Durkheim e A Vida Social Como Essencialmente Moral
Durkheim e A Vida Social Como Essencialmente Moral
Durkheim e A Vida Social Como Essencialmente Moral
essencialmente moral
O socilogo tinha a conscincia de que a validade de seu projeto precisava ser
afirmada em diversas frentes
Ou bem a cincia existe, ainda que pouco consciente de seus princpios e de seus
fundamentos, ou no existe e no ser a reflexo metodolgica que decretar sua
existncia. Da Durkheim afirmar, em seus ensaios metodolgicos, que a sociologia
um ponto de vista que vem se afirmando nas diversas cincias sociais, que
desponta nos bons trabalhos de histria do direito, da religio ou da economia. No
basta, portanto, a sustentao filosfica ou metodolgica da sociologia; preciso
pratic-la, preciso mostrar, por meio de resultados substantivos, por meio da
explicao de problemas bem delimitados, que o mtodo preconizado frtil. A
Diviso do Trabalho Social (1893), tese anterior a Regras do Mtodo Sociolgico, O
Suicdio (1897) e As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912) so as trs
grandes obras em que Durkheim desenvolveu, na prtica da pesquisa, seu mtodo.
Interveno
na
vida
social
O empenho de Durkheim em defesa da sociologia foi alm dos aspectos tericos e
metodolgicos. A relevncia prtica da disciplina e sua insero institucional, isto ,
seu ensino na universidade francesa, tambm mereceram sua ateno. Nossas
pesquisas no seriam dignas de uma hora de trabalho, se elas s tivessem um
interesse especulativo: a frase, escrita no Prefcio primeira edio de A Diviso
do Trabalho Social, sugere bem a importncia que Durkheim dava ao problema da
interveno na vida social, embora no baste para entender a dimenso dessa
interveno ou sua articulao com a reflexo cientfica. A contribuio prtica no
se resumiria identificao dos meios mais eficientes para a realizao de fins
estabelecidos por razes extracientficas. A sociologia teria algo a dizer sobre os fins
que orientam nossa conduta, embora no caiba a ela elaborar ou decretar novos
ideais. Sua tarefa seria mais modesta: explicitar os ideais para os quais uma
sociedade tende confusamente e explic-los, mostrando como esto enraizados em
certas condies de existncia e como desempenham certas funes. A reconstruo
das tendncias evolutivas da sociedade permitiria entender a natureza das crises
sociais. A sociologia, devidamente praticada, identificar quais valores e ideais
esto em harmonia com as tendncias gerais da evoluo social e quais so
estranhos ou contrariam tal evoluo.
Exemplo dessa preocupao a pergunta que orienta seu estudo sobre a
diviso do trabalho social. Trata-se de saber se o ideal moderno da especializao,
isto , o ideal segundo o qual devemos nos especializar e nos tornar indivduos
capazes de desempenhar de forma satisfatria uma funo determinada
indivduos que se realizam cumprindo um papel especializado e limitado,
sacrificando, portanto, algumas de nossas faculdades seria um ideal em
consonncia com o avano cada vez maior da diviso do trabalho social.
A contribuio prtica que Durkheim esperava da sociologia est vinculada
tambm sua interpretao da realidade social e poltica da Frana. Nascido em
1848, em pinal, na regio da Lorena, Durkheim acompanhou, ao longo de seu
desenvolvimento intelectual, o advento e as crises vividas pela Terceira Repblica
Francesa. A chamada Terceira Repblica, proclamada em 1870 ainda em meio
Guerra Franco-Prussiana, fez da instaurao de uma ordem social liberal uma de
suas metas, o que significou a introduo de inovaes institucionais considerveis.
Ampliar direitos civis e polticos, arquitetar um regime representativo eficaz,
implantar um sistema de educao laico: tarefas rduas, menos pela novidade das
reformas, algumas ?das quais apenas aceleravam mudanas em curso desde os anos
1860, do que ?pelas resistncias conservadoras ?suscitadas. Para Durkheim, o que
estava ?em jogo nesta nova ordem liberal era a concluso da obra iniciada com ?a
Revoluo Francesa.
Quase um sculo depois, a nova ordem social iniciada com a revoluo
estava no s inconclusa como corria o risco de ser desfeita. Os conservadores
ainda dispunham de posies-chave no exrcito, na burocracia estatal, na
precisa mostrar que no suficiente, para dar conta da coeso que a sociedade
moderna apresenta, consider-la como resultado de uma mirade de aes egostas,
em que os indivduos agem orientados apenas pela maximizao de seus interesses.
contra essa viso, predominante na economia e no liberalismo clssicos, que
Durkheim se volta em A Diviso do Trabalho Social. Sua ideia que a diviso do
trabalho no apenas um fenmeno econmico, como queriam os economistas,
mas um fenmeno social e, portanto, gerador de vnculos de solidariedade. A
diviso do trabalho no gera apenas interdependncia objetiva, no sentido de que
em uma sociedade em que o trabalho social est dividido dependemos uns dos
outros para a satisfao de nossos interesses. Durkheim quer ir alm dessa ideia, j
devidamente explorada pelos economistas clssicos. A diviso do trabalho teria um
efeito muito maior, alcanando as camadas mais profundas da conscin-?cia moral:
alm de fazer com que os homens se ajudem mutuamente, quer queiram quer no,
faz com que se respeitem, gerando um sistema de obrigaes morais. Participando
da diviso do trabalho social, cada membro da sociedade sente a importncia dos
demais, compreende que ningum basta a si mesmo e que so todos parte de um
todo maior. esse efeito moralizador que Durkheim ressalta em sua reao
interpretao econmica da diviso do trabalho, que enfatizava muito mais os
aspectos materiais, como o aumento de produtividade.
A diviso do trabalho um processo que atravessa a histria da sociedade
humana, que no comea em um momento preciso, mas vem se afirmando ao longo
do tempo e atinge na sociedade moderna um ponto culminante. Como fonte de
moralidade e, portanto, de ordem social, cabe esperar que a sociedade moderna,
que testemunha o auge desse processo, se beneficie de suas virtudes morais.
Durkheim sabe, porm, que a sociedade moderna permeada por conflitos e que o
conflito entre capital e trabalho um dos mais ameaadores ordem social.
Durkheim tratou de alguns problemas sociais caractersticos da sociedade
moderna, mas no os associou diviso do trabalho como tal e sim ao que chamou
de formas anormais da diviso do trabalho. A raiz dos problemas no estaria no
princpio estrutural que d sustentao sociedade moderna a diviso do
trabalho social , mas no fato de que esse princpio estrutural ainda no pode gerar
todos os seus efeitos benficos, seja porque no teve tempo suficiente para isso, seja
em razo dos obstculos apresentados por arranjos institucionais tradicionais.
Uma das formas anormais de diviso do trabalho a que Durkheim chama
de diviso forada do trabalho. A diviso do trabalho social envolve dois princpios
estruturais que variam historicamente e que podem se tornar fonte de
instabilidade. De um lado, h uma classificao social que confere recompensas
materiais e simblicas distintas s diferentes ocupaes, classificao que, em cada
momento histrico, emprega critrios mais ou menos consensuais. De outro lado,
h um princpio que organiza a distribuio dos indivduos nas diversas ocupaes.
Se no passado critrios vinculados ao nascimento presidiam essa distribuio, para
a sociedade moderna o nico critrio legtimo seria o mrito. Assim, quando um
indivduo no ocupa, no interior da diviso do trabalho social, a posio que melhor
corresponderia s suas capacidades naturais e, portanto, s suas aspiraes e o
vnculo entre capacidades e aspiraes um dos pressupostos duvidosos em todo
esse raciocnio de Durkheim , ento teramos uma diviso forada do trabalho, no
sentido de que ela experimentada como ilegtima e s pode ser sustentada pela
fora. Nas condies modernas, a igualdade de oportunidade , assim, crucial para
que a diviso do trabalho social seja fonte de coeso e no de insatisfao. A
instituio da herana, ao instaurar condies iniciais desiguais na busca pelas
ocupaes mais valorizadas, condies desiguais que no refletem o mrito do
indivduo, seria um arranjo institucional contrrio aos valores da sociedade
moderna. H vrios pressupostos complicados nesse raciocnio de Durkheim. A