Bruno Kiefer - Música e Dança Popular
Bruno Kiefer - Música e Dança Popular
Bruno Kiefer - Música e Dança Popular
nveis.
Myrna Bier Appel
..
Qipa
Mrio Rlfnelt
Reviso
Myrna Bier Appel
SUMRIO
1979
Direitos desta edio reservados
Editora Movimento
Repblica, 130 - Fone 24.51.78
Porto Alegre - AS - Brasil
A VALSA
,
?'z
ele tanto capaz de consertar a malha escapada de urna meia de seda, como
de executar no violo ou na clarineta, valsas e contradanas francesas, em
3
verdade arr;njadas a seu jeito." (Os grifos so nossos) . Nada impede imagi
nar que a expresso "arranjadas a seu jeito" se refira no s ao instrumental
1 .
3 .
I rn ... o
1 Vo l. 24, p. 221 .
9
a elevada percentagem de ttulos em francs. Numa segunda etapa da pesquisa, constata-se que essa enxurrada de valsas impressas no Rio pode ser classificada da seguinte maneira:
1 - valsas de autores europeus, reimpressas aqui. S alguns exemplos:
Godard (francs), Waldteufel (francs), Mtra (francs). Arditti (italiano). J.
Strauss (austraco). Herz (austraco). BurgmUller (alemo). Beethoven (alemo). etc.;
2 - valsas de estrangeiros que vieram para c, j formados musicalmente,
radicando-se no Rio. Esto neste caso, por exemplo, Bussmeyer (de origem alem), Maersch (idem). etc.;
3 - valsas de autores brasileiros. Mesmo aqui os ttulos em francs so
singularmente numerosos. Por exemplo, Henrique Braga comps as valsas
Pourquoi? e Souvenirs; Carlos Gomes a Grande Valse de Bravoure, etc.
Alm dos ttulos em francs, ocorrem tambm, se bem que em percentagem notavelmente inferior, ttulos em italiano, espanhol, alemo e ingls.
Futuras investigaes talvez conduzam concluso de um predomnio, tanto
na divulgao como na influncia sobre a valsa brasileira, da valsa francesa.
Pelo menos no Brasil Imprio.
Como ilustrao do que afirmamos, vai aqui um trecho do que consta
da capa de uma coletnea intitulada
O PROGRESSO MUSICAL
ou
A LYRA EOLICA
editada por Arvelos e Cia., Rio de Janeiro:
"Publica-se (sic) trs vezes por ms as melhores msicas de maior novidade das Imprensas da Europa e Rio de Janeiro (de piano s e de canto e piano)."
Quanto aos tipos de valsas publicadas, encontram-se com freqncia os
seguintes qualificativos: Valsa Brilhante, Grande Valsa, Valsa de Concerto,
Valsa Sentimental e at Valsas Chopinianas (de Flvio Elsio, em nmero de
seis e com ttulos em francs).
A anlise musical a que submetemos inmeras valsas do tempo do Imprio descortinou um panorama desconcertante. So tantas as banalidades, as
influncias de toda ordem, a pobreza de inveno - as estrangeiras, em geral,
no fazem exceo - que de perder a coragem para continuar a pesquisa. E
pesquisar o qu? Os caminhos da nacionalizao da valsa durante o tempo do
Imprio.
10
11
l~SJ'J;;HAI\'CA
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1 \'a l~l.
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'
1 76, p. 166.
llthl, 11 106.
13
9
o no nos faltam na natureza e na alma do povo." No este o lugar para
discutir esta ltima assero que - do ponto de vista estritamente esttico no se coaduna bem com as danas europias importadas no sculo passado
e, posteriormente, nacionalizadas.
Temos a, como exemplo, as valsas Ideal Desfeito ou Dor Secreta, de
B.P. Godinho, qualificadas como valsas Boston (dcada de 1920). O autor,
alis, campos tambm fox-trots e inclusive um chorinho-ragtime ...
Os compositores eruditos filiados corrente esttica do Modernismo
(que, em certos autores e, naturalmente, com as variantes pessoais, se
prolonga at os nossos dias) cultivaram abundantemente a valsa brasileira,
sobretudo para piano. Cabe, sem dvida, a Francisco Mignone a liderana
absoluta neste terreno. So famosas as suas doze Valsas de Esquina, compostas entre 1938 e 1943; datam de 1964 as Seis Pequenas Valsas de Esquina;
so de 1946 a 1955 as doze Valsas-Choro. Fora estas, escreveu ainda numerosas valsas avulsas, destinadas, como as anteriores, ao piano.
Bem menor a produo de valsas de Vil/a-Lobos. Esto perdidas uma
Valsa Brasileira para banda (1918) e uma Valsa Brilhante para violo (1904).
A Valsinha Brasileira da Sute Marquesa dos Santos foi composta, inicialmente, para orquestra e, posteriormente, transcrita para piano. A muito conhecida Valsa da Dor (1932) foi destinada ao piano; para o violo deixou uma
1
Valsa Choro ( 1912, da Suite Popular Brasileira).
Camargo Guarnieri comps , entre 1934 e 1959, uma srie de dez valsas para piano; em 1954 escreveu urna Valsa-Choro para Violo. Frutuoso
Viana deixou, para piano, seis valsas, compostas entre 1934 e 1959, e mais
uma Valsinha. De Lorenzo Fernandez temos a conhecida Valsa Suburbana,
para piano. De Ascendino Theodoro Nogueira existem gravadas doze ValsasChoro. Radams Gnattali cultivou a valsa para orquestra e para piano (ex.:
Dez Valsas, de 1939). Osvaldo Lacerda produziu no somente valsas para
para piano, mas tambm para clarinete, canto ou obo com acompanhamen
to de piano.
Poderamos prolongar bastante esta lista de compositores que, na
linha do Modernismo, preocuparam-se em transpor ao plano erudito a
caratersticas de um gnero de dana ou pea de concerto que, importado d
Europa, no sculo passado, acabou adquirindo, no Brasil, feies particulare
li \IIANERA. O CHORO.
nd menta vivo, originou-se, no
uc so na Frana e difundiu-se da
15
(Calado, 1875); Cresa e Aparea (annimo); Salta uma Tigre Gelada (A.
Freza); Com Farofa (J.A. Pinto, ca. de 1886); Lei 3353 (Fausto Zosne).
Freqentemente autores de polcas correspondiam-se atravs de ttulos do tipo pergunta-resposta: Que Da Chave (J.S. Barbosa) provoca o aparecimento de Achou-se a Chave (Anbal do Amaral); Olhos Travessos (Joo da Silva
Campos) provoca Olhos Quietos (Alfredo Faller). E h tambm as patriticas
wmo Polca Republicana por um Republicano Intransigente ou Morte de
Lopcu Vitria de Aquidaban (F.M.S. Moreira). Outras do conselhos:
Mtmirw Veja o que Faz (B. Falco Jr., ca. de 1887) ou refletem problemas
sociais como Anti-Co/era-Morbus (J.P.).
Pelo lado dos ttulos, Ernesto Nazareth enquadra-se numa tradio
bem estabelecida. Esta, alis, j se iniciara com a difuso do lunclu, bem
rntes do aparecimento da polca. Ttulos de polcas de Nazareth como
Cmz Perigo !! (1879), Gentes ! O Imposto Pegou? (1880), No Caio
N'Outra (1881 ), e outros, no causam, portanto, surpresa.
Vem a calhar, a propsito desses ttulos, os versos com que Machado
d1 Assis cronista caraterizou a situao (1887):
M. eh luies to mudadas,
11 discute ou memora
,1 1 velhas e intrincadas.
Ocorrem, naturalmente, variantes. Estas, no entanto, no apresentam
nem notas pontuadas, nem snoopes internas. Sobre as transformaes ocorridas no Brasil, mais detalhes nos pargrafos seguintes.
o que chama a ateno num primeiro exame das polcas brasileiras
impressas no tempo do Imprio so os ttulos. Em muitos manifesta-se
acentuado espfrito de humor oo.-00.- por exemplo, nos casos de Como Bom
l 11
Tire as patas,
Vem a polca: gentes !
lltfe com batatas !
t 1//N /um/tos dentes !
111 :
16
17
E como se no bastara
Isto, j de casa veio
0:>isa muito mais que rara,
O:>isa nova e de recreio.
Veio a polca de pergunta
Sobre qualquer coisa posta
Impressa, vendida e junta
11
O:>m a polca de resposta.
H autores, entre eles Marisa Lira (Brasil Sonoro). que parecem
atribuir a natureza dos ttulos das polcas a razes comerciais, isto , de
popularizao. Citam, a propsito, o conto de Machado de Assis O Homem
Clebre no qual O personagem, um pobre compositor, permite que, como
propaganda de venda, o editor intitule as suas polcas. Embora se~a. mui~o
provvel que isto tenha acontecido, parece-nos, contudo, .que tal pratica na~
t ri sido Inventada se J no existisse previamente um clima popular prop1
c 0 . , conform j ressaltamos, temos ainda a histria bem mais antiga do
lundu.
Na anlise dos acompanhamentos da polca brasileira e de sua evoluo
devemos ter em mente, por um lado, o ritmo da polca importada e, por
outro, 0 ritmo do lundu (dana e cano) e da habanera. Com efeito, esta
ltima dana, lenta, em 2/4, originria dos negros de Cuba e Haiti, exportada
para a Espanha donde veio ao Brasil, inundou o Pas a partir de 18~6,
segundo Baptista Siqueira. So numerosas as habaneras impressas ~ ~ 10,
contando inclusive com contribuies como Sonhando (1879), de Chiquinha
Gonzaga (Ed. Narciso & Arthur Napoleo). Tpico do acompanhame.nto d
habanera . 0 esquema colcheia _pontuada, semicolcheia, duas colcheias, em
movimento lento, sendo as trs primeiras notas ascendentes e a quarta d
19
COMO BOM.
POl.liA
para
PIANO.
PAH.
JOA.QUIM
ANT!
da S: CALLADO.
PIANO,
- no 3 - 1 a ,-g.
~.e musica
Ide "Como Bom" de Calado - S 111 l,1
l lustraao
Baptista Siqueira, obra anunciada no Jornal do Com " /11
em 14; 4 ; 1975 (publicao original para flauta).
21
.
d
ho
.
h
"
a forma d1m1nut1va e c rm o.
Mozart de Arajo defende outra origem: " ... acredito que este termo
derivo dir tamonto da expresso dolente, chorosa da msica que aqueles
grupos executava m. A t erminologia musical popular do Brasil regis~a expresses que reforam essa suposio : chorar na prima, chorar no b~rdao. Ca~~ 1~
1
admitia que a msica dos choros era to comovente que fazia chorar. _
Francisco Curt Lange aventa uma terceira hiptese ao comentar a aao
dos choromeleiros nas Minas Gerais do sculo XVI 11 : " ... e destes cho ro me
leiros veio, sem dvida, a tradio das serenatas ao ar livre , percotr ncJo ~
ruas ou atuando na Casa Grande das fazendas, porque a palavra choro ou
seresta (seresteiro), que se prolongou nos conjuntos de prof issionais e d1
13 - 1bid., p. 112.
de.
Citado
em
:
Carvalho
,
li
mar.
O
Choro
Cor/o,
Arajo,
Mozart
14 Perspectiva Scio-Histrica. IN: Revista de Cultura Vozes, n 9 , 1 ) /
Petroplis RJ, p. 53.
22
d
.
1
.
..15
ama do res at e entra o este secu o, tem a mesma origem.
As or igens do choro, inveno carioca, situam-se na dcada de 1870.
23
reunies familiares, muita vez atrados pela simples perspectiva de uma mesa
farta e de bebidas em profuso (e nisso vai um trao inconfundvel de artista
de meio subdesenvolvido)." l 8
Saindo, altas horas da noite, das casas de famlia, vagavam pelas ruas,
tocando nas esquinas at desembocarem, nas suas andanas, em algum bote
quim. Freqentemente faziam tambm serenatas (serestas). Nestas ocasies
entrava ento o elemento vocal. Tinhoro, lembrando os cantores-seresteiros
de modinhas diz: "A maioria desses cantores especialistas em modinhas
sentimentais (todos lembrados em 1935 pelo velho carteiro Alexandre Gon
alves Pinto em seu livro de memrias), gravitavam em torno dos conjuntos
de choro que funcionavam como orquestra de pobre, fornecendo msica
19
(O
para festas em casas de famlia base de flauta, violo e cavaquinho."
grifo nosso.)
Com o tempo, a palavra choro passou a designar tambm as msicas
executadas pelos chores. Na verdade, porm, o choro (ou chorinho) no
era, durante muito tempo, um gnero particular de msica assim como a
valsa, a polca, etc. Adhemar Nbrega explica bem o assunto :
"A feio peculiar com que esses conjuntos executavam seu repertrio
fosse polca, schottisch, tango, valsa, maxixe, etc. com o tempo passou a
chamar-se choro, denominao que mais tarde se restringiu ao gnero hoje
conhecido como tal: uma pea em compasso binrio, de movimento moderado f)iJro vivo, construida com figuraes da polca e da schottisch, mesclada
slncope afro brasileira. Ainda hoje podem ser encontradas nas lojas de msi
cas coletneas de peas de Pixinguinha e Benedito Lacerda, de Chiquinha
Gonzaga (Francisca Hedwiges Gonzaga), de Zequinha de Abreu e outros
compositores, encerrando sob o ttulo Album de Choros, impresso nas capas,
20
vrias modalidades da msica popular, inclusive valsas."
(O grifo nosso)
A variedade de conotaes, as mudanas de significado, o frt-<11111t
uso imprprio de palavras, so coisas que ocorrem no s6 no t ,r no d,1
msica popular, mas tambm no da msica erudita.
Resulta dessas observaes que aquelas peas, que se ouvem comum 11
te como choros, tm suas razes principalmente na polca brasileira no binc II
18 lbid., p. 11.
19. Tinhoro, Jos Ramos. Os Sons Que Vm Da Rua. S. Paulo, 1970, p 1 1
1i111 tr I
25
.
f
d'
1
"
era esse ritmo nosso, incon un 1ve.
No Modernismo, o choro teve ampla repercusso. O terreno j fora preparado, na msica erudita, por Nazareth. De um modo geral, porm, a influncia preponderante, em certos autores, veio diretamente das camadas popu
lares. Villa-lobos colhia in loco suas impresses. Segundo Adhemar Nbrega:
"Corno violonista, Villa-lobos freqUentava as rodas dos chores mas, j pre
nunciando os fortes traos pessoais que o distinguiriam no futuro, corno artista criador, no se limitava aos procedimentos usuais dos companheiros. Certa
mente introduzia, em suas atuaes, pesquisas que j ento fazia, em busca da
- o cons1.deravarn d ,.f',c,1." 24
sua linguagem. Os choroes
Na vasta produo musical de Villalobos, os Choros ocupam um lugar
importante no s pela qualidade - so 14, mais o Choros Bis e o Quinteto
em Forma de Choros - mas tambm pelo nvel esttico. Compostos entre
1920 e 1929, os Choros abrangem obras para instrumentos solistas (n 1, pa
r vlol o; n 5, para piano, denominado pelo autor de Alma Brasileira), duos
(n 2, pai fl ut e cl rinete; Choros Bis, para violino e violoncelo), conjunto do
rn r v rios (n 4, para 3 trompas e 1 trombone; Quinteto em Forma
de Choro , pat li ut , obo, darinete, corno ingls ou trompa e fagote; n 7,
Settmino, p r fl uto, obo, clarinete, saxofone alto, fagote, violino, violon
ceio e um t nt m oculto, usado s momentaneamente; n 3, Picapau, para
clarinete, xofone alto, fagote, 3 trompas e trombone, acrescido do coro
masculino), , num plano de maior monumentalidade, orquestra, orqu tr
coro mi to, etc.
27
Hnaddo ,h Nc,chi.,n
...
.t.
28
' ,,"
~.,,,, de Anac/eto.
1 11111
l 111, d1
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11
n,
33
O TANGO BRASILEIRO
'
li t 1
35
Ainda segundo
Alis, importante registrar, nesta altura, que o nosso tango nada tem a ver
com o tango argentino, de origem posterior ao nosso (1880).
Nos dois primeiros compassos de Ali-Bab o acompanhamento
tpl O da /w~ nero. A indicao Allegro moderato assai, se levada a rigor,
lmpllunl um andamento mais rpido do que o da habanera. Se for correta
con lu o, podorse-ia pensar numa influncia da polca. Os compassos
restantes, at o rltornelo, apresentam um esquema de acompanhamento
11111 ,,
Musicalmente, a pea urna habanera, sem tirar, nem pr.
derivado da habsnera.
As sncopes, que aparecem na linha meldica a partir do compasso
oito, talvez sejam coruptelas brasileiras (inspiradas pelo lundu) das tercinas
freqentes nas habaneras. No Poco Piu, a linha meldica segue um desses
lugares comuns das polcas europias da poca. Quanto ao ritmo do acompa
nhamento desta parte no pode deixar de vir lembrana o velho lundu.
Embora o lundu-cano no tenha tido frmula de acompanhamento fixa,
as sncopes, no entanto, so bastante freqentes a. Examine-se, por exem
pio, o lundu Os Beijos de Frade do mesmo Henrique Alves de Mesqult .
37
JOANNA DO ARCO
M~su d~ G . CJ.RDIM
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J(JA.l'/1'/,t
~-
39
Em relao ao nmero no desprezvel de autores de tangos brasileiros (com ou sem o adjetivo) da dcada de 1880 em diante, as observaes
seriam semelhantes.
SOSPlR O
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lhld, p 83.
41
111!j/ '
11
43
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\
44
(p. 22): " ... suas numerosas melodias, escritas na maioria baseadas em temas
do folclore paulista, lhe deram renome quando h cerca de quarenta anos eram divulgadas com-sucesso assinalado e perdurvel. .. "
Mario de Andrade foi o que melhor penetrou na essncia esttica dessas
melodias em conferncia realizada em So Paulo (1926): " ...a tristura de Marcelo Tupinamb uma tristura gostosa de se escutar, franca, molenga,
caldo-de-cana, melado grosso, nem bem tristura, antes a lombeira do corpo
amulegado pelo solzo do Brasil, esprito de fatalismo e de pacincia. Nazar
43
(sic) no sabe ter essa tristeza sonora e chiando, que no faz mal."
Quanto ao aspecto rtmico, no podemos deixar de registrar o seguinte
depoimento de Mrio de Andrade: "Marcelo Tupinamb conserva-se dentro
de um ritmo mais comum, sem que por isso possa chamar-se de vulgar. No
raro o movimento sincopado estabelece-se unicamente no primeiro tempo.
mesmo a frmula mais usada por ele." Mais adiante comenta ainda: " curio
so notar-se que essa constante rtmica, usada corno frmula bsica por Tupinamb e a grande maioria dos compositores de maxixes, muito inferiores a e
le (e de que apenas se poderia lembrar ainda o autor de Pember, Eduardo
Souto) no era muito comum no sculo XIX, no qual apenas se delineia." 44
Esta ltima assero , conforme vimos, um pouco exagerada.
E mais este. depoimento de Renato Almeida: "Entre outros composito
ros de maxixes, h a referir Marcelo Tupinamb, que fez o maxixe caboc.lo de
nto triste e predomnio meldico, embora lhe desse a denominao de
45
nguinho ...
J os ttulos de alguns tanguinhos de Tupinamb confirmam aspectos
II pouco abordados: Que Sodade !. ..; Viola Cantadera; Tristeza de Caboclo;
f, 1 ula; Sou Batuta, etc.
Andrade, Mrio de. 1N: Revista da Msica Popular, n 3, dez. 1954, Rio,
JI 2.
Anch de, Mrio de. Msica, Doce Msica. Martins, S.Paulo, 1963, p.117.
/\11111 Ido, Renato. Histria da Msica Brasileira. F. Briguiet & Cia. , Rio,
M}
2 ed., p. 191.
45
,,.._
P~" J SvtJ.
VILA CANTADERA.
l<t1/ e"loYiv dos d.1ttist111:
Tanguinho.
os GAHJHnos "
CANO
S KRUNEJA .
Marcello Tupynambd.
R O( > .,
o r1,111al d, Ar linrl, L ~l
. SCENAS DA
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Tem.-pe
H &
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1 a ,.,..
n:g. de msica de " V /0 /11 < " '""
_ Campassi & Camin - Ru, I i/11 '" ' ''"'
11
"
I
f
oon _
47
que
quer.
Ela
se
transfigura,
move-se
dentro
do
compasso,
irri~u_ieta
e
irr:
O
guiar, num saracoteio perptuo. Sem nunca perder o carter bras1le1ro, as mu
,,46
O MAXIXE
1147
no da habanera.
(O grifo nosso.)
.
A assero de que Nazareth poderia ter sido o "a~unci~dor ~o m~~1xe", carece de fundamento histrico. O compositor tinha, :3to e sabido,
48
49
51
maxixe."
Musicalmente, tero sido realmente maxixes -, Ou ento existia, na poca, um gnero musical definido, chamado maxixe ? Ou tratava se
apenas de um tipo especial de coreografia adaptvel aos mais diversos gneros
musicais?
Em relao ao caso do ator Vasques, Tinhoro ainda diz que a orquestra devia atacar uma polca-tango ! Quem sabe se os maxixes em questo no
eram apenas a coreografia dele (ou, qui, um caricatura) ? Concluir desse
episdio que o termo polca-tango era uma espcie de disfarce do maxixe,
parece-nos precipitado. E, alm do mais, para que disfarar ? , se o chocante
para as classes mais "f inas" era justamente a coreografia do maxixe (e, talvez,
algumas letras).
Mas vamos ao ponto de partida scio-geogrfico do maxixe: a Cidade
Nova, bairro carioca surgido nas vizinhanas do Canal do Mangue, depois
dos at t:rros, realizados por volta de 1860. Tinhoro explicar melhor o que
interessa:
"O bairro da Cidade Nova, situado na parquia de Santana, era, pelo
recenseamento de 1872, o mais populoso da cidade, com seus 26.592 hat,1
tantes, e revelava uma part icularidade: 22.931 desses habitantes, a quase
totalidade, se declarava flumine nse, o que explicava muita coisa. Como a
decadncia da cultura do caf no Vale do Paraba estava no auge, isso queria
dizer que o excedente de mo d e obra era atrad o pelo centro ur ba no ma is
importante, que era a Corte, e sua chegada correspondia ao perodo de
uma Cidade Nova, pobre e fedorenta, nascida dos mangais. E tanto isto era
v, refade, que, nessa populao, nada menos de 3.836 pessoas eram de cor
pr t,1, sendo 1.440 africanos livres e 1.396 escravos, empregados por seus
onhores em serrarias, em construes e em fundies de metais.
"A mestiagem que logo se estabeleceu nesse ncleo de popula,10
111bana pobre tambm poderia ser clarament e explicada pelos ditdos colhidos
110\se primeiro censo nacional de 1872: na rea da Ci<lml(' No1 ,1 h11v1a 8.010
1,111 tugueses, o que ind icava a presena de imigrantv~ ro~ ntc , lovudos logica1111 ntc a morar ao lado dos negros pela comodiade dos aluguis.'
Um pouco mais adiante, comentando os resultados da promiscuidade
111111 fatalmente se instalara a, diz o pesquisador:
"A primeira criao foi a dana. To presos ainda ao ritmo dos batu
1 1 llud., p. 60
51
52 - lbid., p. 56.
53 - lbid., p. 58.
52
53
C E L ...
diante):
)!.\XIX. E AR ISTOU!HICO
Claro, podem ocorrer variantes, mas estas, em geral, no alteram fundamentalmente o esquema apresentado. Chama a ateno o aparecimento da
sncope s no primeiro tempo do acompanhamento. E o sincopado das linhas meldicas lembra - bvio - o velho lundu-cano.
Em comparao com o tango brasileiro, o maxixe parece-nos mais uniforme em suas caractersticas, mais definido como gnero .
Concordamos, pelo exposto, com Mozart de Arajo que, ao comparar
as duas danas, diz que elas "no se confundem, quer do ponto de vista da
54
coreografia, quer do ponto de vista da realizao musical.. ."
.
Com a entrada do sculo XX, o maxixe comeou a tomar conta do Rio
(deixando de lado algun ncleos de resistncia pertinaz). Alis, a letra do
Maxixe Aristocrtico, da Ruvlsto em 3 Actos, 11 Quadros e 3 Apoteoses, d
Tito Martins e Bandoir do Gouva, com msica de Jos Nunes, intltulud I
111pl
du, l u tol
54
Aos leitores interessados em aspectos do velho entrudo (do latim introitu, conforme o Aurelio) e na passagem deste para o carnaval, aqui no
Brasil, recomendamos especialmente obras como Pequena Histria da Msica Popular, de Jos Ramos Tinhoro; Folclore das Festas Clclicas, Rossini
Tavares de Lima; Histria da Msica Brasileira, de Renato Almeida.
No tocante s origens da msica de carnaval brasileira, Tinhoro bem
definido : "A msica de carnaval - pelo menos a produzida especialmente para ser cantada durante os trs dias de brincadeira - uma criao dos lti5
mos anos do sculo XI X." 6
Um exemplo que marcou poca a marcha Abre Alas!, composta
em 1899 por Chiquinha Gonzaga para um rancho carnavalesco. Antes de
historiarmos o surgimento dessa msica, que durante muitos anos foi uma
das mais cantadas nas pocas de carnaval, uma nova consulta ao Aurelio :
Rancho Carnavalesco. Bras., RJ. Bloco carnavalesco ou grupo de folies que
percorrem as ruas danando e cantando em coro as msicas mais populares
do carnaval, ou a marcha caracterlstica do grupo, desfilando em prstito e
geralmente levando estandartes alegricos. A palavra rancho, que vem doespanhol rancho, designa, em termos mais amplos, grupo de pessoas em passeio,
marcha, jornada ou trabalho.
Vejamos agora como surgiu a msica de Chiquinha. A narrao de
Marisa Lira:
" Aproximava-se o carnaval de 1899. De fronte casa de Chiquinha
Gonzaga, no Andara, um cordo desesperava a vizinhana com o s on!.<11os
dos cnticos e danas, em barulheira infernal.
Chiquinha pde apreciar, certa vez, as evolues do fiuuronte , v ndo
os negros caminharem aos arrancas, em negaas, roquel,1 os e co111or .,:o in
crveis, em ritmo estranho.
Era o cordo Rosa de Ouro.
Uma tarde de domingo, foi procurada po, uma co misso , trs ou quatro negros fortes, de largas calas bombachas (como se dizia ento), fraques
pretos, colarinhos muito altos e chapus de coco; esperavam-na de p. Vi-
Msica Popular.
Na dcada de 1920, o maxixe entra em declnio; ao mesmo tempo o
samba Llrbano vai em busca de seu modo de ser prprio. Como sempre acontece no campo da produo musical popular (e tambm da erudita), a oferta
imensa, mas o que h de original, de valioso, capaz de resistir ao tempo -
juiz implacvel - pouco. No ser com atitudes populistas ou com iniciativas empresariais, as primeiras pretendendo atribuir a tudo que vem do povo
valor indiscutvel e as outras querendo forar as coisas na base de grandes capitais, que se beneficiar a histria da nossa msica popular. A nica sada
para uma correta apreciao dos fatos , em nosso entender, o critrio esttico, baseado no s na sensibilidade natural, mas em horizontes suficientemente amplos no campo da histria e esttica musicais.
dentro desta perspectiva que devemos compreender Mrio de Andrade quando diz, no artigo Originalidade do Maxixe (com o qual, alis, no
concordamos em todos os pontos): "E antes de mais nada, vou afirmando
desde logo, que o meu entusiasmo por ele (maxixe) muito relativo. Como
toda produlo folclrica urbana do mundo, ele tem doenas hereditrias te55
mveis. A principal de todas a banalidade."
Numa poca em que o conceito de banalidade perece nio existir mais.esta frase deveria incitar reflexo.
Escassa foi a Influncia deixada pelo maxixe nas obras dos compo1lto
res eruditos do Modernismo. Peas denominadas maxixes no enC<>ntf 11111
no catlogo de obras de Villa Lobos. Francisco Mlgnone comp um M,.~,.,
(1925) para orquestra, outro para piano (1928); nas 4 P~:m llrt1Hl111t
(1930), a segunda intitula-se Maxixando. Este ltimo termo 11,ur e. t 111h 111
na Sute Infantil (1929) de Camargo Guarnieri, para orq11 1tr Nu II IIM
ano comps Trs Danas, para canto e orquestra, sendo a lt lm um M# I "
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Talvez tenha havido influncias do maxixe no lmll 11111 ,,. 111 1lt 1h
influncias, quem sabe, s vezes fugitivas, s vezes mala prur111111 l1Mh11, 111 1
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Abre Alas!
Que eu quero passar
Eu sou da lira
No posso negar.
Abre Alas!
Que eu qero passar
Rosa de Ouro
que vai ganhar.
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1915, que o frevo cresceu, gan hou f ama e se ba t1zou.
61 - lbid., p. 162.
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