Direito Penal - Volume I - Introdução A Parte Geral
Direito Penal - Volume I - Introdução A Parte Geral
Direito Penal - Volume I - Introdução A Parte Geral
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E. MAGALHES NORONHA
Direito Penal
Volume 1
INTRODUO E PARTE GERAL
Atualizada por
ADALBERTO JOS Q.T. DE CAMARGO ARANHA (Desembargador
aposentado do Tribunal
de Justia de So Paulo e Professor
da Faculdade de Direito Mackenzie e da
Faculdade de Direito da Unib)
P Saraiva
Editora
Noronha, E. M agalh es
Direito penal, volum e 1 : introduo e parte geral / E.
M agalh es Noronha. 38. ed. rev. e atual, por A dalberto
Jos Q. T. de C am argo A ranha. S o Paulo : S araiva, 2 0 0 4 .
0 4 -5
C D U -3 4 3
34 3
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SO PAULO
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(antiga Av. dos Emissrios) Barra Funda
Fone: PfiBX (11) 3613-3000 So Paulo
NDICE GERAL
INTRODUO
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
3
4
4
7
7
8
9
10
9.
10.
11.
12.
13.
14.
11
12
14
16
17
18
15.
16.
17.
18.
19.
20.
20
20
21
22
24
t6
X
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
NDICE GERAL
DOUTRINAS E ESCOLAS PENAIS
Correntes doutrinrias..........................................................................
A Escola Clssica...................................................................................
A Escola Correcionalista......................................................................
A Escola Positiva...................................................................................
A Terceira Escola...................................................................................
A Escola Moderna alem......................................................................
Outras escolas e tendncias. Concluso............................................
28
30
33
34
39
40
41
45
\^6
'50
54
55
56
59
PARTE GERAL
DA APLICAO DA LEI
I
ANTERIORIDADE DA LEI PENAL
35. Direito penal liberal. Reao ao princpio........................................
36. Interpretao da lei penal. Necessidade. O sujeito. Os meios. Os
resultados................................................................................................
37. A analogia. A analogia in bonam partem...........................................
69
72
74
NDICE GERAL
II
A LEI PENAL NO TEMPO
Irretroatividade da lei penal. Retroatividade benfica.......................
A lei mais benigna..................................................................................
Ultratividade da lei penal. Norma penal em branco...........................
Do tempo do crime. Delitos permanentes e continuados...................
III
A LEI PENAL NO ESPAO E EM RELAO S PESSOAS.
DISPOSIES FINAIS DO TTULO I
Direito penal internacional. Os princpios..........................................
Territorialidade. Lugar do crime...........................................................
Territrio...................................................................................................
Extraterritorialidade................................................................................
A lei penal em relao s pessoas e suas funes...............................
Extradio................................................................................................
Disposies finais do Ttulo I ................................................................
XI
f
77
78
80
82
84
5
86
89
91
93
94
DO CRIME
^ I x ^
CONCEITO DO CRIME
Conceitos do crim e.................................................................................
O conceito dogmtico.............................................................................
A ao.......................................................................................................
A tipicidade..............................................................................................
A antijuridicidade....................................................................................
A culpabilidade.......................................................................................
A punibilidade.........................................................................................
Pressupostos do crime e condies objetivas de punibilidade...........
Ilcito penal e ilcito civil......................................................................
(II X'
DIVISO DOS CRIMES
Quanto gravidade.................................................................................
96
97
98
99
100
103
105
106
107
108
XII
NDICE GERAL
110
111
61.
62.
63.
64.
III
OS SUJEITOS E OS OBJETOS DO DELITO
O sujeito ativo..........................................................................................
O sujeito passivo......................................................................................
O objeto jurdico......................................................................................
O objeto material......................................................................................
113
114
115
115
65.
66.
67.
68.
69.
IV
RELAO DE CAUSALIDADE
A ao e a omisso causais....................................................................
O resultado..............................................................................................
As teorias.................................................................................................
A teoria do Cdigo. O nexocausai........................................................
Supervenincia causai............................................................................
117
118
119
120
122
70.
71.
72.
73.
74.
75.
76.
77.
78.
V \
DO CRIME CONSUMADO E DA TENTATIVA
A consumao.........................................................................................
O iter criminis.........................................................................................
A cogitao..............................................................................................
Atos preparatrios e atos deexecuo..................................................
Elementos da tentativa...........................................................................
A pena da tentativa................................................................................
Inadmissibilidade da tentativa..............................................................
Desistncia voluntria, arrependimento eficaz e arrependimento
posterior....................................................................................................
Crime impossvel. Crime deflagrante preparado. Crime provocado ..
VI
O DOLO A CULPA
79. O dolo.......................................................................................................
80. Espcies de dolo......................................................................................
81. A culpa.....................................................................................................
124
124
125
125
127
127
128
130
133
136
138
140
NDICE GERAL
XIII
Espcies de culpa..................................................................................
A frmula do Cdigo............................................................................
Compensao da culpa........................................................................
O preterdolo. Agravao pelo resultado............................................
A responsabilidade objetiva................................................................
A excepcionalidade do crime culposo................................................
Actio libera in causa.............................................................................
143
144
145
146
147
148
149
VII
DA CULPABILIDADE ~j ^
A) O ERRO
(
Erro e ignorncia. Erro de direito e erro de fato. Erro de tipo e erro
de proibio...........................................................................................
Erro de tipo...........................................................................................
Da inescusabilidade do desconhecimento da lei. Erro de proibio..
Erro determinado por terceiro e erro sobre a pessoa.......................
Erro na execuo...................................................................................
Descriminantes putativas fticas........................................................
150
151
152
154
155
158
VIII
DA CULPABILIDADE
B) COAO IRRESISTVEL E OBEDINCIA HIERRQUICA
Coao fsica e coao moral..............................................................
Causa excludente da culpabilidade....................................................
Estrita obedincia.................................................................................
Causa de excluso de culpa.................................................................
160
161
162
163
IX
DA CULPABILIDADE
C) DOENA MENTAL E DESENVOLVIMENTO MENTAL
INCOMPLETO OU RETARDADO
Imputabilidade e responsabilidade.....................................................
Inimputabilidade. Os critrios.............................................................
Doena mental. Desenvolvimento mental incompleto ou retardado ...
164
165
166
XIV
NDICE GERAL
D) A MENORIDADE
O menor infrator..................................................................................
A legislao ptria...............................................................................
Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13-7-1990)....
Legislao tutelar.................................................................................
167
169
170
173
174
176
XI
DA CULPABILIDADE
E) A EMOO E A PAIXO
108. A emoo e a paixo............................................................................
109. A posio do Cdigo...........................................................................
110. Actio libera in causa............................................................................
179
179
180
XII
DA CULPABILIDADE
F) A EMBRIAGUEZ
111. O alcoolismo.........................................................................................
112. A orientao do Cdigo......................................................................
113. O fundamento: actio libera in causa.................................................
182
183
184
XIII
DA ANTIJURIDICIDADE
114.
115.
116.
117.
118.
A) O ESTADO DE NECESSIDADE
Conceito e fundamento.......................................................................
Requisitos..............................................................................................
Excluso do estado de necessidade...................................................
Causas do estado de necessidade. Estado de necessidade putativo ...
Casos legais de estado de necessidade..............................................
188
189
192
193
194
NDICE GERAL
XV
XIV
DA ANTIJURIDICIDADE
119.
120.
121.
122.
123.
124.
B) A LEGTIMA DEFESA
Definio. Fundamento e natureza. Requisitos...............................
Agresso atual ou iminente e injusta.................................................
Direito prprio ou alheio....................................................................
Moderao no emprego dos meios necessrios...............................
Legtima defesa de terceiro, recproca e putativa. Legtima defesa
e tentativa...............................................................................................
Estado de necessidade e legtima defesa..........................................
195
196
198
200
201
202
XV
DA ANTIJURIDICIDADE
C) ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL.
EXERCCIO REGULAR DE DIREITO
125. Estrito cumprimento de dever legal..................................................
126. Exerccio regular de direito. O costume..........................................
127. Consentimento do ofendido. Violncia nos desportes. Interveno
mdico-cirrgica...................................................................................
128.
129.
130.
131.
132.
133.
134.
135.
136.
137.
XVI
DA ANTIJURIDICIDADE DO EXCESSO PUNVEL
Do excesso............................................................................................
Do excesso punvel no estado de necessidade.................................
Do excesso punvel na legtima defesa.............................................
Do excesso punvel no estrito cumprimento de dever legal e no
exerccio regular de direito..................................................................
XVII
DO CONCURSO DE PESSOAS
Noes...................................................................................................
As teorias...............................................................................................
A teoria do Cdigo...............................................................................
Causalidade fsica e psquica..............................................................
Co-participao e culpa......................................................................
Co-participao e omisso..................................................................
204
205
206
208
208
209
210
211
212
214
214
216
217
XVI
NDICE GERAL
217
220
220
222
222
223
DA PENA
I
CONSIDERAES GERAIS
144. Teorias. Conceito. Fundamento. Fins.................................................
145. Caracteres e classificao....................................................................
146. A pena de morte...................................................................................
225
227
230
II
CLASSIFICAO ATUAL
147. Antecedentes histricos.......................................................................
148. Classificao atual................................................................................
232
233
III
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Natureza................................................................................................
Formas de andamento. Sistema progressivo.....................................
Sistemas penitencirios. Sistemas clssicos......................................
Do trabalho e remunerao.................................................................
Detrao penal......................................................................................
Direitos e deveres do preso.................................................................
O problema sexual................................................................................
234
235
236
237
238
239
240
IV
DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO
156. Natureza jurdica..................................................................................
157. Caractersticas......................................................................................
158. Espcies................................................................................................
242
243
244
149.
150.
151.
152.
153.
154.
155.
NDICE GERAL
XVII
V
DA PENA DE MULTA
159. Natureza.................................................................................................
160. Pagamento. Converso. Revogao.....................................................
247
248
VI
DA APLICAO DA PENA
Arbtrio judicial....................................................................................
Oart. 59.................................................................................................
A personalidade do agente e a gravidade objetiva do crime............
Circunstncias legais............................................................................
Fixao da pena....................................................................................
250
251
251
253
254
VII
CIRCUNSTNCIAS AGRAVANTES
166. Consideraes gerais............................................................................
167. Circunstncias agravantes...................................................................
168. A reincidncia......................................................................................
257
259
264
VIII
CIRCUNSTNCIAS ATENUANTES
169. Circunstncias atenuantes...................................................................
266
IX
CONCURSO DE CRIMES
Consideraes gerais............................................................................
Concurso material................................................................................
Concurso formal...................................................................................
Crime continuado.................................................................................
Sistemas de aplicao de penas...........................................................
M ulta.....................................................................................................
Limite das penas...................................................................................
Concurso de leis...................................................................................
270
271
271
273
276
277
277
278
X
SUSPENSO CONDICIONAL DA PENA
178. Consideraes gerais...........................................................................
179. Histrico................................................................................................
282
283
161.
162.
163.
164.
165.
170.
171.
172.
173.
174.
175.
176.
177.
XVIII
NDICE GERAL
180.
181.
182.
183.
184.
Definio e natureza............................................................................
Pressupostos.........................................................................................
Condies.............................................................................................
Revogao............................................................................................
Inexecuo da pena..............................................................................
284
285
286
287
288
XI
LIVRAMENTO CONDICIONAL
Consideraes preliminares.................................................................
Definio. Natureza. Histrico...........................................................
Pressupostos.........................................................................................
Concesso do livramento condicional................................................
Revogao do livramento condicional...............................................
Incompatibilidade do livramento condicional. A expulso de
estrangeiro..............................................................................................
290
291
292
294
296
185.
186.
187.
188.
189.
190.
297
XII
DOS EFEITOS DA CONDENAO
Consideraes gerais...........................................................................
A sentena penal condenatria......................................................... .
A sentena penal absolutria...............................................................
Efeitos genricos. Indenizao...........................................................
Confisco.................................................................................................
Registro da condenao.......................................................................
Efeitos especficos...............................................................................
299
300
301
303
304
306
306
XIII
DA REABILITAO
198. Consideraes gerais. Conceito..........................................................
199. Pressupostos. Revogao.....................................................................
308
310
312
313
314
315
316
191.
192.
193.
194.
195.
196.
197.
200.
201.
202.
203.
204.
NDICE GERAL
XIX
DA AO PENAL
I
CONSIDERAES GERAIS
Consideraes preliminares.................................................................
Notitia criminis.....................................................................................
Espcies de ao...................................................................................
Procedimento ex officio.......................................................................
317
319
320
320
II
A AO PBLICA
209. O Ministrio Pblico...........................................................................
210. Da iniciativa da ao...........................................................................
322
326
III
A AO DE INICIATIVA PRIVADA
Natureza e fundamento.......................................................................
A queixa. Espcies de ao de iniciativa privada..............................
O ofendido e a ao penal...................................................................
Decadncia. Renncia. Perdo...........................................................
A ao penal no crime complexo.......................................................
330
332
335
337
341
205.
206.
207.
208.
211.
212.
213.
214.
215.
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
I
CONSIDERAES GERAIS
216. Extino da punibilidade....................................................................
217. Classificao.........................................................................................
344
345
II
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
A) MORTE DO AGENTE
218. Morte do acusado e do condenado.....................
348
XX
NDICE GERAL
III
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
B) DA CLEMNCIA SOBERANA
219. Consideraes preliminares.................................................................
220. Anistia...................................................................................................
221. Graa e indulto.....................................................................................
351
352
354
IV
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
C) DECURSO DO TEMPO
222. Novatio legis.........................................................................................
223. Prescrio. Decadncia. Perempo...................................................
357
357
V
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
224.
225.
226.
227.
228.
229.
230.
231.
D) DECURSO DO TEMPO
PRESCRIO
Conceito e fundamento.......................................................................
Penas e prescrio................................................................................
Prescrio retroativa.............................................................................
Termo inicial da prescrio.................................................................
Causas suspensivas...............................................................................
Causas interruptivas..............................................................................
Crimes de imprensa..............................................................................
Crimes falimentares..............................................................................
360
362
363
365
368
369
371
372
VI
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
E) REPARAO
232. Retratao..............................................................................................
233. Subsequens matrimonium....................................................................
375
376
NDICE GERAL
XXI
VII
PERDO JUDICIAL
234. Conceito................................................................................................
235. Natureza jurdica..................................................................................
236. Extino da punibilidade.....................................................................
379
379
380
BIBLIOGRAFIA..............................................................................................
383
INTRODUO
INTRODUO
INTRODUO
Rousseau, ao dizer que as leis criminais, no fundo, antes que uma espcie
particular de leis, so sanes de todas as outras8.
No estamos, entretanto, em zona pacfica: numerosos autores afirmam
ser ele constitutivo.
Cremos, com Grispigni e outros, que o preceito primrio penal com
plemento e reforo de um extrapenal. Isso no importa que ele suceda sem
pre a este, no tempo, mas sim que lhe logicamente posterior. Trata-se de
sentido lgico e no cronolgico. Acrescenta esse autor que bem se compreen
de que, por princpio de economia do direito, quando o Estado pode comba
ter um mal com sano menos grave, como a civil, no ir lanar mo da
mais severa, que a penal a qual, lembramos ns, pode chegar at a su
presso da vida humana.
Conseqentemente, compreende-se que, sob ponto de vista lgico-sistemtico, a sano penal seja posterior a outras.
Reforando seu ponto de vista, observa o eminente autor que todos os
Cdigos Penais contm disposio excludente da antijuridicidade: quando o
fato praticado no exerccio regular de direito (CP, art. 23, III). Ora, se no
h crime, quando o fato praticado nessas condies, porque, principal
mente, ele h de ser vedado por outro ramo jurdico9.
Em suma: parece-nos difcil sustentar que um crime no sempre um
ilcito extrapenal. H uma relao de mais para menos.
No obstante isso, no se lhe nega autonomia normativa, como escreve
Maggiore: In conclusione, dunque 1ordinamento penale ha sempre valore
sanzionatorio, perch le sue norme, aderiscono o no a precetti posti da altri
rami dei diritto, agiscono mediante quella particolare sanzione che la pena.
N in tal modo esce menomata 1autonomia dei diritto penale, perch in ogni
caso la sanzione imprime una nuova forma al precetto, anche se attinto ad
altro ordinamento giuridico10.
O mesmo diz Grispigni: Essa autonomia, no sistema das normas jur
dicas, resulta, de um lado, do carter especfico da prpria sano (sano
criminal) e, de outro lado, do fato de que o Direito Penal determina, de modo
todo autnomo, quais so as aes que constituem crime, os elementos deste
etc., determinando, pois, com inteira autonomia o prpriopraeceptum legis11.
8. J. J. Rousseau, Do contrato social, trad. B. L. Viana, Liv. II, Cap. XII.
9. Grispigni, Diritto penale, cit., v. 1, p. 237 e s.
10. Giuseppe Maggiore, Diritto penale, 1949, v. 1, t. 1, p. 29.
11. Grispigni, Diritto penale, cit., v. 1, p. 235.
INTRODUO
10
INTRODUO
9.
Relaes do direito penal com as cincias jurdicas fundamentais.
Vincula-se o direito penal h filosofia do direito, pois esta lhe fornece princ
pios que no s circunscrevem seu mbito como lhe definem as categorias e
conceitos. Como lembra Maggiore, as noes de delito, pena, imputabilidade,
culpa, dolo, ao, causalidade, liberdade, necessidade, acaso, normalida
de, erro, e outros, so conceitos filosficos antes de serem categorias jur
dicas1.
Quando a filosofia do direito descobre novas relaes jurdicas, revela
tambm novos objetos para a funo punitiva. Acentuado, como foi, o car
ter sancionador do direito penal, difcil que transformaes ou modifica
es de importncia na legislao de um povo no atinjam tambm seu C
digo Penal.
Exato , outrossim, que no se pode elaborar o preceito penal, sem prvio
juzo de valor e por isso j se apontou tambm o carter valorativo do
direito penal o que operao tica, prendendo-se ele, igualmente, fi
losofia moral.
Por fim sabido que a filosofia entra em casa sem ser convidada,
como lembra aquele jurista e, portanto, vo ser qualquer esforo para se
repudiar a filosofia jurdica no estudo do direito penal.
Relao mantm ele com a teoria geral do direito, pois esta elabora
conceitos e institutos jurdicos comuns a todos os ramos do direito. H, por
tanto, entre eles, a relao que existe entre a cincia geral e a particular.
Serve ela de vnculo entre a filosofia jurdica e o direito positivo, por
1. Maggiore, Diritto penale, cit., v. 1, p. 49.
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13
alm dos quais as leis e, portanto, as penais no podero ir, sob pena de
inconstitucionalidade.
Direito penal e direito administrativo tambm se conjugam, pois a fun
o de punir eminentemente administrativa, j que a observncia da lei
penal compete a todos e exigida pelo Estado.
So suas relaes manifestas porque, no poucas vezes, ambos tratam e
se ocupam dos mesmos institutos. Assim, no tocante execuo das sanes
impostas pela lei penal. Alis, as medidas de segurana so, para muitos,
providncias de cunho administrativo misure amministrative de sicurezza,
dizem os italianos no obstante serem capituladas nos Cdigos Penais.
Finalmente, a lei penal no olvida punir fatos em defesa da ordem e
regularidade da administrao pblica, como ocorre entre ns.
ntima a relao com o direito processual. Alis, nas legislaes de
antanho, preceitos penais e processuais penais apareciam juntos.
Divide-se o direito processual em civil e penal. Mesmo com o primeiro
relaciona-se nossa disciplina, pois, no obstante a diferena de procedimento
penal e civil ambos possuem normas comuns, como o ato processual e
a sentena4.
Mais ntima a relao com o processo penal. Enquanto no direito pe
nal se consubstancia o jus puniendi, o processual o realiza com o se ocupar
com a atividade necessria para apurar, nos casos concretos, a procedncia
da pretenso punitiva estatal.
Defendendo a funo dos rgos encarregados daquela realizao, o
direito penal comumente pune fatos que a podem molestar ou ofender, ora se
referindo exclusivamente ao processo penal (arts. 339, 340 e 341), ora ao
civil (art. 358) e ora a ambos (arts. 342, 344, 346, 347 e 355). Com esse
objetivo, os Cdigos Penais costumam dispor de todo um captulo que trata
dos crimes contra a administrao da justia. Com a promulgao da Lei n.
10.028, de 19 de outubro de 2000, foi alterada a redao do art. 339 e acres
centou-se o Captulo IV ao Ttulo XI do Cdigo Penal, com a denominao
especfica Crimes contra as Finanas Pblicas, complementando-se a tute
la em relao s ofensas administrao da justia.
Em suma, freqente que problemas da maior importncia interessem
a ambos os ramos jurdicos, tal qual acontece com a tipicidade, cuja influn
cia no terreno processual, hoje, no lcito negar.
4. Juan dei Rosai, Derecho penal; lecciones, 2. ed., p. 8.
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18.
Vingana P,pblica. Nesta fase, o objetivo a segurana do prncipe ou soberano, atravs da pena, tambm severa e cruel, visando intimi
dao1.
Na Grcia, a princpio, o crime e a pena inspiravam-se ainda no senti
mento religioso. O direito e o poder emanavam de Jpiter, o criador e prote
tor do universo. Dele provinha o poder dos reis e em seu nome se procedia
ao julgamento do litgio e imposio do castigo.
Todavia seus filsofos e pensadores haveriam de influir na concepo
do crime e da pena. A idia de culpabilidade, atravs do livre arbtrio de
Aristteles, deveria apresentar-se no campo jurdico, aps firmar-se no ter
reno filosfico e tico. J com Plato, nas Leis, se antev a pena como meio
de defesa social, pela intimidao com seu rigor aos outros, advertindo-os de no delinqirem.
Dividiam os gregos o crime em pblico e privado, conforme a predomi
nncia do interesse do Estado ou do particular.
Certo que, ao lado da vingana pblica, permaneciam as formas an
teriores da ,Vindit' privada e da divina, no se podendo, como bvio, falar
em direito penal. ntretanto, situam, em regra, os historiadores, na Grcia,
suas origens remotas.
Roma no fugiu s imposies da vingana, atravs do talio e da com
posio, adotadas pela Lei das XII Tbuas. Teve tambm carter religioso
seu direito penal, no incio, no perodo da realeza. No tardaram muito, en
tretanto, a se separarem direito e religio, surgindo os crimina publica (perduellio,
crime contra a segurana da cidade, e parricidium, primitivamente a morte
do civis sui juris) e os delicta privata.
A represso destes era entregue iniciativa do ofendido, cabendo ao
Estado a daqueles. Mais tarde surgem os crimina extraordinaria, interpon
do-se entre aquelas duas categorias e absorvendo diversas espcies ou figu
ras dos delicta privata. Finalmente, a pena se torna, em regra, pblica.
inegvel, ento, que, apesar de no\hvgrmV>s romanos atingido, no
direito penal, as alturas a que se elevaram no civil, se avantajaram a outros
povos. Distinguiram, no crime, o propsito, o mpeto, o acaso, o erro, a culpa
leve, a lata, o simples dolo e o dolus malus. No esqueceram tambm o fim
de correo da pena: Poena constituitur in emendationem hominum (Digesto,
Tt. XLVIII, Paulo XIX, 20).
Como acentuam os autores, revelou o direito penal em Roma, sobretu
do, carter social.
1. Cuello Caln, Derecho penal, v. 1, p. 55.
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19.
Perod humanitrio. Tal estado de coisas suscitava na conscincia
comum a necessidade de modificaes e reformas no direito repressivo.
Intrprete desse anseio foi Cesare Bonesana, Marqus de Beccaria. Nasceu
em Milo, em 1738. Ao invs de se entregar vida despreocupada e cmoda,
que sua posio e mocidade lhe proporcionavam, preferiu ^olverj suas vistas
para os infelizes e desgraados que sofriam os rigores e as arbitrariedades da
justia daqueles tempos.
Escreveu seu famoso livro Dei delitti e delle pene (1764), que tanta
repercusso iria causar. No era um jurista, mas filsofo, discpulo de Rousseau
e Montesquieu. Sua obra assenta-se no contrato social e logo, de incio, chama
a ateno para as vantagens sociais que devem ser i g u a l m e n t e distribudas,
ao contrrio do que sucedia. No II, afirma que as penas no podem passar
dos imperativos da salvao pblica. A seguir, sustenta que j s leis cabe
cominar penas e somente o legislador as pode elaborar.
Diante do arbtrio judicial, impugna a interpretao da lei pelo magis
trado, acrescentando que nada mais perigoso do que o axioma comum, de
que preciso consultar o esprito da lei, o que evidentemente insustent
vel, mas que se explica como reao arbitrariedade e injustia reinantes.
Investe contra a obscuridade das leis, que deviam ser escritas em linguagem
2. Anbal Bruno, Direito penal, t. 1, p. 85.
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acaba de ser exposto, pode deduzir-se um teorema geral utilssimo, mas con
forme ao uso, que legislador ordinrio das naes: que, para no ser um
ato de violncia contra o cidado, a pena deve ser essencialmente pblica,
pronta, necessria, a menor das penas aplicveis nas circunstncias dadas,
proporcionada ao delito e determinada em lei.
E a essncia da obra: defesa do indivduo contra as leis e a justia da
queles tempos, que se notabilizaram; aquelas, pelas atrocidades; e esta, pelo j
arbtrio e servilismo aos fortes e poderosos.
^
Tem-se increpado obra de Beccaria falta de originalidade, de nada
mais ser que repetio dos enciclopedistas e que, antes dela, outras j se
haviam feito ouvir na defesa do acusado.
No h mesmo profundidade no livro, que tambm no original, pois
suas idias, inspiradas no Iluminismo, movem-se na corrente dos tempos.
Seu sucesso, sua grande repercusso (penetrando na Declarao dos Direi
tos do Homem, traduzido em vrios idiomas e aceito por Cdigos, como o
francs de 1791), deve-se ao momento em que veio luz; era o livro que a
sociedade esperava.
Nem por isso menor o desassombro do marqus; nem por isso se h de
negar o extraordinrio dbito da humanidade para com ele. Foi o mais poten
te brado que se ouviu em defesa do indivduo. Com Beccaria raiava a aurora
do direito penal liberal.
Outro nome que no deve ser olvidado John Howard. Em terreno mais
prtico e noutro cenrio a Inglaterra encabeou o movimento humani7
trio da reforma das prises. Percorreu as\nxov^ e calabouos da Europa
e rejatou os horrores que presenciou. (Alis, ele mesmo j estivera preso.)
{Fjgjjtam 1770, em seu livro The state o f prisons in England\ anos depois,
escrevia outro trabalho.
~PropugnaiHoward um tratamento mais humano do encarcerado, dandolhe assistncia religiosa, trabalho, separao individual diurna e noturna,
alimentao sadia, condies higinicas etc.
Aos seus livros outros se seguiram, na Inglaterra, pregando melhor tra
tamento para os condenados. Por muitos John Howard considerado o Pai
da Cincia Penitenciria.
20.
Perodo Criminolgico. Aps o perodo humanitrio, novos rumos
para o direito penal so traados e que se ocupam com o estudo dk^ homem
delinqente e a explicao causai do delito.
Quem primeiro os apontou foi um mdico: Csar Lombroso. Em 1875,
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r t '- '-
''
21.
Correntes doutrinrias. Expostas j as concepes do Iluminismo,
que, no direito penal, encontra em Beccaria seu representante mximo, e de
passagem pelo Jusnaturalismo (Grocio, De jure belli ac pacis), com a con
cepo de um direito imutvel e eterno, resultante da prpria natureza huma
na e superior s influncias histricas, v-se que a investigao do funda
mento de punir e dos fins da pena distribui-se por trs correntes doutrinrias:
as absolutas, as relativas ou utilitrias e as mistas.
As teorias absolutas baseiam-se numa exigncia de justia: pune-se porque
se cometeu crime (pumiur quia peccatum est). Grande vulto dessa corrente
foi Kant. Para ele, a pena um imperativo categrico. Exigem-na a razo e
a justia. E simples conseqncia do delito, explicando-se plenamente pela
retribuio jurdica. Ao mal do crime, o mal da pena, imperante entre eles a
igualdade. S o que igual justo. A lega-se,(d^^rte, que, sob certo aspec
to, o talio seria a expresso mais fiel dessa crreBt.
Hegel foi tambm outro grande representante seu.
Em geral, as teorias absolutas negam fins utilitrios pena, que se ex
plica to-s pela satisfao do imperativo de justia. E ela um mal justo,
oposto ao mal injusto do crime (malum passionis quod infligitur ob mlum
actionis). Separam-se seus adeptos quanto natureza dessa retribuio que,
para uns, de carter divino', para outros, moral', e, para terceiros, de car
ter jurdico.
Outros grandes nomes podem ser apontados entre os adeptos dessas
doutrinas (Binding, Sthal, Kohler, Kitz etc.), convindo notar, entretanto, que
nem sempre coincidem em suas construes.
Justo dizer que seus defensores depuram-nas, afastando a idia de
retribuio da de vingana.
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pelo Criador, para poder cumprir seus destinos), para os Positivistas, ele o
resultante da vida em sociedade e sujeito a variaes no tempo e no espao,
consoante a lei da evoluo.
Como deixamos dito do n. 20, seu pioneiro foi o mdico-psiquiatra Csar
Lombroso. A concepo bsica a do fenmeno biolgico do crime e a do
mtodo experimental em seu estudo.
Primeiramente, pretendeu explicar o delito pelo atavismo. O criminoso
um ser atvico, isto , representa uma regresso ao homem primitivo ou
selvagem. le j nasce delinqente, como outros nascem enfermos ou s
bios. A causa dessa regresso o processo, conhecido em Biologia como
degenerao, isto , parada de desenvolvimento.
y Dito criminoso apresenta os sinais dessa degenerescncia, com defor
maes e anomalias anatmicas, fisiolgicas e psquicas. Caracterizavam o
delinqente nato a assimetria craniana, a fronte fugidia, as orelhas em asa,
mgomslsalientes. arcada superciliar proeminente, prognatismo maxilar, face
ampla e larga, cabelos abundantes etc. A estatura, o peso, a braada etc.
seriam outros caracteres anatmicos.
Notar-se-iam, tambm, insensibilidade fsica, analgesia (insensibilida
de dor), mancinismo (uso preferencial da mo esquerda) ou ambidestrismo
(uso indiferente das mos), disvulnerabilidade (resistncia aos traumatismos
e recuperao rpida), distrbios dos sentidos e outros caractersticos fisio
lgicos.
Im portantes so os caracteres psquicos: insensibilidade moral,
impulsividade, vaidade, preguia, imprevidncia etc.
Advertia, entretanto, Lombroso que s a presena de diversos estigmas
que denunciaria o tipo criminoso, pois pessoas honestas e de boa conduta
poderiam apresentar um ou outro sinal. Alm disso, necessrio era ter pre
sente que criminosos, como os ocasionais e passionais, podiam no apresen
tar anomalias.
Todavia isso no explicava a tiologiajdo delito. Kra necessrio ichar_a
causa da degenerao, pensando encontr-la Lombroso na epilegsia. que ataca
os centros nervosos e perturba o desenvolvimento do organismo, produzindo
regresses atvicas.
Finalmente, uma terceira explicao o mdico italiano apresenta: a lou
cura moral, sob a influncia dos estudos de Maudsley. Ela aparentemente
deixa ntegra a inteligncia, porm suprime o senso moral. Seria, ao lado
daquelas outras causas, explicao biolgica do crime.
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Das mencionadas, a que maior influncia tem tido, nos ltimos tempos,
a Tcnico-Jurdica.
Dizem-na oriunda da Escola Clssica, inspirada principalmente em Carrara,
porm sofrendo influncia da doutrina germnica, mxime de Binding. A
Vicente Manzini, Asa atribui a paternidade, embora acrescente que por su
mayor dinamismo, Arturo Rocco fue el ms notorio creador de esta escuela21.
No obstante filivel ao Classicismo, sendo mesmo reao contra o
Positivismo, registre-se que daquele se afasta pelo repdio interveno da
filosofia no direito penal.
inegvel ser o Tecnicismo Jurdico-Penal a corrente, hoje, dominante
na Itlia. Inspirando-se nele o Cdigo Penal italiano e considerando o pres
tgio deste, explicvel a influncia que tem tido tambm na doutrina penal
de outros pases.
Em que pese sua origem e posio de combate ao Positivismo Na
turalista, no fugiu ele influncia de concepes deste, como periculosidade,
o fato humano e social do crime, as medidas de segurana e outras, o que
leva diversos autores a acentuar seu colorido ecltico22.
De modo geral, so caracteres do Tecnicismo Jurdico-Penal: a) nega
o das investigaes filosficas; b) o crime como relao jurdica de con
tedo individual e social; c) responsabilidade moral, distinguindo entre os
imputveis e inimputveis; d) pena retributiva e expiatria para os primeiros
e medida de segurana para os segundos.
Ponto bsico a autonomia do direito penal, estremado das chamadas
cincias penais. Ele se reduz ao Positivismo Jurdico e o mtodo empregado
em seu estudo o que se denominou tcnico-jurdico. Noutras palavras, di
reito penal o que est na lei; s com este o jurista deve preocupar-se. Seu
estudo se faz exclusivamente pela exegese, que d o sentido verdadeiro das
disposies integrantes do ordenamento jurdico; pela dogmtica, que inves
tiga os princpios que norteiam a sistemtica do direito penal, fixando os
elementos de sua integralidade lgica; e pela crtica restrita, como no
podia deixar de ser que orienta na considerao do direito vigente, de
monstrando seu acerto ou a convenincia de reforma.
O Tecnicismo Jurdico-Penal no bem uma escola, mas orientao,
direo no estudo do direito penal: renovao metodolgica no estudo desta
disciplina. Pode definir-se tal orientao como o estudo sistemtico do direi
to penal, com referncia lei promulgada pelo Estado.
21. Asa, Tratado, cit., v. 2, p. 112.
22. Anbal Bruno, Direito penal, cit., t. 1, p. 131 e 132; Basileu Garcia, Institui
es, cit., v. 1, p. 112.
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28.
Fontes de produo ou materiais e fontes de conhecimento ou fo r
mais. No vernculo, fonte o lugar onde perenemente nasce gua. Em sen
tido figurado sinnimo de origem, princpio e causa. Fonte do direito penal
, pois, aquilo de que ele se origina ou promana.
Duas so as classes de suas fontes: as de produo, materiais ou subs
tanciais, e as de conhecimento, cognio ou formais.
Fonte de produo o Estado. Se o direito penal tem carter pblico,
como j acentuamos, s aquele fonte material. Antigamente, a Igreja, as
sociedades, o pater familias podiam apresentar-se como fontes.
Entre ns, diz a Constituio Federal, no art. 2 2 ,1, que compete Unio
legislar sobre direito penal; esta , portanto, fonte substancial.
Todavia o Estado no legisla arbitrariamente. As leis no nascem de
fantasia ou capricho seu. Em regra, a vida social, em seus imperativos e
reclamos, a civilizao, o progresso, so outros fatores e situaes que
o solicitam a ditar o direito. Tudo isso, ainda que vago e impreciso, porm
presente e antecedente atividade estatal legislativa, tambm fonte de
produo.
As fontes formais ou de conhecimento revelam o direito penal; so a
maneira por que ele se exterioriza e objetiva. Pode a fonte de cognio ser
mediata ouim ed ia tu. Esta ltima a lei. Como fonte mediata, grande nme
ro de autores aponta os costumes. Outros h, ainda, que colocam nessa esp
cie tambm a doutrina, a eqidade e os princpios gerais do direito, a juris
prudncia, a analogia e os tratados, havendo ainda os que incluem as pro-
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393 do Cdigo Penal; este texto, pelo contrrio, adapta-se aos fatos pratica
dos. O que ele viola o princpio que probe matar2.
Binding distingue, por este modo, a norma da lei: aquela contm o prin
cpio proibitivo e esta mera descrio da conduta, conferindo ao Estado o
direito de punir, desde que haja violao da norma.
Mais certo parece-nos dizer que a lei que revela a norma; ela fonte
desta.
Kelsen falou que, de um simples jogo de palavras, Binding constri
uma teoria.
inegvel, assim nos parece, que ela se apega demais tcnica legislativa.
No exato que a lei penal no contenha implicitamente o princpio proibitivo.
Tanto faz dizer: No matars, como Se matares sers castigado.
Observa-se que o jurista germnico considera na lei penal o preceito
separado da sano, quando, na verdade, so inscindveis: II frazionamento
delia norma nei due nuclei regola coazione, che si rinviene nelle dotrine
dei Thon e dei Binding, , per, inaccetabile. Invero, i concetti di comando,
precetto, regola, imperativo, da una parte, e di sanzione, pena, dalFaltra, sono
termini che non riesce possibile pensare isolatamente, ma che concettualmente
sintegrano e simplicano e vicenda; e, come tali, essi sono accezioni inseparabile
dei dovere giuridico, nuclei insceverabile e irreducibili, e, quindi elementi
trasfusi organicamente nella categoria di norma giuridica3.
Alm disso, notrio que a tcnica aludida no s da lei penal. Lem
bra com oportunidade Jos Frederico Marques que tambm o Cdigo Civil,
vez por outra, ao cominar sanes, no o faz expressamente, como si acon
tecer com o art. 927, que comina a obrigao de reparar o prejuzo quele que
causar dano a outrem etc. Ao passo que isso acontece com o diploma civil, o
penal, por sua vez, quando no se trata de regras que descrevem condutas
punveis, formula seus preceitos com outra tcnica, onde se ostenta o conte
do imperativo da norma, como se d com os arts. 29, 40, 58, 61 etc. do C
digo4.
Na lei penal existem preceito e sano, advindo implicitamente da o
princpio proibitivo. A exatido do que se afirma melhor se demonstra pelo
confronto de uma disposio comum com a norma penal em branco, que
2. A. Prins, Cincia penal e direito positivo, trad. H. de Carvalho, 1915, p. 88.
3. E. Massari, La norma penale, 1913, p. 60 e 61.
4. Jos Frederico Marques, Curso, cit., v. 1, p. 105 e 106 (comentrio ao Cdigo de
1940).
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O aborgene. intuitivo que as prticas punitivas dos homens que
aqui habitavam em nada podiam influir sobre a legislao que nos regeria,
aps o descobrimento. Destitudos, pois, de interesse jurdico, os costumes
penais dos nativos, limitar-nos-emos a apontar um ou alguns, mesmo porque
seu estudo melhor se situa em outro setor.
Conta-nos Rocha Pombo que, entre os selvagens, o direito consuetudinrio entrega o criminoso prpria vtima ou aos parentes desta; e se aquele
que delinqiu pertence a uma tribo ou taba estranha, o dano ou delito deixa
de ser pessoal e se converte numa espcie de crime de Estado. Acrescenta
que no s o homicdio por sinal que muito raro mas tambm o adul
trio, a perfdia, a desero, principalmente, da tribo (onde melhor se conso
lidava o direito) e o roubo (praticado noutra taba, j que na mesma taba tudo
era comum) eram punidos1.
As penas, nos delitos de certa gravidade, eram aplicadas por um juiz.
Havia outros casos, naturalmente em crimes mais graves ainda, em que o
julgamento cabia a uma assemblia, constituda em tribunal, com aplicao
das penas de castigos corporais e provaes, at a morte. s vezes, a puni
o cifrava-se na entrega do criminoso aos parentes da vtima, se o crime era
homicdio2.
E claro que esse direito consuetudinrio nenhuma influncia teria no
descobridor que para aqui veio, trazendo suas leis. Foram elas os nossos
primeiros Cdigos.
1- Rocha Pombo, Histria do Brasil, v. 2, p. 169, 170 e 171.
2. Roberto Lyra, Direito penal, cit., v. 1, p. 382.
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32.
Brasil Colonial. Verdadeiramente, foi o Livro V das Ordenaes do
Rei Filipe II (compiladas, alis, por Filipe I, e que aquele, em 11-1-1603,
mandava fossem observadas) o nosso primeiro Cdigo Penal. So as Orde
naes Filipinas. E o Cdigo Filipino.
Certo que, na poca em que o Brasil foi descoberto, vigoravam as
Ordenaes Afonsinas, logo substitudas pelas Manuelinas (1512), que, no
obstante o grande prestgio que tiveram, eram revogadas em 14 de fevereiro
de 1569 pelo Cdigo de D. Sebastio.
Foram, porm, as Filipinas nosso primeiro estatuto, pois os anteriores
muito pouca aplicao aqui poderiam ter, devido s condies prprias da
terra que ia surgindo para o mundo. Tudo estava por fazer e organizar. Para
se ter uma idia de como iam as coisas referentes justia, naquela poca,
basta lembrar o episdio ocorrido em Piratininga, em 13 de junho de 1587,
em que o almotacel (magistrado de categoria inferior ao juiz ordinrio) Joo
Maciel pediu aos vereadores que lhe dessem as Ordenaes (certamente o
Cdigo Sebastinico), pois no podia, sem elas, exercer suas funes. Taunay,
que nos narra esse episdio, acrescenta no se ter encontrado um s exem
plar!3
Refletiam as Ordenaes Filipinas o direito penal daqueles tempos. O
fim era incutir temor pelo castigo. O morra por ello se encontrava a cada
passo. Alis, a pena de morte comportava vrias modalidades. Havia a morte
simplesmente dada na forca (morte natural); a precedida de torturas (morte
natural cruelmente); a morte para sempre, em que o corpo do condenado
ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, at que a
ossamenta fosse recolhida pela Confraria da Misericrdia, o que se dava
uma vez por ano; a morte pelo fogo, at o corpo ser feito em p. Cominados
tambm eram os aoites, com ou sem barao e prego, o degredo para as
gals ou para a frica e outros lugares, mutilao das mos, da lngua etc.,
queimadura com tenazes ardentes, capela de chifres na cabea para os ma
ridos tolerantes, polaina ou enxaravia vermelha na cabea para os alcoviteiros, o confisco, a infmia, a multa etc.
I
Quanto ao crime, era confundido com o pecado e com a mera ofensa
moral. Comeava pela incriminao dos hereges e apstatas, prosseguindo
com a punio dos feiticeiros, dos que benziam ces etc. Realce especial
merecia o crime de lesa-majestade, comparvel lepra, infamando tambm
os descendentes, posto que no tenham culpa.
Fatos que hoje depem contra a decncia e a moral eram considerados
3. A. D Escragnolle Taunay, So Paulo nos primeiros anos, p. 36.
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delitos gravssimos, haja vista, v. g., o Ttulo XIII Dos que cometem pe
cado de sodomia e com alimrias em que era queimado, at ser o corpo
reduzido a p, o homem que tivesse relaes carnais com um irracional,
declarando os anotadores que o mesmo sucedia a este.
Consagravam amplamente as Ordenaes a desigualdade de classes perante
o crime, devendo o juiz aplicar a pena segundo a graveza do caso e a qua
lidade da pessoa: os nobres, em regra, eram punidos com multa; aos pees
ficavam reservados os castigos mais pesados e humilhantes.
Ao lado da preocupao com a pessoa do soberano, da confuso do
crime com o pecado, e com a falta moral, v-se a ateno que o legislador
reinol dispensava aos fatos sexuais, enumerando-os em extensa lista, alguns
at bizarros e estranhos, e estendendo a interdio aos contatos carnais de
infiis e cristos, ainda com intento de defesa religiosa.
No se pode falar, nesse diploma, em tcnica legislativa. Seus ttulos
eram descritivos. Longas oraes definiam os crimes. Imperava o casusmo
etc.
Em suma: tudo quanto, mais tarde, Beccaria verberou ostentava-se in
confundivelmente no Livro V. Mas tenha-se em vista que ele no era uma lei
de exceo, pois as atrocidades, as confuses, as arbitrariedades, as defi
cincias, as desigualdades etc. eram tambm de leis coevas.
Foi o Cdigo de mais longa vigncia entre ns: regeu-nos de 1603 a
1830, isto , mais de duzentos anos.
Tentativas de modificar a legislao do Reino houve. As mais impor
tantes consistiram nos projetos de Cdigo Criminal, de autoria de Pascoal
Jos de Melo Freire dos Reis, professor da Universidade de Coimbra, ho
mem culto, liberal, inspirando-se nos pensamentos dos enciclopedistas. Seus
trabalhos jamais foram convertidos em lei, ou porque no resistiram s cr
ticas das comisses revisoras, ou porque s eram lembrados com receio, diante
dos fatos da Revoluo Francesa.
33.
O Imprio. Proclamada a Independncia, era imperativo um novo
Cdigo Penal. Como isso no se podia fazer de um momento para outro,
mandou-se, pela Lei de 20 de outubro de 1823, que continuassem a ser ob
servadas as Ordenaes, o que se daria at 1830, embora, no interregno,
diversas leis houve que se destinavam a abrandar o rigor daquelas.
Jos Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcelos foram encar
regados da elaborao de projetos. Ambos foram apresentados s comisses
do Legislativo, sendo dada preferncia ao de Vasconcelos.
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es dos ltimos anos. Mrito seu, que deve ser ressaltado, que, no obstante
o regime poltico em que veio luz, de orientao liberal.
Ao contrrio do que alguns pensam, assisadamente elevou as penas, em
relao ao diploma anterior, lastimvel sendo, entretanto, que as mantivesse
to suaves no delito culposo. Outro ponto no digno de encmios o de no
ter fugido totalmente da responsabilidade objetiva. Todavia no este o momento
de apontarmos lacunas e deficincias que apresenta.
Imperfeies ele tem, pois obra humana, mas suas virtudes pairam
bem acima de seus pecados. O Congresso de Santiago do Chile, em 1941,
declarou que ele representa um notvel progresso jurdico, tanto por sua
estrutura, quanto por sua tcnica e avanadas instituies que contm.
Um fato devemos, contudo, lastimar: o de se ter feito seguir por anacr
nico e deficientssimo Cdigo de Processo, cuja reforma imperiosa.
O Cdigo de 1940 provocou abundante produo na literatura penalista.
Diversas so as obras que o comentaram, lembrando-nos de citar as de Galdino
Siqueira, Jorge Severiano, Bento de Faria; tambm, o Tratado de direito penal,
os Comentrios ao Cdigo Penal (Forense) e o Cdigo Penal brasileiro co
mentado (Saraiva), estas a cargo de vrios autores.
Entre as obras que, por ora, se limitaram Parte Geral do Cdigo, re
comendam-se por seu indiscutvel valor doutrinrio-. Instituies de direito
penal, de Basileu Garcia; Curso de direito penal, de Jos Frederico Mar
ques; Direito penal14, de Anbal Bruno; Sistema de direito penal brasileiro,
de Salgado Martins; e Cdigo Penal (1943), de Costa e Silva; esta, infeliz
mente, sem possibilidade de ir at seu termo, devido ao falecimento do
inolvidvel autor.
Sobre a Parte Especial do Cdigo, podemos citar as obras de Bento de
Faria, Galdino Siqueira; e, ainda, o Cdigo Penal brasileiro (Forense), o
Direito penal, de Anbal Bruno (1. volume dessa Parte); Lies de direito
penal, de Heleno Cludio Fragoso, e mais algumas.
Digna de realce tem sido a produo de Nlson Hungria, Roberto Lyra,
Jos Duarte e outros, no s por seus comentrios em obras coletivas como
tambm por trabalhos individuais, a que tm emprestado a profundidade de
sua cultura.
Pelo Decreto n. 1.490, de 8 de novembro de 1962, foi publicado o
Anteprojeto de Cdigo Penal, elaborado por Nlson Hungria. Submetido
14.
Prosseguiu, depois, o autor em sua obra, sob o nome Tratado de direito penal,
tendo sido publicado um volume da Parte Especial.
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INTRODUO
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INTRODUO
PARTE GERAL
DA APLICAO DA LEI
I
ANTERIORIDADE DA LEI PENAL
SUMRIO: 35. Direito penal liberal. Reao ao princpio. 36. Interpreta
o da lei penal. Necessidade. O sujeito. Os meios. Os resultados. 37. A
analogia. A analogia in bonam partem.
35.
Direito penal liberal. Reao ao princpio. Consagra o Cdigo, no
art. 1,, o apotegma do direito penal liberal nullum crimen, nulla poena
sine praevia lege, sntese, como j se viu (n. 21), da parmia formulada por
Feuerbach. o princpio da legalidade ou da reserva legal.
Aponta-se como sua origem a Magna Carta do Rei Joo, em 1215. Asa,
porm, reivindica para o direito ibrico a prioridade, dizendo que j em 1188,
nas cortes de Leo, pela voz de Afonso IX, se concedia ao sdito o direito de
no ser perturbado em sua pessoa ou bens, antes de llamado por cartas a mi
curia para estar a derecho, segn lo que ordenare mi curia; y si no se comprobara
la delacin o el mal, el que hizo la delacin sufra la pena sobredicha y adems
pague los gastos que hizo el delatado en ir y volver1.
No se pode negar, todavia, a influncia de haver tambm sido procla
mada, na Inglaterra, naquela Carta, a regra de que ningum seria julgado a
no ser por seus pares e pela lei da terra.
Entretanto apenas no sculo XVIII esse princpio iria ser consagrado
em frmula definitiva e difundir-se pelas naes. Transportado pelos imi
grantes ingleses para a Amrica do Norte, esta o via inscrito nas Constitui
es de Filadlfia (1774), Virgnia (1776) e Mariland, no mesmo ano.
Concomitantemente, como j dissemos, a filosofia daquele sculo (n. 19),
encontrando na voz desassombrada de Beccaria a sua maior expresso, pre
1. Asa, Tratado, cit., v. 2, p. 333.
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PARTE GERAL
gava como bsica e fundamental para os povos a sua adoo. Foi ele, ento,
inscrito na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 26 de agos
to de 1789: La loi ne peut tablir que des peines strictement et videmment
ncessaires et nul ne peut tre puni quen vertu dune loi tablie et promulgue
anterieurement au dlit et lgalement applique. Da propagou-se pelos diversos
pases.
Esse princpio tem significado poltico e jurdico: no primeiro caso,
garantia constitucional dos direitos do homem, e, no segundo, fixa o conte
do das normas incriminadoras, no permitindo que o ilcito penal seja esta
belecido genericamente, sem definio prvia da conduta punvel e determi
nao da sanctio juris aplicvel2.
Conseqentemente, no existe crime nem pena sem prvia lei. S esta
pode definir delitos e cominar sanes. S a lei fonte imediata do direito
penal (n. 29).
Firma-se, tambm, por essa regra, que o crime pressuposto da pena.
Modernamente ela adquire outra expresso, com a tipicidade, como mais
amplamente se ver (n. 52). E a tipicidade a adequao do fato ao tipo des
crito pelo legislador. No h crime sem que a conduta humana se ajuste
figura delituosa definida pela lei, ou, noutras palavras, no h crime sem
tipo, no h delito sem tipicidade.
Mas o direito penal liberal no se exaure na mxima apontada. Outras
se lhe juntam como garantia da liberdade do indivduo: nulla poena sine
judicio e nemo judex sine lege.
A primeira limita o poder do legislador, impedindo-o de votar leis que
j imponham pena a pessoa ou pessoas determinadas. E a chamada normasentena, ou o bill o f attainder dos anglo-saxes. Conseqentemente, nin
gum pode ser punido sem julgamento. E um direito que se refere sobretudo
aos interesses individuais, um direito de defesa, compreendendo as vrias
garantias outorgadas pelos textos constitucionais, como ocorre com a nossa
Carta Magna, nos incisos XL, LIII e LV do art. 5..
A segunda regra afirma que a lei penal no pode ser aplicada seno
pelo juiz com o poder de exercer a jurisdio penal e, por conseguinte, s ele
pode julgar o acusado. No se limita, porm, exigncia do Judicirio. E
necessrio, ainda, que o magistrado tenha competncia (medida de jurisdi
o), isto , tenha o poder de julgar em sentido concreto, pois bvio que,
devido a razes de ordem prtica, o poder de julgar distribudo entre juizes
2. Jos Frederico Marques, Curso, cit., v. 1, p. 132 e 133.
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PARTE GERAL
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PARTE GERAL
II
A LEI PENAL NO TEMPO
SUMRIO: 38. Irretroatividade da lei penal. Retroatividade benfica. 39.
A lei mais benigna. 40. Ultratividade da lei penal. Norma penal em branco.
41. Do tempo do crime. Delitos permanentes e continuados.
38.
Irretroatividade da lei penal. Retroatividade benfica. Como de
corrncia do princpio nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, seguese o da irretroatividade da lei penal. claro que, se no h crime sem lei, no
pode esta retroagir para alcanar um fato que, antes dela, no era considera
do delito.
O princpio da irretroatividade sofre, entretanto, a exceo contida no
art. 2.: Ningum pode ser punido por fato que lei posterior deixa de consi
derar crime, cessando em virtude dela a execuo e os efeitos penais da sen
tena condenatria. Em outros termos, a lei penal que beneficiar o acusado
(lex mitior) retroage. Hoje, tal exceo foi erigida em norma constitucional,
como prev o art. 5., XL: A lei penal no retroagir, salvo para beneficiar
o ru.
Contm ainda, o artigo, princpio que faz a lex mitior retroagir, no s
no caso de estar sendo movida a persecutio criminis como tambm no de
haver sentena definitiva com trnsito em julgado. Portanto, mesmo que o
ru estivesse cumprindo pena, deveria ser posto em liberdade, pois a lei posterior
deixou de considerar delito o fato por ele praticado.
Todavia mister que se atente referir-se o dispositivo aos efeitos penais
da sentena, o que significa que os efeitos civis permanecem, j que a sen
tena criminal tambm possui tais efeitos, que no desaparecem em virtude
da restrio explcita do artigo.
O princpio , pois, da irretroatividade da lex gravior e da retroatividade
da lex mitior, isto , irretroatividade in pejus e retroatividade in mellius.
Estatui o pargrafo nico do art. 2. do Cdigo Penal: A lei posterior,
que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores,
ainda que decididos por sentena condenatria transitada em julgado.
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titucional de que a lei retroage quando beneficiar o acusado (art. 5., XL).
No se trata aqui de retroatividade, mas de ultratividade, isto , a lei aplicase a fato cometido quando ela estava em vigor: permanece o princpio tempus
regit actum.
Pode ser que, cessadas essas leis, sejam substitudas por outra mais benigna.
Dever esta ser aplicada ao fato praticado na vigncia daquelas? Estamos
que no. Se a lei temporria ou excepcional deve ser aplicada, ainda que
outra no lhe tenha sucedido, ou seja, quando o Estado achou que no h
mais necessidade de legislar sobre a matria, parece-nos que, com maior
razo, deve ser aplicada quando, se bem que com menos severidade, se le
gisla ainda acerca do assunto. Por essa razo no concordamos com o Prof.
Basileu Garcia, quando se manifesta em sentido contrrio9. Em qualquer hiptese
deve vigorar o art. 3..
Questo pertinente matria sugerida pelas leis penais em branco. J
vimos (n. 29) que assim se dizem aquelas cujo preceito complementado
por outra norma. Pergunta-se agora: alterada esta, tornando-se ela mais be
nigna para o acusado, deve retroagir?
O assunto profundamente controvertido, no apenas na doutrina ind
gena, mas tambm na aliengena. Enquanto, por exemplo, Manzini se mani
festa contra a retroatividade da norma complementar benfica, Asa apia a
tese oposta. Diga-se o mesmo da jurisprudncia dos tribunais.
Entre ns, a matria tem sido freqentemente ventilada, tendo-se em
vista as chamadas tabelas de preo, nos crimes contra a economia popular.
Ditas tabelas esto sendo continuamente modificadas, elevando-se cada vez
mais o custo e, dessarte, podendo favorecer os que as transgrediram quando
fixavam preos inferiores aos que elas viro a marcar, antes do julgamento.
Nlson Hungria e Jos Frederico Marques opinam pela irretroatividade, en
quanto Basileu Garcia sustenta opinio contrria.
E difcil apresentar argumentos novos, to debatida a questo e diante
da excelncia das razes j expostas. O autor de Instituies de direito pe
nal, entre outros exemplos, cita o art. 269 Omisso de notificao de
doena perguntando se seria lcito punir um mdico que deixou de denun
ciar molstia tida como contagiosa, quando posteriormente os responsveis
pela sade pblica reconhecem no ter aquela doena dito carter10. Por seu
turno, pergunta o autor do Curso de direito penal se se devia declarar extinta
a punibilidade de um motorista que fora condenado por imprudncia, visto
9. Basileu Garcia, Instituies, cit., v. 1, p. 150.
10. Instituies, cit., v. 1, p. 156.
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PARTE GERAL
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A reforma da parte geral do Cdigo Penal, por fora de seu art. 4.,
consagrou expressamente o princpio da atividade. E esta que mais intima
mente est ligada vontade do agente; , por excelncia, nesse momento que,
conscientemente, ele incorre no juzo de reprovao social. O resultado no
depende exclusivamente do elemento volitivo do agente: h entre esse ele
mento e ele fatores imponderveis que se subtraem vontade ou ao do
agente pense-se no fato de uma pessoa atirar contra outra, ocorrendo no
acertar, feri-la de leve, gravemente ou mat-la.
Conseqentemente a ao que determina qual a lei do tempo do deli
to. , hoje, a opinio predominante.
Quanto ao crime permanente, em que a consumao se prolonga no tempo,
dependente da vontade do agente, se iniciado na vigncia de uma lei, sua
permanncia se prolonga j no imprio de outra, rege-se por esta, ainda que
mais severa, pois presente est a vontade do delinqente de infringi-la.
Relativamente ao crime continuado, constitudo por pluralidade de viola
es jurdicas, sem intercorrente punio, a que a lei confere unidade, em
face da homogeneidade objetiva, obedece s regras seguintes. Se os fatos
anteriores j eram punidos e a nova lei simplesmente modificadora, aplicase a toda a conduta do sujeito ativo, que se apresenta como um conjunto
unitrio. Se se trata de incriminao original, s so punidos os atos execu
tados em sua vigncia, indiferentes sendo os anteriores. Se, por fim, ela descrimina
os fatos, claro que retroage, abrangendo os executados antes dela.
III
A LEI PENAL NO ESPAO E EM RELAO S PESSOAS.
DISPOSIES FINAIS DO TTULO I
SUMRIO: 42. Direito penal internacional. Os princpios. 43. Territorialidade.
Lugar do crime. 44. Territrio. 45. Extraterritorialidade. 46. A lei penal
em relao s pessoas e suas funes. 47. Extradio. 48. Disposies fi
nais do Ttulo I.
42.
Direito penal internacional. Os princpios. Nem sempre um crime
viola interesse de um Estado apenas. Tal sua configurao, tal o objeto jur
dico tutelado etc., pode acontecer que dois ou mais pases se arroguem o
direito de puni-lo. Ao complexo de regras que objetiva uma lei aplicvel no
espao, em tais hipteses, muitos denominam direito penal internacional.
Bem de ver, entretanto, que se trata ainda de direito interno, embora rela
cionado com o direito aliengena.
Quatro princpios so apontados acerca da eficincia da lei penal no
espao: o da territorialidade, o da nacionalidade, o de defesa e o da justia
universal ou cosmopolita.
O primeiro cinge-se ao territrio do pas. Os crimes nele cometidos so
regulados por suas leis, qualquer que seja a nacionalidade do ru ou da vti
ma. No admite a concorrncia de lei de outra nao e no ultrapassa as suas
prprias fronteiras, isto , no se preocupa com o delito cometido fora delas.
O princpio da nacionalidade, tambm chamado da personalidade, de
termina que a lei a ser aplicada sempre a do pas de origem do delinqen
te, onde quer que ele se encontre. Desdobra-se este princpio em ativo e
passivo. Pelo primeiro, aplica-se a lei do pas a que pertence o agente, sem
se levar em considerao o bem jurdico. Pelo segundo, dita lei se aplica
somente quando o bem jurdico ofendido pertena a pessoas da mesma
nao.
O princpio de defesa, tambm conhecido como de proteo ou real, diz
que a lei aplicvel a da nacionalidade do bem jurdico lesado ou ameaado,
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onde quer que o crime tenha ocorrido e qualquer que seja a nacionalidade do
criminoso.
Finalmente, pelo princpio da justia universal, o delinqente fica su
jeito lei do pas onde for detido, qualquer que seja o lugar onde o delito foi
praticado, a sua nacionalidade ou a do bem jurdico tutelado. Dito princpio
mais ideal, de difcil efetivao, considerando-se a dificuldade da coleta
de provas e a falta de uniformidade na conceituao do crime, pois o que
assim considerado entre ns nem sempre o ser em pas de outro conti
nente.
Os Cdigos no adotam com exclusividade qualquer desses princpios.
Vigora, s vezes, ora o da territorialidade, ora o da nacionalidade, sem que
sejam olvidados, entretanto, os outros dois.
43.
Territorialidade. Lugar do crime. Ficam sujeitos lei brasileira os
crimes praticados, no todo ou em parte, no territrio nacional, ou que, nele,
embora parcialmente, produziram ou deviam produzir seu resultado dis
pem os arts. 5. e 6. do Cdigo.
Como se v, a adoo do princpio da territorialidade, embora o dis
positivo contenha a ressalva da existncia de convenes, tratados e regras
de direito internacional.
A rubrica da disposio lugar do crime. O que se deve entender por
isso o que constitui objeto de trs teorias: a da atividade, a do resultado e
a unitria ou da ubiqidade.
Pela primeira, lugar do delito aquele em que o sujeito ativo ou delin
qente pratica os atos de execuo, teoria essa que tem merecido a prefern
cia dos escritores germnicos1. A do resultado fixa como lugar do crime aquele
em que se consumou, o que nem sempre coincide com o da atividade, pois
esta pode ser praticada em um Estado e a consumao ocorrer noutro, v. g.,
o delito de homicdio, em que a vtima pode ser atingida em um pas e vir a
falecer em outro. J teve maior aceitao esse princpio que apresenta, alm
do inconveniente da incerteza do lugar da consumao, o da renncia do
Estado em punir a ofensa a sua ordem jurdica, porque o resultado ocorreu
alm-fronteiras.
Finalmente, a teoria da unidade ou ubiqidade, tambm conhecida como
mista, tem por lugar do delito aquele em que for realizado qualquer um de
1.
O Anteprojeto Nlson Hungria, no art. 6. tempo do crime consagrava
essa teoria, que comportava, naturalmente, a exceo de seu art. 7. lugar do crime
assuntos, como se compreende, correlatos.
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mister que o fato seja tambm punido no pas em que ocorreu. A alnea
seguinte declara ser necessrio estar o crime includo entre aqueles que a lei
brasileira permite a entrega de um condenado, ou acusado, ao Estado que o
reclama (extradio).
As alneas d e e impem, como condies, no ter sido o agente absol
vido no estrangeiro ou no ter a cumprido a pena; no ter sido a perdoado
ou no estar, por outra razo, extinta a punibilidade. Ditas prescries so
facilmente compreensveis. Seria estranho que um acusado, livre em outro
pas, fosse perseguido, processado e condenado aqui, quando nossa lei, nes
sas hipteses, tem funo supletria.
No 3., volta o legislador a aplicar o princpio real ou de proteo:
pune o agente que comete crime contra brasileiro, fora do Brasil. Para isso,
entretanto, necessrio ocorrerem as circunstncias j aludidas no 2.
entre elas a de haver entrado o agente no territrio nacional acrescidas de
no ter sido solicitada ou concedida a extradio concebvel, dessarte,
que aqui se processe e julgue o delinqente e de haver requisio do
Ministro da Justia, a cargo de quem ficar decidir da convenincia do pro
cesso, visto ter sido o delito cometido no estrangeiro.
O art. 9. ocupa-se com a eficcia da sentena penal proferida em outro
pas. Trata-se de norma de exceo de efeitos limitados. Em primeiro lugar,
imprescindvel que a lei brasileira produza, no caso, as mesmas conse
qncias. Depois, a eficcia se cinge aos efeitos civis da sentena criminal,
e, no campo penal, s medidas de segurana. O pargrafo nico diz acerca
das condies necessrias para a homologao, que compete ao Supremo
Tribunal Federal.
H outros casos em que a sentena estrangeira tambm produz efeitos
em nosso pas: a reincidncia, o sursis e o livramento condicional8. Em tais
hipteses, porm, no depende seu reconhecimento da homologao, como
se verifica a contrario sensu do art. 787 do Cdigo de Processo Penal. A
sentena atua, ento, como fato jurdico. A homologao s necessria,
diante do citado dispositivo e do art. 9., quando se instaura o juzo executrio,
isto , quando tiver a sentena de ser executada aqui, para os efeitos
mencionados no ltimo dispositivo.
46.
A lei penal em relao s pessoas e suas funes. Em todo Estado
domina o princpio da territorialidade da lei penal: aplica-se a todas as pessoas
8.
O Anteprojeto Nlson Hungria (art. 10, III) inclua a reincidncia e a criminalidade
habitual. No o fez, porm, quanto ao sursis. A razo parece-nos ser a de que a conde
nao no estrangeiro no o impedir, como se depreende de seu art. 6 7 ,1, flagrantemente
diverso do nosso art. 57, I (redao original), orientao esta que achamos prefervel.
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PARTE GERAL
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redao do art. 84 do CPP, dada pela Lei n. 10.628/2002. Contra esta lei, h
uma ao direta de inconstitucionalidade sub judice no STF, fundamentada
na alegao de que a competncia deste tribunal fixada pela Constituio
Federal, no podendo ser ampliada por lei ordinria.
Com referncia a crimes ocorridos aps a diplomao e no abrangidos
pela inviolabilidade possvel Casa a que pertencer o parlamentar, por maioria
de votos, determinar a sustao do andamento do processo criminal, com a
suspenso da prescrio.
No que diz respeito aos vereadores, o art. 29, VII, da Constituio Fede
ral estabeleceu, como inovao, a inviolabilidade por suas opinies, palavras
e votos, desde que no exerccio do mandato e nos limites da circunscrio do
Municpio.
A Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia, regula
mentando o art. 133 da Constituio Federal, por fora de seu art. 7., 2.,
estabeleceu que os advogados tm imunidade penal, de natureza profissional,
quando, no exerccio da atividade, em juzo ou fora dele, praticarem atos que
podem ser classificados como crimes de difamao, injria ou desacato.
mais uma forma de imunidade penal, exigindo como requisito pessoal o de
ser advogado e ter praticado o ato atacado quando no exerccio da profisso.
47.
Extradio. Com ser a luta contra a criminalidade objetivo comum de
todas as naes, no h dvida de que a punio de um crime interessa, sobre
tudo, ao Estado onde ele foi praticado. Da a extradio, que o ato pelo qual
uma nao entrega a outra um criminoso para ser julgado ou punido.
As fontes que a regulam so de direito internacional e de direito interno.
Promana de tratados entre as naes, assentando-se no princpio da recipro
cidade e adotados e completados por leis internas.
Nosso Cdigo, ao contrrio de outros, como o italiano, no contm dis
posies acerca do instituto. Regula-o a Lei n. 6.815, de 19 de agosto de
1980, em seus arts. 76 a 94, e vige tambm o Cdigo Bustamante, oriundo do
Congresso Internacional de Havana, em 1928, e aprovado por ns.
Em regra, para a extradio so consideradas determinadas circunstn
cias que se referem ao delinqente e ao delito.
Quanto ao primeiro, em princpio, toda pessoa pode ser extraditada.
Todavia, em face de nossas leis, em regra, s o pode ser o estrangeiro, j que
a extradio do brasileiro nato proibida e a do brasileiro naturalizado
admitida em duas hipteses: quando o crime foi cometido antes da natura
lizao e quando se tratar de envolvimento com o trfico de drogas, como
deixa claro o art. 5., LI, da Constituio Federal. Com efeito, o art. 76 da
mencionada Lei n. 6.815 estabelece que a extradio poder ser concedida
quando o governo requerente se fundamentar em conveno, tratado ou quando
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PARTE GERAL
DA APLICAO DA LEI
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DO CRIME
I
CONCEITO DO CRIME
SUMRIO: 49. Conceitos do crime. 50. O conceito dogmtico. 51. A ao.
52. A tipicidade. 53. A antijuridicidade. 54. A culpabilidade. 55. A
punibilidade. 56. Pressupostos do crime e condies objetivas de punibilidade.
57. Ilcito penal e ilcito civil.
49.
Conceitos do crime. J vimos, nos n. 22 e 24, as consideraes de
Carrara e Garofalo acerca do delito. Sua conceituao varia conforme o ngulo
por que visto, o que depende da compreenso e extenso que se der ao
direito penal.
Em regra, definem os autores o crime sob o aspecto formal ou subs
tancial.
O primeiro tem como ponto de referncia a lei: crime o fato indivi
dual que a viola; a conduta humana que infringe a lei penal. Nesse sentido,
define-o Maggiore como ogni azione legalmente punibile1.
Todavia a definio formal no esgota o assunto. H nela sempre uma
petio de princpio. Por que essa conduta transgride a lei? Qual a razo que
levou o legislador a puni-la? Qual o critrio que adotou para distingui-la de
outras aes tambm lesivas? Diversas outras questes podem ainda ser for
muladas.
Visa a definio substancial considerao ontolgica do delito. Garofalo,
como apontamos, procurou-a no delito natural, tendo-o como a ofensa aos
sentimentos altrustas de piedade e probidade comuns aos indivduos na
comunho social. Essa concepo do delito natural, entretanto, no procede,
como no se justificam outras dos Positivistas-Naturalistas.
1. Maggiore, Diritto penale, cit., v. 1, p. 189.
DO CRIME
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98
PARTE GERAL
51.
A ao. a ao o primeiro momento objetivo ou material do deli
to. Sem ela, este no existe. D-lhe corpo e, no raro, somente ela que o
revela no mundo exterior. Compreende a ao propriamente dita, em sentido
estrito ou positivo, e a omisso ou ao negativa. Ambas so comportamento
humano, importando em fazer ou no fazer. Tanto uma como outra integram
o fato humano e conseqentemente o crime.
A ao positiva sempre constituda pelo movimento do corpo, quer
por meio dos membros locomotores, quer por meio de msculos, como se d
com a palavra ou o olhar.
Quanto ao negativa ou omisso, entra no conceito de ao (genus)
de que espcie. tambm um comportamento ou conduta e, conseqente
mente, manifestao externa, que, embora no se concretize na materialidade
de um movimento corpreo antes absteno desse movimento por
ns percebida como realidade, como sucedido ou realizado. Pergunta, com
oportunidade, Massimo Punzo, se no exato que as flores secam tanto
quando o jardineiro no as rega, como quando as gua com uma soluo de
sublimado?3
E ambas so sujeitas vontade, mesmo quando culposas, porque a cul
pa oriunda da falta de ateno e esta acha-se sob o domnio daquela. A
vontade concentra a ateno sobre um objeto ou a afasta. No se pode, ao
mesmo tempo, omitir e estar atento em relao a uma coisa ou um fato.
Sumarissimamente exposto, o que ocorre com a ao e omisso sob
o ponto de vista naturalista. Mas ao direito penal elas s interessam quando
tm relevncia, quando importam o descumprimento de um dever jurdi
co ou se opem ao comando da norma legal, o que lhes d o contedo
normativo.
Ulteriormente, tem tido muita divulgao o conceito da ao finalista,
mxime devido aos estudos de Hans Welzel: La accin humana es el ejercicio
de la actividad finalista. La accin es, por lo tanto, un acontecer finalista y
no solamente causai4.
No se nega seja a ao finalista; ela a atividade dirigida a um fim.
Entretanto dita teoria desloca apenas o problema: considera o fim no estudo
da ao, tirando-o da culpabilidade e tornando vazio o dolo.
3. Massimo Punzo, 11problema delia causalit materiale, 1951, p. 75. Sem a devida
ateno, Paulo Jos da Costa Jr. (Do nexo causai, p. 37, nota 137) considera-nos natu
ralista, por havermos citado Punzo. Fizemo-lo apenas para contrariar os que negam a
realidade da omisso. Linhas adiante do texto, verifica-se que nos filiamos teoria normativa.
4. Hans Welzel, Derecho penal, trad. Fontn Balestra, 1956, p. 38.
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PARTE GERAL
DO CRIME
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PARTE GERAL
DO CRIME
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54.
A culpabilidade. Alm de tpica e antijurdica, deve a ao ser culpvel. Trata-se do elemento subjetivo do delito. O resultado lesivo ao direi
to, oriundo da ao do sujeito ativo, h de ser-lhe atribudo a ttulo de culpa,
em sentido amplo, isto , dolo ou culpa.
Inadmissvel a responsabilidade objetiva, triunfante de h muito o
princpio nullum crimen sine culpa.
Mas cifra-se a culpabilidade exclusivamente no elemento subjetivo, ou,
alm deste, outros existem a inform-la?
Duas teorias disputam, hoje, a primazia na formulao de seu conceito:
uma denominada psicolgica e outra, normativa.
Para a primeira, a culpabilidade exaure-se no dolo ou na culpa. Culpvel o indivduo que consciente ou inadvertidamente praticou a ao vedada
em lei, agindo com dolo no primeiro caso e culpa stricto sensu no segundo.
Consoante a teoria normativa, a culpabilidade , sobretudo, um juzo
de reprovao contra o autor de um ato, porque a todos compete agir de
acordo com a norma, segundo o dever jurdico, que tutela os interesses
sociais. O procedimento contrrio que, ento, d substncia culpabilidade.
Estamos que as duas opinies se conciliam e mesmo se completam.
Primeiramente, diga-se que falar de culpabilidade, prescindindo do dolo
e da culpa, olvidar de todo a realidade. O contedo da vontade culpvel
muito importante, para ser relegado a segundo plano. Ser culpvel o louco
que pratica um ato contrrio lei? Incorre no juzo de reprovao social o
ato do absolutamente incapaz?
Por outro lado, a teoria normativa se impe, por ser a que nos mostra
que aquela vontade contrria que o indivduo devia ter, que ele era
obrigado.
A culpabilidade, como reprovabilidade que , no prescinde do antago
nismo entre a vontade censurvel do agente (elemento psicolgico) e a von
tade da norma (elemento valorativo). J que esta dita ao indivduo um pro
ceder de determinada forma e reprova-o por assim no ter agido, ipso facto
no pode negar a existncia de uma vontade contrria sua.
As duas teorias operam em setores diferentes; porm no se repudiam
porque a psicolgica vincula estritamente o indivduo ao ato, enquanto a
normativa refere-se ilicitude desse proceder. Destacam-se, pois, na culpa
bilidade, esses dois elementos: o normativo, ligando a pessoa ordem jur
dica, e o psicolgico, vinculando-a subjetivamente ao ato praticado.
, pois, a culpabilidade psicolgico-normativa.
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58.
Quanto gravidade. Podem as infraes penais, quanto sua gra
vidade, dividir-se em crimes, delitos e contravenes (sistema tricotmico)
e crimes ou delitos e contravenes (sistema dicotmico ou bipartido).
Na Frana, Alemanha e Blgica, adota-se o primeiro. O Cdigo Penal
francs dispe no art. 1.: A infrao que as leis punem com penas de po
lcia uma contraveno. A infrao que as leis punem com penas correcionais
um delito. A infrao que as leis punem com uma pena aflitiva ou infamante
um crime. Este julgado pelos tribunais criminais; os correcionais julgam
os delitos; e os de polcia, as contravenes.
Entre ns, a diviso dicotmica tradicional. Consagrou-a o Cdigo de
1830 e mantiveram-na os posteriores.
No vemos a utilidade da diviso tripartida. Ontologicamente no se
distinguem crime e delito: a diferena reside na pena. E o que vemos tam
bm no Cdigo Penal belga (art. 1.), dizendo Goedseels: Les infractions se
divisent thoriquement, daprs le Code Pnal, en crimes, en dlits et en
contraventions suivant que les lois ou les rglements les sanctionnent de peines
criminelles, correctionelles ou de police1.
No h dvida de que os mesmos elementos que se deparam no crime
se apresentam igualmente no delito. Inexiste diferena de essncia entre eles;
alis, se, como deixamos dito, no se distinguem ontologicamente o ilcito
penal e o civil, menos ainda se estremaro crime e delito.
D-se o mesmo com a contraveno. Vrias tm sido as teorias formu
ladas. Carrara e Carmignani quiseram ver diferena ontolgica entre eles,
dizendo que a contraveno no ofende ao direito natural comum e ao princpio
1. Jos. M. C. X. Goedseels, Commentaire du Code Pnal belge, 1948, v. 4, p. 8.
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III
OS SUJEITOS E OS OBJETOS DO DELITO
SUMRIO: 61. O sujeito ativo. 62. O sujeito passivo. 63. O objeto jurdi
co. 64. O objeto material.
61.
O sujeito ativo. quem pratica a figura tpica descrita na lei. o
homem, a criatura humana, isolada ou associada, isto , por autoria singu
lar ou co-autoria. S ele pode ser agente ou autor do crime.
Pondo de lado a questo, inadmissvel, nos dias de hoje, se os irracio
nais ou entes inanimados podem ser agentes de delitos, surge o assunto rela
tivo s pessoas jurdicas. No nos referimos s de direito pblico externo,
situadas no campo do direito internacional pblico (onde, alis, no existem
penas), mas s de direito privado.
A respeito destas h controvrsia doutrinria. Opinam uns que as socie
dades, associaes, corporaes etc. podem delinqir, enquanto outros repu
diam a possibilidade.
Estes representam a corrente tradicional, que se mantm fiel ao princ
pio do direito romano societas delinquere non potest correlativo a outro
concernente individualidade da pena peccata suos teneant auctores.
Argumentam que s pessoas jurdicas faltam imputabilidade, conscincia e
vontade, por elas deliberando os seres humanos que as dirigem. Acrescen
tam que as penas de direito penal no lhes so adequadas e que freqentemente
seriam inquas por atingirem os componentes inocentes.
Contra essa opinio, ope-se a corrente de realistas. Afirmam ser a pessoa
jurdica uma realidade. Tem ela vontade e capaz de deliberao, devendo,
ento, reconhecer-se-lhe capacidade criminal.
Conquanto ela seja uma realidade jurdica, no nos parece que com
isso se resolva o problema. Aquela capacidade no se confunde com a de
direito e obrigaes de que goza no direito privado.
Com efeito, ela inconcilivel com a culpabilidade, que, como vimos,
psicolgico-normativa, o que impede sua atribuio pessoa jurdica.
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IV
RELAO DE CAUSALIDADE
SUMRIO: 65. A ao e a omisso causais. 66. O resultado. 67. As teo
rias. 68. A teoria do Cdigo. O nexo causai. 69. Supervenincia causai.
65.
A ao e a omisso causais. Aps o que dissemos, no n. 51, acerca
da ao, cremos desnecessrias outras consideraes, desde que no tratem
de seu carter de causa. Interessa, contudo, acrescentar que ela h de ser
acompanhada do contingente subjetivo. Existente a ao, mas ausente a von
tade, como nos estados de inconscincia, no h falar em ao. Igualmente,
inexistir esta, na coao absoluta, quando se pode dizer que ela do coator,
sendo o coagido mero instrumento.
Piante do art. 13 do Cdigo, a ao causa quando sem ela o resultado
.no teria ocorrido, ou, em outras palavras, entre a ao e o resultado deve
V existir uma relao de causa e efeito.
Acerca da omisso, j dissemos tambm no mesmo pargrafo. Ela to
| real como a ao, pois expresso da vontade do omitente, porque recoI nhecvel e verificvel no tempo e no espao, e porque no um no-ser,
porm modo de ser do autor. E, se tem um contedo real, no um nada, mas
' alguma coisa suscetvel de determinao e percepo. Como tal, pode dar
lugar a um processo causai'.
Mas quando a omisso deve ser considerada causa no terreno jurdico?
A resposta que s causai a omisso quando h o dever de impedir o
evento, o dever de agir,
O 2. do art. 13 cuida da relevncia da omisso, estabelecendo as trs
hipteses, isto , quando o agente: a) tenha por lei obrigao de cuidado,
proteo ou vigilncia; b) de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir
o resultado; e c) com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrncia
do resultado.
1. S. Ranieri, Causalit nel diritto penale, 1936, p. 225.
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preende realmente por que no se deve ter como causado pela ao humana
um resultado, que, de fato, se verificou, somente porque aquela ao no
geralmente idnea a produzi-lo. O hav-lo produzido mais que suficiente
para dizer que a conduta causai6.
Outras opinies constituem a teoria que se denomina da eficincia: causa
a condio mais eficaz na produo do evento (Stoppato, Binding, Oertmann).
Dela diz ainda Punzo que o mais grave defeito que apresenta est na impos
sibilidade de distinguir a causa eficiente dos outros antecedentes de que se
compe o processo causai7.
A teoria da relevncia jurdica, criada por Mller e desenvolvida por
Mezger, encontra em Beling sua forma definitiva: a corrente causai no o
simples atuar do agente, mas deve ajustar-se s figuras penais. No basta ser
conditio sine qua non\ mister produzir o tipo descrito em lei. Tem-se dito,
com razo, que a teoria vai alm do terreno da pura causalidade: subor
dinada existncia de uma norma legal.
A teoria da causa humana de Antolisei sofre alteraes, para finalmen
te assentar que a excluso da relao jurdica de causalidade se apresenta
quando no processo causai h interveno de um acontecimento excepcional
que, concorrendo com a ao do homem, teve influncia decisiva na realiza
o do resultado. Tem influncia decisiva o fato sem o qual se teria verifica
do resultado diferente, sob o ponto de vista jurdico8. O conceito de influn
cia decisiva vago e incerto, no proporcionando um critrio idneo para as
questes que surgem a respeito.
Essa teoria, alis, variante da causalidade adequada, o mesmo de
vendo dizer-se da de Grispigni da condio perigosa declarando que
uma conduta, sob o ponto de vista normativo, causa quando tiver sido con
dio do resultado, e, considerada relativamente ao momento em que se
desenvolveu, constituir um perigo em relao ocorrncia do resultado9.
Entre as crticas que se lhe fazem, sobreleva a da noo imprecisa do perigo,
deixado, no caso concreto, apreciao do juiz.
68.
A teoria do Cdigo. O nexo causai. Dentre as teorias que maior
prestgio desfrutam, salienta-se a abraada por nosso estatuto, no art. 13:_a_
daeauivalncia dos antecedentes, ou da conditio sine qua non. Originria de
6.
7.
8.
9.
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Von Buri, no terreno jurdico, e tendo tido em Kostlin e Bemer seus antecessores,
, no campo filosfico, oriunda de Stuart Mill.
Consoante ela, tudo quanto concorre para o resultado causa. No se
distingue entre causa e condio, causa e ocasio, causa e concausa. Todas
as foras concorrentes para o evento, no caso concreto, apreciadas, quer iso
lada, quer conjuntamente, equivalem-se na causalidade. Nem uma s delas
pode ser abstrada, pois, de certo modo, se teria de concluir que o resultado,
na sua fenomenalidade concreta, no teria ocorrido. Formam uma unidade
infragmentvel. Relacionadas ao evento, tal como este ocorreu, foram todas
igualmente necessrias, ainda que qualquer uma, sem o auxlio das outras,
no tivesse sido suficiente. A ao ou a omisso, como cada uma das outras
causas concorrentes, condio sine qua non do resultado. O nexo causai
entre a ao (em sentido amplo) e o evento no interrompido pela interfe
rncia cooperante de outras causas. Assim, no homicdio, o nexo causai en
tre a conduta do delinqente e o resultado, morte, no deixa de subsistir,
ainda quando para tal resultado haja contribudo, por exemplo, a particular
condio fisiolgica da vtima ou a falta de tratamento adequado10.
Em conseqncia desse princpio, as concausas no mais tm o efeito
de que gozavam na lei anterior, onde as condies personalssimas do ofen
dido e a no-observncia do regime mdico reclamado pelo estado da vtima
(Consolidao das Leis Penais, art. 295, 1. e 2.) desclassificavam o cri
me de morte. Diante de nosso Cdigo, o homicdio no deixa de ser tal, ainda
que para o excio concorram outras causas, como, v. g., se o golpe dado em
um hemoflico ou em um diabtico, ou se o ofendido no tiver seguido, ainda
que voluntariamente, as observaes mdicas impostas por seu estado. To
das so causas concorrentes para o resultado e no se h de excluir a devida
ao agente.
Claro que a teoria da equivalncia dos antecedentes se situa exclusi
vamente no terreno do elemento fsico ou material do delito, e por isso mes
mo, por si s, no pode satisfazer punibilidade. E mister a considerao da
causalidade subjetiva; necessria a presena da culpa (em sentido amplo),
caso contrrio haveria o que se denomina regressus ad infinitum: seriam
responsveis pelo resultado todos quantos houvessem fsica ou materialmente
concorrido para o evento; no homicdio, v. g., seriam responsabilizados tam
bm o comerciante que vendeu a arma, o industrial que a fabricou, o mineiro
que extraiu o minrio etc.
Enaltece Hungria essa teoria, declarando-a prefervel a todas as outras
que versam a causalidade material, pois serve a uma soluo simples e pr
10. Nlson Hungria, Comentrios, cit., v. 1, p. 238.
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V
DO CRIME CONSUMADO E DA TENTATIVA
SUMRIO: 70. A consumao. 7 1 . 0 iter criminis. 72. A cogitao. 73.
Atos preparatrios e atos de execuo. 74. Elementos da tentativa. 75. A
pena da tentativa. 76. Inadmissibilidade da tentativa. 77. Desistncia vo
luntria, arrependimento eficaz e arrependimento posterior. 78. Crime
impossvel. Crime de flagrante preparado. Crime provocado.
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p.
473.
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VI
O DOLO E A CULPA
SUMRIO: 79. O dolo. 80. Espcies de dolo. 81. A culpa. 82. Espcies de
culpa. 83. A frmula do Cdigo. 84. Compensao da culpa. 85. O preterdolo.
Agravao pelo resultado. 86. A responsabilidade objetiva. 87. A
excepcionalidade do crime culposo. 88. Actio libera in causa.
79.
O dolo. A culpabilidade e a imputabilidade constituram objeto do
n. 54, pelo que, aqui, incumbe apenas apreciarmos as formas por que aquela
se pode apresentar.
Menciona-as o Cdigo no art. 18: o dolo e a culpa. Reserva o inc. I para
aquele, ressaltando o elemento volitivo. Para ele, dolo vontade, mas von
tade livre e consciente.
Dois so, portanto, os elementos do dolo. A conscincia h de abranger
a ao ou a omisso do agente, tal qual caracterizada pela lei, devendo
igualmente compreender o resultado, e, portanto, o nexo causai entre este e
a atividade desenvolvida pelo sujeito ativo. Age, pois, dolosamente quem
pratica a ao (em sentido amplo) consciente e voluntariamente.
Alguns definem o dolo simplesmente como a representao do resulta
do, teoria que se ope da vontade. Todavia difcil aceitar-se que a repre
sentao possa excluir a vontade, pois esta pressupe aquela. No se pode
querer conscientemente seno aquilo que se previu ou representou nossa
mente, pelo menos em parte. Como assevera Florian, a representao sem
vontade coisa inexpressiva, e a vontade sem representao impossvel.
Conseqentemente, para agir com dolo, no basta que o evento tenha sido
previsto pelo indivduo, mister seja querido. Esse resultado a meta, o fim
que o sujeito ativo busca com sua atividade consciente e dirigida. Costuma
dizer-se, por isso, abreviando o conceito, que dolo a vontade de executar
um fato que a lei tem como crime.
Mas o dolo no se exaure na vontade e representao do evento. No
basta o agente querer praticar o fato tpico, necessrio tambm ter conheci
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ta, aceita-o; v. g., o chofer que em desabalada corrida, para chegar a deter
minado ponto, aceita de antemo o resultado de atropelar uma pessoa. Estremase da culpa consciente, como dentro em pouco veremos, porque nesta o agente,
conquanto preveja o resultado, no o quer, esperando insensatamente que
no se verifique. Hungria cita um caso ocorrido no Rio de Janeiro, em que a
dona de um co e uma criana do vizinho foram por ele mordidas. Havendo
suspeitas de que estivesse hidrfobo, a proprietria matou-o e adquiriu outro
em tudo semelhante a ele. Ambas as vtimas iniciaram o tratamento mdico,
porm o da criana suspendeu-se logo, quando, examinado o segundo ani
mal, verificou-se estar so. Assim, enquanto a proprietria levava seu trata
mento a termo, o menor morria, vtima do terrvel mal. clara a existncia
do dolo eventual. Para se furtar aos percalos de um processo por incria na
guarda do co, aquela mulher assumira o risco da morte da criana, pois no
tinha certeza do estado de sade do irracional.
O ilustrado jurista, precisando o conceito do dolo eventual, lembra a
frmula de Frank: Seja como for, d no que der, em qualquer caso no
deixo de agir1. Sinteticamente, costuma estremar-se o dolo direto do even
tual, dizendo-se que o primeiro a vontade por causa do resultado; o outro
a vontade apesar do resultado.
Fala-se ainda em dolo de dano e de perigo. No primeiro, o que se quer
um dano, a leso efetiva a um bem; e, no segundo, somente um perigo.
Rocco escreve que ele si distingue dal dolo di danno, che si riscontra nei
delitti di danno o di lesione, appunto per ci, che in questi, ci che voluto
un danno, in quelli soltanto un pericolo2.
A existncia do dolo de perigo, como coisa distinta e substancialmente
diversa, contestada por numerosos autores. Florian fala que existe apenas
diversidade de objeto num e noutro, mas o conceito deste o mesmo3. Von
Hippel diz no se tratar de conceito particular de dolo, mas simplesmente do
fato de que alguns crimes requerem no uma leso dolosa, mas somenteperigo
para os bens jurdicos. A expresso justa perigo doloso4. O mesmo pensa
Antolisei5.
Autores numerosos distinguem dolo genrico e especfico. O primeiro
reside na vontade de realizar o tipo descrito na lei. Quanto ao segundo,
1.
2.
3.
4.
5.
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82.
Espcies de culpa. Distinguem-se primeiramente a culpa conscien
te e a inconsciente. Nesta, o resultado previsvel no previsto pelo agente.
So os casos comuns de crimes culposos: manejo de arma, sem verificar
previamente se est carregada, direo de veculo com velocidade inadequa
da etc. E a chamada culpa ex ignorantia.
Na culpa consciente ou com previso (culpa ex lascivia), o sujeito ativo
prev o resultado, porm espera que no se efetive. Avizinha-se bastante do
dolo eventual, mas nem por isso constitui modalidade mais grave do que
aquela.
E certo que variam as opinies, mas estamos que a culpa consciente
nem sempre traduz maior periculosidade ou desajuste da pessoa. Um homem
previdente pode, aps madura reflexo, praticar um ato do qual antev o
resultado, contando com que, devido sua cautela, este no sobrevir, o que,
entretanto, no impede que se verifique. No necessita de maior corretivo do
que o estabanado, o desatento, o imprudente que pratica o mesmo ato, sem
que nem por um momento perceba a conseqncia funesta.
A culpa stricto sensu ainda oferece a modalidade conhecida como im
prpria, ou culpa por extenso, equiparao ou assimilao. ela de evento
voluntrio. Constitui objeto de nossa ateno no n.76. Agora, o agente, ao
contrrio do que acontece com as outras formas culposas, quer o evento,
porm sua vontade est lastreada por erro de fato vencvel ou inescusvel.
Ele acredita encontrar-se em situao de fato que toma lcita a ao, porm
labora em erro grosseiro ou vencvel, e, portanto, age com culpa. Se invencvel
fosse, ocorreriam as chamadas descriminantes putativas: estado de necessi
dade, legtima defesa, exerccio regular de direito ou cumprimento de dever
legal.
Pode ainda a culpa ser presumida ou in re ipsa. Aceitava-a o Cdigo
anterior, fazendo-a derivar da inobservncia de disposio regulamentar.
Assim, v. g., a pessoa que no tivesse carta de habilitao para guiar autom
vel, mas fosse habilssimo condutor, se acontecesse atropelar algum, res
ponderia por delito culposo, ainda que taxativamente provasse ter sido pura
mente casual o fato, havendo ele se portado com a maior diligncia possvel.
Rejeitou-a o atual estatuto, e em boa hora, pois ela traduz responsabilidade
objetiva.
_
Alude-se ainda culpa lata, leve e levssima. distino que vem do
direito romano privado e corresponde antes a graus da culpa. A primeira
ocorreria no caso em que qualquer pessoa pudesse prever o evento. Seria
leve a culpa quando somente o indivduo bastante diligente previsse o resul
tado. Levssima quando s a excepcional cautela o impediria. Aproxima-se
esta do caso fortuito. Excepcionalmente pode, entretanto, ser punida.
A considerao do grau da culpa tarefa do juiz, consoante o art. 59.
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88.
Actio libera in causa. Exposta, como j foi, a culpabilidade
(n. 54), com o seu elemento a imputabilidade, sobre a qual ainda nos
deteremos ao examinarmos o art. 26, e considerados, agora, o dolo e a culpa,
j se est a ver que um fato s pode ser imputado ao agente quando este, no
momento de pratic-lo, apresenta capacidade ou condies pessoais que per
mitam a imputao.
Conseqentemente, a regra que o sujeito ativo, no momento da exe
cuo do fato delituoso, tenha capacidade de entender o carter criminoso
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Todavia casos h em que ele no se encontra, naquele instante, em tais
condies, e, mesmo assim, responsvel: dever arcar com as conseqn
cias jurdicas do fato. Tal ocorre, v. g., no exemplo de quem coloca uma bombarelgio a bordo de uma aeronave, e, horas depois, voando o avio sobre outro
pas, aquela explode, estando, entretanto, o agente dormindo em sua casa.
A imputabilidade agora se faz em virtude da teoria das actiones liberae
in causa, que supe a supresso da capacidade tica (intelectiva e volitiva)
no momento do crime, mas responsvel o agente por ser livre na causa, isto
, no instante anterior, quando desejava praticar o delito. O estado de
inimputabilidade , ento, por ele procurado, como ocorre, v. g., na embria
guez preordenada (beber para cometer o crime). Em tal hiptese, como es
creve Sauer, o sujeito ativo simultneamente autor mediato imputable, e
instrumento inimputable15. Pode, ainda, em casos excepcionais, a imputa
o fazer-se a ttulo de culpa: o guarda-freios que em determinada hora tem
de fazer certa manobra e, no obstante, pe-se a beber, devendo prever que
dessa conduta poder advir o resultado preciso do abalroamento de comboios.
O assunto ser mais amplamente abordado ao tratarmos da embriaguez.
Por ora, cumpre apenas assinalar ter nosso Cdigo dado amplitude demasiada
teoria da actio libera in causa, aceitando a responsabilidade objetiva que
repudiou no art. 18.
VII
DA CULPABILIDADE
A) O ERRO
SUMARIO: 89. Erro e ignorncia. Erro de direito e erro de fato. Erro de
tipo e erro de proibio. 90. Erro de tipo. 91. Da inescusabilidade do des
conhecimento da lei. Erro de proibio. 92. Erro determinado por terceiro
e erro sobre a pessoa. 93. Erro na execuo. 94. Descriminantes putativas
fticas.
89.
Erro e ignorncia. Erro de direito e erro de fato. Erro de tipo e erro
de proibio. Distinguem-se erro e ignorncia, pois o primeiro o conheci
mento falso acerca de um objeto, ao passo que a ignorncia a ausncia total
desse conhecimento. Seus efeitos jurdicos so, entretanto, idnticos, pois
tratados da mesma forma.
A doutrina tradicional, at agora prestigiada pelas legislaes anterio
res, dividia o erro em erro de fato e erro de direito. O primeiro o que recai
sobre o fato constitutivo do delito ou sobre um de seus elementos integran
tes, ao passo que o outro erro de direito incide sobre a proibio jur
dica do fato praticado. Atente-se, entretanto, a que os elementos objetivos do
crime podem ser de natureza jurdica.
A moderna doutrina penal no mais alude a erro de fato e erro de direi
to, mas sim a erro de tipo ou erro sobre elementos do tipo (Tatbestandsirrtum)
e erro de proibio ou sobre a ilicitude do fato (Verbotsirrtum).
A nova legislao sobre a Parte Geral do Cdigo Penal, seguindo o que
j ocorrera com o Anteprojeto de 1969, adotou a moderna classificao: erro
de tipo (art. 20) e erro de proibio (art. 21). Contudo tal modificao no foi
to radical como desejam alguns, pois a dicotomia erro de direito e erro de
fato continua presente, como se depreende do 1. do art. 20 e da primeira
parte do art. 21.
A diferena entre ambos foi bem exposta por Maurach: Erro de tipo
o desconhecimento de circunstncias do fato pertencentes ao tipo legal, com
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PARTE GERAL
Erro de tipo
(art. 20)
invencvel
ou
escusvel
no h dolo nem
culpa.
Essencial
vencvel
ou
inescusvel
no h dolo,
porm pode
importar em culpa.
Acidental
no aproveita.
91.
Da inescusabilidade do desconhecimento da lei. Erro de proibio.
Consagrou a lei, no art. 21, primeira parte, o princpio error juris nocet: o
erro de direito prejudica. Fundamento da irrelevncia desse erro uma razo
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escusvel ou
inevitvel
isenta de pena
inescusvel ou
evitvel
reduz a pena
92.
Erro determinado por terceiro e erro sobre a pessoa. Se quem co
mete o erro a ele foi levado por outrem, responde este pelo fato, que ser
doloso ou culposo, conforme sua conduta. Se um mdico entrega pessoa da
casa uma droga trocada para ministr-la ao enfermo, sobrevindo morte ou
leso deste, responde o profissional por crime contra a pessoa, doloso ou
culposo, consoante o elemento subjetivo.
Podem, na hiptese, sobrevir situaes curiosas, como quando, ardilo
4. Direito penal, cit., v. 1, p. 427.
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VIII
DA CULPABILIDADE
B) COAO IRRESISTVEL E OBEDINCIA
HIERRQUICA
SUMRIO: 95. Coao fsica e coao moral. 96. Causa excludente da
culpabilidade. 97. Estrita obedincia. 98. Causa de excluso de culpa.
95.
Coao fsica e coao moral. a coao irresistvel causa que
exclui a culpa (em sentido amplo). Ocorre quando uma pessoa, mediante
fora fsica ou moral, obriga outra a fazer ou no fazer alguma coisa. Duas
so, portanto, as espcies: a coao fsica e a moral. A primeira, tambm
chamada vis corporalis, atrox ou absoluta, situa-se antes no campo da cau
salidade: no h propriamente ao do coagido; ele um instrumento nas
mos do coator, a ao que desenvolve e produz o evento no lhe pode ser
imputada fisicamente. Ela , antes, de quem o coage, isso considerando-se
como coao fsica somente a empregada corporalmente sobre a pessoa do
coato, traduzindo-se no prprio movimento corpreo dirigido ao evento cri
minoso1. Compreende-se ser, ento, bastante rara nos crimes comissivos, apre
sentando-se antes nos omissivos ou nos comissivos-omissivos.
Diversa a coao moral (vis compulsiva, vis conditionalis), em que a
ao coatora se exerce sobre o nimo do coagido, compelindo-o a agir ou
deixar de agir. a ameaa a forma tpica da coao moral: consiste em pro
meter um mal a algum.
Ela torna inculpvel a ao do coagido. exato que este, ao contrrio
do que ocorre no constrangimento fsico, pode deliberar e resolver, porm
sua vontade no livre, j que est subordinada necessidade de evitar um
dano maior. Ilcita sua conduta, porm no culpvel, dada a anormalidade
do elemento volitivo.
Pode a coao moral ser efetivada com meios fsicos, como quando, v. g.,
a pessoa ameaa outra com um revlver, para que execute certo ato.
1. Nlson Hungria, Comentrios, cit., v. 1, p. 422.
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IX
DA CULPABILIDADE
C) DOENA MENTAL E DESENVOLVIMENTO
MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO
SUMRIO: 99. Imputabilidade e responsabilidade. 100. Inimputabilidade.
Os critrios. 101. Doena mental. Desenvolvimento mental incompleto ou
retardado. 102. Imputabilidade diminuda. 103. Medidas de segurana.
99.
Imputabilidade e responsabilidade. J no n. 54 incidentemente to
camos na imputabilidade, dizendo ser elemento da culpabilidade. Agora tor
namos ao assunto, mas para tecermos poucas consideraes.
A imputabilidade o conjunto de requisitos pessoais que conferem ao
indivduo capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribudo um
fato delituoso. Pelos prprios termos do art. 26, imputvel a pessoa capaz
de entender o carter ilcito do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento. Sinteticamente, pode dizer-se que imputabilidade a capaci
dade que tem o indivduo de compreender a ilicitude de seu ato e de livre
mente querer pratic-lo.
Responsabilidade a obrigao que algum tem de arcar com as con
seqncias jurdicas do crime. o dever que tem a pessoa de prestar contas
de seu ato. Ela depende da imputabilidade do indivduo, pois no pode sofrer
as conseqncias do fato criminoso (ser responsabilizado) seno o que tem
a conscincia de sua antijuridicidade e quer execut-lo (ser imputvel).
Com ser a imputabilidade um pressuposto da responsabilidade, a ver
dade que os dois termos, para muitos, so, a bem dizer, sinnimos; usamse indiferentemente. No apenas na doutrina, mas tambm nas leis. Assim
que, enquanto o Cdigo italiano, no Ttulo IV, Captulo I, usa a expresso
delia imputabilit, o suo, no art. 10, emprega a rubrica responsabilit.
O legislador de 1940 usou a expresso responsabilidade, enquanto o atual,
com melhor preciso tcnica, adotou a locuo imputabilidade penal.
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feita por este pudesse chegar at a impunidade. Igual cautela teve o Cdigo
suo, declarando, no art. 66, que o julgador fica adstrito ao mnimo legal de
cada gnero de pena.
103.
Medidas de segurana. Isentando uns de pena e permitindo que se
diminua a de outros, a lei, entretanto, no olvida a periculosidade dos delin
qentes compreendidos no artigo em questo e seu pargrafo. Alis, no so
apenas os interesses relativos segurana social que se tem em vista, mas os
dos prprios inimputveis ou semi-imputveis.
Com essa dupla finalidade, impe-se-lhes medidas de segurana. Os
isentos de pena, pelo art. 26, so considerados perigosos (art. 97), o mesmo
acontecendo com os semi-imputveis que, se assim for recomendvel, pode
ro ser internados ou submetidos a tratamento ambulatorial, como preconiza
o art. 98. Em relao a estes ltimos houve profunda inovao, j que no
sujeitos a medida de segurana obrigatria, mas facultativa e alternativa,
quando recomendvel.
X
DA CULPABILIDADE
D) A MENORIDADE
SUMRIO: 104. O menor infrator. 105. A legislao ptria. 106. Estatuto
da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13-7-1990). 107. Legislao
tutelar.
104.
O menor infrator. O problema do menor infrator dos mais graves
que um povo tem de enfrentar e sua soluo no simples. Enquanto o maior
sofrer privaes, como poder o menor subtrair-se aos seus efeitos? Inme
ros so os que comeam por no apresentar condies orgnicas que os ha
bilitem a enfrentar as vicissitudes da vida. Gerados em ventres famlicos,
corrodos pela sfilis e pelo lcool, so fisicamente destitudos de condies
necessrias para os embates da existncia.
Que que se pode esperar dessas crianas que vemos a perambular
pelas ruas? Magras, plidas, ps descalos, peito nu, cobertas com andrajos,
levam o dia a estender a mo caridade pblica. A vida, sem dvida, -lhes
madrasta. Escorraado quase sempre, sem ter uma palavra de carinho, con
forto ou estmulo, vai, ento, o menor criando-se e aproximando-se da maio
ridade, animado por um esprito de revolta, que o faz revelar-se contra os
que no o compreendem ou no vem o que ele sofre, ele que outra culpa
no tem a no ser a de ter vindo a um mundo sem que pedisse...
No terreno material, tudo lhe falta. Nem sempre tem a maloca que o
possa abrigar da chuva que alaga, do frio que enregela, do vento que vergas
ta e do sol que caustica. Dorme freqentemente em plena via pblica, nos
desvos das casas, sob pontes, viadutos etc. Durante o dia bate a rua, essa
grande escola do crime, espreita da oportunidade propcia para obter aqui
lo que no lhe do.
Encontra-se o menor nessa fase que a da formao do carter. ele
amoldvel e ajustvel, sofrendo, por isso, a influncia do ambiente em que
vive. E, agora, ao invs da mo amiga que o ampare e conduza para o viver
honesto e til, o exemplo do companheiro maior que ir influir sobre ele.
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XI
DA CULPABILIDADE
E) A EMOO E A PAIXO
SUMRIO: 108. A emoo e a paixo. 109. A posio do Cdigo. 110.
Actio libera in causa.
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XII
DA CULPABILIDADE
F) A EMBRIAGUEZ
SUMRIO: 111. O alcoolismo. 112. A orientao do Cdigo. 113. O fun
damento: actio libera in causa.
111.
O alcoolismo. Em sua Criminologia\ formula Afrnio Peixoto
verdadeiro libelo-crime acusatrio contra o alcoolismo. Comea por dizer
que irriso ter o homem feito das fezes de uma bactria o lcool o
produto de desassimilao de um saccharomyces sua delcia. Mostra as
desastrosas conseqncias sobre o organismo humano e sobre a descendn
cia do alcolatra. Aponta as estatsticas da criminalidade, registrando seus
ndices mais elevados nos sbados e domingos e decrescendo da por diante.
Chama a ateno para a conduta dos governos, que no vacilam em auferir
rendas a sua custa. Lembra a dizimao que ele produziu no pele-vermelha
da Amrica do Norte e em nosso selvagem, queimando-se antes com o cauim
e mais tarde com o cauimtat (cachaa) que o civilizado lhe deu.
Realmente, o lcool um dos flagelos da humanidade. O pior que
nas classes menos favorecidas que produz seus maiores danos. Sem aludir a
outros fatores, a verdade que o pobre se intoxica muito mais que o rico,
pois sua bebida a aguardente, ao passo que as deste so o usque, o vinho
fino e o champanha. Mais txica aquela e agindo em organismos subalimentados,
suas conseqncias so profundamente desastrosas.
Esforos tm sido envidados, certo, porm tm malogrado como na
grande Repblica americana. Talvez o malogro se prenda ausncia de ou
tras providncias que devem acompanhar a interdio de sua venda.
Certamente, por isso que as leis penais se tm estremado na punio
do delito sob a ao do lcool e de substncias anlogas, esquecidas, entre
tanto, que no somente por meio delas que se conseguiro resultados
1. Afrnio Peixoto, Criminologia, 1933, p. 218 e s.
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desesperadamente, clamando que sua filha era tudo para ele na vida, pro
testando ignorar qual o mvel que o impeliu quele gesto, dizia que se teria
suicidado, caso houvesse sacrificado a menor6.
Agora, pergunta-se: podia passar pela cabea desse homem, ao sair de
casa desgostoso e ao procurar o botequim, que ele iria tentar contra a vida de
sua filhinha? A imputao s lhe poder ser feita a ttulo objetivo. A embria
guez no ato executivo delituoso, de modo que a responsabilidade no decorre
da actio libera in causa. Em tal hiptese, estamos que haver mesmo impropriedade da expresso ao livre na causa, pois a causa no a embria
guez, e o que livre ela.
Nosso legislador criou um caso de imputabilidade ex vi legis. Trata-se
de fico jurdica. Consagrou-se a responsabilidade objetiva, rejeitada pelas
leis, repudiada pela doutrina e vrias vezes impugnada pela Comisso Revisora.
Inexistente o nexo psicolgico (dolo ou culpa) em relao ao delito, s
pode evidentemente ser objetiva a responsabilidade.
Defende a orientao do Cdigo, com o brilho que lhe peculiar, Nl
son Hungria7; todavia obrigado a afirmar que o delito ser atribudo a ttulo
de dolo ou culpa, conforme o elemento subjetivo existente no estado de
ebriedade. Se assim , no sabemos por que invocar-se a teoria da actio
libera in causa. Se o brio pode agir com dolo ou culpa, a esse ttulo ser
responsabilizado, sem ser necessria qualquer incurso nos domnios da ci
tada teoria.
Ainda mais: se considerarmos que o bbado tem dolo ou culpa, no
momento, devido a uma atitude da residual vontade, nas expresses do
douto ministro8, temos tambm de admitir a possibilidade de erro. Responsabilizar-se-ia, ento, o brio que tirasse o chapu de outrem, pensando ser
o seu, ou que, acreditando ser agredido, agredisse?
A teoria das actiones liberae in causa supe a supresso da capacidade
tica (intelectiva e volitiva) no momento do crime, porm responsvel o agente
por ser livre no instante antecedente, quando, ento, desejava cometer o delito
(imputao a ttulo de dolo), ou devia, pelas circunstncias em que se encon
trava, prever que poderia vir a praticar determinado fato delituoso (imputa
o a ttulo de culpa).
Esta, a culpa, pode ser atribuda somente quando a pessoa tem que pra
6. Mezger, Criminologia, cit., p. 47.
7. Nlson Hungria, Comentrios, cit., v. 1, p. 529.
8. Nlson Hungria, Comentrios, cit., v. 1, p. 529.
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XIII
DA ANTIJURIDICIDADE
A) O ESTADO D E N ECESSIDADE
114.
Conceito e fundamento. Nos Captulos VII a XII, ocupamo-nos
com as causas relativas culpabilidade, umas excluindo-a e outras no. As
que constituiro objeto dos captulos a seguir so relativas antijuridicidade
(n. 53) e, elidindo-a, denominam-se descriminantes, justificativas, excludentes
da antijuridicidade etc.
A primeira destas o estado de necessidade, definido no art. 23, I, e
conceituado no art. 24.
Diz-se em estado de necessidade a pessoa que, para salvar um bem
jurdico seu ou alheio, exposto a perigo atual ou iminente, sacrifica o de
outrem.
Existe no estado de necessidade um conflito de bens-interesses. A or
dem jurdica, considerando a importncia deles igual, aguarda a soluo para
proclam-la como legtima. bvio que, na coliso de dois bens igualmente
tutelados, o Estado no pode intervir, salvando um e sacrificando outro. H
de manter-se em expectativa, espera que se resolva o conflito.
Nem todos conceituam o estado de necessidade como faz o Cdigo. A
Escola Clssica, por exemplo, tem-no como excludente da imputabilidade.
O autor no age livremente, mas, antes, sob presso de circunstncias que
produzem coao psicolgica. Florian, da Escola Positiva, tambm o consi
dera como excludente da imputabilidade1. Mezger acha que no procede
culpablemente el que acta en el estado de necesidad2. Para Sauer, si una
1. Florian, Trattato, cit., v. 1, p. 542.
2. Mezger, Criminologia, cit., v. 2, p. 197.
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XIV
DA ANTIJURIDICIDADE
B) A LEGTIMA DEFESA
SUMARIO: 119. Definio. Fundamento e natureza. Requisitos. 120. Agresso
atual ou iminente e injusta. 121. Direito prprio ou alheio. 122. Moderao
no emprego dos meios necessrios. 123. Legtima defesa de terceiro, rec
proca e putativa. Legtima defesa e tentativa. 124. Estado de necessidade
e legtima defesa.
119.
Definio. Fundamento e natureza. Requisitos. Diz-se em legtima
defesa quem, empregando moderadamente meios necessrios, repele injusta
agresso, atual ou iminente, contra um bem jurdico prprio ou alheio.
Diversas so as teorias que procuram explicar sua natureza e funda
mento, costumando os autores reuni-las em dois grupos: o dos subjetivistas
e o dos objetivistas. Os primeiros ligam a legtima defesa ao estado de esp
rito da pessoa, perturbada ou coagida pela agresso (Puffendorf), ou aos motivos
determinantes da repulsa do agredido, a evidenciarem sua ausncia de
periculosidade (Escola Positiva).
J os objetivistas pensam de outra maneira. Carrara, por exemplo, parte
da idia de que a defesa, em sua origem, privada, justificando-se a tutela
estatal por delegao do indivduo: conseqentemente, toda vez que o Esta
do no puder defend-lo, retoma ele o direito de defesa. Outros invertem os
termos do conceito, declarando que a delegao do Estado, a quem compe
te defender o indivduo; no o podendo fazer, transfere-lhe esse direito. Autores
h que afirmam existir, na legtima defesa, coliso de bens jurdicos, deven
do prevalecer o mais valioso, que o agredido.
Todas essas opinies no procedem, como fcil verificar. Os subjetivistas
transportam a legtima defesa para o terreno da culpabilidade, o que insus
tentvel, enquanto os objetivistas ou se fundam na idia contratualista, ou
desconhecem a essncia do instituto, onde no h conflito de interesse
como no estado de necessidade - mas ofensa a um interesse juridicamente
tutelado.
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XV
DA ANTIJURIDICIDADE
C) ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL.
EXERCCIO REGULAR DE DIREITO
SUMRIO: 125. Estrito cumprimento de dever legal. 126. Exerccio regu
lar de direito. O costume. 127. Consentimento do ofendido. Violncia nos
desportes. Interveno mdico-cirrgica.
125.
Estrito cumprimento de dever legal. O fundamento desta descriminante
salta aos olhos: a lei no pode punir quem cumpre um dever que ela impe.
Seria estranho, por exemplo, punir-se o carrasco porque executa as penas
capitais.
Por esta razo, alguns acham suprfluo o dispositivo. Todavia a men
o expressa tem o mrito de esclarecer que se deve ter presente qualquer
lei, como tambm por que a descriminante fica subordinada ao rigoroso cum
primento do dever.
V-se, portanto, que este promana tanto da lei penal como da extrapenal,
isto , civil, comercial, administrativa etc. Mas h de provir de uma regra de
direito positivo: lei, decreto, regulamento, enfim, a norma geral, ditada pela
autoridade pblica na esfera de suas atribuies. Conseqentemente, no contam
os deveres sociais, morais e religiosos.
Vrios so os casos em que um fato tpico pode ser praticado em estrito
cumprimento de dever legal, sendo um dos mais comuns o emprego da fora
pblica. Na manuteno da ordem facultado autoridade usar violncia,
desde que esta seja necessria para triunfar o princpio de autoridade e reinar
a paz e a tranqilidade necessria vida comunitria. Ao contrrio, o noemprego da fora em casos tais pode traduzir, no mnimo, frouxido, incor
rendo a autoridade em sanes administrativas, quando no penais, por cri
me contra a administrao pblica. Se, entretanto, exceder os limites da lei,
responder pelo excesso.
Como escreve Ferri: A execuo da lei uma necessidade impres-
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XVI
DA ANTIJURIDICIDADE DO
EXCESSO PUNVEL
SUMRIO: 128. Do excesso. 129. Do excesso punvel no estado de neces
sidade. 130. Do excesso punvel na legtima defesa. 131. Do excesso pun
vel no estrito cumprimento de dever legal e no exerccio regular de direito.
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XVII
DO CONCURSO DE PESSOAS
SUMRIO: 132. Noes. 133. As teorias. 134. A teoria do Cdigo. 135.
Causalidade fsica e psquica. 136. Co-participao e culpa. 137. Co-participao e omisso. 138. Da punibilidade. Causas de reduo da pena: pe
quena participao e desvios subjetivos entre os partcipes. 139. Requisi
tos: concurso necessrio e concurso agravante. 140. Comunicabilidade das
circunstncias. 141. Co-participao e inexecuo do crime. 142. Autoria
incerta. 143. A multido delinqente.
132.
Noes. O crime um fato humano e como tal pode ser praticado
por uma ou vrias pessoas. Neste ltimo caso h co-delinqncia; existe o
concursus delinquentium, que difere do concursus delictorum, pois ele
constitudo por um crime cometido por dois ou mais indivduos, ao passo
que, no ltimo, h dois ou mais delitos.
Existe co-delinqncia quando mais de uma pessoa, ciente e voluntaria
mente, participa da mesma infrao penal (crime ou contraveno). H con
vergncia de vontades para um fim comum, aderindo uma pessoa ao da
outra, sem que seja necessrio prvio concerto entre elas. Pode tambm o
concurso de delinqentes apresentar-se inexistindo o objetivo do fim comum,
devendo, porm, os co-partcipes prev-lo. Naquele caso, haver co-partici
pao dolosa, e, neste, culposa.
Advirta-se que nem sempre a participao de vrias pessoas em um
crime importa co-participao. Assim nos chamados delitos plurissubjetivos
(n. 60) como o de bando, ou quadrilha (art. 288), em que a pluralidade de
agentes elemento do tipo, no se podendo falar em co-autoria. Nos crimes
bilaterais, ou de encontro (n. 59), h tambm participao fsica de duas
pessoas, podendo inexistir co-autoria, como na bigamia e no adultrio, em
que um dos co-partcipes est insciente da ilicitude do fato, sendo at vtima,
como ocorre no primeiro crime. Outras vezes, apesar de o co-participante ter
cincia da ilicitude do fato e pratic-lo, no co-autor, mas sujeito passivo
ou ofendido, por tutel-lo a norma, como sucede no crime de rapto consensual
(art. 220) e na usura.
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Compreende-se, ento, por que a lei v razo de atenuar a pena. Levase em considerao que a faculdade de pensar, examinar e ponderar fica
debilitada. O indivduo, a bem dizer, no age por si, impelido e sugestionado
pelos outros.
Da considerar nossa lei atenuante o haver cometido o crime sob a in
fluncia de multido em tumulto, desde que o agente no haja provocado
esse tumulto, seja lcita a reunio e no se trate de reincidente, requisitos
facilmente compreensveis. o que dispe o art. 65, III, e.
Em regra, as leis prevem essa circunstncia. Trata-se, alis, de con
quista da Escola Positiva.
DA PENA
I
CONSIDERAES GERAIS
SUMARIO: 144. Teorias. Conceito. Fundamento. Fins. 145. Caracteres e
classificao. 146. A pena de morte.
144.
Teorias. Conceito. Fundamento. Fins. Ao abordarmos as correntes
doutrinrias do direito penal (n. 21), tivemos ocasio de dizer que o estudo
da pena (fundamento e fins) feito por trs grupos que compreendem as
teorias absolutas, as relativas e as mistas.
As absolutas fundam-se numa exigncia de justia: pune-se porque se
cometeu crime (punitur quia peccatum est). Negam elas fins utilitrios
pena, que se explica plenamente pela retribuio jurdica. ela simples con
seqncia do delito: o mal justo oposto ao mal injusto do crime.
As teorias relativas procuram um fim utilitrio para a punio. O delito
no causa da pena, mas ocasio para que seja aplicada. No repousa na
idia de justia, mas de necessidade social {punitur ne peccetur). Deve ela
dirigir-se no s ao que delinqiu, mas advertir aos delinqentes em potn
cia que no cometam crime. Conseqentemente, possui um fim que a pre
veno geral e a particular.
As teorias mistas conciliam as precedentes. A pena tem ndole retributiva,
porm objetiva os fins de reeducao do criminoso e de intimidao geral.
Afirma, pois, o carter de retribuio da pena, mas aceita sua funo utili
tria.
Realmente, uma coisa afirmar o conceito da pena e outra, seu fim. A
pena retribuio, privao de bens jurdicos, imposta ao criminoso em
face do ato praticado. expiao. Antes de escrito nos Cdigos, est profun
damente radicado na conscincia de cada um que aquele que praticou um
226
PARTE GERAL
mal deve tambm um mal sofrer. No se trata da lex talionis, e para isso a
humanidade j viveu e sofreu muito; porm imanente em todos ns o sen
timento de ser retribuio do mal feito pelo delinqente. No como afirma
o de vindita, mas como demonstrao de que o direito postergado protesta
e reage, no apenas em funo do indivduo, mas tambm da sociedade.
Com efeito, o Estado, como j se disse mais de uma vez, tem como
finalidade a consecuo do bem coletivo, que no pode ser alcanado sem a
preservao do direito dos elementos integrantes da sociedade, e, portanto,
quando se acham em jogo direitos relevantes e fundamentais para o indiv
duo, como para ele prprio, Estado, e as outras sanes so insuficientes ou
falhas, intervm ele com o jus puniendi, com a pena, que a sano mais
enrgica que existe, pois, como j se falou, pode implicar at a supresso da
vida do delinqente.
Punindo no olvida, entretanto, o Estado, a dignidade da criatura hu
mana, por mais desprezvel que seja o criminoso. Conseqentemente, a pena,
sobre ser proporcional ao mal que ele praticou, deve t-lo sempre em consi
derao. Como escreve Mezger, proporcionada ao ato, ela cai, consoante seu
conceito, sob o dogma do ato, porm no apenas isso, pois tem de ser ade
quada personalidade do agente, caindo, ento, sob o dogma do autor1.
Soler define a pena como um mal, primeiramente ameaado e depois
imposto ao violador de um preceito legal; como retribuio, consistente na
diminuio de um bem jurdico e cujo fim evitar os delitos2. V-se, nessa
definio, que o autor conjuga o fundamento da sano com sua finalidade.
Esta dupla, como j se viu. Cifra-se na preveno geral e especial. A
primeira dirige-se sociedade, tem por escopo intimidar os propensos a delinqir,
os que tangenciam o Cdigo Penal, os destitudos de freios inibitrios segu
ros, advertindo-os de no transgredirem o mnimo tico.
Alm dessa finalidade de carter geral, h a especial. Com efeito, o
delito resultado de condies endgenas, prprias do criminoso, e exgenas,
isto , do meio circundante. A pena no deve ignorar, ento, a influncia
daquelas, e justo assinalar que, nesse terreno, se tem avanado bastante. J
no se admite exclusivamente a sano como retributiva o mal da pena ao
mal do crime mas tem-se em vista a finalidade utilitria, que a reeduca
o do indivduo e sua recuperao. Deve a pena, para isso, ser individuali
zada, o que, alis, constitui princpio constitucional, consoante o inc. XLVI
do art. 5. de nossa Magna Carta.
1. Mezger, Criminologia, cit., v. 2, p. 383.
2. Soler, Derecho penal, cit., v. 2, p. 399.
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146.
A pena de morte. Por constituir tema em permanente debate no h
mal que se abra um pargrafo destinado pena capital.
Apregoam seus adeptos o efeito dissuasivo que ela possui, sem que se
firmem em dados cientficos. Com efeito, no obstante o seu valor relativo,
a estatstica pode esclarecer-nos a respeito, e, por certo, surpreender-se-iam
os advogados da eliminao da vida do delinqente, se examinassem dados
estatsticos, como, v. g., apresenta Sutherland, em Princpios de criminologia4.
Aponta o eminente criminlogo norte-americano fatos como estes: a taxa de
homicdios nos Estados que autorizam a pena de morte o dobro da apresen
tada pelos que a aboliram, verificando-se o mesmo, embora com menor di
ferena, em Estados vizinhos ou da mesma regio; que, nas circunscries
territoriais que a aboliram, no se verificou qualquer aumento de criminalidade;
finalmente, que na prpria Europa o nmero de homicdios menor nos pases
que no adotam esse meio repressivo.
Conhecemos o valor relativo das estatsticas, porm, se elas no de
monstram a inutilidade da pena capital, no sabemos com que elemento mais
seguro contam os que apregoam sua eficcia.
O efeito intimidativo que possui no maior que o de outras penas
tambm severas. Sabem os que se do a estudos penolgicos que nos pases
onde havia execues pblicas as multides, aos poucos, se acostumavam
com o espetculo, disputando homens e mulheres os melhores lugares.
Freqentemente, aps a execuo, pendente ainda da forca o condenado, a
turba ali se conservava noite adentro, entregando-se a libaes, desordens e
orgias.
Mais eficaz que essa pena a certeza da punio como j falamos ,
o que s se consegue com aparelhamento judicirio adequado e leis justas. E
nada mais contrrio certeza do castigo do que a pena de morte. Em naes
europias e provncias dos Estados Unidos da Amrica do Norte, juizes e
jurados vacilam diante da eliminao da vida humana, decidindo-se pela
absolvio toda vez que a pena extrema a nica aplicvel, conforme teste
munho ainda de outro criminlogo americano, Parmelee5.
Contra ela se invoca sempre a possibilidade do erro judicirio. outro
argumento de peso. Certamente tal erro raro, porm no impossvel, por
que prprio da condio humana dos juizes.
Dispensamo-nos, entretanto, de coment-lo, porque sua importncia
constitui verdadeiro trusmo.
4. Edwin Sutherland, Princpios de criminologia, 1949, p. 632 e s.
5. Maurice Parmelee, Criminologia, p. 400 e s.
DA PENA
231
No receamos dizer que, se adotada fosse essa pena, entre ns, a lei no
passaria de letra morta. Seria verdadeiro acontecimento sua aplicao. Vejase a raridade de o jri aplicar a pena mxima de trinta anos de recluso, no
obstante saber que difcil algum ru cumpri-la em sua totalidade, custa de
indultos, graas e livramentos condicionais. No juzo singular o mesmo acon
teceria. So nossos juizes e tribunais avessos s penas longas. Que se diria,
ento, da capital?
E que efeitos teve ela entre ns? Esquecem-se ou ignoram os que a
propugnam que o Brasil, desde seu descobrimento at a Lei de 20 de setem
bro de 1890, isto , durante 390 anos, contou-a entre suas penas. E no sabe
mos que maravilhosos efeitos lhe podem ser atribudos.
Diz-se que ela tem a virtude de afastar os inadaptveis, os irrecuperveis.
O argumento no tem valor. Tal objetivo se pode conseguir perfeitamente
atravs da medida de segurana detentiva, que deve durar enquanto no ces
sar a periculosidade do delinqente. Aplique-se com exatido nosso Cdigo
Penal, criem-se casas de custdia e tratamento, manicmios judicirios, co
lnias agrcolas etc., e o pas no ter de pensar em pena de morte.
Alis, a tendncia geral para aboli-la, como ocorreu na Alemanha
Ocidental. Na tradicionalista Inglaterra, a Lei de 9 de novembro de 1965
Abolishment of death penalty act tambm a aboliu pelo prazo de cinco
anos, findos os quais poder continuar interditada ou restabelecida por nova
lei e, ao que saibamos, no voltou a vigorar. Alis, na Europa Ocidental,
poucos so os Cdigos que adotam essa pena. Nos Estados Unidos da Am
rica do Norte, uma deciso da Suprema Corte julgou-a inconstitucional. Honra
seja feita a Portugal, que j comemorou, com grandes celebraes, o cente
nrio de sua abolio.
Enquanto no ficar demonstrado cabalmente que a pena de morte o
meio mais eficaz na luta contra o crime, no tem o homem o direito de invocla. De todas as penas a que mais se reveste do carter de vingana. a lex
talionis: vida por vida. Ao homicdio ilcito responde-se com o homicdio
legal e friamente executado. repetir com Koestler: Uma vida no vale
nada, mas nada vale uma vida.
CLASSIFICAO ATUAL
SUMRIO: 147. Antecedentes histricos. 148. Classificao atual.
147.
Antecedentes histricos. A nossa lei penal avoenga, as Ordena
es Filipinas, em seu Livro 5., que tratava da matria criminal, estabele
ciam, de maneira desordenada, como penas, a morte, a mutilao atravs do
corte de membros, o degredo, o tormento, a priso, o aoite e a multa consis
tente no pagamento em dinheiro.
O Cdigo Criminal do Imprio, atravs de seu art. 43, prescrevia como
modalidades de penas a morte pela forca, a priso simples, a priso com
trabalhos, a gal com trabalho pblico, a multa, a suspenso e a perda do
emprego e o aoite.
O Cdigo Penal Republicano (Consolidao das Leis Penais) estabele
cia como reprimenda a priso celular cumprida em estabelecimento especial
com trabalho e isolamento celular, o banimento que privava dos direitos de
cidadania, a recluso cumprida em fortalezas ou praas de guerra, a priso
com trabalho, que era cumprida em penitenciria agrcola, a priso discipli
nar a ser cumprida em estabelecimentos industriais, a interdio de direito,
a suspenso e perda de cargo pblico e, por fim, a multa.
O Cdigo Penal de 1940 classificou as penas em principais (recluso,
deteno e multa) e acessrias (perda da funo pblica, interdio de direi
tos e publicao da sentena), as primeiras sempre aplicveis, enquanto as
segundas eventualmente impostas e cumulativamente com aquelas. Alm do
mais, introduziu as medidas de segurana para os considerados perigosos,
dividindo a periculosidade em real e presumida. Houve a inovao, porm a
classificao em principais (priso, relegao, deteno, exlio local e mul
ta) e acessrias (interdio de direitos, publicao da sentena, confisco de
bens e expulso de estrangeiros) j fora preconizada em 1927 pelo Projeto
S Carneiro.
DA PENA
233
148.
Classificao atual. A reforma de 1984 foi bem simples. As penas
so de trs espcies: privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa
(art. 3 2 ,1, II e III).
A Constituio de 1988 estabeleceu quais as penas possveis (art. 5.,
XLVI) e quais as no admitidas (art. 5., XLVII).
So possveis, entre outras, as seguintes penas:
a) privao ou restrio de liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestao social alternativa;
e) suspenso ou interdio de direitos.
No so admitidas as seguintes penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX;
b) de carter perptuo;
c) de trabalhos forados;
d) de banimento;
e) cruis.
Notam-se trs princpios norteadores: a eliminao, o quanto possvel,
da pena segregativa imposta pelo crcere, a humanizao das penas e a
individualizao da reprimenda.
A eliminao, o quanto possvel, da pena carcerria est demonstrada
na possibilidade de sua substituio atravs de um elenco de outras penas,
mormente pelas restritivas de direito (CP, art. 43) com as formas inovadoras
da prestao de servios comunitrios e a limitao de fins de semana.
A humanizao sensvel no somente em relao natureza das penas
escolhidas como tambm pelas formas de execuo preconizadas pela lei
especfica.
Por seu turno, a individualizao da pena est presente no s quando
da aplicao da reprimenda, como preceitua o art. 59 do Cdigo Penal, que
estabelece as formas para escolha da qualidade e da quantidade, como tam
bm e marcantemente quando da execuo, atravs do exame classificatrio,
o qual, pelos exames criminolgicos e da personalidade, estabelece as condi
es para o cumprimento.
O Cdigo Penal fixou como norte o princpio da proporcionalidade da
pena, enquanto a Lei de Execuo traou o caminho para a individualizao
e personalizao quando do cumprimento.
III
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
SUMRIO: 149. Natureza. 150. Formas de andamento. Sistema progressi
vo. 151. Sistemas penitencirios. Sistemas clssicos. 152. Do trabalho e
remunerao. 153. Detrao penal. 154. Direitos e deveres do preso.
155. O problema sexual.
149.
Natureza. A natureza da pena privativa de liberdade est contida
em seu prprio nomern juris: retira do condenado, de uma forma mais rgida
ou menos branda, o direito liberdade. a que restringe, com maior ou
menor intensidade, a liberdade do condenado, consistente em permanecer
em algum estabelecimento prisional, por um determinado tempo, tudo na
conformidade do regime imposto.
As penas privativas de liberdade so duas: recluso e deteno, previs
tas e impostas na conformidade da gravidade do crime.
A pena de recluso, mais grave, cumprida em trs regimes: fechado,
semi-aberto e aberto; a de deteno comporta apenas dois regimes: semiaberto e aberto (CP, art. 33). Por regime entende-se a maneira pela qual
cumprida a pena privativa de liberdade, tendo em vista a intensidade ou grau
em que a liberdade de locomoo atingida.
Regime fechado o de segurana mxima ou mdia (CP, art. 33, 1.,
a). Embora o legislador no diga o que se pode entender por segurana mxima
ou mdia, no se pode negar ter-se referido s penitencirias os estabele
cimentos prisionais de segregao.
A execuo em tal regime, como igualmente acontece nos restantes,
individualizada, resultante de um exame criminolgico de classificao (CP,
art. 34, e Lei de Execuo, art. 5.). A classificao dos condenados, como
diz a Exposio de Motivos, requisito fundamental para demarcar o incio
da execuo cientfica das penas privativas de liberdade e da medida de se
gurana detentiva. Alm de constituir a efetivao de antiga norma geral do
regime penitencirio, a classificao desdobramento lgico do princpio
da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucio
DA PENA
235
Pena privativa
de liberdade
(CP, art. 33,
I o e 2.;
recluso -
a) regime fechado,
mais de 8 anos
(art. 34)
estabelecimento de
segurana mxima
estabelecimento de
segurana mdia
b)
no
colnia agrcola
colnia industrial
estabelecimento
similar
regime semi-aberto
reincidente, igual ou
mais de 4 anos e menos
de 8 anos (art. 35)
c) regime aberto no
reincidente, igual ou
menos de 4 anos (art. 36)
casa de albergado
estabelecimento
adequado
236
Pena privativa
de liberdade
(CP, art. 33,
l. e 2.)
PARTE GERAL
151.
Sistemas penitencirios. Sistemas clssicos. Trs so os sistemas
penitencirios que podemos chamar clssicos: o de Filadlfia, o de Auburn
e o Ingls ou Progressivo.
O primeiro foi aplicado inicialmente na Pensilvnia e tambm adotado
na Blgica, pelo que muitos o tm como sistema belga. Consiste em o sen
tenciado ficar fechado na cela, sem sair, a no ser de vez em quando, para
passeios em ptios cerrados. Trabalha na prpria cela, onde recebe as visitas
do religioso, pastor ou sacerdote, dos diretores do estabelecimento, funcio
nrios e mdico. Dali tambm assiste aos ofcios religiosos. um sistema
rigorosamente celular, ao qual se pode aplicar a conhecida expresso: A cela
o tmulo do vivo.
Esse sistema foi suavizado pelo de Auburn, em que o isolamento so
mente noturno, pois, durante o dia, o sentenciado trabalha juntamente com
os outros. H trabalho comum, porm feito em silncio.
Mais brando o sistema Ingls ou Progressivo. A princpio, o sentenciado
fica recluso na cela. E o chamado perodo inicial ou de prova, com prazo
determinado. Depois, passa a trabalhar em comum, e, finalmente, posto em
liberdade sob condio. V-se que esse sistema apresenta estgios, sendo o
ltimo o de liberdade sob fiscalizao.
Foi ele adotado na Irlanda, por Crofton, que lhe introduziu mais um
estgio: o trabalho em colnia agrcola. Antes da liberdade condicional, o
sentenciado trabalha ao ar livre, em colnia penal. esse sistema, como se
v, bastante suave.
De modo geral pode dizer-se que a colnia agrcola tem, hoje, prefe
rncia nos sistemas penitencirios. O trabalho ao ar livre, como se ver ain
da, mais eficaz que o confinamento, na tarefa da recuperao ou readaptao
do sentenciado.
Inovaes tambm vo sendo feitas. Assim, P. Amor, Advogado-Geral
na Corte de Apelao de Paris, escreve que o tratamento aplicado nos esta
belecimentos que sofreram reformas conduz s fases da semiliberdade e da
liberdade condicional. O regime da semiliberdade consiste em o condenado
trabalhar fora do estabelecimento, sem fiscalizao, e retornar somente
hora fixada. Tem produzido bons resultados a prtica, que, todavia, apresen
DA PENA
237
238
PARTE GERAL
DA PEN
239
240
PARTE GERAL
DA PENA
241
receber em sua cela a esposa e quase sempre a resposta era negativa. Parece
que receavam a quebra de pudor da mulher, atravessando corredores sob olhares
maliciosos, quando no cpidos, e a enfiar-se cela adentro para um fim de
todos sabido. Talvez tambm o receio de facilitarem o adultrio, o ensejo de
paternidade que lhes podia ser atribuda.
Por essas e outras circunstncias que no nos parece aconselhvel o
alvitre de Asa.
A soluo do problema sexual nas prises complexa, pois est intima
mente ligada a outras questes e deve ter sempre em vista o decoro e a com
postura. Ele encontra sua soluo natural nas penitencirias agrcolas, onde
se permite ao sentenciado viver com a famlia. Nos outros estabelecimentos,
o trabalho, os desportes, as leituras sadias, a assistncia religiosa etc. podem
tomar menos rdua a abstinncia.
Lembremo-nos, alis, que no essa a nica restrio que a pena im
pe, como tambm que, apesar da evoluo operada, ela no perdeu de todo
seu carter aflitivo ou expiatrio.
IV
DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO
SUMRIO: 156. Natureza jurdica. 157. Caractersticas. 158. Espcies.
156.
Natureza jurdica. A pena restritiva de direito consiste na inibio
temporria de um ou mais direitos do condenado ou ento na perda de parte
de seu patrimnio, imposta em substituio e cuja espcie escolhida tem re
lao direta com a infrao cometida.
No se trata de modalidade nova de pena, porm a inovao da reforma
da Parte Geral do Cdigo Penal consistiu no seu carter substitutivo. Segundo
alguns penalistas, pensamento que vem ganhando sensvel reforo com o tempo,
a pena privativa de liberdade, o crcere, j cumpriu sua misso histrica e
deve ficar reservada aos casos mais graves, principalmente aos crimes em
que houver violncia ou grave ameaa pessoa e cuja natureza repele pro
funda periculosidade por parte do agente. Alm do mais, a experincia reve
lou que o cumprimento da pena carcerria de pequena durao sempre foi
muito mais malfica ao criminoso do que benfica sociedade, agora aliada
a uma nova situao, representada pelas pssimas condies carcerrias exis
tentes em quase todos os presdios pelo mundo. O criminoso que, no crcere,
cumpria pena de pequena durao deixava o presdio contagiado em razo do
convvio com criminosos contumazes e perigosos. Agora temos mais um fa
tor representado pelas precrias e pssimas condies de nossos presdios
que de maneira alguma permitem falar em ressocializao.
A pena restritiva de direito, surgida com a reforma da Parte Geral, foi
instituda para substituir a pena privativa de liberdade, no perdendo o seu
carter de castigo, porm com o objetivo de evitar os malefcios carcerrios.
Referida pena, como se disse, surgiu com a reforma da Parte Geral do
Cdigo Penal, atingindo as penas at um ano para crimes dolosos e de qual
quer durao para os culposos, sendo seu campo enormemente alargado pela
Lei n. 9.714, de 25 de novembro de 1998, que alterou alguns dispositivos do
Cdigo Penal, como os arts. 43,44,45,46,47,55 e 77. Esta ltima lei criou mais
duas penas substitutivas, a prestao pecuniria e a perda de bens e valores,
DA PENA
243
244
PARTE GERAL
DA PENA
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246
PARTE GERAL
Penas restriti
vas de direitos
(arts. 43)
proibio
do exerccio
(art. 56)
4. Interdio
temporria
de direitos
(art. 43, V)
5. Limitao
de fins de
semana
(art. 43, VI)
cargo
funo
atividade
mandato eletivo
pblico
profisso
habilitao
atividade
especial
ofcio
de licena
poder
de autorizao
pblico
proibio de freqentar determinados lugares
(art. 47, IV)
permanncia aos sbados e domingos, por
cinco horas dirias, em casa do albergado, ou
outro estabelecimento adequado
cursos e palestras
proibio
do exerccio
(art. 56)
DA PENA DE MULTA
SUMRIO: 159. Natureza. 160. Pagamento. Converso. Revogao.
159.
Natureza. A pena de multa uma modalidade de pena patrimonial
que consiste no pagamento por parte do sentenciado, a um fundo penitencirio,
de uma importncia correspondente, no mnimo de dez e no mximo de tre
zentos e sessenta dias-multa, calculado de modo a corresponder a um trig
simo do salrio mnimo vigente poca da sentena.
J tivemos ocasio de falar que a composio o trao mais remoto da
multa. Dissemos tambm que o direito germnico teve o Wehrgeld, importn
cia pela qual o delinqente, que havia perdido a paz, comprava do ofendi
do, ou de sua famlia, o direito de se vingar. Contou ainda com o Fredum,
quantia menor paga ao representante do poder pblico.
Modernamente, reconheceu-se o valor dessa pena. Substitui com vanta
gens as privativas de liberdade, quando de pequena durao. Condenado o
indivduo a pena diminuta, no h tempo de submet-lo teraputica penal,
e, ao revs, s se poder pior-lo, pois sabemos ser muito mais rpida a influn
cia nefasta e nociva, contaminando-o, do que sua recuperao.
Todavia a vantagem no se cifra s nisto. Freqentemente, os crimes
so cometidos com objetivos ditados pela cobia, cupidez aos bens alheios,
e, ento, a multa vai ferir o delinqente nesse sentido subalterno. Di-lhe
tirarem-lhe seu dinheiro. Ele, que se seduz e fascina com tanta facilidade
pelos haveres de outrem, sente profundamente quando lhe levam o seu, na
expresso avoenga do Livro V das Ordenaes. A multa tem, pois, a vanta
gem de atacar o sentenciado nessa paixo anti-social que no deve merecer
quartel.
As legislaes reconhecem sua utilidade. O Cdigo Penal italiano, at
no silncio da lei, confere ao juiz a faculdade de aplic-la. Na Inglaterra
ela profusamente empregada. Na Europa, mxime nos pases nrdicos, seu
248
PARTE GERAL
DA PENA
249
a) deve ser paga no prazo mximo de dez dias aps o trnsito em jul
gado da deciso condenatria;
b) admissvel o pagamento em parcelas, a pedido do condenado e atendida
quando indicada pelas circunstncias;
c) pode ser exigida mediante desconto no vencimento ou salrio do conde
nado, desde que aplicada isoladamente ou ento cumulativamente com a restritiva
de direito ou ainda se houver a suspenso condicional da pena;
d) o desconto no pode atingir o necessrio ao sustento do prprio
condenado ou de sua famlia.
A recente Lei n. 9.268, de 1. de abril de 1996, dando nova redao ao
art. 51 do Cdigo Penal, extinguiu a possibilidade da converso da pena de
multa em pena privativa de liberdade, estabelecendo que a pena de multa ser
considerada dvida de valor; na hiptese de no-pagamento, ser considerada
dvida ativa da Fazenda Pblica.
VI
DA APLICAO DA PENA
SUMRIO: 161. Arbtrio judicial. 162. O art. 59. 163. A personalidade do
agente e a gravidade objetiva do crime. 164. Circunstncias legais. 165.
Fixao da pena.
161.
Arbtrio judicial. No estudo da evoluo histrica das idias penais
(n. 15 e 5.) vimos que, primeiramente, predominou na justia o arbtrio judi
cial, com a desigualdade de classes na punio, a desumanidade das penas, o
sigilo do processo, os meios inquisitoriais, a impreciso das leis etc., at que,
no sculo XVIII, raiasse o Iluminismo que iria conduzir a justia ao plo
oposto, com a exaltao do individualismo e reao contra o estado de coisas
ento reinante.
O juiz passou, agora, a ser considerado quase um autmato na aplicao
da pena. Esta j era fixada em lei e dividida em graus, a que ele ficava sujeito
na sentena. Entre ns, at o advento do Cdigo de 1940, predominou essa
concepo. Ao aplicar a pena, o magistrado estava jungido aos graus mxi
mo, mnimo, mdio, submximo e submdio, pouco ou quase nada restando
para seu subjetivismo ou determinao pessoal.
No pensou assim a reforma de 1984 como j ocorrera na redao pri
mitiva do Cdigo. Na aplicao da pena foi dada certa latitude ao juiz, no
somente em relao quantidade, mas tambm escolha entre as penas alter
nativamente cominadas, faculdade de aplicar cumulativamente penas de
espcie diversa e deixar de aplicar qualquer uma das cominadas.
O julgador no se pode limitar apreciao exclusiva do caso, mas tem
de considerar tambm a pessoa do criminoso, para individualizar a pena. Como
escreve Soler, uma tarefa delicada, para a qual o juiz, alm da competncia
jurdica terica, deve possuir conhecimentos psicolgicos, antropolgicos e
sociais, aliados a uma fina intuio da realidade histrica e uma sensibilidade
apurada1.
1. Soler, Derecho penal, cit., v. 2, p. 473.
DA PENA
252
PARTE GERAL
de mpeto. Este o que surge de improviso, ao passo que aquele traduz refle
xo e ponderao. A lei no se preocupou com o dolo premeditado ou com a
premeditao. J teve grande fastgio nas legislaes precedentes. Hoje, en
tretanto, sua importncia relativa, pois o espao de tempo que se intercala
entre a deliberao e a execuo pode traduzir vacilao, luta ntima do cri
minoso, embate entre o impulso delitivo e os freios inibitrios. Nada impede,
entretanto, considerando-se oarbitrium judieis, que, no caso concreto, o julgador
tenha a premeditao como reveladora de intensidade dolosa, se, de fato, ela
demonstra clculo, frieza de nimo etc.
Outra distino a do dolo direto e do eventual, o primeiro mais grave.
A culpa, como vimos, tem graus. Vai desde a aquiliana, na sua modali
dade de levssima, at o grau mais avanado de culpa consciente.
Esta, em princpio, representa forma de maior gravidade. Nem sempre,
porm. A culpa consciente, muita vez, importa necessidade de menor disci
plina do que a inconsciente, pois ali o agente prev as conseqncias do ato,
embora espere que no se verifiquem, dada sua habilidade, cautela, cuidado
etc., ao passo que na culpa ex ignorantia, to desatento, descuidado ou negli
gente , que nem por um momento previu os efeitos da ao (n. 82). Tambm
aqui no caso concreto que se avaliar a importncia da espcie de culpa.
Os antecedentes entram como segundo elemento para o exame. So tan
to os bons como os maus, tanto os judiciais como os extrajudiciais. Apreciase, assim, o fato de haver o ru sido condenado anteriormente (abstrada a
reincidncia), de terem existido outros processos contra ele, de estar sendo
processado por mais delitos etc. Alm disso, mister ser examinada sua con
duta de pai, esposo, filho, amigo etc., ou seja, o comportamento familiar e
social. a vida pregressa ou anteacta que deve ser investigada.
A conduta social, isto , a sua integrao e o relacionamento dentro dos
grupos sociais dos quais participa, desde o ncleo familiar at os agrupamen
tos maiores, deve ser analisada como terceiro fator.
A personalidade do criminoso outro elemento para o qual deve o
magistrado volver suas vistas. Com isso, quer-se dizer, escreve o douto
Hungria, antes de tudo carter, sntese das qualidades morais do indiv
duo. a psique individual, no seu modo de ser permanente. O juiz deve ter
em ateno a boa ou m ndole do delinqente, seu modo ordinrio de sen
tir, de agir ou reagir, a sua maior ou menor irritabilidade, o seu maior ou
menor grau de entendimento e senso moral. Deve retraar-lhe o perfil ps
quico2.
2. Nlson Hungria, Novas questes, cit., p. 155.
DA PENA
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2., I).
254
PARTE GERAL
DA PENA
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256
PARTE GERAL
Vigente ao
tempo do fato
VII
CIRCUNSTNCIAS AGRAVANTES
SUMRIO: 166. Consideraes gerais. 167. Circunstncias agravantes. 168.
A reincidncia.
166.
Consideraes gerais. Circunstncia tudo que modifica um fato
em seu conceito sem lhe alterar a essncia1. Sendo o crime um fato, indubitvel
que apresente peculiaridades que o alterem. Assim que o mesmo crime, v.
g., o furto, pode ser praticado com particularidades que lhe do outra feio
subtrair coisa de valor mnimo e subtrair mvel mediante escalada.
V-se, pois, que circunstncias so elementos que se agregam ao delito
sem alter-lo substancialmente, mas produzindo efeitos e conseqncias re
levantes.
mister, entretanto, distingui-los. Como o prprio art. 61 diz, h algu
mas que so elementares ou qualificadoras do delito. As primeiras integram
o tipo, constituem elemento seu; sem elas, ele inexistiria, tal qual se d com
a circunstncia da idade maior de quatorze e menor de dezoito anos da vir
gem, no crime de seduo (art. 217).
Entretanto essa mesma circunstncia deixa de ser elementar para tor
nar-se qualificadora no crime de posse sexual mediante fraude (art. 215), em
que a menoridade da virgem no constitui um tipo fundamental ou bsico,
mas qualificado (pargrafo nico).
Registre-se, ainda, como se falou antes, que circunstncias existem, ora
na Parte Geral, ora na Especial, que funcionam como condies de maior ou
menor punibilidade (causas de aumento ou diminuio de pena), como a do
art. 168, 1., que enumera circunstncias que agravam a sano de um
tero.
Mas as que os arts. 61 a 65 tratam so diferentes porque podem juntarse a qualquer tipo sem alter-lo na essncia, apenas aumentando ou dimi1. Asa, La ley, cit., p. 476.
258
PARTE GERAL
DA PENA
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PARTE GERAL
DA PENA
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atacando o ofendido, sem este ter tempo sequer, na maior parte das vezes,
para saber de onde partiu a agresso.
Dissimulao escreve Roberto Lyra7 o encobrimento dos pr
prios desgnios, o disfarce conceituado no direito anterior supondo a
ocultao e no a afetao, como na simulao do sexo, da fisionomia, da
cor, da voz, do estado de esprito etc. O agente faz a fraude preceder violn
cia, associando as formas caractersticas da criminalidade atvica e da
criminalidade evolutiva.
Em todos esses modos de execuo, inclusive o outro recurso, mister
haver idoneidade: a dificuldade ou impossibilidade de defesa deve resultar
deles e no do procedimento da vtima ou de um acontecimento fortuito.
Das agravantes que integram a alnea d, surge em primeiro lugar o
veneno para a prtica do crime. No fcil conceitu-lo; difcil, alis,
estabelecer limites entre ele, o alimento e o medicamento. s vezes, tudo
depende da dose. A morfina, a cocana, a estricnina e outros alcalides so
medicamentos e so txicos. O acar alimento e pode ser veneno para
um diabtico.
A dificuldade de conceituar o veneno no pode trazer empecilhos ao
julgamento ou apreciao da agravante, pois, no caso, a percia mdica o
definir.
Deve ter-se em vista que ele um meio insidioso e com insdia deve ser
empregado. Quem, em luta corporal, deitasse goela abaixo do contendor um
veneno, no cometeria homicdio qualificado, a menos que este produza tam
bm a morte por meio cruel, sendo esse o objetivo do agente, quando, ento,
a agravante se verifica nesta outra modalidade.
O fogo pode no s ser um meio cruel como h tempos se registrou
nesta Capital, em que certa esposa, aproveitando o sono do marido, ateou-lhe
fogo nas vestes embebidas de querosene como tambm representar um
meio de perigo comum.
Tambm oferece perigo comum o explosivo, que a substncia que atua
com maior ou menor detonao ou estrondo. a matria capaz de produzir
rebentao.
Por ltimo, a alnea cita a tortura: a inflio de um mal, tormento ou
sofrimento etc., desnecessrio e fora do comum. Estamos que pode ser fsica
e moral, pois a lei fala ou outro meio cruel, e este participa de ambas as
7. Roberto Lyra, Comentrios, cit., p. 253.
262
PARTE GERAL
DA PENA
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PARTE GERAL
DA PENA
265
VIII
CIRCUNSTNCIAS ATENUANTES
SUMRIO: 169. Circunstncias atenuantes.
169.
Circunstncias atenuantes. No art. 65, perfilha o Cdigo as
minorativas, sendo a primeira a da menoridade.
ela tradicional em nossas leis e sempre foi fixada no limite de vinte e
um anos. Estando, hoje, o menor de dezoito anos fora do Cdigo Penal, com
preende-se que ela se situe entre esses limites.
O fundamento natural. Como escrevia Melo Matos, trata-se de uma
fase de transio, quando ainda no est completo o desenvolvimento mental
e moral da pessoa, por suas condies psicolgicas e ticas; ela fortemente
influencivel no sentido do bem e do mal, por falta de reflexo perfeita e de
plena fora de resistncia aos maus impulsos. Era o que falava o grande Juiz
de Menores, no prembulo do Decreto de 24 de fevereiro de 1933, relativo
prescrio para os menores.
A atenuante tem outro efeito: reduz metade o prazo prescricional
(art. 115).
A menoridade persiste ainda que tenha havido emancipao. No se
trata de capacidade civil, mas de imputabilidade com fundamento na idade
biolgica.
Na segunda parte do inc. I considera-se a maioridade de setenta anos.
Tambm bvia a razo da atenuante, pois no h quem ignore os efeitos e
conseqncias da senectude. a decadncia, a degenerescncia que se
manifesta. No apenas no fsico, mas no psquico tambm. O raciocnio
tardo; a memria, falha; e a imaginao, pueril. Toma-se a pessoa desconfiada,
sugestionvel e presa de manias. Senectus est morbus o aforisma. No se
trata, entretanto, de enfermidade, pois para esta existe o art. 26 com seu pa
rgrafo; mas com razo se v na anciania, com a decadncia somtica e ps
quica, motivo de se atenuar a responsabilidade.
DA PENA
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PARTE GERAL
DA PENA
269
Cdigo, tida por ele ora como atenuante genrica, consoante se verifica, ora
como causa de diminuio de pena (art. 121, 1.), diferindo ambas em que,
nesta alnea, o ru age sob influncia da emoo, ao passo que, naquele dis
positivo, atua sob o domnio, que mais absorvente; como tambm porque
aqui a emoo apenas provocada por ato injusto da vtima, enquanto no
homicdio privilegiado ela h de se manifestar logo em seguida a injusta pro
vocao. Diga-se o mesmo do art. 129, 4. e 5., I.
A alnea d tambm no comporta longas consideraes, em face do que
se disse sobre a alnea b. Como esta, repousa no arrependimento.
No se pode dar, minorativa, a elasticidade que alguns pretendem. A
confisso que a lei tem em vista a espontnea.
Tanto pode a confisso ser feita perante a autoridade policial como pe
rante a judiciria. Os mveis no contam; basta, como j se escreveu, que
seja espontnea.
A atenuante da alnea e foi amplamente ventilada no n. 143.
A Lei n. 8.072/90, que cuida dos chamados crimes hediondos, nos apre
sentou uma nova causa de atenuao de pena, ligada ao arrependimento.
Segundo o art. 8., pargrafo nico, aquele que, participando ou asso
ciando-se a uma quadrilha ou bando (CP, art. 288), com a finalidade de praticar
um dos crimes considerados hediondos, tortura, trfico ilcito de entorpecen
tes e drogas afins ou terrorismo, denunciar sua existncia autoridade, de
forma a possibilitar o desmantelamento, ter sua pena reduzida de um a dois
teros.
Embora ligada ao arrependimento, no necessrio que ele seja fruto
de uma denncia ligada a um ato penitencial, podendo, mesmo, ter como
interesse a prpria reduo da pena. Para surtir efeito como fator de reduo
da pena, basta que haja a denncia e de tal sorte que permita desmantelar o
bando celerado formado.
IX
CONCURSO DE CRIMES
SUMRIO: 170. Consideraes gerais. 171. Concurso material. 172. Con
curso formal. 173. Crime continuado. 174. Sistemas de aplicao de penas.
175. Multa. 176. Limite das penas. 177. Concurso de leis.
170.
Consideraes gerais. O estudo do concurso de delitos , hoje,
um problem a de dogm tica do crime. J o foi de aplicao da pena.
Reservamo-nos, entretanto, para o fazer aqui, obedecendo ao critrio adotado
pelo Cdigo.
J vimos que, quando vrias pessoas praticam um crime, h o chamado
concursus delinquentium; porm, quando um indivduo comete dois ou mais
delitos, ocorre o que se denomina concursus delictorum.
Este encontra seu desenvolvimento doutrinrio amplo na Alemanha, mas
justo dizer que foram os penalistas italianos e espanhis dos sculos XV e
XVI que iniciaram seu estudo.
Hoje consideram-se duas espcies de concurso: o ideal, ideolgico ou
formal, e o real ou material. Juristas h, entretanto, que julgam desnecessrio
distingui-los, argumentando, por exemplo, no haver diferena em uma pes
soa deitar veneno na jarra ou bilha de gua de que vrias pessoas se vo
servir, e ministr-lo na gua que cada uma j tem em seu copo. Na primeira
hiptese a ao nica, havendo concurso ideal, enquanto na segunda material;
porm a conseqncia a mesma. Outros penalistas negam que de uma ao
possam resultar dois ou mais crimes.
No obstante a autoridade dos que emitem essas opinies, a verdade
que a doutrina e as leis distinguem as espcies de concurso, atribuindo-lhes
conseqncias diversas. Em regra, pode dizer-se que o concurso formal
menos grave que o material. O primeiro compe-se de ao nica, ao passo
que no segundo h pluralidade de aes, que indicam ainda mais a gravidade
da conduta quando so diversas as violaes legais1.
1.
Nlson Hungria, em seu Anteprojeto (art. 61), no fazia distino entre o concur
so formal e o material. Preferimos o sistema de nossa lei.
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objetivos do legislador: cuidar que nenhum crime fique impune e evitar que
qualquer deles seja apenado mais de uma vez.
Vrios tm sido os sistemas propostos. Um o do cmulo material, em
que cada crime punido com sua pena (quot delicia tot poenae). Estas cumulamse ou somam-se, aplicadas que so aos delitos que integram o concurso.
No tem merecido aplausos esse sistema, apontando-se contra ele que
pode redundar em uma pena total desproporcionada, pela soma de pequenas
penas relativas a infraes de somenos; que ele no est de acordo com a
finalidade da readaptao do sentenciado, pois, ainda que conseguida com a
primeira pena, ter que cumprir as demais, que so inteis.
Modalidade desse sistema o do cmulo jurdico, consistente no na
soma das penas concorrentes, mas na aplicao de nica pena superior mais
grave daquelas. Os inconvenientes desse sistema foram revelados pelo Cdi
go de Zanardelli.
Constitui a absoro outro princpio (poena major absorbet minorem):
aplica-se a pena mais grave, que, portanto, absorve as outras. Aduz-se, e com
razo, que ela importa injustia freqentemente com a impunidade dos ou
tros delitos, j que no se pode ir alm do mximo da pena mais grave.
Outro sistema existe: o da exasperao. Aplica-se a pena do crime mais
grave, que, entretanto, aumentada ou elevada devido presena dos outros
delitos. Esse sistema (poena major cum exasperatione) tem recebido crticas
e louvores.
Nosso legislador no se fixou em um apenas. No art. 69 emprega o c
mulo material: ... aplicam-se cumulativamente as penas.... No art. 70, sur
ge o princpio da exasperao. Aplique-se a pena mais grave ou uma delas,
quando idnticas, e haver sempre o aumento de um sexto at metade. J na
segunda parte do artigo o cmulo material que volta cena.
O princpio da exasperao ainda adotado na figura unitria do crime
continuado: aplica-se uma das penas ou a mais grave, ocorrendo, entretanto,
sempre o aumento de um sexto a dois teros.
175. Multa. No que diz respeito multa, o art. 72 do Cdigo reproduz
o previsto no art. 52 da redao primitiva. A pena de multa no sofre efeito
concursal, sendo, sempre, aplicada cumulativamente.
176. Limite das penas. J mais de uma vez incidentemente tocamos no
limite das penas, reservando-nos agora para considerar questo que se pode
apresentar no tocante s penas privativas de liberdade. Diz o art. 75 que em
caso algum elas sero superiores a trinta anos, o que, sem dvida, pode cau
sar embaraos.
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s ser aplicada se o fato no constituir crime mais grave, tal qual ocorre com
os delitos definidos no art. 177, 1.. H aqui subsidiariedade explcita. E ela
implcita quando o fato incriminado pela norma subsidiria entra como ele
mento componente ou agravante especial de fato incriminado pela outra nor
ma, de modo que a presena do ltimo exclui a simultnea punio do pri
meiro'8. Assim, o estupro exclui o constrangimento ilegal e a leso corporal
leve; o roubo exclui o furto e a violncia fsica ou grave ameaa.
A subsidiariedade aproxima-se da especialidade, porm diferem porque
naquela, ao contrrio do que sucede nesta, os fatos previstos em uma e outra
norma no esto em relao de espcie e gnero, e, se a pena do tipo principal
(sempre mais grave que a do tipo subsidirio) excluda por qualquer causa,
a pena do tipo subsidirio pode apresentar-se como soldado de reserva e
aplicar-se pelo residuum diz Hungria19.
H, ainda, segundo alguns juristas, o princpio da alternatividade, que
se apresenta quando dois dispositivos legais se repelem com referncia ao
mesmo fato. Tem-se objetado com procedncia que tal princpio no interes
sa ao concurso de leis, j que, se os requisitos do delito esto em contradio,
significa que as duas leis no se podem aplicar a um mesmo fato.
A matria do concurso ou conflito aparente de normas bastante con
trovertida.
Assim que Antolisei acha insubsistente qualquer construo jurdica
com fundamento na consuno e na subsidiariedade, e rejeita-as na ausncia de
expressa disposio legal, como acontece com nosso Cdigo20. Bettiol fala que
concurso de normas no se pode ter, quando os fatos so vrios ou diversos2'.
Certo que muitos confundem a concorrncia de fatos diversos com concurso
de normas. Assim, quando se d o furto e o estelionato da venda da res furtiva
a terceiro de boa-f. H dois delitos perfeitamente distintos e consumados di
ferentemente no tempo e no espao. Do que se poderia falar, ento, seria da
impunidade de umfato punido. Mas mesmo este princpio, para muitos, inaplicvel
hiptese, como frisa Grispigni: Dito princpio como se falou no en
contra aplicao, quando, no obstante interpor-se entre os dois fatos relao
de meio e fim (crimes conexos), trata-se de ofensa a bens diversos, ou ao mes
mo bem, mas pertencente a pessoas diversas22.
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178.
Consideraes gerais. Instituto de grande alcance, certamente, o
que na prtica forense se denomina sursis, nome sem dvida tirado da Lei
Branger, na Frana, que se referia a sursis 1xcution de la peine. Dois
so os tipos que oferece: o da suspenso do pronunciamento da sentena e o
da suspenso da condenao. M ereceu o ltim o nossas preferncias
justificadamente, pois, se certo que no evita a condenao do denunciado,
tem a vantagem de no impedir a ao da justia durante o prazo estabeleci
do, o que, atendendo-se s nossas condies peculiares, redundaria quase
sempre no desaparecimento das provas.
Como geralmente acontece, a princpio teve o instituto opositores, que
alegavam principalmente que ele iria ferir a certeza da punio e dar ensancha
ao arbtrio judicial. A prtica, porm, demonstrou serem infundados tais te
mores, e, ao contrrio, grandes vantagens trouxe na aplicao da justia, bastando
para isso apontar a maior delas: evitar o contato de rus condenados por cri
me de pequena monta com delinqentes de periculosidade estremada. Favo
receu at a certeza da punio, impedindo que juizes temerosos da promis
cuidade dos delinqentes, nas prises, absolvessem freqentemente acusa
dos de crimes leves e que nenhuma periculosidade apresentavam.
Nossos legisladores, ao adotarem a suspenso condicional da pena, apro
ximaram-se do sistema a que podemos chamar belga-francs, que consiste
em o juiz proferir a condenao, suspendendo, ao mesmo tempo, a execuo
penal por determinado prazo e mediante condies.
Nossa lei limitou o instituto pena privativa de liberdade; no o esten
deu multa. A respeito h divergncia na doutrina. Se ele no tem exclusi
vamente o escopo de evitar a promiscuidade das prises e a sua nocividade,
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PARTE GERAL
180.
Definio e natureza. a suspenso condicional da pena medida
jurisdicional que determina o sobrestamento da pena, preenchidos que sejam
certos pressupostos legais e mediante determinadas condies impostas pelo
juiz.
Manzini define-a como uma deciso jurisdicional, com a qual o juiz,
ao mesmo tempo que declara a culpabilidade e inflige a pena (reconhecendo,
assim, o poder de punir do Estado, no caso individual), concede ao condena
do, de quem pode presumir a resipiscncia, aquelas possibilidades jurdicas,
com cujo xito se atuar a renncia do Estado, ao poder de realizar a prpria
pretenso punitiva, renncia feita legislativa e preventivamente, mas subordi
nada a uma escolha limitada do juiz e verificao de determinadas condi
es exigidas pela lei ou oponveis pelo Estado2.
um instituto de direito substantivo, no pela simples colocao no
Cdigo Penal, mas pela natureza jurdica de suas relaes, isto , pelos efei
tos que provoca. Como escreve Vannini, so de direito penal substantivo as
normas que se referem ao nascimento, modificao e extino da relao
jurdica punitiva3.
Trata-se de um direito do condenado. O assunto bastante controverti
do, porm acreditamos estarem com a razo os que pensam desse modo.
Satisfazendo o ru a todos os requisitos legais e denegando-o o juiz, pode ele
at impetrar habeas corpus, conforme tm decidido o Tribunal deste Estado
e o Pretrio Excelso4.
exato que o art. 77 fala que a pena pode ser suspensa. Isso, entretanto,
no significa que o juiz possa arbitrariamente neg-lo. O que se quer dizer
que, de acordo com o sistema de nossas leis penais, o juiz tem liberdade de
apreciao, formando seu ntimo convencimento para decidir. E isso no apenas
no sursis, mas sempre que se deve pronunciar.
Trata-se de um direito, como escreve Jos Frederico Marques, pois,
ampliando o campo do status libertatis com o sursis, este se toma um direi
to pblico subjetivo de liberdade e cujo reconhecimento o ru pode preten
der reconhecido em juzo5. Como ainda fala o mencionado desembargador,
2. Manzini, Trattato, cit., v. 3.
3. Vannini, in Ugo Conti, II Codice Penale illustrato articolo per articolo, 1934, v.
1, p. 666.
4. RT, 166:500, 169:122, 172:96; Revista do Supremo Tribunal Federal, 85:411 e
509.
5. Jos Frederico Marques, Curso, cit., v. 1, p. 274.
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PARTE GERAL
B)
A segunda categoria diz respeito personalidade do condenado. Atravs
do exame dos requisitos enumerados (art. 77, II), que na verdade correspondem
aos fixadores da pena-base (art. 59), o julgador verificar a convenincia ou
no da concesso, alm de no ser recomendvel a transformao da privati
va de liberdade em outra substitutiva (art. 77, III).
Com efeito, a lei manda que se atenda aos antecedentes do condenado.
No apenas os judicirios, mas tambm a vida pregressa, com os anteceden
tes familiares e sociais. Consideram-se tambm: a personalidade, isto , ca
rter, ndole etc.; os motivos, que so as razes por que a vontade se determi
na e que constituem a pedra de toque da personalidade; e as circunstncias,
que rodeiam o delito e que se referem ao modo de agir, atitude durante o fato
etc., tudo, alis, como foi exposto no n. 163.
o sursis medida de poltica criminal, que tem o fim de estimular o
condenado a viver, doravante, de acordo com os imperativos sociais, crista
lizados na lei penal, donde, logicamente, para ser concedido necessrio
haver convico de que a semente ser lanada em bom terreno.
Infelizmente este requisito legal no merece grande considerao na prtica.
Em regra, permitindo-o a pena, contenta-se com a inexistncia de condena
o sofrida. No est certo. O juiz deve fazer o estudo psicolgico do ru,
atravs do processo, e exigir documentos que reflitam sua conduta social ou
vida anteacta. Sem isso, muito mal se poder dizer convencido de que ele no
tomar a delinqir. Concisa e precisamente diz o Cdigo suo que o sursis
deve ser concedido se os antecedentes e o carter do condenado fazem prever
que esta medida o dissuadir de cometer novos crimes ou delitos (art. 41).
No se tomando essa cautela legal, arrisca-se a desmoralizar um institu
to de evidente necessidade e relevantes efeitos.
182.
Condies. A suspenso da pena por prazo que vai de dois a quatro
anos (art. 77) fica subordinada a condies legais (obrigatrias) ou judiciais
(facultativas) que devem ser especificadas na sentena.
A) As condies legais esto previstas no art. 78 do Cdigo Penal.
No perodo de prova, no primeiro ano, o condenado dever prestar ser
vios comunitrios (art. 46) ou submeter-se limitao de fins de semana
(art. 48). As condies confundem-se com duas modalidades de penas inibidoras
de direito.
Contudo, diz o 2 do art. 78, se houver reparado o dano, salvo a im
possibilidade de faz-lo, e as circunstncias norteadoras da fixao da penabase (art. 59) forem favorveis, as condies anteriores (prestao de servio
comunitrio e limitao de fins de semana) podem ser substitudas por ou
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XI
LIVRAMENTO CONDICIONAL
SUMRIO: 185. Consideraes preliminares. 186. Definio. Natureza.
Histrico. 187. Pressupostos. 188. Concesso do livramento condicional. 189.
Revogao do livramento condicional. 190. Incompatibilidade do livramen
to condicional. A expulso de estrangeiro.
185.
Consideraes preliminares. o livramento condicional, em nos
so diploma substantivo, a ltima fase de cumprimento da pena. Adotando,
como j vimos, um sistema progressivo, em que a pena oferece vrias etapas
que vo sendo paulatinamente conquistadas pelo sentenciado, a da liberda
de sob condio a derradeira.
Se a pena no expiao somente e se, sobretudo, no vingana, mas
tem carter utilitrio, que a recuperao do delinqente, reajustando-o e
readaptando-o vida em sociedade, compreende-se perfeitamente que se lhe
antecipe a liberdade, para que, ainda aqui, seja ele observado, j agora em
suas condies normais de vida, para se concluir mais seguramente por sua
readaptao.
o livram ento condicional m edida de carter adm inistrativo de
individualizao da pena, pois incumbe aos funcionrios desde o diretor
at o simples guarda a observao direta e constante do sentenciado, fa
zendo-se, atravs de estudos cientficos e consideraes quanto ao comporta
mento, adaptao ao trabalho etc., juzo sobre sua personalidade e progns
tico acerca da possibilidade de retornar, antes do trmino da pena, vida
social.
a individualizao administrativa precedida pela legal e pela judiciria,
como j tivemos ocasio de dizer. Toma-se, ento, indispensvel que o Esta
do adote providncias necessrias para que essa individualizao se faa de
modo preciso e eficiente, devolvendo sociedade um elemento que, tudo
indica, se integrar na vida til, e no um reincidente em potncia que, dentro
em dias ou meses, retornar priso.
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durante o perodo de prova (CP, art. 8 6 ,1, e CPP, art. 726) ou por condenao
relativa a fato ocorrido anteriormente, observada a possibilidade da soma de
penas, como previsto no art. 84 do Cdigo Penal.
A revogao facultativa, com fundamento no art. 87 do Cdigo Penal,
pode ocorrer em duas hipteses: a) descumprimento das obrigaes impos
tas; e b) condenao irrecorrvel, por crime ou contraveno, a pena de multa
ou restritiva de direitos.
A primeira de entendimento imediato; a segunda, por sua vez, atinge
tanto a fatos ocorridos antes ou no decorrer do perodo de prova e diz respeito
natureza da pena imposta.
Revogado o livramento condicional, no mais poder ser concedido outro
para a mesma condenao. o que dispem os arts. 729 do Cdigo de Pro
cesso Penal e 88 do diploma substantivo. No se desconta, ento, da pena, o
tempo em que o sentenciado esteve solto.
Entretanto, obtido o livramento, pode ele vir a ser condenado por delito
cometido antes da concesso do benefcio. J agora, revogado o livramento
condicional, ter de cumprir a pena, mas admite-se, ento, que o tempo em
que esteve solto seja computado no restante da condenao, como tambm
possa ele lograr novo livramento, somando essa pena com a nova e cumpri
dos que sejam os mnimos legais.
Justifica-se a orientao da lei, pois, em tal hiptese, fora convir que
o sentenciado nenhum ato posterior concesso praticou que o mostrasse
indigno do livramento alcanado. Bem diverso o caso em que, em liberda
de, comete novo crime. Agora somente em relao a este poder ele obter
livramento condicional.
190.
Incompatibilidade do livramento condicional. A expulso de es
trangeiro. Como sucede para o sursis, h delitos que no comportam a liber
dade sob condio. Assim a j citada Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de
1951, que, no art. 5., declara incabvel o livramento condicional, exceo
feita ao empregado do estabelecimento que no ocupe cargo ou posto de di
reo.
As contravenes com pena de priso tambm no comportam o bene
fcio.
Nas edies anteriores longamente discutimos sobre a possibilidade de
livramento condicional e expulso de estrangeiro, concluindo no ser ele
admissvel em face desta.
Hoje no nos parece necessrio discorrer sobre o assunto, diante dos
expressos termos das leis que regulam a matria. Com efeito, a Lei n. 6.815,
298
PARTE GERAL
XII
DOS EFEITOS DA CONDENAO
SUMRIO: 191. Consideraes gerais. 192. A sentena penal condenatria.
193. A sentena penal absolutria. 194. Efeitos genricos. Indenizao. 195.
Confisco. 196. Registro da condenao. 197. Efeitos especficos.
191.
Consideraes gerais. O crime a ofensa a um bem-interesse, donde
acarreta geralmente uma leso que pode ser efetiva ou potencial e que atinge
o titular daquele bem jurdico ou o sujeito passivo do delito.
Justa, pois, a preocupao de se ressarcir vtima do crime, chegando
algumas leis a impor indenizao mesmo no caso de dano puramente moral.
No de hoje que os escritores se ocupam do assunto, incumbindo res
saltar os esforos da Escola Positiva, com Rafael Garofalo frente, procuran
do imprimir indenizao carter pblico. Conseqncia disso que quase
todas as leis contm disposies que visam tutelar o sujeito passivo, como
faz a nossa, no s nos arts. 91 e 92, mas em outros, como o art. 83, IV,
subordinando reparao civil o livramento condicional; o art. 81, II, revo
gando o sursis no caso de frustrao da reparao, como, alis, j vimos.
No termo civil, lembra Costa e Silva a hipoteca legal sobre os imveis
do criminoso ao ofendido, ou seus herdeiros, e o seqestro, como medida
preliminar, no processo de especializao, e quanto aos imveis adquiridos
pelo indiciado com os proventos da infrao1.
Merece especial meno, por traduzir a tendncia publicstica da repa
rao, a incumbncia de o Ministrio Pblico pleite-la quando o ofendido
pobre o requerer, consoante dispe o art. 68 do Cdigo de Processo Penal.
Por fim, justo lembrar que em nossa legislao, desde o nascedouro,
medidas j haviam sido ditadas nesse terreno. O Livro V das Ordenaes
Filipinas, Ttulo 127, previa o confisco. O Cdigo de 1830 admitiu a repara
o do dano A satisfao ser sempre a mais completa que for poss
1. Costa e Silva, Cdigo Penal, cit., p. 357.
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da edio desta lei, que veio a lume repleta de vetos, a divergncia jurisprudencial
tem-se restringido ao procedimento criminal; quanto aos efeitos da sentena,
entende-se que a Lei n. 10.409 a legislao aplicvel.
A propriedade das coisas confiscadas no se regula pelo tempo em que
o delito foi praticado, mas pelo da sentena condenatria transitada em julga
do. O confisco prescreve com a condenao. A suspenso desta no importa
a do confisco16.
196. Registro da condenao. Um dos efeitos da condenao ser lan
ado o nome do ru no rol dos culpados. Determina-o o art. 393, II, do C
digo de Processo Penal, antes mesmo que transite em julgado a sentena
condenatria. Igualmente se far o lanamento no caso de pronncia (CPP,
art. 408, 1,). Dessa forma se documenta a condenao, ou a pronncia do
ru, que passaro a constar de outros assentos.
Tem-se observado que isso, perdurando, importa em reviver a antiga
pena de infmia, de tempos em que ela se sobressaa pela crueldade fsica ou
moral. Diante de tal fato, algumas leis tm adotado medidas com o fim de
conjurar esse mal. O art. 175 do Cdigo Penal italiano, em casos em que a
pena branda, permite que no se faa meno da condenao no certifica
do do registro criminal, extrado a pedido de particulares, salvo por motivo
de direito eleitoral. Caso venha a cometer novo crime, deixa de existir a
proibio da meno. No Cdigo Penal suo a reabilitao permite ao con
denado alcanar o cancelamento do registro criminal.
Quanto a ns, observa o Des. Jos Frederico Marques que no h re
gra to especfica, como a do art. 175 do Cdigo Penal italiano; e a reabili
tao no por todos admitida com a extenso que o instituto possui no
direito suo e francs. Lembra, entretanto, o art. 709, 2. e 3., do C
digo de Processo Penal, acerca do sursis, e conclui que, se o registro deve
ser secreto quando se trata de pena de deteno, cuja execuo est con
dicionalmente suspensa, com maior razo ser tambm secreto o mesmo re
gistro se relativo a pena pecuniria, pois que esta muito menos grave que
qualquer pena privativa de liberdade17. Tal concluso lgica e humana.
197. Efeitos especficos. Os efeitos especficos da condenao esto contidos
no art. 92 do Cdigo Penal e so de trs ordens:
a)
Art. 9 2 ,1 Com o advento da Lei n. 9.268, de I. de abril de 1996,
que deu nova redao ao referido art. 92, I, um dos efeitos da condenao
16. Costa e Silva, Cdigo Penal, cit., p. 360.
17. Jos Frederico Marques, Curso, cit., v. 1, p. 314.
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XIII
DA REABILITAO
SUMRIO: 198. Consideraes gerais. Conceito. 199. Pressupostos. Revo
gao.
198.
Consideraes gerais. Conceito. A reabilitao, historicamente,
passou por fases diversas e distintas finalidades, de tal maneira que toma um
tanto difcil o exame de sua natureza jurdica.
O instituto um legado do direito romano e tinha como finalidade res
taurar os direitos do condenado, principalmente os de cidadania e os patrimoniais.
Por ela restituam-se bens e dignidades.
No foi conhecida no direito portugus reinol.
Entre ns surgiu com a Consolidao das Leis Penais de Vicente Piragibe,
tendo como finalidade corrigir possveis injustias cometidas pela jurisdio
penal. No regime do Cdigo de 1890, como se verifica de seu art. 86, a rea
bilitao era conseqncia da sentena favorvel, obtida pelo ru no pedido
de reviso de seu processo. Reviso extraordinria, julgada pelo Supremo
Tribunal Federal (acentuava o dispositivo), com a declarao de inocncia do
requerente. Reconhecida esta, era o acusado reintegrado em todos os direitos
que havia perdido pela condenao, acrescidos ainda de justa indenizao
por que respondia a Unio ou o Estado.
Coisa bem diversa se lia no art. 119 do Cdigo, em sua redao primi
tiva. Com efeito, por esse dispositivo verifica-se que o instituto objetivava as
interdies de direitos impostas expressa ou implicitamente ao ru, pela sen
tena que o condenara. Ficavam fora duas outras penas acessrias: a perda da
funo pblica eletiva ou de nomeao e a publicao de sentena, previstas
no art. 47.
Era, pois, somente aquela pena a alcanada pela reabilitao. Caso no
bastassem os termos claros do art. 119 (redao primitiva), teramos a Expo
sio de Motivos interpretando-o de maneira insofismvel: A reabilitao,
segundo a disciplina do projeto, no , como no Direito vigente, a restitutio
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200.
Histrico. no Projeto de Cdigo Penal suo de Stoos que, no
terreno normativo, surge pela primeira vez a medida de segurana como con
junto sistemtico de providncias de cunho preventivo individual.
Todavia a definio de certas medidas contra os inimputveis, visando
defesa social, bem mais antiga, mesmo no plano legislativo. Assim que
no Cdigo Penal francs (1810) j deparamos disposies referentes aos menores
de dezoito anos que tivessem agido sem discernimento, os quais, livres de
pena, eram submetidos a medidas tutelares.
Em nossa legislao, encontramos no Cdigo do Imprio (arts. 12 e 13)
providncias acerca dos inimputveis: os loucos eram recolhidos a casas para
eles destinadas, ou entregues s suas famlias, e os menores de quatorze anos
que houvessem agido com discernimento seriam recolhidos s casas de cor
reo.
O Cdigo da Repblica, no art. 30, dispunha tambm sobre medidas
tutelares aos menores de dezoito anos que tivessem obrado com discernimento,
determinando fossem recolhidos a estabelecimentos disciplinares indus
triais, e, no art. 29, prescrevia que os inimputveis por afeco mental se
riam entregues famlia ou internados em hospitais de alienados.
Foi, entretanto, no Projeto S Pereira que o instituto surgiu com o nome
de medidas de defesa social, que substitudo pelo de medidas de segu
rana quando o Projeto revisto pela Sub-comisso Legislativa. Alcntara
Machado tambm as previu em seu Projeto, com a mesma denominao.
Apesar de constarem do Projeto Stoos, aparecem elas, antes, no Cdigo
de Rocco, como misure amministrative di sicurezza, havendo tambm sido
adotadas pelo Cdigo Penal suo (em 1937), que, por sinal, entrou em vigor
na mesma data que o nosso.
Como escreve o Min. Francisco Campos, trata-se de inovao capital.
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PARTE GERAL
204.
Espcies. Como mencionado no captulo anterior, a reforma penal
de 1984 apresentou profunda inovao em relao situao primitiva, no
que diz respeito s medidas de segurana, j que sua aplicao aos imputveis foi extinta, restando os inimputveis e os semi-responsveis.
A legislao conservou duas espcies de medidas de segurana: detentiva
e restritiva. A primeira consiste na internao em hospital de custdia e tra
tamento psiquitrico, enquanto a segunda resulta de tratamento ambulatorial.
Ao inimputvel por enfermidade mental (CP, art. 26) aplica-se a medida
de segurana detentiva, baseada num juzo de periculosidade que substitui o
juzo de culpabilidade.
A internao a regra. Contudo, se a pena in abstrato prevista para a
figura delituosa violada for deteno, o agente poder (indica faculdade) ser
submetido a tratamento ambulatorial (CP, art. 97).
O
prazo indeterminado, vigorando a aplicao enquanto a percia mdica
no constatar a cessao da periculosidade (CP, art. 97, 1.). Tal exame
deve ser realizado aps um prazo mnimo que de um a trs anos (CP, art. 97,
l . e 2 . ) .
DA AO PENAL
I
CONSIDERAES GERAIS
SUMRIO: 205. Consideraes preliminares. 206. Notitia criminis. 207.
Espcies de ao. 208. Procedimento ex officio.
205.
Consideraes preliminares. O crime um fato humano que lesa
no s direitos do indivduo como da sociedade, ofendendo-a nas condies
de harmonia e estabilidade necessrias sua coexistncia. O Estado, na pre
servao dessas condies, na busca do bem comum, ope-se ao delito, quer
prevenindo-o, quer reprimindo-o. Dispe, para isso, do jus puniendi, do di
reito de punir, que apresenta essa face subjetiva. Trata-se de direito que lhe
prprio e necessrio para que realize suas finalidades.
No , porm, um direito ilimitado, j que o Estado se autolimita, se
vincula a si mesmo, por meio da lei. Como vimos, o jus puniendi encontra
limitao no direito objetivo. Ao mesmo tempo que o Estado dita ao indiv
duo que este no pode praticar tal ato, declara concomitantemente que no o
poder punir, se ele no o executar. Nullum crimen, nulla poena sine praevia
lege.
Mas, praticado o fato vedado no direito objetivo, no pode, mesmo as
sim, o Estado aplicar discricionariamente a sano. Cometido o fato tpico,
antijurdico e culpvel (o crime), mister haver lugar sua conseqncia (a
pena), que, todavia, no poder ser imposta seno mediante processo e julga
mento: nulla poena sine judicio.
Donde o Estado dispe de outro direito, do jus persequendi ou jus
persecutionis, direito subjetivo que lhe outorga o poder de promover in abstracto
a persecuo do autor do crime. Dito direito o Estado-administrao, mas
no se efetiva ou se exterioriza seno na persecutio criminis, na qual ele
318
PARTE GERAL
DA AO PENAL
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PARTE GERAL
DA AO PENAL
321
tempo; no se explica mais, hoje em dia, que acuse quem julga, a lembrar os
ominosos tempos do sistema inquisitrio.
Hoje, os antigos procedimentos de ofcios, aplicados nas contravenes
e nos delitos culposos de homicdio e leso corporal, consoante a Lei n. 9.099,
de 26 de setembro de 1995, desapareceram, pois ao Ministrio Pblico, pri
vativamente, cabe o incio da ao penal pblica, portanto, atravs da denn
cia. Foram consagradas nossas palavras em edies anteriores: o Minist
rio Pblico o senhor da ao penal. Deve a iniciativa caber-lhe exclusivamen
te. Que se reserve ao juiz a excelsa funo de julgar.
A AO PBLICA
SUMRIO: 209. O Ministrio Pblico. 210. Da iniciativa da ao.
209.
O Ministrio Pblico. Titular da ao pblica que a regra em
nosso processo penal o Ministrio Pblico.
Instituio cujas origens alguns vo buscar no direito romano, nos
procuratores Caesaris; ao passo que outros a fazem remontar Itlia: seja
em Veneza com os avogadori di comum; seja em Florena com os
conservadores de la ley; seja em Npoles com o abogado de la Gran Corte;
enquanto muitos, com maior fundamento, vem suas bases em tempos mais
prximos, no se instaurar o Estado Constitucional e na aplicao do princpio
da distino dos poderes, invocando a Assemblia Constituinte francesa de
1790.
No menos incertas so as origens entre ns, que alguns encontram na
existncia de certos funcionrios a servio do rei ou do conquistador, com os
escultetos do Brasil holands. Certo que, mesmo no Imprio, ainda no se
podia falar verdadeiramente em Instituio. Poucos eram seus representan
tes, disseminados pelo vasto territrio ptrio, com funes delimitadas e sem
garantias. Na verdade, eram meros instrumentos do governo.
s na Repblica, com a Lei n. 1.030, de 14 de novembro de 1890, que
se traam os primeiros caractersticos, de acordo com o relevo das funes da
Corporao. Mas, entre ns, verdadeiramente, a carreira surge em 1931, com
a Lei de 27 de agosto, devida a um antigo promotor, depois excelso magistra
do: Laudo Ferreira de Camargo nome que declinamos com profunda gra
tido.
Da para diante, no h negar o aperfeioamento do Ministrio Pblico,
acentuando-se, sobretudo, com a exigncia do concurso. E assim era mister.
Necessria se fazia rigorosa seleo de seus membros, dada a importncia
das funes. No Ministrio Pblico, qualquer cargo de sacrifcio e lutas.
Onde se apresente o promotor de justia denominao que hoje abrange
DA AO PENAL
323
324
PARTE GERAL
Mas isso no implica que lhe seja vedada a imparcialidade, pois o Esta
do no deseja a punio do inocente. Conseqentemente, quando as provas
patentemente no autorizam a condenao, quando a inocncia do acusado
est demonstrada, deve o promotor pblico confessar a improcedncia da
pretenso punitiva e pedir a absolvio. Tal fato no lhe tira a qualidade de
parte no processo. Muito mais pode o ofendido, sem que deixe de ser parte,
quando autor da ao, j que dispe da renncia, da desistncia e da perempo
da instncia, pelo pedido de absolvio, na forma do art. 60, III, do Cdigo
de Processo Penal.
A Constituio Federal estabeleceu um captulo novo, nominado como
Das funes essenciais justia (Captulo IV), nele incluindo o Ministrio
Pblico, a Advocacia-Geral da Unio e a Advocacia e a Defensoria Pblica.
O Ministrio Pblico foi definido constitucionalmente como sendo uma
instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses
sociais e individuais indisponveis (art. 127). Embora a questo no seja pa
cfica, continuamos entendendo que orgo administrativo, pois o exerccio
da persecutio criminis funo administrativa.
No processo penal guarda ele inteira independncia, no podendo so
frer injunes de quem quer que seja. Sobre ele nenhum poder disciplinar ou
de orientao tem o Judicirio. Claro que o juiz, como ordenador do proces
so, profere despachos que dizem respeito a atos do promotor, porm no lhe
pode ordenar que proceda em determinado sentido, ditando-lhe o que deve
fazer, a maneira por que agir etc. Nesse sentido que devem ser interpreta
dos os arts. 40, 384, pargrafo nico, e 418 do Cdigo de Processo Penal.
Concomitantemente se verifica dos arts. 419, 448, pargrafo nico, e outros
que o poder disciplinar sobre o promotor atribudo ao Procurador-Geral da
Justia.
O prprio poder deste h de ser convenientemente entendido, pois no
pode penetrar a esfera de convico ntima do promotor, determinando-lhe,
por exemplo, que oferea certa denncia, recorra de determinada sentena
etc. A liberdade de tais atos inerente independncia que lhe assegurada
no desenrolar da ao penal.
O art. 28 do estatuto processual no se ope ao que dissemos. Mesmo
quando o Procurador-Geral, concordando com o magistrado, ache ser caso
de denncia, este no ordena ao promotor que oferea, mas designa outro
para oferec-lo. J agora, diversa a situao. O Procurador-Geral, podendo
oferecer a denncia, delega a um promotor essa funo. E faculdade que ele
possui, por virtude do princpio da devoluo, pelo qual um funcionrio de
DA AO PENAL
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PARTE GERAL
DA AO PENAL
327
o corpus criminis, pois se o tivesse, ento, o fato tpico (com todos os ele
mentos integrantes) j estaria demonstrado.
O corpus delicti imprescindvel no flagrante, na priso preventiva
e na pronncia. Em tais casos, em que j h coao efetiva contra o indi
vduo, em que ele atingido em seu status libertatis, em que no mais um
liber homus, ento sim, mister estar provado o crime, ou seja, comprovada
a existncia do fato tpico ou do corpus criminis. Outra coisa no diz a lei
processual, nos arts. 311 e 409, quando, tratando da priso preventiva, e da
pronncia, se refere existncia do crime.
Para a denncia, no. Basta a opinio delicti do Ministrio Pblico;
suficiente a suspeita de crime. Desde que os elementos com que conta a
Promotoria revelem a possibilidade de ocorrncia de delito, oriunda da pre
suno de haver sido praticado fato tpico, est ela habilitada a oferecer
denncia.
Conseqentemente, para esta, basta a opinio delicti, como para o pro
cesso preliminar ou preparatrio, que o inqurito policial, suficiente a
notitia criminis.
Convenha-se com Manzini que promover la accin penal no signifi
ca necesariamente investir al juez con acto que exija el castigo dei imputado,
sino simplemente requerir dei juez una decisin positiva, o tambin nega
tiva sobre la imputacin, o sea, sobre la pretencin punitiva5.
Trata-se, por conseguinte, de mera pretenso punitiva. E esta, no s
pode, mas deve o Ministrio Pblico agitar sempre que, em face do pro
cesso preparatrio, suspeitar que algum praticou fato subsumvel em
um tipo.
o quanto basta para a denncia.
Entretanto nem sempre pode o Ministrio Pblico oferec-la, apesar de
tratar-se de ao pblica. E que, para tanto, necessita s vezes de representa
o do ofendido ou de requisio do Ministro da Justia, consoante o 1, do
art. 100 do Cdigo Penal. O art. 39 e pargrafos do Cdigo de Processo tra
tam da representao.
Diz-se, agora, que a ao pblica condicionada, em face de sua subor
dinao, quelas exigncias, conforme j expressamos no n. 205.
Inspira-se a representao no interesse do ofendido que a lei atende.
Quando tal interesse proeminente, a ao torna-se privada, como dentro
5.
p. 146.
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PARTE GERAL
DA AO PENAL
329
III
A AO DE INICIATIVA PRIVADA
SUMRIO: 211. Natureza e fundamento. 212. A queixa. Espcies de ao
de iniciativa privada. 213. O ofendido e a ao penal. 214. Decadncia. Re
nncia. Perdo. 215. A ao penal no crime complexo.
211.
Natureza e fundamento. Ao lado da ao pblica, que corresponde
ao jus puniendi estatal e movida pelo promotor pblico, mediante denn
cia, estabelece o 2. do art. 100 do Cdigo a ao de iniciativa privada.
Diz-se de iniciativa privada a ao porque pertence ao particular, ao
indivduo. Transfere-se-lhe o jus accusationis exclusiva ou subsidiariamente.
to-somente este que o Estado transfere; o jus puniendi continua a pertencer-lhe, tanto que, transitada em julgado a sentena condenatria, o particu
lar nenhuma ingerncia tem na execuo, que cabe exclusivamente quele.
Compete a ao de iniciativa privada ao ofendido ou a seu representante
diz o dispositivo. A distino entre as duas espcies de ao repousa na
diferena de sujeitos, pois no h dvida de que ambas as aes so pblicas,
j que toda ao tem essa natureza por ser um direito pblico subjetivo contra
o Estado, representado pelo Judicirio. Conseqentemente, ser pblica a
ao quando movida pelo Ministrio Pblico, e de iniciativa privada quando
pelo ofendido.
No so poucos os que se opem ao de iniciativa privada, tachandoa de vingana do ofendido. Tal no se d, bastando dizer que, como linhas
atrs se falou, a execuo da pena fica a cargo do Estado, que tambm quem
a impe, por um dos seus rgos o Judicirio limitando-se o particular
a exclusivamente promover a persecutio criminis.
A ao de iniciativa privada atende a ponderosos imperativos individuais
que no deixam de ser tambm da sociedade.
Com efeito h casos em que ou o interesse do ofendido tem proeminncia sobre o relativo interesse pblico, ou a lei no se pode permitir uma
atuao que redunde em aumentar a aflio ao aflito, no s arrastando seu
DA AO PENAL
331
nome para os tribunais judicirios como para os das esquinas, com inegvel
escndalo a enodoar-lhe mais o nome e a produzir leso sensvel prpria
moral pblica. Em tais hipteses, o mal da lei seria maior que o mal do
crime.
Contra esse modo de pensar avultam nomes insignes do mundo jurdi
co, apresentando argumentos que, na realidade, so eloqentes. Dizem ser
inadmissvel entregar-se ao indivduo o arbtrio da punio do culpado. Se
exato que tais delitos importam para o ofendido leso que, muita vez, preferi
r ocultar, no menos exato haver interesse sobrelevando o seu, interesse
que da sociedade, a qual no pode admitir fique impune o delinqente,
permanecendo como ameaa constante para os demais membros da comu
nho.
Diversos comentadores nossos, principalmente em matria de crimes
contra os costumes, opinavam por esta forma. Salientavam-se pelo vigor com
que defendiam a exclusividade da ao pblica Crislito de Gusmo e Vivei
ros de Castro. Aos argumentos j expostos, acrescentavam que a ao privada
seria sempre oportunidade para mercadejar com a honra da ofendida.
Na doutrina aliengena igualmente nomes de inegvel projeo do mes
mo modo se pronunciavam. Ferri escrevia: On pourrait ajouter que la ncessit
de la plainte prive se prte trop facilement dune part aux vexations, de 1autre
aux marchandages entre offenseurs et offenss, qui certainement ne contribuente
pas lever dans le public la conscience moral et juridique1. E Pozzolini: E
isto por uma dplice ordem de razes: porque absurdo que perigosssimos
delinqentes tenham a possibilidade legal de fugir sano penal, e porque
a queixa privada em crimes desta natureza (os sexuais) incentivo ao comr
cio torpe, porque no verdade que ela acode paz e honra do lar, pois este
no ser nem perturbado nem desonrado pelo fato do processo. Antes, quan
do isto acontecer e a violncia ficar provada, no ser o escrnio, mas a pie
dade que cercar a vtima2.
De todos os argumentos lanados pelos defensores da ao pblica,
consideramos o mais srio o que, ao interesse do ofendido em ocultar sua
desonra, contrape o superior interesse social em no deixar impune um de
linqente.
Todavia h um lado da questo que tem sido olvidado com freqncia
pelos juristas. que, em regra, para que a ao penal vingue se faz necessrio
o concurso da vtima ou seus parentes, quer constituindo a prova, quer
1. Ferri, La sociologie, cit., p. 501.
2. Pozzolini, in Florian, Trattato, cit., v. 1, p. 17.
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333
quisitos que a denncia, como bem claro deixa o art. 41 do Cdigo de Proces
so Penal, dizendo que elas devem conter a exposio do fato criminoso, com
todas as suas circunstncias, a qualificao do acusado ou esclarecimentos
pelos quais se possa identific-lo, a classificao do crime e, quando neces
srio, o rol das testemunhas.
A queixa e a denncia s se diferenciam pelo sujeito que as apresenta
ou subscreve, podendo dizer-se que a queixa a denncia subscrita pelo ofendido
ou seu representante, que, ento, toma o nome de queixoso ou querelante.
Querelado o acusado, que, na ao pblica, antes da pronncia ou da con
denao, chama-se denunciado.
A ao de iniciativa privada pode ser exclusiva ou principal e subsidiria.
Diz-se principal quando s o ofendido, ou seu representante legal, pode movla. Fala-se, ento, ser privativa do ofendido. Em regra, quando isso ocorre, o
Cdigo Penal declara expressamente: S se procede mediante queixa. Afastado
fica, pois, o Ministrio Pblico da ao, no podendo intent-la.
Em recente deciso e relativa a crime contra a honra praticado contra
funcionrio pblico e no exerccio de sua funo, o Supremo Tribunal Fede
ral entendeu haver legitimao concorrente entre o Ministrio Pblico (ao
penal pblica condicionada) e o ofendido (ao penal privada). No entender
do pretrio excelso, o princpio pelo qual se d a atribuio de propor a ao
ao Ministrio Pblico tem por objetivo desonerar o funcionrio dos nus
decorrentes da prpria ao, porm a Constituio Federal, em seu art. 5., X,
admite a defesa da honra pela ao privada, mesmo quando propter ojficium,
havendo, assim, legitimao concorrente. A deciso em questo foi proferida
no AR n. 720-0, relatada pelo Min. Seplveda Pertence.
subsidiria quando o promotor pblico se conserva inerte, sem ofere
cer denncia, pedir arquivamento ou requisitar diligncias. Em tal caso, no
obstante ser pblica a ao, permite a lei, excepcionalmente, a iniciativa do
ofendido, consoante se v dos arts. 100, 3., do Cdigo Penal e 29 do C
digo de Processo.
Nem todos pensam que a ao subsidiria s cabe em havendo inrcia
do Ministrio Pblico, afirmando que tambm tem lugar quando o inqurito
foi arquivado a seu pedido.
Refutando este modo de ver, tivemos ocasio de escrever crnica, no
Dirio de S. Paulo, que passamos a reproduzir: Cremos que fomos ns quem,
primeiro, nesta Capital, teve a oportunidade de abordar a questo do ofereci
mento de queixa privada, em crime de ao pblica, quando o Promotor re
quereu o arquivamento, que foi deferido. Opinamos pela inadmissibilidade
daquela. Ocorreu isso em princpios de 1942.
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PARTE GERAL
Como exemplos de delitos que caem sob a prescrio do art. 101, temos
a injria real (arts. 140, 2., e 145) e o crime sexual violento, do qual resul
te morte ou leso grave (art. 223). No primeiro caso, h a injria, que de
ao privada, e h a ofensa fsica, que de ao pblica. No segundo, temos,
v. g., o estupro, que s se processa mediante queixa, e a morte e a leso grave,
cuja ao pblica. Em ambos os casos, a persecutio criminis caber ao
Ministrio Pblico.
Advirta-se, entretanto, que o mesmo no ocorre para o estupro simples,
cuja ao privada. Improcede a afirmao em contrrio de Hlio Tornaghi
e, uma vez ou outra, de nosso tribunal10. No prevalece a regra do art. 101,
porque a respeito domina a consagrada no art. 225 nos crimes definidos
nos captulos anteriores somente se procede mediante queixa regra que
no vige para o delito preterdoloso do art. 223 (estupro e morte ou leso
grave) porque este no se acha nos captulos anteriores.
O que h, na espcie, um conflito aparente entre os arts. 101 e 225,
cuja soluo dada pela regra da especialidade.
O art. 101 genrico, refere-se aos crimes complexos em geral, ao pas
so que o art. 225 tem suas vistas voltadas exclusivamente para os delitos
contra os costumes. O segundo dispositivo uma norma especfica, j que
contm a outra pois, como o art. 101, alude ao crime complexo tendo,
alm disso, circunstncias prprias e especiais, que importam una descripcin
ms prxima o minuciosa de un hecho11, porque se refere exclusivamente a
uma espcie de crimes: os contra os costumes.
Ora, desde que se aceite que a regra do art. 225 especfica em relao
do art. 101, no h como fugir ao princpio lex specialis derogat legi generali.
ele que resolve o conflito aparente entre as duas disposies mencionadas
e o soluciona fazendo com que o art. 225 derrogue o art. 101 ou prevalea
sobre ele.
Cumpre tambm atentar para o caso de concurso formal, quando, ao
contrrio do que s vezes se tem decidido, no h aplicao da regra do art.
101. A respeito do assunto, j escrevemos em outro livro (exemplificando
com o concurso ideal de ato obsceno e adultrio arts. 233 e 240) palavras
que passamos a reproduzir, lembrando primeiramente que crime complexo
uma coisa e concurso formal outra, pois aqui h ao nica, constituindo
mais de um crime, mas no formando um delito-tipo da Parte Especial, como
acontece com o crime complexo. No existe, no Cdigo Penal nem no de
10. Hlio Tornaghi, Processo penal, 1953, p. 201 e 204, e RT, 226:119.
11. Asa, Tratado, cit., v. 2, p. 472.
DA AO PENAL
343
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
I
CONSIDERAES GERAIS
SUMRIO: 216. Extino da punibilidade. 217. Classificao.
216.
Extino da punibilidade. A pena no elemento do crime e sim
seu efeito ou conseqncia, donde, assisadamente, o Cdigo previu aqui
causas que extinguem a punibilidade ou o jus puniendi do Estado. No seguiu
o exemplo de outras legislaes, que se referem extino do crime, como
faz o Cdigo Penal italiano, colocando-a ao lado da extino da pena. O
que existe, no caso, renncia do direito de punir, de que titular o Estado,
como com toda a preciso diz o Min. Francisco Campos, na Exposio de
Motivos do Cdigo de 1940, em sua redao primeira: O que se extingue,
antes de tudo, nos casos enumerados, no art. 108 do projeto, o prprio
direito de punir por parte do Estado (a doutrina alem fala em Wegfall des
staatlichen Staatsanspruchs). D-se, como diz Maggiore, uma renncia, uma
abdicao, uma derrelio do direito de punir do Estado. Deve dizer-se,
portanto, com acerto, que o que cessa a punibilidade do fato, em razo de
certas contingncias ou por motivos vrios de convenincia ou oportunida
de poltica.
Extinguem elas a pretenso punitiva do Estado ou impedindo a persecutio
criminis, ou tornando inexistente a condenao. O delito, como fato, como
ilcito penal, permanece, gerando efeitos civis e criminais, como o reconhe
cimento da reincidncia, a impossibilidade do sursis, a agravao da pena, no
caso de delitos conexos. O crime subsiste, pois uma causa posterior ou suces
siva no pode apagar o que j se realizou no tempo e no espao.
Oportuna a observao de Antolisei: O Cdigo distingue estas causas
em duas classes: causas que extinguem o crime e causas que extinguem a
pena. Tal terminologia no absolutamente feliz, porque o crime, como fato
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
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PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
347
II
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
A) MORTE DO AGENTE
SUMRIO: 218. Morte do acusado e do condenado.
218.
Morte do acusado e do condenado. a primeira causa de extino
da punibilidade e consagrao do princpio mors omnia solvit a morte faz
desaparecer, solve ou apaga tudo.
Por ele, se no se intentou ao contra o acusado, ela no mais pode ter
lugar; se se acha em curso e ele falece, o processo no prossegue; se foi
condenado e morre, no se executa a pena. No h, pois, procedimento penal
contra o morto.
Nem sempre foi assim. A Histria conta-nos casos de pessoas julgadas
mesmo depois da morte. Alm disso, houve as penas infamantes, que no s
atingiam a memria do morto como tambm seus descendentes. Na Idade
Mdia, ao lado da damnatio memoriae, conheceram-se a condenao em efgie
e a execuo de cadver.
Hoje, dificilmente se encontraro tais penas na legislao dos povos
cultos. exato que no direito ingls existe a pena sui generis da negao de
sepultura crist aos suicidas. Tal coisa no defensvel e resqucio da re
cusa de sepultura de outras eras, como lembra Hans von Hentig: A recusa
de sepultura constitua uma pena acessria da capital, executada por meios
infamantes, tais como a crucificao e decapitao, ou da pena capital exe
cutada em um dia de festa nacional ou no crcere1.
Com a morte cessam a persecutio criminis, a condenao e seus efeitos.
No, porm, as conseqncias civis. A herana do condenado responde pelo
dano do crime. No se trata, contudo, de pena, tanto que a multa, imposta
como condenao, no pode ser cobrada dos herdeiros. Ela, como pena que
, no foge ao princpio da responsabilidade pessoal, ao passo que a ao
1. Hans von Hentig, La pena, trad. M. Piacentini, 1942, p. 276.
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
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350
PARTE GERAL
5. Alosio
de Carvalho Filho, Comentrios, cit., p. 81 e 82.
6. Jos. M.
C. X. Goedseels, Commentaire, cit.,2. ed., v. 2, p.
7. Jos. M.
C. X. Goedseels, Commentaire, cit.,v. 2, p. 107.
8. Basileu
Garcia, Instituies, cit., v. 1, p. 665;Romo Crtes
trios ao Cdigo Penal, v. 8, p. 350.
107.
deLacerda, Comen
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
B) DA CLEMNCIA SOBERANA
SUMRIO: 219. Consideraes preliminares. 220. Anistia. 221. Graa e
indulto.
219.
Consideraes preliminares. So formas de extino da punibilidade
a anistia, a graa e o indulto, previstas no inc. II do art. 107. Tem a graa dois
sentidos: um amplo e outro restrito. No primeiro, abrange a anistia e o indul
to; no segundo, constitui medida de clemncia como os outros dois.
Distinguem-se eles, pois a graa (em sentido restrito) refere-se a indiv
duo determinado, ao passo que a anistia e o indulto visam a nmero indeterminado
de pessoas, a coletividades de indivduos, tendo em vista certos delitos; so
tambm espontneos, ao passo que a graa, em regra, pedida (CPP, art.
734). A anistia pode ser concedida antes ou depois da condenao, enquanto
o indulto e a graa s so aplicveis a rus condenados. A anistia extingue a
punibilidade, ao passo que a graa e o indulto podem ser parciais, apenas
comutando ou diminuindo a pena. Reserva-se, geralmente, a anistia para cri
mes polticos, ao passo que as duas outras medidas de clemncia se destinam
a crimes comuns. A anistia de competncia exclusiva do Congresso Nacio
nal (CF, art. 48, VIII), enquanto a graa e o indulto so prerrogativas do
Chefe do Executivo (CF, art. 84, XII).
Advirta-se que, na prtica, h certa confuso entre graa e indulto,
empregando-se comumente o ltimo vocbulo para indicar o outro. Diz-se
que o sentenciado pede indulto ao Presidente da Repblica alis, indulto
ou perdo quando, realmente, est pedindo graa. Tal fato acha-se consa
grado na Constituio Federal, no ltimo dispositivo citado, onde se emprega
a expresso indulto, abrangendo tambm a graa. Todavia o Cdigo de Pro
cesso Penal distingue-os, tratando da graa nos arts. 734 a 740, e da anistia
e do indulto, respectivamente, nos arts. 742 e 741. Como se v tambm do
dispositivo em anlise, o estatuto substantivo refere-se s trs medidas de
indulgncia soberana (indulgentia principis).
352
PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
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PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
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PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
C) DECURSO DO TEMPO
SUMRIO: 222. Novatio legis. 223. Prescrio. Decadncia. Perempo.
358
PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
359
V
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
D) DECU RSO DO TEM PO
P R ESC R I O
224.
Conceito e fundamento. O jus puniendi do Estado extingue-se tam
bm pela prescrio. Esta a perda do direito de punir, pelo decurso de tem
po; ou, noutras palavras, o Estado, por sua inrcia ou inatividade, perde o
direito de punir.. No tendo exercido a pretenso punitiva no prazo fixado em
lei, desaparece o jus puniendi.
Tem o instituto da prescrio sofrido crticas. Beccaria escreveu que,
quando se trata desses crimes atrozes, cuja memria subsiste por muito tem
po entre os homens, se os mesmos forem provados, no deve haver nenhuma
prescrio em favor do criminoso que se subtrai ao castigo pela fuga1. E um
estmulo fuga proclamam alguns. So relativos os argumentos da cessa
o do interesse de punir e da fraqueza ou desaparecimento das provas
dizem outros. Os filiados Escola Positiva aceitam-na somente quando ces
sada a periculosidade.
Outras crticas ainda se fazem prescrio, porm no procedem, pois
ela atende no s ao interesse do acusado como tambm aos interesses de
carter pblico.
O tempo, que tudo apaga, no pode deixar de influir no terreno repres
sivo. O decurso de dias e anos, sem punio do culpado, gera a convico da
sua desnecessidade, pela conduta reta que ele manteve durante esse tempo.
Por outro lado, ainda que se subtraindo ao da justia, pode aquilatar-se
1. Beccaria, Dos delitos, cit., p. 82.
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362
PARTE GERAL
225.
Penas e prescrio. Sendo a prescrio a extino da punibilidade
pela fluncia do tempo, lgico que as leis tratem de fixar este.
O nosso Cdigo Penal, nos arts. 109 a 118, trata das vrias hipteses
que surgem acerca da fixao desse tempo.
A reforma de 1984 tornou todas as penas prescritveis, o que no ocor
ria anteriormente com as acessrias.
As privativas de liberdade e as restritivas de direitos (art. 109, pargrafo
nico) prescrevem em prazos variveis, de acordo com a sua quantidade, enquanto
a de multa, quando isoladamente aplicada ou no cumprida, prescreve em
dois anos.
Fora disso, as penas mais leves prescrevem com as mais graves, na for
ma do art. 118.
No art. 109, o legislador trata do lapso prescricional, tomando como
base a quantidade da pena e fazendo-o variar entre vinte anos limite m
ximo, e dois anos limite mnimo. No havendo condenao, regula a pres
crio o mximo da pena in abstracto. Aps transitar em julgado a sentena
condenatria, a pena in concreto que fixa. No primeiro caso, trata-se de
prescrio da ao; no segundo, da condenao. (Bem sabemos que no
exato falar-se em prescrio da ao, todavia a expresso figura amplamente
nos tratados e nos julgados dos tribunais, inclusive do Pretrio Excelso.)
Os prazos prescricionais so reduzidos metade quando o criminoso
era, ao tempo do delito, menor de vinte e um ou maior de setenta anos, atendendo-se naturalmente s condies de inferioridade de ambos, existentes,
em regra, em relao aos outros homens: a um, devido falta de maturidade;
a outro, por sua decrepitude.
No tocante multa, a reforma de 1984 corrigiu uma omisso havida na
primitiva redao, ao acrescentar a hiptese da pena em questo ser a nica
cominada. Pela atual redao (art. 114), a pena de multa, sendo a nica cominada
ou aplicada, prescreve em dois anos.
Transitada em julgado a sentena condenatria, a pena in concreto
que regula a prescrio. Novo prazo comea a fluir, regulado agora por aque
la pena, que no retroage para alcanar a pretenso punitiva, j que se trata
agora da pretenso executrio-penal. o que claramente se v do art. 110,
que diz serem os mesmos prazos do art. 109, com a particularidade do acrs
cimo de um tero se o condenado for reincidente.
Cumprindo a pena o sentenciado, mas evadindo-se, o lapso prescricional
regulado pelo restante que deixou de cumprir, o mesmo sucedendo se se
tratar de revogao do livramento condicional. Compreende-se facilmente a
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PARTE GERAL
interpretao; para outros, a smula era profundamente justa, pois tinha como
base a pena merecida e adequada ao caso e no a possvel.
Com a reforma introduzida pela Lei n. 6.416, de 1977, principalmente
pelo acrscimo do 2. do art. 110 (primitiva redao), toda discusso termi
nou, pois o novo preceito declarou de maneira ntida que a prescrio retroati
va importava to-somente em renncia do Estado pretenso executria da
pena principal.
Ficou, ento, estabelecido que:
) a prescrio depois da sentena com trnsito em julgado para a acu
sao ou no provido o recurso acusatrio, regulava-se pela pena concretiza
da; e
b) a prescrio atingia apenas a pretenso executria, isto , o direito de
executar a sano imposta pela sentena condenatria.
A atual reforma (de 1984) deu nova guinada prescrio retroativa,
prestigiando a j mencionada Smula 146.
Pelo exame dos pargrafos do art. 110 do Cdigo Penal conclui-se que:
) a prescrio retroativa voltou a atingir a pretenso punitiva, com ca
racterstica prpria, sendo uma exceo regra geral prevista no art. 109. A
prescrio em questo rescinde a sentena condenatria, atingindo seus efei
tos principais e secundrios;
b) aplica-se tanto no havendo recurso da acusao como igualmente na
hiptese do recurso no ser provido;
c) aplica-se e atinge trs perodos: do fato ao recebimento da denncia,
se houver, desta publicao da sentena e, por fim, desta ao julgamento em
segundo grau, havendo, obviamente, recurso das partes.
Voltou-se, portanto, ao princpio ensejador da jurisprudncia sumulada.
Da anlise da atual situao chegamos concluso de que a prescrio
retroativa obedece aos seguintes princpios:
1.) no h necessidade de recurso da defesa para o seu reconhecimento;
2.) o prazo, como j realado, pode ser contado do fato ao recebimento
da denncia, desta publicao da sentena e desta ltima ao julgamento do
recurso. Na sentena absolutria, provido o recurso acusatrio em segundo
grau, temos apenas dois lapsos prescricionais: do fato publicao da sen
tena e desta ao julgamento do apelo;
3.) pode ser considerada a pena imposta ou reduzida em segundo grau
e mesmo a elevada, desde que, na ltima hiptese, no modifique o prazo
prescricional;
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esta perdura ele no se finda. Como pode, ento, um ato processual (a denn
cia, a portaria, ou o auto de flagrante) dizer que cessou aquela permanncia,
para da se contar o lapso prescricional, quando, entretanto, o delito est se
realizando?
Suponha-se o crime de crcere privado (art. 148). Realizado o inqurito
e oferecida a denncia, faz-se o processo. Prova-se taxativamente estar a v
tima enclausurada; apenas, no se sabe qual o lugar da clausura, cuja conti
nuao, entretanto, provada, v. g., por testemunhas que ouviram o ru, leram cartas suas etc. Pois bem, apesar de tudo isso, apesar de o ofendido no
aparecer, se o ru for expedito e, foragido, aguardar a prescrio da condena
o, ficar impune, no obstante seu crime estar ainda em plena consumao.
O argumento de que ento se far novo processo no colhe, porque seria
autntico bis in idem, j que o delito um s, o mesmo. No se poderia
atribuir ao agente outro crime, pois lhe faltariam vrios elementos, como a
ao inicial de enclausurar, que no se realiza aps a prescrio.
O que sustentamos no tem qualquer cunho de originalidade. Primeiro,
a lei a dizer iniciada a prescrio quando houver cessado a permanncia.
Depois, so inmeras as opinies que sufragam esta tese. Alosio de Carva
lho Filho, aps citar como crimes permanentes o seqestro, o crcere privado
e o bando, ou quadrilha, diz: A prescrio, pois, no poder correr seno da
data em que a societas houver sido desfeita, em que o seqestro ou o crcere
houverem sido levantados. Porque s ento cessou a permanncia da ao
criminosa6. Jos Duarte, que tambm comunga dessa opinio, cita Binding,
Wachter, Massari, Sabatini, Manzini, Leone, Battaglini e Appiani, todos sus
tentando que a prescrio se inicia quando cessa a permanncia7. Com inteira
propriedade escreve o jurista ptrio: Nesse crime, no h um momento, mas
um perodo consumativo, no qual podemos encontrar o momento inicial e o
final, ao que observa Leone h um evento continuativo e uma consumao
continuativa8.
o que dizamos h pouco: o crime permanente tem, como qualquer
outro, seu momento inicial e final, com a diferena de que nele estes so
espaados, afastados um do outro pela permanncia. Conseqentemente no
nos parece seguro dizer que a denncia corta esse perodo, fracionando-o, de
modo que se pode sustentar que, ocorrida a prescrio, novo processo se
instaurar. Com efeito, considerando-se o seqestro, o crcere privado e o
bando, ou quadrilha, onde estaria o termo inicial elemento dos delitos
6. Alosio de Carvalho Filho, Comentrios, cit., p. 346.
7. Jos Duarte, Tratado, cit., v. 5, p. 206 e s.
8. Jos Duarte, Tratado, cit., v. 5, p. 210.
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civil das pessoas. Assim, se algum est acusado por bigamia e o fato ob
jeto de ao cvel, apresenta-se uma prejudicial. mister se decida no outro
juzo a questo, para ter prosseguimento a ao penal.
O art. 39 da lei adjetiva refere-se a questo de competncia do juzo
cvel, diversa da pertinente ao estado civil das pessoas. Como dissemos, e
agora melhor se v, as prejudiciais podem ser de qualquer natureza (civil,
comercial, constitucional, administrativa etc.), exceto penal: a expresso juzo
cvel empregada como antinmica de juzo criminal.
As causas mencionadas no art. 92 so obrigatrias ...o curso da
ao penal ficar suspenso...; e as do art. 93 so facultativas ... o juiz
criminal poder... suspender o curso do processo.... Mas ambas, existentes,
suspendem o curso da ao penal, como claramente fala o art. 94 do diploma
adjetivo.
A segunda causa suspensiva o cumprimento da pena no estrangeiro.
bvia a razo. Cumprindo pena fora do pas, o acusado no pode ser extradi
tado e, assim, a prescrio decorreria, favorecendo-o. Lgico, pois, que o
legislador veja, no fato, motivo para que fique suspenso o prazo prescricional.
O pargrafo nico do art. 116 declara que, depois de passada em julga
do a sentena condenatria, a prescrio fica suspensa durante o tempo em
que o condenado se acha preso por outro motivo. A expresso outro motivo
ampla: toda e qualquer razo que no seja a da sentena condenatria de
que trata o dispositivo. Preso por outro motivo, no pode ele cumprir a pena
que lhe foi imposta, donde seria absurdo que esse outro comportamento il
cito, que lhe determinou a priso, fosse causa para que ele no cumprisse a
pena que foi imposta naquela sentena.
O Cdigo de Processo Penal (como j tivemos ocasio de aludir), no
art. 152, determina fique suspenso o processo se, depois do crime, sobre
veio molstia mental ao acusado. Em tal hiptese no se suspende o lapso
prescricional, como nota Basileu Garcia, citando Logoz, que, no silncio
do Cdigo suo, aborda a questo para dizer que a prescrio continua a
correr ela no se suspende em caso de alienao mental do delinqen
te sobrevinda aps o delito, apontando, a seguir, os doutrinadores Chauveau
et Hlie, Faustin-Hlie e Garraud, que sustentam o mesmo ponto de vista14.
Assim tambm entendemos. Os casos de suspenso da prescrio so de
direito estrito.
229.
Causas interruptivas. J mostramos, no pargrafo anterior, sua
diferena em relao s suspensivas, e, no decurso da exposio do instituto
14. Paul Logoz, Commentaire, cit., 1939, v. 1, p. 307.
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prazo que comeou a correr se interrompe com a priso (no pas ou no estran
geiro, por via de extradio) ou pelo fato de prosseguir o cumprimento da
pena.
tambm causa interruptiva a reincidncia (art. 63). O preceito salu
tar. Como j tivemos ocasio de dizer, uma das razes da prescrio o de
curso de tempo para o delinqente, que, no sendo alcanado pela justia,
conduz-se durante anos de modo escorreito, demonstrando, em regra, que o
efeito da pena a cumprir j foi alcanado. Ora, se o indivduo, nessas condi
es, torna a ser condenado, no se justifica que cesse o jus puniendi estatal.
Interrompe-se a prescrio na data do segundo crime. Trata-se de causa de
carter personalssimo e por isso incomunicvel aos co-partcipes soa o
1.. Quer isso dizer que, em caso de co-participao, correndo a prescrio,
o fato de um dos co-partcipes praticar novo crime interrompe-a somente em
relao a ele, prosseguindo o lapso quanto aos demais.
Idntica situao para o inc. V, pois o incio ou continuao do cumpri
mento da pena de um dos participantes no importa em interrupo para os
demais. Assim, se um deles for preso, no interrompe a prescrio para os
demais, inovao trazida pela reforma de 1984, corrigindo injustia da reda
o primitiva.
Quanto s outras causas interruptivas, so comunicveis por fora do
mesmo dispositivo.
O mesmo pargrafo versa crimes conexos, objeto de nico processo,
para declarar que a interrupo relativa a um deles estende-se aos outros.
Trata-se de princpio geral, no comportando exceo. Observe-se que a lei
fala expressamente em crimes conexos, objetivando, pois, a conexo real ou
substancial, e no a simplesmente formal ou determinada por convenincias
processuais.
230.
Crimes de imprensa. Em matria de crimes de imprensa, a lei an
terior, no art. 52, consagrava, a bem dizer, a impunidade, uma vez que fixava
o prazo absurdo de dois meses para a prescrio da ao tendo ns, ento,
tecido comentrios que hoje no tm cabida. exato que, posteriormente, a
Lei n. 2.728, de 16 de fevereiro de 1956, dilatara o prazo para um ano, o que
ainda era insuficiente.
Hoje, vigora a Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, modificada pelos
Decretos-lei n. 207, de 27 de fevereiro de 1967,510, de 20 de maro de 1969,
pela Lei n. 6.071, de 3 de julho de 1974, pela Lei n. 6.640, de 8 de maio de
1979, e pela Lei n. 7.300, de 27 de maro de 1985.
Fixou ela o prazo prescricional da ao em dois anos, contado da data
372
PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
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PARTE GERAL
19.
O Anteprojeto Nlson Hungria adotava o prazo de dois anos, a contar da data da
sentena declaratria da falncia, repudiando cabalmente a opinio que mandava contar o
prazo da data do encerramento (art. 110, VI e 2., e).
VI
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
E) REPARAO
SUMRIO: 232. Retratao. 233. Subsequens matrimonium.
232.
Retratao. Os incs. VI, VII e VIII do art. 107 tm por fundamento
a reparao devida ao ofendido. No obstante o ressarcimento do dano no
ser causa de extino de punibilidade, a lei aqui abre excees, como se ver
a seguir.
O primeiro caso a retratao. Essa o ato de retratar, que, ao lado de
outro significado, tem o de retirar o que disse, desdizer-se, confessar que
errou etc.
Exposto isto, v-se logo qual o fundamento da causa extintiva: embora
no se trate de arrependimento eficaz, no deixa de haver arrependimento.
H um impulso honesto em declarar que se foi leviano, que no se deveria ter
ofendido etc. Para a vtima, tambm melhor essa reparao do que a pro
porcionada pela sentena, que no tem o mesmo valor, conforme as circuns
tncias, o meio social etc. Ela , sem dvida, mais ampla. Quanto aos crimes
de falso testemunho e falsa percia, mais proveitosa que a condenao do ru,
para a justia, a apurao definitiva da verdade.
Os crimes em que a lei admite a retratao so os definidos nos arts.
138, 139 e 342, conforme o art. 143 e o 3. do citado art. 342. So os de
calnia, difamao e falso testemunho ou falsa percia, que no so punveis
se antes da sentena o agente se retrata ou declara a verdade.
Excetuou a lei o delito de injria (art. 140); a razo comumente aduzida
que, ao contrrio da calnia e da difamao, no existe nela um tema probandi.
Realmente, enquanto a primeira a imputao falsa a algum de fato defini
do como crime, e a difamao a imputao consciente de fato ofensivo
reputao, a injria juzo que se faz de uma pessoa; no h a atribuio de
um fato. Se exato que, s vezes, ela envolve fatos, como quando se diz, por
376
PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
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378
PARTE GERAL
5. RF, 65:617.
6. Nlson Hungria, Novas questes, cit., p. 127.
7. Pozzolini, in Florian, Trattato, cit., v. 5, p. 406.
VII
PERDO JUDICIAL
SUMRIO: 234. Conceito. 235. Natureza jurdica. 236. Extino da
punibilidade.
234. Conceito. O perdo judicial pode ser traduzido como uma faculda
de dada pela lei ao juiz de, declarada a existncia de uma infrao penal e sua
autoria, deixar de aplicar a pena em razo do reconhecimento de certas cir
cunstncias excepcionais e igualmente declinadas pela prpria lei.
O perdo , em primeiro lugar, uma faculdade dada ao julgador de no
aplicar a pena, da por que nominado como perdo judicial. Depois, tem como
pressuposto, obviamente, o reconhecimento de um fato delituoso e sua auto
ria: por primeiro o juiz reconhece o crime e a autoria, condenando o acusado,
para, depois, aplicando o perdo, no impor qualquer sano. Por derradeiro,
embora faculdade judicial, a concesso fica bitolada ao reconhecimento de
certas circunstncias preestabelecidas pela lei.
As hipteses no so numerosas: homicdio culposo (art. 121, 3. e
5.), leses corporais culposas (art. 129, 6. e 8.), crimes decorrentes de
outras fraudes (art. 176, pargrafo nico), receptao culposa (art. 180, 1.
e 5.), subtrao de incapazes (art. 249, 2.), crimes falenciais (Dec.-lei n.
7.661, art. 186, pargrafo nico) etc.
Por sua vez, as circunstncias que ensejam a faculdade podem ser v
rias: as conseqncias ao prprio agente, como nos casos de homicdio e le
ses culposas, e restituio do menor sem maus-tratos ou privaes, na sub
trao de incapazes, a instruo insuficiente e o comrcio exguo, no crime
falencial etc.
235. Natureza jurdica. Sobre a natureza jurdica formaram-se quatro
correntes, todas elas com inmeros e doutos seguidores.
1)
Para uma primeira corrente, a mais numerosa, a sentena que conce
de o perdo judicial condenatria, subsistindo os seus efeitos quanto rein
380
PARTE GERAL
DA EXTINO DA PUNIBILIDADE
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