A Revisão Da Bibliografia - Meus Tipos Inesquecíveis
A Revisão Da Bibliografia - Meus Tipos Inesquecíveis
A Revisão Da Bibliografia - Meus Tipos Inesquecíveis
Alves-Mazzotti
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A BSSOLA DO ESCREVER
Introduo
A reviso da bibliografia, apesar de sua indiscutvel importncia
para o encaminhamento adequado de um problema de pesquisa,
freqentemente apontada como um dos aspectos mais fracos de teses e
dissertaes de ps-graduao em Educao. Almeida (1977), ao avaliar
a qualidade das dissertaes defendidas em mestrados do Rio de Janeiro,
observou que 70% das revises se situaram nos nveis regular e sofrvel,
tendo sido tambm, dentre os aspectos avaliados, o mais freqentemente
classificado como pssimo. Igualmente preocupadas com esse problema,
Castro e Holmesland (1984) avaliaram as revises apresentadas em
dissertaes de mestrado da PUC-RS e constataram que a maioria no
se baseava em trabalhos de pesquisa e artigos de revistas nacionais ou
estrangeiras e, sim, em livros, os quais, sabidamente, refletem com atraso
o estado do conhecimento numa dada rea.
A m qualidade da reviso da literatura compromete todo o estudo,
uma vez que esta no se constitui em uma seo isolada, mas, ao contrrio,
tem por objetivo iluminar o caminho a ser trilhado pelo pesquisador,
desde a definio do problema at a interpretao dos resultados. Para
isto, ela deve servir a dois aspectos bsicos: (a) a contextualizao do
problema dentro da rea de estudo; e (b) a anlise do referencial terico.
Esses dois aspectos sero aqui discutidos, procurando-se apontar
as dificuldades enfrentadas por pesquisadores iniciantes, especialmente
alunos de ps-graduao, no que se refere reviso da literatura necessria
elaborao de suas teses e dissertaes, e sugerir procedimentos que
possam contribuir para a elevao da qualidade desses trabalhos. Dado
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Contextualizao do problema
A produo do conhecimento no um empreendimento isolado.
uma construo coletiva da comunidade cientfica, um processo
continuado de busca, no qual cada nova investigao se insere,
complementando ou contestando contribuies anteriormente dadas ao
estudo do tema. A proposio adequada de um problema de pesquisa
exige, portanto, que o pesquisador se situe nesse processo, analisando
criticamente o estado atual do conhecimento em sua rea de interesse,
comparando e contrastando abordagens terico-metodolgicas utilizadas
e avaliando o peso e a confiabilidade de resultados de pesquisa, de modo
a identificar pontos de consenso, bem como controvrsias, regies de
sombra e lacunas que merecem ser esclarecidas.
Essa anlise ajuda o pesquisador a definir melhor seu objeto de
estudo e a selecionar teorias, procedimentos e instrumentos ou, ao
contrrio, a evit-los, quando estes tenham se mostrado pouco eficientes
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Arqueolgico
Imbudo da mesma preocupao exaustiva que caracteriza o tipo
anterior, distingue-se daquele pela nfase na viso diacrnica. No que se
refere educao, comea pelos jesutas mesmo que o problema diga
respeito politecnia; se o assunto for de educao fsica, considera
imperioso recuar Grcia clssica, e assim por diante.
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Patchwork
Este tipo de reviso se caracteriza por apresentar uma colagem de
conceitos, pesquisas e afirmaes de diversos) autores, sem um fio
B certo que, muitas vezes, torna-se necessrio um breve histrico da evoluo do
conhecimento sobre um tema para apontar tendncias e/ou distores, marcos
tericos, estudos seminais. Estes casos, porm, no se incluem no tipo arqueolgico.
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Suspense
No tipo suspense, ao contrrio do anterior, pode-se notar a
existncia de um roteiro; entretanto, como nos clssicos do gnero, alguns
pontos da trama permanecem obscuros at o final. A dificuldade a
saber aonde o autor quer chegar, qual a ligao dos fatos expostos com o
leitmotiv, ou seja, o tema do estudo. Em alguns casos, o mistrio se
esclarece nas pginas finais. Freqentemente, porm, como nos maus
romances policiais, o autor no consegue convencer. E em outros, ainda,
numa variante que poderamos chamar de "cortina de fumaa", tudo
leva a crer que o estudo se encaminha numa direo e, de repente, se
descobre que o foco outro.
Rococ
Segundo o "Aurlio" (Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa,
1. ed., p.1.253), o termo rococ designa o estilo ornamental surgido
na Frana durante o reinado de Luiz XIV(1710-1774) e caracterizado
pelo excesso de curvas caprichosas e pela profuso de elementos
decorativos (...) que buscavam uma elegncia requintada, uma graa
no raro superficial.
Impossvel no identificar a definio do mestre Aurlio com
certos trabalhos acadmicos nos quais conceituaes tericas
rebuscadas (ou tratamentos metodolgicos sofisticados) constituem
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Caderno B
Texto leve que procura tratar, mesmo os assuntos mais complexos,
de modo ligeiro, sem aprofundamentos cansativos. A predileo por
fontes secundrias, de preferncia handbooks, onde o material j se
encontra mais digerido, uma constante, e as Colees do tipo "Primeiros
Passos", auxiliares preciosos.
Coquetel terico
Diz-se daquele estudo que, para atender indisciplina dos dados, apela
para todos os autores disponveis. Nestes casos, Marx, Freud, Heidegger,
Bachelard, Gramsci, Habermas, Bourdieu, Foucault, Morin, Lyotard e muitos
outros podem unir foras na tentativa de explicar pontos obscuros.
Apndice intil
Este o tipo em que o pesquisador, aps apresentar sua reviso de
literatura, organizada em um ou mais captulos parte, aparentemente
exaurido pelo esforo, recusa-se a voltar ao assunto. Nenhuma das
pesquisas, conceituaes ou relaes tericas analisadas utilizada na
interpretao dos dados ou em qualquer outra parte do estudo. O
fenmeno pode ocorrer com a reviso como um todo ou se restringir a
apenas um de seus captulos. Neste ltimo caso, o mais freqentemente
acometido desse mal o que se refere ao "Contexto Histrico".
Isto no quer dizer que se deva passar por cima de complexidades tericas ou
metodolgicas, e sim que teorizaes e metodologias complexas no conferem
consistncia a dados superficiais e/ou inadequados ao estudo do objeto. Alm disso,
cabe lembrar que o rigor terico-metodolgico inclui a obedincia ao princpio da
parcimnia.
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Monstico
Aqui parte-se do princpio de que o estilo dos trabalhos
acadmicos deve ser necessariamente pobre, mortificante, conduzindo,
assim, o leitor ao cultivo das virtudes da disciplina e da,tolerncia. Os
estudos desse tipo nunca tm menos de trezentas pginas e, semelhana
de sua fonte de inspirao, esto destinados ao silncio e ao isolamento.
Cronista social
E aquele em que o autor d sempre um "jeitinho" de citar quem
est na moda, aqui ou no exterior. Esse tipo de reviso de literatura o
principal responsvel pelo surgimento dos "autores curinga", que se
tornam referncia obrigatria, seja qual for o tema estudado.
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Ventrloquo
o tipo de reviso na qual o autor s fala pela boca dos outros,
quer citando-os literalmente, quer parafraseando suas idias. Em ambos
os casos, a reviso torna-se uma sucesso montona de afirmaes, sem
comparaes entre elas, sem anlises crticas, tomadas de posio ou
resumos conclusivos. O estilo facilmente reconhecvel: os pargrafos
se sucedem alternando expresses como "Para Fulano", "Segundo
Beltrano", "como Fulano afirma", "Beltrano observa", "Sicrano pontua",
at esgotar o estoque de verbos.
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Consideraes finais
A importncia atribuda reviso crtica de teorias e pesquisas no
processo de produo de novos conhecimentos no apenas mais uma
exigncia formalista e burocrtica da academia. um aspecto essencial
construo do objeto de pesquisa e como tal deve ser tratado, se
quisermos produzir conhecimentos capazes de contribuir para o
desenvolvimento terico-metodolgico na rea e para a mudana de
prticas que j se evidenciaram inadequadas ao trato dos problemas com
que se defronta a educao brasileira.
Acreditamos, entretanto, que o que aqui foi dito com referncia
reviso da bibliografia pode ter parecido, a alguns, excessivo, ou mesmo
fruto de uma mente obsessiva. Esclareamos: supe-se que uma pessoa,
ao se propor a pesquisar um tema, no seja leiga no assunto, isto , supese que j o tenha trabalhado em cursos ou pesquisas anteriormente
realizados. Conseqentemente, o que se exige apenas um esforo de
atualizao e integrao desses conhecimentos. No que se refere
especificamente a alunos de ps-graduao, necessrio assinalar que o
papel do orientador a fundamental: ele deve, portanto, ser um
especialista na rea, e, como tal, capaz de indicar as leituras necessrias
ao desenvolvimento da questo de interesse, evitando que o aluno parta
para um "vo cego".
Um outro ponto que merece comentrios a distino, no que se
refere ao nvel esperado, entre estudos realizados para a obteno dos
ttulos de mestre e de doutor. E evidente que as exigncias devero ser
diferenciadas, uma vez que a tendncia dominante garantir, aos mestres,
uma iniciao pesquisa, enquanto, dos doutores, espera-se uma
formao que lhes permita futura atuao como pesquisadores
autnomos. Especificar em que consiste essa diferenciao , entretanto,
praticamente impossvel, uma vez que, em termos concretos, as
exigncias variam segundo a instituio e, dentro de cada instituio, de
um orientador para outro. Podemos dizer que visamos aqui, precisamente,
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quilo que desejvel para uma pesquisa competente. Se, para os alunos
de doutorado, isto deve ser visto como uma exigncia, para os de mestrado
deve ser visto como uma direo para a qual dever caminhar.
Finalmente, muito se tem lamentado que o destino de grande maioria
das teses e dissertaes mofar nas prateleiras das bibliotecas universitrias.
Uma das causas desse fato , sem dvida, a qualidade dos relatrios
apresentados, particularmente no que se refere s revises da bibliografia:
textos repetitivos, rebuscados, desnecessariamente longos ou vazios afastam
rapidamente o leitor no cativo, por mais que o assunto lhe interesse.
Referncias
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