Arq 20121218183902 1
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Arq 20121218183902 1
PORTO ALEGRE-RS
2011
PORTO ALEGRE-RS
2011
analista
honesto
deveria
se
SOU GRATA
LISTA DE ILUSTRAES
RESUMO
ABSTRACT
SUMRIO
1 INTRODUO.......................................................................................................08
4 CONCLUSO........................................................................................................ 67
5 REFERNCIAS..................................................................................................... 74
6 OBRAS CONSULTADAS..................................................................................... 78
1 INTRODUO
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aperfeioado com o objetivo de diminuir o poder individual da mulher
em todos os nveis [...]. A beleza, como trampolim para o poder, foi
redefinida de forma a prometer s mulheres o tipo de poder que o
dinheiro, de fato, d aos homens. Nos anos 1980, a beleza j
apresentava, em questo de status para as mulheres, o mesmo papel
que o dinheiro representava para os homens. Esta relao mostra, de
forma clara, uma postura defensiva diante de concorrentes
agressivas em relao masculinidade ou feminilidade. Em pensar
que, nos tempos primitivos, no havia concorrncia, e sim parceria e
cumplicidade em prol da sobrevivncia da espcie humana (SILVA,
2005, p. 29).
10
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gerando uma inflao, que pode ser projetada no corpo. Neste sentido, o Si-mesmo,
no carter narcisista aparece dividido, dissociando o corpo da alma; assim como, o
belo do feio. Neste sentido, o conceito de beleza se reduz ao ponto de vista da
persona, cuja viso unilateral causa a represso da beleza, de acordo com Hillman
(1993). Pois, segundo ele, hoje somos inconscientes da beleza, somos antiestticos,
estamos anestesiados, psiquicamente.
A ditadura da beleza e seus sintomas podem ser entendidos como
conseqncia de uma sociedade com problemas narcisistas no transformados.
Trata-se de um problema de ordem moral, porque a beleza pode ser definida tanto
esteticamente quanto de um ponto de vista tico: o belo e o feio; o bom e o mal.
Assim, a ditadura da beleza pode ser considerada uma questo da
sombra coletiva; e, portanto, somente atravs dela possvel corrigir a persona
narcisista e arrogante do homem moderno.
A transformao do narcisismo exige a integrao dos aspectos divididos
do Si-mesmo atravs da sombra; ou, em outras palavras, atravs do retorno dos
Deuses, que tem a tarefa de punir o homem pela sua Hybris; ou seja, pelo ato de
transgresso dos seus limites humanos.
Muitas meninas, "mulheres" e "homens", meninos, tambm, esto
identificados com os padres de beleza da persona, presos num ideal narcisista de
perfeio, distantes da vida e da alma, tornando-se pessoas apticas, entorpecidas,
narcotizadas.
De acordo com o pensamento de Hillman (1993), o excesso s pode ser
contido pelo retorno dos Deuses. Segundo ele, um dos caminhos para a cura do
narcisismo ou titanismo de hoje, que so os excessos, as enormidades, as manias e
compulses o despertar das emoes, como a raiva, o medo, a vergonha, por
serem reaes que informam nosso corpo e esprito sobre como existir.
Sabe-se que Dionsio foi um dos inimigos dos Tits, representando
arquetipicamente, uma fora de oposio ao titanismo. O retorno do dionisaco a
liberao de tudo o que pertence alma, a beleza e a feira que est em cada uma
e todas as coisas, e se expressa por meio da vida corprea de cada pessoa.
De acordo com Hillman (1993, p. 150), a cura para este entorpecimento
psquico, esta inconscincia que leva morte da alma, passa por uma reao
esttica, pelo sentido da beleza como fora arquetpica, que se desloca do universal
para o particular, despertando os sentidos para o verdadeiro xtase criativo. Para
15
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de
transtornos
alimentares,
que
se
caracterizam por
uma
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daquilo que se julga perfeito e bonito. Parece que, de acordo com estes ideais, no
h espao para a sombra. Todas as tendncias psicolgicas que no se enquadram
nestes padres so excludas da conscincia, ou permanecem como potenciais
nunca vivenciados.
De acordo com Sanford (1988, p. 67), "a personalidade da sombra
tambm pode ser encarada como uma vida no vivida". Isto significa que a sombra
no pode ser compreendida somente em termos negativos, mas com todas as suas
qualidades e potenciais necessrios para a totalidade do Si-mesmo, os quais,
portanto, devem ser integrados conscincia. A realizao da personalidade
individual depende desta energia vital contida na sombra. Como disse Jung (1985, p.
56, 132):
Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade,
excluindo-se, parece que so pecados naturais. E parece que existe
como que uma conscincia da humanidade que pune sensivelmente
todos os que, de algum modo ou alguma vez, no renunciaram
orgulhosa virtude da autoconservao e da auto-afirmao e no
confessaram sua falibilidade humana. Se no o fizerem, um muro
intransponvel segreg-los-, impedindo-os de se sentirem vivos, de
se sentirem homens no meio de outros homens.
19
20
tratamento
um olhar,
um
21
Todas essas opinies esto indo para receita de minha frmula
secreta.1
22
com os
conflitos,
aos
quais
o funcionamento
psicossomtico
est
23
24
medicina,
por
tradio,
tende
compreender
fenmeno
Para este autor, a psicologia no deve ser uma cincia das coisas fsicas
nem espirituais, mas um ponto de vista especial que inclui todos os outros ramos do
conhecimento, pois a perspectiva psicolgica est presente em tudo o que os
homens fazem, pensam e sentem.
O referencial da psicossomtica dependeria de uma terceira viso, onde
todas as polaridades podem ser vistas como parte da mesma unidade, pois sem
elas a totalidade no seria uma realidade possvel. Neste sentido, a Psicologia
Analtica de Jung pode oferecer uma viso mais ampla da relao corpo-mente,
contribuindo para o desenvolvimento da clnica mdica e psicolgica.
25
2.4.1 Meta-individuao
uma
"complexio
oppositorum"
(complementaridade
dos opostos).
Jung
26
27
28
29
qumica fisiolgica. Os que acreditam mais no esprito adotaro a
tese contrria: o corpo o apndice da mente e a causalidade reside
no esprito. A questo tem aspectos filosficos e, por no ser filsofo,
no posso arrogar a mim a deciso. Tudo o que se pode observar
empiricamente que processos do corpo e processos mentais
desenrolam-se simultaneamente e de maneira totalmente misteriosa
para ns. por causa de nossa cabea lamentvel que no podemos
conceber corpo e psique como sendo uma nica coisa;
provavelmente so uma s coisa, mas somos incapazes de conceber
isso. (JUNG, 2007, p. 49-50, 69).
Atravs da conscincia, no possvel abordar os dois aspectos, somapsique, simultaneamente, pois a informao obtida do inconsciente somtico limita a
informao do inconsciente psquico e vice-versa. A conscincia, que opera por
meio do pensamento precisa ser sacrificada para acessar o inconsciente somtico,
atravs do processo imaginrio mais prximo da funo da sensao e do
sentimento, numa relao mais estreita com o corpo.
Trata-se de uma viso mais feminina do que masculina, da funo de
Eros e menos do Logos, que neste caso interfere na expresso natural do indivduo,
no seu processo imaginativo.
Com a aquisio da conscincia, o mundo passa a ser visto de forma
polarizada, causando assim distanciamento do prprio corpo, do qual se passa a ter
vergonha por ser considerado inferior do ponto de vista do intelecto. O tratamento
dos distrbios corporais, portanto, requer a incluso do inconsciente, que a parte
do psquico relegada sombra.
O sacrifcio do esprito em benefcio do estar no corpo pode estimular o
inconsciente de modo a levar a imaginao a aparecer. O acesso atravs da
imaginao permitiria o resgate daquela parte do Si-mesmo do indivduo que ficou
perdida, deixando este empobrecido, como se o sentido da vida ficasse contido no
corpo e, inacessvel conscincia.
Para resgatar este sentido e integr-lo, re-significando sua existncia,
necessrio que o indivduo fale, compreendendo ento, que se trata de uma
linguagem primitiva, metafrica que se expressa atravs de um rgo que como um
smbolo revela alguma coisa; embora inicialmente atravs de uma imagem que
gradualmente, como num processo de aquisio da linguagem vai adquirindo
significado, podendo ento, ser expresso por meio do pensar; porm, de um
pensamento que no se situa no crebro, mas passa pelo corpo inteiro.
Jung em seus escritos sobre sua passagem pela ndia, diz que "a vida na
30
ndia no se retraiu para dentro da cabea; ainda o corpo todo que vive" (JUNG,
2000c, p. 216, 988). Observou, tambm, que o tipo de pensamento do povo
indiano muito peculiar. Segundo ele, o indiano no pensa, ele antes, percebe o
pensamento, semelhante ao primitivo, que percebe os efeitos. Segundo Jung,
Os indianos no so afetados por contradies aparentemente
intolerveis. Se existirem, porque so a peculiaridade deste pensar,
e a pessoa no responsvel por elas. Ela no as cria, j que os
pensamentos aparecem por si mesmos. O indiano no procura no
universo detalhes infinitesimais. Sua ambio ter um conspecto do
todo [...] O pensar do indiano um aumento de viso e no um
ataque predatrio aos campos ainda no conquistados da natureza.
(JUNG, 2000c, p. 227, 1012).
31
32
Qu fome esta que quanto mais cheia mais vazia a pessoa se sente?
A compulso por comida, assim como por lcool, drogas, sexo, dinheiro,
pelo poder e pela beleza ou pelo consumo em geral, se transformou num vcio
cultural.
Marion Woodman (2003, p. 62), no captulo "Vcio e Espiritualidade,
explica que ser viciado significa ser empurrado por uma energia interior na direo
de um dado objeto, que quanto mais o sujeito tem, mais precisa consegui-lo e, que
os viciados tendem a se deslocar de um vcio para outro, como, por exemplo, da
obesidade anorexia e ao alcoolismo. Sobre esta terrvel nsia do vcio, ela diz:
como se nossa civilizao inteira alimentasse a fome, no para
satisfaz-la, mas para nos tornar mais famintos. Existe essa
sensao de: 'Eu quero mais, mais e mais alguma coisa'. Nos
distrbios da alimentao-descontrole-anorexia-bulimia voc encontra
a mesma compulso. Os viciados fazem tudo o que podem para se
disciplinar, e podem conseguir um excelente desempenho entre sete
da manh e nove da noite. Depois vo para a cama. A fora do Eu
decai e, de repente, o inconsciente vem tona. Assim que irrompe o
inconsciente com todas as suas pulsaes instintivas, o Eu perde o
controle. Ento o vcio torna-se um tirano. Sua voz a de uma criana
perdida, morta de fome: 'Eu quero, eu quero, eu quero, e vou ter'.
Essa uma maneira como o fraco confunde o forte. (WOODMAN,
2003, p. 64).
33
34
A libido um appetitus em seu estado natural. Filogeneticamente so
as necessidades fsicas como fome, sede, sono, sexualidade, e os
estados emocionais, os afetos, que constituem a natureza da libido.
Todos estes fatores tm suas diferenciaes e sutis ramificaes
nesta to complicada psique humana. (JUNG, 1989, p. 123, 194).
35
36
37
Os instintos so formas tpicas de comportamento, e todas as vezes
que nos deparamos com formas de reao que se repetem de
maneira uniforme e regular trata-se de um instinto, quer esteja
associado a um motivo consciente ou no [...]. Os arqutipos so
formas de apreenso, e todas as vezes que nos deparamos com
formas de apreenso que se repetem de maneira uniforme e regular,
temos diante de ns um arqutipo, quer reconheamos ou no seu
carter mitolgico. (JUNG, 1998b, p. 71-73, 273-280).
Mais uma vez, Jung deixa claro que a distino corpo-psique est a
servio da compreenso destes fenmenos pela conscincia, pois os processos
psquicos constituem uma totalidade, ao longo da qual a conscincia desliza de um
plo a outro, provocando a unilateralidade caracterstica do homem moderno. De
acordo com Jung, quando a conscincia se aproxima do plo instintivo, ela cai sob
sua influncia e predominam os processos compulsivos. Ao contrrio, quando a
conscincia se aproxima do outro extremo onde predomina o esprito, predomina a
vontade, a razo; sendo que quando predomina o instinto, falta desempenho
intelectual e tico e, quando predomina a razo, falta a naturalidade.
A soluo para esta dissociao est naquilo que Jung chamou de
"percepo da realidade da sombra", que:
o processo de tomada de conscincia da parte inferior da
personalidade, processo este que no deve ser entendido falsamente
no sentido de um fenmeno de natureza intelectual, porque se trata
de uma vivncia e de uma experincia que envolvem a pessoa toda.
(JUNG, 1998b, p. 145, 409).
38
Com base nestas concepes de Jung, pode-se concluir que quanto mais
o indivduo nega ou rejeita seu lado instintivo, mais desumano ele se torna,
perdendo o controle dos prprios limites, se tornando uma ameaa para si-prprio.
E, que a fome uma expresso do medo primitivo da morte; a angstia da luta
pela sobrevivncia, num mundo ameaado pela superpopulao e pela violncia. A
compulso alimentar, neste contexto, um sintoma da loucura do homem
contemporneo, que, na sua inconscincia faminto de si-mesmo e, no seu
desespero acaba consumindo a prpria alma.
39
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especial s configuraes neurticas. A exemplo de todas as
doenas, tambm a neurose um compromisso entre as causas
patognicas e a funo normal. A partir da febre, a medicina moderna
no s identifica a prpria doena, mas v nela uma reao oportuna
do organismo; assim tambm a psicanlise no v eo ipso na
neurose o antinatural e o doentio, mas contendo ela um sentido e
finalidade. (JUNG, 1998a, p. 182, 415).
Sanford (1995), em seu livro "Destino, Amor e xtase", diz que Dioniso
41
era um deus com uma misso, revelar o divino para a humanidade atravs de um
mistrio, o musterion de Dioniso, que no sentido grego, s poderia ser conhecido
atravs de uma experincia iniciatria. Esse musterion era to profundo e estranho
que ele importava o mistrio da vida. Neste ensaio ele fala da loucura dionisaca
como sendo estranha e maravilhosa e, que compreend-la significava compreender
o significado da vida.
Sabe-se que Dioniso , acima de tudo, o deus da loucura, a qual do ponto
de vista da psicologia analtica emerge para compensar uma atitude unilateral da
conscincia, como tambm, a tendncia cultural de se identificar demais com a
razo em detrimento das emoes. A loucura, portanto, o irracional, e representa
tudo aquilo que rejeitado e reprimido no mundo de hoje. Trata-se da sombra, do
feminino reprimido, que vem ao longo dos sculos se manifestando de formas
diferentes e, intrigando os profissionais da sade.
Com o Renascimento, a loucura, que na Idade Mdia era considerada
bruxaria e coisa do diabo, passou a fazer parte das discusses acadmicas e
filosficas
sendo
considerada
uma
patologia,
denominada
histeria,
cuja
42
43
arrastados
pelo
titanismo
coletivo
de
hoje
consiste
em
pensar
44
mais difcil de tudo, refleti-lo. Segundo ele, o mito rfico tem proporcionado analogias
para uma sombra in vivo, que no tem outra imagem nem configurao seno a do
excesso.
A obesidade um sintoma compulsivo que se caracteriza pelo excesso e
falta de limites. Porm, a obesidade, mais do que uma patologia a ser tratada, talvez
seja o fio de Ariadne para a compreenso do sofrimento humano no seu sentido
mais profundo.
Esta outra histria, onde Dioniso aparece: o heri Teseu tinha como
tarefa libertar o povo ateniense da tirania do rei Minos, o Rei de Creta, que era muito
temido por sacrificar jovens, colocando-os no labirinto habitado pelo Minotauro, o
qual tinha aparncia de touro e comia carne humana, e ningum que l entrava de l
saa, pois eram devorados pelo monstro. Uma vez Teseu se ofereceu como
voluntrio para o sacrifcio ao Rei Minos. Ariadne, apaixonada pelo jovem Teseu,
deu ele um fio, com o qual aps conseguir destruir o monstro, conduziu os jovens
para fora do labirinto, libertando-os. Ariadne fugiu com Teseu para a Grcia e este
abandonou sua benfeitora que foi ento encontrada por Dioniso. Este encontro
representa o amor do deus pelas mulheres, as quais tornavam-se suas seguidoras,
que eram conhecidas como mnades, que significa "as mulheres loucas"
(SANFORD, 1995, 132).
Por outro lado, quando era desprezado pelas mulheres, Dioniso as
transformava em morcegos. De acordo com a interpretao de Sanford (1995, p.
133):
[...] talvez porque o morcego seja uma criatura 'louca' um mamfero
que voa e as mulheres, por terem rejeitado a divina loucura do
deus, foram punidas pela loucura simbolizada pelo morcego. Esse
deus de xtase claramente simboliza um poder que pode atuar tanto
para o bem quanto para o mal, que pode inundar uma alma de alegria
e paz, fazendo com ela esquea as dores e desapontamentos da
vida, ou lanar sobre a pessoa uma terrvel fatalidade.
45
46
47
possibilidades
que
tanto
podem
levar
um
desenvolvimento
dificulta a
integrao
dos opostos,
consciente-inconsciente,
causando uma perturbao do eixo ego-self. Lembramos que para Jung, o Simesmo ao mesmo tempo corpo e psique, formando uma totalidade. Nas
desordens
narcsicas,
por
haver
uma
perturbao
inicial
dentro
dessa
48
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aspecto do princpio ordenador do Self, na qualidade tica e moral, o
impulso para o desenvolvimento. Ela representa o arqutipo da velha
sbia, que por meio da punio provoca a busca do desenvolvimento.
Ela age atravs da retirada de um bem que impulsiona o heri a
buscar ou desenvolver um bem maior. atravs de sua punio que
o heri levado a percorrer o seu caminho e a enfrentar as batalhas
necessrias ao seu desenvolvimento.
Eco, depois de ser amaldioada, foi tomada de paixo por Narciso, queria
se aproximar dele, com palavras e splicas de amor, mas sua natureza no lhe
permitia mais isso; ela ento, ficou a espera dos sons para que pudesse transformar
em sua prprias palavras. Narciso, perdido dos seus companheiros, perguntou: "h
algum aqui?"; Eco respondeu: "aqui". "Aproxima-te", e ela: "aproxima-te". Ele olha,
no v ningum e outra vez pergunta: "por que foges de mim?"; e ouve como
resposta suas prprias palavras. Ele pra e diz: "aqui nos encontraremos". Eco, com
todo prazer responde: "nos encontraremos". Para transformar suas palavras em
ao, sai da vegetao e tenta abraar Narciso, que assustado foge dela dizendolhe: "retira as mos, no me abraces! Que eu morra antes de conceder-te poder
sobre mim!"; "Conceder-te poder sobre mim", diz ela e se cala.
Rejeitada, ela se recolhe floresta, oculta sua face envergonhada e,
passa a viver em cavernas vazias. Desprezada, seu amor se transforma em
desespero, ela se torna descarnada e enrugada e perde todo o vio do seu corpo
que se desmancha no ar. Restando apenas sua voz e seus ossos, depois apenas
sua voz, porque dizem que seus ossos se transformaram em pedra. Somente a voz
ainda vivia nela.
O drama que se d na relao entre Narciso e Eco representa um
aspecto oposto do narcisismo, que do ponto de vista clnico o sentimento de
perda, de inferioridade, de desvalia, de rejeio, oculto pela aparncia onipotente de
narciso. a perda da auto-estima, da identidade, que aparece em forma de
sintomas psquicos e corporais. a falta de substncia, de corpo, que gera
insegurana. As jovens anorxicas personificam este padro, cujo corpo e voz
refletem um padro coletivo onde a individualidade e as diferenas no so
reconhecidas. So inconscientes de si-mesmas e tem uma viso idealizada da vida,
do outro e de si-mesmas como nica forma de existir, tal qual Eco em relao a
Narciso.
Eco submissa a Narciso. Sua fala, "conceder-te poder sobre mim",
reflete a perda da prpria voz, que sua essncia, a expresso da sua alma,
50
51
dio,
se
manifesta
em
forma
de
sintomas
na
personalidade
narcisista,
52
Hera pune Eco por estar a servio do outro e negar sua individualidade. A
perda da voz significa a perda da identidade, a falta de experincia psquica, a perda
do corpo que lhe confere presena como indivduo.
O mito mostra que quando "a voz da criao", que o canal para a
expresso da individualidade, colocada a servio da realizao do outro, ela deixa
de ser criativa, assumindo um carter considerado ilcito, que se expressa de forma
patolgica.
Podemos
observar
esta
falta
na
psicodinmica
dos
transtornos
53
54
Eco, como um dos aspectos do narcisismo, parece representar uma sada, a direo
de cura para Narciso. Atravs de Eco, Narciso chega ao seu reflexo na gua e,
ento, pode entrar no mundo simblico, o qual requer a vivncia do luto, da falta e
da capacidade de reparao, criando assim uma imagem simblica do objeto. Esta
a base somtica e psquica para a formao do smbolo, segundo Raissa Cavalcanti
(1992). A partir do episdio do reflexo, a voz, expresso da psique, se torna imagem,
ou smbolo do corpo. A desmedida de Narciso que ele se identifica com a imagem,
literalizando o smbolo, o qual perde seu significado. Isso conseqncia da
maldio.
O sintoma da anorexia, portanto, pode ser compreendido simbolicamente
como um caminho para a individuao, atravs da integrao do corpo somtico
com o corpo psquico ou simblico. Conforme ensinou Jung, muitas vezes a pessoa
adoece para poder se curar.
De acordo com a Psicologia Analtica, a neurose ou a doena uma
oportunidade de cura. O que caracteriza a gravidade da doena e seu potencial de
cura a forma crnica que ela assume.
A maldio nos contos de fadas e nos mitos representa um complexo
doente que gera um comportamento destrutivo o qual necessita de redeno.
De acordo com Marie-Louise Von Franz (1980), qualquer complexo
arquetpico pode ser alvo de maldio. Na anorexia, a doena se instala atravs do
complexo materno, devido carncia de reflexo positivo, o qual Eco, carrega a
tarefa herica de redimir; e, o faz por meio do sintoma. A perda da voz, como motivo
de redeno aparece em outros contos de fadas, como na histria dos Doze Irmos,
ou na histria dos Seis Cisnes, onde a princesa sacrifica sua fala para salvar os
irmos.
Para Von Franz (1980, p. 22):
Estar enfeitiado significa que uma certa estrutura da psique est
mutilada ou danificada em seu funcionamento e o todo , por
conseguinte afetado, pois todos os complexos vivem, por assim dizer,
dentro de uma ordem social dada pela totalidade da psique.
55
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psicoterpico, cujo tema central o corpo feminino. Para a psicologia analtica este
tema arquetpico constela o que chamamos de complexo materno.
O complexo materno, no universo feminino, o ncleo da relao
primordial me-filha, constituindo a base instintiva e corporal da psique. Trata-se de
um duplo aspecto de um mesmo tema mitolgico a mulher na sua totalidade,
considerando que toda mulher tem ao mesmo tempo uma me e uma filha dentro de
si-mesma, que, do ponto de vista da psicologia arquetpica muito bem
representada pelo mito de Demter e Persfone.
Fotografia 1 - O Rapto de Persfone
57
Hades e levada para o inferno fazendo dela sua noiva cativa. Demter, sua me
mitolgica, desesperada pediu ajuda a Zeus e Hermes, o deus mensageiro, para
resgatar a filha. Enquanto permanecia no inferno, Cor, desolada, no comia nem
bebia nada; porm, quando Zeus fez um acordo com Hades para que deixasse ela ir
embora com Hermes, Hades lhe ofereceu sementes de rom e ela aceitou. Se ela
no tivesse comido teria sido devolvida me, mas tendo comido o alimento tinha
que ficar parte do tempo no inferno com Hades e a outra parte com sua me no
mundo superior. Porm, quando se transformou em rainha dos infernos, sendo
chamada ento, de Persfone, permaneceu como guia dos heris e heronas que
desciam para o mundo inferior.
Sua importncia central nos Mistrios de Elusis est associada ao ciclo
de renovao da vida aps a morte, que psicologicamente representa o processo de
transformao da personalidade Cor, a jovem raptada, em Persfone, aquela que
se tornou mulher e rainha do mundo inferior.
A anorexia pode ser compreendida a partir destes dois padres
arquetpicos, ou padres de comportamento: Cor e Persfone.
A Cor, segundo Bolen (1990, p. 278), a "jovem annima", a mulher
que no sabe "quem ela " e est inconsciente de seus desejos e foras. A
Persfone a mulher que adquiriu uma nova conscincia de si-mesma e da vida.
Na nossa cultura a mulher criana, passiva, dependente, insegura, que
quer sempre agradar se adaptando ao desejo do outro, como forma de evitar a
agressividade, que reprimida se transforma em depresso. O sintoma depressivo,
nestas mulheres, esconde uma sombra exigente que se volta contra a me, ficando
idealmente presa ao pai; da a negao do corpo feminino.
A anorxica a mulher identificada com a Cor, cativa no mundo das
trevas, deprimida, frgil tanto fsica quanto psiquicamente. O sintoma da anorexia
uma fase de doena psicolgica que a mulher tipo Cor atravessa no seu processo
de transformao. O rapto simboliza a ruptura psquica, a anorexia como um
sintoma psictico, dissociativo, onde a mente e o corpo esto separados.
A anorxica a jovem raptada, que cai no abismo do inconsciente, em
direo s profundezas da psique. Esta descida inicialmente vivenciada de forma
patolgica por ser um processo inconsciente.
Em "O caminho para a iniciao feminina", Sylvia Perera (1985, p. 77-78)
ao abordar o tema da descida no processo de individuao feminina, afirma que:
58
As descidas mais difceis so as que vo s profundezas primitivas e
urobricas, onde sofremos algo semelhante ao esquartejamento total
[...] precisamos passar por algumas mais fceis, para afrouxarmos
endurecimentos e gerarmos energia, antes de nos arriscarmos nas
descidas fragmentadoras at as profundezas de nossas feridas
primordiais, e trabalharmos ao nvel psicossomtico do sofrimento
bsico.
59
60
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Eu estava apenas comeando a descobrir o monstro que eu tinha
dentro de mim. Um monstro que passava fome e queria virar fada.
Sozinha caindo em um buraco. Era sonho ou realidade? No mundo
real, eu queria as fantasias dos sonhos, e continuava sozinha porque
as pessoas reais eram diferentes das do sonho e isso desagradava
muito a algum to 'perfeito'. Cordas foram aparecendo para mim.
Algumas me cortaram os dedos e outras eram falsas. Eu continuava
caindo. Senti medo da morte, da cruz, e de mim mesma. Alguns
remdios de fora ajudaram, mas precisava encontrar os de dentro.
Era isso ou o sofrimento, a dor! Se Alice caiu tanto quanto eu, no
sei, mas naquele tempo todo pensei em tanta coisa que esqueci que
estava em um buraco. Quando esqueci desse mundo, toquei os ps
no cho e foi muito leve caminhar sentindo a terra aos meus ps. E a
2
histria mudou.
62
63
64
65
66
abordagem
da
totalidade
mente/corpo
exige
um
67
4 CONCLUSO
68
ganham forma e corpo e ela se torna quem ela potencialmente, de acordo com o
movimento de individuao descrito por Jung.
Os transtornos alimentares podem ser compreendidos como um caminho
de resgate da alma e do feminino, em que a doena representa um rapto psquico
necessrio para a transformao psicolgica, quando a menina dependente e
inconsciente tem que morrer para dar lugar ao nascimento da mulher, consciente e
inteira.
A construo e o desenvolvimento da identidade da mulher tm como
base o processo de identificao me e filha. E a estrutura psquica me/filha est
fundada nas bases arquetpicas da psique; e s por meio dos mitos possvel
aproximar-se desta fonte. Para melhor compreender estas estruturas psicolgicas
parte-se do particular em direo ao coletivo, para ento retornar e transformar o
indivduo.
Arquetipicamente, os transtornos alimentares representam o lado sombrio
rejeitado da alma, o feminino, que quer ser reconhecido e alimentado. So
necessidades profundas da psique que ficam margem, negadas pela cultura
patriarcal e materialista da nossa poca em que o corpo fsico est dissociado da
alma, ou psique. E, a alma, negligenciada, se projeta no corpo de forma patolgica
reclamando seu reconhecimento.
A cultura patriarcal, que tem origem nos ensinamentos cristos onde os
princpios masculinos discriminativos geraram a separao entre o bem e o mal, o
certo e o errado, atravs da conscincia racional, rejeitou e negou os aspectos
irracionais da existncia.
Esta dissociao resultou na submisso do corpo, que representa o
irracional, instintivo e inconsciente, mente racional e lgica, representante da
conscincia. As energias femininas, irracionais, ilgicas, as sensaes e emoes
inconscientes foram reprimidas.
A mulher, pela sua natureza feminina, tem sofrido profundamente na
cultura patriarcal que privilegia os valores masculinos. E o movimento feminista, por
sua vez, tem sido um grito de guerra que somente refora os princpios masculinos,
porque luta com as mesmas armas do preconceito que dissocia homens e mulheres,
exigindo um padro de igualdade que no corresponde natureza destes opostos.
A feminilidade, ao contrrio, representa a aceitao e o respeito pelas
diferenas. um movimento de acolhimento, de comunho por meio de Eros, como
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padro
Eco/Narciso
Core/Demter
na
sua
forma
redimida
em
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processo
de
integrao
ocorre
atravs
do
trabalho
de
os
aspectos
das
imagens
de
deusas
ctnicas,
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5 REFERNCIAS
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6 OBRAS CONSULTADAS