As Grandes Deusas Negras

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- AS GRANDES DEUSAS NEGRAS

O QUE OS ARQUETIPOS FEMININOS DO PANTEO YORUB TEM


A NOS ENSINAR HOMENS DO SC XXI

Autor: Dr. Marcus Nascimento Coelho.

SUMRIO
Introduo
Objetivos
Resolvendo algumas questes
Que tipo de verdade os mitos nos falam?
Vale a pena ouvir os mitos antigos?
E os mitos modernos?
As diferentes tipos de narrativas
A terapia mtica
O arquetipo// o mito-geral
O feminino nos pantees culturais
A cultura Africana que veio para o Brasil
O feminino no panteo Yorub
As narrativas
Yemanja
Nan
Oxum
Ob Yans

Resolvendo algumas questes

Este tpico trata de alguns pr-requisitos para uma leitura proveitosa das
narrativas que proponho analisar na segunda parte desta conversa.
Muitos das questes abordadas aqui podem no ser novidades para um
analista de mitos, mas para quem deseja entender melhor o contexto da
narrativa mtica acho que no uma perda de tempo passar os olhos pelas
pginas seguintes.
Pela amplitude temtica no possvel um aprofundamento terico de cada
uma das questes aqui abordadas, mas no final de cada tpico ser
apresentado uma biografia e notas que iro possibilitar ao interessado uma
maior ampliao e contextualizao dos conceitos tratados.
Como nasce uma mitologia?
A mitologia nasce da necessidade de dar uma explicao quilo que no
tem lgica: A VIDA.
A vida algo to maravilhoso, to raro, to fabuloso que preciso todo um
esforo intelectual para que no fiquemos paralisados por este milagre do
dia-a-dia: estar vivo.
No cosmos existem milhes e milhes de estrelas, galxias so descobertas
todos os dias e tirando Hollywood no temos notcia em um raio de
milhes de anos luz de outro planeta onde a vida se fez to punjante e bela
como a terra. E na terra, que, afinal, o nosso centro de existncia, temos o
privilgio e o fado de ter conscincia de se estar vivo. O homem o nico
animal que tem conscincia da morte, e portanto, da vida.
Vamos fazer uma experincia:
Feche os olhos.
Relaxe.
Imagine que noite uma noite muito especial, quando as estrelas brilhavam
l em cima e os animais gritavam sua fome aqui embaixo. Voc est beira
de um rio aquecendo-se em uma fogueira perdido em uma imensa plancie.
Hoje quando seu irmo morreu debaixo das garras de um leo feroz, voc
simplesmente no continuou andando, mas em um gesto indito cobriu-lhe

o corpo com a pele do animal recm abatido, e por saber que as flores
renascem, sua mo as depositou ao lado do corpo inanimado. noite e seu
crebro tenta ordenar tanta informao, existem mil formas infinitamente
maiores que voc: os lees, hienas, a morte, o frio.
Voc est s.
No existe civilizao.
No existem automveis.
No existe proteo possvel.
Voc o primeiro homem recm-sado das florestas, sua nica vantagem
seu crebro, curioso, pronto a se adaptar a cada uma das vicissitudes a que
a vida lhe impe, plstico em constante evoluo. Mil perguntas rodam sua
mente: o que aquilo l em cima? O que o aqui em baixo? Porque as
sementes brotam? Como brotam?
Da mesma forma que o leo se especializou em matar, o golfinho em nadar,
voc se especializou em imaginar como conseguir solues cada vez mais
articuladas para o dia-a-dia. E agora o problema mais difcil, seu grande
desafio: como relacionar o l em cima com o aqui embaixo. Explicar o
inexplicvel. Ento, como est s e com medo, voc se acalenta como uma
me acalenta um filho.
Assim voc se acalenta seu medo e lhe conta histrias maravilhosas,
fabulosas... histrias to bonitas que o menino-homem ps-se a dormir
embalado pelas prprias palavras.
E o consolo vem: cria-se um novo cosmos. Cosmos dois em anteposio ao
Caos, ordenado, claro, regrado pelos Deuses, pelos smbolos. J uma rosa
vermelha, no mais uma herbcea espinhenta, mas o smbolo do amor
profundo, o sorriso no mais um arreganhar de dentes, mas o prenuncio
de um contato cordial, dar as mos significa paz. As pinturas nas cavernas
de milhares de anos j esto inseridas neste Cosmos e quando os smbolos
se ordenam cria-se o MITO.

O Mito o primeiro smbolo contado em volta da fogueira, a primeira


resposta quela pergunta primeira. Religio.
A religio uma palavra de consolo, quando o que no exterior nos
aterroriza e amedronta to forte que no podemos viver o dia-a-dia,
quando a magia pequena do fazer, dormir, procriar no basta. Para dar
sentido s coisas, ento entra em jogo o grande sortilgio:
A Religio, uma poesia do corpo, sobre esperanas e nostalgias,
pronunciadas como uma prece. (1)
Assim funciona quando, decepcionado deste fazer e desfazer de todo
o dia o homem sonha com uma sociedade mais justa ou uma melhor forma
de vida e acha isto possvel, quando tem a oportunidade de ouvir as vozes
do passado a lhe contar fabulosas histrias e delas tirar conforto e
sabedoria. Ento ele faz religio, ele se re-liga(2), toma contato consigo
mesmo.Contudo , j no mais ele, so ELES, todos: os mortos, os vivos,
os que foram, os que vo ser. O Divino que nos protege do Caos, da
desordem, que se quisesse, poderia nos destruir apenas com um sopro ( um
sopro de incredulidade). Mas, enquanto houver uma vela acesa, um altar
para um deus, seja qual for, mos que supliquem , homens que sonhem uma
vida melhor, isto no vai acontecer, PORQUE S O HOMEM PODE
DESTRUIR O QUE CONSTRUIU.
Desta forma , um homem que no faz de sua vida um ato de religao, que no sonha, no tem medo do futuro, no homem, no nada.
Este sonho feito de gestos, de sons e de imagens, ou em linguagem
tcnica, de RITOS, F e MITOS.
Os Mitos so exatamente as histrias em que se baseiam as religies,
so eles que narrando como as coisas vieram existncia, o homem
explica-as e responde indiretamente a outra questo: porque elas vieram
existncia. O porque insere-se sempre no como.
Se uma religio perde seus mitos, perde seu carter, sua fora.

A mitologia de um povo sua religio viva cuja perda sempre e


em toda a parte, mesmo no caso do homem civilizado, uma catastrofe
moral.
Assim, a mitologia Yorub nasce como toda as outras mitologias, porm
como foi criada uma outra histria. Contar sua histria foge totalmente
aos objetivos deste livro, mas algumas caracteristicas tem que ficar claras
para que possamos entender melhor as histrias que pretendemos contar.
Nunca houve um pais Yoruba, com territrio estabelecido, uma religio
oficial, um exercito permamente, com um poder central. Isto um conceito
europeu que no tem sentido. O melhor paralelo para se entender tanto
politicamente como culturalmente aquela regio banhada pelo rio Niger a
Grcia Clssica, cidades-estados, que tem em comum a mesma lingua e um
panteo de deuses mais ou menos comum, com total independecia, lutar
internas em ambos os casos eram comuns, submisses religiosas,
sincretismos, etc...
Voce vai encontrar algumas cosmogonias prontas, como aquela que cita o
nascimento da maioria dos Orixs, do ventre de Yemanj (1).
Dad; deusa ou orix dos vegetais,
Xang; deus do trovo,
Ogum, deus do ferro e da guerra,
Olokun, deus do mar,
Olax, deusa dos lagos,
Oy, deusa do rio Niger,
Oxum, deusa do rio Oxum,
Ob, deusa do rio Ob,
Ok, orix da agricultura,
Oxossi, deus dos caadores,
Ok, deus das montanhas,

Aj-Xalag, deus da sade,


Xapon, deus da varola,
Orun, o sol,
Oxu, a lua.
Devemos sempre desconfiar dos presentes divinos. Este panteo pronto e
acabado perfeito demais, tentador demais para que seja verdadeiro, o logo
abaixo encontramos:
de crer que esta lenda seja relativamente recente e pouco
espalhada entre os nagos (1). Os nossos negros que dirigem e se ocupam do
culto yorubano, mesmo os que estiveram recentemente na frica, de todo a
ignoram e alguns a contestam.(2)
As incongruencias so evidentes por si s. Neste panteo tanto If como
Exu, entidades fundamentais para a compreensso da cosmogonia Yoruba,
esto ausentes. Ao mesmo tempo que aparecem deuses que no possuem
mais um referencial cultural, outras cosmognias iro aparecer no decurso
deste livro reforando a posio de expor uma a uma as lendas, sem tentar
amarra-las de maneira a fornecer um enredo encadeado e simplificado
como , por exemplo, a Ilada de Homero ou as peas teatrais dos trgicos
gregos, elas tambm uma formalizao e enquadramento do que era um
tecido vivo da tradio popular. Nas palavras de um grande mitlogo Junito
Brando, em depoimento pessoal; as variantes so o oxignio do mito.
N.R.
(1) Nina Rodrigues. Os Africanos no Brasil, pag 222
(1) Verger a contesta de todo no seu livro Orixspag 194
(2) Nina, pag 223.
captulo:
(1) O aprofundamento deste conceito realizado em Jung, Psicologia e
Religio Oriental.
(2) Rubem Alves in O tema: A Ressureio do corpo.
(3) Conceito dado por Lactncio e S. Agostinho que fazem derivar religio
de religare. Dicionrio de Filosofia.

Que tipo de verdade os mitos nos falam?


A verdade mitolgica e as outras verdades.
Como nasceu a mitologia Yoruba

Identificando sua energia.


muito comum ouvirmos fulano diz: Sou filho de
Oxal, sou filha de Ogum, etc.... Mas o que REALMENTE isto
quer dizer.
Inicialmente, os Orixs so frutos de uma sociedade
totmica, ou seja, cada famlia/cl possui um totem, uma
figura protetora, que geralmente era considerado um
antepassado comum, portanto, l na frica ser filho de
Oxal queria dizer que voc estava ligado por traos de
sangue a um determinado cl e este cl tinha, no caso,
Oxal, por protetor.
Casamentos, alianas polticas, formas de trabalho
eram orientados pela conduta mitolgica de determinados
Orixs.
Quando o negro vem para o Brasil no mais possvel
manter a estrutura familiar como forma iniciativa. A
famlia passa a ser confirmada pelo jogo dos bzios,
iniciaes feitas pelas mes de santo - as grandes guardis
desta cultura. A importncia da mulher como centro da vida
cultural do negro fundamental para sua perpetuao, e no
terreiro que o negro se reencontrava como indivduo e
como participante real de uma sociedade. Da a importncia
de uma reconstituio de uma famlia mitolgica. Saber de
quem era filho, seu Orix de cabea, seus avs e avs,
seu guardio, etc...

Esta famlia, funcionava como funcionaria uma famlia


padro, um pai, uma me . Todos ns temos um princpio
feminino e outro masculino, um padrinho, aquele que vai
nos proteger, quando nos faltar pai e me, e nossos avs.
Ser filho de Oxal ento ter como caractersticas bsicas
de sua personalidade este arqutipo, mas isto pouco,
deve-se saber seu outro orix, que, normalmente, uma
complementao em termos de energia do primeiro, e
ainda falta descobrir seus avs e avs que no energias
sutis que s aparecem em determinados momentos, e que
so somente suas.
Se isto for levado em conta fica fcil de entender porque
um filho de Oxal pode ser to diferente de outro filho.
Apesar dos dois terem caractersticas parecidas, sua
individualidade e dado por energias sutis que cada um tem
e somente ele tem.
E a melhor soluo para este novelo consultar uma
grande me de Santo e ficar sabendo qual a sua genealogia
mitolgica.
Uma outra forma imaginar que cada Orix uma
determinada faixa de energia, raios gama, raios X, violeta,
ondas curtas , etc...no existem? Tudo energia, mas cada
um com sua caracterstica, no mesmo.
Uma outra metfora, que alis, prefiro. Pegue um prisma, o
coloque sob a luz em determinado angulo a luz que o
atravessa se decompe em sete cores. E se voc colocar
seu dedo em uma das faixas vai notar que ele fica colorido.
Ora o luz no tem cor, ela possui todas as cores, quando se
decompe toma caractersticas diferentes. Lindo isto,
podemos pensar na vida do homem neste plano da
existncia, estar entre dois prismas.
A luz o absoluto, a constante universal, sem tempo e
espao, inatingvel, inteligvel, no nos cabe perguntar
sobre, como ou porque, apenas e devemos, a cada dia
render graas a ela. Contudo o nosso reino colorido,
existimos no arco ris da vida que se faz colorida de acordo

com a nossa trajetria, para depois quando atingirmos o


outro prisma, sermos novamente, somente, totalmente luz.
Particularmente, prefiro acreditar nesta imagem, me faz
melhor, me faz acreditar que a vida boa e isto o quanto
basta.
Neste modelo de existncia, os orixs so como faixas de
cores de acordo com sua trajetria pessoal vibra de
acordo com uma determinada luz.
claro, que existe uma cor que voc se identifica mais,
se sente melhor, porm voc pode e deve percorrer todo o
arco-ris.
Vamos supor que sua cor seja o branco de Oxal. Ora
muito Oxal intolerante, pouco sujeito as mudanas,
teimoso, obstinado, com um pouco do amarelo-ouro de
Oxum ( 1) d o bege da compreenso, da riqueza com
sabedoria, o conhecimento compartilhado.
Nunca demais apostar na capacidade de transcendncia
que todo o homem tem dentro de si. Voc conhece o seu
Orix para poder mudar, se identificar com um arqutipo
e ter a oportunidade de se ver no espelho, e saber como
ele funciona para que VOCE possa supera-lo, est a
misso que est escrita nas estrelas S voc pode
cumpri-la. A jornada do heri e todos os Orixs so heroicos
aponta sempre para uma s direo: a transcendncia.
Desta forma ser filho de Oxal no um ponto de chegada,
mas o incio para a caminhada e nela voc vai se ver como
Oxum, Exu, Oxssi e a felicidade est em poder estar
harmoniosamente, tranquilamente, em cada uma destas
cores.
Vamos supor, voc encontra um parceiro/parceira que lhe
agrada lhe encanta, porque no fazer brotar dentro de si
toda a seduo de Oxum, mas se ao aproximar-se mais
notar que no exatamente aquilo que voc esperava, no
caia na armadilha que Ob caiu, lute como Ians lutou
contra Ogum e saia a procura do seu verdadeiro amor.

Voc est decidindo um negcio importante, muita


responsabilidade, tudo depende de voc, o seu futuro e
de sua firma que esto em jogo. Mas voc tem que fazer
uma opo o trabalho ou sua famlia, saiba como Nan
teve que lidar com isto.
Voc foi humilhada/o injustamente, recebeu uma tremenda
bronca e no fez nada para merecer isto, eles merecem
uma lio, no . Como que Oxum resolveu este caso?
Neste captulo voc vai entrar em contado com as
caractersticas bsicas de cada Orix, tratado neste livro,
so informaes que podem ser facilmente obtidas em
diversas outras edies o que vou fazer aqui e dar um
resumo do que diversos autores e pesquisadores dizem e
no final dar uma pincelada para que a coisa fique um
pouco mais clara.
Lembre-se que cada linha estudada, Umbanda, Quimbanda,
casa de caboclo, tem sua prpria concepo destas
caractersticas. No existe aqui a menor inteno de
realizar um juzo de valores, apenas, volto a repetir
apresentar um quadro geral de cada orix para que voc
faa a escolha.
O princpio feminino do panteo africano possui as mais
diversas manifestaes, mas por uma srie de
circunstncias sociais e histrica, como j foi observado no
capitulo Os Yorubas este panteo ficou resumido em cinco
grandes ciclos: Ob, Oxum, Yans, Yemanj e Nan. So
elas as representantes de um sem nmero de outras figuras
que lhes legaram seus atributos e por uma razo ou outra
no conseguiram manter-se com uma individualidade
prpria.
Este , por exemplo, o caso de EU, orix das guas, deusa
do rio Iew, na frica. Guerreira valente, usa roupas
vermelhas (como Yans) gosta de pato, pombo, une a
coragem e a deciso mansa ternura das fontes, pois nelas
vive, o som da gua corrente sua voz (Bahia de Todos os
Santos), ou Oxu, a lua, orix que conta apenas de uma
relao colhida por Nina Rodrigues sem maiores
informaes e de crer que o prprio Nina d pouca

importncia a esta relao pois no volta a trat-la no resto


do seu livro.
Desta forma estas qualidades e atribuies no se
perdem, vo se justapondo e se agregando a um arqutipo
maior.
Ob.
Ob quer dizer Rainha (1). Deusa do rio Ob. a terceira
mulher de Xang. Veste vermelho e branco. Usa escudo e
lana (2) ou adaga (1). Seu domnio so as guas revoltas.
Entre os orixs femininos da linha de Umbanda o esprito
guerreiro(3). Seu dia, segundo Buonfiglio, quarta feira.
Segundo Donato, quinta. Ora, quinta feira o dia de Ogum
e Oxssi. J em Porto Alegre Xapan e Ob dividem a
quarta (4). Na Bahia quarta feira o dia de Xang e Ians
(4). Temos ento uma multiplicidade de consagraes que
encontram
lgica
na
medida
que
admitimos
a
independncia dos terreiros e linhas, cada um com sua
cosmogonia. Porque o que fica claro que atravs desta
viso cosmognica que os orixs so saudados e
hierarquizados (5).
Ob como coquem, cabra e pato. Dana tapando com a
mo o lado do rosto onde cortou a orelha(6).
A caracterstica mais marcante de Ob a masculinidade, a
dificuldade de ser gentil. Ela decidida e objetiva em suas
atitudes.
A iniciao de uma filha de Ob requer certas ervas
especiais, difceis de serem encontradas no Brasil. Por isso,
o nmero de filhas de Ians, de caractersticas muito
semelhantes s de Ob, cresce a cada dia.
Sua saudao Ob Xir (Rainha poderosa, forte). (1)
N.R.
Fontes para o texto de Ob. Mnica Buonfiglio (1), Bahia de
Todos os Santos (2); H. Donato (3); Bastide (4).

(5) O tema da hierarquia ser tratado em outro captulo.


(6) Esta caracterstica relatada no Itan que conta a briga
entre Ob e Oxum.
Comumente Yans, Oxum e Ob so apresentadas como
irms, o que em termos de narrativa mitolgica quer dizer
que suas histrias se cruzam ( Oxum cria os filhos de
Yans), as trs so casadas com Xang e tem como
primeiro marido Ogum. Chegando, inclusive a serem
confundidas como protagonistas como o caso da lenda do
rei de Owu em que Verger conta, em Lendas Africanas,
como sendo um episdio de Oxum, e, em Orixs, como
sendo de Ob.
Fazendo a devida ressalva, pode-se concluir, realmente
uma intima relao entre as trs deusas. Sem correr o risco
de uma simplificao pode-se afirmar que os arqutipos
conjuntos das trs deusas revelam a face mais social da
alma feminina. Yemanj a grande me, casada com Oxal
e Nan, a av, tambm casada com Oxal, pertencem a
primeira gerao das deusas, entidades da criao
primordial. J nas histrias de Oxum, Ob, e Yans nota-se
na maioria delas o que poderamos chamar de dimenso
familiar.
So histrias de traies maritais, abandonos de filhos,
lutas pelo poder entre as esposas, vinganas, etc.....
Esclarecedor a colocao de Verger acerca das trs
mulheres de Xang:
Ob torna-se a terceira mulher de Xang, pois
era forte e corajosa. A primeira mulher de Xang
foi Oi-Yans que era bela e fascinante. A
segunda foi Oxum, que era coquete e vaidosa.

(1)
O mito plstico e deve ser analisado de acordo com
suas relaes com o prprio enredo.

Oxum no somente coquete e vaidosa. Sabemos que


o seu mito-gema representa algo mais profundo e antigo: a
gua fecundante.
Yans, rainha das tempestades,
feminilidade em transcendncia.

dos

Eguns,

Ob, a mulher guerreira, o animus exaltado. Esta sua


parte masculina que exacerba e a incompatibiliza para uma
vida a dois, resqucio de um perodo matrilinear que j foi
deixado para trs, mas que fica na memria do mito.
Este arqutipo possui duas faces: A mulher como rival
e vencedora dos homens, e o segundo como mrtir (veja o
sincretismo com Santa Catarina).
No primeiro caso o mito de Ob remete-nos aos
primrdios da estruturao social quando o homem assume
o lugar de mando dentro da comunidade. Este domnio do
masculino no entanto no se faz de forma pacfica ou
ordeira, ao contrrio, e pela fora e pelo estrupo ritual, leia
o itan no captulo sobre Ob. Temos uma srie de mitos que
confirmam esta forma violenta de transio as amazonas,
guerreiras gregas, as Valqurias filhas de Votan, as bruxas
da cultura ocidental, todas elas atestam que o domnio
masculino no incontestvel, e que por baixo da aparente
submisso feminina h uma revolta latente, combativa,
deve-se notar, pela ironia e pelo desprezo da cultura
machista em relao a ela.
Oxum - O rio que banha as terras ferteis
Oxum a segunda mulher de Xang. Divindade do Rio
Oxum, faceira e vaidosa. Simbolizada por seixos do rio,
pulseiras de metal e o Abeb. Sincretizada com Nossa
Senhora das Candeiras, N.S. da Aparecida e Sta. Catarina,
suas contas so amarelo-ouro, no camdombl e azul e
brancas na Umbanda. Seu dia, sbado. Gosta de Mulucu,
feito de cebola e feijo fradinho, sal e camaro e de Adum,
feito de fub e milho com mel de abelhas e azeite de
cheiro, de Pet - inhame com camaro e cebola. Dana com
o abeb na mo, fazendo mmicas de quem se banha no

rio, penteia os cabelos, alisa as faces, pe colares e


pulseiras, olha-se no espelho e sacode os braceletes que
lhe enchem os braos.
Sauda-se : Ora Yeyo ! ( Candombl)
Ai i minh ( Umbanda) (1)
As origens de Oxum
As verses mais conhecidas recaem sempre no amor
incestuoso de Orugan por sua me Iemanj, de cujos seios
brotaram muitas guas e de cujo ventre nasceram quinze
deuses, inclusive Oxum - a deusa do rio Oxum.
Outra lenda diz que Oxum a filha predileta de Oxal,
porque nasceu com uma colher de prata na boca e,
medida que o tempo passava, ela continuava jovem, cada
vez mais bela e com predicados to nobres que foi coroada
como rainha das deusas.
Houve ainda, quem afirmasse que Oxum sendo a
encarnao da perptua juventude casou-se com Oxossi, o
deus dos caadores, que havia guardado castidade at que
a conheceu.
Enfim, em outra lenda Oxum aparece como rival de Ians,
ambos compartilhando o amor do deus Xang. Depois de
ser rainha Ians partiu deste mundo passando condio
de santa ( Santa Brbara), a senhora dos ventos e das
tempestades, deixando aos cuidados de Oxum os filhos que
havia tido com Xang (2)
Este resumo das lendas de Oxum realizado por Jacimar
Silva no seu livro Todos os Segredos de Oxumnos permite
uma maior aproximao do seu arqutipo, ou melhor, de
alguns dos aspectos que, aparentemente desconexos, iro
se completar em um quadro nico.
O primeiro Itan nos mostra Oxum nascendo com seus
catorze irmos do ventre de Yemanj, que aqui assume o
papel de gua primal, placentria. Desta imensa me,
Oxum seu aspecto mais doce, a gua que corre mansa,
trazendo fartura para a terra. O rio Oxum o smbolo de
todos os rios mansos, rios de plancie.

H para os povos sedentrios toda uma poesia nestas


guas clidas. O amor de Oxum nasce do amor que o
homem possui pela sua terra de origem, e sua riqueza, da
fertilidade do humus deixado s margens.
No centro de cada grande civilizao h um rio para
garantir sua subsistncia: o Ganges, o Amarelo, o Nilo. O
mito-gema (3), que conta a aventura da passagem do
homem caador para o homem sedentrio, desdobra-se nas
histrias de abundncia e riqueza que em cada cultura
encarnada por uma determinada personagem: Ceres, na
Grcia, desempenha o mesmo papel, Isis, no Egito,
representa a terra frtil, N-Gua, criadora dos homens, na
mitologia chinesa. (4)
Assim, nada mais natural que Oxum, ( j na segunda lenda)
, nascesse marcada com uma colher de prata na boca.
Que bela alegoria para a palavra abundncia!! Trs vezes
aqui mencionada: primeiro com uma colher. Comer com
uma colher: muito, facilmente, sem precisar separar nada.
De prata (5), o signo da prata, da riqueza material mas ,
tambm da riqueza espiritual, desta forma , duas vezes
abenoada. A ddiva de Oxum deve ir boca, no para ser
devorada com a sofreguido dos famintos, mas com o
requinte daqueles que sabem de uma mesa farta amanh.
Assim, Oxum o eterno renascer. A cada estao suas
guas so sempre novas, deixando por onde passa a
abundncia e a fertilidade.
Para tal vulto, um noivo, que seu complemento natural: o
senhor dos caadores, Oxossi, rei de Kto. Desta unio:
Olum-de. O nomanismo do caador (Oxossi) unido ao
sedentarismo ( Oxum) resulta na civilizao Olum-de (6).
Neste itan, outro aspecto de Oxum revelado: sua paixo
, desdobramento natural da soma de seus atributos: a
beleza e a juventude. Fossem todas as mulheres como
Oxum.... contudo, isto seria menosprezar a argcia dos
Freuds , Jungs nigerianos, sbios annimos que mapearam
to bem a alma feminina.

Oxum uma faceta da alma feminina, o mito sempre


menor do que aquilo que trata.O homem rico em deuses,
e quanto mais rica uma cultura mais deuses ter.
A ligao de Oxum com Ians profunda, o ltimo episdio
citado por Jocimar vem reforar o quadro que estamos
apresentando desde o nascimento de Oxum, bela, jovem,
feiticeira , apaixonada e me extremada. Oxum a irm
masi velha de Ians, mais sbia, no seu aspecto de
manutendora, que no deixa de ser apenas o
desdobramento do mito-gema da terra frtil.
Notas deste capitulo
(1)

Fonte: Sete Portas da Bahia e Os Orixs.

(2) Texto de abertura do livro Todos os segredos de


Oxum.
(3) Mito-gema: o significado metafisico que est por trs
da narrativa mitologia.Por trs do rito existe o mito , por
trs do mito , existe a alegoria, por trs da alegoria, existe
o mito-gema que subsiste como uma base para todos os
mitos culturais. Podemos citar um sem numero de mitos de
diversas
civilizaes
que
quando
estudados
em
profundidade revelam-se tangenciais, enfocando problemas
nicos perenes que qualquer civilizao. Existe at um
ramo da mitologia que chama-se mitologia comparada que
trata exatamente deste aspecto. Recorerei a este conceito
toda a fez que durante a explicao de determinado
episdio houver relao com outro de civilizao diferente.
(4)

Ceres - divindade da vegetao e da terra.

Demeter - divindade grega, senhora da terra frtil.


(Dicionrio de Mitologia Grego-Romana)
Isis-

( dicionrio de Mitologia Egpcia)

N - Gua - China Lendas e Mitos.


(5) possivel que o detalhe da colher de prata seja uma
contaminaocultural fruto do novo mundo, j que o
metal mais precioso no pas Yoruba , nos tempos antigos,
o cobre, e as joias de Oxum, tradicionalmente, so de

cobre, esta relao fica clara nas saudaes que lhe so


dirigidas:
Mulher elegante que tem jias de cobre macio.
uma cliente dos mercadores de cobre.
Oxum limpa suas jias de cobre antes de limpar os filhos
( Verger)
A troca de prata pelo cobre, porm, no altera o
simbolismo, j que o cobre vermelho e representa,
fundamentalmente, o elemento gua e segundo Chevalier ,
o ouro seria uma concentrao do cobre.

Yans
Yans ou Oy, espsa de Xang, de origem sudanesa ( Veja
Joo DOxossi verbete Yans), divindade dos ventos, das
tempestades e do rio Niger. De temperamento forte,
sensual, e autoritria. o nico orix capaz de enfrentar os
Eguns ou esprito dos mortos. Sincretizada com Santa
Brbara suas contas so roxas. Seu dia quarta feira. Gosta
de acaraj e no suporta abbora. Sacrificam-lhe cabras.
Dana agitando os braos como que para enxotar almas ou
com alfange ( espada) e um Eruexim de rabo de cavalo.
Sauda-se gritando: Epa! Hei ! ( Informaes contidas in Sete
Portas da Bahia).
Quando Ou Bali comanda os eguns divindade do rio
Niger. Acompanha seu marido Xang na guerra.
A mais velha das Yanss chama-se Oy Ijeb. Yans
protege as mulheres de vida livre. O amarelo e o verde so
suas cores; espada de cobre por insignia ( alfange).
Tambm chamada Oxum (sic !) Informao contida no
verbete Yans no Dicionrio de Mitologia Donato. No
encontramos em nenhuma outra fonte coraborao desta
afirmativa, esta confuso, deve-se, possivelmente, a intima
relao entre Oxum e Yans, como est mencionado
posteriormente.

Yans est ligada aos fenomenos atmosfricos e de


forma mais sutil ao mito da lua ( enquanto smbolo do
principio feminino instigante perigoso - a lua Negra). no
desdobramento destes elementos que vamos encontrar a
verdadeira natureza desta Orix.
Suas lendas a associaam a Ogum e a Xang e aos
mortos. Irm ou filha de Oxum. Conta-se que na verso em
que Yans e filha adotiva de Oxum, para explicar sua
associao ao elemento liquido ( ela tambm uma grande
me) trai a mo com o padrasto Oxossi onde se explica sua
associao aos animais, floresta e aos espritos que a
povoam.
Esta multiplicidade de associaes aplicadas nas
variaveis do arquetipo principal, em ver de deturpa-lo
devem ser um aviso para reafirmar a mutabilidade do mito
e lembrarnos sempre de sua unicidade. .
Yans o desdobramento natural de Oxum, no
como Ob de uma inconpreensso da natureza masculina,
ao contrrio, por comprende-la bem demais, as vezes ,
entra em conflito com ela. Seu arquetipo o que mais se
distancia de uma me usual, apesar da maternidade
exercer sobre ela um continua fascinio, Yans no admite
que isto se transforme no elemento chave de sua
existncia. Mulher ideal e pesadelo de todos os homens,
Yans traa na mitologia machista Yorub um grito de
revolta, da fora feminina na sua dimenso poltica, ou seja,
na interao social mais que nas foras octonicas
representadas por Yemanj, por tudo isto Yans de um
carater contraditrio e instigante.

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