Métodos de Ensino Do Piano
Métodos de Ensino Do Piano
Métodos de Ensino Do Piano
DENISE ZORZETTI
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por
DENISE ZORZETTI
Zorzetti, Denise.
Z88
Proposta de repertrio de msica brasileira para os nveis introdutrio e elementar a partir da anlise crtica de trs mtodos de ensino do piano / Denise
Zorzetti, 2010.
xx, 296f.
Orientador: Jos Nunes Fernandes.
Tese (Doutorado em Msica) Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
1. Piano Mtodo de ensino. 2. Msica para piano. 3. Msica - Instruo
e ensino. 3. Msica Brasil. I. Fernandes, Jos Nunes. II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-). Centro de Letras e Artes. Curso
de Doutorado em Msica. III. Ttulo.
CDD 786.2
Ao Pedro,
estrela maior de minha existncia.
iii
AGRADECIMENTOS
Ao concluir este trabalho, tenho convico de que ele no teria sido possvel sem a
colaborao, o apoio, o incentivo e a compreenso de inmeras pessoas. Durante a realizao
do curso de doutorado, tive bons momentos, os quais compartilhei com amigos e famlia, e tive
tambm momentos mais difceis, que s foram transpostos graas a constante presena dos
mesmos amigos e da famlia. Meus sinceros agradecimentos a todos que acreditaram em meu
projeto e caminharam junto comigo,
A meu filho Pedro que, apesar da pouca idade, soube compreender to bem a necessidade de
minhas ausncias.
A Ricardo, a meus pais, Pedro e Esmeralda, e a meus irmos, Lais e Paulo Adriano, pelo
incentivo e apoio nos momentos felizes e nos mais difceis.
Ao Professor Jos Nunes, pela disponibilidade e pela orientao segura e competente.
s Professoras Glacy Antunes de Oliveira, Laura Rnai, Miriam Grosman e Mnica Duarte,
membros da banca examinadora da defesa de tese, pela disponibilidade e observaes
criteriosas.
s Professoras Ingrid Barancoski, Lcia Barrenechea e Salomea Gandelman, pelas
contribuies valiosas por ocasio das bancas de Ensaio e Qualificao.
Aos Professores Luiz Medalha Filho, Estrcio Marquez Cunha, Slvio Mehry e Ruth Serro, por
indicar caminhos e abrir as primeiras portas.
Aos compositores que gentilmente forneceram as informaes solicitadas e se dispuseram a
contribuir com suas obras.
A Cristina Medeiros, Carlos Costa, Luiz Medalha Filho e Wolney Unes, pela ajuda nas
tradues.
A Lais Zorzetti, pela reviso dos exemplos musicais.
Ao Sr. Aristides Domingues Filho, presena imprescindvel em todos os momentos, sempre
disposto a ajudar.
A Ronaldo Caetano, pelo apoio e assessoria tcnica.
A Lea Mendes, mais que amiga, meu anjo da guarda, pela acolhida calorosa no Rio de
Janeiro.
A Gyovana Carneiro, cuja amizade me fortalece e impulsiona.
A Fernanda Albernaz, pela disponibilidade e colaborao nos assuntos acadmicos e
administrativos na UFG.
A Ana Flvia Frazo, Ana Guiomar Souza, Cludia Zanini, Denise Felipe e Luis Carlos Furtado,
amigos e companheiros de trabalho na UFG, pelo incentivo e sugestes pertinentes.
A Ernesto Hartmann, Jos Eduardo Costa Silva, Laize Guazina, Lilia Justi, Neder Nassaro e
Waleska Beltrami, colegas de curso, que tornaram a jornada mais prazerosa.
E a todos aqueles que, de alguma forma, contriburam para a realizao deste trabalho.
RESUMO
A partir da anlise dos mtodos: Hal Leonard Student Piano Library (1996-2000), Europische
Klavierschule (1992-94) e Meu Piano Divertido (1983-87), esta tese faz uma proposta de
repertrio de msica brasileira para o ensino do piano nos nveis introdutrio e elementar. Tem
por objetivo fornecer subsdios ao professor de piano para a escolha de material adequado a
cada estgio de desenvolvimento de seu aluno. Para estabelecer os critrios de anlise, foram
tomadas por base as diretrizes propostas por James Bastien (1995), Hazel Skaggs (1981) e
Marienne Uszler et al (2000), que descrevem e avaliam mtodos de ensino de piano. Foram
observados os seguintes itens: apresentao e objetivos, questes tericas, aspectos tcnicos,
conhecimento musical geral, repertrio, habilidades funcionais e material suplementar. A partir
da anlise dos itens citados, foi realizado um levantamento de peas de compositores
brasileiros, com o propsito de oferecer um repertrio que possa ser utilizado como reforo ou
complemento ao contedo abordado pelos referidos mtodos.
ZORZETTI, Denise. A proposal of Brazilian repertoire for introductory and elementary levels, based
upon the critical analysis of three piano teaching methods. 2010. Thesis (Doctor of Music)
Programa de Ps-Graduao em Msica, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro.
ABSTRACT
Departing from an analysis of three methods Hal Leonard Student Piano Library (1996-2000),
Europische Klavierschule (1992-94) and Meu Piano Divertido (1983-87) this work sets out
to propose a Brazilian repertoire for piano teaching, at both introductory and elementary levels.
The objective is to offer the piano teacher the opportunity to choose from appropriate material at
each stage of his pupils development. On defining the premises for the analysis, we based
upon the directions of James Bastien (1995), Hazel Skaggs (1981) and Marienne Uszler et al
(2000), who described and analysed piano teaching methods. We observed thus following
items: introduction and objectives, technical issues, general musical knowledge, repertoire,
functional abilities and supplementary material. Upon the analysis of such elements, we
selected piano pieces by Brazilian composers, with the purpose of offering a repertoire which
could be used as reinforcement or a complement to the content of such methods.
vi
ZORZETTI, Denise. Proposition dun rrpertoire de musique brsilienne pour les niveaux
introductoire et lmentaire partir de lanalyse critique de trois mthodes denseignement du
piano. 2010. Thse (Doctorat en Musique). Programa de Ps-Graduao em Msica, Centro de
Letras e Artes. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RSUM
Cst partir des mthodes Hal Leonard Student Piano Library (1996-2000), Europische
Klavierschule (1992-94) et Meu Piano Divertido (1983-87), que cette thse fait une proposition de
la musique brsilienne pour lenseignement du piano aux niveaux introductoire et lmentaire. Il a
comme objectif fournir des moyens au professeur de piano pour le choix doutils appropris
chaque stage du dveloppement de son lve. Pour tablir les critres de lanalyse, on a pris
comme dpart les coordonnes proposes par James Bastien (1995), Hazel Skaggs (1981) et
Marienne Uszler et al (2000), qui dcrivent et valuent des mthodes pour lapprentissage de cet
instrument. Les dones suivantes ont t adopts : prsentation et objectives, des textes
theriques, perspectives techniques, connaissance musicale gnral, rpertoire, des habilits
fonctionnelles et matriel supplmentaire. partir de lanalyse de ces lments, on a fait un choix
des morceaux des compositeurs brsiliens, avec le but doffrir un rpertoire que pourrait tre utilis
comme renfort ou complment du contenu pesquis dans les mthodes que sont rferences au
dbut de ce resum.
vii
SUMRIO
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS ........................................................................................... x
LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................. xx
1 INTRODUO ..................................................................................................................... 1
1.1
Apresentao do problema e universo da pesquisa
1.2
Questes
1.3
Contextualizao do problema e referencial terico
1.4
Metodologia e procedimentos de coleta e anlise dos dados
1.5
Organizao do estudo
2 MTODOS
2.1
2.2
2.3
DE ENSINO ..................................................................................................... 29
Caminhos dos mtodos de ensino de piano
A influncia das teorias de aprendizagem
Algumas consideraes
Mtodos Selecionados
3.2.1 Hal Leonard Student Piano Library
3.2.1.1 Primeiro Volume
3.2.1.2 Segundo Volume
3.2.1.3 Terceiro Volume
3.2.1.4 Quarto Volume
3.2.1.5 Quinto Volume
3.2.1.6 Consideraes acerca dos itens observados
3.2.2
3.2.3
viii
4.2.6
4.2.7
4.2.8
4.2.9
4.2.10
4.2.11
Escrita polifnica
Ornamentos
Ritmos e compassos diversos
Linguagem contempornea
Incentivo criatividade
Uso de aspectos da cultura nacional
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Dance Of The Court Jester pea que trabalha o contraste de toque entre
as duas mos (Kreader et al., 1996c, p.12)
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Sorry, Spike pea para ser tocada com a mo direita em um grupo de trs
teclas pretas (Kreader et al., 1996b, p.13)
68
19
Star Quest pea escrita na forma A-B-A (Kreader et al., 1996c, p.30)
71
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All Through The Night lio que utiliza a semnima pontuada (Kreader et al.,
1996d, p.19)
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Carpet Ride pea que dera ser transposta para uma 6 acima
(Kreader et al., 1999, p.4)
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Das gleiche Stck in Moll / The same piece in a minor key / La mme pice
em mineur trecho final da lio, escrita em D menor (Emonts, 1992, p.58)
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Je suis un petit garon pea escrita na forma A-B-A (Emonts, 1992, p.72)
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Choral pea que requer uso do pedal para ligar os sons (Emonts, 1993, p.64)
109
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Kleine Trff-Studie / A Little Leaping Study / Petite tude de saut pea que
utiliza o pedal rtmico (Emonts, 1993, p.67)
110
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62
Spiel mit 3 Fingern / Playing with 3 Fingers / Jouer avec 3 doigts primeira
lio de leitura de notas na pauta, iniciando com a mo direita na nota D 3
(Emonts, 1992, p.30)
119
120
120
120
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Kleines Duett / Little Duet / Petit Duo primeira lio de leitura de notas em que
as duas mos tocam juntas, utilizando dedos diferentes (Emonts, 1992, p.33)
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Valsinha (compassos 7 a 15) pea que explora a ligadura de duas notas iguais
(Richter, 1985, p.19)
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234
xix
LISTA DE FIGURAS
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Figura 1
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Figura 2
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Figura 3
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Figura 4
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Figura 5
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Figura 6
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Figura 7
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Figura 8
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Figura 10
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Figura 11
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Figura 12
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Figura 13
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Figura 14
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Figura 15
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Figura 16
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Figura 17
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Figura 18
140
xx
1 INTRODUO
1.1
Curso criado em 1999, denominado inicialmente Educao Musical, abrangendo trs habilitaes, a saber:
Ensino Musical Escolar, Instrumento Musical e Canto. Atualmente, passa por estudos que visam atender o
novo Regime Geral dos Cursos de Graduao da UFG e ter seu nome modificado para Licenciatura em
Msica, com as habilitaes: Educao Musical, Ensino do Instrumento Musical e Ensino do Canto
(Universidade Federal de Gois, 2008).
2
Definio baseada na acepo adotada por Ferreira (s.d.), em sua publicao: Novo dicionrio da lngua
portuguesa.
sejam mais adequados a seus propsitos. Entendemos que a escolha deve ser guiada pelos
objetivos que se pretende atingir aps determinado tempo de estudo; esses objetivos devem,
ento, ser os norteadores da procura de material que melhor atenda s necessidades e
interesses tanto do professor quanto do aluno.
Dentre os mtodos levantados, encontramos publicaes nacionais e estrangeiras que
se tornaram bastante difundidas, tanto como material de ensino do instrumento, como tambm
objeto de estudos e pesquisas. Citamos, a ttulo de exemplo, os seguintes mtodos
estrangeiros, que so descritos e avaliados por diversas publicaes que tratam do ensino do
3
piano :
Mtodo Suzuki, elaborado por volta de 1930, por Shinichi Suzuki, que parte do
princpio de que no existe talento nato, mas uma potencialidade que pode ser
trabalhada e toda criana, com treinamento adequado, pode desenvolver uma
habilidade musical. Compara o aprendizado musical com o aprendizado da lngua
materna, no qual a criana ouve, em seguida comea a falar e s depois aprende a
ler e escrever. Assim, a aprendizagem do instrumento se d atravs da audio
repetida da pea que o aluno est estudando e a memorizao incentivada. A
leitura s ensinada quando a destreza de execuo e memria tiverem sido
suficientemente treinadas (Suzuki, 1995).
The Leila Fletcher Piano Course (1950) , da autoria de Leila Fletcher, que tem o
objetivo de se dedicar a quatro propsitos principais: o desenvolvimento da
habilidade
de
ler
msica
fluentemente
interpret-la
artisticamente,
Selecionamos os exemplos que foram citados pelos trs autores principais nos quais nos baseamos para a
realizao da anlise de mtodos de ensino, a saber: Bastien (1995), Skaggs (1981) e Uszler et al (2000),
cujas ideias sero detalhadas no Item 1.3 desta Introduo.
4
Este mtodo no avaliado pelos trs autores mencionados, porm optamos por inclu-lo na lista de
exemplos por ser uma publicao que ainda amplamente utilizada em nosso meio de atuao.
The Music Tree (1955), de Frances Clark, Louise Bianchi e Marvin Blickenstaff, que
foi revisado, em 1973, por Frances Clark, Louise Goss e Sam Holland. O material
destinado pelos autores ao nvel elementar contm quatro volumes e cada um
deles possui um livro texto e um livro de atividades, que devem ser utilizados em
conjunto. Aps um trabalho de pr-leitura, fora da pauta, a leitura de notas
introduzida gradativamente, atravs da abordagem intervalar (Clark, 2000).
Music for Keyboard (1961), de Robert Pace, cuja proposta ensinar atravs do
equilbrio de atividades de leitura primeira vista, transposio, harmonizao,
treino auditivo, improvisao, repertrio e tcnica. Adota a abordagem de leitura
das mltiplas tonalidades (Pace, 1973).
No Brasil, vrios exemplos tambm podem ser citados. Um dos primeiros professores
de instrumentos de teclado que se preocupou em escrever um mtodo de ensino foi Pe. Jos
Maurcio Nunes Garcia (1767-1830), que publicou, em 1821, o Mtodo de Pianoforte, cujo ttulo
completo : Compndio de Msica e Methodo de Pianoforte do Snr. Pe. Joz Mauricio Nunes
Garcia. Expressamente escrito para o Dr. Joz Maurcio e seu Irmo Apollinrio em 1821. De
acordo com Fagerlande (1996), trata-se do primeiro mtodo de teclado a ser escrito no Brasil e
segue o modelo dos tratados do mesmo gnero, englobando noes de teoria musical, regras
para o acompanhamento [...] e peas musicais a serem executadas no instrumento, com seu
dedilhado (Fagerlande, 1996, p.32). O Mtodo do Pe. Jos Maurcio composto por Lies e
Fantasias e o autor utiliza esses dois termos em consonncia com seus significados dentro da
tradio da msica europeia. As Lies so peas de movimento nico, para o exerccio ao
teclado, enquanto as Fantasias so peas de maior grau de liberdade, escritas tanto sem forma
definida, como na forma ternria ou na forma rondo. De acordo com Fagerlande (1996), h no
Mtodo uma coerncia pedaggica, pois, em primeiro lugar, oferece uma grande quantidade de
informao e, em segundo lugar, essa grande quantidade de informao apresentada em
ordem crescente de dificuldade.
Depois desse primeiro mtodo, novas publicaes s vo acontecer nas primeiras
dcadas do sculo XX, segundo estudo realizado por Sampaio (1996). De acordo com
levantamento realizado pelo referido autor, at cerca de 1960, poucos mtodos foram
publicados no Brasil e estes visavam, principalmente, o ensino da leitura musical, sem se
preocupar com a incluso de outros aspectos alm dos referentes execuo instrumental. Um
exemplo dessas primeiras publicaes o Mtodo Infantil para Piano, de Francisco Russo
(s.d.). Apesar de no constar a data de publicao, h indcios que tenha sido anterior a 1930,
pois, na contracapa do Mtodo de Piano, escrito como uma continuao para o Mtodo Infantil,
5
esto impressas algumas crticas ao livro, datadas de 1931 . Outra indicao de se tratar de
uma publicao antiga o fato de a leitura ser introduzida apenas na Clave de Sol, e a Clave
de F apresentada s a partir da lio n 27. E esse procedimento parece ter sido abandonado
na maioria das publicaes posteriores.
Vale citar outro exemplo desse tipo de material, que o livro Ciranda dos dez dedinhos,
das autoras Maria Apparecida Vianna e Carmen Xavier, publicado em 1953, e que, apesar de
no receber a denominao de mtodo, apresenta uma das caractersticas que consideramos
pertinente a mtodos de ensino, que a organizao das peas em ordem progressiva de
dificuldade. Porm, j nas primeiras lies, o aluno encontrar grande nmero de informaes,
como leitura de notas nas Claves de Sol e F simultaneamente, valores das figuras, notas
pontuadas, notas ligadas, alteraes, dentre outras. importante notar a preocupao das
autoras em incluir melodias do folclore brasileiro (Vianna e Xavier, 1953).
Na dcada de 60, Ernst Widmer apresenta uma proposta de ensino que visa, dentre
outros objetivos, abrir caminhos para a compreenso da msica moderna (Widmer, 1966,
p.3). A publicao composta de cinco cadernos de peas progressivas, denominada Ludus
brasiliensis (1966), na qual Widmer faz uso de elementos que se aproximam das tcnicas
composicionais adotadas no sculo XX, como a utilizao de uma harmonia menos
5
O Mtodo de Piano, de autoria do Prof. E. DE ANGELIS (Francisco Russo), editado pela Casa Wagner,
inegavelmente de grande utilidade para os estudantes da matria. (Do Jornal A Razo So Paulo, 26-731)
Em meio a tantas e diferentes opes, difcil afirmar que existe um mtodo ideal, mas
possvel encontrar material adequado a diferentes propsitos; um amplo conhecimento de
mtodos disponveis e da maneira correta de utiliz-los amplia as possibilidades de sucesso do
professor de piano. Uma anlise minuciosa de tais mtodos tarefa do professor preocupado
em obter os melhores resultados com cada aluno em particular, desde o mais talentoso at
aquele que apresenta maiores dificuldades no processo de aprendizagem.
por essa razo que escolhemos analisar trs mtodos de ensino de piano, publicados
em diferentes locais e que, apesar de ligados pelo objetivo comum de proporcionar a
introduo ao estudo do instrumento, apresentam algumas caractersticas distintas em relao
forma de abordagem de contedos e qualidade do repertrio. Foram selecionadas as
seguintes publicaes: o mtodo americano Hal Leonard Student Piano Library (1996-2000), a
publicao europeia Europische Klavierschule (1992-94), editado na Alemanha e difundido em
outros pases da Europa, e o mtodo brasileiro Meu Piano Divertido (1983-87). Tratam-se de
mtodos sobre os quais no existem estudos mais detalhados e no foram analisados sob o
ponto de vista que esta tese prope.
A opo por publicaes de diferentes pases se justifica pelo nosso interesse em
verificar como enfocada a produo artstica local, pois consideramos ser um dos
procedimentos relevantes da prtica do ensino musical a utilizao, como contedo de ensino,
de elementos da cultura nacional. E a incluso de peas brasileiras no repertrio de alunos,
desde os primeiros anos de seus estudos, uma prtica que pode ser reforada e melhor
explorada por professores e escolas de msica.
Os mtodos mencionados foram selecionados com base nas categorizaes sugeridas
por Marienne Uszler (1995a) e Hazel Skaggs (1981). Uszler (1995a) agrupa os mtodos em
duas categorias: aqueles que oferecem uma introduo geral msica, mas utilizam o teclado
como ferramenta de ensino e [...] os que so, por si s, mtodos de preparao para tocar
6
piano (p.88).
Skaggs (1981) considera que a existncia, ou no, de orientao ao professor, bem
como de apresentao do material de forma progressiva, ou no, como fatores de
categorizao, dividindo os mtodos em trs categorias: a primeira a dos mtodos que
6
methods that provide a general introduction to music but use the keyboard as a teaching tool, and (...)
methods that are readiness courses for piano playing per se (Uszler, 1995a, p.88).
oferecem muita orientao ao professor; a segunda, a dos mtodos com menos orientaes,
mas com as lies organizadas de forma progressiva; e a terceira, a dos mtodos com foco
maior no repertrio, oferecendo maior liberdade de escolha ao professor.
Com base nas categorizaes sugeridas pelas autoras citadas, delimitamos nossa
escolha entre mtodos destinados ao ensino de piano, que apresentam o contedo de forma
gradativa, oferecendo algum tipo de orientao ao professor e sejam adequados a alunos com
idade entre 7 e 10 anos. A partir desse critrio, procuramos selecionar mtodos que tivessem
tais caractersticas em comum, mas que apresentassem abordagens diferentes em relao ao
primeiro contato do aluno com o instrumento. Hal Leonard Student Piano Library inicia com
atividades de pr-leitura, apresentando as notas fora da pauta, que devem ser lidas de acordo
com o desenho que indica os movimentos ascendente, descendente ou no mesmo lugar. O
Mtodo Europeu de Piano tem incio com atividades de familiarizao do teclado, atravs de
sugestes de melodias para serem tocadas por imitao, alm do incentivo prtica de tocar
de ouvido melodias que lhes sejam familiares. E Meu Piano Divertido, por sua vez, j inicia
com a leitura das notas na pauta.
Consideramos, ainda, a forma de apresentao dos contedos, o repertrio utilizado e,
alm dos critrios de seleo que dizem respeito s caractersticas de cada obra, outros
fatores influenciaram nossa escolha, os quais esto relacionados s particularidades do
contexto determinante da realizao desta pesquisa. Dessa forma, ao considerarmos nosso
universo de atuao, que a cidade de Goinia, nos deparamos com algumas contingncias
que influenciaram nossas opes e, mesmo no tendo sido tratadas como prioridades,
ajudaram a guiar nossos passos em direo escolha dos referidos mtodos.
Primeiramente, constatamos que o acesso a esse tipo de material ainda relativamente
limitado, sendo possvel quase exclusivamente via internet, o que dificulta que o professor
conhea e manuseie o material antes de adquiri-lo, fazendo com que se sinta mais confortvel
em utilizar um mtodo que j lhe seja familiar, ao invs de arriscar em algo novo e cuja eficcia
desconhece. Verificamos, assim, que o mtodo Meu Piano Divertido um dos mais
acessveis e tambm o mais utilizado dentre as publicaes brasileiras, fato que foi constatado
em levantamento prvio, realizado junto a escolas de msica pblicas e particulares na cidade
de Goinia.
10
como
foi
mencionado
anteriormente,
mtodo
europeu
(Europische
sugerem
procedimentos
serem
adotados
em
cada
aula,
dividindo
esses
11
12
de 80 pela Ricordi Brasileira , possui trs volumes, sendo o terceiro intitulado Divirta-se
Tocando (1988) e trata-se de uma coletnea de peas de diversos autores.
Seguindo as categorizaes sugeridas por Skaggs (1981), podemos considerar os dois
primeiros volumes deste mtodo como pertencentes categoria daqueles que fornecem pouca
orientao ao professor, mas apresentam o contedo de forma progressiva, sendo que o
terceiro volume exemplo de mtodo cujo foco maior est no repertrio, oferecendo maior
liberdade de escolha ao professor.
importante salientar que ao analisarmos tais mtodos no significa que estamos
sugerindo seu uso, ou seja, no estamos os considerando modelos ideais de materiais de
ensino. A realizao de tal anlise leva em conta a importncia de se ter um conhecimento
mais aprofundado de diferentes materiais de ensino a fim de avaliar as vantagens e
desvantagens da aplicao dos diferentes tpicos propostos por cada um dos autores. Dessa
forma, esperamos contribuir tambm para a realizao de futuras investigaes e estudos
semelhantes.
1.2
Questes
Esta data se refere edio a que tivemos acesso para a realizao deste trabalho. A primeira edio do
mtodo foi publicada em 1976 pela Musiclia S/A. Cultura Musical, So Paulo (Botelho, 1983).
13
opo por msica brasileira se deve ao fato de acreditarmos ser importante que o material de
ensino contenha temas relacionados ao contexto a que se destina, isto , que utilize uma
linguagem compreensvel ao estudante e que o repertrio tenha algum tipo de ligao com seu
universo, pois esses so aspectos que podem despertar um maior interesse e funcionar como
fatores de motivao.
Ao observarmos as obras de compositores brasileiros, no decorrer da histria,
verificamos que existe um nmero significativo de peas dedicadas a iniciantes, mas nem todas
podem ser indicadas para o nvel em questo. Dentre essas obras, citamos alguns exemplos,
como o conjunto denominado Peas Fceis (1976), de Francisco Mignone (1897-1986),
composto de oito peas que, apesar da sugesto do ttulo, foram consideradas, por Jos
Eduardo Martins (1997), como de nvel mdio. De fato, ao analisarmos as referidas peas,
verificamos a presena de elementos como: contraste de articulao entre as duas mos,
semicolcheias em andamento rpido em legato e staccato, ritmos elaborados, mudanas
constantes de posio da mo e deslocamentos pelo teclado.
Camargo Guarnieri (1907-1993) pode ser considerado outro exemplo significativo, por
ter dedicado vrias peas s crianas (Cinco Peas Infantis, Srie dos Curumins, Sute Mirim e
As Trs Graas). De acordo com Belkiss S. Mendona (2001), essas peas enriqueceram o
repertrio elementar e so de grande importncia para o desenvolvimento tcnico e artstico
dos pequenos estudantes de piano (p.420). Porm, de acordo com nosso entendimento, nem
todas as peas acima citadas podero ser utilizadas por aqueles que se encontram nos nveis
iniciais de estudo, como por exemplo, as peas que compem a Sute Mirim (1995), pois a
linguagem utilizada pelo compositor bastante elaborada, com utilizao de constantes
inflexes cromticas, bem como melodias e harmonias pouco previsveis. A maioria dos
acompanhamentos trabalhosa, apresentando ritmos pontuados, sncopes e teras. Uma
caracterstica marcante do compositor a escrita polifnica, o que eleva consideravelmente o
nvel de dificuldade de suas peas.
14
Vale citar, ainda, as Peas Infantis (1954), de Cludio Santoro (1919-1989), que se
trata de um conjunto de nove peas baseadas em temas folclricos infantis brasileiros. Apesar
de apresentarem melodias e ritmos simples, algumas caractersticas podem dificultar sua
execuo por alunos iniciantes, tais como cruzamento de mos, teras harmnicas, escrita
polifnica, articulaes variadas e ornamentos.
Por outro lado, verificamos a existncia de algumas publicaes adequadas a alunos
que se encontram nos estgios iniciais de seus estudos, devido utilizao de uma escrita
mais simples, que no exige grande desenvolvimento tcnico de seus intrpretes. Citamos, a
ttulo de exemplo, as seguintes obras:
- 30 Peas Fceis (2000), de Srgio de Vasconcellos-Correa (1934) que, de acordo com
o compositor, trata-se de um Mtodo de Iniciao Pianstica, que pretende oferecer solues
para alguns problemas de ordem tcnica, pedaggica e artstica. No entanto, acreditamos que
tais peas so mais indicadas como repertrio complementar a outro mtodo, pois, ao mudar a
posio da mo, que at a lio n 17 se mantm no D central, o autor inclui tambm outros
aspectos que dificultam a leitura e execuo das mesmas, como, por exemplo, ritmos mais
elaborados, para os quais no h uma preparao prvia.
- Viagem pelo Teclado (1985), de Frederico Richter (1932), outro exemplo de conjunto
de peas que podem ser utilizadas como repertrio nos estgios iniciais de ensino. Foram
denominadas, pelo compositor, como estudos complementares de desenvolvimento criativo
para piano e cada pea aborda um ou mais aspectos da execuo pianstica. Atravs de uma
viagem imaginria da personagem central, o compositor apresenta questes como notao,
dinmica e carter, aspectos tcnicos, dentre outros.
Outro nome significativo que dedicou obras a estudantes o do compositor Lorenzo
Fernandez (1897-1948), que tem produo expressiva de peas em diferentes nveis de
dificuldade. Citamos, como exemplo, Sute das Cinco Notas (1944), conjunto de oito peas
escritas na posio dos cinco dedos, cada uma delas com incio em um grau da escala
diatnica. Tambm na posio dos cinco dedos so as sries Minhas Frias (1937) e Bonecas
(1932), esta ltima com a particularidade das mos utilizarem, simultaneamente, grupos
diferentes de cinco notas. Outras peas, que fogem da posio dos cinco dedos, mas que
15
podem ser consideradas de nvel elementar so: Recordaes da Infncia (1933), Pequena
8
1.3
As datas citadas se referem ao ano de composio, fornecido por Abreu e Guedes (1992) e algumas diferem
da edio utilizada na realizao deste trabalho.
16
musical se processe em sentido amplo (p.vii). A referida autora nos fornece uma lista
detalhada de tais habilidades, classificando-as da seguinte forma:
saber usar o teclado tocando por imitao ou por audio (tocar de ouvido); ler
msica no teclado: do texto musical, de cifras, primeira vista; harmonizar no
teclado; acompanhar; transportar; criar: improvisar, compor; dominar a tcnica
instrumental; executar repertrio: solo, de conjunto; analisar e ouvir
criticamente (Gonalves, 1988, p.48).
difundido Modelo C(L)A(S)P que, por sua vez, tem sido utilizado como parmetro na avaliao
de materiais e procedimentos de ensino musical. Um exemplo de estudo dessa natureza o
trabalho de Sampaio (2001), que analisa dois mtodos de iniciao de autores brasileiros
10
metodologia e contedo de trs autores, a saber: Robert Pace (1973, 1976) , Marion
Verlaahen (1989)
12
13
Para maior aprofundamento sobre o tema, ver: SWANWICK, Keith. A basis for music education. London:
Routledge, 1979.
10
O autor analisa os mtodos Piano 1: arranjos e atividades, de Ramos e Marino (2001) e Iniciao ao piano e
teclado, de Antnio Adolfo (1994).
11
PACE, Robert. Criando e aprendendo. Trad. Slvia Camargo Guarnieri e Marion Verhaalen. So Paulo:
Ricordi, 1973. 4v.
______ Msica para piano. Trad. Slvia Camargo Guarnieri e Marion Verhaalen. So Paulo: Ricordi, 1973. 4v.
______ Tarefas. Trad. Abigail R. Silva. So Paulo: Musiclia, 1976.
12
VERHAALEN, Marion. Explorando msica atravs do teclado. Trad. Denise Frederico. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 1989. 2v.
13
GONALVES, Maria de Lourdes. Educao musical atravs do teclado. Rio de Janeiro: Cultura Musical,
1986. 4v.
17
explorao do instrumento;
possveis sugestes instigando a imaginao criativa antes e aps a
introduo da leitura; [...]
contedo terico;
maneira de introduo do contedo terico, se atravs da explorao e
criatividade ou se apenas colocados como informao conceitual;
introduo da linguagem musical contempornea; [...]
propostas que exercitam a prtica do tirar de ouvido;
relao entre harmonia, tonalidade e msica tirada de ouvido;
conhecimento do teclado pela transposio (Campos, 2000, p.175).
So avaliados pela autora os seguintes livros: Leila Fletcher Piano Course (1977); Robert Pace (1973); A
Course for Piano Study, de Olson, Bianchi e Blickenstaff (1979) e Educao Musical atravs do Teclado, de
Maria de Lourdes Junqueira (1985).
18
Abordaremos, na prxima parte desta tese, a influncia, sobre a pedagogia do piano, das
teorias de aprendizagem desenvolvidas pelos psiclogos educacionais. No entanto, Montandon
(1992) observa que tais teorias e pressupostos foram desenvolvidos visando o ensino em geral
e que, para o ensino da msica, foram feitas adaptaes e, por isso, devem ter um carter
experimental. A autora chama a ateno, ainda, para os riscos que alguns educadores correm
ao tentar combinar teorias, pressupostos e princpios de autores e escolas psicolgicas
diferentes. De acordo com Montandon (1992), se por um lado a variedade de opes pode
favorecer a individualidade e criatividade na elaborao de materiais e conduo da aula, por
outro ela pode levar a problemas de consistncia (p.156). por essa razo que concordamos
com a questo apresentada pela referida autora a respeito da necessidade dos educadores
musicais alcanarem
o
ponto
de
serem
autocrticos,
de
examinar
criticamente
e
desapaixonadamente os mtodos e ideias alheias, de decidir que postura iro
adotar e fundamentar suas decises em conceitos slidos e com credibilidade,
tanto do ponto de vista filosfico quanto psicolgico (Jorgenson apud
Montandon, 1992, p.156).
E neste ponto que est o foco desta tese: na necessidade de uma anlise criteriosa
de material de ensino e, para a realizao dessa anlise, nos baseamos, primordialmente, nos
autores James Bastien (1995), Hazel Skaggs (1981) e Marienne Uszler et al (2000), que
discutem vrios aspectos relacionados ao tema, incluindo descrio e avaliao de mtodos de
ensino de piano.
Bastien (1995) oferece um conjunto detalhado de orientaes para serem utilizadas na
avaliao de mtodos de ensino de piano. Prope observar desde o formato do livro, passando
pelos conceitos bsicos de notao, ritmo, acordes, escalas, dentre outros, at chegar a
questes que detectem o nvel atingido pelo aluno, o que tambm uma de nossas
interrogaes bsicas. O referido autor defende ainda a necessidade de se incluir um trabalho
criativo, de improvisao, bem como elementos de harmonia ao teclado e teoria, pois acredita
que essa uma forma de estabelecer uma base de conhecimentos mais consistente, ao invs
de simplesmente levar o aluno a aprender peas determinadas a cada ano. Como sugesto de
anlise, oferece um questionrio, baseado nas diretrizes propostas por David Piersel, da
Universidade do Estado de Dakota do Sul. De acordo com Bastien (1995), essa avaliao pode
facilitar a escolha de material adequado aos propsitos do professor.
19
20
Questiona ainda:
se o aluno, aps completar o mtodo, ser capaz de ler primeira vista, ter
conhecimentos
bsicos
de
teoria
musical
ter
tcnica
suficientemente
21
se duetos so includos;
Uszler (2000a), por sua vez, destaca alguns aspectos do ensino do piano, como leitura,
ritmo, tcnica e conhecimento musical, fazendo uma reviso dos processos de ensino que
foram utilizados no decorrer do desenvolvimento da pedagogia musical. Compara as diferentes
abordagens de leitura, isto , a abordagem a partir do D central, a de mltiplas tonalidades e
15
15
Essas abordagens sero descritas na Parte 3, que tratar das anlises dos mtodos selecionados para a
realizao deste estudo.
22
16
antes de entrar em contato com as obras citadas , desde que o tempo gasto nessas
atividades no seja muito longo, a fim de que o aluno se sinta estimulado e progrida mais
rapidamente (Uszler, 2000a).
Sendo assim, o contedo do mtodo de ensino deveria estar voltado para a aquisio
do conhecimento especfico e habilidades necessrias para a execuo de tal repertrio. Ao
sugerir que essa preparao seja concluda em aproximadamente dois anos, apesar de no se
tratar de uma afirmao consensual, a autora nos leva a inferir que o material utilizado dever
16
17
A validade, ou no, de se estudar o repertrio acima citado no ser discutida no presente trabalho por no
fazer parte dos objetivos propostos. No entanto, tais peas podem ser utilizadas como parmetro na escolha
de repertrio para o nvel em questo.
23
possibilitar o cumprimento do prazo. No entanto, essa uma questo que ainda precisa ser
investigada sob diferentes aspectos.
No nosso ponto de vista, primeiramente, preciso atentar para os objetivos propostos
pelos autores dos mtodos, pois no se pode esperar que o livro desempenhe uma funo para
a qual no foi proposto. importante salientar, tambm, que a incluso de repertrio adicional
pode ser feita em qualquer etapa do desenvolvimento do aluno, desde que esse repertrio seja
compatvel com a abordagem pedaggica que est sendo utilizada e esteja de acordo com
suas possibilidades e expectativas. E esse um dos pontos centrais de nossa discusso: a
possibilidade de se utilizar msica do repertrio nacional nas etapas iniciais do ensino de
piano.
Alguns estudos se debruaram sobre esse tema. Citamos o artigo de Barancoski
(2004), no qual ela se ocupa do repertrio de nvel intermedirio, escrito no sculo XX,
avaliando suas possibilidades como material pedaggico, atravs da observao dos
elementos que caracterizam a variedade de linguagens dessa poca. Apesar de no ter como
objetivo a anlise de repertrio exclusivamente brasileiro, exemplos dessa natureza so
includos.
Tambm nessa linha de pensamento est o estudo de Deltrgia (1999), que defende o
uso da msica brasileira da atualidade no ensino de piano para alunos com at trs anos de
estudo. Para tanto, elabora um catlogo de peas com essas caractersticas e acrescenta
obras inditas, alm de outras escritas especialmente para a realizao de sua pesquisa. Com
isso, a autora pretende fornecer material para o professor interessado em familiarizar o aluno
com as tendncias da msica brasileira contempornea. A atitude de incentivar compositores a
escrever esse tipo de material bastante louvvel, desde que acompanhada de estratgias
para sua difuso, sob o risco delas permanecerem inditas nas prateleiras das bibliotecas
acadmicas.
A preocupao com repertrio para alunos iniciantes tambm permeia o estudo
realizado por Hollerbach (2003), que levanta questes a respeito da existncia de peas
escritas com esse propsito. Em sua pesquisa, a autora citada constatou que, muitas vezes, os
professores no se preocupam em procurar peas para esse nvel, concentrando-se apenas no
24
repertrio contido no mtodo em uso, o que resulta em pouco aproveitamento do rico material
existente, ou mesmo em quase total desconhecimento.
No entanto, a difuso desse material uma prtica que vem crescendo entre os
estudiosos e, alm das obras j citadas, destacamos a publicao de Gandelman (1997), que
realiza um relevante trabalho de catalogao e anlise de peas de 36 compositores
brasileiros, escritas entre 1950 e 1988. Alm de contribuir para a divulgao do referido
repertrio, a autora oferece parmetros para a classificao das peas, de acordo com suas
exigncias piansticas e seu grau de dificuldade. Tais parmetros sero tomados como ponto
de partida para a sugesto de repertrio, tpico que ser apresentado e discutido na Parte 4
desta tese.
Vale citar, ainda, o trabalho de Abreu e Guedes (1992), que fazem uma catalogao
dos compositores brasileiros desde seus primrdios at 1950, tornando-o uma fonte de
consulta a ser considerada, no que se refere ao perodo anterior quele coberto por
Gandelman (1997). Entretanto, diferente de Gandelman (1997), que fornece subsdios ao
professor de piano, o enfoque de Abreu e Guedes (1992) no pedaggico e sim histrico,
sendo cada pea descrita de acordo com suas caractersticas e estilo de composio.
As autoras acima citadas sero utilizadas como referncia para um dos aspectos que
sero abordados nesta tese, que a proposta de peas brasileiras como ferramenta de ensino
de piano nos nveis iniciais de estudo, ou seja, nveis introdutrio e elementar.
1.4
O presente estudo foi orientado pelos preceitos da pesquisa qualitativa e adotou como
procedimentos principais a pesquisa bibliogrfica e anlise documental.
Foi realizada uma reviso da literatura especializada, que discute procedimentos
didtico-pedaggicos inerentes ao ensino do piano, incluindo tpicos referentes a material, a
fim de estabelecer critrios para anlise de mtodos de iniciao ao instrumento. Como uma
continuidade anlise dos mtodos de ensino, verificamos a existncia, na literatura pianstica
brasileira, de peas que podem ser utilizadas como exemplo de reforo ou complementao s
lies contidas nos mtodos. Isso foi feito atravs de pesquisa em acervo de bibliotecas,
bibliografia especializada, catlogos e contato com compositores selecionados, coletando
25
peas designadas, por seus autores ou por estudiosos do assunto, aos nveis iniciais de estudo
delimitados no incio desta tese e que sero melhor detalhados na Parte 4.
Como j afirmamos anteriormente, para estabelecer os critrios de anlise, tomamos
como ponto de partida os estudos de Hazel Skaggs (1981), James Bastien (1995) e Marienne
Uszler et al (2000), que analisam mtodos disponveis nos Estados Unidos e cujos
procedimentos de anlise podem ser estendidos a publicaes de outras localidades, pois no
tratam de especificidades do ensino naquele pas, mas sim de contedos e procedimentos
inerentes ao ensino do piano em geral. Com base nas propostas dos autores citados,
estabelecemos os seguintes pontos para serem analisados:
26
27
ITEM
APRESENTAO
E
OBJETIVOS
QUESTES
TERICOMUSICAIS
ASPECTOS
TCNICOS
CONHECIMENTO
MUSICAL
GERAL
REPERTRIO
HABILIDADES
FUNCIONAIS
MATERIAL
SUPLEMENTAR
28
1.5
Organizao do Estudo
2 MTODOS DE ENSINO
2.1
Como afirmamos na Introduo desta tese, definimos como mtodo todo material
dedicado ao ensino do piano, cujo contedo apresentado sistematicamente, com as questes
musicais e as habilidades necessrias para sua realizao expressas de forma gradual e que
aborda as vrias caractersticas da execuo do instrumento.
Tal conotao conferida palavra mtodo resultado de algumas transformaes que
aconteceram em relao aos objetivos propostos pelos trabalhos escritos com fins didticos.
Nas primeiras dcadas do sculo XVIII o mtodo se referia, principalmente, ao ensino do
solfejo ou de algum instrumento e tinha como meta facilitar a aprendizagem de uma
determinada matria, (...) mediante exerccios ordenados segundo o que o autor considera
uma dificuldade crescente
18
[...] facilitar el aprendizaje de una determinada materia, (...) mediante ejercicios ordenados segn lo que o
autor considera una dificuldade creciente.
30
se tornando mais e mais elaborados e um efeito desse procedimento foi sua dissociao da
interpretao de uma obra musical propriamente dita. Isto , os exerccios de tcnica
passaram a ter um fim em si mesmos e talvez essa tenha sido a razo pela qual surgiu a ideia
da tcnica desvinculada da prtica musical, com os mtodos que priorizavam esse aspecto
sendo vistos como manuais de tcnica. Por mais que hoje essa conotao seja debatida, por
algum tempo esse pensamento foi defendido por muitos professores, que advogavam a
necessidade de um trabalho tcnico preliminar que preparasse os alunos para a interpretao
do repertrio a ser aprendido.
Observamos que, se por um lado houve um crescente nmero de obras de cunho
didtico, destinadas a facilitar o aprendizado de um instrumento atravs da prtica exaustiva
de exerccios tcnicos, por outro, a concepo do que seja um mtodo de ensino passa por
algumas mudanas e hoje o mtodo pode ser descrito como material organizado de forma a
favorecer o aprendizado, partindo dos conceitos mais simples at chegar aos mais complexos,
que devem ser transmitidos de acordo com passos previamente estabelecidos. Pode-se dizer,
assim, que o mtodo tambm est relacionado ao como fazer, aos procedimentos de ensino
adotados na transmisso dos contedos pertinentes.
Em relao aos instrumentos de teclado, at fins do sculo XVIII e incio do sculo XIX,
seu estudo s era possvel atravs de aulas particulares e individuais. Muitas vezes, um grande
compositor ou intrprete era requisitado tambm como professor e, dessa forma, o ensino tinha
um carter individualizado, ou seja, o professor ensinava com base em sua prpria experincia,
pois no havia publicaes de carter didtico para auxili-lo em seu trabalho. Geralmente, era
o professor-compositor quem escrevia obras para seus alunos, medida que percebia
determinadas dificuldades que deveriam ser superadas. (Fagerlande, 1996). Assim, peas
eram compostas especificamente para trabalhar determinado aspecto da execuo pianstica,
sem um planejamento prvio. Era a necessidade do momento que ditava o procedimento e
determinava o material a ser utilizado.
31
sculo XVIII para o sculo XIX , aumentaram as publicaes de cunho didtico. Segundo
Fagerlande,
o aparecimento em larga escala de mtodos de pianoforte certamente est
ligado s mudanas sociais ocorridas na mesma poca. Enquanto no sculo
XVIII a msica estava concentrada em crculos fechados da nobreza, com
exceo da pera e da msica religiosa, em fins desse sculo e incio do XIX
comearam a surgir as salas de concertos, um nmero muito maior de msicas
foi publicado, tudo para atender a uma nova classe, vida por consumir
tambm cultura. H o aumento do alunado, tanto de amadores quanto de
profissionais. neste contexto que florescem os mtodos no sculo XIX
(Fagerlande, 1996, p.26).
pianoforte , ainda tinham como modelo outros instrumentos de teclado, como o cravo e o
clavicrdio, por exemplo, e, por algum tempo, foi transferida para o novo instrumento a tcnica
de execuo de seus antecessores, que se baseava inteiramente na agilidade dos dedos,
devendo as outras partes do brao permanecer imveis. Nessa poca, a tcnica ainda era
vista como uma atividade mecnica, que deveria ser desenvolvida por meio de constantes
repeties (Kochevitsky, 1967). Porm, se considerarmos a semelhana dos instrumentos
musicais citados, por se tratarem de instrumentos de teclado, podemos pensar que seria
19
A primeira escola de msica a ser fundada foi o Conservatrio de Paris (1794), seguido pela Royal
Academy of Music (1822) na Inglaterra. Segundo Fonterrada (2006), a primeira instituio a ser criada no
Brasil foi o Conservatrio Brasileiro de Msica (1845), no Rio de Janeiro. vlido ressaltar que a autora citada
refere-se ao Conservatrio de Msica, instituio inaugurada, de fato, em 1848, e que, em 1890, daria lugar
ao Instituto Nacional de Msica, a atual Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Pereira,
2007).
20
Nome pelo qual ficou conhecido o instrumento fabricado por Bartolomeo Cristofori, em 1709, inicialmente
denominado gravicembalo col piano e forte (cravo com piano e forte), devido sua capacidade de emitir sons
suaves e fortes (piano e forte), o que no era realizado pelo cravo, instrumento de teclado mais popular da
poca (Gillespie, 1972).
32
33
34
segurana, em sua futura realizao profissional como pianista - intrprete ou pedagogo (Zorzetti,
1998, p.18).
Em relao a mtodos de ensino, verificamos que, desde que se tornaram usuais,
esses tm sido uma ferramenta til no ensino do piano, pois, alm de fornecerem o contedo
necessrio aos primeiros passos do aluno, propem a sequncia em que tal contedo deve
ser ministrado, facilitando assim, o trabalho do professor. A escolha do material a ser utilizado
deve ser feita com critrio, pois ele, em grande parte, que vai determinar o sucesso ou no
dos procedimentos de ensino e aprendizagem. tarefa do professor atentar para a maneira
como cada aluno, individualmente, reage utilizao de tal material e estar aberto s
mudanas e ajustes que se faam necessrios no decorrer do processo. Muitas vezes no
apenas uma publicao que vai atingir os objetivos pretendidos, mas a combinao de duas
ou mais obras que apresentem propostas semelhantes, fazendo com que os pontos fracos de
um mtodo possam ser complementados com a utilizao de outro, pois todo mtodo pode
trazer contedos que podem precisar de material de reforo. Ao se preparar adequadamente,
o professor ser capaz de detectar essas necessidades e supri-las com o material ou
procedimento adequados. E, quanto maior o conhecimento do professor, melhores condies
ter de escolher o que melhor para cada aluno em particular, a cada situao especfica.
Acreditamos na utilidade dos mtodos como forma de organizao e sistematizao do
contedo a ser aplicado e, principalmente, como meio de determinar metas a serem atingidas.
Com o objetivo em mente e o caminho traado para sua consecuo, a previso ou
determinao do tempo necessrio para atingir tal objetivo se torna mais clara e
consequentemente, a avaliao dos resultados pode ser realizada mais facilmente.
Alguns profissionais e estudiosos, porm, so contrrios utilizao de mtodos, por
considerarem um material que limita a atividade do professor ao determinar tanto o contedo a
ser ensinado quanto a sequncia em que esse contedo deve ser apresentado. De acordo com
Hollerbach (2003), que entrevistou alguns professores de piano para a realizao de sua
pesquisa, existem aqueles que consideram os mtodos mecnicos e no musicais (p.93).
Essa afirmao, porm, no acompanhada de uma explanao que a justifique e nem
apresenta alternativas de material de ensino.
35
Outro aspecto apontado pela pesquisadora citada foi o fato de que grande parte dos
professores entrevistados utiliza os mtodos apenas como introduo leitura da notao
musical e, to logo os alunos dominem essa habilidade, procuram outro tipo de material para
trabalhar (Hollerbach, 2003). Fato que, de certa forma, corrobora as ideias apresentadas por
Uszler (2000a), quando esta afirma que os mtodos de ensino so mais utilizados durante o
perodo que denominou de preparatrio, sugerindo que este tenha a durao aproximada de
dois anos.
21
21
22
Verificamos essa prtica em duas escolas particulares de ensino musical, na cidade de Goinia.
A autora se refere ao mtodo The Leila Fletcher Piano Course, citado no Item 1.1 da Introduo deste
trabalho.
36
2.2
O ensino do piano, por se tratar de uma atividade que, por muito tempo, s era possvel
atravs de aulas particulares, levava cada professor a desenvolver sua prpria metodologia de
trabalho, na maioria das vezes baseada em sua experincia individual como intrprete. Essa
forma de ensinar, que data do sculo XVIII, pode ser vinculada tendncia tradicional da
educao musical, segundo a qual o professor a autoridade absoluta e o aluno o aprendiz
do mestre, que deve estudar horas a fio de exerccios tcnicos e msicas totalmente sem
significado para ele (Fernandes, 2001, p.53). Tais exerccios deveriam ser repetidos
exausto, sem que o aluno compreendesse sua aplicabilidade e se destinavam, principalmente,
37
38
professor tratar cada uma delas individualmente, de acordo com suas necessidades
particulares, sendo o professor responsvel tambm por criar o ambiente favorvel ao
aprendizado, atravs da oferta de meios adequados para a autoformao da criana (Elias,
2000, p.29). A referida autora acreditava na alta capacidade de assimilao da mente criana
e, portanto, esta deveria agir por si e receber estmulos e solicitaes sobretudo do ambiente
e no diretamente do adulto (Campi, 1999, p.532).
Citamos, ainda, Edouard Claparde (1873-1940), considerado o pioneiro da psicologia
infantil que, ao enfocar a necessidade de se estudar a mente da criana e estimular seu
interesse pelo conhecimento, tambm pode ser considerado fonte de inspirao para o
desenvolvimento da Escola Nova (Gadotti, 2001). Uma das ideias de Claparde se refere
organizao da escola que, segundo ele, deve ser feita sob medida para a criana, [...]
satisfazer suas necessidades, organizando tambm processos de aprendizagem capazes de
ser individualizados, pela oferta de uma srie de opes de atividades, entre as quais a criana
pode escolher livremente (Campi, 1999, p.529).
Podemos perceber que uma das principais caractersticas do movimento escolanovista
era a ateno centrada no processo de aprendizagem e na pesquisa de mtodos ativos que
enfatizavam a construo do conhecimento pelo sujeito, sustentando que a verdadeira
Educao deve colocar a criana no centro da ao pedaggica (Vale, 2006, p.128). Ao
estudarem o processo de desenvolvimento mental da criana, tornaram-se referncia para os
profissionais de didtica nomes como o de Claparde e de seu discpulo Jean Piaget (18961980), que criou uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criana,
descrevendo as diferentes etapas pelas quais a mente humana passa durante o processo de
crescimento. Para Piaget, era fundamental que o professor respeitasse essas etapas de
desenvolvimento a fim de obter bons resultados (Gadotti, 2001).
O movimento da Escola Nova provocou profundas mudanas na educao, fazendo
com que os pedagogos voltassem sua ateno para a criana e seus processos de
desenvolvimento. Assim, o foco do ensino se desloca do professor, at ento tido como o
detentor de todo o conhecimento, para a criana, que se torna um agente ativo do processo de
ensino e aprendizagem. Com isso, os pedagogos procuraram conhecer e compreender a forma
39
como os seres humanos aprendem e esforaram-se para basear o ensino de msica nos
princpios da psicologia da aprendizagem (Camp, 1981).
Segundo Fernandes (2001), uma das consequncias desse movimento foi a nfase nos
mtodos de ensino que, por sua vez, procuravam se basear nos pressupostos da psicologia e
psicopedagogia. Se fato que a educao musical adota os princpios da Escola Nova, como
23
Observamos, nas
palavras
acima, um
as
Como exemplo dessa linha de pensamento, Fernandes (2001) cita os trabalhos dos brasileiros: Gomes
Jnior, Villa-Lobos, S Pereira, Liddy Mignone e Gazzi de S.
40
Percebemos, atravs das palavras citadas, que Montandon considera como parte da
preparao do professor, o conhecimento de material de ensino. E aqui acrescentamos a
importncia de conhecer tambm o aluno com o qual ir trabalhar, suas caractersticas, bem
como seus interesses, objetivos e grau de amadurecimento, a fim de melhor escolher o
material didtico e as estratgias a serem adotadas, visando obter o melhor resultado.
Vimos que, se o foco dos primeiros escritos pedaggicos se detinha, preferencialmente,
no aprimoramento tcnico e aquisio das habilidades motoras necessrias execuo do
repertrio padro exigido pelos professores e programas das escolas especializadas, com o
desenvolvimento da pedagogia do piano a ateno se voltou, tambm, para o desenvolvimento
de aspectos como a percepo auditiva, a capacidade de elaborao do resultado sonoro e as
habilidades funcionais. Sobre esse aspecto, Campos (2000) afirma que a improvisao livre
o caminho mais curto para se contatar de maneira plena com o instrumento (p.173). Ao
concluir seu trabalho, sugere que
o ensino do piano [...] necessita de contagiar-se com o dinamismo das oficinas
de msica, abertas explorao e pesquisa; influenciar-se pela busca da
criao [...], baseada na intuio livre da articulao dos sons e silncio;
desatar as amarras numa procura interior [...], fazendo do instrumento uma
continuidade de si mesmo, pela prtica da criao livre; colaborar para a
interao da polaridade sensorial e racional, pela prtica da intuio e
condicionamento fundidos numa mesma aprendizagem (Campos, 2000, p.190).
41
Atravs da afirmao acima, entendemos que Campos (2000) acredita no ensino que
valoriza as atividades criativas, as quais possibilitem ao aluno diferentes formas de expressarse musicalmente. Ao mesmo tempo, defende um ensino que valorize o rico patrimnio cultural
da literatura pianstica dentro de seu contexto histrico e ressalta a importncia de se
vivenciar a msica dentro de um processo educativo que considere o ser no seu mais pleno
desenvolvimento, num mundo em rpida transformao (Campos, 2000, p.122).
Concordamos com a afirmao da autora de que importante considerar o momento
em que estamos vivendo, pois o aluno que procura o estudo de um instrumento nem sempre
est motivado apenas pelo desejo de construir uma carreira de concertista. Muitas vezes, est
movido apenas por uma curiosidade ou pelo prazer de fazer msica, o que um fator que no
pode ser negligenciado; ao contrrio, deve ser incentivado. Acreditamos que uma prtica
pedaggica eficaz aquela que consegue ensinar o essencial sem desvincular o ato de
aprender do sentimento de prazer. Para obter os resultados almejados, o professor pode dispor
de vrios recursos e, neste trabalho, trataremos de um deles, que so os materiais didticos
ou, mais especificamente, os mtodos de ensino.
2.4
Algumas Consideraes
Vimos, at aqui, algumas transformaes pelas quais passou o ensino do piano, desde
o seu surgimento at os dias atuais, atravs da exposio de aspectos relacionados a mtodos
de ensino que, por sua vez, tambm foram adquirindo novas feies e apresentando novos
enfoques. Pudemos constatar a influncia exercida pelos instrumentos de teclado que
antecederam ao piano e, ao mesmo tempo, como os pedagogos, pouco a pouco, foram
percebendo as particularidades de cada um e de que forma essa percepo contribuiu para o
desenvolvimento de procedimentos de ensino especificamente voltados para o piano. Alm
disso, percebemos, tambm, a influncia exercida pelo repertrio a ele destinado. medida
que compositores modificavam a forma de escrever, estimulados pelas possibilidades sonoras
do instrumento, criando novas exigncias tcnicas e interpretativas, tambm o ensino passou a
focar no desenvolvimento das habilidades necessrias para a interpretao de tais obras. Por
muito tempo, esse foi o propsito principal do ensino, que tinha como meta a formao de
instrumentistas, muitos dos quais almejavam a virtuosidade, para que fossem capazes de
42
43
apreciao desse repertrio a improvisao, que parece ser um bom caminho para levar o
aluno a ter maior interesse em interpretar a msica atual. Pace (1962) acredita que
experincias com sons consonantes e dissonantes, atravs da improvisao, oferecem ao
aluno a oportunidade de adquirir um maior conhecimento da msica moderna (p.1). E, de
acordo com Barancoski (2004), atividades de improvisao podem contribuir para que o aluno
desenvolva
uma intimidade com seu instrumento, uma postura interpretativa criativa e rica
em paleta de sonoridades (que se desenvolve atravs de uma busca e uma
explorao prpria e individual), um estudo dinmico, com uma atitude
constante de experimentaes com andamentos, toques, dinmicas, nuanas,
timbres, uso do pedal, articulaes, em busca de solues ao mesmo tempo
individuais e estilisticamente corretas (Barancoski, 2004, p.108).
vlido ressaltar que, para que o aluno consiga realizar tais experimentaes ao
teclado, preciso que tenha sido devidamente preparado. Campos (2000) faz algumas
sugestes
para
que
liberdade
de
criao
possa se
desenvolver
gradativamente.
Primeiramente, a autora recomenda que o aluno crie estruturas sonoras explorando parmetros
do som, regies do piano, dentre outras, para depois serem introduzidas propostas de criao
24
mais elaboradas .
Atravs de nossa prtica pedaggica, podemos perceber que, por um lado, alguns
professores esto sempre procura de inovaes e repertrio atual, enquanto outros
permanecem fiis ao ensino da interpretao de obras que so mais facilmente reconhecidas e
aceitas, tanto por intrpretes quanto pelo pblico, por j serem amplamente difundidas. No
pretendemos questionar, avaliar, ou mesmo ressaltar uma ou outra prtica, como tambm no
as consideramos excludentes; pelo contrrio, acreditamos que ambas so vlidas e at mesmo
complementares.
Um professor que deseja obter xito em sua tarefa, dentre outros atributos, deve ter um
embasamento terico que abranja conhecimentos acerca das teorias de aprendizagem,
procedimentos didticos e cincia do material de ensino do qual pode dispor, o que configura
24
Estas so as propostas de criao sugeridas por Campos (2000): estrias sonoras imitando a natureza
(mar, chuva, tempestade, animais, pssaros etc.); improvisao inspirada nos prprios sonhos (tanto imagens
quanto sentimentos presentes neles); improvisao baseada em desenho feito pelo prprio aluno ou no;
improvisao inspirada em poesias; msica de filme de terror, cena de amor, filme engraado, desenho
animado; improvisao baseada em dilogos entre uma mo e outra ou a quatro mos; improvisao dentro
do piano; brincadeiras com o silncio, com tenses e distenses sonoras; improvisaes usando conceitos de
teoria musical (staccato, legato, tons, semitons, graus conjuntos e disjuntos, etc.); improvisaes usando
pulso, ritmos, escalas, clulas musicais, campos harmnicos, modos e encadeamentos; improvisaes
partindo de um tema improvisado, tema dado ou composto pelo prprio aluno (p. 174).
44
dois aspectos dentre os apontados por Richard Chronister (apud Darling, 2005), como
essenciais na prtica pedaggica. De acordo com o autor citado, que se baseia nos
ensinamentos de Frances Clark, trs so os fatores que contribuem para o sucesso do
professor de piano: um saber O QUE ensinar. Outro saber COMO ensinar. O terceiro
25
saber POR QUE ensinamos (p.8). Entendemos que o QUE ensinar se refere ao material a
ser utilizado e a sequncia em que o contedo apresentado; o COMO ensinar est
diretamente relacionado aos processos de ensino e aprendizagem; e o POR QUE ensinar se
refere necessidade de aplicao do contedo em outros contextos, ou seja, os diferentes
usos dos conceitos e habilidades aprendidos em outras peas do repertrio, alm daquelas
utilizadas para a aprendizagem de determinado contedo.
Talvez o sucesso do professor envolva algumas outras questes alm das apontadas
por Chronister, visto que sua atuao tambm depende da vontade e personalidade de quem
est na outra ponta do processo, que o aluno. No entanto, este trabalho se ater anlise
das ferramentas de que dispe o professor, mais especificamente, os materiais de ensino, que
fornecem o contedo a ser ensinado. E disso que tratar o prximo captulo, isto , a
realizao da anlise dos trs mtodos de ensino j mencionados, procurando detalhar o maior
nmero possvel de aspectos inerentes ao ensino do piano e que consideramos de relevncia
para o trabalho do professor.
25
One is knowing WHAT to teach. Another is knowing HOW to teach. The third is knowing WHY we teach.
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