Paulo Freire No CMI

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1

ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA


INSTITUTO ECUMNICO DE PS-GRADUACAO EM TEOLOGIA

MARIO BUENO RIBEIRO

ANDARILHAGENS PELO MUNDO


Paulo Freire no Conselho Mundial de Igrejas - CMI

So Leopoldo
2009

MARIO BUENO RIBEIRO

ANDARILHAGENS PELO MUNDO


Paulo Freire no Conselho Mundial de Igrejas - CMI

Tese de Doutorado
Para obteno do grau de Doutor em
Teologia
Escola Superior de Teologia
Instituto Ecumnico de Ps-Graduao
rea: Religio e Educao

Orientador: Prof. Dr. Balduino Antonio Andreola

So Leopoldo
2009

MARIO BUENO RIBEIRO

ANDARILHAGENS PELO MUNDO


Paulo Freire no Conselho Mundial de Igrejas CMI
Tese de Doutorado
Para obteno do grau de Doutor em
Teologia
Escola Superior de Teologia
Instituto Ecumnico de Ps-Graduao
rea: Religio e Educao

So Leopoldo, 14 de outubro de 2009.

Prof. Dr. Balduino Antonio Andreola Presidente

Prof. Dr. Remi Klein EST/RS

Prof. Dr. Manfredo Carlos Wachs EST/RS

Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer UNILASALLE/RS

Prof. Dr. Norberto da Cunha Garin IPA/RS

So Leopoldo
Outubro de 2009

Dedico

minha me Maria, que se foi e deixou


saudades...
Ao meu pai, o heri que cuidou dela todos os
dias, no tempo da sua angstia.
Aos meus irmos Elmar, Luzimar, Andria e
Marcio, para que sejam bem sucedidos.
Aos meus filhos, Gabriel e Laila, sementes de
esperana de um mundo melhor
Aos pobres, oprimidos e esfarrapados do
mundo;
Aos profetas e profetizas da esperana que
denunciam a injustia e anunciam a
libertao.
A todos e todas que amo.

Minha gratido

A Deus, no Cristo Libertador, aquele que Paulo Freire encontrou nos trabalhadores e no
nas estruturas hierrquicas da Igreja;
Aos meus amigos-irmos mestres e doutores Jaider, Clemildo, Manolo, Edgar e Jos Luis,
pela acolhida, apoio, incentivo e pelos longos e bons tempos de conversa. Todos eles so
aqueles amigos mais chegados que irmos.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Balduino Antonio Andreola, engajado, sempre amigo,
competente, pelo compromisso freireano para com a educao e a vida.
Ao Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista, por ter contribudo de forma extraordinria na
minha jornada acadmica.
Aos colegas, professores e professoras do Centro Universitrio Metodista IPA, pela
convivncia que me permitiu um outro e novo olhar sobre a educao.
Ao Sydney, nosso pastor, amigo e sbio e sua esposa Ceclia, amvel e hospitaleira.
Ao Prof. Dr. Rudolf von Sinner, Rev. Dr. Ioan Sauca, Prof. Dr. Odair Pedroso Mateus, por
tornarem o meu caminho em Genebra menos pedregoso e cuja ajuda no tenho como
pagar.
Faculdade Boas Novas, que me deu o privilgio de trabalhar novamente com a Teologia e
a Pedagogia e conviver com estes campos do saber.
Faculdade Salesiana Dom Bosco, uma instituio confessional catlica romana por ter
acolhido a mim, um protestante. Aos estudantes, na sua maioria das ordens religiosas,
pela nossa convivncia ecumnica.
Edilza, companheira.
Aos meus filhos, Gabriel que me ajudou nas tradues e Laila, por sua doura.

SUMRIO

INTRODUO ............................................................................................................. 10
CAPTULO I PAULO FREIRE: VIDA, OBRAS, FORMAO, INFLUNCIAS E EXLIO NA
AMRICA LATINA ........................................................................................................ 16
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
1.6

O lcus do pensamento freireano .....................................................................19


As influncias sobre Paulo Freire: a famlia e o povo sofrido ...................................25
As bases tericas iniciais do pensamento freireano ...............................................27
A trajetria profissional de Paulo Freire costurada com sua prxis educacional ...........29
A aplicao do mtodo ...................................................................................40
O mtodo fora do Nordeste .............................................................................41

CAPTULO II O CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS ...................................................... 48


2.1 Ecumenismo ................................................................................................48
2.2 Cristianismo: cises e tentativas de retorno unidade uma breve abordagem histrica
do incio ao Conclio Vaticano II .............................................................................50
2.3 O Ecumenismo no sculo XX razes e gnese ....................................................64
2.4 O Conselho Mundial de Igrejas o esforo protestante de ecumenismo ....................64
2.4.1 O CMI e as Associaes, Federaes e Alianas Crists .................................... 68
2.4.2 O CMI e as Conferncias Missionrias ............................................................. 74
2.4.3 A Conferncia de Edimburgo .......................................................................... 76
2.4.4 De Edimburgo a Genebra: a Conferncia Internacional de Misses e o Conselho
Mundial de Igrejas do CIM ao CMI ........................................................................ 81
2.4.4.1 Primeiro brao do rio: O Conselho Internacional de Misses (e seus
desdobramentos) ............................................................................................ 82
2.4.4.2 Segundo brao do rio: Movimento Vida e Trabalho ................................ 87
2.4.3.3 Terceiro brao do rio: Movimento de F e Ordem .................................. 88
2.4.5 A formao do CMI: os braos de rio se uniro num s rio ............................... 90
2.5 A Natureza do CMI ...................................................................................... 101

CAPTULO III PAULO FREIRE NO CMI ...................................................................... 106


3.1 A Educao teolgica no CMI .................................................................. 107
3.1.1 O TEF Theological Education Fund ................................................. 109
3.1.2 O TEF torna-se PTE Program on Theological Education .................... 114
3.1.3 O PTE torna-se ETE Ecumenical Theological Education .................... 115
3.2 A Educao no-teolgica no CMI ........................................................... 116
3.3 Paulo Freire no CMI .................................................................................. 117
3.3.1 Dois termos, dois brasileiros ............................................................. 118
3.3.2 O Itinerrio do Andarilho da Esperana: Paulo Freire no CMI............... 122
3.3.3 As viagens de Paulo Freire (cf. Anexo 3) ........................................... 126
CONCLUSO ............................................................................................................. 162
REFERNCIAS ........................................................................................................... 167
ANEXOS .................................................................................................................... 175

RESUMO
Nos modelos econmicos em que o lucro a finalidade subordinam-se todas as instituies sociais
para garantir os benefcios de uma minoria, sustentada pela opresso de uma maioria. Nos territrios
ocupados pelos pases ibricos desde o sculo XV estabeleceu-se uma poltica de controle sobre as
massas denominada de colonialismo. Essa poltica ganhou o selo oficial da Igreja que administrava o
direito internacional e autorizava as ocupaes. Com isso, criou-se nestes territrios uma mentalidade
colonial. Embora independentes, as colnias mantiveram esta mentalidade que deve ser superada e
contra a qual os oprimidos se julgavam incapazes de enfrentar, alimentados pelo discurso
determinista religioso. Este trabalho trata da trajetria de Paulo Freire e do Conselho Mundial de
Igrejas (CMI). Ambos nascidos no sculo XX. Paulo Freire uma pessoa, CMI uma organizao
internacional. Os esforos de ambos so comuns: contribuir na Missio Dei visando a libertao da
pessoa humana. Um contribuiu com sua prxis epistemolgica, outro com o aporte financeiro e
ambos em resposta aos anseios humanos de libertao. A trajetria de Paulo Freire no Brasil, Chile e
Estados Unidos trabalhada no primeiro captulo, e a do CMI no segundo captulo. O captulo trs
reservado para descrever a trajetria de Paulo Freire a partir do CMI. O texto nos oferece leituras de
itinerrios. uma contribuio para manter aceso os ideais do andarilho a esperana que so, num
primeiro momento, a conscientizao, seguida pela libertao e pela emancipao humana.
Palavras-chave: Paulo Freire; Conselho Mundial de Igrejas; conscientizao; libertao.

ABSTRACT

In the actually economic models where sometimes profit its the aim ambition of some groups of
people. All of the socials engagement centers has been usually subordinate to keep safe all of
minoritys privileges which is supported by endless majoritys oppression. Since the XV century, a
massive policy, called by colonialism has been established by iberic countries over crowed of people.
This policy received an official seal of Church which had the responsibility to administrate international
rights and used to concede occupations permission. As a consequence; in this areas, it were created
colonial mentality. Thought independent, colonies have been keeping this kind thought witch must to
be changed, reason why oppressed people judge themselves not able to face this situation, this group
of people have been fed by religious determinism. This work treats to Paulo Freires trajectory in part
to World Council of Churches (WCC). Both of them were born in the XX century. Paulo Freire its a
person, WCC its an International Found. Both efforts are common, it means: to contribute with Missio
Dei seeking freedom of human person. The first one helps with his epistemological praxis and the
second one with the financial support and both with humanities desires of freedom. The Paulo Freires
trajectory in Brazil, Chile and USA its seemed in the chapter one and second one talks about the
WCC. The chapter three its reserved to broach Paulo Freires trajectory from WCC. This work also
offers us itinerary readings. Its just contributions to keep in evidence all of Hopes walkers ideals
whose represents conscietization in the first sight e finally followed by freedom and human
emancipation.
Keywords: Paulo Freire; World Council of Churches; conscientization; freedom

10

INTRODUO

Vivemos num mundo em que a injustia e a desigualdade esto muito


presentes e so aprofundadas pelo modelo econmico adotado pelos pases
desenvolvidos e por aqueles em desenvolvimento. No geral, os modelos econmicos
que geram lucros para uma minoria necessitam da explorao de uma maioria.
Idias hegemnicas tentam nos fazer acreditar que este modelo imutvel. Mas
Paulo Freire nos ensina a olhar a realidade de forma diferente. Em reunies e
encontros por todos os recantos deste mundo ouvimos em unssono: Um outro
mundo possvel.1
Caio Prado Junior, considerado um dos mais significativos historiadores do
Brasil depois de Capistrano de Abreu, pergunta sobre a gnese do Brasil: Quando e
como comeou o Brasil? E esta pergunta pode ser aplicada a todas as regies que
se tornaram colnias dos pases ibricos, especialmente de Portugal. E sua resposta
que o Brasil surgiu no quadro das atividades europias a partir do sculo XV.
Essas atividades integraram um novo continente rbita europia, assim como a
frica e a sia acabaram por integrar o universo todo em uma nova ordem, que a
do mundo moderno2. Neste quadro de atividades encontramos o colonialismo que
pode ser melhor entendido a partir das consideraes que fazemos a seguir.
A primeira considerao refere-se o enriquecimento da Europa. A
colonizao do Brasil, da frica e da sia serviram essencialmente para enriquecer

Especialmente sobre esta questo podemos considerar as obras de Istvan Mezsros, dentre elas Para alm do capital.
In: REIS, Jos Carlos. Anos 1960: Caio Prado Jr. e "A Revoluo brasileira". Rev. bras. Hist. V. 19 n. 37, So Paulo,
set. 1999, p. 20.

11

a Europa. A empresa martima portuguesa no sculo XV foi alimentada e financiada


por uma burguesia comercial sedenta de lucros. Com esta sede, a burguesia, com o
apoio do rei, comeou a sua expanso pela frica e ndia. O Oriente ocupava a
fantasia portuguesa como uma regio de abundantes riquezas e por isso a ndia era
o principal objetivo de Portugal. Nesta caminhada ocuparam o Ocidente africano,
chegaram ao Brasil e se expandiram para o Oriente.3
Como segunda considerao nos arriscamos a afirmar que a Igreja
culpada, pois alm da aliana entre os burgueses e a monarquia, h outra a ser
considerada: a aliana da Igreja com as monarquias. Nesta aliana, a Igreja se
sobrepe monarquia. Era a Igreja quem controlava o direito internacional e
autorizava a colonizao e a explorao de um novo territrio atravs dos mandatos
feudais expedidos pelos papas. O poder papal vai se firmar como o dominus totius
orbis. Embora questionado, este poder se impor de forma poderosa na pennsula
ibrica. A Igreja, senhora do mundo, criou no imaginrio portugus a idia de que
civilizao e f catlica estavam intimamente unidas. Dilatar as fronteiras da f e do
imprio era o lema das conquistas portuguesas.4 E isto significava estar entre a
cruz e a espada. Nesse aspecto podemos fazer a mea-culpa da Igreja pela
explorao colonial e dizimao de povos. Por isso a Igreja pediu perdo aos povos
latino-americanos pelas barbries cometidas. Os que no foram dizimados foram
escravizados com a desculpa de que a Bblia no condena este outro modelo
econmico tambm vido de lucro.
Com a escravizao dos corpos escraviza-se tambm a alma, desumaniza-se
o sujeito que deixa de ser humano para tornar-se objeto, reificado, no porque
queira, mas porque coagido inconscientemente para esta condio.
A terceira considerao a de que a Igreja foi o sustentculo ideolgico da
sociedade feudal e transferiu para a Amrica Latina, via tridentismo, todo o iderio
medieval. A concepo de senhorio e servilidade foi implementada nas colnias e
nelas permaneceram.5 Assim foi nas colnias da Amrica Latina e da frica. A

In: BARBEIRO, Herdoto. Histria Geral. So Paulo: Editora Moderna, 1976, p. 156-157.
AZZI, Riolando. O Catolicismo Popular no Brasil. Coleo Cadernos de Teologia e Pastoral - 11, Petrpolis, Vozes, 1978,
p.14.
5
In: SILVA, Clemildo Anacleto; RIBEIRO, Mario Bueno. Intolerncia Religiosa e Direitos Humanos: mapeamentos de
intolerncia. Porto Alegre: Sulina, 2007.
4

12

mentalidade colonial ficou impregnada no somente nas mentes dos pobres e


oprimidos, mas tambm nas dos opressores. Nem sempre o opressor se sabe
opressor e que precisa tambm de libertao. A sombra do opressor pode ser
retirada do oprimido que se conscientiza, se desaliena, mas isto implica em que este
vazio deixado por esta sombra seja preenchido por outro contedo que Paulo
Freire chama de autonomia.
A quarta considerao e a de que a mentalidade colonial se instalou nas
colnias. Isto significou sempre uma completa descaracterizao do humano
enquanto ser. Significou que as pessoas podem estar no mundo mas no com o
mundo. E significa que o ser humano torna-se apenas adaptado, acomodado,
ajustado e se comporta de forma desarraigada, massificada. No sujeito, coisa.
A partir destas consideraes nas quais o colonialismo serviu para enriquecer
a Europa; foi autorizado pela Igreja que o sustentou ideologicamente e que este
colonialismo foi impregnado e se criou uma mentalidade colonial nos territrios
ultramarinos e analisando a prxis anti-hegemnica de Paulo Freire podemos
afirmar que possvel mudar tudo isso.
Nessa crena que nos propusemos acompanhar o itinerrio de Paulo Freire.
Mas no nos ocupamos de Paulo Freire sem um motivo. Abraar a concepo e a
viso de mundo de Paulo Freire exige explicaes, pois Paulo Freire foi um homem
de causa. Advogado de formao abraou a educao por julgar que, como
advogado, no poderia defender uma causa injusta. E foi para uma causa justa:
defender o ser humano aprisionado nas trevas da falsa conscincia como aqueles
prisioneiros ainda acorrentados pelos grilhes da ignorncia do Mito da Caverna de
Plato. Paulo Freire prope a integrao do humano ao mundo, seu enraizamento,
sua ao ativa de optar pela realidade, de criar e recriar o mundo, de exercer a
crtica e construir a cultura.
O motivo de realizarmos este trabalho parte da nossa preocupao com as
questes teolgicas e educacionais. Quando se estuda teologia nos cursos
superiores de Cincias Teolgicas h quase que um ocultamento da concepo
libertadora de Paulo Freire. Nos cursos de licenciatura, quando h uma nfase nas
obras de Paulo Freire cita-se en passant sua presena no CMI. O que lemos de

13

Paulo Freire no CMI sempre a reproduo de um texto de Moacir Gadotti em que


afirma ter conhecido Paulo Freire em 1974 enquanto fazia doutorado na
Universidade de Genebra; ou ento que ele trabalhava como Consultor Especial do
Departamento de Educao do CMI. Ou ainda lemos artigos ou entrevistas de
pessoas que afirmaram ter conhecido Paulo Freire quando ele trabalhava no CMI.
Mas ser que s isso? Paulo Freire trabalhou dez anos no CMI e qual foi a
sua contribuio efetiva no e a partir deste organismo ecumnico?
Para responder a estas e mais algumas questes assumimos alguns
caminhos. O primeiro deles foi reler as obras de Paulo Freire. Depois fomos a
Genebra em 2007 e coletamos informaes nos arquivos do CMI. Entrevistamos
duas pessoas que conheceram Paulo Freire e nos deram informaes valiosas, uma
mais e outra menos.
De posse dos documentos optamos por selecionar apenas dois para redigir
este trabalho. E os dois documentos tratam das andarilhagens de Paulo Freire. O
primeiro documento est em francs e uma narrativa de Paulo Freire sobre seu
itinerrio do Brasil at sua chegada em Genebra. Nesse documento ele faz uma
descrio da sua famlia e ento descreve seus problemas polticos. O segundo
documento um relatrio de viagens do tempo em que era funcionrio do CMI. Os
documentos so datilografados por Paulo Freire. Outros documentos que esto
anexados referem-se a estes dois que selecionamos para a redao deste trabalho.
Este trabalho essencialmente analtico-descritivo e nossa abordagem
qualitativa. analtico no sentido de que os textos e documentos foram selecionados
e analisados na tentativa de explicar o seu contexto. Embora possa parecer um
tanto objetivista e positivista, a nossa inteno ao optar por esta construo se
encaminha mais para uma hermenutica atualizada. Um trabalho analtico possui
vrias categorias e optamos pela categoria histrica de anlise, pois ao
selecionarmos os documentos nosso interesse est em preservar os registros de
Paulo Freire, mapear a sua experincia localizando-o no espao e no tempo.
Mapeado e localizado caminhamos para a tentativa de analisar os eventos para
entender e interpretar como eles foram produzidos, o porqu e quais conseqncias
podemos atribuir a estes fatos. O trabalho tambm descritivo porque buscamos

14

conhecer e interpretar os documentos, aps selecion-los. Como os fatos j esto


dados, no podemos modific-los, mas podemos reinterpret-los. Por conta da
nossa inferncia sobre os documentos, a nossa abordagem qualitativa.
Quanto estrutura este trabalho est dividido em trs captulos. No Captulo I
optamos por resgatar a biografia de Paulo Freire, buscando elementos
biobibliogrficos. Nesta construo entrelaamos as falas de muitos autores, alguns
mais distantes que fizeram anlises da obra e do pensamento de Paulo Freire e
outros mais prximos a ele que dele falam com intimidade. Consideramos neste
captulo o lcus do seu pensamento, as influncias familiares e suas relaes com o
povo, suas bases tericas (inicialmente francesas), sua trajetria profissional, seu
envolvimento com as questes educacionais, a aplicao de seu mtodo no
nordeste e fora do nordeste e tratamos de parte do seu exlio. Alertamos, de incio,
que Paulo Freire vrias vezes esclareceu que o seu mtodo no se tratava
propriamente de "mtodo pedaggico", mas sim de um "mtodo de conhecimento".
A sua preocupao era com uma teoria (inovadora, com certeza) do conhecimento
(problema epistemolgico). Os esclarecimentos de Paulo Freire se deveram pelo
fato de muitos reduzem a sua obra de Freire a um "mtodo de alfabetizao".
No Captulo II tratamos do maior organismo de representao do moderno
movimento ecumnico: o CMI. Para conhecer o CMI e compreender a sua gnese e
formao oferecemos uma conceituao de ecumenismo e tratamos da quebra de
unidade da Igreja, afirmando que a natureza do cristianismo, como de outras
instituies religiosas, a cismtica. Na histria do cristianismo encontramos cises
que desestabilizaram a Igreja, mas a maior delas, com profundos desdobramentos
teolgicos foi resultado do movimento de reforma do sculo XVI. Apresentamos
tambm a crise que a sociedade secularizada causou na Igreja, o seu fechamento e
necessidade de reorganizao e abertura para o mundo moderno, possvel graas
atuao de Joo XXIII na dcada de 1960, com destaque especial para o Conclio
Vaticano II e o documento Unitatis Redintegratio, sobre o Ecumenismo, no qual os
demais cristos ganham o ttulo de irmos separados.
Ainda no Captulo II apresentamos os antecedentes do CMI, fundado a partir
das associao leigas, das alianas e federaes de Igrejas que desembocam nas

15

Conferncias Missionrias. Alm das Conferncias citamos os Comits F e


Ordem e Vida e Trabalho como os braos de rio que formaro o caudaloso rio do
CMI, no qual navega mais de 300 Igrejas presentes em mais de 100 pases.
No Captulo III tratamos de Paulo Freire no CMI. Discutimos a questo da
Educao Teolgica e no-teolgica e como foi o envolvimento de Paulo Freire
com o organismo atravs de viagens por todos os continentes. De posse de um
documento que denominamos Relatrio de Viagem traamos o itinerrio de Paulo
Freire desde Genebra para todo o mundo. No documento foram registrados os
encontros, alguns contatos os dias e o(s) assunto(s) para o(s) qual(is) Paulo Freire
foi convidado. Temos a convico de que nem todas as viagens de Paulo Freire
esto registradas no documento, pois ele no relata a participao na Quinta
Assemblia Geral do CMI, em Nairbi, no Qunia, frica. Mas soubemos que ele
esteve neste evento.
Procuramos neste trabalho mostrar o Paulo Freire como o andarilho da
esperana, o homem que, proibido de andar por sua terra, andarilhou pelo mundo,
perseguindo arduamente seu ideal de libertao e emancipao humana, atravs da
conscientizao, termo este do qual ele tinha uma especial preocupao: no
banalizar mas fazer com que cada ser humano se apropriasse dele e trabalhasse
para a transformao da realidade.

16

CAPTULO I PAULO FREIRE: VIDA, OBRAS, FORMAO, INFLUNCIAS E


EXLIO NA AMRICA LATINA

Com a diversidade que temos de obras sobre a vida de Paulo Freire


poderamos afirmar que seria fcil biograf-lo. Seria, se a nossa proposta fosse
apenas relatar fatos de sua vida. Mas a histria de vida de uma pessoa, qualquer
que seja, envolve muito mais que fatos. H os subjetivismos que esto presentes
apenas na mente da pessoa viva, do sujeito histrico que cada pessoa. Assim no
fcil descrever Paulo Freire ou qualquer outra pessoa humana.
Neste captulo pretendemos tratar do Paulo Freire que, na sua compreenso
do humano como um ser incompleto e inacabado, estava se radicalizando cada vez
mais. Queremos tratar do Paulo Freire que nutria a esperana de melhores dias para
o seu pas, que ele redescobriu no exlio e que negou-lhe o que ele tanto defendia: o
direito a dizer a palavra, no seu lugar. E ele pode dizer dias antes de findar seu
tempo na terra dos viventes6. Paulo Freire, nos seus ltimos dias afirmou que
estava absolutamente feliz por estar vivo num momento histrico do Brasil em que
percebia uma vontade amorosa de mudar o mundo. Referia-se marcha dos semterra para garantir um direito: o da terra. E que morreria feliz se visse um Brasil
cheio, em seu tempo histrico, de marchas. Marcha dos que no tem escola, marcha
dos reprovados, marcha dos que querem amar e no podem, marcha dos que se
recusam a uma obedincia servil, marcha dos que se rebelam, marcha dos que

Referncia ao texto bblico Salmo 166.9.

17

querem ser e esto proibidos de ser.7 Marchas so andarilhagens histricas pelo


mundo. Por isso queremos tratar do Paulo Freire que marchou, que foi andarilho no
mundo. E o foi porque a porta de sua casa estava fechada e portas de outras casas
foram abertas.
Paulo Freire estava guardando energias para escrever as suas cartas
pedaggicas. No viveu o suficiente para v-las publicadas, mas o suficiente para
entregar a ns, seus leitores, a sua mensagem. Depois de sua morte, Nita Freire,
sua esposa, encaminhou os escritos para Balduno Andreola que os prefaciou
conversando com Paulo Freire, de forma to eloqente e lcida. Algo bom em
nossa lngua portuguesa o gerndio. E o gerndio durativo d idia de movimento.
E no conversando Andreola afirma
Se a tua voz, Paulo, fosse uma voz solitria, a esperana se tornaria difcil.
Alegra-nos ver-te situado num processo histrico de grande envergadura.
Tenho certeza plena de que todos os grandes mestres citados acima, e
dezenas de outros, assinariam o que escreveste em tuas Cartas
pedaggicas. Elas lanaro luzes novas sobre os caminhos de milhares de
educadores, e de muitos milhes de pessoas, no mundo inteiro, que
inspirados em tua obra, lutam para a construo histrica de um novo
8
projeto de humanidade

Assim, apesar da tarefa dura com a qual nos deparamos, que a de escrever
sobre a vida de Paulo Freire, esta torna-se menos difcil pelo fato de seu
pensamento e sua epistemologia expressarem sua vida e as aspiraes de tantos
outros na luta por um novo projeto de humanidade. Destacamos que esta tarefa se
realiza a partir da nossa subjetividade e da forma como lemos Paulo Freire.
Desta forma, pretendemos traar a trajetria de Paulo Freire e de sua
epistemologia e tentar compreender o que foi a sua vida, do Recife at Genebra, do
menino empobrecido ao maior educador do nosso tempo9, daquele que desde
pequeno queria fazer algo para ajudar aos homens quele responsvel por um
programa de educao de adultos do Departamento de Educao do Conselho
Mundial de Igrejas.

Entrevista que Paulo Freire concedeu a Luciana Burlamaqui em 17 de abril de 1997. Disponvel em www.paulofreire.ufpb.br.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignao: cartas pedaggicas e outros escritos. So Paulo: Editora UNESP, 2000, p. 25.
Neste texto, por grandes mestres Andreola refere-se a Mounier, Fiori, Petras, Du Pin, Ozanan, Buchez, Teilhard de Chardin,
Bernanos, Pguy, De Lubac, Chenu, Lebret, Dom Hlder Cmara, Duclerc, Habermas, Madre Teresa, Joo XXIII, Gandhi, entre
outros.
9
Entrevista
com
Balduno
Andreola:
Andarilhos
com
Paulo
Freire.
In:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=detalhe&id=469>. Acesso em 25 de
junho de 2009.
8

18

Paulo Freire, em entrevista Revista Presena Pedaggica10 afirmou, no ano


de 1995, que no havia mudado muito nos ltimos trinta anos, mas que estava se
radicalizando cada vez mais. Com isso Paulo Freire no quis se orgulhar, mas
afirmar que continuava nele, e com mais fora ainda, um profundo respeito pela
pessoa humana. E esta radicalizao de Paulo Freire foi demonstrada sempre nas
suas opes. E suas opes foram favorecidas por suas experincias de vida. Foi
assim que Paulo Freire optou por exilar-se na Bolvia, depois no Chile, lecionar por
um perodo nos Estados Unidos da Amrica e a sua mais especial opo: a de
aceitar o trabalho no Conselho Mundial de Igrejas, em 1970.
Quando Paulo Freire chegou ao Conselho Mundial de Igrejas, organismo do
qual trataremos noutro captulo, seu pensamento j estava sistematizado e a sua
Pedagogia do Oprimido j tinha sido publicada. J era um Paulo Freire
profundamente comprometido com a luta no somente pela libertao, mas tambm
pela emancipao da pessoa humana atravs de um conceito amplamente
discutido: a conscientizao. Para Paulo Freire a concientizao era acima de tudo
uma conscincia de classe. E essa conscincia era revolucionria.
Paulo Freire poderia ter permanecido nos Estados Unidos a partir de 1969 e
trabalhado em excelentes universidades e centros de pesquisa, como o fez em
Harvard, ganhando muito dinheiro no corao do capitalismo ou na toca do bicho
como ele costumava dizer, entretanto sua opo melhor pelo Conselho Mundial de
Igrejas contribui para atingir, com seu trabalho e de sua equipe, a frica, a Amrica
Latina e outros pases empobrecidos do planeta, para tornar-se o Paulo dos cinco
continentes. E chegou no Conselho Mundial de Igrejas com uma afirmao: vocs
devem saber que eu tomei uma deciso. Meu problema o problema dos
esfarrapados da Terra. Vocs precisam saber que optei pela revoluo.11
O pensamento de Paulo Freire, tanto em sua teoria quanto em sua prtica
incomparvel. Andreola, em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos,
afirma que Paulo Freire muito mais estudado em outros pases que no Brasil.

10

RODRIGUES, Neidson. Entrevista Paulo Freire: Crtico, radical e otimista. Revista Presena Pedaggica. Belo Horizonte,
Ano I, n. 1, jan/fev 1995, p. 5-12.
11
GERHARDT, Heinz-Peter. Uma voz europia: Arqueologia de um pensamento. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire:
uma biobibliografia. So Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire; Braslia: UNESCO, 1996, p. 163.

19

Segundo Andreola o pensamento freireano desconsiderado por muitos intelectuais


da academia brasileira. Ele cita que
em certas universidades o acolhimento no muito favorvel, em nome de
opes ps-modernas, ps-estruturalistas, ps-crticas ou de modismos que
configuram formas remanescentes de Colonialismo Cultural, ou ento um
fenmeno necrfilo, denunciado por Afrnio Coutinho. Prefaciando um dos
volumes das obras de Ansio Teixeira, ele escreve que ns, brasileiros,
somos tristemente famosos por condenar ao esquecimento grandes
personalidades da nossa histria. A revista Veja tambm refletiu esta
mentalidade, pois, logo aps a morte de Paulo Freire, candidatou-se
rapidamente a coveira de sua obra, prevendo que ela teria durao
12
efmera, o que amplamente desmentido pelos fatos.

A resposta a esta reao a Paulo Freire dada por Andreola, pois tambm
feita em nome de opes (...), modismos que configuram formas remanescentes de
colonialismo cultural.13 Isto s pode ser resolvido a partir da aceitao da
originalidade do pensamento de Paulo Freire, o que de fato ocorre fora do Brasil.
por isso que Paulo Freire obteve reconhecimento internacional e ttulos doutorais
honoris causa em 26 universidades do Brasil e exterior, alm do seu ttulo doutoral
na Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco.

1.1 O lcus do pensamento freireano


O seu pensamento, que j tinha lastro, foi forjado especialmente a partir da
dcada de 50 do sculo XX com forte influncia de pensadores progressistas
franceses. Paulo Freire preferia que seu pensamento fosse considerado como uma
teoria do conhecimento, ou uma epistemologia. Para compreender melhor esta
epistemologia, h que se considerar o contexto em que foi ganhando forma: o
nordeste brasileiro. Esta regio do Brasil foi a grande produtora da riqueza colonial,
durante o ciclo da cana-de-acar, nos sculos XVII e XVIII.
Como espao de explorao e expropriao, especialmente atravs da mode-obra escrava, o nordeste nunca se firmou como espao de emancipao
humana. Na regio foi impregnada uma forte conscincia colonial cujos traos ainda

12

INSTITUTO HUMANISTAS UNISINOS. Andarilhos com Paulo Freire - Entrevista com Balduno Andreola. Disponvel em:
<http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=8773&cod_canal=41>. Acesso em
15 de julho de 2007.
13
Idem, ibidem.

20

no se apagaram. Por isso a insistncia de Paulo Freire na superao do


colonialismo no nordeste brasileiro atravs da educao.
Neste nordeste brasileiro colonial que nasceu Paulo Reglus Neves Freire,
em 1921. Era filho de uma famlia de boas condies financeiras na capital
pernambucana. Viu e sentiu o declnio da famlia como conseqncia da crise
econmica que abalou o mundo a partir da quebra da bolsa de valores de Nova
Iorque em 1929. A casa onde moravam, na Estrada do Encanamento, 724, no Bairro
da Casa Amarela, no Recife, era cedida para a av de Paulo Freire por um tio,
conhecido por Rodovalho, bem sucedido comerciante no Rio de Janeiro que faliu por
conta da crise econmica.
O pai de Paulo Freire, Joaquim, era capito da Polcia Militar de Pernambuco.
E usava gravata. Sua me, Edeltrudes, era dona de casa ou prendas domsticas
e exercia o ofcio de bordadeira14. Ainda na cidade do Recife, Paulo Freire lembra
que teve os primeiros contatos com a leitura em sua casa, sombra de mangueiras.
Ele prprio relatou que sombra das mangueiras, e com gravetos destas, traou as
primeiras palavras, no quintal de sua casa, sob a orientao de seus pais. O cho
fora seu quadro-negro e os gravetos o seu giz. Paulo Freire relata que em sua casa
existiam duas mangueiras, muito prximas uma da outra, que permitam a seu pai
armar a rede e tambm, debaixo destas, foi alfabetizado com palavras de seu
cotidiano e de seu mundo. A experincia foi to marcante que ele produziu um livro
com o ttulo sombra desta mangueira.
Das sombras das mangueiras do quintal de sua casa, Paulo Freire foi
encaminhado para a escola particular da jovem professora Eunice Vasconcelos
(1909-1977). Neste espao Paulo Freire, j alfabetizado, avanou das palavras s
sentenas da lngua portuguesa e ao intrincado mundo da linguagem. Certamente
que as preocupaes posteriores de Paulo Freire com as questes semnticas e
sintticas tiveram seu nascedouro com a professorinha Eunice, tanto que ele
descreveu a sua experincia primeira no espao escolar. De suas atividades
primeiras ele diz:

14

FREIRE, Paulo; GUIMARES, Srgio. Sobre educao: Dilogos. V. 1. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982.

21

Eu me entregava com prazer tarefa de "formar sentenas". Era assim que


ela (professora Eunice) [grifo meu] costumava dizer. Eunice me pedia que
colocasse numa folha de papel tantas palavras quantas eu conhecesse. Eu
ia dando forma s sentenas com essas palavras que eu escolhia e
escrevia. Ento, Eunice debatia comigo o sentido, a significao de cada
uma. (...) Fui criando naturalmente uma intimidade e um gosto com as
ocorrncias da lngua os verbos, seus modos, seus tempos... A
professorinha s intervinha quando eu me via em dificuldade, mas nunca
teve a preocupao de me fazer decorar regras gramaticais.

O que Paulo Freire fazia, ainda criana, sem a conscincia terica e ajudado
por uma professora adolescente, era a cincia hermenutica, de busca do sentido
primeiro das palavras, dos discursos. Esta atividade de impacto em Paulo Freire
permitiu-lhe, mais tarde, em sua ao-reflexo-ao usar e abusar dos termos, das
palavras, algumas muitas inventadas e reinventadas. Anos mais tarde, em encontros
com trabalhadores rurais, Paulo Freire, preocupado com sua linguagem acadmica
e consciente das diferenas semnticas e sintticas, entremeava seus discursos
com quer dizer, isto 15. Fazia isto como que querendo se fazer entender ou
explicar melhor o que lhes dizia.
Com a crise econmica e a falncia, o tio de Paulo Freire perdeu a casa e
todos tiveram de assumir uma vida mais modesta no bairro de Jaboato, distante
dezoito quilmetros do Recife, atualmente sede de municpio autnomo.
Paulo Freire afirmou
Minha famlia, que era de classe mdia, foi obrigada a deixar a casa em
Recife para morar em Jaboato, com a idia mgica de que saindo de l as
coisas melhorariam. No entanto, elas pioraram. Este fato provocou uma
16
mudana fundamental na minha vida.

Jaboato, municpio vizinho de Recife, foi de grande importncia na vida de


Paulo Freire. Foi naquele lugar que Paulo Freire vivenciou novas experincias
forjadoras de sua prxis. Ana Maria Arajo Freire, esposa do segundo casamento de
Paulo Freire depois de sua viuvez em 1986, chama este perodo em Jaboato de
espao-tempo de aprendizagem. Foi neste tempo que Paulo Freire tomou para si,
com paixo, os estudos das sintaxes popular e erudita da lngua portuguesa17.

15

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperana: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 6. ed. So Paulo: Editora Paz e
Terra, 1999, p. 24.
16
BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. So Paulo: Arte e Cincia, 1998, p. 19.
17
FREIRE. Ana Maria Arajo. A voz da esposa: A trajetria de Paulo Freire. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: uma
biobibliografia. So Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire; Braslia: UNESCO, 1996, p. 30.

22

Alm dos percalos sofridos, empobrecimento e fome, em 31 de outubro de


1934 Paulo Freire perdeu o seu pai, vtima de uma aneurisma abdominal. Isto
causou mais dificuldades para a famlia, considerando o contexto da poca. A me
de Paulo Freire era ainda uma mulher jovem, com quatro filhos para sustentar.
Ao falar sobre a me, numa entrevista, Paulo Freire disse que depois da
morte do pai a famlia no teve nada com relao a coisas materiais e afirmou:
Uma das dores maiores que eu carrego em mim ainda hoje a dor de
quando acompanhava minha me nas compras. Ela ainda era uma mulher
jovem, bonita. Era obrigada a ouvir gracejos, ironias, sugestes
desrespeitosas de bodegueiros e aougueiros de quem ia tentar comprar
250 gramas de carne fiado. Representou dor para mim, aos treze anos e at
antes - com ele vivo ainda e sem saber - no ter possibilidade fsica de
brigar contra as ofensas. Isso provocou, ao lado da dor que me acompanha,
18
uma profunda intolerncia ao desrespeito.

Paulo Freire relata que a me no teve condies financeiras para mant-lo


estudando, numa poca em que apenas se podia vislumbrar algum futuro melhor
atravs da educao. Ana Maria Freire relata que Paulo Freire conclura o curso
primrio em Jaboato e que sua formao escolar somente poderia ter
prosseguimento na cidade do Recife. E numa escola paga. O curso ginasial foi
iniciado em 1936, aos 15 anos, no Colgio 14 de Julho, no Bairro So Jos, um
prolongamento do Colgio Francs Chateaubriand. Esgotados os recursos
financeiros no final daquele ano, sua me perambulou por vrias escolas na
tentativa de encontrar uma que fosse gratuita. E foi numa das viagens ao Recife que
a me de Paulo Freire contou com a ajuda de Aluizio Pessoa de Arajo, dono do
Colgio Oswaldo Cruz, que ofereceu uma bolsa de estudos, para os sete anos de
curso secundrio e pr-jurdico. Mais tarde Paulo Freire cursaria Direito na
Universidade do Recife.
Paulo Freire ingressou no Colgio Oswaldo Cruz, no Recife, para continuar
seus estudos, aos 16 anos, quando muitos de seus colegas, de famlias abastadas,
estavam ingressando na Educao Superior. O dono da escola, Prof. Aluzio Pessoa
de Arajo, pai de Ana Maria Arajo, aceitou Paulo Freire na sua escola com apenas
uma condio: que ele fosse estudioso.

18
CORTELLA, Mario Srgio; VENCESLAU, Paulo de Tarso. Entrevista Paulo Freire. Seo Memria. Revista Teoria & Debate.
So Paulo, EFPA, Ano 4, n. 17, jan/fev/mar, 1992.

23

Paulo Freire superou as expectativas de Aluzio, tornando-se, alguns anos


depois, professor de Lngua Portuguesa na mesma escola que o recebera anos
antes. Nas notas da obra Pedagogia da Esperana: um reencontro com a Pedagogia
do Oprimido est relatado que Aluzio usava como critrios para a escolha de
docentes de seu colgio a competncia profissional e o da dedicao e seriedade
no trato do ato de educar19 e que, preponderantemente, do corpo docente do
Colgio Oswaldo Cruz que se formou o corpo docente de quase todas as
faculdades que reunidas mais tarde, no ano de 1946, deram origem a Universidade
Federal do Estado do Pernambuco. Nesta mesma nota, lista-se tambm
personalidades de destaque que foram alunos deste colgio, reconhecidamente
democrtico e progressista. Depois de algum tempo como monitor, talvez para
compensar a sua bolsa de estudos, Paulo Freire passou ao cargo de professor de
Lngua Portuguesa. Assumiu o cargo substituindo Moacir Albuquerque, considerado
um dos melhores professores no Recife na rea de Lngua Portuguesa. O empenho
de Paulo Freire na tarefa docente foi de intensa dedicao leituras crticas de
gramticos brasileiros e portugueses. Paulo Freire deveria contribuir para o sustento
da famlia e parte da parte que lhe cabia dos seus vencimentos eram utilizados
para compra de literatura especializada na Lngua Portuguesa. Ele afirmou que
naquele perodo de alumbramento em que me achava, apaixonado, enfeitiado
mesmo, pela docncia no Colgio Oswaldo Cruz, apliquei um dinheiro maior na
compra de uma roupa. (...) No andava sujo, verdade, mas andava feiamente
vestido.20
Paulo Freire sempre fora profundamente grato ao Prof. Aluzio Arajo. Em
1977 Aluzio e sua esposa, Francisca, conhecida como Genove, passaram quinze
dias na casa de Paulo Freire e Elza, em Genebra. Dois anos depois quando Paulo
Freire veio visitar o Brasil, j em perodo final de exlio, tambm Aluzio estava em
perodo final de sua existncia terrena, pois falecera logo aps o retorno de Paulo
Freire Genebra. O testemunho de Freire que tanto Aluzio quanto Genove foram
responsveis pelas condies de seu desenvolvimento enquanto pensador.

19

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperana: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Notas de Ana Maria Arajo Freire.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 207-208.
20
ROSAS, Paulo. Paulo Freire: aprendendo com a prpria histria. Disponvel em <http://www.fundaj.
gov.br/observanordeste/obex06.pdf>. Acessado em 08 de agosto de 2007.

24

De famlia de classe mdia para o empobrecimento, por causa da crise de


1929, Paulo Freire participou de dois diferentes mundos: de um lado, o status social
marcado pelo simbolismo da gravata do pai e pelo piano alemo da tia que tocava
as composies eruditas europias e, de outro lado, o coleguismo com os meninos
pobres aos quais nomina: Dourado, Reginaldo, Baixa, Toinho Morango, Gerson
Macaco. Desses mundos to diferentes Paulo Freire diz:
Participando do mundo dos que comiam, mesmo que pouco comssemos,
participvamos tambm do mundo dos que no comiam, mesmo que
comssemos mais do que eles o mundo dos meninos e das meninas dos
crregos, dos mocambos, dos morros. Ao primeiro, estvamos ligados por
21
nossa posio de classe; ao segundo, por nossa fome.

A partir das relaes e vivncias nestes dois mundos, Paulo Freire passou a
se autodenominar de menino conectivo. E sua conectividade era com a realidade.
Viveu bons e maus momentos. Conheceu o que significa ser pobre. Nesta condio
afirmou: me tornei homem, graas dor e ao sofrimento que no me submergiram
nas sombras do desespero.22 Com a pobreza, conheceu a fome. E a compreenso
que teve da fome no foi dicionria.23, mas poderia afirmar como na poesia bblica:
antes eu te conhecia s de ouvir falar, mas agora os meus olhos te vem. (J
42.5). Sobre a questo da fome, h um relato interessante de Paulo Freire. Ele diz
que:
Eu tinha possivelmente onze, doze anos, um pouco faminto, mas no tanto
quanto dos meninos deste pas, desde continente.
Lembro-me de uma manh de domingo, uma manh sem chuva.
Estvamos, meus irmos mais velhos e eu, no fundo do quintal, num
gramado em que minha me plantara algumas roseiras para enfeitar a vida
difcil. Eis que uma galinha pedrs se aproxima de ns, distrada,
acompanhando com seu pescoo ondulante os pulos de um gafanhoto
incauto. Em certo momento, a galinha apanhou o gafanhoto. E ns
apanhamos a galinha. Pegamos a galinha num salto, sem haver um acerto
prvio.
A mediao da nossa ao era a fome dos trs, era a razo de ser da
prtica, e quando minha me ouviu os gritos da galinha e correu at ns no
quintal, ela j no gritava mais porque entrava nos estertores. Ns
havamos estrangulado a galinha.
E eu no esqueo que minha me, crist, catlica, sria, bem-comportada,
com uma conscincia tica bastante aguada, agarrou a galinha pedrs nas
mos e deve ter dito a ela mesma: o que fazer? Devolver esta galinha ao
proprietrio pedindo desculpa pelo ato dos seus filhos, como possivelmente
a sua conscincia tica sugeriria, ou, pelo contrrio, fazer com aquela
galinha o lauto almoo que h tempo no tnhamos?
Claro que ela nunca me disse isto, eu apenas traduzo a sua hesitao. De
repente, sem dizer palavra, vira para o terrao e encaminha-se para a

21
22
23

BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. So Paulo: Arte e Cincia, 1998, p. 19.
BARRETO, 1998, idem.
FREIRE, Paulo. Sombra desta Mangueira. So Paulo: Editora Olho Dgua, 1995, p. 31.

25

cozinha, com o corpo quente da galinha do vizinho. Uma ou duas horas


24
depois, comamos uma excelente refeio.

Na seqncia do relato, Paulo Freire trata de uma questo deveras


interessante no que diz respeito classe social
No dia seguinte, no h dvida nenhuma que o dono sentiu falta da galinha
e deve ter estrebuchado de raiva contra o ladro.
Possivelmente ele jamais poderia ter pensado que junto dele, na casa do
vizinho, estavam os autores do sumio. Mas ele no podia fazer esta
conjectura porque os autores do sumio eram os filhos do capito
Temstocles, meu pai, e os filhos do capito Temstocles no podiam ser
ladres de galinha.
O meu vizinho no podia pensar que ns ramos os autores daquele furto
porque a classe social que ns pertencamos no possibilitava que ele
fizesse esta conjectura. No mximo, se viesse a descobrir que ramos ns
os autores, o vizinho iria dar uma riso discreto e dizer minha me: no se
preocupe, isto trela das crianas. Se fossem, porm, meninos de um
operrio, teriam sido considerados delinqentes infantis. Na verdade, no
ramos e nem fomos delinqentes, matamos a galinha pedrs do vizinho
para comer. Tnhamos fome. Inclusive, naquela poca, eu no furtei
dinheiro porque no houve chance, seno teria furtado. Mas acar de uma
venda que tinha prxima da nossa casa eu quase canso de roubar.
Descobri na infncia que o acar era energtico, e era meu corpo que ia
aos torres de acar bruto e no a minha mente, se eu posso fazer esta
25
dicotomia invivel.

1.2 As influncias sobre Paulo Freire: a famlia e o povo sofrido


Gerhardt, europeu que esteve pesquisando com detalhes a experincia de
Paulo Freire em Angicos, no Estado do Rio Grande do Norte, relata que as primeiras
influncias em Paulo Freire foram da sua famlia.
Segundo o autor Freire, seus irmos e suas irms [Paulo Freire teve
apenas uma irm, Stela] foram educados pela me catlica. O pai sempre esteve
em ntimo contato com os crculos espirituais da cidade26. Ainda afirma, este autor,
que a disposio do pai de Freire para com a famlia era sempre a do dilogo e
aventura a pergunta se as circunstncias familiares no foram uma precoce
introduo para uma certa perspectiva em comunicao.

24

BARRETO, 1998, p. 20-21.


BARRETO, 1998, p. 21.
26
GERHARDT, Heinz-Peter. Uma voz europia: Arqueologia de um pensamento. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire:
uma biobibliografia, 1996, p.149.
25

26

Podemos considerar que esta pergunta de Gerhardt tem razo de ser, tanto
que foi respondida pelo prprio Freire que, ao falar de seus pais, afirma:
com eles aprendi o dilogo que procuro manter com o mundo, com os
homens, com Deus, com minha mulher, com meus filhos. O respeito de meu
pai pelas crenas religiosas de minha me ensinou-me desde a infncia a
respeitar as opes dos demais. (...) casei-me aos 23 anos com Elza Maia
Costa Oliveira (...) Com ela prossegui o dilogo que aprendera com meus
pais. De ns vieram ao mundo cinco filhos, trs moas e dois meninos, com
27
quem ampliamos a nossa rea dialogal.

Respondendo a uma pergunta de Vicente Madeira, Pr-Reitor de PsGraduao da Universidade Federal da Paraba, Paulo Freire afirmou que fez a
escola primria no perodo mais duro da fome. No da fome intensa, mas de uma
fome suficiente para atrapalhar o aprendizado.28
Foi neste contexto que, segundo Ana Maria Arajo Freire, Paulo
conheceu o prazer de viver com os amigos e conhecidos que foram
solidrios naqueles tempos difceis, sentiu o sofrimento quando viu sua
me, precocemente viva, lutar para sustentar a si e a seus quatro filhos,
fortaleceu-se no amor que entre eles aumentou por causa das dificuldades
que juntos enfrentaram, sentiu angstia devido s coisas perdidas e s
29
provaes materiais (...)

Estas situaes familiares descritas pela autora foraram Paulo Freire ao


amadurecimento. A autora afirma ainda que no foram somente as influncias
familiares que impulsionaram o seu pensamento. Ela escreve que sua experincia
pessoal, ao seu que-fazer e s suas reflexes, Paulo Freire juntou as influncias
recebidas de diferentes pessoas (...) tambm das pessoas do povo que, igualmente
fortes nas suas marcas, no ficaram esquecidas em sua prxis.30.
Na experincia de Paulo Freire no SESI que ser descrita mais adiante,
enquanto educador, h um relato significativo que ele faz sobre a importncia de
pessoas do povo na sua trajetria. Paulo Freire escreveu que
Quase sempre, nas cerimnias acadmicas em que me torno doutor honoris
causa de alguma universidade, reconheo quanto devo tambm a homens
como o que de quem falo agora, e no apenas a cientistas, pensadores e
pensadoras que igualmente me ensinaram e continuam me ensinando e
sem os quais e as quais no me teria sido possvel aprender, inclusive, com
o operrio daquela noite. que, sem a rigorosidade, que me leva maior

27

FREIRE, Paulo. Conscientizao: Teoria e Prtica da Libertao uma introduo ao pensamento de Paulo Freire. So
Paulo: Cortez & Moraes, 1979, p. 13 e 15.
28
FREIRE. Ana Maria Arajo. A voz da esposa: A trajetria de Paulo Freire. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: uma
biobibliografia, 1996, p. 32.
29
FREIRE. Ana Maria Arajo, 1996, p. 28, 29.
30
FREIRE. Ana Maria Arajo, 1996, p. 62.

27

possibilidade de exatido nos achados, no poderia perceber criticamente a


importncia do senso comum e o que nele h de bom senso. Quase
sempre, nas cerimnias acadmicas, eu o vejo de p, numa das laterais do
salo grande, cabea erguida, olhos vivos, voz forte, clara, seguro de si,
31
falando sua fala lcida.

Paulo Freire refere-se experincia que teve aps discursar para uma platia
de operrios na dcada de 1960 e ouvir o discurso de um destes. Paulo Freire relata
que cada frase do operrio fazia com que ele afundasse na cadeira, lanando
razes profundas na sua reflexo. O operrio disse que entenderam as palavras as
palavras de Paulo Freire em sua sintaxe, outras foram mais difceis de entender.
No geral todo o discurso do Dr. Freire foi entendido. E o operrio, corpo surrado e
castigado pela crueza da vida nordestina lhe expe sua dor e a de seus
companheiros. O operrio conseguiu at mesmo descrever com detalhes como era
a casa de Paulo Freire. E disse que a sua vida e sua casa eram diferentes. Paulo
Freire concordou com toda a descrio do operrio e percebeu,
nas idas e vindas da fala, na sintaxe operria, na prosdia, nos movimentos
do corpo, nas mos do orador, nas metforas to comuns ao discurso
popular, ele chamava a ateno do educador (...) para que, ao fazer o seu
discurso ao povo, o educador esteja a par da compreenso do mundo que o
32
povo esteja tendo.

Decepcionado, de retorno sua casa, Paulo lamentou esposa Elza que no


fora entendido por aquela gente naquela noite. A resposta da esposa foi uma
pergunta descortinadora: No ter sido voc, (...) quem no os entendeu? (...) Eles
entenderam mas precisavam de que voc os entendesse. Essa a questo.33

1.3 As bases tericas iniciais do pensamento freireano


Destacar a trajetria de Paulo Freire, no campo terico e tambm na sua
(atu)ao concreta a partir da sua experincia de exilado, trabalhando de Genebra
para o mundo no tarefa fcil, pois seu pensamento muito abrangente. Torres,
ao comentar sobre Freire escreve que ele um pensador da prxis, e como tal, um
pensador itinerante. Se algum deseja seguir o itinerrio intelectual de Paulo Freire
ter de se defrontar com um conjunto de caminhos diversos, amalgamados numa
31

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperana: um reencontro com a Pedagogia do oprimido., 1999, p. 25-26. Das pginas 25 a
28 est o relato completo deste fato.
32
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperana, 1999, p. 27.
33
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperana, 1999, p. 28.

28

estranha interconexo34. Ler e estudar Paulo Freire nos faz perceb-lo como
algum que se ocupou com vrios ramos do conhecimento humano, pois para ele o
humano no pode ser entendido de forma fragmentada. Paulo Freire, a partir de sua
prxis trilha caminhos diversos, nos campos da filosofia, antropologia, psicologia,
teologia, lingstica, comunicao, sociologia, sempre em dilogo com muitos
autores. Faz estes caminhos todos porque o seu pensamento, ao ser encarnado
realimenta a sua prxis.
Paulo Rosas afirma que os anos da dcada de 1950 foram importantes para a
solidificao do pensamento de Paulo Freire. Rosas destaca o referencial
bibliogrfico do texto de 1959, Educao e atualidade brasileira que tornou Paulo
Freire conhecido como educador progressista. Freire era leitor de isebianos como
Roland Corbisier, Hlio Jaguaribe, Djacir Menezes, Guerreiro Ramos, lvaro
Vieira Pinto e clssicos, maneira de Rugendas e Saint-Hilaire, alm de
Fernando Azevedo, Ansio Teixeira, Gilberto Freyre, Karl Mannheim, Gabriel
Marcel, Jacques Maritain, Caio Prado Junior. (...) achados mais pessoais
(...) como Zevedei Barbu. (...) Emmanuel Mounier, Georges Gurvitch,
35
Lebret.

Paulo Freire foi tambm leitor, na dcada de 1960, de intelectuais como


Marx, Sartre, Hobsbawn, Goldman, Lukcs, Kosik, Gramsci36 entre outros.
Muitos crticos ao pensamento de intelectuais do ISEB, do qual Paulo Freire
se alimentava, afirmam que uma marca do pensamento da instituio e do perodo
histrico era a forte relao com o nacional-desenvolvimentismo e com o populismo.
O ISEB foi criado em 14 de julho de 1955, atravs do Decreto n. 37.608, pelo
presidente Caf Filho, que assumiu o governo em lugar de Getlio Vargas, morto em
agosto de 1954.
O conjunto de autores lidos por Freire demonstram sua articulao com as
diversas correntes de pensamento, sem perder o seu foco na libertao. E, sem
dvida, Paulo Freire foi um dos mais importantes dentre os educadores e
pensadores sobre educao que viveu no sculo XX e mundialmente conhecido
por seu sistema de pensamento educacional dialtico-prtico.

34

TORRES, Carlos Alberto. Dilogo com Paulo Freire, 1979, p. 6.


ROSAS, Paulo. Paulo Freire: aprendendo com a prpria histria. Disponvel em <http://www.fundaj.gov.br/observanordeste/
obex06.pdf>. Acessado em 08 de agosto de 2007.
36
SCOCUGLIA, Afonso Celso. A histria das idias de Paulo Freire e a atual crise de paradigmas. Joo Pessoa: Editora
Universitria UFPB, 1997
35

29

Em Dilogos com Paulo Freire, os editores escrevem que o pensamento de


Freire tem um itinerrio definido, partindo da anlise dos programas de educao
para adultos e de uma crtica radical a estes programas para depois propor uma
ao cultural para a liberdade37.
Assim, pode-se afirmar que quando Paulo Freire empreendeu efetivamente
seu trabalho pedaggico ou fez tais anlises, no incio da dcada de 1960, j
possua longa trajetria docente. E foram a sua trajetria e a sua formao que lhe
ofereceram condies de formular um pensamento que afirmamos ser incomparvel
e nos ajuda a desvendar o Paulo Freire que desejava desde criana contribuir para o
bem-estar humano e, para isso definiu-se mais tarde como educador, primeiro numa
escola, depois numa instituio de servio social, em diferentes universidades no
Brasil e no exterior e, finalmente, em um organismo ecumnico internacional.

1.4 A trajetria profissional de Paulo Freire costurada com sua prxis


educacional
Em 1944 Paulo Freire casou-se com a professora Elza Maria Costa Oliveira.
Foi um casamento com a mulher que mais tarde vai compartilhar do seu
pensamento e sua luta, pois, segundo afirma Osmar Fvero, quando conheceu e
conviveu com Elza no Recife, ela j partilhava dos ideais de Paulo Freire pois
era uma boa professora alfabetizadora numa classe experimental. Naquele
*
perodo era normal ter as classes experimentais, no sistema de ensino em
que se Elza tentava sair do mtodo a e i o u para o mtodo da
38
palavrao, da sentenciao.

Em meados do ano de 1947 Paulo Freire j era um experiente professor de


Lngua Portuguesa do Colgio Oswaldo Cruz. Quando cursava o ltimo ano do
Curso de Direito na Faculdade do Recife foi convidado para trabalhar no SEC (Setor
de Educao e Cultura) do SESI39 (Servio Social da Indstria) no Recife. O convite

37

SCOCUGLIA, 1997, p. 96.


O autor refere-se meados da dcada de 1950.
38
FVERO, Osmar. Programa Salto para o Futuro. Rede TVE Brasil. Entrevista concedida em 18 de julho de 2003.
39
Ana Maria Arajo Freire nos oferece suas impresses do que seria o SESI. Uma criao impositiva do governo do Presidente
Eurico Gaspar Dutra, por Decreto-Lei (9403/46), sob tutela da Confederao Nacional das Indstrias, que tinha autorizao
para dirigir e organizar a Instituio.
A criao do SESI tornava explcitos, embora no ditos, os motivos desta: resolver as dificuldades que os encargos do psguerra tinham criado vida social e econmica do Brasil e; favorecer e estimular a cooperao de classes em iniciativas
*

30

chegou a Paulo Freire, em sua casa, numa tarde clara no Recife, na Rua Rita de
Souza, 224, Bairro da Casa Forte, por intermdio de um grande amigo com quem
tinha divergncias polticas mas no afetivas, Paulo Rangel Moreira.
Dias antes de ser convidado para este trabalho Paulo Freire passou por uma
experincia interessante40 que o tirou da advocacia e o lanou efetivamente como
educador. Paulo Freire contou esta histria a Paulo Rangel. Este acontecimento que
envolveu um odontlogo endividado, naquela tarde de 1947, e a fala da esposa Elza
foram influncias importantes para a deciso e formulao do pensamento de Paulo
Freire e de sua aceitao para trabalhar no SESI. Ele relata que
Naquela tarde, redizendo a Elza o dito a conversa com o jovem
odontlogo devedor [grifo meu] no poderia imaginar que um dia, tantos
anos depois, escreveria a Pedagogia do oprimido, cujo discurso, cuja
proposta tem algo a ver com a experincia daquela tarde pelo que ela
significou tambm e sobretudo na deciso de aceitar o convite de Cid
Sampaio, que me trazia Paulo Rangel. (...) dizer sim ao chamado do SESI,
para a sua Diviso de Educao e Cultura, cujo campo de experincia, de
estudo, de reflexo, de prtica se constitui como um momento indispensvel
41
gestao da Pedagogia do oprimido .

Paulo Freire entendia todas as experincias dos momentos da sua vida


(infncia, adolescncia, juventude, Recife, Jaboato, Colgio Oswaldo Cruz, Curso
de Direito), anteriores ao SESI, como retalhos ou pedaos de tramas* do tecido
maior de sua existncia e, sem dvida, foram tempos fundantes de seu pensamento
e de sua radicalizao.
Paulo Freire trabalhou no SESI entre os anos de 1947 e 1957 e defrontou-se
duramente com a questo do analfabetismo. Quando Freire apresenta o SESI como

tendentes promoo de bem-estar dos trabalhadores e suas famlias favorecendo-lhes as melhorias das condies de vida.
Confederao Nacional da Indstria cabia, segundo o Decreto-Lei, proporcionar assistncia social e melhores condies de
habitao, nutrio, higiene dos trabalhadores e, como resultado, desenvolver o esprito de solidariedade entre empregados e
empregadores. Ao desenvolver o esprito de justia social entre as classes, os elementos disseminadores de influncias
dissolventes e prejudiciais aos interesses da coletividade seriam destrudos.
Isto significava, segundo Ana Maria, que o documento em questo fala de dificuldades de ps-guerra, quando o Brasil poderia
ter sado enriquecido do perodo blico, desde que, anteriormente a ele, tinha sido um dos pases fornecedores de estoques de
produtos diversos essenciais ao momento guerreiro. Outros considerandos escondem o receio do comunismo. Traduzem o
medo do regime antagnico ao capitalismo, o da cata s bruxas ordenada pelos pases do Norte. Indicam uma camuflao
para o no desvelamento, claro e consciente, da luta de classe. Pedem a aceitao calma e passiva das discrepantes
diferenas das condies materiais entre empregadores e empregados. Assistem referente ao assistencialismo [grifo
meu] para no enfrentar. (cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperana: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 211-212).
40
Um odontlogo individado procurou Paulo Freire que era o quase advogado do seu credor, para justificar-se sobre a dvida.
Ao final da conversa Freire aperta a mo do odontlogo dizendo que no era mais advogado nem do credor e nem de mais
ningum. Vai para casa no final do dia e conversa com a esposa Elza, comentando sua deciso de abandonar o Direito e
dedicar-se Educao. Elza responde: Eu esperava isto, voc um educador
41
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperana, 1992, p. 18.
*
Sobre o tema trama sugerimos a leitura do livro Pedagogia no encontro de tempo: ensaios inspirados em Paulo Freire, de
autoria de Danilo R. Streck, especialmente nas pginas 13 a 30. O livro foi publicado em 2001 pela Editora Vozes.

31

fundamental para o seu pensamento, porque ali teve contato direto com os adultos
trabalhadores analfabetos. Mas no eram somente adultos analfabetos. Paulo os via
e percebia como desumanizados, oprimidos, sem palavra. Mas no os via assim
porque fizeram opo por isso. Os via como seres que foram aviltados, roubados,
despossudos. Com isso, perderam a palavra e viviam na cultura do silncio.
Andreola, na obra Andarilho da Esperana: Paulo Freire no CMI trata desta questo
ao referir-se glotofagia42
No contexto em que viveu Paulo Freire, em sua fase de formao na
educao bsica, nos anos vinte e trinta do sculo XX, acontecia no Brasil um
movimento reivindicatrio de mudanas na educao brasileira, especialmente pela
constituio de uma poltica educacional. Era o advento da Escola Nova no Brasil.
Do ponto de vista educacional, alicerado nas idias liberais, o escolanovismo era
um movimento importado dos Estados Unidos e que se opunha pedagogia
tradicional e pretendia uma educao democrtica e universalizadora, isto , com
acesso a todos. O cone brasileiro deste movimento foi Ansio Teixeira que, por ter
sido amigo e aluno de John Dewey, o maior expoente norte americano das idias
escolanovistas, transplantou estas idias para o Brasil. A obra clssica de John
Dewey, Educao e Democracia, foi traduzida para o portugus por Ansio Teixeira.
Ansio Teixeira, somado a mais vinte e quatro brasileiros43 foram signatrios
de um documento: o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, lanado como um
documento ao povo e nao. O teor deste documento reivindicava para o Brasil a
educao laica, gratuita e democrtica para todos, indistintamente e o fazia para um
pas que ainda no possua uma poltica ou um sistema de educao.

42

Literalmente a palavra significa comer a linguagem. Por extenso, a partir de Paulo Freire e da apropriao do termo
cultura do silncio podemos entender como supresso da prpria linguagem e assuno da linguagem do opressor.
Especialmente no nordeste brasileiro Paulo Freire reconhecia uma "cultura do silncio", significando que esta populao estava
destituda da palavra. O silncio afirmado por Freire no era da palavra falada, mas da ausncia do som consciente das mentes
obscurecidas por um sistema de dominao cultural. Era preciso "dar-lhes a palavra ou melhor ainda, ajudar-lhes a dizer a
sua palavra (cf. Fiori afirma no Prefcio da Pedagogia do Oprimido) para que transitassem para a participao na construo
de um Brasil, que fosse dono de seu prprio destino e que superasse o colonialismo.
43
Fernando de Azevedo, Afrnio Peixoto, Antonio de Sampaio Doria, Ansio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Loureno Filho,
Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira
de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldo Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Francisco
Venancio Filho, Paulo Maranho, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de Mendona, Armanda Alvaro Alberto, Garcia de Rezende,
Nobrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Gomes. (Os signatrios esto relacionados no prprio documento, disponvel na
ntegra em <http://escolanova.net/pages/manifesto.htm>. Acessado em 28 de agosto de 2008.

32

Segundo Gadotti, Paulo Freire se considerava um simpatizante de Ansio


Teixeira ao concordar com as idias de Dewey no que dizia respeito sua defesa do
aprender a aprender, ao aprender fazendo, liberdade criativa e autonomia do
educando. Estas idias esto expressas atualmente no Relatrio A Educao para
o sculo XXI da Unesco, conhecido como Relatrio Jacques Delors.
Em 18 de julho de 1999 Sylvia Ganem Assmar, Carlos Otvio Fiza Moreira e
Vanilda Paiva participaram duma entrevista no Jornal do Brasil online na qual
tratavam sobre a educao, Ansio Teixeira e o escolanovismo no Brasil. Fiza e
Paiva afirmam:
As idias da Escola Nova entram no Brasil no contexto da primeira guerra
mundial, as levas de imigrantes, o surto industrial um perodo de ebulio,
de reformas, de questionamento do ensino provincial. O primeiro seminrio
educacional aconteceu em 1920. As famlias que podiam pagavam
preceptores, periodicamente os jovens eram avaliados no Colgio Pedro II,
ou um (sic) colgio religioso de grande porte. Dali seguiam para as
universidades.
Havia um sistema municipal (de educao [grifo meu]), mas incipiente, em
algumas capitais. Tudo era muito precrio. Professores davam aula de
camisolo. Em 1920, uma cidade inteira formou dois alunos. Foi nesse
contexto que os imigrantes criaram suas prprias escolas para seus filhos.
nesse cenrio que as idias de uma escola universal e de qualidade se
encaixam perfeitamente, pois atendem aos anseios das novas classes
industriais. [Paiva]
Os Pioneiros da Educao, tentam ento criar os primeiros sistemas
estaduais e depois o federal. A comea o nosso sistema pblico de ensino,
na dcada de 20. Ansio, muito jovem, foi Secretrio de Educao da Bahia
(...) [Fiza]
Nesse momento ele ainda no tinha ido aos Estados Unidos. Fazia parte
de um movimento que comeou antes. Em 22, Loureno Filho saiu de So
*
Paulo e foi fazer a reforma do ensino no Cear. Capanema est em Minas
Gerais, enfim, um movimento de grandes dimenses. Fernando de
**
Azevedo que redigiu a carta de 32) , ser o expoente do Movimento dos
Pioneiros da Educao. Ansio vai aos Estados Unidos, volta e continua fiel
ao programa de Azevedo, na reforma de 1928. [Paiva]
cresce a idia de que o Estado deve criar, gerar, administrar o ensino
pblico e que ele deve ser para todos. Uma conquista tardia, mas uma
conquista, sem dvida. (...) [Fiza]
O pas vive um momento liberal quando Ansio chega dos Estados Unidos
com as idias de Dewey. A aliana liberal o toma imediatamente porque h
essa identidade. E ele se mantm fiel ao grupo dos pioneiros e seus
44
compromissos com a educao como instrumento de democracia. [Paiva]

Se a situao da educao brasileira era esta apontada por Paiva e Fiza


podemos ento inferir qual o ndice de miserabilidade e analfabetismo das pessoas

A autora refere-se a Gustavo Capanema


A autora refere-se ao Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova.
44
LAGA, Ana. A Utopia da educao pblica. Entrevista. Jornal do Brasil On-Line. Rio de Janeiro, 18 jul. 1999. Seo
Empregos e Educao para o Trabalho.
**

33

no nordeste brasileiro em que Paulo Freire viveu, especialmente na dcada em que


trabalhou no SESI e esteve mais diretamente ligado ao povo e seu sofrimento.
Na virada do sculo XIX para o sculo XX o ndice de analfabetismo no Brasil
era de 65,3%. Duas dcadas depois (em 1920) o ndice nacional de analfabetismo
era de 65% ou seja, aumentou o contingente populacional mas o ndice de
analfabetismo permaneceu praticamente o mesmo. Somente a partir dos anos de
1920 at a virada do sculo XX para o XXI que os ndices foram caindo dcada a
dcada. O Brasil computava, no ano 2000, um ndice de 13,6% de analfabetismo,
segundo dados do IBGE. E os piores ndices de desenvolvimento de educao e de
desenvolvimento humano na regio nordeste e norte continuam os piores do
Brasil.45
Os ndices de analfabetismo sempre foram mais elevados e os de
desenvolvimento humano (IDH) sempre foram mais baixos no nordeste que os
ndices do sudeste e sul brasileiros.46 Paulo Freire, mesmo percebendo as
dificuldades do nordeste nas questes educacionais, no havia feito nenhuma
experincia ainda de alfabetizao at inicio dos anos de 1960.
O trabalho de Paulo Freire no SESI era desenvolvido nos ncleos ou centros
sociais que ofereciam atendimento mdico, odontolgico, escolar, e desenvolviam
atividades esportivas e culturais. Este espao de trabalho se expressou para Paulo
Freire como um vasto campo de investigao. Foi no SESI que Paulo pode elaborar
pesquisas, aprofundar conhecimentos, ajuntar a prtica com a teoria. Na obra
Pedagogia da Esperana: um reencontro com a Pedagogia do oprimido Paulo Freire
dedica muitas pginas a descrever este perodo como um dos mais significativos
pois foi o tempo das soldaduras e ligaduras ou, como citamos anteriormente, um
tempo da gestao da Pedagogia do oprimido, manuscrito nos anos de 1967-1968 e
veio luz em 1970, em ingls, publicado nos Estados Unidos pela Editora Herder
and Herder e em portugus pela Editora Paz e Terra. Sobre este tempo Rosas
afirma que no texto Pedagogia da Libertao em Paulo Freire traou algumas

45

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Disponvel em < http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 20 setembro de
2008.
46
Elementos disponveis em <http://www.bcb.gov.br/pec/boletimregional/port/2009/01/br200901b1p.pdf>. Acessado em 20 de
setembro de 2008.

34

consideraes sobre como Paulo Freire comps a Pedagogia do oprimido. Para


Rosas, a obra no resultado de um insight, o lampejo brilhante e fortuito de uma
inspirao ou descoberta. uma construo desenvolvida ao longo de duas
dcadas, um momento marcante em um processo de elaborao intelectual, e que,
como tal, no representaria o trmino do processo47
A impresso que Paulo Freire transmite, quando se l sobre o seu perodo no
SESI a de um homem profundamente preocupado e inquieto com as condies de
vida das pessoas com as quais ele interage em seu cotidiano. Eram suas
inquietaes com as condies materiais, com as relaes e modo de produo que
balanavam sua estrutura, pela sua rigorosidade tica, sem rigorismos e pela leitura
que fazia do mundo nordestino.
Paulo Freire aproveitou o tempo de SESI para fazer muitas pesquisas, as
quais

ele

considerava

nada

sofisticadas***

para

tentar

entender

alguns

comportamentos, para comparar dados sobre pais urbanos, rurais e de


comunidades de pescadores. E fazia isso para poder trabalhar com as pessoas. Ele
mesmo relata, ao falar das pessoas que:
s vezes, enquanto os ouvia, nas conversas com eles, em que aprendi algo
de sua sintaxe e de sua semntica, sem o que no poderia, com eficcia,
ter trabalhado com eles, me perguntava se no se inteiravam de quo
48
pouco livres realmente eram.

Fvero tambm conheceu Paulo Freire quando deste perodo frutfero de sua
trajetria. Na citao abaixo o autor descreve, como testemunha, como era a
atuao de Freire no SESI. Ele afirma que
Paulo trabalhava no SENAI [o autor deve estar se referindo ao SESI
grifo meu], pegando pequenos textos tirados do jornal sobre salrio, sobre
condies de trabalho, condies de sade, com os operrios
semialfabetizados no SESI, ele era diretor do SESI. Primeira notcia que eu
tenho de Paulo Freire, deve ter sido 1961, ele era um professor curioso, ele
usava o epidiascpio, um aparelho enorme, hoje a gente tem o retroprojetor,
mas tem tambm o epidiascpio, que voc pe o texto debaixo (sic), num
jogo de espelhos, e projeta na parede e discute as condies de vida dos
49
operrios e tal, faz um processo educativo diferente.

47

ROSAS,
Paulo.
Paulo
Freire:
aprendendo
com
a
prpria
histria.
Disponvel
em
http://www.fundaj.gov.br/observanordeste/obex06.pdf, p. 8. Acessado em 08 de agosto de 2007.
***
Quando Paulo Freire se refere a pesquisas nada sofisticadas no significa que sejam pesquisas sem valor cientfico. Eram
formas de Freire coletar dados teis nos dilogos com as pessoas com as quais trabalhava.
48
FVERO, Osmar. Programa Salto para o Futuro. Rede TVE Brasil. 2003.
49
FVERO, 2003.

35

Da experincia profcua no SESI Paulo Freire mudou para a esfera pblica na


dcada de 1950. Foi convidado a trabalhar para a cidade do Recife. Ocupou as
funes de Conselheiro de Educao e Diretor da Diviso de Cultura e Recreao
do Departamento de Documentao e Cultura da cidade do Recife. Iniciou tambm,
em fins da dcada de cinqenta atividades como docente da Educao Superior. Foi
professor de Filosofia da Educao e de Histria da Educao em Faculdades que
atualmente compem a Universidade Federal de Pernambuco.
Titulou-se como Doutor em Histria e Filosofia da Educao defendendo uma
tese intitulada Educao e Atualidade Brasileira no ano de 1959. Paulo Freire
amadureceu, fez acrscimos sua tese de Doutorado e a publicou, em 1967, como
livro intitulado A Educao como prtica da liberdade, quando j estava no exlio.
Nesta obra Paulo Freire sistematizou toda a sua experincia educativa at aquele
momento.
Para entender um pouco sobre o envolvimento de Freire com o problema do
analfabetismo interessante recorrermos novamente entrevista concedida por
Fvero TVE Brasil em agosto de 2003. Segundo Fvero, a discusso sobre
analfabetismo no Brasil datava
desde os anos 20, dos anos 30, mas na verdade, s a partir de 1946-1947
que foi oficializada essa discusso, com a 1 Campanha Nacional de
Alfabetizao de Adultos, pelo Ministrio da Educao. Esse um momento
de ps-guerra, um momento de redemocratizao do pas, depois da queda
*
do Getlio , um momento da criao da UNESCO. A UNESCO influi na
50
criao desses movimentos no mundo inteiro.

Fvero afirma que a primeira Campanha, organizada pelo governo federal e


coordenada por Loureno Filho chamava-se Campanha Nacional de Alfabetizao
de Crianas e Adolescentes, iniciada em 1947, durou at meados de 1950.
Esta primeira Campanha no era somente de alfabetizao, mas de
educao de base e significava a reposio de contedos da escola primria,
integralizada e oferecia aulas de leitura, escrita, clculo bsico, noes de higiene,
moral e civismo e, segundo Fvero, um pouco de extenso agrcola. Esta
Campanha, ps ditadura Vargas no era bem vista por alguns setores da elite, pois

Getlio Vargas, presidente do Brasil


FVERO, 2003.

50

36

era acusada de ser uma fbrica de eleitores quando o pas estava passando por um
processo de redemocratizao e era necessrio refazer a base eleitoral no Brasil.
Fvero discorda desta viso das elites ao afirmar que esta Campanha tambm se
deslocava dos grandes centros e atingia tambm a zona rural.
No perodo desta primeira Campanha constatou-se que o analfabetismo era
da ordem de 60% (sessenta por cento) no Brasil (segundo dados do IBGE era de
56,1%), mas os ndices do Nordeste eram maiores. Ao promover esta Campanha e
as conseqentes outras Campanhas que ocorrero o governo mostrou que apenas
alfabetizar no resolveria o problema, mas havia necessidade de aes conjuntas
alfabetizao junto s comunidades. Fvero afirma que a partir desta primeira
Campanha gera-se
uma segunda campanha, um pouquinho mais tarde, no final dos anos 40,
meados dos anos 50. Essa campanha curiosa, pouco estudada, ela
tambm est no Ministrio de Sade, no Ministrio da Agricultura. A ela vai
trabalhar diretamente a partir de sade, a partir de higiene com as
populaes, vai conseguir formar quadros mdios, tcnicos... Chamava, na
poca, o Departamento Nacional de Crianas. Todo esse grupo que
51
trabalha com a extino da malria, controle de endemias rurais e tal (...)

Essa segunda Campanha foi coordenada pelo socilogo Artur Rios e tinha um
cunho mais sociolgico e, segundo Fvero, a sua fora estava no grupo de
sanitaristas, de mdicos, de tcnicos agrcolas e no cooperativismo, mas lamenta
que haja poucos dados dessas campanhas, especialmente dados estatsticas.
Fvero faz uma boa leitura da educao na dcada de 1950 e 1960. Ele
afirma que Juscelino Kubitschek, presidente de 1955 a 1960 no endossava estas
Campanhas de Alfabetizao. Mas foi no governo de Juscelino, a partir da
convocao e realizao do II Congresso de Educao de Adultos, na cidade do Rio
de Janeiro que Paulo Freire ficou conhecido com educador progressista.
Neste Congresso, realizado entre os dias 6 e 16 de julho de 1958 Paulo Freire
apresentou um relatrio de sua autoria, intitulado A Educao de Adultos e as
Populaes Marginais: o Problema dos Mocambos***, que com certeza era fruto de
sua experincia no relacionamento com os trabalhadores assistidos pelo SESI.

51

FVERO, 2003.
Palavra de origem africana, do quimbundo mu'kambu, que pode significar habitao miservel.

***

37

Ana Maria Arajo Freire apresenta sinteticamente o contedo deste relatrio.


Nele Paulo Freire propunha
Que a educao de Adultos na Zona dos Mocambos existentes no Estado
de Pernambuco teria de se fundamentar na conscincia da realidade da
cotidianidade vivida pelos alfabetizandos para jamais reduzir-se num
simples conhecer de letras, palavras e frases. Afirmava tambm que s se
faria um trabalho educativo para a democracia se o processo de
alfabetizao de adultos no fosse sobre verticalmente ou para
assistencialmente o homem (sic), mas com o homem(sic) (...), com os
educandos e com a realidade. Props uma educao de adultos que
estimulasse a colaborao, a deciso, a participao e a responsabilidade
52
social e poltica.

Segundo Fvero, este Congresso tratou muito mais do ensino primrio do que
de educao de adultos. Os Congressos de Educao eram chamados de regionais
mas, na verdade, eram estaduais. Todos os Estados traziam relatrio dos
Congressos Estaduais ou Regionais e traziam teses para serem discutidas. Era um
grande encontro de acadmicos. Fvero classifica o relatrio de Freire como
esplendoroso ao afirmar que o problema no era o analfabetismo e que alfabetizar
no era a soluo. O problema era a misria do Nordeste. Ou se enfrentava a
misria do Nordeste, ou ento alfabetizao era a mesma coisa que tentar enxergar
o fim do mar. Desde o incio Paulo se situava na perspectiva da transformao das
estruturas injustas de uma sociedade elitista e de construo de uma nova
sociedade.
Neste sentido, Vanilda Paiva equivoca-se ao reduzir a proposta de Freire a
um atrelamento ideologia do nacional desenvolvimentismo que vigorava poca.
E Ana Maria Freire quem vai contestar Paiva ao destacar que quando da
realizao do II Congresso Nacional de Educao, no ano de 1958, Juscelino
Kubitscheck se afirmava no poder e tambm manifestava a sua preocupao com a
misria brasileira. E queria solues para as mazelas nacionais, dentre elas a
educacional. Juscelino tentou encaminhar pela via que conhecia: a populista. No
deu resultado pois naquele mesmo perodo, se no mente a histria, Paulo Freire,
encarnava e fazia discurso e prtica (...) por um caminho autenticamente popular, e
no populista, sendo mais tarde convidado pelo governo federal para liderar o Plano
Nacional de Alfabetizao.

52

FREIRE. Ana Maria Arajo, 1996, p. 35.

38

Na dcada de 1950 o governo propagava a idia de que era necessria a


erradicao do analfabetismo e pretendia, no dizer da poca, secar as fontes do
analfabetismo. A utilizao do termo erradicao nos d a idia de que o
analfabetismo era uma espcie de praga, ou de erva daninha que precisava ser
debelada a qualquer custo. Para isso, o governo pegava um municpio importante
que estava em fase de transio para cidade grande e tentava reestruturar
inteiramente o seu sistema de ensino elementar. Colocava todas as crianas de 7 a
10 anos na escola regular, os adolescentes at 14 anos em classes de emergncia
e os adultos em classes noturnas, construa escolas, treinava professores e produzia
material didtico.
Essas experincias foram feitas em Leopoldina no Par e que segundo
Fvero, est bem relatado por Joo Alberto Moreira. Tambm foram feitas
experincias semelhantes em outras cidades brasileiras: Feira de Santana e
Santarm. Esta foi uma grande fase das propostas do Estado atravs do Ministrio
da Educao, aliado ao Ministrio da Agricultura e o Ministrio da Sade e a grande
interveno do Estado nesse perodo dos anos 50, segundo Fvero.
No incio dos anos de 1960 foi publicada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (Lei 4024/61) e o governo elaborou o Plano Nacional de
Educao, transferindo para os Estados e para os Municpios algumas
responsabilidades do ensino fundamental.
Neste mesmo perodo Paulo Freire j se encontrava, como afirmado
anteriormente por Ana Maria Freire, com o seu pensamento poltico-pedaggico
dialgico e libertador organizado. J tratava das relaes educador-educando53.
Retomando a entrevista de Fvero podemos afirmar que havia um alvoroo
no nordeste brasileiro por conta do analfabetismo. Muitas propostas e movimentos
se organizavam. O movimento estudantil era muito forte neste perodo. E o
movimento estudantil estava organizado em todo o Brasil. A Igreja Catlica se

53

Preferimos sempre separar por hfem barra estas palavras pois as entendemos como compostas.

39

organizava e criou o MEB Movimento de Educao de Base, atravs da CNBB*, no


incio de 196154. Paulo Freire emerge deste conjunto. Entretanto, Fvero diz que a
grande virtude dele [Paulo Freire] ser o que melhor sistematizou e melhor
fundamentou essas propostas.55
Fvero afirma ainda que
Se voc pega at 1966, o sistema Paulo Freire um dos sistemas, uma
das experincias, mas ele torna melhor as experincias, primeiro porque ele
sistematiza um processo novo de alfabetizao, de 1963-1964, que durou
s alguns meses, porque o golpe militar cortou. Mas as campanhas so
qualitativamente diferentes, elas no entram pela educao pura, elas
entram pela cultura, entram pela cultura popular, isso se d totalmente
diferente. Voc vai partir do que o povo conhece, do que ele sabe e vai
tentar fazer um instrumental de alfabetizao, que na verdade mais do
que isso, um instrumental de educao popular que vai mexer com a
cabea das pessoas. Voc vai fazer uma ao educativa que tem um
movimento que parte da cultura, de como homens e mulheres vivem, na
cidade e no campo, como que eles vem essa realidade, como voc pode
criticar essa realidade para instrumentaliz-la para uma mudana de base
56
estrutural no pas.

Ainda nos anos de 1960 em algumas prefeituras comearam a se fortalecer


os movimentos de cultura popular, especialmente no Recife, com a gesto de Miguel
Arraes e em Natal, com Djalma Maranho. Fvero afirma que neste perodo,
extremamente rico em termos de experincias, de produo e de perspectivas,
que aparece Paulo Freire
com o Sistema de Alfabetizao de Adultos, que ele comea fazer em
Recife, no MCP de Recife. Depois ele sistematiza, vai aplicar em Angicos,
em convnio com o Estado do Rio Grande do Norte e com financiamento da
57
Aliana para o Progresso no Brasil.

Neste aparecimento de Paulo Freire, o seu mtodo comea a ser


estruturado, aplicado, testado e aperfeioado. Paulo era conhecido como educador
progressista por causa do Congresso de Educao e a partir deste aparecimento
passa a ser conhecido como algum que est testando, com sucesso, um mtodo
de alfabetizao.

*
Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil. A criao do MEB fruto de duas experincias da Igreja Catlica: as escola
radiofnicas do SAR Servio de Assistncia Rural, em Natal/RN e o Sirese Sistema Radio Educativo de Sergipe, em
Aracaju/SE.
54
FAVERO, Osmar. MEB Movimento de Educao de base: primeiros tempos: 1961-1965. In: ROSAS, Paulo. (org.). Paulo
Freire: Educao e Transformao Social. Recife: Editora Universitria da UFPE, 2002, p. 133.
55
FVERO, 2003.
56
FVERO, 2003.
57
FVERO, 2003.

40

No dia 13 de maio de 1960, no Recife, Germano Coelho fundou o Movimento


de Cultura Popular, o MCP, com um grupo de educadores populares. Paulo Freire
aderiu com entusiasmo ao MCP aps ouvir a leitura do Estatuto. O MCP foi fechado
pelo regime militar em 1964. Ana Maria Arajo Freire afirma que a inteno do MCP
era contribuir para a presena participativa das massas populares na sociedade
brasileira.58 Segundo Almeri Bezerra, quando Paulo Freire se engajou no
Movimento de Cultura Popular e depois assumiu a Secretaria Executiva do Servio
de Extenso Universitria (SEC) que ele mesmo criou,
as ocasies no faltaram sobretudo porque foi a que comeou a se esboar
o que seria logo mais a Campanha Nacional de Alfabetizao de Adultos a
partir das idias por ele desenvolvidas e experimentadas, em pequena
escala no Recife, e em maior medida em Angicos, no Rio Grande do Norte.
quando a imprensa descobre Paulo Freire e batiza a experincia de
59
Mtodo Paulo Freire de Alfabetizao de Adultos em 40 Horas!

1.5 A aplicao do mtodo


No MCP Paulo Freire assumiu a direo da Diviso de Pesquisa e a
coordenao do Projeto de Educao de Adultos. Nestas funes, comeou a
aplicar o seu mtodo, o qual teve lugar no Centro de Cultura Dona Olegarinha, no
Poo da Panela, Recife. Era uma turma pequena, de apenas 5 adultos analfabetos.
Destes, dois desistiram. Paulo Freire justifica as desistncias afirmando:
os alfabetizandos eram de origem rural, revelando certo fatalismo e certa
inrcia diante dos problemas. Completamente analfabetos. J o primeiro
teste, no vigsimo dia, alcanou resultados animadores. No trigsimo dia,
liam e escreviam texto simples e at jornal.
A prtica foi repetida com um grupo de 8 pessoas (3 desistiram). Os 5
restantes obtiveram resultados semelhantes ao anterior. Um terceiro grupo,
de 25 pessoas, foi iniciado, mas por motivos que independeram da vontade
de Paulo Freire, o trabalho precisou ser interrompido na vigsima hora,
60
com a maioria j lendo e escrevendo palavras e pequenos textos.

Alm da aplicao no Recife, o mtodo foi aplicado em outros lugares e os


resultados sempre foram positivos: na Campanha de Educao Popular da Paraba

58

FREIRE, Ana Maria Arajo., 1996, p. 40.


ROSAS, Paulo. Abrindo os Arquivos. Centro Paulo Freire: Estudos e Pesquisas. Disponvel em
http://www.paulofreire.org.br. Acesso em maro de 2008. Esta uma conversa promovida por Paulo Rosas com Yves Mota,
Maria Adozinda, Argentina Rosas, Jarbas Maciel, Juracy Andrade, Almeri Bezerra e Germano Coelho para conversa para debate
sobre a passagem dos anos 50 para os 60.
60
Idem ROSAS, Paulo. Paulo Freire: aprendendo com a prpria histria. Disponvel em <http://www.fundaj.
gov.br/observanordeste/obex06.pdf>, p. 5. Acessado em 08 de agosto de 2007.
59

41

(CEPLAR)61 em Joo Pessoa, no Servio de Extenso Cultural da Universidade do


Recife, com a colaborao de estudantes, sempre com resultados que justificavam a
continuidade.
Paulo Rosas descreve que Paulo Freire se ocupou em extremo com a prtica
de seu mtodo e pouco tempo lhe sobrava para aprofundar a discusso dos
fundamentos filosficos de suas propostas pedaggicas, [pois] o sucesso alcanado
pelas primeiras experincias com o mtodo atropelava o desejo de seu
idealizador.62

1.6 O mtodo fora do Nordeste


Entre os meses de janeiro e maro de 1963 a experincia mais bem-sucedida
e que vai ganhar visibilidade nacional foi a de Angicos, no Rio Grande do Norte.
Segundo os relatos da poca, a bem-sucedida experincia foi tambm polmica,
especialmente por conta do seu financiamento. Os recursos vieram da USAID63 e
com a intervenincia do governador Aluzio Alves, da UDN. Apesar deste percalo,
fato que a experincia de Angicos causou um impacto violento nas elites polticas
e conservadoras do Brasil preocupou a elite conservadora brasileira, tendo em vista
o carter poltico do mtodo. Foi por causa deste impacto que o mtodo seria
utilizado no Programa Nacional de Alfabetizao, na dcada de 1960.
Afirmamos anteriormente que o movimento estudantil estava bem organizado
no Brasil. A Unio Estadual de Estudantes (UEE) de So Paulo convidou parte dos
pesquisadores da SEC da Universidade do Recife para divulgar e fazer a

61

Sobre a CEPLAR indico a obra muito bem escrita e fundamentada de SCOCUGLIA, Afonso Celso. Educao popular: do
Sistema Paulo Freire aos IPMs da Ditadura, Joo Pessoa: Editora Universitria UFPB/So Paulo: Cortez Editora: Instituto
Paulo Freire, 2000.
62
ROSAS, Paulo. Paulo Freire: aprendendo com a prpria histria. Disponvel em <http://www.fundaj.
gov.br/observanordeste/obex06.pdf>, p. 6. Acessado em 08 de agosto de 2007.
63
USAID a sigla em ingls para Agncia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Foi fundada em 1961
pelo presidente americano J. F. Kennedy. O Ministrio da Educao do Brasil fez, na dcada de 1960 uma parceria para
organizar a reforma do ensino no Brasil, que deu a conformao da educao bsica em 11 anos e no em 12 anos como se
estrutura a educao em pases europeus. Com esta reforma foram suprimidos disciplinas de carter reflexivo, como Filosofia,
Sociologia, Educao Poltica. Outras disciplinas humansitcas tiveram sua carga horria reduzida e foi inserida como disciplina
obrigatria o ensino da Lingua Inglesa. A poltica de interveno estrangeira no Brasil foi continuada pelo governo militar mas
sofreu fortes crticas da opinio publica internacional. A instituio ainda sobrevive e, por ser uma agncia federal americana,
mantm escritrios em vrios pases, especialmente os ditos emergentes e pobres, realizando o que chamo de caridade
americana de cunho primeiro ideolgico e depois assistencialista.

42

experincia piloto do mtodo ou Sistema Paulo Freire. Na obra Paulo Freire para
educadores h uma descrio desta experincia que transcrevo:
O trabalho de alfabetizao de Vila Helena Maria, do qual participamos, foi
realizado pela UEE /SP (Unio Estadual dos Estudantes) e deveria servir de
incio a uma ampla campanha de alfabetizao a ser desenvolvida pelos
universitrios paulistas.
O bairro de Vila Helena Maria era, em 1963, um dos mais pobres e
afastados de Osasco, importante municpio da Grande So Paulo. Sua
populao, constituda em grande parte por migrantes de Minas Gerais,
apresentava um alto ndice de analfabetismo. O bairro no dispunha de
rede de luz nem de esgoto. A gua era retirada de cisternas (da, a palavra
geradora: sarilho) e nem sempre em condies de ser bebida ou utilizada
no preparo de alimentos.
Um texto-memria desta experincia nos conta: Naquele tempo comeava
a circular a notcia de que um professor nordestino estava desenvolvendo
um trabalho de alfabetizao de adultos no Recife e em Angicos. Dizia-se
que ele conseguia uma alfabetizao extremamente rpida, partindo de
palavras extradas do vocabulrio popular. Falava-se, tambm, que este
trabalho ampliava o nvel de conscincia dos alfabetizandos. O nome deste
desconhecido professor: Paulo Freire.
A capacitao inicial da equipe que trabalhou em Vila Helena Maria foi feita
pela equipe de Paulo Freire. Jomard de Brito, Elza, mulher e colaboradora
de Paulo, e Aurenice Cardoso, alm do prprio Paulo, estiveram em So
Paulo durante uma semana na qual se discutiu a realidade brasileira, o
modelo de educao vigente, o autoritarismo sempre presente na nossa
64
histria.

Apesar das condies precrias e da falta de recursos, os resultados do


projeto em So Paulo foram muito positivos. Segundo o relato memria da
experincia
Apesar de no termos realizado um estudo mais rigoroso em relao aos
resultados, um breve trabalho de avaliao no final da experincia mostrou
que 69% dos alfabetizandos foram considerados alfabetizados (capazes de
se comunicarem por escrito). A evaso foi muito pequena e sempre
motivada por mudana de moradia.
(...)
A experincia de Vila Helena Maria teve sucesso porque entendeu a
proposta de Paulo Freire como ato de conhecer algo maior que a
memorizao de numerosos ba, be, bi, bo, bu.
A certeza de que os alfabetizandos eram capazes de aprender porque,
como ns, eram capazes de pensar, foi um ponto de honra do projeto. Esta
certeza, que nos vinha do reconhecimento da produo cultural dos grupos
populares, nos animava a desafi-los na descoberta dos segredos da
escrita.
Sabamos, tambm, que o caminho do conhecer passava pelo observar,
comparar, diferenciar, concluir, operaes intelectuais nem sempre
estimuladas na nossa sociedade. Com Freire aprendemos que a leitura da
palavra no podia estar dissociada da leitura do mundo.
No trabalho de Vila Helena Maria no tnhamos cartilha, comportamento
muito enfatizado, naquela poca, nas experincias inspiradas em Paulo
Freire, e vivamos numa poca em que os mimegrafos eram poucos. A
Xerox ainda no havia descoberto o Brasil. Esta aparente carncia de
material acabou nos levando a centrar nossas aes em textos que no

64

BARRETO, 1998, p. 93-94.

43

foram feitos para ensinar a ler, mas, sim, para ler. Nos valemos de jornais e
revistas. Sem ter grande clareza da importncia do que estvamos fazendo,
centramos nosso trabalho na prpria ao sobre a escrita, o que foi muito
65
positivo.

O mtodo tambm foi aplicado em Braslia. E a experincia de Braslia ser


emblemtica para o projeto do Plano Nacional de Alfabetizao. Segundo os relatos
em Paulo Freire para educadores,
A experincia de Braslia teve uma especial importncia devido a duas
caractersticas principais:
- a primeira, por se dar na capital poltica e administrativa do pas;
- a segunda, porque Braslia, segundo seus idealizadores, deveria ser
elemento catalisador da economia regional, fulcro do desenvolvimento
nacional e centro de irradiao poltico-social, pensamento este que refletia
a euforia desenvolvimentista da poca de sua construo.
A experincia de alfabetizao teve incio quando Paulo de Tarso, ministro
da Educao e Cultura, instituiu junto ao seu gabinete a Comisso Nacional
de Cultura Popular, com o objetivo de implantar em mbito nacional novos
sistemas educacionais de cunho eminentemente popular, de modo a
abranger reas no atingidas pelos benefcios da educao (Portaria
Ministerial n 195, de 8/7/63).
(...)
A experincia, que se estendeu at o dia 31 de maro de 64, foi
desenvolvida nas cidades-satlites do Gama, Sobradinho, Candangolndia,
Ncleo Bandeirante e no Setor de Limpeza Pblica. Em todos estes locais
foram instalados os crculos de cultura em igrejas, galpes ou escolas, com
o auxlio do prprio grupo interessado. Muitos funcionaram luz de
lampies e com mobilirio improvisado com recursos da prpria
comunidade.
A divulgao dos cursos era feita atravs de alto-falantes, instalados em
66
veculos, que percorriam as cidades-satlites.

A Comisso Nacional de Cultura popular foi presidida por Paulo Freire. Com
isso, o Ministro Paulo de Tarso desejava implantar o Plano Nacional de Educao
criando a Comisso Regional de Cultura Popular do Distrito Federal, com o
propsito de desenvolver e avaliar experincias de alfabetizao em Braslia pelo
mtodo Paulo Freire, para verificao da convenincia de adoo deste mtodo em
nvel nacional.67
A inteno do Plano Nacional de Alfabetizao, atravs da epistemologia
freireana, segundo Ana Maria Freire, era alfabetizar, politizando, cinco milhes de
adultos brasileiros. Isso significava, no Brasil, aumentar o contingente de eleitores
em quase 50%. Preocupados com a conscientizao poltica de significativa parcela
dos eleitores brasileiros, as classes dominantes colocaram-se contra o Programa,

65
66
67

BARRETO, 1998, p. 95-96.


BARRETO, 1998, p. 96-97.
BARRETO, 1998, p.97.

44

que oficializado em 21 de janeiro de 1964, pelo Decreto no 53.465, foi extinto pelo
governo militar em 14 de abril do mesmo ano, atravs do Decreto n 53.886.68
Assim, o Programa durou exatos oitenta e trs dias.
Segundo Almeri Bezerra69, que corrobora a questo acima apresentada, o
sucesso da campanha de Angicos e o conseqente sucesso (que foi abortado) do
Programa Nacional de Alfabetizao se deu porque partia da
tomada de conscincia que os alfabetizandos faziam da sua situao de
oprimidos, em uma sociedade onde eles eram excludos at do direito de
*
votar , as classes dominantes logo perceberam o risco e os partidos,
movimentos e lideranas de esquerda comearam a sonhar (se no a
ameaar!) com milhes de recm-alfabetizados, munidos de um ttulo de
eleitor, e virando legalmente a mesa, ou seja, votando esquerda! Pode?
No pode!, foi o que me disse, afvel e corts, o Coronel Governador do
Cear, a quem fui candidamente explicar o que estava tentando fazer em
Fortaleza: explicar o mtodo Paulo Freire a um grupo de universitrios que
queriam iniciar uma campanha de alfabetizao de adultos. No pode! me
disse o Governador. E me explicou: aqui no Cear ns tivemos muito
trabalho para estabelecer um equilbrio de foras que eu no permitirei ver
posto em risco por quem quer que seja. A explicao era clara e sincera: se
houver uma injeo de um nmero significativo de novos eleitores que iro
votar supe-se, esquerda as regras preestabelecidas do jogo iro para
o ar.
Foi preciso o golpe militar para que a classe dominante tirasse de cena os
que ameaavam as regras preestabelecidas e organizasse ela mesma as
condies em que a incluso dos analfabetos pudesse ser feita no apenas
sem risco, mas, sobretudo com vantagens. A manipulao das massas
analfabetas no precisava mais do insuportvel e oneroso cabresto. O
controle dos meios de comunicao de massa - rdio e televiso - em
vertiginosa expanso, garantiria a incluso dos analfabetos com direito a
voto, dentro da ordem estabelecida.
Situao anloga o Brasil tinha conhecido quando das discusses sobre o
fim da escravido. Como libertar os escravos, quando a forma de
escravido vigente no interessava mais s elites, sem medir os riscos de
enormes distrbios que as hordas de ex-escravos, sem donos, sem
responsveis e sem comida, haveriam de causar? Foi preciso inventar o
70
caminho de uma abolio gradual e segura.

Sentindo-se ameaado e, encarcerado pelo regime militar por setenta e cinco


dias, Paulo Freire comeou a sua trajetria ao exlio. Paulo Freire, que teve a
Clodomir Morais como companheiro de cela que o ensinou como responder aos
Inquritos Policiais Militares (IPMs) afirmou dias antes de sua morte, em entrevista
68
GADOTTI, Moacir. A voz do bigrafo brasileiro: A prtica altura do sonho. In: GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: uma
biobibliografia, 1996, p. 42.
69
Almeri Bezerra ex-padre e socilogo pernambucano. Muito prximo a Dom Hlder Cmara. Assumiu a Teologia da
Libertao e se reconhece como algum que recebeu forte influncia de Paulo Freire. Foi exilado durante o governo militar,
morando na Frana, a Sua, o Chile, o Mxico, a Arglia, Angola e o Senegal. Trabalhou na frica, terra onde se casou.
*
O direito ao voto dos analfabetos brasileiros somente foi adquirido com a Constituio de 1988.
70
ROSAS, Paulo. Paulo Rosas rene Yves Mota, Maria Adozinda, Argentina Rosas, Jarbas Maciel, Juracy Andrade, Almeri
Bezerra, Germano Coelho para conversa para debate sobra passagem dos anos 50 para os 60. Centro Paulo Freire de Estudos e
Pesquisas. Disponvel em: <http://www.paulofreire.org.br/asp/template.asp?secao=abrindo&texto=1>. Acesso em 12 set.
2007.

45

na televiso, que sentia vergonha da arbitrariedade e da forma de tratamento a que


eram e so submetidos seres humanos nos regimes ditatoriais.
Temendo por sua vida, em setembro de 1964, Paulo Freire asilou-se na
Bolvia e, logo aps sua chegada naquele pas, ocorreu o golpe militar. O vicepresidente, general Ren Barrientos, assumiu o poder, derrubando o presidente
Vctor Paz Estenssoro. No governo de Barrientos foi quase destruda a oposio
sindical e houve forte reao ao grupo de Ernesto Che Guevara.
Paulo Freire no se adaptou altitude andina, pois fumava muito e faltava-lhe
oxignio. Na capital boliviana, La Paz, Paulo Freire quase que morre do corao,
segundo comentou com Almeri Bezerra.
A poltica conservadora de Barrientos fez com que, dois meses depois de
chegar Bolvia, Paulo Freire e sua famlia se asilassem em Santiago, capital do
Chile. Neste pas Paulo Freire viveu, com sua famlia, de novembro de 1964 a abril
de 1969. O governo do democrata-cristo Eduardo Frei convidou Paulo Freire para
trabalhar na formao de tcnicos para o setor agrrio, no Instituto de Reforma
Agrria presidida, poca, por Jacques Chonchol. No Chile Paulo Freire apoiou o
processo de mudana no pas e produziu obras importantes como Extenso ou
Comunicao e, especialmente a Pedagogia do oprimido.
O partido poltico que estava no poder no Chile estava dividido. Enquanto que
os educadores de esquerda do partido apoiavam Paulo Freire, os membros da
direita o acusaram, em 1968, de ter escrito um livro que atentava contra a
Democracia Crist. Paulo Freire denominar esta acusao de inveno ridcula.
Com medo das reaes dentro do partido que o apoiava, Paulo Freire deixou
o Chile em 1969.
Almeri Bezerra diz que Paulo Freire tinha medo dos terremotos chilenos e
sara do topo da Cordilheira mas, dela no se livrara. Em cima faltara-lhe o
ar; em baixo, quando menos esperava, sentiu que lhe faltava o cho sob os
ps. Meu amigo, acho que tudo pode me faltar na vida; daria um jeito. Mas
71
o cho, isso no! Quero sair dessa terra.

71

ROSAS, Paulo. Paulo Rosas rene Yves Mota, Maria Adozinda, Argentina Rosas, Jarbas Maciel, Juracy Andrade, Almeri
Bezerra, Germano Coelho para conversa para debate sobra passagem dos anos 50 para os 60, Idem.

46

Do Chile Paulo Freire mudou, por curto perodo, para Cambridge, estado de
Massachusetts, nos EUA, onde permaneceu como Professor Convidado na
Universidade de Harvard, importante centro de estudos na rea de educao,
lecionando livremente sobre sua epistemologia. Paulo foi para ficar pouco tempo,
pois tinha planos de aceitar outro convite que permitira a ele cumprir com seu papel
de educador comprometido com o ser humano oprimido. Ficou apenas dez meses
no EUA.
Gadotti afirma que
O momento histrico que Paulo Freire viveu no Chile foi fundamental para
explicar a consolidao da sua obra, iniciada no Brasil. Essa experincia foi
fundamental para a formao de seu pensamento poltico-pedaggico. No
Chile, ele encontrou um espao poltico, social e educativo muito dinmico,
rico e desafiante, permitindo-lhe reestudar seu mtodo em outro contexto,
72
avali-lo na prtica e sistematiz-lo teoricamente.

No incio da dcada de 1970 Paulo Freire aceitou o convite para trabalhar


como o principal Consultor Especial do Departamento de Educao do Conselho
Mundial de Igrejas (CMI) em Genebra, Sua.
Bezerra relata sobre a questo. Ele diz que o apelo de Freire para deixar o
Chile chegou a ele quando estava em Roma. O Presidente e o Secretrio Executivo
do Centro de Documentao da Igreja Postconciliar (IDOC) se comoveram com o
apelo e foram, juntamente com Bezerra a Genebra, cidade onde est sediado o
Conselho Mundial das Igrejas e conseguiram que o Conselho enviasse uma carta
convite ao Paulo Freire.
Segundo Bezerra Paulo Freire
viria para as margens do lago Leman, onde no h terremotos; teria uma
sala com secretria, a biblioteca da instituio, uma digna ajuda de custo e
tempo para estudar, aprofundar as suas idias... e aprender uma lngua de
maior comunicao, ingls ou francs, que o portugus ou o portunhol, que
73
Paulo cultivou sempre com muita graa, no bastavam.

Fazemos aqui uma parada no itinerrio de Paulo Freire. E a justificativa que


a partir dos Estados Unidos, Paulo Freire se dirigir a Genebra para trabalhar no
CMI. Para entendermos o prximo lcus a partir do qual Paulo Freire far as suas
andarilhagens pelo mundo que trataremos, no prximo captulo de como se
72

GADOTTI, Moacir, 1996, p. 72.


ROSAS, Paulo. Paulo Rosas rene Yves Mota, Maria Adozinda, Argentina Rosas, Jarbas Maciel, Juracy Andrade, Almeri
Bezerra, Germano Coelho para conversa para debate sobra passagem dos anos 50 para os 60, Ibidem.

73

47

constituiu este organismo que oferecer todo o aporte para Paulo Freire, viajando
pelos cinco continentes, abordando o tema da educao, conscientizao, libertao
e da emancipao humana e agindo em favor dos esfarrapados do mundo. Somente
ento, depois de tratarmos do CMI, retomaremos a trajetria de Paulo Freire a partir
da Europa e da Europa para o mundo.

48

CAPTULO II O CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS

2.1 Ecumenismo
Definindo o vocbulo
Para tratarmos sobre o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), resultado do
moderno movimento ecumnico importante definir o que seja o termo ecumnico.
Este termo um vocbulo que deriva do substantivo grego que significa
casa, o lugar em que vivemos, o nosso espao vivencial, domstico no qual
deveramos nos relacionar mais profundamente e do verbo grego que
significa habitar ou hospedar-se, a depender do contexto em que esteja colocado.74
Especificamente, no sentido atual, quando tratamos de ecumenismo, nos referimos
a uma globalidade, a uma abrangncia integral das relaes, em todos os mbitos
da vida humana. No sentido da eclesiologia, a palavra nos remete unidade visvel
da Igreja que ultrapassa todos os obstculos teolgicos, polticos, culturais,
geogrficos e religiosos.
Mas nem sempre foi esta a compreenso. Santa Ana75 desenvolve o seu
pensamento ecumenista e descreve quais foram as compreenses do termo
oikoumene na viso do Ocidente. Refere-se ao mundo habitado. Os autores gregos
especialmente os do sculo IV desenvolveram uma compreenso do termo que se

74

Para conceituar o termo utilizamos a obra GINGRICH, F. Wilbur. (Trad. de ZABATIERO, Julio). Lxico do Novo
Testamento Grego/Portugus. So Paulo: Vida Nova, 1984, p. 144 e 133.
75
SANTA ANA, Julio H. de. Ecumenismo e Libertao: Reflexes sobre a relao entre a unidade crist e o Reino de Deus.
Petrpolis: Vozes, 1987. O autor definido por Juan Bosch Navarro na obra Para compreender o Ecumenismo, p. 35, como
telogo ecumenista.

49

referia a um espao limitado, a polis grega, o lugar da habitao. Assim, esta


compreenso de oikoumene refere-se a um lugar geogrfico especfico. Com as
conquistas alexandrinas o termo oikoumene ganha significado de espao mais
amplo: o mundo habitado, com todas as suas singularidades, limitaes,
cosmovises e potencialidades. Nesta Antiguidade clssica o oikoumene, com e por
conta de sua ampliao assume o significado de cultural. Com o declnio grego e
ascenso do domnio romano o termo assume outra compreenso que abarca e
complementa a compreenso anterior. Com os romanos o termo passa a ser referido
como poltico.
A eclesiologia, como afirmamos anteriormente indica a palavra apenas em
termos religiosos. Santa Ana afirma que no apropriado limitar o uso do termo
ecumnico apenas esfera religiosa da existncia humana. O termo j era
compreendido no mundo neotestamentrio como que sendo de carter inclusivo,
numa dimenso culturalista que abarcava com ela o geogrfico e o poltico.
Santa Ana afirma que:
O ecumnico tem a ver com estas trs importantes dimenses da existncia
humana: o espao onde se vive, onde se d a relao da pessoa humana
com a natureza, onde se tem conscincia do mundo que existe como
circunstncia da vida humana, do que est ao redor da pessoa e que influi
sobre ela. a dimenso geogrfica (...) Mas tambm tem a ver com a
cultura, ou seja, com o movimento atravs do qual a pessoa se vincula com
a realidade, com a inteno de transform-la, de humaniz-la, de torn-la
mais acolhedora da vida (...) ainda preciso levar em conta a dimenso
poltica do termo. A totalidade das experincias humanas revela sua
complexidade, sua variedade, sua grande diversidade, e isso ainda mais
evidente quando se observa a forma como as diversas sociedade atravs
da histria tentaram organizar-se e institucionalizar o uso do poder sobre a
sociedade. (...) De fato, a unidade dos seres humanos, das naes, de toda
essa variedade que caracteriza o povo de Deus inclui a dimenso
geogrfica, a cultural e a poltica. , portanto, algo que tem a ver com toda a
76
riqueza da vida humana.

Para entendermos as preocupaes dos ecumenistas, e para tratar sobre


ecumenismo temos de considerar uma afirmao do dominicano Navarro quando
este afirma que:
(...) os diferentes tipos de ecumenismo (...) convergem sempre para a
mesma realidade: a unidade dos cristos, a unidade das Igrejas, a unidade
da humanidade. Na unidade se encontra o ncleo do problema
77
ecumnico. [grifo meu]

76
77

SANTA ANA, 1987, p. 20.


NAVARRO, Juan Bosch. Para compreender o Ecumenismo. So Paulo: Edies Loyola, 1995, p. 23.

50

E Santa Ana ainda pergunta: Como concretizar a unidade do povo de Deus


num mundo dividido?78 Na realidade da diviso que os cristos se debruam
sobre os textos bblicos e buscam um retorno unidade perdida.
Para entender esta realidade de divises procuramos fazer, de modo breve
neste captulo, num primeiro momento, uma descrio do cristianismo, em especial o
catlico romano, em suas cises e tentativas de retorno a uma unidade. Num
segundo momento tratamos do CMI, como importante organismo de representao
ecumnica que parte do mundo protestante e se apresenta como instituio que
procura discutir sobre a quebra de unidade e envidar esforos para resgat-la.

2.2 Cristianismo: cises e tentativas de retorno unidade uma breve


abordagem histrica do incio ao Conclio Vaticano II
Das cises iniciais at a Reforma
A histria do cristianismo marcada por cises. Sua gnese sectria.
Surgiu como um movimento ou seita no seio do judasmo. Os Atos dos Apstolos
narram que Paulo em suas viagens missionrias procurava as sinagogas judaicas
para disputar com os judeus acerca da f no Cristo ou da crena da chegada e
presena viva, por meio da ressurreio, do Messias. No transcorrer da histria do
cristianismo tentou-se firmar uma ortodoxia, primeiramente fundada nas crenas
judaicas. No final do sculo primeiro os cristos foram expulsos das sinagogas
judaicas e os que no se adequavam a nova religio eram chamados de sectrios
ou hereges. Assim foi que o Cristianismo reagiu aos gnsticos do primeiro e
segundo sculos e tambm a Marcio, no segundo.
O Cristianismo estabeleceu um cnon, um credo e afirmou a sua autoridade
atravs da sucesso apostlica. Estas reaes visavam, fundamentalmente, afirmar
que o Cristianismo se define como uma unidade a partir de um conjunto
escriturstico, de um conjunto de crenas e de uma autoridade que derivava dos
apstolos e, conseqentemente, do prprio Cristo. Grande parte das informaes

78

SANTA ANA, 1987, p. 23.

51

que temos atualmente sobre estes debates iniciais e a necessidade da manuteno


de uma unidade, dos trs primeiros sculos, encontramos nos textos da Histria
Eclesistica79 de Eusbio de Cesaria.
Outro detalhe importante das discusses sobre a unidade foi firmada
primeiramente pelo Conclio de Nicia, em 325 e posteriormente confirmada pelo
Conclio de Constantinopla em 381. O resultado destes dois Conclios deu-se com a
formulao de f niceno-constantinopolitana, com a qual concordaram cristos do
oriente e do ocidente. Nesta afirmao declara-se: Cremos na Igreja Una, Santa,
Catlica e Apostlica.
Na era medieval, ano de 1054, ocorreu o grande cisma do Ocidente no qual o
catolicismo ortodoxo (Oriental) selou o seu distanciamento do catolicismo romano
(Ocidental). Este distanciamento iniciou-se na Antiguidade e adentrou a Idade
Mdia, em parte devido s grandes questes teolgicas discutidas nos primeiros
conclios universais da Igreja. Em 15 de julho de 1054 um episdio que serviu de
catalisador para o grande cisma ou rompimento definitivo das Igrejas crists do
Oriente com a Igreja Ocidental latina, segundo a reconstruo dos historiadores, foi
aquele em que o legado papal Humberto de Silvacndida (secretrio papal) jogou
sobre o altar de Catedral de Santa Sofia, em Bizncio, o libelo de excomunho
contra o ento Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulrio, recebendo em troca
um antema igual contra si. Neste episdio a Igreja Ocidental excomungou a Igreja
Oriental e esta, por sua vez, amaldioou a Igreja Ocidental.
Dois outros movimentos medievais importantes sacudiram o Cristianismo:
ctaros e valdenses. Destes, o que ainda sobrevive so os valdenses, que,
conforme Walker,
Vindo a Reforma, aceitaram seus princpios e se tornaram protestantes. Sua
histria o relato de herica resistncia s perseguies honrosa histria
sendo eles a nica seita medieval que ainda agora sobrevive, ainda que
80
com grandes modificaes nos mtodos e ideais com que se originaram.

79

EUSBIO de Cesaria. Histria Eclesistica. Traduo de Wolfgang Fischer. So Paulo: Editora Novo Sculo, 2002. (As
questes apresentadas encontram-se especialmente nos Livros II e III).
WALKER, WILLINSTON. Histria da Igreja Crist. V. 1. 3. ed. Rio de Janeiro/So Paulo: Juerp/Aste, 1981, p. 326

80

52

Os movimentos de Reforma81 do sculo XVI foram os que mais


representaram crise com a conseqente quebra de unidade do Cristianismo aps o
grande cisma de 1054. Tais movimentos, em vrios recantos da Europa, foram de
questionamentos da estrutura de poder, das doutrinas e, fundamentalmente, da
teologia. Segundo Nichols
Alm da Alemanha, as demais naes da Europa ocidental, inclusive
mesmo Espanha e a Itlia, receberam a influncia daquele despertamento
religioso do sculo XVI, em vrios graus de intensidade. Todas as naes
estavam mais ou menos preparadas para a Reforma pelas mesmas foras
que haviam preparado a Alemanha: a insatisfao, o protesto contra as
condies da Igreja; o sentimento patritico contra a interferncia dos papas
nos negcios polticos e religiosos nacionais e a nova concepo de vida
resultante da Renascena. Na Sua, Frana, Pases Baixos, Esccia,
Inglaterra, explodiram revolues religiosas e foram organizadas igrejas
protestantes.82

No mesmo ano em que Lutero afixou as suas 95 teses na porta da igreja do


castelo de Wittenberg havia se encerrado o Concilio de Latro V. Era a oportunidade
de uma reforma interna da Igreja e que esta desperdiara. Com isso,
descontentamentos produziram o movimento liderado por Lutero e por outros
reformadores que desafiaram os poderes espiritual e temporal e com isto arrastaram
seguidores que defenderam a sua causa.
Lutero reagiu duramente aos papas e com apoio de alguns prncipes da
regio alem reagiu tambm ao imperador Carlos V. O reformador foi excomungado
pela Igreja em maro de 1521 e, no mesmo ano foi convocado a comparecer
perante a Dieta ou Reichstag de Worms, na qual Carlos V o chamou para a
retratao acerca das teses que confrontavam a Igreja e que foi decisiva para a
quebra efetiva da unidade. Lutero recusou-se retratao aps pedir um dia para
pensar sobre o assunto. No dia 18 de abril de 1521 Lutero confirmou suas teses,
afirmando que somente se retrataria caso algum o convencesse de que estava
equivocado. Gonzlez relata que
Lutero compareceu diante da dieta, e a assistncia foi grande. A presena
do Imperador em Worms, rodeado de soldados espanhis que abusavam
do povo, haviam exacerbado ainda mais o sentimento nacional. Uma vez
mais, em meio ao maior silncio, se perguntou a Lutero se se retratava. O
monge respondeu que o que havia escrito no era mais que a doutrina
crist que tanto ele como seus inimigos sustentava, e portanto ningum
deveria pedir-lhe que se retratasse daquilo. Outra parte tratava sobre a

81

No incio do sculo XVI quatro movimentos eclodiram: o luterano, o anglicano, o calvinista e o anabatista. Destes, o mais
impactante foi o luterano.
NICHOLS, Robert Hastings. Histria da Igreja Crist. 7. ed. So Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1988, p. 159.

82

53

tirania e as injustias a que estavam submetidos os alemes, e tambm


disto no se retrataria, pois tal no era o propsito da dieta, e tal negao
somente contribuiria para aumentar a injustia que se cometia. A terceira
parte, que consistia em ataques a certos indivduos e em pontos de doutrina
que seus oponentes refutavam, certamente no havia escrito com
demasiada aspereza. E assim, to pouco dela se retrataria, a no ser que
lhe convencessem de que estava errado.
Seu interlocutor insistiu: Retratas-te ou no? E Lutero lhe respondeu, em
alemo, e desdenhando, portanto o latim dos telogos: No posso nem
quero retratar-me de coisa alguma, pois ir contra a conscincia no justo
83
nem seguro. Deus me ajude. Amm.

Noutra traduo encontrada em Nichols h relato do mesmo fato, com mais


alguns detalhes:
Ao fim da defesa, o imperador, por intermdio de um oficial, perguntou-lhe
se estava disposto a se retratar das afirmaes que fizera, negando
autoridade a certas decises de alguns conclios - uma questo que
naturalmente envolvia toda a matria que se relacionava com a autoridade
da Igreja. A sua resposta foi: impossvel retratar-me, a no ser que me
provem que estou laborando em erro, pelo testemunho das Escrituras ou
por uma razo evidente; no posso confiar nas decises de conclios e de
papas, pois evidente que eles no somente tem errado, mas se tem
contraditado uns aos outros. Minha conscincia est alicerada na Palavra
de Deus, e no seguro nem honesto agir contra a conscincia de algum.
Assim Deus me ajude. Amm [grifo meu]. A Dieta dissolveu-se em meio
grande confuso. Os espanhis gritaram: fogueira com ele! mas os
alemes dele se acercaram; e quando saram do auditrio, todos juntos e
Lutero no meio deles, empunharam suas armas e levantaram as mos
acima das cabeas na maneira como costumava fazer um cavaleiro alemo
quando derrubava seu antagonista num torneio.84

A atitude de Lutero e dos alemes foi considerada como provocao pelo


Imprio. Lutero se retirou da Dieta de Worms no final do ms de abril de 1521. No
ms seguinte, aos 25 de maio, o Imperador Carlos V obrigou a Dieta a publicar o
Edito de Worms, no qual Lutero foi condenado por heresia85 contra a Igreja. Estava
definitivamente selada a quebra da unidade. Lutero, com apoio de significativa parte
de prncipes alemes, classe composta basicamente por nobres e clrigos, rompera
primeiro com o poder religioso e, em seguida com o poder temporal. Alguns
territrios alemes tornaram-se protestantes, por conta da Dieta de Worms e com
isso abraaram a concepo teolgica luterana.

83

GONZLEZ, Justo. Uma Histria Ilustrada do Cristianismo: A Era dos reformadores. V. 6. So Paulo: Edies Vida Nova,
1983, p. 64.
84
NICHOLS, 1988, p. 151.
85
O termo hertico tem sua origem no grego que significa faccioso, cismtico, causador de divises (cf.
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Lxico do Novo Testamento: Grego/Portugus. So Paulo: Edies Vida Nova,
1984.

54

Estava assim decretada a diviso religiosa e poltica da Alemanha. Na


seqncia houve outros levantes e guerras religiosas que definitivamente dividiu a
Europa entre catlicos e protestantes. Estabeleceu-se assim a mais profunda e
duradoura diviso do Cristianismo ocidental.
O catolicismo romano e suas crises na sociedade moderna
Rompida a unidade, quebraram-se tambm os argumentos dogmticos
estabelecidos pelo telogo Cipriano de Cartago, do sculo terceiro, em sua obra De
Catholicae Ecclesiae Unitate na qual afirmou que
A Esposa de Cristo no pode tornar-se adltera, ela incorruptvel e casta
[cf. Ef 5.24-31]. Conhece s uma casa, observa, com delicado pudor, a
inviolabilidade de um s tlamo. ela que nos guarda para Deus e torna
partcipes do Reino os filhos que gerou.
Aquele que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adltera, fica
privado dos bens prometidos Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo
no chegar aos prmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano,
torna-se inimigo.
No pode ter Deus por Pai quem no tem a Igreja por me. Como ningum
se pde salvar fora da arca de No, assim ningum se salva fora da Igreja.
O Senhor nos alerta e diz: "Quem no est comigo est contra mim, quem
comigo no recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concrdia
de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja,
86
esse dissipa a Igreja de Cristo.

Embora no seja aceito por muitos telogos protestantes, a Igreja de Roma


envidou esforos para tentar reverter a diviso na Europa atravs da convocao de
um Snodo Catlico. O papa Paulo III convocou o Snodo para reunir-se em Mntua,
com data marcada para o ano de 1537. Com o incio de uma guerra entre Frana e
Alemanha o Conclio foi suspenso. Em 1538, aps o encerramento da guerra, Carlos
V pressionou o papa Paulo III a convocar o Conclio para uma cidade alem
fronteiria com a Itlia, chamada Trento. O Conclio reuniu-se entre os anos de 1545
e 1563, com muitas interrupes das sesses.

86

Adulterari non potest sponsa Christi, incorrupta est et pudica. Unam domum novit, unius cubiculi sanctitatem casto pudore
custodit. Haec nos Deo servat, haec filios regno quos generavit assignat.
Quisquis ab Ecclesia segregatus adulterae jungitur, a promissis Ecclesiae separatur; nec perveniet ad Christi praemia, qui
relinquit Ecclesiam Christi. Alienus est, profanus est, hostis est.
Habere jam non potest Deum patrem, qui Ecclesiam non habet matrem. Si potuit evadere quisquam qui extra arcam Noe fuit,
et qui extra Ecclesiam foris fuerit evadit.
Monet Dominus et dicit: Qui non est mecum, adversus me est; et qui non mecum colligit, spargit (Matth. 12, 30). Qui pacem
Christi et concordiam rumpit adversus Christum facit. Qui alibi praeter Ecclesiam colligit Christi Ecclesiam spargit. In:
CARTHAGINENSIS, Cyprianus. Liber De Catholicae Ecclesiae Unitate. Documenta Catholica Omnia. Disponvel em
<http://www.documentacatholicaomnia.eu/>. Acesso em 10 de dezembro de 2008.

55

O Conclio de Trento apresentado como o Conclio da Contra-Reforma.


Entretanto, mais do que isso, o Conclio representou uma tentativa de reverter a
quebra da unidade tanto religiosa quanto poltica da Europa.
Fischer-Wollpert

descreve

como

aconteceu

dcimo-nono

Conclio

Ecumnico. Segundo o autor, os membros alemes do Sacro Imprio Romano


Germnico87, votantes no parlamento de Nuremberg exigiram que se convocasse
um Conclio para resolver as questes referentes quebra da unidade da Igreja. A
preocupao residia no fato do norte e leste da Alemanha terem se tornado
protestantes. Cidades importantes do Imprio tambm estavam aderindo f
reformada. Para o Imperador, Cristo fora ultrajado e era necessrio uma reparao,
o que no acontecera na Dieta de Augsburgo88 em 1530, pois a afronta sofrida pelo
Imperador neste encontro reforou ainda mais o esprito evanglico e protestante
dos prncipes alemes.
Desde a Dieta de Worms Carlos V tentou, por vias polticas e por sucessivos
contatos com os papas, resolver a questo da diviso da Igreja e conseqentemente
do Imprio. Sob presso do Imperador Carlos V, no ano de 1541 o papa Paulo III
consentiu na convocao de um Conclio para reformar a Igreja e superar a diviso,
com sede em Trento, como queria o Imperador. A partir de 1545 o Conclio se
reuniu. Em 1547 o papa transferiu a sede do Conclio para Bolonha, mas o
Imperador pressionou pelo retorno a Trento. O papa Julio II, atendendo s
exigncias do Imperador, devolve a sede do Conclio para Trento no ano de 1551. A
alegao imperial era de que os telogos protestantes alemes se negariam a
discutir sobre a diviso da Igreja em territrio italiano.
De fato, Carlos V tinha razo, pois em 1552 os representantes dos estados
imperiais protestantes comearam a fazer parte do Conclio e fizeram exigncias das
quais os telogos romanos jamais abririam mo: de que todos os pronunciamentos

87

O Sacro Imprio Romano-Germnico foi a unio de territrios da Europa Central que durou quase um milnio, vigorando
a partir do sculo IX, dentro do sistema feudal, e se desfazendo a partir das conquistas napolenicas no sculo XIX. Durante a
sua existncia o Sacro Imprio era composto pelos atuais pases Alemanha, ustria, Blgica, Eslovnia, Frana, Holanda, Itlia,
Liechtenstein, Luxemburgo, Polnia, Repblica Tcheca, Sua. O territrio sofria ampliaes e diminuies, dependendo dos
movimentos, conflitos e guerras acontecidos na Europa Central. Os atuais pases da Pennsula ibrica e a Inglaterra no
compunham o Imprio.
88
Sobre esta questo, ver DREHER, Martin. Introduo. In: CONFISSO DE AUGSBURGO: 1530-1980. So Leopoldo: Editora
Sinodal, 1980, p. 7-11.

56

at ento feitos pelo conclio sobre a f deveriam ser anulados.89 No havendo


acordos, o conclio no conseguiu cumprir a tarefa que lhe fora inculcada pelo
imperador, no sentido de restabelecer a unidade da f.90
Provavelmente as conciliaes no tenham acontecido, como afirma Walker,
pelo fato de o Conclio contar com telogos peritos do papa, dois jesutas chamados
Laynez e Salmeron que apoiaram um iderio antiprotestante. Shelley concorda com
Walker, citando alm destes (Diego Laynez e Alfonso Salmeron), outros nomes
importantes da Contra-Reforma, todos formados em Paris como o Mestre Incio.
Foram eles Peter Faber, Somon Rodriguez Nicholas Bobadilla e Francisco Xavier.91
Citamos tambm uma obra de 1787, de autoria de Ayala em que destaca
elogiosamente os nomes de importantes telogos contra-reformistas, dentre eles os
j citados. Segundo Ayala
Durar sem dvida com a Igreja a memria de seu zelo, e ressoaro com os
nomes de Dom Frei Bartolom de los Mrtires, de Dom Pedro Guerrero, do
Cardeal Pacheco, de Dom Martin de Ayala, de Dom Diego de Alava, e de
muitos outros espanhis, os ternos e veementes clamores com que pediram
a reforma dos costumes, anelando por ver renascer aqueles primitivos e
felizes dias em que floresceram a competncia ao zelo e desinteresse dos
eclesisticos, e o candor, a pureza, e a submisso dos seculares. Quanto
nos ajudaram com suas luzes os sbios espanhis Domingo, e Pedro de
Soto, Carranza, Vega, Castro, Carvajal, Lainez, Salmeron, Villalpando,
Covarrubias, Menchaca, Montano e Fuentidueas? Os pontos mais
importantes assumiram para seu exame, e contribuindo com seu talento e
sabedoria defesa da f catlica, e ao lustre imortal da nao espanhola,
corresponderam amplamente a honra com que lhes distinguiu o Santo
92
Conclio, e expectativa da Igreja Universal.

Walker cita os Credos da Cristandade, de autoria de Schaff nos quais esto


descritos os decretos doutrinrios do Conclio de Trento. Segundo Walker
Os decretos doutrinrios do Conclio de Trento foram claros e definidos em
sua rejeio das crenas protestantes, ainda que por vezes hesitantes com
referncias a temas em discusso nas controvrsias medievais. A Escritura
e a tradio so igualmente fontes de verdade. S a Igreja tem o direito de
interpretar. A justificao habilmente definida, mas deixando lugar s boas
obras. Os sacramentos so os sete medievais e definidos maneira
medieval. O resultado est expresso com habilidade, mas a Igreja fechou
por completo a porta a qualquer compromisso ou modificao da doutrina
medieval.

89

FISCHER-WOLLPERT, Rudolf. Lxico dos Papas: de Pedro a Joo Paulo II. Petrpolis: Vozes, 1991, p. 235.
FISCHER-WOLLPERT, 1991, p. 236.
91
SHELLEY, Bruce L. Histria da Cristianismo: ao alcance de todos. So Paulo: Sheed Publicaes, 2004, p. 308. Obs.: (A
grafia dos nomes so diferentes para Shelley e Walker).
92
AYALA, Igncio Lopes de. El sacrosanto y Ecumnico Concilio de Trento. Prlogo. 3. ed. Madrid: Imprenta Real, 1787.
(Obra traduzida do latim para o espanhol pelo autor. Original da Biblioteca de Catalunya. Digitalizado pela 12 mai. 2008).
Traduo livre do espanhol.
90

57

Todavia, as reformas efetuadas pelo conclio, ainda que ficassem longe de


satisfazer os desejos de muitos da Igreja Romana, foram considerveis. (...)
Passo menos elogivel foi a aprovao de um catlogo de livros proibidos,
que seria preparado pelo papa (...). Disso resultou, em 1571, a criao por
Pio V (1566-1572), em Roma da Congregao do ndex, para a censura de
93
publicaes.

Ao analisarem as decises do Conclio de Trento as alas mais conservadoras


e fundamentalistas do protestantismo e dos movimentos pentecostais afirmam que a
Igreja de Roma no avanou nas discusses realizadas pelo Conclio, estando
apenas preocupada em reafirmar as suas convices de f medievais.
Neste sentido, podemos afirmar que todas as tentativas de retorno unidade
foram e estavam fracassadas, pois se estabeleceu definitivamente a ruptura mais
profunda do Cristianismo. A Igreja romana teve que se reorganizar.
Nos sculos XVII e XVIII as questes referentes quebra e retorno unidade
da Igreja pouco avanaram, pois o que prevaleceu na Europa catlica romana e nas
colnias dos contra-reformistas foram as decises do Conclio de Trento, divulgadas
e defendidas pelos jesutas, os baluartes da Igreja Tridentina. Tanto os protestantes
quanto os catlicos romanos estavam impossibilitados de retomarem a unidade. Os
protestantes no abririam mo de suas novas convices, aliadas s questes
polticas. Os catlicos romanos no desejavam a sua descaracterizao. A resposta
romana foi coerente. Prevaleceram as Escrituras e os escritos dos pais da Igreja. A
profisso de f tridentina declarou tambm, em reao teologia protestante da livre
interpretao das Escrituras que apenas o catolicismo romano tem, como
sacramento, o mnus da hermenutica, ou seja, a fiel depositria e nica com
autoridade para interpretar e ensinar as Escrituras.
A Reforma interna da Igreja romana, como veremos adiante, foi conservadora
e manteve benefcios eclesisticos e demora nas decises sobre o ensino teolgico.
Os anseios eram grandes, mas os clrigos no estavam dispostos a abandonarem
os seus benefcios. Segundo Besen as decises do Conclio de Trento foram
aplicadas com muita lentido. Este autor indica alguns os pontos negativos da Igreja
resultante do Conclio de Trento. Dentre eles:

93

WALKER, 1981, p. 107.

58

excessiva centralizao no papa e imagem da Igreja como estrutura


governo; clericalizao da Igreja em detrimento dos leigos; separao
povo e do clero; rigidez litrgica e acentuao do devocional
espiritualidade crist, acentuando assim a contraposio quilo que
positivo a Reforma protestante pedia: o uso da Bblia, a Graa, a liturgia
94
lngua do povo e a valorizao do sacerdcio de todos os batizados.

de
do
na
de
na

Daqui em diante, tomamos como referncia Fischer-Wollpert, em sua obra


Lxico dos Papas (1991), para indicar o caminho da Igreja atravs da ao de
alguns dos patriarcas da Igreja Ocidental, tomando o cuidado de conferir os dados
noutras fontes que no sero aqui indicadas.
Findo o Conclio tridentino, fora eleito como papa a Pio V. Em seu governo,
entre 1566 e 1572, foram publicados o catecismo para os sacerdotes, o brevirio e o
missal. Seu rigorismo institucional fez com que usasse de extraordinria severidade
para com os hereges. Assim, excomungou a rainha Elizabete da Inglaterra e a
declarou deposta (...)95, sendo esta a ltima deposio de uma representante do
poder temporal pelo papa. O papa seguinte, Gregrio XIII, que governou de 1572 a
1585, tratou de organizar as instituies de preparo teolgico do clero catlico e
fundiu seminrios de formao na Alemanha, Hungria e criou a Universidade
Gregoriana de Roma.
Cinqenta anos depois, em 22 de junho 1622, o papa Gregrio XV fundou a
Propaganda Fide, atual Congregao para a Evangelizao dos Povos
para dirigir e coordenar toda a atividade missionria da Igreja, procurando
torn-la independente da tutela sufocante das potncias coloniais catlicas
da poca, em particular Espanha e Portugal. E essa sua tarefa ainda hoje.
Segundo a constituio apostlica Pastor Bonus, de 1988, a tarefa desse
organismo sempre dirigir e coordenar no mundo inteiro sua obra da
evangelizao dos povos e a cooperao missionria.96

Fischer-Wollpert afirma que a funo da Propaganda Fide no que diz respeito


misso evangelizadora se concentrava no alm-mar. Outra funo seria a de
coordenar o movimento contra-reformista na Europa e junto aos jesutas estavam
ocupados com misses fora da Europa. Para cumprir esta funo a Propaganda
Fide tratou de fazer cumprir todos os decretos reformistas do Conclio de Trento. O

94

BESEN, Jos Artulino (Pe.). A Reforma da Igreja: O Conclio de Trento. Jornal Misso Jovem. Disponvel em <
http://www.pime.org.br/missaojovem/mjhistdaigrejatrento.htm>. Acesso em 10 de fevereiro de 2009.
95
FISCHER-WOLLPERT, 1991, p. 132.
96
Gianni Cardinalle. A Grande Rede das Misses. Disponvel em <http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=9185>. Acesso
em set.
2008.

59

ganho substancial dos jesutas no cumprimento das orientaes da Propaganda


Fide foi ter o seu fundador canonizado em 1622, juntamente com Francisco Xavier.
Outros dois baluartes contra-reformistas foram canonizados em 1623: Tereza dvila
e Felipe Nri. Este ltimo fora conselheiro de vrios papas conciliares e psconciliares.
Na atualidade a Propaganda Fide tem um stio prprio na rede mundial de
computadores, a Agenzia Fides, com contedo em italiano, espanhol, ingls,
francs, portugus, alemo, chins e rabe.
Na segunda metade do sculo XVII a Igreja sentir um forte impacto com as
mudanas estruturais da sociedade europia, desencadeadas especialmente na
Frana, com o chamado galicanismo, que era um absolutismo monrquico no qual
as questes espirituais deveriam estar submetidas ao Estado. Foi o incio do
processo de secularizao do mundo ocidental que culmina com as crises do sculo
XIX. Com isso, a Igreja foi perdendo cada vez mais o seu espao na sociedade e na
cultura europias. O avano do liberalismo e do racionalismo aliado a um forte anticlericalismo separou a sociedade europia do domnio ideolgico da Igreja.
Este processo de secularizao nos indica fortemente que a Igreja romana
reforou a atividade missionria fora da Europa, como podemos perceber nas
decises dos papas Inocncio XII (1691-1700) e Clemente XI (1700-1721). Deste
perodo complexo que marca a queda do poder da Igreja na Europa, h tambm um
forte crescimento de grupos protestantes confessionais. Na Nova Inglaterra, atual
Estados Unidos da Amrica, os grupos religiosos que fugiram das perseguies na
Europa estabeleceram as denominaes evanglicas, que no sculo XIX fundaro
suas empresas missionrias que desenvolvero as suas atividades para fora do
territrio norteamericano. A partir das misses protestantes mundiais que se
organizar o Conselho Missionrio Internacional que futuramente dar origem ao
Conselho Mundial de Igrejas.
Fischer-Wollpert destaca que o papa Pio VI, que permaneceu no poder por
quase 25 anos governando a Igreja entre os anos de 1775 a 1799, foi um dos que
mais sofreu com a secularizao. O papa teve dificuldades extremas por conta dos
governantes absolutistas, da Revoluo Francesa e da filosofia iluminista. Pio VI

60

faleceu como prisioneiro dos franceses em agosto de 1799, meses antes da tomada
do poder na Frana por Napoleo Bonaparte. O seu sucessor, Pio VII somente foi
eleito em maro de 1800, no mosteiro beneditino S. Giorgio, sob proteo
austraca.97 O catolicismo ficou completamente desarticulado na Europa e pensouse que seria extinto. Esse era o desejo dos mais importantes filsofos iluministas
franceses da poca. Voltaire afirmara, na segunda metade do sculo XVIII, a
necessidade de destruio da Igreja e do Cristo. Sua crtica ao catolicismo romano
era cida. Segundo ele
apenas na Igreja Romana, acrescida da ferocidade dos descendentes dos
hunos, dos godos e dos vndalos, que se v essa srie contnua de
escndalos e barbries desconhecidos de todos os sacerdotes das outras
religies do mundo. Em toda parte, os sacerdotes abusaram, porque so
homens. (...) A Igreja Romana ganhou em quantidade de crimes de todas as
98
seitas do mundo porque teve riquezas e poder.

Com

desarticulao

da

Igreja,

Fischer-Wollpert

destaca

que

reorganizao da Igreja foi difcil em quase todos os pases europeus, que haviam
sido afetados pela Revoluo Francesa. (...) Com numerosos pases da Europa
foram firmadas concordatas.99 Nesse sentido podemos afirmar que o sculo XIX
ser decisivo para a Igreja catlica resgatar o seu poder e prestgio junto aos
governos.
Pio IX, o papa que mais tempo ficou no poder, de 1846 a 1878 pode ser
considerado uma das mais importantes e destacadas figuras da Igreja no sculo
XIX. O seu governo foi marcado pelo ano de 1848, o mais emblemtico do sculo
por conta das Revolues republicanas e nacionalistas, anti-absolutistas na Europa.
O Brasil tambm sofreu os impactos da chamada Primavera dos Povos, como
ficaram conhecidas tais Revolues. Entretanto, enquanto que o povo pedia mais
participao nos governos e Marx e Engels publicavam seus textos questionando a
religio, a poltica, o modelo econmico, a Igreja se fechava cada vez mais em torno
da figura do papa. O centralismo papal ficou conhecido como ultramontanismo.100
Lage relata que

97

FISCHER-WOLLPERT, 1991, p. 148.


VOLTAIRE. Deus e os homens. So Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 154.
99
FISCHER-WOLLPERT, 1991, p. 150.
100
De acordo com o verbete de LAGE, Ana Cristina P. in: LOMBARDI, Jose Claudinei; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria
Isabel Moura. (orgs.) Navegando pela Histria da Educao brasileira. Campinas: Grfica FE: HISTEDBR, 2006. (CDRom), Ultramontanismo um termo que designa, no catolicismo, especialmente francs, os fiis que atribuem ao papa um
importante papel na direo da f e do comportamento do homem. Na Idade Mdia, o termo era utilizado quando elegia-se um
98

61

o ultramontanismo passou a ser referncia para os catlicos dos diversos


pases, mesmo que significasse um distanciamento dos interesses polticos
e culturais. Apareceu como uma reao ao mundo moderno e como uma
orientao poltica desenvolvida pela Igreja, marcada pelo centralismo
romano, um fechamento sobre si mesma, uma recusa do contato com o
mundo moderno [grifo meu]. Os principais documentos que expressam o
pensamento centralizador do papa so as encclicas de Gregrio XVI (18311845), Pio IX (1846-1878), Leo XIII (1878-1903) e Pio XI (1922-1939).101

A centralidade no papa exigiu do governante da Igreja uma reao aos


acontecimentos mundiais de contestao, cultura, filosofia e outros dados da
sociedade no seu conjunto. Nesta linha de pensamento, em 1864 o papa publicou
uma das mais polmicas encclicas, a Syllabus, na qual trata dos erros do sculo e
os condena, quais sejam: pantesmo, naturalismo e racionalismo absoluto,
racionalismo moderado, indiferentismo, latitudinarismo, socialismo, comunismo,
sociedades secretas, sociedades bblicas e clrigo-liberais. A encclica tratava
tambm de erros sobre a Igreja e os seus direitos, erros de sociedade civil, tanto
considerada em si como nas suas relaes com a Igreja, erros acerca da moral
natural e a moral crist, erros acerca do matrimnio cristo e erros acerca do
principado cvel do pontfice romano.
O texto resumo da encclica demonstra a preocupao da igreja com a
secularizao e a modernidade e reafirma o catolicismo como o detentor da verdade
de f crist, afirmando que o protestantismo no parte da igreja verdadeira e que
os seus fiis no agradam a Deus, conforme o seu art. 18.
Segundo Fischer-Wollpert, no mesmo ano da publicao do Syllabus, 1864, o
papa haveria confidenciado com o cardeais o interesse na convocao de um
Conclio universal. A comisso preparatria foi constituda em 1865, o anncio
solene feito em 1867 e a convocao oficial em 1868. No final do ano de 1869 teve
incio a primeira sesso do Conclio Vaticano I. A tarefa do Conclio era expor com
clareza os princpios da verdade catlica e adaptar s exigncias da poca a

papa no italiano (alm dos montes). O nome toma outro sentido a partir do reinado de Filipe, o Belo (sculo XIV) na Frana,
quando postularam os princpios do galicanismo, no qual defendiam o princpio da autonomia da Igreja francesa. O nome
ultramontano foi utilizado pelos galicanos franceses, que pretendiam manter uma igreja separada do poder papal e aplicavam o
termo aos partidrios das doutrinas romanas que acreditavam ter que renunciar aos privilgios da Glia em favor da cabea
da Igreja (o papa), que residia alm dos montes. O ultramontanismo defende portanto o pleno poder papal. Com a
Revoluo Francesa, as tendncias separatistas do galicanismo aumentaram. As idias ultramontanas tambm. Nas primeiras
dcadas do sculo XIX, devido a freqentes conflitos entre a Igreja e o Estado em toda a Europa e Amrica Latina, foram
chamados de ultramontanos os partidrios da liberdade da Igreja e de sua independncia do Estado.
101
LAGE, Ana Cristina P. in: LOMBARDI, Jose Claudinei; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. (orgs.)
Navegando pela Histria da Educao brasileira. Campinas: Grfica FE: HISTEDBR, 2006. (CD-Rom)

62

disciplina eclesistica.102 O ganho considervel do Conclio foi resolver de forma


definitiva as divises internas da Igreja catlica romana. Resolvida esta diviso,
cabia Igreja catlica repensar as questes relativas ao mundo moderno e aos
grupos acatlicos.
O Conclio Vaticano I no fora concludo por conta da guerra francoprussiana, que irrompeu em 1870 e durou at 1871. As amarguras entre as naes
da Europa central, no resolvidas nesta guerra, na qual a Frana teve de pagar alta
indenizao Prssia, tendo o seu territrio ocupado por tropas alems at 1873,
dar ocasio Primeira Grande Guerra. Durante a guerra franco-prussiana, a Igreja
romana perdeu os seus territrios na Itlia por conta da unificao do pas.
Embora o Conclio no tenha discutido as questes referentes unidade da
igreja, importante destacar a figura de Leo XIII, governante da Igreja romana
entre 1878 e 1903, que manifestou o desejo de unidade crist. O papa,
em sua primeira encclica, publicada em 21 de abril de 1878, mencionou a
reconciliao da Igreja com a cultura entre as mais importantes tarefas dos
eu pontificado (...) Via tambm como tarefa importante sua a reunificao
dos cristos separados na f. Com tal objetivo publicou, em 1896, uma
103
encclica sobre a unidade da Igreja.

Quase um sculo depois da realizao do Conclio Vaticano I, o papa Joo


XXIII convocou o Conclio Vaticano II. Anunciado em 1959, o conclave teve incio em
1963. O documento final do Conclio Vaticano II foi publicado contendo
Constituies, Decretos e Declaraes. As Constituies so documentos
abrangentes, com declaraes fundamentais sobre uma questo, com a inteno de
ser substancial e completa; os Decretos so documentos com diretivas gerais e
especficas para a vida de determinados crculos de pessoas e as Declaraes so
esclarecimentos da Igreja que se posiciona frente a questes bem determinadas.
Nesse caminho, o documento final do Conclio Vaticano II sobre o Ecumenismo,
um Decreto denominado Unitatis Redintegratio, com trs captulos.
Fischer-Wollpert destaca que
O papa, ao anunciar o conclio, falou conforme era usual num conclio
ecumnico. Tal manifestao levaria eventualmente a mal-entendidos,
porquanto sob o termo ecumnico, no sentido comum de hoje (= unidade

102
103

FISCHER-WOLLPERT, 1991, p. 154.


FISCHER-WOLLPERT, 1991, p. 156, 157.

63

das igrejas) j no se entende, conforme era a inteno, o conclio no


sentido de histrico (= geral). O papa explicou tambm a finalidade da
convocao: a Igreja deveria adaptar-se s exigncias da poca. Em 14 de
junho de 1959, usou pela primeira vez a palavra aggiornamento, abertura
da Igreja. E acrescentou: Uma vez realizada a tarefa do conclio, a Igreja
estar em melhores condies para convidar unidade os irmos
separados [grifo meu].104

No que diz respeito aos irmos separados, cabe aqui uma considerao de
extrema importncia. No documento de convocao do conclio o papa Joo XXIII
afirma que
No momento, pois, em que generosos e crescentes esforos de vrias
partes so feitos com o fim de reconstituir aquela unidade visvel de todos
os cristos que corresponda aos desejos do divino Redentor, muito
natural que o prximo Conclio ilustre mais abundantemente aqules
captulos de doutrina, mostre aqueles exemplos de caridade fraterna que
tornaro ainda mais vivo nos irmos separados o desejo do mais auspicioso
retorno unidade e para quem como que prepararo o caminho para a
105
conseguir.

O Unitatis Redintegratio inicia afirmando que promover a restaurao da


unidade entre todos os cristos um dos principais propsitos do sagrado Conclio
Ecumnico Vaticano II. Pois Cristo Senhor fundou uma s e nica Igreja.106
Entretanto, o documento desconsidera os esforos de unidade que no partam da
Igreja romana. No que diz respeito ao patrimnio espiritual e litrgico, no disciplinar e
no teolgico e nas diversas tradies, o documento afirma que as demais
denominaes crists fazem parte da catolicidade e da apostolicidade, mas o
documento omite que tais denominaes faam parte da santidade e da unidade da
Igreja universal de Jesus Cristo.
A Igreja romana envidou esforos para o retorno da unidade da Igreja no
Ocidente no sculo XX. Os documentos emanados do Vaticano pretendem uma
unidade sob um mesmo governo. Mas as demais denominaes do bloco cristo
protestante possuem outras formas de governo e no se submeteriam autoridade
do sumo pontfice romano. Nesse sentido podemos afirmar que os protestantes
caminharam noutra linha de pensamento em seus esforos para a unidade crist.

104

FISCHER-WOLLPERT, 1991, p. 164.


CONCLIO Ecumnico Vaticano II. Constituies Decretos Declaraes Documentos e Discursos Pontifcios.
So Paulo: Edies Paulinas, 1967, p. 9.
106
CONCLIO Ecumnico Vaticano II, 1967, p. 216.
105

64

2.3 O Ecumenismo no sculo XX razes e gnese


O que queremos enfatizar a partir deste ponto a questo ecumnica a partir
do protestantismo. Anderson trata do ecumenismo como um grande esforo para
unidades mundiais. Ele afirma que o ecumenismo
uma caracterstica distintiva do sculo XX. um fenmeno que impacta a
todas as ordens da vida contempornea. As Naes Unidas com a ordem
poltica; os mercados comuns com a ordem econmica; os consrcios na
ordem mundial; o controle central nas comunicaes e os intercmbios
internacionais nas ordens intelectuais so alguns dos indcios de um
crescente ecumenismo. Devido a uma proliferao dos meios de
comunicao em nosso mundo tecnolgico e a revoluo ciberntica os
contatos ecumnicos so cada vez mais possveis e necessrios. O
provincialismo e o nacionalismo fanticos vo se desmoronando. Tomamos
107
conscincia de uma certa integrao mundial.

Assim, vemos que o ecumenismo atinge muitas reas de ao das


sociedades humanas. Especificamente trataremos aqui do ecumenismo no campo
religioso e no que diz respeito questo da unidade visvel das Igrejas e
denominaes crists. E, nesse aspecto, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) o
maior e bem sucedido esforo para o ecumenismo no campo religioso, a partir do
protestantismo.

2.4 O Conselho Mundial de Igrejas o esforo protestante de


ecumenismo
A discusso que fazemos a partir deste ponto, ao considerar o CMI como um
dos principais organismos de representao ecumnica do planeta e, ao nosso ver,
produto de um denominacionalismo norteamericano, de movimentos associativos e
de misses crists protestantes encetadas pelas Igrejas da Europa e Estados
Unidos da Amrica, dos quais passamos a tratar.

107
ANDERSON, Justo. Historia de los bautistas. Tomo 1. Sus bases y princpios. 3. ed. El Paso, Texas: Casa Bautista de
Publicaciones, 1993, p. 167. (texto traduzido do espanhol)

65

Para fundamentar esta afirmao


importante buscar, num primeiro momento, a
histria as razes do denominacionalismo. No
incio do sculo XVII, mais precisamente no
ano de 1620, chegam colnia inglesa da
Nova Inglaterra os pilgrims. Estes colonos
estavam descontentes com a poltica dos reis
ingleses Carlos I e Tiago I. Depois de muitos
conflitos internos na Inglaterra, embarcaram
no navio Mayflower com destino Nova
Inglaterra.

Deveriam

ocupar,

conforme

acordo, uma regio mais ao sul da colnia, a


Virgnia, mas optaram por estabelecer-se no
que

atualmente

estado

de

Massachussets. Tais peregrinos, que se


retiraram da Inglaterra sob alegao de
perseguio religiosa, estabeleceram um
pacto antes de chegarem terra firme que
levou o nome da embarcao na qual
estavam (Mayflower Compact).
O Pacto estabelecia que os habitantes da nova terra no oficializariam uma
religio. Assim, livremente se estabeleceu na Nova Inglaterra o denominacionalismo.
Este sistema de organizao denominacional permitiu futuramente s grandes
denominaes religiosas norteamericanas, a partir especialmente do incio do sculo
XIX, o empenho na misso cristianizadora do mundo, particularmente o Oriente, a
frica e a Amrica Latina.
Para entendermos este denominacionalismo tomamos como referncia a obra
de Reily denominada Histria Documental do Protestantismo no Brasil, em que
descreve a estrutura denominacional da Igreja Americana. Segundo Reily, os
estudiosos

do

denominacionalismo

norteamericano

detectaram

algumas

caractersticas que so peculiares. Dentre elas Reily destaca quatro: 1) possui um

66

princpio de voluntarismo; 2) possui propsito ou inteno; 3) unitiva ou ecumnica


e; 4) Se apresenta como um meio para um fim.108
A partir destas caractersticas delimitadas Reily destaca que o princpio de
voluntarismo foi detectado por Robert Baird e citado em sua obra Religion in
America, no sculo XIX. Para Baird o voluntarismo despertou nos norteamericanos a
energia, autoconfiana e esforo na causa da religio109. Este vigor voluntarista foi
interno, num primeiro momento, tornando-se depois forte alavanca para as misses
protestantes estrangeiras.
No que diz respeito ao propsito ou inteno, Reily toma Sidney Mead que
define as denominaes norteamericanas como associaes voluntrias de
indivduos com sentimentos e pensamentos em comum, unidos na base de crenas
comuns para o propsito de alcanar objetivos tangveis e definidos. Um dos
objetivos primrios a propagao de seu ponto de vista.110
Quando destaca a terceira caracterstica, Reily toma como referncia o
estudioso Winthrop Hudson. Esta caracterstica marca o denominacionalismo
norteamericano como uma estrutura no sectria. Um denominacionalismo unitivo e
ecumnico significava, segundo o autor, que
o grupo referido apenas membro de um grupo maior, chamado ou
denominado por um nome particular. A afirmao bsica da teoria
denominacional da igreja que a igreja verdadeira no deve ser identificada
em nenhum senso exclusivo com qualquer instituio eclesistica
particular... Nenhuma denominao afirma representar toda a igreja de
Cristo. Nenhuma denominao afirma que todas as igrejas so falsas...
Nenhuma denominao insiste que a totalidade da sociedade e a igreja
deve submeter-se aos seus regulamentos eclesisticos. Assim, a
denominao indicava a unidade subjacente desunio observvel (...),
enquanto, pelo princpio voluntrio repudiava a unio exterior imposta por
meio de coero. Alis, ela reconhecia que, por causa da fragilidade
humana, nenhuma instituio humana poderia refletir perfeitamente a
essencial unidade da verdadeira Igreja de Cristo. O denominacionalismo
era testemunha da verdadeira igreja por indicar, alm das divises das
111
estruturas humanas da igreja, a unidade compartilhada por todas.

A quarta caracterstica do denominacionalismo de ser meio para um fim


refere-se a esta estrutura, levantada por Deus, como um instrumento (meio) para a

108
109
110
111

REILY, Duncan Alexander. Histria Documental do Protestantismo no Brasil. So Paulo: ASTE, 1984, p. 19-20.
REILY, 1984, p. 19.
REILY, 1984, p. 20.
REILY, 1984, Idem.

67

evangelizao dos povos (fim) seja pelas denominaes, seja pelas suas redes de
organizaes voluntrias (Sociedade bblicas, de tratados, de reformas sociais, de
educao, de assistncia mdica, etc) que poderiam ser criadas por denominaes
particulares ou pelo conjunto das denominaes. O que importava era atingir o
objetivo comum: a evangelizao.
Os historiadores eclesisticos Reily e Mendona, descrevem como os
norteamericanos se instalaram no Brasil. O processo pode ter sido semelhante no
restante do mundo evangelizado pelos norteamericanos. Sempre estiveram
imbudos do Destino Manifesto, que era uma idia que se impregnou na cultura
norteamericana no af da Conquista do Oeste, ligando a nao do Atlntico ao
Pacfico. Reily indica que, ao modo bblico de Josu, os americanos viam como seu
destino manifesto conquistar o continente de Oceano a Oceano, espalhando os
benefcios de uma civilizao republicana e protestante por toda a parte.112 Este
ideal era interno, mas alastrou para outros recantos do planeta.
O destino manifesto americano tornou-se senso comum e foi difundido em
todos os aspectos da vida americana, especialmente a partir da primeira metade do
sculo XIX e, quando as denominaes norteamericanas decidiram pela
evangelizao dos povos, carregavam com eles o modo americano de ser.
Os metodistas afirmavam, desde o incio do movimento na Inglaterra, que
Deus os havia levantado para reformar a nao, especialmente a Igreja, e espalhar
a santidade bblica sobre a face da terra.113 Este slogan metodista pode ter
influenciado o destino manifesto norteamericano, quando do domnio da era
metodista, como bem descreve Reily, pois as denominaes norteamericanas que
se lanaram s misses possuam o desejo reformador e carregavam consigo os
supostos benefcios da cultura americana. Este convico de ser povo escolhido
por Deus lhes dava a autoridade para alcanar as ditas naes pags com a sua
tica, sua religio e cultura. Neste caminho, Mendona salienta que
Pelo menos no sculo XIX, o melhor e mais eficiente condutor da ideologia
do Destino Manifesto foi a religio americana, ou melhor dizendo, o
protestantismo americano com sua vasta empresa educacional e religiosa,

112
113

REILY, 1984, p. 19.


IGREJA METODISTA. Plano para a Vida e Misso da Igreja Metodista. Piracicaba: Editora Unimep, 1982, p. 10.

68

que preparou e abriu caminho para o seu expansionismo poltico e


114
econmico.

Assim se desenvolveu o denominacionalismo norteamericano, que pretendia


a cristianizao do mundo. Mesmo sendo colaborativas e cooperativas, as
denominaes organizavam as suas juntas missionrias (boards) e as fronteiras
denominacionais foram demarcadas. Cada denominao podia cristianizar uma
parte do mundo e tambm se dividiam em regies missionrias dentro dos pases
aos quais se dirigiam para cumprir o seu destino manifesto. As Igrejas da Europa
tambm desenvolveram suas atividades missionrias e estabeleceram fronteiras e
barreiras missionrias que suscitavam muitas perguntas sobre suas prticas.
Ainda

podemos

denominacionalismo,

afirmar

sua

que,

gestao

se

as

razes

nascimento

do

esto

CMI
nas

est

no

Associaes,

Federaes e Alianas feitas pelos cristos nos sculos XIX e XX, bem como nas
discusses sobre o modo de se evangelizar os povos.

2.4.1 O CMI e as Associaes, Federaes e Alianas Crists


O Conselho Mundial de Igrejas tem a sua gnese nos movimentos
associacionistas de unidade crist.
J afirmamos anteriormente que a Igreja romana passou por uma crise sria
por conta da nova organizao do mundo moderno. Mas esta crise se abateu
tambm sobre outras expresses da f crist, como a protestante.
A partir dessa afirmao queremos reforar aqui que h um certo consenso
entre os estudiosos da Filosofia e da Histria que muitos acontecimentos nos
sculos XVIII, XIX e princpios do sculo XX determinaram o modo como muitas
denominaes crists

e Igrejas definiram suas identidades. A Igreja sempre foi

determinante na sociedade e na cultura ocidental, pelo menos at o advento da dita


Idade Moderna. Na modernidade e contemporaneidade essa determinao sofreu
uma mudana assustadora, pelo menos para a Igreja, que passaria a ser

114

MENDONA, Antonio Gouva. O Celeste Porvir: a insero do protestantismo no Brasil. So Paulo: Paulinas, 1984, p. 57.

69

determinada pela sua relao com a cultura e a sociedade, nas e das quais est
profundamente vinculada, da o seu fechamento para o mundo moderno.
Citamos anteriormente, mas retomamos aqui que nos sculos XVIII, XIX e
parte do XX os movimentos de maior impacto no cristianismo europeu foram, por
certo, o Iluminismo, as Revolues Francesa e Industrial, o Racionalismo, as
relaes de trabalho, o capitalismo industrial e comercial e uma srie de outros
movimentos ditos de secularizao que solaparam da Igreja o seu papel regulador
da sociedade.
Citamos tambm as crticas cidas que Voltaire fazia Igreja. A Filosofia,
antes subjugada Teologia, vai ter em Imannuel Kant uma projeo extraordinria
quando este afirma que David Hume o acorda do sono dogmtico e o faz romper
com a Metafsica Clssica, grega e crist. Neste despertar de Kant, outros filsofos o
seguiram, construindo correntes de pensamento que estabeleceram uma nova forma
de perceber a religio e conseqentemente a maneira de perceber Deus,
praticamente negando o seu ser. Na concepo filosfica kantiana, abraada por
muitos outros pensadores
a idia metafsica de Deus a idia de um ser que no pode nos aparecer
sob a forma do espao e tempo; de um ser ao qual a categoria de
causalidade no se aplica; de um ser que, nunca tendo sido dado a ns,
posto, entretanto, como fundamento e princpio de toda a realidade e de
toda a verdade. Assim, a idia metafsica de Deus escapa de todas as
condies de possibilidade do conhecimento humano e, portanto, a
metafsica usa ilegitimamente essa idia para afirmar que Deus existe e
115
para dizer o que ele .

Gonzalez faz uma defesa de Deus, afirmando que Kant no O nega. Para o
autor quando Kant filosofa que
Se a existncia , por exemplo, no um dado que provm da realidade,
mas uma das categorias da mente, no h modo algum de provar a
existncia de Deus ou da alma. To pouco (sic) possvel falar de uma
eternidade que consista na ausncia do tempo, posto que nossa mente
no pode verdadeiramente conceber tal coisa.
Por outro lado, tudo isso no sofre uma negao absoluta de Deus, da alma
ou da imortalidade. O que indica simplesmente que, se tais coisas
existem, a razo incapaz de conhec-las, de igual modo que o ouvido
116
no pode ver nem o olho ouvir [grifo meu].

115

CHAU, Marilena. Convite Filosofia. 5. ed. So Paulo: tica, 1995, p. 234.


GONZALEZ, Justo. A Era dos dogmas e das dvidas. V. 8. So Paulo: Vida Nova, 1984, p. 142. Uma Histria Ilustrada do
Cristianismo
116

70

Fato que as concepes de Kant e de outros pensadores modernos e


contemporneos questionadores sobre a religio, a f, os dogmas, doutrinas e a
Igreja, fizeram com que muitas se fechassem visando preservar sua identidade. O
mundo passou a ser visto como um perigo para a f. At mesmo a Teologia se
dividiu em posicionamentos antagnicos: de um lado a teologia tradicional, o
conservadorismo e o fundamentalismo anti-ecumnico e por outro a teologia liberal e
modernista, cada uma afirmando e negando a relao da Igreja com o mundo
moderno.
Navarro afirma que foi a partir das posies extremas da Igreja e por conta do
novo ordenamento do mundo europeu que se suscita um fenmeno: a necessidade
de uma nova presena significativa dos cristos na sociedade moderna. E isto
aconteceu nas tentativas de presena
no mundo do trabalho, na universidade, na vida comunitria, que coincidem
precisamente com a chegada macia de pessoas que abandonam o campo
e se amontoam em grandes bolses de pobreza na periferia das cidades.
Esse xodo significa, por um lado, a perda de redutos confessionais
herdados do princpio cuius regio, eius religio, que durante sculos
mantivera catlicos, luteranos e calvinistas separados geograficamente e
sempre estranhos, quando no inimigos. Mas, por outro lado, o xodo para
as cidades significa a possibilidade do encontro e da descoberta mtua na
medida em que h lugares comuns: a escola, o bairro, o trabalho, a
universidade, as tarefas de beneficncia... E comea-se a perceber que
todas as tradies cristos (sic) tm um tronco comum.
Surge assim uma srie de movimentos e instituies crists com uma
117
influncia decisiva para o futuro movimento ecumnico.

Navarro indica, e Santa Ana concorda com ele, que foi a partir destes
movimentos e instituies crists de juventude leiga, associados, que o moderno
movimento ecumnico teve solo frtil para germinar e nascer.
Dentre os movimentos associativos Navarro destaca:
Associao Crist de Moos (ACM/YMCA) fundada em 6 de junho de
1844 por um grupo de doze jovens liderados por George Williams, na propriedade
de W. D. Owen, em Londres. A Associao nasceu da necessidade que seus
fundadores sentiram de pensar o mundo crtico da Revoluo Industrial e discutir
sobre os problemas de sua sociedade e as profundas transformaes scioeconmicas em curso, a introduo de jornadas de trabalho de seis horas, a

117

NAVARRO, 1995, p. 120.

71

erradicao do trabalho infantil e buscar um sentido de vida. Os objetivos da


Associao eram a evangelizar a juventude operria urbana, promover estudos
bblicos e oraes. Em menos de uma dcada aps a fundao a ACM/YMCA
tornou-se um movimento internacional. Segundo dados da prpria ACM/YMCA, em
1845, a Associao j possua uma sede prpria em Londres e um secretrio
profissional, T. H. Tarlton, para organizar a sede e promover uma srie de
programas que iam dos estudos bblicos e aulas de lnguas estrangeiras at sala de
banhos e incio de atividades de educao fsica.118 No ano de 1855 a ACM/YMCA
realizou a sua primeira Conferncia Mundial, na cidade de Paris, na qual foi criada a
Aliana Mundial das Associao Crists de Moos e aprovado o seu documento
fundamental, a Base de Paris.
Segundo Matos, o fundador da ACM/YMCA, George Williams
foi influenciado pela obra Lectures on revivals
(Prelees sobre
avivamentos, 1835), do americano Charles G. Finney, associando o
evangelismo ao trabalho social. A ACM logo se tornou conhecida como a
misso das igrejas evangelsticas junto aos jovens. Seu perodo de maior
vitalidade foi de 1870 a1920, graas a lderes hbeis como o prprio George
Williams, Anthony Ashley Cooper (conde de Shaftesbury), o evangelista
Dwight L. Moody e John R. Mott, que foi secretrio geral de 1915 a 1928. A
entidade desse perodo dava nfase ao desenvolvimento religioso,
educacional, social e fsico, visando promover elevados padres de carter
119
e de cidadania crist.

Podemos afirmar que, por conta de sua liderana, A ACM tornou-se


ecumnica e sofreu a crtica dos mais fundamentalistas e conservadores. Matos
relata a reao ACM de um dos destacados lderes evanglicos do Brasil nos
seguintes termos
Nas primeiras dcadas do sculo 20, a entidade sofreu um rpido processo
de secularizao. Escrevendo em 1931, o Rev. Erasmo Braga, que havia
sido seu grande entusiasta, disse que a ACM e a ACF (Associao Crist
Feminina) j no deviam ser includas entre as foras evanglicas que
atuavam no Brasil. O mesmo ocorreu no mbito internacional. A Aliana
Mundial, com sede em Genebra, envolveu-se com o movimento ecumnico
e passou a concentrar-se em atividades como assistncia a refugiados,
direitos humanos e luta pela paz. Na esfera local, o objetivo passou a ser a
nfase numa perspectiva saudvel da vida atravs do cultivo do corpo, da
120
mente e do esprito

118

HISTRIA de um movimento de amor. Disponvel em <http://www.ymca.org.br>. Acesso em 25 de novembro de 2008.


MATOS, Alderi Souza de. Ministrio de Juventude: conquistas e percalos de um movimento. Disponvel em
<http://www.mackenzie.com.br/6984.98.html>. Acesso em 25 de novembro de 2008.
120
MATOS. Ministrio de Juventude: conquistas e percalos de um movimento. Idem.
119

72

No ano de 1881, em sua IX Conferncia Mundial, na cidade de Londres, os


delegados aprovaram o emblema da ACM. O crculo lembra a
ao da ACM nos cinco continentes. Ao centro as letras
(Qui) e (R) do alfabeto grego, simbolizando a base da
ACM: a vida, personalidade, ensino e obra de Cristo. No
centro, a bblia aberta no evangelho de Joo 17.21, texto da
orao sacerdotal de Jesus Cristo, no seu ideal de que todos
sejam um para que o mundo creia...
Associao de Mulheres Crists Jovens (YWCA) fundada em 1855 na
Inglaterra por Emma Roberts e Lady Kinnard com o objetivo de defender as causas
femininas. A Associao realizou a sua primeira Conferncia
Mundial somente em 1890. Nesta Conferncia compareceram
mulheres representantes da ndia. Nasceu com forte marca
ecumnica

pois

reunia

mulheres

das

mais

variadas

denominaes religiosas. Na atualidade a Associao rgo


consultivo da Organizao das Naes Unidas (ONU) sobre
questes referentes s mulheres.121
Federao Mundial de Estudantes Cristos (WSCF)
fundado em 1895, na Sucia, este movimento tem sua origem no
Movimento de Estudantes Voluntrios para Misses Estrangeiras
(SVM) organizado em 1886 e fundado em 1888 a partir do Centro de
Conferncias do evangelista Dwigth Lymon Moody, em Northfield,
Massachussetts, nos Estados Unidos. Tanto um movimento quanto outro foram
organizados e fundados por John R. Mott.
Podemos afirmar que a Federao Mundial de Estudantes Cristos foi o mais
importante movimento estudantil para o ecumenismo.
No stio da Federao Mundial de Estudantes Cristos encontramos a
seguinte informao:
A WSCF foi fundada em 1895 pelo evangelista e ecumenista
norteamericano John R. Mott, que possua viso ecumnica e zelo

121

YWCA. Quem Somos. Disponvel em <http://www.ywca.org.br>. Acesso em 28 de novembro de 2008.

73

missionrio e tambm contribuiu para o incio do Conselho Mundial de


Igrejas.
Os estudantes que adentram para a os Movimentos Estudantes Cristos
so encorajados a estudar a sua f crist e seu mundo com a mesma
profundidade e sentimento que aplicam em seus estudos. Os Movimentos
de Estudantes Cristos so renovados em suas aberturas e buscas por uma
melhor forma de acreditar e por um forte compromisso com a justia social.
Em 2004 a Assemblia Geral da WSCF afirmou as seguintes bases que
guiam a viso da Federao:
A WSCF uma comunidade global de Movimentos de Estudantes Cristos,
comprometidos com o dilogo, o ecumenismo, a justia social e a paz.
Nossa misso fortalecer estudantes no pensamento crtico e na
transformao construtiva do nosso mundo para ser um espao de orao e
celebrao, reflexo teolgica, estudo e anlises de processos sociais e
culturais, solidariedade e ao atravessando fronteiras da cultura, gnero e
etnicidade.
Por meio da obra do Esprito Santo, a WSCF chamada a ser uma
testemunha proftica na Igreja e na sociedade.
A viso direcionada por uma esperana radical do reino de Deus na
122
histria.

Aliana Mundial para a Promoo da Amizade Internacional por meio


das Igrejas (WAIFC) tendo como base de fundao a Conferncia para a Paz em
Haia, no ano de 1907, a Aliana, como era melhor conhecida, surgiu da viso e
devoo de um leigo ingls, o Baro Willoughby Hyett Dickinson, que a fundou em
Constance, na Alemanha no ms de agosto de 1914 com a ajuda da Unio pela Paz
nas Igrejas que proclamava que as Igrejas poderiam promover a Paz Internacional.
A Aliana, desde o ano de 1907 mantinha relaes estreitas com a Unio pela
Paz nas Igrejas. Segundo os arquivos do CMI,
Junto a Dickinson, pessoas como Bispo Ammundsen de Hadrslev da
Dinamarca, Bispo Berggrav da Noruega, Dr. Henry A. Atkinson, Dr. Charles
S. AMcFarland, Prof. Friedrich Siegmund-Schultze, Dietrich Bonhoeffer e
Henry-Louis Henriod, Secretrio Geral da Aliana Mundial e do Comit Vida
e Trabalho de 1933 a 1938, desempenham um importante papel na vida e
atividade da Aliana.
A Aliana Mundial compreendia a si mesma como uma livre organizao
trabalhando primeiramente em e atravs das igrejas pela causa da paz, em
associao com outras ramificaes do movimento ecumnico. Sua
proposta era ajudar a substituir as razes e justificativas da guerra como um

122

WHO are we? Disponvel em <http://www.wscfglobal.org/>. Acesso em 26 de novembro de 2008. Traduo livre do texto
original: WSCF was founded in 1895 by the North American evangelist and global ecumenist John R. Mott. Mott's ecumenical
vision and missionary zeal also contributed to the beginnings of the World Council of Churches.
Students who join an SCM are encouraged to study their Christian faith and their world with the same depth and passion they
bring to their studies. SCMs are renowned for their openness to searchers as well as believers and for a strong commitment to
social justice.
In 2004 the General Assembly of WSCF affirmed the following statement as the guiding vision of the federation:
"The WSCF is a global community of Student Christian Movements committed to dialogue, ecumenism, social justice and peace.
Our mission is to empower students in critical thinking and constructive transformation of our world by being a space for prayer
and celebration, theological reflection, study and analysis of social and cultural processes and solidarity and action across
boundaries of culture, gender and ethnicity.
Through the work of the Holy Spirit, the WSCF is called to be a prophetic witness in church and society.
This vision is nurtured by a radical hope for God's reign in history

74

significado de disputas por territrios internacionais pela cooperao com


muitas agncias seculares, igrejas, universidades, escolas e outros grupos
123
trabalhando para o alcance da segurana coletiva e uma paz constante.

Ainda segundo os Arquivos do CMI


Entre os anos de 1933 e 1938 a Aliana junto com o Comit Vida e
Trabalho publicaram um jornal conjunto, A Igreja em Ao, e cooperou
com a Imprensa Crist Internacional e Servio de Informao. Embora
depois da guerra se tenha tentado restabelecer a Aliana em uma base
internacional, ficou claro que seria impossvel restaurar a velha organizao.
Como o Conselho Mundial de Igrejas e a Conferncia Missionria
Internacional criou a Comisso de Igrejas para Assuntos Internacionais, a
124
Aliana se dissolveu em 1938.

Navarro e Santa Ana apontam outros movimentos associativos cristos que


contriburam para compor o moderno movimento ecumnico de cristos. So eles as
Federaes Mundiais ou Alianas de Igrejas. Dentre elas Navarro cita: Conferncia
de Lambeth (1867), Aliana de Igrejas Reformadas (1875), Conselho Metodista
Mundial (1881), Unio dos Velhos Catlicos de Utrecht (1889), Conselho
Internacional Congregacionalista (1891), Aliana Batista Mundial (1905), Comit
Mundial de Irmos (1920), Federao Luterana Mundial (1923) e Conveno
Mundial das Igrejas de Cristo (1930). Embora algumas dessas Federaes sejam
posteriores Conferncia de Edimburgo, da qual trataremos adiante, tais
organismos compuseram e contriburam significativamente para o CMI, em
formao a partir de 1948.
2.4.2 O CMI e as Conferncias Missionrias
Alm destes associativismos, Navarro indica que o movimento missionrio
tambm contribuiu para o moderno movimento ecumnico. O autor cita que a
primeira Conferncia Missionria internacional e interconfessional para discutir os
rumos da atividade missionria realizou-se em Londres no ano de 1888. A segunda
Conferncia reuniu-se em Nova Iorque no ano de 1900.
Dias afirma que o movimento missionrio serviu-se das Sociedades
Bblicas125. As duas mais significativas eram a Sociedade Bblica Britnica [e

123
WORLD Alliance for Promoting International Friendship through the Churches. Disponvel em
<http://archives.oikoumene.org/query/Detail.aspx?ID=40897>. Acesso em 27 de novembro de 2008.
124
World Alliance for Promoting International Friendship through the Churches. Idem.
125
DIAS, Agemir de Carvalho. Caminhos do Ecumenismo. Revista de Histria Regional. Ponta Grossa: Universidade Estadual
de Ponta Grossa, Ano 9, v. 2, Inverno 2004, p. 69

75

Estrangeira], fundada em 1804 e a Sociedade Bblica Americana. Ainda segundo


Dias
A Sociedade Bblica Britnica foi criada (...), com o objetivo incentivar a
mais ampla circulao das Sagradas Escrituras. A ambio era colocar um
exemplar da Bblia na mo de cada ser humano alfabetizado, tendo como
meta o impensvel para os grandes tradutores da Bblia Jernimo,
Wycliffe, Erasmo e outros que haviam lutado pela Bblia acessvel, na mo
126
do povo.

As Conferncias missionrias serviram especialmente para resolver algumas


questes. Ao mesmo tempo em que o movimento missionrio
levou o cristianismo a lugares que at ento ele no havia alcanado (...)
tambm levou as suas contradies: foi nos campos missionrios que a
diviso do cristianismo se mostrou de fato escandalosa. Os lderes de
diversas sociedades missionrias temiam que as rivalidades entre os seus
enviados dificultassem o avano do cristianismo. Apesar de todo o esforo
empreendido, um sculo depois de iniciadas as atividades missionrias
127
ainda eram pequenos os resultados.

Eis uma questo bsica a ser resolvida pelas juntas missionrias. Havia uma
problemtica

missionria

mundial.

Urgia

aos

delegados

das

Conferncias

responderem se a atividade missionria na frica e sia efetivamente reconciliava


as pessoas com Cristo ou criava conflitos com outras expresses religiosas e era
intolerante. O mago da questo era a seguinte: a atividade missionria era
evangelizadora ou proselitista? E este era o desafio radical e o critrio decisivo de
avaliao de toda e qualquer atividade evangelizadora, decisivo inclusive para
avaliar a autenticidade, em termos evanglicos, de qualquer esforo ou tentativa de
ecumenismo.
Santa Ana corrobora esta informao ao afirmar que
no plano concreto da obra missionria, a nvel local, surgia o escndalo das
divises. Como toda pedra de tropeo, impedia que o apreo pela
mensagem de Jesus cristo, pelo Evangelho, se transformasse em adeso
s igrejas. Especialmente na sia a multiplicao dos esforos missionrios
levava confuso: todos pregavam o mesmo Cristo, mas os missionrios
davam testemunho da rivalidade e at da intransigncia e da intolerncia.
Diziam que Cristo reconciliava, mas nos atos as igrejas estavam divididas. A
experincia, portanto, comeou a ensinar que a unidade era necessria,
128
que o dilogo e o entendimento eram imprescindveis.

Tais problemas criavam fronteiras e barreiras entre as denominaes que


desenvolviam suas atividades missionrias. A questo a ser respondida estava

126
127
128

DIAS, 2004, idem.


DIAS, 2004, ibidem.
SANTA ANA, 1987, p. 223

76

intimamente ligada ao modo de se fazer misso. E a misso estava ligada questo


expansionista. Notemos que as Conferncias Missionrias foram realizadas pelas e
em cidades das grandes potncias imperialistas dos sculos XIX e XX,
notadamente, Inglaterra e Estados Unidos da Amrica.
Gonzalez amplia a descrio sobre as Conferncias, destacando que
Nos Estados Unidos e na Gr-Bretanha houve uma srie de conferncias
missionrias: Em Nova York e em Londres em 1854, em Liverpool em 1860,
de novo em Londres em 1878 e 1888, e por fim em Nova York em 1900.
Esta ltima foi chamada Conferncia Ecumnica Missionria, usando ainda
o termo ecumnico no seu sentido original de incluir toda terra habitada,
ou seja, de ser uma conferncia mundial. Pouco a pouco esse termo
chegaria a ser usado pra se referir ao movimento de colaborao e unidade
129
entre os cristos.

2.4.3 A Conferncia de Edimburgo


A Conferncia de Edimburgo tem esta caracterstica ecumnica pelo fato de
que dela participaram no somente missionrios protestantes, mas tambm
representantes do anglicanismo, especialmente do bloco anglo-catlico.
Como afirmado anteriormente, as Conferncias pretendiam derribar as
fronteiras denominacionais e missionrias e promover a cooperao missionria.
Para nosso trabalho importante destacar que a Conferncia Missionria de Nova
Iorque, em 1900, contou com a presena de John R. Mott, que era membro atuante
da Associao Crist de Moos e com grande experincia ecumnica. No ano de
1895 John Mott fundou a Federao Mundial de Estudantes Cristos e como
destacamos anteriormente e, em 1910, ser a grande figura a presidir a Conferncia
Mundial Missionria em Edimburgo, que reuniu 1200 missionrios de todo o mundo
e ser reconhecidamente a Conferncia da gnese do Conselho Mundial de Igrejas.
Sobre John R. Mott trataremos mais adiante.
Santa Ana destaca que o primeiro Secretrio Geral do Conselho Mundial de
Igrejas, Wilhem A. Vissert Hooft ( 1900-V 1985), ao publicar a obra The Genesis
and the formation of the World Council of Churches no ano de 1982, no faz meno
do movimento missionrio e/ou das Conferncias Missionrias como contribuintes

129
GONZALES, Justo L. A era dos novos horizontes. V. 9. So Paulo: Vida Nova, 1983, p. 208. Uma histria ilustrada do
cristianismo.

77

para o movimento ecumnico moderno.130 Entretanto, no se pode negar que o


movimento missionrio e suas Conferncias, especialmente a partir da Conferncia
de Edimburgo e das demais reunies promovidas pelo Conselho Missionrio
Internacional, ambos presididos por John R. Mott, so fundamentais para a
organizao do Conselho Mundial de Igrejas. Talvez uma das explicaes para a
negativa de Vissert Hooft esteja nas discusses que foram travadas nas
Conferncias Missionrias posteriores a Edimburgo, nas quais se afirmou a verdade
absoluta do Cristianismo na sua relao com as religies no-crists, salvo as
reaes de alguns telogos como Speer, por exemplo.
Quando da reunio em Edimburgo, Navarro indica que participaram 159
sociedades missionrias. Deste nmero, 141 eram europias e norteamericanas.
Apenas 18 eram de representantes de igrejas-jovens no-europias. A Amrica
Latina no foi considerada nesta Conferncia pelo fato dos missionrios europeus a
verem como territrio evangelizado. Isso se explica, em certa medida, pelo fato de
que a frica fora tomada pelo Islamismo e a sia era territrio de adeptos de outras
ditas grandes religies mundiais e que precisavam ser conquistadas pelo
evangelho de Cristo. A Amrica foi colonizada e evangelizada pela Europa, portanto
j era crist.
Mendona afirma que a expanso das misses esteve relacionada
expanso colonial do mundo anglo-saxo e que a Conferncia de Edimburgo forjou
a idia de um corpus christianum mundial e procurou centralizar os objetivos
missionrios nos povos considerados pagos, como asiticos e africanos.131 E a
deciso da comisso organizadora da Conferncia de Edimburgo chocava-se com a
forma de se fazer misso na Amrica Latina.
Matos, historiador presbiteriano brasileiro, discute a questo de a Amrica
Latina ser desconsiderada na Conferncia de Edimburgo. O autor destaca duas
omisses da Conferncia. A primeira delas refere-se excluso da discusso sobre
questes de f e ordem, mas que ser resolvida posteriormente com a criao de
um organismo prprio que mais tarde se integrar ao Conselho Mundial de Igrejas. A

130

SANTA ANA, 1987, p. 229-230.


MENDONA, Antonio Gouva. Evoluo histrica e configurao atual do Protestantismo no Brasil. In: MENDONA, Antonio
Gouva; VELASQUES FILHO, Prcoro. Introduo ao Protestantismo no Brasil. So Paulo: Loyola, 1990, p. 31.

131

78

segunda omisso refere-se ao no convite da comisso organizadora da


Conferncia s sociedades missionrias que no trabalhavam entre povos nocristos. Para Matos, esta segunda omisso
visou assegurar a participao das sociedades alems, sensveis quanto s
misses metodistas e batistas na Alemanha, e dos anglo-catlicos, que
nutriam reservas quanto s misses protestantes entre povos de outras
tradies crists. Isso implicou na excluso das misses na Amrica Latina,
exceto aquelas dirigidas a indgenas pagos.

A reao latinoamericana Conferncia de Edimburgo


A comisso organizadora da Conferncia de Edimburgo, como afirmamos
anteriormente, no convidou as sociedades missionrias que desenvolviam suas
atividades entre povos cristianizados. E a Amrica Latina era uma destas regies. A
postura da Conferncia de Edimburgo em relao America Latina sofreu reao
por parte de missionrios norteamericanos e pastores nacionais que trabalhavam na
regio pois sentiram-se ofendidos no que diz respeito s suas atividades. A
impresso dos missionrios e pastores era de desvalor dos seus trabalhos e da
ilegitimidade protestante em territrio j cristianizado e que as suas atividades eram
marcadamente proselitistas.
No incio do ano de 1910, sabendo da deciso de excluir a Amrica Latina
das discusses acerca das atividades missionrias pela comisso organizadora do
evento de Edimburgo, Erasmo Braga, pastor presbiteriano brasileiro, escreveu a
Robert Elliot Speer, pastor presbiteriano norteamericano, secretrio de misses
estrangeiras da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Na correspondncia a
Speer, Braga comunica as principais resolues da nova Assemblia Geral da Igreja
Presbiteriana no Brasil.
Dentre as resolues, Erasmo Braga mencionou o protesto contra o ato da
comisso organizadora da Conferncia Missionria Mundial, a reunir-se naquele ano
em Edimburgo, excluindo daquele encontro as misses protestantes que atuavam
em pases catlicos romanos.132

132
MATOS. Erasmo Braga e o movimento cooperativo evanglico
<http://www.mackenzie.br/7110.html> Acesso em 13 de setembro de 2008.

no

Brasil.

Disponvel

em

79

E Speer, durante a Conferncia de Edimburgo,


convidou alguns delegados interessados na Amrica Latina para se
reunirem informalmente e discutir as necessidades dessa regio. Como
resultado desses encontros, realizou-se em Nova York, em maro de 1913,
uma Conferncia sobre Misses na Amrica Latina, patrocinada pela
Conferncia de Misses Estrangeiras da Amrica do Norte. Nessa
oportunidade, foi organizada a Comisso de Cooperao na Amrica Latina
(CCAL), tendo como presidente e secretrio respectivamente Robert E.
133
Speer e Samuel G. Inman.

O Congresso do Panam
A CCAL organizou o Congresso de Ao Crist na Amrica Latina, conhecido
como o Congresso do Panam, que se reuniu em 1916, na cidade com o mesmo
nome. O Congresso foi uma reao Conferncia de Edimburgo. A voz de Speer
era a justificativa que os protestantes desejavam para manter a atividade e presena
missionria na Amrica Latina cristianizada. E Speer era o lder do Congresso do
Panam. Em 1909 Speer havia lanado uma obra intitulada Missions in South
America no qual expunha a necessidade da misso na Amrica Latina e que foi
importante para justificar a realizao do Congresso do Panam. Segundo
Mendona os motivos que fizeram com que Speer organizasse um Congresso
Latino-americano foram:
A Igreja Catlica no fora capaz de garantir a educao e a moralidade do
subcontinente; no dera a Bblia ao povo na sua prpria lngua; no formara
clero idneo, intelectual e eticamente; pregara um evangelho deformado e
134
no tinha recursos para evangelizar toda a Amrica latina.

O Congresso do Panam embora contasse com a participao de 230


delegados de vrios pases latino-americanos como Peru, Chile, Argentina, Brasil,
Colmbia, Porto Rico e Cuba, conforme relatrio intitulado Pan-americanismo: o
problema religioso publicado por Erasmo Braga, no fora mais que um encontro de
representantes das sociedades missionrias que trabalhavam na Amrica Latina. Do
total de delegados, 145 moravam na Amrica Latina, e apenas 21 eram latinoamericanos natos. Do Brasil compareceram poucos representantes ao Congresso:
os missionrios Samuel R. Gammon, William A. Waddell e o metodista Hugh C.
Tucker e os brasileiros natos lvaro Reis, Eduardo Carlos Pereira e Erasmo Braga,
todos presbiterianos.

133

MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga e o movimento cooperativo evanglico no Brasil. Idem.
MENDONA, Antonio Gouva. Evoluo histrica e configurao atual do Protestantismo no Brasil. In: MENDONA, Antonio
Gouva; VELASQUES FILHO, Prcoro. Introduo ao Protestantismo no Brasil, p. 30-31.

134

80

Ao Congresso do Panam se seguiram vrias Conferncias regionais com a


finalidade de unir esforos de ao e evangelizao. No Brasil foi realizado o
Congresso do Rio de Janeiro que traou as linhas de ao conjunta do
protestantismo brasileiro e foi organizada a Comisso Brasileira de Cooperao no
ano de 1920 com os objetivos de fundar escolas atravs de igrejas protestantes
autnomas que se auto-sustentassem, a criar uma universidade para a elite
educada e um Seminrio Unido.
O Congresso de Montevidu
No ano de 1925 realizou-se o segundo Congresso de Ao Crist da Amrica
Latina, na cidade de Montevidu. Novamente a personalidade de Speer se fez
presente na defesa da importncia do trabalho missionrio na Amrica Latina. A
novidade nesse Congresso foi a mudana de estratgia missionria, especialmente
por conta das desejadas autonomias das Igrejas nacionais em relao s Igrejasme norteamericanas. O foco missionrio seria a rea de sade, especificamente a
medicina. Em sua pesquisa sobre os hospitais evanglicos brasileiros, Dias escreve,
referindo-se a Speer, que
A sua palestra no Congresso se intitulou: Medical missionary work in south
Amrica. Nela exps a precariedade da sade na Amrica Latina e a
atuao de misses crists com foco no atendimento da Sade em diversos
pases da Amrica do Sul.O Congresso de Montevidu definiu o trabalho
mdico como uma das estratgias missionrias para a insero do
protestantismo na Amrica Latina e despertou, em certa medida, uma ao
social importante para o Protestantismo Brasileiro. Nos anos seguintes
iniciou-se a abertura de diversos hospitais evanglicos no Brasil: Hospital
Evanglico Goiano (1927); Hospital Evanglico de Pernambuco (1929);
Hospital Evanglico de Rio Verde (1937); Hospital Evanglico de Sorocaba
(1935); Hospital Evanglico de Curitiba (1943); Hospital Evanglico de
Dourados (1946); Hospital Evanglico de Londrina (1948); Hospital
Evanglico da Bahia (1961), entre outros.

O Congresso de Montevidu ainda foi dominado pelos missionrios


norteamericanos, mesmo contando com uma maior participao de latinoamericanos. Matos escreve que embora a participao de latino-americanos tenha
sido maior (o pastor presbiteriano brasileiro Erasmo Braga foi eleito presidente do
congresso), os norteamericanos ficaram a cargo da organizao e presidiram todas
as comisses.135

135

MATOS, Alderi Souza de. Samuel Escobar e a Misso Integral da Igreja: Uma Perspectiva Latino-Americana. Revista Vox
Scripturae. So Bento do Sul: Unio Crist, Ano 8, N.1, jul 1998, p. 96.

81

O Congresso de Havana
Tambm

denominado

Congresso

Evanglico

Hispanoamericano,

Congresso reuniu-se no ano de 1929 na cidade de Havana, Cuba. As discusses e


a tnica desse ltimo Congresso Latino-americano faz juz por ser o derradeiro. O
Congresso foi organizado, presidido e as discusses todas conduzidas por latinoamericanos com assuntos referentes nacionalizao e o auto-sustento das igrejas
evanglicas na Amrica Latina. A exigncia das Igrejas-me para conceder a
autonomia era conhecida de todos: auto-governo, auto sustento e corpo pastoral
nacional. O presidente deste Congresso foi um jovem metodista mexicano de 30
anos, jornalista e professor Gonzalo Baez-Camargo, que ao longo de sua vida
publicou quase 50 obras sobre literatura e Bblia.
As continuaes latino-americanas
Finda esta srie de trs Congressos, a partir da dcada de 1940 o
protestantismo latino-americano se organizou em torno de outros Encontros dos
quais no nos ocuparemos aqui. So eles as Conferncias Evanglicas Latinoamericanas (CELA I Buenos Aires, 1949; CELA II em Lima, 1961 e; CELA III
Buenos Aires, 1969) e os Congressos Latino Americanos de Evangelizao (CLADE
I Bogot, 1969; CLADE II Lima, 1979; CLADE III, Quito, 1992 e CLADE IV
Quito, 2000), marcadamente ecumnicos.
2.4.4 De Edimburgo a Genebra: a Conferncia Internacional de Misses e
o Conselho Mundial de Igrejas do CIM ao CMI
A Conferncia de Edimburgo teve desdobramentos que desembocaram no
CMI. Santa Ana136 destaca que o bispo reformado Willem Adolph Vissert Hooft
escreveu em seu livro The Genesis and formation of the World Council of Churches
acerca da imagem do rio que d origem ao CMI. Da Conferncia de Edimburgo
partem trs braos de rio que formaro posteriormente o caudaloso rio do Conselho
Mundial de Igrejas, no qual navega o ecumenismo. Os nomes dos braos de rio so:
Conselho Internacional de Misses, Movimento Vida e Trabalho e o Movimento de
F e Ordem.
136

SANTA ANA, 1987, p. 236.

82

Finda a Conferncia de Edimburgo, lderes


ecumenistas se preocuparam em responder, a partir
de suas experincias, s questes mais prticas de
um movimento ecumnico. Um deles foi John R.
Mott ( 1865-V 1955), membro leigo da Igreja
Metodista

que

trabalhou

na

organizao

da

Conferncia de Edimburgo e a presidiu.


Como j citado, Mott foi o organizador e
fundador das principais organizaes estudantis que
trabalharam

juntas

para

consolidao

do

movimento ecumnico no sculo XX. Reconhecido como uma das figuras mais
importantes do mundo ecumnico, Mott, aps a Conferncia de Edimburgo viajou
para a regio asitica de misses para organizar conferncias missionrias. Como
Secretrio Geral da ACM e Presidente da Aliana Mundial da ACM fundou o
Conselho Internacional Missionrio. Mott deu a tnica da Conferncia Internacional
de Misses e das Conferncias missionrias posteriores e das quais trataremos
adiante. Nestas Conferncias Mott enfatizava que as divergncias teolgicas e
eclesiais eram uma realidade, mas no seriam entraves para a unidade visvel dos
cristos. Dessa forma, Mott
destacou-se como lder das Conferncias, promovendo o equilbrio nas
divergncias organizacionais das comunidades eclesiais, sem que isso
afetasse os objetivos ecumnicos. (...) em 1946 recebeu o Prmio Nobel,
137
por sua luta pela paz e por acolher pessoas politicamente perseguidas.

2.4.4.1 Primeiro brao do rio: O Conselho Internacional de Misses (e


seus desdobramentos)
A despeito da reao latinoamericana Conferncia de Edimburgo, esta
decidiu pela continuidade de seus trabalhos e nomeou um Comit de Continuao
que assentou as bases para a fundao do Conselho Internacional de Misses, o
CIM.

137
ANDREOLA, Balduno Antonio; RIBEIRO, Mario Bueno. Andarilho da Esperana: Paulo Freire no CMI. So Paulo: ASTE,
2005.

83

Santa Ana descreve que o Comit de Continuao da Conferncia de


Edimburgo paralisou suas atividades a partir de 1914, por conta da Primeira Grande
Guerra. O CIM passou a ser pensado a partir de 1920 e fundado em 1921 na cidade
de Lake Monhonk, nos Estados Unidos e em 1924 estabeleceu seu escritrio em
Nova Iorque. O CIM nasceu como uma organizao fundada a partir da adeso de
dezessete sociedades missionrias, pelos esforos de John Mott. O CIM e trabalhou
at 1961 como uma federao mundial de organizaes missionrias e conselhos
nacionais de igrejas138 Realizou seis Conferncias internacionais sobre misses:
Jerusalm (1928), Tambaram (1938), Whitby (1948), Willingen (1952), Achimota
(1958) e Nova Delhi (1961) at aderir ao Conselho Mundial de Igrejas em 1961.
No ano de 1928 o CIM realizou sua Conferncia de Jerusalm. Warren
relata qual era o sentimento e quais foram os encaminhamentos do CIM na
preparao desta Conferncia de 1928. Segundo o autor
O movimento ecumnico de misses experimentava uma decepo. Sinais
de problemas apareciam do grande encontro do Conselho Missionrio
Internacional (CIM) de Jerusalm em 1928, considerado pela velha gerao
de lderes como um marco do movimento. Desde 1925 os lderes do CIM
tinham sentido que o movimento estava perdendo seu mpeto, percebido
nas atitudes negativas para com as misses no meio das igrejas. Eles
esperavam que uma grande reunio internacional pudesse estimular um
reavivamento. Uma sesso ampliada do conselho foi planejada para se
encontrar em Jerusalm na primavera de 1928. Os membros regulares do
Conclio, representantes nativos da sia e frica, se encontrariam com
telogos e representantes de estudantes todos para reorientar as misses
crists para um mundo muito mudado desde a ltima Conferncia de 1910.
A preparao foi coordenada pessoalmente por Jon R. Mott, presidente do
CIM fora de Nova Iorque, pelo secretrio J. H. Oldham na Inglaterra e o
secretrio americano A.L. Warnshuis. Eles escolheram os assuntos e os
139
autores dos textos preliminares da Conferncia.

Ao se encontrarem em Londres, Mott e Oldham estavam preparando a


Conferncia de Jerusalm e estudando artigos sobre as relaes entre o
Cristianismo e outras religies. Leram um artigo do Quaker Rufus Jones, escritor
sobre o tema do Misticismo, que participava de um Comit chamado F e Ordem, do
qual trataremos adiante, que os deixou impressionados. Mott e Oldham tiveram
a mesma convico instintiva de que uma nova religio, sem lugar para
Deus estava ameaando o Cristianismo e a civilizao. Incapazes de definila, eles provisoriamente a chamaram de racionalismo e materialismo.

138

SANTA ANA, 1987, p. 232.


WARREN, Heather A. Theologians of a new world order: Reinhold Niebuhr and the Christian Realists 1920-1948.
London: Oxford University Press, 1997, p. 48.

139

84

Mott que era prximo de Jones e sua obra, sugeriu pedir-lhe que
140
desenvolvesse a idia. Jones a nomeou de secularismo.

Quando da Conferncia em 1928, 231 delegados se reuniram (um quarto


deles eram da frica e sia) com uma importante tarefa, com a qual todos
concordavam, de que se devia responder a seguinte pergunta: Qual a mensagem
crist os missionrios devem nitidamente proclamar? A Conferncia se debateu em
posicionamentos mais conservadores e liberais e no chegaram a uma resposta
efetiva. Warren destaca que as discusses foram findadas atravs da participao
do arcebispo anglicano Temple e do presbiteriano Speer que construram juntos o
consenso que foi o corao da Conferncia atravs da Declarao: Cristo o nosso
motivo e Cristo o nosso fim. Warren encerra sua discusso sobre a Conferncia
de Jerusalm, que tratou basicamente do perigo do secularismo e da participao da
igreja nas questes polticas e sociais, afirmando que esta no conseguiu reverter o
declnio da fora do CIM e que as crises mundiais que se seguiram afetaro
duramente o organismo missionrio.
A Conferncia de Tambaram, na ndia, em 1938 tratou teologicamente da
questo

da

mensagem

crist

aos

povos

no-cristos.

Novamente

os

posicionamentos foram divergentes. Foi largamente discutido o tema da salvao


universal e da revelao divina a todos os povos.
Dhavamony em sua obra Ecumenical theology of world religions141 destaca a
figura de alguns dos principais telogos da Conferncia: Kraemer na sua concepo
crist fechada e de defesa de descontinuidade entre a f crist e as outras religies;
Reichelt que defendia a continuidade e a descoberta de pontos de contato do
Cristianismo com outras religies, usando a idia joanina do Logos eternal e
revelao geral; o telogo Hogg defendia que nas religies no-crists pode existir
algo que conduz a pessoa em sua experincia religiosa, da mesma forma que no
Cristianismo. Hogg afirmava que podemos fazer distino entre f no-crist e
religio no-crist da mesma forma que podemos distinguir entre revelao em
Cristo e Cristianismo emprico. O telogo Moses considerou, com relao s
religies no-crists que a experincia religiosa e os sistemas religiosos expressam

140

WARREN, 1997, Idem.


In: DHAVAMONY S.J., Mariasusai. Ecumenical theology of world religions. Documenta Missionalia 29. Roma: Editrice
Pontificia Universit Gregoriana, 2003, p. 27-28.

141

85

um tipo particular do conhecimento e contm nele a verdade e essa verdade-valor


corresponde s necessidades religiosas bsicas quais sejam a de possuir altos
valores morais que devem ser conservados. A contribuio de Moses na
Conferncia se deu tambm na sua concepo de contedo de revelao e
revelao como evento. No geral esta Conferncia tratou mais das relaes e
mensagem crist ao mundo no-cristo que as Conferncias anteriores com alguns
avanos, especialmente no que diz respeito a abertura para o dilogo interreligioso.
No ano de 1947, reuniu-se a Conferncia de Whitby, no Canad. A reunio
aconteceu fora da Europa, que estava em processo de reconstruo do ps-guerra.
Muitos pases cristos europeus com regimes totalitrios tragaram a vida de milhes
de seus cidados. Estima-se que a foram mortos 70 milhes de pessoas nas duas
grandes guerras do sculo XX (20 milhes na Primeira e 50 milhes na Segunda
Grande Guerra). As relaes estavam estremecidas entre os povos e era necessrio
repensar a problemtica mundial. Na Conferncia de Whitby as discusses estavam
centradas mais em torno da importncia da mensagem evanglica para um mundo e
relaes humanas esfacelados pela guerra do que debates em torno de cristos e
no-cristos. O lema da Conferncia foi Parceria em obedincia e tratou de fazer
a aproximao com o nascente Conselho Mundial de Igrejas. Para a Conferncia a
misso e a Igreja so inseparveis e criou-se o conceito de misso da Igreja, que
ser repensado e mudado na prxima Conferncia.
Os organizadores de uma nova conferncia internacional decidiram pelo
retorno a Europa e no ano de 1952 aconteceu a Conferncia de Willingen, na
Alemanha, cuja contribuio mais importante foi fixar
o conceito ainda vigente da missio Dei. A igreja crist vive da misso de
Deus e para a misso de Deus, por meio do envio de Jesus, o Filho, no
poder do Esprito Santo. Afirmou-se a que no existe pessoa crist,
discpula de Jesus Cristo, que no seja ao mesmo tempo missionria.
142
Misso faz parte da autocompreenso e da definio do que seja igreja.

Assim, tanto a Misso quanto a Igreja deveriam viver da Missio Dei e na


Missio Dei143. Longhini destaca a figura do telogo holands J.C. Hoenkendijk que

142
ZWETSCH, Roberto E. Misso e Ecumenismo: desafios e compromissos. Revista Caminhando com o Itepa. Passo Fundo:
Instituto de Teologia e Pastoral de Passo Fundo/RS, ano XX, n. 71, dez 2003, p. 12-31.
143
LONGHINI NETO, Luiz. Misso das Igrejas, Misso de Deus. In: _______. Pastoral como o novo rosto da Misso: um
estudo comparativo dos conceitos de Pastoral e Misso nos Movimentos Ecumnico e Evangelical no Protestantismo Latinoamericano 1960-1992. Tese de Doutorado. So Bernardo do Campo: IEPG-CR, 1997, p. 4. (Tese de Doutorado).

86

afirmou: quando a Misso tem como ponto central a Igreja, ela precisa mudar, pois
tem um ponto central errado144. Foi nesta Conferncia que se questionou a
hegemonia europia e norteamericana nas misses e os delegados das igrejasjovens, fruto das misses, declararam que apenas a unidade da Igreja permite o
avano da misso e a eficcia no testemunho dessa misso de Deus, que tambm
o missionrio.
A penltima Conferncia organizada pelo CIM antes de sua integrao ao
CMI foi a Conferncia de Achimota, em Ghana, Africa, em 1957/1958 na qual foi
dito aos europeus e norteamericanos, pela primeira vez, segundo Brennecke, citado
por Longuini, que antes a Misso tinha problemas, hoje a Misso em si um
problema.145 Ainda na Conferncia de Achimota se estabeleceu a proviso de
recursos para ajudar na construo de instituies e de bibliotecas visando a melhor
formao de liderana e ministros das igrejas que estavam unidas no propsito
missionrio.
A ltima reunio organizada pelo CIM foi a Conferncia de Nova Delhi,
ndia, no ano de 1961 e na qual decidiu-se pela fuso irrestrita do CIM ao CMI. Com
a deciso a discusso se desenvolveu em torno da seguinte questo: se o Conselho
Internacional de Misses, que era, especialmente, uma federao mundial de
sociedades missionrias, por ter se fundido a um Conselho Mundial de Igrejas no
teria a sua tarefa missionria prejudicada pela interferncia direta das Igrejas que
compunham tal Conselho? A resposta a esta questo se deu na Conferncia do
Mxico, de 1963, quando o CIM no mais existia.
No trataremos aqui destas Conferncias posteriores a 1961, mas cabe
destacar a resposta a pergunta sobre a misso que foi apresentada. De acordo com
Longhini Neto
A partir da Conferncia do Mxico (1963), o primeiro evento ecumnico
de tal magnitude realizado na Amrica Latina, a expresso misso
mundial tomou realmente sentido [grifo meu]. Falou-se da misso no e
para os seis continentes. Desde ento, no tem mais sentido relacion-la
146
como uma empresa dos pases do ocidente cristo.

Com a fuso o CIM assumiu uma estrutura tripla dentro do CMI:


144
145
146

LONGHINI NETO, 1997, idem.


LONGHINI NETO, 1997, Ibidem.
LONGHINI NETO, 1997, Ibidem.

87

Comisso sobre Misses Mundiais e Evangelizao (CMME), que se


rene a cada 18 meses (antes de denominar-se Comisso, chamavase Diviso);
Conferncia sobre Misses Mundiais e Evangelizao, que se rene
nos interstcios das Assemblias do CMI, a cada trs anos e;
Grupo de Trabalho, que se rene ordinariamente para tratar de
assuntos relacionados ao CMME.147
A CMME desde 1961 o organismo do CMI que assumiu as atividades do
extinto Conselho Internacional de Misses nas convocaes e organizao das
Conferncias Missionrias Mundiais. As que se seguiram a Nova Delhi em 1961
foram: Conferncia da Cidade do Mxico, Mxico (1963); Conferncia de Bangkok,
Tailndia (1972/1973); Conferncia de Melbourne, Austrlia (1980); Conferncia de
Santo Antnio, Texas, Estados Unidos (1989); Conferncia de Salvador, Brasil
(1996) e a Conferncia de Atenas, Grcia (2005).
2.4.4.2 Segundo brao do rio: Movimento Vida e Trabalho
O Movimento Vida e Trabalho (Life and Work), ou Vida
e Ao era o nome comum do importante Conselho para o
Cristianismo Prtico, fundado pelo arcebispo luterano sueco
Lars Olof Jonathan (Nathan) Sderblom ( 1866-V 1931).
Navarro destaca que Sderblom era um intelectual
professor das universidades de Upsala e Leipzig, com vrios
livros publicados (...) tambm um obstinado militante a
levar o testemunho cristo sociedade europia abalada por
uma guerra devastadora.148
Sderblom definiu a Conferncia de Edimburgo como a voz da conscincia
crist no mundo e defendeu que o testemunho e ao diaconal (de servio) da igreja
estava acima das diferenas doutrinrias. O servio que a Igreja presta
humanidade est acima das construes tericas e teolgicas humanas. A partir

147

WCC. Commission on World Mission and Evangelism. Disponvel em <http://www.oikoumene.org/en/who-arewe/organization-structure/consultative-bodies/world-mission-and-evangelism.html>. Acesso em 10 de dezembro de 2008.
NAVARRO, 1995, p. 131.

148

88

desta compreenso evanglica do servio cristo que Sderblom fundou o


Conselho para o Cristianismo Prtico.
No ano de 1920 Sderblom convocou uma reunio em Genebra que preparou
a Conferncia de Estocolmo, realizada em 1925. Nesta Conferncia originria do
Movimento de Vida e ao a pauta tratou acerca das questes econmicas e
industriais, sobre as questes morais e sociais, sobre as relaes internacionais,
sobre a educao crist e sobre a cooperao e alianas entre as federaes de
igrejas. Por sua atuao como cristo devoto ao bem-estar humano, Sderblom foi
agraciado com o Premio Nobel da Paz, em 1930.
Na segunda Conferncia do Movimento de Vida e Trabalho, ocorrida em
Oxford no ano de 1937, discutiu-se o tema Igreja, Nao e Estado. Segundo Thils,
citado por Navarro, a definio da Conferncia de Oxford era: os delegados vieram
a Oxford falando de Igrejas e voltaram falando de apenas uma Igreja149
Basicamente a atuao do Movimento de Vida e Trabalho tinha uma tarefa
que era a de unir todos os cristos numa ao comum em todos os domnios da
vida humana com a finalidade de estabelecer nela ao reino de Deus.150
2.4.3.3 Terceiro brao do rio: Movimento de F e Ordem
Se na primeira Conferncia do Movimento de Vida e Trabalho, de 1925 os
delegados afirmavam que a doutrina separa, a ao une, ser na cidade de
Lausanne, no ano de 1927 que ser possvel uma
Conferncia sobre as questes de F e Ordem, ou ainda F
e Constituio, com a participao de catlicos ortodoxos,
anglicanos e protestantes para discutir os pontos de unidade
nas questes doutrinrias. Uma das figuras mais importantes
desta Conferncia foi Charles Henry Brent ( 1862-V 1929),
canadense de nascimento, ordenado bispo da Igreja
Episcopal dos Estados Unidos. Em 1910 Brent foi um dos
lderes da Conferncia de Edimburgo e defendia tenazmente

149
150

NAVARRO, 1995, p. 131.


NAVARRO, 1995, p. 130.

89

a necessidade de um acordo sobre diferenas doutrinais entre as igrejas. Segundo


Brent, somente atravs deste acordo seria possvel a unidade crist. Brent foi
considerado no meio ecumnico mundial como o primeiro apstolo da unidade
visvel das igrejas. A sua compreenso de unidade, que passava pelas vias
doutrinrias, fez com que fundasse a Conferncia Internacional sobre questes de
F e Ordem. Na sua luta pela unidade doutrinria entre as Igrejas, Brent, se aliou a
um leigo episcopal chamado Robert Hallowell Gardiner III ( 1855-V 1924), uma das
figuras mais marcantes sobre as questes doutrinrias entre os cristos.
Embora Gardiner III no seja o grande lder do Movimento de F e Ordem a
aparecer, por ter falecido antes da organizao do movimento, cabe destacar aqui a
obra de John F. Woolwerton intitulada Robert H. Gardiner and the Reunification of
Worldwide Christianity in the Progressive Era. Para produzir esta obra Woolwerton
acessou registros familiares, leu onze mil cartas, palestras e artigos produzidos por
Gardiner III a fim de construir, enquanto analisa e infere, a sua biografia e trajetria
de luta pela cooperao mundial entre as igrejas crists. Gardiner III atuou durante a
chamada Era Progressiva nos Estados Unidos ou o perodo de maior crescimento e
progresso da nao marcadamente entre os anos de 1890 e 1920.
Da cidade de Gardiner, em homenagem aos seus antepassados, o rico leigo
episcopal produziu milhares de cartas nas quais apela para a reunificao do
cristianismo mundial considerando as questes doutrinrias. Na sua luta, Gardiner III
estabeleceu dilogos com as igrejas ortodoxas, protestantes dos Estados Unidos e
Europa e com a Igreja Catlica Romana, alm de dialogar com John Mott e
importantes figuras de liderana denominacional e da poltica norteamericana.
Brent, aliado a Gardiner III, trabalhou intensamente para a realizao de uma
Conferncia Internacional para tratar sobre as questes doutrinrias entre os
cristos. Nas discusses preparatrias desta Conferncia, no ano de 1919 uma
delegao americana visita as Igrejas ortodoxas e o Vaticano com vistas a ampliar o
nmero de participantes. Roma, uma vez mais, no autoriza sua representao na
conferncia.151 Outras reunies preparatrias de uma Conferncia Internacional

151

NAVARRO, 1995, p. 132.

90

acorreram at que se celebrou em agosto de 1927 a Conferncia de Lausanne, sob


a presidncia de Brent.
Navarro cita que estiveram presentes 108 igrejas diferentes na Conferncia e
na pauta os delegados discutiram sobre sete temas: Chamado unidade; 2) A
mensagem da Igreja ao mundo: o evangelho; 3) Natureza da Igreja; 4) A confisso
de f; 5) O santo ministrio; 6) Os sacramentos; e 7) A unidade da cristandade e das
igrejas atuais.152 Navarro afirma ainda que duas correntes de pensamento surgiram
e permearam as discusses acerca das doutrinas na Conferncia: uma catlica,
ligada aos anglicanos e ortodoxos e outra protestante, ligada aos reformados. E as
correntes de pensamento acordaram na lealdade confessional e na franqueza
absoluta ou seja, identidade doutrinria e abertura ao dilogo.
A segunda Conferncia do Movimento de F e Ordem ocorreu em 1937 na
cidade de Edimburgo. A direo do organismo passou do protestante Brent, falecido
em 1929, para o anglo-catlico William Temple que presidiu a segunda Conferncia.
Nesta foram discutidos cinco temas: 1) A graa de Jesus Cristo; 2) A Igreja de
Cristo e a palavra de Deus; 3) A comunho dos santos; 4) A Igreja: ministrio e
sacramentos; e 5) A unidade da Igreja na vida e no culto.153
Grande parte dos temas tratados nas duas Conferncias de F e Ordem
referiam-se s discusses doutrinrias ocorridas ao logo da histria da Igreja,
especialmente nos movimentos de reforma do sculo XVI.
2.4.5 A formao do CMI: os braos de rio se uniro num s rio
No incio da dcada de 1920 o Patriarcado Ecumnico de Constantinopla
(Patriarcado Ecumnico Ortodoxo) props, publicamente, a necessidade de criao
de um rgo permanente de comunho e cooperao de todas as Igrejas conhecido
como uma Sociedade de Igrejas ( ), semelhana da
Sociedade de Naes ( ) proposta logo aps a Primeira
Guerra Mundial.

152
153

NAVARRO, 1995, idem.


NAVARRO, 1995, ibidem.

91

A partir da Conferncia de Edimburgo os movimentos dela originados (Vida e


Trabalho e F e Ordem) organizaram para o mesmo ano de 1937 as suas
Conferncias Internacionais. No interstcio de suas Conferncias os Movimentos,
juntamente com outros organismos ecumnicos fortaleceram a idia de juntarem-se
a fim de formar um Conselho Ecumnico de Igrejas. Snchez relata que
Nas vsperas das Conferncias de Vida e Ao em Oxford e de F e
Constituio em Edimburgo, em 1937, reuniram-se em Londres 35
representantes desses dois e de outros cinco movimentos ecumnicos mais
importantes (...): Aliana Universal para a Amizade entre as Igrejas,
Conselho Internacional de Misses, Aliana Mundial das Associaes
Crists de Moos, Aliana Mundial das Associaes Crists Femininas e
Federao Universal dos Movimentos de Estudantes Cristos. Tratava-se
de estudar a possibilidade de constituir um Conselho Ecumnico de Igrejas.
Superando os receios mtuos, os participantes acabaram por recomendar
s duas conferncias que nomeasse sete membros, constituindo assim o
154
comit dos 14, com a finalidade de ultimar o projeto.

Em maio de 1938 o Comit dos 14 se reuniu em Utrecht para formular o


projeto de criao do CMI, redigir o Estatuto e definir as Bases do Conselho. Da
reunio se formou o Comit Provisrio que fez duas reunies em que esboou o
ante-projeto do organismo. As reunies aconteceram em Clarens, Sua em agosto
de 1938 e em Saint-Germain, na Frana em janeiro de 1939. Com a declarao da
Segunda Grande Guerra, os trabalhos sobre o CMI foram suspensos e retomados
aps cessar o grande conflito. O perodo de 1938 a 1948 conhecido como o do
CMI em formao.
Assim se constituiu o CMI, no Westfield College em Londres, numa reunio
entre os dois Movimentos resultantes da Conferncia de Edimburgo e de outros
movimentos estudantis e federativos. Na reunio foi definido o nome do futuro
organismo: CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS (World Council of Churches, em
ingls e Conseil Oecumenique des glises, em francs).
Como regra de constituio ficou acordado entre os Movimentos que esta
nova organizao
no ter poder para legislar em nome das igrejas e nem para comprometlas a uma ao sem o seu consentimento; mas, se for eficaz, merecer e
ganhar o respeito das igrejas at o ponto em que seus membros mais
eficientes estejam dispostos a dedicar tempo e reflexo ao trabalho da
organizao. Tambm devero participar os leigos que ocupem postos de
responsabilidade e influncia no mundo secular, (...). S. McCrea Cavert

154

SNCHEZ S.J., Jesus Hortal. E haver um s rebanho: histria, doutrina e prtica catlica do Ecumenismo. 2. ed. So
Paulo: Loyola, 1996, p. 191.

92

(Estados Unidos de Amrica) props o nome de Conselho Mundial de


Igrejas.155

Os dois Movimentos reunidos em Oxford e em Edimburgo, em 1937 deixaram


de trabalhar como movimentos isolados, decidindo pelos esforos de serem um s
organismo. Reunidos em Utrecht, em maio de 1938, ambos Movimentos criaram o
comit provisrio do CMI "em processo de formao". O arcebispo de Iorque,
William Temple, foi designado Presidente, e Willem Adolph Visser't Hooft, dos
Pases Baixos, o primeiro Secretrio Geral.
O comit provisrio lanou as bases do atual CMI, definindo sua estrutura
no que respeita a sua base, sua autoridade. Em outubro/novembro de 1938, o
comit provisrio enviou cartas-convite a 196 igrejas, convidando-as a aderir e
compor o grande movimento ecumnico moderno. O presidente do organismo,
Temple, fez tambm uma carta-convite pessoal ao Secretrio de Estado do Vaticano
para acompanhar os trabalhos do CMI em formao.
No ano de 1939, em Tambaram, ndia, o Conselho Internacional de Misses,
fundado por John Mott, e composto por vrias sociedades missionrias tambm
expressou, maneira das duas Conferncias anteriores, o interesse em formar
tambm um Conselho Mundial de Igrejas, mas em separado das outras duas
Conferncias. Vrias das sociedades missionrias que integravam o Conselho
Internacional de Misses temiam que as grandes denominaes norteamericanas e
europias no reconhecessem a importncia de igrejas menores em sua
constituio. Assim, as igrejas menores contriburam para que o Conselho
Internacional de Misses se associasse ao CMI em formao no ano de 1948 e
se integrasse definitivamente ao organismo em 1961.
Aps sua constituio, em 1938, no ano seguinte o comit provisrio do CMI
em formao planejou sua Primeira Assemblia para agosto de 1941, mas o incio
da Segunda Grande Guerra adiou a consolidao do organismo. Entre os anos de
1940 e 1946, perodo em que durou a Guerra, o comit provisrio no avanou
muito nas questes mais organizacionais, entretanto, sob a direo de seu
Secretrio-geral, Visser't Hooft, o CMI sediado em Genebra, desenvolveu vrias

155

Disponvel em <http://wwc-coe.org>. Acessado em 10 de dezembro de 2008.

93

atividades que contriburam para o testemunho supranacional das igrejas crists a


ele vinculados: servio de capelania, atividades entre prisioneiros de guerra,
assistncia aos judeus e refugiados de guerra, contatos com igrejas e seus
dirigentes para ajudas intereclesiais e atividades de reconciliao depois do trmino
da Guerra.
Finda a Segunda Grande Guerra, o comit provisrio se reuniu em Genebra
no ano de 1946 e em Buck Hills, estado da Pennsylvania, EUA, em 1947, afirmando
que a partir da trgica experincia da Guerra as igrejas deveriam tornar visvel uma
comunidade de reconciliao. No ano de 1948 noventa igrejas aceitaram o convite
do CMI e a ele aderiram.
Para a realizao de sua Primeira Assemblia, em 1948, O CMI estabeleceu
critrios com base aos quais uma igreja ou denominao pudesse aderir sua
organizao, desejando assim a formatao de uma representao que fosse ao
mesmo tempo confessional e geogrfica.
O principal requisito para ser membro era aceitar a base sobre a qual o CMI
havia sido constitudo. Outros requisitos diziam respeito autonomia das igrejas,
sua estabilidade e suas boas relaes com outras igrejas ou denominaes. Alguns
membros do CMI defendiam que a composio do organismo deveria ser,
fundamentalmente, por conselhos nacionais de igrejas ou de famlias confessionais
mundiais. Esta defesa no foi adequada para a formao do CMI, mas sim o
argumento de que o organismo deveria estar em contato direto com as igrejas
nacionais.
Feita a composio do CMI em formao com suas igrejas-membro, foi
preparada e realizada a Primeira Assemblia. As organizaes confessionais
mundiais, os conselhos nacionais de igrejas156 e organismos ecumnicos
internacionais puderam participar como observadores, mas sem direito a voto.
No dia 22 de agosto de 1948, na cidade de Amsterdam, Holanda, 147 igrejas
de 44 pases que representavam, de algum modo, a todas as famlias confessionais

156

No Brasil, em meados da dcada de 1980 foi criado o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Crists), do qual faz parte
tambm a Igreja Catlica Apostlica Romana. As grandes denominaes religiosas so autnomas e formam igrejas nacionais
(batistas, presbiterianos, metodistas, luteranos, pentecostais, etc)

94

do mundo cristo, com exceo da Igreja Catlica Apostlica Romana, reuniram-se


para a fundao do CMI. No dia 23 de agosto de 1948 o CMI veio formalmente
existncia e foi aprovada a sua Constituio com a seguinte mensagem:
Cristo nos tem feito seus, e ele no est dividido. Ao busc-lo, temos
encontrado uns aos outros. Aqui em Amsterdam nos reconsagramos a ele,
e temos pactuado uns com os outros a constituir este Conselho Mundial de
157
Igrejas. Estamos firmemente decididos a permanecer unidos.

A no participao da Igreja catlica romana se deu pela proibio do


Vaticano. Snchez destaca que
Em virtude das recusas anteriores, a Igreja catlica romana no tinha sido
convidada oficialmente. Houve, porm, convite a diversos telogos
catlicos, a ttulo pessoal. Mas o Santo ofcio, em 5 de junho de 1948,
publicou uma severa advertncia (monitum) proibindo a participao de
catlicos em reunies ecumnicas, de acordo com o que estava disposto no
158
Cdigo de Direito Cannico de 1917.

Assemblia de 1948 teve importncia significativa para o CMI, pois definiu, de


forma geral, sua Constituio, suas tarefas e de forma mais especfica, o
comportamento e posio do organismo frente a decises polticas, seus programas
e seus pressupostos. Deste encontro fundante o CMI foi autorizado a formular
mensagens comuns para as igrejas e para o mundo, em seu nome, como uma
associao fraternal de igrejas que aceitam Nosso Senhor Jesus Cristo como Deus
e Salvador159. Ao todo compareceram 1300 pessoas Assemblia fundacional cujo
tema foi A desordem do homem e o desgnio de Deus.
Em 1954 o CMI realizou a sua Segunda Assemblia Geral, na cidade de
Evanston, EUA. A reunio foi desconfortvel por conta da reorganizao do mundo
ps-guerra e do macarthismo160 e, especialmente na Assemblia, por conta dos
delegados das Igrejas do Leste europeu. Santa Ana aponta a tenso vivida.
Segundo ele a Assemblia de Evanston marcada pela poca do
auge do macarthismo nos EUA; que na URSS o despotismo stalinista
chegou ao mximo; que tanto Inglaterra como Frana dificilmente aceitavam
as conseqncias do processo de libertao de suas antigas colnias. Para
os cristos era muito importante poder dar testemunho de que em meio a
161
todas estas circunstncias, Jesus Cristo era a esperana.

157

Notas disponveis, em sua maioria, em: http://www.wcc-coe.org (portal do CMI)


SNCHEZ S.J., 1996, p. 192.
159
NAVARRO, 1995, p. 135.
160
Macarthismo a atitude poltica radicalmente infensa ao comunismo, que se desenvolveu nos Estados Unidos, com a
campanha desencadeada pelo Senador Joseph Raymond McCarthy, quando presidente do Senates Government Operations
Committee e; qualquer atitude anticomunista radical. In: SALGADO, Carolina; DEFELIPPE, Elisa; PRIMO, Brbara.
MACARTISMO. Disponvel em < http://www.historia.uff.br/nec>. Acesso em 12 de janeiro de 2009.
161
SANTA ANA, 1987, p. 240.
158

95

E este foi o tema da Segunda Assemblia: Cristo, nica esperana do mundo.


Santa Ana162 aponta ainda que os delegados da Assemblia levaram em
considerao a teologia do laicato do catlico romano Yves Congar e o CMI deu um
passo significativo na abertura para a participao dos leigos tanto no movimento
ecumnico quanto nas Igrejas-membro do CMI. Ainda nesta Assemblia os catlicos
romanos no participaram oficialmente.
Na Terceira Assemblia, em 1961, na cidade de Nova Delhi, ndia, o
Conselho Internacional de Misses aderiu definitivamente ao CMI constitudo e o
Conselho Mundial de Igrejas foi oficializado. Os dois Movimentos de Vida e Trabalho
e de F e Ordem, bem como o Conselho Internacional de Misses tornaram-se, a
partir desta Assemblia, Comisses permanentes do Conselho Mundial de Igrejas.
Em outubro de 1958 Angelo Giuseppe Roncalli foi eleito papa, assumindo o
nome de Joo XXIII. O papa de 77 anos, eleito como um pontfice de transio foi
uma das figuras mais interessantes da Igreja catlica romana. Possua esprito
ecumnico, tolerante e conciliador e estabeleceu contatos e dilogo com cristos de
outros blocos do cristianismo como protestantes e ortodoxos. Cognominado de Bom
Pastor (Pastor Bonus), Joo XXIII criou em 5 de junho de 1960 o Secretariado para
a Promoo da Unidade dos Cristos. Em 25 de janeiro de 1959 o papa Joo XXIII
anunciou o Conclio Vaticano II e no dia 14 de junho do mesmo ano usou pela
primeira vez a palavra aggiornamento. Santa Ana considera que Joo XXIII foi um
dos influenciadores dos rumos da Assemblia do CMI, de Nova Delhi, em 1961.
Nesse sentido ele afirma que
o comeo do Conclio Vaticano II, da Igreja catlica Romana, influiu na
terceira Assemblia do CMI. Convocado por Joo XXIII, fez com que o CMI
precisasse ainda mais sua concepo da unidade crist. O Conclio
Vaticano II popularizou a palavra aggiornamento: tratava-se de por em dia,
de acordo com os tempos modernos, a vida da Igreja. Para o CMI o
problema se apresentava da seguinte maneira: como entender a unidade
nesse perodo da vida do povo de Deus? A resposta destacou a importncia
das igrejas locais: na declarao de Nova Delhi sobre a unidade acentuouse que a unidade se d quando todos os crentes e batizados, em cada
lugar, participam juntos da mesma f atravs do reconhecimento mtuo na
163
eucaristia, em torno da mesa do Senhor.

162
163

SANTA ANA, 1987, p. 241.


SANTA ANA, 1987, p. 243.

96

Na Assemblia de 1961 tambm houve importante participao dos catlicos,


representados na sua maioria por ortodoxos russos, romenos, blgaros e poloneses.
A Igreja catlica romana participou oficialmente com uma delegao. Com a filiao
de mais igrejas-jovens, houve uma paridade com as igrejas-mes. O tema da
Assemblia foi: Cristo, luz do mundo.
Em julho de 1968 aconteceu a Quarta Assemblia do CMI, em Upsala, na
Sucia. Realizada em perodo de ps Vaticano II. o ano das grandes
manifestaes

estudantis

iniciadas

em

Paris

espalhada

pela

Europa,

especialmente Espanha, Alemanha, Polnia, ex-Tchecoeslovquia, Blgica, Itlia e


Inglaterra. Os ventos das manifestaes estudantis chegaram tambm no continente
americano, atingindo Brasil, Argentina, Uruguai, Colmbia, Venezuela, Mxico e
Estados Unidos. Na Amrica Latina se faz ouvir o grito dos oprimidos com a
emergncia da Teologia da Libertao. O Conclio Vaticano II publica o Decreto
Unitatis Redintegratio. Os temas da Assemblia foram prprios do momento vivido:
1) O Esprito Santo e a catolicidade da igreja; 2) Renovao na misso; 3) O
desenvolvimento econmico e social do mundo; 4) Em busca de justia e paz nos
assuntos internacionais; 5) O culto; e 6) Em busca de novos estilos de vida.164 O
clamor da juventude se fez presente na Assemblia reivindicando a mudana
estrutural do CMI. No documento Informes, declaraciones, alocuciones, citado por
Navarro destaca-se a mensagem da Assemblia: O movimento ecumnico deve
tornar-se mais intrpido e mais representativo. Nossas Igrejas devem reconhecer
que este movimento nos obriga renovao...165 Necessria e corajosamente a
Assemblia adotou o Programa de combate ao racismo. O tema era difcil de ser
tratado. Na Assemblia anterior, em Nova Delhi, duas Igrejas Reformadas
Holandesas se retiraram do CMI devido questo racial. O tema da Assemblia foi
Eu torno novas todas as coisas.
No interstcio da Quarta para a Quinta Assemblia, no ano de 1971, o
Conselho Mundial de Educao Crist, cujas razes remontam ao movimento das
Escolas Dominicais do sculo XVIII, tambm aderiu ao Conselho Mundial de Igrejas.
O ano de 1975 foi de significncia extrema para os pases africanos de fala

164
165

NAVARRO, 1995, p. 142.


NAVARRO, 1995, Idem.

97

portuguesa, por conta da libertao do jugo colonial. Este tema da libertao


retomaremos no captulo seguinte quando trataremos da presena de Paulo Freire
no CMI.
Em 1975 realizou-se a Quinta Assemblia do CMI em Nairbi, capital do
Qunia, na frica. No tema geral da Assemblia h uma expresso reincidente:
Libertao. A considerao que se pode fazer desta Assemblia que havia um
perigo de desunidade dentro do prprio CMI. Podemos inferir que estas
dificuldades se davam motivadas pelas corajosas decises da Assemblia anterior e
da adoo de programas de luta contra a opresso, pela concordncia em assegurar
os diretos individuais, da juventude, das mulheres, das Igrejas-jovens. A poltica do
CMI passou a ser questionada ou, como indica Navarro, duramente criticada pelos
grupos mais tradicionais e conservadores. Mesmo em meio s crticas,
provavelmente de grupos que destinavam mais aportes financeiros, a Assemblia se
rene na frica tratando das seguintes questes: 1) Confessando Cristo hoje; 2) O
que a unidade requer; 3) Em busca de comunidade: a busca comum de pessoas de
f, cultura e ideologias diversas; 4) A educao para a libertao e para a
comunidade; 5) Estruturas de injustia e lutas pela libertao; e 6) Desenvolvimento
humano: ambigidades do poder, a tecnologia e a qualidade de vida. A Igreja
catlica romana se fez presente com uma delegao crescente de 16 observadores.
O tema da Assemblia foi Jesus Cristo liberta e une.
No ano de 1982 foi aprovado pela Comisso de F e Ordem do CMI o
documento BEM: Batismo, Eucaristia e Ministrio. Discutido desde 1927 em
Lausanne, o tema ocupou mais de meio sculo de debates para ser publicado e
encaminhado s Igrejas que compe o CMI. O documento emblemtico para o
movimento ecumnico e foi concludo na reunio da Comisso de F e Ordem
realizada no Peru. Conhecido como a Liturgia de Lima, o documento foi utilizado a
partir da Assemblia seguinte do CMI.
A Sexta Assemblia Geral aconteceu em Vancouver, Canad, em 1983. A
preocupao da Assemblia era com o tema da vida, constantemente ameaada
pelos regimes ditatoriais e pela corrida armamentista. Povos e naes viviam
amedrontados

controlados

ideologicamente.

Assemblia

assumiu

um

98

compromisso pela vida, expresso no tema Jesus Cristo, vida do mundo. Santa Ana
descreveu bem o contexto da poca e as preocupaes da Assemblia ao
reproduzir a mensagem de abertura que declara:
A corrida armamentista absorve em toda parte grande quantidade de
recursos que so desesperadamente necessrios para manter a vida
humana. Os que ameaam com o poderio militar esto jogando com
polticas de morte. Vivemos todos um momento de crise (...) A vida, dom
excelso de Deus, deve ser protegida quando a segurana nacional
utilizada como excusa a um militarismo arrogante. As razes da paz so
feitas de justia.
A vida um dom que recebemos. Contemplamos esse dom de Deus com
perene gratuidade. No culto de abertura da Assemblia uma me ergueu
seu filho na mesa do Senhor. Era um sinal de esperana e de continuidade
da vida. (...) As foras da morte so poderosas, mas mais poderoso do
dom da vida em Cristo. Comprometemo-nos a viver esta vida com todos os
seus riscos e alegrias, e por isso com todas as hostes celestes nos
atrevemos a proclamar: Onde est, morte, tua vitria? Cristo ressuscitou.
166
Ressuscitou verdadeiramente.

A Igreja catlica romana se fez presente com uma significativa delegao


composta por 20 observadores.
No incio do ano de 1991, reuniu-se a Stima Assemblia do CMI na cidade
de Camberra, Austrlia como o tema Vem Esprito Santo e renova toda a criao.
Dividida em quatro sees, a Assemblia tratou de temas que so programticos do
CMI como ecologia, do Programa Justia, Paz e Integridade da Criao, o racismo,
do Programa de combate ao racismo. Tratou tambm de questes teolgicas e da
espiritualidade ecumnicas, sendo de extrema importncia o documento BEM para
as definies do CMI no que diz respeito ao reconhecimentos recprocos da
ministrao dos sacramentos de batismo e eucaristia e da mutualidade dos
ministrios. A Assemblia recebeu prximo ao se encerramento um documento dos
catlicos ortodoxos em que estes expressavam as preocupaes com o perigo de
desvirtuamento dos ideais ecumenistas dos fundadores do CMI. Os ortodoxos
afirmaram que estava ocorrendo uma distoro crescente das bases do CMI. O
documento era dirigido diretamente Comisso de F e Ordem, que foi exortado a
ocupar lugar de maior destaque nas diferentes formas de expresso (pluralidade de
vises) do CMI.

166

SANTA ANA, 1987, p. 246.

99

A preocupao da Assemblia foi com a possibilidade dos ortodoxos se


retirarem do CMI, por questes teolgicas. A pergunta final no documento era
preocupante: Ter chegado o momento de as igrejas ortodoxas e outras Igrejasmembros reverem suas relaes com o Conselho Ecumnico de Igrejas?. Os
ortodoxos se mantm no CMI e tm papel importante no Conselho, compondo
inclusive o Comit Central, que o rgo decisrio do CMI nos interstcios das
Assemblias.
No final do ano de 1998, em Harare, no Zimbabwe, frica aconteceu a Oitava
Assemblia do CMI como o tema Buscar a Deus com a alegria da esperana.
Konrad Raiser, Secretrio-geral expressou publicamente a preocupao dos e com
os ortodoxos. O tema escolhido foi significativo por conta desta questo: Juntos no
caminho. A Assemblia elegeu uma Comisso Especial para tratar da participao
dos Ortodoxos no CMI. A Comisso recordou que o CMI possui compromisso com a
comunidade de igrejas-membro no que diz respeito eclesiologia; afirmou a
necessidade de clara definio do que seja culto em comum confessional e
interconfessional e definiu que as tomadas de decises do CMI seja feita por
consenso e no mais por votos da maioria. As recomendaes da Comisso
foram experimentadas do final da Oitava at a Nona Assemblia do CMI.
A Assemblia celebrou o cinqentenrio de fundao do CMI e da Declarao
Universal dos Direitos Humanos. Dentre os temas, a Assemblia discutiu a questo
da mundializao da economia como fator de eroso do poder e dos deveres do
Estado em garantir os direitos fundamentais da vida humana. Todas as discusses
estavam voltadas para a questo dos Direitos Humanos. A Assemblia condenou
duramente a utilizao de crianas nas guerras, afirmando existirem mais de
300.000 soldados crianas no planeta, e solicitou s Igrejas-membro, especialmente
as da frica, que exigissem a moratria de recrutamento de crianas para conflitos
armados e lutassem em favor da pronta ratificao por parte de seus governos da
Carta Africana dos Direitos e Bem-estar das Crianas que probe o recrutamento
militar e a participao em conflitos de crianas menores de 18 anos.167

167
WCC. 8 Assemblia. Proyecto de declaracin sobre los nios soldados. Disponvel em
coe.org/wcc/assembly/child-s.html> Acesso em 13 de janeiro de 2009.

<http://wcc-

100

No incio do ano de 2006 aconteceu a Nona Assemblia do CMI que se reuniu


na cidade de Porto Alegre, Brasil. As recomendaes da Comisso Especial
nomeada na Assemblia anterior se mostraram eficientes e foram implementadas
nesta Nona Assemblia. Com o tema Deus, em tua graa, transforma o mundo a
Assemblia reuniu cerca de 4000 participantes. Dentre eles 691 delegados de 348
Igrejas-membro do organismo. A Assemblia aprovou um documento que foi
revisado vrias vezes intitulado Chamados a ser uma Igreja Una. Com 15 pontos o
documento aborda questes centrais da unidade crist, catolicidade, o batismo e
orao.168 Outros temas dos quais a Assemblia se ocupou foram sobre a
economia globalizada, identidade crist e pluralidade religiosa, a juventude e a
violncia.
Foi criado pela Nona Assemblia do CMI um organismo especial para o
envolvimento e atuao da juventude, visando garantir vivncia ecumnica das
pessoas com menos de 30 anos. Todas as decises foram tomadas por consenso,
conforme deciso da Assemblia anterior. Na avaliao dos membros da ltima
Assemblia do CMI foi uma das mais impactantes de toda a histria do organismo
mundial.
Podemos inferir a partir das descries de cada Assemblia que o CMI,
gestado a partir de trs grandes Conferncias Internacionais, passou por um
processo crescente de envolvimento e indicao de caminhos para os problemas do
mundo contemporneo. A crescente participao das Igrejas-jovens contribuiu
significativamente para uma compreenso do que seja o movimento ecumnico,
experimentado entre as mais variadas expresses do cristianismo planetrio. A
ameaa, na Stima Assemblia, de um desmoronamento da unidade conseguida
com os catlicos ortodoxos foi tratada de forma adequada, permitindo ao organismo
se reestruturar, demonstrando efetivamente o que a sua constituio: um
organismo de cooperao e fomento de dilogo entre as expresses do cristianismo,
que aplica as recomendaes que lhe permitem o melhor funcionamento e
cumprimento de sua tarefa.

168

WCC. 9 Assemblia. Llamadas a ser la Iglesia Una: Una invitacin a las iglesias a que renueven su compromiso de buscar la
unidad y de profundizar su dilogo. Disponvel em <http://www.oikoumene.org/es/documentacion/documents/ asamblea-delcmi/porto-alegre-2006/1-declaraciones-documentos-aprobados/unidad-cristiana-y-mensaje-a-las-iglesias/llamadas-a-ser-laiglesia-una-tal-como-fue-aprobado.html>. Acesso em 13 de janeiro de 2009.

101

Na atualidade o CMI, embora no seja o nico, o mais importante


organismo de representao do moderno movimento ecumnico e agrupa 349
igrejas, denominaes e comunidades de igrejas em mais de 110 pases e territrios
de todo o mundo que representam mais de 560 milhes de cristos.169 Agrega a
maioria das igrejas do bloco ortodoxo170 (as que se desligaram definitivamente do
catolicismo apostlico romano em 1054) e um nmero considervel de igrejas do
bloco protestante (histricas da Reforma Protestante ou herdeiras da Reforma),
dentre eles os anglicanos, batistas, luteranos, metodistas e reformados, muitas
igrejas unidas, como a do Canad e igrejas independentes. No final da dcada de
1940, quando de sua fundao, o CMI era composto basicamente por igrejas da
Europa e Estados Unidos. Atualmente a maioria das igrejas componentes esto em
pases da frica, sia, Amrica Latina e Caribe, Oriente Mdio e ilhas do Pacfico,
sendo que as Igrejas ortodoxas tm participao importante no organismo.
A estrutura do CMI, forjada na sua caminhada se apresenta como um espao
de reflexo, ao conjunta, orao e trabalho realizados pelas igrejas que a ele
aderem. Como membros, as igrejas so chamadas a proclamar a unidade visvel da
igreja sob uma s f e uma s unidade eucarstica, a promoo de programas de
combate violncia, quebra de preconceitos e discriminaes de toda ordem,
busca da justia e dos direitos humanos e luta pela integridade da criao. So
chamadas tambm renovao constante da unidade, do culto, da misso e do
servio (diaconia).
2.5 A Natureza do CMI
Nos textos anteriores destacamos a trajetria histrica de formao do CMI.
Para que possamos entende qual a sua natureza, importante dizer primeiro o que
no o CMI. Sendo um Conselho Mundial, h geralmente a tentao de
compreender o CMI como uma mega igreja. Na verdade o CMI no uma igreja ou
mega igreja. Em sua Assemblia de 1948, foi declarado que o organismo que ora
se constitua uma comunidade de igrejas que aceita a Jesus Cristo como
Deus e Salvador.

169

Os dados sobre o CMI so retirados de: http://www.oikoumene.org/en/who-are-we.html


As igrejas ortodoxas (Orientais) so aquelas que se distanciaram do catolicismo romano (Ocidental) no incio da Idade
Mdia, em parte devido s grandes questes teolgicas discutidas nos primeiros conclios universais da Igreja.

170

102

Esta formulao inicial suscitou preocupaes pois relembrava os primeiros


Conclios Universais da Igreja com seus debates teolgicos acirrados. No CMI se
exigia uma melhor definio da vocao cristocntrica das igrejas-membro, uma
expresso mais explcita da f trinitria e uma referncia especfica s Sagradas
Escrituras. Em 1961, com a Assemblia de oficializao do CMI foi aprovada a
seguinte declarao: o CMI uma comunidade de igrejas que confessam a Jesus
Cristo como Deus e Salvador, segundo o testemunho das Escrituras e procuram
responder juntas sua vocao comum para gloria do Deus nico, Pai, Filho e
Esprito Santo.
O CMI alertou suas igrejas membro que esta declarao, mais que uma
confisso de f ou frmula, uma referncia para os membros do CMI, fonte ou
fundamento de coerncia. No sendo o CMI em si mesmo uma igreja, no faz juzo
algum sobre a sinceridade ou firmeza com que as igrejas-membro aceitam a base
nem sobre a seriedade com que se assumem na qualidade de membros [do CMI]171
Neste sentido o CMI um organismo composto de igrejas crists que a ele
aderem com propsitos da unidade, solidariedade, servio e apoio. O CMI faz
destinao de recursos a Projetos e Programas que buscam a unidade visvel da
Igreja, a misso e a evangelizao, a formao ecumnica, a tica da vida e
propostas alternativas globalizao, defesa e promoo conjunta da justia e a
soluo pacfica de conflitos de toda natureza. O CMI trabalha especialmente com o
dilogo interreligioso e em atendimento frica, nas questes sociais e na
solidariedade ecumnica.
Na sua estrutura organizacional o CMI est constitudo conforme a figura
seguinte:

171

Informao disponvel em <http://www.oikoumene.org>. Acessado em 03 de abril de 2009.

103

Figura 2 Estrutura do CMI

104

Abaixo apresentamos suma tabela legenda do que significa cada componente


do CMI. Os dados numricos da quantidade de igrejas e respectivos pases referemse aos nmeros indicados no stio www.oikoumene.org de 2009.

IGREJAS MEMBROS
ASSEMBLIA
COMIT CENTRAL DO
CMI

PROGRAMAS

Atualmente so 349 membros entre Igrejas, denominaes e


comunidade de igrejas de mais de 110 pases e territrios,
representando mais de 560 milhes de cristos.
o rgo legislativo supremo do CMI e se rene a cada sete anos
o principal rgo decisrio do CMI e funciona nos intervalos entre
as Assemblias
O CMI trabalha a partir de programas estabelecido em Assemblia.
Em 2006 foram formulados seis programas:
1)
2)
3)
4)
5)

O CMI e o movimento ecumnico no sculo XXI;


Unidade, Misso, Evangelizao e Espiritualidade;
Testemunho pblico: confrontar o poder, afirmar a paz;
Justia e Diaconia;
Educao e Formao Ecumnica; e
Dilogo e cooperao interreligiosos.

6)
Assessoram o pessoal do CMI na orientao, execuo e avaliao
dos programas do organismo. So cinco:
RGOS CONSULTIVOS

1)
2)
3)
4)

5)

romana)

RGOS CONSULTIVOS
MISTOS

CONSELHOS
NACIONAIS e
CONFERNCIAS

Comisso Mundial de Misso e Evangelizao;


Comisso de Igrejas para assuntos internacionais;
Comisso de Educao e formao ecumnica;
Echos Comisso de Jovens no movimento ecumnico; e
Comisso Plenria de F e Ordem (do qual participa a Igreja catlica

So rgos que cuidam de processos consultivos de longo prazo que


o CMI estabelece com Igrejas que no so membros do Conselho,
para garantir mais confiana e compreenso. So quatro:
1)
2)
3)

Grupo de Trabalho misto entre a Igreja catlica romana e o CMI;


Grupo Consultivo Misto com Igrejas Pentecostais;
Comisso Consultiva Mista com Comunhes Crists Mundiais; e
Comit de Continuao sobre Ecumenismo no sculo XXI.

4)
O CMI tambm estabelece dilogo e cooperao com Conselhos
Nacionais de Igrejas, Organizaes ecumnicas regionais,
Comunhes Cristas Mundiais, Ministrios especializados e
Organizaes ecumnicas internacionais

fonte: www.oikoumene.org

Ao ser convidado para trabalhar no CMI, ligado ao Departamento de


Educao e Formao Ecumnica Paulo Freire desenvolveu aes compatveis com
um dos Programas do organismo: O Programa de Diaconia e Solidariedade. Este
Programa incentiva as igrejas cooperao na diaconia (termo grego que significa
servio) por todo o mundo. Este programa prepara grupos para oferecer
conhecimentos especializados e assessoramento tcnico e capacita igrejas locais
para promover programas em benefcios das necessidades humanas e de
desenvolvimento de suas comunidades.

105

Paulo Freire era responsvel por uma sub-unidade deste Programa que
cuidava da Educaao Bsica de Adultos. No CMI, organismo de importante fora
formadora e mobilizadora voltada para o bem estar humano que Paulo Freire se
sentiu motivado a trabalhar e, trabalhando redescobriu sua ptria, sua terra.
Tratamos em captulo anterior sobre a vida de Paulo Freire. Sua trajetria
marcada pelo compromisso com o ser humano, e no somente com a vida biolgica
ou com o fato do ser humano estar no mundo. O compromisso de Paulo Freire foi
com o resgate da humanidade subtrada pelos esquemas ideolgicos de poder que
criam um sistema injusto e desigual entre os humanos. Seu compromisso foi
tambm com o ser mais em oposio ao ser humano oprimido que o ser
menos.

106

CAPTULO III PAULO FREIRE NO CMI

Aps traamos a trajetria de Paulo Freire at ele receber o convite para


trabalhar no CMI tentamos descrever e compreender sobre um dos mais importantes
organismos do moderno movimento ecumnico planetrio. Pontuadas a trajetria de
Paulo Freire e do CMI, trataremos neste captulo sobre a presena do educador
neste organismo.
Para conhecer melhor a trajetria de Paulo Freire a partir do CMI, estivemos
in loco consultando os arquivos para acessar documentos que contivessem
informaes sobre suas atividades naquele organismo. A informao que
recebemos no Brasil que poucos documentos e informaes estariam disponveis.
Foi-nos franqueado acesso s pastas sobre Paulo Freire no CMI, num total de
34 sob nmero 992.1.1/01 a 992.1.1/34 contendo documentao em vrios idiomas:
portugus, ingls, francs, alemo e espanhol. Muitos documentos referem-se
Frelimo (Frente de Libertao de Moambique) e grande parte ao Programa de
Combate ao Racismo do CMI, como cartas trocadas entre lderes governamentais
de pases africanos, solicitando ajuda financeira para projetos de emancipao
humana. Alguns documentos possuem a correo de informaes feitas mo por
Paulo Freire e outros tm apenas a sua assinatura. Todo o material foi digitalizado.
Tambm entrevistamos duas pessoas que conviveram com Freire durante a sua
passagem pelo CMI: o pastor armnio-brasileiro Aharon Sapsezian que nos
forneceu informaes importantes e o filsofo chileno Antonio Faundez.

107

Sapsezian, juntamente com a esposa Zabel, nos recebeu em sua confortvel


casa no Canto de Vaud e conversamos por longo tempo. Falou-nos de Paulo
Freire, sobre o seu trabalho e especialmente sobre uma palavra que era
considerada perigosa para o contexto da dcada de 1960: conscientizao.
Faundez

nos

recebeu

em

seu

escritrio,

numa

organizao

no

governamental denominada Enfant du Monde, prximo ao CMI. Na entrevista, num


primeiro momento, ele falou sobre o Chile da dcada de 1960. No conhecera Freire
no Chile, mas foram colegas de trabalho no CMI e o substituiu quando do seu
retorno ao Brasil em 1980. Depois falou sobre Freire, sobre o trabalho na frica,
sobre o CMI e tambm sobre o livro Por uma Pedagogia da Pergunta, escrito em coautoria com Freire.

3.1 A Educao teolgica no CMI


O CMI, desde antes de sua formao oficial em 1948, possua preocupaes
com a educao. E educao teolgica. Desde a Conferncia de Edimburgo se
entendia que Educao e Misso estavam intimamente ligados e discutiu-se na
Conferncia o tema da formao dos missionrios. Na viso da Conferncia a
formao dos missionrios era muito precria e precisava ser
drasticamente melhorada em termos de a) estudos de lnguas, b) histria
das religies e sociologia dos territrios de misso, c) princpios gerais do
trabalho missionrio. A cooperao interdenominacional entre as agncias
de misso na criao de um programa de formao de missionrios foi
encarada como prioritria para o futuro, em Edimburgo. Foram
recomendados programas de formao para serem academicamente
atualizados para nveis de ps-graduao em Faculdades Missionrias
Centrais (e no somente a formao para misses em seminrios
confessionais regionais), que deveriam ser criadas em lugares como
Xangai, Madras, Calcut, Beirute e Cairo e deveriam ser abertos a todos os
172
missionrios de todas as denominaes crists.

Werner indica que esta orientao da Conferncia de Edimburgo foi


visionria e revolucionria para sua compreenso da educao e da educao
teolgica em particular173 e para o nascimento de um iniciativa global de criao de

172

WERNER, Dietrich. Ecumenical Learning in Global Theological Education: Legacy and unfinished tasks of Edinburgh
1910. Disponvel em <www.edinburgh2010.org>. Acesso em 10 de fevereiro de 2009. [O texto uma traduo livre do
original.]
173
WERNER, 2009, Idem. [traduo livre do original]

108

institutos locais centralizados para a educao teolgica ecumnica qualificada em


vrios lugares fora do mundo ocidental. No mundo ocidental a recomendao da
Conferncia de Edimburgo teve a sua realizao na Missionsacademy da
Universidade de Hamburgo, fundada em 1957.174
A educao teolgica para os missionrios e nos centros de formao
missionria nos pases da sia era oferecida geralmente em ingls e houve uma
reao por parte das igrejas-jovens pela necessidade de estudos teolgicos em seus
prprios idiomas. Para algumas empresas missionrias a atividade teria mais
sucesso com missionrios nativos. Esta foi uma das exigncias do Conselho
Nacional de Igrejas Crists da ndia175 e que teve resultados positivos. Como
citamos no captulo anterior, a Conferncia de Tambaram, no ano de 1938, j fazia
esta exigncia e discutiu as relaes entre os missionrios norte-americanos e
ingleses com os povos no-cristos no que diz respeito teologia. Com a ecloso
da Segunda Grande Guerra, a questo ficou para ser discutida depois do conflito.
No ano de 1946 foi fundado o Instituto Ecumnico de Bossey176, com um
aporte doado J.D. Rockfeller, para a formao teolgica ecumnica com nfase em
trs reas: Bblia, mundo e Igreja universal. Estas trs eram vistas por Vissert Hooft
como componentes-chaves de um conceito holstico de educao e formao
ecumnicas para o presente e, na conferncia de abertura do Instituto Vissert Hooft
declarou:
A idia de criar um centro ecumnico de ensino (formao em francs) tem
as suas razes na conscincia cada vez mais evidente da incapacidade da
Igreja para responder ao desafio do mundo moderno, da sua impotncia
para lutar contra a crescente secularizao e paganizao. Esta
preocupao de uma radical reconstruo espiritual, comeando com a
igreja em si, foi constantemente presente durante as conversas que levaram
elaborao de um projecto concreto (...) Desde o incio, ficou acordado
que o Instituto deve colocar a tnica do seu ensinamento sobre os

174

WERNER, 2009, Ibidem.


O Conselho Nacional de Igrejas Crists da ndia (NCCI, sigla em ingls) rene e expressa a unidade das igrejas
protestantes e ortodoxas da ndia. uma unio comum de pensamento e ao. Rene Igrejas e outras organizaes crists
para consulta mtua, assistncia e ao em todos os assuntos relacionados vida e testemunho cristo das Igrejas na ndia.
Disponvel em <http://www.nccindia.in/>. Acessado em 15 de abril de 2009.
176
O Instituto Ecumnico de Bossey o centro de reunies, dilogo e formao do Conselho Mundial de Igrejas. Fundado
em 1946, rene pessoas de diferentes origens culturais e religiosas que lhes permitam compreender melhor o ecumenismo e a
freqentar cursos universitrios e participar de intercmbios. Anualmente, o Instituto Ecumnico recebe estudantes e
pesquisadores de todo o mundo que se hospedam para continuar seus estudos acadmicos, sobretudo nas reas da teologia
ecumnica, missiologia e tica social. O instituto possui uma biblioteca notvel e todos os recursos necessrios. O corpo
docente composto por membros de vrias tradies teolgicas, culturais e religiosas. O Instituto e os seus diplomas so
reconhecidos pela Universidade de Genebra. O Instituto Ecumnico de Bossey est localizado cerca de 25 km de Genebra
(Sua), em Celigny, entre as cidades de Versoix e Nyon, s margens do Lago Genebra. Informaes disponveis em
<http://www.oikoumene.org/es/activities/bossey.html>. Acessado em 15 de abril de 2009.
175

109

fundamentos da f crist e, especialmente, sobre a Bblia. Alm disso, o


Centro dever ter um carter explicitamente missionrio, tal como o estudo
dos costumes religiosos missionrios do campo que lhes forem atribudos,
de modo que os alunos do Instituto Ecumnico devem tornar-se
completamente familiarizados com as principais tendncias do pensamento
e da vida do mundo moderno. Por ltimo, o instituto deve ter um carter
verdadeiramente ecumnico. Deve ser o lugar onde os homens e mulheres
de todas as igrejas membros do movimento ecumnico aprender juntos,
receber e dar, aprender a lutar juntos, e onde, portanto, aceitar a tenso
entre a verdade e a unidade que est na base de qualquer verdadeira
177
comunidade ecumnica.

3.1.1 O TEF Theological Education Fund


Tambm citamos no captulo anterior, ao tratarmos da penltima Conferncia
organizada pelo CIM antes de sua integrao ao CMI (de Achimota), em Ghana,
frica, no final de 1957 e incio de 1958, que nela se estabeleceu a proviso de
recursos para ajudar na construo de instituies e de bibliotecas visando melhor
formao de liderana e ministros das igrejas que estavam unidas no propsito
missionrio. Tambm desta Conferncia nasceu o Theological Education Fund
(TEF) ou o Fundo para a Educao Teolgica. O TEF, de seu nascimento s suas
modificaes ser a melhor expresso da ocupao do CMI com a Educao.

Foto da Fundao do TEF, em Gana, frica, 1958

177

WERNER, 2009, Ibidem.

110

O TEF nasceu graas doao de dois milhes de dlares pela mesma


pessoa que doou para a fundao do Instituto Ecumnico de Bossey: J.D.
Rockfeller, condicionando as Sociedades Missionrias a levantarem em dois anos
recursos similares. Assim o TEF nasceu com o aporte de quatro milhes de dlares.
O TEF estabeleceu seu escritrio em Londres, de onde a equipe diretiva
despachava. O rgo possuiu nfases distintas em perodos distintos, conhecidos
como "mandatos". O primeiro deles, de 1958 a 1965 enfatizou a necessidade da
criao de instituies de ensino teolgico nas regies de misso. O segundo, de
1965 a 1970 tinha uma nfase na produo de materiais de ensino teolgico
naquelas regies. Mas foi, provavelmente o terceiro mandato um dos mais fecundos,
pois fazia a crtica aos modelos de educao teolgica e de formao missionria do
Ocidente no Oriente e demais pases do Terceiro Mundo. O termo que se utilizava
neste perodo era "contextualizao". E esta palavra no era somente um termo
presente nos discursos, mas representava uma necessidade. E foi a contribuio do
TEF que transformou e qualificou a educao teolgica nas regies de misso,
especialmente influenciados pela teologia de Karl Barth. O terceiro mandato durou
de 1970 a 1977.
Sobre este terceiro mandato, o mais significativo do CMI, cabe fazer algumas
consideraes. O mundo passava por transformaes profundas, fruto em parte do
descontentamento e das manifestaes ocorridas pelos vrios continentes no final
da dcada de 1960. Com relao ao ensino teolgico no era diferente. Havia um
descontentamento por parte dos pases onde se fazia misso. Afirmamos
anteriormente sobre o problema da educao teolgica.
Diante destes descontentamentos, a Comisso Mundial sobre Misso e
Evangelizao do CMI, antigo Conselho Internacional Missionrio, formou no ano de
1969 um grupo assessor, liderado por Visser't Hooft. Este grupo solicitou ao TEF
que se compusesse uma equipe de consultores especiais junto ao CMI para tratar
mais profundamente da questo e fazer uma reforma nas nfases do TEF. A equipe
tinha como presidente Karekin Sarkissian, prelado da Igreja Ortodoxa da Armnia
que nomeou Shoki Coe, presbiteriano taiwans, como diretor de uma "nova e

111

colorida equipe do TEF"178 que inclua como vice-diretores Aharon Sapsezian,


protestante armnio brasileiro, James Bergquist, luterano norte-americano179 (da
IEL), Ivy Chou, metodista malaio e Desmond Tutu, anglicano sul-africano. Estes
cinco formaram uma equipe extraordinria que entre os anos de 1970 e 1972
discutiram sobre a "contextualizao" como um critrio bsico para as atividades do
TEF. E esta discusso aconteceu por que era necessrio um novo termo que
"denotasse o caminho em que (...) a mensagem [crist] deveria se ajustar ao
contexto cultural e sobre o prprio fazer teolgico"180 nos pases de misso e no
"Terceiro Mundo".
Sobre o termo "contextualizao" tomamos a conceituao de LienemannPerrin, citado por Koschorke et al. em que afirma
Desde que o termo foi cunhado em 1972, o conceito de contextualizao
tem desempenhado significante papel nos debates teolgicos na sia.
Logo, isto desloca o modelo tradicional de "indigenizao" isto , a
tentativa de fazer um cristianismo missionrio nativo em termos culturais
que se fez sentir (...) e tambm teve muito poucas relaes para o
desenvolvimento moderno da sia. O conceito de contextualizao foi
primeiro formulado nas discusses acontecidas na Igreja Presbiteriana de
Taiwan. [ver sobre Shoki Coe acima]. O Theological Ecumenic Fund (TEF)
do Conclio Ecumnico de Igrejas fez da contextualizao o conceito central
do Terceiro Mandato em 1972 (...) o que ganhou rapidamente a aceitao
nos debates ecumnicos.
Contextualizao significa tudo o que implica no familiar termo
"indigenizao" e no que se poderia ir alm desta compreenso.
Contextualizao tinha de fazer com que se avaliasse a peculiaridade dos
contextos do Terceiro Mundo. Indigenizao tendia a ser usado no sentido
de se responder ao Evangelho em termos de uma cultura tradicional.
Contextualizao, embora no ignorando isto, leva em conta o processo de
secularizao, tecnologia e a luta pela justia humana, que caracteriza o
181
momento histrico das naes do Terceiro Mundo.

O termo continua a ser utilizado e passou por aprofundamentos. Atualmente


se

utiliza

no

meio

ecumnico

termo

contextual,

contextualizao,

intercontextualizao, e etc.

178

HESSELGRAVE, David; ROMMEM, Edward. Contextualization: Menanings, methods and models. Grand Rapids: Baker Book
House, 1989, p. 28.
179
Ao referir-me a "luterano norte-americano" fao a distino ente a Igreja Evanglica Luterana e a Igreja Evanglica de
Confisso Luterana.
180
HESSELGRAVE; ROMMEM, 1989, Idem.
181
KOSCHORKE, Klaus; LUDWIG, Frieder; DELGADO, Mariano. A history of Christianity in Asia, Africa, and Latin America,
1450-1990. A Documentary Sourcebook. Grand Rapids: Eerdmans, 2007, p. 129.

112

E o termo sofre diferenas quando definido por Bruce J. Nicholls182 e George


W. Peters183 e definido pelo TEF. Para Nicholls e Peters o termo contextualizao
somente pode ser entendido no sentido de apostlico ou seja, para Nicholls o
termo a traduo de um imutvel contedo do Evangelho do Reino numa forma
verbal significativa para pessoas em sua cultura diferente e com suas particulares
situaes existenciais184 e para Peters a contextualizao
adequadamente aplicada serve para descobrir a legtima implicao do
Evangelho em uma dada cultura. E isto mais profundo que aplicao.
Aplicao eu posso fazer ou no sem fazer injustia ao texto. Implicao
185
exigncia por uma adequada exegese do texto [do Evangelho].

Quando da nossa entrevista com Aharon Sapsezian, ele nos relatou sobre o
tempo em que trabalhou como um dos diretores associados do TEF em Londres e
de como se chegou ao termo que, como citamos acima, diferente dos dois autores.
Nicholls e Peters possuem um conceito fechado, restrito, de contextualizao. Para
os membros do TEF, a contextualizao proftica. Segundo Sapsezian, a criao
do termo se deu num pub ingls. Transcrevemos aqui parte da entrevista.
Educao teolgica no meu tempo era um fundo, era dinheiro ... claro que
era mais do que dinheiro ... tinha l certa viso das coisas e procurava
atravs do dinheiro incentivar um ministrio de atividades teolgicas ... por
exemplo, ns falvamos muito em teologia original, local, independente de
186
teologia estrangeira ... A ASTE , por exemplo, foi criada nesta poca j
com esta mentalidade ... Ns precisamos fazer dos seminrios brasileiros
instituies que caminhem com os seus ps ... todas as igrejas protestantes
eram teologicamente tributrias ... todas elas ... e no fim nem nos
orgulhvamos disso no ... ao contrrio ... porque achvamos que era a
grande teologia (...) Todas estas teologias ... ns, na mesma poca
[referindo-se ao termo conscientizao, de Paulo Freire] ... ns da
Educao teolgica criamos uma palavra que fez histria...
Contextualizao [palavra dita por Odair Pedroso Mateus, telogo
presbiteriano independente, que trabalha no CMI e que nos acompanhava
na casa de Sapsezian]. ... contextualizao ... e eu acho que ela de certo
modo ... [a esposa de Sapsezian, Zabel, interrompe, em tom de brincadeira,
perguntado quem foi que criou o termo, ao que Mateus responde: Shoki
Coe e Sapsezian] Pra dizer a verdade foi num pub, numa cervejaria l perto
da sede ... Shoki Coe e eu amos l noite. A gente ia l (...) falar de
teologia. O Shoki (...) era uma excelente cabea ... a noo (de
contextualizao) j existia, faltava uma palavra que encarnasse isso. Foi l.

182
Bruce J. Nicholls foi um missionrio na ndia que trabalhou com educao teolgica e como pastor na Igreja do Norte da
ndia. Foi tambm editor da Revista Evanglica de Teologia por 18 anos e editor dos Comentrios Bblicos para a sia, que
publica Livros da Bblia para serem lidos a partir do contexto vivencial asitico.
183
George W. Peters, norte-americano, foi professor de Misses Mundiais em Dallas Theological Seminary. Autor de A Biblical
Theology of Missions. Homem conservador que acreditava que o melhor caminho era converter as pessoas ao Evangelho e
somente ento a sociedade sofreria mudanas estruturais profundas.
184
HESSELGRAVE; ROMMEM, 1989, p. 149
185
HESSELGRAVE; ROMMEM, 1989, Idem.
186
ASTE Associao dos Seminrios Teolgicos evanglicos. uma instituio que foi criada no Brasil na dcada de 1960 e foi
a responsvel pela traduo de vrias obras na rea de Teologia.

113

Eu me lembro naquela noite, no pub ... a palavra pub vem de public house,
e o dono do pub era um publican. E o publicano l nos conhecia ... a ns
dois ... ramos fregueses assduos l. [Shoki Coe e Sapsezian tambm
almoavam no pub]. O pub fechava s onze [23h]. As onze tocava um sino
l. No podia mais servir. O pessoal ento tomava o ltimo golinho. Shoki e
eu ficvamos. E ele nos servia dizendo: no estou vendendo. Isto
presente da casa. De modo que ele no estava infringindo lei nenhuma. E
ns ficvamos noite adentro. A idia tava presente. Ele mesmo (Shoki)
falava em transplantar. Esta planta ns temos de plantar em terra nossa,
pra germinar l. Eu me lembro de um artigo dele que falava nisso. E eu
continuava ... todo esse evangelho que ele t falando coisa que germinou
numa cultura diferente da nossa. (...) Terceiro Mundo to diferente, t
saindo da colonizao, t querendo descobrir sua identidade prpria,
herdou esse negcio chamado Cristianismo, catlico ou protestante... Mas
isso aqui no pra repensar? Como que a gente pode ver o que
realmente original nisso e o que o cosmtico cultural de cada pas, cada
denominao, cada telogo europeu... Isto no existia. Nunca se falou em
telogo latino-americano. Palavra telogo logo levava seu pensamento a
um personagem importante no estrangeiro. Mesmo ns que estudamos fora
... eu fui um dos primeiros que tive este privilgio ... estudei fora, eu fazia
propaganda de Barth, Tillich, Niebuhr. (...) Eu, por exemplo, li Barth de cabo
a rabo, coisa que pouca gente fez ... traduo francesa ... quer dizer ... no
tinha nem terminado ainda a traduo francesa (...) Teologia era isso. Mas
depois a gente ficou desconfiando que no pode ser s isso. No s isso,
no. H alguma coisa que tem que levar a srio essa verdade to
187
diferente.

E, esta verdade to diferente precisava ser repensada. E o foi em termos de


contextualizao e para assegurar que este seria a nfase diretora das aes do
TEF a equipe adotou um documento que seria a base para a efetivao do
programa que inclua
trs aspectos de contedo, quatro tenses e quatro tenses e quatro
linhas potenciais de renovao.
O contedo deveria incluir a [1] compreenso de questes contextuais na
generalizada crise de f e busca de sentido para a vida, [2] as questes
urgentes de desenvolvimento humano e da justia social, [3] a dialtica
entre a civilizao tecnolgica global e a cultura local e [4] as situaes
188
religiosas.

As quatro tenses das quais o documento adotado faz referncia so


[tenses] [1] entre continuidade e mudana; [2] entre percepo das
necessidades locais de um determinado contexto e as iniciativas de reforma
para alm daquelas decorrentes daquele contexto, [3] entre a crtica do que
deficiente (...) e do que de positivo e est em curso e [4] entre estudo e
189
ao.

No que diz respeito s quatro linhas potenciais de renovao, estas seriam


possveis quando houvesse indcios de contextualidade [1] na reforma estrutural, [2]

187

Entrevista com Aharon Sapsezian, realizada em 06 de agosto de 2007, em sua residncia no Canto de Vaud, Sua.
CHAMBERLIN, J. Gordon. Contextualization: Origins, Meaning and Implications A Study of What the Theological Education
Fund of the World Council of Churches Originally Understood by the Term "Contextualization," with Special Reference to the
Period 1970-1972. Journal of Ecumenical Studies. V. 34, 1997.
189
CHAMBERLIN, 1997, idem
188

114

na abordagem teolgica, [3] no mtodo pedaggico e [4] na misso para com os


pobres e oprimidos [grifo meu].190
Hesselgrave e Rommem tomam emprestadas as palavras de Shoki Coe para
descrever como o grupo de TEF definia a contextualizao proftica. Segundo Coe
Em usando a palavra contextualizao, ns tentamos transmitir tudo o que
est implicado no familiar termo indigenizao, (...)
Contextualidade ... a avaliao crtica daquilo que faz o verdadeiro
contexto realmente significante luz da Missio Dei. Este o discernimento
missiolgico dos sinais dos tempos, percebendo que Deus est na obra e
nos convida a participar ... Autntica contextualidade conduz
contextualizao ... Esta dialtica entre contextualidade e contextualizao
indica um novo caminho de se fazer teologia. Isto no envolve somente
191
palavras, mas ao.

O TEF passou por reestruturaes e sempre foi o departamento do CMI


encarregado pelos programas ligados s questes educacionais. Num primeiro
momento apenas com a educao teolgica, depois com a educao e formao
teolgica ecumnica e a partir do final da dcada de 1960 passou a trabalhar com
programas destinados educao primria, especialmente em pases pobres.
3.1.2 O TEF torna-se PTE Program on Theological Education
Em julho de 1977 o TEF foi reestruturado, tornando-se uma sub-unidade do
CMI. O escritrio continuou a funcionar em Londres at o ano de 1981, quando foi
mudado para Genebra. Sua nova denominao passou a ser PTE (Program on
Theological Education), e deixou de ser menos uma agncia de financiamento de
atividades da educao teolgica e passou a atuar em duas frentes especficas: 1)
Atividades programticas, ligadas a diversos assuntos e 2) Publicao sobre
temas inovadores na rea de educao teolgica e teologia para todo o povo de
Deus, formao espiritual, formao interconfessional e novas fronteiras da
educao teolgica em geral.192
A direo do PTE a partir de 1977 ficou a cargo de Aharon Sapsezian, que
convidou Francis Ross Kinsler para se juntar equipe de diretores associados
composta tambm por Samuel Amirtham e Tom Campbell. Shoki Coe permaneceu
190

CHAMBERLIN, 1997, ibidem.


HESSELGRAVE; ROMMEM, 1989, p. 150.
192
WCC/ETE. 14 Reasons for global solidarity in ecumenical theological education. Disponvel em
<http://www.oikoumene.org/fileadmin/files/wcc-main/documents/p5/ete/Communication_Leaflet_for_ETE.pdf>, p. 4. Acesso
em 15 de fevereiro de 2009.
191

115

na equipe como Assessor. Posteriormente Tom Campbell tornou-se presidente do


PTE. A grande marca desta equipe do PTE foi a descentralizao dos programas de
educao teolgica, tambm chamado de regionalizao e uma forte produo
literria na rea teolgica. A equipe do PTE herdou lies valiosas e conhecimentos
importantes acumuladas pela experincia do TEF na sua constante busca por
qualidade, autenticidade e criatividade que fizeram com que as relaes entre as
igrejas dos pases ricos e de pases empobrecidos se estreitassem no que diz
respeito ajuda e crescimento mtuo. Esta herana permitiu ao PTE cumprir com os
objetivos propostos, quais sejam,
dar um novo passo a frente no apoio s igrejas em seus temas centrais na
preparao de lideres; no fomento de uma nova viso ecumnica de
educao teolgica; na partilha de experincias e recursos para a formao
no ministrio; no desenvolvimento de melhorias dos padres e instrumentos
para a educao teolgica; na capacitao do povo de Deus para
testemunhar mais efetivamente hoje e amanh em um mundo de grandes
necessidades e crises complexas. A convico fundamental da nova
Comisso Central e do novo PTE de que a `educao teolgica vital
193
para a vida e a misso da Igreja.`

3.1.3 O PTE torna-se ETE Ecumenical Theological Education


Na linha de ocupaes do CMI com a educao, no ano de 1991 o PTE foi
transformado no ETE (Ecumenical Theological Education). No captulo anterior
tratamos sobre a Stima Assemblia do CMI na cidade de Camberra e destacamos
que um dos temas discutidos referia-se s questes teolgicas e a espiritualidade
ecumnica. A Assemblia foi tensa por conta dos questionamentos da Igreja
Ortodoxa quanto s questes basilares do CMI, que teve de se ocupar da questo
nas duas Assemblias seguintes.
Podemos inferir, a partir desta Stima Assemblia que o CMI teve de
preocupar-se mais com as questes da educao teolgica e, por isso reestruturou
o seu Programa, pois segundo Werner,
Aps a Assemblia de Camberra, o programa foi rebatizado para ETE, a fim
de sublinhar a natureza especfica de nfase da ecumenicidade na
educao teolgica. A famosa Conferncia Mundial sobre a educao
teolgica em Oslo 1996 levou deciso de um certo princpio da
regionalizao da ETE, que, em princpio, continua a ser vlida at hoje,
mas tambm tornou mais difcil de assegurar a sua continuidade interna,
coeso programtica e fora comum como facilitadoras. Por isso, ainda no
se tornou evidente se a regionalizao da ETE (que, em grande medida, foi

193
NEWBIGIN, Lesslie. Theological Education in a world perspective. Ministerial Formation. Genebra, n. 110, april 2008, p.
25-26.

116

tambm devido reduo de custos por presso do CMI) levou a um


reforo ou a um enfraquecimento dos programas de educao teolgica
194
ecumnica do CMI.

No que diz respeito reduo de custos, Werner aponta que no TEF a equipe
era composta de cinco pessoas trabalhando em tempo integral. No PET a equipe foi
reduzida para quatro pessoas e o Programa ETE tinha apenas uma pessoa
trabalhando em tempo integral at o incio o ano de 2007, sendo auxiliado por trs
ou quatro consultores regionais da ETE em vrios continentes.195 A ETE assumiu
como tema central de ao a Viabilidade da Educao Teolgica Ecumnica, que
pode ser entendida de duas formas: econmica ou como busca de renovao.
Preferimos ficar com a segunda, por conta da natureza do Programa para o CMI.
Para conhecer e compreender a trajetria do TEF/PTE/ETE, recomendamos a
leitura de uma publicao [que ousamos adjetivar de extraordinria] de 93 pginas,
devidamente documentada, com fotos e textos daqueles que construram a histria
da Educao Teolgica Ecumnica intitulado Ministerial Formation, n.110, April
2008. O Ministerial Formation publicado pelo PTE/ETE desde janeiro de 1978.
3.2 A Educao no-teolgica no CMI
A partir destes breves comentrios relativos trajetria da Educao
Teolgica no mbito do CMI podemos considerar que dentro deste espao mais
amplo de preocupaes com as questes educacionais e de formao teolgica
ecumnica se abriram espaos menores, e nem por isso menos importantes, para a
busca da humanizao dos sujeitos desumanizados nos continentes asitico,
africano e latino-americano, especialmente.
No ano de 1968 o CMI reuniu-se em sua Quarta Assemblia em Upsala e na
qual houve um amplo debate sobre a necessidade de reorientao dos padres
educacionais e estruturais do mundo moderno. Estas preocupaes so
seguramente os reflexos das manifestaes estudantis, de trabalhadores e de outros
grupos que buscavam assegurar os seus direitos.

194
195

WERNER, 2009, p. 8
WERNER. 2009, idem.

117

As Igrejas estavam fechadas em si mesmas. A Conferncia do CMME (extinto


Conselho Internacional Missionrio) realizada em Bangkok, na Tailndia, em
1972/1973 retrata como a Igreja se comportava at ento, na sua mais completa
despreocupao com a vida concreta dos seres humanos.
Citamos Upsala (do CMI) e Bangkok (do CMME) por causa de um telogo e
missilogo holands que participou das duas reunies: Hoenkendijk. O telogo
afirmou que a igreja era imvel, centrada em si mesma e introvertida. Bosch afirma
que tanto em Upsala quanto em Bangkok haviam delegados
que apoiaram a posio de Hoenkendijk, no porque endossassem suas
nuanas mais extremas, mas porque desejavam expressar sua frustrao
com a natureza burguesa da igreja e sua convico de que uma nova
compreenso e prxis de misso resultariam em uma renovao da prpria
igreja. Considerando as terrveis condies de vida de milhes de pessoas
famintas, oprimidas e exploradas, Upsala e Bangkok mostraram uma
impacincia sagrada com qualquer complacncia por parte da igreja. Pela
primeira vez, uma instituio crist de nvel mundial se confrontou com o
mal estrutural e no tentou, com subterfgios espirituais, fugir de suas
196
responsabilidades procurando refgio em uma instituio sacrossanta.

Estas discusses permitiram a Igreja exercitar melhor a sua misso proftica,


compreendendo que ela est no mundo, mas no compactua com as estruturas
injustas do mundo. O CMI instigou suas Igrejas-membro verdadeira Missio Dei.
Alguns resultados da reao do CMI s Igrejas se fizeram sentir ainda no final da
dcada de 1960 com a criao de programas e reformulaes de outros permitiram
uma atuao mais proftica.
Uma das conseqncias destes debates foi a instalao, pelo CMI, do seu
prprio Departamento de Educao em 1969. Esta deciso se deu, como
reafirmamos, aps um amplo debate sobre a necessidade de reorientao dos
padres educacionais e estruturais da sociedade durante a Assemblia de Upsala
cujo tema estava relacionado renovao de todas as coisas.
3.3 Paulo Freire no CMI
nesse contexto todo da trajetria da Educao no CMI que se insere a
figura marcante de Paulo Freire, educador brasileiro, reconhecido como o maior
educador do sculo XX. Paulo Freire chegou a Genebra em fevereiro de 1970.

196

BOSCH, David J. Misso Transformadora. So Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 461.

118

Muito provavelmente o convite para trabalhar no CMI se deu por conta das
aproximaes da Igreja catlica romana com o CMI.
3.3.1 Dois termos, dois brasileiros
J abordamos sobre o termo contextualizao como marca do terceiro
mandato do TEF, e criao do brasileiro Aharon Sapsezian. Outra palavra cunhada
que passou a fazer parte do cotidiano do CMI no seu Departamento de Educao foi
conscientizao. O termo foi introduzido por Paulo Freire. E essas duas palavras,
nesse frtil contexto de contradies, cunhadas por duas personalidades brasileiras
(uma de tradio protestante e outra de tradio catlica) faro a diferena dentro do
movimento ecumnico.
Werner afirma que no se pode deixar de mencionar a pessoa de Paulo
Freire quando se fala do tema da Assemblia de Upsala que era Eis que fao novas
todas as coisas. E a Assemblia aconteceu antes de Freire ir para o CMI. Junto a
Paulo Freire, Werner menciona tambm Ernst Lange, embora no tratemos deste,
que foi diretor do Instituto de Ao Ecumnica do CMI. A partir destes dois houve um
tempo de transformaes revolucionrias e um urgente chamado para uma
nova abordagem para a conscientizao e para uma pedagogia do
oprimido, numa reviso das abordagens anteriores, que eram elitistas. As
diferenas gritantes entre os hemisfrios Norte e Sul no chamado conflito do
desenvolvimento necessitavam de respostas urgentes que somente
197
poderiam ser dadas de forma pedaggica e educativa, [grifos meus]

Para corroborar a importncia de Sapsezian e Paulo Freire no CMI, tomamos


a afirmao de Kinsler que diz:
Uma das mais importantes contribuies de Aharon Sapsezian foi o
conceito de contextualizao, que ele introduziu em 1972 e que foi
disseminado rapidamente atravs dos crculos ecumnicos e evanglicos.
Este veio a ser um continuo desafio para a educao teolgica e a misso
das igrejas. Contextualizao uma outra palavra para o conceito bblico de
encarnao, que tambm teolgico e pastoral bem como cultural e
socioeconmico.
Um outro tema do PTE e do ETE foi a compreenso de Paulo Freire de
198
educao como conscientizao que tem pouco a ver com memorizao

197

WERNER, 2009, p. 7.
Apresentamos aqui um fato que nos ajuda a compreender como a educao como conscientizao era muito cara a Paulo
Freire desde os anos de 1960 e que foi alvo das preocupaes dos conservadores brasileiros. Numa entrevista colhida pelo
Museu da Pessoa, em 1992, para o Projeto Memria Oral do Idoso, feita uma pergunta a Paulo Freire sobre a noite do evento
de encerramento do Curso de Alfabetizao de Angicos/RN, em 1963, quando um senhor de 70 anos, diante das autoridades
pede a palavra e afirma que a fome da cabea [a necessidade de conhecer, de se reconstruir, de ser mais] maior que a fome
da barriga. Eis a resposta de Freire:
Inclusive ele fez um discurso, foi muito interessante, porque o presidente da Repblica j tinha encerrado a reunio, quando
ele pede a palavra, quer dizer, no tinha nada que ver com os protocolos. Ele pede a palavra pra falar, e eu me lembro que um
198

119

de informao e tudo a ver com transformao humana e social. Este


conceito continua a ser usado pelo educadores teolgicos ao redor do
mundo, especialmente na Amrica Latina e frica. Este conceito, tambm,
199
bblico, teolgico, pastoral, cultural e socioeconmico.

Kinsler ainda ousa afirmar que


Contextualizao e conscientizao culminaram em vrias teologias de
libertao e em programas de educao teolgica libertadoras em
diferentes partes do mundo.
Tanto as igrejas quanto suas instituies teolgicas foram mais
profundamente conscientizadas acerca das estruturas e dinmicas da
pobreza, marginalizao e opresso, Elas desenvolveram ferramentas
bblicas, teolgicas e pastorais para a libertao pessoal, eclesial e social.
As igrejas e suas instituies teolgicas lutaram para superar todas as
formas de injustia e desumanizao, em particular aquelas baseadas na
raa, etnicidade, classe e gnero e somos confrontados com os enormes
desafios que o aquecimento global, a destruio ecolgica, a violncia e o
militarismo, a marginalizao das pessoas com deficincias, polarizao
200
econmica e o consumismo.

Considerada a importncia de Sapsezian, passamos a considerar a figura de


Paulo Freire. O prprio Sapsezian nos indicou, na entrevista, que Freire usava
constantemente o termo conscientizao. E era uma palavra que os norteamericanos relutavam em usar. E Sapsezian afirmou que o termo no era do agrado
dos norte-americanos. Eles no gostavam,
mas at que entrou, no tapa na barriga, mas entrou... os americanos e os
de fala inglesa passaram a usar conscientization . A a palavra pegou fogo

dos presentes da comitiva do presidente disse assim: "Eita, quebrou o protocolo"! Ele virou-se e disse: "Quebrei o que?" E
ningum respondeu mais. E a o Joo Goulart, que era um homem muito simples, o presidente Goulart, disse: "Pois no, pode
falar". Ele levantou, e disse: "Alteza, chamou o presidente Goulart de Alteza. (risos) Ai disse: "Me lembro de que, uma vez, mais
ou menos assim, houve uma fome muito grande nesse Estado, e outro presidente, que era o Getlio Vargas veio aqui, ao RN,
para ajudar a gente a sair da fome da barriga. E hoje veio Vossa Alteza pra ajudar a gente a matar outra fome, a fome da
cabea, a fome do saber". Depois ele disse uma coisa que a imprensa, todo o mundo no deu, no noticiou, ele disse: "Ns
aprendemos aqui, presidente, mais do que assinar o nome, do que ler um bilhete. Ns aprendemos aqui a
mudar, tambm - sim, porque o Joo Goulart tinha citado no discurso dele, a leitura da carta do ABC do pas, que era a
Constituio. E ele disse: "Ns aprendemos, presidente, mais do que ler a carta do ABC do Brasil, aprendemos a mudar ela
tambm." Isso uma coisa fantstica, e esta afirmao dele no foi citada pela imprensa na poca. No foi. Mas ele disse isso.
E deve ter agravado essa frase dele, ele deve ter agravado os lderes do golpe que em seguida se deu. Se deu no
ano seguinte. E eu me lembro que estava presente nessa reunio e ouviu essas frase o general, ento general, o marechal
Castelo Branco. E ele estava presente, e era na poca comandante do IV Exrcito. E ele foi pra l. Mas naquela altura, ora voc
imagina, isso deve ter sido junho de 63. O golpe foi em abril de 64, quer dizer, naquela altura, o Castelo Branco tinha j o
esquema todo do golpe, no h dvida. E ouviu essa frase desse homem. Depois ele falou comigo e disse: "Professor, eu
acho que o senhor defende uma pedagogia sem valores." Eu nunca esqueo desse papo com o Castelo Branco. Eu
disse: "No, general, eu acho que pelo contrrio, eu, no, ele falou uma pedagogia sem hierarquia, parece que era isso. E eu
disse: No, o senhor est equivocado, eu defendo valores e os valores estabelecem hierarquias agora s que o
que que eu acho que a hierarquia que est a montada e estabelecendo princpios, pra ns, est precisando
mudar. Eu acho que est montada em bases injustas, etc ..."E ele falou pra mim: "E o senhor aceita de falar pra ns no
IV Exrcito?" "Falo onde o senhor quiser." Mas no deu mais nem tempo. E eu acho que aquele discurso acabou, n? Porque o
discurso daquele homem no ajudou, de jeito nenhum, o amaciamento do golpe. Deve ter, eu no diria que o discurso do
homem foi causa do golpe, seria uma loucura da minha parte, a histria no to simples assim, mas o discurso
do homem deve ter aguado um pouco as preocupaes conservadoras de ento. Quer dizer, hoje, voc v como a
histria bonita. Um discurso desse hoje no deixaria muita gente demasiado assustada. S um ou outro, mais conservador.
Mas naquela poca, um discurso desse assustaria 99% dos conservadores. [grifos meus] Disponvel em
<http://www.museudapessoa.net>. Acesso em 5 de maro de 2009.
199
KINSLER, Francis R. Relevance and Importance of TEF/PTE/ETE: Vignettes from the Past and Possibilities for the Future.
Ministerial Formation. Genebra, n. 110, april 2008, p. 12. Acessado em 8 de maro de 2009.
200
KINSLER, 2008, Idem.

120

no terceiro mundo ... O pessoal que ficava tambm impressionado com o


mtodo dele ... que hoje universal ... E ele realmente atravs do trabalho
dele no CMI ... se ele tivesse ficado no Brasil talvez esta palavra no fizesse
a histria que fez... A ele criou esta palavra conscientizao ... pegou ... e
hoje, mesmo fora do campo da educao se usa conscientizao (...) e todo
mundo comeava a perguntar: o que isso afinal ... o que
conscientizao? (...) aprender a falar ... aprender a pensar ... era uma
linguagem nova ... educao (...) todo mundo era a favor ... ningum era
contra a educao ... mas ajuntar a educao nessa dimenso ... digamos
claro ... poltica ... isso era um pouco estranho ... pra no dizer chocante ...
de modo que ns tnhamos no Departamento de Educao... o Kennedy
trabalhava l... claro, o objetivo era ajudar a educao primria nos pases
do terceiro mundo, emergentes... na frica por ex ... mas era pra aprender o
b--b ... pra ler ... pra a ler a Bblia ... inicialmente os evangelhos ... pra
201
ler a Bblia ... de modo que Paulo Freire revolucionou tudo isso.

consenso que conscientizao um neologismo, um termo criado em


1955, no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), ao qual se vinculavam
destacados intelectuais e cientistas sociais brasileiros, preocupados com o
desenvolvimento nacional e com a construo de um pensamento brasileiro
autnomo202 e pode significar uma ao tendente a despertar no povo a
conscincia de sua dignidade, dos seus direitos e do contraste entre esses direitos e
a situao de misria e injustia a que estava reduzido.203 Conscientizao um
termo que em Paulo Freire reveste o termo de uma significncia jamais vista.
Mas esta significncia somente foi dada por Paulo Freire no seu contnuo
processo de maturidade intelectual. Ele reconhece que o conceito que tinha de
conscientizao era ainda muito ingnuo mesmo sendo muito utilizado no CMI. Em
1973 ele afirmou que estava ideologizado, ingenuizado como um pequeno burgus
intelectual. (...) E afirmou tambm
Comecei a preocupar-me pelo uso da palavra conscientizao. O desgaste
que sofreu esta palavra na Amrica Latina, e depois na Europa foi tal que
faz cinco anos ou mais que no a utilizo, declarou em 1974. A leitura
menos ingnua do mundo no significa o compromisso com a luta por sua
transformao, e muito menos a prpria transformao em si, como parece
pretender o pensamento idealista, destacava em Paris em 1986, ao receber
204
o prmio Educao para a Paz, da Unesco.

Esta afirmao de Paulo Freire nos indica que ainda no Chile ele j estava
preocupado com a utilizao do termo, pois, para ele a conscientizao mais do
que saber o que se passa ao redor. um ato histrico do ser humano que se liberta

201

Entrevista com Sapsezian.


FREIRE, Ana Maria Arajo. La Pedagogia de la liberation in Paulo Freire: critica y fundamentos. Barcelona: Editora
Grao, 2004, p. 195.
203
AVILA S.J., Fernando Bastos de. Pequena enciclopdia de doutrina social da Igreja. Loyola: 1991, p. 108.
204
FREIRE, Ana Maria Arajo, 2004, idem.
202

121

ao responder aos desafios do seu contexto existencial. E no apenas fazer a


crtica do mundo sua volta. se criar e recriar, pensar e reinventar o mundo,
ser mais, ser sujeito que permite a adaptao e mais, a integrao ao mundo, com
o qual o sujeito se relaciona e dele faz a leitura. E a libertao fruto da
conscientizao.
Em 1968, quando da realizao da Conferncia de Medelln, definida por
Clodovis Boff como o nascimento da Igreja na Amrica Latina, os documentos
utilizam muito a palavra libertao. A anlise feita a partir de Medelln de um
Terceiro Mundo extremamente explorado e carente de libertao, que somente
pode acontecer pelo exerccio da conscientizao. Mas a palavra conscientizao
no aparece. E Boff afirma que
O Documento IV, relativo "Educao" um dos que explicitam de modo
mais forte o tema da libertao. Sete vezes aparece a a palavra
"libertao", "libertar" ou "libertador". H inclusive todo um pargrafo (n. 8)
que explicita o contedo do que chama com todas as letras a "educao
libertadora". Define-a como a que "transforma o educando em sujeito de seu
prprio desenvolvimento" e vista como "o meio-chave para libertar os
povos de toda escravido" (n. 8). Impossvel esconder aqui a forte influncia
205
da "Pedagogia do Oprimido" de Paulo Freire.

No ano de 1969 Paulo Freire estava, de certa forma, desgostoso com a sua
vida no Chile. Isso se dava tambm por questes polticas. Membros do Partido
Democrata Cristo o acusavam por ter publicado uma obra por que atentava contra
a democracia crist e contra o presidente do Chile. Alis, Freire publicou seis livros
quando estava no Chile: 1) Educao como prtica da liberdade que era uma verso
ampliada de Educao e atualidade brasileira, a sua tese apresentada na Escola de
Belas Artes da Universidade do Recife; 2) Pedagogia do Oprimido, entre 1967 e
1868 e seriam publicados pela primeira vez em 1970; 3) Educao e
conscientizao:

extensionismo

rural;

4)

Contribuio

ao

processo

de

conscientizao do homem na Amrica Latina; 5) Ao cultural para a liberdade; e


6) Extenso ou comunicao? A conscientizao no meio rural.
De qualquer forma, a conscientizao est presente nos ttulos e contedos
das obras de Freire at ento e esteve presente nas suas atividades desde a
dcada de 1950, mas ele evitou por um perodo referir-se ao termo, que somente

205

BOFF, OSM. Clodovis M. A Originalidade Histrica de Medelln. Disponvel em <www.sedos.org/spanish/boff. html>.


Acesso em 03 de maro de 2009.

122

voltou a fazer parte de sua fala especialmente a partir de 1974. Antes disso Freire
entendia que o termo estava banalizado.
No CMI Paulo Freire teve, alm da sua contribuio a partir da
conscientizao, uma atuao importante no que diz respeito educao como
prxis libertadora. O perodo no CMI foi de consolidao do seu pensamento.
3.3.2 O Itinerrio do Andarilho da Esperana: Paulo Freire no CMI
A partir dos documentos Acessos na biblioteca do CMI e do Instituto
Ecumnico de Bossey faremos meno de alguns contedos que nos permitem
caminhar com Paulo Freire durante o perodo em que ele trabalhou no CMI. o
itinerrio de uma vida que se entrelaou com muitas outras curiosas por conhec-la.
O primeiro documento (Anexo 1), de fins de 1972 ou incio de 1973, embora
no seja o primeiro produzido por Paulo Freire quando estava em Genebra est
redigido em francs e traz elementos interessantes, pois nele Paulo Freire narra sua
trajetria. Cuidamos de fazer uma traduo livre do texto para o portugus, pois o
documento de Paulo Freire e tem a sua assinatura.
Paulo Reglus Neves FREIRE
Situao familiar:

Nascido em 19 de setembro de 1921, no Recife, Pernambuco, Brasil


Filho de Joaquim Temstocles Freire (falecido) e Edeltrudes Neves Freire.
Casado com Elza Maia Costa Freire, nascida no Recife aos 16 de junho de
1916 (professora, sem exerccio no momento).

Cinco filhos:

Maria Madalena, casada, residente no Brasil;


Maria Cristina, casada com o cidado suo Alberto Hainniger, residente em
Lausanne, Sua;
Maria de Ftima, solteira, residente em Genebra, Sua;
Joaquim Temstocles Freire, 16 anos, estudante do Conservatrio de Msica,
Genebra, Sua;
Lutgardes Costa Freire, 14 anos, estudante da Escola de Voirets, Genebra,
Sua.

Histrico das atividades profissionais e dos problemas polticos

Professor de Sintaxe da Lngua Portuguesa, no Colgio, Recife, entre 1941 e


1947.
1947: diplomado em Direito pela Universidade do Recife
A partir de 1947 eu trabalhei como Diretor do Departamento de Educao e
Cultura do Servio Social da Indstria de Pernambuco. Esta experincia me

123

permitiu apresentar um mtodo original de alfabetizao de adultos,


conhecido mais tarde com o nome de Mtodo Paulo Freire.
Em 1960 obtive meu doutorado em Educao pela Universidade de
Pernambuco. Nomeado professor de Pedagogia nessa mesma Universidade.
1961: nomeado Diretor do Servio de Extenso Cultural da Universidade e
membro do Conselho de Educao do Estado de Pernambuco.
Em 1963 eu dirigi a primeira experincia de alfabetizao de adultos segundo
meu mtodo, no estado do Rio Grande do Norte.
Neste mesmo ano eu fui nomeado pelo Ministro da Educao Nacional, como
Diretor da Comisso Nacional de Cultura Popular e, em seguida, do Plano
Nacional de Alfabetizao de Adultos (Esta experincia, que durou de junho
de 1963 a maro de 1964, foi objeto de muitos estudos de minha parte, que j
relatei nas minhas obras (...)
Em abril de 1964, imediatamente aps o golpe de estado pelos militares, eu
fui preso por 75 dias, em diferentes quartis militares do recife. Fui acusado
de subverso por uma comisso de autoridades militares, responsabilizado,
segundo a Lei de Segurana Nacional, por cometer atos dos quais eu era
culpado, que eu deveria abandonar todo comportamento poltico, qualquer
que fosse e em qualquer data, que seria considerado como um atentado
contra a segurana do Estado.
Depois que fui preso, fui demitido de todas as minhas funes.
Em setembro de 1964 fui liberado pelas autoridades militares do Recife, e
imediatamente convocado a comparecer diante das autoridades militares no
Rio de Janeiro. Confrontado novamente com as mesmas acusaes e diante
da ameaa eminente de uma nova priso, eu me refugiei na embaixada da
Bolvia no Rio de Janeiro.
Em outubro de 1964 as autoridades brasileiras me concederam um salvoconduto para que eu me asilasse na Bolvia. O presidente boliviano que
concordou em me dar proteo caiu 15 dias depois de eu desembarcar no
pas, resultado de um golpe militar.
Ameaado de extradio pelo novo presidente boliviano, que era favorvel ao
regime militar brasileiro, antes que se pronunciassem contra mim, decidi
mudar para o Chile.
Por ser cidado brasileiro, me autorizaram a permanecer provisoriamente no
Chile. Eu fui incorporado ao Instituto de Desenvolvimento Agrrio em
Santiago como Conselheiro e depois como seu Diretor Geral.
Minha colaborao se estendeu, entre 1965 e 1967, a diversos organismos
oficiais chilenos, at que o Ministro da educao,a travs do seu
Departamento de Educao para Adultos adotou oficialmente meu mtodo.
Durante este mesmo perodo eu dirigi seminrios, convite das Naes
Unidas, destinadas a formao de educadores para exercerem suas funes
na Amrica Latina.
Em 1965 eu fui convidado para expor meus conceitos pedaggicos em uma
srie de Conferncias no Centro Intercultural de Formao de Cuernavaca
(Mxico).
Em 1967 eu viajei pela primeira vez aos Estados Unidos, a convite de vrias
universidades (Columbia, Princeton e Harvard) a fim de expor minhas idias
em matria de educao.
Em 1968 eu fui incorporado pela Unesco como Conselheiro especial do
Instituto de Capacitao e Investigao em Reforma Agrria chileno (ICIRA),
prosseguindo assim meu trabalho com o governo chileno.
Para efetuar minhas viagens ao exterior, o governo chileno me concedeu um
documento de viagem que poderia ser solicitado por qualquer cidado

124

estrangeiro residente no Chile e que se encontrasse impossibilitado de


possuir um passaporte da parte do pas do qual era natural. Este documento,
renovvel por dois anos e com uma durao total que no poderia ultrapassar
quatro anos me foi entregue pela primeira vez em 1965, renovado em 1967.
Em abril de 1969, de posse de um novo documento de viagem, entregue pelo
governo chileno, nmero 06137, com validade at 16 de abril de 1971,
prorrogvel, como o documento anterior, por mais dois anos deixei o Chile
acompanhado de minha famlia, para residir nos Estados Unidos, onde fui
nomeado Professor Visitante, alocado no Centro de Estudos para
Desenvolvimento e Mudana Social e em seguida no Centro para Estudos
em Educao e Desenvolvimento da Universidade de Harvard.
Em fevereiro de 1970 eu deixei os Estados Unidos para residir em Genebra,
na Sua, onde fui nomeado como Consultor Especial do Departamento de
Educao do Conselho Mundial de Igrejas. (...)

At esta parte do documento Paulo Freire narra sua histria, que bem
conhecida dos freireanos. A partir deste tpico Paulo Freire passa a descrever como
foi a sua entrada no pas que o acolheu para completar o seu tempo de exlio, Sua.
O que muda no discurso de Paulo Freire a partir daqui que, enquanto estava no
Chile, estava na Amrica Latina. Seu mtodo de alfabetizao, como ele mesmo
descreve acima, foi encampado pelo governo chileno e ele estava trabalhando na
sua prpria construo epistemolgica. Ele j havia produzido seis obras e dentre
elas a sua obra prima, que havia sido publicada em ingls quando ele estava
morando nos Estados Unidos. Ele havia tambm acompanhado e contribudo
epistemologicamente para o despertar da Igreja na Amrica Latina, como pudemos
verificar acima, atravs da Conferncia de Medelln.
No final do ano de 1969, durante o inverno, Paulo Freire estava num impasse.
Tinha muitos convites para trabalhar. Mas tinha tambm seus receios, suspeitas e
posicionamentos ideolgicos. Poderia retornar ao Chile, onde estava ameaado por
conta de seus escritos. Poderia ficar nos Estados Unidos por mais um tempo, mas
como ele mesmo afirmou que queria conhecer a toca do bicho [referindo-se ao
capitalismo], e esta ele j conhecia e no agradava a ele ficar mais por l. esposa
Elza agradava a idia de ficar por mais um tempo. Poderia ir para o Canad [e foi
em junho de 1971], para trabalhar em Universidades em Otawa ou Montreal e tinha
uma carta-convite que chegou a ele do CMI, por conta de uma solicitao feita pelo
ex-padre e socilogo pernambucano Almeri Bezerra de Melo, amigo de Paulo Freire,
juntamente com mais dois sacerdotes catlicos romanos. Bezerra, que era assessor

125

eclesistico da JUC (Juventude Universitria Catlica) na qual usava o mtodo verjulgar-agir fez amizade com Paulo Freire, ao que parece, antes dos anos 60, pois
aps ter concludo o seu curso de ps-graduao na Universidade Catlica
de Paris, mais ou menos no incio do ano de 1963, assumiu a assessoria de
Paulo Freire, ligando-se ao MEB e a todo o Movimento de Cultura Popular
do Recife, tornado-se depois secretrio-executivo e, posteriormente, diretor
do Centro de Extenso Universitria da Universidade Federal do Recife,
206
quando Freire foi para Braslia.

Segundo Bezerra que nesta poca era exilado na Europa, sabendo das
aflies de Paulo Freire (relutante em retornar ao Chile, no querendo morar nos
Estados Unidos ou Canad e, no podendo retornar para a sua terra) dirigiu-se a
Genebra, acompanhado pelo Presidente e pelo Secretrio da Igreja Ps-Conciliar
para negociar a ida de seu amigo para trabalhar no CMI. Paulo Freire aceitou o
convite.
Na continuidade do documento Paulo Freire escreve:

Eu entrei na Sua com o documento de viagem mencionado acima, e obtive


a autorizao de permanncia das autoridades suas (nmero 68241). Esta
autorizao entregue em 14 de fevereiro de 1970 foi renovada em 14 de
fevereiro de 1972 com validade at 14 de fevereiro de 1973.
Em janeiro de 1971, as autoridades chilenas prorrogaram meu documento de
viagem com validade at 28 de fevereiro de 1973. (cf. Anexo 2 Ficha de
arquivo Pessoal de membros da Equipe do CMI)
No residindo mais no Chile depois de trs anos (prazo legal para alm do
qual ningum mais pode ser considerado como residente estrangeiro no Chile
e, conseqentemente, no pode mais pretender a obteno de um novo
documento de viagem ...

Este documento que Paulo Freire no poderia mais renovar era como que um
passaporte. E ele fazia muitas viagens quando estava morando em Genebra. Paulo
Freire continua

206

... eu solicitei ao Consulado do Brasil em Genebra, em setembro de 1972 que


me concedesse um passaporte (...). Perceba-se que em 1969 eu tinha feito
uma solicitao semelhante ao Consulado do Brasil em Boston, e no fui
atendido em minha solicitao.
No que diz respeito minha solicitao de setembro ltimo, o Consulado do
Brasil em Genebra, em sua carta de 28 de setembro de 1972 (...) me
informou que minha pretenso seria transmitida ao Ministrio de Assuntos
Estrangeiros do Brasil, e que uma resposta me seria comunicada assim que
conseguissem.

CORTEZ, Lucili Grangeiro. O drama barroco dos exilados do nordeste. Fortaleza Editora da UFC, 2003, p. 54.

126

Em 14 de novembro de 1972, por comunicao telefnica, um funcionrio do


Consulado do Brasil em Genebra de fez saber que infelizmente nenhum
passaporte me poderia ser entregue.

E Paulo Freire recebeu o seu passaporte brasileiro em junho de 1979, quando


j estava no fim de seu exlio e o Brasil concedeu a anistia, a fico legal de que
todos os seus atos contra a ordem, mesmo que no praticados, estariam
esquecidos.
Desembarcando em Genebra no dia 14 de fevereiro de 1970, Paulo Freire e
sua famlia foram morar em um imvel que ficava um pouco distante do CMI, em 19,
Chemin de Palettes, 1212 Grand-Lancy. No ms seguinte Paulo Freire comeou a
sua jornada de viagens, visitas, aulas, escritos, publicaes, contatos, dilogos,
encontros e homenagens, as quais passamos a descrever.

3.3.3 As viagens de Paulo Freire (cf. Anexo 3)

1970

Maro
No ms de maro Paulo Freire viajou para Black Forrest, na Alemanha e se
hospedou na residncia de Werner Simpfendrfer, que foi Secretrio-geral das
Associaes Ecumnicas das Escolas e Centros de Leigos na Europa. Estes centros
foram instrumentos importantes para a promoo de estudos ecumnicos,
especialmente depois da segunda guerra mundial.207. Nesta viagem Paulo Freire
juntamente com Will Kennedy e Ernst Lange se reuniram durante uma semana para
estudos sobre as suas tarefas como membros do Departamento de Educao do
CMI.

207
KINNAMON, Michael; COPE, Brian E. The Ecumenical movement: an anthology for Keys texts and voices. Genebra: WCC,
1997, p. 447.

127

Will Kennedy208, pastor presbiteriano norte-americano, era o responsvel pelo


Departamento de Educao do CMI, desde que ele fora criado, em 1969 e Ernst
Lange era responsvel pelo Departamento de Formao Ecumnica. Kennedy e
Paulo Freire tinham um olhar semelhante sobre a educao e a consideravam tanto
em seu aspecto escolar quanto no-escolar. Ele e Paulo Freire faziam uma anlise
social e ideolgica da educao e a obra de Kennedy se concentrou nos estudos
sobre o lugar da educao dentro dos grandes sistemas sociais e servindo a
propsitos ideolgicos. Kennedy e Paulo Freire sempre compartilharam a idia de
que a educao no neutra e serve a interesses econmicos. Nesse sentido, o
compartilhamento das idias e olhares sobre a Educao, bem como a anlise que
faziam permitiram uma caminhada extraordinria do CMI no campo educacional.
Abril
No ms de abril Paulo Freire estava em Roma participando de um Seminrio
para Grupos Catlicos Latino-americanos, com a participao de 120 pessoas,
durante uma semana. O Seminrio foi coordenado por Irm Maria Ins e o tema foi
Ao cultural para a liberdade e o papel da Igreja Proftica.
Naquele mesmo ms Paulo Freire embarcou junto com Kennedy para Paris,
Frana, para uma reunio do SODEPAX209. A reunio foi com um grupo que
trabalhava com educao e se reuniram para fazer uma avaliao sobre o tema.
Maio
No ms de maio Paulo Freire esteve novamente em Paris para um Seminrio
de trs dias com estudantes do Centro Internacional de Formao e de Pesquisa
para o Desenvolvimento Harmnico210 (IRFED) e de outras universidades francesas.
O tema deste Seminrio foi Ao Cultural para a Liberdade.

208

Sobre Will Kennedy ver VANN, Jane Rogers. William B. Kennedy. Disponvel em <http://www.talbot.edu/ce20/educators/
view.cfm?n=william_kennedy>
209
Em 1968 o compromisso pela justia entrou no campo ecumnico com a fundao, junto ao Conselho Mundial das Igrejas,
em Genebra, de uma Comisso: SODEPAX (Sociedade Desenvolvimento Paz) com a participao de todas as grandes
Igrejas crists inclusive a catlica com o fim de suscitar e acompanhar, entre todos os cristos, iniciativas comuns diante
dos crescentes problemas de injustias e do desenvolvimento. SODEPAX foi uma grande e audaciosa iniciativa de doutrina e de
praxe social apoiada com coragem, humildade e viso do futuro de Paulo VI, como lugar de encontro entre todos os cristos a
servio da humanidade. In: PIERLI, MCCJ, Francisco. Rumo a uma praxe da famlia comboniana para a transformao
social. Disponvel em < www.combonimediacenter.org>. Acesso em 15 de abril de 2009.
210
O IRFED foi fundado em 27 de maro de 1958 e dirigido pelo padre Joseph Lebret , sob a forma de uma Associao
declarada sem fins lucrativos, atravs da lei de 1 de julho de 1901, da Frana.

128

De Paris Paulo Freire viajou para Bergen, na Holanda, para um dos mais
importantes encontros sobre educao promovido pelo CMI. Entre os dias 17 e 23
de maio o Departamento de Educao do CMI fez uma sria reflexo sobre a crise
mundial da educao e como as igrejas poderiam ser propositivas nesta questo.
Esta Conferncia de educao do CMI, denominada Seeing Education Whole
(Olhando a Educao por inteiro, ou Um olhar integral sobre a educao) resultou
num texto de 126 pginas, publicado pelo CMI intitulado Witness to liberation com a
autoria de Paulo Freire em co-autoria com Tom Paxton, Jacques Prevert, Charles
Hurst, Martins Conway e Ellis Nelson.
Junho
Paulo Freire retornou a Paris em junho para um encontro do Departamento de
Cincias Sociais da Unesco. Neste encontro, que durou uma semana, Paulo Freire
se reuniu com 15 especialistas de diferentes pases para discutir sobre O papel das
Cincias Sociais no processo de desenvolvimento e em seguida viajou para Viena,
na ustria, para um Seminrio sobre Ao Cultural e Revoluo Cultural a convite
de Ernst Winter, que na poca era o diretor do Departamento de Cincias Sociais da
Unesco.
Julho
At o ms de junho de 1970 Paulo Freire faz viagens pela Europa. Em julho
Paulo Freire embarca para um Seminrio sobre O processo de alfabetizao de
adultos como um ato do conhecimento na cidade de Patzcuaro, no Mxico. Neste
Seminrio Paulo Freire trabalhou com 75 educadores latino-americanos. Partindo do
Mxico, Paulo Freire viajou direto para Roma, na Itlia, para um encontro no
SODEPAX sobre o tema Desenvolvimento e Educao. Deduzimos que Paulo Freire
tenha ido para Roma para discutir sobre decises que a SODEPAX tinha tomado em

Conforme seus estatutos, ele se prope a um qudruplo fim:


1. A orientao e a seleo de tcnicos, assistentes e peritos, propondo-se a trabalhar a servio dos pases sub-equipados.
2. A informao e a formao dessas diversas categorias de pessoas, homens e mulheres, originados dos pases bem
desenvolvidos e dos pases sub-equipados, a fim de que se encontrem aptos para participar eficazmente nos diferentes setores
do desenvolvimento harmnico desses pases.
3. A pesquisa com os especialistas de diversas disciplinas dos mtodos mais adequados para assegurar um desenvolvimento
que respeite as diversas civilizaes e culturas.
4. A livre ao com os antigos alunos da Instituio a fim de auxili-los em sua ao e a beneficiar, com a sua experincia, as
regies necessitadas associando-os pesquisa e formao. In: <http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro/
artigos/associacao.htm>. Acesso em 15 de abril de 2009.

129

uma Assemblia realizada em Nemi, Itlia, no ms de junho pois o CMI queria criar
uma Comisso sobre a Participao das Igrejas no Desenvolvimento (CCPD). A
Comisso foi criada no ano de 1970.
Agosto
Em agosto de 1970 Paulo Freire viajou para Amsterd, na Holanda para a
Free University of Amsterdam para um Seminrio de trs dias sobre Ao Cultural
para a Liberdade. Nessa ocasio Paulo Freire, j conhecido foi entrevistado por um
grupo de jornalistas sobre sua experincia educacional na Amrica Latina, Estados
Unidos e no CMI.
Terminado o Seminrio de Amsterd, Paulo Freire proferiu uma palestra
pblica sobre o tema Ao Cultural para a Liberdade. Tambm teve um encontro
privado

como

jovens

telogos

protestantes

tratou

com

eles

sobre

conscientizao, libertao e salvao.


Naquele ms ainda Paulo Freire discursou, na cidade de Haia, no Instituto de
Estudos Sociais, que atualmente est sediado na Universidade Erasmus, na cidade
de Roterd. O Instituto onde Paulo Freire discursou possui a tradio de pesquisas e
estudos na rea de Desenvolvimento.
Setembro
Paulo Freire viajou para Loccum, na Alemanha para participar de um encontro
da DEA Committee. No h nenhuma explicao do que seja o/a DEA.
Suspeitamos que seja a Diakonie Emergency Aid, tambm conhecida como
Diakonie Katastrophenhilfe, uma organizao que auxilia pessoas nas reas
afetadas por desastres naturais, guerras e outras situaes que necessitam de
reconstruo.
Outubro
Paulo Freire viajou para Bonn para um Seminrio sobre Ao Cultural para a
Libertao e o papel dos Voluntrios do Primeiro Mundo nas suas atividades no
Terceiro Mundo. Neste mesmo ms Paulo Freire retornou para a Sua a fim de
participar de um curto Seminrio sobre Ao Cultural para a Liberdade em reas

130

rurais da Amrica Latina. Na segunda parte do Seminrio Paulo Freire trabalhou o


tema Ao Cultural na Europa, seus obstculos e suas possibilidades. Paulo Freire
ainda viajou neste ms para uma pequena cidade chamada Dunblane, na Esccia,
onde se encontrou com Ian Fraser e discutiram sobre o tema Ao Cultural para a
Liberdade e suas implicaes teolgicas.
Neste ms foi publicado um artigo em ingls, de 12 pginas, intitulado O
Processo Poltico de Alfabetizao: uma introduo211 que foi traduzido no ms
seguinte para o alemo e, no ano seguinte para o francs e italiano.
Novembro
Paulo Freire esteve em Londres, Inglaterra, onde se encontrou com um grupo
de catlicos para debater sobre o tema Ao Cultural e o papel das Igrejas. Ainda
viajou para Roma, para participar de um Seminrio com os Superiores Gerais das
Ordens Religiosas. Neste Seminrio Paulo Freire apresentou, para mais de 300
participantes um artigo intitulado O processo de humanizao e suas implicaes
educacionais. O Seminrio, denominado Amanh comea Ontem, foi organizado
pelo padre jesuta John Blewett, atravs do EDUC-Internacional, um organismo do
qual era co-fundador e presidente, poca. O EDUC-International agrupa uma
extensa rede de ensino de vrias ordens religiosas catlicas masculinas e femininas.
Bleweet era um jesuta comprometido com as questes educacionais, e publicou
mais de 40 artigos sobre questes educacionais na ndia, Leste Asitico, Amrica
Latina e Estados Unidos. Ele tambm se ocupava de questes tais como
desenvolvimento scio-econmico, movimentos estudantis e educao das minorias
e dos Jesutas a postura de colaborao. Blewett faleceu em 2003 e foi o quarto
presidente da Universidade Gregoriana de Roma, segundo dados da prpria
Universidade.
Dezembro
Neste ms Paulo Freire retornou a Paris para um Colquio no INODEP
(Instituto Ecumnico para o Desenvolvimento dos Povos). Neste Colquio Paulo

211

FREIRE, Paulo. The political literacy process: An Introduction. Lutherische Monatschefte, Hannover, Alemanha, 1970
(artigo mimeografado).

131

Freire fez uma discusso sobre O papel do INODEP, suas escolhas, seu
compromisso com a ao cultural para a liberdade. Desse encontro participaram trs
telogos, incluindo Werner Simpfendrfer com os quais se discutiu tambm a
relao entre a Teologia e a Educao par a Libertao.
Hughes de Varine, muselogo e professor francs, numa entrevista a uma
revista, fez algumas consideraes sobre Paulo Freire no que diz respeito ao
INODEP. Ele escreveu que se encontrou com Paulo Freire nos anos de 1970 e
1971.
Antes do encontro com Paulo Freire, Varine diz que se ajuntou a um grupo de
missionrios catlicos franceses, que eram crticos maneira de se fazer misso
impondo um universalismo cristo ocidental (que, segundo ele era a cooperao
pelo desenvolvimento), e decidiram fundar
uma organizao no-governamental de vocao internacional e
composio ecumnica (sobretudo catlicos e protestantes), para promover
novas formas de cooperao ao desenvolvimento. Foi o Instituto Ecumnico
para o Desenvolvimento dos Povos (INODEP), que agora desapareceu mas
que foi muito ativo durante quase 20 anos na Europa, frica, sia e Amrica
Latina, notadamente como suporte ao comunitria nesse campo.
Procuramos desde o comeo uma personalidade eminente para presidir
esta associao, algum que poderia no apenas dar orientao ideolgica,
mas tambm nos formar na ao. Sugeriram-nos Paulo Freire que era
ento, no exlio, conselheiro para a educao no Conselho Ecumnico das
Igrejas em Genve. Eu o encontrei pela primeira vez indo v-lo em Genve
para lhe propor essa presidncia. Em seguida, durante 3 anos, at 1974,
pude trabalhar com ele, sendo eu mesmo responsvel pelo sector francs,
que assegurava a gesto financeira da organizao. E naturalmente, li suas
obras em ingls ou francs quando estavam disponveis. Minha participao
no INODEP era absolutamente voluntria e independente do meu trabalho
como director do ICOM, mas pude, naturalmente utilizar o que aprendia com
212
Paulo no INODEP no meu trabalho no ICOM.

Varine tambm faz um importante comentrio. Ele diz que se lembra muito a
recusa brasileira de autorizar a Unesco a convocar Paulo em Santiago213 no ano de
1972. Como veremos adiante, Paulo Freire esteve em Santiago, contrariando a
presso do governo brasileiro sobre a Unesco.

212
RESPOSTAS de Hugues de Varine s perguntas de Mrio Chagas. Cadernos de Museologia, n. 5, 1996, p. 8. (Texto
bilnge: portugus e francs).
213
RESPOSTAS de Hugues de Varine s perguntas de Mrio Chagas. Cadernos de Museologia, idem.

132

Ainda em dezembro de 1970 Paulo Freire teve um novo encontro com Werner
Simpfendrfer e Ernst Lange na cidade alem de Frankfurt no qual trataram sobre o
tema da Ao Cultural para a liberdade.

1971

Janeiro
Paulo Freire inaugura suas viagens no ano de 1971 na cidade de
Cuernavaca, no Mxico onde ficou por duas semanas para realizar um Seminrio
sobre Processo de Alfabetizao como um ato do conhecimento e os riscos da
conscientizao (idealismo, objetivismo). Participaram deste encontro 300 pessoas
da Amrica Latina.
Fevereiro a Abril
Entre os meses de fevereiro e abril Paulo Freire passou 8 dias na cidade de
Cambridge, no Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, em um workshop
sobre Processo de conscientizao e a realidade americana. Neste encontro
participaram 45 pessoas, dentre elas cientistas sociais, educadores e pessoas
comuns. Paulo Freire tambm fez um discurso pblico na Universidade de Harvard.
Dos Estados Unidos ele viajou para Santiago, no Chile, onde iniciou sua
colaborao oficial com o governo chileno atravs do CMI. Nesse tempo Paulo
Freire tambm manteve conversas nos Estados Unidos e Canad.
Maio
O ms de maio foi de intenso trabalho para Paulo Freire. Ele retornou, como
no ano anterior, ao Instituto de Estudos Sociais na cidade de Haia, na Holanda, para
um Seminrio sobre Ao cultural e libertao. Participaram deste Seminrio um
grupo de 30 estudantes oriundos da frica, Amrica Latina e sia.

133

De Haia Paulo Freire foi para Amsterd onde se encontrou com um grupo de
pessoas que trabalhavam de forma ecumnica os diferentes modos de ao cultural.
Saindo da Holanda, Paulo Freire foi para a cidade de Bruxelas, na Blgica para um
Seminrio sobre Conscientizao e Evangelizao no Instituto Internacional de
Catequese e de Pastoral.
Deixando a Blgica, Paulo Freire foi para Paris onde participou de um
Encontro com o Comit Catlico. O tema do Encontro foi Conscientizao,
Libertao e Salvao. Ainda em Paris ele participou de um Seminrio com o IRFED
sobre a Pedagogia do oprimido. a primeira vez que Paulo Freire vai tratar de sua
obra prima em um Seminrio.
Junho a Agosto
Em junho Paulo Freire viajou para Lyon, na Frana. De Lyon foi a uma
comunidade pequena prxima, chamada Eveux, onde participou de uma
Conferncia com o European Students Pastors (Estudantes Pastores Europeus).
Da Frana Paulo Freire viajou para o Canad onde participou de duas
atividades. [1] Em Ottawa realizou um Seminrio sobre um tema do qual tinha
trabalhado em outubro passado na Alemanha: O papel dos voluntrios do Primeiro
Mundo em suas atividades no Terceiro Mundo. O seminrio aconteceu na Canadian
University Overseas Service. [2] A outra atividade foi um workshop patrocinado pelo
Centro de Estudos de Desenvolvimento e Mudana Social da Universidade de
Harvard. O documento no claro, pois registra a realizao do workshop em
Montreal. Os temas deste workshop foram: a) Ideologias, Epistemologia e as
Cincias Sociais; b) Ao Cultural, Conscientizao e Revoluo Cultural. Paulo
Freire registra a participao de um grupo de cientistas sociais, de educadores e do
Prof. Paul Lin neste workshop.
Paul Lin era uma das grandes personalidades sino-canadenses. Nascido na
China, foi muito jovem para o Canad onde teve toda a sua formao escolar e
acadmica, sendo lder destacado durante as tensas relaes da China com o
Ocidente. Lin ficou conhecido por ter abandonado o doutorado em Harvard para
retornar a China, onde trabalhou por 15 anos (de 1949 a 1964). Em 1958 Lin

134

participou de um movimento na China no qual os intelectuais abandonavam as


cidades para se dedicar ao trabalho com os pobres nas reas rurais. Inferimos que o
tema do workshop (Revoluo Cultural) o instigou participao e Paulo Freire fez o
destaque da sua presena. Paul Lin faleceu em 2004.
Do Canad Paulo Freire viajou para os Estados Unidos. Na cidade de
Norwalk Paulo Freire participou de um Seminrio com um grupo de negros e portoriquenhos que tinham a inteno de organizar um Centro Cultural para aplicar suas
idias em educao. Findo o Seminrio, Paulo Freire foi para um encontro com
antroplogos e estudantes de ps-graduao da Universidade de Connecticut.
Nesse encontro Paulo Freire tratou do tema Realidade americana e conscientizao.
Em Boston Paulo Freire trabalhou por cinco dias em dois Seminrios. O
primeiro deles, com durao de dois dias denominado Red Pencil214 (Lpis
Vermelho) contou com a participao de um grupo de jovens educadores (ligados ao
Sindicato) que eram engajados no tema da Ao cultural e libertao.
O segundo Seminrio em Boston, que durou trs dias, semelhana do
Seminrio de Norwalk, contou com a participao de negros e porto-riquenhos.
Saindo dos Estados Unidos Paulo Freire dirigiu-se para a Amrica Latina,
indo para o Chile e Peru. Nestes dois pases Paulo Freire desenvolveu, durante a
estada, importantes trabalhos. Em Santiago, no Chile, Paulo Freire trabalhou na
preparao a Assemblia do Conselho Mundial de Educao Crist (WCCE). Na
dcada de 1960 o WCCE estabeleceu seu escritrio para Genebra e passou a
desenvolver atividades em conexo com o CMI. No ano de 1968 o WCCE e CMI
organizaram um grupo de trabalho conjunto visando estudos para a adeso plena do
organismo ao CMI. Depois de trabalhar na organizao da Assemblia do WCCE
Paulo Freire discursou na Universidade Catlica de Santiago e encontrou-se com o
Ministro da Agricultura e com o Diretor do ICIRA. Neste encontro discutiram sobre os
aspectos da sua contribuio com o governo democrata-cristo do Chile.

214

O Red Pencil foi, entre os anos de 1969 e 1972 um folhetim impresso e distribudo por professores e tratava de temas
sobre educao/pedagogia e ativismo social.

135

Em Lima, no Peru Paulo Freire participou da Assemblia do WCCE como


consultor especial sobre o tema Educao: Crise e Esperana. A participao de
Paulo Freire nesta Assemblia foi importante, pois o WCCE aderiu plenamente ao
CMI, em seus Programas de Educao.
Nos interstcios das viagens...
Nesse tempo que vai de maio a agosto o CMI recebeu algumas cartas em
que o nome de Paulo Freire aparece. Uma delas (Anexo 4) trata dos Custos da
Proposta de `Curso para Escritores, datada de 6 de maio de 1971, na qual Nathan
Shamuyarira, Secretrio de Assuntos Internacionais da Unio Nacional Africana do
Zimbabwe escreve
Ns planejamos realizar o primeiro curso para escritores do Zimbabwe para
agosto deste ano. Ns gostaramos de saber se possvel acordar com o
Professor Paulo Freire para vir em agosto, e Richard Hauser para um segundo
[curso] possivelmente em setembro.
Como eu disse, durante nosso ltimo encontro do PCR em Genebra,
pretendemos convidar 20 escritores do Zimbabwe, e 5 dos pases da frica do
Leste e Centro, num total de 25.

A resposta do CMI (Anexo 5), depois de uma troca de cartas, foi encaminhada
por Charles Spivey Jr. a Shamuyarira nos seguintes termos:
Eu confirmei a disponibilidade de Paulo Freire para a conferncia na data
proposta. Ele [Paulo Freire] pediu para que voc faa contato direto e
imediatamente com ele. Como ele est no Peru agora, por mais duas semanas,
pode ser que ele se atrase.

Em 13 de julho de 1971 Nawaz Dewood, respondeu pelo CMI, atravs de


carta (Anexo 6) a Shamuyarira o seguinte:
Eu fui informado que Paulo Freire provavelmente estar em Mindolo entre os
dias 11 e 21 de setembro. Estas datas so satisfatrias? Eu tambm gostaria de
saber as datas do curso todo pois pretendo estar por alguns dias conforme
acordado. Tenho plano de estar em Lusaka entre os dias 18 e 23.

Setembro
Todo o ms de setembro Paulo Freire se dedicar frica. Ele viaja para
Zmbia e Tanznia. A passagem pela Zmbia foi rpida. No pas Paulo Freire

136

esteve no Centro Ecumnico de Mindolo, onde realizou um Seminrio sobre Ao


Cultural e Libertao. Ele desembarcou na capital da Tanznia no dia 12 de
setembro, conforme a carta (Anexo 7) datada de 13 de setembro e na qual escreve:
Paulo Freire desembarcou aqui ontem. Como solicitei, o Instituto de Educao
nesta Universidade [Dar-es-Salaam] est marcando entrevistas para ele em Dares-Salaam. Eu me comunicarei com voc nas prximas cartas a respeito do
curso (...)

No perodo em que Paulo Freire esteve na Tanznia foi possvel seu contato
com um professor brasileiro, baiano e negro, reconhecido como um dos maiores
gegrafos do planeta: Milton Santos. Na dcada de 1970 Milton Santos foi
responsvel pela organizao do Curso de Ps-graduao em Geografia da
Universidade de Dar-es-Salaam. Seu exlio foi uma verdadeira via sacra.
Paulo Freire produziu um relatrio sobre a sua passagem pela Tanznia neste
perodo e retornou ao pas no ano seguinte para uma estada mais longa.
As impresses acerca da pessoa de Freire na frica foram apresentadas
numa correspondncia (Anexo 8) datada de 19 de setembro que diz:
Paulo Freire uma personalidade muito estimulante e desafiadora, tanto para
falar quanto para ouvir. Ele deixou uma excelente impresso aqui na
Universidade, tanto entre os ativistas do processo libertador, quanto entre os
marxistas-leninistas. Sua palestra programada para durar uma hora passou para
duas. Pena que ele nos visitou num perodo em que nossos estudantes esto de
frias.
Todas as pessoas aqui at o Vice-Chanceler (Vice-Reitor), gostaramos de v-lo
novamente aqui para ficar por mais tempo ensinando, conversando, palestrando,
etc. Eu no recebi um relatrio detalhado de Lusaka sobre o curso para
escritores, realizado recentemente em Mindolo. [A carta de 22 de setembro
Anexo 9, responde como foi o curso] Paulo Freire nos deu a impresso de que
foi um bom curso, mas o nmero de participantes foi muito menor que esperado.
Eu no sei ainda o que aconteceu com os outros dez ou mais participantes.

Por enquanto estavam encerradas as atividades na frica e Paulo Freire


retornou para a Europa. Quando chegou Sua Paulo Freire recebeu uma carta de
Ross Kidd, da Division of Extra Mural Services, da Universidade de Botswana,
Lesotho e Swazilndia na qual lamentava no poder ter ido a Zmbia, para o curso
no Centro Ecumnico de Mindolo e anexava um Projeto de Alfabetizao de Adultos
inspirado no Mtodo Paulo Freire. A carta e a pgina do Projeto que contm as
palavras geradoras encontram-se no Anexo 10.

137

E, especialmente, a Tanznia foi a porta de entrada para Paulo Freire na


frica. No Anexo 11 temos um quadro completo das viagens de Paulo Freire para a
frica.
Outubro
Neste ms Paulo Freire viajou para a Alemanha em companhia de Werner
Simpfendrfer e Will Kennedy. O motivo da viagem foi para participar de um curso
sobre Educao de Adultos oferecido para pastores. E tambm para assessorarem
um encontro sobre Educao de Adultos e a Igreja, organizado por Ernst Lange.
Da Alemanha Paulo Freire se dirige para Paris para participar de dois
Seminrios. O primeiro deles sobre Ao Cultural e Desenvolvimento, promovido
pelo IRFED e o segundo sobre Ao Cultural para a Libertao e o papel proftico
da Igreja, promovido pelo INODEP.
Novembro
Paulo Freire esteve, neste ms, na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos e
na cidade de So Jos, na Costa Rica. No h detalhes das atividades que foram
desenvolvidas por Paulo Freire neste ms de novembro.
Nesse meio tempo... nasce o IDAC
Mesmo com tantas viagens e compromissos, Paulo Freire organizou tempo
para se encontrar com brasileiros exilados na Europa. Neste ano de 1971 Paulo
Freire, generosamente, convida um grupo para
ajud-lo a responder aos inmeros convites que recebia para seminrios e
palestras. Nasce, assim o Instituto de Ao Cultural, cujo nome vem do titulo do
ltimo livro de Freire Cultural Action For Freedom. Cinco brasileiros, um
americano e uma alem, sem um oramento, sem plano claro de trabalho mas
com tudo a ganhar e nada a perder com esta aventura.215

215

OLIVEIRA, Miguel Darcy. IDAC. Disponvel em <http://www.bancodehoras.org.br/bem_vindo/idac.html> Acesso em 10 de


abril de 2009.

138

1972

Janeiro
No dia 19 de janeiro Paulo Freire, Werner Simpfendrfer e Will Kennedy
foram a Berna, capital da Sua, para um encontro de Comisses da Unesco. Os
trs tiveram participao ativa, discursando no Encontro.
Paulo Freire foi tambm a Bruxelas no ms de janeiro para ministrar um
Curso sobre a Prxis da Conscientizao, no Instituto Lumen Vitae216, conforme
atesta a Irm Claire-Marie Jeannotat, do CMI, quando apresentou um relatrio217,
provavelmente o que Paulo Freire teria produzido quando do seu retorno da
Tanznia.
Fevereiro
Paulo Freire esteve no comeo do ms em Viena, na ustria. No dia 14 ele
viajou para a Inglaterra, para a cidade de Iorque para se encontrar com Ian Lister
que na poca era professor do Departamento de Educao da Universidade de
Iorque onde Paulo Freire realizou um Seminrio sobre Educao.
Ian Lister foi Diretor de Pesquisa do Programa Nacional de Poltica de
Alfabetizao do Reino Unido na dcada de 1970 e por isso tinha interesse nas
idias de Paulo Freire. Na obra Politics of liberation: paths from Freire218 de autoria
de McLaren e Lankshear o captulo 3 um texto de Ian Lister intitulado
Conscientization and political literacy: A British encounter with Paulo Freire em que
ele trata do encontro com Freire e da aplicao das suas idias, especialmente no
que diz respeito conscientizao no campo educacional nas escolas inglesas.
Maio

216

O Instituto Lumem Vitae, uma instituio que oferece cursos e publica uma Revista Internacional sobre Catequese e
Pastoral. Possui convnio com a Universidade Catlica de Louvain.
217
GADOTTI, Moacir. (Org.) Paulo Freire: uma biobliografia, 2001, p. 129.
218
LISTER, Ian. Conscientization and political literacy: A British encounter with Paulo Freire. In: McLAREN, Peter; LANKSHEAR,
Colin. Politics of Liberation: Paths from Freire. Florence/KY/EUA: Routledge Pub, 1994.

139

Entre os dias 3 e 6 viajou para Berlim, na Alemanha, para um Encontro na


Fundao Alem para os Pases em Desenvolvimento e em seguida viajou para Bad
Honnef, uma cidade prxima a Bonn, onde participou de um Encontro organizado
por Edda Eisenlohr, que Paulo Freire conheceu em Cuernavaca, no Mxico.
Participaram do Encontro Cornlia Edding, uma consultora sobre Desenvolvimento
Organizacional, Thomas Loeb e mais 13 pessoas. A maioria dos participantes deste
Encontro em Bonn trabalhava em Fundaes que se ocupavam com questes
educacionais. Neste encontro foi discutido [1] Pedagogia do oprimido; [2] Os efeitos
polticos da alfabetizao e sua significncia para os processos de desenvolvimento;
[3] A possibilidade de aplicao do Mtodo [de Paulo Freire] para o trabalho poltico
com europeus e [4] O ensino de lnguas estrangeiras e a alfabetizao exemplos
prticos bem como aspectos tericos.
Maio e Junho
Entre os dias 10 de maio e 15 de junho Paulo Freire esteve em Nova Iorque e
depois viajou para o Chile para atividades de consultoria do Programa de Educao
do ICIRA. No restante do ms de junho Paulo Freire foi para a Tanznia, frica.
Julho
Paulo Freire estava na Tanznia desde a segunda metade do ms de junho e
permaneceu at o dia 23 de julho no pas, observando e contribuindo em vrias
atividades prticas no campo educacional como Seminrios sobre Educao. Paulo
Freire se encontrou com educadores experientes que trabalhavam tanto nas reas
urbanas quanto rurais. Paulo Freire teve contato com o Prof. I. N. Kimambo, que era
o Chefe do Gabinete Acadmico da Universidade de Dar-es-Salaam e com Bud Hall,
um educador de jovens e adultos. Hall trabalhou na Tanznia entre os anos de 1970
e 1974. Nesta poca o presidente da Tanznia era Julius Nyerere, cognominado O
Professor que muito contribuiu para a emancipao de vrios povos da frica.
Setembro a Dezembro
Nesses meses Paulo Freire retornou s suas atividades na Europa. Foi a uma
reunio do INODEP em Paris no ms de setembro. Em outubro esteve em Londres.

140

Entre os dias 11 de novembro e 12 de dezembro Paulo Freire esteve em Hamburgo,


na Alemanha, e em Paris para outro encontro no INODEP.

1973

Fevereiro
Paulo Freire retomou suas viagens no dia 22 de fevereiro indo para a cidade
de Zurique, na Sua. Foi acompanhado de Will Kennedy e Werner Simpfendrfer
para um Seminrio na Paulus Akademic. Alm destes participaram do Seminrio 30
estudantes, dos quais alguns j tinha discutido a Pedagogia do oprimido e Max
Keller da Paulus Akademic alm de Sonderegger e Straub, ambos da Universidade
de Zurique e Pfarren Wildbolz.
Maro
No dia 2 de maro Paulo Freire fez um discurso numa Faculdade de
Formao de Professores (Teachers Training College) de Basel, na Sua. No dia 8
ele participou de um debate organizado por Pierre Further sobre Motivao de
adultos para estudar e a experincia de Paulo Freire para um pequeno grupo de
estudantes do Curso de Psicologia Industrial da Universidade de Neuchatel. Para a
Faculdade de Letras da mesma Universidade Paulo Freire fez um Seminrio sobre
Pedagogia.
Maio
Entre os dias 3 e 20 de maio Paulo Freire esteve na ndia, com uma agenda a
cumprir.
Nos dias 4 e 5 teve encontros fechados em Nova Delhi com a AIACHE (All
India Association for Christian High Education) que uma Associao Ecumnica
que rene instituies crists de ensino catlicas, protestantes e ortodoxas, visando
o trabalho conjunto para atender necessidades e servir s comunidades nacionais.

141

Entre os dias 7 e 12 Paulo Freire este participando de um Seminrio Nacional


sobre Educao e Mudana Social no Centro Ecumnico de Bangalore.
O restante da viagem, de 13 a 20, Paulo Freire tratou sobre Educao nas
cidades de Bangalore, Madras, Hyderabad e Nova Delhi. Tambm participou de um
Seminrio organizado por J.P. Nalk, Assessor do Ministro da Educao da ndia.
Tambm foi organizado um encontro de Paulo Freire com o Primeiro Ministro da
ndia.
Junho
Paulo Freire viajou para a Inglaterra e no dia 23 recebeu o ttulo de Doutor
Honorrio pela Open University, com mais nove pessoas. Trocou correspondncia
com Walter James, Chanceler da Open University. Entre os dias 25 e 29 Paulo
Freire percorreu vrias cidades da Alemanha. Nos dias 25 e 26 esteve em Marburg,
dia 27 e 28 em Tbingen palestrando para estudantes.
Novembro
Paulo Freire passou uma semana na Argentina trabalhando para o governo.
Dezembro
A Universidade de Berna, capital sua, organizou um encontro de final de
semana (dias 1 e 2) com o tema Conscientizao Poltica na Sua. Um dos
objetivos deste encontro era relacionar a experincia de Paulo Freire na Amrica do
Sul com a situao da Sua. Com isso os organizadores do Encontro pretendiam
estimular os participantes para um trabalho educacional mais poltico.
No dia 4 de dezembro Paulo Freire estava em Oxford, na Inglaterra, para um
Seminrio sobre Desenvolvimento junto ao Departamento de Educaao da
OXFAM.219 Entre os dias 5 a 7 Paulo Freire juntamente com David Miliwood,
Claudius Ceccon e Gerald Belkin foram os palestrantes da Conferncia sobre
Conscientizao com a Christian Aid (Ajuda Crist) na cidade de Londres, Inglaterra.
219

A OXFAM (Oxford Committee for Famine Relief) ou Comit de Oxford de Combate Fome uma organizao nogovernamental criada em 1942, durante a Segunda Grande Guerra, com a finalidade de atender populaes que sofrem fome e
injustia. Tem sua sede em Oxford, Inglaterra e escritrios em vrias cidades do planeta. Atualmente a OXFAM constituda de
13 organizaes internacionais e mais de 3000 parceiros.

142

Entre os dias 7 e 11 Paulo Freire foi para a Sucia, para uma srie de
Seminrios e Encontros. O primeiro deles foi com professores e estudantes da
Universidade de Gothenburg. Na seqncia fez um Seminrio com crculos de
estudos universitrios em Estocolmo e dois Seminrios especficos: um para
estudantes e outro para professores da Universidade de Estocolmo.
Paulo Freire, ainda em Estocolmo, fez um Encontro informal com algumas
pessoas envolvidas com a atividade de educao crist, especialmente aquelas
interessadas em educao para a libertao e educao no-escolar, ligadas s
Sociedades Missionrias suecas. Tambm se encontrou com professores e
pesquisadores do Instituto de Pedagogia da Universidade e com lderes missionrios
suecos. Nesse tempo Paulo Freire tambm teve um curto encontro com pessoas do
Conselho Ecumnico Sueco.
Paulo Freire fez uma palestra pblica com a Dag Hammrskjl Fundation sobre
Pedagogia da liberdade e desenvolvimento. Visitou a Associao dos Escritores
suecos e fez um Seminrio com a equipe da SIDA (Agncia Sueca de Cooperao
Internacional e Desenvolvimento). Tambm visitou o Instituto Latino-americano de
Estocolmo. Encontrou-se com missionrios estrangeiros e com algumas pessoas da
organizao Democracia Sueca.
Paulo Freire visitou o Ministro da Educaao da Sucia e fez muitos contatos
na cidade. Dentre estes Walter Persson das Sociedades Missionrias Suecas; Sven
Hamrell, da Dag Hammrskjol Fundation; Elizabeth Kvarnbck, da SIDA; Mariane
Maglund, que Freire encontrou em Estocolmo e posteriormente em Genebra; Carol
Berggren, pesquisadora sobre alfabetizao, especialmente a partir dos livros para
crianas e Stig Lindholm, que Paulo Freire encontrou primeiro em Paris e depois em
Estocolmo e que ficou sendo o contato sueco com o IDAC. Assim findou o ano de
viagens do ano de 1973.

143

1974

Janeiro
Paulo Freire iniciou a sua srie de viagens pela Alemanha. Esteve em
Tbingen onde contatou com Gilberto Calcagnotto, brasileiro gacho, radicado na
Alemanha. Nos dias 25 e 26 de janeiro Paulo Freire viajou para a Dinamarca onde
participou de um Encontro organizado pela Universidade de Aarhus e o SCM, que
um organismo do governo responsvel por Gesto de Suprimentos. No dia 25
Jrgen Lissner falou sobre Educao para uma alimentao saudvel e no dia 26
Paulo Freire falou sobre Educao para a Libertao.
Fevereiro
Nos dias 4 e 5 Paulo Freire esteve em Bruxelas, na Blgica. Foi ao Centro
Internacional de Estudos de Formao Religiosa, visitou o Instituto Lumen Vitae e
fez contato com o seu Diretor, o jesuta Jean Bouvy.
Abril e Maio
Nestes dois meses Paulo Freire fez uma de suas mais longas viagens. Ele foi
para a Oceania. Paulo Freire ficou de 16 de abril a 19 de maio no novssimo
continente. De 18 de abril a 5 de maio ficou na Austrlia; de 5 a 8 de maio na Papua
Nova-Guin; de 8 a 15 na Nova Zelndia e 16 a 17 nas Ilhas Fiji. A viagem foi
organizada por Cliford Wrigth, da Comisso de Educao Crist, residente em
Melbourne.
Abril
No dia 18 de abril Paulo Freire teve uma coletiva de imprensa na Scots
Church Hall. No dia 19 teve um encontro com os Aborgenes. No dia 20 ministrou
uma Conferncia de fim de semana sobre o tema Educao para a Libertao e a
Igreja que contou com a participao de 68 pessoas. No dia 22 Paulo Freire se
reuniu na casa de Cliford Wright para discutir o tema pobreza e fez uma palestra
pblica na Fitzroy Town Hall. No dia 23 Paulo Freire foi entrevistado pela ABC TV;

144

participou de um Encontro com estudantes da Universidade de Melbourne. Ele relata


que fez uma refeio, neste dia, com Dr. Joseph. A ltima atividade do dia 23 foi o
encontro com um pequeno grupo de pessoas inovadoras no ensino, na residncia
de Cliford Wright.
No dia 24 Paulo Freire almoou com o sindicalista Max Ogden e fez uma
Conferncia sobre Educao para a Liberdade e a Comunidade com a participao
de 90 pessoas.
No dia 29 Paulo Freire foi para Canberra. Contatou com Margareth Bearlin, da
Escola de Educao de Professores. Teve um encontro com o Secretrio do Ministro
da Educao, Sr. Sligar, e fez um Seminrio na Faculdade Camberra de Educao
Avanada para 60 pessoas.
No dia 30 Paulo Freire teve uma entrevista com Harry Penrith e mais 20
pessoas, todas aborgenes e envolvidas com o Departamento do Governo Federal
sobre Assuntos Aborgenes. No comeo da noite Paulo Freire, juntamente com
familiares da casa de Vaughan e Elizabeth Hinton e Tom e Ellen Whelan jantaram
com o aborgenes.
Maio
No dia 1 de maio Paulo Freire encontrou-se novamente com o povo
aborgene e no comeo da noite teve um encontro com Ross Poole220. No dia 2
Paulo Freire participou de um Programa da Radio ABC, o PM Programme e teve
um Encontro com um grupo de 45 pessoas em Redfern. importante destacar que
Redfern um bairro perifrico de Sidney com concentrao massiva de aborgenes,
imigrantes e pobres, semelhana dos bairros/redutos pobres da frica do Sul.
Menos de uma dcada antes de Paulo Freire estar na Austrlia houve um confronto
da populao de Redfern com o governo que decidiu derrubar vrias casas e
expulsar 300 pessoas do lugar para construir um centro de triagem dos correios. No
dia 3 Paulo Freire encontrou-se novamente com a populao aborgene em
companhia de Terry Widders, um historiador e lingista que se ocupa de estudar

220

Ross Poole um filsofo australiano formado pela Universidade Macquarrie. autor de muitos artigos sobre nacionalismo,
tica, modernidade, multiculturalismo e direitos dos povos aborgenes. Ele escreveu obras importantes e dentre elas Moralidade
e Modernidade e Nao e Identidade.

145

populaes nativas e sobre o termo indgena. Widders era ligado ao Conselho


Australiano de Igrejas e especificamente no Comit de Desenvolvimento dos povos
Aborgenes.
Nos dias 5 a 8 de maio Paulo Freire esteve em Papua Nova-Guin ou Port
Moresby. No dia 5 Paulo Freire estava no sul do pas, na regio de Waigani, onde
participou de um Seminrio. Tambm esteve no Departamento de Pesquisa e
encontrou-se com Alan Randall, do Comit de Consulta sobre o Desenvolvimento da
Universidade Nacional da Austrlia.
Entre os dias 8 e 15 de maio Paulo Freire esteve na Nova Zelndia onde teve
um Encontro oficial com Margareth Reid, Secretria Geral da Comisso de
Educao das Igrejas da Nova Zelndia, na cidade de Wellington. Paulo Freire
destaca a hospitalidade de trs pessoas nesse perodo de viagem: Athol Duke, de
Auckland; Jim Delahunty, de Wellington e o Prof. Graham Nu(a)than de
Christchurch. Nestas trs cidades [Auckland, Wellington e Christchurch] Paulo Freire
participou de Encontros e Palestras.
Entre os dias 16 e 19 Paulo Freire esteve em Fiji. Encontrou-se com Galuefa
Aseta, representante da Conferncia de Igrejas do Pacfico e do Programa de
Educao Crist e Comunicao da regio. Encerrada a viagem pelo Pacfico, Paulo
Freire retorna a Genebra e se prepara para viajar para a Amrica Latina.
Julho
Neste ms, entre os dias 1 e 5, Paulo Freire estava em Lima, no Peru, para
participar de um Encontro do CELADEC (Conferncia Latino-americana de
Educao Crist). Participou do Encontro na qualidade de consultor para a
Educao.
Setembro e Outubro
Paulo Freire viajou para Koole, na Inglaterra e entre os dias 10 e 14 de
setembro participou como Consultor da rea social de uma Conferncia organizada
pela Koole University. O tema da Conferncia era Novas tarefas para a Educao de
Adultos. Os contatos de Paulo Freire para participar desta Conferncia eram os

146

Professores Roy Show, do Departamento de Educao de Adultos da Keele


University, Inglaterra; e Magnus Haavelrud221 da Universidade de Trondheim da
Noruega.
Em 17 de setembro Paulo Freire esteve no Caribe e, ao que parece, ficou at
o dia 4 de outubro. Seu contato era David Mitchell, em Barbados, da Educao para
o Desenvolvimento. Durante o tempo em que esteve no Caribe Paulo Freire visitou a
Repblica Dominicana, Porto Rico, Jamaica e Dominica.
No dia 10 de outubro Paulo Freire viajou para Portugal, onde permaneceu at
o dia 17. Encontrou-se oficialmente com o Ministro da Educao de Portugal e
abordou o tema da Educaao e suas relaes especficas com os problemas da
alfabetizao.
Entre os dias 21 e 23 Paulo Freire esteve novamente em Estocolmo para
Seminrios na rea de educao organizados por Walter Persson, das Sociedades
Missionrias Suecas.
No final do ms de outubro Paulo Freire estava de retorno Genebra. No dia
28, em Cartagny, prximo a Genebra ele fez um discurso, em ingls, que foi
transcrito (Anexo 12). So apenas 3 pginas inteiras e uma quarta que contm
apenas cinco linhas, nas quais ele disse:
Finalmente, em meu ponto de vista, todas as vezes em que eu tenho tempo
e espao para agir como um educador minha maior preocupao tambm
desenvolver, em diferentes modos [ou caminhos], a conscincia crtica. Isto
como eu vejo esta questo e talvez isto o resultado deste meus quatro
anos de trabalho no Conselho Mundial.

1975

Fevereiro

221

Magnus Haavelsrud (Noruega) - professor de Educao na Universidade de Cincia e Tecnologia da Noruega e um dos
criadores da Comisso de Paz e Educao da Associao Internacional para a Pesquisa da Paz. Esteve no Brasil em agosto de
2009 no Congresso Mundial para a Paz nas Amricas, sendo um dos palestrantes. um crtico do modelo reprodutivista de
educao, denunciado por Pierre Bourdieu. Presidiu a Conferncia Mundial sobre Educao em 1974.

147

Paulo Freire estabeleceu contatos com dois Professores da Universidade


Catlica de Louvain: De Keyser e De Somer. Entre os dias 2 e 5 de fevereiro Paulo
Freire esteve em Bruxelas, na Blgica, onde recebeu o seu ttulo de Doutor Honoris
Causa pela Universidade Catlica de Louvain.
Maio
Entre os dias 10 e 13 de maio Paulo Freire esteve em Manchester, na
Inglaterra participando de uma Mesa Redonda, de um Seminrio de Equipe e de um
Workshop como o Departamento de Educao de Adultos da Universidade de
Manchester. Seu contato era o Prof. Ruddock do Departamento de Educao de
Adultos.
Nos dias 21 a 25 de maio Paulo Freire estava na Polnia onde participou do
III Simpsio A Paz e a Justia e palestrou sobre o tema Cooperao dos Cristos e
do Marxismo em termos de Humanismo, patrocinado pela Associao para a Paz
(Stowarzyszenie Pax) de Varsvia.
Junho
Nos dias 21 e 22 de junho Paulo Freire esteve em Breisgau, nos arredores de
Friburgo, na Alemanha participando de dois Seminrios. O primeiro tratou sobre
Educao para a Solidariedade e o segundo sobre Paulo Freire e seu mtodo de
alfabetizao poltica. Ambos os Seminrios foram organizados pela Comunidade
Estudantil Evanglica de Friburgo. O contato de Paulo Freire era Hartmut Futterlieb,
da Comunidade Estudantil Evanglica de Breisgau.
Entre os dias 23 e 25 foi para a Frana, onde Paulo Freire participou em Paris
da Assemblia Geral do INODEP, na qualidade de Presidente.
Julho
Paulo Freire viajou para a Inglaterra e entre os dias 1 a 3 esteve em Oxford
participando de uma Conferncia sobre O acesso Educao Continuada
organizada pela Open University e trabalhou com um grupo sobre o tema
Desenvolvimento de Currculo e Metodologia da Educao Continuada. Seu contato
era Terence Quirke, Secretrio do Comit Volante da Open University.

148

Setembro
Entre os dias 1 e 5 de setembro Paulo Freire estava em Perspolis, no Ir,
onde participou do Simpsio Internacional para a Alfabetizao. Neste encontro
Paulo Freire far um discurso em que declara que alfabetizar ensinar a usar a
palavra e pensar o mundo. E para ele escrever expressar juzo pensado sobre o
mundo (No Anexo 13 consta o discurso de Paulo Freire em francs. O texto foi
produzido originalmente em portugus e tambm h uma cpia em ingls). Os
contatos de Paulo Freire para a participao neste Simpsio eram Majid
Rahnema222, que j conhecia Paulo Freire desde sua atuao no Chile, pois ambos
trabalhavam para a Unesco e Lon Bataille, do Comit Patrocinador, autor de uma
obra chamada Um ponto decisivo para a alfabetizao.223
Entre os dias 7 e 22 de setembro Paulo Freire, aps contato do engenheiro
Mario Cabral, chefe do Alto Comissariado de Estado para a Educao e a Cultura do
governo de Guin-Bissau, por solicitao do Ministro da Educao, faz a sua
primeira visita ao pas, acompanhado de sua equipe do IDAC. A solicitao que
vinha do Ministrio era para que Paulo Freire e sua equipe pudessem ajud-los a
desenvolver seu Programa Nacional de Alfabetizao de Adultos. E esta ser a
primeira da srie de dez visitas que Paulo Freire far ao pas, sendo que quando
Paulo Freire fez a ltima visita, j tinha retornado ao Brasil.
Novembro e Dezembro - Uma Assemblia...
No consta nos registros de Paulo Freire a informao de que tenha
participado de alguns eventos maiores do CMI, provavelmente por conta de suas
constantes viagens. A Assemblia de Nairbi, no Qunia, frica aconteceu entre os
dias 23 de novembro de 10 de dezembro, no tempo em que Paulo Freire
desenvolvia suas atividades ligado ao CMI.

222

Majid Rahnema, nascido em Teer, no Ir, foi diplomata de carreira. Foi representante do Ir na Assemblia Geral das
Naes Unidas (ONU) por 10 anos consecutivos (1962-1972). Trabalhou como Comissrio da ONU para Ruanda (para
supervisionar as eleies e no referendo realizado em 1960). Foi Vice-presidente da Unesco entre 1965 e 1967. Ele tambm
atuou como membro do Conselho Executivo da UNESCO entre 1974 e 1978.
223
BATAILLE, Leon. A turning point for literacy. Proceedings of the International Symposium for Literacy. Oxford.
Perganon, 1975.

149

Embora Paulo Freire no anote nos seus registros a sua participao,


Sapsezian informou que Paulo Freire participou da Assemblia de Nairbi no
Qunia. Mais ainda, de que teria influenciado diretamente os rumos da Assemblia
que se apropriou dos dois termos discutidos anteriormente [contextualizao e
conscientizao].
No captulo III quando tratamos do CMI e especialmente sobre a Quinta
Assemblia afirmamos que no seu tema geral h uma expresso reincidente:
Libertao. E a Assemblia se ocupou de questes tais como [1] testemunho
cristo, [2] unidade da igreja [3] respeito pela diversidade, [4] educao libertadora
[5] injustias estruturais dentre outras questes em que a contextualizao e a
conscientizao se tornavam urgentes. inegvel a influncia de Freire e de
Sapsezian.

1976

Fevereiro
Paulo Freire viajou para a Itlia. Esteve em Palermo, na Siclia entre os dias 4
a 8 e participou da Consulta Internacional sobre Educao Inovadora patrocinada
pela Fundao Ford e pela Federao Mundial de Estudos do Futuro.
No dia 14 Paulo Freire e sua equipe do IDAC estavam em Guin-Bissau para
sua segunda visita. Permaneceram no pas at o dia 4 de maro.
Maro
Entre os dias 13 a 22 Paulo Freire esteve na Berlim Oriental, capital da ento
Repblica Democrtica da Alemanha, a convite da Federao de Igrejas
Evanglicas daquele pas com trs atividades especficas: (1) uma consulta com
uma Comisso da Federao sobre o trabalho da Igreja com crianas e candidatos a
confirmao. Nesta consulta foi discutido com Paulo Freire qual a sua opinio em
relao igreja em geral, ao seu trabalho educativo, relevncia do seu conceito

150

[de educao] para a situao especfica da Berlim Oriental e a significncia de sua


obra no trabalho que desenvolvia no CMI; (2) visitar uma igreja membro da
Federao e reunir com trabalhadores da parquia e com professores universitrios;
e (3) Reunir com a Agncia Central de Educao.
Abril
Entre 12 e 14 de abril Paulo Freire foi a Tbingen onde se encontrou com
Samuel Parmar, da ndia, para um Seminrio sobre Igreja, escolas e crise ecolgica
e suas conseqncias educacionais como preparao para a reunio do Setor de
Educaao do CMI.
Maio
Entre os dias 21 e 23 Paulo Freire viajou para Leeds, na Inglaterra onde
participou de um Seminrio de final de semana organizado pela Universidade de
York, no campus de Helsington.
De junho a outubro Paulo Freire vai se dedicar frica.
Junho
Paulo Freire chegou a So Tom e Prncipe, na frica, no dia 3 de junho.
Permaneceu no pas at o dia 15. Sua ida para o pas se deu por conta de um
convite do governo para discutir com ele uma futura colaborao entre o
Departamento de Educao do CMI e o governo de So Tom e Prncipe,
especialmente no desenvolvimento de Programas para a Educao de Adultos. O
pas havia se libertado do jugo colonial portugus em 1975. Os portugueses e seus
descendentes abandonaram o pas [que so ilhas] temerosos das reaes de um
pas recm-liberto. O contingente de analfabetos no pas era, em 1976, da ordem de
90%. O pas tornou-se dependente de Angola. Trs das visitas de Paulo Freire a
So Tom e Prncipe foram compartilhadas com visitas Angola.
De So Tom e Prncipe Paulo Freire viajou para a Tanznia ficando no pas
entre os dias 20 e 27. Participou da Conferncia Internacional sobre Educao de
Adultos e Desenvolvimento organizado pelo Conselho Internacional para Educao
de Adultos.

151

Agosto
Paulo Freire fez a sua primeira visita a Angola entre os dias 18 e 31. Esta
visita tambm foi uma solicitao do Ministro da Educao com o objetivo de fazer
uma discusso sobre a possibilidade de CMI, atravs de seu Departamento de
Educao se envolver no campo da Educao no pas. A ida de Paulo Freire foi
articulada por Almeri Bezerra, que poca trabalhava no pas, no escritrio da
Unicef. Angola tambm conseguiu a sua independncia no ano de 1975. Dois
grupos tentaram o controle do pas MPLA e UNITA. O primeiro governa o pas desde
1975 que possua e ainda possui um alto ndice de analfabetismo.
Provavelmente Paulo Freire fez um levantamento da situao So Tom e
Prncipe e de Angola, pois na segunda visita, que ser conjunta, vir acompanhado
da equipe do IDAC.
Setembro e Outubro
Paulo Freire, acompanhado da equipe do IDAC faz a sua terceira visita a
Guin-Bissau. Ele permaneceu por 22 dias no pas. Freire chegou a Guin-Bissau
no dia 23 de setembro e retornou para Genebra no dia 15 de outubro.
Entre os dias 18 e 21 de outubro Paulo Freire estava em Paris para uma
Reunio sobre o tema Conscientizao, organizada pelo INODEP.
Deixando a Europa, Paulo Freire retornou para a frica, na Botswana. Entre
os dias 23 e 31 de outubro participou de um Seminrio sobre Educao organizado
pelos Estudantes Sul-Africanos (em conjunto com o Programa do Conselho Cristo
de Botswana e o Departamento de Juventude do CMI).
Novembro
Paulo Freire retorna a Europa para algumas viagens internas no continente.
No final do ms estar de volta na frica.
Entre os dias 11 a 14 Paulo Freire esteve em Bielefeld, na Alemanha onde
participou de um Encontro organizado pelo Departamento de Investigao e Estudos

152

Latino-americanos da Universidade de Bielefeld. O tema do Encontro foi sobre A


continuidade e os efeitos do Mtodo Paulo Freire.
Dias 18 e 19 Paulo Freire foi a Londres, na Inglaterra. O convite para
participar de um Encontro veio do Prof. Basil Bernstein, Diretor da Seo de
Educao e Desenvolvimento Rural do Instituto de Educao da Universidade de
Londres. De Londres Paulo Freire embarca para Bonn, na Alemanha, onde a convite
do Prof. W. Sayler participou de um Encontro de final de semana (dias 28 a 28 de
outubro) sobre o tema Educao.
No dia seguinte (29 de outubro) Paulo Freire estava na sua segunda visita
So Tom e Prncipe e tambm Angola para auxiliar no desenvolvimento de seu
Programa Nacional de Alfabetizao. Paulo Freire permaneceu nestes pases
africanos at o dia 22 de dezembro, prximo do Natal.

1977

Fevereiro
Paulo Freire retoma a suas viagens de onde havia terminado no ano anterior.
Entre os dias 6 e 26 de fevereiro realizou a sua terceira visita a So Tom e Prncipe
e Angola. A impresso que temos que Paulo Freire retornou para Genebra para
preparar material para a atividade da qual participaria duas semanas depois.
Maro
Nos dias 9 e 10 de maro Paulo Freire foi a Paris e participou de um Simpsio
da Unesco-NGO224 sobre Alfabetizao e a Educao para toda a vida. O convite
para o Simpsio veio de Laurel Casinader da Aliana Internacional de Mulheres de
Londres. Encerrado o Simpsio, Paulo Freire estava de retorno frica, na sua
quarta visita a Guin-Bissau e a primeira visita a Cabo Verde. Paulo Freire chegou

224

A UnescoNGO no a Unesco Liga das Naes.

153

frica no dia 11 de maro e deve ter permanecido at o dia 21. No relatrio de


viagens ele indica o dia 31 de maro, mas no compromisso seguinte ele indica a
data 30 de maro.
Abril
De qualquer forma, consideremos que Paulo Freire esteve entre os dias 30 de
maro e 7 de abril na Costa Rica. Ele viajou para aquele pas a convite do
Presidente da Repblica, Daniel Oduber. O convite era para opinar sobre o
Programa Nacional de Educao.
No dia 12 de abril Paulo Freire, j retorno Europa, participou de um
Seminrio em Estrasburgo, na Frana, sobre Cincia e Alfabetizao no Terceiro
Mundo organizado pelo Centro Nacional de Investigao Cientfica e pelo Instituto
Nacional de Fsica e Fsica de partculas, da Universidade Louis Pasteur.
De 18 a 22 de abril Paulo Freire estava em Amsterd, na Holanda
participando

de

vrios

pequenos

Seminrios

de

trabalho

sobre

tema

Conscientizao na Europa oferecidos para a juventude trabalhadora e lderes


profissionais. O convite veio [1] do Conselho da Juventude da Igreja Reformada da
Dinamarca, na cidade de Driebergen, prxima da Holanda junto com algumas
organizaes irms como [2] Conselho de Juventude Catlico Romano, [3] o Centro
para o Trabalho com a Juventude Reformada e o Departamento de Cooperao
Internacional da Universidade do Estado de Groningen.
Junho
Paulo Freire vai encerrar suas viagens no ano de 1977 na frica. Entre os
dias 12 e 26 de junho ele viajou para a sua quinta visita a Guin-Bissau em conjunto
com a sua segunda visita a Cabo Verde.
Agosto e Setembro
De 29 de agosto a 27 de setembro Paulo Freire far a sua quarta visita a
Angola e tambm a quarta a So Tom e Prncipe. A visita conjunta, talvez porque
os dois pases mantinham relaes aps a independncia.

154

1978

Janeiro
Paulo Freire esteve rapidamente em Paris, no dia 20 de janeiro, para uma
breve reunio (one-day meeting) com estagirios do Instituto Internacional para o
Planejamento Educacional.
Nos dias 26 e 27 Paulo Freire foi convidado pelo Pastor H.P. Scheriber para ir
a Basel (ou Basilia) da Associao de Estudantes Reformados Evanglicos, para
um encontro com estudantes que estavam se dedicando a estudar as aproximaes
da educao freireana.
No dia 30 de janeiro Paulo Freire participou de um encontro significativo na
Universidade de Lyon, Departamento de Letras e Civilizao. Ele foi convidado para
falar sobre o Programa educacional que estava aplicando em Guin-Bissau e So
Tom e Prncipe. Neste encontro participaram vrios lingistas que debateram com
Paulo Freire a questo da alfabetizao e da linguagem.
Fevereiro
Paulo Freire viajou para Frankfurt entre os dias 2 e 5 de fevereiro para
participar de um Seminrio sobre Pedagogia no Terceiro Mundo. O convite veio da
Universidade Johann Wolgang Gethe.
No dia 12 de fevereiro Paulo Freire estava de retorno frica. Fez a sua
sexta visita Guin-Bissau. Paulo Freire ficou no pas at o dia 28. Esta visita de
Paulo Freire se reveste de uma importncia extraordinria, pois em Guin-Bissau ele
fez uma reunio internacional, entre os dias 15 e 27 de fevereiro, com os Ministros
da Educao de cinco pases africanos. Estiveram presentes para um encontro de
12 dias com Paulo Freire os Ministros de Angola, Cabo Verde, Guin-Bissau,
Moambique e So Tom e Prncipe. Alguns desses pases tinham relaes, via

155

igrejas, com o CMI e j conheciam o "Mtodo Paulo Freire antes da sua chegada
em Genebra.
Abril
O ms de abril ser especialmente pesado na agenda de Paulo Freire. Ele
viajou pela Inglaterra e Estados Unidos. Do dia 1 ao dia 5 Paulo Freire viajou para
Guilford, no Reino Unido, a convite de Rosemary Wilcock, presidente do Conclio
Geral e da Junta de Educao da Church House. O convite era para uma consulta e
dilogo entre pessoas interessadas no tema das relaes entre Educao, Igreja e
Sociedade. Entre os dias 6 e 9 de abril Paulo Freire esteve em Lincoln, tambm no
Reino Unido, a convite de Canon Rex Davis, que na poca havia sado do CMI para
ocupar o cargo de Deo de Lincoln, uma das maiores, majestosas e suntuosas
catedrais gticas da Gr-Bretanha. Nesta cidade Paulo Freire participou de alguns
encontros sobre Educao e Desemprego e Obra e pensamento de Paulo Freire.
Do Reino Unido Paulo Freire embarcou para os Estados Unidos. Entre os dias
19 e 22 de abril Paulo Freire esteve em Sacramento onde participou de atividades
na Universidade do Estado da Califrnia, mais especificamente na Faculdade de
Educao. O convite chegou a Paulo Freire atravs do Prof. John P. McFadden do
Departamento de Cincias do Comportamento daquela Universidade.
Entre os dias 22 e 25 de abril Paulo Freire esteve em Long Beach, tambm na
Califrnia, para atividades ligadas rea de Educaao. O convite foi feito por Dr.
Donald C. Thompson. Paulo Freire viajou para Ann Arbor, no Estado de Michigan, a
convite da Faculdade de Educao da Universidade do Estado. Desenvolveu
atividades desde o dia 26 at o dia 29 de abril quando ento recebeu o ttulo de
Doutor honoris causa pela Universidade de Michigan.
Paulo Freire encerrou sua viagem pelos Estados Unidos na Filadlfia,
visitando a Universidade da Pennsylvania. Foi Faculdade de Educao a convite
de Mary R. Hoover, Professora Assistente na Universidade.

156

Maio
Neste ms Paulo Freire dedicou-se completamente frica. Ele fez a sua
stima visita Guin-Bissau entre os dias 5 e 17 de maio. Nos dias 20 a 31 Paulo
Freire viajou para a realizar a sua quinta visita a So Tom e Prncipe.
Junho
Paulo Freire encerrou o primeiro semestre do ano de 1978 na frica. Ao sair
de So Tom e Prncipe, ele foi para a sua quinta visita a Angola. Permaneceu no
pas entre os dias 1 e 9 de junho.
Agosto
Paulo Freire e mais um grupo de pessoas foram para Stony-Point, no Estado
de Nova Iorque, Estados Unidos para uma reunio de trabalho. O Grupo pertencia a
sub-unidade do Departamento de educao do CMI do qual Paulo Freire fazia parte.
Segundo Antonio Faundez, na entrevista concedida, o CMI possui vrios
Departamentos, os quais possuem sub-unidades que desenvolvem programas
especficos. Paulo Freire era responsvel pelo Programa de Educao Bsica de
Adultos. A reunio do Grupo nos Estados Unidos durou duas semanas. Iniciou no
dia 25 de agosto e encerrou no dia 8 de setembro.
Setembro
Entre os dias 21 e 26 de setembro Paulo Freire fez a sua oitava visita
Guin-Bissau. Novamente Paulo Freire encerra o seu ano de atividades fora da
Europa trabalhando na frica.

157

1979

Fevereiro
Paulo Freire iniciou suas viagens no ano de 1979 indo para o Oriente. Esteve
entre os dias 7 e 14 de fevereiro na cidade de Nova Delhi a convite de P.T.
Kuriakose, do Centro Internacional da Juventude para participar de alguns
Workshops e Seminrios sobre Educao de Adultos.
Maro
Entre os dias 5 e 8 Paulo Freire viajou para Kassel, na Alemanha. Foi a
convite de Matthias Wessler das Escolas de nvel mdio de Kassel e da
Organizao Internacional de Economia Agrria, para participar de alguns
Seminrios sobre Educao Superior e Desenvolvimento Internacional.
Saindo de Kassel, Paulo Freire se dirigiu para a frica, onde permaneceu por
um ms. Foi para Cabo Verde, para a sua terceira visita ao pas, chegando em 9 de
maro e ficando at o dia 16. No dia 17 chegou a Luanda, capital de Angola, para a
sua sexta visita. Ficou no pas at o dia 23 quando ento embarcou para a sua sexta
visita a So Tom e Prncipe. Sua estada neste pas foi de 23 de maro a 6 de abril.
Abril
Neste ms, nos dias 21 e 22 Paula Freire foi para Duisburg a convite das
Escolas de nvel mdio para liderar um Seminrio sobre Educao. Cinco dias
depois, no dia 27 de abril Paulo freie estava em Alicante, na Espanha a convite do
Instituto de Cincias Sociais Aplicadas Juan XXIII com objetivo de ajudar na
avaliao de um Programa de Cultura Popular e para liderar um dilogo sobre A
Evoluo da conscientizao e o pensamento de Freire. Paulo Freire ficou na
Espanha at o dia 29 de abril.

158

Maio
Paulo Freire retorna frica. Entre os dias 13 e 27 de maio ele chega a
Guin-Bissau para a sua nona visita.
Junho
O retorno de Paulo Freire para o Brasil comea a ser
antevisto. O Projeto de Anistia estava para ser aprovado
pelo Congresso e o governo sofria presses para que tal se
realizasse. O ms de junho foi um ms gracioso para o
andarilho. Paulo Freire recebeu o seu primeiro passaporte
como cidado brasileiro. At ento viajava com um
Documento de Viagem concedido pelo governo suo, pois
o documento que o governo chileno lhe entregara havia
expirado em 1973.
Julho
Paulo Freire viajou, como no ano anterior, para Ann Arbor, Michigan, nos
Estados Unidos. Chegou cidade no dia 1 de julho e ficou at o dia 31. Ficou o
ms todo participando em um Programa de Vero da Universidade de Michigan.
Deve ter levado o passaporte no bolso, junto ao Documento de Viagem recebido
do governo suo. Estava na expectativa pela aprovao da Lei de Anistia ampla,
geral e irrestrita, sem benesses aos torturadores ou militares.
Agosto
Paulo Freire desembarcou no Brasil no dia 7 de agosto225, mesmo sem que a
Lei de Anistia estivesse aprovada. Visita So Paulo, Rio de Janeiro e Recife. No dia
22 de agosto de 1979 foi aprovada, por pequena margem de diferena: 206 a 201, a
Lei de Anistia brasileira. Em 28 de agosto, o presidente militar Joo Batista de
Oliveira Figueiredo sancionou a Lei n 6.683, anistiando todos os cidados punidos
por atos de exceo desde 9 de abril de 1964 (edio do AI-1). A Lei anistiava

225

Segundo Gadotti In: GADOTTI, Moacir. Atualidade de Paulo Freire: continuando e reinventando um legado.
Coordinamento Nacionale Comunit di Accoglienza/Centro Sociale Ambrosiano - Milano, 25 maggio 2002, p. 1.

159

estudantes, professores e cientistas afastados das instituies de ensino e pesquisa


desde 1964. Entretanto, o reaproveitamento de servidores civis e militares ficou
subordinado deciso dos referidos rgos de onde foram afastados.226
Nos registros que acessamos Paulo Freire coloca a seguinte expresso:
August 1979 home-leave in Brasil ou, numa traduo livre: Agosto de 1979:
Casa de Frias no Brasil.
Outubro
Entre os dias 2 e 14 de outubro Paulo Freire viajou para Cabo Verde para
cuidar do Programa de Alfabetizao de Adultos. Entre os dias 22 de outubro e 1
de novembro Paulo viajou para Mangua, capital da Nicargua, para responder ao
convite de Carlos Tunnerman, Ministro da Educaao do Governo de Reconstruo
Nacional para discutir com ele sobre o Plano Nacional de Alfabetizao que seria
desenvolvido a partir de 1980. A Nicargua estava sob governo dos sandinistas
desde 19 de julho de 1979 quando derrubaram a ditadura de Somoza. O pas fora
destroado por uma guerra civil e necessitava de reconstruo. Contaram com a
ajuda de Paulo Freire.
Novembro
Nos dias 1 a 4 de novembro Paulo Freire viajou para Quito, no Equador, a
convite de Osvaldo Hurtado, Vice-Presidente da Repblica para assessor-lo na sua
Campanha de Alfabetizao.
Paulo Freire ainda se dirigiu para outro pas do Caribe, Granada, que
pertence Inglaterra, mas tem administrao prpria, semelhana da Austrlia.
Paulo Freire chegou a Granada no dia 20 de novembro e permaneceu no pas at o
dia 27. A visita foi para atender ao convite de George Louison, Ministro da Educao
para que Paulo Freire oferecesse assistncia tcnica educacional ao pas. Naquele
perodo Granada era um Governo Popular, independente da Gr-Bretanha aps um
conflito que culminou com a autonomia em 1974. A independncia durou at 1983
quando a Ilha foi invadida por tropas internacionais lideradas pelos Estados Unidos.
226
LEI N 6.683 - de 28 de agosto de 1979 - DOU de 28/8/79 Lei da
<http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6683.htm>. Acesso em 5 de abril de 2009.

Anistia.

Disponvel

em

160

Dezembro
Entre os dias 7 e 18 de dezembro Paulo Freire far a sua ltima viagem do
ano frica. De 7 a 17 de dezembro ele viajou para So Tom e Prncipe para a
sua stima e ltima visita ao pas. No dia 18 ele viaja para Luanda, capital de
Angola, que foi tambm a sua ltima viagem para aquele pas.

1980

Fevereiro, Maro e Abril


Entre os dias 18 a 24 de fevereiro Paulo Freire viajou para Granada, para a
sua segunda visita de assessoria tcnica. Passou o ms de maro no Brasil,
preparando o seu retorno. Do Brasil viajou para Guin-Bissau onde permaneceu
entre os dias 1 e 6 de abril, realizando a sua dcima e ltima visita.
De retorno a Genebra, Paulo Freire comeou a se organizar para deixar o seu
posto de Consultor Especial do Programa de Educao Bsica para Adultos do
Departamento de Educao do Conselho Mundial de Igrejas.
Junho
No dia 15 de junho de 1980 Paulo Freire retornou definitivamente para o
Brasil.
A trajetria de Paulo Freire no CMI marcada por intensidade tanto de
viagens quanto de produo terica. Computamos aproximadamente 150 viagens de
Paulo Freire, pelos cinco continentes. Em todos Paulo Freire esteve a convite de
Instituies civis e religiosas, federaes, associaes, organismos oficiais de
governos e organizaes no-governamentais. Em todas as viagens Paulo Freire
carregava na bagagem a conscientizao, a libertao e a necessidade de
autonomia do ser humano.

161

Quanto s obras e publicaes de Paulo Freire, elas no aparecem no


documento que tomamos para analisar. Isto se deve ao fato de Paulo Freire registrar
apenas suas viagens. Entretanto, temos conhecimento de que ele foi extremamente
produtivo neste perodo. Como resultado de suas viagens alguns de seus textos
produzidos antes da chegada em Genebra foram traduzidos e publicados e outros
so resultado de palestras, encontros e seminrios realizados pelo mundo afora, o
que caracteriza efetivamente Paulo Freire como um andarilho, mas no um
andarilho que caminha por caminhar, que vai de um lado para o outro sem uma
causa. A causa de Paulo Freire era movida por aquilo que ele afirmou dias antes de
sua morte: o amor pelo humano, pela natureza, pelas coisas, pelo mundo.

162

CONCLUSO

Ao construir este trabalho propusemos traar o itinerrio de Paulo Freire no e


a partir do CMI. Para isso optamos por seguir um caminho que nos mostrasse Paulo
Freire antes de trabalhar no CMI; nos mostrasse o que o CMI e, por fim; nos
mostrasse Paulo Freire e partir do CMI. Num primeiro momento, fizemos algumas
consideraes sobre o colonialismo, como uma poltica de controle sobre um
territrio que, conseqentemente se estabelece como controle sobre as mentes.
Portugal soube implementar esta poltica no Brasil, na frica e sia, com as graas e
chancela da Igreja. O sistema opressivo da poltica colonial se enraizou criando uma
mentalidade colonial a ser imposta sobre uma maioria. Brasil, frica e sia tiveram
suas populaes dominadas por esta mentalidade.
Paulo Freire ao trabalhar no nordeste brasileiro, depois no Chile e frica, via
CMI aprofundou o que j havia percebido mais especialmente a partir da dcada de
1950: que o colonialismo, com todas as suas crueldades e mazelas, precisava ser
superado. E a via para isso o processo de conscientizao.
Nas suas andarilhagens pelo mundo Paulo Freire vai redescobrir a Amrica,
mas no a Amrica dos colonizadores e sim a dos colonizados. Paulo Freire no via
a diferena da mentalidade colonial no Brasil e na frica. E foi trabalhando no CMI
que ele pode ampliar a sua compreenso do processo de colonizao e de
necessidade de emancipao. Ao que parece, os processos de independncia na
frica foram mais conflituosos que no Brasil, mas o modelo implementado era
semelhante.

163

Faremos ainda algumas inferncias a respeito de Paulo Freire, sua prxis


libertadora, e especialmente, sua presena no CMI. Em primeiro lugar temos de
considerar que Paulo construiu uma epistemologia mpar. Seu mtodo, que ele no
gostava que assim fosse chamado, tornou-se conhecido em vrios lugares antes
dele sair do Chile. Em junho de 1970 chegou ao CMI uma carta com um anexo. Era
um Projeto de Alfabetizao de Adultos da Swazilndia, utilizando o Mtodo Paulo
Freire, conforme j indicamos no Anexo 10. Na nossa entrevista com Sapsezian foi
dito que Paulo Freire j era conhecido de alguns pases africanos e que ele possua
contatos naqueles territrios.
Em segundo lugar temos de considerar a angstia de Paulo Freire quando
estava nos Estados Unidos, em fins de 1969. A percepo que temos da angstia
inferncia nossa pois, como Paulo Freire dizia, no era afeito aos Estados Unidos,
nem ao Canad. Viver e trabalhar na toca do bicho, como chamava uma das
maiores naes capitalistas do planeta no lhe agradava, Paulo Freire tambm
deveria considerar que aqueles que o convidavam para o trabalho representavam
uma nao que contribura para o golpe militar que fora a razo de seu exlio e
aborto da Campanha Nacional de Alfabetizao que estava em pleno funcionamento
em 1964. Retornar para o Chile no lhe agradava, por causa dos membros da direta
do Partido Democrata Cristo. No primeiro semestre de 1971 Paulo Freire esteve no
Chile trabalhando oficialmente com o governo, via CMI. Se Paulo Freire
permanecesse no Chile, como a histria nos mostra hoje, provavelmente seria uma
das vtimas do golpe de 1973.
Sua angstia teve fim quando um sacerdote catlico romano brasileiro,
trabalhando em Roma vai at o CMI, na companhia de outros dois sacerdotes
catlicos romanos e conseguem a carta-convite para Paulo Freire trabalhar no CMI.
Era o seu amigo da dcada de 1960, Almeri Bezerra que anos mais tarde vai abrir
as portas de Angola para o trabalho de Paulo Freire e sua equipe.
Em terceiro lugar consideremos o termo: conscientizao. Este termo foi
introduzido na linguagem do CMI a partir da dcada de 1970 por Paulo Freire.
Conforme afirmamos no captulo III, este termo era perigoso. E os norte-americanos
evitavam us-lo. Talvez por ter sido criado no Brasil, pelo ISEB no ano de 1955, e

164

ser aplicado como um conceito de contra-ideologia. Os norte-americanos e ingleses,


bem como outros povos de fala inglesa no conheciam o termo. Utilizavam a palavra
awardness que significa sensibilizao. Ao introduzir o termo no CMI, Paulo Freire
contribuiu significativamente para desencadear a apropriao no apenas do termo,
mas do conceito que carregava com ele.
Outra questo em relao conscientizao que ningum pode explicitar
algo que no parte do seu ser. Paulo Freire passou pelo processo de
conscientizao. Fazia parte dele estar no mundo e com o mundo. como se o
prisioneiro da caverna de Plato se soltasse, caminhasse em direo luz e depois
voltasse para a caverna para libertar os seus companheiros. A construo da
conscincia para Freire aconteceu durante muitos anos, desde a sua adolescncia,
quando estudava palavras e construa sentenas com a sua professora Eunice
Vasconcelos. A conscientizao foi ganhando corpo na prtica docente junto aos
trabalhadores do Recife. A Pedagogia do oprimido somente pode ser escrita por
causa destes anos de labuta com os pobres, como afirmou ele prprio. E sobre o
termo conscientizao ele escreveu quando ainda estava no exlio latino-americano.
E recusou-se ao uso do termo por alguns anos.
Paulo Freire somente retomou o uso em Genebra, no ano de 1974, quando
encontrou-se com Ivan Illich, conhecido como o ex-padre da desescolarizao em
um Seminrio promovido pelo CMI. O moderador neste encontro foi Philippe Potter.
Paulo Freire afirmou que faria uma auto-crtica. Ele disse que, ao estudar o processo
de conscientizao, errou ao considerar que a realidade social revelada ao sujeito
era suficiente para a tentativa de se transformar esta realidade. O que Paulo Freire
descobriu, nestes quatro primeiros anos no CMI, e aps muitas viagens, os
seminrios e encontros, foi a necessidade de tomar dois momentos numa relao
dialtica: o do conhecimento da realidade e o do trabalho de transformar esta
realidade. Em suma, descobrir a realidade no significa transform-la. E isto Paulo
Freire chamava de conscientizao.
Como leitores de Paulo Freire, admiradores e adeptos de sua epistemologia
podemos afirmar que o sucesso do trabalho de Paulo Freire na frica foi porque ele

165

amadureceu sua concepo de conscientizao. E Paulo Freire comeou a


desenvolver sua prxis educativa na frica a partir de 1975.
Em quarto lugar temos de considerar que Paulo Freire influenciou
profundamente a Educao no CMI, tanto e teolgica quanto a no-teolgica.
Quando acompanhamos o itinerrio de Paulo Freire no CMI anotamos quatro
viagens dele em companhia de Will Kennedy, poca o Diretor do Departamento de
Educao do CMI. Paulo Freire viajou com ele em maro de 1970, outubro de 1971,
janeiro de 1972 e fevereiro de 1973. Paulo Freire e Will Kennedy se tornaram
prximos e compartilhavam da idia de que a educao reproduz as estruturas de
poder da sociedade e de que a educao ideolgica, servindo a interesses
econmicos. Nas viagens que fizeram juntos, Paulo Freire e Will Kennedy trataram
sobre Educaao de Adultos. Uma das reunies mais importantes das quais
participaram foi em 1972, num encontro da Unesco, no qual tiveram participao
ativa, discursando sobre o tema da Educao.
E, em quinto e ltimo lugar queremos destacar a importncia de Paulo Freire
em pensar a teologia. Para ele o papel da igreja no deve ser o de mitologizar,
domesticar ou desenvolver a burocracia da f, mas o de libertar e humanizar o ser
humano. Este questionamento de Paulo Freire o instigava, segundo ele mesmo, ao
interesse de trabalhar cada vez mais com telogos, pois acreditava que a teologia
na atualidade tem muitas coisas a fazer. Paulo Freire no via a teologia como algo
suprfluo. Suprflua a teologia idealista. Para ele a teologia tem de ser parte da
antropologia, comprometida historicamente, contribuindo para a tica e nossa
presena no mundo. E esta teologia tem de estar conectada educao libertadora.
Obviamente, esta postura de Paulo Freire est diretamente ligada Teologia da
Libertao ou seja, uma teologia que uma pedagogia da libertao e uma
pedagogia que uma teologia da libertao. Paulo Freire era conectado (ele vai
dizer que na sua adolescncia era menino conectivo) com a Amrica Latina,
mesmo quando estava trabalhando no CMI.
Paulo Freire foi imensamente grato ao CMI por lhe conceder livremente a
liberdade de pensamento. Podemos concluir com isso que O CMI confiava no seu
trabalho e no consta que Paulo Freire tenha sido vigiado, fiscalizado no tempo de

166

seu trabalho no organismo. Tinha liberdade para exercer sua atividade, seu
pensamento, sem a necessidade de apresentar relatrios a qualquer pessoa. Seus
registros no so completos. Paulo Freire no cite alguns eventos de importncia do
CMI como a Quinta Assemblia realizada em Nairobi, Quenia, frica, mas sabemos
que ele participou do Encontro. E indiretamente Paulo Freire influenciou a nfase da
Assemblia no que diz respeito s questes de luta pela igualdade entre as
pessoas, a necessidade de um evangelho mais encarnado na realidade e menos
idealista.
Quando voltou para casa, em junho de 1980 Paulo Freire disse que dezesseis
anos de ausncia exigem uma aprendizagem e uma maior intimidade com o Brasil
da dcada de 1980 e 1990. Neste retorno terra ptria Paulo Freire veio para
reaprender o Brasil.
A trajetria de Paulo Freire no CMI pode ser resumida na sua fala em
entrevista ao Jornal One World, em julho de 1980, quando j tinha retornado para o
Brasil. Paulo Freire afirmou: eu estou feliz por poder dizer que eu era feliz aqui [no
CMI]. Eu no sei se dei alguma contribuio aqui ou no, mas sei que esta casa me
deu uma chance.227
De menino pobre e conectivo de Pernambuco ao Paulo Freire conectado aos
cinco continentes via CMI podemos afirmar: Paulo Freire ainda menino queria ajudar
os homens. Viveu pela causa. Ajudou continentes.

227

WCC FOCUS. Entrevista com Paulo Freire. Jul de 1980.

167

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175

ANEXOS

176

ANEXO 1 Um retalho biogrfico de Paulo Freire, dele e por ele

177

178

179

180

ANEXO 2 FICHA CADASTRAL DO STAFF DO CMI

181

182

ANEXO 3 ITINERRIO DE PAULO FREIRE O ANDARILHO DA ESPERANA

183

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189

190

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193

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196

197

198

199

200

ANEXO 4 CUSTO DE PROPOSTA

201

202

ANEXO 5 SOLICITAO DE CONTATO DIRETO

203

204

ANEXO 6 CONFIRMAAO DA PRIMEIRA VIAGEM DE PAULO FREIRE


FRICA

205

206

ANEXO 7 COMUNICAAO DA CHEGADA DE PAULO FREIRE FRICA

207

208

ANEXO 8 IMPRESSES SOBRE PAULO FREIRE NA TANZNIA

209

210

ANEXO 9 CARTA SOBRE O CURSO EM MINDOLO

211

212

ANEXO 10 CARTA E PGINA DO PROJETO DE ALFABETIZAAO DA


SWAZILNDIA

213

214

215

ANEXO 11 TABELA DAS VIAGENS DE PAULO FREIRE FRICA

216

217

ANEXO 12 PAULO FREIRE EM CARTAGNY

218

219

220

221

222

ANEXO 13 DISCURSO EM PERSPOLIS IR

223

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