Cultura Digital e Educação
Cultura Digital e Educação
Cultura Digital e Educação
1a edio
So Paulo
2013
C974
crb-8/4905
Prefcio
A Fundao Telefnica Vivo nasceu da vontade de levar muito mais do que comunicao. Nasceu para melhorar a qualidade de vida de crianas e jovens usando o que que o
Grupo Telefnica tem de melhor: tecnologias. Atuante no Brasil desde 1999, nosso compromisso impactar de forma positiva a vida de milhares de pessoas. Alm do Brasil, a
Fundao Telefnica Vivo est presente em 16 pases.
Buscamos fazer isso de uma maneira inovadora, por meio da colaborao entre pessoas e instituies. Antecipamos as tendncias sociais e o desenvolvimento de novas
tecnologias, aplicando-as aos nossos programas e iniciativas em quatro reas: Combate
ao Trabalho Infantil, Educao e Aprendizagem, Inovao Social e Voluntariado.
A rea de Educao e Aprendizagem lanou, em 2011, um edital para identificar iniciativas que beneficiassem crianas e adolescentes de modo a democratizar o acesso
cultura digital e promover o protagonismo dos mais jovens. Para isso, foram selecionados
nove projetos e artistas, sempre vinculados tecnologia, que propuseram ideias inovadoras em termos de linguagem e interatividade. As principais conquistas e resultados
desses projetos apoiados pela Fundao Telefnica Vivo esto relatados nesta publicao, dividida em trs partes.
A primeira parte, Arte e tecnologia, cultura e educao, relaciona o desenvolvimento
de competncias do sculo 21 no contexto da Cultura Digital e do uso das TIC (Tecnologias de Informao e Comunicao), tendo como referncia estudos recentes da rea. J
na segunda parte, Casos: aprendizagens para alm da escola, foram reunidas reportagens sobre histrias que movimentam educadores, crianas, jovens, gamers, mestres da
cultura popular e cineastas nos nove projetos apoiados pela fundao. Para finalizar, a
terceira parte, Textos acadmicos, concatena trs artigos sobre Cultura Digital e Educao, assinados por especialistas e professores, a saber: Lucia Santaella, Nelson de Luca
Pretto e Felipe Fonseca.
Com a publicao desta obra, a Fundao Telefnica Vivo acredita estar, mais uma vez,
cumprindo seu objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade da educao e acesso
cultura em nosso pas.
Franoise Trapenard
Presidente Fundao Telefnica Vivo
Telinha na Escola
Fortaleza
Recife
Gris na Escola
Escola Digital de
Palmas
Batuque Tradicional
Lenis
Oca Digital
Ilhus
Braslia
Memrias do Futuro
Campo Grande
So Paulo
Florianpolis
Labmovel
Jogos Clssicos da Literatura
Brazilian International Game Festival
(BIG Festival)
Sumrio
Parte I - Casos: Aprendizagens para alm da escola
10
Memrias do Futuro
11
Labmovel
19
25
30
Gris na Escola
38
Telinha na Escola
46
Oca Digital
51
56
61
66
Reflexes iniciais
68
72
77
81
87
91
Referncias
93
97
As relaes entre o verbal, o visual e o sonoro na era digital, por Lucia Santaella
98
111
125
Agradecimentos 137
O que ficou para as autoras do livro?
138
Parte I
Casos: Aprendizagens
para alm da escola
Nove reportagens contam as histrias que movimentaram,
ao longo de 2012, educadores, crianas, jovens, brincantes,
gamers, mestres da cultura popular, artistas digitais e
cineastas em projetos de explorao das TIC. Trata-se de
preciosos registros realizados por Lia Rangel, Fernanda
Martins e Cecilia Zanotti de nove projetos financiados
pela Fundao Telefnica Vivo, oito deles contemplados
pelo edital Cultura Digital e Educao, lanado em 2011
pela Fundao.
Memrias do Futuro
Ao formar jovens documentaristas para registrar, com celulares,
a infncia no Mato Grosso do Sul, e ao realizar caravanas de
brincadeiras e contaes de histrias, o projeto Memrias do
Futuro defende a cultura da infncia, problematiza hbitos
contemporneos e estimula o aprendizado.
Fernanda Martins
Fernanda Martins jornalista com experincia em produo de contedos para internet, educomunicao
e articulao em redes. Acredita na tecnologia como meio indispensvel para a transformao social,
assim como na importncia da tecnologia para a compreenso do mundo contemporneo, com pessoas
conectadas em rede e constituindo a chamada sociedade da informao. Ativista do movimento do
Software Livre, participou de eventos em prol desta comunidade. Atualmente, coordenadora local do Centro
de Educao e Inovao Tecnolgica do projeto Pescando com Redes 3G, e atua diretamente com a incluso
de tecnologias mveis na educao de jovens e adolescentes de Santa Cruz Cabrlia, extremo sul da Bahia.
Lia Rangel
jornalista, produtora cultural e gestora. Corresponsvel pela estruturao da Casa da Cultura Digital em
So Paulo e Santos. Scia-diretora da FLi Produes Culturais, produtora responsvel pela organizao de
projetos como o Festival Internacional Culturadigital.br e Produo Cultural no Brasil. Em 2012, coordenou o
trabalho de acompanhamento da gesto e comunicao dos projetos apoiados pela Fundao Telefnica no
edital de Arte e Tecnologia. Trabalhou na Fundao Padre Anchieta coordenando projetos de convergncia
de mdia na TV e na Rdio Cultura (AM e FM), entre os quais transmisses participativas do programa Roda
Viva, coberturas colaborativas das eleies municipais 2008 e da Virada Cultural. Participou do projeto de
reformulao editorial da Radiobrs, atual EBC, quando coordenou a criao da TV Brasil/Canal Integracin,
emissora de televiso internacional distribuda para mais de 20 pases. Foi assessora de comunicao do
Frum Social Mundial e trabalhou como jornalista para diversos jornais e revistas como O Estado de S. Paulo,
Revista Educao e Carta Capital.
chegar. A movimentao ia atraindo os mais velhos e, aos poucos, tinha gente vindo de
todos os cantos. A atrao era a Caravana Tecnobrincante, ao do Memrias do Futuro
que mistura de circo mambembe com exposio multimdia itinerante. Adultos fantasiados, tocando instrumentos de percusso e violo, entoavam a quem se aproximava um
convite para fazer parte de uma grande roda.
Ol, ol, ol, a caravana vai comear!. A ciranda aumentava medida que o grupo de
brincantes propunha atividades: amarelinha, peteca, pula-corda, bolinha de gude, corre-cotia. Os mais desconfiados apenas espreitavam ao longe e preferiam observar a exposio, resultado do trabalho de adolescentes que participaram do projeto Memrias do
Futuro. Os mais de 70 vdeos e fotos, produzidos com celulares ao longo de quatro meses,
apresentavam a documentao das experincias e memrias da infncia de integrantes
de oito diferentes comunidades do estado do Mato Grosso do Sul. Havia registro de tudo:
cantigas, brincadeiras, contos, depoimentos de gente mida e de seus pais e avs.
Como em uma mquina do tempo, vimos adultos acessar aquilo tudo que ficou para
trs e as crianas viviam aquele momento como se fosse eterno. Brincar atemporal,
conta Lia Mattos, diretora e coordenadora pedaggica do Memrias do Futuro, e parceira
do cineasta Alexandre Basso e de Andra Freire na idealizao do projeto.
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com brincadeiras tradicionais da cultura brasileira, rodas de contao de histrias e reflexes sobre a importncia de todo aquele movimento. Brincar descoberta, movimento,
desafio e aprendizado. Brincando, a criana se expressa, desenvolve a criatividade e entra
em contato com o que h de universal na histria de um povo, explica a diretora.
A Caravana Tecnobrincante foi o fechamento de um longo processo, que teve incio a
partir da capacitao de 20 jovens de comunidades quilombolas, ribeirinhas, indgenas,
fronteirias e urbanas do Mato Grosso do Sul para a investigao e documentao de
brincadeiras de diversas geraes. Tudo foi documentado e publicado no site Memrias
do Futuro, cujo objetivo se tornar um grande banco de dados colaborativo sobre a cultura da infncia no Brasil. No toa, Andra Freire, que alm de ser uma das idealizadoras do projeto tambm diretora do Ponto de Cultura Guaicuru, define o projeto como
uma grande roda onde as aes se multiplicam em redes virtuais e presenciais.
trocas de saberes entre crianas, jovens e adultos dessas localidades. Oportunidade nica de aprofundar o nosso olhar sobre a infncia brasileira, avalia Lia.
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pelas observaes feitas pelos jovens que participaram do processo de documentao promovido pelo Memrias do Futuro. As crianas esto se tornando adultas muito cedo. Elas
preferem ir ao shopping do que ir brincar, conta Giulia Shroder, 14 anos, integrante do ponto de cultura Casa de Ensaio. Outro fator identificado pelos jovens como responsvel pelas
mudanas de hbitos das crianas o crescimento das cidades, que passam a oferecer
poucos espaos pblicos dedicados ao convvio e impem um estilo de vida moldado para a
adaptao em moradias cada vez menores. Assim, as crianas tm de passar muito tempo
dentro de casa e, com isso, a televiso passa a exercer um papel sedutor e hipnotizador. A
falta de tempo dos adultos tem contribudo fortemente para as crianas ficarem em frente
s telas. A criana vem sendo domesticada de acordo com os interesses comerciais da
televiso, alerta Lydia Hortellio.
A complexidade da situao agravada quando se percebe a normatizao de uma
atitude cultural em que a criana perde sua inocncia com maior rapidez, recebendo da
mdia grande quantidade de informaes que estimulam a sexualidade, o consumo, a
padronizao comportamental, continua Lydia. Com a televiso ocupando o centro do
ambiente familiar, o convvio entre crianas vem diminuindo e o espao de troca entre as
geraes tambm. Por isso, jogos de peteca, bolinha de gude, taco, cantigas de roda, que
durante sculos entretiveram e serviram de fonte para despertar a imaginao de crianas de todas as idades, vm se transformando em borboletas sem asas. Como alerta a
contadora de histria, se as brincadeiras no so passadas de pai para filho, elas perdem
o encanto e morrem.
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Ao se reconhecerem no vdeo, a algazarra geral. As crianas no tm televiso, porque a energia eltrica escassa. O acesso s tecnologias de informao para eles coisa
rara. Por isso, a visita da equipe do Memrias do Futuro, que permitiu o livre acesso a
celulares com cmeras, computadores, telas e projetores, foi recebida com pompa de
grande atrao. A equipe de educadores da escola tambm aprovou a produo e transmisso dos vdeos. Francisca de Oliveira, professora, afirma que a brincadeira fonte muito rica para se conhecer as crianas dessa comunidade, que vivem em internato, longe
do convvio cotidiano com os familiares: A gente tem de se encharcar do conhecimento
que eles apresentam. Temos de nos despir dos preconceitos e conceitos, de tudo o que
temos por certo, para nos adequar comunidade e ao conhecimento que as crianas
trazem. E por meio da brincadeira elas revelam coisas que nos transportam para outro
universo, conta.
Outra professora da escola, Michele Gomes, destaca que a possibilidade das crianas
documentarem seus prprios registros faz com que elas fiquem vidradas nas atividades
e se sintam reconhecidas, valorizadas. A opinio vai ao encontro do propsito dos idealizadores do Memrias do Futuro ao introduzirem o uso de celulares e outros recursos
digitais no projeto, por considerarem que tecnologia ferramenta que estimula a imaginao, a criao, a transformao social e que pode ser usada para tornar o aprendizado
dirio mais divertido.
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Labmovel
A histria da Kombi Safari adaptada que rompe barreiras e leva
arte, educao e tecnologia para alm das regies centrais,
estabelecendo espaos de troca de conhecimento e ricas
experincias culturais.
Lia Rangel
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O incio
O Labmovel resultado das buscas e aspiraes de Gisela Domschke e Lucas Bambozi, cujas trajetrias so marcadas pela explorao de linguagens tecnolgicas, principalmente as chamadas mdias mveis, como celulares, smartphones, tablets, aparelhos
de GPS, entre outros. Gisela deu o primeiro passo: chamada para apresentar um projeto ao Netherlands Institute of Media Arts (Instituto Holands de Artes Miditica, NIMk)
lembrou-se do plano de criar um laboratrio de mdias mveis. Ento, convidei o Lucas
a participar com o Vivo Arte.mov e, logo em seguida, fomos contemplados pelo edital da
Fundao Telefnica Vivo, rememora.
Bambozi, artista multimdia, documentarista e criador do principal festival de mdias
mveis do Brasil o Vivo Arte.Mov , aceitou o convite e levou para o projeto Labmovel
suas pesquisas sobre formas criativas de apropriao tecnolgica e produo de gambiarras. J tem um tempo que a gente observa formas de mobilidade, como carrinhos
de catador de papel, bicicletas multimdia de camels, veculos que so formas alternativas no s para percorrer espaos, mas tambm para proporcionar alguma experincia
onde no h mais nada, argumenta.
O foco principal do Labmovel circular em periferias dos grandes centros urbanos. A
experincia de deslocamento nos permite atingir um pblico distinto daquele que frequenta museus e galerias, diz Gisela. Em So Paulo, por exemplo, os aparatos culturais
esto concentrados na regio central e oeste da cidade. Para um garoto do Capo Redondo ir a um cinema, ele precisa pegar trem, nibus ou metr e enfrentar o imprevisvel
trnsito da capital.
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Com 100 mil reais, os idealizadores do projeto puderam comprar a Kombi Safari adaptada para motorhome e equipamentos que a transformaram no sonhado laboratrio de
mdias mveis. Alm de ter um design amigvel, a Kombi oferece uma flexibilidade maior
por no se tratar de um veculo de porte muito grande, podendo acessar ruas estreitas e
estacionar em lugares pblicos sem causar maiores complicaes, avalia Gisela.
A programao do Labmovel comeou em maro de 2012, com um intercmbio de
dois meses para residncia artstica, realizado em parceria com o instituto holands
NIMk. Nesse intercmbio, VJ Pixel, de Salvador, e Sander Veenhoof, de Amsterd, foram
selecionados para desenvolver conjuntamente uma obra que explorasse o conceito de
mdia locativa.
Aumentando a realidade
Assim, Pixel e Sander produziram o projeto Narrative Navigation. Como os dois so artistas e programadores de computador, optaram por desenvolver um aplicativo que roda
em produtos com os sistemas operacionais iOs e Android. O software criado permite acessar uma narrativa georreferenciada, que associa a determinado local fsico, existente na
realidade, informaes que podem ser visualizadas na tela virtual do aparelho. Esse
tipo de criao vem sendo chamada por estudiosos e ativistas de realidade aumentada.
No primeiro ms da residncia, o brasileiro ficou mergulhado em pesquisas com o auxlio da equipe do NIMk, em Amsterd. Na etapa seguinte, o holands Veenhof o acompanhou at o Brasil. O desafio da dupla foi tirar do plano das ideias a proposta desenvolvida
na Holanda. Em 15 dias, eles desenvolveram o aplicativo e, no perodo seguinte, realizaram atividades pblicas usando o Labmovel. O primeiro teste ocorreu na praa Dom
Gaspar, no centro de So Paulo.
Nessa experincia-piloto, foi criada uma histria baseada em cenas de romances de
Mrio de Andrade localizadas no centro de So Paulo. Algumas locaes foram georreferenciadas. Como num livro-jogo, a pessoa vive a histria em primeira pessoa e em qualquer ponto da narrativa ela poderia seguir ou criar uma nova aventura, explica Pixel. O
participante comeava seu percurso na praa.
Para ler/jogar, era preciso acessar o site Junaio, um navegador web para programas
em realidade aumentada, no qual o Narrative Navigation est instalado. Com o celular
conectado, o leitor/jogador recebia informaes de uma locao da histria. Ao se aproximar do ponto georreferenciado, novas informaes eram carregadas na tela do aparelho, acompanhadas de pistas sobre como continuar jogando/lendo. Por exemplo, ao
mirar o celular para o Teatro Municipal, apareciam na tela informaes sobre a Semana
de Arte Moderna e a dica para a continuao da histria no Terrao Itlia.
A infraestrutura da conexo mvel no Brasil ainda um limitador para vivncias desse
tipo. A lentido da conexo dificultava que as informaes aparecessem em tempo real,
tornando a experincia meio chata, avalia Pixel. Ele tambm aponta que h muitas reas
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sem cobertura 3G, o que acaba restringindo o raio de circulao possvel para esse tipo de
experimento. Uma soluo seria fazer o download do software para os aparelhos, mas
o Junaio um software proprietrio cheio de limitaes, que s permite navegao on-line, queixa-se.
Como programador, Pixel defensor das tecnologias livres e diz que pretende continuar investindo no projeto at conseguir desenvolv-lo totalmente para ser usado sem
restries.
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nika, em Belo Horizonte , o laboratrio itinerante, ele prprio uma gambiarra, encerrou
seu primeiro ano de atividades.
De volta ao Capo
Quando terminou a apresentao dos vdeos, Lucas ligou o microfone, apresentou a
equipe do Labmovel e passou a palavra para o oficineiro. Era Cristiano Rosa, conhecido
como Panetone (apelido que alude a Pane Tone e significa mltiplos tons), artista que
vem desenvolvendo workshops sobre Eletrnica Criativa e Produo Sonora em vrias escolas e espaos culturais do Brasil.
Alm da crianada do bairro, o pblico da aula aberta era formado por 20 alunos da Casa
do Zezinho. A experincia era indita para a meninada e para o oficineiro, que at aquela
data jamais havia feito uma oficina a cu aberto, na rua.
Os jovens e crianas pegaram suas cadeiras de praia e se posicionaram ao redor de uma
mesa comprida. Panetone distribuiu o material para construir um amplificador de som. Caixas de papelo e um monte de pecinhas. Pacientemente, explicou cada uma delas. Apresentou as ferramentas: estilete, solda, lpis grafite e cola quente. Entregou fichas resumidas
e bem-humoradas, com explicaes sobre conceitos de engenharia eletroeletrnica,que
circularam entre os jovens.
Ento, acabou a luz no bairro. Mas nem o sol forte, nem a falta de energia desconcentraram a molecada. Os participantes da oficina foram para debaixo de uma sombra. Nem
perceberam que o gerador da Kombi estava em funcionamento, fazendo do Labmovel uma
ilha de energia em meio a um Capo Redondo em blackout.
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Lia Rangel
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primeira vez. No ano passado, mais de 40 mil meninos e meninas puderam se divertir
assistindo s produes selecionadas pela equipe de curadores da Mostra (com translado da escola ao cinema e pipoca custeados pela produo). O evento tem tambm um
carter competitivo. Das 180 produes recebidas, cerca de 80 foram selecionadas para
integrar a programao e, destas, 37 passaram a ser distribudas pela plataforma Filmes
que Voam.
por assinatura, a TV aberta vem diminuindo sua faixa de programao infantil. Por outro
lado, dos dez canais pagos com maior audincia, quatro so destinados s crianas. Os
campees so Discovery Kids (para o pblico de at 6 anos), Cartoon Network (focado
nas crianas entre 7 e 11 anos) e Disney Channel (de 10 anos em diante).
Na TV por assinatura ou na aberta, a oferta de desenhos estrangeiros produzidos
principalmente nos Estados Unidos, China e Japo. De Barney a Ben 10, passando por
uma infinidade de seriados que ficcionam a vida de alunos das escolas norte-americanas,
alimenta-se o imaginrio das crianas brasileiras com experincias que pouco dialogam
com suas realidades.
Mas algumas mudanas esto no horizonte. Em vigor desde setembro de 2012, a nova
Lei do Cabo (Lei 12.485) sancionada pela presidente Dilma Roussef obriga que, at 2014,
as TVs por assinatura integrem 3 horas e 30 minutos de produes nacionais no horrio
nobre de suas programaes. Em consequncia, sries de animao como Peixonauta
e Meu Amigozo, realizadas pela TV Pinguim e 2DLab, respectivamente, comeam a
compartilhar espao entre os programas preferidos da garotada. O feito s foi possvel
porque as produtoras brasileiras buscaram parceiros internacionais para a coproduo
das animaes.
tambm com audiodescrio, e do Canal Nota 10, com a distribuio de oito filmes produzidos por estudantes de at 15 anos. Ao longo de 2012, o canal reuniu 79 produes
audiovisuais, entre curtas e longas-metragens, documentrios e institucionais.
O projeto, que teve seu patrocnio renovado pela Fundao Telefonica Vivo, tem como
meta dessa nova etapa estimular ainda mais a incluso de pessoas com deficincia auditiva e visual um pblico estimado em 15 milhes de pessoas no Brasil.
O Canal Nota 10, outra prioridade da nova fase, busca estimular o protagonismo infantil e juvenil. Estudantes de at 15 anos que realizam filmes como atividades escolares podem enviar e divulgar sua produo. O material avaliado por uma curadoria pedaggica
e tcnica e, se aprovado, recebe remunerao para ser exibido e baixado pelo pblico.
Segundo Chico Faganello, o projeto buscou disseminar o acesso ao cinema e educao via internet, por meio de um modelo tico de negcios: todo o acervo pode ser visto
e baixado gratuitamente, e os realizadores das obras so remunerados pelo direito de
exibio.@
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Brazilian International
Game Festival (BIG Festival)
Festival de games coloca o Brasil no calendrio internacional de jogos
eletrnicos e inaugura evento focado na valorizao e profissionalizao
de desenvolvedores independentes em territrio nacional.
Fernanda Martins
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O evento BIG Festival ocorreu no MIS, em So Paulo. O pblico conferiu produes independentes
de 21 pases, alm de uma rica programao com desafios, workshops e palestras.
Durante o evento, desenvolvedores, gestores pblicos e empresrios compartilharam
a constatao de que o Brasil no pode ficar fora de um mercado de propores to grandes quanto esse. Para tanto, ser preciso um planejamento detalhado, com aes que
vo da organizao de linhas de financiamento para games criao de cursos destinados a profissionalizao de desenvolvedores. Temos um cenrio composto por desenvolvedores criativos e apaixonados por jogos, mas que pouco entendem sobre investimentos e administrao de empresas. Alm da falta de apoio para a rea de games,
preciso pensar tambm em formao, afirma Eliana.
Segundo Jason Della Rocca, canadense especialista no mercado de games e consultor
do BIG Festival, em termos de criao, no resta dvidas, o Brasil abriga enormes talentos. Mas ele destaca que, para dar um salto, necessrio ajudar a transformar a paixo
de centenas de estudantes e aficionados por jogos em um plano de negcio que ajude a
profissionalizar as atividades dos desenvolvedores brasileiros.
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universitrio e game designer, conta que essa uma atitude comum entre os desenvolvedores. A colaborao se sobrepe aos princpios da competio. Nada mais feito s
escondidas, a informao muito partilhada. Hoje o desenvolvedor no esconde, no
tem mais essa coisa de segredo industrial. Eu vi muito disso na Dev Island (desafio em
que quatro equipes deviam criar um jogo em 24 horas). As equipes trocavam muita informao enquanto desenvolviam, elas se ajudavam, comenta Ale. Segundo Jason Della
Rocca, os jogos tm sua raiz na cultura hacker. Educao formal para o desenvolvimento
de jogo um fenmeno recente, complementa.
Segundo Ale Machado, o desenvolvedor independente no cria um jogo motivado pelo
dinheiro. Muito pelo contrrio, esses jovens se renem justamente pela vontade de fazer um jogo, de se expressar, fazer algo novo, fazer o jogo que gostaria de jogar, acrescenta. A palavra realmente paixo, confessa Gabriel, empolgado. Todo mundo aqui
apaixonado por games, passamos nossa infncia jogando, complementa Lucas. Mas o
dia a dia dos desenvolvedores de games no s diverso.
O mercado brasileiro ainda engatinha. A maioria dos desenvolvedores se concentra
nas agncias publicitrias. Uma pequena, mas crescente parcela, se arrisca em empreender seu prprio negcio, que tem como pblico-alvo abastecer com jogos on-line sites
especializados, como o Click Jogos, o maior portal de jogos on-line do Brasil que oferece
cerca de 13 mil games e acessado por 21 milhes de usurios, sendo 78% menores de
18 anos. A gente tem um estdio para bancar, com espao fsico para custear, manuteno e compra de equipamentos, conta Gabriel. Conseguimos nos sustentar desenvolvendo games on-line e disponibilizando para os portais, explica Lucas. Mr. Bree no foi
premiado na categoria em que foi finalista, mas Jelly Escape, outro jogo produzido pela
TawStudio foi considerado o melhor jogo on-line pelo BIG Festival.
Veja o trailer do jogo on-line Jelly Escape, dos mesmos criadores de Mr. Bree. Jelly
Escape recebeu o prmio de melhor jogo on-line no BIG Festival.
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Gris na Escola
Em parceria com produtores audiovisuais, mestres e aprendizes
da cultura popular, jovens estudantes de Salvador e do interior da
Bahia compartilham, em vdeo, seu entendimento da pedagogia
gri, que avana por escolas de todo o Brasil.
Cecilia Zanotti
Formada em administrao de empresas pela Fundao Getulio Vargas, comeou sua carreira como
trainee e assistente de projetos no Instituto Ayrton Senna. Coordenou projetos de formao de jovens na
Cidade Escola Aprendiz e atuou como consultora e educadora nos institutos Ibi, C&A, IDIS (Instituto para o
Desenvolvimento do Investimento Social) e na Fundao Telefnica Vivo. Fundou a ONG Projeto Bagagem,
reconhecida pela Ashoka, organizao mundial de empreendedorismo social, e vencedora do Prmio SEED
Awards da ONU. Cecilia multiplicadora da metodologia de comunidades criativas da Partners for Youth
Empowerment, ONG global que atua no empoderamento de jovens por meio da arte e da convivncia.
Lia Rangel
za, explica Lillian Pacheco, educadora e idealizadora do movimento que j mobiliza 100
mil estudantes de 600 escolas pblicas de todo o pas.
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quatro dias participaram de oficinas para aprender como contar uma histria em vdeo.
Por meio das dinmicas em roda promovidas pela gri aprendiz, a comunidade escolar
tambm descobriu o valor da sabedoria no s daquele mestre. Todas as crianas e os
professores tm um av, um tio mais velho, que esto agonizando com conhecimentos
valiosos. Com o movimento da Ao Gri, todos ficam surpresos, porque aquela coisa que
para eles no vale nada est tendo visibilidade, destaca Mary, ao lembrar a dificuldade
que foi convencer mestre Santinho sobre a importncia de sua sabedoria. Foram muitas
tardes conversando na calada. Os prprios filhos e netos dos mestres no os valorizavam mais, complementa.
A presena e a persistncia do gri aprendiz fundamental. Principalmente para romper as resistncias, comuns nos relatos compartilhados durante as oficinas realizadas
com as duplas participantes do Prmio Gri. Famlias, igrejas e gestores das escolas costumam desvalorizar e impor proibies. Segundo Lillian, nem sempre o melhor caminho
perguntar. Invadir com encantamento os espaos institucionais vem sendo uma estratgia importante da Ao Gri. H sempre uma brecha social, um porteiro, uma merendeira, que nos ajudam a abrir as portas das escolas, universidades e centros culturais.
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do. Sua maior manifestao acontece por meio das chamadas vivncias, rituais em
roda que se iniciam com prticas at hoje observadas em comunidades do interior do
pas. O toque de um berimbau ou atabaque, o dedilhar de uma viola ou uma roda de pedido de bno podem ser o sinal de que a vivncia vai comear.
As cantigas comeam com as boas-vindas e vo crescendo em ritmo e energia, at
atingirem o pice com a entoao de sambas de roda. Em seguida, so cantadas msicas
mais calmas, at que todos se embalem por uma cano de ninar. Nesse clima, o grupo
senta para dialogar e compartilhar histrias de vida, mitos indgenas e mitos africanos.
Uma viagem que algum fez ou algo que aconteceu na instituio recentemente podem
ser temas levados ao centro da roda.
A metodologia tem se mostrado eficaz para (1) gerao de vnculos entre alunos, professores, mestres e convidados; (2) realizao de planejamentos coletivos; e (3) compartilhamento de conhecimento. Aps uma vivncia, o assunto mais relevante para um grupo facilmente identificado e discutido. Inspirados nas prticas criadas por Paulo Freire,
as solues so construdas coletivamente em pequenos grupos e na grande roda.
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Telinha na Escola
De oficinas de vdeos para crianas de Palmas, Fortaleza e Recife,
ao banco de dados em rede de aulas para educadores de todo
o Brasil, o Telinha na Escola mostra que a tecnologia aliada
no desenvolvimento de aulas criativas e no fortalecimento da
autonomia dos alunos.
Cecilia Zanotti
Lia Rangel
Aps passar pelas oficinas, a professora Maria Matilde envolveu alunos de 8o ano na
produo de podcasts e videocasts (arquivos de udio e vdeo que podem ser transmitidos via internet) para promover um debate sobre a situao do meio ambiente, com foco
no bairro onde a escola est localizada. Eu j tinha suspendido as chuteiras. O Telinha
me trouxe novo flego para trabalhar com os alunos, afirma. Outro projeto realizado pelos alunos com a orientao dos professores foi o mapeamento dos problemas do bairro,
usando ferramentas on-line de produo de mapas, como Google Maps e o Open Street
Maps. O material produzido foi at encaminhado para a prefeitura da cidade.
usando o celular e ficaram muito boas, conta Sarah Vieira Nascimento, 13 anos. Depois
de analisar cada fotografia, os alunos escolheram as melhores para montar uma exposio nos corredores da escola, para que outros alunos, professores e familiares pudessem
apreciar o trabalho dos estudantes.
O Telinha na Escola se fundamenta na ideia de que a tecnologia deve ser tambm uma
aliada para atrair o interesse dos alunos. A gente percebe o aumento da capacidade de
trabalho em grupo e a transformao da escola em um espao de prazer e estmulo constante ao desenvolvimento de cada um, comenta Alex, monitor do projeto em Fortaleza.
Sua anlise pode ser comprovada pelos depoimentos dos estudantes.
Eu gosto muito de vir aqui. No me importo de voltar para a escola no turno que
eu no tenho aula, diz Sarah. Andressa Mota Lima, tambm do 7o ano, complementa:
muito diferente das outras aulas. De manh assim: escrever a matria para ganhar
pontos. Com o Telinha a gente se diverte. Encontra amigos que moram longe. Por mim eu
passava a vida todinha aqui, j que em casa eu no tenho nada para fazer. As duas estudam de manh, mas desde que o Telinha comeou a oferecer oficinas nos contraturnos
das aulas, elas passaram a frequentar a escola tambm durante as tardes.
Outro ponto que os monitores e professores destacam como saldo positivo do projeto
o estmulo que os alunos recebem para se expor e compartilhar suas ideias. uma aula
diferente e a gente perde a timidez de falar, diz Cllio Miranda de Castro, aluno do 8 ano.
Caroline de Lima, do 9 ano, compartilha da opinio de seu colega. A garota de 13 anos
era muito envergonhada e, aos poucos, foi se soltando. Acho que at o final das oficinas
do Telinha eu era a menina que mais falava. Fiz um documentrio sobre alimentao e
vrios pequenos filmes, orgulha-se.
Como comeou
O Telinha na Escola o desdobramento de um outro projeto iniciado pela Casa da rvore, organizao com sede em Goinia que desde 2007 explora o potencial das tecnologias digitais e mveis de forma que contribuam para o aprendizado de jovens e crianas
a partir de prticas colaborativas e em rede. Em 2009, a instituio realizou o Telinha de
Cinema, projeto de experimentaes de produo de vdeos com celulares por alunos de
escolas pblicas que comeou em Palmas, capital do Tocantins, e em pouco mais de trs
anos espalhou-se por outras 11 capitais.
O Telinha na Escola surgiu da necessidade de uma mudana no foco do projeto. At
ento, as oficinas eram destinadas exclusivamente aos alunos. A partir de 2012, os professores tambm passaram a ser pblico-alvo do projeto. Alm das mdias digitais, ns
queremos que os professores e alunos se apropriem da infinidade de possibilidades disponveis na internet para criar narrativas, testar linguagens, criar processos colaborativos
de produo de conhecimento, sempre atrelados a uma proposta pedaggica, explica
Alusio Cavalcante.
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Estrategicamente, todas as informaes produzidas pelos monitores, alunos e professores passaram a ser publicadas no site do projeto. A proposta que o Telinha se
consolide como um banco de dados em rede de aulas criativas e que possa ser utilizado
por educadores de todo o Brasil, complementa Alusio. De vdeos a planos de aulas completos, todo contedo produzido licenciado em Creative Commons, o que permite sua
reutilizao e reproduo por qualquer pessoa.
estratgia permitida pelo uso de ferramentas gratuitas de escrita coletiva. Nessa etapa
do projeto, as escolas selecionadas receberam a doao de um kit com laptops, celulares
e roteadores para que o trabalho com as mdias digitais em rede pudesse ter incio.
Em seguida, aconteceram as Oficinas de Vdeos de Bolso, destinadas aos alunos.
Nesse momento, os estudantes puderam explorar a produo de vdeos com celular, a
construo de mapas colaborativos, as redes sociais com fins de pesquisa, entre outras
ferramentas disponveis na internet. Por ltimo, o projeto realizou, no incio do ano letivo
de 2012, uma formao on-line para os professores, chamada Prtica e concepo de
projetos de aprendizagem e mobilidade.
Ao todo, 78 educadores participaram das oficinas realizadas pelo Telinha na Escola, entre professores, monitores do laboratrio de informtica e estagirios, sendo 16 de Palmas, 28 de Recife e 34 de Fortaleza. O projeto tambm envolveu diretamente 670 crianas, adolescentes e jovens, entre 8 e 18 anos. Mas o balano final do projeto indica que, de
fato, o maior desafio continua sendo o envolvimento dos professores. Aps a realizao
das oficinas, registramos um total de 12 educadores que se mantiveram ativos, dialogando com a equipe pedaggica do Telinha na Escola, buscando formas de melhorar o planejamento ou suprir necessidades encontradas na sua execuo, afirma Alusio.@
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Oca Digital
Em Ilhus, na Bahia, a Oca Digital se consolida como laboratrio de
tecnologias livres voltado formao cultural, poltica e social dos
povos indgenas, em especial dos tupinamb.
Fernanda Martins
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que aprendi vou tentar ajudar mais no movimento indgena, no s dos tupinamb, mas
de todo o Brasil.
Nos fins de semana, a Oca permanecia aberta e virou ponto de encontro para os jovens.
As lutas do povo tupinamb de Olivena tambm fizeram parte das discusses nos
seminrios, oficinas e eventos realizados durante o projeto Oca Digital.
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Assista ao vdeo Somos Tupinamb, um dos que foram produzidos pelos participantes
do projeto Oca Digital. As imagens foram captadas com celulares e cmeras digitais.
*
O livro Arco Digital est licenciado em Creative Commons e possvel fazer o download por meio
do link http://www.thydewa.org/downloads/arco.pdf (Acesso em: 3 nov. 2013).
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O projeto Oca Digital mais um captulo da construo dessa rede digital indgena.
Busca despertar nos jovens o sentimento de pertencimento causa indgena no pas.
Utilizamos a tecnologia para amplificar a luta tupinamb, afirma Gerlic. As ferramentas
tecnolgicas servem de apoio aos processos de fortalecimento das naes indgenas,
confirma Jaborandy.
Atravs do portal Indios Online, os indgenas comearam a publicar notcias escritas
sob o olhar do prprio indgena, e tambm a contar mais sobre suas tradies, mostrando
para o mundo a histria na perspectiva oposta a do colonizador. Yakuy Tupinamb uma
das indgenas que teve sua vida transformada a partir do contato com a rede mundial de
computadores. Aos 47 anos, decidiu cursar direito e, atualmente, estuda na Universidade
Federal da Bahia (UFBA).
A internet facilita nossa locomoo para buscarmos nossos direitos e faz-los serem
cumpridos, como projetos que venham beneficiar as tribos indgenas. Alm disso, a internet facilita os intercmbios culturais. Quebramos, assim, preconceitos, inclusive fortalecemos nossas culturas e tradies, contando nossas histrias, costumes, crenas. A
tecnologia no mata a cultura dos povos indgenas, pelo contrrio, a fortalece, se utilizada com responsabilidade, avalia Ara Pankararu, da rede ndios Online.
Desde 2005, a rede ndios Online tornou-se ponto de cultura. Tambm obteve apoio
do Ministrio das Comunicaes e do Trabalho. Hoje, j existem nove aldeias indgenas
conectadas e outras seis em vias de conexo. Na mdia, cada aldeia possui entre dois e
trs computadores.
Quando foi criado, o projeto Oca Digital tinha como objetivo:
registrar e divulgar a cultura indgena pelo olhar do prprio ndio, utilizando as mdias
digitais;
fomentar a causa indgena e debates acerca desse tema por meio das redes digitais;
Objetivos como esses no se esgotam com o fim do projeto. So parte de um processo. A luta dos tupinamb de Olivena s est comeando, sua interconexo tambm.
Como registrava uma frase escrita em um cartaz dentro da casa transformada em oca
do sculo 21: Existe Oca Digital sempre que se estabelece um crculo para tecer saberes
diversos com o apoio das tecnologias, servindo ao processo de fortalecimento das comunidades indgenas. A luta vai continuar e outras vidas, como as de Lahysla, Lahis e Yakuy
podero ser transformadas.@
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Escola Digital de
Batuque Tradicional
Produzido pelo grupo brasiliense Seu Estrelo e o Fu do Terreiro,
projeto apresenta vdeo-aulas com mestres da cultura brasileira,
que ensinam histrias e ritmos populares.
Fernanda Martins
Lia Rangel
Batuques de tambores ancestrais pelas redes interconectadas: sem tijolo nem concreto, em 24 de novembro de 2012 foi criada a Escola Digital de Batuque Tradicional, com a
misso de dar visibilidade cultura dos povos tradicionais brasileiros. A histria de quem
perdeu, de quem foi dominado, carregada pela cultura popular em suas manifestaes
que revelam uma fria criativa sem limites, explica Tico Magalhes, brincante e idealizador do projeto realizado pelos integrantes do Seu Estrelo e o Fu de Terreiro, ponto de
cultura localizado em Braslia. A organizao, responsvel pela realizao do Festival Braslia de Cultura Popular, resolveu apostar na fora da internet para disseminar os conhecimentos de mestres tocadores e cantadores, que misturam f, encantamento e muita
tcnica em suas manifestaes. O projeto financiado pela Fundao Telefnica Vivo.
Por meio de um mutiro realizado ao longo de seis meses de trabalho, o ponto de
cultura (os pontos de cultura fazem parte de um projeto do Ministrio da Cultura que
agrega agentes culturais que articulam e impulsionam um conjunto de aes culturais e
artsticas em suas comunidades, como consta no site do Ministrio da Cultura) colocou
a escola de p, ou melhor, no ar. Seu endereo virtual, as salas so acessadas por cliques
e as matrias so divididas em vdeo-aulas. Pela playlist do YouTube possvel assistir s
entrevistas gravadas em vdeo com mestres de congada, coco, ijex, tambor de crioula,
bumba-meu-boi e samba pisado, que tiveram, pela primeira vez, seus ensinamentos
passados de gerao em gerao, sistematizados. Muitos dos entrevistados so emigrantes
de outros estados que vieram trabalhar na construo da capital federal, ainda na dcada
de 1950. Ali, construram comunidades que mantm vivas suas tradies, originadas da
mistura das culturas dos negros africanos, dos brancos europeus e dos ndios.
A Escola Digital de Batuque Tradicional se prope a ser uma introduo cultura popular brasileira. A ideia que as pessoas continuem a buscar informaes e sejam estimuladas a irem aos lugares onde as tradies tm suas razes, explica Tico. As vdeo-aulas
foram gravadas em estdio e so divididas em trs partes. Na primeira, o mestre conta a
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histria de sua manifestao, de onde ela surgiu, descreve os seus elementos principais.
Em seguida, os artistas apresentam os instrumentos tpicos do ritmo que dominam e
explicam como toc-los. Por ltimo, o mestre e seu grupo se apresentam para que os
alunos [internautas] possam ter uma breve ideia da dimenso de cada manifestao.
Todo o trabalho, da pesquisa produo, gravao e edio do material, foi realizado pela
prpria equipe de Seu Estrelo e o Fu do Terreiro.
Tico confessa que no foi fcil fazer a seleo dos contedos que compem a primeira
verso da Escola de Batuque. Por isso, uma das razes para escolher apenas seis mestres
foi dar visibilidade aos movimentos trazidos de outros estados, os quais conformaram, na
periferia da capital federal, ncleos de resistncia cultural. Em Braslia, voc pode tomar
caf na Martinha do Coco que vem l de Pernambuco, ir almoar com Seu Teodoro, que
trouxe o boi do Maranho e ir jantar com Seu Eli e Dona Dora, mineiros que trouxeram
a congada para c. Veio muita gente carregando um sonho de uma vida melhor. Braslia
esse encontro, contextualiza. Por isso, Mestre Teodoro, do boi, e Seu Eli, da congada,
esto entre os mestres selecionados.
Alm deles, a equipe do Seu Estrelo levou para o estdio o baiano Gabi Guedes, que
cresceu ao lado da Iyalorix Me Meninha e apresenta o ijex, o ritmo mais tocado nos
terreiros de candombl; o pernambucano Guga Santos, que ensina os elementos que
compem o samba de coco, ritmo criado nas lavouras de coco do nordeste do Brasil; o
maranhense Gilvan do Vale, que relembra as origens do tambor de crioula, utilizado pelos
escravos de seu estado natal para extravasar seus sentimentos de opresso, com o batu-
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que de trs diferentes tambores. Para finalizar, Tico apresenta o samba pisado, um ritmo
criado em Braslia, por ele mesmo, e que j tem pompa de tradio.
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torna ponto de cultura comeou em 2004. Foi nesse ano que Tico, publicitrio pernambucano apaixonado por maracatu, mudou-se para Braslia. Quando cheguei aqui, fiquei encantado com a cidade, com o cu, o pensamento, a diversidade do cerrado. Sempre me seduziu
a forma como este lugar foi construdo, seu processo de desenvolvimento que trouxe para
o meio do Brasil gente de todo canto. Na nova cidade, ele era chamado para rodas de brincadeiras, mas alguma coisa lhe parecia equivocada. Com tanta simbologia impregnada na
construo da capital do Brasil, ele achou que Braslia merecia ter seu prprio mito. Vamos
juntar as histrias da cidade, com o cu, as cachoeiras, os bichos daqui, as trombas-dgua e
fazer um brinquedo para a cidade. Vamos criar um novo ritmo, uma nova histria.
Assim foi feito. Sob o som dos batuques dos tambores apadrinhados por Mestre Salustiano, um dos mais conhecidos mestres de maracatu, tambm l de Recife, os personagens que formam o mito de Seu Estrelo foram nascendo para explicar as origens de
Braslia. Cada um com sua histria, sua dana e sua msica, foram invadindo a roda que
teve de ir se alargando. A cada semana, novas pessoas chegavam casinha da Asa Sul
para ver Seu Estrelo. O grupo de brincantes decidiu que o espao j no comportava o desejo de continuar contagiando. Organizaram-se, estabeleceram contato com artistas de
vrias regies do Brasil e montaram, sem recursos, o primeiro Festival Braslia de Cultura
Popular. Foram mil pessoas presentes no evento.
No ano seguinte, 2005, o governo do Distrito Federal decidiu investir na fora do grupo. E foi ento que o Festival se internacionalizou. Conectou mestres da frica e Amrica
Latina e trouxe para o centro de Braslia mais de 25 mil pessoas. At ento, as tradies
sempre foram ligadas ao passado. Criamos uma tradio que nos impulsiona para o futuro, para a gente seguir inventando, reflete Tico.
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Assim que os recursos chegaram, eles tiveram de correr atrs do conhecimento tcnico, at ento desconhecidos. Colocamos a mo na massa, comeamos a desenvolver
nossa prpria linguagem. A ideia foi nos expor. Aprender, errar e melhorar a forma de comunicar a cultura popular nos meios digitais, afirma Tico. Eles contaram com a ajuda de
integrantes de outros pontos de cultura, que os ensinaram a operar os equipamentos. Ao
todo, 12 pessoas, entre estudantes e artistas, participaram do processo que resultou na
produo de 18 vdeos e do site do projeto. As gravaes, as edies, a pesquisa, a arte e
a produo foram todas feitas pelos integrantes do Seu Estrelo e o Fu do Terreiro.
Como ponto de cultura e com o apoio da Fundao Telefnica Vivo, Seu Estrelo e o Fu
do Terreiro utiliza a tecnologia para ampliar o alcance de sua produo e pesquisas sobre
cultura popular, concretizando o projeto Escola Digital de Batuque Tradicional.
O lanamento do site foi realizado durante o IV Festival Braslia de Cultura Popular, em
24 de novembro de 2012, quando mestres da cultura popular tiveram a chance de se encontrar com ativistas da cultura digital. A inteno do evento foi justamente estimular que
os mestres, geralmente avessos tecnologia, se apropriem das ferramentas de comunicao digital e em rede, para amplificarem o alcance de seus ensinamentos. A Escola Digital
de Batuque Tradicional se exps nesse contexto como um corajoso projeto piloto.@
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Fernanda Martins
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O projeto surgiu para mostrar aos jovens internautas que os clssicos so divertidos e
interessantes. O ambiente virtual capaz de trazer um conjunto de informaes que fazem o leitor imergir na atmosfera do livro, instigando-o a desvendar as tramas e aguar a
prpria percepo. Tudo converge para isso: as imagens, os contedos e os jogos. Nossa
proposta despertar a curiosidade dos jovens sobre as obras e estimular que estudantes
do ensino fundamental e mdio sejam atrados tambm para a leitura dos textos originais, explica Seabra.
O projeto conta com uma equipe multidisciplinar, formada por pesquisadores, designers grficos, jornalistas e desenvolvedores. Toni Brando, escritor infantojuvenil e
roteirista da ltima temporada da srie para TV Stio do Picapau Amarelo, quem assina a adaptao dos clssicos para os games. Para ele, o desafio da experincia criar
narrativas multimdia que convidem o leitor a, cada vez mais, mergulhar, reconstruir,
colaborar e transformar as histrias. Por isso, os roteiros dos jogos so construdos a
partir das tramas e conflitos dos personagens centrais dos romances, mas os desfechos quem define o jogador.
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essa funo. Poder juntar essas duas grandes formas de transformao um privilgio
muito grande para um autor/criador de histrias e entretenimento. Na minha opinio,
os jogos eletrnicos so a mais completa traduo do jovem de hoje em dia: globalizado,
eletrnico, digitalizado. Quando joga, o jovem busca controlar suas angstias, expressar
seus sentimentos, tentando entender e se conectar ao que lhe interessa do mundo sua
volta, buscando a melhor maneira de ultrapassar obstculos e podendo colocar para fora
a dose natural de violncia que todos temos. Estamos diante da melhor porta de acesso
para se comunicar com eles. Faz-los refletir e se divertir ao mesmo tempo. Aposto que
no preciso desligar o crebro para se divertir e no preciso engessar os contedos
apenas nos formatos tradicionais para que eles tenham validade. Poder embalar
eletronicamente alguns dos maravilhosos clssicos da literatura brasileira para que eles
cheguem ao universo pop-eletrnico dos jovens, sem que percam suas qualidades de
reflexo e de discusso de linguagem, a melhor experincia pela qual um autor com o
meu temperamento pode passar.
Qual foi a experincia mais interessante desse processo?
Para mim, o mais legal, o maior desafio na hora de desenvolver um jogo, foi tentar
desconstruir a narrativa, mantendo as tramas, as peculiaridades dos personagens e do
universo onde eles esto contidos. Humildemente, tentei me espelhar no grande contador
de histrias Guimares Rosa, que com a sua prosa vertiginosa tira o nosso flego, tira o
cho dos nossos ps e desconstri tudo o que sabamos como narrativa, frases, forma
de usar as palavras... A, depois, quando achamos que estamos totalmente perdidos pela
maneira como ele constri e conta suas histrias, o Rosa nos socorre sensorialmente e
afetivamente, fazendo a sua mensagem chegar exatamente aonde ele queria e ampliar
os nossos horizontes de alguma maneira. Respeitando-se as devidas propores, a
experincia de criar um jogo eletrnico a partir de um clssico o desafio de tentar fazer
isso acontecer tambm. Desconstruir, mas no abandonar, e sim acolher e juntar as
pontas de uma outra forma.
Ao explorar as novas possibilidades de narrativa, possvel manter a mesma magia
da histria inicial?
Veja, nos nossos jogos, alm de termos a interatividade e o entretenimento flor da pele,
o livro, o texto original do autor, vai aparecendo ao longo da brincadeira e sendo oferecido
para que o jogador se aproprie dele tambm. Alm disso, antes, durante ou depois de jogar,
o jogador poder mergulhar no universo, no tempo e no espao do livro e do autor, com
hipertextos que ajudam a contextualizar o projeto. E, alm disso, ainda h uma verso integral
do romance, editada eletronicamente como um aplicativo, que poder ser lida a qualquer
momento. Agora, as possibilidades de alcance dessa magia so imponderveis. Estamos
tentando ampli-la, mas o nosso leitor/jogador quem ir dizer.
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Voc acredita que transformar um livro clssico em game faz com que aumente o
interesse do jovem pela leitura tradicional?
Tenho certeza que sim e toro para que eu esteja certo. Sabe por qu? Porque as tramas,
a maneira de contar as histrias, o desenho dos personagens, no caso dos clssicos que
escolhemos, muito rico. uma pena os jovens receberem esses livros como se fossem
um remdio ruim que tivessem que tomar para entrar na faculdade. As histrias, por si s,
faro o papel de encantar; essa apenas mais uma das possibilidades de transformao
que a literatura proporciona.
Como voc visualiza o futuro da literatura, com tantas novas possibilidades de
narrativas e plataformas?
Eu acho que, cada vez mais, o leitor ser convidado a mergulhar na histria, reconstru-la,
colaborar com ela, transform-la a partir do que ele acredita como melhor. Na verdade, esse
mergulho sempre existiu. Ningum sai de um livro da mesma maneira como entrou. As
plataformas e telas vo ajudar a intensificar isso para essa gerao embalada digitalmente
pelo cristal lquido.@
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Parte II
Ensaios: Arte e Tecnologia,
Cultura e Educao
Marcia Padilha e Lia Rangel tecem ensaios sobre o uso
das Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC)
na educao. As autoras falam das competncias do
sculo 21 e das aprendizagens TIC, elencando as mais
importantes a partir de estudos recentes da rea.
Em seguida, baseando-se na anlise de projetos de
Cultura Digital e Educao, realizados com o apoio
da Fundao Telefnica Vivo em 2012, destacam
caractersticas prticas fortemente relacionadas a
tais competncias e aprendizagens.
Sobre as autoras
Marcia Padilha
Mestre em histria social pela Universidade de So Paulo (USP). pesquisadora, gestora e consultora de projetos de educao e Tecnologias de Informao e Comunicao
(TIC). Trabalhou com a temtica da juventude e seu pertencimento escola. H 15 anos
se dedica a programas de integrao das TIC em projetos desenvolvidos junto a ONGs,
fundaes empresariais, secretarias de educao e na cooperao internacional na Amrica Latina, implementando projetos de fomento ao uso pedaggico de tecnologias e mdias, formao docente, portais educativos, cursos a distncia e materiais multimdia.
autora e coautora de diversas pesquisas, estudos e artigos sobre juventude, avaliao,
inovao e uso educativo de tecnologias na escola. E-mail: [email protected]
Lia Rangel
jornalista, produtora cultural e gestora. Corresponsvel pela estruturao da Casa da
Cultura Digital em So Paulo e Santos. Scia-diretora da FLi Produes Culturais, produtora responsvel pela organizao de projetos, como o Festival Internacional Culturadigital.br e o Produo Cultural no Brasil. Em 2012, coordenou o trabalho de acompanhamento da gesto e comunicao dos projetos apoiados pela Fundao Telefnica Vivo
no edital de Arte e Tecnologia que resultou no site www.educacaoeculturadigital.com.br.
Trabalhou na Fundao Padre Anchieta coordenando projetos de convergncia de mdia na TV e na Rdio Cultura (AM e FM), entre os quais transmisses participativas do
programa Roda Viva, coberturas colaborativas das eleies municipais 2008 e da Virada
Cultural. Participou do projeto de reformulao editorial da Radiobrs, atual EBC, quando
coordenou a criao da TV Brasil/Canal Integracin, emissora de televiso internacional
distribuda para mais de 20 pases. Foi assessora de comunicao do Frum Social Mundial e trabalhou como jornalista para diversos jornais e revistas, dentre eles O Estado de
S. Paulo, Revista Educao e Carta Capital. E-mail: [email protected]
Reflexes iniciais
Com o objetivo de apoiar projetos de cultura digital que apresentassem contrapartidas
educativas para promover o acesso e o protagonismo sociocultural do pblico infantil,
adolescente e jovem, a Fundao Telefnica Vivo financiou nove projetos em 2012, previamente reportados no captulo 1 desta publicao.
Os projetos transcorreram com bastante sucesso na maioria dos casos, tendo alcanado seus objetivos e produzido resultados motivadores. Acompanhados de perto pela
Fundao Telefnica Vivo que, ao observar o potencial educativo de tais aes, buscou
compreender quais suas contribuies para a educao formal no mbito do uso das
Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC), voltadas para as aprendizagens do sculo 21. Assim surgiu a demanda desses projetos.
A maioria dos estudos sobre as relaes entre TIC e Educao configura uma proposta
prescritiva sobre como usar tecnologias na educao, e outra grande parte se limita a
descrever os usos de tecnologias em curso na educao (BRUN, 2011). No entanto, a
ampliao cada vez mais veloz do acesso microinformtica e internet protagonizada
pelos smartphones, tablets, consoles de games e cmeras digitais , exige uma reflexo
sobre suas consequncias e potencialidades quanto transformao na forma de se produzir e acessar conhecimento.
No caso deste estudo, buscamos identificar as aprendizagens presentes nos projetos
analisados e destacar aquelas identificadas como necessrias ou desejveis na bibliografia existente sobre competncias do sculo 21*, ressaltando o potencial dos projetos de
educao informal em promover as aprendizagens presumidas em tal bibliografia.
A avalanche de estudos e estandares a respeito das competncias do sculo XXI em
todo o mundo, principalmente em iniciativas internacionais, demonstra o anseio em
transformar tais prescries em parmetros a serem includos em prticas educativas
de qualidade. Eles revelam uma noo amplamente disseminada de que a educao tem
sido pouco permevel aos novos modos de produzir, distribuir e consumir informao e
conhecimento e, por consequncia, estaria em descompasso com os demais campos da
vida em sociedade, em especial o mundo do trabalho, mas tambm da cultura, do lazer,
da cidadania e outros.
Os debates sobre o uso das TIC na educao tm-se vinculado a essa temtica sob
dois pontos: as competncias TIC integram 1) as competncias do sculo 21 e devem ser
desenvolvidas na escola formal como parte do contedo curricular. 2) As competncias
TIC so instrumentos operativos e mentais para novas maneiras de conhecer, pesquisar,
* No h um consenso sobre quais as competncias do sculo 21. Entre vrias iniciativas e estudos internacionais
consagrados - OECD, Unesco, Partnership for the 21st Century Education, CEDEFOP: Comisin Europea
de Habilidad - a Fundao Telefnica definiu seu prprio quadro de competncias do sculo XXI, a saber: 1.
Competencias de aprendizaje e innovacin; 2. Habilidades para la vida personal y profesional e 3. Competencia
en manejo de informacin, medios y tecnologas de la informacin y la comunicacin (TIC). Este estudo dialoga
com tais definies, procurando diversificar e ampliar especificamente a noo de competncia TIC.
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produzir relaes e conhecimento. Neste segundo caso, elas dizem respeito a aspectos
epistemolgicos e integram os debates sobre metodologias de ensino, didticas e processos de aprendizagem propriamente ditos.
Como se pode depreender desse prembulo, o tema amplo, cheio de vertentes e vem
suscitando mais inquietaes do que consensos. Junta-se a isso o fato de que, por muitos anos, as polticas pblicas de uso das TIC na educao estiveram focadas na proviso
de acesso a essas tecnologias, como parte de polticas de incluso digital, necessrias e
legitimadas no contexto latino-americano (SUNKEL et al., 2011). No entanto, seu legado
foi uma ateno excessiva ao equipamento e aos procedimentos operacionais, tornando
recentes as polticas e os programas focados na qualificao do uso das tecnologias para
a superao da chamada segunda brecha digital, ou seja, as desigualdades sociais, culturais e econmicas geradas em funo do maior ou menor domnio de competncias e
habilidades relacionadas ao uso de tecnologias (SUNKEL, 2010).
Em termos bastante objetivos as perguntas que se colocam so: o que estamos fazendo com as mquinas que alocamos nas escolas? Quando e como elas tm sido utilizadas?
Quanto do potencial educativo que se antev no uso de tecnologias tem se concretizado
nas escolas que possuem equipamentos, acesso internet e docentes j familiarizados
com os aparatos digitais, ao menos para seu uso pessoal? Como a escola tem promovido
usos criativos e inovadores das tecnologias visando o empoderamento de seus alunos
para atuarem criticamente no contexto social por elas enriquecido?
Finalmente, uma cobrana ainda maior aos sistemas de educao se coloca quando
somos surpreendidos pelo grande diferencial nos usos de tecnologias por parte de jovens
vinculados a grupos da chamada cultura digital, na qual as prerrogativas de cdigo aberto, coautoria, remix e colaborao preponderam.
A observao desses nove projetos sob a tica da educao considerou os aspectos
inerentes a esse universo da cultura digital e o potencial educativo e formativo presente
na concepo de todos eles. O acompanhamento de cada projeto se deu por meio de uma
parceria entre a respectiva equipe de gestores e o Instituto de Pesquisa, Fomento e Difuso, instituio integrante da Casa da Cultura Digital, contratada pela Fundao Telefnica
Vivo para acompanhar, sistematizar e apoiar as aes dos projetos selecionados.
Por meio de entrevistas, trocas de e-mails, conversas e reunies por telefone e vdeo
via internet, alm de visitas s sedes de cada projeto, pudemos acompanhar de perto o
processo de execuo das diferentes aes. Para dar visibilidade ao que cada organizao
desenvolveu ao longo de 2012.
As consideraes que elaboramos buscaram valorizar o potencial educativo de projetos que esto na interseo entre cultura e educao, entre arte e tecnologia. O pano de
fundo do estudo foi o convite realizado pela Fundao Telefnica Vivo para que se investigassem as contribuies desses projetos para inovaes na rea da educao, com foco
no desenvolvimento das competncias do sculo 21.
A observao dos projetos, enriquecida pelo dilogo com seus gestores e usurios, e
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cotejada com a literatura sobre as competncias do sculo 21, trouxe tona trs situaes distintas 1) novas possibilidades de promover competncias no to novas, como
pensamento crtico e criatividade; 2) velhas competncias que sofrem grande transmutao no contexto digital, sendo necessrio revisitar nossa compreenso sobre elas (ilustram essa situao, por exemplo, casos de colaborao, coautoria e pesquisa); 3) competncias realmente inditas, por exemplo, visual literacy (letramento visual, ou seja,
como as pessoas interpretam e se comunicam por meio das imagens presentes em fotos, vdeos e interfaces) e narrativas transmiditicas (histrias que, para serem contadas
ou vivenciadas, mesclam textos escritos, fotos, vdeos, possibilidades de interao).
A complexidade desse cenrio tem tornado bastante polmica a definio de um campo de novas aprendizagens tpicas da era da informao e apontado a necessidade de
cautela em relao a discursos muito entusiastas ou generalistas. No entanto, isso no
invalida o potencial que algumas dessas prticas apresentam para o mundo da educao, como intensificadoras de uma educao transformadora e relevante no contexto
contemporneo, modificado pelas aplicaes sociais de mdias e tecnologias.
Com essa preocupao se estabeleceram perguntas que guiaram o acompanhamento
e as consideraes sobre tais projetos:
1. Quais as aprendizagens subjacentes a cada projeto?
2. Elas favorecem o desenvolvimento de habilidades necessrias para um uso qualificado de
tecnologias?
3. Elas favorecem as competncias necessrias para o desenvolvimento pessoal, social e
econmico na sociedade contempornea?
4. Como as TIC fazem a diferena na vida dessas pessoas em termos educativos?
De fato, os projetos acompanhados apontaram potenciais da interseo entre o mundo hacker e o mundo escolar, entre as redes descentralizadas da web e as redes centralizadas de ensino, entre a cultura e a educao, entre a arte e o conhecimento, entre as
possibilidades de educao no espao urbano e no ciberespao cidado. Por outro lado,
identificamos que ainda prevalece um conhecimento bastante embrionrio do potencial
e da fora das redes interconectadas para se comunicar e gerar dilogos qualificados.
Os projetos, em sua maioria, superaram os objetivos propostos, e mostraram excelentes resultados no desenvolvimento de aes que envolviam formao para diversos
temas e no manejo das tecnologias exploradas sem a necessidade de conexo internet
(celulares, cmeras, softwares etc.). Entretanto, o alcance de grande parte dos projetos
foi local, embora todos tivessem site e canais nas redes sociais. Ressalta-se, dessa forma, que a ampliao ao acesso das TIC apresenta um novo desafio s competncias do
sculo 21. No basta produzir informao e conhecimento, preciso se fazer ouvir e ler,
j que hoje temos uma dadosfera com mais de 53 bilhes de pginas indexadas pelo
Google (dados de 2012). A cada ms o volume de informaes armazenados pela Way-
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As competncias do sculo 21
e as aprendizagens TIC
A sociedade contempornea exige de seus cidados competncias
e aprendizagens diversas para uma participao e interao plena.
Quatro macrogrupos de competncias, diretamente relacionados
ao uso de tecnologias e mdias digitais, podem ser identificados:
pesquisa, colaborao, autoria e crtica.
Quais as aprendizagens exigidas para a participao ativa e criativa em prticas interativas, de colaborao, cocriao e autoria e como tais aprendizagens podem ser incorporadas educao formal o que temos nos perguntado.
Nos tempos atuais, para alm da realidade escolar, em quase todos os mbitos da
vida ao menos no contexto urbano as atividades realizadas pelos homens vm se
modificando amplamente com as possibilidades abertas pelos recursos computacionais e de telecomunicaes em quase todos os campos de atuao humana. Assim,
tomamos conhecimento de uma quantidade cada vez maior de realidades totalmente
transformadas por usos interativos e criativos de recursos digitais de informao e comunicao.
A partir dessa constatao, diversas iniciativas de governos, universidades e entidades de cooperao, em geral de carter internacional e interinstitucional, tm surgido
com o propsito de identificar quais as aprendizagens necessrias para uma vida ativa
nesse novo contexto altamente enriquecido pelas tecnologias. Em seu conjunto, as proposies de competncias para o sculo 21 circunscrevem desde habilidades de letramento digital e tecnolgico, at habilidades de aprendizagem e pensamento, e mesmo
habilidades para a vida, como a convivncia em contextos multiculturais (DEDE, 2009).
A maioria delas est bastante enfocada nas necessidades de um novo mundo de trabalho; outras englobam aspectos da cidadania e uma minoria absorve tambm aspectos de
esttica, jogos intelectuais, imaginao, o prazer e a admirao proporcionados por uma
rea de conhecimento (ROSE, 2009).
Economistas, socilogos, comuniclogos, educadores, pedagogos, antroplogos,
psiclogos, vm se debruando sobre o tema, cujo reflexo se v na extensa bibliografia, alm de seminrios e colquios, a respeito das relaes entre a educao e as
tecnologias.
Para este estudo identificamos, entre diferentes proposies sobre as competncias
para o sculo 21, apenas aquelas diretamente relacionadas ao uso de tecnologias e mdias
digitais e as recategorizamos em quatro macrogrupos, de acordo com o tipo de atividade:
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pesquisa, colaborao, autoria, crtica*. fundamental notar a maneira como tais atividades so transmutadas quando passam do contexto analgico ao digital, tornando-se mais complexas, uma vez que pressupem a aprendizagem de tarefas delegadas s
mquinas e de outras que necessitam da inteligncia humana interpretativa, ambas impactadas pelo contexto digital. Ou seja, trata-se de pensar e atuar sobre e no contexto digital. Em nosso entender, deriva da a complexidade e, em alguns casos, a fluidez dessas
definies de competncias.
Pesquisa
Na maioria dos casos, as aprendizagens mais frequentes em relao pesquisa referem-se fluncia informacional e ao uso da informao, associando pesquisa e investigao:
Transmedia navigation: capacidade de acompanhar uma narrativa ou o fluxo de informaes em vrias modalidades de mdias.
Entender como maximizar funes cognitivas usando uma variedade de ferramentas e tcnicas.
Interagir de maneira significativa com ferramentas que expandem ou auxiliam nossas capa-
* Para a elaborao desses grupos utilizamos as proposies elencadas nos documentos: CLARO et
al., 2010; ISTE, 2007; Unesco, 2002; OCDE, 2005; Davies et al., 2011; JENKINS et al., 2006, CSPEDES e
MONGE, s/d; DEDE, 2009. Nem sempre elas aparecem neste estudo como nos documentos originais, pois
se trata de um amlgama criado a partir deles.
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cidades mentais.
Colaborao
De acordo com os documentos pesquisados, nota-se um campo relativamente amplo
de atividades que exigem competncias de troca, comunicao e colaborao. Embora
possam ser distintas entre si, as atividades acabam se mesclando nos meios digitais. Ao
privilegiar o termo colaborao para englobar os demais, pretendemos ressaltar que essa
uma das competncias mais valorizadas, tanto do ponto de vista do trabalho quanto da
aprendizagem e da cidadania:
Capacidade de acessar pessoas em rede para buscar, tratar, sintetizar e disseminar informao (networking).
Autoria
Com a predominncia das atividades interativas, quase todos somos autores nos ambientes virtuais. Essa autoria abrange desde uma simples publicao textual de 140 caracteres em redes sociais, at a elaborao de verbetes para enciclopdias. Mas tambm
passa pela publicao de fotografias, vdeos, peas multimdia. E envolve, ainda, a remixagem e a autoria coletiva, ou coautoria, que rene textos, imagens e cdigos de programao. Fato que as formas de expresso ficam democratizadas todos somos autores,
editores, curadores , havendo um convite aberto produo multimdia pela facilidade
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Uso responsvel das TIC, considerando aspectos humanos, culturais, sociais, ticos e legais do uso de tecnologia.
Algumas proposies mais sensveis s possibilidades abertas para a expresso apontam para:
Cocriao, que implica em elaboraes coletivas em contexto de comunidades de militncias especficas, ou coautorias textuais e miditicas.
Crtica
Em muitos casos, encontramos a crtica e a reflexo sobre os meios digitais tanto
em seus aspectos tcnicos quanto sociais , como uma competncia do sculo 21. Ora
integram as competncias em um sentido geral, ora aparecem como subcompetncias
das competncias digitais ou associadas ideia de letramento digital. Assim, valoriza-se
no apenas a competncia operacional, mas tambm o amadurecimento da relao com
as TIC, uma viso reflexiva sobre seus usos sociais.
Compreenso do impacto das TIC na organizao social contempornea, com identificao e julgamentos a respeito de suas implicaes econmicas, socioculturais e ticas.
Compreenso dos interesses subjacentes aos diversos usos dos produtos tecnolgicos.
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o, autoria e crtica apresenta fragilidades, pois evidente que algumas das aprendizagens se enquadrariam em mais de um dos quatro grupos apresentados ou poderiam
configurar um quinto ou sexto grupo de atividades. No entanto, esse agrupamento tem
o propsito de provocar algumas reflexes sobre as TIC, que deveriam ser seriamente
consideradas na rea da educao. Primeiro, procura destacar o quo fluidas so essas
aprendizagens e, portanto, a necessidade de elaborao de propostas educativas nas
quais elas estejam articuladas. Segundo, busca chamar ateno para o fato de que o
contexto digital realmente tem o potencial de transformar a natureza dessas quatro atividades em relao ao seu entendimento no contexto analgico, destacando que preciso rever os sentidos das atividades de pesquisa, de colaborao, de expresso e de crtica.
Terceiro, repensa o uso j to banalizado do termo incluso digital, tentando revesti-lo
de um sentido mais qualitativo do que o simples acesso tecnologia e focando no tipo e
na qualidade de apropriao que se faz dela.
Vale lembrar que esse reagrupamento foi inspirado, em grande medida, nas prticas
e pressupostos de uso de tecnologia subjacentes aos nove projetos acompanhados, os
quais possuem a devida apropriao dessas tecnologias e, consequentemente, a liberdade de reinvent-las a partir dos prprios objetivos e aspiraes. Em sua maioria, so projetos orientados pelos princpios de uso livre, aberto e compartilhado de dados e informaes, tambm pelos princpios da colaborao e da coautoria e pela incorporao da
arte e da sensibilidade como modos de apreenso e expresso da realidade. O conjunto
dos projetos foi, de fato, provocador, desestabilizador, e exigiu uma leitura mais fluida dos
documentos sobre competncias do sculo 21, demandando uma interpretao com riscos de impreciso, por um lado, mas que ganha ao apontar possibilidades de releitura e
ressignificao dessas aprendizagens.
Com o propsito de localizar contribuies desses projetos ao desenvolvimento de
competncias do sculo 21, fizemos, at aqui, um levantamento genrico dessas competncias e subcompetncias e, das aprendizagens a elas vinculadas.
Naturalmente, as propostas no campo da arte e tecnologia privilegiaram as aprendizagens relacionadas expresso, troca e crtica da tecnologia que, nesses casos, era uma
reflexo sobre a prpria linguagem artstica.
A anlise dos nove projetos seria exaustiva e superaria em muito o escopo deste estudo. Assim, optamos por elaborar tpicos, pequenos ensaios, a partir dos projetos cujo
debate com a educao foram mais evidentes como no caso dos que envolveram o
audiovisual infantil ou mais provocadores, inquietantes como no caso das tecnologias
mveis e que nos incitaram reflexes vrias sobre como suas prticas podem agregar
qualidade ao uso educacional das TIC. Acreditamos que os demais projetos abririam debates da maior relevncia, porm no os abordaremos neste estudo.@
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Incluso digital:
gambiarra e apropriao
A apropriao das tecnologias envolve um contato alm do simples
uso ferramental, de forma que se incorporem s necessidades de
cada comunidade, suscitando experimentaes. Destacam-se
nesses pontos os projetos Labmovel, Oca Digital, Memrias do
Futuro, Telinha na Escola e Gris na Escola.
Mas aqui a resposta clara: um Labmovel, um dispositivo que leva tecnologia para
sua apropriao e reso por indivduos comuns. Geringonas foram construdas a partir
da desmitificao do uso da tecnologia e, desse modo, as pessoas aprendiam a desconstruir um aparelho para reconstru-lo, dando-lhe outro significado. Algo como faa voc
mesmo. Essas oficinas trabalharam o tempo todo com experimentao, invenes, formao e arte, proporcionando experincias de formao inusitadas e nada convencionais a diversos pblicos. Em So Bernardo, municpio da grande So Paulo, e no bairro
Monte Azul, tambm na cidade de So Paulo, foram realizados grafites digitais. Em vez
de tinta, softwares, joesticks, projetores de luz. Em outra oficina, a ideia era criar um dispositivo para possibilitar que mensagens enviadas via SMS fossem reproduzidas por um
megafone. No caso das oficinas de Eletrnica Criativa e Produo Sonora, nas palavras do
artista idealizador, Cristiano Rosa, o objetivo foi gerar uma experincia de leitura dos objetos eletroeletrnicos, mostrando seus componentes a pessoas que nunca viram uma
solda. Nesse caso, ao construir caixas de som de papelo o projeto revela os bastidores
da tecnologia e desfaz o fetiche do objeto por meio da apropriao da tcnica.
O conjunto das oficinas do Labmovel rene elementos fundamentais para uma efetiva
incluso digital, uma vez que possibilita a apropriao das tecnologias em seu aspecto
operacional, de atribuio de valor de uso e tambm de subverso dos usos dos objetos (hardwares e softwares). Embora pouqussimo convencional e em escala reduzida, o
projeto deixa importantes lies e uma reflexo profunda sobre a concepo de incluso
digital e apropriao de tecnologias que sustentam os desenhos de formao para uso
das TIC, normalmente propostos pelos sistemas educativos, e sobre as prticas de vivncia e experimentao com TIC que vm sendo oferecidas aos jovens na educao formal.
Desmitifica a noo de que o conhecimento dito tcnico de um engenheiro eletrnico ou de um programador deve estar restrito a especialistas (e indstria). Conhecer
o que est dentro das caixas-pretas das mquinas e saber como manejar cada pea (ou
pelo menos conhecer sua lgica de funcionamento) tanto de um fusvel ou uma placa
de som quanto de uma linha de cdigo , mais simples e possvel do que se imagina.
A experincia do Labmovel nos traz algumas reflexes sobre a necessidade e a importncia de mudarmos nossa relao com esse tipo de conhecimento e de fazer com que
ele se torne acessvel a diferentes pblicos, de diversas idades. Nos revela que o estudo
das cincias fsicas (nas oficinas realizadas explorou-se ptica, mecnica, cintica, eltrica, eletrnica etc.), principalmente, poderia ser ensinado de forma muito mais interdisciplinar e calcado em experincias reais, no apenas em clculos e frmulas.
A aplicao desse conhecimento pode transformar alguns elementos, como destacamos a seguir.
Criatividade: ao saber construir mquinas e geringonas amplia-se o potencial de inventar novas linguagens e formatos de suportes, bem como a forma de se produzir/trocar
informao e conhecimento. Aumenta-se o potencial de inovao (por exemplo, o Nar-
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rative Navigation). Por que s a indstria pode inventar mquinas e aparelhos? Hoje, os
componentes necessrios podem estar em nossas mos e com baixo custo. O que falta
o conhecimento de como oper-los, e quanto a isso as crescentes comunidades de artistas, inventores e programadores tm se ajudado cada vez mais.
Lixo eletrnico: com o avano veloz da criao de novas tecnologias, um item considerado atual torna-se obsoleto rapidamente. No entanto, isso no quer dizer que suas peas
e seu sistema no funcionem mais. Descartamos todos os dias metros de fios (de fibra
ptica), quilos de componentes, por no sabermos reaproveit-los. E se as escolas oferecessem oficinas de reciclagem? Quanto conhecimento no poderia ser compartilhado e
quantas novas invenes descobertas?
Quanto percepo do valor das tecnologias como fator para a incluso digital, muitos
projetos valorizam o uso das TIC para a transformao social da realidade, como bastante evidente nos projetos Oca Digital, Memrias do Futuro, Telinha na Escola e Gris
na Escola. Esses projetos tm em comum a formao de crianas e jovens para a produo de filmes e fotografias por meio de celulares e cmeras fotogrficas de baixo custo.
Observa-se que os participantes do projeto, de diferentes idades, sentem-se totalmente
valorizados ao assumirem-se como produtores audiovisuais. Empoderados das tcnicas de produo, captao e edio, eles passam a ser peas-chaves no movimento de
valorizao e resgate das tradies, restaurando vnculos culturais entre geraes. A tecnologia associa-se diretamente ao ganho de capital social e cultural o que, nesses casos,
um fator mobilizador para a aprendizagem e o uso dos recursos digitais. No ser outro
o sentido do texto estampado em um cartaz afirmando: Existe Oca Digital sempre que
se estabelece um crculo para estabelecer saberes diversos com o apoio das tecnologias,
servindo ao processo de fortalecimento das comunidades indgenas.
O Labmovel d um passo adiante. Ao realizar oficinas e programas de residncias artsticas que estimulam a (des)construo da tecnologia e o aprendizado da linguagem de
programao, no apenas ensina o uso ferramental de algum aparato ou de um software,
mas tambm amplia as possibilidades criativas de uma produo (e no simplesmente
a reproduo sem crtica). Em outras palavras, faz-se valer a importncia do movimento
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que o terico das mdias Douglas Rushkoff (2012) vem defendendo por meio da publicao de livros, artigos e vdeos na internet: Programe ou seja programado. Quando os
primeiros humanos adquiriram a linguagem, ns aprendemos no s a ouvir, mas a falar.
Quando dominamos a escrita, ns aprendemos no apenas a ler, mas a escrever. E medida que nos movemos progressivamente em direo a uma realidade digital, devemos
aprender no s como usar os programas, mas como faz-los.
A experincia do Narrative Navigation, ainda que no tenha avanado para alm de
um prottipo, indica que a mistura dos conhecimentos sobre narrativas, programao e a
(des)construo de hardwares, amplia as possibilidades de inveno de novas linguagens
e formatos ao explorar interaes inusitadas entre narrativa e tecnologia.@
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As crianas deste sculo, assim que nascem, j so expostas ao hipntico efeito que
as telas exercem sobre qualquer ser humano*. As grandes telas de LED, com sua altssima resoluo, ou as pequenas e sedutoras telas touchscreen dos smartphones e tablets,
esto cada vez mais presentes em nossas vidas. Invadem a privacidade dos lares e capturam a ateno em espaos pblicos, como bares, nibus e at mesmo em um elevador.
Esto presentes nas escolas, nas salas de aula, nas salas de espera, nos txis. O tempo
todo estamos expostos intermediao das imagens em movimento.
Com o avano da internet, o crescimento dos canais por assinatura e o surgimento da
TV Digital, vivenciamos um novo fenmeno: a possibilidade de interao e comunicao
em rede por meio desses aparatos. As telas de computador, celulares, tablets ou televiso so suportes para dois tipos de atrao, principalmente:
a exibio de produes audiovisuais (filmes, animaes, noticirios, sries, anncios publicitrios) a partir de uma programao linear organizada por emissoras de TV aberta ou
paga, ou de uma programao sob demanda, organizada pelo prprio usurio via internet
(YouTube, por exemplo) ou via TV a cabo;
Somando esses fatores a quase onipresena das telas na vida, a infinita diversidade de opes de programao, a possibilidade de interao em rede ao avano da
qualidade das imagens e das tcnicas cada vez mais impressionantes de produo, em
especial das animaes, as telas vm assumindo um lugar bastante controverso na
* Conforme pesquisa Geraes Interativas crianas e adolescentes diante das telas, lanada em
2012 pela Escola do Futuro USP e Fundao Telefnica Vivo, a simultaneidade no uso de diferentes
telas tambm fica evidente quando se observa, por exemplo, que 18,2% dos entrevistados declararam
assistir TV e navegar na Internet, ao mesmo tempo. A mobilidade do celular contribui, tambm, para a
concentrao da convergncia de mdias e de tecnologias digitais nestes dispositivos. Mais contundente
ainda: 34,5% dos representantes da gerao interativa brasileira na faixa dos 10 aos 18 anos de idade
informaram que jamais desligam seus aparelhos.
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vida das crianas. Elas so, muitas vezes, a substituio do quintal (HORTLIO, 2012),
ou seja, no contraturno das escolas, crianas e jovens em especial os que vivem nas
grandes cidades, e que tm pais trabalhando fora , vivendo em casas cada vez menores e sem espao pblico seguro para brincar, passam horas e horas diante das telas. Por outro lado, desenvolvem habilidades valiosas, como a capacidade de processar muitas informaes simultaneamente. Uma pesquisa realizada pela Eurodata TV
Worlwide (2012), revela que as crianas brasileiras assistem televiso em mdia 3,31
horas por dia (mais do que as crianas norte-americanas). Alm disso, segundo um
levantamento da consultoria americana PricewaterhouseCoopers (2012), o setor de
games no Brasil o quarto maior mercado no mundo, tendo faturado 840 milhes de
reais em 2011, e podendo atingir 4 bilhes de reais em 2016, um crescimento de 7,1%
por ano, em mdia. Hoje, um em cada cinco brasileiros (ou 45,2 milhes de pessoas),
de acordo com o Ibope (2012), so jogadores assduos ou eventuais.
Nesse contexto, destacamos a importncia de dois dos projetos apoiados pela Fundao Telefnica Vivo: Filmes que Voam, um site de distribuio gratuita para multiplataformas de filmes infantis brasileiros, e o Brazilian International Game Festival (BIG
Festival), o primeiro festival de games independentes realizado no Brasil. Ambas as
iniciativas trazem tona a discusso em torno das questes sobre o audiovisual, o videogame e a infncia. Alm disso, evidenciam outro fator bastante relevante: embora
o consumo de audiovisual por crianas (filmes e games) seja crescente e determinante
na conformao de novos mercados, na formao cultural da sociedade contempornea e na transformao dos processos de aprendizagens, praticamente no h polticas
pblicas e programas de incentivo produo brasileira de games ou filmes dedicados
ao pblico infantil.
Seguimos nos debruando sobre o recorte que nos interessa nesta discusso: quais as
consequncias dessa realidade para os processos educacionais dentro e fora da escola?
No h respostas definitivas. Compartilhamos a seguir algumas reflexes, que so resultado da observao dos dois projetos citados.
Audiovisual e escola
Embora h muito tempo iniciativas de organizaes no governamentais, universidades e esparsas polticas pblicas venham promovendo o uso de filmes em contexto educativo formal e no formal, sabe-se que este um potencial subaproveitado em termos
de inovao educativa.
Ao absorver recursos cibernticos, o projeto Filmes que Voam atualiza o debate sobre
a incluso do audiovisual na educao. Ele nos fora a refletir sobre as fronteiras entre
educao e cultura, inclusive ampliando a ideia de cidade educadora e de educao para
alm dos muros da escola, uma vez que o ciberespao passa a fazer parte desses espaos
ampliados, com tudo o que isso poder implicar se devidamente explorado.
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Ser, ainda, possvel pensar uma conexo entre educao, audiovisual e cultura sem
considerar as mudanas de paradigma que a cultura digital incorpora em aspectos como
produo, distribuio, direitos autorais, reutilizao e consumo de bens culturais?
(PRETTO et al., 2012) Algumas das atividades do projeto Filmes que Voam umas mais
timidamente, outras de modo bastante avanado apontam para a urgncia de que tais
problemticas sejam enfrentadas na rea da educao.
Do ponto de vista da educao, o primeiro aspecto a considerar a necessidade de
que jovens e crianas se apropriem de uma linguagem amplamente disseminada. Para
um pas onde crianas passam muitas horas dirias consumindo produes audiovisuais na TV ou na internet, tal apropriao reveste-se da maior importncia, uma vez que
temos delegado programao televisiva um papel fundamental na formao cultural,
tica e de lazer dessas novas geraes. Seria desejvel que referido pblico fosse formado para uma viso crtica da mdia.
Nesse sentido, Filmes que Voam representa uma importante contribuio simplesmente ao oferecer um repertrio de filmes nacionais que permitem ao pblico brasileiro
identificar-se com os personagens e com a cultura retratada, vivenciar dramas e narrativas que lhe so familiares e capazes de despertar uma experincia cultural, reflexiva e
esttica prprias de sua realidade. No bastando isso, tais filmes apresentam uma diversidade de olhares, contextos e linguagens que no so encontrados na TV aberta ou por
assinatura, as quais restringem sua programao a animaes e sries, principalmente
produzidas fora do Brasil e em alguns poucos pases, como EUA, Japo e China.
No que se refere s aprendizagens do sculo 21, o projeto promove, em especial, aquelas relacionadas competncia miditica e crtica. Mas tambm abre espao para a expresso por meio do Canal Nota 10, destinado exibio das produes de jovens de at
18 anos. A proposta surgiu a partir da percepo de que, a cada ano, a Mostra de Cinema Infantil de Florianpolis recebe mais inscries de filmes produzidos por estudantes
de ensino fundamental e mdio. Por isso, em 2012, o projeto lanou o Canal Nota 10.
O prximo passo realizar parcerias com escolas para estimular que os educadores incentivem seus alunos a produzir filmes vinculados a uma proposta pedaggica. Os jovens
produtores tero seus filmes exibidos na mostra e distribudos pelo Canal Nota 10 em
multiplataformas para tanto, tambm recebero remunerao pela liberao dos direitos de exibio das produes.
Finalmente, Filmes que Voam rene uma srie de articulaes que ampliam seu alcance, como a parceria com a Mostra de Cinema Infantil de Florianpolis, uma parceria com
os gestores dos 177 municpios e com os autores dos filmes para a liberao dos direitos
autorais. Desse modo, alm de seus resultados objetivos, o projeto representa uma provocao, um chamado para que polticas de cultura, educao e comunicao promovam
experincias perenes e consistentes de formao de pblico e de ampliao do espao
educativo para o ciberespao, seja como espao de distribuio, produo e expresso,
seja como espao de articulao entre essas esferas.
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Outra informao defendida por todos: jogos chatos no tm vez. Aqueles que apontam para certo didatismo explcito so logo descartados pelo usurio por se afastarem
das estruturas mais sofisticadas de games, as preferidas do pblico gamer (uma vez que
o enredo, as tramas e os desafios evoluem por um caminho cada vez mais instigante). Os
games selecionados para a exposio competitiva do BIG Festival so excelentes exemplos da riqueza narrativa, da qualidade tcnica das produes em relao a suas caractersticas sonoras e visuais e das tramas que requerem raciocnios complexos e lgicos por
parte dos jogadores.
Um exemplo o premiado jogo Papo & Yo, belssima produo da Minority Media,
produtora canadense que tem em sua equipe a designer brasileira Tali Golstein. O jogo
ambientado em uma favela (que pode ser o Rio de Janeiro) e tem uma trama complexa e
profunda. O personagem principal o Papo, um garoto negro que foge do pai alcoolizado
em meio ao cenrio de uma favela surreal. Ele tem de atravessar o morro acompanhado
de seu amigo Quico, um monstro. O objetivo vencer seus prprios medos e desvendar
quebra-cabeas. Entretanto, quando fracassa, Quico cresce e sua locomoo fica mais
difcil. O jogo explora as potencialidades narrativas de se criar metforas e aplica tcnicas
impecveis de animao para criar um mundo completamente novo.
As possibilidades que o universo dos games apresentam para o envolvimento de habilidades especficas raramente so valorizadas na escola ou mesmo pelas famlias. Salvo excees, a educao formal tem perdido a oportunidade de explorar tais competncias na
produo de conhecimento, no desenvolvimento de pesquisas ou como habilidades para
colaborao, segundo apontam algumas das propostas de competncias para o sculo 21
levantadas para este estudo, especialmente em Henri Jenkis (2006) e Chris Dede (2009).
Criar um jogo uma tarefa que exige trabalho em equipe, colaborao e conhecimentos multidisciplinares de roteiro, programao, raciocnio lgico e estratgico, design, trilha sonora, fotografia, entre outros. As pequenas produtoras brasileiras que participaram
das atividades realizadas pelo BIG Festival vm absorvendo os jogadores/produtores em
equipes formadas por jovens muito novos e talentosos que gostam de jogar por muito
tempo, e que aprendem compartilhando informaes entre si por meio de comunidades
on-line. No Brasil, pela falta de espaos formais e cursos dedicados a desenvolvedores
de games, grande parte do aprendizado ocorre de maneira informal e aberta. Embora
do ponto de vista da produo nacional essa situao revele a precariedade de nossa indstria de games, do ponto de vista da educao e formao, trata-se de uma inspirao
forte sobre o potencial criativo e produtivo das aprendizagens e competncias desenvolvidas no mbito dos games interativos digitais.
Entendemos que a educao formal teria um grande caminho a explorar se organizasse de modo mais propositivo e intencional atividades de produo de games como estra-
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O primeiro aspecto que chama a ateno nos projetos que agrupamos em torno do
eixo mobilidade o carter multifacetado, hbrido e inventivo que possuem, fazendo
deles o conjunto de projetos mais provocativo ao campo da educao, de modo a revelar
o potencial de novas possibilidades de usos educativos de tecnologias.
Quase todos exploram a mobilidade em duas vertentes. Uma delas diz respeito ao
estar em vrios espaos, ao mover-se conectado rede mundial de computadores e
dissoluo ou interferncia entre o espao fsico e o espao virtual. Outra diz respeito ao
uso de celulares, tablets e demais equipamentos com conexo mvel e aplicativos dos
mais variados tipos, como captura e edio de vdeo, som, fotografias, geolocalizao,
realidade aumentada, interao baseada em gestos, redes sociais etc.
A partir da observao dessas experincias elaboramos dois drops, que destacam
determinados aspectos desse novo conjunto de prticas culturais.
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clusivos. Assim, no caso das populaes indgenas (em que os menores de 6 anos e os
idosos s falam Guarani), eliminaram-se as barreiras relacionadas produo do texto
escrito. As tecnologias utilizadas se aproximam mais da cultura oral, que o suporte das
tradies e da identidade nessas culturas.
Em segundo lugar, o uso de tais tecnologias amplia as possibilidades de registro, porque o audiovisual agrega oralidade elementos como cores, movimentos, sons, texturas,
enriquecendo as narrativas de um modo geral, particularmente a narrativa sobre conhecimentos tcitos (modos de posicionar o corpo, jeitos de se esconder, modos de dar o
ponto em uma comida, ritmos, melodias, entonaes etc.). Ora, se os instrumentos de
registro permitem lidar com outras variveis que no a palavra, essas variveis ganham
fora como objeto de registro e ganham espao como tema de investigao e de reflexo
do grupo. Mas no s isso. Ao compreender a importncia de cada um desses elementos
(cores, texturas, sons, movimentos) na prpria brincadeira que registrada, passa-se a
utiliz-los nas narrativas e eles se tornam elementos de criao e de expresso.
Em terceiro lugar, a mobilidade imprime sua marca no modo de produzir conhecimento
e na finalidade do processo investigativo. Quando cada lugar passa a ser percebido como
um espao de aprendizagem, o que muda no apenas o lugar de aprender, mas, principalmente, a atitude de aprender. A ubiquidade possibilitou, nesses casos, um processo
de interaes constantes com o espao, e as relaes neles produzidas aportaram, nas
palavras de um de seus gestores, algo mais emocional, como valores, comportamento,
atitudes e conscincia. O que vimos nos dois projetos foi um processo investigativo que
encampou a pesquisa e a reflexo, mas tambm a afetividade e a esttica.
Como visto, projetos de arte e tecnologia podem oferecer uma grande contribuio
educao ao estabelecer metodologias/processos capazes de unir tecnologias, registro e
arte para gerar uma reflexo criativa, expressiva, configurando um mix entre pesquisa e
criao, situando os participantes no papel de prosumidores: aqueles que, ao consumir,
j realizam interferncias criativas em uma releitura particular do mundo. Nesse caso,
reforando-se a ideia de que ler ler o mundo, mas incorporando novas ferramentas de
leitura e de escrita.@
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Gris na Escola: a organizao proponente o Ponto de Cultura Gros de Luz e Gri, que
mobilizou outros nove pontos de cultura da Chapada Diamantina e da regio metropolitana de Salvador.
Oca Digital: iniciou-se com um convnio junto ao programa Cultura Viva, quando recebeu
recursos para estruturar pontinhos de cultura em sete comunidades da regio de Ilhus,
na Bahia.
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95
Educao
Braslia:
Unesco,
de
qualidade
2008.
2.ed.
para
todos:
Disponvel
um
em:
assunto
de
direitos
http://unesdoc.unesco.org/
96
Parte III
Textos acadmicos
Trs textos de referncia para os estudos sobre Cultura
Digital e Educao so apresentados a seguir. Lucia
Santaella, estudiosa de Mdias Digitais, aborda as
novas conexes entre verbal, visual e sonoro presentes
na atualidade. Nelson de Luca Pretto, doutor em
Comunicao, fala sobre professores autores na
convergncia entre Educao e Cultura Digital. Por fim,
o texto de Felipe Fonseca, pesquisador da Unicamp,
apresenta uma discusso acerca da apropriao crtica
das tecnologias na era digital.
Lucia Santaella
Professora titular da PUC-SP com doutorado em Teoria Literria na mesma instituio em 1973 e livredocncia em Cincias da Comunicao na ECA-USP em 1993. diretora do Centro de Investigao em
Mdias Digitais (CIMID), da PUC-SP e coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos (grupo de pesquisa
cadastrado no CNPq). Coordenou o lado brasileiro do projeto de pesquisa Probral (Brasil-Alemanha/
Capes-DAAD, 2000-2003) sobre relaes entre palavra e imagem nas mdias. Coordenou, ainda, trs
outros projetos de pesquisa coletiva de grande porte: Imagens tcnicas: do mundo industrial-mecnico
ao eletrnico-ps-industrial, convnio PUC/SP-FINEP, 1989-1991; o projeto de pesquisa temtico sobre
O advento de novas tecnologias e novas gramticas da sonoridade, financiado pela FAPESP, de 1992
a 1995; o projeto coletivo, modalidade multiusurios, Produo e difuso da pesquisa cientfica na era
digital, financiado pela FAPESP, 1999-2002. presidente honorria da Federao Latino-Americana de
Semitica e Vice Presidente da Associacin Mundial de Semitica Massmeditica y Comunicacin Global,
Mxico, desde 2004. membro correspondente da Academia Argentina de Belas Artes, eleita em 2002.
membro do Advisory Board do Peirce Edition Project em Indianapolis, USA.
98
Nos primeiros tempos da internet, durante os anos 1990, no estgio da Web 1.0,
alguns dos tpicos centrais relativos comunicao digital eram: a digitalizao como
esperanto das mquinas; a convergncia das mdias; a interface; o ciberespao; a interatividade; todos eles componentes da emergente cibercultura (SANTAELLA, 2003, p.
77-134). Hoje, em plena Web 2.0 e j entrando no estgio da Web 3.0, as novas palavras-chave so: blogosfera, wikis e redes sociais digitais, estas ltimas incrementadas pela
exploso da comunicao mvel (SANTAELLA, 2007; 2010; SANTAELLA; LEMOS, 2010).
Mas vamos por partes.
Caractersticas da cibercultura
Com a introduo dos microcomputadores pessoais e portteis, que nos anos 1980 j
comeavam a aparecer no mercado domstico, os leitores e espectadores se transformaram tambm em usurios. A partir desse fato, houve uma mudana da relao receptiva
de sentido nico, prprio das mdias impressas e da televiso, para o modo interativo e
bidirecional exigido pelos computadores. A tela desses equipamentos estabelece uma
interface entre a eletricidade biolgica e a tecnolgica, entre o utilizador e as redes. Na
medida em que o usurio foi aprendendo a falar com as telas, por meio dos computadores, telecomandos, gravadores de vdeo e cmeras caseiras, seus hbitos exclusivos de
consumismo automtico passaram a conviver com hbitos mais autnomos de discriminao e escolhas prprias. Nascia, ento, a cultura da velocidade e das redes, que trouxe
consigo a necessidade de acelerar e humanizar simultaneamente a nossa interao com
as mquinas.
Entretanto, os novos hbitos introduzidos pelos meios interativos, vale enfatizar, no
foram to abruptos como alguns podem pensar. Pelo contrrio, foram gradativamente
introduzidos, entre os anos 1970 e 1980, pelo que chamo de cultura das mdias (SANTAELLA, 1996; 2003). O que hoje est acontecendo de modo ntido com as redes e dever prosseguir com a TV interativa, as mdias desmassificadoras dos referidos anos, tais
como a TV a cabo e o videocassete, j havia sido introduzido, ou seja, minar os fatores
de centralizao, sincronizao e padronizao caractersticos dos meios de massa, ao
promover maior diversidade e liberdade de escolha. Contudo, isso no pode nos cegar
para a diferena fundamental entre esses processos comunicativos voltados para grupos
especficos de interesse o narrowcasting e o mbito digital.
Mudanas significativas foram provocadas pela extenso e desenvolvimento das hiper-redes multimdia de comunicao interpessoal. Cada um pode tornar-se produtor,
criador, compositor, montador, apresentador, difusor de suas prprias invenes. Com
isso, uma sociedade de distribuio piramidal comeou a sofrer a concorrncia de uma
sociedade reticular de integrao em tempo real.
dentro do ciberespao, um espao incorpreo de bytes e luzes, paradoxalmente
tambm tecido com os mesmos sentimentos vibrantes que movem nossas vidas, tecido
99
esse tramado pela esperana e expectativa das buscas, pela frustrao dos desencontros
e satisfao das descobertas, que foi surgindo aquilo que passou a ser chamado cibercultura, uma cultura que se desenvolve de modo similar a novas formas de vida em uma
sopa bitica propcia.
Decisivamente, a cibercultura encontra sua face no computador, em suas requisies
e possibilidades. Comparado com outras inovaes tcnicas, o computador uma mquina semitica, com produtos inteligentes. Ele est focado na informao, no conhecimento. Quando ligado s redes digitais, o computador permite que as pessoas troquem
todo tipo de mensagens entre indivduos ou no interior de grupos, participem de conferncias eletrnicas sobre milhares de temas diferentes, tenham acesso s informaes
pblicas contidas nos computadores que participam da rede, disponham da fora de clculo de mquinas situadas a milhares de quilmetros, construam juntos mundos virtuais
puramente ldicos ou mais srios , constituam uns para os outros uma imensa enciclopdia viva, desenvolvam projetos polticos, amizades, cooperaes. Sem excluir, alm
disso, aqueles que encontram nesse ambiente o lugar propcio para propagar o dio e a
enganao (LVY, 1998, p. 12).
A natureza dessa cultura em sua essncia heterognea. Usurios acessam o sistema
de todas as partes do mundo e, dentro dos limites da compatibilidade lingustica, interagem com pessoas de culturas sobre as quais, para muitos, no haver provavelmente
outro meio direto de conhecimento. Por isso mesmo, tambm uma cultura descentralizada, reticulada, baseada em mdulos autnomos. Materializa-se em estruturas de
informao que veiculam signos imateriais, ou seja, feitos de luzes e bytes, signos evanescentes, volteis, lquidos, mas recuperveis a qualquer instante. A cibercultura o
resultado da multiplicao da massa pela velocidade, diz Kerckhove (1997, p. 176-178).
Enquanto a televiso e o rdio nos trazem notcias e informao em massa de todo o mundo, as tecnologias sondadoras, como o telefone ou as redes de computadores, permitem-nos ir instantaneamente a qualquer ponto e interagir com esse ponto. Essa a qualidade
da profundidade, a possibilidade de tocar aquele ponto e ter um efeito demonstrvel sobre
ele atravs das nossas extenses eletrnicas. [...] J no nos contentamos com superfcies.
Estamos mesmo tentando penetrar o impenetrvel: a tela do vdeo. [...] Expresso literal da
cibercultura a florescente indstria de mquinas de realidade virtual que nos permitem
entrar na tela do vdeo e do computador e sondar a interminvel profundidade da criatividade humana na cincia, arte e tecnologia.
100
Redes sociais
As redes sociais da Web 2.0, tambm conhecidas como redes de relacionamento, por
exemplo, o Twitter e o Facebook, frutificam de modo gigantesco, em especial porque podem ser acessadas e atualizadas por meio de dispositivos mveis, portanto, em qualquer
lugar e a qualquer momento. Esses tipos de ambientes comunicacionais constituem-se
em formas culturais e socializadoras do ciberespao, ou seja, so plataformas que visam
incrementar as comunidades virtuais (RHEINGOLD, 1993) grupos de pessoas globalmente conectadas na base de interesses e afinidades, ou mesmo conectadas pela simples vontade ou prazer de pertencer ao grupo.
Desse modo, as redes digitais so compostas de agrupamentos de pessoas que podero ou no se encontrar face a face, e que trocam mensagens e ideias por meio das redes
de computador. Aquilo que Rheingold dizia em 1996 (p. 414) foi se tornando cada vez
mais onipresente, segundo ele, no ciberespao conversamos e discutimos, engajamo-nos em intercursos intelectuais, realizamos aes comerciais, trocamos conhecimento,
101
compartilhamos emoes, fazemos planos, trazemos ideias, fofocamos, brigamos, apaixonamo-nos, encontramos amigos e os perdemos, jogamos jogos simples e metajogos,
flertamos, criamos arte e desfiamos um monte de conversa fiada. Fazemos tudo o que
as pessoas fazem quando se encontram, mas o fazemos com palavras, imagens, vdeos
e frente s telas das interfaces computacionais. Milhes de ns, humanos, pertencem a
alguma rede social digital, na qual nossas identidades se misturam e interagem eletronicamente, independentes do tempo e do local.
Em suma, na cibermdia, outro nome para esse espao pblico em permanente construo, as comunidades virtuais designam as novas espcies de associaes fluidas e flexveis de pessoas, ligadas mediante os fios invisveis das redes que se cruzam pelos quatro cantos do globo, permitindo que os usurios se organizem espontaneamente para
discutir, para viver papis, para exibir-se, para contar piadas, para procurar companhia ou
apenas para olhar, como voyeurs, os jogos sociais que acontecem nas redes (BIOCCA,
1997, p. 219, ver tambm RECUERO).
Para Robins e Webster (1999, p. 2), o comunitarismo virtual to significativo porque
funciona como uma compensao psquica para os efeitos disrruptores da globalizao
econmica. Apesar de ser compensador, h que se considerar que, embora as redes nos
dotem com o poder de atravessar virtualmente o planeta de ponta a ponta em fraes de
segundos, por outro lado, na medida em que as conexes se multiplicam, as comunidades criadas tornam-se cada vez mais areas, frgeis e efmeras. De acordo com as palavras de Heim (1993, p. 100), [...] porque nossas mquinas nos do o poder de esvoaar
pelo universo, nossas comunidades crescem em fragilidade, volatilidade e efemeridade
na medida mesma em que nossas conexes se multiplicam.
A efemeridade tende a se intensificar ainda mais nas configuraes que o ciberespao
adquiriu por meio da multiplicao das pequenas janelas digitais, bem menores do que as
dos computadores, mas, ao mesmo tempo, bem mais volteis e evanescentes: os visores dos smart e Iphones, terminais eletrnicos, quiosques de informao em shoppings,
aeroportos etc.
O espectro multiplicador da tecnologia sem fio faz constatar que a cultura digital no
pode ser vista como uma subcultura on-line nica e monoltica, mas como um ecossistema de subculturas (RHEINGOLD, 1993), uma mistura de micro, macro e megacomunidades, abrigando milhares de microcomputadores que vivem em seus interiores, usufruindo de conexo imediata, interao, comunicao ubqua, ou seja, em qualquer lugar
e a qualquer hora do dia ou da noite. Em suma, como j foi previsto por Mitchell (1999, p.
127), no nvel das interfaces de usurios, o ciberespao reinventa o corpo, a arquitetura,
o uso do espao urbano e as relaes complexas entre eles naquilo que chamamos habitar.
Para esse nvel, justamente o que mais afeta a cultura e a sociedade, proliferam as
esferas virtuais e hbridas, estas feitas a partir da mistura entre o virtual e o fsico-presencial. So esferas de trabalho, de entretenimento em que os games ocupam posio
102
privilegiada, esferas de servios (ver KOO, 2011), de mercado, de acesso e troca de informao, de transmisso de conhecimento e aprendizado.
Para realizar tudo isso, o ciberespao se apropria, sem nenhum limite, de todas as linguagens pr-existentes: a narrativa textual, a enciclopdia, os quadrinhos, os desenhos
animados, o teatro, o filme, a dana, a arquitetura, o design urbano etc. Nessa malha
hbrida de linguagens, nasce algo novo que, sem perder o vnculo com o passado, emerge com uma identidade prpria. Trata-se de uma reconfigurao radical das linguagens,
responsvel por uma ordem simblica especfica que afeta nossa constituio como sujeitos culturais, nossos hbitos de vida e os laos sociais que estabelecemos. A camada
mais superficial desse fenmeno recebe o nome de convergncia das mdias.
103
Embora tal convergncia seja uma evidncia incontestvel, tenho repetido de modo
sistemtico que o excesso ou a exclusividade de ateno para as mdias em si provoca, por consequncia, a negligncia em relao quilo que mais importa considerar: as
linguagens, os processos sgnicos que, muito justamente, habitam, transitam e so difundidos pelas mdias. No obstante a relevncia das mdias, tanto para o estudo dos
processos comunicativos quanto dos seus intercursos sociais, essencial considerar que
as mesmas estariam esvaziadas de sentido no fossem as mensagens que nelas se configuram. No era para outra questo que McLuhan buscava chamar ateno ao declarar
que o meio a mensagem. Sua insistncia dirigia-se para a impossibilidade de se separar a mensagem do meio. A configurao de toda e qualquer linguagem conforma-se
necessariamente aos potenciais e limites da mdia em que ela se materializa.
Tambm no por outro motivo o conceito de narrativa transmdia se refere a um
processo pelo qual um produto miditico, como um filme, transita para um game. Ou,
ainda, uma telenovela, produzida para ser veiculada na TV, transita pelas diversas telas
dos dispositivos mveis, alm de sites e redes sociais YouTube, Facebook, Twitter, entre
outros.
Atualmente, o pblico deseja vivenciar as histrias e colaborar com elas em tempo
real, por meio de mltiplas telas. As novas audincias assistem televiso na internet,
acessam contedo pelo celular e trocam informaes nas redes sociais, tudo isso concomitantemente, graas portabilidade e conectividade dos dispositivos mveis.
Na narrativa transmdia, cada mdia deve contar uma parte significativa da histria,
concentrando-se naquilo que ela capaz de fazer melhor. Uma histria contada em uma
mdia expande-se em outra.
Na forma ideal de narrativa transmdia, cada meio faz o que faz de melhor a fim de que
uma histria possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televiso, romances e
quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atrao
de um parque de diverses [...]. A compreenso obtida por meio de diversas mdias sustenta
uma profundidade de experincia que motiva mais consumo. (JENKINS, 2009, p.138)
A narrativa transmdia expande a experincia prvia de uma histria e o modo de interpret-la, adaptando-a aos potenciais e limites de cada uma das mdias especficas na
qual se encarna. Assim, uma mesma narrativa se expande por diversas linguagens e mdias, tirando de cada uma delas o seu melhor potencial, seu modo especial de ser. Esse
tipo migratrio de construo ficcional mais usual nos gneros de fico cientfica e
suspense, porque estes oferecem melhores condies para a criao de pistas, pontos
de entradas e de sadas, tendo em vista o poder de imerso e participao das audincias
nas histrias compartilhadas que transitam entre filmes, sries televisivas, web-sries,
videogames, HQs etc. Nesse processo, a centralidade de uma mdia substituda por
mltiplas plataformas que intensificam o trnsito de contedos.
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105
J discorri em muitas ocasies sobre os pilares caracterizadores da linguagem hipermdia (ver especialmente SANTAELLA 2007, p. 285-328). No custa relembrar com
bastante brevidade quais so esses pilares. Como porta de entrada questo, preciso
enfatizar que a hipermdia se constitui de uma fuso do hipertexto com a multimdia. O
hipertexto, bastante estudado nos anos 1990 por autores como Landow (1994) e Bolter
(2001), um texto que, em vez de se estruturar frase a frase, linearmente, como em um
livro impresso, caracteriza-se por ns ou pontos de interseco que, ao serem clicados,
remetem a conexes no lineares, compondo um percurso de leitura que salta de um ponto a outro de mensagens contidas em documentos distintos, mas interconectados. Isso
integra uma configurao reticular. A explicao parece complicada, mas justamente o
que fazemos ao ler um documento nas redes, quando clicamos em palavras sublinhadas
ou coloridas para obtermos informaes que esto localizadas em outros documentos.
Desse modo, a estrutura do hipertexto multilinear, passamos de um ponto a outro da
informao, com um simples clique, e ela interativa, pois o hipertexto implica a manipulao por parte do usurio-leitor, a estrutura vai se compondo de acordo com os cliques
que se escolhe dar ou no.
Ao fundir-se com a multimdia, o hipertexto se torna hipermdia: os ns, que nos remetem a outros documentos, no so mais necessariamente textuais, mas nos conduzem a fotos, vdeos, msicas etc. Essa mistura densa e complexa de linguagens, feita
de hiper-sintaxes multimdia povoada de smbolos matemticos, notaes, diagramas,
figuras, e tambm de vozes, msica, sons e rudos inaugura um novo modo de formar e
configurar informaes, uma espessura de significados que no se restringe linguagem
verbal, mas se constri por parentescos e contgios de sentidos advindos das mltiplas
possibilidades abertas pelo som, pela visualidade e pelo discurso verbal, algo que parece
dar guarida hiptese de que, nas razes de todas as misturas possveis de linguagens,
encontram-se sempre essas trs matrizes fundamentais: a verbal, a visual e a sonora, em
todas as variaes que cada uma delas realiza.
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e assimilao do conhecimento e da aprendizagem. No entanto, para que essa reconfigurao se d, exige-se a redefinio cabal, a partir de pressupostos digitais, dos paradigmas herdados da era de Gutenberg. preciso partir da premissa de que a produo
de contedos deve se adaptar ao potencial hipermiditico, interativo e colaborativo das
interfaces computacionais. preciso, enfim, dar boas vindas s mutaes que a hipermdia entendida como novas configuraes de hiper-sintaxes verbais, visuais e sonoras
est trazendo para a linguagem humana e, consequentemente, para os modos como
sentimos, agimos, pensamos, conhecemos e aprendemos.@
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109
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Paulus, 2003.
110
O que desejo fazer neste texto , essencialmente, provocar a ns mesmos, professores e professoras. E essa provocao comea com uma imagem que gosto muito e que
me foi apresentada pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor do histrico As veias
abertas da Amrica Latina, em uma sesso de depoimentos no Frum Social Mundial
de 2001, em Porto Alegre. Galeano comeou a sua fala lembrando-se de uma pichao encontrada no muro de alguma cidade da Amrica Latina, que dizia mais ou menos
o seguinte: quando encontramos a resposta, mudaram a pergunta. Penso que este
o nosso momento no mundo e para a educao, em especial, creio ser um momento
muito dramtico, justamente porque talvez estejamos realizando muito esforo para
chegarmos respostas de perguntas que no so mais as postas na mesa.
O primeiro bloco deste texto nos levar a retomar um pouco sobre a histria da computao. Poderia ser outro, claro, mas para o que proponho pode ser uma razovel escolha.
Ento, fixemos temporariamente nosso olhar no desenvolvimento cientfico e tecnolgico da cincia da computao e, de modo mais particular, na internet, em funo da
sua centralidade no mundo contemporneo. Desde os primeiros perodos da histria da
informtica podemos perceber a importncia daqueles que depois ficaram conhecidos
como hackers. Aqueles que, ainda jovens, cabeludos e comendo comida chinesa nos restaurantes de Boston, onde estava situado o Massachusetts Institute of Technology (MIT),
animavam-se com os seus jogos-criaes. Os grandes computadores, que nas dcadas
de 1950 e 1960 comeavam a ser construdos, tiveram como personagens centrais uma
meninada jovens adolescentes, alguns um pouco mais velhos, bem verdade , que se
111
reuniam nas garagens das casas e nas universidades, transformando esses toscos ambientes em verdadeiros laboratrios cientficos e tecnolgicos, responsveis pelo incio
do desenvolvimento de um sistema e linguagem que deixariam marcas indelveis na Histria. Ao longo desse tempo foram construdas mquinas, denominadas posteriormente de computadores com muita naturalidade, que se tornaram parte de nossas vidas.
O importante compreender que esse processo foi em sua essncia colaborativo (no
excluindo o fato de ter havido muitas brigas!). Desenvolvidos os prottipos de computadores primordiais, criavam-se as primeiras redes para que eles pudessem falar entre
si, assim foram desenvolvidas vrias linguagens para viabilizar essa comunicao a distncia. Na dcada de 1970 comearam a ser criados os chamados Bulletin Board System
(BBS), montadas a partir da generosidade de cada um dos hackers que colocavam seus
computadores pessoais, conectados em um modem via linha telefnica pessoal, para
permitir que outros computadores pudessem se conectar e, com isso, montar uma rede
de comunicao entre eles.
Um salto no tempo e no espao rumo a Europa, mais especificamente, nos laboratrios do European Organization for Nuclear Research (CERN), na Sua, onde Tim Bernes-Lee criou a famigerada web, a World Wide Web (o que j chamamos popularmente por
www). Com esse salto, temos em uma nica pgina, 50 anos da histria da computao
no mundo. No nos propusemos a fazer mais do que isso e, para no prolongarmos muito
esta introduo, o resultado a possiblidade de constatarmos que uma nica gerao
teve a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento das Tecnologias de Informao
e Comunicao (TIC), vendo nascer e morrer tecnologias, repito, no curso de vida de uma
nica gerao. Penso que o exemplo mais evidente desse movimento a televiso. Nos
meus primeiros anos de vida, acompanhei a implantao na cidade onde morava, Joaaba, Santa Catarina, da primeira emissora local de televiso, que funcionou ao vivo durante meia dzia de dias, transmitindo direto do clube social para cerca de cinco aparelhos
de televiso, espalhados nas lanchonetes e bares da cidade.
Hoje, a televiso que vi nascer, j posso dizer que morreu, o que tambm j foi dito por
George Gilder (1994) em seu livro A vida depois da TV. Morreu enquanto tecnologia e,
principalmente, implodiu enquanto modelo, em especial por conta do digital e da internet. Esse aspecto vlido, tanto para a televiso quanto para quase todas as nascentes
112
Nos prximos 50 anos vamos praticamente descobrir, ou mesmo inventar, 95% do conhecimento que temos hoje.
Em 2011, a quantidade de informao foi duplicada a cada onze horas, ou seja, enquanto
voc est lendo este artigo, a quantidade de informao no mundo j duplicou.
Em 2015, o Google dever indexar em torno de 775 bilhes de pginas e um em cada quatro computadores vendidos ser um tablet.
Em 2020 a transmisso de dados aumentar 44 vezes e a velocidade de banda larga domstica ser 20 vezes superior a de hoje.
Em 2030, um disco rgido (HD externo) poder ser comprado por cerca de U$100 e abrigar 600 anos de vdeo em qualidade de DVD, tocando sem parar durante 24 horas por dia,
sete dias por semana. A velocidade de conexo em sua casa poder chegar a 100 Gbps e a
velocidade de processamento dos computadores ser a mesma do crebro humano.
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O que nos interessa nessa citao trazer discusso o tema do rossio no rival,
proposto por Imre Simon e Miguel Said Vieira no livro Alm das redes de colaborao:
internet, diversidade cultural e tecnologias de poder. Para os autores, o rossio no rival
corresponde quele espao pblico que possibilita a troca entre as pessoas, se constituindo no bem comum e que possibilitou as grandes transformaes sociais, culturais e
tecnolgicas que vivemos. Para tal, propem-nos verificar isso em quatro atos, a saber:
Ato um: a tecnologia digital viabiliza armazenar e processar os bens de rossios no rivais.
Ao desenvolverem esses quatro atos, os autores percebem e propem o reconhecimento das possibilidades trazidas pela internet que, em sua essncia, foi construda
como um rossio no rival, conforme j mencionamos, e que os autores explicitam ainda
mais: Seus protocolos so abertos e livremente utilizveis, os bens que compem sua
estrutura so em grande parte compartilhados e, de maneira geral, seu funcionamento
descentralizado (SIMON; VIEIRA, 2008, p. 27). Portanto, nos referimos s possibilidades
de transformaes por meio da poltica, com o intenso uso da internet e dos computadores, como espero explicitar melhor ao longo do texto.
Essa perspectiva tem sido duramente combatida por aqueles que no querem ver a
materializao de uma poltica de compartilhamento e de plena expresso na internet,
114
de modo a constituir uma poltica pblica em diversos campos, como a cultura, a educao, a cincia e a tecnologia. Alexandre Oliva, representante da Free Software Foundation
(FSF) para a Amrica Latina, em conversa pessoal, afirmou de forma categrica: Querem
nos fazer crer que o pilar moral de compartilhar tem mais a ver com saquear um navio do
que acender uma vela com outra.
Essa metfora da chama da vela, muitas vezes, confundida com o simples copiar+colar,
principalmente no campo educacional. Insistimos no aspecto da cpia como uma dimenso do compartilhamento, e no da simples cpia que, seguramente, foi facilitada e at
intensificada a partir das tecnologias digitais, computadores e internet e que, a modo de
um simples plgio, a condenamos. Essa possibilidade de trocar de modo permanente,
de copiar e remixar, recriar, portanto, o que estamos preconizando como um dos pilares maiores que deveria sustentar os processos educacionais e, nesse sentido, o prprio
processo de simples cpia seria esvaziado, pois no se preocuparia com o resultado
a cpia , mas sim com o processo de recriao associado a tudo isso.
Voltemos tica hacker. Alguns de seus princpios poderiam ser sistematizados da
seguinte maneira: preciso que voc goste de jogar e brincar; preciso que goste do que
faz e seja criativo; que goste de explorar e investigar; e tambm goste de compartilhar
suas descobertas com seus pares. Essas so as principais ideias expostas pelo filsofo
finlands Pekka Himanen, em seu importante livro que se tornou referncia nessa discusso: A tica hacker e o esprito da era da informao (2001).
A princpio sua discusso estava associada aos entusiastas da computao, mas ao
perceber os valores associados ao que ele denomina tica dos hackers, podemos extrapolar e dizer que esses so valores que podem estar ligados a qualquer profisso e, no
nosso caso, com especial nfase ao campo educacional.
O segundo bloco deste texto traz para a discusso trs aspectos que merecem ser
considerados: 1) a cultura e sua relao com a educao; 2) as tecnologias digitais e
a sua relao com a cincia e a sociedade e; 3) e a ideia de rede e, aqui inserido, o que
estou denominando ativismo.
Cultura o primeiro ponto que me parece merecer um olhar mais atento, uma vez
que nesses tempos de conexo generalizada as possibilidades de inter-relaes entre
culturas nos direciona a grandes possibilidades de dilogos interculturais, que considero absolutamente necessrios e fundamentais. Compreendo, assim como Marc Aug
(1998), que no podemos isolar as culturas com o intuito de preserv-las. Uma cultura s
se mantm viva, com sua riqueza, se ela interage com outras. Vou ainda alm: se elas se
remixam e dialogam com o outro. Como diz Aug,
[...] uma cultura que se reproduz de maneira idntica (uma cultura de reserva ou de gueto)
um cncer sociolgico, uma condenao morte, assim como uma lngua que no se fala
mais, que no inventa mais, que no se deixa contaminar por outras lnguas, uma lngua
morta. Portanto, h sempre certo perigo em querer defender ou proteger as culturas e certa
115
iluso em querer buscar sua pureza perdida. Elas s viveram por serem capazes de se transformar. (AUG, 1998, p. 24-25)
Retomar essa forte articulao entre educao e cultura fundamental para a perspectiva que adotamos afinal, queremos um professor-autor, no!? Ambas as reas precisam estar articuladas de forma muito intensa e isso no se dar se continuarmos a
pensar a educao como um processo industrial, em uma perspectiva fordista de produo em srie. Essas articulaes precisam compreender a educao, a cultura, a cincia,
a tecnologia, o digital, entre tantos outros campos e reas, que so elementos histricos
e, ao mesmo tempo em que facilitam alguns processos, criam novos obstculos quando
empregados como elementos vivos para a sala de aula.
Chegamos assim ao segundo aspecto: os computadores e as tecnologias digitais.
Insisto na ideia j defendida por mim em diversos outros textos, de que a internet e os
computadores no podem ser considerados meras ferramentas auxiliares dos processos culturais e educacionais (PRETTO, 1996; PRETTO, 2010; entre outros). Precisamos
entend-la enquanto espao social, como bem argumenta Mark Poster.
[os efeitos da internet so] mais como os da Alemanha do que como os dos martelos. Os
efeitos da Alemanha sobre as pessoas dentro dela o de torn-los alemes (pelo menos
na maior parte dos casos); os efeitos do martelo no fazer com que as pessoas sejam
martelos, embora os Heideggerianos e alguns outros possam discordar, mas pregar pontas
metlicas na madeira. Enquanto entendermos a (i)nternet como um martelo, vamos deixar
de compreend-la como compreendemos o exemplo da Alemanha. O problema que as
perspectivas modernas tendem a reduzir a (i)nternet a um martelo. Na grande narrativa
da modernidade, a (i)nternet uma ferramenta eficaz de comunicao, que adianta os objetivos de seus usurios, entendidos como pr-constitudos de identidades instrumentais.
(POSTER, 2001, p. 177, destaque meu)
116
117
Os exemplos fora do campo da educao so inmeros, tm sido destacados por diversos autores e provm da msica, do mercado audiovisual, dos movimentos sociais,
constituindo o Twitter, sem nenhuma dvida, o maior fenmeno, desde sua criao em
2006. O prprio desenvolvimento dessa rede social merece aqui um enorme parntese, pois ele a clara demonstrao de como podemos pensar em solues inovadoras
(principalmente para a educao e para a escola) a partir de um olhar um pouco mais
amplo sobre as tecnologias. Segundo Steven Johnson, no seu interessante livro De onde
vm as boas ideias, o desenvolvimento do Twitter aconteceu a partir de plataformas j
existentes, no caso, a prpria limitao de espao da plataforma de comunicao dos
celulares (os tais SMS, que no Brasil ganharam o nome de torpedo, fazendo uma referncia aos antigos bilhetinhos enviados s(aos) namoradas(os) em pedacinhos de papel, de
mo em mo). As pessoas partiram da ideia inicial de escrever o que eu estou fazendo,
para uma apropriao tecnolgica sem igual. O Twitter passou, ento, a ser usado para
reclamao sobre produtos, para a organizao de mobilizaes, para a derrubada de ditadores na chamada Primavera rabe, para driblar a censura, entre tantas outras coisas
inimaginveis. Steven Johnson denomina o fenmeno de exaptao cultural: [...] pessoas encontrando um novo uso para uma ferramenta projetada para fazer outras coisas
(2010, p. 159). Para ele, no caso do Twitter, os usurios vem reprojetando a ferramenta
(2010, p. 159). Mas no caso dessa rede, h ainda outro elemento que merece destaque,
nos obrigando a comentar um pouco os aspectos mais tcnicos. Vamos nos valer aqui
da anlise feita pelo prprio Steven Johnson no livro citado. Segundo ele, o sucesso do
Twitter enquanto plataforma que a vasta maioria dos usurios interage com o servio
por meio de softwares criados por terceiros.
Steven Johnson, explique melhor:
A diversidade da plataforma do Twitter no casual. Ela resulta de uma estratgia deliberada que Dorsey, William e Stone (seus criadores) abraaram desde o incio: primeiro eles
construram uma plataforma, depois fundaram o Twitter.com. Uma plataforma aberta em
software , muitas vezes, chamada de API, que significa application programming interface.
Uma API uma espcie de lngua franca que aplicativos de software podem usar de maneira
confivel para se comunicar uns com os outros. (2011, p. 160)
Assim, Steven Johnson mostra o chamado pulo do gato dos criadores do Twitter:
Convencionalmente, um programador cria um software e, depois de conclu-lo, expe uma
pequena parte de sua funcionalidade para programadores de fora por meio da API. A equipe
do Twitter adotou a abordagem exatamente contrria. Primeiro eles criaram a API e expuseram todos os dados essenciais para o servio, depois criaram o Twitter.com em cima da
API. (2011, p. 161)
118
O que se quer demonstrar que a vantagem cooperativa da turma do Twitter foi justamente, em suas palavras, dar pleno acesso ao pulo do gato do software. Ou seja, buscar a colaborao e com isso tornar um simples aplicativo em um dos maiores fenmenos contemporneo da computao (e vamos ter muito mais daqui para frente, claro!).
Fechemos esse longo parntese, reconhecendo sua importncia, e relacionando-o
com a educao. Apesar da relevncia do Twitter, no teria o menor sentido comear a
ensin-lo na escola. Nos interessa aqui, de um lado, perceber o quanto o desenvolvimento colaborativo pode trazer resultados surpreendentes e com isso reforar os argumentos do nosso primeiro bloco. De outro, a partir do reconhecimento do fenmeno, compreender sua importncia e necessidade de desenvolver estratgias para que o mesmo
possa ser cada vez mais utilizado como um recurso pedaggico no cotidiano das escolas
e no, em um movimento contrrio, instalar filtros para que ele seja bloqueado.
Nessa linha, outra plataforma que ganhou enorme destaque e mexeu radicalmente com
todo o sistema miditico foi o YouTube. Alm de todas as possibilidades trazidas para o entretenimento, o canal desempenha um importante papel no ativismo poltico em diversos
pases. Adentramos, desse modo, em nosso terceiro aspecto: as redes e o ativismo.
Junto com o Youtube, outras redes sociais, por exemplo, Facebook, Quepasa, Linkedin
etc., cumprem importante papel na mobilizao da juventude, a ponto de, no incio deste
ano, o governo da Inglaterra cogitar censur-lo por conta das manifestaes ocorridas e
que se espalharam ao longo da ilha de forma viral, mediante a forte evidncia de que sua
organizao ganhou essa dimenso por conta do intenso uso das redes sociais.
Um estudo da Universidade de Washington, realizado pela equipe do Projeto sobre a
Tecnologia da Informao e o Isl Poltico (PITPI), foi publicado no jornal Folha de S.Paulo
com o sugestivo ttulo A revoluo foi, sim, tuitada, mostra estudo (COELHO, 2011)****,
e apresentou dados quantitativos do uso das redes sociais nos movimentos que derrubaram ditadores na Tunsia e no Egito. A pesquisa analisou mais de trs milhes de tutes
relacionados Primavera rabe e concluiu que, [...] embora no tenham provocado a
revoluo em si, Twitter, Facebook, YouTube e blogs, nessa ordem, deram aos protestos velocidade suficiente para culminar na queda dos ditadores Zine Ben Ali, na Tunsia,
em janeiro, e Hosni Mubarak, no Egito, em fevereiro (COELHO, 2011). No Brasil, um dos
mais recentes casos que demonstrou a fora das redes sociais aconteceu por ocasio
da ocupao do Morro do Alemo, no Rio de Janeiro, pela polcia e pelo exrcito brasileiro em novembro de 2010. Com o bairro (morro) todo cercado, a imprensa no tinha
informaes sobre o que ocorria exatamente no interior da regio tomada. As televises
transmitiam o episdio ao vivo, direto das redondezas, durante quase 24 horas, todos os
dias. Ren Silva era um jovem de 12 anos quando havia criado um jornal chamado A voz
da comunidade*****. Em 2010, com 16 anos, ele havia descoberto o Twitter e o utilizava
****
A pesquisa integral encontra-se disponvel em: <http://pitpi.org/index.php/2011/09/11/openingclosed-regimes-what-was-the-role-of-social-media-during-the-arab-spring/>. Acesso em: 23 nov. 2012.
***** Disponvel em: <http://www.vozdacomunidade.com.br/>. Acesso em: 23 nov. 2012
119
constantemente (@vozdacomunidade). Durante os momentos que antecederam a invaso pela polcia, a nica fonte confivel era o perfil comandado por Ren, da casa de sua
av, no epicentro do Morro do Alemo. Para se ter ideia da importncia que suas informaes ganharam, na quinta-feira antes da invaso (26/10), ele possua 180 seguidores. Na
segunda-feira (29/10), dia seguinte a invaso, j contava com 40 mil, chegando ao final
da tera-feira (30/10) com mais de 60 mil seguidores.
Estamos falando de movimentos sociais que ocorrem longe do ambiente acadmico, aspecto que pode levar alguns a pensar que eles no podem ser estudados sob os
mesmos critrios aplicados nos estudos feitos pelas reas acadmicas da cincia ou da
educao. So inmeros os exemplos ponderados por diversos autores, entre eles Clay
Shirky (2010), Charles Leadbeater (2009) e Yochai Benkler (2006), dando conta de projetos colaborativos que tm demonstrado significativos resultados do pondo de vista da
inovao. So exemplos que no detalharemos aqui por j os termos explicitados em
outro texto (PRETTO, 2011), como o projeto Genoma e o projeto coletivo Science Commons******, tocado pela Fundao Creative Commons.
120
Por isso, afirmamos que a distncia entre a formao inicial desses professores e os
computadores nas mos dos meninos de, no mnimo, um sculo. Eles foram preparados para transmitir conhecimentos e ensinar contedos no modelo broadcasting, a partir dos livros didticos. Agora, convivem com a possibilidade de cada um de seus alunos
terem um aparelhinho que, potencialmente, lhe conecta com um mundo de informa121
122
nidade escolar se apropriando dos mltiplos e diversos suportes, com intenso uso das
diversas linguagens, de modo a transformar os laboratrios de informtica e as bibliotecas em espaos multimdia, em lugares de produo, com os computadores portteis
circulando pela escola na mo dos meninos e de professores, alm da ajuda de pais e da
comunidade, em um rico processo criativo e ativista. A escola passa a assumir, assim,
um novo papel: o de articular os diversos saberes ao conhecimento estabelecido. A partir
dessas iniciativas, o antigo laboratrio de informtica pode ser melhorado e fortalecido,
convertendo-se em um grande ncleo de produo de produtos culturais, cientficos e,
claro, educativos.
Isso tudo nos leva a pensar no papel protagonista da escola na sociedade, uma escola
que atue, na verdade, como uma plataforma educativa, e constitua um ecossistema escolar. Os professores deixam de ser meros atores de uma pea que foi escrita por outros
e passam a assumir, enquanto lideranas intelectuais e polticas, a funo de autores. E,
claro, instigando os alunos a, tambm eles, serem autores. Estabelece-se, desse modo, o
que tenho denominado um crculo virtuoso de produo de culturas e conhecimentos,
com um estmulo criao permanente, remixagem, mistura de tudo, em um dilogo
intenso entre o criado e o estabelecido historicamente, um consumo antropofgico dos
contedos das cincias, das culturas, em que a escola vive uma excitao permanente e,
ao mesmo tempo, se constitui no espao e no tempo para a reflexo tranquila e profunda.
No custa insistir, se nas linhas anteriores isso no ficou explcito, que nessa perspectiva de colaborao e produo local importante salientar que no estamos nos
referindo ao abandono da alta cultura, ou seja, a deixar de lado a cincia moderna, as leis
da qumica, da fsica, da biologia. O que queremos, insisto, promover um dilogo permanente entre autores, conhecimentos, leis, percepes de mundo, saberes e culturas
locais, de maneira constante e permanente. No passado, propor uma coisa nesse sentido, seria colocar aquela comunidade apenas em contato com seu prprio conhecimento,
o que seria absolutamente equivocado, pois isolaria essa cultura do contato com os outros, como referiu Marc Aug na passagem citada anteriormente. No entanto, hoje, com
as redes digitais, isso pode no acontecer, pois no custa repetir que potencialmente
possvel considerar o universal e o regional juntos, a cincia (com C maisculo, a Cincia
estabelecida) dialogando com os outros conhecimentos e saberes comunitrios. Local e
planetrio convivendo por meio das redes digitais de comunicao e informao. Saberes
locais e conhecimento estabelecido dialogando de forma permanente. Um jeito hacker
de ser, com uma tica de compartilhamento. Uma tica hacker, que fortalecendo as redes
de ns fortalecidos, com professores-autores exercendo plenamente sua cidadania.@
123
Referncias bibliogrficas
BENKLER, Yochai. Common Wisdom: peer production of educational materials. COSL Press,
2005.
BENKLER, Yochai. The wealth of networks: How social production transforms markets and
freedom. Yale University Press, 2006.
COELHO, Luciana. A revoluo foi, sim, tuitada, mostra estudo. Folha de S.Paulo, 21/09/2011.
LEADBEATER, Charles. We-think: The Power of Mass Creativity. Profile, 2009.
LEMOS, Andr. Morte aos portais. Disponvel em: <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/
andrelemos/portais.html>. Acesso em: 20 out. 2000.
PRETTO, Nelson De Luca. Uma escola sem/com Futuro: educao e multimdia. Campinas:
Papirus, 1996.
. O desafio de educar na era digital. Rev. Port. de Educao. [on-line]. 2011, vol.
; COSTA, Cludio. Tecnologias e novas educaes. Rev. Bras. Educ., Abr. 2006, vol.
. Redes colaborativas, tica hacker e educao. Educ. Rev. [on-line]. 2010, vol. 26,
124
Felipe Fonseca
Pesquisador e articulador de projetos de apropriao crtica de tecnologias digitais, laboratrios
de mdia, arte eletrnica, cultura digital experimental e colaborao em rede. cofundador da rede
MetaReciclagem (2002), do coletivo Desvio (2009), do blog Lixo Eletrnico (2008), da plataforma Rede//
Labs (2010) e de diversas outras iniciativas, como o projeto Ubalab e o coletivo editorial MutGamb.
Participou como palestrante e painelista em diversas conferncias nacionais e internacionais.
integrante do conselho editorial da revista A Rede. Foi um dos fundadores da associao DesCentro
n independente de aes colaborativas. Foi tambm um dos criadores da rede Bricolabs, que rene
artistas, pesquisadores, desenvolvedores de software e ativistas de diversos pases, interessados no
desenvolvimento de iniciativas de conhecimento e cultura livres, hardware e espectro aberto e software
livre. diretor-presidente da Associao Gaivota, em Ubatuba-SP. Entre 2003 e 2007 participou da
concepo, planejamento e coordenao de implementao da Ao Cultura Digital nos Pontos de
Cultura. Foi fellow da plataforma de intercmbio Waag-Sarai (2004). Atualmente, cursa mestrado em
Divulgao Cientfica e Cultural no Labjor/Unicamp, com bolsa da CAPES.
Vivemos tempos paradoxais. Por um lado, virtualmente nunca existiu acesso a tantas
e to diversas fontes de informao sobre qualquer assunto. Cada vez mais o cotidiano, o
aprendizado, o trabalho e a sociabilidade so potencializados pela facilidade e rapidez da
comunicao em rede. Surgem novas formas de engajamento, de expressar talentos e de
buscar por transformao pessoal e social. As distncias encurtam, a memria coletiva
se expande. Por outro lado, toda essa acelerao traz riscos que so em grande medida
ignorados. Incentivo ao individualismo e alienao, consumismo e superficialidade so
alguns desses pontos negativos. Pode parecer contraditrio que as mesmas tecnologias
que promovem uma sociabilidade planetria tambm incentivem o individualismo. Alm
disso, a produo e o consumo de eletrnicos tm um forte impacto no meio ambiente.
So compostos por dezenas de materiais diferentes, incluindo minrios raros e elementos altamente txicos. No momento, no existem no Brasil estruturas adequadas para o
descarte desse lixo, que aumenta exponencialmente a cada ano, na medida em que uma
maior parcela da populao tem acesso a bens de consumo.
125
Toda essa situao demanda que pensemos a apropriao crtica das tecnologias
uma atitude que busca o equilbrio entre inovao e responsabilidade, proporcionando
a extenso da vida til dos aparatos tecnolgicos. Este artigo prope alguns caminhos
nesse sentido. Mas primeiro vamos voltar um pouco no tempo.
Industrializao e distanciamento
Os sculos recentes presenciaram profundas transformaes em todo o planeta.
At meados do sculo XIX, os bens eram manufaturados por artesos. Roupas, mveis, utenslios domsticos, objetos decorativos, medicamentos, armas, ferramentas,
instrumentos cientficos tudo era feito mo e, quase sempre, vendido localmente.
Sucessivas inovaes na fabricao de objetos, transformaes nas formas como as
sociedades se organizavam, criao de novos meios de transporte e acesso a imensas fontes de matrias-primas e outros recursos naturais nas colnias, alavancaram a
chamada Revoluo Industrial na Europa. Por meio da mecanizao e da produo em
srie, a produtividade aumentou exponencialmente. Produtos hoje considerados bsicos, mas que anteriormente s estavam disponveis s elites, puderam ser oferecidos
a todos. A qualidade de vida de uma parcela considervel da populao aumentou em
um ritmo sem precedentes, fato que veio na esteira de outras transformaes. Ganhou
espao crescente a democracia representativa (o pior sistema poltico, com exceo
de todos os outros que foram tentados, segundo Churchill). Formaram-se as cidades
contemporneas, ambiente propcio para a atividade industrial: uma maior concentrao urbana oferece mo de obra acessvel e mercados dinmicos para escoar a produo. Consequncia disso foi a gradual separao entre produtores e consumidores,
sendo importante analis-la.
Antes da produo industrial, a fabricao era um processo manual e consciente. O
arteso dominava praticamente todas as etapas do tratamento e da transformao de
matrias-primas em produtos. O conhecimento sobre o processo fabril era bastante
valorizado, e transmitido de gerao em gerao. Existia a possibilidade do contato
pessoal entre quem fabricava alguma coisa e aqueles que a utilizavam. Por mais que
o arteso pudesse contestar interferncias em seu trabalho ou inclusive negar-se a
atender aos pedidos, algum dilogo era sempre possvel. O arteso, por outro lado, precisava saber usar aquilo que fabricava, ou seja, deveria ser ele mesmo o mais exigente
de seus usurios. Com o passar dos anos, o arteso aplicado tornava-se mestre em seu
ofcio, formando novas geraes e incrementando o domnio tcnico daquela rea do
conhecimento como um todo.
Os inegveis benefcios da produo industrial tiveram fortes implicaes nesse
contexto, medida que distanciaram a produo e o consumo ao ponto da completa
desconexo. Criaram-se mundos totalmente parte.
De um lado, encontravam-se os funcionrios da indstria, responsveis pela fabri-
126
cao dos produtos. So pessoas que em sua maioria conhecem apenas uma pequena
parte do processo de fabricao. Muitas vezes, elas no utilizam os produtos que fabricam e, de modo geral, nem saberiam como. Repetidamente juntam uma pea com
a outra, apertam parafusos, empilham, verificam (Tempos Modernos, uma das obras-primas de Charlie Chaplin, explora muito bem essa conjuntura). Por conta de no entenderem a complexidade do processo, os referidos funcionrios necessitam de chefes
que os orientem, disciplinem e controlem. Estes, por sua vez, tornam-se mais uma classe parte, a dos gerentes. Responsveis pela domesticao da fora de trabalho, eles
so em geral conservadores, bajuladores da elite e avessos a mudanas.
J no mercado consumidor, a outra ponta da industrializao, cada indivduo passou
a ser visto muito mais como um consumidor em potencial do que como sujeito social.
Em vez do contato pessoal com os produtores, precisaram resignar-se impessoalidade do marketing e dos setores de atendimento ao consumidor das grandes empresas.
No tm conhecimento de quem foram as pessoas que produziram o produto comprado, e so educadas de forma a nem se interessarem por isso.
Nesse cenrio, algum aspecto humano se perdeu. Tristemente, real a anedota da
criana que, diante da questo sobre a origem do leite, responde da caixinha. Ainda
pior perceber o quo mais inconscientes somos quando adultos, contexto em que a
anedota se estende para todos os produtos industrializados. raro o momento em que
paramos para pensar como, onde e por quem so feitas as coisas que nos cercam, ou
de onde vieram as matrias-primas que deram origem a tais coisas. Existe a iluso de
que tudo produzido por mquinas, de que o elemento humano no existe mais, no
entanto, isso est longe de ser verdade.
Obsolescncia programada
As reviravoltas da histria amplificariam a tendncia industrial ao distanciamento
e frieza na relao com as populaes. A era dos mercados de massa, impulsionada
por novos meios de transporte e comunicao, alcanaria nveis sem precedentes de
afastamento e distoro.
Como retratado no documentrio produzido pela TV espanhola Comprar, tirar, comprar (Comprar, jogar fora, comprar), em meados do sculo XX representantes de grandes corporaes industriais se reuniram em sigilo para estabelecer que seus produtos
deveriam durar menos tempo. Surpreendente, no? Frente necessidade das corporaes de continuar crescendo ano aps ano, seus dirigentes simplesmente decidiram a
portas fechadas que os consumidores teriam acesso a produtos menos durveis, que
precisariam ser substitudos em prazos menores! O documentrio mostra um exemplo
emblemtico: uma lmpada incandescente, instalada em uma estao de bombeiros
norte-americana, que h pouco tempo completou cem anos de existncia, e ainda est
em funcionamento. Nos dias de hoje, as lmpadas so deliberadamente fabricadas
127
De onde vm os eletrnicos?
possvel que voc passe parte considervel do seu tempo utilizando equipamentos eletrnicos conectados internet: o PC na sala, o netbook no seu colo, o computador do trabalho, o smartphone a no seu bolso. Voc j parou para pensar, por exemplo,
sobre como produzido o seu computador? Ou quais foram os recursos naturais que
deram origem ao seu celular? preciso imaginar que eles so feitos de materiais sintticos, provavelmente oriundos do petrleo, e montados por mquinas. Essa uma
parte da verdade, mas est longe de ser a parte mais importante.
128
129
Lixo eletrnico
Os eletrnicos, como qualquer outro produto, possuem um ciclo de vida. So produzidos, vendidos e, ento, utilizados por algum tempo. Em determinado momento estragam, param de funcionar ou ficam defasados para acompanhar os novos usos que necessitam de mais processamento. A partir da ainda podem ter uma sobrevida, cumprindo
outras funes ou sendo encaminhados a projetos sociais, e finalmente so descartados.
O senso comum diz que, ao encerrar esse processo, eles deveriam ser decompostos e
voltar para a cadeia produtiva. Por uma srie de razes, isso no acontece.
Devido falta de informao dos fabricantes e tambm negligncia, somente agora se deu ateno questo do chamado lixo eletrnico. O problema no novo, afinal
equipamentos transistorizados, como TVs e rdios j esto h dcadas no mercado. No
entanto, a gradual miniaturizao e a popularizao de telefones celulares e computadores, alm de todo o tipo de eletrnico barato brinquedos, reprodutores de msica e
vdeo, navegadores GPS e afins aumentam exponencialmente o problema.
A relao entre produo e consumo est no cerne da questo do lixo eletrnico. A
indstria e a mdia especializada transformam a obsolescncia programada em regra de
ouro quase ningum da rea questiona a necessidade de trocar de celular ou computador a cada um ou dois anos. Os consumidores podem at se incomodar com isso, mas
acabam seduzidos pelas novas funcionalidades ou pelo fetiche do consumo, facilitado
em suaves prestaes mensais. Desse modo, ignoram o fato de contriburem ativamente
para nveis cada vez maiores de explorao de matrias-primas e produo de um lixo
txico, cujo manejo complexo.
Nesse primeiro eixo do ciclo do lixo eletrnico, algumas medidas importantes podem
amenizar a situao. A primeira delas e, talvez, a mais importante, o consumo consciente. Voc precisa mesmo comprar outro computador? Ser que ele to rpido quanto
parece na propaganda? Muitas vezes, um upgrade de memria ou disco, ou mesmo uma
boa limpeza no sistema operacional, resolvem de maneira satisfatria as queixas sobre a
lentido. Outras vezes, o problema no o computador, mas a conexo e comprar outro
no vai fazer nenhuma diferena.
Mesmo que voc precise substituir seu aparelho, importante que isso seja feito de
forma consciente. difcil escolher uma marca de computador, j que todas oferecem
especificaes parecidas? Use critrios ambientais para o desempate. Pesquise e entre
em contato com o fabricante para descobrir mais vantagens, tanto sobre a fabricao
quanto sobre o futuro descarte do aparelho que pretende comprar. Veja como difcil
obter informaes confiveis.
O Greenpeace publica ao longo do ano o Guia para eletrnicos mais verdes (Guide to
greener electronics*), que monitora de perto as prticas das maiores empresas de ele*
Disponvel em: <http://www.greenpeace.org/international/en/campaigns/climate-change/coolit/Campaign-analysis/Guide-to-Greener-Electronics/>. Acesso em: 10 jun. 2013.
130
trnicos e edita relatrios completos a esse respeito. uma ferramenta excelente para
saber como os fabricantes agem em relao legislao, uso de matrias-primas, mo
de obra, coleta de equipamentos usados e descarte efetivo ou reciclagem.
Outra medida importante a extenso da vida til dos eletrnicos, processo denominado reuso. Por exemplo, um computador de dez anos atrs, mesmo que no sirva mais
para trabalhos cotidianos, ainda pode ser usado como servidor de rede, armazenamento
ou impresso. O software livre, com a flexibilidade que lhe inerente, pode ajudar bastante nesse sentido. Existem softwares e distribuies de GNU/Linux voltadas para computadores antigos que podem transform-los em potentes estaes de trabalho voltadas
para tarefas especficas.
bom lembrar que cada computador embute literalmente uma grande quantidade
de conhecimento aplicado. Muita pesquisa e produo cientfica foram utilizadas para
produzir cada componente, desse modo descart-lo jogar conhecimento no lixo. Deix-lo guardado no armrio da garagem deixar conhecimento parado (e apodrecendo). Por
isso, o melhor a fazer mant-lo em funcionamento pelo maior tempo possvel.
A terceira maneira de reduzir os danos do lixo eletrnico buscar o descarte responsvel. Se voc j esgotou as possibilidades de atualizao e de reuso, e precisa mesmo se
desfazer do equipamento, no o jogue no lixo! Primeiro, procure projetos sociais e educacionais que faam uso desses equipamentos. Existem dezenas de iniciativas que trabalham com eletrnicos usados como recursos educacionais.
Tambm h empresas que realizam a remanufatura ou reciclagem dos equipamentos.
Mas cuidado! Muitos oportunistas afirmam que vo reciclar o material, no entanto, o que
fazem tritur-lo e envi-lo para outros pases, como China, ndia, Nigria etc. Nesses
lugares, o material jogado em grandes montes de resduos, onde mo de obra semiescrava incluindo crianas! , sem os necessrios equipamentos de proteo, vai arrancar
as partes que prestam e incinerar as sobras. Assim, se algum oferecer dinheiro por seus
eletrnicos usados, desconfie, pois a reciclagem total e apropriada desse tipo de material
no lucrativa a tal ponto.
Em ltimo caso, entre em contato com a prefeitura de seu municpio e pergunte o que
fazer com seus equipamentos. Como veremos a seguir, possvel que ela no tenha uma
resposta adequada, e isso j um chamado ao.
Reciclagem e PNRS
A ideia de reciclagem est associada no imaginrio coletivo ao comportamento sustentvel tanto em termos ambientais quanto financeiros. Os exemplos bem-sucedidos
do alumnio e do vidro contribuem para essa percepo. Entretanto, o caso dos eletrnicos mais complexo. A presena de elementos nobres, como o ouro, sugere que a reciclagem pode ser um bom negcio. Todavia, a maior parte do volume dos eletrnicos
constitui material com pouca serventia plsticos de difcil reaproveitamento, placas
131
compostas por finas camadas de diferentes materiais etc. A composio complexa, com
dezenas de materiais em pequenas quantidades, faz com que sua decomposio para
reciclagem seja muito difcil. Alguns desses materiais so verdadeiramente txicos, de
modo que tais equipamentos no devem ser descartados junto ao lixo comum, sob o
risco de contaminarem o meio ambiente.
A reciclagem o processo de isolar os elementos que compem as coisas e reinseri-los
no processo produtivo. Em todo o mundo, o reaproveitamento de eletrnicos um mercado em franco crescimento. O problema que, se feito da maneira adequada, ele no
diretamente lucrativo, como acontece com o alumnio.
Conforme mencionei antes, o mercado brasileiro de reciclagem de eletrnicos, com
raras excees, est povoado de atravessadores que simplesmente trituram o material
e o enviam para pases que permitem que trabalhadores precrios desmontem esses
equipamentos e deixem de lado tudo o que no serve. Quase sempre, as empresas que
trabalham em solo nacional deixam de observar as normas de segurana do trabalho e de
descarte de resduos qumicos. Mesmo aqui no Brasil, so conhecidos os casos de empresas que usam mo de obra de adolescentes, sem proteo contra os elementos txicos.
Ou seja, nem sempre a reciclagem se torna a sada mais adequada.
Para enfrentar essa situao, precisamos de uma infraestrutura legal e administrativa
que ainda no temos. Depois de 19 anos tramitando no Congresso Nacional, em 2012
foi finalmente aprovada a Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS), que estabelece
regras para o tratamento de diversos tipos de lixo. Na reta final de aprovao da lei, um
deputado chegou a excluir os eletrnicos da pauta de discusses. O blog Lixo Eletrnico
(http://lixoeletronico.org) convocou um abaixo-assinado e fez uma campanha pblica
para evitar que a PNRS fosse aprovada sem incluir os eletrnicos em suas decises. O
bom senso prevaleceu, e hoje temos uma legislao mais moderna, que prev mecanismos adotados pela Europa, Estados Unidos e outros pases, como a logstica reversa para
os eletrnicos. Isso significa que os fabricantes sero responsabilizados pela coleta e tratamento dos equipamentos descartados por seus consumidores.
No Brasil, a existncia de uma lei no garantia de que as coisas vo acontecer. Ainda
temos um longo caminho a percorrer rumo a regulamentao e consequente criao de
estruturas para o tratamento correto do lixo eletrnico. No so somente as empresas que
precisam se adequar. O ideal que o poder pblico, em especial as administraes municipais, facilite a recepo e triagem dos materiais eletrnicos, que depois sero encaminhados para as empresas. A falta dessas estruturas locais um dos motivos responsveis pela
chamada minerao urbana: pessoas que sobrevivem de procurar material eletrnico nos
lixes e ruas de grandes cidades, revendendo-o para o mercado negro dos atravessadores.
Sem a colaborao do poder pblico, tanto no sentido de criar e financiar estruturas de logstica e tratamento de resduos eletroeletrnicos quanto para contrabalanar o poder desproporcional da indstria, nunca chegaremos a solues estruturadas de tratamento desses resduos.
E somente aps ter essa base poderemos pensar em solues mais experimentais e criativas.
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MetaReciclagem
A rede MetaReciclagem existe desde 2002, reunindo pessoas e projetos do Brasil inteiro interessados na apropriao crtica de tecnologias. Alm de questionar o consumismo
exacerbado, caracterstico do mercado de eletrnicos, ela est relacionada valorizao
da inventividade cotidiana no trato com as tecnologias. Quando foi criada, a iniciativa
baseava-se em laboratrios (os chamados Esporos), que recebiam doaes de computadores nos quais se instalava software livre para o encaminhamento a projetos sociais. Ao
longo dos anos, ampliou-se o escopo de atuao da rede para abranger outros assuntos
que no apenas o lixo eletrnico, e quase todos os seus ncleos pararam de receber doaes abertamente aps vivenciar a circunstncia de ter um galpo lotado de equipamentos inutilizveis, de modo a ter de pagar para recicl-los. A rede conta com centenas
de integrantes, foi premiada e reconhecida internacionalmente, e tem influenciado polticas pblicas de acesso tecnologia e de cultura digital em todo o Brasil.
Ao longo dos anos, a MetaReciclagem experimentou diversas formas de atuao. A
partir dos laboratrios experimentais, montados em diferentes localidades, alguns de
seus integrantes elaboraram colaborativamente um modelo para o reaproveitamento de
eletrnicos usados que poderia ser aplicado em larga escala. Em um plano ideal, esse
modelo consistiria em trs estratos:
Prticas compartilhadas: espao on-line de aprendizado distribudo sobre tcnicas de triagem, remanufatura e reaproveitamento de equipamentos , incluindo usos no triviais de
eletrnicos como suporte para intervenes artsticas, matria-prima para artesanato ou
material didtico. O contedo dessa camada deve ser disponibilizado com licenciamento
livre e acesso gratuito a qualquer pessoa ou organizao.
Esse modelo reduz o impacto do material e promove uma srie de contrapartidas para
a sociedade, mas no pode se sustentar no mbito financeiro somente com a venda de
equipamentos. A inteno no retirar a responsabilidade da indstria, mas sim priori133
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minosos. A Fundao do Software Livre (FSF, na sigla em ingls) mantm uma campanha
chamada Deliberadamente defeituosos**, que critica os aparelhos eletrnicos que adotam sistemas de gerenciamento de direitos autorais. Segundo a fundao, esses equipamentos j so projetados de maneira a retirar liberdades de seus usurios, provocando
consequncias negativas para o conhecimento humano em geral.
Apropriao crtica
Ao longo do tempo e dos diversos projetos desenvolvidos pela rede MetaReciclagem,
a ideia de apropriao crtica das tecnologias ganhou fora. a busca de um ponto de
equilbrio entre dois extremos: de um lado o consumo superficial de novas tecnologias e
o relacionamento com as novas possibilidades que elas trazem, de outro o engessamento da inovao por conta da crtica ao consumismo. A posio ideal est justamente em
meio a esses dois extremos.
A apropriao crtica valoriza a inovao cotidiana, representada pela prtica popular
da gambiarra. Smbolo do impulso criativo orientado soluo de problemas concretos,
mesmo sem acesso ao conhecimento, ferramentas ou materiais adequados, a gambiarra
se torna ainda mais importante em uma poca de crise econmica global, iminente colapso ambiental e consumismo exacerbado. Fundamenta-se na manipulao o ato de
pegar nas mos e na experimentao a sequncia de tentativas, erros e novas tentativas. D origem a uma criatividade desobediente, que no se rende precariedade e sempre enxerga o mundo lotado de potencialidades uma verdadeira lio que as culturas
populares brasileiras oferecem ao mundo. Quando em contato com as inmeras possibilidades das tecnologias de comunicao em rede, em especial aquelas ligadas ao software livre, temos um potencial de transformao gigantesco. Indivduos que contam com
a gambiarra como habilidade essencial, e se utilizem do conhecimento aberto disponvel
em rede para adquirir ideias e tcnicas, podem ser considerados inventores em potencial
de novos arranjos criativos, espalhados por todas as classes sociais e localidades do pas.
A apropriao crtica supe o amadorismo palavra oriunda do latim amare, referindo-se s pessoas que se dedicam a um ofcio mais por paixo do que necessidade de ganhar
dinheiro. Ao contrrio do que muitas vezes se pensa, os amadores esto mais abertos
inovao, justamente por no terem o domnio completo da tcnica estabelecida e no
ocuparem posio nas hierarquias profissionais, ou seja, tm mais espao para a deriva e
o desvio. Trazem consigo a possibilidade de questionar certezas e imposies, e com isso
descobrir melhores maneiras de fazer as coisas.
Outro trao caracterstico das culturas populares que faz muito sentido para a apropriao crtica de tecnologias de comunicao o mutiro agrupamento dinmico, que
se forma para cumprir tarefas coletivas, se desfazendo logo em seguida. O mutiro pos**
Disponvel em:<http://www.fsfla.org/svnwiki/texto/drm-deliberdefect.pt.html>. Acesso em: 26
nov. 2012.
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sibilita a efetiva cooperao entre pessoas e grupos, aumentando sua capacidade individual e promovendo uma sociabilidade livre e produtiva. As redes sociais on-line dialogam
muito bem com a lgica do mutiro, promovendo laos de contato entre pessoas que no
tm um convvio cotidiano. Sabemos que a abertura a novos contatos outro elemento fundamental da criatividade, de modo que estimular iniciativas dinmicas em rede
mais uma forma de potencializar a mudana.
Como vimos, as novas tecnologias de comunicao em rede trazem possibilidades
fantsticas para nossas vidas. Mas no podemos nos submeter a elas sem saber que
apresentam profundas implicaes tambm em reas que geralmente ignoramos a
extrao de minerais e a coleta de lixo urbano, por exemplo. Esperamos que a ideia de
apropriao crtica faa sentido como maneira de resistir compulso da indstria em
transformar-nos a todos em nmeros. Existem cada vez mais pessoas conectadas em
rede e fazendo uso inovador dessas tecnologias, sempre dispostas a compartilhar conhecimento e ajudar os novatos. Que essas iniciativas se multipliquem e tragam muitos
frutos positivos!@
Links
Saiba mais sobre lixo eletrnico, MetaReciclagem e apropriao crtica.
http://rede.metareciclagem.org
http://lixoeletronico.org
http://lixoeletronico.org/blog/o-ciclo-do-lixo-eletrnico-viso-geral
http://lixoeletronico.org/blog/coltan-mineracao-em-meio-uma-guerra-civil
http://www.fsfla.org/svnwiki/texto/drm-deliberdefect.pt.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Electronic_waste
http://www.greenpeace.org/international/en/campaigns/climate-change/cool-it/Guide-to-Greener-Electronics/
http://blog.makezine.com/archive/2011/02/sonys-war-on-makers-hackers-and-innovators.html
http://jaromil.dyne.org/journal/coltan_and_blood.html
Referncias
SHIRKY, Clay. L vem todo mundo: o poder de organizar sem organizaes. Rio de Janeiro:
Zahar, 2012.
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Agradecimentos
Aos autores dos textos: Cecilia Zanotti, Felipe Fonseca, Fernanda
Martins, Lia Rangel, Lucia Santaella, Marcia Padilha e Nelson
De Luca Pretto. E tambm aos coordenadores e produtores
dos projetos: Alexandre Basso (Memrias do Futuro), Alusio
Cavalcante (Telinha na Escola), Andrea Freire (Memrias do
Futuro), Carola Gonzalez (Labmovel), Celso Santiago (Jogos
Clssicos da Literatura), Chico Faganello (Filmes que Voam),
Eliane Russi (BIG Festival), Gisela Domschke (Labmovel), Gustavo
Steinberg (BIG Festival), Leila Dias (Telinha na Escola), Lia Mattos
(Memrias do Futuro), Lillian Pacheco (Gros de Luz e Gri), Lucas
Bambozzi (Labmovel), Luciana Tognon (Labmovel), Mrcia Cardim
(Oca Digital), Sebastian Gerlic (Oca Digital), Steffanie Oliveira
(Escola Digital de Batuque Tradicional), Talita Sales (Gros de Luz
e Gri) e Tico Magalhes (Escola Digital de Batuque Tradicional). E
a todos os demais na ao Educao e Cultura Digital.
em contato com jovens sonhadores, gamers apaixonados, dedicados at o fim aos seus
projetos de vida. O Livro e Game uma aventura proposta por aqueles que sonham a
contnua reinveno da literatura. O Labmovel me fez acreditar no potencial de gente que
inventa, cria, recria e modifica a realidade e o Filmes que Voam deu um super exemplo
de incluso e valorizao do audiovisual infantil brasileiro, me divertindo em muitas
tardes de chuva e de sol. No seria possvel ser a mesma pessoa de tudo isso. Nem se eu
quisesse.
Para Cecilia Zanotti
Conhecer os projetos de Educao e cultura digital pelo Brasil foi um processo muito
rico: cinema gratuito e online para crianas surdas, batuque-aula registrado na internet,
uma caravana de brincadeiras pelo Mato Grosso, vdeos feitos por alunos registrando a
riqueza oral da Bahia, uma kombi muito louca fazendo projees na prefeitura de So
Bernardo do Campo, um festival de games no Brasil, Machado de Assis em um jogo de
computador, jovens ndios Tupinamb gerindo um laboratrio de tecnologia, e um lindo
processo formativo de prticas pedaggicas nos laboratrios das escolas me fez acreditar
que nosso pas tem tudo para viver e mostrar ao mundo uma revoluo na educao que
vai caminhar de mos dadas com a cultura e com a tecnologia. nisso que eu acredito.
Um abrao de reconhecimento para cada pessoa que faz parte dessas iniciativas.
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