do carbureto
foi verificada somente no Municpio de Salvaterra, que um dos
municpios produtores de abacaxi, sendo o carbureto utilizado nessa
cultura para a induo floral. No Municpio de Carutapera, no Estado
do Maranho, na fronteira com o Municpio de Viseu, onde foram
realizadas entrevistas em duas visitas de campo, foi identificada a
prtica de jogar gua quente no fruto de bacuri verde para soltar a
polpa.

Foto: Grimoaldo Bandeira de Matos.

O exotismo de algumas prticas envolve pendurar uma calcinha ou


amarrar o cs de uma cala (Figura 5), prtica adotada na Resex
So Joo dos Pilatos, ou um rosrio confeccionado com conchas de
caramujo e colocar ao redor do p de bacurizeiro, esta na Comunidade
Cajueiro, Ilha de Santa Rosa, ambos no Municpio de Ananindeua,
para favorecer a frutificao. Segundo a crendice popular, a induo
da produo de frutos tambm pode ser obtida pendurando-se
uma garrafa com gua no tronco da planta. O objeto colocado nos
bacurizeiros quase sempre varia de local para local.
Figura 5. Cs de cala
afixado ao tronco de
um bacurizeiro para
estimular a produo de
frutos.

293

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A crendice que determinados objetos pendurados nos bacurizeiros


favorecem a produo de frutos tem sua origem na casualidade.
Algum, momentaneamente, colocou um desses objetos em um
bacurizeiro que estava em ano de baixa produo de frutos e, por
esquecimento, no o retirou. No ano seguinte, o bacurizeiro produziu
muitos frutos, havendo ento a associao entre o objeto pendurado
na rvore e a boa produo, o que na verdade se constitui em mera
coincidncia.
Outra crendice est relacionada a procedimentos para forar os
bacurizeiros a desprender grandes quantidades de frutos maduros em
um s dia, o que facilita sobremaneira a coleta. A colheita normal
efetuada gradualmente medida que os frutos vo caindo. Segundo
agricultores extrativistas do Municpio de Viseu, se for aplicada uma
surra com cip-de-tracu (Philodendron megalophyllum) (Figura 6)
no bacurizeiro, no dia seguinte ocorre a absciso de muitos frutos.
Depois de o bacurizeiro ser impiedosamente surrado, o cip deve ser
amarrado em seu tronco, a uma distncia da base equivalente altura
do peito da pessoa que surrou o bacurizeiro.
Figura 6. Cip-de-tracu usado para
surrar bacurizeiros.

Foto: Grimoaldo Bandeira de Matos.

294

O grande problema da utilizao dessa prtica, segundo a crendice


local, que o bacurizeiro fica com raiva e, em represlia, desprende
tanto os frutos maduros como os semimaduros e, at mesmo, os verdes.
O desprendimento de frutos imaturos seria, no caso, um castigo dos
deuses, por no ser uma prtica recomendvel surrar os bacurizeiros.
Do mesmo modo que as anteriores, o acaso explica a origem dessa
crendice. Algum ao passar por um bacurizeiro carregado de frutos,
por um motivo qualquer, retirou um cip e bateu no bacurizeiro,
amarrando-o, posteriormente, no tronco da planta. A ocorrncia de
ventos fortes no dia seguinte provocou a queda de grandes quantidades

CAPTULO 21 - Crendices e verdades sobre prticas adotadas por agricultores extrativistas em


bacurizais nativos na Amaznia

de frutos, inclusive de frutos imaturos e verdes, havendo a partir de


ento a associao entre a queda dos frutos e a surra com o cip-de-tracu. A especificidade para esse cip deve-se ao fato de que ele
muito comum nas reas de ocorrncia natural do bacurizeiro.
A mais esdrxula das crendices concernente necessidade de
relao sexual com os bacurizeiros, que sempre entendido como
sendo a fmea, especialmente daqueles que em safras anteriores eram
produtivos e que passaram a produzir poucos frutos. A utilizao dessa
prtica foi verificada na Comunidade Tauari, no Municpio de Augusto
Corra, e na Comunidade Cajueiro, Ilha de Santa Rosa, no Municpio
de Ananindeua, Par. Embora com ligeiras modificaes, a crendice
admite que se houver a simulao de ato sexual com o bacurizeiro a
produo ser abundante. O rgo sexual masculino representado
por algum objeto que lembre o falo. No caso da ltima comunidade,
utilizada uma mo-de-pilo e durante a simulao do ato sexual a
pessoa deve repetir diversas vezes a expresso segura teu fruto. O
vingamento de frutos s ocorre se o ato sexual for praticado durante
a fase de lua nova.
Na comunidade de Jagaraj, Municpio de Ponta de Pedras, existe a
prtica de jogar areia ou cinza em volta dos bacurizeiros durante a
fase de lua cheia. Obviamente, a areia no possui propriedades que
possam interferir na produtividade dos bacurizeiros. Essa assertiva
baseada no fato de que o bacurizeiro ocorre predominantemente em
Neossolos Quartzarnicos e em Latossolos Amarelos, que so solos
com boas propriedades fsicas e de baixa fertilidade natural. A adio
de cinzas, por sua vez, constitui-se em prtica que pode contribuir para
o aumento de produo, haja vista que esse material comprovadamente
melhora a fertilidade do solo, por conter macro e micronutrientes
essenciais s plantas.
Outra novidade foi constatada no Municpio de Augusto Corra com o
corte com faco no tronco das rvores quando vai passando, que inclui
os troncos de bacurizeiros. Outra foi a simpatia de juntar as folhas dos
bacurizeiros, tocar fogo e jogar areia para simbolizar a quantidade de
frutas, por ocasio da lua cheia, em qualquer ms, vlida tambm para
outras fruteiras. Na comunidade de Araticum-Miri, no Municpio de
Marapanim, o Sr. Elder Jacob de Aguiar menciona a prtica de esfregar
ova de peixe bagre no tronco de bacurizeiros para produzir frutos.
Outros comentrios e depoimentos colhidos afirmam que os
bacurizeiros no gostam de barulho, da o fato de que quando
estabelecidos em quintais no frutificam, apesar de apresentarem
florao abundante. Pode-se especular certo sentido nessa crendice
pois, segundo Maus e Venturieri (1996), o bacurizeiro polinizado
por psitacdeos. Assim sendo, o barulho poderia afugentar os pssaros,
no propiciando, portanto, a polinizao. Paradoxalmente, muitos
agricultores extrativistas consideram os psitacdeos unicamente como

295

296

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

predadores das flores, chegando a fazer uso de fogos de artifcios para


afugent-los, pois associam a presena macia desses pssaros durante
a florao dos bacurizeiros, baixa produo de frutos. Convm
ressaltar que no h consenso entre os pesquisadores no que concerne
aos agentes polinizadores do bacurizeiro. Mabberley (1997), por
exemplo, quando cita os psitacdeos como agentes de polinizao da
espcie, coloca um sinal de interrogao, indicando que a questo no
est devidamente elucidada.

Concluses
A adoo de prticas no comprovadas, conquanto a sua riqueza
cultural, identifica o vcuo de informaes tcnicas, indicando a
necessidade de ampliar a fronteira de conhecimento cientfico e
tecnolgico sobre essa planta, que est passando da fase do extrativismo
para o manejo e dos primeiros plantios racionais.
Este artigo procura realar a importncia de conhecer as prticas
adotadas pelos agricultores tradicionais, suas razes e crenas, para
promover a mudana tecnolgica. Alerta quanto facilidade de criar
falsas lendas e crendices, bastando ter um conhecimento sobre alguns
termos indgenas das localidades, um enredo rudimentar envolvendo
o cacique, o guerreiro, o paj e a ndia. O interesse pelos produtos da
Amaznia, sobretudo quando associado ao lado mstico, est sendo
utilizado como atrativo mercadolgico.
Reala a importncia de documentar essas lendas e crendices que
caminham para o desaparecimento. O fato de o saber indgena ter sido
preservado somente por meio da transmisso oral refora essa assertiva.
Muitas crendices atribudas ao saber indgena parecem ter origem
mais recente, como a de pendurar garrafas plsticas, cs de cala ou
calcinha, fincar prego e aplicar golpes com terados, pelo fato de esses
materiais serem de origem contempornea. Isso significa que novas
crendices podem estar sendo criadas. O mesmo ocorre com as plantas
medicinais utilizadas pelos indgenas e comunidades tradicionais, que
so acrescidas com efeitos curativos para enfermidades totalmente
desconhecidas no passado.

Introduo1
O cupuau uma planta nativa da Amaznia que a partir do final da
dcada de 1970 iniciou seu cultivo racional em bases comerciais na
colnia nipo-brasileira de Tom-Au, antes restrito coleta extrativa,
de fundo de quintal e consumo regional. A exposio da mdia nacional
e internacional com relao Amaznia, com maior intensidade
a partir do final dos anos 1880, colocou diversas frutas amaznicas,
como o cupuau, o aa, o bacuri, entre outros, no cenrio mundial. A
polpa do cupuau utilizada na preparao de sucos, sorvetes, doces,
refrescos e licores.
Atualmente, a maior produo provm de plantios racionais estimados
em mais de 20 mil hectares distribudos nos estados do Par, Rondnia,
Amazonas e Acre, principalmente. No Estado do Par existem mais de
14 mil hectares plantados, dos quais 5 mil hectares esto em produo,
tendo apresentado um crescimento de 65% nos ltimos 4 anos (Tabela
1). No Sudeste Paraense, sobretudo na microrregio de Marab, ainda
so encontrados nas matas remanescentes estoques de cupuauzeiros
nativos que passaram a ser aproveitados com a valorizao do fruto,
acompanhados de plantios visando aumentar a sua produo.
Quanto produo de cupuau nativo, a rea de maior ocorrncia
o Sudeste Paraense, que tem sofrido forte presso migratria nestas
ltimas trs dcadas, traduzida na constante destruio dos recursos
naturais, em especial das reas de castanheiras e de cupuauzeiros. A
valorizao dos frutos de cupuauzeiros a partir da segunda metade da
dcada de 1980 induziu sua conservao, que passou a perder a sua
importncia pelo tempo relativamente curto para atingir a frutificao,
levando sua contnua destruio.
1

Homma et al. (2001a).

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

298

Tabela 1. Principais reas produtoras de cupuau no Estado do Par 1997/2000.


rea plantada (ha)

Microrregio

1997
347

Santarm

1998
393

1999
282

rea colhida (ha)


2000
402

1997
220

1998
203

1999
145

Produo (1.000 frutos)


2000
200

1997
977

1998
606

1999
704

2000
1.006

Castanhal

420

784

1.071

1.158

102

202

430

562

321

321

1.284

1.684

Camet

857

856

1.123

1.123

342

80

155

305

843

166

492

1.183

Tom-Au

2.322

2.659

2.985

3.030

687

698

1.233

1.761

4.255

4.293

Itaituba

386

308

312

312

51

71

219

219

163

312

1.512

Tucuru

1.404

1.161

1.201

1.075

124

160

181

301

577

611

670

970

Marab

840

795

886

886

275

230

310

310

2.064

621

813

838

2.653

3.887

Par

10.458 12.357 13.904 14.169 2.410

7.115 10.740
1.512

5.011 12.970 9.737 15.881 21.479

Fonte: IBGE (2007).

Uma das grandes opes para manter a Floresta Amaznica tem sido
valorizar os produtos no madeireiros, o que criou a falsa concepo
de que todo produto no madeireiro sustentvel. A baixa densidade
desses recursos na floresta faz com que seja baixa a produtividade
da terra e da mo de obra, limita a expanso da oferta e eleva o
custo de produo, se comparado com os plantios domesticados.
O crescimento do mercado tem sido o indutor principal para a
expanso dos plantios, aliado ao custo de produo mais elevado da
coleta extrativa, a despeito da existncia desse recurso na natureza
e de os plantios serem realizados nas proximidades das residncias,
facilitando o transporte, entre outros. Ao longo do tempo, os preos
tm apresentado uma tendncia decrescente, com o crescimento dos
plantios domesticados inviabilizando ainda mais a coleta extrativa. Na
medida em que mais produtores so envolvidos nessa atividade, tende
a limitar as suas possibilidades econmicas, inviabilizando ainda mais
a coleta extrativa.
O objetivo desta pesquisa seria entender os mecanismos que levam
perda de importncia dos recursos extrativos e propor sugestes
de polticas visando preservar os recursos florestais (castanheiras e
cupuauzeiros) no Sudeste Paraense.

Metodologia
Os dados sobre cupuauzeiros nativos e plantados foram coletados
em diversas viagens de acompanhamento iniciadas desde 1997,
nos Projetos de Assentamento Castanhal Araras, no Assentamento
Agroextrativista Praialta e Piranheira, no Assentamento Piqui e no
Assentamento Sapecado, localizados na microrregio de Marab,
no Sudeste Paraense, que concentravam os maiores estoques de
cupuauzeiros nativos. Para servir de marco comparativo foram
coletados dados de plantios de cupuau na colnia nipo-brasileira
de Tom-Au, que se caracteriza pelo alto padro tecnolgico e de
beneficiamento.

CAPTULO 22 - Extrativismo e plantio racional de cupuauzeiros no Sudeste Paraense: a


transio inevitvel

299

Utilizou-se o clculo do VPL para comparar a opo de manter a


floresta do lote e explorar o cupuau nativo e a de efetuar o plantio
de 1 ha de cupuauzeiros, sem considerar outras opes extrativas ou
agrcolas (OLIVEIRA; REZENDE, 1995). Considerou-se o conceito de
renda sustentvel (SCHNEIDER, 1995), tanto para a coleta extrativa
como para os plantios domesticados, por ser uma planta perene.

A renda sustentvel da extrao de


cupuauzeiros nativos

Foto: Grimoaldo Bandeira de Matos.

A disponibilidade de cupuauzeiros nativos explorados bastante


irregular, variando de 0,72 p/hectare at o mximo de 3,75 ps/
hectare, associados com a ocorrncia de castanheiras. A maioria dos
produtores dispe de estoques de cupuauzeiros nativos nas reas
de ocorrncia, que flutuam na faixa de 2 rvores/hectare na mata
remanescente e esto sofrendo forte presso de desmatamento. Os
cupuauzeiros nativos so rvores que crescem retilneas, chegando
a atingir mais de 20 m, ao contrrio dos plantios racionais, que
apresentam uma forma copada e altura reduzida.
No Projeto Assentamento Agroextrativista
Praialta e Piranheira (Figura 1), 95% do cupuau
produzido nativo, apenas 5% proveniente de
plantios. Nos Projetos de Assentamento Castanhal
Araras, Piqui e Sapecado o avano dos plantios
pode ser constatado quando se verifica que, no
primeiro, apenas 30% da produo proveniente
de cupuauzeiros nativos e, nos dois ltimos,
predomina o plantio domesticado.
Para esse clculo considerou-se que o colono
dispe de um lote de 50 ha, no qual no efetuar
derrubadas. A produo de frutos de cupuauzeiros
nativos varia de 20 at 30 frutos/p, sendo
considerada a mdia de 25 frutos/p. A perda
dos frutos em razo da rachadura decorrente da
queda dos frutos e a presena de animais silvestres
como os macacos que derrubam as flores e frutos
e animais roedores como a cutia e a paca, que se
alimentam dos frutos cados, representam uma
perda de 10%. A coleta de cupuau nativo efetuada 2 a 3 vezes por
semana e transportado nas costas. As estradas intransitveis para
acesso a determinadas comunidades com ocorrncia de cupuauzeiros
nativos, uma vez que a colheita efetuada durante o perodo chuvoso,
tm refletido na perda de produo.

Figura 1. Coleta de
cupuau extrativo
no Projeto de
Assentamento
Agroextrativista Praialta
e Piranheira, Municpio
de Nova Ipixuna, Par.

300

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O lucro lquido obtido de R$ 1.000,00/lote/ano, que pode ser


considerado como sendo a renda sustentvel (Ys1), alm da
remunerao da mo de obra familiar no valor de R$ 350,00,
concernente a 50 dias de servio durante o ano (Tabela 2). Isso indica
que a extrao de cupuau nativo, se basear apenas na sua extrao,
daria apenas 9 salrios mnimos/ano.
Tabela 2. Coeficientes tcnicos para explorao de cupuauzeiros nativos
no Sudeste Paraense, fev. 2001.
Discriminao

Unidade
Caractersticas do lote

Coeficiente

rea

Hectare

50

Nmero de cupuauzeiros

Unidade

100

Frutos/p

20 a 30

Produtividade
Perda

Porcentagem

10

Mo de obra utilizada
Limpeza da trilha

D/h

10

Coleta

D/h

40

Produo
Frutos

Unidade

Preo unitrio(1)

R$ 1,00

2.250
0,60

Custo

R$ 1,00

350,00

Receita bruta

R$ 1,00

1.350,00

Receita lquida (Ys1)

R$ 1,00

1.000,00

O preo do fruto a R$ 0,60 decorrente da escassez verificada em 2001, sendo o normal o fruto
cotado a R$ 0,30.

(1)

O clculo do VPL iniciando-se no tempo 0, uma vez que os


cupuauzeiros j esto disponveis na Natureza, e supondo a sua
utilizao por um tempo relativamente longo, que poderia ser ,
que simplificaria os clculos algbricos, pode ser calculado atravs da
seguinte frmula
. Considerando a taxa de juros (r)
igual a 10% ter-se- o VPL equivalente a 11.000. Quando a taxa de juros
bastante baixa, tendendo para zero, o VPL tende a . Quando a taxa
de juros tende a valores elevados, o VPL tende para 1000.

A renda sustentvel de cupuauzeiros


plantados
No caso de considerar a opo pelo plantio racional, por ser uma
cultura perene, apesar de riscos de doenas como a vassoura-de-bruxa
e da entrada do fogo, inerentes tambm para o extrativismo, pode ser
considerado como sendo uma atividade sustentvel. A entrada de fogo
sempre constitui um risco para os plantios de cupuau, pela prtica
da agricultura de derruba e queima e da limpeza de pastagens com a
queima peridica nas reas vizinhas.

CAPTULO 22 - Extrativismo e plantio racional de cupuauzeiros no Sudeste Paraense: a


transio inevitvel

A maior parte dos pequenos produtores efetua o plantio colocando


duas sementes diretamente na terra recm-derrubada2, evitando-se com isso o preparo de mudas. As sementes so selecionadas de
rvores livres de vassoura-de-bruxa, os frutos maiores so escolhidos
retirando-se as sementes da parte central para o seu semeio. O
nascimento de duas plantas na mesma cova provoca uma competio
por nutrientes e luz, induzindo a um crescimento vertical e provocando
alta infestao por vassoura-de-bruxa em diversos plantios e a queda
na produtividade. Recentemente, alguns produtores passaram a
efetuar desbaste, deixando uma nica rvore, com sensveis melhorias
no estado fitossanitrio e na produtividade. Os espaamentos adotados
so irregulares, podendo considerar como mdia o espaamento
6 m x 6 m, o que perfaz 277 rvores/hectare. Os tratos culturais se
reduzem a operaes de coroamento do primeiro at o quarto ano,
durante o perodo chuvoso, deixando o mato no vero para proteger
as plantas, a roagem a partir do primeiro ano e reduzindo conforme
o crescimento do cupuauzeiro, a poda de formao e, para alguns, a
limpeza da vassoura-de-bruxa ainda so tcnicas pouco utilizadas. A
falta de assistncia tcnica faz com que muitos produtores ao retirarem
os ramos infectados de vassoura-de-bruxa deixem-nos debaixo dos
ps de cupuauzeiros.
O cupuau plantado bem cuidado, quando estabilizado, a partir do
stimo ano tem uma produtividade entre 25 a 30 frutos/planta.
comum verificar em plantios pioneiros realizados no final da dcada de
1980, decorrente do envelhecimento do proprietrio e recebimento de
aposentadorias, propriedades que at mesmo serviram de reportagens
pioneiras do Globo Rural, por falta de tratos culturais estarem com
baixa produtividade e infestadas com vassoura-de-bruxa.
Os preos recebidos pelos produtores apresentam grande flutuao,
iniciando com R$ 1,00/fruto no incio da colheita e entre R$ 0,15 e
R$ 0,30/fruto no pico da safra. Em 2001, houve uma grande queda
na safra de cupuau atribuda a chuvas inesperadas durante o perodo
da florao, fazendo com que os preos recebidos pelos produtores
alcanassem valores entre R$ 0,60 e R$ 1,00/fruto. A colheita estende-se do perodo de dezembro at maro, podendo ir at abril.
A falta de capital de giro em muitas agroindstrias de projetos
comunitrios para aquisio da produo e a formao de estoques
para comercializao na entressafra tem refletido, por exemplo,
na perda da produo nos anos de safras abundantes. A venda de
cupuau em polpa depende da disponibilidade de energia eltrica para
funcionar a despolpadeira e o freezer. A despolpao manual com
tesoura para venda comercial vem sendo abandonada em razo dos
perigos de contaminao, com rendimento de 20 kg a 30 kg/polpa/
dia, trabalho realizado pelas mulheres. A compra do fruto in natura
Para as reas recm-derrubadas (terra quente), os produtores preferem o plantio
direto das sementes. No caso das reas que foram cultivadas anteriormente (terras
frias), os agricultores acham que o plantio de mudas mais apropriado.

301

302

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

preferida pelos consumidores da regio, pela garantia da qualidade


e higiene da polpa obtida. O preo da polpa de R$ 3,50/quilo, sendo
necessrios trs frutos mdios ou dois frutos grandes para se obter
1 kg de polpa.
O clculo do VPL do cupuau plantado, considerando a planilha de
custos constante na Tabela 3, mostra que do Ano 0 at o Ano 6 o fluxo
de benefcios lquidos seria irregular, decorrente de investimentos e da
formao do plantio. A partir do Ano 7, o fluxo de benefcio lquido
(Ys2), poderia ser considerado uma renda sustentvel. Por razes
tericas, considera-se que essa renda sustentvel (Ys2) seria vivel
para a sua explorao por um tempo relativamente longo, que para
facilidades algbricas seria considerado .
A frmula para o clculo do VPL seria dada pela seguinte expresso:

Substituindo os valores na expresso acima, considerando uma taxa


de juros (r), equivalente a 10%, ter-se- o valor do VPL equivalente a
23.135,55 para 1 ha.
Tabela 3. Coeficientes tcnicos para explorao de cupuauzeiros plantados
no Sudeste Paraense, fev. 2001.
Discriminao
Nmero de cupuauzeiros
Preo unitrio cupuau

Unidade
Caractersticas do plantio

Coeficiente

Plantas/hectare

277

R$ 1,00

0,60

Ano 0
Preparo da rea

D/h

21 (capoeira)

Marcao

D/h

Plantio direto

D/h

Custo (R0)

R$ 1,00

1
161,00

Ano 1 a 3
Roagem

D/h

Poda de formao

Dh

Coroamento

D/h

5,5

Custo (R1 a R3)

R$ 1,00

24

227,50

Ano 4 a 6
Roagem

D/h

10

Poda de formao

D/h

Colheita

D/h

Produtividade

Frutos/planta

5
5a6

Custo

R$ 1,00

126,00

Receita bruta

R$ 1,00

831,00

R$ 1,00

705,00

Receita lquida (R4 a R6)

Ano 7 em diante
Roagem

D/h

Limpeza vassoura-de-bruxa

D/h

6
Continua...

CAPTULO 22 - Extrativismo e plantio racional de cupuauzeiros no Sudeste Paraense: a


transio inevitvel

Tabela 2. Continuao.
Discriminao
Colheita
Produtividade
Custo

Unidade
D/h
Frutos/planta
R$ 1,00

Coeficiente
15
25
161,00

Receita bruta

R$ 1,00

4.155,00

Receita lquida (Ys2)

R$ 1,00

3.994,00

Os limites do VPL quanto s modificaes da taxa de juros (r),


podem ser examinados. Se a taxa de juros tender para 0, o VPL seria
, indicando a oportunidade de se efetuar plantios racionais em
detrimento do extrativismo. Para taxas de juros bastante elevados, r
tendendo para o , o VPL seria (-161,00), indicando a inviabilidade de
se efetuar plantios racionais. Isso indicaria que a opo da permanncia
do extrativismo seria vivel somente quando a taxa de juros for muito
elevada e/ou no incio das atividades do colono no lote. Essa a razo
por que depois de 10 a 15 anos a maioria dos produtores abandona o
extrativismo do cupuau e dedica-se ao plantio racional ou a outras
atividades.
Considerando-se a hiptese de igualar a renda sustentvel do
extrativismo com a renda sustentvel do plantio racional (Ys1=Ys2),
poder-se-ia analisar em que condies os agricultores familiares,
colonos, posseiros ou integrantes do MST no efetuariam o
desmatamento da floresta.
Igualando as duas expresses, ter-se-:
opo extrativa;

, referente

,
referente opo pelos plantios.
Tem-se ento,

= 23.135,50 e, considerando a taxa

de juros igual a 10%, obtem-se Ys1=2.103,23, que equilibraria as duas


expresses.
Essa renda sustentvel definiria o valor para o qual no seria
recomendvel efetuar o desmatamento e para efetuar plantios racionais
de cupuau deveria ser o dobro da atual renda obtida da coleta de
cupuau extrativo.
Dessa forma, considerando a opo de o agricultor plantar apenas 1 ha,
com baixa produtividade decorrente do padro tecnolgico utilizado,
o preo do cupuau deveria manter constante em R$ 1,09/fruto
durante toda a safra, um aumento de 82% aos vigentes no mercado.
A anlise de sensibilidade, considerando o preo do fruto de cupuau
a R$ 0,30, que seria o usual, indicaria que o fruto do cupuau nativo

303

304

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

teria que ser comercializado a R$ 0,58, um aumento de 95,05%. Como


no existe diferena entre o fruto de cupuau nativo e o plantado para
fins comerciais, o aumento do preo se traduziria sempre em maiores
lucros para o cultivo racional, inviabilizando ainda mais o extrativismo.
Como os agricultores apresentam capacidade para cuidar plantios com
at 5 ha, aumenta a inviabilidade de manter a floresta apenas para a
coleta de cupuau nativo.
Isso explica a mudana dos agricultores ou de colonos e posseiros,
desde que fiquem estabilizados no lote, em iniciar o plantio de cupuau,
que depois de 3 a 4 anos de plantio j comeam a produzir os primeiros
frutos. Como consequncia, ocorre a derrubada das florestas onde
existem considerveis recursos genticos de cupuauzeiros, no sendo
efetuado nenhum esforo visando sua salvaguarda. Outro aspecto
est relacionado com a conservao isolada dos cupuauzeiros que
teria poucas chances de sucesso.

Concluses
A percepo da importncia da comercializao do cupuau nativo a
partir da dcada de 1980 induziu conservao desse recurso vegetal
paralelamente ao incio de plantios em bases bastante rudimentares.
A valorizao do cupuau nativo veio contribuir para a conservao
das florestas remanescentes nas reas de ocorrncia comuns com
as castanheiras. Uma vez que essas atividades apresentam baixa
lucratividade, esse espao passou a entrar em conflito com o uso da
terra para fins agrcolas e com a pequena dimenso dos lotes. Os
plantios de cupuau se caracterizam pelo baixo nvel tecnolgico,
decorrente da falta de assistncia tcnica, de acesso a informaes de
pesquisa e de conhecimento de produtores mais experientes.
O curto espao de tempo para a frutificao do cupuau favoreceu a
expanso dos plantios, contribuindo para a incorporao das reas de
florestas remanescentes para muitos produtores na sua substituio
por culturas de ciclo curto e pastagens, aproveitando-se do processo
de capitalizao permitido.
A preservao dos cupuauzeiros nativos reveste de grande importncia
os programas de melhoramento gentico que esto sendo destrudos
pela sua substituio pelas culturas anuais, perenes e pastagens. O
plantio de sementes originadas de cupuauzeiros nativos escolhidos
preserva algumas caractersticas importantes para futuros programas
de melhoramento gentico, sem garantir outras caractersticas no
perceptveis pelos produtores.

CAPTULO 22 - Extrativismo e plantio racional de cupuauzeiros no Sudeste Paraense: a


transio inevitvel

Esse aspecto chama a ateno para os programas de conservao de


recursos genticos como o do cupuau ou da castanha-do-par, que
efetuados de maneira isolada teriam poucas chances de sucesso. A
valorizao econmica da floresta, como tem sido a tnica da maioria
das propostas ambientais na Amaznia, pode ser decisiva para a
preservao, mas a floresta pode nunca alcanar esse valor que poderia
oferecer um uso alternativo.

305

Introduo1
Este captulo mostra a cronologia dos diversos eventos que marcaram
a histria econmica do guaran na Amaznia. Enfatiza a cronologia
do uso do guaran no sistema tradicional, a economia baseada no
extrativismo, a domesticada e a sua transformao como produto
nacional. Cita fatos regionais, nacionais e internacionais, separando-os em fases distintas e definindo a sua insero no contexto do
desenvolvimento agrcola regional.
Para atender expanso da nascente indstria de suco de laranja
em So Paulo, com problemas de mercado, o ento ministro da
Agricultura Lus Fernando Cirne Lima (1933) implementou a Lei dos
Sucos por meio do Decreto-Lei 5.823, assinado em 14 de novembro
de 1972. Essa lei estabelecia que todo refrigerante que levasse o nome
do produto natural deveria conter limites mximo e mnimo para
proteger o consumidor contra produtos artificiais, muito em voga
naquela poca. A consequncia da Lei dos Sucos foi a oligopolizao
das grandes indstrias de refrigerantes, uma vez que as pequenas
indstrias baseadas em sucos artificiais no tiveram condies de
atender legislao.
No caso do guaran, o cumprimento dessa legislao criou uma
grande demanda por esse produto, uma vez que estabelecia
quantitativos de 0,2 g a 2 g de guaran para cada litro de refrigerante.
No caso do xarope de guaran, a quantidade variava de 1 g a 10 g de
guaran para cada litro de xarope. Pode-se observar que, em ambas
as situaes, a quantidade de guaran entre o mnimo e o mximo
permitido legalmente de 10 vezes.
Palestra proferida na 2 Reunio Tcnica da Cultura do Guaran, em Belm, Par, na
Embrapa Amaznia Oriental, realizada no perodo de 20 a 22 de novembro de 2001.

308

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A produo de guaran at o advento da Lei dos Sucos era decorrente


da coleta extrativa e de plantios semidomesticados, concentrados
nos municpios de Maus e Manacapuru, no Estado do Amazonas.
Essa produo, por vrias dcadas, permaneceu estacionria entre
200 t a 250 t/ano. Com o advento da Lei dos Sucos, desencadeou-se
uma grande febre pelo plantio do guaranazeiro, em que a escassez de
conhecimentos tecnolgicos sobre a cultura obrigou a tentativa de
copiar tcnicas de cultivo do cacaueiro e do cafeeiro e da experincia
dos produtores, alm dos esforos que a recm-criada Embrapa, nos
estados do Amazonas e Par, procurou efetuar para a sua domesticao.
O resultado desse primeiro boom do guaran foi a intensificao do
plantio dessa cultura, em um clima de grande otimismo, alardeado
tambm por diversos artistas e personalidades pblicas, dos benefcios
do uso do guaran em p, diariamente manifestado na mdia. A
mdica romena Ana Aslan (18971988), na sua visita ao Brasil, em
1972, enfatizou as propriedades geritricas do guaran, uma vez que
estava cuidando do caudilho Juan Domingo Pern (18951974), que
iria assumir o governo da Argentina no perodo de 19731974, e s fez
aumentar a mstica dos benefcios do guaran.
A expanso da cultura do guaranazeiro, nesse primeiro ciclo, procurou
atender principalmente ao mercado interno de refrigerantes e como
produto geritrico. Quanto ao primeiro, em face da elasticidade da
concentrao permitida entre o mnimo e o mximo, da concorrncia
com outros refrigerantes e de questes de sabor, o mercado foi
rapidamente preenchido. No que concerne ao aspecto geritrico, o
teor de cafena encontrado na amndoa do guaran, cerca de 4,5%,
representando em torno de quatro vezes o contedo desse alcaloide
no prprio caf, terminou levando a certas precaues quanto ao seu
uso. Isso fez com que a produo de guaran estabilizasse com menos
de 5 mil toneladas anuais, porm quase 20 vezes a produo durante
a fase extrativa.
Em termos de localizao, a produo impulsionada pela Lei dos Sucos
determinou uma grande expanso dos plantios dessa cultura nos
estados do Amazonas e Bahia, levando este ltimo a concentrar mais
de 50% da produo brasileira at 2011. H uma tendncia recente da
volta da produo de guaran para a sua terra de origem, o Estado do
Amazonas, mas a produo no apresentou grande crescimento.
O segundo boom do guaran na Amaznia descortinou com a fuso da
Companhia Antarctica e da Companhia Cervejaria Brahma, ocorrida
em 1 julho de 1999, que resultou na AmBev Companhia de Bebidas
das Amricas, enfatizado pela imprensa como sendo a primeira
multinacional verde-amarela. Posteriormente, o acordo que a AmBev
efetuou com a Pepsico Inc., assinado em 21 de outubro de 1999, em
que o presidente Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro a tomar
conhecimento dessa novidade, comprometendo-se a distribuir o

CAPTULO 23 - Guaran: passado, presente e futuro

guaran para mais de 175 pases, indica a transformao desse produto


em escala planetria. Esse acordo previa a exportao do sabor do
Brasil para o mundo a partir do ano 2000.
O lado mstico que essa cultura apresenta impressionou von Martius,
na sua viagem pela Amaznia em 18181820, quando batizou essa
planta, utilizada pelos ndios Maus e Andirs na forma de basto e
ralado na lngua do pirarucu. Assim, desde o lanamento pioneiro, em
1907, do guaran Andrade em Manaus, em nvel nacional, do guaran
Antarctica, em 1921, e do guaran Brahma, em 1927, o guaran pde
ganhar uma fatia do mercado mundial. Os produtores da Amaznia
devem ficar sintonizados com essa perspectiva e com a necessidade do
aprimoramento tecnolgico.
Os ciclos econmicos na Amaznia sempre tm apresentado uma
fase de expanso, de apogeu e seu declnio, com a transferncia de
mazelas e problemas para o ciclo seguinte, sem conseguir a sua efetiva
manuteno. A existncia de retardamento cientfico-tecnolgico, a
incapacidade de gerao de conhecimentos para superar os problemas
surgidos, a adoo de polticas equivocadas e sujeitas a flutuaes
tm se constitudo nas principais limitaes para a maioria dos ciclos
econmicos e no foi diferente para o cultivo do guaranazeiro.
A regio amaznica no se cansa de procurar a sua vocao econmica,
muitas e vs tm sido as tentativas de fazer dessa cultura um eixo de
desenvolvimento agrcola regional. Durante as dcadas de 1990 e
2000, negligenciou-se o desenvolvimento cientfico e tecnolgico com
relao a essa cultura. H necessidade de recuperar o tempo perdido
e buscar o futuro por meio do conhecimento do passado para evitar a
repetio de novos erros.
A seguir, procura-se enfocar os eventos mais importantes ocorridos
na Amaznia, procurando entender o atual momento histrico da
expanso dessa atividade e tentando tirar as lies da histria para o
desenvolvimento dessa cultura.

Como apareceu o guaran


Na aldeia havia um casal de ndios que tinha um filho. Neste resumiam-se
todas as esperanas e felicidade do casal mau. Ele era bom, bom menino,
espalhava o bem em derredor de si. Um dia o esprito do mal resolveu
eliminar aquele prodgio da aldeia.
Apesar da estreita vigilncia exercida pela tribo em torno do curumi, este
conseguiu iludi-la. Trepou a uma rvore, a fim de colher frutos. Iurupari
transformou-se em cobra e atacou-o. Quando foram emps do garoto,
acharam-no morto, os olhos muito-muito abertos para o cu, com uma
expresso de rara felicidade boiando neles. Nesse instante, tremenda
descarga eltrica sacudiu a paisagem e um raio caiu nas proximidades,
fazendo silenciar as lamentaes da tribo, calando as carpideiras. Vai
ento, a me do menino falou, falou, explicando que Tup manifestara-se,

309

310

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

pedindo que enterrassem os olhos da criana. A me, porm, no poderia


faz-lo, cabendo essa obrigao a outrem. Ningum na tribo se atrevia a
tomar qualquer iniciativa. Recorreu-se sorte. Uma vez enterrados os olhos
do menino, deles brotou uma planta arbustiva.
por isso que as sementes do guaran so semelhantes a olhos vivos
(MONTEIRO, 1965, p. 73-74).

As fases da explorao do guaran


Uso tradicional local
1669
Missionrio Joo Filipe Betendorf na sua Chronica relata que os
ndios Andirs utilizavam o guaran como planta milagrosa tem os
andirazes em seus matos uma frutinha a qual secam e depois pisam,
fazendo delas umas bolas que estimam como os brancos o seu ouro.
Chama-se guaran. Desfeitas com uma pedrinha em uma cuia dgua...
do tanta fora como bebida que indo caa um dia at outro no
sentem fome, alm do que tiram febres, cibras e dores de cabea.

1762
O frei Joo de So Jos de Queirz no relatrio Viagem e visita do
serto em o bispado do Gro-Par em 1762 e 1763 comentava sobre as
excelncias do guaran na medicina.

1775
O ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio escrevia os maus
so famosos pela fabricao da clebre bebida guaran, frigidssima,
que j se usa na Europa, em que se tem conhecido algumas virtudes
no seu uso....

1785
O baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (17561815), gegrafo,
zologo e botnico, descreveu o uso do guaran em Barcelos e
denominou de Franzinia, em homenagem ao seu professor de
matemtica de Coimbra.

1817
Casamento da princesa austraca Maria Leopoldina Josefa Carolina
Habsburgo (1826) com Dom Pedro I (17981834), trazendo uma
comitiva de cientistas, desenhistas, etc.

CAPTULO 23 - Guaran: passado, presente e futuro

1800
Alexandre von Humboldt (17691859), quando procurava a passagem
do Rio Orinoco com o Rio Negro, identificou o guaranazeiro como
sendo cupana, da a denominao, mais tarde, de Paullinia cupana
H.B. Kunth.

18181820
O lado mstico do guaran impressionou von Martius na sua viagem
pela Amaznia, quando batizou o guaranazeiro como Paullinia sorbilis,
utilizada pelos ndios Maus e Andirs, na forma de basto e ralado na
lngua do pirarucu. O nome Paullinia foi colocado em homenagem ao
mdico e botnico alemo C.F. Paullinia, que morreu em 1712.

1852
Exportao de 262 arrobas para a Europa.

1865
No dia 23 de abril, chegou ao Rio de Janeiro o suo Jean Louis
Rodolphe Agassiz (18071873), chefiando a Thayer Expedition,
financiada pelo milionrio americano Nathaniel Thayer, para estudar
a fauna ictiolgica da Bacia Amaznica, percorrendo o Rio Amazonas
em todo o seu curso, visitando Tabatinga, Tef, Manaus e retornando a
Belm. Na visita a Maus toma conhecimento do guaran.

A economia centrada no extrativismo


1907
Surgiu em Manaus o guaran Andrade, produzido pela Fbrica
Andrade, a primeira do Pas a produzir refrigerante de guaran, que
funcionou at 1970.

1912
O engenheiro agrimensor Joo Alberto Mas, delegado Estadual do
Ministrio da Agricultura, introduziu o cultivo do guaranazeiro no
Estado do Acre.

1913
Incio das festividades do Boi-bumb como uma ramificao do
Bumba-meu-boi do Maranho. O Boi-bumb Caprichoso foi criado
no dia 20 de outubro e o Boi Garantido no dia 13 de junho.

311

312

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 1. Campees do Festival Folclrico de Parintins no perodo de 1966


2013.
Boi Garantido
1966, 1967,1968, 1970, 1971, 1973, 1975,
1978, 1980, 1981, 1982, 1983, 1984, 1986,
1988, 1989, 1991, 1993, 1997, 1999, 2000
(empate), 2001, 2002, 2004, 2005, 2006,
2009, 2011, 2013

Boi Caprichoso
1969, 1972, 1974, 1976, 1977, 1979, 1985,
1987, 1990, 1992, 1994, 1995, 1996, 1998,
2000 (empate), 2003, 2007, 2008, 2010,
2012

1921
O refrigerante guaran foi lanado no Pas pela Antarctica.

1922
Incio da fabricao do guaran Soberano, por Hilrio Ferreira, em
Belm.

1924
A Brahma registra seu primeiro guaran: Guaran Genuno.

1925
A Sociedade Bahiana de Agricultura introduz mudas de guaranazeiro
no Horto Botnico, em Retiro, Salvador.

1927
Lanamento do Guaran Brahma, pela Companhia Cervejaria Brahma.

1929
No final do ano, 50 imigrantes japoneses pertencentes a nove famlias
foram para Maus trabalhar em uma concesso de 25 mil hectares
para desenvolver plantios de cacaueiro, guaranazeiro e arroz, como os
principais produtos. Esse ncleo colonial, em decorrncia do fracasso,
foi absorvido, em 1939, pela colnia de Parintins, estabelecida em
1931.

1933
Plantio de 30 mudas de guaranazeiro na Estao Experimental de
gua Preta, atual Escola Mdia de Agricultura da Regio Cacaueira,
em Uruuca, Bahia.

1937
Observem que na classificao botnica do guaranazeiro esto
envolvidos nomes de cinco cientistas: Humboldt, Bonpland, Kunth,
Martius e Ducke. O estudo de Ducke promoveu a classificao final

CAPTULO 23 - Guaran: passado, presente e futuro

do guaranazeiro como sendo Paullinia cupana H.B.K. var. typica, o


guaranazeiro encontrado na Colmbia e Venezuela, originariamente
por Humboldt e Bonpland, e Paullinia cupana H.B.K. var. sorbilis
(Mart.) Ducke, o guaranazeiro de Maus.

1938
Fundao da fbrica de produtos Globo, em Belm, priorizando o
beneficiamento do guaran, na forma de xarope e refrigerante, com a
razo social Duarte Fonseca & Cia. Ltda.

19401945
Foram fundadas as fbricas Magistral, Luseia e Bar, em Manaus. Mais
tarde surgiram a marca Brasil, Lder e Tuchaua.

1942
A Coca Cola chegou ao pas com todas as consequncias sobre o
consumo de sucos naturais.

1946
O mdico Otthon Machado tenta caracterizar os princpios medicinais
do guaran como antitrmico, antineurlgico e antidiarreico.

1958
Cosme Ferreira Filho foi o primeiro a fabricar guaran em p para
substituir o trabalhoso processo do uso do guaran em basto.

1960
Incio das pesquisas agronmicas com o guaranazeiro no Instituto
Agronmico do Norte.

1961
Antnio Lemos Maia efetua o primeiro plantio de guaranazeiro com
fins comerciais, na Bahia, no Municpio de Ituber.

1963
A Companhia Antarctica Paulista adquire uma fazenda em Maus
com 1.070 ha, que em 1972 foi transformada em Sociedade Agrcola
Maus (Samasa).

1966
Incio do Festival Folclrico de Parintins, organizado por Raimundo
Muniz Rodrigues, Xisto Pereira, Lucinor Barros e Padre Augusto.

313

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

1969
O Decreto 104.492, de 15 de maio, criou o Instituto de Pesquisa e
Experimentao Agropecuria da Amaznia Ocidental (IPEAAOc),
com sede em Manaus e abrangncia nos estados do Amazonas, Acre,
Rondnia e Roraima.

1971
A Fazenda Cultrosa, no Municpio de Camamu, Bahia, inicia plantios
em escala comercial de guaranazeiro.

Fase domesticada
1972
O Decreto-Lei 5.823, de 14 de novembro, regulamentado em 1973,
ficou conhecido como a Lei dos Sucos, beneficiando a domesticao
do guaranazeiro. No caso do guaran, o cumprimento dessa legislao
criou uma grande demanda por esse produto, uma vez que estabelecia
quantitativos de 0,2 g a 2 g de guaran para cada litro de refrigerante.
No caso do xarope de guaran, a quantidade variava de 1 g a 10 g de
guaran para cada litro de xarope. Pode-se observar que, em ambas
as situaes, a quantidade de guaran entre o mnimo e o mximo
permitido legalmente de 10 vezes. Essa variao pode ser vista
comparando os percentuais do guaran Ta, que contm 0,2 g/l (0,02%)
de refrigerante, com o Tuchaua, 1,10 g/l (0,11%).
A mdica romena Ana Aslan, na sua visita ao Brasil enfatizou as
propriedades geritricas do guaran, uma vez que estava cuidando
do caudilho Juan Domingo Pern (18951974), que iria assumir o
governo da Argentina no perodo de 19731974, e s fez aumentar a
mstica dos benefcios do guaran.

1973
Implantao do plantio de guaranazeiro pela Antrctica, como
decorrncia da Lei dos Sucos, no Municpio de Maus, Amazonas,
gerenciado pelo agrnomo Kiyoshi Okawa.
Divulgao de estudos de mercado de guaran executados pela
Universidade Federal de Viosa em convnio com a Acar-Amazonas

Foto: Manoel da Silva Cravo.

Figura 1. Planta de
guaranazeiro em
plena frutificao no
Municpio de Maus,
Estado do Amazonas.

Foto: Manoel da Silva Cravo.

CAPTULO 23 - Guaran: passado, presente e futuro

Figura 2. Fruto de
guaran sendo colhido
no Municpio de Maus,
Estado do Amazonas.

1974
Criao do Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira, em Manaus,
pela Deliberao da Diretoria 098/74, de 16 de abril.

1975
A Deliberao da Diretoria 028/75, de 13 de junho, criou a Unidade
de Execuo de Pesquisa de mbito Estadual de Manaus (Uepae de
Manaus) e de Altamira (Uepae Altamira). A Deliberao da Diretoria
da Embrapa 005/75, de 23 de janeiro, criou o Centro de Pesquisa
Agropecuria do Trpico mido (Cpatu).
A Ceplac inicia pesquisas com guaranazeiro, com material proveniente
do Cpatu na Estao Experimental Lemos Maia, em Una.

315

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

No municpio baiano de Camamu, a Agro-Brahma S.A. implantada


ocupando uma rea total de 1.250 ha, dos quais 255 plantados com
guaranazeiro.

1976
Incio das plantaes de guaranazeiro no Estado do Mato Grosso, em
Alta Floresta, pela Colonizadora Indeco.

1977
Incio das pesquisas sobre a propagao vegetativa do guaranazeiro
executadas pela Uepae de Manaus.

1981
O governo do Estado do Amazonas financia a produo de 100 mil
mudas de guaranazeiro pelo processo de enraizamento de estacas.
Incentivo ao plantio de guaranazeiro em Roraima.
Fabricao do guaran em p solvel pelo Cpatu, desenvolvido pela
pesquisadora Raimunda Ftima Ribeiro de Nazar.

1982
As normas e padres sobre a classificao do guaran esto regulados
pela Portaria 70, de 16 de maro de 1982, do Ministrio da Agricultura.
A senadora Eunice Michilles, deputada estadual (19741978), senadora
(19791987), publica o trabalho Uma alternativa econmica e social
para o Brasil: a cultura do guaran, defendendo a proposta de fundao
do Instituto do Guaran. A paulista Eunice Michilles dedicou-se no
incio s atividades de magistrio no Municpio de Maus.

1983
No dia 7 de julho foi lanado em Manaus o Programa Nacional de
Estmulo ao Desenvolvimento do Guaran, pela Secretaria de Produo
Rural do Estado do Amazonas (Sepror), que tinha como meta
estabelecer 16 mil hectares de guaranazeiro no Estado do Amazonas
no quadrinio 19821985, chegando apenas a 4 mil hectares.
Realizao do 1 Simpsio Brasileiro do Guaran, em Manaus, no
perodo de 24 a 28 de outubro.

1989
Deliberao da Diretoria 008/89, de 11 de julho, criou o Centro de
Pesquisa Agroflorestal da Amaznia, em Manaus, substituindo o
Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira e Dend e a Uepae de
Manaus.

CAPTULO 23 - Guaran: passado, presente e futuro

1991
Deliberao da Diretoria 004/91, de 1 de maro, criou o Centro de
Pesquisa Agroflorestal da Amaznia Oriental, substituindo o Centro
de Pesquisa Agropecuria do Trpico mido, a partir de 2 de abril.
Deliberao da Diretoria 005/91, de 1 de maro, alterou a denominao
de Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amaznia para Centro de
Pesquisa Agroflorestal da Amaznia Ocidental, localizado em Manaus.

1995
Na cidade de Tapero, a 300 km de Salvador, a empresa Naturkork
e Naturwaren Import & Grobhandel adquire o guaran orgnico,
reconhecido pelo Instituto Biodinmico (IBD), e exporta para
a Alemanha. Em 1995, foi feita a primeira exportao de 2 t de
guaran orgnico, 3,5 t em 1999 e 4 t em 2000. A empresa adquire
aproximadamente 7 t de guaran orgnico produzido por 21 produtores
que cultivam o guaran orgnico no Projeto Ona.

A transformao como produto externo


1999
No dia 1 de julho ocorreu a fuso da Companhia Antrctica e da
Companhia Cervejaria Brahma, resultando na Companhia de Bebidas
das Amricas (AmBev), que a imprensa enfatizou como sendo a
primeira multinacional verde-amarela. Isso parece descortinar como o
nascimento do segundo boom do guaran na Amaznia.
No dia 21 de outubro, a Pepsico Inc., produtora da Pepsi Cola,
e a Companhia de Bebidas das Amricas (AmBev) assinaram o
International Masters Franchising Agreement, para distribuio do
guaran para mais de 175 pases do mundo inteiro, a partir do ano
2000.
Lanamento das cultivares de guaranazeiro BRS-Amazonas,
tolerante antracnose, e BRS-Maus, tolerante antracnose e ao
superbrotamento, no dia 28 de novembro, pela Embrapa Amaznia
Ocidental, em Maus, Amazonas.
No perodo de 26 a 28 de novembro foi realizada em Maus a 20 Festa
do Guaran.

2000
Realizao da 1 Reunio Tcnica da Cultura do Guaran, no perodo
de 6 a 9 de novembro de 2000, em Manaus, na Embrapa Amaznia
Ocidental, incluindo um minicurso sobre a cultura.

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318

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

2001
Em janeiro, a Sucasa, empresa sediada em Castanhal, implantada com
um investimento de R$ 6 milhes, exportou a primeira partida de 21 t
de um energtico a base de aa e guaran em sacos plsticos de 100 g,
que iro direto para lanchonetes e prateleiras de supermercados dos
Estados Unidos, no valor de US$ 45 mil.
No perodo de 20 a 22 de novembro foi realizada a 2 Reunio Tcnica
da Cultura do Guaran, em Belm, Par, na Embrapa Amaznia
Oriental.

2006
Concludo o sequenciamento gentico do fruto de guaran pela equipe
de cientistas, coordenada pelo professor Spartaco Astolfi Filho da
Universidade Federal da Amaznia (Ufam) e de outras universidades
componentes da Rede da Amaznia Legal de Pesquisa Genmicas
(Realgene).

2011
Lanado no dia 26 de outubro no Campo Experimental da Embrapa,
no Municpio de Maus, as cultivares BRS Cereaporanga, BRS
Mundurucnia, BRS Luzeia e BRS Andir, que produzem em mdia
1,5 kg de sementes secas por planta, enquanto a mdia regional de
200 g por planta ao ano.

Consideraes finais
Nos ltimos cinco sculos, a partir da chegada de Cristovo Colombo
Ilha de Guanahani (So Salvador), no dia 12 de outubro de 1492,
vrias plantas do Novo Mundo foram aclimatadas em outras partes
do mundo. O fumo foi sem dvida a primeira planta que passou a
despertar a curiosidade dos europeus, passando a constituir em vcio
universal e, junto com o caf, tornou-se smbolo nacional.
Outras plantas, como a batata inglesa e o tomate, tm a sua origem na
Cordilheira dos Andes e tornaram-se, tambm, plantas universais. O
mesmo aconteceu com o milho, j utilizado pelas civilizaes incas,
astecas e maias. A batata doce foi outra planta alimentcia que foi
levada do Novo Mundo para o continente europeu.
No resta dvida que a mandioca foi o maior legado da civilizao
indgena, constituindo-se no alimento bsico da populao brasileira,
disseminado pelos portugueses para os continentes africano e asitico,
tornando-se, tambm, importante atividade agrcola nesses novos
locais.

CAPTULO 23 - Guaran: passado, presente e futuro

Todas essas transferncias de recursos genticos anteriores no tiveram


maiores consequncias imediatas na estabilidade econmica dos locais
de onde foram subtrados. As consequncias econmicas comearam
a surgir com a transferncia do cacaueiro, em 1746, para a Bahia e da
cinchona, em 1860, do Equador para o Sudeste Asitico, provocando
a mudana do eixo produtivo. As consequncias no foram maiores
por terem sido efetivadas de forma lenta e gradativa, levando vrias
dcadas.
Em 1876, contudo, ocorreu a transferncia da seringueira para
o Sudeste Asitico e trs dcadas depois a regio amaznica iria
experimentar o maior caos econmico, social e poltico, cuja ao foi
protagonizada por um nico homem, mudando o eixo da histria.
Essas lies da histria relevam a importncia da cultura do
guaranazeiro, que at o momento passou inclume quanto sua
transferncia para outros pases, tendo despertado apenas o interesse
nacional, com plantios na Bahia, tornando-se o maior produtor
nacional. Espera-se que os princpios da nova tica da movimentao
dos recursos genticos, acordados em nvel mundial, faa com que o
guaranazeiro tenha a segurana da sua permanncia apenas no Pas.
A presena dessa planta em outros pases limtrofes da Amaznia
Brasileira faz com que o controle da biopirataria deva ser efetuada de
maneira coletiva pelos pases que fazem parte do condomnio da Bacia
Amaznica.
Desde quando surgiu o primeiro refrigerante de guaran engarrafado,
em 1907, essa bebida ganhou a simpatia nacional e, tal qual o ch,
o caf, o chocolate, entre outros, tem tudo para se transformar em
uma nova bebida universal. Espera-se que, alm da planta em si,
esteja associado o aspecto geogrfico, do qual o nome Amaznia seja
tambm um novo produto a ser incorporado, transmitindo a ideia de
pureza e da fora da natureza.

319

Introduo1
O uxizeiro [Endopleura uchi (Huber) Cuatrecasas], pertencente
famlia Humiriaceae, originrio da Amaznia Brasileira,
encontrando-se disperso praticamente em todos os estados dessa
regio, porm, com maior abundncia e frequncia nos estados do Par
e Amazonas. No Par, encontram-se populaes naturais cujos frutos
apresentam diferenas de tamanho, cor, peso, formato, rendimento de
polpa e, possivelmente, caractersticas qumicas e fsico-qumicas da
polpa.
O uxizeiro uma rvore de tronco reto, de porte mdio a grande,
podendo atingir de 25 m a 30 m de altura e at 1 m de dimetro. uma
espcie de uso mltiplo (medicinal, frutfera e madeireira). Os frutos
so muitos consumidos pela populao dessa regio, em particular das
cidades prximas aos locais de ocorrncia da espcie, onde, no perodo
da safra, so comercializadas nas margens das rodovias, em feiras livres
e na Ceasa de Belm. Shanley (2000) estimou que a comercializao
do uxi durante o perodo da safra movimenta algo em torno de
1,2 milho de dlares. Para Carvalho et al. (2007), o uxi uma fruta
bastante conhecida na Amaznia Brasileira, porm completamente
desconhecida de outras regies do Brasil, mesmo por especialistas em
fruticultura, sendo raramente citada nos compndios sobre frutferas
tropicais, exceto quando envolve somente espcies amaznicas.
O fruto do uxizeiro consumido na forma fresca ou na forma de
creme, doce, suco e, principalmente, sorvete. Constitui-se em alimento
energtico e de boa qualidade nutricional. A parte comestvel do fruto
rica em fibras dietticas e sua frao lipdica apresenta elevados
teores de fitoesteris e de vitamina E (MARX et al., 2002). Da polpa
do fruto pode ser obtido leo comestvel, com caractersticas fsico-qumicas semelhantes s dos leos de abacate e de oliva (CARVALHO
et al., 1981; PINTO, 1956;).
1

Menezes e Homma (2012).

322

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Apesar da sua importncia, as rvores de uxizeiros vm desaparecendo


em funo da expanso da fronteira agrcola e com o desmatamento
que ocorre na regio (SHANLEY; CARVALHO, 2010; SHANLEY;
GAIA, 2004). H necessidade de incentivar o seu plantio nas reas
j alteradas mediante o aproveitamento das mudas originadas da
germinao natural de frutos que no foram coletados na mata ou por
meio da germinao de caroos.

Por que plantar uxizeiros


Atualmente, grande parte das pessoas jovens e crianas do meio
rural no conhecem um fruto de uxi e um p de uxizeiro, pois a
maioria das rvores foi derrubada. As rvores existentes na mata, na
sua tentativa de buscar a luminosidade, tendem a crescer retilneas,
com fuste adequado para aproveitamento madeireiro, para obteno
de pernamancas, vigas e tbuas. As rvores existentes nos quintais
tendem a se esgalhar e alguns agricultores efetuam a poda das rvores
com o objetivo de estimular o brotamento para aumentar a produo
de frutos e reduzir o porte das plantas. O valor de venda de uma rvore
derrubada de uxizeiro varia de R$ 50,00 a, no mximo, R$ 300,00.

Como conseguir mudas de uxizeiros


grande o interesse dos agricultores e de proprietrios de stios de
lazer da mesorregio do Nordeste Paraense no plantio de uxizeiros.
Entretanto, estes esbarram na inexistncia de mudas por parte dos
viveiristas, que relatam a dificuldade de produzir mudas dessa espcie.
Mudas de uxizeiros podem ser obtidas na mata ou nos quintais,
oriundas de frutos que ali permaneceram em razo da dificuldade
na germinao das sementes. Nos locais de ocorrncia de uxizeiros
nativos possvel encontrar mudas provenientes de frutos no colhidos
que conseguiram efetuar a sua germinao, sobretudo quando esto
em local mais aberto. O aproveitamento dessas mudas constitui uma
alternativa para permitir a multiplicao dessa espcie em curto prazo
e de gerao de renda para os agricultores.
Localizadas as mudas, estas devem ser arrancadas com muito cuidado
com um cavador e colocadas em um saco plstico para mudas,
medindo 18 cm x 18 cm, e este colocado na sombra sob irrigao.
Depois de assegurado o seu pleno pegamento, pode ser levado ao
local definitivo. Outra alternativa seria efetuar enxertia, devendo nesse
caso permanecer no viveiro por mais tempo, at garantir o completo
desenvolvimento do enxerto. O aproveitamento dessas mudas pode ser
a maneira mais rpida em curto prazo para disseminar essa espcie.
Viveiristas poderiam identificar comunidades produtoras de frutos
de uxizeiro e adquirir essas mudas, criando oportunidades de renda e
ajudando a preservar essa espcie.

CAPTULO 24 - Recomendaes para o plantio do uxizeiro

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 1. (A) Muda de


uxizeiro na mata; (B)
Plantio das mudas em
sacos de polietileno
aps a retirada na rea
de ocorrncia natural.

Como fazer as mudas


As mudas podem ser preparadas utilizando caroos imprestveis para o
consumo, de frutos pequenos, batidos, deformados e aqueles que foram
consumidos. Os caroos devem ser colocados em locais sombreados.
A germinao pode levar de 1 a 2 anos e vai ocorrendo aos poucos.
Esses caroos, ao menor sinal de germinao, so transplantados para
sacos para produo de mudas.
Outro processo para a germinao de uxizeiros colocar os caroos
nas proximidades do tronco de um cupuauzeiro, no emaranhado
de razes, para confundir os cupins, e depois cobrir com um saco de
plstico com fibras tranadas. Deixar por longo tempo, que pode atingir
at 2 anos, e medida que os caroos forem rebrotando, transferi-los
para sacos plsticos para a formao das mudas.

323

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Plantio de mudas de p-franco


As mudas so plantadas no local definitivo, em uma cova nas
dimenses de 40 cm x 40 cm x 40 cm, colocando apenas a terra preta
que foi retirada na abertura da cova. Deve estar assegurado que a muda
esteja bem firme. Marcar o local com uma estaca para evitar que sejam
cortadas por ocasio da limpeza, pois a muda apresenta crescimento
lento.
Figura 2. Mudas
colocadas em vasos
no viveiro da Embrapa
Amaznia Oriental,
prontas para o plantio
definitivo.

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

324

Enxertia
A enxertia de garfagem efetuada quando as mudas apresentam altura
de 50 cm a 70 cm, com bom desenvolvimento vegetativo. Deve-se
escolher como enxerto ramos de uxizeiro que apresentem frutos de
bom tamanho, quantidade e qualidade de polpa, produtividade e
caracterstica do porte da rvore. Para consumo in natura, o melhor
uxi aquele que apresenta sabor adocicado. Depois de plantadas, as

CAPTULO 24 - Recomendaes para o plantio do uxizeiro

mudas enxertadas levam de 2 a 3 anos para iniciar a florao com


altura de 1,5 m a 2 m. Contudo, a produo comercial s ocorre 5 a
7 anos aps o plantio. As mudas de p-franco podem levar mais de 6
anos para iniciar a florao.

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

A poca adequada para enxertia no perodo chuvoso. A coleta


de garfos para enxertia deve ser planejada para evitar a perda da
germinao dos garfos e ter que esperar longo tempo para realizar
novamente o enxerto, uma vez que as rvores doadoras podem estar
em locais distantes. Deve-se efetuar a poda do uxizeiro, tendo cuidado
de no errar o ramo enxertado. O tempo decorrido entre colocar os
caroos para germinarem e produo da muda pode levar at 6 anos.
Figura 3. Mudas de
uxizeiro enxertadas no
Municpio de Tom-Au,
Par.

325

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Plantio em SAFs
Uxizeiros esto sendo plantados em sistemas agroflorestais, no
espaamento de 9 m a 10 m x 15 m, com piquiazeiro, bacurizeiro e
puxurizeiro enxertados. Esses plantios esto sendo efetuados para
substituir os pimentais em final do ciclo produtivo. Os uxizeiros
enxertados emitem as primeiras floraes 3 anos aps o plantio.
Figura 4. Plantio de
uxizeiro no Municpio de
Tom-Au em Sistemas
Agroflorestais.

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

326

Tratos culturais
A prtica da poda adotada por alguns agricultores que efetuaram o
plantio de mudas de p-franco para reduzir a altura das rvores.

CAPTULO 24 - Recomendaes para o plantio do uxizeiro

Como o plantio dos uxizeiros feito em rea de antigos pimentais


que entraram em decadncia em funo do ataque de doenas, no
realizada adubao.

Beneficiamento dos frutos


A safra de uxi se estende de maro at junho. A coleta dos frutos deve
ser realizada logo cedo para evitar o roubo dos frutos na propriedade.
rvores adultas podem produzir at 2 mil frutos pequenos ou at 300
frutos grandes.
A retirada da polpa efetuada com colheres. O tempo necessrio para
a retirada de 1 kg de polpa de uxi est em torno de 1 a 2 horas. A
quantidade de frutos para produzir 1 kg de polpa depende do tamanho
e do tipo do fruto, pois alguns frutos so mais carnudos que outros.

Comercializao
A venda de polpa de uxi praticada por poucos agricultores e no
apresenta muita diferena com relao forma de comercializao do
fruto. A dificuldade de conservao da polpa limita o aproveitamento
de frutos menores, imprestveis para comercializao e ocorre a rpida
deteriorao do fruto quando amadurece.

A importncia de conservar as matas


com uxizeiros
H necessidade de proteger as reas remanescentes de floresta
primria ou de vegetao secundria onde se localizam exemplares de
uxizeiros, para proporcionar a disponibilidade de material gentico de
grande importncia para programas de melhoramento. A quase total
inexistncia de espcimes jovens nas matas remanescentes decorre da
presso de coleta, no restando frutos para consumo dos animais e
para a sua regenerao.
Esse aspecto chama a ateno para o fato de que os programas de
conservao de recursos genticos como o uxizeiro, a castanheira-do-par ou o cupuauzeiro no podem ser efetuados de maneira isolada,
mas em um contexto bastante amplo. Este o dilema da conservao
e da preservao dos recursos florestais na Amaznia. A valorizao
econmica da floresta, como tem sido a tnica da maioria das propostas
ambientais na Amaznia, pode ser decisiva para a preservao, mas a
floresta pode nunca alcanar esse valor que poderia oferecer um uso
alternativo.

327

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 5. (A) rvore


adulta encontrada na
floresta; (B) Frutos de
uxizeiro.

Fotos: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

328

Introduo1
Denomina-se etnocultivo aqueles conhecimentos gerados pelos
prprios produtores por meio de tentativas e transmitidos ao longo
do tempo ordinariamente de maneira oral e desenvolvidos margem
do sistema de pesquisa formal. So conhecimentos dinmicos que se
encontram em constante processo de adaptao, com intervenes da
extenso rural, da rede bancria, dos compradores, das tecnologias
utilizadas para outros produtos e em outros locais, do aparecimento de
pragas e doenas e do mercado de insumos.

Os dados deste artigo foram


obtidos do acompanhamento de
pequenos produtores periurbanos
dos municpios de Ananindeua,
Benevides, Santa Izabel do Par
(Figura 1) e Santo Antnio de Tau,
feito de forma espordica desde
fevereiro de 2000 e intensificado
a partir de 2009, procurando
acompanhar as transformaes
decorrentes da urbanizao, do uso
de agroqumicos, da comercializao,
dos novos produtos e das tecnologias
utilizadas.
1

Verso ampliada Homma et al. (2011).

Figura 1. Horta
periurbana de pequeno
produtor em Santa
Izabel do Par.
Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

A metodologia da pesquisa procurou, portanto, entrevistar os


agricultores que se dedicavam ao plantio de hortalias, identificando
as prticas agrcolas adotadas como pertencentes ao senso comum aos
conhecimentos denominados cientficos, de modo a reconhec-los
como fundamentais melhoria das prticas adotadas.

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Enquanto no passado o consumo de jambu ficava restrito confeco


do pato no tucupi nas datas festivas e nas comemoraes familiares
ou como quitute (tacac), atualmente o seu uso se popularizou em
dezenas de restaurantes, sendo utilizado em novos pratos como arroz
com jambu, pizza de jambu, pastel com jambu e na forma in natura em
saladas cruas. A pizza de jambu comeou a ser divulgada na imprensa
a partir de 2006 e a sua inveno atribuda ao Caf Imaginrio, na
primitiva localizao nas proximidades do Conjunto Santa Maria de
Belm, do artista plstico Jos Augusto Toscano Simes (1958), que
era reduto de artistas e intelectuais no incio de 2000 (JAMBU..., 2006).
Tambm conhecido popularmente como erva medicinal, em face
da presena em suas inflorescncias, folhas e ramificaes mais tenras
de uma resina sialagoga (provoca salivao), tida como possuidora
de propriedades odontolgicas e de ao contra doenas da boca,
garganta e clculos da bexiga (POLTRONIERI, 1999). No meio rural,
conhecido o preparo do lambedor, que consiste no cozimento
de infuso de folhas de jambu e chicria com acar utilizada para
tratamento de dores de garganta. Existe uma cachaa que leva folha de
jambu e aa denominada jambuci e o jamburguer, sanduche com
carne de bfalo e folhas de jambu (RUBIN, 2013). Algumas lojas de
sex shop comercializam gel ou spray contendo jambu como estimulante
feminino pelo efeito treme-treme que suas folhas e inflorescncias
(Figura 2) provocam na lngua.
Figura 2. Inflorescncia
de jambu.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

330

O artigo procura trazer uma perspectiva histrica do uso do jambu,


sua evoluo recente para outros usos, a descrio da etnotecnologia
desenvolvida pelos produtores e o custo de produo. O jambu, sem
dvida, trata-se de uma hortalia amaznica, com chances de se
popularizar a nvel nacional e mundial. Fica perdido nas brumas da
histria quem primeiro descobriu que est planta poderia ser utilizada
como alimento que combinando-se com o tucupi, a goma, o camaro
e o jambu inventou-se o tacac e com o tucupi, o jambu e o pato
transformaram-se em dois cones da gastronomia cultural paraense.

CAPTULO 25 - Etnocultivo do jambu para abastecimento da Cidade de Belm, Estado do Par

Histrico
O padre jesuta Joo Daniel (17221776) viveu na Amaznia entre 1741
e 1757, quando foi preso, no perodo da caa aos jesutas promovida
por Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marqus do Pombal (1699
1782) e recambiado para Portugal. Na priso at sua morte escreveu
um enorme tratado sobre a regio amaznica, Tesouro descoberto no
mximo Rio Amazonas, no qual fez detalhadas observaes sobre
as plantas, animais e os habitantes que viviam na regio. Nesse livro
menciona o caruru, cuja descrio identifica-se como sendo a do
jambu [Spilanthes oleracea var. fusca (Lam.) DC.]:
A verdura de que mais usam no Estado do Par so umas ervas a que chamam caruru, nome genrico para todas as ervas mais usadas, e comestveis
naquele estado, mas mais propriamente h duas espcies na verdade estimveis: a uma podemos chamar caruru doce pela distino que tem do
outro. este caruru na verdade doce, porque ou seja por si s em espernegados, ou misturado com os legumes lhes d um excelente gosto; to
tenra esta erva, e to mimosa, que vence o tenro da alface, e o mimoso dos
espinafres, e mais verduras; de sorte que metida na panela em poucos minutos est cozinhada. A segunda espcie no menos galante, porque, em
lugar do doce da primeira espcie, tem um picante, que no s lhe d sua
graa por si s, mas tambm a comunica aos legumes, e carne, com que se
cozinha: a sua flor semelhante aos malmequeres. Tanto deste caruru como
do primeiro se fazem muito frescas e gostosas saladas; e muito mais o so
se se misturam. E sendo to estimveis, ningum os cultiva hortenses, nem
necessrio, porque pelas roas da maniba, e mais searas, a erva mais ordinria, que nasce em tanta abundncia, que preciso arranc-los, para no
afrontarem, nem afogarem as searas. Com a mesma abundncia crescem
sem cultura outras ervas como so os espinafres, bredos, beldoegas e muitas
outras de que naquele estado se no faz caso. (DANIEL, 2004, v.1, p. 429).

O botnico Joo Barbosa Rodrigues (18421909), em 1894, quando


abordou as plantas existentes no Jardim Botnico do Rio de Janeiro
discorreu sobre o jambu da seguinte forma:
Spilanthes oleracea Linn. Nome vulgar: jambu-au, agrio-do-par. Florao em outubro e novembro. Planta anual, de hastes tenras, ramosas diffusas, com folhas oppostas, espessas, pecioladas, dentadas, cordiformes,
dando captulos terminaes, conicos, pedunculados, com o involucro em
duas series. Flores amarello de ouro. Os captulos so muito acres, de um
sabor que queima, produzindo muita salivao e tremor na lngua. A alcoolatura dos captulos um bom odontalgico. As folhas comem-se ensopadas.
(RODRIGUES, 1894).

O escritor alemo Patrick Sskind (1949), autor do best seller Perfume,


lanado em 1985, criou o personagem Jean-Baptiste Grenouille, com
a capacidade de criar aromas que transmitiam atrao, menosprezo,
nojo, prazer, amor e dio. Em Belm, na poca do Crio, o inconfundvel
aroma de pato-no-tucupi, manioba e tacac espalham-se pelos quatro
quadrantes da cidade, no teria um cenrio mais apropriado para a sua
transfigurao (HOMMA, 1999a).
A divulgao do uso do jambu em nvel nacional e mundial muito
se deve iniciativa do chef-de-cuisine Paulo Martins (19462010),

331

332

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

do conhecido restaurante L em Casa, criado em 1972, no qual j


serviu dezenas de personalidades nacionais e internacionais como o
Papa Joo Paulo II (1980), o Imperador Akihito (1933) e a Imperatriz
Michiko (1934) nas duas visitas que fizeram a Belm (1978, 1997).
Em 2013, foi realizada a 11 verso do Festival Ver-o-Peso da Cozinha
Paraense, iniciado em 2000 e interrompido em alguns anos em razo
do estado de sade do chef Paulo Martins. Esta foi uma das alavancas
da divulgao do jambu e de outras frutas amaznica na culinria
nacional e internacional ao convidar chefs nacionais e internacionais
para conhecerem os produtos utilizados na gastronomia paraense. Em
2007, o famoso chef catalo Ferran Adri ficou encantado com o poder
eletrizante da folha de jambu, capaz de fazer a lngua e os lbios
formigarem (BOTELHO, 2007).
Paulo Martins, em seu magnfico vdeo Cozinha Paraense, menciona a
relao de 1 pato para 3 L de tucupi e 3 maos de jambu e, considerando
que um pato mdio pesa 3 kg, poderia estimar a quantidade de patos
(frangos, peru, etc.), de tucupi e de jambu consumidos por ocasio
das festividades do Crio de Nazar (HOMMA, 1999b). O professor
Francisco de Assis Costa e colaboradores em magistral trabalho
intitulado O Crio de Nazar de Belm do Par: Economia e F efetuaram
uma estimativa dos participantes do Crio no perodo 2000 a 2005 e os
impactos provocados na economia (COSTA et al., 2008). Utilizando a
estimativa de 1.952.163 romeiros em 2005 e considerando 5 pessoas
por famlia, ter-se- um universo de 390.432 famlias. Supondo que
a metade, aproximadamente 200 mil famlias, tenha condies de
preparar um pato (frango, peru, etc.) no tucupi, utilizar 3 L de tucupi
e 3 maos de jambu, obter-se- um total de 600 mil maos de jambu
e 600 mil litros de tucupi ou 30 caminhes tanque com capacidade de
20 mil litros. Como um canteiro padro nas dimenses de 1,2 m x
25 m, produz 250 maos de jambu, sero necessrios 2,4 mil canteiros
ou equivalente a 12,5 ha para ser consumido somente no domingo do
Crio.

O jambu: uma hortalia amaznica


O jambu uma planta herbcea com 20 cm a 30 cm de altura, com
caule cilndrico, carnoso, decumbente e ramificado. A inflorescncia
em capitulo globoso terminal de colorao amarela, com flores
hermafroditas. A flor considerada como sendo de autopolinizao,
que ocorre quando o estilete cresce e ultrapassa as anteras e, ao
despontar no exterior, os estigmas j se encontram cheios de plen.
Esse modo de autopolinizao chamado de cleistogamia. O fruto
um aqunio de tamanho reduzido, com pericarpo de cor cinza escuro,
parcialmente envolvido por pleas membranosas (CARDOSO, 1997;
GUSMO; GUSMO, 2013).

CAPTULO 25 - Etnocultivo do jambu para abastecimento da Cidade de Belm, Estado do Par

Tambm conhecido como agrio-do-par, agrio-do-norte, agrio-do-brasil, abecedria e jambuassu. uma planta autctone da
Amrica do Sul (Brasil, Colmbia, Guianas e Venezuela), onde pode
ser encontrada cultivada ou subespontnea.
O jambu apresenta bom valor nutritivo por 100 g de folhas. Contm
89 g de gua e apresenta valor energtico de aproximadamente 32
calorias. Contm em cada 100 g: 1,9 g protenas, 0,3 g de lipdios,
7,2 g de carboidratos, 1,3 g de fibras, 1,6 g de cinzas, 162 mg de clcio,
41 mg de fsforo, 4 mg de ferro, 0,03 mg de vitamina B1, 0,21 mg de
vitamina B2, 1 mg de niacina e 20 mg de vitamina C (BORGES, 2009).
As inflorescncias apresentam maior concentrao do alcaloide, sendo
sua explorao como fonte de matria-prima para uso medicinal
e cosmtico potencialmente mais importante que ramos e folhas. O
jambu utilizado pela Natura na composio do creme antirrugas
Chronos e inicialmente as plantas eram adquiridas na Regio
Metropolitana de Belm. A partir de 2004, o jambu passou a ser
fornecido pelo Grupo Centroflora, fundado em 1957, de produtores
selecionados que cultivam de forma orgnica nos municpios de
Pratnia, Botucatu, Ribeiro Preto e Jaboticabal e efetuam a secagem
em Botucatu. Vrias teses de ps-graduao sobre o jambu j foram
defendidas nas universidades do Sul e Sudeste, facilitando, tambm, a
disseminao dessa planta (BORGES, 2009).

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Os agricultores que se dedicam ao plantio de hortalias cultivam-nas em canteiros que no conjunto no atingem um quarto de hectare
(Figura 3). Do elenco de hortalias folhosas, frutos ou tubrculos, os
produtores se especializam para cinco ou seis espcies, permitindo o
rodzio dos canteiros e quanto perspectiva do mercado. O elenco de
verduras cultivadas bastante grande: jambu, coentro, salsa, chicria
regional, cebolinha, caruru, vinagreira, hortel, couve, alface, alfavaca,
quiabo, pepino, maxixe, pimenta-de-cheiro, tomate-cereja, pimento,
berinjela, espinafre, rcula, mostarda, vagem, hortel, manjerico,
mastruz, etc.
Figura 3. Canteiro
plantado de jambu.

333

334

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O jambu mais cultivado apresenta folhas verde-claro com flores


amarelas. Existe tambm o jambu roxinho, cujas folhas apresentam
um verde mais intenso, possuem ramos de cor roxa e as inflorescncias
com um halo tambm de cor arroxeada.

Reduzir os riscos da biopirataria


O alcaloide spilanthol presente nas folhas, ramos e flores do jambu
descrito em patentes como apropriado para uso anestsico, antissptico,
antirrugas, odontolgico, ginecolgico e anti-inflamatrio, com
diversos produtos no mercado vendidos como remdio e cosmtico.
Esta a razo da existncia de 5 patentes que utilizam o jambu
registradas no United States Patent and Trademark Office (USPTO)
no perodo de 2000 a 2006 (uma americana, uma francesa e trs
japonesas), 7 na World Intellectual Property Organization (WIPO)
(japonesa, americana, inglesa, dinamarquesa, sua, brasileira e
australiana) no perodo de 2006 a 2010, e 1 no Instituto Nacional de
Propriedade Intelectual em 2005.
H relatos do cultivo de jambu na ndia, na Amrica Central, em alguns
pases da Europa e, sobretudo, na sia, onde o jambu j plantado para
o consumo como alimento (CARDOSO, 1997). Na China, os ramos, as
folhas e as inflorescncias so comercializados secos e existem diversos
pratos considerados iguarias que incluem a erva, eventualmente usada
tambm para suavizar pimentas muito ardidas (JOHN, 2011). No
Japo, tambm, o jambu foi introduzido, sendo a ltima efetuada pela
University of Miyazaki, situada na Ilha de Kyushu, em 2011.
A melhor forma de combater a biopirataria na Amaznia conseguir
transformar os recursos da biodiversidade em atividades econmicas
para gerar renda e emprego para a sua populao. Para isso, necessrio
identificar esses recursos genticos, analisar seus componentes,
proceder a sua domesticao, a produo em bases racionais e a
verticalizao na regio. A fragilidade da economia extrativa em
que se baseia a maioria dos produtos da biodiversidade amaznica
constitui em um convite biopirataria. Se a explorao dos recursos
da biodiversidade amaznica ficar restrita ao mercado da angstia
ou comercializao folclrica das vendedoras da Feira do Ver-o-Peso, dificilmente a Amaznia ter condies de transformar a sua
biodiversidade em riqueza econmica (PRADAL, 1979). A formao
de um parque produtivo local competitivo e a sua verticalizao
inibiria a sua transferncia para outras partes do mundo (HOMMA,
2005a).
H necessidade de desmistificar a biodiversidade potencial, dar
maior ateno para a biodiversidade do passado e do presente (fontes
da biopirataria) e entender as limitaes da economia extrativa. A
conservao e a preservao da biodiversidade amaznica dependero

CAPTULO 25 - Etnocultivo do jambu para abastecimento da Cidade de Belm, Estado do Par

da utilizao das reas j desmatadas, da recuperao das reas que


no deveriam ter sido destrudas, de maiores investimentos em C&T e
de infraestrutura social. As instituies de pesquisa devem estabelecer
metas concretas de identificao, por exemplo, cinco novas plantas
da biodiversidade por quinqunio, aproveitando o conhecimento
tradicional, indgena e de screenings sobre os recursos genticos
potenciais. H necessidade de respeitar os direitos de propriedade
intelectual e a repartio dos benefcios, conectados com o setor
empresarial, de programas de crdito, assistncia tcnica e associaes
com pases desenvolvidos com salvaguardas mtuas, obedecendo ao
ciclo de vida dos produtos.
Outro ponto para discusso refere-se necessidade de qualificar os
recursos da biodiversidade amaznica, sempre colocado em sentido
amplo. Os recursos vegetais com maior interesse econmico seriam
as plantas medicinais, aromticos, inseticidas e corantes naturais. No
caso de plantas medicinais, aquelas relacionadas s doenas de pessoas
ricas, tais como cncer, colesterol, hipertenso, geritricos, etc., teriam
maiores chances de retornos econmicos, ao contrrio das doenas
da pobreza, tais como malria, leishmaniose, doena de Chagas, etc.,
apesar do alto sentido social (PILLING, 1999). O patenteamento
no significa a sua imediata transformao em produto comercial,
mas demonstra o esforo de pesquisa, a demarcao de direitos e a
probabilidade de futuras descobertas promissoras.
Dessa forma, a histeria com relao biopirataria na Amaznia esconde
dois graves problemas. O primeiro, o de ocultar a gravidade real do
problema, e o outro, a busca de uma efetiva soluo. No momento
existe uma preocupao muito grande com a biopirataria externa, mas
considerveis recursos genticos da Amaznia esto sendo drenados
para outras partes do Pas e constituindo em atividades econmicas.
Basta afirmar que a Bahia produz 55% da produo brasileira
de guaran, sem falar dos plantios de cacaueiro, cupuauzeiros,
aaizeiros, pupunheiras, seringueiras e plantas medicinais, que esto
sendo desenvolvidos na Bahia, Esprito Santo, Rio de Janeiro, So
Paulo, Paran, entre outros. Para efetuar a biopirataria no necessrio
embrenhar-se na Floresta Amaznica, uma vez que muitos produtos
da biodiversidade do presente e do passado esto disponveis nas feiras
e nas ruas, como acontece com os caroos de aa.

Sistema de produo
Clima e solo
O cultivo do jambu preferencialmente realizado em clima quente e
mido, com temperatura mdia anual superior a 25,9 C e umidade
relativa do ar em torno de 80%. Em So Paulo, onde os novos plantios
esto localizados, o cultivo ocorre em perodos do ano cuja temperatura

335

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

mdia seja superior a 15 C. J os solos indicados para o cultivo dessa


hortalia devem ser os argilo-arenosos e ricos em matria orgnica.
Porm, vale ressaltar que solos de vrzea, quando bem drenados,
podem tambm ser utilizados para o cultivo do jambu.

Preparo dos canteiros


Um trabalhador consegue preparar 8 canteiros de 1,2 m x 25 m por
dia para efetuar novo cultivo, considerando o terreno j preparado e
sem tocos.
O ciclo do jambu depois de plantado no canteiro dura de 25 a 30
dias at ser arrancado e os produtores efetuam a rotao com alface,
coentro, cebolinha ou salsa. Sempre antes do plantio os canteiros
recebem radiao solar direto por pelo menos 4 dias, tendo-se o
cuidado de revirar o solo com o intuito de diminuir a infestao de
nematoides no solo.

Propagao e plantio
O jambu pode ser propagado por sementes ou por estacas de ramos.
A propagao por sementes o mtodo mais empregado. As sementes
devem ser obtidas de plantas que foram deixadas no canteiro com
maior desenvolvimento vegetativo, livre de pragas e doenas, at o
amadurecimento dos aqunios, uma vez que as sementes certificadas
no so comercializadas no mercado. Na feira do Ver-o-Peso e em
algumas casas comerciais do Municpio de Castanhal, possvel
adquirir sementes para venda, sem haver garantias quanto qualidade
fsica e sanitria. As inflorescncias so colhidas e postas para secar em
ambiente ventilado. Aps 3 a 5 dias feita a debulha.
O agricultor deve tomar as seguintes medidas para garantir sementes
de boa qualidade: colher sementes de plantas sadias e evitar produzi-las na poca chuvosa, pois essas sementes retm muita umidade,
tornando-as vulnerveis ao de micro-organismos e levando a
perdas considerveis por apresentar baixa germinao.
Para 1 g de sementes de jambu com impureza (restos culturais),
tem-se 2 mil sementes bem formadas. Em nvel de produtor, no
necessrio obter sementes limpas (livre de impurezas) em virtude
do trabalho para limp-las e mesmo porque essas impurezas so
constitudas geralmente de palea que reveste as sementes e das flores
no fecundadas, so facilmente decompostas, no prejudicando a
germinao, alm de facilitarem a distribuio mais uniforme das
sementes no canteiro de semeadura.
O modo mais tradicional do plantio de jambu fazer a semeadura a
lano sobre um canteiro, cobrindo as sementes com uma leve camada
de serragem. A densidade de semeadura elevada, sendo distribudos

CAPTULO 25 - Etnocultivo do jambu para abastecimento da Cidade de Belm, Estado do Par

de 1 g a 3 g de impurezas por metro quadrado de canteiro. feita uma


cobertura alta sobre o canteiro-sementeira, com palha ou com sombrite,
de forma a reduzir a radiao em at 75%. Aps a fase de germinao, a
cobertura retirada e com 25 a 30 dias feito o transplantio das mudas
para o canteiro definitivo. As mudas so arrancadas da sementeira,
sendo transplantadas em espaamento de 5 cm x 5 cm x 10 cm. Um
trabalhador treinado planta cinco a seis canteiros de 1,2 m x 25 m.
Outro processo fazer a semeadura direta nos sulcos com espaamento
entre sulco de 10 cm a 15 cm. O excesso de plantas germinadas
transplantado para outros canteiros, ficando as mudas distanciadas em
5 cm nos sulcos. A semeadura direta antecipa a colheita em 10 a 15
dias.

Tratos culturais e adubao


Um dos tratos culturais utilizados durante o perodo da cultura a
monda, que consiste em retirar as ervas daninhas com as mos aps o
plantio nos canteiros definitivos, efetuado antes da completa cobertura
do canteiro pelos ramos das plantas de jambu.
Poucos produtores utilizam adubo qumico na adubao do jambu. A
grande maioria utiliza cama de frango como fonte de adubos para o
cultivo. Na adubao bsica, os canteiros so adubados 3 dias antes
do transplantio, com a incorporao de aproximadamente 30 L de
cama de frango (um carrinho de mo) para cada canteiro de 1,2 m x
25 m. O custo de 3 m de cama de frango de R$ 108,00, entregue na
propriedade, e corresponde a 40 carrinhos de mo ou 45 sacos de rfia
com dois teros de sua capacidade total de enchimento.
efetuada uma adubao complementar aps o transplantio, sendo
usada a proporo de 3 L de adubo orgnico por 1 m de canteiro,
distribudos a lano entre as plantas.
A adubao qumica mais comum quando utilizada pelos produtores
a formulao NPK 10-28-20, sendo a mais comercializada no mercado
regional de insumos. Adubaes foliares tambm so feitas, sendo
usados 30 g de ureia e 20 g de adubo foliar completo, recomendado
para folhosas diludos em 20 L de gua, com aplicaes a cada 10 dias.
So aplicados 2 L para cada 10 m de canteiro.
Se o solo estiver fraco decorrente de sucessivos plantios, aplicam 4 kg
de calcrio dolomtico para um canteiro de 1,2 m x 25 m e deixam em
descanso por 30 dias.
O ciclo da cultura vai entre 45 e 50 dias aps sua semeadura. A
limpeza de ervas daninhas aps o plantio nos canteiros efetuada
manualmente, arrancando-as individualmente.

337

338

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Irrigao
No perodo sem chuvas so feitas duas irrigaes dirias. A fonte de
gua mais comum so poos semiartesianos. So usadas motobombas
eltricas e mangueiras plsticas com um chuveiro adaptado na
extremidade, ligadas diretamente na tubulao de recalque. Alguns
usam microasperso comercializada no mercado local em sistema de
fitas plsticas para irrigao.

Principais pragas
As principais pragas que atacam os canteiros com jambu so paquinha
(Neocurtilla hexadactyla), lagartas, caros, etc. O controle da paquinha
realizado com iscas, efetuando-se a mistura de 20 mL de inseticida
(geralmente Parathion metilico) para 1 kg de farelo de trigo, colocando
uma colher de sobremesa por metro quadrado de canteiro noite.
O combate s lagartas efetuado com aplicao dos inseticidas Decis
(30 mL/20 L de gua) ou Folisuper ou Mentox (20 mL/20 L de gua).
Quanto ao ataque de caros, utilizado o Tamaron, um inseticida
organofosforado sistmico (30 mL/20 L de gua), e o Agritoato 400 CE
(40 mL/20 litros de gua).
O controle do nematoide efetuado mediante rotao de cultura e
exposio de solo do canteiro luz solar revirado com a enxada.
Verifica-se que muitos produtores no apresentam cuidados na
aplicao de agroqumicos tanto para a sua sade como para a sade
dos consumidores, pela no observncia com relao aos prazos
mnimos exigidos para consumo. Os agrotxicos utilizados no so
permitidos pela legislao e no h utilizao de Equipamentos de
Proteo Individual (EPI).

Principais doenas
Entre as doenas destacam-se a ferrugem (Puccinia sp.), o carvo
(Tecaphora sp.), os nematoides do gnero Meloidogyne, etc. O controle
da ferrugem efetuado com o fungicida Dithane (50 mL/20 L de
gua), podendo efetuar at 3 pulverizaes, e o fungicida Amistar
(20 mL/ 20 L de gua). Esses fungicidas so aplicados separadamente.
Alguns produtores utilizam produtos misturados como Tamaron
(30 mL) mais Dithane (30 mL) em 20 L de gua. Quanto ao ataque do
carvo, que produz galhas distribudas nos caules, pecolos, folhas e
pednculos florais, os produtores eliminam as plantas doentes e fazem
outro plantio com sementes sadias.

Produo
A produo mdia de um canteiro de 25 m x 1,2 m de 250 maos de
jambu, que so vendidos para os intermedirios razo de R$ 0,25 a

CAPTULO 25 - Etnocultivo do jambu para abastecimento da Cidade de Belm, Estado do Par

R$ 0,30/mao. Dependendo da fertilidade do solo, dos tratos culturais


e da reduo dos ataques de pragas e doenas, possvel obter at 400
maos de jambu por canteiro no vero. O tamanho dos maos segundo
os produtores uma exigncia dos intermedirios. Esses maos so
reduzidos nos supermercados e nas feiras para maos menores e nas
proximidades das festividades, chegando a R$ 1,00 a R$ 1,50/mao, em
razo da sua utilizao em comidas tpicas.
A produo de jambu intensificada de acordo com um calendrio de
eventos, que comea com Carnaval, Semana Santa, Dia das Mes, So
Joo, Dia dos Pais, Crio de Nazar, Natal e Ano Novo. Um produtor
de jambu tradicional destina metade dos canteiros para a poca das
festividades do Crio de Nazar e um quarto para o perodo normal.

Ps-colheita do jambu
De maneira geral, as plantas de jambu so arrancadas (Figura 4) e
amarradas em maos ainda na rea de cultivo, so transportadas e
depois so lavadas em um tanque prximo residncia do produtor.
A mesma gua reutilizada vrias vezes para a lavagem diria e
renovada para a nova lavagem apenas no dia seguinte. Os produtores
j esto sendo orientados a utilizar gua limpa nessa tarefa e efetuar
a renovao com maior frequncia. Essa lavagem constitui foco de
contaminao das hortalias.
Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 4. Arranquio
de jambu para
comercializao.

O amarrio geralmente efetuado pelos homens para dimensionar


a quantidade de ps de jambu por mao, eventualmente mulheres e
crianas, isto vai depender da mo de obra familiar da propriedade.
Um rolo de fita d para amarrar mil maos e custa R$ 15,00. Existe
outro tipo de barbante que custa R$ 16,00/rolo e d para amarrar mais
de 10 mil maos. Para amarrar jambu, 4 pessoas amarram mil maos
em 3 horas.

339

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Transporte para comercializao


O transporte dos volumes de jambu feito, diariamente, no final
da tarde ou no incio da noite. Os produtores no efetuam o corte
das razes do jambu para evitar o murchamento mais rpido. Para o
transporte da produo so cobrados R$ 3,00/volume. Cada volume
corresponde a 100 maos. Nos meses de maior movimento, o custo
do transporte pode dobrar, passando a R$ 6,00/volume. O volume
consiste em um saco de rfia todo aberto onde so colocados os maos
e depois amarradas as pontas em forma de trouxa.

Comercializao
Isshiki (2010?) estudou a variao estacional do preo do mao de
jambu no mercado atacadista de Belm, no perodo de 2000 a 2009.
Ele identificou que o primeiro semestre apresenta os maiores valores,
em que o preo mais elevado ocorre no ms de janeiro, com ndice
estacional mdio de 123,06%, e o menor preo no ms de agosto,
com ndice estacional mdio igual a 73,92%, indicando uma variao
mdia no preo do produto de 49,14% referente ao perodo de safra e
entressafra do jambu. A maior produo ocorre no perodo do Crio e
para as festividades de final do ano, mas os produtores recebem preos
mais baixos.
Existem diferentes fluxos de comercializao do jambu. Uns entregam
diretamente para os intermedirios, que vendem nas feiras, repassam
para outros feirantes, supermercados e restaurantes. Alguns produtores
levam diretamente para as feiras, supermercados, restaurantes,
pizzarias, etc., em nibus de linha ou em carros prprios (Figura 5). Os
intermedirios tambm utilizam os nibus de linha ou carros prprios
para apanhar o jambu na propriedade e efetuar a entrega.
Figura 5. Maos de
jambu comercializado.

Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

340

CAPTULO 25 - Etnocultivo do jambu para abastecimento da Cidade de Belm, Estado do Par

Alguns produtores e intermedirios esto comercializando jambu pr-cozido, que consiste em retirar as razes e os talos mais grossos, folhas
com defeito e outras impurezas. A seguir, so efetuadas cinco lavagens,
colocando-o em gua fervente por 20 a 30 minutos para promover o
murchamento dos talos e folhas. Depois, deixa-se escorrer e embala-se em sacos plsticos. O rendimento de 6 a 7 maos (R$ 0,25/mao)
para obter 1 kg de jambu pr-cozido que vendido a R$ 6,00 a R$
7,00/kg. A alta margem de comercializao implica na utilizao de
trs pessoas para preparar 50 kg de jambu pr-cozido e a despesa com
gs ou carvo, uma vez que a utilizao de lenha tende a contaminar o
jambu com detritos de carvo, cinza e fumaa. O mercado do jambu
pr-cozido destina-se a grandes restaurantes, reduzindo-se com isso a
utilizao de mo de obra para o preparo dos maos de jambu.

Consumo do jambu
O uso tradicional do jambu na gastronomia cultural paraense destinase para o pato-no-tucupi e o tacac (Figura 6). Nas duas ltimas
dcadas, alm do uso de outros animais assados em substituio ao
pato, popularizou-se o uso do jambu com arroz, pizza com jambu, uso
do jambu na indstria cosmtica, salada de folha in natura de jambu,
como picles pelos descendentes de japoneses, etc.
Foto: Antnio Jos Elias Amorim de Menezes.

Figura 5. Cuia de tacac.

Para preparar o jambu, deve-se separar as folhas com os talos mais


tenros, lavar em gua corrente vrias vezes, escaldar em gua fervente,
deixar escorrer e reservar. O jambu, aps este pr-cozimento, retira o
gosto do mato, ocorrendo o amolecimento das folhas e do caule e est
pronto para ser utilizado como insumo bsico de diversos pratos. As
folhas de jambu pr-cozidas so utilizadas para atender aos pedidos de
parentes e amigos residentes em outros estados do Pas, para facilitar
o seu transporte.

341

342

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

H necessidade do desenvolvimento de tecnologia visando ao pr-cozimento ou sua desidratao com a conservao, facilitando o seu
transporte para locais distantes.

Jambu em hidroponia
O plantio do jambu em hidroponia com Tcnica do Fluxo Laminar
de Nutrientes (NFT) apresenta concorrncia como o cultivo da alface,
com demanda constante durante o ano, e como produto diferenciado
para os consumidores. A vantagem do cultivo do jambu em hidroponia
seria o aproveitamento da ressoca e a venda do jambu sem as razes.
A tcnica de cultivo semelhante quela recomendada ao cultivo da
alface, inclusive com relao soluo nutritiva.

Custo de produo
Para o clculo do custo operacional do plantio de jambu, considerou-se 1 ha disposto em canteiro padro de 1,20 m x 25 m (30 m2),
perfazendo 192 canteiros, com 5.760 m2 de rea til. Os canteiros
seriam separados entre si de 0,80 m e as ruas principais seriam de
2 m a cada intervalo de 25 m, tanto no sentido vertical como horizontal.
Adotou-se a produtividade mdia de 250 maos de jambu por canteiro,
totalizando 48 mil maos, considerando um ciclo produtivo de 2 meses
a 2,5 meses, efetuando rotao de plantio.
Ressalta-se que no existe um produtor exclusivo de jambu, mas
em associao com outras olercolas, ocorrendo a diluio das
despesas com depreciao de pequenos equipamentos (enxadas, ps,
carrinho de mo, etc.), utilizao de adubao residual, mo de obra,
motobomba e energia eltrica. Ocorrem algumas variaes nesse
oramento, dependendo da escala do plantio e dos insumos utilizados.
Tabela 1. Coeficientes tcnicos na produo de jambu considerando 1 ha,
junho 2011.
Item

Unidade
Insumo

Quantidade

Preo (R$)

Semente

gr

80

Esterco de ave

kg

70.000

0,00

Adubo mineral

kg

100

200,00

Defensivos

gr

7.000

360,00

3.360,00

Mo de obra
Preparo da rea

D/h

25

500,00

Preparo dos canteiros

D/h

10

200,00

Sementeira

D/h

0,50

Transplantio

D/h

20

400,00

Tratos culturais

D/h

50

1.000,00

Colheita

D/h

25

500,00

6,00

Continua...

CAPTULO 25 - Etnocultivo do jambu para abastecimento da Cidade de Belm, Estado do Par

Tabela 1. Continuao.
Lavagem

Item

Unidade
D/h

Quantidade
10

Amarrio

D/h

20

Custo total

Preo (R$)
200,00
400,00
7.126,00

Produtividade

48.000 maos/ha

Receita bruta

R$ 12.000,00/ha

Receita lquida

R$ 4.800,00/ha

Preo venda

R$ 0,25/mao

Custo produo

R$ 0,15/mao

Lucro lquido mao

R$ 0,10/mao

Nota: Para o clculo foi considerado 192 canteiros de 1,2 m x 25 m (30 m2), com 5.760 m2 de rea til.

Concluses
O sucesso do jambu constitui exemplo de uma produo e consumo
invisveis, que, apesar da sua importncia, no constam nas estatsticas
oficiais. A expanso do cultivo do jambu mostra a importncia que
se deve dar para os recursos da biodiversidade medida que so
domesticados e aqueles que j so cultivados em consonncia com o
crescimento do mercado.
As patentes j registradas configuram uma planta com possibilidades
para atrair os interesses da indstria farmacutica/cosmtica mundial
ou como uma hortalia extica. A sua exportao exige inovaes
tecnolgicas, como a desidratao ou pr-cozimento, reduo no uso
de agroqumicos, produo em escala, etc. A transferncia do jambu
para outras partes do Pas e do mundo torna questionvel alguns
tpicos sobre a legislao de biopirataria. Refora-se a ideia de criao
de um parque produtivo local como a melhor segurana para evitar a
drenagem para outras partes do Pas e do mundo.
O jambu ainda apresenta as caractersticas de um produto sazonal,
limitado pelas festividades populares e datas histricas familiares.
Apesar disso, o jambu apresenta grandes possibilidades de ampliar sua
demanda ao longo do ano. O crescimento do turismo, a disseminao
dessa erva amaznica no Centro-Sul do Pas e no exterior poderia
trazer novos mercados para esse produto.
Atualmente os produtores de jambu no se dedicam exclusivamente ao
cultivo dessa plantas, mas a um conjunto de outras hortalias, visando
promover a rotao dos canteiros, assegurar maior renda, da demanda
especfica para cada produto hortcola e da diferena de rentabilidade
para cada produto.

343

Introduo1
A ocupao do Sudeste Paraense iniciou-se a partir do final do
sculo 19 por religiosos franceses que j faziam expedies nessa
rea com a finalidade converter as tribos indgenas ao cristianismo.
Como a regio era basicamente ocupada por tribos indgenas, poucas
eram as comunidades de homens brancos existentes na rea. Essas
comunidades se resumiam em fazendas, com enormes reas de terra,
quase impossvel de se saber onde era o limite, e com poucas cabeas
de gado, sendo este criado de forma extensiva, posto que a regio
constituda de uma imensa rea de campo natural e cerrado.
Uma das grandes dificuldades encontradas por parte dos seus habitantes
naquela poca era a falta de estradas. As viagens em terra firme eram
realizadas no lombo de animais (cavalo, burro, jumento). O acesso
at a capital Belm s era possvel por meio de barcos e as viagens
duravam muitos dias, em virtude disso, as pequenas aglomeraes de
pessoas fixavam-se s margens dos rios Araguaia e Tocantins, sendo
estes de fato verdadeiras estradas naturais, propiciando o caminhar
aventureiro que firmava pouco a pouco as pessoas no interior do Par
(ACEVEDO MARIN, 1985).
O produto que apresentava maior importncia econmica era a
borracha retirada do caucho2 existente na rea. Alm disso, crescia de
forma acelerada em Belm a demanda da borracha para exportar. Por
se tratar de uma rea pouco povoada, as relaes comerciais tambm
eram realizadas praticamente na base da troca, posto que a presena
humana ainda era restrita e as atividades econmicas resumiam-se ao
extrativismo.
Feitosa et al. (2005).
O caucho um tipo de rvore que produz ltex e exige a sua derrubada para a
retirada do ltex, levando ao seu aniquilamento.

1
2

346

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Um dos grandes desafios das expedies religiosas colonizadoras,


segundo Ianni (1978), era encontrar um lugar adequado para fundar
um povoado em terra firme, posto que as inundaes eram constantes,
principalmente as inundaes decenais, que arrasavam tudo que os
ribeirinhos tinham construdo. Tratava-se, pois, de procurar um lugar
seguro para cristos ou civilizados e melhor para o pastoreio do
gado. Todas as aldeias indgenas e ncleos de homens brancos foram
convencidos pelo frei Gil de Vila Nova que deveriam se reunir em um
s lugar, a fim de ficarem protegidos das enchentes e dos perigos da
floresta. Assim, segundo Ianni (1978), surge o ncleo de Conceio do
Araguaia, unindo ndios e cristos sob a direo espiritual de religiosos
dominicanos que em 14 de abril de 1897, dia de quarta-feira de cinzas,
o frei Gil de Vila Nova, renovando os gestos histricos de frei Henrique
de Coimbra no momento do descobrimento do Brasil, celebrou o santo
sacrifcio debaixo de um frondoso p de pequizeiro3 e batizou o lugar
de Conceio do Araguaia, em homenagem Virgem Imaculada.
Ali, ao mesmo tempo em que se cristianizava o ndio, cristianizava-se a natureza, que era transformada em elemento da sociedade, em
condio e produto das relaes sociais e da economia poltica do
lugar. Era a busca de drogas do serto: ltex, animais, peixes, lenha,
madeira, razes e frutos. Estava em curso a apropriao da natureza
matas, guas, terras e a vida econmica do lugar comeava a ser
dominada pela borracha. Eram centenas de aventureiros que, atrados
pelo caucho, afluam de todos os recantos do Brasil e mesmo dos pases
estrangeiros (IANNI, 1978).
Percebe-se que todas as atividades extrativistas caminharam para o
desaparecimento (borracha e castanha-do-par), seguindo-se da extrao
madeireira em grande escala, sendo substitudas principalmente
pelas grandes fazendas de gado e, na dcada de 1990, pelos plantios
de abacaxi e, recentemente, pela entrada da soja. Os problemas e
as mazelas do ciclo que se encerrava eram transferidos para o ciclo
seguinte.
Embora as atividades econmicas iniciais fossem voltadas para o
extrativismo, em nenhum momento Ianni (1978) faz referncia s
variedades de frutos de poca (buriti, murici, bacuri, pequi, ing, caju,
bacaba, entre outros), comuns nas reas de campos e cerrados, que
possua esse imenso territrio. Isso significa dizer que esses frutos no
tinham significao econmica para a populao local.
Sabe-se, no entanto, que mesmo esses frutos no estando inseridos
na economia de mercado possuem um valor econmico de grande
relevncia, posto que contribuem para a alimentao da maioria das
O pequi pertence famlia Carycaraceae, de nome cientfico Caryocar brasiliense
Camb., sua ocorrncia est associada aos seguintes tipos de vegetao: Campo,
Cerrado, Cerrado e Mata Calcrea e em murundus.

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

famlias de agricultores. Atualmente, o Sudeste Paraense est repleto


de grandes fazendas, mesmo assim, ainda muito forte a presena de
pequizeiros em alguns municpios, entre eles Santana do Araguaia,
Santa Maria das Barreiras, Conceio do Araguaia e Floresta do
Araguaia, por se tratar de imensas reas de cerrado, tipo de solo
propcio para essa vegetao.
Este trabalho tem por objetivo analisar a importncia do pequi
para a economia domstica na agricultura familiar no Municpio de
Santa Maria das Barreiras, mesorregio do Sudeste Paraense, posto
que muitas famlias consomem o fruto in natura ou beneficiado de
diversas formas tais como: culinria, sade, higiene e limpeza. Alm
disso, as pesquisas cientficas em torno desse fruto ainda so muito
tmidas, embora em algumas regies do Pas as comunidades rurais
utilizem desde os tempos mais remotos. No Sudeste Paraense, no se
sabe exatamente a quantidade de pequi que produzida, consumida
ou desperdiada por safra a cada ano, por ser um produto invisvel
no contabilizado nas estatsticas oficiais. Da a necessidade de se fazer
uma anlise de sua importncia na economia domstica, bem como
fomentar o debate em torno das pesquisas sobre a utilizao do fruto
e sua preservao.

Metodologia
Para a realizao deste trabalho, o primeiro contato foi com a Comisso
Pastoral da Terra (CPT), que faz acompanhamento tcnico entre os
pequenos agricultores de alguns municpios do Sudeste Paraense. A
indicao para que a pesquisa fosse realizada no Municpio de Santa
Maria das Barreiras deu-se em virtude de esse municpio possuir um
grande nmero de unidades produtivas que possuem pequizeiros
e tambm da preocupao dos tcnicos com a entrada da soja na
regio. Estes temem que os pequenos produtores vendam suas terras
para os grandes fazendeiros. A CPT, alm de fornecer apoio logstico,
foi tambm a intermediria nos contatos com o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais e dos presidentes de Associaes de Produtores.
A coleta dos dados da pesquisa foi realizada por uma equipe de
dois entrevistadores. O questionrio era composto de perguntas
abertas e fechadas, procurando seguir os critrios de uma linguagem
praticamente regional, cujo objetivo era fazer com que o entrevistado
pudesse sentir-se vontade para dar o maior nmero de informaes
possveis, permitindo assim alcanar os objetivos da pesquisa.
Nesse modelo de entrevista, o papel do pesquisador no decorrer da
entrevista se limita ao recolhimento da informao, estimulao da
comunicao e a manter o fluxo de informaes sobre as variveis
estudadas (CONTANDRIOPOULOS et al., 1994).

347

348

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

As variveis selecionadas para esta pesquisa foram referentes a: trajetria


do produtor ocupante, situao fundiria e uso da terra, sistema de
produo, mo de obra utilizada na unidade produtiva, existncia
de pequizeiro no lote, tipo de colheita e armazenamento do pequi,
aumento ou diminuio nos ltimos anos, forma de comercializao,
forma de consumo pela famlia, incio e fim da colheita do pequi, etc. O
perodo das entrevistas no Municpio de Santa Maria das Barreiras foi
realizado entre os dias 15 e 19 de dezembro de 2004, na comunidade
de Nova Esperana e So Joo Batista. Como se trata de pequenas vilas,
todas as entrevistas foram realizadas na residncia dos entrevistados e
pode-se perceber que a maioria das famlias no mora nos lotes, em
virtude de estes ficarem prximos das vilas, facilitando assim nossa
viagem e aplicao dos questionrios.
Na comunidade de Nova Esperana, o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais acompanhou residncia de alguns produtores
para a realizao de algumas entrevistas. Na comunidade So Joo
Batista, o apoio da presidente da Associao Santa Rosa, fundada
recentemente com o objetivo de obter financiamento do governo
federal, facilitou as entrevistas com os produtores. Essa associao
possui 67 associados e destes foram entrevistados 25%. Ao todo foram
entrevistadas 19 famlias de pequenos agricultores, entre estas apenas
duas utilizam o fruto como fonte de renda, uma delas vende na feira do
Municpio de Redeno e a outra vende por encomenda os derivados
do pequi, utilizando-se de tcnicas artesanais para produo.
Dessa forma, para fazer uma anlise da importncia do produto na
economia domstica, foi necessrio estimar a renda dos produtores,
somente entre aqueles que utilizam o pequi como fonte de renda, no
sendo possvel abstrair a mdia entre os 19 produtores entrevistados.
Procurou-se utilizar a renda lquida de cada um. Caso contrrio, no
se chegaria ao objetivo a que este trabalho se prope: a importncia
do pequi na economia domstica, visando despertar o interesse dos
pequenos produtores para mais essa fonte de renda que pode ser
bastante lucrativa na regio e preservar a espcie que est sendo
ameaada tanto pelas fazendas de abacaxi quanto pela entrada da soja.

Contexto histrico de Santa Maria das


Barreiras
O Municpio de Santa Maria das Barreiras j pertenceu aos municpios
de Conceio de Araguaia e Santana do Araguaia. Da dcada de
1930 at a dcada de 1960, era distrito de Conceio do Araguaia,
permanecendo nessa condio at ser criado o Municpio de Santana
do Araguaia. A rea de Santa Maria foi anexada ao territrio de
Santana e ao mesmo tempo ganhava o status de cidade-sede, mudando
o nome para Santana do Araguaia. Em 1980, aps terem passado por

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

uma grande enchente que destruiu praticamente tudo o que havia


sido construdo e temendo novas enchentes, a sede da prefeitura foi
transferida para a comunidade de Campo Alegre, tendo sido elevada
condio de distrito por meio do Decreto-Lei 5.171, e recebendo
a denominao de Santa Maria das Barreiras (Sudeste do Par hoje,
1995). Na Figura 1 pode ser visualizado o Municpio de Santa Maria
das Barreiras.
Figura 1. Localizao
do Municpio de Santa
Maria das Barreiras,
como parte dos
municpios do Sudeste
Paraense.
Fonte: Terezinha Cavalcante
Feitosa.

Assim, Santa Maria das Barreiras recuperou seu nome de origem e


voltou a ser distrito de Santana do Araguaia. A destruio da cidade
provocada pelas enchentes do Rio Araguaia e a longa distncia do
novo centro administrativo trouxeram uma srie de transtornos
populao local, cujo resultado foi a emancipao poltica por meio de
um plebiscito realizado em 1 de maio de 1988, no qual a populao
exigia que o Distrito de Santa Maria das Barreiras fosse desmembrado
de Santana. Santa Maria das Barreiras foi ento elevada categoria de cidade
por meio da lei de criao 5.451 de 10 de maio de 1988, publicada no Dirio
Oficial em 12 de maio de 1988, com uma rea de 10.205,98 km localizada
no Sudeste Paraense. Faz parte da microrregio de Conceio do
Araguaia, limitando-se ao norte com Redeno, ao sul com Santana do
Araguaia, a leste com Conceio do Araguaia e o Estado de Tocantins
e a oeste com Cumaru do Norte, sendo distante de Belm 1.230 km.
Santa Maria das Barreiras possui uma populao de 11.163 habitantes,
com vrias comunidades rurais, algumas com o nmero de habitantes
superior ao da sede do municpio, podendo ser caracterizada como
uma populao tipicamente rural, posto que 87,28% de seus habitantes

349

350

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

esto na zona rural e apenas 12,82% moram na sede do municpio,


como pode ser confirmado com os dados do Censo Demogrfico 2000
(CENSO DEMOGRFICO, 2000).

Resultado e discusso
Caracterizao dos agricultores
entrevistados no Municpio de Santa
Maria das Barreiras
Os resultados desta pesquisa baseiam-se no levantamento das
atividades econmicas de 19 unidades produtivas, entre produtores
das comunidades de Nova Esperana e So Joo Batista, no Municpio
de Santa Maria das Barreiras. Na pesquisa, a prioridade foi analisar
os dados referentes utilizao do pequi na economia domstica,
tendo sido tambm analisada a prtica dos pequenos produtores na
utilizao do fruto e no seu armazenamento.

Trajetria e origem e dos produtores


No que se refere trajetria e origem dos pequenos produtores
entrevistados, pode-se perceber que a maioria deles do Estado
Tocantins (36,84%), seguido dos estados de Minas Gerais e do Par
(Figura 2). Outros estados como Maranho e Gois representam juntos
apenas 15% do total. De maneira surpreendente, o estado que menos
contribuiu no processo migratrio foi o Maranho. Embora ao se fazer
uma anlise mais minuciosa os produtores de origem tocantinenses
sejam na verdade de origem nordestina. importante observar que
mesmo entre aqueles que so paraenses suas origens so de imigrantes
do Sul e Sudeste do Brasil e nasceram em meio s lutas e conflitos pela
posse da terra.
Figura 2. Estado
de origem dos
pequenos produtores
entrevistados no
Municpio de Santa
Maria das Barreiras no
Sudeste Paraense.

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

A trajetria desses produtores tem bastante semelhana. Muitos


produtores contam suas aventuras ao deixarem suas origens em
busca de uma nova terra. Alguns, ao relatarem suas experincias,
demonstram um saudosismo com sabor de vitria, e no so poucas
as vezes que fazem referncia a Padre Chico4, cujo nome bastante
respeitado entre os produtores mais idosos, que fazem questo de
contar toda a histria de conquista da terra. Outros adquiriram a
terra pelo Instituto de Terras do Estado do Par (Iterpa) e, nesse
contexto de lutas pela terra, resistindo ao latifndio, construram suas
vidas nessa comunidade, onde as relaes de parentescos e amizade
foram fortalecidas entre os pequenos produtores pelas lutas comuns
existentes entre eles.
O tamanho das propriedades foge dos padres atuais dos assentamentos
do Incra, cujo tamanho est entre 38,4 ha a 48 ha. O lote desses pequenos
produtores na sua maioria acima de 96 ha. evidente que muitos
produtores venderam parte de suas terras e outros anexaram terra
a seu lote original, alguns se transformando em pequenas fazendas.
Cerca de 5,26% dos pequenos produtores so os primeiros ocupantes,
o que caracteriza a mesma dinmica de outros assentamentos nos quais
o produtor, aps a destruio dos recursos naturais e a derrubada de
toda a floresta, seja na implantao de pastagem ou em outra atividade
agrcola, vende o lote e sai em busca de outra terra ou procura comprar
a do vizinho. Nesse aspecto, Homma et al. (2001a) afirmam que a
incorporao de lotes de assentados desistentes pelos novos assentados
externos constitui uma caracterstica dos Projetos de Assentamentos
do Sudeste Paraense. Os colonos apresentam a capacidade de prever a
crise que se aproxima, escolhendo novas alternativas, que podem ser
a repetio do processo mais adiante, o deslocamento em direo s
cidades e a sobrevivncia com a venda da fora de trabalho.
A maneira de tratar a terra tem a ver com a inteno de permanncia
do pequeno produtor. A necessidade da terra o leva a uma forma
de utilizao, ou pelo menos levanta a preocupao de conservar o
recurso natural da melhor maneira. No degradar, tratar bem a terra
um ajuste com necessidade de quem quer ficar na terra (GUERRA,
2001). Essa caracterstica observada entre os produtores de Santa
Maria das Barreiras, que se esforam no manejo mesmo rudimentar
da propriedade.
Entre os produtores entrevistados 68,45% adquiriram seus lotes
comprando de outros produtores, isto significa dizer que a maioria
dos produtores acabam transitando de um lugar para outro procura
de satisfao compensatria. Apenas 26,32% dos produtores possuem
terras que receberam do governo, 5,26% do Incra, 10,53% do Getat
Frei dominicano que combatia as injustias sociais e defendia os pequenos
trabalhadores rurais na dcada 1970 e foi preso junto com seu companheiro acusados
pelo regime militar de serem subversivos.

351

352

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

e 10,53% do Iterpa. Nesse contexto, pode-se dizer que terras doadas


pelo governo rapidamente so comercializadas em um curto espao
de tempo (Tabela 1).
Tabela 1. Forma de aquisio do lote entre os pequenos produtores
entrevistados no Municpio de Santa Maria das Barreiras, mesorregio do
Sudeste Paraense.
Forma de aquisio do lote
Ocupao

Nmeros absolutos
1

Percentual
5,26

Incra

5,26

Iterpa

10,53

Getat

10,53

Compra

13

68,45

Total

19

100,00

Como pode ser analisado, so poucos os produtores que permanecem


na terra quando esta doada pelo governo. possvel que aqueles
produtores que compram a terra sejam mais capitalizados e tambm
tenham mais afinidade com a agricultura. Entre aqueles que vendem
as terras, os motivos so vrios, desde doenas da famlia, escolas para
os filhos, at a falta de afinidade para trabalhar na lavoura, sendo este
considerado um trabalho bastante penoso e no muito lucrativo e s
vezes considerado at pejorativo.
importante ressaltar a concepo que o prprio trabalhador rural
tem de si mesmo. Muitas famlias so desagregadas em virtude da
prpria educao que eles receberam. Orgulham-se de dizer que o
filho est estudando para no se tornar ignorante e ter a oportunidade
que ele mesmo no teve, ou seja, de receber a instruo sistematizada.
O filho na verdade incentivado a estudar para arranjar um emprego
na cidade. Quando o pai no consegue alcanar seus objetivos,
costuma dizer que o filho no vai dar para o estudo. A roa vista
como sinnimo de castigo e utilizada como ameaa. Caso o filho no
estude ter que retornar para a roa.
Mesmo entre tantas, dificuldades aqueles produtores que compraram
a terra, seja ela por qualquer preo5 , permanecem na terra por muitos
anos. Entende-se que, quando a terra doada pelo Estado, adquirida
pelo sistema de grilagem ou ocupao planejada, a tendncia os
trabalhadores repassarem para terceiros no mais curto espao de
tempo e por qualquer preo.
No Municpio de Santa Maria das Barreiras, entre os produtores
entrevistados o que tem menos tempo est residindo na propriedade
a mais de 4 anos e o que tem mais tempo 56 anos, chegando a uma
As terras ocupadas para fins de especulao normalmente so compradas por preo
irrisrio, bem abaixo do valor de mercado. Situao que est estabelecida desde as
primeiras ocupaes no Sudeste Paraense e se estendem at os dias atuais.

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

mdia de 28 anos de permanncia na terra. Podem-se distinguir trs


fatores que contribuem para essa permanncia: a compra da terra; o
sistema de roa com pousio; o tamanho da terra. Entre os 68,45% que
compraram suas terras, todos esto em suas unidades produtivas h
mais de 10 anos. Percebe-se que os produtores que querem permanecer
na terra usam todos os mtodos para garantir a sustentabilidade da
propriedade por muitos anos. Mesmo sendo uma rea de campo e
cerrado, os produtores fazem as roas para subsistncia, garantindo
e suprindo boa parte das despesas familiares. A roa a atividade
agrcola mais importante desenvolvida pelos pequenos produtores
de Santa Maria das Barreiras. Na Tabela 2, verifica-se que 68,42% das
propriedades dos produtores entrevistados que possuem pequizeiros
so inferiores a 100 ha.
Tabela 2. Tamanho das propriedades em hectares entre os produtores
entrevistados no Municpio de Santa Maria das Barreiras, mesorregio do
Sudeste Paraense.
Tamanho do lote (ha)
38,4

Total

Nmero de produtores
1

Percentual
5,26

48,0

10,53

67,2

5,26

81,6

5,26

96,0

52,55

110,4

5,26

153,6

5,26

268,8

5,26

816,0

5,26

19

100,00

1.680

Em virtude de o processo de ocupao dessa rea ter sido palco


de inmeros conflitos agrrios, um fator intrigante o fato de os
produtores no serem associados nem ao Sindicato dos Trabalhadores
nem Associao dos Produtores. Alis, a Associao Santa Rosa
tem apenas 6 meses e s foi possvel sua organizao em virtude
dos crditos do governo. H, segundo a presidente do Sindicato dos
Trabalhadores, uma enorme dificuldade de associar-se ao Sindicato
dos Trabalhadores. Alguns s procuram o Sindicato dos Trabalhadores
quando esto prximo de se aposentarem ou quando surge um conflito
de terra. Na verdade, preciso admitir que os produtores possuem
um determinado senso crtico, embora no se possa chamar isso de
politizao, at porque muitos ainda acham que so os polticos que vo
resolver a situao do campo. Mesmo diante de tantas lutas envolvendo
a posse da terra, parecem acreditar mais na poltica partidria do
que no poder da organizao do Sindicato dos Trabalhadores ou da
Associao de Produtores. Na Tabela 3, possvel visualizar o nmero
de pequenos produtores que esto associados tanto na Associao
Santa Rosa, quanto no Sindicato de Produtores, e pelo nmero de no
associados pode-se verificar certo desinteresse. Aqueles que esto na
Associao de Produtores objetivam receber os crditos do governo.

353

354

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 3. Participao nas organizaes dos pequenos produtores


entrevistados no Municpio de Santa Maria das Barreiras, mesorregio do
Sudeste Paraense.
Tipo de associao
Associao Santa Rosa

Nmero de produtores
10

Percentual
53,00

Sindicato

5,00

No associados

42,00

Total

19

100,00

Por meio da Tabela 3, pode-se observar que os pequenos produtores


da comunidade Nova Esperana que fazem parte da Associao Santa
Rosa no so associados no Sindicato. Isso demonstra que quem fora
os pequenos produtores organizao o Estado. Os produtores que
no fazem parte da Associao dizem que no possuem pasto e no
gostariam de implantar e, portanto, esto esperando outra linha de
financiamento para se associarem. Porm, mesmo assim, frequentam
as reunies para ficarem a par das mudanas nas polticas pblicas
direcionadas ao campo que ocorrem frequentemente.
Pela forma como os produtores se referem ao sindicato, percebe-se
que h pouca confiana nas lideranas locais. Na Tabela 3, isto pode
ser visualizado, percebendo-se um Sindicato muito fraco, que no
tem poder de mobilizao. Nesse caso, os agricultores s se organizam
pelas buscas de necessidades imediatas como no caso da Associao
Santa Rosa. Como diz Homma (2001), a qualidade das lideranas
nos Projetos de Assentamentos apresenta diferenas marcantes que
refletem nas melhorias coletivas em bens pblicos obtidos mediante
constante presso e peregrinao nos rgos pblicos.
Essa fragilidade do Sindicato e a falta de informao fazem com
que o agricultor opte apenas pelo sistema de roa e pela criao de
algumas cabeas de gado. No h entre os pequenos produtores
uma preocupao com lucro. A preocupao da maioria com a
sobrevivncia da famlia e a sustentabilidade da propriedade. Na rea
pesquisada, pode-se constatar que mesmo estando em um ambiente
rico em recursos naturais o agricultor no d ateno para esse
aspecto, direcionando todos os seus esforos na implantao da roa.
Os recursos naturais so na verdade apenas utilizados como fonte de
alimentao de forma espordica.

O pequi e sua importncia na economia


domstica
Caractersticas do pequi
O pequizeiro uma rvore de mdio porte e de copa exuberante,
arredondada, com bastante galharia, de caule retorcido e folhas mais
ou menos ovais de cor verde, tpica do cerrado, ou seja, chapadas e

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

campos. O fruto do pequizeiro arredondado de cor verde, chega a se


confundir com as folhas. distncia no se percebe se a rvore tem ou
no fruto, que consumido tradicionalmente nos estados do Sudeste,
Centro-Oeste, Norte e Nordeste, e tem importncia econmica e
social, gerando emprego e renda para inmeras famlias de agricultores
que vivem nas reas de cerrado. Faz parte do patrimnio local, tem
valor nutritivo e medicinal. Entre a infinidade de frutos do cerrado, o
pequi se destaca pelo seu valor nutritivo e cultural. O fruto apresenta
dimenses de 6-14 cm de comprimento e de 6-10 cm de dimetro,
com peso de 100-300 g, apresentando de 1 a 4 sementes por fruto.
Um pequizeiro excepcional pode produzir at 6 mil frutos, que vo
amadurecendo e caindo paulatinamente (OLIVEIRA et al., 2003).

A safra do pequi
O pequizeiro tem uma safra de curta durao. Entre o perodo de
florao e a colheita do fruto so aproximadamente 3 meses. Segundo
as informaes dos pequenos produtores entrevistados, a florao se
inicia da segunda quinzena de julho primeira quinzena de agosto.
A flor do pequizeiro tem um odor agradvel e desperta o apetite dos
animais silvestres e o instinto predatrio do homem. No perodo da
florao, os produtores costumam esperar a caa veado, paca e porco
do mato que costuma comer as flores noite. A caada torna-se
um atrativo, pois alm de contribuir na alimentao passa a ser um
momento de diverso, uma espcie de relaxamento. O produtor sai
tardezinha, munido de uma espingarda velha, cartucho, uma boa
lanterna e uma pequena rede. Arma a rede no pequizeiro e, logo que
escurece, os animais silvestres comeam a chegar para comer os frutos
do pequizeiro e so abatidos. Para muitos caadores uma verdadeira
aventura.
Aps a florao, inicia-se o perodo de desenvolvimento do fruto,
que vai at incio de outubro, quando os primeiros frutos comeam
a cair. So 3 meses de colheita: outubro, novembro e dezembro.
Novembro o ms de maior produo. Nesse perodo, comum o
morador das cidades vizinhas buscar o pequi nos finais de semana,
assim como os comerciantes de feira. Estes alugam caminhes e
vo em busca do fruto durante a semana. Como os produtores no
conhecem o valor econmico que o fruto poderia contribuir para a
propriedade, agradecem aos comerciantes pelo recolhimento do fruto
e at facilitam a colheita indicando o local de maior concentrao.
Para os comerciantes de feira, o produto torna-se mais rentvel, posto
que alm do frete no se paga mais nada por ele. como se no fosse
produto de ningum. Os produtores no tm noo da quantidade de
pequi produzida por safra.
A maioria no observa se a produo est ou no aumentando. Para
57% dos produtores o pequi tem diminudo, para 43% tem aumentado.

355

356

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Nesse caso percebe-se que os produtores no costumam observar


essa atividade produtiva. Um dos fatores que tem contribudo para
diminuio do pequizeiro o fogo, outros dizem que a quantidade
de chuva. De qualquer forma, pode-se observar que um dos fatores
que contribuem para baixa produtividade o excesso de calor, seja ele
provocado pela estiagem ou pelo fogo.
Os pequenos produtores s coletam o pequi para consumo domstico
e, segundo os entrevistados, 94,74% colhem o pequi depois que ele est
cado no cho e 5,26% no tm pequizeiros na propriedade. O melhor
horrio para colheita do pequi pela manh antes do sol esquentar.
Na Tabela 4 pode-se analisar que o horrio de colheita do pequi est
relacionado com o tipo de armazenamento. Observou-se tambm que
5,26% dos produtores colhem o fruto 4 dias por semana, 15,78% uma
vez, 30,60% duas vezes, 36,76% todos os dias e 10,53% no colhem. A
colheita realizada apenas para consumo, seja para complementao
alimentar, ou para fazer sabo e retirar o leo que ser utilizado no uso
medicinal das comunidades locais. Entre os produtores entrevistados,
apenas 10,53% vendem os produtos para seus pares.
Tabela 4. Identificao do horrio de colheita do pequi seja para consumo
ou para comercializao entre os pequenos produtores entrevistados no
Municpio de Santa Maria das Barreiras, mesorregio do Sudeste Paraense.
Horrio da colheita
Manh

Nmero de produtores
10

Percentual
52,70

Manh e tarde

26,30

Tarde

10,50

No colhe

10,50

Soma

19

100,00

A durao do fruto depois de colhido maduro depende do processo de


armazenamento. Para prolongar a durabilidade do fruto, necessrio
que este seja colocado com casca em lugar arejado e frio. Quando
armazenado em lugar fresco, este pode durar at 8 dias. Normalmente
so colocados sobre sacos de fibras de juta, em lugares umedecidos,
bem espalhados, evitando que um fique sobre o outro, a fim de se
adquirir maior durabilidade. Outra forma de armazenamento colocar
no freezer empacotado em sacos plsticos depois de descascado. Esse
processo pode durar at 1 ano, embora os produtores e consumidores
afirmem que sendo armazenado dessa forma o fruto perde o cheiro e
o sabor. Outros ainda propem que seja guardado em conserva, mas
apenas 10,53% dos entrevistados dominam essa tcnica. Alm disso,
a tcnica um segredo cercado de mistrios que no podem ser
revelados.
No que diz respeito quantidade produzida, dois fatores podem
interferir nesses aspectos: um deles as queimadas e o outro a prpria
natureza por meio das chuvas. As queimadas podem determinar a

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

safra do pequi e a chuva, segundo os produtores, deve ser na medida


certa. Se chover muito durante o perodo da florao as flores caem
antes de vingar o fruto e se chover pouco o pequizeiro no flora.
Quando os produtores resolvem queimar os campos para renovao
das pastagens a quantidade de frutos diminui bastante, posto que os
frutos que pegam calor no vingam. Percebe-se nesse aspecto que a
relao homem natureza ainda bastante conflituosa, tornando-se
necessrio um despertar da conscincia ecolgica, como diz Pena-Vega (2003), quanto necessidade de modificar a relao ecolgica
entre um ser vivo e seu meio. No caso desses agricultores, na tentativa
de melhorar as pastagens outro ser vivo destrudo e um ecossistema
desequilibrado. Como o pequizeiro ainda no visto como fonte
de renda para os pequenos produtores de Santa Maria das Barreiras,
no existe tambm uma preocupao na sua preservao. Nota-se
a praticidade de o produtor preferir ganhar no presente ao invs de
ganhar no futuro (FEITOSA, 2003).
Todos os entrevistados apreciam e destacam o valor do fruto na arte
culinria e na medicina natural, porm ainda no despertaram para
seu valor econmico e provavelmente, se no houver interveno
nesse sentido, o pequizeiro poder ser mais uma espcie de rvore
em extino na Amaznia, posto que as grandes fazendas de abacaxi
e a entrada da soja se tornam uma forte ameaa de extino do
pequizeiro. Como a tendncia do homem preservar apenas aquilo
que proporciona resultados imediatos, o pequizeiro no Sudeste
Paraense est condenado extino, posto que, enquanto o mercado
apresenta caractersticas competitivas, a dimenso ecolgica exige
cooperao (HOMMA et al., 1998). Para preservao de uma espcie,
alm de manejo adequado, torna-se necessria a conscincia ecolgica
e o valor econmico.

A importncia da renda do pequi para os


agricultores
Embora bastante utilizado como fonte de renda entre agricultores
familiares dos estados da Bahia, Gois, Tocantins, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, So Paulo e Distrito Federal, no Estado do Par, que tem
uma produo significativa, os agricultores familiares de Santa Maria
das Barreiras ainda no despertaram seus interesses para coleta do
pequi para fins comerciais. Mesmo tendo uma produo significativa,
estes utilizam os frutos apenas no consumo domstico. Entre os
agricultores entrevistados, cerca de 89% possuem pequizeiros em suas
propriedades. Dos 1.680 ha pesquisados, 943 ha das propriedades
tm pequizeiros, o que corresponde a 55,60% da rea. A maioria
deles, cerca de 55%, doa o pequi para comerciantes das cidades
circunvizinhas, como Conceio do Araguaia, Redeno e Araguana,
no Estado do Tocantins, para onde so transportados nos bagageiros
de nibus. Cerca de 21% dos produtores utilizam o pequi no consumo

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358

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

domstico, 10,53% no o consomem e 10,53% vendem parte do que


colhem, outra parte consumida na propriedade. Muitos agricultores,
desconsiderando o valor comercial do fruto, dizem que agradecem os
coletores da cidade, posto que estes fazem o favor de limpar a terra,
uma vez que o processo de decomposio do fruto apresenta um odor
desagradvel.
Ao contrrio de outros estados em que o pequi considerado importante
fonte de renda, chegando a ter concorrncia entre os coletores, no
Sudeste Paraense o fruto praticamente considerado sem valor, exceto
por aqueles que usam artesanalmente e como uma atividade aleatria
(OLIVEIRA et al., 2003). Mesmo assim, os poucos que se utilizam
dessa fonte de renda demonstram que ela pode ser lucrativa e contribui
no oramento domstico. Cerca de 27,65% admitem que no perodo
da colheita do pequi sua renda aumenta, mesmo que para a maioria
seja considerada uma renda invisvel (MENEZES, 2002). Os 10,53%
dos produtores entrevistados que o utilizam como fonte de renda
afirmam ser uma atividade lucrativa, como pode ser conferido nos
dados posteriormente.
A colheita do pequi feita manualmente e varia o tempo de trabalho
de um produtor para outro. A mdia de colheita entre os produtores
de um saco por hora, que corresponde a 4 latas de 18 L. Um litro
pega em mdia entre 18 a 22 frutos de pequi descascado, dependendo
do tamanho do fruto. Porm essa quantidade depende do nmero
de pequizeiros e da distncia existente entre eles. Os produtores
que utilizam a venda do produto in natura nas feiras livres tm suas
vantagens econmicas. Analisando o produtor que vende duas
vezes por semana, pode-se concluir que o risco de perda zero. Os
frutos colhidos nas segundas-feiras e nas teras-feiras so vendidos
fresquinhos nas feiras de quartas-feiras e os que so colhidos nas
quintas-feiras e sextas-feiras so vendidos nos domingos.
O produtor que colhe em mdia 8 sacas em 6 horas, fazendo a colheita
em 4 dias por semana, chega a colher 32 sacas, o que corresponde a 128
latas e um total de 352 L de pequi descascado. Se o produto for vendido
a R$ 2,00 o litro, esse produtor chega a um faturamento de R$ 704,00
bruto por semana. Descontado o preo do frete de R$ 2,00 por saca
mais a passagem de R$ 20,00 e alimentao de R$ 10,00, as despesas
ficam em torno de R$ 94,00, o que proporciona uma renda lquida de
R$ 610,00 por semana. Considerando um ms de 4 semanas, a renda
liquida ficar em torno de R$ 2.440,00 por ms.

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

Analisando a venda do fruto com casca, chegou-se aos seguintes


resultados. A saca com casca fica em torno de R$ 10,00. Mesmo se
o produtor decidir vender para o atravessador, colhendo 8 sacas por
dia chegaria a um ganho real de R$ 80,00 por dia. Trabalhando 6
horas por dia e 5 dias por semana ganhar R$ 400,00, chegando a um
faturamento mensal de R$ 1.600,00. claro que esse rendimento no
pode ser estendido a todos os produtores. Uns podem ganhar mais
outros menos. Para aqueles que trazem poucas sacas, normalmente os
carros no cobram o frete. E, como foi dito anteriormente, apenas dois
produtores fazem do pequi uma atividade considerada lucrativa, os
demais no do importncia. Para fazer esses clculos, foi necessrio
ficar horas na feira livre, observando e analisando o processo de
comercializao, conversando com o produtor-vendedor para chegar
a esses resultados.
Outro aspecto a ser considerado o preo. No incio da colheita, o
litro de fruto descascado custa R$ 1,50, visto que o fruto ainda no
est muito saboroso para o consumo e, no final da colheita, chega a
R$ 2,50/litro em virtude da escassez do produto. Muitos goianos e
mineiros que moram na cidade de Redeno chegam a armazenar o
produto em freezer para ser consumido durante o ano at chegar a
prxima safra.
Mesmo o pequi no sendo considerado como fonte de renda pela
maioria dos produtores, verifica-se sua importncia na renda e no
consumo domstico, bem como na alimentao e produtos de higiene
e limpeza. Quase todos os produtores dizem utilizar o sabo feito do
pequi durante o ano, isso significa dizer que numa famlia de quatro
pessoas, considerando o gasto de uma caixa de sabo em p Omo por
semana, isso resultaria numa economia de R$ 177,00 por ano. Outra
utilidade do pequi vem de seus derivados: o leo bastante utilizado
pelos camponeses como antigripal e tambm para tirar mancha da
pele. Portanto, percebe-se que falta pesquisa e incentivo aos produtores
para otimizao do fruto.
O levantamento realizado com os produtores que utilizam o fruto para
fins comerciais demonstra a importncia que este tem no oramento
da famlia. Uma produtora chegou a produzir na safra de 2004: 2
garrafas de azeite6, 12 caixas de conservas com 12 vidros cada, 7 L de
leo, 3 caixas de farinha contendo 13 pacotes de 800 g cada, 1 L de
creme para conserva de pimenta. Ainda segundo a produtora, ela no
vende o fruto porque gosta de trabalhar com os produtos derivados,
como se fosse uma arte. Na Tabela 5, pode-se observar a relao dos
produtos e o preo comercializado.
O azeite do pequi no deve ser confundido com o leo. O leo retirado da polpa
e o azeite da castanha. muito trabalhoso retirar o azeite, posto que o fruto possui
uma camada de espinhos muito densa e bastante minscula. Quando esses espinhos
penetram na pele causam muitas dores e quando no se consegue retirar pode virar
uma espcie de cravo.

359

360

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 5. Relao dos produtos derivados do pequi produzidos


artesanalmente pelos pequenos produtores entrevistados no Municpio de
Santa Maria das Barreiras, mesorregio do Sudeste Paraense.
Produto
Azeite
leo
Conserva

Quantidade

Unidade
medida

Preo
Preo total
unitrio
(R$)
(R$)
8,00
16,00

2 garrafas

250 ml

7 litros

1.000 ml

25,00

175,00

144 vidros

800 g

8,00

1.152,00

Farinha

39 pacotes

800 g

6,00

234,00

Creme para conserva de pimenta

16 garrafas

250 ml

8,00

128,00

55,00

1.705,00

Soma

Na Tabela 5 pode-se observar que o rendimento bastante significativo,


alm de ser uma atividade que apresenta baixo custo de produo.
Os produtos que exigem investimento na produo so apenas as
conservas, mesmo assim os produtos utilizados so baratos, como
vidro, sal, vinagre e gua. Os produtores no revelam a quantidade de
produtos utilizados para produo, mas dizem que em cada vidro de
conserva o lucro lquido fica em torno de R$ 5,30. Os demais vidros
e garrafas so recolhidos na vizinhana e os saquinhos para farinha
so fornecidos pelos supermercados que fazem a encomenda, sem
nenhum custo para o produtor.
Nesse aspecto, possvel considerar que os frutos do cerrado podem
se tornar uma fonte significativa de renda para todos os pequenos
produtores da regio do cerrado no Sudeste Paraense, melhorando a
qualidade de vida dessas famlias.

Consideraes finais
No Sudeste Paraense, assim como em outras reas da Amaznia, h
uma infinidade de produtos da floresta e do cerrado que poderiam
ser otimizados como fonte permanente de renda para a economia
domstica dos pequenos produtores. Entretanto, a fragilidade das
organizaes sindicais e associaes nos Projetos de Assentamentos,
bem como as Cooperativas que se habilitam a assessorar as associaes,
demonstram no ter conhecimento da importncia econmica desses
produtos. Essas organizaes ficam merc do direcionamento
das polticas pblicas, sendo estas padronizadas. Os projetos para
agricultura se resumem nas atividades agrcolas e/ou agropecuria,
que podem ser financiadas pelos bancos. No h entre os pequenos
produtores do Sudeste Paraense um despertar para a utilizao dos
frutos do cerrado, que nesse caso no se restringe apenas ao pequi,
como foi dito no incio deste trabalho. O buriti, o murici, a bacaba, o
caju, o ing, o caj (tapereb), entre outros frutos, fazem parte desse
cenrio.

CAPTULO 26 - A importncia do extrativismo do pequi na economia domstica entre os agricultores


do Sudeste Paraense

Alm da falta de conhecimento tcnico e da importncia comercial


dos produtos do cerrado para economia domstica, outros fatores
contribuem para esse descaso, tais como: energia eltrica, conservao
das estradas e capacidade de armazenamento. Como os produtores
apresentam dificuldade em informar a quantidade produzida e
comercializada, assim como a quantidade desperdiada, fica difcil
calcular as perdas. Com esse estudo, pode-se chegar concluso de
que as perdas so bastante significativas, porm no se sabe quanto.
Imagina-se que entre os 10 produtores que possuem pequizeiros h
possibilidade de ter um lucro lquido de R$ 2.440,00 por ms/safra.
Durante os 3 meses de safra, esse produtor acumularia R$ 7.320,00,
que multiplicando por 10 produtores ter-se- a cifra de R$ 73.200,00
circulando no mercado local.
Diante das dificuldades de mensurao e quantificao dos ganhos e
perdas, seria necessria uma pesquisa mais profunda sobre o assunto.
A partir dos resultados obtidos, os pequenos produtores poderiam
ser motivados organizao na busca de infraestrutura para as reas
de assentamentos e organizao de cooperativas para otimizao dos
frutos do cerrado como fonte permanente de renda, considerando
ainda que o perodo de safra do pequi normalmente aquele em que os
produtores esto desocupados das obrigaes da roa, melhorando a
qualidade vida e injetando mais recursos na economia local, inclusive
gerando empregos no campo e na cidade, a exemplo de outros estados
(OLIVEIRA et al., 2003).

361

Introduo1
Na Amaznia destacam-se duas variedades de tucumanzeiro,
o tucumanzeiro-do-par (Astrocaryum vulgare Mart.) e o
tucumanzeiro-do-amazonas (Astrocaryum aculeatum Meyer). A
palmeira tucumanzeiro-do-par menor, com 10 m a 15 m de altura,
regenera facilmente por perfilhar, possuindo vrios estipes, enquanto
o tucumanzeiro-do-amazonas pode alcanar 25 m de altura e no
perfilha, tornando-se um tronco nico. Seus frutos so maiores e a
sua polpa mais carnuda, com menor quantidade de fibra e menos
adocicada do que o tucum-do-par.
Para Lorenzi (1992), ambas ocorrem em terra firme da Floresta
Amaznica, onde formam agrupamentos relativamente homogneos,
em formaes primrias e secundrias, produzindo anualmente
grande quantidade de sementes viveis.
Para Oliveira et al. (2003), as palmeiras diferem entre si no hbito
de crescimento do estipe, sendo predominantemente em touceira
o tucum-do-par e solitrio o tucum-do-amazonas. A espcie
predominante no Estado do Par destaca-se no uso das folhas e na
extrao de fibras e dos frutos para alimentao, seja in natura ou na
forma de sorvetes e polpa congelada. Ainda os mesmos autores relatam
que o tucum-do-amazonas tem sua polpa amplamente utilizada em
recheio de sanduches, tapiocas e outros. Ambas as espcies tm uso
mltiplo entre as populaes de baixa renda que vivem na sua regio
de ocorrncia. Contudo, sua real importncia econmica reside na
explorao da polpa dos frutos para o consumo, alm de servir para
explorao de leos comestveis (GENTIL; FERREIRA, 2005), sendo
uma rica fonte de vitamina A, carotenoides (ROSSO; MERCADANTE,
2007), aminocidos essenciais (BORA et al., 2001) e ampla gama
Verso ampliada de dois trabalhos apresentados no 2 Congresso Brasileiro de
Recursos Genticos, em Belm, Par, no perodo de 24 a 28 de setembro de 2012.

364

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

de triglicerdeos (OBOH; ODERINDE, 1988). Alm disso, possui


potencial de uso na medicina popular (COELHO-FERREIRA, 2009)
e para gerao de combustveis alternativos base de biodiesel (LIMA
et al., 2008). uma palmeira caracterstica de terra firme alta, de
cobertura vegetal baixa (MORAIS; GUTJAHR, 2009). considerada
uma planta pioneira de crescimento agressivo, resistente ao fogo, com
capacidade de rebrotar aps as queimadas e, principalmente, que
habita as capoeiras e pastagens.
Para Cavalcante (2010), o tucumanzeiro pertence famlia Arecaceae,
tambm conhecido como tucum-do-par, uma palmeira de
crescimento em touceira com mdia de quatro estipes densamente
espinhosos. Seus frutos tm potencial no mercado de alimento,
cosmtico, artesanato e leo, sendo considerada espcie promissora
para produo do biodiesel na Amaznia. A polpa rica em caroteno
(provitamina A), protenas, carboidratos, minerais e fibras. Pode ser
consumida in natura ou na forma de suco, licor, sorvete e creme.
Produz em mdia 37,5% de leo amarelo e a amndoa de 30% a 50%
de leo branco, ambos comestveis.
Morais e Gutjahr (2009) mencionam que o caroo utilizado no
artesanato, as folhas fornecem uma fibra bastante resistente, que usada
nas cestarias, e a polpa do fruto consumida in natura ou em forma de
um suco denominado vinho de tucum, obtido do fruto macerado
com gua, e ainda em forma de sorvete. A polpa altamente nutritiva
e contm uma das mais elevadas concentraes de provitamina A
betacaroteno (52 mg/100 g de polpa), valor s igualvel polpa do
buriti. Em comparao, a concentrao de betacaroteno na cenoura
de 6,6 mg/100 g de polpa. O leo de tucum empregado na cozinha,
em tratamento de sade e em massagem.
Segundo Ferreira et al. (2009), o seu cultivo na Amaznia
inexpressivo, provavelmente em razo da dificuldade na germinao,
a qual normalmente baixa, com lenta emergncia e acentuada
desuniformidade das plntulas.
O tucumanzeiro-do-par precisa de maior apoio das instituies de
pesquisa referentes sua domesticao, uma vez que essa espcie
apresenta resistncia s pragas e doenas e ao fogo, pouco exigente em
fertilidade do solo e apresenta boa capacidade de perfilhamento. Essas
caractersticas fazem dessa espcie uma alternativa para a produo de
biodiesel, uma vez que os custos operacionais de um plantio ordenado
so menores do que os do dendezeiro.

CAPTULO 27 - Extrao de polpa e leo da larva do fruto de tucum-do-par


(Astrocaryum vulgare mart.) no Municpio de Soure, Par

Objetivo da pesquisa
O objetivo foi realizar um diagnstico socioeconmico dos
agricultores familiares e extrativistas que utilizam e comercializam
frutos e subprodutos do tucum. Esta pesquisa faz parte das atividades
do Projeto Gerao de Tecnologias para o Tucum como palmeira
potencial para a produo de biodiesel utilizando as reas degradadas
na Amaznia Oriental.

Metodologia
Foi realizado o levantamento dos dados de 20 agricultores familiares
e extrativistas que realizam o processo de extrao de polpa e de
leo do fruto de tucumanzeiro. Essas entrevistas foram realizadas na
Comunidade Pedral, Municpio de Soure, Ilha de Maraj, no perodo
de 22 a 25 de setembro de 2011. Essa comunidade est localizada na
Reserva Extrativista Marinha de Soure (Resex-Soure), criada pelo
Decreto Presidencial de 22 de novembro de 2001. uma Unidade de
Conservao Federal, estando responsvel pela sua gesto o Instituto
Chico Mendes de Conservao e Biodiversidade (ICMBio) juntamente
com a Associao de Usurio de Reserva Extrativista Marinha de Soure
(Assuremas). A unidade constituda por duas reas descontnuas,
totalizando 27.463,58 ha, sendo subdividida em rea marinha e
ambiente costeiro com predominncia de manguezais.
A coleta dos dados foi desenvolvida por uma equipe de dois
pesquisadores, por meio da formulao de perguntas abertas e/ou
fechadas2, que obedeceu aos critrios de uma linguagem coloquial,
procurando usar o mximo de expresses conhecidas dos entrevistados,
de modo que as informaes obtidas permitissem atingir os objetivos
da pesquisa.

Amostra dos agricultores extrativistas


Para o levantamento de campo, levou-se em considerao uma
amostragem intencional, considerando-se somente propriedades de
agricultores familiares e extrativistas, com rea inferior a 10 ha, cujos
produtores participam da coleta de frutos obtidos de forma extrativa
no seu estabelecimento. Levou-se em considerao ainda que tal
amostragem refletisse uma distribuio espacial mais representativa e
homognea possvel.
Para Andrade (1995): Constitui-se de tcnicas empregadas, principalmente, na coleta
de dados das pesquisas de campo: formulrios, questionrios (...) e histrias de vida,
etc.

365

366

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Algumas variveis selecionadas foram referentes composio familiar,


ao uso da terra, situao fundiria, ao sistema de coleta extrativa,
venda de mo de obra, coleta do fruto de tucum e ao processo da
retirada do leo do bichinho do fruto de tucum.
As entrevistas foram realizadas com a presena da famlia (esposa e
filhos), visando obteno do maior nmero possvel de informaes
sobre a extrao do leo da larva do fruto de tucum. Cabe esclarecer
que, em alguns momentos durante o levantamento dos dados na
Comunidade Pedral, no houve a participao da famlia em virtude
das atividades desenvolvidas no estabelecimento. Porm, no foi
sentido qualquer tipo de rejeio ou inibio por parte dos agricultores
entrevistados, provavelmente por ter sido utilizada a tcnica de
imerso3, que se configurou num instrumento altamente significativo,
uma vez que estimulou um ambiente de maior liberdade de expresso
dos agricultores entrevistados. Ademais, facilitou a participao de
grande parte dos entrevistados, alm de gerar a troca de experincias,
informaes e ideias entre pesquisadores e agricultores envolvidos.
Aps a concluso da pesquisa, esses dados foram divulgados em
um Dia de Campo para os moradores da Comunidade do Pedral no
perodo de 18 a 20 de setembro de 2012.

Resultados e discusso
Com base no levantamento socioeconmico realizado, foram analisados
os dados de maior relevncia, ou seja, aqueles que refletissem o perfil
da agricultura familiar e extrativista no processo e beneficiamento da
retirada da polpa e do leo da larva do fruto de tucum.
Identificou-se que todos os agricultores entrevistados na comunidade
Pedral so paraenses. Os familiares mencionaram que no passado
vieram de outras localidades onde haviam nascido seus descendentes.
Todos os agricultores entrevistados afirmaram no possuir nenhum
documento da propriedade, sendo de domnio coletivo, convalidado
com a criao da Reserva Extrativista Marinha de Soure. Apenas um
entrevistado afirmou possuir outra propriedade.
Observou-se que os agricultores envolvidos na coleta e processamento
do tucum so relativamente jovens, na faixa etria de 19 a 40 anos,
correspondendo a 65% dos agricultores entrevistados. H uma
predominncia feminina na coleta e beneficiamento dos frutos de
tucumanzeiro (Tabelas 1 e 2).
Consiste no convvio do agricultor com o pesquisador, estabelecendo-se uma
relao de confiana por parte do agricultor em relao ao pesquisador, facilitando,
assim, o retorno das informaes por parte dos agricultores, as quais fluem com mais
facilidade e so mais reais (CHAMBERS, 1994). De acordo com o mesmo autor, essa
tcnica adotada para favorecer o processo de confiana entre pesquisadores e
agricultores, contribuindo para melhor fluncia de informaes.

CAPTULO 27 - Extrao de polpa e leo da larva do fruto de tucum-do-par


(Astrocaryum vulgare mart.) no Municpio de Soure, Par

A coleta feita geralmente pelas mulheres e os filhos se as palmeiras


estiverem prximas das casas e, se for distante, realizado pelos
homens e o transporte realizado pelos animais ou bicicletas.
Tabela 1. Ano da chegada, faixa etria e sexo dos agricultores entrevistados
envolvidos na coleta e processamento de tucum.
Nmero

Percentual (%)

Ano da chegada
De 1945 a 1970

30,00

De 1971 a 1991

11

55,00

De 2000 a 2006

15,00

Total

20

100,00

19 a 40

13

65,00

41 a 65

35,00

Total

20

100,00

Idade (anos)

Sexo
Masculino

20,00

Feminino

16

80,00

Total

20

100,00

A safra de tucum ocorre com maior intensidade no perodo de janeiro


a maio, ocorre variao de produo de fruto entre os anos e no existe
unanimidade quanto ao melhor tucum de casca amarela ou vermelha
(Tabela 2).
Tabela 2. Perodo de safra, variao de produo anual e caractersticas
adequadas do fruto de tucum.
Nmero

Percentual (%)

Safra do tucum
Janeiro a maro

5,00

Janeiro a maio

13

65,00

Janeiro a julho

30,00

Total

20

100,00

Sim

14

70,00

No

30,00

Total

20

100,00

Casca amarela

35,00

Casca amarela e doce

25,00

Casca vermelha

20,00

Casca vermelha e doce

20,00

Total

20

100,00

Produo anual varivel

Melhor tucum

367

368

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O tucumanzeiro apresenta em mdia 4 cachos por planta. Muitos


animais domsticos, como bfalos, cavalos e porcos, consomem os
frutos de tucum.
Os estipes dos tucumanzeiro so muito utilizados nas propriedades na
construo das instalaes para criaes de galinhas e porcos, proteo
das hortas e depsito para guardar as ferramentas.
A hora da coleta tanto pode ser pela manh ou pela tarde, 75% dos
entrevistados recolhem os frutos de 50 a 200 palmeiras, 65% recolhem
30 kg de frutos e 70% gastam at 3 horas nesse servio (Tabela 3). A
coleta dos frutos de tucum efetuada no cho por todos os produtores
entrevistados.
Tabela 3. Hora de coleta, quantidade de ps e de frutos e tempo gasto na
coleta.
Nmero

Percentual (%)

Hora de colher
Manh

11

Qualquer hora

55,00
45,00

Total

20

100,00

50 a 100 ps

30,00

101 a 200 ps

45,00

201 a 300 ps

10,00

No sabe

15,00

Total

20

100,00

30

13

65,00

40

15,00

60

20,00

Total

20

100,00

At 3 horas

14

70,00

3,5 a 5 horas

15,00

5,5 a 8 horas

15,00

Total

20

100,00

Nmero palmeiras coletadas (dia)

Quantidade frutos coletados (kg)

Tempo gasto

O vinho da polpa de tucum consumido por 65% dos agricultores


entrevistados e 55% dos entrevistados relataram que o vinho
elaborado pelas mulheres, utilizando-se a colher e a faca para a
retirada da polpa, e despende-se at 1 hora para produzir 1 kg de polpa
de tucum (Tabela 4).

CAPTULO 27 - Extrao de polpa e leo da larva do fruto de tucum-do-par


(Astrocaryum vulgare mart.) no Municpio de Soure, Par

Tabela 4. Consumo, beneficiamento, ferramentas e tempo gasto para


retirada de polpa utilizada no processo de fabricao do vinho da polpa de
tucum.
Nmero

Percentual (%)

Consumo de vinho
Sim

13

No

65,00
35,00

Total

20

100,00

Elaborao do vinho
No

35,00

Mulher

11

55,00

Todos

10,00

Total

20

100,00

Ferramentas retirada polpa


No tira

35,00

Colher e faca

11

55,00

Batendo pilo

10,00

Total

20

100,00

At 1 hora

11

55,00

2 horas

5,00

3 horas

5,00

No tira polpa

35,00

Total

20

100,00

At 50

10,00

51 a 100

45,00

101 a 120

10,00

No tira polpa

35,00

Total

20

100,00

Tempo produo 1 kg polpa

Quantidade de frutos (kg)

Observou-se tambm que 60% dos agricultores tm problemas


com a competio na coleta de frutos por outras pessoas em suas
propriedades.
O processo para retirada da larva para a fabricao do leo do tucum
realizado nos meses de junho a setembro, considerados os meses
ideais para retirada das larvas que se encontram dentro dos frutos,
conforme pode ser observado na Figura 1.

369

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Figura 1. Processo de
obteno de leo a
partir da larva contido
no fruto do tucum.
(A) Corte dos frutos;
(B) Retirada das larvas;
(C) Detalhe das larvas;
(D) Lavagem das larvas;
(E) Fritura das larvas;
(F) Separao do leo.

Fotos: Grimoaldo Bandeira de Matos.

370

CAPTULO 27 - Extrao de polpa e leo da larva do fruto de tucum-do-par


(Astrocaryum vulgare mart.) no Municpio de Soure, Par

J o perodo que vai do final de outubro at dezembro no serve para


retirada das larvas, uma vez que ele se encontra magro e mais difcil
de conseguir a quantidade de larvas, no produzindo um bom leo
e no compensando em fazer essa explorao. Observou-se tambm
que 60% dos agricultores entrevistados processam e retiram as larvas
debaixo das rvores (Tabela 5).
Tabela 5. Processamento do fruto de tucum.
Processamento
Quebra no prprio local

Nmero
2

Percentual (%)
10,00

Debaixo das rvores

12

60,00

Dentro de casa

15,00

Consome fruto e vinho

10,00

Debaixo das rvores com sal

5,00

Total

20

100,00

Nesse contexto, podemos citar que o leo do tucum um produto


do cerrado amaznico, extrado a partir da larva de um inseto
pertencente ordem Coleoptera, famlia Bruchidae: Speciomerus
ruficornis (GERMAR, 1818 citado por MARTINS et al., 2009), que
se desenvolve no interior das sementes de tucum e frequentemente
so coletados pelas populaes extrativas de Soure (Ilha do Maraj),
servindo de alimento, remdio e muitas vezes a nica fonte de renda
para algumas famlias.
Com relao quantidade de frutos de tucum processado por
dia para a retirada da larva, observou-se na Tabela 6 que 70% dos
agricultores entrevistados processam at 30 kg de frutos de tucum
por dia, enquanto 30% processam de 31 kg a 60 kg por dia.
Tabela 6. Processamento do fruto de tucum.
Quantidade fruto processado (kg)
At 30

Nmero
14

Percentual (%)
70,00

31 a 60

30,00

Total

20

100,00

O levantamento dos dados evidenciou que a maioria dos agricultores


com 70% dos entrevistados utiliza terado, forquilha e pedao de pau
para retirada da larva do fruto de tucum. Os coeficientes tcnicos
obtidos no levantamento por 55% dos agricultores estudados mostram
que so necessrios de 1 a 5 horas de trabalho para quebrar 10 kg de
fruto (Tabela 7).
Tabela 7. Material utilizado e tempo dispendido para quebrar 10 kg de
tucum.
Nmero

Percentual (%)

Material utilizado
Terado, forquilha e pedao de pau

14

70,00

Terado e pedao de pau

15,00
Continua...

371

372

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 7. Continuao.
Terado

Nmero
1

Percentual (%)
5,00

Martelo e forquilha

5,00

Terado, machado e pedao de pau

5,00

Total

20

100,00

Tempo para quebrar 10 kg


De 1 a 4 horas

11

55,00

De 5 a 8 horas

40,00

No informou

5,00

Total

20

100,00

Existem dois mtodos para a retirada das larvas do caroo de tucum:


o primeiro consiste na coleta dos frutos nas reas de ocorrncia e
transporte para as residncias, onde os frutos so armazenados na
sombra de uma rvore com posterior retirada dos bichos; outro
mtodo efetua a retirada das larvas na prpria rea de ocorrncia
onde coletado o tucum, trazendo somente as larvas para realizar o
processamento. Para produzir 1 kg de leo observou-se que 75% dos
agricultores necessitam de 3,5 kg a 5 kg de larvas.
Para retirar o leo da larva de tucum o processo realizado com
auxlio de uma frigideira ou uma panela, na qual se leva ao fogo as
larvas retiradas do caroo de tucum at liberar o leo contido nelas.
O processo gasta em mdia 10 a 15 minutos para ser concludo e a
maioria dos agricultores entrevistados afirmam que o peso de cada
processo de fritura varia de 301 g a 500 g de cada vez (Tabela 8).
Tabela 8. Quantidade de larva para fazer 1 L de leo de tucum e peso de
cada fritada.
Nmero

Percentual (%)

Para produzir 1 kg leo


At 3 kg

3,5 kg a 5 kg

15

25,00
75,00

Total

20

100,00

At 300 g

35,00

301 g a 500 g

11

55,00

501 g a 1.000 g

10,00

Total

19

100,00

Peso de cada fritada

Aps o processo da extrao do leo, o resduo adicionado farinha e


temperado com sal, sendo consumido com caf ou na merenda do dia.
Aps a retirada do leo da larva, realiza-se o processo de descanso e
esfriamento do leo para ento ser coado e armazenado nos vidros por
50% dos agricultores entrevistados. Observou-se tambm que 30% dos
agricultores estudados realizam o processo de coa, colocando o leo

CAPTULO 27 - Extrao de polpa e leo da larva do fruto de tucum-do-par


(Astrocaryum vulgare mart.) no Municpio de Soure, Par

na vasilha de alumnio, e s depois realiza o processo de colocar nos


vidros para ser comercializado (Tabela 9).
Tabela 9. Processo de armazenamento do leo de larva de tucum.
Armazenamento do leo
Coa e coloca nos vidros

Nmero
10

Percentual (%)
50,00

Coa e coloca em outra vasilha

10,00

Coa, coloca na vasilha de


alumnio e depois nos vidros

30,00

Coa e coloca no sol por 8 dias

10,00

Total

20

100,00

Todos os entrevistados afirmaram que o leo produzido facilmente


vendvel. Apenas um produtor utiliza a produo de leo para
uso prprio e 95,00% vendem no mercado local ou para qualquer
comprador. Um entrevistado afirmou no gostar da atividade que vem
executando. Todos os coletores e beneficiadores de leo de tucum
entrevistados afirmaram que o produto importante para o tratamento
de sade (Tabela 10).
Tabela 10. Destino e valor da polpa de tucum comercializada.
Nmero

Percentual (%)

Comercializao
Consumo

Mercado de Belm

5,00
5,00

Mercado local/hotel

20,00

No vende

14

70,00

Total

20

100,00

Valor da polpa (R$/kg)


No sabe

5,00

No vende

14

70,00

At R$ 10,00

25,00

Total

20

100,00

Foi localizado um atravessador que comercializa a polpa de tucum


para o Hotel Floresta que vendeu 35 kg ao preo de R$ 8,00/kg. Esse
mesmo atravessador compra dos meninos o tucum pagando R$ 2,00/
basqueta. Essa polpa retirada do caroo e a massa levada para o
hotel.
Com relao quantidade vendida e o valor de 1 L de leo de tucum,
observa-se que 65% dos agricultores entrevistados venderam em
mdia 1 L a 3 L de leo no ano de 2010. Observou-se tambm que o
valor do litro de leo em 2012 custou entre R$ 30,00 e R$ 50,00 para
65% dos agricultores entrevistados. Observou-se tambm que 30% dos
agricultores comercializaram o litro do leo de tucum entre R$ 51,00
e R$ 60,00 (Tabela 11).

373

374

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tabela 11. Quantidade vendida e valor do leo de tucum.


Nmero

Percentual (%)

Venda 2010
1La3L

13

65,00

3,5 L a 5 L

20,00

5,5 L a 8 L

15,00

Total

20

100,00

1La2L

14

70,00

2,5 L a 4 L

10,00

Acima de 4 L

20,00

Total

20

100,00

30,00 a 50,00

13

65,00

51,00 a 60,00

35,00

Total

20

100,00

Venda 2011

Valor litro leo em 2012 (R$)

Todos os entrevistados afirmaram exercer atividade agrcola na


propriedade apenas para subsistncia. Os programas sociais como
Bolsa Famlia, Bolsa Verde, Seguro Defeso so a principal fonte de
renda para 65% dos entrevistados. Observou-se tambm que 35% dos
agricultores vendem a mo de obra para complementar sua renda. O
rdio o meio de comunicao mais comum, chegando totalidade
das famlias entrevistadas.
Tabela 12. Fonte principal de renda dos entrevistados.
Fonte de Renda
Bolsa Famlia

Nmero
4

Percentual (%)
20,00

Bolsa Famlia e Bolsa Verde

10,00

Bolsa Famlia e Venda mo de obra

25,00

Bolsa Famlia e Defeso

35,00

Venda mo de obra

10,00

Total

20

100,00

O maior problema encontrado na coleta do fruto do tucumanzeiro


foi o ataque de cobras, tendo sido detectados vrios agricultores que
j sofreram com as picadas delas. Para realizar a coleta dos frutos
necessrio realizar primeiro uma limpeza ao redor da touceira ou do
estipe do tucumanzeiro para espantar as cobras que ficam embaixo das
palhas (Tabela 13).
Tabela 13. Dificuldades na colheita do tucum.
Dificuldade
Picada de cobra

Nmero
18

Percentual (%)
90,00

Caranguejeira

Espinho

5,00
5,00

Total

20

100,00%

CAPTULO 27 - Extrao de polpa e leo da larva do fruto de tucum-do-par


(Astrocaryum vulgare mart.) no Municpio de Soure, Par

Concluso
Em virtude de sua rusticidade, aliada s reduzidas necessidades
de cuidados operacionais, torna-se uma planta ideal para o
desenvolvimento como produto para agroindstria na produo de
leo e para a recuperao de reas degradadas na Amaznia Oriental.
Verificou-se que essa atividade desenvolvida principalmente pelas
mulheres enquanto os homens realizam outros trabalhos dentro ou
fora da propriedade, principalmente se as atividades necessitarem de
maior esforo fsico.
Conclui-se que a maior fonte de renda dos agricultores familiares
extrativistas entrevistados envolvidos no processo de coleta e
beneficiamento dos frutos de tucumanzeiro vem dos programas
sociais do governo federal e que os frutos de tucum tm um papel
complementar na dieta alimentar, na renda e no aproveitamento dos
estipes nas infraestruturas das propriedades dos agricultores familiares
entrevistados.

375

Introduo1
Este trabalho foi escrito como parte das comemoraes dos 70 anos
da criao do ex-Instituto Agronmico do Norte, comemorado em
2009. Neste artigo no se apresenta algo novo, apenas so listados
alguns eventos, pessoas e instituies que, de forma direta ou indireta,
esto associados ao desenvolvimento da fruticultura na Amaznia.
Baseou-se apenas na coleta de informaes disponveis e colecionadas
ao longo do tempo e sem a pretenso de publicar nesta oportunidade,
no fosse a pedido do Dr. Claudio Jos Reis de Carvalho, chefe-geral
da Embrapa Amaznia Oriental na poca, e a oportunidade concedida
pelo 4 Frutal Amaznia Semana da Fruticultura, Floricultura e
Agroindstria.
Os resultados de pesquisa so aditivos, associativos e multiplicativos.
Isto indica que diversos resultados de pesquisa de instituies
ou pesquisadores do passado e do presente podem ser somados,
produzindo novas descobertas ou interpretaes de fenmenos. Podem
ser associativos, cujo conjunto de informaes tende a produzir novos
avanos na fronteira cientfica e tecnolgica. Podem ser multiplicativos,
uma vez que uma simples descoberta pode desencadear novas
descobertas ou interpretaes dos resultados anteriores.
Outro pressuposto importante diz respeito fonte das tecnologias
e descobertas cientficas na Amaznia. Esta pode ter quatro origens
principais. A primeira refere-se ao conhecimento tradicional milenar
gerado pelas populaes indgenas, que no caso da Amaznia refere-se
ao conhecimento sobre os recursos naturais da regio, por exemplo, o
amplo conhecimento sobre as frutas nativas da Amaznia que muitos
antroplogos atribuem aos indgenas e sobre a domesticao primitiva
das castanheiras, pupunheiras e outras espcies vegetais existentes na
floresta.
1

Homma (2009).

378

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O segundo aspecto diz respeito transferncia de tecnologia


proporcionada pelos imigrantes, tanto nacionais como externos, que
se estabeleceram na Amaznia. Muitas plantas importantes, como o
caf, tiveram a sua entrada no Pas pela Amaznia, que no caso das
fruteiras apresenta um elenco de frutas exticas (mangueira, bananeira,
laranjeira, limoeiro, etc.) trazidas pelos colonizadores portugueses e
pelos imigrantes na poca contempornea (mamo hawai, melo,
noni, etc.).
A terceira origem refere-se tecnologia gerada pelas instituies de
pesquisa locais, correlata com a agricultura, que na Amaznia tem
uma histria bastante recente. O Museu Paraense Emlio Goeldi,
a instituio de pesquisa mais antiga da Amaznia, foi fundado em
1866, seguindo-se o Instituto Agronmico do Norte, em 1939, razo
desta comemorao, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia
implementado em 1954, a Escola de Agronomia da Amaznia que
entrou em funcionamento em 1951, como as principais instituies
mais antigas ligadas pesquisa agrcola na regio. A partir da dcada
de 1960, outras instituies como a Ceplac (1965), universidades
federais e estaduais criaram cursos relacionados s cincias agrrias
e contriburam para ampliar a fronteira de conhecimento cientfico e
tecnolgico sobre as fruteiras na Amaznia.
Finalmente, a quarta vertente refere-se tecnologia gerada em
instituies de pesquisa extra-Amaznia, tanto nacionais quanto
externas, cujos conhecimentos terminam drenando para a regio
amaznica por meio de seminrios, feiras e exposies, pesquisadores,
extensionistas, tcnicos, empresrios, produtores e responsveis
por alguns dos grandes projetos relacionados fruticultura, como
castanha-do-par, coqueiro, aa, cupuau, laranja, guaran, abacaxi,
agroindstrias de sucos e polpas, palmito, entre os principais.
Donald E. Stokes (19271997) comenta que no so os pesados
investimentos na cincia bsica, guiada apenas pela curiosidade,
capazes de assegurar, por si s, a tecnologia exigida para competir na
economia mundial e satisfazer toda gama de necessidades da sociedade
(STOKES, 2005). Assim, afirma que o desenvolvimento cientfico no
assume uma relao linear (REBELLO; HOMMA, 2008).
Nessa linha, a partir de dois eixos cartesianos, constri um modelo
de quadrantes da pesquisa cientfica conforme apresentado na Figura
1. Essa construo evidncia quatro tipos de pesquisa, a saber:
pesquisa bsica pura; pesquisa aplicada; pesquisa bsica inspirada
pelo uso; pesquisa que explora fenmenos particulares sem ter em
vista objetivos exploratrios e utilizao prtica dos resultados. O eixo
vertical relaciona o projeto de pesquisa sua relevncia como gerador
de conhecimento fundamental, aquele que leva a cincia a obter muito
mais conhecimentos a partir dele. O eixo horizontal associado
relevncia em termos de aplicaes tecnolgicas, econmicas ou
sociais imediatas.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

Figura 1. Modelo de
quadrantes da pesquisa
cientfica.
Fonte: Stokes (2005),
adaptado por Rebello e
Homma (2008).

Assim, no quadrante da pesquisa bsica o objetivo avanar o


conhecimento sem interesse na sua aplicao. O fsico dinamarqus
Niels Bohr (1885-1962), que estudou a estrutura atmica, representa
bem esse quadrante. Seus estudos foram importantes para aplicao
de outros cientistas.
O quadrante da pesquisa aplicada, no qual a referncia o inventor
e empresrio norte-americano Thomas Edison (1847-1931), visa,
exclusivamente, ao uso prtico, sem preocupao em avanar o
conhecimento. Ele foi um dos inventores mais produtivos, entendia
pouco de eletricidade, mas tinha uma ou duas pessoas que o
assessoravam nessa rea, possibilitando a criao da lmpada eltrica
entre outros inventos de uso geral. Sua motivao era inventar e estava
pouco interessado em proporcionar avanos ao conhecimento.
O quadrante inferior esquerda destinado pesquisa que visa
sistematizar fenmenos particulares, no busca atingir nenhum
dos dois objetivos anteriores, mas tem grande utilidade para algumas
pessoas. Determinados pesquisadores fazem trabalhos interessantes
sem desejarem avanar o conhecimento e tampouco a aplicao
prtica. Roger Peterson (19081996), que fez o melhor catlogo de
aves dos Estados Unidos, poderia, por exemplo, ser lembrado como
uma referncia nessa categoria.
No quadrante de Louis Pasteur (18221895) encontram-se as pesquisas
estratgicas. Aqui o pesquisador tanto quer entender o mundo quanto
quer que esse entendimento tenha aplicao prtica. As pesquisas desse

379

380

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

quadrante tm dois objetivos: avanar as fronteiras do conhecimento,


mas tambm possibilitar novas aplicaes prticas, ou seja, ele
resgata a importncia da pesquisa estratgica e de desenvolvimento
tecnolgico. As investigaes acerca dos problemas da broca-do-caf ou do amarelecimento-fatal-do-dendezeiro, por exemplo,
representam esforos nessa direo, uma vez que tm implicaes
com o desenvolvimento econmico. Pasteur representa esse quadrante
por ter aplicado ao extremo seu conhecimento acumulado. Seus
estudos na microbiologia e no conhecimento dos micro-organismos
possibilitaram o desenvolvimento de vacinas, contriburam, tambm,
para o entendimento da fermentao na produo do vinho e da
cerveja e aprofundaram os conhecimentos da qumica orgnica.
Na Amaznia, dada a dimenso de seu atraso (alguns irreversveis)
e dos desafios para minimizar os gargalos produtivos, os custos de
produo e o mais eficiente uso dos recursos naturais, precisa-se
avanar os esforos e investimentos na pesquisa cientfica e tecnolgica
na direo dos quatro quadrantes propostos por Stokes (2005). Poder-se-ia pensar em um modelo fabril de produtividade cientfica e
avaliao administrativa (VALSINER, 2005), adotando procedimentos
tayloristas2 e de fordismo3, sem vetar a criatividade dos pesquisadores,
no qual os resultados podem ser pr-fixados.
Este artigo procura relacionar os principais eventos que ocorreram com
as frutas mais importantes na Amaznia, tanto nativas como exticas.
O conhecimento cientfico e tecnolgico aplicado para a fruticultura
amaznica representa, portanto, o produto aditivo, associativo e
multiplicativo das quatro vertentes de foras acima mencionadas.

Linha do tempo sobre fruticultura na


Amaznia
1614
Claude D Abbeville, em seu livro Histria da Misso dos padres
capuchinhos na ilha do Maranho e terras circunvizinhas, j mencionava
a existncia de bananeiras no Maranho. Fez parte da expedio de La
Ravardiere, em 1612, e passou 4 meses no Maranho.
Mtodo proposto por Frederic Winslow Taylor (18561915) para racionalizar a
produo e possibilitar o aumento da produtividade do trabalho economizando
tempo, suprimindo gestos desnecessrios e comportamentos suprfluos no interior
do processo produtivo.
3
Princpios da produo em massa adotados por Henry Ford (18631947), criando a
linha de montagem e o conceito de posto de trabalho.
2

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

1669
Missionrio Joo Filipe Betendorf na sua Chronica relata que os
ndios Andirs utilizavam o guaran como planta milagrosa tem os
andirazes em seus matos uma frutinha a qual secam e depois pisam,
fazendo delas umas bolas que estimam como os brancos o seu ouro.
Chama-se guaran. Desfeitas com uma pedrinha em uma cuia dgua...
do tanta fora como bebida que indo caa um dia at outro no
sentem fome, alm do que tiram febres, cibras e dores de cabea.

1676
Destinados a desenvolver plantios de arroz, tabaco, cacau e cana-de-acar, chegaram ao Par 50 famlias dos Aores, totalizando 234
pessoas, fugindo da erupo do vulco na Ilha de Faial, no arquiplago
de Aores.

1679
O rei de Portugal encoraja os produtores a plantar mais cacau no Baixo
Amazonas.

1736
O valor das exportaes de cacau do Par durante o Brasil Colonial
atinge a participao mxima com 96,6%.

17411757
O padre Joo Daniel (17221776), missionrio da Companhia de
Jesus, viveu na Amaznia entre 1741 e 1757, quando foi preso por
ordem de Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marqus do Pombal
(16991782), em 18 anos de priso qual no sobreviveu (17571776).
Seu clssico livro Tesouro descoberto no mximo Rio Amazonas contm
uma rica descrio das fruteiras encontradas na Amaznia.

1746
Nesse ano, as sementes de cacau do Estado do Par foram levadas por
Louis Frederic Warneaux para o fazendeiro Antnio Dias Ribeiro,
na Fazenda Cubculo, s margens do Rio Pardo, no Municpio de
Canavieiras, Bahia.

381

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

1752
So efetuados os primeiros plantios de cacau no Municpio de Ilhus,
Bahia.

1755
O Marqus de Pombal, o poderoso ministro do rei Dom Jos I, criou
a Companhia Geral de Comrcio do Gro-Par e Maranho, em 7
de junho, que durou at 1778 e promoveu a expulso dos jesutas,
carmelitas e franciscanos, em 1759.

1762
O frei Joo de So Jos de Queirz, no relatrio Viagem e visita do
serto em o bispado do Gro-Par em 1762 e 1763, comentava sobre as
excelncias do guaran na medicina.

1775
O ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio escrevia os maus
so famosos pela fabricao da clebre bebida guaran, frigidssima,
que j se usa na Europa, em que se tem conhecido algumas virtudes
no seu uso....

1785
O baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (17561815), gegrafo,
zologo e botnico, descreveu o uso do guaran em Barcelos e
denominou de Franzinia, em homenagem ao seu professor de
matemtica de Coimbra.

1800
Alexandre von Humboldt (17691859), quando procurava a passagem
do Rio Orinoco com o Rio Negro, identificou o guaran como sendo
cupana, da a denominao, mais tarde, de Paullinia cupana H.B.
Kunth.

1809
Os portugueses ocuparam a Caiena e remeteram plantas novas para o
Par: estoraque (Liquidambar orientalis Mill.), a verdadeira pimenteira
da ndia, o cravo-da-ndia, a noz de Bem, a moscadeira, a nogueira de
Bankul, o bilimbi, a caramboleira, a bananeira de folha vermelha do
Oceano Pacfico e a verdadeira rvore de fruta-po.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

18181820
O lado mstico do guaran impressionou von Martius, na sua viagem
pela Amaznia, quando batizou o guaran como Paullinia sorbilis,
utilizada pelos ndios Maus e Andirs, na forma de basto e ralado na
lngua do pirarucu. O nome Paullinia foi colocado em homenagem ao
mdico e botnico alemo C.F. Paullinia, que morreu em 1712.

1850
19 de abril: Entrou no porto de Belm o brigue americano Edward
Henry, que conduzia 50 t de gelo, importadas pelo negociante espanhol
Marcos de Lima, estabelecido em Belm e casado com Dona Joanna
Pires, natural como ele de Gibraltar, falecida em Belm a 7 de junho
de 1846. Com esse gelo, o primeiro introduzido no Par, que vendia
a 100 rs. a libra, comeou Marcos de Lima a preparar sorvetes, que s
ento foram ali conhecidos e custavam 320 rs. (uma pataca) cada um.

1852
Exportao de 262 arrobas de guaran para a Europa.

1865
23 de abril: Chegou ao Rio de Janeiro o suo Jean Louis Rodolphe
Agassiz (18071873), chefiando a Thayer Expedition, financiada
pelo milionrio americano Nathaniel Thayer, para estudar a fauna
ictiolgica da Bacia Amaznica, percorrendo o Rio Amazonas em
todo o seu curso, visitando Tabatinga, Tef, Manaus e retornando a
Belm. Na visita a Maus toma conhecimento do guaran.

1866
O romancista Ingls de Souza escreveu O Cacaulista, que se desenrola
no Paran-mirim, acima de bidos, onde se situavam fazendas de
cacau, tratando das relaes entre os cacaulistas.

1874
O cacaueiro introduzido na Nigria.

1879
O cacaueiro chega a Gana, trazido por Fernando P, procedente da
Ilha de So Tom e Prncipe.

383

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

1892
O cacaueiro introduzido em Camares.

1907
Surgiu em Manaus o guaran Andrade, produzido pela Fbrica
Andrade, a primeira do Pas a produzir refrigerante de guaran, tendo
funcionado at 1970.

1910
Incio das atividades da Fbrica de So Vicente, em Belm, de dona
Maria Rita Ferreira Santos (Dona Sinh), pioneira na fabricao de
doces, geleias e compotas de frutas nativas e exticas da Amaznia
(bacuri, cupuau, mangaba, cubiu, graviola, muruci, buriti, banana,
goiaba e abacaxi), situada na Rua da Municipalidade, 629.

1912
O engenheiro agrimensor Joo Alberto Mas, delegado estadual do
Ministrio da Agricultura, introduziu o cultivo do guaran no Estado
do Acre.

1921
O refrigerante guaran foi lanado no Pas pela Antarctica.

1924
A Brahma registra seu primeiro guaran: Guaran Genuno.

1925
A Sociedade Bahiana de Agricultura introduz mudas de guaran no
Horto Botnico, em Retiro, Salvador.

1927
Lanamento do Guaran Brahma, pela Companhia Cervejaria Brahma.

1929
No final do ano, 50 imigrantes japoneses pertencentes a nove famlias,
foram para Maus trabalhar em uma concesso de 25 mil hectares para
desenvolver plantios de cacau, guaran e arroz, como os principais
produtos. Esse ncleo colonial decorrente do fracasso foi absorvido,
em 1939, pela colnia de Parintins, estabelecida em 1931.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

1933
Plantio de 30 mudas de guaran na Estao Experimental de gua
Preta, atual Escola Mdia de Agricultura da Regio Cacaueira, em
Uruuca, Bahia.

1937
Observem que na classificao botnica do guaran esto envolvidos
nomes de cinco cientistas: Humboldt, Bonpland, Kunth, Martius e
Ducke. O estudo de Ducke promoveu a classificao final do guaran
como sendo: Paullinia cupana H.B.K. var. typica, o guaran encontrado
na Colmbia e Venezuela, originariamente por Humboldt e Bonpland,
e Paullinia cupana H.B.K. var. sorbilis (Mart.) Ducke, o guaran de
Maus.

1938
Fundao da fbrica de produtos Globo, em Belm, priorizando o
beneficiamento do guaran, na forma de xarope e refrigerante, com a
razo social Duarte Fonseca & Cia. Ltda.

19401945
Foram fundadas as fbricas Magistral, Luseia e Bar, em Manaus. Mais
tarde surgiram as marcas Brasil, Lder e Tuchaua.

1942
Felisberto Cardoso de Camargo, diretor do Instituto Agronmico do
Norte (IAN), trouxe mudas de mangosto do Panam.

1944
Entrada da sigatoka-amarela na Amaznia.

1945
O comerciante Ovdio Bastos, estabelecido na Avenida Mundurucus,
em Belm, utilizou a primeira mquina de amassar aa, que veio a
substituir as amassadeiras de aa.
Incio das pesquisas com a cultura do cacau no IAN.

1946
O mdico Otthon Machado tenta caracterizar os princpios medicinais
do guaran como antitrmico, antineurlgico e antidiarreico.

385

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

1949
30 de setembro: Fundao da Cooperativa Agrcola Mista de Tom-Au (Camta).

1956
Professora Maria Celene Cardoso de Almeida, da Universidade Federal
Rural de Pernambuco, introduz acerola trazida de Porto Rico.

1957
20 de fevereiro: Criada a Comisso Executiva do Plano da Lavoura
Cacaueira (Ceplac), em Itabuna, BA, vinculada ao Ministrio da
Fazenda, pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.

1958
Cosme Ferreira Filho foi o primeiro a fabricar guaran em p, para
substituir o trabalhoso processo do uso do guaran em basto.

1959
Encontrada em Camet, localidade de Pacajs, situada a 500 m da
margem esquerda do Rio Tocantins, matriz de cupuau com frutos
sem sementes, de todas que foram disseminadas pelo IAN, Instituto
de Pesquisa Agropecuria do Norte (Ipean) e Embrapa Amaznia
Oriental. O proprietrio era um senhor de 70 anos, com uma produo
mdia de 50 a 60 frutos colhidos por safra e a equipe do IAN verificou
que os frutos apresentavam 2,7 mil gramas de peso. O tronco estava
brocado e a copa reduzida, em virtude da constante retirada do
material. No ano seguinte, em outubro, a equipe do IAN retornou para
coleta de material, tendo efetuado 633 enxertos, dos quais 535 tiveram
sucesso.

1960
Incio das pesquisas agronmicas com o guaran no IAN.

1961
Antnio Lemos Maia efetua o primeiro plantio de guaran com fins
comerciais na Bahia, no Municpio de Ituber.
Outubro: O financiamento das atividades da Ceplac era garantido
pela Cota de Contribuio Cambial, em torno de 10% do valor das
exportaes FOB, garantido uma segurana nos recursos e autonomia
financeira at dezembro de 1983.

1962
Criao do Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec), em Itabuna, na
Bahia.

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Embrapa para fruticultura tropical

1963
A Companhia Antarctica Paulista adquire uma fazenda em Maus
com 1.070 ha, que em 1972 foi transformada em Sociedade Agrcola
Maus (Samasa).
Paulo de Tarso Alvim Carneiro, mundialmente conhecido como Paulo
Alvim, implanta o Cepec, que dirigiu at a sua aposentadoria em 1988,
promovendo a revoluo tecnolgica na cultura do cacau.

1964
Criao do Departamento de Crdito e Extenso Rural da Ceplac.

1965
Implantao da Ceplac nas dependncias do Ipean, com a chegada do
agrnomo Charles Jos Leondy de Santana.

1966
12 de abril: Incio das atividades da Benedito Mutran & Cia. Ltda. no
beneficiamento da castanha-do-par.

1967
realizada, em Belm, a 1 Conferncia Nacional da Castanha-doPar, no perodo de 20 a 22 de fevereiro, aberta pelo governador Alacid
Nunes.

1968
Novembro: Implantada a Resoluo 42, pelo Conselho Nacional do
Comrcio Exterior (Concex), visando proteger o padro do cacau
brasileiro e com isso prejudicando a qualidade do cacau amaznico.
Essa Resoluo vigorou at setembro de 1988.

1969
15 de maio: Decreto 104.492 criou o Instituto de Pesquisa e
Experimentao Agropecuria da Amaznia Ocidental (IPEAAOc),
com sede em Manaus e abrangncia nos estados do Amazonas, Acre,
Rondnia e Roraima.

1970
A Ceplac instalou a unidade de pesquisa em Manaus, nas dependncias
do IPEAAOc, coordenado por Jos Carlos do Nascimento. Em julho,
em Rondnia iniciou-se o desenvolvimento dos plantios de cacau
liderado por Frederico Monteiro lvares-Afonso.

387

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

1971
Fazenda Cultrosa, no Municpio de Camamu, Bahia, inicia plantios em
escala comercial de guaran.
Incio dos plantios de cacau em Castanhal, Santa Izabel do Par e
Tom-Au, nas reas abandonadas de pimentais pela Sagri, no governo
Fernando Guilhon.
Primeiros plantios de cacau em Brasil Novo, na Rodovia
Transamaznica e em Rondnia, pela Ceplac.

1972
14 de novembro: O presidente Mdici assina a Lei dos Sucos (Decreto-Lei 5.823), regulamentada pelo Decreto-Lei 73.267, de 6 de dezembro
de 1973, estabelecendo os quantitativos de 0,2 g a 2 g de guaran para
cada litro de refrigerante e de 1 g a 10 g de guaran para cada litro de
xarope.
Paulo B. Cavalcante inicia a publicao de Frutas Comestveis da
Amaznia, em trs volumes, o segundo em 1974 e o ltimo em 1979.
A mdica romena Ana Aslan, na sua visita ao Brasil, enfatizou as
propriedades geritricas do guaran, uma vez que estava cuidando
do caudilho Juan Domingo Pern (18951974), que iria assumir
o governo da Argentina no perodo de 19731974, aumentando a
mstica dos benefcios do guaran.
Primeiro plantio de cacau em Altamira.

1973
Implantao do plantio de guaran pela Antarctica, como decorrncia
da Lei dos Sucos, no Municpio de Maus, Amazonas, gerenciado pelo
agrnomo Kiyoshi Okawa.
Divulgao de estudos de mercado de guaran executados pela
Universidade Federal de Viosa em convnio com a Acar-Amazonas
Primeiros plantios de cacau em Medicilndia e Uruar.

1974
16 de abril: Criao do Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira,
em Manaus, pela Deliberao da Diretoria 098/74.
18 de abril: Ceplac foi incorporada ao Ministrio da Agricultura,
desvinculando-se do Ministrio da Fazenda, por meio do Decreto-Lei
73.960.

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Embrapa para fruticultura tropical

1975
23 de janeiro: Deliberao da Diretoria da Embrapa 005/75 criou o
Centro de Pesquisa Agropecuria do Trpico mido (Cpatu).
13 de junho: Deliberao da Diretoria 028/75 criou a Unidade de
Execuo de Pesquisa de mbito Estadual de Manaus (Uepae de
Manaus) e de Altamira (Uepae Altamira).
Ceplac inicia pesquisas com guaran, com material proveniente do
Cpatu na Estao Experimental Lemos Maia, em Una.
No municpio baiano de Camamu, a Agro-Brahma S.A. implantada
ocupando uma rea total de 1.250 ha, dos quais 255 ha plantados com
guaran.
Implantao da estrutura tcnico-administrativa do Departamento
Especial da Amaznia (Depea), em Belm.

1976
Incio das plantaes de guaran, no Estado do Mato Grosso, em Alta
Floresta, pela Colonizadora Indeco.
Lanamento de Diretrizes para a Expanso da Cacauicultura Nacional
(Procacau), pelo presidente Ernesto Geisel, que vigorou no perodo de
1976 a 1985.
Foi aprovada a utilizao do Fundo Rotativo Suplementar para a
expanso da cacauicultura (Fusec).
Implantao no Municpio de Moju, a 110 km de Belm do Par, do
maior plantio de coqueiros do pas, com 796 mil coqueiros plantados
em cerca de 5 mil hectares.

1976 (?)
O agrnomo sergipano Antnio Soares Neto, da Emater/PA, durante
a dcada de 1970, trouxe mudas de Sergipe para iniciar os primeiros
plantios de laranja no Municpio de Capito-Poo, Par. Plantou as
primeiras 4 mil mudas, em reas decadentes de pimentais, que contou
com o apoio da Sagri e Emater na distribuio de mudas e teve forte
impulso na dcada de 1980. Akihiro Shironkihara, pastor da Igreja
Tenrikyo, introduziu o cultivo do mamo hawai, desenvolvido pela
Universidade do Hawai.

1977
Incio das pesquisas sobre a propagao vegetativa do guaran
executadas pela Uepae de Manaus.

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Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

1978
Ernesto Geisel assina a Lei 6.576/78 proibindo a derrubada de
aaizeiros para extrao de palmito.

1979
A Ceplac instala a Estao de Recursos Genticos Jos Haroldo
(ERJOH), que constitui o terceiro maior banco de germoplasma
de cacau do mundo, a 17 km de Belm, com quase 2 mil acessos de
variedades nativas da Amaznia.

1980
O agricultor Katsutoshi Watanabe foi o primeiro plantador de
cupuauzeiro em escala comercial no Estado do Par.

1981
O governo do Estado do Amazonas financia a produo de 100 mil
mudas de guaran pelo processo de enraizamento de estacas.
Incentivo ao plantio de guaran em Roraima.
Fabricao do guaran em p solvel pelo Cpatu.
A Fazenda Aruan inicia o plantio de 3,5 mil hectares, com mais de
300 mil castanheiras enxertadas na margem esquerda da rodovia
Manaus-Itacoatiara.
Carlos Hans Mller publica Castanha-do-brasil, estudos agronmicos
que justificariam os esforos do setor produtivo no plantio dessa
rvore.

1982
15 a 17 de fevereiro: realizado em Belm, o 1 Simpsio Nacional da
Castanha promovido pela Sudam, coordenado pelo Superintendente
Elias Seffer.
As normas e padres sobre a classificao do guaran esto regulados
pela Portaria 70, de 16 de maro de 1982, do Ministrio da Agricultura.
Eunice Michilles, deputada estadual (19741978), senadora (1979
1987), publica o trabalho Uma alternativa econmica e social para o
Brasil: a cultura do guaran, defendendo a proposta de fundao do
Instituto do Guaran. No incio, dedicou-se s atividades de magistrio
no Municpio de Maus.
Instalao da Ceplac na Rodovia Augusto Montenegro, em Belm,
Par.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

1983
7 de julho: Lanado em Manaus o Programa Nacional de Estmulo ao
Desenvolvimento do Guaran, pela Secretaria de Produo Rural do
Estado do Amazonas (Sepror), que tinha como meta estabelecer 16
mil hectares de guaran no Estado do Amazonas no quadrinio 1982
1985, chegando apenas a 4 mil hectares.
24 a 28 de outubro: Realizao do 1 Simpsio Brasileiro do Guaran,
em Manaus.
A pesquisadora Raimunda Ftima Ribeiro de Nazar, da Embrapa
Amaznia Oriental, iniciou os estudos da industrializao das
sementes do cupuau, concluindo em 2 anos o que foi batizado de
cupulate.
Dezembro: Oramento da Ceplac que tinha como suporte o Imposto
de Exportao vigorou at outubro de 1989, quando a partir desta data
passou a depender exclusivamente do Oramento Fiscal da Unio,
iniciando os graves problemas financeiros da Instituio.

1984
Produo mxima de cacau do Pas de 457 mil toneladas.
Prof. Rubens Rodrigues Lima inicia ciclo de 15 expedies botnicas,
que seria encerrado em 1988, para coleta de germoplasma de plantas
pr-colombianas.
Domnio da biologia da florao da castanha-do-par pelo Cpatu.

1987
Grande estiagem no sul da Bahia, provocando a perda de produo de
100 mil toneladas de cacau.
Instalao da Unidade de Processamento Industrial da Sococo no
Municpio de Ananindeua.
O primeiro plantio de abacaxi em Floresta do Araguaia embarcado em
caminho foi de Waldemar Rodrigues Costa

1988
Foi concluda a fbrica de sucos da Associao de Fomento Agrcola de
Tom-Au (Asfata), fundada em 1981, que passou para administrao
da Camta em 1991.
Paulo de Tarso Alvim tomou conhecimento, por meio do fazendeiro
Clodomir Xavier de Oliveira, de Ubaitaba, de que agricultores vindos
de Rondnia conduziam frutos de cacau infestados com vassoura-de-

391

392

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

-bruxa. Foram tomadas todas as providncias visando o seu controle,


mas a praga se manifestou nos anos posteriores.
Aparecimento da vassoura-de-bruxa nos cacauais de Uruuca,
BA. A entrada de vassoura-de-bruxa est relacionada com a ida
de trabalhadores baianos para trabalhar nas terras adquiridas em
Rondnia e em garimpos, tendo na volta trazido fungos dessa molstia.
Em setembro foi implantada a Resoluo 161, substituindo a Resoluo
42, depois de duas dcadas, que se torna mais rigorosa com relao
qualidade do cacau amaznico.
Grande estiagem no sul da Bahia com perda de 90 mil toneladas de
cacau.
Bonal S.A., grupo belga que atua no Brasil desde 1977, inicia plantios
comerciais de pupunha no Municpio de Senador Guiomard Santos, a
76 km de Rio Branco, que foi transformado em projeto de assentamento
Nova Bonal.
Desenvolvimento em carter experimental de aa desidratado pela
Embrapa Amaznia Oriental.

198?
Incio da expanso do cultivo do abacaxi em Salvaterra levou no final
da dcada de 1980 autossuficincia do Estado do Par.

1989
11 de julho: Deliberao da Diretoria 008/89 criou o Centro de
Pesquisa Agroflorestal da Amaznia, em Manaus, substituindo o
Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira e Dend e a Uepae de
Manaus.
29 de setembro: Lei 7.827 criou o Fundo Constitucional de
Financiamento do Norte (FNO).
26 de outubro: A Resoluo 1.661, do Conselho Monetrio Nacional
suspende a fonte de recursos da Ceplac advinda da taxa do Imposto
de Exportao.
Disseminao da vassoura-de-bruxa nos cacauais da Bahia em grande
escala.

1990
Boletim de Pesquisa 108, editado pelo Cpatu, publicou a descrio
do processo de fabricao do cupulate e ao mesmo tempo efetuou
o pedido de reserva de patente de processo e do produto junto ao

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

Ministrio da Justia/Instituto Nacional da Propriedade Industrial


(Inpi) (N PI 9003739), que oficializaram a tecnologia.

1991
1 de maro: Deliberao da Diretoria 004/91 criou o Centro de
Pesquisa Agroflorestal da Amaznia Oriental, substituindo o Centro
de Pesquisa Agropecuria do Trpico mido, a partir de 2 de abril.
Deliberao da Diretoria 005/91 alterou a denominao de Centro
de Pesquisa Agroflorestal da Amaznia para Centro de Pesquisa
Agroflorestal da Amaznia Ocidental, localizado em Manaus.

1993
Foi realizado o 1 Festival do Abacaxi em Floresta do Araguaia.

1994
Implantao da Citropar Citrcos do Par, maior produtora de
laranja no Estado do Par, nos municpios de Capito Poo e Garrafo
do Norte, uma fazenda com mais de 3 mil hectares cultivados com
laranjeiras.
Existiam na Bahia 296 mil hectares que ainda estavam livres da
vassoura-de-bruxa.

1995
Na cidade de Tapero, a 300 km de Salvador, a empresa Naturkork
e Naturwaren Import & Grobhandel adquire o guaran orgnico,
reconhecido pelo Instituto Biodinmico (IBD) e exporta para a
Alemanha. Em 1995, foi feita a primeira exportao de 2 t de guaran
orgnico. Em 1999, 3,5 t e, em 2000, 4 t foram exportadas para a
Alemanha. A empresa adquire aproximadamente 7 t de guaran
orgnico produzido por 21 produtores que cultivam o guaran
orgnico no Projeto Ona.
O Brasil perde para Gana a segunda posio que vinha mantendo
desde a dcada de 1940.
Incio das atividades da Amazon Frut Frutas da Amaznia Ltda. na
Ilha de Murutucu.

1996
25 a 29 de maro: Realizao do 1 Workshop sobre As Culturas do
Cupuau e da Pupunha na Amaznia, em Manaus, Amazonas.

393

394

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

17 a 19 de dezembro: Realizao do Seminrio Internacional sobre


Pimenta-do-reino e Cupuau na Embrapa Amaznia Oriental,
patrocinado pela Jica, em Belm, Par.
Entrada da mosca-da-carambola.
Mrcia Mota Maus e Giorgio C. Venturieri descrevem a ecologia da
polinizao do bacurizeiro.

1997
Fevereiro: Utilizado pela primeira vez o processo de substituio de
copa de cupuauzeiro, seguindo o mesmo procedimento utilizado
para os cacaueiros e cajueiros pelo pesquisador Rubens Rodrigues de
Lima e Jos Paulo Chaves da Costa, para a substituio por clones mais
tolerantes vassoura-de-bruxa.
18 de setembro: O Ibama promulga a Portaria 108, permitindo a
derrubada de castanheiras desvitalizadas para madeira, assinada pelo
presidente do Ibama, Eduardo de Souza Martins.
Apenas 11 mil hectares dos cacauais da Bahia estavam livres da
vassoura-de-bruxa.
23 de dezembro: A tese de doutorado no Centro de Cincias Biolgicas
da UFPA do pesquisador Oscar Lameira Nogueira, intitulada Estratgias
de Regenerao, Manejo e Explorao de Aaizais Nativos de Vrzea do
Esturio Amaznico, sintetiza conjunto de prticas desenvolvidas pela
Embrapa Amaznia Oriental e pelo Museu Paraense Emlio Goeldi
sobre manejo de aaizeiros.

1998
5 de agosto: Registro da composio cosmtica incluindo extrato de
cupuau pela The Body Shop International, do Reino Unido com
nmero de registro GB 2321644.
3 a 5 de novembro: Workshop Biodiversidade: Recursos Genticos
Vegetais da Amaznia, de Plantas Medicinais, Aromticas, Inseticidas
e Corantes, com Potencial Socioeconmico, realizado em Belm,
patrocinado pela Sudam.
Implantada a empresa Muan Alimentos visando industrializao do
fruto do aa.
20 de outubro: Instalada a Floresta do Araguaia Conservas Alimentcias
Ltda. (Flora) para exportao de polpa de abacaxi.
Detectada a presena da sigatoka-negra em Tabatinga no Estado do
Amazonas e no Acre.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

1999
1 de julho: Ocorreu a fuso da Companhia Antarctica e da Companhia
Cervejaria Brahma, resultando na Companhia de Bebidas das
Amricas (AmBev), que a imprensa enfatizou como sendo a primeira
multinacional verde-amarela. Isso parece descortinar o nascimento do
segundo boom do guaran na Amaznia.
21 de outubro: A Pepsico Inc., produtora da Pepsi Cola, e a AmBev
assinaram o International Masters Franchising Agreement, para
distribuio do guaran para mais de 175 pases do mundo inteiro, a
partir do ano 2000.
8 de novembro: Criada a Associao das Indstrias de Polpa e Suco
de Frutas do Par (Asspolpa), transformada 1 ano depois no Sindicato
das Indstrias de Frutas e Derivados do Estado do Par (Sindfrutas).
28 de novembro: Lanamento das cultivares de guaran BRS-Amazonas, tolerante antracnose, e BRS-Maus, tolerante
antracnose e ao superbrotamento, pela Embrapa Amaznia Ocidental,
em Maus, Amazonas.
26 a 28 de novembro: Foi realizada em Maus a 20 Festa do Guaran.
Dezembro: Criao da Pupunha-Net, uma iniciativa do Grupo de
Pesquisa com a Pupunha liderado pelo Inpa com colaborao de
pesquisadores da Embrapa da Amaznia e Paran, do Instituto
Agronmico de Campinas e outras instituies brasileiras.
Detectada a presena da sigatoka-negra em Rondnia
Embrapa Amaznia Ocidental recomenda as cultivares de bananeiras
Caipira e Thap Maeo para vencer o aparecimento da sigatoka-negra.

2000
Detectada a presena da mosca-negra-dos-citros.
Detectada a presena da sigatoka-negra em Almeirim.
6 a 9 de novembro: Realizao da 1 Reunio Tcnica da Cultura do
Guaran, em Manaus, na Embrapa Amaznia Ocidental, incluindo
um minicurso sobre a cultura.
26 de dezembro: Fundado o Sindicato das Indstrias de Frutas e
Derivados do Estado do Par (Sindfrutas), que possui 19 indstrias
associadas, todas instaladas nas regies Nordeste Paraense e
Metropolitana de Belm.
Herv Rogez publica o livro Aa: preparo, composio e melhoramento
da qualidade.

395

396

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

2001
Janeiro: Sucasa, empresa sediada em Castanhal, implantada com um
investimento de R$ 6 milhes, exportou a primeira partida de 21 t de
um energtico base de aa e guaran em sacos plsticos de 100 g,
que iro direto para lanchonetes e prateleiras de supermercados dos
Estados Unidos, no valor de US$ 45 mil.
26 de maio: Inaugurada a Amafibra Fibras e Substratos da Amaznia
Ltda, no Distrito Industrial de Ananindeua.
9 a 12 de outubro: Realizado em Porto Velho, Rondnia, o Seminrio
Internacional do Agronegcio do Cacau: uma Alternativa para o
Desenvolvimento Sustentvel para a Amaznia, promovido pela Ceplac,
IICA/Procitrpicos e Embrapa.
30 de outubro: Registro da gordura do cupuau e de mtodo para
produzir e seu uso pela Asahi Foods Co. Ltd., no Japo, com nmero
de registro JP 2001299278.
20 a 22 de novembro: Realizao da 2 Reunio Tcnica da Cultura do
Guaran, em Belm do Par, na Embrapa Amaznia Oriental.
20 a 25 de novembro: Realizao da 1 Amazontech, em Boa Vista,
numa iniciativa das unidades do sistema Sebrae situadas na Amaznia
Legal, em parceria com a Embrapa e Universidades Federais da
Amaznia, em cursos, palestras e produtos.
18 de dezembro: Nova patente pela Asahi Foods Co. Ltd. com nmero
de registro JP 2001348593 sobre registro de leo e gordura derivados
da semente do cupuau (Theobroma grandiflorum) e mtodo para
produzi-lo.
Restries colocadas pelos pases europeus quanto tolerncia de at
4 ppb (partes por bilho) de aflatoxina, enquanto nos Estados Unidos
o limite de 20 ppb, levou devoluo de 466 t pela Alemanha, Itlia,
Frana, Holanda e Reino Unido, envolvendo um prejuzo de quase
423 mil dlares.
Detectada a presena da sigatoka-negra em Porto de Moz.
Embrapa Amaznia Ocidental efetua o lanamento da cultivar Prata
ken, para vencer o aparecimento da sigatoka-negra.
Ryan Black fundou a Sambazon quando descobriu as potencialidades
do aa durante uma viagem de surf no Brasil.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

2002
3 de julho: Ocorreu novo registro da produo e uso da gordura da
semente do cupuau pela Asahi Foods Co. Ltd. para a Unio Europeia,
com nmero de registro EP 1219698A1, simultneo para a Ompi
mundial, com nmero de registro WO0125377.
5 de agosto: Charles R. Clement condecorado com a Ordem Nacional
do Mrito Cientfico Classe Comendador.
6 de agosto: Criao do Programa Alimentos Seguros (PAS) por meio
de parceria entre CNI/Senai e Sebrae.
11 a 12 de setembro: Realizada a 1 Feira Internacional da Amaznia
(1 Fiam), promovida pela Suframa, em Manaus.
17 a 22 de setembro: Ocorreu em Rio Branco a 2 Amazontech, numa
iniciativa das unidades do sistema Sebrae situadas na Amaznia Legal,
em parceria com a Embrapa e Universidades Federais da Amaznia,
em cursos, palestras e produtos.
17 de outubro: Verificou-se o registo da produo e uso da gordura da
semente do cupuau pela Cupuau International Inc. para a Ompi
mundial, nmero de registro WO02081606.
18 a 22 de novembro: Realizao do 17 Congresso Brasileiro de
Fruticultura, realizado em Belm.
18 de novembro: Lanamento de quatro clones de cupuauzeiro
tolerantes vassoura-de-bruxa (Coari, Codajs, Manacapuru e Belm).
Esses clones foram selecionados pela Embrapa Amaznia Oriental,
decorrentes das coletas efetuadas pelo Prof. Rubens Rodrigues de
Lima, entre 1984 e 1988, em 15 expedies realizadas, com a formao
de uma coleo constituda por gentipos coletados em condies
silvestres, pomares caseiros e em plantios comerciais.
Embrapa Amaznia Ocidental recomenda as cultivares Prata Zulu e
FHIA 18 para vencer o aparecimento da sigatoka-negra.
Jos Edmar Urano de Carvalho, Carlos Hans Muller e Walnice Maria
Oliveira do Nascimento divulgam tcnicas inditas de propagao de
bacurizeiros.

2003
9 de janeiro: A organizao no governamental Amazonlink descobre
o registro de cupuau pela Asahi Foods Co. Ltd., provocando uma
grande discusso na mdia brasileira.
18 de janeiro: Artigo na revista New Scientist intitulado Going bananas

397

398

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

fala sobre o desaparecimento da banana.


19 de janeiro: O programa Fantstico exibe a reportagem da New
Scientist sobre a extino da bananeira.
20 de maro: O Grupo de Trabalho Amaznico (GTA), Amazonlink,
APA Flora e outros, protocola ao na Justia japonesa para anular o
registro da marca cupuau.
6 de agosto: O presidente da Cupuau International Inc., empresa
gmea da multinacional Asahi Foods, Mack Nagasawa, reuniu-se
com o secretrio estadual de Indstria, Comrcio e Minerao do
Par, Ramiro Bentes. O encontro foi organizado pela Cooperativa
de Agrcola Mista de Tom-Au e pela Cmara de Comrcio Nipo-Brasileira do Par. Depois de alegar perplexidade com a repercusso
do caso do registro do nome da fruta cupuau como marca comercial,
o empresrio teria afirmado que no pretendia prejudicar os pequenos
produtores da Amaznia em suas exportaes. Foi concludo um
termo de compromisso elaborado na reunio, no qual a Asahi Foods
compromete a no recorrer de uma ao do governo pedindo o
repatriamento da marca.
21 de agosto: Implantado o Polo de Fruticultura na Amaznia,
inaugurao da Nova Amafrutas e recriao da Sudam, com a presena
do presidente Lula, em Belm.
24 a 27 de setembro: Realizao em Manaus do 3 Amazontech, numa
iniciativa das unidades do sistema Sebrae situadas na Amaznia Legal,
em parceria com a Embrapa e Universidades Federais da Amaznia,
em cursos, palestras e produtos.
Constatada a presena da sigatoka-negra em Oriximin.

2004
12 a 13 de janeiro: Realizado o curso de Manejo de Doenas do
Maracujazeiro, pela Embrapa Amaznia Oriental com Esalq/USP,
Nova Amafrutas, Embrapa Cerrados e Amazonflora.
1 de maro: o Escritrio de Marcas do Japo (JPO) em Tquio
cancela o registro como marca comercial do cupuau, solicitado pela
multinacional japonesa Asahi Foods.
28 de junho: Foi divulgado o primeiro foco do mal da sigatoka-negra
em So Paulo, na cidade de Miracatu, no Vale do Ribeira, pelo Instituto
Biolgico.
16 a 21 de agosto: Ocorreu em Cuiab o 4 Amazontech, numa
iniciativa das unidades do sistema Sebrae situadas na Amaznia Legal,
em parceria com a Embrapa e Universidades Federais da Amaznia,
em cursos, palestras e produtos.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

15 a 18 de setembro: Realizao da 2 Feira Internacional da Amaznia


(2 FIAM), promovida pela Suframa, em Manaus.
24 de novembro: Foi lanada a cultivar de aa Par, precoce e de baixa
estatura, pela Embrapa Amaznia Oriental.
O pesquisador Rafael Moyses Alves inicia o trabalho de substituio de
copas na propriedade do Sr. Mitinori Konagano, em Tom-Au.
A Embrapa Amaznia Ocidental recomenda a cultivar Pelipita e
efetua o lanamento das cultivares BRS Prata Caprichosa e BRS Prata
Garantida, para vencer o aparecimento da sigatoka-negra.
Lanamento do Manual de Segurana e Qualidade para a Cultura da
Castanha-do-brasil.
Publicao dos Anais do Seminrio Aa: possibilidades e limites para o
desenvolvimento sustentvel no esturio amaznico.
Pesquisadores da Embrapa Amaznia Oriental e da Universidade
Federal do Par patentearam um novo composto odontolgico
evidenciador de placa bacteriana que tem como base o corante natural
do aa. O produto foi apresentado oficialmente durante o Cincia para
Vida 2004, evento promovido pela Embrapa, em Braslia.

2005
18 de maro: Ocorreu o lanamento do selo alusivo ao cupuau,
procurando dar visibilidade a uma fruta amaznica que foi sujeita a
registro de marca.
A Embrapa Amaznia Ocidental efetua o lanamento da cultivar BRS
Vitria e BRS Japira para vencer o aparecimento da sigatoka-negra.
A Bolthouse do Brasil Indstria e Comrcio de Frutas, Polpas e Sucos
inicia a operao de sua unidade de produo de aa, no Distrito
Industrial de Icoaraci.

2006
11 de fevereiro: Realizao do 1 Curso de Manejo de Bacurizeiros e do
1 Festival do Bacuri, em Camar, Cachoeira do Arari, pela Embrapa
Amaznia Oriental e pela Emater-Par.
4 a 5 de abril: Workshop Regional da Castanha-do-brasil: pesquisa,
produo e comercializao, realizado pela Embrapa Amaznia
Oriental, em Belm.
7 a 10 de junho: Foi realizado o 1 Frutal Amaznia Semana da
Fruticultura, Floricultura e Agroindstria, em Belm, Par.

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400

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

30 de agosto a 2 de setembro: Realizao da 3 Feira Internacional da


Amaznia (3 Fiam), promovida pela Suframa, em Manaus.
Outubro: Falncia da Nova Amafrutas com grandes dvidas do Banco
da Amaznia.
22 a 26 de novembro: Realizao em Belm do 5 Amazontech, numa
iniciativa das unidades do sistema Sebrae situadas na Amaznia Legal,
em parceria com a Embrapa e Universidades Federais da Amaznia,
em cursos, palestras e produtos.
Lanamento do Manual de Manejo de Bacurizeiros pela Emater/PA e
pela Embrapa Amaznia Oriental.

2007
20 a 23 de junho: Foi realizado o 2 Frutal Amaznia Semana da
Fruticultura, Floricultura e Agroindstria.
23 a 25 de novembro: Realizao da 8 Festa do Cacau em Medicilndia.
13 de setembro: 1 Seminrio Regional da Cadeia Produtiva da
Fruticultura Familiar, realizado em Marab, pela Emater-Par.

2008
24 a 26 de maro: 1 Encontro de Frutas Nativas das Regies Norte e
Nordeste do Brasil Frutas Nativas: Novos Sabores para o Mundo,
realizado em So Lus, Maranho.
20 de maio: O presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva
sanciona a Lei n. 11.675, estabelecendo o cupuauzeiro como fruta
nacional.
26 a 29 de junho: Foi realizado o 3 Frutal Amaznia Semana da
Fruticultura, Floricultura e Agroindstria.
11 a 13 de setembro: Realizao da 4 Feira Internacional da Amaznia
(4 Fiam), promovida pela Suframa, em Manaus.
25 a 29 de novembro: Ocorreu em So Lus o 6 Amazontech, numa
iniciativa das unidades do sistema Sebrae situadas na Amaznia Legal,
em parceria com a Embrapa e Universidades Federais da Amaznia,
em cursos, palestras e produtos.

2009
25 a 28 de junho: Foi realizado o 4 Frutal Amaznia Semana da
Fruticultura, Floricultura e Agroindstria.
25 a 28 de novembro: 5 Feira Internacional da Amaznia (5 Fiam),
em Manaus.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

A Embrapa Amaznia Ocidental efetua o lanamento da cultivar BRS


Conquista, para vencer o aparecimento da sigatoka-negra.
Cultivares de guaran BRS Luzeia, BRS Munduracnia, BRS
Cereaporanga e BRS Andir com previso de lanamento para 2010.

2011
18 a 22 de outubro: Realizao do Amazontech 2011 em Palmas,
Tocantins.

2012
15 de maro: Lanamento da variedade de cupuauzeiro Carimb, em
Tom-Au.
13 a 17 de novembro: Realizao da Amazontech 2012, em Macap,
Amap.
12 a 13 de dezembro: Seminrio Plano Nacional para a Promoo de
cadeias de valor de Produtos da Sociobiodiversidade (Plano Sociobio),
em Belm.

Comentrios finais
A fruticultura deve estar inserida no programa governamental do
Plantio de Um Bilho de rvores, lanado pelo presidente da Repblica,
em Belm, no dia 30 de maio de 2008. A fruticultura deve ser entendida
como uma alternativa para ocupar reas j desmatadas, promover
o reflorestamento e garantir emprego e renda para as populaes
regionais. Em todas as atividades relacionadas fruticultura o controle
de pragas e doenas e a oferta de alimentos seguros representa uma
prioridade importante.
A regio Norte se destaca no cenrio regional e nacional na produo
de diversas fruteiras, tanto anuais como perenes e extrativas. Dentre
os estados componentes, o Par ocupa a primeira posio nacional
de cupuau, segundo lugar na produo de cacau e castanha-do-par, terceiro lugar de banana e abacaxi e quarto em coco. Quanto
aos produtos extrativos como palmito e castanha-do-par, nota-se a
primazia dos estados do Par e Acre. O destaque cabe na produo de
abacaxi, na qual o Estado do Par o maior produtor regional. Outra
fruteira anual importante a melancia, destacando-se o Estado do
Tocantins como maior produtor regional. O cultivo de melo, que teve
o seu auge no Estado do Par durante a dcada de 1970, foi perdendo
a sua importncia com os plantios realizados no Nordeste e Sudeste do
pas, mais prximos dos grandes centros consumidores.

401

402

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Tanto na produo de fruteiras temporrias como permanentes e de


frutas extrativas existem dezenas de produtos invisveis, isto , que no
existem oficialmente, uma vez que no fazem parte da coleta de dados
do IBGE e que tm destacado papel na estratgia de sustentabilidade
da agricultura familiar e grande importncia econmica.
Quanto s fruteiras permanentes destacam-se banana, cacau, coco-da-baa, laranja, guaran, entre as principais. Muitas fruteiras cultivadas
na regio ainda so invisveis porque no fazem parte do sistema de
coleta do IBGE, tais como a de cupuau, pupunha, aa plantado, mas j
apresentam uma expressiva rea cultivada. Vrias dessas culturas esto
associadas com complexos agroindustriais, como o caso de coco,
abacaxi, laranja, goiaba, acerola, maracuj, cupuau, aa, guaran,
entre outras. Pode-se afirmar que, no contexto das culturas perenes,
as fruteiras so as dominantes e as excees correm por conta das
lavouras de caf, pimenta-do-reino, dend, urucum e palmito. Diga-se
de passagem que de dezenas de fruteiras perenes que so cultivadas,
como mangosto, rambut, acerola, no so coletadas informaes
sobre a rea plantada e a produo pelo IBGE.
Permanece o desafio quanto implantao de sistemas agroflorestais
utilizando fruteiras perenes e a sua insero para o segmento dos
pequenos produtores. de destacar o grande crescimento do
segmento de fruteiras perenes durante a dcada de 1990, impulsionada
pela exposio da mdia com relao Amaznia. Nesse sentido,
vrias fruteiras como cupuau, pupunha e aa, cuja oferta dependia
fortemente do extrativismo, passaram a ser plantadas racionalmente.
No que se refere aos produtos extrativos, apenas o fruto e palmito de
aa, castanha-do-par e de buriti aparecem nas estatsticas oficiais.
Ressalta-se, contudo, que existem dezenas de fruteiras extrativas que
so comercializadas, das quais destacam-se bacuri, uxi e tucum, cujos
primeiros plantios comeam a ser efetuados. Algumas dessas espcies
so de difcil reproduo, como o uxi, que est caminhando para a
extino, e comeam a ser cultivados entre os colonos nipo-brasileiros
no Municpio de Tom-Au. O crescimento do mercado de bacuri
tambm est induzindo a realizao de plantios mediante enxertia,
para apressar a frutificao e o tamanho da copa. Algumas dessas
frutas nativas apresentam caractersticas regionais, como a venda
e consumo de tucum nas ruas da cidade de Manaus e da pupunha
cozida na cidade de Belm.
Deve ser ressaltado que existe uma escassez de informaes econmicas
sobre fruteiras regionais e, quando se trata de fruteiras amaznicas,
grande parte delas sequer so includas nas estatsticas agropecurias.

CAPTULO 28 - Setenta anos de pesquisa agropecuria na Amaznia: contribuies da


Embrapa para fruticultura tropical

Nos ltimos anos, vrias frutas amaznicas e outros produtos da


biodiversidade amaznica tiveram seus princpios ativos identificados e
patenteados e nomes de frutas, como cupuau e aa, sendo registradas
como marcas por instituies dos pases desenvolvidos. Isso indica que
o atraso tecnolgico e a falta de experincia no comrcio e de direito
internacional podem conduzir a graves prejuzos econmicos e de
imagem para a regio.

403

Introduo1

Na Amaznia, a implantao das guseiras (empresas que transformam


o minrio em ferro-gusa, matria-prima para a produo de ao), a
partir de 1988, em Carajs, onde foram descobertas jazidas de ferro,
tornou-se um perigo ambiental de
enormes propores nos estados
do Par e do Maranho, por onde
passa a ferrovia de Carajs. Repete-se
nessa regio o ciclo de destruio da
vegetao nativa, ocorrido no cerrado
para a produo de carvo vegetal.
Do total de ferro-gusa produzido,
95% so usados na produo de ao
bruto e 5% na de fundidos de ferro,
e 18% dessa produo destina-se
exportao (Figura 1).
1

Homma et al. (2006b).

Figura 1. Lingotes de
ferro-gusa prontos para
exportao em Marab,
PA.

Foto: Grimoaldo Bandeira de Matos.

O incio, h cerca de 3.200 anos, da Idade do Ferro, que se seguiu


s idades da Pedra e do Bronze, representou um grande avano na
histria humana. O domnio da metalurgia levou fabricao de novas
ferramentas para agricultura e armas mais modernas, que permitiram
a expanso territorial de diversos povos. No Brasil, a primeira fundio
foi estabelecida entre 1587 e 1597, pelo bandeirante Afonso Sardinha,
na regio de Sorocaba, mas s aps a vinda de D. Joo VI para o
Brasil, em 1808, a indstria siderrgica de fato se desenvolveu. Sua
consolidao, porm, s aconteceria entre 1950 e 1960, nos governos
dos presidentes Getlio Vargas (18831954) e Juscelino Kubitschek
(19021976).

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

O problema surge porque, para obter 1 t de ferro-gusa, a guseira precisa,


em mdia, de 1,6 t de minrio de ferro e 875 kg de carvo vegetal, alm de
calcrio (100 kg), mangans (40 kg) e quartzito (65 kg). Na produo do
ferro-gusa pode ser usado tanto o carvo mineral quanto o vegetal, mas
este se destaca pela reduzida quantidade de enxofre. Atualmente, esto
em funcionamento, no chamado Polo Carajs, sete usinas (com 19 altos-fornos) no Maranho e oito usinas (18 altos-fornos) no Par, e todas
obtm ferro-gusa usando carvo vegetal, o que significa uma imensa
presso sobre a vegetao nativa, j que o reflorestamento existente, com
espcies madeireiras destinadas produo de carvo, insuficiente.
A produo brasileira de ferro-gusa (75 empresas, com 137 altos-fornos instalados) divide-se entre a de usinas siderrgicas integradas
(que tambm produzem ao) e a de empresas independentes (gusa
para fundio e aciaria). As primeiras respondem por 71,4% do total
produzido e as independentes por 28,5%. Essa fatia menor distribui-se hoje entre Minas Gerais (63%), Polo Carajs (31%), Esprito Santo
(5%) e outros estados (1%). Quase toda a produo de Carajs (88%)
exportada para os Estados Unidos, enquanto as de Minas Gerais e
Esprito Santo dividem-se entre os mercados interno e externo cerca
de 90% do ferro-gusa comercializado no Pas oriundo de Minas
Gerais. Da produo total de ferro-gusa no pas, 73,1% envolvem o uso
de carvo mineral e 26,9%, de carvo vegetal (Figura 2).
Figura 2. Carvoeiro
com o carvo retirado
do forno.

Foto: Rui de Amorim Carvalho.

406

Os 15 produtores de ferro-gusa do Polo Carajs produziram e


exportaram (em nmeros acumulados at 2005) mais de 20 milhes de
toneladas de ferro-gusa. A exportao, feita pelos portos de Ponta de
Madeira, MA, e Barcarena, PA, atingiu mais de 3 milhes de toneladas
no ano passado.
Estudos realizados na regio do Sudeste do Par, entre 1999 e 2004,
pela Embrapa Amaznia Oriental, uma das unidades de pesquisa da

CAPTULO 29 - Guseiras na Amaznia: perigo para a floresta

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria, com recursos do Projeto


de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologia Agropecuria para o
Brasil (Prodetab), mostraram que a derrubada de florestas densas nos
projetos de assentamentos (Figura 3), a extrao de madeira (com a
destruio de reas de ocorrncia da castanha-do-par) e a implantao
de roas (seguidas da formao de pastagens) esto relacionadas ao
aproveitamento da madeira para a produo de carvo vegetal.
Foto: Rui de Amorim Carvalho.

Figura 3. Conjunto
de fornos de carvo
em lote de projeto
de assentamento no
Sudeste do Par.

Apesar da justificativa de que a madeira resultante das derrubadas e


de restos de serrarias seriam queimadas de qualquer maneira, com
a produo de carvo vegetal evitaria a combusto total imediata da
madeira, diluindo ao longo do ano a emisso de gs carbnico para
a atmosfera, promove-se uma destruio irresponsvel dos recursos
florestais e de graves consequncias para o equilbrio do ecossistema
da regio amaznica.
Na fabricao de carvo vegetal, a floresta derrubada deve sofrer uma
queimada leve, para eliminar folhas, galhos mais finos e cips, o que
facilita a retirada das toras e permite obter o mximo rendimento em
lenha. Muitas dessas reas tornam-se imprestveis para o plantio de
culturas anuais, por causa da queimada feita de modo inadequado e
do contnuo trfego de carroas e veculos para o transporte de lenha e
carvo, que prejudica as atividades agrcolas. Portanto, servem apenas
para o plantio de pastagens.
Considerando que a produo de cada tonelada de ferro-gusa exige
875 kg (3,5 m) de carvo vegetal, pode-se deduzir, com base nas
exportaes das guseiras do Polo Carajs, que isso implicou, s em
2005, o desmatamento estimado de uma rea de 100 mil hectares de
floresta para a produo desse carvo. Essa rea (que equivale a cerca
de 100 mil campos de futebol) deve crescer nos prximos anos se no
ocorrer um grande esforo no sentido do reflorestamento. Estima-se

407

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

que a exportao acumulada de ferro-gusa at 2005 tenha provocado


um desmatamento ilegal superior a 800 mil hectares de floresta densa
considerando-se, nesse clculo, que toda a produo de carvo vegetal
teve origem do aproveitamento de reas desmatadas e queimadas
para atividades agrcolas. A questo to grave que a Companhia
Vale do Rio Doce, fornecedora de minrio de ferro para as guseiras,
preocupada com sua imagem internacional, ameaou em 2005 cortar
o fornecimento caso as empresas no adotem prticas ambientalmente
corretas em relao ao carvo vegetal.
A quantidade de lenha gerada nas reas derrubadas de floresta
densa depende de fatores como a intensidade da retirada de madeira
comercial, a qualidade da queimada e o tipo da vegetao, entre outros.
A quantidade de carvo produzida varia de 210 m a 280 m (52 t a 70 t)
por hectare para queimadas leves e de 105 m a 140 m (26 t a 35 t) por
hectare para reas bem queimadas. Em termos gerais, obtm-se uma
produtividade mnima de 2 carradas de caminho de carvo vegetal
(108 m ou 27 t) por hectare, com uma taxa de converso mdia (de
lenha para carvo vegetal) entre 43% e 50%. Em floresta j bastante
explorada com madeira comercial ou de porte baixo, a produo de
lenha de 70 m (17,5 t) por hectare.
A produo de carvo vegetal, em fornos vulgarmente conhecidos
como rabo-quente (Figura 4), apresenta baixa eficincia e no permite
o aproveitamento de subprodutos, alm de ser altamente poluente
e prejudicial sade das pessoas (os carvoeiros) que se dedicam
atividade e dos moradores das redondezas. Alm da bateria de dezenas
de fornos do tipo rabo-quente (Figura 5) nas proximidades de
serrarias, em geral os colonos tm em seus lotes um conjunto de sete
desses fornos para queimar a madeira derrubada ao redor, permitindo
a produo semanal de uma carga de caminho.
Figura 4. Construo de
um forno rabo-quente,
para a produo de
carvo vegetal.

Foto: Rui de Amorim Carvalho.

408

CAPTULO 29 - Guseiras na Amaznia: perigo para a floresta

Foto: Rui de Amorim Carvalho.

Figura 5. Conjunto de
fornos do tipo raboquente no Sudeste do
Par.

Se o carvo passar a ser produzido com madeira de eucalipto fornecida


por reas reflorestadas, ser necessrio dada a produtividade dessa
cultura, aos 7 anos de idade, com ciclos de trs cortes, de 25 t de carvo
por hectare o corte anual de 105 mil hectares para garantir uma
exportao pelo menos igual de 2005 (3 milhes de toneladas de
ferro-gusa). Assim, o atendimento demanda das guseiras do corredor
da Estrada de Ferro Carajs exigir o reflorestamento mnimo de
800 mil hectares, rea necessria para garantir uma produo anual
de carvo vegetal suficiente para eliminar o uso de carvo obtido de
floresta nativa. A atual rea reflorestada no capaz sequer de produzir
o carvo vegetal consumido em 1 ano.
Em novembro de 2000, a Associao das Siderrgicas de Carajs
(Asica), integrada por 15 produtoras de ferro-gusa, lanou no
Congresso Nacional o Fundo Florestal de Carajs, que tem como
objetivo financiar o reflorestamento na regio. O carvo vegetal
representa em torno de 70% do custo de produo de ferro-gusa
e o reflorestamento aumentar ainda mais esse custo, mas preciso
levar em conta os custos ambientais e sociais includos na produo
de carvo proveniente de florestas naturais. O reflorestamento precisa
avanar de maneira mais intensa, incorporando reas desmatadas
imprprias para atividades agrcolas e promovendo a recuperao
de reas em que a floresta no deveria ter sido derrubada, alm de
incentivar a busca de tecnologias que permitam maior aproveitamento
e menor poluio na carbonizao. A recuperao de reas degradadas
(em pequenas, mdias e grandes propriedades) seria feita por meio de
um sistema de fornecimento de mudas, assistncia tcnica e garantia
de compra da madeira.
A atividade guseira no Polo Carajs gera 35 mil empregos diretos, sem
falar nos indivduos que atuam no processo produtivo de carvo vegetal
e na receita de US$ 750 milhes com as exportaes, mas apresenta

409

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

no modelo atual um alto custo social e ambiental, pois depende da


depredao de florestas nativas. Enquanto as guseiras integradas vm
reduzindo o uso de carvo vegetal e substituindo-o pelo coque, as
independentes, em Minas Gerais e no Esprito Santo, esto aumentando
o consumo desse carvo obtido com reflorestamento. As guseiras do
Polo Carajs, no entanto, ainda dependem de carvo vegetal oriundo
de florestas nativas, repetindo um modelo de explorao predatria
comum em muitas atividades econmicas na Amaznia. No caso das
guseiras, o reflorestamento para a produo de carvo vegetal a nica
opo para salvar as florestas e minimizar os impactos ambientais.
Afirmar que isso j foi feito no passado em outras regies no pode
mais servir como justificativa para a manuteno desse sistema.
A crise mundial em 2008 e a falta de minrio de ferro a preo
competitivo levaram ao fechamento da Cosipar em outubro de
2012. Essa empresa foi a pioneira, tendo se estabelecido em 1988,
em Marab, e atraindo outras guseiras (Figura 6). Contudo, novas
guseiras esto se implantando ou fundindo, com jazidas prprias, ao
contrrio das anteriores, e com processos administrativos singulares.
O desafio futuro decorre da capacidade de verticalizao, da produo
de carvo vegetal a partir de reflorestamento, do cumprimento das
normas ambientais e sociais e da insero das atividades no contexto
socioeconmico regional.
Figura 6. Vista parcial
de uma guseira situada
em Marab, PA.

Foto: Rui de Amorim Carvalho.

410

Introduo1
No incio do processo de povoamento na Amaznia, que tem como
marco de referncia a fundao da cidade de Belm (1616) at a
abertura da Rodovia Belm-Braslia (1960), a madeira extrada era
praticamente das vrzeas. A fora muscular humana era responsvel
pelo corte e o meio aqutico indispensvel para o arraste e transporte
da madeira.
Com a abertura de rodovias que passaram a cortar os estados da
Amaznia Legal e com o esgotamento das reservas florestais da
Mata Atlntica, a extrao madeireira em reas de terra firme passou
a dominar em todas as frentes de expanso agrcola. A motosserra,
inventada por Andreas Stihl, em 1927, torna-se um instrumento
prtico no final da dcada de 1960, sendo instalada a primeira fbrica
de motosserras no Brasil em 1973. Com o uso da motosserra, a
produtividade da mo de obra no desmatamento, antes dependente
do uso do terado, da foice e do machado, aumentou 700%. A extrao
madeireira tradicional estimada em 0,5 m/homem/dia aumentou em
34 vezes com o uso da motosserra e foi ampliada, posteriormente,
com o uso de maquinaria no arraste e transporte (NASCIMENTO;
HOMMA, 1984).
A extrao madeireira de florestas nativas tornou-se a principal
atividade econmica em todos os estados da Amaznia Legal,
ocupando a terceira posio na pauta das exportaes, vindo logo
depois dos minrios. Muitos municpios nasceram com a extrao
madeireira, com forte lobby poltico, com grandes custos sociais e
ambientais, de violncia no campo e da insensibilidade quanto aos
rumos futuros. Caminhes madeireiros improvisados cruzavam as
estradas, serrarias ilegais em constante mudana para novos locais e
com grande desperdcio constituam o cenrio em vrios municpios
1

Verso ampliada de Homma (2011a).

412

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

amaznicos. No final da dcada de 1980, esse cenrio seria acrescido


das guseiras implantadas ao longo da Estrada de Ferro Carajs e
dos caminhes transportando carvo vegetal de florestas nativas
(HOMMA et al., 2006b).
Com o assassinato do lder sindical Chico Mendes (19441988),
seguido logo depois da Rio-92, do protocolo de Kyoto (1997), do
fortalecimento dos movimentos sociais, das presses internacionais e
da criao das Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente,
a questo ambiental na Amaznia passou a constar da agenda poltica
brasileira e mundial. Pecuaristas, madeireiros, grandes produtores
e extratores de recursos naturais passaram a assumir uma postura
defensiva, impensvel nas dcadas de 1970 e 1980.
Toda poltica do setor primrio para a Amaznia deve estar voltada
para a utilizao parcial de mais de 74 milhes de hectares (2010)
que j foram desmatados e que constituem a Segunda Natureza. Essa
rea trs vezes a do Estado do Paran ou mais do que a soma dos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran. Contudo, o
PIB da Amaznia Legal inferior a do Rio Grande do Sul ou apenas
1,5 vez a do Paran. Isso mostra o potencial agrcola e de reengenharia
ambiental que poderia ser obtido transformando em uma Terceira
Natureza com a aplicao correta de prticas agrcolas e de atividades
mais adequadas, que muitos produtores j vm efetuando. A floresta
original a Primeira Natureza. Essa utilizao fica neutralizada se for
mantida a contnua formao de novos berrios de reas desmatadas.
O aproveitamento das foras de mercado constitui na maior segurana
para o sucesso de programas ambientais ao invs do assistencialismo
ambiental (CORRA, 2005). As reas de ocorrncia de aaizeiros no
Estado do Par a partir da dcada de 1970 sofreram grandes derrubadas
para extrao do palmito, o que levou o presidente Ernesto Geisel
(19741979) a assinar a Lei 6.576/78, proibindo a sua derrubada, que
no obteve xito. A valorizao do fruto a partir da dcada de 1990
teve efeito positivo sobre a conservao de aaizais. Os aaizeiros
localizados nas reas prximas aos grandes mercados consumidores
deixaram de ser derrubados para a extrao de palmito e passaram a
ser mantidos para produo de frutos (NOGUEIRA; HOMMA, 1998).
A queniana Wangari Maathai (19402011), que se tornou a primeira
mulher africana a receber o Prmio Nobel da Paz, em 2004, iniciou
em 1976 o Green Belt Movement, promovendo uma campanha de
esclarecimento com grupos de mulheres mostrando que rvores
deviam ser plantadas. O desflorestamento do Qunia destruiu
boa parte da biodiversidade e reduziu a capacidade das florestas de
conservar gua, um recurso bastante escasso na regio. Aos poucos,
elas foram percebendo que o plantio gerava emprego, combustvel,
comida, abrigo, melhorava o solo e ajudava a manter as reservas de
gua. Nas ltimas trs dcadas, as mulheres do Qunia plantaram

CAPTULO 30 - Madeira na Amaznia: extrao, manejo ou reflorestamento?

mais de 30 milhes de rvores. Em 1986, estabeleceu a Pan African


Green Belt Network, estendendo a iniciativa para o plantio de rvores
em outros pases africanos como Tanznia, Uganda, Malawi, Lesoto,
Etipia, Zimbabwe, etc. O trabalho de conscientizao foi difcil:
o nosso povo foi historicamente persuadido a acreditar que, por ser
pobre, tambm no tinha conhecimento e capacidade para enfrentar os
seus prprios problemas. E esperavam solues de fora. As mulheres no
conseguiam perceber que para atender s suas necessidades bsicas era
preciso um meio ambiente saudvel e bem manejado (MAATHAI, 2004,
2007).

No dia 30 de maio de 2008, o governo federal lanou em Belm um


programa de plantio de Um Bilho de rvores na Amaznia. Essa
proposta, que tinha uma meta visvel, no teve o apoio dos produtores,
das comunidades, dos empresrios e da sociedade em geral para
constituir um modelo de desenvolvimento local. A cifra, que primeira
medida impressiona pelo nmero, para a Amaznia representa apenas
o passivo das guseiras, que j deveria ter reflorestado 1 milho de
hectares com eucaliptos, para substituir o carvo vegetal proveniente
de florestas nativas. Os chineses, no intuito de melhorar a qualidade
do ar, por ocasio dos Jogos Olmpicos 2008, efetuaram o plantio de
2,2 bilhes de rvores, que deveria ser imitado por outros pases. Esses
fatos trazem ilaes com relao ao Programa Municpios Verdes, no
qual a participao da populao aliada a foras de mercado, como a
reduo dos custos de recuperao de reas alteradas, seria a garantia
para o seu sucesso (GUIMARES et al., 2011).
A expanso das lavouras de juta e pimenta-do-reino, duas culturas
exticas, com complexos processos de cultivo e beneficiamento, foi
rapidamente absorvida pelos pequenos produtores, provando que
estes no so avessos a inovaes tecnolgicas, desde que tenham lucro
e mercado. Dessa forma, o reflorestamento deve ser estimulado pelo
mercado (carvo para guseiras, laminados e compensados, celulose,
etc.), com resultados a mdio e longo prazos, reforando a fora atvica
do ato de plantar rvores, prevalecente em muitos produtores, mesmo
sem mercado definido no presente (ARCE; LONG, 2000).
A despeito dos avanos na fronteira do conhecimento cientfico
e tecnolgico sobre os recursos florestais na Amaznia, revela
ainda a fragilidade quanto a vcuos existentes, necessitando de
maiores investimentos em cincia, tecnologia e educao na regio
(BECKER, 2010). O desafio no est em somente estancar a sangria
do desmatamento crnico, mas em reverter a curva decrescente da
cobertura florestal da Amaznia com o reflorestamento das reas que
no deveriam ter sido desmatadas, recompor as reas de Reserva
Legal (ARL) e de Preservao Permanente (APP).

413

414

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A extrao de madeira como um bem


livre
A extrao madeireira na Amaznia foi impulsionada pelo crescimento
do mercado (interno e externo), pelo esgotamento das reservas da
Mata Atlntica, pela abertura de rodovias e pela expanso da fronteira
agrcola. Essa extrao garantia a oferta de madeiras comerciais,
financiando a derrubada para formao de roados e de pastagens,
seguida de declnio e colapso. Nas reas exploradas ocorria grande
desperdcio de madeira, a floresta remanescente era profundamente
danificada e os resduos deixados na mata constituam riscos de
incndios florestais (HOMMA, 2003, 2007b).
A magnitude dos estoques madeireiros na Amaznia, estimada no
incio da dcada de 1980 em mais de 45 bilhes de metros cbicos,
com quase 14 bilhes de metros cbicos de madeira comercializvel,
fez com que os esforos de pesquisa se concentrassem no manejo
florestal. Para se ter uma ideia da dimenso desse estoque, no trinio
20082010 o pas consumiu 108 milhes de metros cbicos de madeira
em tora plantada, o que daria para mais de um sculo.
A extrao de madeira como se fosse um bem livre, tanto nas reas de
vrzeas como nas de terra firme, de forma seletiva, atinge o seu apogeu
em quantidade e valor exportado na dcada de 1990. O livre acesso
dos recursos florestais como se fosse um bem pblico contrastava com
a pobreza e a falta de alternativa da populao local e os anseios de
rpido enriquecimento de uns poucos (AGUERO, 1996).
Os recursos madeireiros, a despeito da magnitude do estoque local,
eram rapidamente esgotados, provocavam um efeito Dutch Disease
na economia, com surto de boom e declnio, obrigando a constantes
deslocamentos (BARHAM; COOMES 1994). nesse sentido que
se refora a posio de Terborgh (2004) quanto fraqueza das
instituies nos pases subdesenvolvidos e em desenvolvimento no
controle da poltica da pilhagem dos recursos naturais. O princpio
weberiano de normas legais e burocrticas deve ser substitudo pelos
valores morais durkheiminianos, por meio de maiores investimentos
na educao, como a garantia segura da proteo dos recursos naturais
na Amaznia.
O volume de exportao de madeira bruta no Par, que j chegou a
atingir quase 350 milhes de dlares em 1995, mostra a importncia
que esse setor pode contribuir com a sua consequente verticalizao,
com capacidade de triplicar esse valor. A manuteno da indstria
madeireira e a sua verticalizao dependero da garantia do
fornecimento contnuo e crescente de madeira plantada a preos
competitivos e com sustentabilidade. medida que o acesso aos
estoques de madeira extrativa torna-se distante, os custos de

CAPTULO 30 - Madeira na Amaznia: extrao, manejo ou reflorestamento?

transportes tendem a inviabilizar essa atividade. Outro aspecto que


o crescimento da oferta de madeira extrativa vai depender do acesso a
novas reas e da extrao nas reservas das propriedades, cada vez mais
restritas no contexto das polticas ambientais. As exigncias quanto
certificao, aes de fiscalizao conjunta entre o Ibama, a Polcia
Federal e a Fora Nacional, como ocorreu em fevereiro de 2008, no
Municpio de Tailndia, e o fortalecimento da governana com relao
a desmatamentos e queimadas levaram queda da extrao madeireira
na Amaznia.
O grande estoque de madeira sempre tem levado negligncia e ao
atraso na busca de solues poupadoras no uso desse recurso natural.
Se o comportamento for de utilizar as florestas nativas enquanto
for possvel, se est adiando a busca desse equilbrio desejado. Isso
vem ocorrendo na Amaznia com as guseiras, com as madeireiras,
com a agricultura familiar, com os fazendeiros, sempre na crena da
inesgotabilidade. A implantao de 15 guseiras no Complexo Carajs,
nos estados do Par e do Maranho, indica uma demanda potencial
de 120 mil hectares/ano de eucalipto para a produo de carvo
vegetal. Para essa atividade, a sua sobrevivncia no longo prazo no
pode depender da atual utilizao de carvo vegetal de florestas nativas
obtidas de roados da agricultura familiar e cada vez mais distantes.
Dessa forma, grande parte das iniciativas de reflorestamento no Sul do
Par e no Maranho deve caminhar nesse sentido.
As altas taxas inflacionrias prevalecentes na economia brasileira, que
atingiu seu apogeu durante as dcadas de 1980 (1.782,89% em 1989) e
1990 (2.708,17% em 1993) e decaiu com a implantao do Plano Real
em 1995, no constitua estmulo para uma extrao equilibrada de
efetuar manejo florestal ou de realizar plantios florestais. Altas taxas
inflacionrias superiores taxa de crescimento da madeira no
atrativo para o manejo ou plantio florestal.
Os estados do Maranho, Tocantins e Mato Grosso, situados na borda
da Floresta Amaznica, j comeam a sentir a escassez de madeira para
construes rurais (cercas, currais, casas, etc.), lenha para fabricao
de farinha e para cozinha, olarias, entre outros. Mesmo no Par,
que se tornou primeiro lugar nacional na produo de mandioca,
nos municpios do Nordeste Paraense, os produtores de farinha j
encontram grande dificuldade em conseguir lenha para torrar a
farinha. importante que nessas reas produtoras de farinha sejam
efetuados programas de reflorestamento para garantir lenha para
atender s necessidades de beneficiamento de farinha de mandioca,
que chega a representar 10% do seu custo de produo. A produo de
pimenta-do-reino est relacionada com a oferta de estaces de madeira
dura, que reflete, tambm, na oferta de maracuj, cuja reposio anual
oscila entre 2 mil a 3 mil hectares/ano, dependentes do abate ilegal de
20 mil a 30 mil rvores de madeira dura.

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416

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Manejo florestal: limites e


possibilidades
No se discute a importncia do manejo florestal para disciplinar a
extrao madeireira de florestas nativas na Amaznia. Procura-se
neste tpico fazer uma anttese quanto ao manejo florestal em uma
poltica de longo prazo para o setor florestal na Amaznia. O cenrio
futuro com qual o setor florestal ir se defrontar provavelmente
ser de aumento populacional, ampliando a demanda de madeira e
de expanso de plantios florestais no interesse da recomposio de
ecossistemas destrudos no passado, de sequestro de CO2 para reduzir
o aquecimento global, de atividades com menor emisso de CO2, de
restaurao florestal de matas primitivas prejudicadas e do plantio em
reas antes inexistentes, entre outros. A utilizao de aglomerados para
mveis em face da dificuldade de obteno de madeiras nobres reduz
a sua vida til e contrasta com as tecnologias digitais que dispensam o
uso de papel, que poder reduzir o consumo de madeira.
Resultados de pesquisa bsica acumulativa que permitiram estabelecer
as bases do manejo florestal foram (iniciados) desenvolvidos pela
FAO, SPVEA, Inpa, Embrapa Amaznia Oriental, Museu Paraense
Emlio Goeldi, Universidade Federal Rural da Amaznia, Sudam,
Projeto Jari, Programa de Pesquisas Florestais (Prodepef), Imazon,
Funtac, Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na
Amaznia (LBA), Center for International Forestry Research (Cifor),
Centre de Coopration Internationale en Recherche Agronomique
pour le Dveloppement (Cirad), Instituto de Floresta Tropical, entre
outros. Essas pesquisas tiveram, tambm, forte apoio de pesquisadores
estrangeiros e de financiamento dos governos da Inglaterra, Estados
Unidos e Alemanha.
Logo que a ideia do manejo florestal foi difundida na dcada de
1980, foi utilizada como justificativa para a manuteno da extrao
madeireira de forma predatria, razo de diversos projetos fantasmas
que tiveram de ser cancelados. A sua expanso depender da maior
fiscalizao na extrao madeireira tradicional com custos mais
reduzidos, do monitoramento dos projetos de manejo florestal e da
exigncia por parte dos consumidores de madeira.
O manejo florestal na Amaznia deve ser colocado, portanto, em
um processo de substituio por plantios silviculturais no longo
prazo, sobretudo pelas grandes empresas madeireiras. A concesso
de grandes reas para os projetos de manejo e o longo tempo para o
corte do segundo ciclo (30 a 40 anos) colocam em risco at mesmo a
integridade com a recuperao dessas reas. No longo prazo, os riscos
de invases e de incndios florestais sempre estaro presentes, alm da

CAPTULO 30 - Madeira na Amaznia: extrao, manejo ou reflorestamento?

incerteza quanto ao mercado, levando ao desinteresse com relao s


reas j extradas e encarando apenas os estoques florestais como fonte
de matria-prima no presente.
As restries para um manejo em larga escala na Floresta
Amaznica esto relacionadas ao longo tempo para o ciclo de corte,
heterogeneidade das espcies, falta de pesquisas quanto sua
sustentabilidade em cortes sucessivos, s mudanas dos concessionrios
e dificuldade na fiscalizao, aos riscos de corrupo, entre outros. Para
um manejo adequado, a extrao de madeira pode ser restringida a um
volume mnimo, colocando em dvida a sua rentabilidade econmica.
Por sua vez, o baixo risco no empreendimento, ao contrrio de um
plantio florestal, possibilita a entrada de empresas interessadas apenas
na pilhagem da madeira.
As concesses florestais para as grandes empresas promoveram
a transformao de um bem pblico em um bem privado, sem
a necessidade de os madeireiros investirem na aquisio de
terras (GODOY, 2006). Repete-se a lgica do Dutch Disease, do
aproveitamento de recursos da natureza sem trazer benefcios concretos
para a populao local. A aparente abundncia do recurso madeireiro
nunca permitiu estabelecer o preo real da madeira, incluindo o custo
do esgotamento, conforme o Princpio de Hotelling (HOTELLING,
1931). Estabelecer uma poupana do lucro advindo da extrao
madeireira, como sugere a teoria de El Serafy, para substituir o capital
natural, deveria ser preconizado para compensar o esgotamento e o
menor desperdcio (EL SERAFY, 1997).
O manejo florestal para as pequenas comunidades, defendido pelos
movimentos sociais, no apresenta diferena com as grandes concesses
florestais. Os pequenos produtores, extrativistas ou ribeirinhos no
tem como vocao a extrao madeireira para fins comerciais, uma
atividade que exige equipamentos complexos e de investimentos em
maquinaria e leva ao arrendamento para terceiros para promover
a extrao madeireira de seus lotes. Com esse procedimento, o
manejo florestal comunitrio reflete em escala reduzida a tragdia de
Hardin no longo prazo (HARDIN, 1968). A sua importncia deve ser
entendida como tendo mais uma funo social, enquanto no surgirem
alternativas econmicas e com cotas anuais estabelecidas.
Dessa forma, apesar da nfase com que o manejo florestal tem sido
colocado como a soluo para a extrao madeireira na Amaznia, a
definio de uma poltica de estmulo ao reflorestamento mais do que
urgente. As iniciativas de reflorestamento no Mato Grosso, Maranho,
Amap, Par e Rondnia constituem sinais indicativos dessa tendncia
que deve merecer maior ateno.

417

418

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Reflorestamento como nova atividade


econmica
As pesquisas silviculturais na Amaznia ficaram em segundo plano,
destacando-se a experincia pioneira do Projeto Jari, do milionrio
americano Daniel K. Ludwig (18971992), iniciada em 1967, com o
megaplantio de gmelina, pinus e, mais tarde, substitudo para eucalipto.
Dos 6,5 milhes de hectares reflorestados no Pas em 2010, o Estado
do Par detinha apenas 151 mil hectares e o Estado do Amap, 50 mil
hectares. A rea reflorestada na Amaznia Legal de 493 mil hectares,
representando apenas 7,56% do total nacional, quantidade nfima, se
comparada com o Estado de Santa Catarina, que detinha 643 mil
hectares, com superfcie 13 vezes menor do que o Estado do Par. Cabe
destacar a expanso do paric em plantios comerciais alcanando mais
de 100 mil hectares, tendo como foco irradiador o Municpio de Dom
Eliseu, a partir do final da dcada de 1990, e a criao do Centro de
Pesquisas do Paric, em 2003 (MARQUES et al., 2006).
Segundo a National Academy of Sciences (EUA), o mundo consome
atualmente 67% de madeira proveniente de florestas nativas, que tende
a decrescer para 50% em 2025 e 25% em 2050. Dessa forma, algumas
polticas recentes no pas (Lei 11.284/2006) podem estar na contramo
da histria ao propor concesses florestais quando vrios pases
desenvolvidos e em desenvolvimento esto efetuando reflorestamento
em grande escala (KAUPPI et al., 2006).
O mercado de papel e celulose deve constituir outro estmulo para
o reflorestamento na Amaznia. O Projeto Jari proporcionou uma
grande experincia com plantios de gmelina, pinus e eucalipto,
colocando os estados do Par e Amap como produtores de pasta
qumica de madeira, a partir de 1978. O volume de exportao desse
produto no Par atingiu mais de 231 milhes de dlares em 2010. A
entrada da Champion, no Amap, uma indicao da tendncia das
indstrias de papel e celulose se dirigirem em direo Amaznia pela
disponibilidade de terra.
A construo de grandes obras de infraestrutura, como a Hidreltrica
de Belo Monte, as eclusas de Tucuru, a Ferrovia Norte-Sul, o Porto de
Espadarte, entre outros, sinalizam o eixo dos rios Araguaia e Tocantins
como futuros centros produtores de gros, gado e reflorestamento.
A escassez e o custo das terras no Sudeste e Sul do Pas, aliado ao
aumento das presses com relao poluio, tendem a transferir essas
indstrias para regies com disponibilidade de terras a baixo custo,
menores presses com a qualidade ambiental e com implantao de
infraestrutura de transporte. No contexto mundial, o Brasil produz
metade de celulose de fibra curta (eucalipto), stimo de celulose
(fibra curta e longa) e dcimoprimeiro de papel. Para atender ao

CAPTULO 30 - Madeira na Amaznia: extrao, manejo ou reflorestamento?

consumo interno e de exportao, h necessidade de o Pas plantar,


nos prximos 5 anos, pelo menos 3 milhes de hectares de rvores de
rpido crescimento.
O reflorestamento para produo de madeiras nobres e para
compensados pode se constituir em grande opo futura, substituindo
a totalidade do atual extrativismo madeireiro e de manejo florestal.
Grandes plantaes de teca, madeira de origem asitica, com preos trs
vezes superiores ao mogno, esto sendo desenvolvidas, principalmente
em Mato Grosso, nos municpios de Cceres e Jangada. No Par, de
destacar o excelente plantio de 300 ha de mogno em Paragominas, bem
como na Transamaznica em consrcio com cacaueiros. As restries
da Conveno sobre Comrcio Internacional de Espcies Ameaadas
da Flora e Fauna Silvestres de Extino (Cites) com relao ao mogno
como espcie com risco de extino deve ser revista, permitindo a
comercializao dessa madeira proveniente de plantios, estimulando o
reflorestamento. O aumento no nmero de produtores com plantio de
mogno interessante para se criar uma fora poltica para viabilizar a
comercializao dessa madeira.
Um exerccio hipottico ressalta a importncia do reflorestamento
com madeiras nobres, cujos estoques naturais tm sido bastante
prejudicados. Como as exportaes de mogno serrado no Brasil
j atingiram 250 mil metros cbicos, considerando que uma rvore
de mogno poderia produzir 1,5 m3 de madeira depois de 40 anos,
adotando-se um espaamento 6 m x 6 m, o que daria 277 rvores/
hectare, indicaria que seriam necessrios 40 mil hectares de plantio,
com corte anual de mil hectares. Essa rea na Amaznia poderia ser
conduzida com toda facilidade por 40 empresrios que dispusessem
plantar cada um mil hectares (BROWDER et al, 1996). Se considerar
a adoo de sistemas agroflorestais, na perspectiva de sua difuso para
pequenos produtores, com menor densidade de rvores de mogno,
essa rea poderia ser triplicada ou quadruplicada, em torno de
120 mil hectares a 160 mil hectares, e envolver um pblico de 60 mil
a 80 mil pequenos produtores que seriam estimulados a plantar 2 ha
de mogno ou outra espcie madeireira nobre em suas propriedades. O
controle biolgico do inseto Hypsipyla grandella (Zeller) representa,
sem dvida, um desafio que precisa ser vencido para viabilizar o
reflorestamento com o mogno em grande escala na Amaznia.
As indstrias madeireiras, especialmente as de celulose, devem na
medida do possvel envolver contingentes de pequenos e mdios
produtores no processo de fornecimento de madeiras de rpido
crescimento. Eventos como o Projeto Jari, que teve uma crise no
fornecimento de matria-prima no incio da dcada de 1990, levando
a transportar eucalipto de navio do Municpio de Alagoinhas, na
Bahia, poderiam ter sido evitados, por exemplo, se tivesse investido
no estmulo a reflorestamento no Nordeste Paraense. A transformao

419

420

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

da vegetao secundria improdutiva (capoeira sucata), defendida


por Costa (2005), em uma capoeira capital valorizada deve ser
perseguida nas atuais reas antropizadas da Amaznia.

O novo Cdigo Florestal: consenso ou


bom senso
No dia 17 de outubro de 2012, a presidenta Dilma Rousseff (1947)
assinou a Lei 12.727, que substituiu o Cdigo Florestal 4.771 (15 de
setembro de 1965) e a Medida Provisria n 2.166-67 (24 de agosto de
2001). As propriedades agrcolas na Amaznia Legal devem obedecer
s normas estabelecidas na nova Lei 12.727 quanto manuteno de
80% da cobertura em reas de florestas, 35% em reas de cerrados e
20% em reas de campos gerais para a rea de Reserva Legal. Para as
demais regies do Pas apenas 20%, o que vai implicar na necessidade
de quadruplicar a produtividade das atividades comuns ou desenvolver
novas atividades exclusivas para a Amaznia. Outra consequncia
seria expandir as reas de cerrados localizados na Amaznia Legal.
A interpretao do Cdigo Florestal sinaliza muitas mudanas,
tornando importante avaliar as perspectivas da silvicultura e do plantio
de culturas perenes, nativa ou extica, e tambm para a venda de
sementes de espcies florestais. As exticas no podero ocupar mais
de 50% do total da rea a recuperar e a reserva poder ser explorada
economicamente por meio de plano de manejo.
A deciso por parte dos produtores em utilizar espcies frutferas
de uso mltiplo est condicionada a questes de mercado e de
possveis sanes ou benefcios legais com relao s ARL e APP. A
recomposio de APP e ARL custosa e, nesse contexto, a fruticultura
com espcies perenes (castanheiras, bacurizeiros, tucumanzeiros, etc.)
pode representar uma excelente alternativa para reflorestar e gerar
renda para a propriedade.
Para os produtores na Amaznia, o esforo de recuperao deve estar
dirigido para as reas com regenerao com pasto, pasto com solo
exposto e com vegetao secundria, que totalizam aproximadamente
20 milhes de hectares (Tabela 1). As reas de vegetao secundria
devem ser poupadas, visando sua reconverso em floresta no futuro.
Tabela 1. Classe de cobertura de terra para a Amaznia Legal, em 2008.
Classe
Floresta

rea (km)
3.214.046,58

%
64,26

No floresta

953.262,50

19,06

Hidrografia

114.913,56

2,30

11.458,64

0,23

Desflorestamento 2008

Continua...

CAPTULO 30 - Madeira na Amaznia: extrao, manejo ou reflorestamento?

Tabela 1. Continuao.
Classe
Agricultura fnual
Mosaico de ocupaes

rea (km)
34.927,24

%
0.70

24.416,57

0,49

3.818,14

0,08

Minerao

730,68

0,01

Outros

477,88

0,01

335.714,94

6,71

rea urbana

Pasto limpo
Pasto sujo

62.823,75

1,26

Regenerao com pasto

48.027,37

0,96

594,19

0.01

150.815,31

3,01

Pasto com solo exposto


Vegetao secundria
rea no observada
Total

45.406,27

0,91

5.001.433,63

100,00

Fonte: Sumrio (2011).

As faixas de proteo nas margens dos rios continuam exatamente as


mesmas da lei antiga (30 m a 500 m dependendo da largura do rio),
passando a ser medidas a partir do leito regular e no do leito maior
nos perodos de cheia. H uma crescente conscincia nacional quanto
necessidade de preservao de margens de rios, nascentes, encostas,
etc., na sociedade brasileira (RODRIGUES, 2011; BRASIL, 2011).
No entanto, sobressaltam ainda muitas dvidas com relao a
determinados tpicos da lei, para os quais avaliaes futuras devero
ser efetuadas, visando ao seu aprimoramento e a atingir o objetivo
de garantir a agricultura nas atuais reas desmatadas da Amaznia,
recuperando ecossistemas que no deveriam ter sido destrudos.

Reduo de Emisses para o


Desmatamento e Degradao (REDD)
Nesta ltima dcada, acentuou-se a politizao da natureza, a
mercantilizao do carbono e a tentativa de descarbonizar a economia
(BECKER, 2010). Nesse contexto, saem duas vertentes com relao
Amaznia, visando reduo dos desmatamentos e das queimadas.
Uma capitaneada pelo Reduce Emissions for Deforestation and
Degradation (REDD), que prev o pagamento para no desflorestar,
envolvendo a mercantilizao do carbono e conta com o apoio de
governadores da regio amaznica, empresrios e parte da comunidade
acadmica. A outra vertente defende a utilizao da floresta em
p, utilizando a tecnologia de ponta para produo de frmacos,
cosmticos, inseticidas naturais, entre outros produtos.
As reservas extrativistas esto sendo consideradas uma alternativa
para se evitar o desmatamento na Amaznia, alm de melhor opo
de renda e emprego, proteo da biodiversidade, barreira contra a
expanso da fronteira agrcola e, mais recentemente, mecanismo

421

422

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

de aplicao do REDD. A anttese dessa proposta que tem grande


simpatia dos pases desenvolvidos o desconhecimento das limitaes
da economia extrativa e da importncia de se modificar o perfil
tecnolgico da agricultura amaznica.
Para a agricultura familiar seria possvel enquadrar alguns projetos
florestais no modelo do REDD por meio de ONGs como novo
mecanismo de sobrevivncia e atuao destas entidades com a reduo
dos desmatamentos e queimadas. Esse procedimento cria uma nova
modalidade de assistencialismo ambiental, creditando-se um baixo
custo de oportunidade para as atividades agrcolas dos pequenos
produtores, em vez da criao de alternativas de renda.
Reduzir os servios ambientais s emisses de CO2 uma valorao
extremante limitada para o uso da terra na Amaznia. Desconhece-se os possveis beneficirios (ONGs, governos federal, estaduais,
municipais, grandes bancos ou empresas) dos recursos que seriam
creditados em favor do REDD. Para isso, seria importante criar um
mecanismo de regulao por intermdio do governo brasileiro, para
dar maior transparncia e credibilidade.
A reduo de CO2 custosa para os pases desenvolvidos e tambm
para os pases subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento), mas
no se pode apoiar no baixo custo de oportunidade das atividades
agrcolas dos pequenos produtores na Amaznia. A mudana do perfil
tecnolgico da agricultura amaznica seria adequada como objetivo
principal dos recursos do REDD, com a mudana do paradigma de
desenvolvimento regional.

Consideraes finais
H ainda uma longa distncia para tornar positivo o saldo entre
reflorestamento e desmatamento, desenvolver uma nova agricultura
e recuperar as reas que no deveriam ter sido desmatadas. O
reflorestamento nas reas desmatadas deve estar orientado tanto
para reverter os antigos ecossistemas, quanto para reconstruir matas
perturbadas pela ao antrpica e mudar a paisagem em reas antes
inexistente. Para estimular o reflorestamento, o custo total da madeira
proveniente de uma floresta nativa deveria ser equivalente ao custo
total de uma floresta cultivada. Os problemas da Amaznia no so
independentes. Para reduzir a presso sobre os recursos madeireiros
importante que se promova o reflorestamento no Nordeste, Sul e
Sudeste Brasileiro, grandes consumidores de madeira amaznica.
Existe um preconceito com relao s plantations na Amaznia,
necessrias para reflorestamento, para obter economia de escala,
reduo de custos de produo e viabilizar o empreendimento. Para
os produtores que plantaram mogno e encontravam dificuldades

CAPTULO 30 - Madeira na Amaznia: extrao, manejo ou reflorestamento?

em proceder o raleamento e efetuar a comercializao da madeira,


h perspectivas no novo Cdigo Florestal. necessrio que mais
produtores efetuem o plantio para criar fora de presso para reverter
essa medida, tanto a nvel interno como externo.
O vcuo do estado conduz a uma insegurana fundiria e jurdica
prejudicial para empreendimentos florestais que exigem um
planejamento de longo prazo. As grandes obras em andamento e
planejadas no Par (eclusas de Tucuru, Hidreltrica de Belo Monte,
Ferrovia Norte-Sul, Porto de Espadarte, etc.) e a forte urbanizao
tendem a criar novos vetores de fora, aos quais os empresrios ligados
ao setor madeireiro precisam estar atentos.
Reflorestar exige escala, no pode ficar no plantio isolado de 1 ha de
espcie florestal (nativa ou extica) de muitos pequenos produtores,
sobretudo aquelas de rpido crescimento. Se cortar, acabou o
reflorestamento ou se transformam em meros mecanismos de
transferncia de fundos pblicos de forma ineficaz. O reflorestamento
na Amaznia no deve ser entendido somente para a produo de
madeira para atender s guseiras e ao mercado de madeira e celulose.
Deve abranger a produo de matrias-primas oriundas de plantas
perenes para biocombustvel, fruticultura, ltex, recuperao de
ecossistemas destrudos e como compensao ambiental. Progressos
tecnolgicos, como a produo de madeira verde a partir de dejetos
agrcolas como talos de juta, malva, madeira de seringueiras, rvores em
fim de ciclo, etc., so desafios que a Amaznia no pode desconsiderar.
A extrao madeireira e o manejo florestal tornam-se insustentveis
com o crescimento do mercado de madeira, mas o desenvolvimento
mais sustentvel possvel mediante reflorestamento.

423

Introduo1
Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) implantados entre os agricultores
nipo-brasileiros de Tom-Au e Acar decorreram da busca de
alternativas produtivas, em funo da disseminao do Fusarium nos
pimentais (Piper nigrum L.), que surgiu em 1957 e passou a devastar os
plantios a partir da dcada de 1970, e da queda de preos decorrente da
expanso desordenada dos plantios (HOMMA, 2006a; BARROS et al.,
2011). A prtica de SAFs no nova e j era utilizada por comunidades
indgenas, caboclas e ribeirinhas, sobretudo para fins de subsistncia,
entretanto, os colonizadores europeus somente perceberam a sua
importncia muito tempo depois. As populaes indgenas j utilizavam
tcnicas de transformar arredores de suas moradias em concentraes
de castanheiras (Bertholletia excelsa HBK) e de pupunheiras (Bactris
gasipaes Kunth). Os agricultores nipo-brasileiros em Tom-Au e
Acar desenvolveram sistemas visando aproveitar reas de pimentais
antes do seu plantio, durante o ciclo produtivo e aps o seu declnio
compondo sistemas agroflorestais (BOLFE; BATISTELLA, 2011;
DUBOIS et al., 1996; KATO; TAKAMATSU, 2005; MILLER; NAIR,
2006;).
Os SAFs encontrados nos municpios de Tom-Au e Acar se
sobressaem aos demais sistemas praticados por produtores locais,
desenvolvendo tecnologias e processos, assemelhando-se s chamadas
ilhas de eficincia, passveis de serem reproduzidos pelos demais
produtores, podendo sofrer adaptaes ao longo do tempo com
as modificaes do contexto socioeconmico e ambiental em que
foram criados (ARCE; LONG, 2000; BARROS et al., 2011). So
formados basicamente por cultivos de pimenta-do-reino, cacaueiro,
aaizeiro (Euterpe oleracea Mart.) e cupuauzeiro [Theobroma
grandiflorum (Willd. ex Spreng.) Schum], combinados entre si e/
Verso ampliada de Homma (2011b).
Trabalho apresentado na verso ampliada de Homma (2011a).

426

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

ou com espcies frutferas e florestais. Apresentam caractersticas


especficas principalmente onde h introduo de espcies de uso
mltiplo (madeira, sombreadoras do cacaueiro, leguminosa, etc.) em
substituio aos pimentais decadentes (BARROS, 2009; YAMADA,
2009).
No caso dos sistemas que envolvem seringueira [Hevea brasiliensis
(HBK) M. Arg.], as questes trabalhistas interferem de maneira
importante, visto que a coleta inicia s 5 h, pela manh, acarretando
em pagamento de horas extras, o que acaba por inviabilizar o cultivo.
Dessa forma, a sada encontrada pelos produtores o arrendamento,
no qual o trabalhador faz a colheita do ltex e o arrecadado dividido
meio a meio com o dono do plantio. Outro exemplo so os sistemas
que envolvem aceroleira (Malpighia glabra L.), pois, como a colheita
muito intensa, sendo a cada 15 dias ou 20 dias, a prestao de servios
temporrios leva ao vnculo empregatcio, sujeita a multas, em virtude
da legislao trabalhista existente no Brasil (BARROS, 2009).
interessante verificar como a legislao trabalhista tem afetado os SAFs
que demandam muita utilizao de mo de obra, como seringueira,
urucunzeiro (Bixa orellana L.), aceroleira, etc., levando ao abandono
ou limitao da atividade ou mudana nas formas de atuao, como
empreita, arrendamento ou o pagamento pela coleta de produtos. O
aperfeioamento tecnolgico na colheita do aa foi a sada encontrada
para viabilizar plantios em larga escala.
O objetivo do artigo foi caracterizar as mudanas nos sistemas
agroflorestais desenvolvidos pelos agricultores nipo-brasileiros no
Municpio de Tom-Au, Estado do Par, Brasil, apresentando a
composio desses sistemas com relao s espcies, bem como
analisar a percepo desses agricultores quanto adoo dos sistemas
agroflorestais.

Metodologia
rea de estudo
O Municpio de Tom-Au, Par, localizado na mesorregio Nordeste
Paraense (24054S e 481611O), a 200 km da cidade de Belm,
possui um clima tropical chuvoso com estao seca bem definida,
temperatura mdia anual entre 26,3 C e 27,9 C, umidade relativa
entre 82% a 88%, precipitao de 2,5 mil milmetros anuais, com
distribuio mensal irregular, tendo um perodo (novembro a junho)
com maior intensidade de chuvas, ocupa uma rea de 5.179 km2 com
populao de 55.538 habitantes, que composta por cerca de 60% de
paraenses (FRAZO et al., 2005; IBGE, 2012; KATO; TAKAMATSU,
2005; RODRIGUES et al., 2001; YAMADA, 1999) O Municpio de
Tom-Au comeou com a imigrao dos japoneses a essa regio em
1929.

CAPTULO 31 - Dinmica dos sistemas agroflorestais nipo-brasileiros no Municpio de


Tom-Au, Par

Dados utilizados
Os dados utilizados foram obtidos no levantamento de campo
realizado entre os colonos nipo-brasileiros no Municpio de Tom-Au, sob a superviso da Associao Cultural e Fomento Agrcola de
Tom-Au (Acta). Foram entrevistados 96 produtores, do universo de
122 associados da Cooperativa Agrcola Mista de Tom-Au (Camta).
Como alguns produtores possuam at seis propriedades e preencheram
um questionrio para cada uma delas, foram preenchidos, ao todo,
274 questionrios, dos quais 198 foram efetivamente aproveitados.
O no aproveitamento de 76 questionrios decorreu da falta de
preenchimento das informaes, ou seja, os questionrios foram
devolvidos incompletos. Os questionrios, escritos em portugus e
japons, foram entregues aos produtores no incio de 2006 e recolhidos
medida que eram preenchidos, seguido de coleta anual de dados da
Camta at 2011 (BARROS 2009; BARROS et al., 2011).
A coleta dos dados foi desenvolvida por meio de perguntas abertas
e fechadas, que obedeceram a critrios de uma linguagem coloquial,
de modo que as informaes obtidas permitissem atingir os objetivos
da pesquisa. As variveis selecionadas referem-se opinio dos
agricultores com relao aos SAFs; aspectos comparativos entre SAFs
e monocultivos, como qualidade do produto, produo por p, tratos
culturais, quantidade de mo de obra necessria, capina e lucro por
rea; espcies de interesse para plantio e pela implantao de sistema
agrossilvipastoril.

Nmero de SAFs possveis


A quantificao entre possveis componentes, formando um SAF,
pode ser explicada por meio do princpio matemtico de anlise
combinatria, que um conjunto de procedimentos que possibilita
a construo de grupos diferentes formados por um nmero finito
de elementos de um conjunto sob certas circunstncias (plantas
sombreadas e sombreadoras). O princpio da combinao simples, que
um tipo de arranjo combinatrio, o que explica os SAFs, pois, nesse
caso, no ocorre a repetio de qualquer elemento em cada grupo de
elementos (SODR, 2005).
Se um sistema agrcola composto por quatro culturas e estas so
combinadas duas a duas, o nmero de combinaes de SAFs calculado
atravs da frmula: C (m, p) = m!/[(m-p)! p!], em que m o nmero de
culturas e p o nmero de culturas que est se combinando para formar
um SAF (SODR, 2005). Assim, se o SAF composto pelas culturas
A, B, C e D, as combinaes simples dessas quatro culturas, tomadas
duas a duas, so seis grupos/sistemas diferentes: {AB, AC, AD, BC, BD,
CD}. Se dispuser de 20 plantas perenes (sombreadas e sombreadoras) e
efetuar combinaes com 5 plantas, obter-se- 15.504 diferentes SAFs,
nem todos passveis de serem viabilizados.

427

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

428

Esse nmero pode ser ampliado considerando-se a possibilidade de


diferenciar a sequncia de plantios nos SAFs, por exemplo, castanheira
+ cacaueiro + aaizeiro por envolver diferentes espaamentos, tratos
culturais, sequncia de plantios, em um mesmo sistema, de modo que
no limite ilustraria a situao de monocultivos de cacaueiro, aaizeiro
ou castanheira.

Resultados e discusso
A partir dos resultados tabulados foram mapeados e identificados 442
consrcios ou sistemas agroflorestais a partir do questionrio aplicado
com os agricultores nipo-brasileiros de Tom-Au. A partir da cultura
principal, ou seja, aquela que contm o maior nmero de ps plantados,
foram identificadas 14 famlias de SAFs, cuja composio de plantas
variou no mnimo de duas ao mximo de sete plantas (Tabela 1 e
Figura 1).
Tabela 1. Presena das culturas como componentes dos 442 SAFs identificados entre os agricultores
nipo-brasileiros de Tom-Au, Par.
Mercado no presente
Mercado
Cultura para garantir Cultura como renda Mercado secundrio potencial ou como
sombreamento
renda inicial
permanente
Pimenteira-do-reino
Cacaueiro (297)
Pupunheira (11)
Espcies madeireiras(1)
(194)

Sem mercado
definido
Camu-camu (3)

Maracujazeiro (24)

Aaizeiro (156)

Mangueira (8)

Castanheira (92)

Noni (3)

Bananeira (9)

Cupuauzeiro (140)

Abacateiro (4)

Seringueira (55)

Cumaru (2)

Mamoeiro (2)

Taperebazeiro (35)

Muricizeiro (3)

Puxuri (8)

Neem (17)

Mandioca (1)

Aceroleira (21)

Rambutazeiro (2)

Piquiazeiro (4)

Cardamono (1)

Coqueiro (16)

Goiabeira (2)

Bacurizeiro (3)

Malang (1)

Limoeiro (15)

Urucunzeiro (2)

Baunilha (1)

Achachairu (1)

Gravioleira (15)

Laranjeira (2)

Uxizeiro (1)

Sapucaia (1)

Espcies
sombreadoras sem
valor de mercado(2)

Cafeeiro (1)
Cana-de-acar (1)

Mangostozeiro (5)

Sapotizeiro (1)

Dendezeiro (5)

Abricoteiro (1)

Cajueiro (1)

Caramboleira (1)

Nota: Os nmeros entre os parnteses referem-se presena das culturas no conjunto de 442 SAFs identificados.
Mogno (56), teca (26), paric (24), freij (24), ip-amarelo (24), andiroba (14), cedro (14), para-para (3), virola (2), acapu (1), tatajuba (1).

(1)

Espcies madeireiras = acapu (Vouacapoua americana Aubl.); andirobeira (Carapa guianensis Aubl.); cedro (Cedrella odorata L.); ip
(Tabebuia serratifolia); mogno (Swietenia macrophylla King.); para-para (Jacaranda copaia); paric [Schizolobium amazonicum (Huber)
Ducke]; tatajuba (Bagassa guianensis); teca (Tectona grandis L.); virola (Virola surinamensis).
(2)

Palheteira (10), eritrina (6), gliricdia (2), ingazeiro (1).

Espcies sombreadoras: eritrina (Erytrina sp.); gliricdia (Gliricdia sepium); ingazeiro (Inga edulis Mart); palheteira (Clitoria racemosa).
Nomes cientficos de fruteiras e outros: abacateiro (Persea americana Mill.); abricoteiro (Mammea americana L.); achachairu (Garcinia
humilis Vahl); bacurizeiro (Platonia insignis); baunilha (Planifolia mexicana); cafeeiro (Coffea arabica L.); cajueiro (Anacardium occidentale
L.); camu-camuzeiro (Myrciaria dbia); cana-de-acar (Saccharum officinarum L.); caramboleira (Averrhoa carambola L.); cardamomo
(Elettaria cardamomum); coqueiro (Cocos nucifera L.); cumaru [Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.]; dendezeiro (Elaeis guineensis L.); goiabeira
(Psidium guayaba L.); gravioleira (Anona muricato L.); laranjeira (Citrus sinensis); limoeiro (Citrus limon); mamoeiro (Carica papaya L.);
mandioca (Manihot esculenta); mangostozeiro (Garcinia mangostana); mangueira (Mangifera indica); marang ou malang (Artocarpus
odoratissimus); murucizeiro [Byrsonima crassifolia (L) HBK]; neen (Azadirachta indica A. Juss.); noni (Morinda citrifolia); piquiazeiro
(Aspidosperma desmanthum); puxuri [Licaria puchury-major (Mart.) Kosterm.]; rambutanzeiro (Nephelium lappaceum L.); sapotizeiro
(Manikara zapota L.); sapucaia (Lecythis pisonis Camb.); taperebazeiro (Spondias mombin L.); uxizeiro [Endopleura uchi (Huber) Cuatrec.].

CAPTULO 31 - Dinmica dos sistemas agroflorestais nipo-brasileiros no Municpio de


Tom-Au, Par

Figura 1. Famlia de
SAFs tendo a pimenta-do-reino como cultura
inicial.

429

430

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Muitos SAFs passam por hibernao ou desaparecem quando as


condies de preo e mercado no so satisfatrias, da legislao
trabalhista/ambiental ou do aparecimento de pragas e doenas.
Culturas como a pimenteira-do-reino, maracujazeiro (Passiflora edulis
Sims. f. flavicarpa) e bananeira (Musa spp.) tendem a desaparecer,
modificando a composio e o arranjo final dos SAFs, de modo
que os sistemas originais que continham as mencionadas espcies
passaram a integrar outras famlias de SAFs, como a do cacaueiro,
principalmente. Muitos SAFs apresentam viabilidade duvidosa como
envolvendo o dendezeiro com a teca.
Mais de 20% dos produtores nipo-brasileiros possuem lotes de terra
com tamanhos que variam de 50 ha a 100 ha e 33,33% possuem lotes
entre 100 ha e 400 ha, o que demonstra que, ao longo dos anos, houve
aquisio de terras por parte dos agricultores nipo-brasileiros, visto
que o incio da instalao se deu com lotes de 25 ha (Tabela 2).
Tabela 2. Estratificao dos tamanhos das propriedades dos agricultores
nipo-brasileiros do Municpio de Tom-Au, Par.
Estrato (ha)
< 25

N produtores
22

%
11,11

Mdia (ha)
20,29
31,27

25 50

36

18,18

50 100

43

21,72

64,80

100 400

66

33,33

192,79

400 1.000

14

7,07

653,95

1.000 2.000

09

4,55

1.210,85

4,04

2.800,00

100,00

710,60

> 2.000

08

Total

198

Os diferentes usos da terra, como rea plantada, pastagem, capoeira,


mata e outros, conforme estratos das propriedades, esto contidos na
Tabela 3. interessante verificar que, independente do tamanho das
propriedades, nenhuma atende o percentual de 80% na manuteno
da floresta original e de outras formas de vegetao nativa, conforme
estabelece a Lei 12.727/2012. Com a incluso das reas com SAFs
verifica-se a possibilidade do cumprimento da legislao, sobretudo
para as propriedades com menor estrato de rea.
Tabela 3. Uso da terra segundo estratos de rea em propriedades
entrevistadas no Municpio de Tom-Au, Par (%).
Uso da terra

Estrato (ha)

rea plantada

<25
32

25-50 50-100 100-400 400-1000 1000-2000 >2000


28
28
17
7
4
2

Pastagem

11

16

21

24

38

69

35

Capoeira

27

23

23

26

12

13

Mata

20

27

25

29

42

20

50

Outros

10

CAPTULO 31 - Dinmica dos sistemas agroflorestais nipo-brasileiros no Municpio de


Tom-Au, Par

Nas propriedades com at 100 ha, h certo equilbrio entre o percentual


de rea para os diferentes usos da terra. A presena de pastagens nas
pequenas propriedades est relacionada repentina substituio das
plantaes de cacaueiro por pastagem, em decorrncia da reduo do
preo do cacau no momento da aplicao do questionrio. Entretanto,
no a realidade que predomina nesse tamanho de propriedade, visto
que esses agricultores no possuem tradio pecuria, obtendo maior
lucro ao desenvolverem agricultura.
Nas propriedades com tamanho variando entre 100 ha e 400 ha, h
maior percentual de pastagens (24%) do que de rea plantada (17%).
Esses resultados apresentam a tendncia que se espera na proporo
entre o tamanho da propriedade e o uso da terra do tipo pasto, ou seja,
quanto maior a rea da propriedade, maior a frequncia de cultivo de
pastagens.
Quanto s propriedades que variam entre 400 ha e 1 mil hectares
e entre 1 mil e 2 mil hectares, percebe-se forte tendncia do uso de
pasto, com percentual muito superior ao uso da terra com cultivos
agrcolas. vlido ressaltar que 42% da rea das propriedades entre
400 ha e 1 mil hectares apresenta vegetao primria, demonstrando
preocupao em preservar o ecossistema natural. Esse cenrio
bem caracterstico de propriedade com maiores extenses de terra,
ressaltando que representam pouco mais de 4% das pesquisadas,
contra mais de 33% de agricultores, que possui rea variando entre
100 ha e 400 ha. A presena de reserva florestal tem sido considerada
como risco para invases por parte dos integrantes do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de posseiros, que tm
invadido propriedades nas cercanias para a retirada de madeira, e de
riscos de incndios florestais.
Muitos SAFs recomendados limitam de antemo a renda a ser auferida
nos anos futuros, pela impossibilidade de efetuar alteraes quando
se trata de cultivos perenes. A substituio das plantas decorre do
aparecimento de pragas e doenas, como o caso da cultura da pimenta-do-reino, ou da prpria vida til econmica das plantas componentes,
como o caso dos aaizeiros. Como essas plantas crescem 1 m por
ano, quando atingem determinada altura torna-se invivel a sua coleta,
deve ser abatido para extrao de palmito e substitudo pelo novo
rebrotamento.
Quando foram perguntados quanto percepo que tinham em
relao aos SAFs, dos 76 agricultores entrevistados que responderam
questo, 30 produtores fizeram a opo de que iro praticar por
acharem importante. Entretanto, 30 produtores responderam que
fazem apenas consrcio de espcies, sem saber que se trata de SAF,
ou seja, optaram por consorciar espcies objetivando reduzir custos e
diversificar a produo.

431

432

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

A despeito de 30 agricultores entrevistados terem afirmado fazer


consrcio sem saber estar fazendo agrofloresta, a home page da Camta
(COOPERATIVA AGRCOLA MISTA DE TOM-AU, 2012)
destaca o apoio e a promoo do agroflorestamento em Tom-Au
como uma de suas atividades principais. Entendem que a melhor
forma de produo estvel e em longo prazo para agricultura, assim
como para o meio ambiente da Amaznia, tanto que, no mbito geral,
67 agricultores, ou seja 88%, confirmaram o interesse pelo SAF. A
implantao de consrcios pelos agricultores nipo-brasileiros se d em
funo de algum interesse especfico, como por exemplo, a seringueira
como sombreadora para o cacaueiro que, alm de exercer essa funo,
ainda proporcionaria pequeno lucro com a extrao do ltex.
Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Amaznia Oriental, no
Municpio de Tom-Au, identificaram que a prtica da utilizao de
SAFs verificada em 94,45% dos agricultores familiares entrevistados,
variando desde 1 (30,56%), 2 (44,44%) e 3 (11,11%) sistemas de
combinaes de culturas perenes (BARROS et al., 2011). Em outros
estudos, no mesmo Municpio de Tom-Au, a prtica de SAFs foi
verificada em mais de 90% dos agricultores familiares, em combinaes
distintas de culturas perenes (FRAZO et al., 2005; MENDES, 2008;
YAMADA; GHOLZ, 2002). Esse levantamento comprova o efeito
mimetismo dos agricultores nipo-brasileiros sendo transmitido
para os agricultores familiares que moram nas vizinhanas. Essa
caracterstica os diferencia profundamente dos agricultores familiares
na mesorregio do Sudeste Paraense, que promovem a retirada da
madeira, a derrubada/queimada e o plantio de roados, seguido de
pastos e sua consequente degradao e abandono.
Quanto produtividade, de 74 agricultores entrevistados, 30 afirmaram
que esta reduz com a adoo dos SAFs, enquanto com relao ao lucro
por rea 25 agricultores responderam que no h diferena entre SAF
e monocultivo. No que diz respeito qualidade do produto oriundo
dos SAFs, em comparao ao monocultivo, 30 agricultores dos 71
que responderam afirmaram que no h diferena, seguido de 20 que
acham que esta melhora quando proveniente de SAFs.
Quanto aos tratos culturais, dos 75 entrevistados, 35 agricultores
responderam que, quando implantam SAFs, as prticas culturais so
facilitadas, seguido de 20 produtores que acham que no h diferena.
Em relao mo de obra nos SAFs, dos 73 agricultores que
responderam, 39 afirmaram que ocorre economia de mo de obra,
enquanto 20 acham que no h diferena. A reduo no custo com
mo de obra um dos principais motivos levantados pelos produtores
para a implantao de SAFs, visto que os gastos com esse item so
muito significativos no custo total da produo agrcola e interferem
diretamente no preo final do produto.

CAPTULO 31 - Dinmica dos sistemas agroflorestais nipo-brasileiros no Municpio de


Tom-Au, Par

Quando perguntados sobre capina, 40 entrevistados, do total de 73,


responderam que fica mais fcil com adoo dos SAFs, seguido de
20 que responderam que no h diferena. Quando os SAFs esto
implantados, decorrente da competio por luz e da camada de
liteira, as ervas daninhas rasteiras praticamente no se desenvolvem.
Por outro lado, observa-se uma proliferao de erva-de-passarinho
(Struthanthus spp.), que chega a prejudicar algumas culturas, exigindo
uma limpeza das plantas mais atacadas.
Quanto ao plantio de rvores, 30 agricultores dos 79 que responderam
pergunta afirmaram que continuaro plantando-as ativamente,
seguido de 28 produtores que comearo a plantar rvores por
entenderem a importncia destas.
Entretanto, um dos motivos que concorre para a no utilizao
de rvores a preocupao dos agricultores nipo-brasileiros com
o momento do corte, visto que receiam que as rvores, ao serem
derrubadas, prejudiquem o plantio da cultura principal, normalmente
cacaueiros, cupuauzeiros, aaizeiros e outras espcies perenes
consorciadas.
De 34 agricultores que responderam a pergunta sobre o interesse na
implantao de sistemas agrossilvipastoris, 15 mostraram interesse
em implantar, seguidos de 12 que pretendem pensar nessa alternativa.
Atualmente, muito difcil encontrar um desses sistemas em Tom-Au, pois h reduzido interesse em caprinos e bovinos, com raras
ocorrncias.
Quando perguntados sobre as espcies arbreas de maior interesse
(Tabela 4), as mais destacadas foram mogno, castanha-do-par,
bacurizeiro, piquiazeiro, ip, andirobeira, teca, entre as principais.
Tabela 4. Principais espcies de interesse dos agricultores nipo-brasileiros
de Tom-Au, para plantios futuros.
Plantas perenes
Mogno

Frequncia
48

Plantas perenes
Puxurizeiro

Frequncia
10

Castanheira-do-par

46

Copaibeira

09

Bacurizeiro

30

Louro

07

Piquiazeiro

27

Angelim

07

Ip

23

Sapucaia

06

Andirobeira

22

Pau-amarelo

06

Teca

21

Macacaba

05

Freij

20

Amap

04

Uxizeiro

18

Jarana

04

Paricazeiro

18

Para-para

03

Cedro

17

Quarubeira

02

Tatajubeira

14

Outros

10

Acapuzeiro

13

Nota: Nomes cientficos = amap (Brosimum parinarioides); angelim (Pithecolobium racemosum


Ducke); copaibeira (Copaifera langsdorffii); freij (Cordia alliodora); jarana [Lecythis latifolium
(A.C.Smith) Rich.]; louro (Laurus nobilis); macacaba [Acrocomia aculeata (Jacq.) Lood. ex Mart.]; pau-amarelo (Euxylophora paraensis Huber); quarubeira (Vochysia maxima).

433

434

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

Com as mudanas de preos, de mercados e o aparecimento de pragas


e doenas, os SAFs podem ser alterados ou modificados no contexto
do espao e ao longo do tempo (Tabela 5). Verificou-se a perda da
supremacia da pimenta-do-reino decorrente da expanso do Fusarium
e de crises de mercado estimulando a formao dos SAFs. A formao
de SAFs estava condicionada ao cultivo da rea antes da pimenteira e
durante o crescimento da pimenteira, para que aps esta sucumbisse
e entre 8 a 10 anos tivesse um SAF formado. Com isso, estimulou o
plantio de maracujazeiro aproveitando os estaces da pimenteira, o
plantio de cupuauzeiro, aceroleira e cacaueiro, entre outras plantas.
Com as mudanas de preos, de mercado, o aparecimento de pragas e
doenas e as questes ambientais e trabalhistas essas culturas tiveram
ascenso e declnio. A expanso do mercado de frutos de aa e a deciso
de utilizar a irrigao para a obteno do fruto na entressafra e a baixa
produtividade sem a irrigao levaram os produtores a erradicar os
cupuauzeiros, transformando em monocultivo de aaizeiro irrigado.
Essa deciso decorreu da competio do cupuauzeiro por gua e
nutrientes, prejudicando a produtividade do aaizeiro. Outros sistemas
so mantidos, mesmo que estejam gerando pouca ou nenhuma renda,
como alguns plantios de cacaueiros sombreados com andirobeiras,
com excesso de sombreamento, que datam da dcada de 1970. Entre
outras frutas, o destaque no perodo de 2005 a 2010 o crescimento da
participao da polpa de goiaba (4,85%) e tapereb (5,04%).
Tabela 5. Participao percentual das vendas de produtos pela Camta no
perodo de 19742011.
PimentaMaracuj Cacau Cupuau Acerola
-do-reino
1974-79
86,32
7,71
3,51
-

Outras
Frutas(1)
-

1980-84

61,33

9,64

15,47

0,08

1985-89

79,24

6,95

8,96

1,19

1990-94

36,18

33,06

8,31

5,90

14,84

1995-99

41,84

11,50

0,89

18,33

14,04

4,19

6,76

2000-04

39,08

6,65

8,23

10,47

5,64

12,66

16,46

Perodo

Aa

0,02

2005-10

20,45

3,12

8,38

8,42

6,54

32,63

18,43

2011

22,28

5,82

14,30

9,43

6,17

20,80

20,24

Goiaba, tapereb, abacaxi, caju, graviola, muruci, bacuri, carambola, abacate, limo, manga, etc.
Fonte: Relatrio da Diretoria (1981, 1984, 1988, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998,
2002, 2003, 2005, 2006, 2007, 2008, 2010, 2012).

(1)

Apesar da preocupao referente ao plantio de castanheira-do-par


com relao segurana, visto que a espcie atinge elevada altura
e a queda do ourio uma ameaa aos agricultores, foi a segunda
mais citada na escolha de uma espcie de interesse. A expanso est
relacionada com as tcnicas que eles procuram desenvolver. Entre estas
mencionam a formao de mudas de castanheira-do-par, mediante
a germinao das amndoas dentro dos prprios ourios, tcnicas
de germinao de uxizeiro e piquiazeiro e sua enxertia, plantio de
bacurizeiros no campo em vez de mudas e de enxertia, plantio de
puxurizeiro, entre outras.

CAPTULO 31 - Dinmica dos sistemas agroflorestais nipo-brasileiros no Municpio de


Tom-Au, Par

Entretanto, outras espcies testadas em consrcios apresentaram


problemas, como a teca, que apesar de estar entre as espcies de
interesse foi destacada pelos produtores como muito exigente em gua,
o que estabelece sria concorrncia com o cacaueiro ou a pimenteira-do-reino, espcies consideradas como objetivo principal. Muitos
plantios de teca tm sido transformados em monocultivos, com o
aniquilamento da planta sombreada pela queda das folhas da espcie
arbrea, formando uma densa camada de liteira.
O freij, apesar de tambm ter sido apontado como espcie de
interesse, no est se desenvolvendo bem em Tom-Au por apresentar
considervel reduo de copa a partir do 15 ano de plantio, talvez por
ser comumente plantado compondo o estrato superior dos sistemas de
Tom-Au, sendo a espcie indicada para sub-bosque. As observaes
dos agricultores nipo-brasileiros que, ao serem plantados em reas
abertas, quando atingem 5 m a 6 m de altura perdem o vigor de
crescimento e morrem.
O paricazeiro, que apresenta mais de 100 mil hectares plantados no
Estado do Par, tambm citado pelos agricultores nipo-brasileiros
como espcie de interesse que apresenta bom desenvolvimento nos
SAFs em que foi introduzido de forma pioneira. A grande dificuldade
refere-se sua derrubada visando ao aproveitamento da madeira, uma
vez que encontrada em diversos consrcios envolvendo cacaueiros,
cupuauzeiros, aaizeiros, etc.

Concluses
Os SAFs apresentam grande potencial para sua expanso na Amaznia
na ocupao produtiva das reas desmatadas e na sua recuperao, que
est em funo do mercado das plantas componentes. Ao contrrio das
culturas anuais que exigem grandes dimenses de reas, o mercado de
plantas perenes exige menor espao para saturar o mercado.
Os SAFs apresentam mudanas ao longo do tempo, decorrente das
condies de preos, mercado, aparecimento de pragas e doenas,
mudanas nas polticas pblicas beneficiando determinadas culturas,
legislao trabalhista ou ambiental, envelhecimento do proprietrio,
entre outras. Muitas vezes os incentivos para determinados SAFs no
momento podem perder a sua importncia no futuro, promovendo
o aparecimento de novos SAFs e ativao daqueles que estavam
em hibernao. A despeito da apologia dos SAFs, os resultados do
levantamento apontam que a presena de uma atividade-eixo, com
forte presena no mercado, constitui-se na razo da manuteno do
modelo, mais do que a simples combinao de culturas perenes.
O sistema de uso da terra adotado pelos agricultores nipo-brasileiros,
independente do tamanho das propriedades, no atende aos requisitos

435

436

Extrativismo Vegetal na Amaznia: histria, ecologia, economia e domesticao

estabelecidos na Medida Provisria 2.166/2001, em termos de rea


de Reserva Legal ou rea de Proteo Permanente, sem a incluso
dos SAFs. importante para a formao dos SAFs a introduo de
culturas geradoras de renda inicial, como o cultivo da pimenteira-do-reino ou maracujazeiro, para reduzir os custos de implantaes
de cultivos perenes finais. As crises de mercado desses produtos e as
restries de crdito rural dessas duas culturas tendem a dificultar a
implantao dos SAFs. Os prprios SAFs no constituem a garantia
dessa manuteno.
O insucesso de muitos SAFs induzidos pelos tcnicos est associado
preocupao apenas com a viso ambiental desconhecendo a
necessidade prioritria da produo de alimentos e de renda a curto
prazo. Estes podem apresentar alta sustentabilidade ambiental, mas
baixa sustentabilidade econmica e vice-versa. Alguns produtores
chegam a eliminar componentes dos SAFs para aumentar a
rentabilidade econmica, como ocorre na combinao cupuauzeiro
+ aaizeiro.
Verificam-se diversas plantas que podero integrar futuros SAFs, como
bacurizeiro e puxurizeiro, entre outras que no foram declaradas (nim,
noni, pau-rosa, uxizeiro, piquiazeiro, jenipapeiro, etc.).
O sucesso inicial das atividades dos agricultores nipo-brasileiros na
Amaznia foi baseado no cultivo de plantas exticas, como a juta
(Corchorus capsularis) nas vrzeas da calha do Rio Amazonas e a
pimenteira-do-reino nas reas de terra firme do Estado do Par, Brasil.
Nas ltimas duas dcadas o enfoque tem sido no aproveitamento de
produtos da biodiversidade local (cupuauzeiro, aaizeiro, puxurizeiro,
castanheira-do-par, etc.). Verificam-se tentativas de incorporao de
novas plantas perenes (bacurizeiro, uxizeiro, puxurizeiro, pau-rosa,
etc.), que podero tornar em novos SAFs no futuro. Esse constante
dinamismo que permite a permanncia no mesmo local, que
completou 80 anos em setembro de 2009. A despeito de apresentar
uma sustentabilidade exgena, uma vez que depende de importao
de insumos externos, o uso de terra adequado na Amaznia est
relacionado com a qualificao dos agricultores e do tipo de atividade
desenvolvida. Como poltica de pesquisa, recomenda envidar esforos
para anlise dos SAFs mais eficientes para difuso entre os produtores
em vez da listagem de SAFs como tem sido a tnica de muitos trabalhos,
uma vez que as possibilidades de combinaes so bastante grandes.

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467

ste livro rene 31 captulos enfocando produtos extrativos que tiveram a


importncia econmica reduzida com o esgotamento de seus estoques,
substitudos por plantios ou por sintticos (timb, pau-rosa, jaborandi,
guaran, cupuau, jambu, priprioca, baunilha, sistemas agroflorestais), e aqueles
ainda com forte domnio do extrativismo ou do manejo (madeira, andiroba,
aa, castanha-do-par, bacuri, uxi, pequi, tucum, carvo para as guseiras).
Esses tpicos procuram abordar aspectos histricos, econmicos e ecolgicos,
alm da domesticao.
uma coletnea de trabalhos resultantes de pesquisas desenvolvidas
nos ltimos 20 anos, que sofreram adaptaes, tendo sido publicados nas sries
da Embrapa Amaznia Oriental, Revista Amaznia: Cincia e Desenvolvimento,
Revista Cincia Hoje, Revista Estudos Avanados, Anais dos Congressos da
Sociedade Brasileira de Economia, Administrao e Sociologia Rural (Sober),
Encontros da Sociedade Brasileira de Economia Ecolgica (Ecoeco), Congresso
Brasileiro de Recursos Genticos, Frutal Amaznia e seminrios diversos.
Agradecemos o apoio que foi concedido ao longo do tempo por meio dos
recursos do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologia Agropecuria
para o Brasil (Prodetab), do Fundo Estadual de Cincia e Tecnologia do Estado
do Par (Funtec), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico (CNPq) e, em especial, do Banco da Amaznia.

CGPE 11349

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