Feira de Caruaru
Feira de Caruaru
Feira de Caruaru
MINISTRO DA CULTURA
Gilberto Gil Moreira
PRESIDENTE DO IPHAN
Luiz Fernando de Almeida
Superviso
Ana Cludia Lima e Alves
Ana Gita de Oliveira
Claudia Marina M. Vasques
Marcus Vincius Carvalho Garcia
Apoio
Fabola Nogueira Gama Cardoso
5 Superintendncia Regional
Apoio de coordenao
Maria das Graas Carvalho Villas
Apoio
Adriana Christina Almeida de Albuquerque Melo
Armando Tenrio Cavalcanti
Derocy de Lira Ventilari
Elaine Mller
Maria Cristine Soares Matos Oliveira
Raquel Viana Florncio
Agradecimentos
A todos os servidores da 5 Superintendncia Regional
Coordenao da Equipe
Bartolomeu Figueira de Medeiros (Frei Tito)
Pesquisa de campo
Brbara Luna de Arajo
Carlos Frederico Pinheiro
Gustavo Magalhes Silva Miranda
Jacira Cardim de Frana
Joo Paulo de Frana Ferro Alves
Pesquisa histricodocumental
Gustavo Magalhes Silva Miranda
Janine Primo Carvalho de Meneses
Registro udiovisual
Felipe Peres Calheiros
Digitadora
Adriane Miranda Ferreira
Redao
Bartolomeu Figueira de Medeiros (Frei Tito)
Reviso de texto
Marieta Borges
Organizao
Joo Paulo de Frana Ferro Alves
Programao Visual / 5 SR
Aurlio Enedino Velho Barreto
Editorao
Elaine Mller
Joo Paulo de Frana Ferro Alves
PARCEIRO
Prefeitura Municipal de Caruaru/PE
Antnio Geraldo Rodrigues da Silva
COLABORAO
Alcir Lacerda
Geny Barbalho
Jos Mrio Austregsilo
A POIO
Centro de Estudo de Histria Municipal/PE CEHM | Eleny Pinto da Silveira Coordenadora
TV Asa Branca Equipe de Jornalismo
Dirio de Pernambuco Jailson da Paz Jornalista
A GRADECIMENTOS
Andr de Paula Deputado Federal
Arary Marrocos Bezerra Pascoal Presidente da ACACCIL
Carlos Eduardo Braga Farias Presidente / Loja Manica Cavaleiros das Sete Virtudes N 17
Djalma Farias Cintra Jnior Presidente da Associao Comercial e Empresarial de Caruaru
Erich Veloso de Arajo Shopping Center Caruaru
Everaldo Fernandes da Silva Diretor da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de
Caruaru
Fernando Soares Lyra Presidente da FUNDAJ
Frederico Pernambucano Pesquisador e Escritor
Jarbas de Andrade Vasconcelos Governador do Estado de Pernambuco
Joaquim Arruda Falco Fundao Getlio Vargas
Jos Mrio Austregsilo Secretaria de Educao e Cultura do Estado de Pernambuco
Leonardo Chaves Presidente do Poder Legislativo de Caruaru
Leonardo Dantas Silva Historiador e Jornalista
Luisa Cavalcanti Maciel Delegada Oficial CIOFF Mundial
Luiz Siqueira Assessor Extraordinrio do Gabinete do Prefeito
Marco Maciel Senador
Marcos Vinicios Vilaa Ministro de Tribunal de Contas da Unio
Maria do Socorro Maciel Presidente da Seo Nacional do Brasil CIOFF
Mons. Olivaldo Pereira Silva Vigrio Geral da Diocese de Caruaru
Onildo Almeida Compositor
Oscar Capistrano Secretrio de Sade
Roberto Benjamin Escritor e Folclorista
Argumento
Anselmo Alves
Jos Mrio Austregsilo
Roteiro e Direo
Ivan Jnior
Take Produes
F ICHA TCNICA F EIRA DE CA RUARU
Registro da Feira de Caruaru/PE
Processo n 01450.002945/200624
Proponente: Prefeitura Municipal de Caruaru / PE
Data de abertura do processo: 30 de Junho de 2006
Levantamento preliminar: Perodo: Julho Dezembro de 2004
INRC: Perodo: Agosto Dezembro de 2005
Concluso para Registro: Janeiro Junho de 2006
SUMRIO
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em funo de sua Feira. Como ontem, assim continua hoje, apesar do propalado Maior e
Melhor So Joo do Mundo, como a propaganda disseminada pelos poderes municipais
caruaruenses e os estaduais pernambucanos orgulhosa e interesseiramente propalam,
fazendo frente idntica campanha realizada pela Rainha da Borborema, a cidade de
Campina Grande/ PB.
Este relatrio foi composto por mim, como parte de minhas funes de Coordenador
Tcnico do Inventrio, mas, no teria existido sem o trabalho e a dedicao apaixonada
dos pesquisadores e do fotgrafo, todos alunos e alunas da UFPE. Tem muito de cada
um/uma neste trabalho, cujos nomes completos j foram expostos na Ficha Tcnica:
Janine, Jacira, Brbara a Baby Luna , Joo Paulo, Carlos Frederico o Cac, todos na
pesquisa de campo, e Felipe Peres Calheiros, na atividade de fotgrafo e cinegrafista/
etngrafo.
Todos, como eu, deixaramse contaminar pela paixo pelo tema, pelo cenrio que aos
poucos se enche e incha de gente, de enormes carrosdemo, de fardos levados s costas,
de buzinas de veculos automotores, sempre todos os dias, porm, sobretudo nas
segundasfeiras, de madrugada, dia da Feira da Sulanca1; pela atividade vibrante do povo,
em sua luta pela subsistncia, trazendo seus produtos dos stios, de municpios vizinhos
como Santa Cruz do Capibaribe, a cidade originria da Sulanca, e Toritama, a capital dos
jeans em carros fretados ou em lombos de montarias; pela produo da beleza interior
do povo, retratada no artesanato e no cordel, por exemplo; pela carnavalizao em puro
estilo de Bakhtin da Feira do Gado, onde um dos nossos pesquisadores, assustado pelo
assanhamento de um dos bois, encarapitouse num muro de uma altura que, em
circunstncias normais, ele no seria capaz de subir; pela criatividade estampada nas
criaes das alpercatas, sandlias de couro e, principalmente, das confeces populares
da Feira da Sulanca que pra matuto no and nu (!) s pra matuto a Feira da Sulanca?
A pesquisa demonstrou que no!
Pena que Walter Benjamin, que descreveu com tintas to pitorescas o Mercado de Moscou,
no tenha sobrevivido para fazer o mesmo em Caruaru! Que belas e interessantes pginas
o genial filsofo social no teria criado, ento!
Neste ano de 2006, ano da produo deste Dossi, a Feira da Sulanca foi mudada para as terasfeiras.
11
Em agosto de 2004, o IPHAN deu o sinal verde para iniciarmos a primeira parte da
pesquisa: o Levantamento Preliminar. Vieram dois tcnicos do IPHAN para proporcionar o
treinamento da equipe de pesquisadores, cujos nomes e situao acadmica j foram
descritos na Ficha Tcnica, j escolhida anteriormente, por processo de seleo. Com a
volta dos tcnicos Ana Gita Oliveira e Marcus Vinicius para Braslia, demos prosseguimento
ao treinamento, aproveitando a experincia j adquirida com a metodologia do INRC,
aprendida e vivenciada em pesquisa iniciada sobre os bens culturais do Litoral Norte de
Pernambuco, infelizmente interrompida.
Terminado o treinamento, foi iniciada a primeira etapa do Inventrio: o Levantamento
Preliminar, com as fases da pesquisa documental e da pesquisa de campo, que se
estenderam at dezembro daquele ano. As idas a campo aconteciam nos finais de semana,
sendo que duas vezes fomos no domingo noite: dormimos em Caruaru, a fim de
pesquisarmos a Feira da Sulanca desde o incio de suas atividades, s quatro horas da
manh. Numa destas ocasies, demoramos at a terafeira, para observarmos e
entrevistarmos boiadeiros e seguranas noturnos da Feira do Gado, na segunda noite,
voltando para l na manh da tera, para cobrir as atividades e o seu funcionamento a
todo vapor e mapear seu espao.
No ms de janeiro de 2005, foram concludas as correes das fichas preenchidas e
realizado o fechamento definitivo desta fase, com a composio, por mim, do Relatrio
Preliminar. Este foi enviado, posteriormente, para os componentes da Diretoria de Cultura
da Prefeitura de Caruaru, para as eventuais correes e complementaes, servindo
tambm de subsdio, juntamente com este Dossi, para a produo do vdeo, patrocinado
pela Prefeitura Municipal.
Em maio de 2005, demos incio segunda etapa da pesquisa: o Inventrio propriamente
dito. A partir desta fase, contamos com a participao do pesquisador Gustavo Miranda,
caruaruense, autor de uma bela e rica de contedo Monografia de Concluso de
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13
2.1. Localizao
O municpio de Caruaru est localizado na mesorregio do Agreste Pernambucano e na
microrregio do Vale do Ipojuca, a aproximadamente 140km do Recife, com acesso direto
pela BR 232 e cruzado pela BR 104. Possui extenso territorial de 928,1km. Possui
altitude de 554m acima do nvel do mar, 8 17 de latitude e 35 58 34 de longitude. As
bacias hidrogrficas existentes no municpio so as do Rio Capibaribe e Ipojuca. limitado
pelos seguintes municpios: ao Norte, por Toritama, Vertentes e Frei Miguelinho; a Oeste,
por Brejo da Madre de Deus e So Caetano; ao Sul, por Agrestina e Altinho; e a Leste, por
Riacho das Almas e Bezerros.
Caruaru possui quatro distritos jurdicoadministrativos: Carapots, Gonalves Ferreira,
Lajedo do Cedro e a sede do municpio, a cidade de Caruaru, que conta com vinte e
sete bairros. Ambas as localidades inventariadas, o Permetro Urbano e o Alto do Moura,
encontramse na cidade de Caruaru, j que a Feira pesquisada surgiu no centro da cidade
e a arte figurativa, um dos seus setores mais fortes e representativos, produzida
principalmente no Alto do Moura.
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cidade, como o Aude de Serra dos Cavalos. O nome do local devese ao fato de que, no
inverno, era impossvel trafegar de carro por suas ladeiras. O nico meio de se chegar
serra era a cavalo.
Passeando por l, vemse audes que ajudam no fornecimento de gua para a cidade e
uma vegetao riqussima. Tambm existem alguns mirantes naturais com belas vistas e
vrias trilhas usadas por ecoturistas. Representa para a populao um local que se deve
preservar para educar as geraes atuais e futuras, alertandoas sobre a proteo ao meio
ambiente, pois a nica rea verde de importncia em Caruaru.
Outros dados deste item podem ser encontrados nas Fichas do Sitio e das Localidades.
Great Western, serviu por muito tempo de entreposto comercial e ponto de parada para
quem se locomovia do Litoral para o Serto do Estado, j que se situa no centro da cidade.
Atualmente, memria do passado e tem uma parte utilizada como centro cultural e
outra desativada. Serviu nas dcadas de 1980 a 2000 como local de desembarque das
pessoas e grupos que vinham para o So Joo de Caruaru, no ms de junho, trafegando no
Trem do Forr. Um descarrilamento da composio, ocorrido, ao que parece, em 2000,
cancelou esta promoo turstica. Hoje, o Trem do Forr carrega passageiros at o
municpio do Cabo de Santo Agostinho, na Regio Metropolitana do Recife.
Igreja de Nossa Senhora da Conceio: Remonta a uma capela do sculo XVIII, construda
por Jos Rodrigues da Cruz, na Fazenda Caruru2, que, posteriormente, deu origem ao
municpio. Reformada e ampliada ao longo do sculo XIX, adquiriu as caractersticas
arquitetnicas que permanecem at hoje: planta tradicional em cruz latina, simtrico em
planta e fachada, com cobertura em duas guas, apresentando estrutura de madeira
revestida em telhas de cermica.
No se pode afirmar que seja essa edificao um exemplar monumental da arquitetura
barroca ou neoclssica, embora demonstre caractersticas do passado colonial. Isto se
justifica pela poca de construo e pela localizao geogrfica, distante dos centros
difusores dessas arquiteturas. Portanto, a igreja foi construda de acordo com o saber
local, ressaltando a arquitetura vernacular.
Visto como o edifcio mais marcante da poca, a Capela de Nossa Senhora da Conceio
foi construda em 1781, com aspecto simples, constando de duas partes bem distintas: o
corpo central e a capelamor, diferente do seu aspecto atual, com duas torres. No ptio
em frente a ela, aps a ampliao que a transformou na igreja hoje existente, foi
colocado um cruzeiro, transferido posteriormente para o Morro do Bom Jesus.
Cf. a histria da Capela e da origem do municpio no item seguinte: Informaes Histricas e Bibliogrficas.
15
16
Os dados expostos acima se completam com informaes mais detalhadas das duas
Localidades em que foi dividido o Stio Fsico: O Permetro Urbano de Caruaru e o Alto
do Moura .
aos
estacionamentos,
automveis,
sem
alm
problema
de
de
17
N. de comerciantes
N. de compradores
Frutas e Verduras
5.900
20.000/ semana
3 milhes/semana
Sulanca
22 milhes/semana
400
10.000/semana
Administrao das Feiras e Mercados (Chal do Campo de Monta): Essa edificao serviu
por muito tempo como residncia dos engenheiros agrnomos que trabalhavam no Campo
de Monta, local onde aconteciam o abate e a
reproduo dos animais de Caruaru, alm das
Exposies de Animais do Agreste. Esse
prdio ainda se encontra bem conservado,
com
as
caractersticas
originais
de
sede
da
Administrao
do
Atualmente,
tem
carter
Administrao da Feira da Sulanca (Prdio Rosa): Esse prdio serviu muito tempo como
Matadouro Municipal at ser cedido para a Prefeitura, por ocasio do projeto de
transferncia da Feira, em 1988. Foi preservado e hoje funciona como sede da
Administrao da Feira da Sulanca. Tem funo apenas institucional, no sentido de
referncia para o espao da Feira pela populao.
18
Igreja da Conceio: j foram descritos, acima, seu estilo e sua importncia cultural para
a cidade e o permetro urbano.
mantidos
como
original,
caprinos,
ovinos,
bovinos
Esse
espao
marcante,
Parque 18 de Maio: A importncia deste espao, contando com mais de 150ha, a de ter
sido o local escolhido para abrigar a Feira de Caruaru, na ltima dcada do sculo XX,
como se ver adiante.
19
comrcio
da
Feira
de
Artesanato,
Vitalino.
Nessa
residncia,
ele
Museu
Mestre
Galdino:
Nesse
local,
20
museu mantido pela Prefeitura de Caruaru, visto que expressa um forte sentido de
preservao da cultura da cidade.
Rua principal do bairro: Nessa via, podem ser encontrados diversos atelis dos muitos
ceramistas locais, alm dos inmeros bares, que ficam lotados, principalmente no ms de
junho, quando turistas invadem Caruaru para o So Joo, a fim de se divertirem e
conhecerem a cultura local.
O nome Alto do Moura se deve, segundo moradores, presena de um portugus chamado
Moura, dono das terras circundantes, que mostram algumas elevaes geogrficas. Assim,
as pessoas se referiam ao lugar como o Alto do Moura, que comeou como uma pequena
vila e, com o passar dos anos, transformouse num celeiro de grandes artesos, como
Mestre Vitalino e outros, j citados e ainda por citar.
Atualmente, h muitos artesos que se destacam por seus produtos de barro, como
Severino Vitalino, Manuel Eudcio, Elias Santos, Lus Antnio, Marliete Rodrigues e outros,
que esto reunidos em uma Associao de Artesos do Alto do Moura, fundada em 1981.
Cinqenta anos depois da descoberta de Vitalino por Abelardo Rodrigues, colecionador
pernambucano dono de uma escolinha de arte no Rio, onde se radicou e desenvolveu uma
coleo de peas de artesanato das maiores do pas, a Feira deixou de atrair os artesos
do Alto do Moura, como revela a artes Marliete, em entrevista dada a Eduardo Ferreira
(2006). O fcil acesso quele bairro, diz ela, permite ao arteso receber os turistas e
compradores em seu prprio ateli. Hoje, a Feira de Artesanato que funciona como
convite para visitar o Alto do Moura: houve, portanto, a reverso da situao antiga,
quando Vitalino, a me de Marliete e outros criadores percorriam os 7km entre o Alto e a
Feira, a p, para vender l suas peas. Hoje, Marliete tem carro na garagem e vende suas
peas para todo o Brasil e at para o exterior, sem sair do seu ateli.
A situao acima descrita d lugar a diversas anlises:
Em primeiro lugar, demonstra a fora da fidelidade
tradio familiar, a reproduo da atividade artstica
passando de pais para filhos, e at para os netos. As
condies difceis, a misria que rondava a existncia
dos artesos e suas famlias no desestimulou a
continuao da atividade por parte das novas geraes.
Em segundo lugar, est clara a relao entre a Feira e a
produo artesanal. Antes, o percurso era do Alto do
Moura para a Feira: os artesos reconheciam nela o
21
Feira nos anos quarenta e cinqenta. Nesta ltima dcada, aconteceu o inesperado:
Abelardo Rodrigues, em suas vindas a Pernambuco em busca de novos talentos e peas
para sua fabulosa coleo, costumava passear pela Feira de Caruaru. Passo a palavra aqui
para Antnio Miranda, citado por Eduardo Ferreira:
Abelardo, ao avistar os bonecos, aproximouse e perguntou a Vitalino de quem
era. So meus, foi a resposta. Abelardo ajoelhouse e escolheu os que mais lhe
interessavam. Levou tudo para expor em sua Escolinha de Arte, no Rio de Janeiro.
Depois disso, Vitalino, os integrantes da banda de pfanos de Vicente Teotnio, o
Padre Zacarias Tavares, dois violeiros, o prefeito (...) foram para o Rio, a fim de
que os cariocas conhecessem a obra do mestre caruaruense. Podemos dizer, agora,
que, do barro, fezse Vitalino, ao se tornar um arteso conhecido no s no Brasil,
como no mundo. (FERREIRA, 2006, p. 41)
22
como em grosso, para a Itlia, Alemanha, Japo... Esta comunidade de artistas do barro,
das telas e das artes, que utilizam recursos vegetais em sua maioria e originrios da
regio, constituem um Bem Associado Feira.
O Alto do Moura dispe de acesso atravs do ncleo urbano, bem como pela BR 232. Alm
da CasaMuseu do Mestre Vitalino e da CasaMuseu do Mestre Galdino, destacamse os
atelis e residncias dos artesos, cujos nomes e quantidade se encontram registrados nas
fichas de Contato; os objetos de arte que criam, nas fichas de Formas de Expresso; os
modos de amassar o barro, cozinhar no forno, moldar, etc., nas fichas de Saberes e Modos
de Fazer. As lojas de vendas dos produtos de cada um deles so, muitas vezes, a prpria
sala de visitas da residncia. Alm disso, encontramse diversos bares e restaurantes com
pratos regionais e outros3. Seis peas dos Mestres Vitalino e Galdino, alm de artesos
vivos, como Manuel Eudcio e Lus Antnio, encontramse expostas em Museus de Arte
Popular e/ou Artesanato na Europa.
O Alto do Moura, pela estreita relao de reciprocidade com a Feira de Artesanato, foi
inserido como uma localidade do INRC da Feira de Caruaru. Porm, diante da riqueza
cultural narrada acima, sugerimos aqui, que seja posteriormente realizado o Inventrio
(INRC) do Alto do Moura para Registro como Patrimnio Cultural Imaterial Brasileiro.
Nestes pargrafos referentes Feira atual e ao Alto do Moura, tomei dados da publicao da Prefeitura de
Caruaru: Plano Diretor: Perfil de Caruaru, edio de 2002 (mmeo), gentilmente cedida, entre outras, pelo
Diretor de Documentao e Patrimnio Cultural da Fundao de Cultura de Caruaru Sr. Walmir Porto Dimern,
ao qual agradecemos. A relao das feiras, no entanto, foi atualizada quanto aos nomes populares que o povo
d e quanto ao nmero, a partir da pesquisa de campo e de dados do prprio Walmir.
23
3.1. As Origens
Para se entender um pouco o que so as feiras livres, buscouse a definio encontrada no
Estudo da Fundao Ford (2004), onde se l o seguinte:
Um dos mtodos mais bvios, porm talvez menos entendidos, de aumentar a
integrao social em espaos pblicos e encorajar o crescimento de mobilidade [
a feira]. Cada vez mais, lderes comunitrios e governo vem as feiras pblicas
como local dos maiores problemas da cidade: a necessidade de trazer pessoas de
grupos diferentes; a necessidade de tornar os espaos pblicos convidativos e
seguros, de revigorar a vizinhana e suportar a pequena escala de atividades
econmicas, de prover produtos frescos e de alta qualidade para os moradores da
cidade, e de proteger o espao aberto e preservar a agricultura das cidades
vizinhas.
Alm disso,
Feiras pblicas so localizadas e/ou criadas em espao pblico dentro da
comunidade. Esse um aspecto visvel das feiras a criao de um local
convidativo, seguro, e ativo, que atrai todo tipo de pessoas. (...) Como um lugar
efetivo onde as pessoas se misturam, feiras pblicas se tornam o corao e a alma
da comunidade, ou seja, um local onde as pessoas interagem facilmente e onde
inmeras atividades da comunidade acontecem.
Do mesmo modo,
As feiras so uma propriedade local, j que o comrcio independente e
operado por seus donos, e no comrcios que so dominados por franquias quase
que onipresentes. Isso ajuda a explicar o sabor local das feiras pblicas e a
exclusividade da experincia em comprarse nelas.
Dewar e Watson (1990) mostram que, embora muitas feiras livres sejam inicialmente
espontneas pela oportunidade econmica por parte dos comerciantes, o sucesso, a longo
prazo, depender em parte da ingenuidade da interveno nos estgios de desenho e da
implementao, o que ocorreria no incio da Feira de Caruaru, pois a localizao e o modo
de comear foram, de certa forma, ingnuos e espontneos.
Assinalo aqui um fato por demais conhecido: existem inmeros relatos sobre a evoluo de
cidades que tiveram seus incios marcados pela atividade mercantil e pela presena de
uma feira, por estarem em rotas de comrcio ou em situaes geogrficas benficas.
Podese relembrar que as primeiras feiras do Brasil Colnia, no sculo XVIII,
desenvolveramse da mesma forma que tantas outras na Europa. Elas localizavamse em
grandes ptios em frente a um marco nessas localidades, como uma igreja ou um largo, e
rodeadas por inmeras casas comerciais, sendo vendidos os produtos da regio, como cita
e exemplifica Sampaio apud Reis Filho (1968), em relato sobre a histria da fundao de
4
Como j foi assinalado, as informaes constantes neste item se devem, em primeiro lugar, pesquisa
documental e bibliogrfica realizada por Janine Primo e Gustavo Miranda, alm de livros e artigos solicitados e
enviados para a 5a SR do IPHAN por autores pernambucanos, cujos nomes sero conhecidos atravs de suas
citaes, que figuraro ao longo do texto. Quero ressaltar aqui a prestimosidade com que as Sras. Mabel
Baptista e Graa Villas, encarregadas ento do Ncleo do Patrimnio Imaterial da 5a SR, empenharamse em
conseguir as colaboraes externas acima nomeadas, enriquecendo, em muito, este Dossi.
24
aquelas terras.
O pedido foi atendido: em 02 de junho de 1681, foram doadas terras famlia Rodrigues
De acordo com Austregsilo (2006), impossvel escrever Feira de Caruaru sem as maisculas.
25
Jos Rodrigues de Jesus inicia a construo de uma capela em homenagem sua irm
caula, Maria da Conceio Rodrigues de Jesus, em 1781, sob a invocao de Nossa
Senhora da Conceio. A seguir, solicita autorizao ao Bispo de Olinda para a construo
da capela. Esta inaugurada em 05 de outubro de 1782, com o ttulo de Capela Nossa
Senhora da Conceio da Fazenda Caruru. Escreve Josu Euzbio Ferreira:
Podemos supor que a Fazenda Caruru, a partir da inaugurao da Capela em
1782, passou a ser o nico lugar no vale mdio do Ipojuca, alm de So Jos dos
Bezerros, onde os moradores de toda a redondeza teriam a oportunidade de
acompanhar um ato religioso, celebrado por uma autoridade oficial da Igreja
Catlica (FERREIRA, 2001).
Pedro Marins afirma, numa entrevista em 1997 (JORNAL DO COMMERCIO, 18/05/1997), que
Jos Rodrigues de Jesus fazia um pequeno investimento, dando um impulso econmico
regio, da seguinte maneira: Para assegurar o fortalecimento da feira e por
Em frente capela, desenvolveuse pouco a pouco a feira livre da fazenda, e por isso
passou, aquele local, a se chamar Rua do Comrcio, mais tarde recebendo o nome de
Praa Joo Guilherme de Azevedo. A comercializao de frutas, cereais, gado bovino,
artesanato e utenslios, produzidos manualmente, atraam cada vez mais vendedores e
compradores. Com o desenvolvimento da Feira, forase formando em torno da capela o
incio da cidade, as primeiras casas e ruas, mais tarde tornandose um vilarejo.
26
De acordo com Kleber F. Rodrigues, Caruaru ... j no final do sc. XVIII comportava
trezentas casas residenciais, entre estas se encontravam tambm domiclios comerciais.
A populao do Caruru, na ribeira do mdio Ipojuca, beneficiada com a
construo da estrada real do Recife a Cabrob, visto a mesma passar por dentro
de sua rua principal a da Frente ou do Comrcio vinha atravessando,
paradoxalmente, situao bastante irregular e servindo de palco a toda sorte de
alterao da ordem pblica, como se fosse um autntico lugar sem chefe e sem
lei. (BARBALHO, 1983).
Em 1811, o povoado de Caruaru tornase distrito de Santo Anto, antigo nome da atual
cidade da Vitria de Santo Anto.
Josu Euzbio Ferreira aponta trs fatores fundamentais para o processo de urbanizao
de Caruaru: a localizao geogrfica da fazenda, com seus currais prximos ribeira do
Ipojuca; o caminho das boiadas e a fazenda como posto de apoio e pernoite; e, como
elemento mais forte, a construo de uma capela.
Segundo Daisy Costa Lima (nossos pesquisadores no encontraram referncias desta
autora), a capela fora utilizada pelos moradores da vila, at 1846, como nico templo
catlico, pois foi neste ano construda a Igreja Matriz a qual, no sculo XX, com a criao
da Diocese catlica de Caruaru, receberia o ttulo de primeira Catedral dedicada a Nossa
Senhora das Dores, pelo missionrio Frei Euzbio de Sales, capuchinho do convento da
Penha, do Recife.
O vereador e padre Antnio Jorge Guerra, visando seus interesses polticos, solicitou a
mudana do local da Feira do sbado, fixandoa do nascente da casa do tenente Joo
Correia, em linha reta, casa do alferes Jos Francisco da Silva Macambira, e, para o
poente, at onde couber (BARBALHO, 1980b). Ainda segundo Nelson Barbalho, em 1853,
vrios moradores do Caruru, atravs de abaixoassinado, encaminharam Cmara
Municipal de Caruaru pedido de transferncia definitiva da feira semanal da vila para um
local fora da Rua da Frente, mas os vereadores de imediato lhes negaram a pretenso,
argumentando que no tem lugar o que requerem, visto acharse a feira no lugar do
27
Em 1855, a peste de cleramorbo chega a Caruaru. O vereador Jos Maria Brayner exigia
limpeza de esgoto, varredura de ruas e becos, queima de lixo, priso de porcos solta
pela sede da vila. Neste ano, no se realizaram as festas natalinas em frente Capela de
Nossa Senhora da Conceio, na Rua da Frente, o que enfraqueceu demasiadamente o
comrcio, principalmente o chamado livre. A Feira, como parte de um todo social,
atingida pela peste. Alm da peste, a subida do custo de vida nos anos 50 se abateu
tambm sobre a Feira, causando diminuio do consumo.
Kleber F. Rodrigues afirma que as feiras criadas no Brasil entre os sculos XVII e XVIII
foram baseadas na agromanufatura aucareira, no latifndio, no escravismo, numa
economia voltada para o consumo externo.
A Feira de Caruaru, nasce e cresce dentro da realidade histrica da Fazenda
Caruru em que, ao construir a Casa Grande, a Senzala e a Capela e,
principalmente, ao estabelecerse nestas paragens agrestinas uma fazenda
objetivando a criao de gado vacum, alm de desenvolver nas cercanias da
Fazenda e mesmo em reas mais distantes a produo de uma agricultura de
subsistncia, estabeleceuse concretamente a necessidade de manipulao desta
produo ou por necessidade econmica ou ainda por necessidade de
sobrevivncia, pois distncia da capital, do porto e dos produtos de almmar,
tornavase necessrio o intercmbio da produo seja de qual tipo fosse entre os
mercadores do lugar. (RODRIGUES, 1995).
28
Rodrigues traa, assim, um dos primeiros diferenciais entre a Feira de Caruaru e a grande
maioria das feiras nascidas na Colnia naqueles sculos por ele enumerados. Temos, neste
caso, a primeira feira nascida em rea econmica pertencente ao ciclo do gado, no
Pernambuco Colonial, com as caractersticas por ele apontadas: diretamente vinculada s
necessidades do consumo interno; produo altamente diversificada, por conta da
distncia entre o Litoral, o porto e as grandes cidades e vilas da rea aucareira; outra
caracterstica a de que este comrcio, nascido de um pouso para o gado e para os
viajantes (tangerinos, boiadeiros, tropeiros, mascates, etc.), se baseava principalmente
no trabalho livre e numa economia no direcionada, como era a do Litoral, cujo comrcio
predominante: o do acar, fruto da monocultura e produzido em grande parte para a
exportao, impedia o plantio e conseqente oferta de outros produtos alimentcios
prprios para o consumo. Estes tinham de ser importados de outras regies da ento
Provncia, ou de outras unidades da colnia ou da metrpole.
importante frisar que as feiras livres das cidades da Zona da Mata Sul e Norte de
Pernambuco, onde predominou e predomina a agroindstria aucareira, eram muito
pobres em termos de oferta de produtos algumas so at hoje! inclusive de gneros de
primeira necessidade um dos lados perversos da monocultura canavieira, no Nordeste.
Ora, Caruaru foi a primeira feira livre verdadeiramente livre na ProvnciadepoisEstado,
porque nasceu e se constituiu fora do sistema de produo baseada no escravismo e na
monocultura canavieira. A prpria necessidade de atender a uma populao que chegava e
se fixava fora das rotas do comrcio internacional, bem como populao flutuante, que
chegava, pousava e continuava viagem rumo ao Serto, impulsionou atividades econmicas
para diversificar o cultivo de produo agrcola de alimentos e de criatrio para o consumo
imediato. Deste modo, fora do mbito das pastagens e dos caminhos do gado bovino,
foram se desenvolvendo reas agricultveis e de criatrio de animas menores, de dois e
quatro ps.
O historiador faz ainda um paralelo entre as feiras da baixa Idade Mdia e a Feira de
Caruaru, relatando semelhanas e levantando hipteses de que o modo de fazer feira na
Europa foi transportado para o Brasil, mas que aqui ocorreram transformaes que
formam a identidade da feira brasileira, especificamente as do Nordeste: ... as
particularidades econmicas, polticas, vivenciadas pelos mercadores, feirantes da Idade
Mdia, e Moderna se afastam de singularidade e das peculiaridades da economia brasileira
dos sculos XVII, XVIII e XIX. (RODRIGUES, 1995).
Rodrigues explica que o grande fluxo econmico da Feira de Caruaru ocorre a partir de
1863, quando o governo ingls, durante a Guerra Civil NorteAmericana (Guerra de
Secesso), impedido de adquirir o algodo norteamericano, em decorrncia da guerra,
passa a investir economicamente nesta regio, criando linha de crdito para a produo e
exportao do algodo produzido na regio do Agreste e especificamente em Caruaru,
alm da construo da Boxwell, Usina de Beneficiamento do Algodo, e a ferrovia Great
Western para o escoamento. Ferreira acrescenta que aquela indstria dispunha de uma
29
Kleber F. Rodrigues defende que a imensa Feira que temos hoje em Caruaru fruto da
fuso das Feiras de Artesanato e de Verduras, Feira da Sulanca, Feira do Gado, Feira dos
Bolos e da Feira do TrocaTroca. A Feira do Gado Vacum foi uma das primeiras a se
desenvolver, pois, desde seus princpios, a regio utilizava o couro, fora motriz na
realizao dos trabalhos e para a construo de artigos de uso dirio (sendo que desde o
sc. XVIII, a regio do Rio Grande do Sul fazia concorrncia comercial de carne bovina com
Caruaru). A Feira da Sulanca foi iniciada em 1984.
A Feira de Caruaru tem como caractersticas principais e histricas o fato de ser
estabelecida pelos burgueses brasileiros, a nova classe de comerciantes proprietrios,
oligrquicos, mas tambm pelos vendedores e artesos livres e uns poucos escravos. Sendo
assim, muitos comerciantes atuais, empresrios caruaruenses, so descendentes de
antigos feirantes e proprietrios rurais, embora haja na atualidade certa discriminao por
parte do empresariado comercial em relao
ao
feirante,
pois
muitos
afirmam
que
economicamente
de
vantagem
comerciante
em
estabelecido.
em
melhor
relao
ao
(Ora,
as
30
Kleber F. Rodrigues (1995), (...) os mercados persas e turcos no causam inveja aos
caruaruenses, quando se trata de diversificao, criatividade, efervescncia cultural.
Tem a Feira o papel fundamental e preponderante de manter as tradies e a continuao
da produo artesanal, j que esta recebe parcos auxlios governamentais oficiais. o que
nos afirma Rodrigues (1995):
A Feira de Caruaru uma das representaes do passado e do presente desta
comunidade; histria viva desta regio, o referencial da continuidade da
histria deste povo do Agreste pernambucano e nordestino.
Em 1857, a Vila de Caruaru contava com uma populao de 29.080 pessoas, sendo 26.833
livres e 2.247 escravos, fato que levava o jornalista Pedro Trancoso a polemizar a situao
de ainda vila? Em 18 de maio de 1857, sancionada a elevao da vila de Caruaru
categoria de cidade pela lei provincial de n. 416. Este ato administrativo unifica a
palavra: Caruaru, que ainda era falada dos dois modos: Caruru e Caruaru. criao do
distrito de Caruaru referese lei municipal de n. 3, de 2 de dezembro de 1892.
Segundo Tadeu Rocha, citado por Nelson Barbalho:
Um marco importante na evoluo econmica e social de Caruaru foi a chegada
das pontas dos trilhos da Estrada de Ferro Central de Pernambuco. Em dezembro
de 1895, o trem de ferro subiu a Serra das Ruas (sic) vencendo tneis e
viadutos, passou por Gravat e Bezerros, apitou orgulhoso no km. 139 e resfolegou
na estao de Caruaru. A multido de agresteiros que foram receblo confiava no
progresso que o trem haveria de levar sua cidade, com o crescimento do
comrcio, o aparecimento das indstrias, o aumento da populao e a
intensificao da vida social, cultural e religiosa. Eram os comeos do novo posto
que a cidade iria logo ocupar, no interior do Estado: o de metrpole regional da
parte centralsul da Borborema. (BARBALHO, 1980a).
Em 1895, as tradicionais famlias do Recife subiam a Serra das Russas pelos trilhos da
Estrada de Ferro Central de Pernambuco, para saborear pamonhas e carne de sol, ao som
das primeiras bandas de msica caruaruenses.
31
de
cordis
na
Feira,
tendo
expressivo
O Museu do Cordel
Olegrio Fernandes da Silva fundou o primeiro e nico, at ento, Museu do Cordel, em 2
de agosto de 1999, com acervo de duas mil e quinhentas peas e assessoria da Fundao
de Cultura de Caruaru. O cordelista sofreu
um ataque cardaco no prprio Museu, em 3
de abril de 2002, que o levou a falecer aos
70 anos. Na ocasio, Maria Bethnia, sua
filha, afirmou que iria dar continuidade
grande realizao de seu pai, Tudo vai
continuar
do
mesmo
jeito
(JORNAL
32
A feira de Caruaru
Faz gosto a gente ver
De tudo que h no mundo
Nela tem pr vender
Na feira de Caruaru
A fita original da entrevista concedida em 11/08/05 compe o acervo do Inventrio da Feira de Caruaru da 5
SR do IPHAN.
33
Muito importante este trecho da entrevista com o compositor naquilo que ela revela de
bens culturais que se encontram em situao de memria, de memria bem viva: viva
como toda memria e bem viva porque registrada na cano e nas lembranas de homens
e mulheres caruaruenses da gerao de Onildo Almeida.
O depoimento importante tambm porque registra diversos tipos de bens sobre os quais
h desejos de que sejam recuperados, quer para informar s novas geraes a sua
existncia, a fim de manter os diversos usos e costumes perenizados nas tradies da
Feira, quer para perpetuar os significados inerentes a cada bem citado: cala de alvorada,
fsforo sete lapadas, e a relao destes com o matuto, o trabalhador rural, de poucas
posses e parcos recursos para renovar seu estoque de vesturio tendo que se limitar a
uma cala apenas para o ano inteiro alm de sua simplicidade de hbitos de consumo,
34
preferindo o sete lapadas aos fsforos industrializados, aquele mais acessvel ao seu
bolso que estes.
Um terceiro elemento que me sugere a fala de Onildo Almeida a natureza do culto da
memria, enquanto viva. Neste culto, h coisas de guardar e h coisas de divulgar, de
reabilitar, num processo de reconstruo do passado, obedecendo a critrios explcitos e
implcitos, todos seletivos, porque preciso purificar, limpar o que no parece vantajoso
vir luz. Esse tipo de memria no se confunde com as lembranas (a memria de
guardar). Estas so colocadas no fundo dos bas da existncia, das recordaes, intocveis
(pelo menos ao nvel do discurso subjetivo), incomunicveis algumas, para que no se
perca seu encanto, seu enlevo, saboreadas nas tardes em que a saudade vem para ficar,
no agridoce dos sentimentos por ela provocados.
As evocaes de Onildo, transcritas acima, so do tipo da memria do divulgar , do
perenizar e do reconstruir . As do segundo tipo, penso que ele as deixou entrever nas
lgrimas que brilhavam em seus olhos, quando, diante do Presidente do IPHAN, do Prefeito
Tony Gel, das cem pessoas que representavam diversos segmentos da sociedade
caruaruense sobretudo os artistas e as associaes dos feirantes na manh de 24 de
fevereiro de 2006, o compositor finalizava a seo do pedido oficial para inscrever a Feira
de Caruaru no Livro de Registros de Lugar do Patrimnio Nacional Imaterial, cantando a
sua cano mais popular, mais evocativa, na mais comovente, talvez, de todas as
interpretaes que ele j protagonizou de sua msica. As lgrimas que escorriam de seus
olhos e de muitos outros dos presentes revelavam ocultando a ocorrncia da outra
memria, guardada no ba das lembranas, dos sentimentos mais ntimos, jamais
revelados...
As reminiscncias de Onildo ligadas s meisinhas demonstram o referenciamento dos
feirantes e compradores pobres da regio para com os mdicos populares que receitam e
vendem os remdios fitoterpicos na Feira. Esta se apresenta tambm no aspecto de lugar
para curar , verdadeiro lcus de medicina complementar e, muitas vezes, quase nica
instncia de busca de cura, paralela apenas s promessas e votos para os santos e demais
entidades curadoras.
fcil se constatar as mil e uma utilidades da Feira para o povo que dela se utiliza para
preencher necessidades vitais, fonte que de alternativas diversas e substitutivos para a
consecuo das urgncias da vida negadas pela organizao da sociedade de produo e
consumo capitalista, marcadamente excludente!
35
Western,
eram
os
acessos
das
cidades
36
37
para o Parque 18 de Maio, era preciso uma transformao organizacional por causa dos
seguintes fatores:
impossibilitada
de
receber
determinadas
aes
que
lhe
eram
imprescindveis;
de
acordo
com
tipo
de
produto
38
feirantes caminhavam com seus produtos de trabalho com destino ao Parque 18 de Maio,
uma rea prxima do centro. L, esta foi disposta espacialmente em forma convexa,
sendo o Parque 18 de Maio uma rea previamente planejada, como escreveu o arquiteto
Gustavo Miranda (2004) em sua monografia de graduao Caruaru: a Feira que se fez
cidade... Investigando limites potenciais de uma relao espacial7. Diz este autor que a
inteno da Prefeitura foi a de retomar o centro como ponto de comrcio formal para a
cidade, solucionando os inmeros conflitos decorrentes da existncia da Feira, e dotar
esta ltima de toda infraestrutura necessria. Tanto assim que, de 22.760m, com 1861
barracas e 4000 feirantes (dados de 1982), o Parque cerca de seis vezes maior, com
154.440m, permitindo, assim, a possibilidade futura de um aumento considervel no
nmero de comerciantes, chegando a ter, em 2004, crescimento de quase 500%, com um
montante contabilizado de 28.000 feirantes.
Em 1993, a cidade possua duzentas pequenas fbricas de calados, produzindo cerca de
sessenta mil pares por semana: quinze mil eram destinados Feira de Sapatos, que se
localizava ao lado da Sulanca; o restante era comercializado com outros estados
brasileiros, como o Amazonas, So Paulo, Par, Distrito Federal e Minas Gerais. A prtica
Agradeo colaborao do autor em ter cedido um resumo do seu trabalho, como uma das fontes para este
relatrio.
39
Eslovnia
Taiwan,
presentearam
os
caruaruenses
com
demonstraes
Hoje em dia, localizada no Parque 18 de Maio, a Feira de Caruaru alberga a Feira Livre, a
Feira dos Importados (chamada popularmente de Feira do Paraguai), a Feira do
Artesanato, a Feira da Sulanca atualmente a mais importante das Feiras, que se
realizava, no tempo do levantamento preliminar, nas segundasfeiras e hoje, ano de 2006,
ocorre nas terasfeiras, mesmo dia da Feira do Gado, com incio s quatro horas da
manh, indo at as 16 horas, mais ou menos; e a Feira do Gado, esta situada hoje no
bairro do Caj, onde est localizado o aeroporto. Alm do gado bovino, negociamse nela
tambm cavalos, caprinos, ovinos, sunos e galinceos. J a Feira Livre composta das
seguintes feiras setoriais:
Feira do TrocaTroca;
40
Feira do Fumo.
Quero adiantar que todas estas Feiras se encontram j devidamente levantadas nas fichas prprias do INRC,
incluindo nestas as fichas de Contatos.
41
popularmente dado aos que adquirem essas confeces populares em quantidade, para
revender).
Anotei compradores provenientes dos seguintes Estados: Bahia: cidades da margem do Rio
So Francisco; Sergipe: Aracaju; Alagoas: Macei e duas outras cidades; Paraba: Campina
Grande, Joo Pessoa e outras cidades; Rio Grande do Norte: Natal e Caic; e
Pernambuco, todas as cidades vizinhas a Caruaru, exceo feita aos municpios plo da
Sulanca, Santa Cruz do Capibaribe e Toritama9: a cidade dos jeans, cujas fbricas
transportam confeces para a Feira, agora toda a terafeira, alm das confeces
originrias de Caruaru. Alm dessas, ouvi chamados para sulanqueiros de Petrolina e de
outras cidades do Serto; de Garanhuns, de Taquaritinga do Norte, entre os municpios do
Agreste; de Palmares, da Mata Sul do Estado.
1970
7,5
10,7
81,8
34,9
46,9
100,0
1975
6,8
21,5
71,7
28,6
43,1
100,0
1980
5,7
23,8
67,5
21,7
45,8
100,0
1985
12,0
19,8
58,2
29,6
28,6
100,0
1990
3,0
13,3
83,7
33,9
49,8
100,0
1993
1,8
17,3
80,9
27,4
53,5
100,0
1996
7,0
12,4
80,6
31,0
49,6
100,0
1998
2,5
14,9
82,6
29,1
53,5
100,0
Estes trs municpios constituem, at o momento, o principal plo produtor de confeces populares de
Pernambuco, considerado o segundo maior do pas em montante de produo, inferior somente a So Paulo,
conforme dados do Plano Diretor: Perfil de Caruaru, e informaes jornalsticas.
42
Atualmente, a cidade possui quinze agncias bancrias, cinco faculdades que oferecem
mais de vinte cursos superiores, sete emissoras de rdio, dois canais de televiso e uma
emissora em fase de experincia. Conta com diversas entidades, como Clubes de Lions e
Rotarys, CDL, Associao Comercial e Industrial, Lojas Manicas, Panathlon Club, entre
outras.
Desde maro de 2001, Caruaru conta com um Escritrio de Representao na capital do
Estado, fortalecendo os contatos junto a rgos internacionais, ao Governo Federal,
Estadual e ONGs.
43
Este item tem por finalidade mostrar a situao sociocultural contempornea das diversas
feiras que compem a Feira. Por isso, descreverei sucintamente cada uma delas,
utilizando o contedo obtido nas pesquisas e colocado nas diversas Fichas de Lugar, e em
outras, cujas informaes que trazem se fizerem necessrias para a compreenso, em
detalhes, da dinmica atual da Feira. Parto da listagem j apresentada na seo anterior,
das Informaes Histricas. Nela, segui a ordem dada pela Fundao de Cultura, conforme
se encontra, igualmente, no Plano Diretor do municpio. Repito abaixo, para melhor
orientao dos leitores, elencando primeiro as quatro grandes Feiras, conforme ns,
pesquisadores, pudemos constatar:
Feira do Artesanato
Feira da Sulanca
Feira do Gado
Feira do TrocaTroca
Feira do Couro (calados, chapus, bolsas, coletes, etc., feitos deste material)
Feira do Fumo
44
produtos
comercializados
so
falsificados
trazidos
normalmente
por
na fronteira Brasil/Paraguai,
produtivas
dos
pases
chamados
emergentes,
incluindo
Brasil,
Feira do Paraguai dentre as feiras da Feira de Caruaru embora ela possua uma tal
riqueza de significados para a populao que tem um lugar importante como centro de
relaes e de contatos culturais. O fato que, diante do quadro da ilegalidade de certas
prticas comerciais, optamos por deixar para outra ocasio a incluso desta feira no
objeto de registro.
45
para
e
seus
respectivos
aprendizes.
Dando
filhos,
asas
Por falar em
46
ri, por produzir um rudo caracterstico de algo sendo rodo; acrescento ainda o
sortimento enorme de bonecas de pano, das mais distintas formas, cores e tamanhos...
No artesanato em Xilogravura, encontramos centenas de capas de poemas de cordel, as
produes dos patrimnios vivos11 Dila e J. Lopes este ltimo de Bezerros/PE que
possui uma barraca na Feira, onde sua mulher vende as belssimas pinturas que expressam
o cotidiano do homem e mulher sertanejos e agrestinos, a geografia dessas regies, as
praias litorneas e os folguedos de nossa cultura popular.
Vrios tipos de bordados, os quais vm geralmente do Cear, de Sergipe, de Passira/ PE,
de Pesqueira/ PE, entre outros; poucos so os bordados e os artigos de croch produzidos
em Caruaru mesmo: estes se restringem mais a artigos destinados cozinha, como panos
de prato com o nome Lembrana de Caruaru.
H tambm os artigos de palha e vime; os artigos ornamentais feitos em couro, cru ou
curtido, encontrados tanto aqui como na Feira especfica de couros e calados; Literatura
de Cordel, venda tambm fora do Museu; artigos em madeira como talhas e brinquedos;
roupas (estas podem ser de fuxico, de renda, camisas com ditos populares, roupas estilo
indiano, etc., alm das produes locais, da Sulanca); bolsas (de corda, de couro, de
fuxico, de palha, de tecido, de linha, etc.); imagens sacras de barro, madeira, gesso,
metal, entre tantas outras coisas12.
Encontramse na Feira artesos hoje em menor nmero do que antes do crescimento da
importncia do Alto do Moura que criam suas peas nas suas prprias barracas. Outros,
moradores de municpios vizinhos, distribuem suas criaes entre donos de vrios
estabelecimentos comerciais nesta Feira; o interessante que alguns destes no deixam
endereo nem mesmo telefone para contato: entregam certo nmero de obras, do o
preo, se despedem, voltando qualquer dia, alguns meses depois, para buscar o apurado
das vendas. Ns pesquisadores achamos isto lindo, um costume que perdura de uma
relao de confiana plena entre criadores e vendedores. Atravs de ocorrncias como
estas, podese analisar a continuidade de determinadas relaes sociais hoje quase
10
Cf. Fichas de Lugar = Feira do Artesanato/ Localidade: Permetro Urbano, e de Contato: Z Caboclo/
Localidade: Alto do Moura.
11
O Governo de Pernambuco, em 2005, instituiu o programa intitulado Patrimnios Vivos. A cada ano sero
escolhidos artistas populares de diversos tipos de arte, com 60 anos de idade e mais, nascidos no Estado ou que
vivam aqui h vinte anos ou mais, que tenham transmitido sua arte para seus familiares, alunos e/ou formado
grupos para reproduo do seu saber. Os artistas Dila e J. Lopes esto entre os selecionados para este programa
em 2005. Todos devem perceber uma ajuda mensal do Governo, de montante igual.
12
Toda esta diversidade pode ser encontrada nas fichas de Formas de Expresso com exceo dos bens que
no so da prpria Caruaru.
47
Com muita segurana, Vitalino asseverava a um reprter: Era mais importante que eu
aprendesse a usar minhas mos que minha cabea. Na minha terra, as mos produzem
comida. E a cabea s produz confuso (JORNAL DO COMMERCIO, 11/07/02). Seus mais fiis
discpulos e companheiros foram Z Caboclo, Manuel Eudcio, Z Rodrigues, Ernestina,
Lus Antonio, entre outros.
Morador do Alto do Moura, Manuel Eudcio o nico artista vivo da gerao que
revolucionou a cermica figurativa brasileira e revelou Vitalino (JORNAL DO COMMERCIO,
11/07/2002). No sai do Alto do Moura para morar em canto nenhum, s vai ao Recife para
fazer exames mdicos. Grandes museus de arte da Frana e Inglaterra compram suas
peas, como tambm na FENEART, (quer dizer: Feira Nordestina de Artesanato, que
acontece no Recife, sempre no ms de julho, atraindo multides de visitantes e
compradores em atacado e a varejo) peas como A Novena do Veio Cndido fazem o maior
sucesso. Afirma Eudcio, em reportagem ao Jornal do Commercio de 11/07/2002, Essa
arte s passou a ter valor com a morte de Vitalino. Antes, a gente vendia na Feira para as
crianas, elas quebravam e a gente fazia de novo. At vinte anos atrs, nem conheciam a
gente. Chamavam tudo de Vitalino. Afirma que, em 1948, a convite de Vitalino, foi
Feira pela primeira vez para vender suas primeiras quinze peas: eram cavalos e bois para
as crianas brincarem.
Eudcio s passou a assinar suas peas a partir dos cinqenta anos de idade, sendo o
primeiro arteso a criar conjuntos de reisado, bumbameuboi e cavalo marinho. Diz ainda
na mesma entrevista:
48
Z Caboclo foi quem primeiro fez o maracatu e eu, o reisado. Quando eu era
moo, brincava o reisado nessas ruas, fazia a figura do primeiro galante. S fiz
boneco porque vi os que Vitalino fez. No comeo, eu botava bolinhas nos olhos.
Vitalino usava furos. Ele viu e passou a fazer. E tambm tive a idia de pegar uns
palitos pra moldar onde a mo no alcanava. A ele disse: deixa eu ver como
isso. Morreu tudo. Fiquei eu, pra contar a histria at o dia que Deus quiser.
(JORNAL DO COMMERCIO, 11/07/2002).
Manuel Eudcio costuma deixar sempre uma marca de lembrana das brincadeiras
populares em suas obras. Assim, quando ele pe bigode ou culos nos cavaleiros nas
peas, porque o homem que brincava o folguedo assim se caracterizava.
Palavras de Walmir Dimeron, Diretor de Documentao e Patrimnio Cultural da
Fundao de Cultura de Caruaru, com escritrio no Museu do Barro de Caruaru, em
entrevista ao Jornal do Commercio: Eudcio um dos responsveis pela evoluo
tcnica. Foi um dos primeiros a usar arame nas peas. Com ele, a cermica ganhou
acabamento, sofisticao (JORNAL DO COMMERCIO, 28/08/2003).
Severino Vitalino, filho do Mestre, revela que seu sonho conseguir um patrocnio para
reproduzir as cento e dezoito peas de seu pai. Ele passa o dia inteiro construindo suas
obras. Quando o artesanato carrega assinaturas de Vitalino ou de sua famlia, os preos
sobem em at trezentos por cento.
J Mestre Galdino criava animais e seres imaginrios como s ele sabia fazer e escrevia
versos para sua obra. Os filhos de Mestre Galdino no vendem suas peas por dinheiro
nenhum (JORNAL DO COMMERCIO, 28/08/2003).
Refirome aqui aos municpios de Toritama e Santa Cruz do Capibaribe (cf. Fichas destas cidades, como bens
associados, no Inventrio).
49
gerao de emprego e renda e da cultura do trabalho por conta prpria (do trabalhador
especializados
em
confeces
so
provenientes
de
outros
14
Agradeo a Valmir Dimern o envio dos dois programas em power point, contendo os dados que passo a citar
em seguida.
50
51
associado Feira , pelos motivos alegados acima, sobretudo pela influncia que esta
Feira exerce sobre as demais, impulsionando os negcios em muitas delas, nas teras
feiras, como foi salientado. Isto configura uma relao atual de interdependncia entre a
Sulanca e a Feira de Caruaru em sua totalidade, aquela antes se beneficiando do lugar que
esta j ocupava na cidade, no Estado e em sua fama nacional, como lugar de acorrncia
de multides de feirantes, compradores, visitantes e turistas, nacionais e internacionais.
Hoje, a Sulanca alavancando tambm a Feira de Caruaru, responsvel por um dos maiores
faturamentos e concorrendo para a importncia sociocultural da feira.
52
Tudo quer dizer: a Feira e, em seguida, a povoao na Fazenda Caruru comeou com
ela, dizem os historiadores e cronistas. Ns, pesquisadores, consideramola lugar
integrado Feira de Caruaru, de importncia mpar, porque constituiu a origem do
povoamento da regio, que depois se transformou na cidade, ocasionou o surgimento
paulatino do comrcio dos gneros de primeira necessidade, de vesturio, de artigos
domsticos em geral e, enfim da grande Feira. Em termos de ocorrncia socioeconmica,
bastante representativa por ser a maior do Nordeste e, h dez anos, considerada a maior
do Brasil. Hoje em dia nos foi dito nas entrevistas com os coordenadores dela, entre eles
o Sr. Joo Dutra, principal diretor da Feira e do Matadouro Municipal na poca da pesquisa
ela chegou a suplantar, em volume de negcios, a tambm grande Feira do Gado de
Feira de Santana/ BA. Em Caruaru, a Feira inclui a comercializao no s do gado bovino,
mas tambm de cavalos, bodes, artigos em couro,
utenslios indispensveis para as atividades dos vaqueiros,
etc. O gado negociado se divide em: gado de corte e
gado de recria.
A Feira est atualmente localizada no bairro do Caj, de
frente para o aeroporto e o aeroclube de Caruaru. Tem
incio toda segundafeira noite, com a chegada dos
boiadeiros e das manadas, que se prolonga madrugada
adentro. Os comerciantes vindos nesse horrio podem
pernoitar no local, armando sua rede em um quarto
especfico, junto com os demais. Aquele que estiver
querendo se divertir durante a noite pode, inclusive,
optar por pernoitar no cabar estabelecido dentro do
recinto, que funciona todo o tempo que durar a
movimentao de pessoas.
Na terafeira pela manh, o dia comea agitado. Quem estiver entrando na Feira se
depara com um estacionamento lotado de carros e caminhes. Em meio a uma multido
de produtores, criadores e compradores, percebemse boxes ou barracas ostentando
artigos de uso para vaqueiros, alm de vendedores de ferro para marcar bois e cabras.
Antes de se chegar s grandes reas dos currais, o visitante ou comprador se depara com a
transmisso local da Rdio Sistema Sonoro da Feira do Gado, ligada ao Sistema Sonoro
do Terminal Rodovirio de Caruaru, ao Sistema Sonoro da Feira da Sulanca, Sistema
Sonoro da CEACA e Sistema Sonoro do Parque das Feiras. Essa rdio possui o papel
principal de divulgar anncios para um determinado pblicoalvo que, neste caso, so as
pessoas que trabalham com agropecuria. Assim, so feitos, durante a Feira, anncios de
medicamentos, vaquejadas, utilidade pblica, etc. Existem marcas de produtos
concorrentes da rdio e outras que pagam uma determinada quantia por anncios.
53
O Estado fica responsvel pelo controle da vacinao do gado contra a febre aftosa.
Nenhuma transao pode ser efetuada sem a apresentao do carto de vacina do animal.
O grande corredor que d acesso aos bois que esto sendo vendidos bastante perigoso de
se percorrer, uma vez que muito facilmente os animais se soltam e acabam gerando
tumultos e correrias, que muitos vem como uma espcie de diverso perigosa.
A Feira de Cavalos situase num grande cercado dentro da Feira do Gado. As negociaes
so feitas da mesma forma e as raas mais procuradas so: mestio, quarto de milha e
inglesa. comum a imagem de possveis compradores montando em alta velocidade para
testar a capacidade de freio do animal. O pblico envolvido composto de compradores,
criadores, produtores, firmas e pessoas interessadas em agronegcios. Cerca de dez mil
pessoas circulam pela Feira, oriundas dos mais diversos municpios de Pernambuco, tais
como: Vitria de Santo Anto, Bonito, Brejo da Madre de Deus, Recife, etc. Na poca da
safra, ou do boi gordo, o gado vem do Piau, Maranho, Tocantins, Gois, Par, Bahia e
Minas Gerais. Na entressafra, 80% do gado do Nordeste, s 20% dos demais Estados
citados. J o gado de recria vem do Piau e do Maranho, alm de Pernambuco e Estados
prximos. A Feira importante para a vida local, j que so realizadas cerca de 2.500
negociaes por dia, rendendo em mdia um milho a um milho e duzentos mil reais por
feira. A Prefeitura recebe trs reais por cada cabea de gado que negociada; com isso,
arrecada imposto para o municpio e contribui para a economia local.
Local de relaes significativas de compra e venda; local de origem do povoamento da
regio; local que sinaliza uma memria do passado do Ciclo do Gado, etapa importante da
formao histricocultural e econmica do interior do Brasil: caractersticas que
conferem Feira do Gado o sentido scioantropolgico de Lugar.
desculpas esfarrapadas sobre o porqu de ali chegarem ao final da Feira: criana doente
54
em casa, visita que chegou de manh e demorou a sair, o marido precisava almoar
cedo... enfim, a hora do preo mais baixo, tambm de comprar produtos machucados,
mexidos, de qualidade inferior; mas, melhor
assim do que no ter nada pra levar pros
filhos, raciocinam conformados, homens e
mulheres. E a tradio e os costumes
centenrios permanecem, se perpetuam,
constituindo tambm aqui um Lugar onde se
pode escolher os produtos fresquinhos na
parte da manh, onde existem relaes de
amizade e troca de saberes entre vendedores
e compradores, e onde se reproduzem os
costumes acima citados: as compras dos mais
pobres no final da tarde, porque para estes tambm h a possibilidade de adquirirem o
indispensvel para sobreviver. Tudo ocorrendo na grande Feira, que tem de tudo que h
no mundo.
em
mdia.
Nela,
podemos
55
da umbanda, da jurema15.
do
povodesanto
denominados
vulgarmente
de
magia
negra;
considerado um Lugar por estar inserido na grande Feira, e por abrigar um conjunto de
prticas e comportamentos portadores de significados socioculturais especficos para o
15
At uns trinta anos atrs, esta tradio religiosa afroamerndiacatlica chamavase catimb, nos Estados do
Nordeste foi assim denominada por Mrio de Andrade e Cmara Cascudo, em seus notveis estudos sobre esta
tradio. Pouco a pouco, no entanto, por razes cuja discusso no cabe neste trabalho, foi passando a ser
conhecida como jurema. J o xang o nome com que normalmente conhecida a tradio iorubnag, em
Pernambuco, chamada de candombl em quase todo o Brasil.
56
pblico, que ator social deste espao e atividade. Ao mesmo tempo, representa um todo
complexo envolvendo costumes centenrios ligados instituio do escambo ou economia
baseada na troca de bens, freqente no interior do territrio do Brasilcolnia ou Imprio,
em vista da precria e quase nula circulao de moedas, como j afirmamos acima.
Neste sentido, esta Feira representa um espao importante de resistncia socioeconmica
e cultural, motivado no s pelas condies econmicas adversas de boa parte de nossa
populao pobre, que tem na prtica do trocatroca uma via recorrente de acesso aos
bens
de
consumo
durveis,
de
preos
pela
de
redes
de
sociabilidades,
isso
comportamentos
sinaliza
costumes
particulares
diretamente
57
As
espcies
so:
de
flores
monsenhor,
mais
a
58
4.9. Feira do Couro (calados, chapus, bolsas, etc., feitos deste material)
A Feira de Couro ou couros deve considerarse um Lugar no s por estar inserida na Feira
de Caruaru, mas pela antiguidade que representa, ligada ao ciclo econmico do gado, do
qual o homem brasileiro sempre aproveitou no s a carne, mas outras partes do corpo do
animal para componentes do vesturio (gibes, por exemplo), calados (as sandlias
tpicas
dos
vaqueiros),
bolsas,
sacolas,
59
Por se achar inserida na Feira de Caruaru e abrigar um sentido cultural especfico para o
pblico que o compe, ligado sobretudo culinria nordestina, pela fabricao, exibio e
venda de produtos tpicos da doaria da Regio, consideramola um Lugar. Mantmse em
plena atividade e muito procurada e visitada, por isto um bem plenamente vigente.
Esta Feira vizinha Feira de Ervas; composta por dezoito barracas em mdia,
funcionando de segunda a sbado. Sua maior movimentao ocorre nas terasfeiras, fato
decorrente do grande nmero de freqentadores da Feira da Sulanca, quando multides
percorrem os boxes e barracas para comprar e merendar.
Estas tm estrutura de ferro e madeira. Os produtos em sua maioria so bolos, quase
todos tpicos, de diversos feitios e materiais, mas encontramse tambm queijos do tipo
60
goma
ganha
diferentes
formas
de
tratamento, de acordo com a sua finalidade, ou seja: depende de se ela destinada para
tapioca, papa, cuscuz, bolo, beiju, farinha de araruta... Outro fator determinante para o
estado da goma o tempo de consumo: a prtica local a de vendla em estado
petrificado em pedra, costuma dizer o povo para um consumo de oito a quinze dias;
ou ento, ela peneirada at transformarse em p, sendo ento vendida para o consumo
imediato. Perto desta seo, h outra parte onde colocada venda a tapioca j pronta.
Vale destacar que os vendedores desta seo a consideram parte da Feira de Caruaru,
como um todo. O pblico envolvido composto por pessoas da regio e turistas. A
importncia para a vida local econmica e cultural, por manter esta tradio da
culinria pernambucana e de todo Nordeste aucareiro, originada nas cozinhas dos
engenhos de acar da poca colonial, quando se amalgamaram elementos indgenas a
mandioca e determinadas ervas a utilizao do coco pelos africanos e as formas de
cozimento, de torrar e de assar, trazidas pelos portugueses. Da que esta feira digna de
registro porque auxilia a manter e a divulgar para todo o pas e o Exterior nossa doaria
61
tpica e popular: como vimos, muitos desses bolos so provenientes de nossas cozinhas
coloniais, das casasgrandes e dos sobrados, onde se mesclaram elementos da culinria
ibrica e africana, com a utilizao de produtos da cozinha indgena da regio.
variam
de
utenslios
domsticos,
62
63
64
importante terminar esta listagem com a descrio de duas edificaes, transcritas nas
respectivas fichas de identificao, mas que so bens plenamente integrados ao conjunto
das feiras, visto que pertencem ao e esto localizadas no espao prprio das mesmas, e
ligados Feira de Caruaru como um todo. Alm disso, constituem locais de compra e
venda de produtos alimentcios de primeira necessidade, que necessitam de uma maior
cobertura fsica. Refirome ao Mercado da Farinha e ao Mercado de Carnes.
Mercado da Farinha
O bem considerado lugar integrado, como j foi dito, e associado Feira de Caruaru por
estar includo na mesma, como parte da Feira Livre. O Mercado da Farinha uma feira
aberta de segunda a sbado, sendo que, neste dia, o atendimento se inicia s trs horas
da manh e nos outros, s seis horas. O local dividido por vinte comerciantes em mdia,
que vendem farinha de mandioca, feijo
carioca, feijo mulatinho, arroz, milho,
entre
outros;
alguns
vendem
produtos
os
pequenos
mercados
da
65
comida, como o munguz, de influncia africana, nascido nas senzalas, o angu aguado e o
doce, os bolos de milho, etc. Sob este aspecto de colocar venda produtos bsicos tpicos
da culinria nordestina, o mercado tem um peso cultural significativo, inclusive por estar
integrado Feira como um todo, como um Lugar tambm prenhe de significados.
Mercado de Carnes
Este abriga um sentido cultural especfico: o de vender a carne bovina que provm dos
matadouros prximos Feira do Gado e outras carnes. Localizase prximo Feira de
Flores. Internamente, temse uma diviso que no muito rgida nem com limites
precisos: logo na entrada, so vendidas as
carnes em geral, como carne de boi, de
porco, entre outros; no meio do Mercado,
vendemse basicamente galinhas abatidas; e,
nos ltimos boxes, so vendidos os chamados
midos (nome que se d, em Pernambuco
e outros Estados do Nordeste, s partes
comestveis das vsceras dos animais). Este
geralmente o local aonde os moradores de
Caruaru vm para comprar carne, mas apesar
disso, algumas pessoas que a trabalham
reclamam do pouco movimento. Alm das carnes, h tambm pessoas vendendo panos de
prato e sacolas de feira. A viso quanto ao mercado dividida: alguns acham que o
mercado bom, outros reclamam da administrao e do fraco movimento.
66
67
A Feira do Gado nasceu informalmente no final do sculo XVII, num local determinado,
num cruzamento e parada de tropeiros e vaqueiros, levando as manadas de bovinos para o
serto e trazendo quantidades de animais para o Litoral, para o corte ou a engorda. O
local transformouse em lugar, pouco a pouco, a partir das trocas comerciais que
envolviam contatos culturais. O lugar foi adquirindo sentido para aqueles grupos de
pessoas, no incio pouco diferenciados tropeiros, boiadeiros, proprietrios de terras,
posteriormente se diversificando cada vez mais, com a presena de outros segmentos
ocupacionais at surgir o processo do
povoamento, da fixao no territrio, o que
exigiu a construo da capela, em cujo redor
a vida social comeou a acontecer. Criouse
o Lugar, porque o local produzia sentido para
a comunidade que nele habitava: ali se
ganhava a vida, se relacionava, festejava,
rezava, vivenciava os ritos de passagem:
nascimentos, batizados, casamentos... e os
ritos funerrios: velrios, sepultamentos,
sufrgios.
Ao crescer no imaginrio da populao como um Lugar, a Feira e a povoao a que deu
origem tambm passaram a conferir sentido rede de relaes que se desenvolveu; assim,
o aglomerado de casas, e a Feira foise tornando um lugar de expresso, de difuso e de
reproduo de uma identidade cultural especfica, paralelamente ao crescimento de sua
importncia econmica. A Feira cresceu, e com ela a cidade, numa relao de
reciprocidade inquebrantvel desde ento, resultado do sentido que a populao lhe
conferiu. Ao mesmo tempo, o Lugar ocasionou e motivou o desenvolvimento da vida
cultural, com as oportunidades criadas e o cenrio propcio.
e de tudo isso com a Feira , que deve ser objeto de registro: seja a permanncia de
68
69
apresenta um carter singular e prprio. Dado o exposto, acreditamos que esta feira
merece o registro de Lugar.
juntamente
com
as
Entradas
no
setor
do
lazer,
no
das
70
A Feira do Couro (calados, chapus, bolsas, coletes, etc., feitos deste material)
Memria quase museosolgica do Ciclo do Gado.
Do boi tirouse o couro; do couro fizeramse calados, gibes, chapus, bolsas, alforjes,
coletes, e outros artigos utilitrios e ornamentais. Os artigos de couro, juntamente com a
carne e os ossos do gado bovino, marcam a milenar ligao dos seres humanos com este
animal. Na formao do povo brasileiro, no foi diferente: trazidos por portugueses e
espanhis desde o sculo XVII, o gado tomou conta do interior da colnia, favoreceu a
penetrao nas terras, conquistou espaos aos indgenas, numa luta inglria, muitas vezes,
para os conquistadores, mas que teve tambm seu lado noviolento: as trocas culturais
que se tornaram recorrentes entre brancos pobres migrantes uns, foragidos e fugitivos da
justia outros indgenas destribalizados, tornados pees nas fazendas, e negros fugidos,
aquilombados ou no, e mestios. Em conseqncia disso, o caldeamento cultural que se
formou nos sertes do pas foi de uma consistncia tal, que a sociloga Maria Isaura
Pereira de Queiroz afirmou, em conferncia,
que o interior do Brasil j possua uma
cultura prpria, no sculo XVIII, bem diversa
da europiaibrica, denominada pela autora
cultura rstica.
Pois bem, esta cultura se desenvolveu,
modernizouse
em
muitos
aspectos,
se
sempre
modificadas
em
aspectos
71
importante
permanentes
a
de
incluso
de
sociabilidade,
inmeras
prticas
detectadas
pela
mtua
construo
de
redes
de
72
de
prticas
socioeconmicas
culturais
que
constituram
elementos
73
nos
quais
prosperou o Ciclo
se
desenvolveu
do Acar, com as
beijus e das tapiocas, mais leves de se deglutir, alm da utilizao do milho, farto nos
sertes, quando em tempo de chuva. Estas formas, por sua vez, influenciaram na culinria
das fazendas e, a partir destas, na das cidades e vilas agrestinas e sertanejas.
Temos aqui, portanto, muitos motivos para incluir esta feira no Registro.
74
notamos
convergncia
de
75
5.4. Justificativas
Inicio este item destacando trechos de alguns testemunhos de pernambucanos ilustres,
celebrizados por servios prestados a nosso Estado em diversos campos de atividade; todos
unnimes em justificar, desejar e torcer para que a Feira de Caruaru seja concedida o
ttulo de Patrimnio Cultural Brasileiro Imaterial.
Do Senador Marco Maciel, ex VicePresidente da Repblica, tomamos o seguinte
depoimento:
A feira de Caruaru, se forte na vertente econmica, nica como espetculo
multicolorido da cultura diversificada do estado de Pernambuco... sobretudo
porque naquele espao a riqueza cultural de nosso Estado encontra bem fincadas
as razes da pernambucanidade.
Alm da feira, Caruaru tem um celeiro de filhos ilustres ... Dentre alguns
podemos citar: Austregsilo de Athayde e lvaro Lins, ambos escritores e imortais
da Academia Brasileira de Letras; o cantor Azulo; Luiz Jacinto Silva (o Coronel
Ludugero), humorista; os irmos Jos Conde e Joo Conde, ambos escritores;
Heleno dos Oito Baixos, compositor e sanfoneiro; Israel Filho, cantor, foi o
primeiro pernambucano a conquistar o Prmio Sharp da Msica Popular
Brasileira; Nelson Barbalho, historiador; Onildo de Almeida, compositor e autor
da msica A Feira de Caruaru; Sebastio Alves Cordeiro Filho (SEB) teatrlogo;
Petrcio Amorim, compositor; Vitalino, maior ceramista de Caruaru; Olegrio
Fernandes da Silva (o Velho Olegrio), autor de cordel; Maria Luza Maciel, pintora;
Manuel Galdino, ceramista e poeta; Vital Santos, teatrlogo.
Apresento agora a ntegra do corpo da carta dirigida 5a SR do IPHAN pelo Sr. Marcos
Vinicius Vilaa, atual Presidente da Academia Brasileira de Letras:
Aplaudo o IPHAN, 5 SR, pela iniciativa de propor a Feira de Caruaru para registro
no Patrimnio Cultural Imaterial Brasileiro. E tenho razes para isto. De uma
parte, por ter participado do instante seminal de concepo dessa
institucionalizao na poltica cultural do Brasil e por integrar o Conselho do
IPHAN. Ambas as condies me fazem conhecedor do tema. De outro lado, pelo
76
Aps este admirvel conjunto de justificativas de algum que lida com projetos e polticas
culturais h muito tempo, seleciono agora tpicos do depoimento do exministro da
Justia, exdeputado federal e atual presidente da Fundao Joaquim Nabuco/ FUNDAJ,
Sr. Fernando Soares Lyra. Do seu texto, carregado de memrias e encantamentos, extraio
o que segue:
A Feira de Caruaru foi o meu primeiro alumbramento. Menino ainda, guiado pela
mo do meu pai, mergulhei naquele mar de gente que enchia a rua mais comprida
e larga da cidade natal. Contemplei, extasiado, um espetculo que jamais
sonhara. Cantorias e gritos cruzavamse no ar. Preges de vendedores misturados
s sextilhas de violeiros em desafio, repentes de emboladores, narrativas de cordel
sobre os feitos de Lampio. Um solitrio aboiador entoando, com a mo em concha
perto da boca ...
Barracas incontveis dividiam o espao em mltiplas fileiras com suas mercadorias
que iam do trivial de todas as feiras aos imprevisveis objetos de flandre,
tamboretes, chocalhos, saias de chita, chapus de couro e feltro, gaiolas, pssaros
cantadores. Lembrome da exploso das cores expostas ao sol do agreste.
(...) Mais adiante, como filho do Prefeito, compreendi a dimenso intermunicipal
do evento que atraa moradores das cidades e povoados vizinhos. Meu av e meu
pai contaramme que a mesma feira tambm os deslumbrava quando crianas. Na
dcada de 1950, os bonecos de Vitalino saram daquele cho para as ruas do
77
mundo. (...) Hoje, segundo dados oficiais, so mais de 10 mil barracas que
atendem, em mdia, mais de 40 mil pessoas por feira, com um giro de capital
superior a 1 milho de reais. Sua repercusso nacional e internacional
comprovada pela presena contnua de turistas de outros estados e de outros
pases.
(...) Pedemme um depoimento sobre a importncia da Feira. Posso acrescentar
que, tendo percorrido o Brasil inteiro e boa parte do mundo como poltico
militante em meu pas, indaguei sempre pelas feiras nos locais visitados e me
responderam que eram rotineiras, nada impactantes. Em vrias dessas
oportunidades mencionei a Feira de Caruaru e ouvi exclamaes de respeito ou
interesse em conhecla.
Descrio deliciosa, um quase quadro vivo das atividades do transcorrer da Feira, do seu
cotidiano, do muito de nordestinidade que ela mantm e ajuda a preservar, nas suas
vrias feiras, na reproduo dos seus tipos humanos no barro, nas xilogravuras, nos
78
Por fim, last but not least, apresento trechos do artigo A Fora de uma Feira, de
autoria de Eduardo Ferreira, escrito no n. 4 (junho de 2006) da Revista Algomais,
publicada no Recife:
A Feira de Caruaru marca a vida e o modo de ser do caruaruense, ao definir o
perfil comercial da cidade e consolidar a caracterstica empreendedora dos seus
habitantes. Tudo comeou numa fazenda, transformada em feira, ampliada em
vila e emancipada como cidade. A feira, com mais de nove quilmetros de
extenso, forma, com o forr e o artesanato, o trip econmico e social
caruaruense.
(...) A fora da feira e a conscincia do caruaruense de sua cidade ser uma capital
tornaramse conceitos oficiais, perpetuados no hino do municpio, composto pelo
professor Jos Florncio Neto (Machadinho), tornado lei em 17 de maio de 1972.
... Artesos, compositores, empresrios e polticos nutrem os sentimentos
expressos no hino, reconhecendo a importncia da feira na fora do comrcio e na
formao de empresrios arrojados e destacando a importncia de Caruaru no
cenrio estadual, a exemplo de Onildo Almeida, autor de 543 msicas, entre elas a
da Feira.
(...) Entendo que a feira foi o estopim do processo do setor de confeces, frisa
o empresrio (Wamberto Barbosa). Este continua: Este processo no se daria se
comeasse pela produo. Ele aconteceu porque se iniciou pelo lado comercial.
Wamberto Barbosa, citado ainda por Eduardo Ferreira, continua, afirmando que O
empreendedorismo uma marca da regio. Em alguns segmentos, at a forma
encontrada de comercializao de uma criatividade muito grande, como a Feira
79
80
81
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memria viva, isto de lembranas de algo que no desapareceu, no se esvaiu; que pode
ser reconstitudo.
O depoimento tem importncia, igualmente, no sentido de que ele alude a diversos tipos
de bens sobre os quais uma parte mais consciente da populao de Caruaru tem
demonstrado desejo de que sejam recuperados, seja para informar s novas geraes a
sua existncia, a fim de manter os diversos usos e costumes perenizados nas tradies e
nas memrias da Feira, seja para perpetuar os significados inerentes a cada bem citado:
cala de alvorada, fsforo sete lapadas, e a relao destes com o matuto, o trabalhador
rural, de poucas posses e parcos recursos para renovar seu estoque de vesturio tendo
que se limitar a uma cala apenas para o ano inteiro alm de sua simplicidade de hbitos
de consumo, que o fazia preferir o sete lapadas aos fsforos industrializados. Alm
disso, este jogo de preferncias desmistifica a impresso do senso comum, de que os bens
ofertados pela indstria atual de consumo teriam atrao irresistvel para o conjunto da
populao. As prticas de consumo tradicional, expostas na Feira de Caruaru e em outras
feiras pelo Brasil a fora demonstram a fora da tradio e do costume se sobrepondo aos
apelos do consumismo contemporneo e com eles convivendo.
As evocaes de Onildo Almeida, expostas na entrevista com ele, so do tipo da memria
do divulgar , do perenizar , do reconstruir . As do segundo tipo, a memria do guardar para
si, do ocultar, ele as deixou entrever nas lgrimas que brilhavam em seus olhos na
inesquecvel manh de 24 de fevereiro de 2006, como j foi escrito acima. As lgrimas que
escorriam de seus olhos e de muitos outros dos presentes ocultavam revelando a
ocorrncia desta segunda memria.
apaixonante se constatar as mil e uma utilidades da Feira para o povo que dela se
utiliza para preencher necessidades vitais, fonte que de alternativas diversas e de
manuteno de antigas estratgias de sobrevivncia, hoje consideradas substitutivos para
a consecuo das urgncias da vida negadas pela organizao da sociedade de produo e
consumo capitalista, marcadamente excludente!
Por fim, vivncias outras do nosso cotidiano popular, expressas e vividas sobretudo nas
feiras inmeras pelo pas a fora, sinalizadas, no caso de Caruaru, por autores como Joo
Cond, cuja referncia j reproduzimos acima, e que vale a pena repetir :
O sol comea a esfriar (...) Agora hora de fazerem compras os pobres da Lagoa
da Porta, do p do monte (...) tambm hora em que as bodegas esto cheias de
matutos muitos j embriagados bebendo aguardente (...). Os bbados de fimde
feira (COND, 1960, p. 61).
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85
Peridicos Consultados
Jornal do Commercio, Recife. Edies: 01/01/ 1993; 06/ 08/1993; 27/ 02/ 1994;14/ 05/
1994; 18/ 05/ 1997; 11/ 07/ 2002; 28/ 08/ 2003.
Jornal Vanguarda, Caruaru. Edio: 18/05/2002.
Revista SERPRO, Ano I, n. 10 maio de 1976.