Arcadismo - Trabalho
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INTRODUO
O presente trabalho tem por objetivo realizar um estudo comparativo entre as
obras Marlia de Dirceu de Toms Antnio Gonzaga e O Romanceiro da
Inconfidncia de Ceclia Meireles. Aqui faremos uma breve anlise dos poemas desses
clebres autores atravs da demarcao e confronto de passagens da poesia de Ceclia
que venham a ter alguma identificao ou mesmo pontos que se contraponham com as
caractersticas da poesia de Toms Gonzaga.
difceis, depois de conseguir noivar com a moa a muito custo, Dirceu preso por est
em uma reunio na qual junto a fazendeiros, padres e soldados e seu amigo Claudio
discutem sobre poltica e falam sobre a independncia da colnia. Trados eles so
denunciados e acabam julgados pela conjurao mineira.
Mas tendo tantos dotes da ventura,
S apreo lhes dou, gentil pastora,
Depois que teu afeto me segura
Que queres do que tenho ser senhora.
bom, minha Marlia, bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte e prado;
Porm, gentil pastora, o teu agrado
Vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Graas, Marlia bela,
Graas minha estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vo se atreve;
Papoula ou rosa delicada e fina
Te cobre as faces, que so cor da neve.
Os teus cabelos so uns fios douro;
Teu lindo corpo blsamos vapora.
Ah! No, no fez o cu, gentil pastora,
Para glria de Amor igual tesouro!
Graas, Marlia bela,
Graas minha estrela!
morte rompem com o equilbrio e linearidade da poesia clssica. O tom sereno at ento
impresso em sua poesia substitudo pelo sentimentalismo e pelo relato emocionado de
um homem que v seu futuro nas mos de pessoas injustas.
Lira XI
Minha bela Marlia, tudo passa;
A sorte deste mundo mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraa.
(...)
A devorante mo da negra Morte
Acaba de roubar o bem que temos;
At na triste campa no podemos
Zombar do brao da inconstante sorte:
Qual fica no sepulcro,
Que seus avs ergueram, descansado;
Qual no campo, e lhe arranca os frios ossos
Ferro do torto arado.
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
No voltam contra ns a face irada,
Faamos, sim, faamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um corao que, frouxo,
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marlia, a si prprio rouba,
E a si prprio fere.
A segunda parte da lira de Gonzaga traz as marcas de sua priso. Ele demonstra
nestes versos a dor pela distncia da mulher amada, pela injustia sofrida e pela solido
do exlio. Toda essa amargura descrita por Dirceu vai imprimir em seus versos
caractersticas pr- romnticas. Como podemos observar a tristeza e a falta de esperana
toma conta de Dirceu que j no consegue vislumbrar um futuro glorioso para seu
romance com Marlia. H nestes versos de Gonzaga a forte presena de verbos no
passado indicando o saudosismo de Dirceu.
Lira XX
No sei, Marlia, que tenho,
Depois que vi o teu rosto,
Pois quanto no Marlia
J no posso ver com gosto.
Sobre Gonzaga, Oswald de Andrade afirma que se este deve ser condenado por
alguma coisa que seja por sua inovao potica j que este crime, o de trair a velha
poesia rcade ele cometeu, mas julg-lo por trao poltica injusto, uma vez que desta
acusao Gonzaga inocente.
Com Gonzaga estamos compromissados. romantismo. Ele e
seus companheiros de inconfidncia tambm traem a f
jurada aos acentos mortos da velha poesia. Mas no h como
movimento poltico, traio alguma. H adivinhao e destino
de um povo que se emancipa e cria sua vida prpria.
rcades
organizaram
uma
rebelio
para
proclamar
E aqui ficamos
todos contritos,
a ouvir na nvoa
o desconforme,
submerso curso
dessa torrente
do purgatrio...
Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem,
purificados?
(...)
Marlia sempre aparece como figura que une os sentimentos de puro amor e de
piedade pela perda, pelo sacrifcio herico da permanecer na solido at a morte.
de suma importncia, considerar que a obra de Ceclia Meireles, O romanceiro
da Inconfidncia, dialoga em determinados trechos com a obra de Antnio Gonzaga,
Marlia de Dirceu, trazendo em seus poemas a figura de Marlia como representante de
uma mulher que, deixada pelo amado, ainda cultiva, em seu ntimo, a fidelidade. Marlia
representada nos poemas de Ceclia Meireles como uma mulher que borda o leno do
exlio, entoando cantos de tristeza, saudade, abandono e medo. J Gonzaga
representado como o homem que exilado para de tecer o enxoval e o vestido de noiva da
amada.
No poema, Enxoval interrompido, Ceclia estabelece um dilogo com a lira
XXXIV de Antnio Gonzaga. Nessa lira, possvel perceber Gonzaga bordando o
vestido de noiva para a amada Marlia e o enxoval para o casamento dos dois, Gonzaga
expressa a liberdade dos sonhos do amor entre Marlia e Dirceu Os sonhos, que
rodeiam a tarimba,/Mil coisas vo pintar na minha idia;/No pintam cadafalsos, no,
no pintam/Nenhuma imagem feia./Pintam que estou bordando um teu vestido;/Que um
menino com asas, cego e louro,/Me enfia nas agulhas o delgado,/O brando fio de
ouro. ( Antnio Gonzaga).Em contra partida h o poema enxoval interrompido de
Ceclia no qual percebemos a expresso das consequncias do exlio de Gonzaga que
interrompe a bordadura do vestido de noiva e do enxoval acabando com o sonho de
amor entre as personagens Dirceu e Marlia. Estrela da aurora,/fonte matinal,/j vistes
e ouvistes desventura igual?/A agulha partiu-se./Quebrou-se o dedal( Ceclia
Meireles).
Do enxoval interrompido
Aqui esteve o noivo,
de agulha e dedal,
bordando o vestido
do seu enxoval.
O sono, embuado
em cada beiral.
Quem no dorme, sonha
com seu enxoval.
A agulha, de prata,
e de ouro, o dedal.
Em haste de cera,
ergue o castial
para a turva noite
lrio de cristal.
o amargo sinal?)
A noite na Vila
densa e glacial.
Sabeis, pastora,
daquele zagal
Teria rival?
O sono conversa
em cada poial.
Sabeis, pastora,
quem seja o chacal
que os passos arrasta
de Longe arraial?
Eu vi sua lngua:
um negro punhal.
Que mortes fareja
o imundo animal?
De prata era a agulha,
e de ouro, o dedal.
Em sonho traava,
com doce espiral
de brilhantes flores,
novo madrigal.
Sabeis, pastora,
por que o maioral
manda pr algemas
no louro zagal
que tranqilo borda
lrico enxoval?
Estrela de aurora,
fonte matinal,
j vistes e ouvistes
desventura igual?
A agulha partiu-se.
Quebrou-se o dedal.
Romperam-se as flores
- a que vendaval?
Procurais os rastos
do infame chacal?
Sumiram-se embaixo
do trono real!
Soluam as guas
em seu manancial.
E em sedas que foram
de seda e coral,
vai rolando um triste
orvalho de sal.
Sabeis, pastora,
daquele zagal,
que agora no borda
seu rico enxoval?
Cenrio
Passei por essas plcidas
colinas
Do leno do exlio
Hei de bordar-vos um leno
em lembrana destas Minas;
ramo de saudade, imenso...
lgrimas bem pequeninas.
(e imposies familiares.)
Fim de maio
Andam as quatro comarcas
em grande desassossego:
vo soldados, vm soldados;
tremem os brancos e os negros.
Se j levaram Gonzaga
e Alvarenga, mais Toledo!
Se a Cludio mandam recados
para que se esconda a tempo!
Sentam-se na cama, os doentes.
Choram de susto, os meninos.
Mil portadores galopam.
H mil coraes aflitos.
Por aqui brilhava a Arcdia,
com flores, verso, idlios...
(Que querem dizer amores,
aos ouvidos dos meirinhos?)
De Juliana de Mascarenhas
Juliana de Mascarenhas
que andas to longe, a cismar,
levanta o rosto moreno,
lana teus olhos ao mar,
que j saiu barra afora,
grande e poderosa nau,
Senhora da Conceio,
Princesa de Portugal.
Vai para o degredo um homem
que breve irs encontrar
-claros olhos de turquesa,
finos cabelos de luar.
Vai para o degredo um poeta
que se no pde livrar
de Vice-Reis e Ministros
e Capito-General.
E era a flor do nosso tempo!
E era a flor deste lugar!
L se vai por essas ondas,
por essas ondas se vai.
Seca-lhe o vento nos olhos
perolazinhas de sal;
seca-lhe o tempo no peito
sua fora de cantar;
as controvrsias dos homens
secam-lhe no lbio os ais;
e as saudades e os amores
no sabe o que os fez secar.
Juliana de Mascarenhas,
distante rosa oriental,
estende os teus negros olhos
IMAGINRIA SERENATA
Vejo-te passando
por aquela rua
mais aquele amigo
que encontraram morto.
E pergunto quando
poderei ser tua,
se vens ter comigo,
de to negro porto.
Ah, quem pe cadeias
tambm nos meus braos?
Quem minha alma assombra
com tanto perigo?
Em sonho rodeias
meus ocultos passos.
Ouve a tua sombra
o que, longe, digo?
Vejo-te na igreja,
vejo-te na ponte,
vejo-te na sala...
Todo o meu castigo
que no me veja,
tambm, no horizonte.
Que oua a tua fala
sem me ver contigo.
Na minha janela,
pousa a luz da lua.
l no mais consigo
descanso em meu sono.
Pela noite bela,
o amor continua.
Deita-me consigo
aos ps do seu dono.
(e imposies familiares.)
J no Romance LXXIII ou da inconformada Marlia, vemos que a personagem
revela o seu carter contestador nos dilogos, afirmando que jamais o amado iria
esquec-la, S se tivesse alienado! . Em passagens distintas encontramos, inclusive, a
voz do corao, o que ressalta que a mulher se sente inconformada e se desespera e
rejeita a realidade do seu destino. Conforme mostrado no trecho que segue:
(...) -corao desventurado -
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5. CONCLUSO
Como demonstrado no corpo de todo o trabalho, o Romanceiro da
Inconfidncia, de autoria de Ceclia Meireles, retrata a Inconfidncia Mineira,
mostrando os dramas de seus representantes, relatando o trabalho da minerao feito
pelos desbravadores do serto. Mostrando-se bastante presente tambm o esprito
liberal, o combate ao absolutismo portugus e as ideias de independncia; essas ltimas,
inspiradas na independncia dos EUA e da Frana.
Alm disso, no se pode deixar de mencionar que a obra de Ceclia tambm
aborda a questo do amor e dos sentimentos das pessoas que se encontravam envolvidas
no movimento revolucionrio da Inconfidncia.
Ao se debruar sobre a revoluo inconfidente, o cenrio histrico em que se
encontravam as Minas Gerais e o Brasil naquele perodo, alm do amor e dos
sentimentos humanos de uma forma geral, a autora no tinha como no se remeter
figura de Tmas Antnio Gonzaga e a sua Marlia, uma vez que, apesar de ser
usualmente enquadrado como sendo um autor rcade, Gonzaga tratou, em sua famosa
obra, de temas eminentemente romnticos.
Em Marlia de Dirceu, Tmas Antnio Gonzaga expe toda a sua sensibilidade.
O autor no se limita a descrever as paisagens e a natureza do Brasil, tratando ali das
angstias e incertezas dos envolvidos no processo de inconfidncia. Alm disso, aborda
o amor entre Dirceu e sua amada; no mais um amor pueril, mas um amor ardente e
cheio de desejos.
A poesia de Gonzaga, assim como de outros poetas mineiro do perodo, deixam
um pouco de lado as posturas plidas e inspidas da Arcdia e se voltam para temas mais
humanizados, voltados para o interior humano. Os poetas inconfidentes deixam ento de
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se preocupar tanto com a descrio das paisagens e do externo, para abordar temticas
mais voltadas para o interno, aquilo que no se enxerga com os olhos.
Portanto, no de se estranhar que possamos considerar Marlia de Dirceu
uma obra romntica, j que a mesma aborda temas relacionados no s ao ambiente que
circundam as personagens ali encontradas, mas aos sentimentos vivenciados por
aqueles, ou seja, ao interior dos seres humanos e sua individualizao.
Assim, com base no exposto, pode-se afirmar que Meireles mantm um dilogo
com a obra potica de Gonzaga, estabelecendo relaes importantes entre ambas, seja
por se enquadrarem na temtica romntica, seja por tratarem de tema importantssimo
ocorrido no cenrio histrico brasileiro.
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