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REFORMA

AGRRIA
Revista da Associao Brasileira de Reforma Agrria - ABRA
Volume 33 - N 2 AGO / DEZ

Homenagens
Biografia de Jos Gomes da Silva
Homenagem a Jos Gomes da Silva
Ensaios e Debates
A CPMI da Terra na viso dos mandantes
O Parlamento e a criminalizao dos movimentos
de luta pela terra: um balano da CPMI da Terra
CPMI da Terra e a luta de classes no Congresso Nacional
Estado penal e criminalizao do MST ou de como o Judicirio e
mdia fabricam as novas bruxas de Salm uma anlise sobre a
ao das mulheres da Via Campesina nas terras da Aracruz
Campanha Internacional Contra a Violncia no Campo: instrumento
de luta pela reforma agrria e contra a violao dos direitos humanos
A morte ronda os canaviais paulistas
Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria
A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula
Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:
dos primeiros debates as atuais reflexes
Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo sobre a
luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)
Documentos
Por que Reforma Agrria?
CORREIO DA ALADA
CPMI DA TERRA: Quadro comparativo das
recomendaes dos relatrio vencido e vencedor

REFORMA
AGRRIA
Revista da Associao Brasileira de Reforma Agrria - ABRA
Volume 33 - N 2 AGO / DEZ

Sumrio
S UPLENTES :
Abdias Villar de Carvalho
Guilherme C. Delgado
Srgio Leite
Gerson Teixeira
A Associao Brasileira de Reforma
Agrria uma entidade civil, no governamental, sem fins lucrativos, organizada
para ajudar a promover a realizao do
processo agro-reformista no Brasil, bem
como contribuir para incrementar o padro de vida da populao rural, melhorando a produo, a distribuio dos alimentos e produtos agrcolas, aumentando
as possibilidades de emprego, contendo a
deteriorao ambiental e assegurado o
respeito aos direitos fundamentais do
homem.
D IRETORIA E XECUTIVA G ESTO
2004/2006
P RESIDENTE :
Plnio de Arruda Sampaio
V ICE - PRESIDENTE :
Osvaldo Russo de Azevedo
T ESOUREIRO : Jos Vaz Parente
D IRETORES :
Francisco de Assis Costa
Hugo Herdia (in memoriam)
Moacyr Palmeira
Osvaldo Aly Junior
Pedro Christffoli
Ariovaldo Umbelino de Oliveira
C ONSELHO D ELIBERATIVO
T ITULARES :
Adalberto Martins
Bernardo Manano Fernandes
Joo Luiz Homem de Carvalho
Joo Pedro Stdile
Jos Juliano de Carvalho F
Leonilde Srvolo de Medeiros
Maria Emlia Pacheco
Raimundo Joo Amorim
Regina Bruno
Luis Carlos Guedes Pinto

C ONSELHO E DITORIAL DA
REVISTA "R EFORMA A GRRIA "
Jos Juliano de Carvalho Filho
(Presidente do Conselho e Editor da revista)
Ariovaldo Umbelino de Oliveira
Brancolina Ferreira
Bernardo Manano Fernandes
Fernando Gaiger da Silveira
Guilherme da Costa Delgado
Leonam Bueno Pereira
Leonilde Srvolo de Medeiros
Maria de Nazareth Baudel Wanderley
Marcelo Goulart
Osvaldo Aly Junior
Oriowaldo Queda
Pedro Ramos
Raimundo Pires Silva
Raquel Santos Sant'Ana
Regina Petti
Sergio Pereira Leite
Sonia P. P. Bergamasco
Sonia Novaes Moraes
Tams Szmrecsnyi
Walter Belik
Vera Botta

Editorial ..................................................................................................... 7
Homenagens
Biografia de Jos Gomes da Silva

SNIA HELENA NOVAES GUIMARES MORAES ........................................................

Homenagem a Jos Gomes da Silva


ABDIAS ABDIAS VILAR DE CARVALHO

................................................................... 19

Ensaios e Debates
A CPMI da Terra na viso dos mandantes
SNIA HELENA NOVAES GUIMARES MORAES

........................................................ 33

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos


de luta pela terra: um balano da CPMI da Terra

SRGIO SAUER; MARCOS ROGRIO DE SOUZA; NILTON TUBINO

................................. 41

CPMI da Terra e a luta de classes no Congresso Nacional


JOO ALFREDO TELLES MELO

............................................................................ 67

Estado penal e criminalizao do MST ou de como o Judicirio e


mdia fabricam as novas bruxas de Salm uma anlise sobre a
ao das mulheres da Via Campesina nas terras da Aracruz
FERNANDA MARIA DA COSTA VIEIRA

.................................................................... 73

Campanha Internacional Contra a


Violncia no Campo: instrumento de luta
pela reforma agrria e contra a violao dos direitos humanos
PAULO DE TARSO CARALO

.................................................................................. 99

A morte ronda os canaviais paulistas


MARIA APARECIDA DE MORAES SILVA

................................................................. 111

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

MARCELO PEDROSO GOULART

.......................................................................... 143

J ORNALISTA R ESPONSVEL :
Ari Gomes

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

R EVISO E E DITORAO G RFICA :


Liber Comunicao

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

livre a transcrio de matria original


publicada nesta revista, desde que citada a
fonte. A ABRA no se responsabiliza por
conceitos emitidos em artigos assinados.

Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo sobre a


luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

E NDEREO :
Rua Vicente Prado, 134, So Paulo - SP
T EL .: (11) 3105-5088
STIO : www.reformaagraria.org
E - MAIL : [email protected]

13

ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA

................................................................. 165

SONIA MARIA P. P. BERGAMASCO; LUIZ ANTONIO CABELLO NORDER

LEONARDO SOARES DOS SANTOS

....................... 203

....................................................................... 227

Documentos
Por que Reforma Agrria?

............................................................................ 245
CORREIO DA ALADA ......................................................................... 251
ANA MARIA ARAJO FREIRE

CPMI DA TERRA: Quadro comparativo das


Recomendaes dos relatrio vencido e vencedor ................................. 255

Editorial

Antes da apresentao deste nmero da revista, a ABRA, por meio deste


editorial, vem a pblico para manifestar-se perante a sociedade sobre trs
acontecimentos recentes que atentam contra a democracia e a luta social por
uma sociedade mais justa.
A primeira manifestao refere-se ao que ocorreu na CPMI da Terra. A preocupante e revoltante rejeio do relatrio do Deputado Joo Alfredo e a aprovao de outro relatrio, de interesse exclusivo da chamada bancada ruralista,
evidenciam que as foras mais retrgradas e truculentas esto novamente a
manifestar-se com desenvoltura na sociedade brasileira. O texto aprovado
omisso quanto a vrios aspectos relevantes da nossa realidade agrria e visa,
de forma torpe, perseguir, desorganizar e criminalizar as organizaes dos trabalhadores, principalmente o MST. Ele chega a propor o absurdo do enquadramento das aes dos movimentos sociais na luta pela reforma agrria como
prtica de atos terroristas. A ABRA denuncia e repudia o que oconteceu no legislativo federal e, ao mesmo tempo, alerta a sociedade sobre o perigo da volta
ao obscurantismo.
A segunda diz respeito ao que vem ocorrendo em Ribeiro Preto (SP),
regio costumeiramente apontada como exemplo do agronegcio. Os fatos
l verificados mostram claramente que o termo agronegcio nada mais do
que um eufemismo para camuflar velhas prticas de coao e intimidao,
desde sempre utilizadas pelo latifndio. Referimo-nos aqui violncia que
vem sendo praticada contra a pessoa do Promotor de Justia Dr. Marcelo
Goulart, cuja atuao "pauta-se essencialmente no cumprimento da Constituio Federal e na defesa da sociedade civil". Por assim atuar, Marcelo Goulart, nosso companheiro na luta pela Reforma Agrria, "tem sofrido ataques
de toda a ordem, alguns com carter srdido e covarde". As aspas so de
manifesto de apoio, publicado na revista "Dialgico" do Ministrio Pblico
Democrtico. Continua o manifesto: "querem acuar todos os setores da sociedade que lutam contra a desigualdade, contra a concentrao de terras e
riquezas, contra o racismo, contra a explorao e a destruio do meio ambiente. Querem amedrontar os setores organizados da sociedade civil...". A
ABRA soma-se s diversas entidades que assinam o manifesto e declara o seu
apoio irrestrito a Marcelo Goulart.
ABRA - REFORMA AGRRIA

Editorial

Editorial

A terceira manifestao de apoio s mulheres trabalhadoras rurais que


tiveram a coragem de confrontar o agronegcio em uma das suas formas
mais agressivas, qual seja, a das grandes corporaes multinacionais que
dominam, internacionalizam e exploram o nosso solo em favor de interesses
outros, que nada tm a ver com os do povo brasileiro. O silncio da mdia e
a conivncia das autoridades levaram-nas ao contra a Aracruz. Denunciaram o "deserto verde" e o domnio e explorao dos aqferos. Por isso foram tratadas como criminosas. A estas nobres e corajosas companheiras, a
ABRA declara o seu apoio e denuncia a forma como foram tratadas.

Paulo de Tarso Caralo, com o texto "Campanha internacional contra a violncia no campo: instrumento de luta pela Reforma agrria e contra a violao dos direitos humanos", denuncia o modelo de desenvolvimento agrrio
- concentrador, excludente, violento e predador - e divulga importante campanha contra a violncia e a impunidade, aprovada no 9 Congresso
Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - CNTTR, realizado pela
CONTAG em fevereiro de 2005.

Esta edio destaca os acontecimentos acima e aborda outros assuntos relevantes para a nossa realidade agrria.
De incio so registradas as homenagens feitas por Sonia Helena Novaes
Guimares Moraes e Abdias Vilar de Carvalho a Jos Gomes da Silva,
saudoso companheiro de todos ns, fundador da ABRA e exemplar lutador
pela Reforma Agrria e justia no campo. Estas merecidas homenagens tiveram lugar em Porto Alegre por ocasio da Segunda Conferncia Internacional
sobre Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural.
Na seo Ensaios e Debates, primeiramente, h o destaque para o tema
"CPMI da Terra", com a publicao de trs artigos: "A CPMI da terra na viso
dos mandantes", de Sonia Helena Novaes Guimares Moraes; "O Parlamento
e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra: um balano da CPMI
da Terra", de Srgio Sauer, Marcos Rogrio de Souza e Nilton Tubino; e "CPMI
da Terra e a luta de classes no Congresso Nacional", de Joo Alfredo Telles
Melo, deputado relator. Ainda sobre a CPMI, na seo Documentos consta o
"Quadro Comparativo das Recomendaes dos Relatrio Vencido e
Vencedor". O material, ora publicado, possibilita aos leitores o conhecimento e a anlise do que, de fato, ocorreu no Congresso Nacional.
A seguir, o realce para o tema da "Criminalizao e Violncia no Campo".
Fernanda Maria da Costa Vieira, com o artigo "Estado penal e criminalizao
do MST ou de como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm
- uma anlise sobre a ao das mulheres da Via Campesina nas terras da
Aracruz", retrata e discute o comportamento da justia na sociedade atual, ou
seja, mostra que, fundamentalmente, trata-se de "Punir os pobres". O caso da
Aracruz retratado. A autora mostra que o comportamento do judicirio
vivenciado pelas mulheres trabalhadoras e por lideranas do MST "se insere
num processo de criminalizao da misria".
ABRA - REFORMA AGRRIA

Maria Aparecida Moraes escreve sobre os efeitos da atual fase da agricultura capitalista sobre as condies de trabalho. O artigo "A morte ronda os
canaviais paulistas" retrata a explorao imposta aos trabalhadores na festejada rea do agronegcio da cana-de-acar em So Paulo. Coloca em
evidncia as mortes de trabalhadores por exausto, discute as condies subhumanas em que se d a migrao da mo de obra e permite ao leitor relacionar os efeitos do modelo agrcola em So Paulo e nas regies de origem
de muitos trabalhadores. No contexto do agronegcio da cana-de-acar, o
texto denuncia a barbrie no mundo do trabalho.
Por sua vez, Marcelo Pedroso Goulart contribui com artigo "Ministrio
Pblico, Meio ambiente e Questo Agrria". No incio deste editorial j fizemos referncia atuao deste Promotor de Justia e sobre as presses e
ataques que vem sofrendo. O texto apresenta "as noes bsicas que devem
informar a ao do promotor de justia no combate s prticas antiambientais" e prope a atuao efetiva do Ministrio Pblico na poltica agrria. Este
editorial chama a ateno para a forma oportuna e didtica utilizada para a
discusso da relao entre os princpios-essncia da Constituio Federal e a
funo social da propriedade rural.
O tema "poltica agrria" tambm faz parte desta publicao. Ariovaldo
Umbelino de Oliveira, com o artigo "A 'No Reforma Agrria' do MDA/INCRA
no Governo Lula", complementa a edio anterior da nossa revista, dedicada
ao assunto. O artigo rebate os nmeros oficiais, critica a forma enganosa utilizada na divulgao e evidencia o no cumprimento das metas do II PNRA.
O texto traz importante denncia sobre grilagem de terras e apropriao
indbita de terras pblicas da Unio na regio norte.
Sonia Maria P. P. Bergamasco e Luiz Antonio Cabello Norder retomam para
a nossa revista a temtica dos assentamentos de reforma agrria. O artigo
"Assentamentos e assentados no Estado de So Paulo: dos primeiros debates
s atuais reflexes" recupera os debates iniciais sobre a questo em So
Paulo, analisa historicamente os aspectos importantes da organizao poltiABRA - REFORMA AGRRIA

Editorial

ca dos movimentos sociais rurais e dos programas de assentamentos, e discute a presena do Estado e as alternativas de aes frente s demandas dos
assentados.
A questo do tratamento dado pela grande imprensa problemtica da
luta pela terra abordada por Leonardo Soares dos Santos com o texto "A
cobertura do jornal O Globo sobre a luta pela terra no Serto Carioca (19511964)". O autor parte da concepo de Gramsci sobre a questo do jornalismo, analisa os acontecimentos da poca e conclui que a forma como o jornal abordou os conflitos esteve intimamente ligada aos princpios ideolgicos
que orientavam a sua atuao como importante instrumento de hegemonia
privada. As aes dos trabalhadores na luta pela terra, diferente da atuao
dos grileiros, foi tratada como "agitaes perigosas", "obra de agitadores".
Ana Maria Arajo Freire contribui para esta edio com o texto "Por que
Reforma Agrria?", originalmente escrito para o Boletim do Incra. O artigo
apresenta interessante resumo do nosso processo histrico, caracteriza a nossa sociedade como autoritria, discriminatria e elitista, e recoloca a relevncia da reforma agrria.
A revista tambm divulga o documento "El Derecho Agrrio Debe Orientar
El Cambio de la Estrutura Agrria Em Amrica Latina", mensagem do Prof. Rodolfo Ricardo Carrera, presidente da ALADA - Asociacin Latinoamericana de
Derecho Agrrio.
Este editorial termina com uma nota triste. Infelizmente, comunicamos o
falecimento de Hugo Herdia, diretor da nossa entidade. Neste espao, tanto
valorizado por ele, a ABRA presta a sua homenagem ao grande companheiro
de lutas pela reforma agrria e justia na sociedade brasileira.

Plnio de Arruda Sampaio


Presidente da ABRA
Jos Juliano de Carvalho Filho
Editor

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Homenagens

Jos Gomes da Silva


(1924-1996)

Nasceu em Ribeiro Preto/SP. Em 1946, formou-se em agronomia na Escola Superior de Agricultura "LUIZ DE QUEIROZ" da Universidade de So
Paulo/USP, recebendo, nessa ocasio, o Prmio "Epitcio Pessoa", oferecido
pela Sociedade Rural Brasileira, como primeiro aluno de sua turma, o que j
fazia prever a brilhante carreira a se construir. Em 1950 obteve o ttulo de
"MASTER OF SCIENCE" pela University of Illinois, USA e, em 1954, diplomouse como "DOUTOR EM AGRONOMIA" pela Universidade de So Paulo/USP.
A partir de 1963, participou de vrios cursos internacionais sobre Reforma
Agrria, patrocinados pela Organizao dos Estados Americanos (OEA), pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo Ministrio da Agricultura e Ministrio das Relaes Exteriores de Israel, pelo Instituto Interamericano de Cincias Agrcolas da OEA. Foi bolsista da OEA e dos Governos de Israel, Itlia, Frana e Espanha para visita aos projetos de Reforma Agrria destes pases, alm de bolsista do "Institute of Developing Economies", em Tquio
no Japo. Visitou, por inmeras vezes, os pases da Amrica do Sul para conhecer as experincias de Reforma Agrria, alm de outros na Europa, na ndia, na Repblica rabe Unida, na Unio Sovitica e na China.
Alm de empresrio rural de sucesso, com diversas premiaes oficiais pela
excelncia na atuao relativa ao solo e produo e como engenheiro
agrnomo atuante, Jos Gomes da Silva tem vastssimo currculo no servio
pblico, que iniciou em 1959, como Diretor da Diviso de Assistncia Tcnica
Especializada do Departamento de Produo Vegetal, da Secretaria de
Agricultura do Estado de So Paulo. Chefe do Servio de Expanso de Soja,
coordenou o programa que lanou as bases econmicas da cultura da soja no
sul do pas. Organizou e foi o primeiro Diretor da Diviso de Assistncia Tcnica
Especializada (DATE) da Secretaria da Agricultura do Estado de So Paulo.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Homenagens

Homenagens

Em 1964, foi Presidente da Superintendncia de Poltica Agrria/SUPRA e


responsvel pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrria/IBRA. No ano
seguinte, foi membro do Grupo de Trabalho de Regulamentao do Estatuto
da Terra (GRET), institudo junto ao Gabinete do Ministro do Planejamento e
Coordenao Econmica e assumiu a Coordenadoria do Grupo de Trabalho
do Programa Especfico de Cooperativas Aucareiras de Reforma Agrria. De
volta a So Paulo, em 1966, organizou e dirigiu a Diviso de Scio-Economia
Rural da Secretaria de Agricultura do Estado.

A extensa enumerao dos cargos que Jos Gomes da Silva ocupou no


traduz, nem de longe, a importncia de sua contribuio para a Questo
Agrria Brasileira.

Foi o idealizador e fundador da ASSOCIAO BRASILEIRA DE REFORMA


AGRRIA/ABRA, em 1967, foi seu Diretor-Executivo e Presidente reeleito por
diversas gestes.
Foi ainda Consultor da FAO/IICA nos Estudos do Comit Especial da FAO
sobre Reforma Agrria em Roma, na Itlia. Consultor da Organizao
Internacional do Trabalho (OIT) na preparao de informe sobre
"CAPACITAO DE CAMPONESES PARA A REFORMA AGRRIA E
COLONIZAO" em 1972 e Consultor da FAO em 1975 na Fundao
Alem para o Desenvolvimento Internacional na preparao do estudo:
"NOVAS FORMAS DA ORGANIZAO DA PRODUO AGRCOLA" em
Berlin, na Repblica Federal da Alemanha.
Jos Gomes da Silva exerceu o cargo de Diretor da Cooperativa Agrcola
de Pirassununga e da Cooperativa Agropecuria de Campinas.
Em 1983, a convite do Governador eleito Andr Franco Montoro, assumiu
o cargo de Secretrio da Agricultura e Abastecimento do Estado de So
Paulo, quando criou o Instituto de Assuntos Fundirios, depois ITESP e hoje
Instituto de Terras "Jos Gomes da Silva", em sua homenagem.
Em 1984, como Vice-Presidente do Conselho Estadual de Energia, ficou
encarregado dos programas de biomassa, especialmente do PROLCOOL e
suas implicaes fundirias.
Convidado pelo Presidente eleito Tancredo Neves, assumiu em 1985, no
governo Sarney, a Presidncia do Instituto Nacional de Colonizao e
Reforma Agrria/ INCRA e coordenou a equipe que elaborou o 1 Plano
Nacional da Reforma Agrria da Nova Repblica-PNRA.
Em 1990, foi coordenador da rea de Agricultura e Reforma Agrria do
Governo Paralelo da FRENTE BRASIL POPULAR.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Importante salientar que, logo no incio de sua carreira, fez parte da equipe,
do ento Secretrio de Agricultura do Governo Carvalho Pinto - Jos
Bonifcio Coutinho Nogueira - que elaborou o PROGRAMA DE REVISO
AGRRIA DO ESTADO DE SO PAULO na dcada de sessenta. Ao mesmo
tempo, sua capacitao para programas de Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural dava-se em todos os sentidos, tanto por sua participao e contribuio na prtica dos projetos ensaiados no estado e no pas, como nas
experincias internacionais que pde conferir in loco.
Sobre sua participao na equipe que elaborou o projeto de lei do Estatuto
da Terra, era com riqueza de detalhes que Jos Gomes transmitia sua crena
e idealismo na construo da Lei de Reforma Agrria para o pas. Em suas
palestras e cursos, nas publicaes da ABRA e no prprio livro que escreveu
- "A Reforma Agrria no Brasil", (1971), lembrava que, desde o envio da proposta legal ao Congresso Nacional, a lei j era fortemente combatida pelas
classes proprietrias de planto. Dizia ainda que havia se repetido na esfera
federal, em 1964, o mesmo repdio e fortes reaes adversas que a Reviso
Agrria do Estado de So Paulo tivera em 1960.
Decepcionado com a inrcia e o descaso do governo federal em fazer valer
o Estatuto da Terra, Jos Gomes pediu demisso de seu cargo na Presidncia
da SUPRA e no IBRA. Juntou-se, ento, a outros companheiros desapontados
e, em 1967, fundaram a ABRA - organizao no-governamental que se
manteria, como ele mesmo ironizava, como uma "lamparina sempre acesa" a
cobrar do governo a Reforma Agrria do ESTATUTO DA TERRA.
O Doutor Jos Gomes da Silva nunca deixou de prestar contas ao seu pas
e sociedade, de todo o investimento que o Estado e as instituies internacionais lhe proporcionaram ao prepar-lo e capacit-lo como tcnico de alto
nvel nos assuntos ligados Agricultura e Questo Agrria. Era um obstinado pela justia no campo. Como se no bastasse a luta, muitas vezes
"quixotesca", em prol da Reforma Agrria - principalmente nos duros tempos
da ditadura militar no Brasil - preocupava-se em formar novos quadros e
novos entusiastas na matria, fazia questo de passar seus conhecimentos e
no media esforos para atender aos inmeros apelos de universidades, associaes, sindicatos ou de quem quer que fosse e que o quisessem ouvir. Foi
um eterno sonhador e buscava com persistncia as oportunidades para
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Homenagens

Homenagens

exercer efetivamente seus saberes amplos sobre a matria. Procurava trabalhar sempre em equipe e, com esprito de liderana, a todos contagiava. Com
extremo bom humor, sabia conduzir as mais difceis situaes de enfrentamentos ao melhor termo. A ABRA, sob sua direo democrtica, foi uma trincheira
importante e um frum de discusso, de crtica, de divulgao e espao de
aperfeioamento dos estudos sobre a Questo Agrria Brasileira.

Agrria no Brasil. Jos Gomes ofereceu suas memrias aos trabalhadores


rurais, na certeza de que o aprendizado poderia ser til em novos embates do
porvir. Tambm publicou sobre o mesmo assunto - "Comentrios Constituio Federal arts. 184 a 191" (1991), em parceria com o ex-Procurador Geral
do INCRA (durante sua gesto em Braslia) - Lus Edson Fachin.

A ABRA de Jos Gomes foi apoio Luta pela Terra, foi lugar de acolhimento e incentivo aos movimentos sociais existentes no pas.
O trabalho srio e a respeitabilidade que Jos Gomes da Silva sempre
manteve junto sociedade, junto aos polticos, com o reconhecimento at
dos adversrios, motivou, por mais duas vezes, convocatrias para colaborar
com a administrao pblica em momentos de abertura poltica.
Assim, em 1983, como j salientamos, Jos Gomes foi Secretrio de
Agricultura e Abastecimento do Estado de So Paulo. Razes de sade ensejaram sua prematura substituio, o que no impediu que criasse logo no incio de sua gesto um programa de assentamento inovador no Brasil. A criao do Instituto de Assuntos Fundirios/IAF, na sua Secretaria, viabilizou o
incio dos estudos para a elaborao do "PLANO DE VALORIZAO DE TERRAS PBLICAS DO ESTADO DE SO PAULO", posteriormente transformado
em Lei Estadual. O Programa propiciou o assentamento de "trabalhadores
sem terra" nas reas pblicas do Estado de So Paulo.
A segunda convocao deu-se em 1985 e l estava o Doutor Jos Gomes da
Silva a presidir o INCRA, com grande expectativa de mudanas. Infelizmente,
porm, no era ainda a vez da Reforma Agrria, ampla e massiva, que se preconizava e que se pretendia implantar. O Plano Nacional de Reforma Agrria da
Nova Repblica/PNRA - elaborado com a participao de mais de cem tcnicos
de todas as regies do Brasil - fora grosseiramente adulterado por presso das
classes conservadoras e Jos Gomes, mais outra vez, fiel aos seus princpios ticos, deixou o governo e registrou "as crises da Reforma Agrria na Nova
Repblica" em seu segundo livro intitulado: "Caindo por Terra" (1987).
Em 1988, a Reforma Agrria sofreu outro duro golpe, agora na batalha da
Constituinte, melhor dizendo, no enfrentamento com os representantes da
Unio Democrtica Ruralista/UDR, criada pelos setores mais retrgrados e truculentos do latifndio no pas. O lanamento do terceiro livro "Buraco Negro:
a Reforma Agrria na Constituinte" importante documento de denncias a registrar as frustraes da luta dos setores progressistas, defensores da Reforma
ABRA - REFORMA AGRRIA

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importante resgatar, neste contexto, as palavras de Plnio de Arruda Sampaio, sobre as qualidades do amigo Z Gomes: "[Ele]...tinha uma virtude,
hoje quase submersa nesse pntano em que se transformou a poltica brasileira: coragem cvica. No fazia questo de contrariar os poderosos, no se
atemorizava diante deles. Voltou para a sua Santana do Baguau, na terra roxa de So Paulo, e ps-se a cuidar do seu caf, da sua cana, da laranja, do
limo." Acrescentou tambm que, depois de ter sado do INCRA e passado
mais decepes com a derrota da Reforma Agrria na Constituinte, Jos Gomes no desistiu da luta e, "nessa poca, passou a colaborar com o PT e com
o Movimento dos Sem Terra. Para o Governo Paralelo, que Lula havia institudo, coordenou a formulao de trs planos: o Plano de Seguridade Alimentar; o Plano de Poltica Agrcola e o Plano de Reforma Agrria. O primeiro
deles constitui[iu] a base tcnica da campanha do Betinho em 1993 - a Ao
da Cidadania contra a Fome, contra a Misria e pela Vida e do CONSEA
(Conselho Nacional de Seguridade Alimentar).Os outros dois foram as diretrizes da proposta de governo feita por Lula, em sua Campanha de 1994.
Com os Sem-Terra, visitou assentamentos. Com os estudantes, falou em universidades. Com os jornalistas, deu entrevistas. Para o pblico, escreveu
livros. Sempre sobre o mesmo tema: o Brasil precisa fazer a Reforma Agrria.
Plnio disse ainda que "... de todas as qualidades do Jos Gomes, a que [...]
parece mais digna de admirao, foi a capacidade de superar sua condio
de classe para perceber e jogar-se por inteiro na luta do povo... era um vitorioso, plenamente instalado em sua classe, em sua profisso, em sua terra.
Rompeu com tudo por uma convico, pela paixo por uma causa justa, pelo
entusiasmo em ajudar a construir a Nao."
E em toda essa trajetria de engajamento e amor por seus ideais, contou
com o apoio incondicional de sua esposa, Titina Graziano da Silva, e de seus
filhos - a mdica Maria Anaites Graziano da Silva Turini, a sociloga Vera
Lcia da Silva Rodrigues e o Engenheiro Agrnomo e Economista Jos Francisco Graziano da Silva, estes ltimos responsveis pela publicao pstuma
do livro que seu pai j deixara finalizado, intitulado "A Reforma Agrria Brasileira na virada do Milnio", publicado em 1977.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Homenagens

Homenagens

Jos Gomes da Silva deixou muitos seguidores ainda hoje um tanto fragilizados
com sua ausncia, mas estimulados sempre por seus valores, por sua obstinao,
seu esprito de luta, seu civismo e por sua enorme solidariedade ao prximo.

Homenagem a
Jos Gomes da Silva

Vivamos seu exemplo e inspiremo-nos em sua histria!


Abdias Vilar de Carvalho

Fonte de referncias:
Informaes de seus familiares
Documentos e dados da Associao Brasileira de Reforma
Agrria/ABRA
Artigos e Textos publicados na coleo do Boletim e da Revista
Reforma Agrria/ABRA
Depoimento de Plnio de Arruda Sampaio, publicado na
Revista da ABRA, vol.26 - jan.-dez. 1996
Convvio pessoal da organizadora desta sntese

1. Agradeo com satisfao e emoo o honroso convite para participar desta mesa em homenagem a Dr.Jos Gomes da Silva. Agradecimento sincero
porque outros pesquisadores mais capacitados do que eu, certamente, dignificariam melhor este momento e o prprio homenageado.
A inaugurao desta Sala com o nome de Jos Gomes da Silva, no prdio
da PUC, por iniciativa do INCRA e nesta Segunda Conferncia Internacional
sobre Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural rica no apenas de emoo, de rememoraes, mas em si mesma de muitos simbolismos, dentre os
quais assinalo a semelhana entre espaos e seus significados e destinos. Este
espao de produo do saber e da pesquisa com o locus da reforma agrria,
isto , ocupao de espaos improdutivos para a transformao de enxadeiros em produtores, conforme ele gostava dizer. Ocupar espaos plantar razes, germinar e reproduzir, em termos mais simples, fazer histria. A que
Gomes se dedicou? O qu ele fez, o qu nos legou? Desde sua formatura
como agrnomo at os ltimos momentos de sua vida buscou pela reflexo,
pela divulgao, pela interveno, pela direo em rgos e comisses ocupar espaos para semear a compreenso da realidade nacional, a necessidade de sua transformao e neste processo o lugar especial para a transformao da estrutura fundiria brasileira. A reforma agrria para ele um verdadeiro canal de dignificao da pessoa e de cidadania do trabalhador rural:
Um Pas to grande deve ter lugar para todos; casa, comida e trabalho
podem derivar simultaneamente de um pedao de terra, no no fundo da
selva, longe dos mercados e das querncias do trabalhador rural. A Nao
moderna que o Brasil pretende ser no pode construir uma indstria de
ponta em cima de uma multido de bias-frias, so suas palavras no discurso de posse na presidncia do INCRA, em 11 de abril de 1985.
A universidade o espao democrtico do livre pensar, do livre exprimir, da
busca de novos conhecimentos, tcnicas e tecnologias. Aqui habitam e se produzem intelectuais. No foi isto que ele, tambm, fez com seus quatro importantes
1 - Socilogo. [email protected]

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Homenagens

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livros - A Reforma Agrria no Brasil: frustrao camponesa ou instrumento de desenvolvimento, de 1971, Caindo por Terra, de 1987, Buraco Negro,: a reforma
agrria na Constituinte, de 1989, e o livro pstumo, reunindo os seus ltimos e
alguns inacabados escritos - A reforma Agrria Brasileira na Virada do Milnio,
de 1996, como tambm dezenas de artigos, outras tantas conferncias e palestras. Viajou de norte a sul deste pas e at mesmo para outros pases para conhecer os problemas locais e as experincias, aliando, portanto, teoria e experimentos, reflexo e ao. Jos Gomes da Silva, Dr. Gomes, Z Gomes, Gomes, Z
sojinha, nomes variados para um nico caudal de pessoa, foi um intelectual no
sentido universitrio, mas foi sobretudo um intelectual orgnico, no significado
que aprendemos com Gramsci. Por isso Ele no um estranho a este ambiente.
Ele no um intruso nesta platia. Este espao est bem dignificado.

pons torna-se cidado poltico, com a expanso das fronteiras paranaenses,


criando um clima de insegurana para a oligarquia agrria e recm elite
industrial.. Em vrios estados, polticos de esquerda ou comprometidos com
as reformas de base foram eleitos, Miguel Arraes, Mauro Borges, Brizola. O
Partido Comunista e a Igreja Catlica, atravs de sua ala progressista, se
dedicam organizao de trabalhadores rurais. Claro que todo este clima e
ainda mais com a reforma agrria se iniciando na Colombia e no Equador,
e, sobretudo, com a vitria de Fidel Castro, os Estados Unidos no tardaram,
dentro do clima da guerra fria, a fazer intervenes e buscar alianas seguras.
Neste contexto e no Governo Kennedy surge a Aliana para o Progresso como
mecanismo de cooptao das elites e dos governos latino-americanos para o
sonho de `faamos as mudanas antes que o povo as faa. A Conferncia
de Punta Del Este,em 1961, no Uruguai, consagra a reforma agrria como
uma ao urgente e necessria para a transformao dos pases latino-americanos para o desenvolvimento.

Esta homenagem, no ao idealista como alguns assim o titulavam, talvez at


pejorativamente, mas ao idealizador, reconstri, tambm, parte da trajetria da
reforma agrria brasileira. A comemorao de uma memria, e relembro agora
a clebre frase de Santo Agostinho da `memria como o ventre da alma (tanta
simbologia com terra!) no se inicia e termina no ato solene. Pelo contrrio,
um compromisso poltico para que o silncio do esquecimento no sepulte definitivamente a luta de milhes de brasileiros pelo acesso a terra, os nomes daqueles que como lderes, dirigentes e simples homem do povo tombaram por
quererem ser cidados e uma ptria e uma nao mais justa e humana.
Dr.Gomes no estranho para alguns que aqui esto. Tiveram o prazer de
sua amizade, do convvio em trabalho, em reunies, conferncias, encontros.
Sob sua orientao trabalharam, partilharam esperanas e decepes, procuraram dados, escreveram notas, falaram, discutiram, em curtos termos, formaram-se na escola de Gomes para a reforma agrria. Outras pessoas, conhecem-no de livros, artigos, de ouvir falar. Importantes aspectos, pois so
rastros do passado no presente.
2. Quem foi Jos Gomes da Silva: o empresrio moderno, o pesquisador e
inovador e o idealizador e batalhador da reforma agrria.
Antes de refletir um pouco sobre esses trs lado de uma mesma pessoa, permitam situ-lo no contexto econmico e poltico do Brasil.
No final dos anos 50, o pacfico e deitado eternamente em bero esplndido` campo brasileiro comea a rugir com o surgimento das Ligas
Camponesas, fato poltico de grande impacto pois pela primeira vez o camABRA - REFORMA AGRRIA

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Uma das aes da Aliana para o Progresso foi formar quadros tcnicos para
a reforma agrria, a seu modelo, claro. A tenso no campo e a bandeira das
reformas de base vo alm da reforma agrria, incluindo reforma urbana, universitria, controle das remessas de lucro das empresas estrangeiras. A intelectualidade seja das universidades, seja dos institutos de pesquisa no ficou ausente deste clima. Nos anos 60 surgem o IBAD com atuao poltica, inclusive
financiando campanhas eleitorais, e o IPES, grupo de estudo com figuras intelectuais de peso, como contra-ponto ao ISEB, surgido na poca de JK e que
agrupava muitos pensadores de esquerda.
O Golpe Militar de 1964, contando com forte apoio da oligarquia agrria,
extingue as Ligas, intervm nos sindicatos rurais, prende e tortura camponeses, exila lideranas rurais e religiosos. Contraditoriamente, trs meses aps,
o Presidente Castello Branco j fala em fazer reforma agrria. Uma das causas do Golpe, a reforma agrria, bandeira certa, mas em mos erradas retorna para o seio do poder militar. Todo arcabouo jurdico e administrativo
para executar a reforma agrria vai ser elaborado pelo governos militares.
No perodo de transio para a redemocratizao do pas, a reforma
agrria exigncia dos trabalhadores atravs da CONTAG com apoio da
Igreja Catlica e de alguns partidos polticos, expressivamente o PMDB e PT.
Em 1985, com o MST e, posteriormente, com outros movimentos, o cenrio
poltico dos movimentos sociais rurais se amplia, o que significa dizer ,tambm, a interlocuo com a sociedade e com os governos.
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3. Dr.Gomes o empresrio moderno.


Ele sempre ouviu uma indagao tanto pares, quanto pelos estranhos
para o fato de ser um empresrio rural bem sucedido e se dedicar com afinco reforma agrria.
Ouamos o que ele mesmo disse Revista Teoria e Debate:

Teoria e Debate: Uma coisa que instiga a curiosidade a


incompatibilidade terica advinda do fato de um empresrio
bem-sucedido na agricultura, como o senhor, ser um dos
grandes basties da luta pela reforma agrria.
JOS GOMES DA SILVA - Essa questo no chega a me preocupar, mas uma coisa que eu levo na devida conta. As pessoas se
admiram e a explicao que eu mesmo dou, fazendo um retrospecto de como isso aconteceu, de que sou, basicamente, um
profissional da terra, um engenheiro agrnomo, que viu na
questo fundiria um eixo fundamental do desenvolvimento do
pas, e est convencido disso. Tudo que tenho "escarafunchado",
aqui e no exterior, leva a solidificar essa posio. Eu diria que isso
convico profissional. Quanto ao fato de eu ter quatro fazendas
boas, muito boas por sinal, eu no tenho culpa.
Chama ateno nesta resposta sua convico de que a conscincia de um
empresrio moderno no incompatvel com compromissos sociais e especialmente no compactuar com o atraso na agricultura. Como ele mesmo
afirma em vrios documentos, nada mais contraditrio com o desenvolvimento do capitalismo e de uma sociedade menos desigual do que uma agricultura atrasada com terra ociosa.
Em sua entrevista para Teoria Debate ,em certo momento falando sobre a
Reviso Agrria, responde a seguinte pergunta:

- Mas a Igreja, naquela poca, aprovou um documento que


dizia que era melhor fazer a reforma agrria antes que os comunistas a fizessem.
- , o argumento era esse. Tinha de modernizar o capitalismo. Alguma coisa precisava ser feita e era melhor que fosse feita por ns.
Era isso, eu no tinha dvida nenhuma. (Revista Teoria e Debate)
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Sobre reforma agrria seu pensamento empresarial era:

Uma reforma agrria verdadeira implica a quebra do poder poltico que se estriba no sistema latifundista de posse e uso da terra
e deve, necessariamente, conduzir a uma redistribuio da renda
no setor primrio, pela incorporao ao processo produtivo da nao de milhes de homens-sem-terra (Reforma Agrria: 183)
Quantos no tentaram confirmar se essa sua teoria tinha um efeito prtico
em suas fazendas? Alguns jornais, quando da discusso do I PNRA, tentaram
encontrar alguns deslizes em sua prtica empresaria.. Nada encontraram. Era
um empresrio rural que ocupava produtivamente as terras, cumpria as obrigaes trabalhistas e sociais. (quem estudou Marx pode compreender o que
significa ser capitalista, mas no atrasado)
4. Dr.Gomes o pesquisador e inovador
Parte da resposta anterior pode ser transcrita para c, quando afirma:
engenheiro agrnomo, que viu na questo fundiria um eixo fundamental do
desenvolvimento do pas.
Quem leu Kautsky lembra-se- do papel da cincia agronmica para o
desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Quem leu tambm outros
autores no marxistas contextualizaro o ensino da Economia Domstica e a
Extenso Rural e compreendero igualmente esta definio de Dr.Gomes.
S que um pouco diferente, e que diferena!. O agrnomo o educador do
agricultor, ele conhece e transmite inovaes. Dr. Gomes de uma escola em
que o agrnomo no o funcionrio passivo de um fazendeiro, o vendedor
de pacotes tecnolgicos e de agrotxicos. Como cientista deve colocar a
cincia em funo do desenvolvimento econmico mas com funo social.
nessa direo que ele colocou todos os seus conhecimentos agronmicos no
apenas em suas empresas, mas para a reforma agrria. Em todos os seus
livros e trabalhos, a reforma agrria deve ser acompanhada por uma
assistncia tcnica moderna, em reas que possam responder aos incentivos
tecnolgicos. Ele inverte uma equao muita divulgada no Brasil pelos contrrios reforma agrria, que se resumia em primeiro educar o homem do
campo e criar estruturas tecnolgicas para depois dar-lhe a terra.
Essa postura de Dr.Gomes em compreender a reforma agrria como um
processo de redistribuio da terra com apoio da assistncia tcnica, da eduABRA - REFORMA AGRRIA

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cao,etc est presente em vrios trabalhos, principalmente na crtica que ele


faz a alguns componentes do Grupo do Estatuto da Terra e depois aos dirigentes do IBRA pela deturpao do conceito de reforma agrria e pela nfase
no fiscalismo. Para ele, A desapropriao por interesse social o instrumento destinado a criar novos proprietrios, dentro de projetos organicamente
elaborados e convenientemente implementados (Reforma: 187)

Embora no participando diretamente da equipe que redigiu a Reviso Agrria


convocado pelo Governador para outras funes, especialmente a de interiorizar a Secretria de Agricultura, pois j trabalhava no IAC. Como resposta, prope: mobilizar pessoas, defender o projeto(...) criar equipes (Estudos:.38). Postura essa que vai estar presente em toda sua atuao. Forma ento nove equipes
para irem explicar publicamente o projeto: E o debate se decidiu em encontros
pblicos que tinham de um lado o pessoal da FARESP e de outro a Confederao dos Trabalhadores no campo.) (pg.38). Claro que os latifundirios procuraram boicotar a Reviso e se no fossem esses debates pblicos em todo o Estado, teria havida uma sepultura para um natimorto. Mas,ele persiste e relata que
para convencer os pequenos e mdios agricultores explicava Reforma Agrria
no coisa de comunista. Reforma agrria foi feita pelos americanos (Estudos)

Quando da elaborao do I PNRA da Nova Repblica ele manifestava toda


preocupao para que a reforma agrria no casse em extremos, ou seja, de
puro distributivismo de terra, em qualquer lugar e sem condies tcnicas e de
acesso de mercado, nem, tambm, criar toda a infra-estrutura para s depois
fazer desapropriao. Tinha tambm um minucioso cuidado com os custos da
reforma agrria, igualmente como instrumento educativo e de sensibilizao da
classe mdia, para mostrar que o assentamento de um trabalhador rural seria
mais barato do que determinados empregos industriais, ou com a manuteno
de um preso, ou com determinadas ajudas governamentais a bancos.
5. O idealizador e batalhador da reforma agrria.
A) Seu engajamento pela transformao da estrutura fundiria comea na
Reviso Agrria, como ele mesmo situa em vrios depoimentos e textos
escritos.
Nas entrevistas que Dr.Gomes concede a Regina Bruno e Abdias Vilar, em
14 de agosto de 1984, publicada na revista Estudos,Sociedade e Agricultura
( n 6 de 1996), tambm constante da entrevista publicada em Teoria e
Debate n 21 de 1993, bem como em A Reforma Agrria no Brasil, ele explica como surge a Reviso Agrria no Governo Carvalho Pinto, em So Paulo,
sua primeira incurso pela questo:
''O Diogo Nunes Gaspar, pessoa ligada a Jango, participou de uma reunio das Naes Unidas onde se discutiu o informe da Aliana para o Progresso sobre Reforma Agrria,que trouxe para c e deu a Jos Bonifcio, Secretrio de Agricultura. Embora SP no tivesse uma questo agrria to
sria, tinha uma presena na Federao. Eles prepararam um projeto de lei
estadual em que o ITR financiaria alguns projetos de redistribuio.
Se a interveno da Reviso Agrria se destinou inicialmente para o Vale do
Ribeira, porque os conflitos do Pontal do Paranapanema no estavam na
ordem do dia.
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Outra atitude sua e que ter grande repercusso: formao de tcnicos,


inclusive aparelhando com espaos, verbas e programas os organismos em
que atuou: SUPRA, IAC, Secretria de Agricultura, INCRA. O atual ITESP teve
origem na sua gesto como Secretrio de Agricultura .
Aproveita ento o interesse dos organismos internacionais pelo Brasil e traz
para c o III Curso Internacional promovido pelo Instituto Americano de
Cincias Agrcolas da OEA, em Campinas, em 1963, sob a colaborao da
FAO, do BID e da Secretaria da Agricultura do Estado de So Paulo.
Este curso foi sumamente importante porque at hoje encontramos tcnicos
aposentados ou da ativa que o fizeram e tambm por que dele saram os que
, posteriormente, comporo o Grupo de Trabalho do Estatuto da Terra, do
qual ele far parte, liderando o outro grupo em oposio aos que reduziam
a reforma agrria tributao fundiria.
B) 1964: SUPRA, Estatuto da Terra.
Com a Revoluo de 64, o clima de apreenso vai sendo vencido pela
expectativa criada em torno da figura do Gen. Castello Branco, sempre elogiado em seus livros, e pelos seus pronunciamentos de compromisso com a
reforma agrria.
Juntamente com Carlos Lorena, outra pessoa a quem reverenciamos neste
momento, e Fernando Sodero e outros, forma um grupo que elabora algumas propostas de reforma agrria para o Governo Militar (Estudos).
Posteriormente, convidado pelo Ministro Roberto Campos para integrar
Grupo de Trabalho do Estatuto da Terra
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Em seus depoimentos, ele estabelece uma distino dentro do GT do


Estatuto da Terra, entre o Grupo do Rio e o de So Paulo. O do Rio era um
grupo muito terico. Eles falavam em reforma agrria em termos da Aliana
para o Progresso . Participavam ...Roberto Campos, Garrido Torres, Paulo de
Assis Ribeiro, Simonsen e o Nascimento Silva. Eles tinham recebido uma
instruo do presidente Castello Branco,mas no tinham a prtica de campo,
no sabiam o que era um campons. O Grupo de So Paulo era composto por Gomes, Fernando Sodero, Carlos Lorena. s vezes consultvamos o
Jos Augusto Drummond Gonalves. (Estudos:43)

isso (situao em Caxang): `` O Senhor acabou de promulgar uma lei pela


qual ns podemos desapropriar. Podemos ou no?

O Grupo do Rio, capitaneado por Roberto Campos, era auxiliado em SP


por Delfim Neto, Saulo de Almeida Prado, da SRB, Plnio Correa de Oliveira
(Estudos 45)
Com acesso a Castelo Branco, Dr.Gomes, pela sua capacidade tcnica,
organizativa vai se destacando neste seleto Grupo, embora sem minimizar as
divergncias em torno da definio de um reforma agrria baseada na redistribuio da terra.
No curto perodo que presidiu a SUPRA (1964/1965) ele assim resume sua
administrao: Quando eu fui presidente da SUPRA, a minha estratgia foi
outra.Eu tentei criar alguns fatos consumados que no pudessem ser desmanchados, como por exemplo desapropriar uma usina, mas no deu tempo. A
SUPRA, enquanto estrutura de reforma,era muito tumultuada.Uma de suas linhas de atuao era a de criar sindicatos para pressionar pela reforma.Mas
na parte operativa no funcionava. Na reforma agrria ou voc faz de uma
maneira impositiva, ou voc tem que ganhar a opinio pblica (Estudos: 42)
Ainda, segundo ele, a dificuldade de executar a reforma agrria. pela
SUPRA: ela foi muito mal formulada do ponto de vista da concepo operativa da reforma agrria. E no tinha nada... Ela foi dificultada tambm pelo
racha entre as Ligas Camponesas e os sindicatos, pela Igreja. (Estudos)
CAXANG
Sobre a desapropriao da Usina Caxang, em Pernambuco, que lhe causou
sua queda da direo, Ele mesmo nos relatou ,em entrevista , este episdio:
Em reunio em Palcio com Castello Branco e vrios ministro e presidente
do BB, Gomes responde a pergunta do Presidente : como que se resolve
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-Ento amanh cedo, s sete horas, o senhor me traz o decreto`` (Estudos:48)


... Eu mandei o Sodero l para Pernambuco, ele foi ao cartrio
para citar os confrontantes para desapropriar. Sodero chegou,
mandei o decreto para Braslia. Fizemos isso em 24 horas. Logo
depois, eu sai. (Estudos: 48)
C) O INCRA
Em 1985 com a redemocratizao, criado o MIRAD e Gomes assume a
presidncia do INCRA. Nos setores de esquerda havia a esperana dele ser o
Ministro, mas sonho logo desfeito pelas informaes da imprensa e
nomeao de Nelson Ribeiro, paraense com apoio do Governador Jader
Barbalho e da cpula da Igreja Catlica.
A sua nomeao para o INCRA era reivindicao da CONTAG e de amplos setores sociais e intelectuais.
Empresrio, agrnomo, presidente da ABRA, qualidades que no atemorizavam os trabalhadores e progressistas, mas no meio empresarial a viso era
outra, radicalmente diferente.
Sua funo inicial foi a da formao de grupos interdisciplinares e com presena de representantes de amplos setores da sociedade para elaborarem a
proposta. Trouxe para este grupo alguns antigos colaboradores seus na
SUPRA, IBRA, IAC,ABRA, Secretria de Agricultura..
Recordo-me de seus extremos cuidados com a preciso dos dados tcnicos
cadastrais, devendo ser refeitos vrias vezes, e com os clculos dos custos da
reforma agrria. Ele sabia que qualquer cochilo seria um prato cheio para
manchetes de jornais. Da mesma forma, embora de atribuio maior do
Ministro, pelo seu maior conhecimento, ele no descuidava do apoio poltico
no Congresso Nacional e na Igreja Catlica. Tinha, igualmente, uma grande
preocupao com a opinio pblica, considerando elemento importante na
batalha pela reforma agrria. Por isso redigiu pessoalmente , se no me falha
a memria, o Declogo da Reforma Agrria,ou algo parecido, com perguntas e respostas para distribuio nas universidades, sindicatos, escolas.
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Quando demitido, foi levado ao aeroporto por uma massa de funcionrios


do INCRA, cuja Sede ficou quase vazio. Mais uma vez, o INCRA ficava parado na histria.
D) O Articulador
Em toda trajetria de Dr.Gomes, sem nenhuma dificuldade, v-se que todo
seu engajamento da reforma agrria no deriva apenas de sua conscincia
social, mas, fortemente, de seu compromisso com os setores sociais do campo. Em outros termos, no um especialista que atua periodicamente em rgos governamentais. um cidado, um coordenador, um dirigente que atua
em nome de um grupo social com um grupo social.
Sempre ligado a CONTAG, desde sua criao, mas antes j ouvia outros
movimentos e lideranas, participava de congressos de trabalhadores e de
pesquisadores e intelectuais.. Antes do Golpe, esteve no Nordeste, por conta
prpria, para conhecer as Ligas,os incipientes sindicatos,o trabalho da Igreja
Catlica, tinha contatos com Padre Melo e Padre Crespo, Federao dos
Crculos Operrios . Depois, CONTAG,CPT, CNBB, MST.
Como corolrio, a sua forma de sempre criar ou incentivar grupos de estudos, de ao,de mobilizao. A ABRA face mais visvel desta ao. Esta se
torna um espao de agregao de pessoas de vrios matizes, de pesquisadores universitrios e autnomos; uma escola de reforma agrria; um centro
de pensamento e de ao. Com seu acervo de documentos nacionais e internacionais sobre a questo fundiria e com o Boletim Reforma Agrria, posteriormente transformada em revista, a ABRA se torna um centro de pensamento, uma escola de formao e um lugar simblico de resistncia;
Vemos com isto como Dr. Gomes tinha plena conscincia da necessidade
de apoio de grupos sociais, seja de trabalhadores, seja de intelectuais, seja
de especialistas, seja de organizaes da sociedade civil para que a reforma
agrria fosse um projeto de Nao. E a, ele conhecia e dedicava muita
ateno a necessidade de se conquistar a classe mdia.:
A renitente classe mdia que, s vezes, no a compreende, ir tambm ser
alargada e fortalecida pela incorporao de novos patrcios,hoje alijados do
convvio do desenvolvimento e da cidadania`` (Reforma Agrria, v.15 n
1,1985: 55)

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6. Qual o legado que nos deixou?


1) Acreditar que o homem do campo por mais simples e vivendo nas mais
precrias condies ser sujeito da reforma agrria. No seu livro a Reforma
Agrria , na pgina, 116, emocionei-me com sua grande compreenso do
problema da conscincia social e poltica das classes subalternas ao exprimir
sua opinio como o campons nordestino estava se transformando:

O campons da Zona da Mata, que comprou um rdiozinho


de pilha ou a sua bicicleta e graas a isso pde tomar conhecimento do mundo exterior e informar-se melhor sobre como o
estavam espoliando.... O que importa que ganharam conscincia da prpria situao e esta at hoje prevalece`` (A Reforma Agrria, pg.116)
2) E , por fim, o legado histrico, da esperana e do compromisso, mas
com atuao:

Reforma Agrria,tal como a democracia, um conceito absoluto,


no comportando adjetivaes:a reforma no nova ou velha,
simples e unicamente a redistribuio dos direitos sobre a propriedade da terra agrcola,em forma ampla,massiva e imediata. Entrevista a Mayla Yara Porto( 1995). Reforma Agrria 25,1:221-229.
Eis porque a Reforma Agrria no hoje tarefa de um governo,
deste novo Ministrio da Reforma e do Desenvolvimento Agrrio,
e muito menos deste sonhador que assume o INCRA. Deve ser,
sim, um mutiro da terra, que engaje o Parlamento para dar-nos
respaldo legal; que motive o Executivo para propiciar-nos recursos
e mobilize o Judicirio fazendo cumprir a lei. A sociedade como
um todo deve entend-la e apoi-la. (Discurso de Posse na
Presidncia do INCRA em 11 de abril de 1985.)
BIBLIOGRAFIA
LIVROS
GOMES DA SILVA, Jos (1971) A Reforma Agrria no Brasil: frustao camponesa ou instrumento de desenvolvimento?. Rio, Zahar.
____________________(1987) Caindo Por Terra: crises da
reforma agrria na Nova Repblica. So Paulo, Busca Vida.
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Homenagens

_________________(1989) Buraco Negro: a reforma agrria na


Constituio de 1987/1988. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
_________________(1996) A Reforma Agrria Brasileira na Virada do Milnio. Campinas, ABRA
ARTIGOS
GOMES DA SILVA, Jos.(1985) Reforma Agrria e Nova Repblica. Discurso de posse de Jos Gomes da Slvia na Presidncia do INCRA. Revista Reforma Agrria. V.15, n 1:54-56
____________________(1986)
Princpios Constitucionais
Bsicos da Reforma Agrria. Revista Reforma Agrria.
_____________________(1990). A agricultura socialista em
tempos de perestrika. Revista Reforma Agrria.Ano 19, n 3
deze 89/mar/90: 37-50
____________________(1988).Reforma
Agrria
na
Constituio federal de 1988: uma avaliao crtica. Revista
Reforma Agrria Ano 18, n 2 : 14-17
_____________________(1995) .Estatuto da Terra(ET), 30
Anos. Revista Reforma Agrria, n 1 vol.25:07-38.
ENTREVISTAS
BRUNO, REGINA e CARVALHO, ABDIAS VILAR DE.(1996) Jos
Gomes da Silva. Estudos Sociedade e Agricultura. N 6: 36-48.
Entrevista gravada em 14/08/1984.
SIMES, RENATO. (1993) Jos Gomes da Silva. Teoria e
Debate .N 21 (mai-jun-jul).
MAYLA YARA PORTO (1995) Jos Gomes. Reforma
Agrria,25,1:221-229.

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Ensaios e
Debates

A CPMI da Terra na
viso dos mandantes
Snia Helena Novaes Guimares Moraes

Triste e assustador o relato, voto em separado, dos trabalhos da CPMI da


Terra, do deputado Abelardo Lupion. Claro sintoma de doentia e arraigada
percepo das questes sociais do pas. Reao truculenta que no mede as
conseqncias da possibilidade do acirramento dos conflitos pela posse da
terra, em virtude da vontade deliberada e conveniente que as classes dominantes tm de ignorar a histria da apropriao das terras no Brasil.
Mais preocupante ainda constatar que a atual conjuntura poltica do
cenrio nacional pode ter, em muito, contribudo para que tal documento
pudesse brotar e se tornar majoritrio numericamente, na Comisso
Parlamentar de Inqurito do Congresso Nacional - (criada pelo requerimento n. 13/2003-CN).
A ABRA persistente e coerente - na sua misso de defender a Reforma
Agrria e os trabalhadores despossudos de terras no Brasil - no poderia
deixar de avaliar esta tramitao e suas concluses nefastas para a democracia e para a justia social do pas.
Vale, primeiramente, lembrar que a ABRA, atravs de seus membros associados, sempre esteve presente e participou com depoimentos nos trabalhos
de outras CPIs sobre a questo da Terra. Em 1971 na CPI do IBRA e do INDA
(rgos antecessores do INCRA), e em 1975, na CPI do PROTERRA. No
Boletim da entidade foram publicados vrios depoimentos de representantes
de diversas instituies na CPI criada no final de 1976 e iniciada em 1977
com o objetivo de analisar o Sistema Fundirio Nacional. Na ocasio, foram
temas predominantes no depoimento do Bispo D. Jos Brando, de Propri,
em Sergipe a questo da grilagem de terras, dos desapossamentos violentos
nas reas de construo das barragens da CHESF e da CODEVASF, assim
como a expulso do homem do campo para a instalao de grandes projetos agropecurios. A ABRA publicou em seu Boletim Reforma Agrria, o
depoimento do Bispo, Dom Alano Pena, de Marab -PA, sob o ttulo: Terra
1 - Advogada, agrarista e membro do Conselho Editorial da Revista Reforma Agrria da ABRA.

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Ensaios e Debates

A CPMI da Terra na viso dos mandantes

sem homens ou homens sem terras? Onde foi abordada a questo dos conflitos pela posse da terra na regio norte do pas, principalmente, junto aos
eixos rodovirios das Rodovias Belm-Par, da Transamaznica; junto ao rio
Araguaia, junto aos plos agropecurios e agrominerais - mencionando as
empresas Jar Florestal Agropecuria Ltda. com rea de mais de trs milhes
de hectares, ou a Cia. Vale do Rio Cristalino, de propriedade da Volkswagen
com mais de 139 mil hectares de terra. Ambas contando com incentivos da
SUDAM, para a implantao da pecuria extensiva e, portanto, com grande
aporte de recursos vindos dos rgos do governo federal, mas sem gerar
empregos efetivamente no desenvolvimento desses projetos. O Bispo do Par
tambm abordou a questo dos projetos de colonizao feitos por empresas
particulares que igualmente receberam incentivos governamentais, mas que
relegaram ao trgico abandono, os colonos trabalhadores em suas agrovilas.

A omisso por parte do Estado em assumir com aes enrgicas, o combate aos desequilbrios e conflitos fundirios, acaba por incentivar o conservadorismo j dominante e a dar margem a resultados alarmantes como visto
nesse relatrio da CPMI da Terra e, pior, em nome de um falso conceito de
modernidade claramente expresso no discurso dos grandes proprietrios de
terras, representados pelo bloco ruralista no Congresso Nacional.

Tambm foi assunto de outra revista da entidade, os depoimentos dos Bispos


Dom Moacyr Grecchi do Acre e Purus, e do Bispo Dom Henrique Froehlich de
Diamantino/MT, CPI do Sistema Fundirio Nacional. E sempre as mesmas
questes conflituosas entre as grandes empresas agropecurias e os pequenos
posseiros dessas regies do pas, foram denunciadas pelas vozes corajosas da
Igreja Catlica, tais como: a intimidao e a expulso das populaes que viviam nessas regies por 10, 20, 30 ou at 40 anos, a destruio de suas
lavouras, a atuao de pistoleiros, toda sorte de arbitrariedades com ou sem a
participao do poder judicirio, alm das ameaas feitas por policiais a servio
e mando de grandes detentores de terras. Inclusive, foram inmeras na ocasio
as denncias de escravido de trabalhadores nas reas de novas ocupaes
por parte do grande capital agropecurio, em expanso ao norte do Brasil.
Mais outro nmero do "Boletim Reforma Agrria" de 1977, apresentou o relato de Jos Gomes da Silva, presidente da ABRA, e de Jos Francisco da Silva, presidente da CONTAG - Confederao dos Trabalhadores Rurais na
Agricultura. O depoimento de Jos Gomes da Silva buscou resgatar os dados
recolhidos nas CPIs anteriores - do IBRA/INDA e do PROTERRA - enfatizando
que apesar deles nada havia, at ento, de providncias para a soluo dos
problemas trazidos ao Congresso Nacional. Foi um depoimento de cunho eminentemente poltico, reivindicando a imediata aplicao do Estatuto da Terra.
Com a lembrana dessas atuaes acima citadas - que representam a
memria da ABRA, temos a inteno de pautar, mais uma vez, fatos historicamente repetitivos da grave situao agrria brasileira, que pela inrcia de
polticas pblicas pela Reforma Agrria - como j notoriamente sabido no se resolve e, ao contrrio, se exacerba em pleno sculo XXI.
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Mais uma CPI da Terra no Brasil, alm das anteriores da dcada de setenta, de oitenta e do ano de 2.000, algumas j comentadas por ns, no poderia deixar de evidenciar a conscincia nacional da necessidade da Reforma
Agrria no pas. Alm disso, deveria diante da nao avalizar e recomendar:
1. A firme deciso poltica de implementar a Reforma Agrria no pas;
2. A indicao dos instrumentos legais para o aperfeioamento da legislao agrria existente;
3. O planejamento concreto das aes;
4. Os mecanismos e recursos de execuo.
Esse dever foi rigorosamente cumprido pelo texto da equipe do deputado
Joo Alfredo, mas no ocorreu, e muito diferentemente, no contedo do
relatrio do deputado Lupion, que nega e ignora a questo poltica e social
ancestral e que recomenda, com torpeza, a criminalizao dos movimentos
sociais, que lutam por direitos conquistados e um outro modelo de desenvolvimento. Segundo a lgica da direita crime combater o neoliberalismo
excludente, ou lutar por cidadania e por terras para trabalhar e produzir. No
entanto, como tem sido muito bem evidenciado por Marcos Rogrio de
Souza, assessor especial do gabinete do deputado Joo Alfredo, a instalao
desta CPMI teve, por parte dos ruralistas, endereo certeiro: a clara tentativa
de condenao dos Movimentos Sociais. O relatrio Lupion se mostra vido
por condenar condutas e chega ao extremo de propor que se tipifiquem como
terrorismo as aes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.
Por outro lado, pode-se imaginar que a resistncia desses movimentos sociais de presso, mais vigilantes e organizados, est assustando a classe dominante que no tem resposta a dar aos desempregados e sem terra, nesse sistema de produo agrcola concentrador, exportador de commodities, e onde
o trabalho prescindvel e desprezado - a mquina e a alta tecnologia tm
substitudo mais e mais, com eficincia para o lucro do capital, a mo-deobra do trabalhador. E sobre isso, podemos fazer aqui um paralelo e mencionar a anlise de - Viviane Forrester - autora francesa do livro "Horror
Econmico", quando faz severas crticas s polticas neoliberais de nossos
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

A CPMI da Terra na viso dos mandantes

tempos, no contexto dos recentes protestos de jovens estudantes e desempregados em Paris - e diz a escritora: "os ricos no precisam mais dos pobres. O
desempregado virou uma pessoa suprflua. Vivamos numa civilizao que
explorava os homens, agora ela os elimina... o desempregado fica sem alternativa. Isso ditadura. Dizemos que quando algum perde seu emprego
perde sua dignidade. Ao dizer isso culpabilizamos os desempregados.
Tornamos a vtima culpada." (Entrevista publicada no jornal O Estado de S.
Paulo, em 02/04/2006, caderno J3).

O relato da CPMI da Terra do deputado Lupion a expresso mxima desta


reao temerosa, desproporcional e descabida. Entendemos que seu contedo, propositadamente, tenha ignorado as questes essenciais vinculadas
questo da terra no pas - posto que j no tivesse "a priori", a inteno de
abord-las.

Guardadas as devidas propores e o contexto peculiar, esse relatrio faccioso da CPMI sobre a questo agrria no Brasil, procura tornar os desempregados e excludos da atual estrutura da propriedade capitalista, em
perigosos agressores da sociedade "moderna" de produo. E a qualquer
movimentao ou forma de protesto organizado, que possa chamar a
ateno dos poderes pblicos para esse dbito social - de sculos de
opresso - j motivo para se intentar normas de criminalizao que os
detenham na reivindicao e na luta.

1. A necessidade urgente da REFORMA AGRRIA, ao recomendar a


reestruturao do Banco da Terra como alternativa;
2. A violncia e a ferocidade dos proprietrios de terra com relao ao
trabalhador rural e aos movimentos sociais no campo;
3. As verdadeiras causas dos conflitos sociais pelo acesso terra;
4. A questo da demarcao das terras indgenas;
5. A questo inominvel do TRABALHO ESCRAVO em todo o pas;
6. A evidente formao de milcias e segurana privada nas zonas rurais,
alm de grupos de extermnio patrocinados por proprietrios rurais;
7. A necessidade urgente de ajustes na legislao agrria brasileira para
resgatar - ao menos - a coerncia das normas do Estatuto da Terra de
1964 - desvirtuada tanto pela Constituio de 1988 como em decorrncia de normativas obstaculizantes s regras da Desapropriao por
Interesse Social para fins de RA dos governos de FHC;
8. A necessidade de se regulamentar, atravs do Projeto de Emenda
Constitucional - PEC n. 438/200, (j aprovado em primeiro turno pela
Cmara dos Deputados), a nova redao do art. 243 da Constituio
Federal estabelecendo a expropriao de reas onde for constatada a
explorao do trabalho escravo;
9. A necessidade de se criar limites ao tamanho das reas dos latifndios
e de se avenar um tamanho mximo de rea para a propriedade da terra
no pas;
10. A exigncia do respeito aos DIREITOS HUMANOS nas aes possessrias, em funo da legitimidade dos movimentos sociais e em
cumprimento dos TRATADOS INTERNACIONAIS E CONVENES DE
DIREITOS HUMANOS dos quais o Brasil signatrio;
11. A necessidade de discusso aprofundada sobre a criao da JUSTIA
AGRRIA no Brasil;
12. A necessidade da criao da Comisso Permanente de Reforma
Agrria e Justia no Campo da Cmara dos Deputados para conhecer e
encaminhar as questes atinentes a esse assunto;
13. A necessidade de fiscalizao rigorosa dos cartrios de registro de

Claro que esta ttica no novidade no pas, em tempos de ditadura militar foram criados o GETAT e o GEBAM, (Grupo Executivo de Terras do
Araguaia e Tocantins e o Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas),
rgos do governo federal para tratar das questes dos conflitos pela posse
da terra na regio norte. Sob a justificativa de srios riscos Segurana
Nacional e sob o comando do exrcito, passaram a administrar os problemas
fundirios da regio, retirando do INCRA a sua competncia legal. Do
mesmo modo o objetivo foi claro: a militarizao da questo da Reforma
Agrria no Brasil.
forte motivo de preocupao para ns - que apoiamos a luta social e
respeito aos direitos mais fundamentais do homem - o surgimento e a reao
destas foras retrgradas nos dias de hoje, em pleno ou supostamente pleno
regime democrtico. E mais grave ainda inferir que, muito provavelmente,
essas foras do mandonismo local estejam articuladas com interesses no s
de lastro nacional, mas certamente com interesses do capital transnacional.
Todos, que temos conscincia e conhecimento da formao histrica e da
estrutura de dominao das elites no pas, sabemos das desiguais oportunidades que tradicionalmente as classes trabalhadoras enfrentam no acesso
ao emprego e renda. Infelizmente, a luta e a resistncia dos movimentos
sociais sob forma de protestos e ocupaes de terras tem sido a nica
maneira de se fazerem ouvir e, igualmente para exigirem o cumprimento de
direitos, que lhes so garantidos na letra e por fora de lei.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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RELATRIO , CONSEQENTEMENTE , DESCONHECEU :

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

imveis que cometem irregularidades na titulao de terras no pas;


14. O presente relatrio, na lista de omisses, ignora, igualmente, todas
as recomendaes sobre a questo urbana constantes do relatrio do
deputado Joo Alfredo, no que concerne s normas do Estatuto da
Cidade. Inclusive as questes relativas ao direito habitao, e poltica
de regularizao das ocupaes das famlias de baixa renda e assuntos
relativos execuo de Planos Diretores nos Municpios;
NO ENTANTO, O MESMO RELATRIO FOI DETALHADO E MINUCIOSO QUANDO SE TRATOU:
1. De abordar a forma de atuao do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra;
2. De recomendar a investigao de supostas denncias de treinamento
de guerrilha e terrorismo no campo;
3. De recomendar o indiciamento de lideranas de trabalhadores rurais
por crimes de extorso, formao de quadrilha e demais delitos ligados "a
prtica do MST" nomeando seus escolhidos;
4. De propor que se tipifique nova figura na ao penal, ao se sugerir a
incluso de um inciso (VII-C), no artigo 1 da lei 8.072, de 25/07/1990,
que trata dos crimes hediondos, criando o "ESBULHO POSSESSRIO
COM FINS POLTICOS";
5. De propor Projeto de Lei do Senado Federal acrescentando pargrafo
ao art. 20 da Lei n. 7.170 de 14/12/1983, para prever que se considere como ATO TERRORISTA quem invade propriedade alheia com o fim
de pressionar o governo;
Quanto ao teor das duas propostas acima, o relatrio do deputado
Abelardo Lupion alega o seguinte:

Na inveno da nova figura penal do "ESBULHO


POSSESSRIO COM FINS POLTICOS" justifica que: "O presente projeto vem para corrigir essa lacuna legal, e dar ao
nosso direito penal fora para punir essa ao que afronta os
princpios sociais da propriedade, da livre iniciativa, da liberdade..." Trata-se, em suma, de afronta ao regime representativo e democrtico e ao Estado de Direito, o que desvela a
natureza hedionda desse crime, de efeitos sociais muito mais
graves do que vrias condutas previstas no rol da Lei n. 8.072
de 1990".
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A CPMI da Terra na viso dos mandantes

"Para justificar o enquadramento das aes dos Movimentos


Sociais como prtica de Atos Terroristas diz o seguinte: "No
Brasil, [o terrorismo] tem se manifestado na forma do inclusionismo scio-econmico, por meio do qual associaes de trabalhadores rurais sem terra, por exemplo, reclamam a falta de
participao social e econmica em razo de uma suposta negao estatal de direitos garantidos constitucionalmente, e, por
meio da violncia, buscam pressionar o governo a transformar
tais direitos em realidade concreta". Argumenta ainda que: "Esse
tipo de terrorismo, prprio da realidade brasileira, no deve ser
aceito e deve ser punido com o mesmo rigor que as outras formas de atos terroristas previstos na nossa Lei de Segurana
Nacional..."
A ABRA s pode lamentar a demncia das concluses consubstanciadas
neste Relatrio do Deputado Abelardo Lupion.
O verdadeiro relato, elaborado pelo deputado Joo Alfredo e outros parlamentares, com 780 pginas, apresentou diagnstico amplo e detalhado
sobre a situao fundiria brasileira, e principalmente analisou as verdadeiras
causas da violncia no campo. Apresentou ainda 150 recomendaes aos
poderes Executivos, Legislativo e Judicirio, ao Ministrio Pblico, e ao Tribunal de Contas da Unio. Props uma emenda constitucional, quatro projetos de lei, alteraes em leis existentes e recomendaes para votao de vrias proposies em tramitao na Cmara e no Senado. Mas, foi rejeitado
por 13 votos a 8.
Os Ruralistas do Congresso Nacional, mandatrios da falsa e controvertida
modernidade, mais uma vez articularam e venceram numericamente. Mas,
no ser uma vitria de Pirro? No ser uma provocao e uma instigao
intolerncia?
Ao menos continua evidente que defendem, sim, a propriedade de subjugar, a propriedade de especular e a propriedade de explorar o outro ser
humano!
Nosso papel, na ABRA e na sociedade brasileira, continua sendo este de
criticar os desmandos, de denunciar as injustias, e principalmente de aglutinar foras e de manter, unida e solidria, a chama para defender a Reforma
Agrria e o acesso Terra, de habitar, de produzir, assim como Terra de
preservar!
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O Parlamento e a criminalizao
dos movimentos de luta pela terra:
um balano da CPMI da Terra
Srgio Sauer*
Marcos Rogrio de Souza**
Nilton Tubino***

I NTRODUO
A Comisso Parlamentar Mista de Inqurito da Reforma Agrria e Urbana
representou um dos mais importantes componentes da recente conjuntura
agrria brasileira. Criada em setembro de 2003, a chamada CPMI da Terra
concluiu suas atividades em novembro de 2005, rejeitando o parecer do relator oficial da Comisso, Deputado Joo Alfredo (PSOL/CE), e aprovando um
voto em separado apresentado pelo Deputado ruralista Abelardo Lupion
(PFL/PR), que dificulta o avano das polticas de reforma agrria e criminaliza a luta pela terra, materializada na atuao do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O voto em separado to reacionrio
que chega a recomendar a aprovao de dois projetos de lei que tipificam as
condutas de quem ocupa terras como crime hediondo e ato terrorista.
O relatrio aprovado representa mais um captulo do processo de criminalizao dos movimentos sociais de luta pela terra. O diferencial, porm, que
o ataque a movimentos sociais e a defensores da reforma agrria parte do
Congresso Nacional. Dito de outra maneira, a perseguio aos sem-terra,
que antes era promovida por setores dos Poderes Executivo e Judicirio,
alcana tambm o Legislativo, tornando ainda mais complexa a superao
da chamada questo agrria brasileira.
O voto vencedor reflete, com grande fidedignidade, a atuao de um segmento parlamentar, acertadamente caracterizado como Bancada Ruralista.
* Srgio Sauer doutor em Sociologia pela Universidade de Braslia e assessor da Senadora Helosa Helena
(PSOL/CE).
** Marcos Rogrio de Souza mestrando em Direito pela UNESP (Campus de Franca) e assessor do Deputado
Joo Alfredo (PSOL/CE). Foi assessor da relatoria da CPMI da Terra.
*** Nilton Tubino assessor do Deputado Federal Ado Pretto (PT/RS).

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

Essa bancada atua acima do recorte partidrio, formando um dos mais influentes grupos de interesse do Congresso Nacional.

Aps um longo processo de negociao, o objeto de investigao dos dois


requerimentos foi ampliado, incluindo um amplo diagnstico do campo e dos
conflitos urbanos pela posse do solo, dando vida a uma comisso parlamentar mista de inqurito (CPMI). Sendo mista, a comisso contou com a participao de representantes das duas Casas do Congresso Nacional2. Instalada
em dezembro de 2003, foi presidida pelo Senador lvaro Dias (PSDB/PR) e
contou com a relatoria do Deputado Joo Alfredo, ento no PT/CE. Em
setembro de 2005, Joo Alfredo filiou-se ao PSOL/CE.

O objetivo deste texto resgatar a histria e atuao dessa CPMI e analisar o contedo dos relatrios vencido e vencedor. Busca ainda explicitar a lgica e ao da Bancada Ruralista que logrou xito em usar o Parlamento para
criminalizar a atuao dos que lutam por terra.
1. H ISTRICO

DA

CPMI

DA

T ERRA

A CPMI da Terra foi criada por meio do Requerimento n 13, de 2003, do


Congresso Nacional, com o "objetivo de realizar amplo diagnstico sobre a
estrutura fundiria brasileira, os processos de reforma agrria e urbana, os
movimentos sociais de trabalhadores e de proprietrios de terras e a identificao dos caminhos para a soluo dos problemas que envolvem o tema".
A CPMI nasceu como alternativa a dois requerimentos de criao de
Comisso de Inqurito, um apresentado na Cmara e outro no Senado,
defendidos por parlamentares especialmente do PFL e PSDB.1 Basicamente
motivados pelo episdio do uso de um bon do MST pelo Presidente Lula
durante uma audincia de negociao, os objetivos eram simplesmente
"investigar invases de propriedades e prdios pblicos realizadas pelo MST".
Estava explcita a inteno de utilizar um instrumento parlamentar de investigao para criminalizar um movimento social legtimo.
Os termos desses requerimentos e as diversas manifestaes de apoio
instalao das CPIs deixaram claro que outro objetivo era criar um espao de
oposio s polticas - sociais, em geral, e agrrias, em particular - do atual
governo, alm de investigar e incriminar os movimentos sociais agrrios,
especialmente o MST. Conseqentemente, alm de oposio ao governo
Lula, o terceiro objetivo das CPIs era criar condies para deslegitimar qualquer poltica de reforma agrria no Brasil. O artifcio era atacar a um dos
principais expoentes da luta pela terra - com acusaes de promover a violncia e desvio de recursos pblicos - como forma de desacreditar e deslegitimar a reforma agrria.

1 - De acordo com a Constituio Federal (art. 58, 3), um requerimento de CPI necessita do apoio (assinaturas) de 1/3 dos membros da casa do Congresso Nacional onde a mesma ser instalada. No Senado, uma
CPI contra o MST foi defendida por parlamentares como o senador lvaro Dias, defesa essa que lhe deu a
presidncia da CPMI da Terra.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Nos dois anos de funcionamento, a CPMI realizou muitas reunies (43 no


total), audincias pblicas e viagens (dez no total) para nove Estados da
Federao, sendo que realizou duas viagens ao Par, a segunda em conseqncia do assassinato de Irm Dorothy em fevereiro de 2005. Foram visitados ainda os Estados de Pernambuco, Gois, So Paulo, Rondnia, Paran,
Minas Gerais, Mato Grosso e Cear, visitas motivadas pela existncia de
graves conflitos agrrios.
Nessas reunies e viagens, foram ouvidos 25 representantes de movimentos sociais de trabalhadores rurais e 24 representantes de organizaes da
sociedade civil e igrejas, inclusive Joo Pedro Stdile (MST), Manoel dos
Santos (CONTAG) e Dom Toms Balduino (CPT). Foram realizadas oitivas
com 19 representantes de movimentos de proprietrios rurais, entre eles Luiz
Antnio Nabhan Garcia (presidente da UDR). Foram ouvidos ainda especialistas, pesquisadores, profissionais e agentes pblicos ligados questo
agrria (56 no total), destacando-se o ento Ministro do Desenvolvimento
Agrrio, Miguel Rossetto; o Ex-Ministro da Secretaria Especial de Direitos
Humanos, Nilmrio Miranda; e o atual presidente do INCRA, Rolf Hackbarth.
Alm das oitivas e audincias pblicas para tomar depoimentos, os trabalhos investigativos da CPMI da Terra incluram tambm a transferncia dos sigilos fiscais, bancrios e telefnicos de entidades e pessoas fsicas (21 sigilos no
total), inclusive de fazendeiros suspeitos de envolvimento no assassinato da Irm Dorothy. A partir de requerimentos apresentados pela Bancada Ruralista,
foram aprovadas quebras de sigilos bancrios e fiscais da Associao
Nacional de Cooperao Agrcola (ANCA), da Confederao das Cooperativas de Reforma Agrria do Brasil (CONCRAB) e do Instituto Tcnico de Capacitao e Pesquisa da Reforma Agrria (ITERRA), entidades ligadas ao MST.

2 - A CPMI da Terra foi composta por doze (12) senadores e doze (12) deputados titulares, com o mesmo
nmero de suplentes para ambas as Casas do Congresso.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

Por iniciativa de parlamentares defensores da reforma agrria, foram quebrados ainda os sigilos bancrios, fiscais e telefnicos da Unio Democrtica
Ruralista (UDR nacional e do Pontal do Paranapanema/SP) e do Servio
Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR/RS). O objetivo dessas quebras era
investigar a aplicao e uso de recursos pblicos provenientes de convnios
firmados entre a Unio Federal e entidades de trabalhadores e de proprietrios rurais, no perodo de 1998 a 2005.

Uma das tticas utilizadas pelos ruralistas foi de vazar para a imprensa
dados que poderiam sinalizar malversao e uso indevido de recursos pblicos. Em vrias ocasies, antes de qualquer anlise na CPMI, apareceram
publicados na imprensa dados relacionados s entidades e movimentos
agrrios, sempre acompanhados de acusaes diretas de desvios de recursos.
Nenhuma das acusaes foi provada, mas as suspeitas e acusaes contriburam para atingir a imagem das entidades dos trabalhadores sem terra.

Apesar dos discursos enfatizando o papel da CPMI de "investigar toda situao onde poderia haver desvio de recursos", importante observar que os
parlamentares da Bancada Ruralista estavam mobilizados na proteo
incondicional de entidades e lideranas patronais. Foram derrotados, por
exemplo, requerimentos de quebra de sigilos fiscal e bancrio do SENAR
nacional, da Organizao das Cooperativas Brasileiras (OCB) e de Luiz
Antnio Nabhan Garcia, presidente da UDR.3

importante salientar que a CPMI da Terra foi prorrogada em dezembro de


2004, quando havia interesse da Bancada Ruralista na continuidade das investidas contra os movimentos agrrios. Diante da apresentao de requerimentos, pedindo as quebras de sigilo bancrio e fiscal de todos os 28 Sistemas
Nacionais de Cooperativismo (SESCOOPs nacional e estaduais), da OCB e do
SENAR nacional4, membros da Bancada Ruralista passaram a discursar sobre
a necessidade de encerrar os trabalhos, os quais estariam sendo prorrogados
desnecessariamente. Esses requerimentos no foram votados, impedindo que
a CPMI investigasse o uso de recursos por parte dessas entidades.

Durante os trabalhos da CPMI, vrios foram os temas geradores de embates entre a Bancada Ruralista e parlamentares defensores da reforma agrria.
Apesar de participar apenas das audincias e reunies de interesse direto por exemplo, votao de requerimentos de quebra de sigilos das entidades
populares ou de oitivas de proprietrios rurais -, os deputados e senadores
ruralistas negaram sistematicamente a existncia de trabalho escravo no
campo brasileiro. O principal argumento que existe uma confuso tendenciosa com situaes que no passam de descumprimento da legislao trabalhista como, por exemplo, o no registro em carteira e jornadas de trabalho prolongadas.
Outro tema que gerou vrios embates foi a negao explcita da violncia
no campo. A negao se deu em vrias ocasies como, por exemplo, por
meio da contestao frontal aos dados sistematizados e divulgados pela
Comisso Pastoral da Terra (CPT). Isso aconteceu por ocasio do depoimento de Dom Toms Balduino, quando a CPT foi acusada de instigar a violncia divulgando dados tendenciosos que supostamente no passam de disputas entre os sem-terra. Aconteceu tambm durante a visita da CPMI ao
Paran, quando um "relatrio alternativo", resultado de "investigao independente", foi apresentado colocando os prprios sem-terra como autores dos
assassinatos registrados naquele Estado.

3 - Foram aprovadas apenas as quebras de sigilo da UDR e do SENAR/RS devido a casos de instigao explcita violncia, no primeiro caso, e de denncias e investigaes do TCU, no segundo caso, por m versao de
recursos pblicos.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Aps a leitura do Relatrio Final, elaborado pelo Deputado Joo Alfredo,


ocorrida em 22 de novembro, foi apresentado um voto em separado assinado pelo Deputado Abelardo Lupion.5 A partir da leitura, vrios parlamentares
- especialmente o senador Sib Machado (PT/AC) - iniciaram contatos e reunies com lderes dos partidos nas duas Casas, e mesmo com Ministros de
Estado, buscando construir um acordo que levasse aprovao do relatrio
final do Deputado Joo Alfredo.
Na negociao foram abertas possibilidades ou mesmo propostas alteraes e mudanas no texto apresentado pelo Deputado Joo Alfredo. Percebendo a conjuntura favorvel no Congresso, alm de ter a maioria dos votos
na CPMI, a Bancada Ruralista e seus aliados se recusaram a qualquer tipo de
negociao. Segundo informaes de membros dessa Bancada, a nica
negociao "possvel" seria aprovar o voto em separado do Deputado
Abelardo Lupion.
No dia 29/11/2005, a reunio foi aberta com a apreciao do relatrio do
Deputado Joo Alfredo. Na discusso, os parlamentares da Bancada Ruralista
4 - Os requerimentos foram motivados pela obteno de novas informaes sobre problemas na execuo
de convnios por essas entidades, inclusive cpias de procedimentos investigativos do TCU sobre a aplicao de recursos do SESCOOP em vrios Estados.
5 - Alm de integrantes da CMPI partidrios da reforma agrria, o texto do relator, Dep. Joo Alfredo, foi
defendido pelos lderes do PT e do PSOL na Cmara, deputados Henrique Fontana e Luciana Genro, respectivamente.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

teceram vrias crticas ao relatrio, mas o relator rebateu cada uma delas com
muita firmeza. Mesmo assim, o texto foi derrotado por 13 votos a oito e uma
absteno. A derrota j era prevista, pois os parlamentares contrrios reforma agrria se recusaram a qualquer tipo de acordo e, desde o incio, os parlamentares que apiam os movimentos sociais eram minoria na CPMI.6

O voto em separado de Lupion foi aprovado com 12 votos favorveis, tendo


o voto contrrio do Senador Eduardo Suplicy (integrante da CPMI que sempre
votou com o Deputado Joo Alfredo).7 Na seqncia, foram votadas as propostas de supresso apresentadas pelos senadores Eduardo Suplicy e Helosa
Helena, sendo que alguns foram acatados pelos parlamentares presentes.

Mencionando a morte de mais um trabalhador rural na luta pela terra,


ocorrida no dia da votao, no Estado de Alagoas, o Deputado Joo Alfredo
afirmou que no se sentia derrotado. Emocionado, resumiu bem o momento
e contedo do voto em separado:

O relatrio recomendava, por exemplo, o indiciamento de cinco dirigentes


nacionais do MST por "crimes de formao de quadrilha, extorso e demais
delitos ligados s prticas do Movimento (Joo Pedro Stdile, Gilmar Mauro,
Joo Paulo Rodrigues, Jos Rainha Juniur e Jaime Amorim)". Essa recomendao foi retirada do documento final no momento da votao, permanecendo o indiciamento de dirigentes da ANCA e da CONCRAB.

Fizemos o que era para ser feito: o diagnstico da situao


fundiria brasileira, a anlise dos processos de reforma agrria,
dos movimentos so-ciais no campo. O relatrio alternativo proposto a anttese do nosso e se-quer cumpre os objetivos desta
CPMI; no valorizou as visitas aos estados, no reconhece os
problemas fundirios nem apresenta propostas para resolv-los.
um retrocesso de cem anos.
Vencido o seu relatrio, Joo Alfredo anunciou que seu trabalho estava
encerrado e que no ficaria na reunio para compactuar com um texto que
criminaliza as vtimas dos conflitos agrrios. Lembrou ainda que os que derrotaram seu relatrio eram exatamente os mesmos parlamentares que vm
barrando a votao da Proposta de Emenda Constitucional n 4387/2001,
que prev a expropriao de reas onde for constatada a explorao de trabalho escravo. Na seqncia, os parlamentares defensores da reforma
agrria, aps manifestaes indignadas, acompanharam o relator e se retiraram da reunio.
A senadora Ana Jlia Carepa (PT/PA) afirmou que o voto em separado era
uma excrescncia. Por ser do Par, Estado com mais assassinatos de trabalhadores do campo, ela no poderia compactuar com aquela votao e, muito emocionada, rasgou o texto do Deputado Abelardo Lupion. A reunio continuou somente com os ruralistas e seus apoiadores. Os senadores Heloisa
Helena (PSOL/AL) e Eduardo Suplicy (PT/SP) foram designados para permanecer na sesso, apresentando destaques para retirar algumas questes graves do voto em separado que criminalizavam o MST.
6 - Votaram a favor deste relatrio os deputados Z Geraldo (PT/PA), Luci Choinack (PT/SC) e Jamil Murad
(PCdoB/SP) e os senadores Ana Jlia Carepa (PT/PA), Eduardo Suplicy (PT/SP), Sib Machado (PT/PA) e Valdir
Raupp (PMDB/RO). Apoiaram o relatrio, sem direito a voto, os deputados suplentes Ado Pretto (PT/RS),
Anselmo (PT/RO) e Jackson Barreto (PTB/SE), bem como as senadoras suplentes Ftima Cleide (PT/RO) e Serys
Slhessarenko (PT/MT).

ABRA - REFORMA AGRRIA

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As proposta de indiciamentos no vieram acompanhadas de indcios de


materialidade ou de autoria dos delitos. Eram, portanto, frgeis, imprestveis
para alicerar uma eventual denncia criminal. Em primeiro lugar, vrias pessoas acusadas nem foram ouvidas e no estavam sendo objetos de investigao pela CPMI. Em segundo lugar, no h qualquer acusao contra as
mesmas ao longo do texto do relatrio de Lupion. Conseqentemente, o indiciamento teve um cunho exclusivamente poltico e ideolgico, explicitando o
desejo de destruir um movimento social legtimo por meio da criminalizao
de suas lideranas.
preciso deixar registrado que vrios representantes de movimentos de trabalhadores e dirigentes e funcionrios da ANCA e da CONCRAB foram humilhados pelos parlamentares ruralistas durante os depoimentos prestados
CPMI da Terra. Em vrios momentos, explicitando todo o preconceito a lideranas populares, parlamentares utilizaram palavras torpes e fizeram acusaes inverdicas contra os depoentes, os quais se mantiveram calados.
Diante da truculenta ofensiva da Bancada Ruralista, a maioria dos depoentes
adotou o direito constitucional de no responder a nenhuma das questes ou
acusaes, porque entendiam que j haviam sido condenados pelos ruralistas e pela grande imprensa.

7 - Votaram contra o relatrio apresentado pelo relator e foram favorveis ao voto em separado os senadores
Csar Borges (PFL/BA), Flexa Ribeiro (PSDB/), Gilberto Goellner (PFL/), Juvncio da Fonseca (PDT/MS),
Mozarildo Cavalcanti (PTB/MT) e Wellington Salgado (PMDB/MG), bem como os deputados Abelardo Lupion
(PFL/PR), Josu Bengtson (PTB/PA), Luiz Carlos Heinze (PP/RS), Max Rosenmann (PMDB/PR), Moacir Micheletto
(PMDB/PR), nyx Lorenzoni (PFL/RS) e Xico Graziano (PSDB/SP).

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

Usando a lgica de condenar, perante a opinio pblica, por meio do vazamento de informaes sigilosas para a grande imprensa,8 alm dos dirigentes,
vrios empregados e ex-empregados da ANCA e da CONCRAB foram acusados de "laranjas" e de enriquecimento ilcito antes das oitivas para ouvi-los.
Ao final, estas pessoas - gente pobre que trabalhou ou trabalha como officeboys e em servios gerais nas entidades - no foram indiciadas, nem mesmo
tiveram qualquer peso ao longo do relatrio do Deputado Lupion.

A segunda parte representa o momento analtico do relatrio no que tange


aos aspectos gerais da questo agrria, ocasio em que enfrenta um dos
objetivos para o qual a CPMI foi constituda. O "diagnstico da questo
agrria brasileira" centra-se na problemtica da estrutura fundiria, da violncia no campo, do trabalho escravo, dos movimentos sociais trabalhadores,
das organizaes ruralistas e da reforma agrria e seu ordenamento jurdico.
O relatrio vencido afirma que a questo agrria brasileira marcada pela
concentrao fundiria, pelos conflitos coletivos por terra e pela violncia
contra trabalhadores rurais. Revela que 1,6% dos proprietrios com imveis
acima de mil hectares detm 46,8% do total da rea cadastrada pelo INCRA
no Pas. Por outro lado, afirma que mais de trs milhes de famlias de trabalhadores rurais procuram um pedao de cho para trabalhar.

O relatrio vencido do Deputado Joo Alfredo9 foi encaminhado a vrias


instncias do Estado como, por exemplo, ao Presidente do Supremo Tribunal
Federal, Procuradoria Geral da Repblica, ao Senado Federal e Cmara
dos Deputados. Uma cpia foi entregue Relatora Especial da ONU sobre
defensores de direitos humanos, por ocasio de sua misso ao Brasil, e
relatrios foram enviados s embaixadas dos pases solidrios aos movimentos sociais que lutam pela terra no Brasil.
2. C ONTEDO

DO RELATRIO DO

D EPUTADO J OO A LFREDO

Elaborado e apresentado pelo relator da CPMI Deputado Joo Alfredo, o


relatrio final possui 750 pginas (alm dos anexos), nas quais constam um
amplo diagnstico sobre a situao fundiria brasileira, as causas da violncia no campo, os programas e aes de reforma agrria e a legislao existente na rea. Um captulo dedicado reforma urbana, com especial destaque ao despejo violento ocorrido em Goinia, em 2005. Ao final, faz 150
recomendaes aos poderes Executivo, Judicirio e Legislativo, ao Ministrio
Pblico e ao Tribunal de Contas da Unio (TCU).
O documento est divido em cinco partes. A primeira destina-se a apresentar a CPMI da Terra: constituio, objetivos, prazos e composio, alm de
sintetizar as principais reunies e viagens realizadas, indicar a documentao
recebida e as pessoas ouvidas pela Comisso.

8 - No se trata aqui de negar que as CPIs so tambm - alm de fruns investigativos - instrumentos de informao da sociedade e de formao da opinio pblica (inclusive porque estas Comisses devem estar diretamente relacionadas com o interesse pblico), mas de uma ttica de vazar informaes sigilosas e no devidamente investigadas com o propsito de antecipar a condenao dos movimentos sociais e suas lideranas perante opinio pblica.
9 - A integra deste relatrio est disponvel no site do Dep. Joo Alfredo (www.joaoalfredo.org.br) e uma verso
est sendo publicada pelo Senado Federal sob o ttulo "Reforma agrria quando? Relatrio da CPI revela as
causas da violncia no campo".

ABRA - REFORMA AGRRIA

48

Segundo o documento, a alta concentrao da propriedade da terra d origem a relaes econmicas, sociais, polticas e culturais cristalizadas em uma
estrutura agrria inibidora do desenvolvimento, entendido como crescimento
econmico, justia social, sustentabilidade ambiental e extenso da cidadania
democrtica populao do campo. O monoplio da propriedade e posse da
terra por uma pequena parcela da populao a grande responsvel pelo
xodo rural, o inchao das grandes cidades e, acima de tudo, o alto grau de
misria e pobreza em que se encontram milhes de brasileiros.
A violncia analisada a partir dos nmeros, origens e causas. O relatrio fez
uma distino entre violncia e conflito. O segundo definido como fruto da luta
histrica dos excludos para trazer esfera pblica demandas reprimidas,
enquanto a violncia a resposta (como uma reao ilegtima) ao conflito. Na
raiz de ambos, no entanto, est a concentrao fundiria e a impunidade.
Depois de asseverar que a concentrao fundiria a principal responsvel pelos conflitos por terra ocorridos em todas as regies do Brasil, assim
como pelos altssimos ndices de violncia existente no meio rural, o relatrio
sustenta que a impunidade dos assassinos estimula a prtica da violncia. Um
dos exemplos citados que, nas duas ltimas dcadas, 1.349 lavradores
foram assassinados em decorrncia da luta por terra, em 1003 ocorrncias
registradas. Apenas 75 dessas ocorrncias resultaram em julgamentos; 64
executores foram condenados e 44 absolvidos. No caso dos mandantes, apenas 15 foram condenados.
De acordo com o relator, h vrias modalidades de violncia contra os trabalhadores. As mais comuns e visveis so as praticadas por agentes pblicos
- sobretudo policiais - e as decorrentes da ao do poder privado. Nessas,
ABRA - REFORMA AGRRIA

49

Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

incluem-se a pistolagem, as milcias privadas e as falsas empresas de segurana privada. Os proprietrios rurais, ante crescente mobilizao dos trabalhadores sem terra, buscam proteger seus interesses por meio de medidas
muitas vezes ilegais, tais como o uso de armas de fogo, inclusive de uso restrito, a pistolagem e a organizao de milcias privadas, acirrando os conflitos
e gerando a violncia no meio rural brasileiro.

A lentido do processo de reforma agrria decorre de vrios fatores, entre


os quais a inadequao da legislao. Por esse motivo, o relatrio reuniu as
reflexes suscitadas por especialistas ouvidos pela CPMI acerca dos marcos legais da reforma, tentando identificar os gargalos e principalmente as propostas
para solucion-los. O resultado foi a sistematizao de um frtil conjunto de
recomendaes legislativas para agilizar o processo de reforma agrria. So
sugestes de alterao da Constituio Federal, do Cdigo de Processo Civil
da Lei n 8.629/93, da Lei Complementar n 76/93, entre outras.

Na seqncia, aborda a demanda por terra por parte de milhes de


famlias. De acordo com dados do relatrio, cerca de 170 mil famlias
aguardam a realizao da reforma em acampamentos beira de rodovias ou
em reas ocupadas, enquanto aproximadamente 840 mil esto cadastradas
pelo INCRA como possveis beneficirias. A demanda potencial por terra,
porm, bem maior. Usando como referencial os trabalhadores sem acesso
terra, o montante de 3,1 milhes de famlias.
O relatrio parte da premissa de que os movimentos sociais e as organizaes sindicais de trabalhadores rurais que pressionam os poderes pblicos
pela realizao da reforma agrria so herdeiros de outras experincias de
mobilizao de lavradores e legatrios da resistncia indgena e negra. O
documento afirma que essas presses, manifestadas por meio de marchas,
acampamentos beira de rodovias e, principalmente, ocupaes de imveis
rurais improdutivos, so legtimas e o melhor meio de evit-las implementar uma ampla e massiva reforma agrria.
De acordo com o documento, o Brasil possui disponibilidade de terra suficiente para assentar mais de um milho de famlias. De acordo com o INCRA,
as grandes propriedades declaradamente improdutivas totalizam cerca de
133,772 milhes de hectares, ao passo que a estimativa de terras devolutas
chega ao nmero aproximado de 172,946 milhes. As terras pblicas
cadastradas por diferentes rgos federais, e que poderiam ser destinadas ao
assentamento de trabalhadores, somam 4,373 milhes de hectares.
As diferentes modalidades que poderiam ser disponibilizadas reforma
agrria totalizam 311,1 milhes de hectares, ou 36% do territrio nacional.
Assim, a meta de assentar 400 mil famlias, traada pelo Governo Lula no II
Plano Nacional de Reforma Agrria (PNRA), no deixaria de ser atendida por
falta de terra. Tal meta, segundo o relatrio, corre o risco de no ser atingida
em funo da manuteno da atual poltica econmica, que drena os recursos oramentrios para o pagamento dos servios da dvida pblica federal.

ABRA - REFORMA AGRRIA

50

O relatrio apresenta ainda um quadro sobre os movimentos sociais agrrios e


organizaes ruralistas e faz um diagnstico das polticas governamentais de reforma agrria, implementadas pelos diferentes governos desde Joo Goulart (19631964). Dedica especial ateno s polticas governamentais recentes, ou seja, analisa os resultados dos programas de reforma agrria das gestes de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) e de Lus Incio Lula da Silva (2003-2006).
A terceira parte do documento apresenta relatos extensos sobre as dez viagens que a Comisso realizou a nove estados brasileiros, incluindo a anlise
da estrutura fundiria, das relaes de trabalho e sugestes de encaminhamentos especficas para cada caso. Destaca-se o Estado do Par, inclusive pelo fato de ter ficado em evidncia com o assassinato da Irm Dorothy
Stang, aps esta ter comparecido CPMI para denunciar a violncia contra
os trabalhadores rurais e suas lideranas naquele Estado. O documento trata
tambm dos estados de Pernambuco, So Paulo (Pontal do Paranapanema),
Rondnia, Paran, Minas Gerais, Mato Grosso, Cear e Amap.
Realizando um de seus objetivos, o relatrio dedica a quarta parte para
descrever as atrocidades praticadas pela polcia durante o despejo violento de
mais de 14 mil famlias de sem-teto da ocupao Sonho Real, em fevereiro
de 2005, em Goinia, do qual restaram trs mortos e vrios feridos.
A quinta parte do relatrio destina-se s recomendaes e encaminhamentos de natureza administrativa, legislativa, judicial, ao Tribunal de Contas da
Unio e ao Ministrio Pblico. Todas visam a mesma coisa: coibir a violncia
e a impunidade e agilizar o processo de reforma agrria e urbana.
Entre outras recomendaes, o relatrio pede que o Poder Executivo garanta a integridade fsica dos defensores de direitos humanos ameaados de
morte. Alm disso, recomenda a incluso de 50 ativistas residentes no Estado
do Par no Programa de Proteo aos Defensores de Direitos Humanos da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica.
ABRA - REFORMA AGRRIA

51

Ensaios e Debates

3. C ONTEDO

DO RELATRIO DO

D EPUTADO A BELARDO L UPION

O voto em separado, apresentado pelo Deputado Abelardo Lupion


(PFL/PR), foi aprovado como relatrio final da CPMI da Terra. fundamental
ter claro que o contedo do referido voto a materializao do pensamento
da Bancada Ruralista. O seu autor um de seus mais aguerridos representantes e conhecido no Parlamento10 por defender intransigentemente os
caloteiros do crdito agrcola e grandes proprietrios rurais, especialmente
aqueles que defendem o uso da fora e de armas para manter o direito absoluto de propriedade, muitos acusados de criar milcias privadas.
O voto em separado dedica mais de 200 de suas 365 pginas ao MST.
Dois teros das pginas restantes descrevem as atividades da CPMI e reproduzem acrdos do Tribunal de Contas da Unio (TCU) que constataram
superfaturamento em desapropriaes e outras irregularidades na atuao do
INCRA, durante a gesto de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).11 Na
verdade, esse relatrio uma pea de acusao mal redigida, que tem como
nicos objetivos criminalizar a luta pela terra materializada na atuao do
MST e inviabilizar a implementao da reforma agrria.
Toda a problemtica fundiria brasileira, os processos de reforma agrria e
o ordenamento jurdico da terra so tratados em menos de 40 pginas. Na
verdade, o primeiro captulo uma cpia fiel de trechos do relatrio do
Deputado Joo Alfredo. Afirma inclusive que "este Relatrio analisou os recursos federais repassados para o Servio Nacional de Cooperativismo
(SESCOOP) e Servio Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR)". No entanto, no faz nenhuma referncia a irregularidades detectadas nos repasses de
recursos de entidades patronais, nem mesmo aquelas resultantes da quebra
de sigilo do SENAR/RS.
O segundo captulo apresenta dados estatsticos do IBGE que revelam a concentrao fundiria existente no Brasil. No faz, no entanto, qualquer discusso
sobre as causas e conseqncias dessa concentrao. Sem acrescentar nada de
novo em relao ao anterior, o terceiro captulo trata do panorama agrrio
regional e repete os dados da concentrao fundiria em cada regio.

10 - Em maro de 2006, o deputado Abelardo Lupion - antigo presidente da UDR do Paran - foi eleito,
como representante do PFL, presidente da Comisso de Agricultura da Cmara dos Deputados para a
gesto 2006.
11- Curiosamente, o texto do relatrio no informa que as irregularidades encontradas pelo TCU no Instituto
Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) so relativas administrao do Governo FHC (19952002).

ABRA - REFORMA AGRRIA

52

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

O quarto captulo trata das experincias recentes de reforma agrria, dedicando apenas sete pginas para relatar a histria de programas de reforma
agrria no Brasil. Sem falar em erros crassos como, por exemplo, definir como "nova repblica" o perodo anterior ao regime militar (p. 65), esse relatrio
afirma que o Governo FHC, de 1995 a 2002, assentou 635 mil famlias (p.
67), reforando um dado que no usado nem mesmo como pea de propaganda oficial do governo anterior.
O quinto captulo dedicado ao ordenamento jurdico da propriedade
fundiria. Tambm uma cpia resumida e distorcida do relatrio apresentando pelo Deputado Joo Alfredo. O sexto captulo, por sua vez, a simples
reproduo de dois acrdos do Tribunal de Contas da Unio (TCU) que versam sobre a atuao do INCRA. Os acrdos referem-se a irregularidades na
atuao do rgo e a superfaturamento em "processos relativos a desapropriao de imveis, formalizados no perodo de 1996 a 2000" (p. 109).
Formulado como uma anlise da violncia no campo nos nove Estados
investigados pela CPMI, o stimo captulo um acinte. Possui apenas 12
pginas, nas quais no h qualquer referncia morte de trabalhadores, trabalhadoras e lideranas populares. Apresenta apenas o ponto de vista das
entidades ruralistas, ignorando completamente a existncia de milcias privadas, trabalho escravo e grilagem de terras no meio rural brasileiro.
Sobre os estados de Pernambuco, por exemplo, cita somente a morte de
um soldado da Polcia Militar, omitindo que, de 2003 a 2005, foram mortos
15 lideranas de trabalhadores rurais. No caso do Par,12 no faz qualquer
meno aos conflitos, depoimentos e denncias feitas CPMI, nem sequer
menciona a morte de irm Dorothy, motivo de uma segunda visita da Comisso ao Par. Quanto situao no Estado do Paran, desconhece denncias contra fazendeiros e entidades ruralistas, a exemplo da UDR estadual, do Primeiro Comando Rural (PCR) e do Sindicato Nacional dos
Produtores Rurais (Sinapro), reduzindo o relato controvrsia envolvendo a
desapropriao da fazenda Araupel, concluindo pela inviabilidade da implantao do assentamento.
digno de registro que o Deputado Lupion foi um defensor incondicional
do Cel. Copetti, ouvido duas vezes pela CPMI da Terra. Esse militar se encontrava preso no Paran, acusado de trfico de armas e formao de milcias
12 - importante lembrar que o Deputado Lupion, acompanhou apenas duas das 10 viagens realizadas pela
CPMI, sendo que uma foi a seu prprio Estado, o Paran.

ABRA - REFORMA AGRRIA

53

Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

para combater sem-terra com financiamento de fazendeiros - inclusive integrantes da UDR13 - no Estado.

(TCU) nos convnios firmados por essas entidades com rgos e entidades
federais. O documento aprovado pela CPMI trata os relatrios preliminares,
elaborados pelos analistas de controle externo do TCU, como se fossem manifestaes daquela Corte de Contas.

O oitavo captulo reservado exclusivamente anlise do Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O mais longo captulo do relatrio
aprovado, com mais de 208 pginas (de um total de 360 pginas), faz uma
infinidade de acusaes ao MST sem qualquer preocupao com sua comprovao.
O principal argumento, repetido exausto, que o MST "um movimento revolucionrio de esquerda" (pp. 147 e 151), e que "sua meta revolucionria socialista" (pp. 150 e 167), que "a filosofia do MST revolucionria
de esquerda" (p. 167).
A Constituio Federal reafirma o Brasil como um "Estado democrtico de
direito" (art. 1), portanto, tem como fundamento o "pluralismo poltico"
(inciso V). Em seu art. 5 (sobre os direitos e deveres individuais e coletivos),
a CF garante o direito de "livre manifestao do pensamento" (inciso IV) e
assegura que "ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa
ou de convico filosfica e poltica" (inciso VIII). No constitui nenhum crime
ou ilegalidade, portanto, ser socialista, acreditar na revoluo, muito menos
ter uma ideologia de esquerda.
Na verdade, o voto em separado est eivado por uma concepo
autoritria, preconceituosa e fascista, pois afirma categoricamente que ser
socialista ou de esquerda crime e um "pensamento fora da lei". Estabelece
uma relao entre ser "um movimento revolucionrio de esquerda" que "no
reluta em desviar recursos, pblicos ou privados" (p. 147). O documento
aprovado estabelece uma ligao direta entre ser revolucionrio e ser ladro,
mesmo sem provas de que houve desvio ou uso indevido de recursos por
parte do MST.14
Nesse tpico, so reproduzidas partes de depoimentos prestados pelos representantes da ANCA, CONCRAB e ITERRA, entidades parceiras do MST,
assim como os levantamentos iniciados pelo Tribunal de Contas da Unio
13 - Segundo registros da Polcia Militar do Paran, Comando do Policiamento da Capital, algumas horas
antes da oitiva no Paran, realizada no dia 18/04/2005, o Cel. Copetti recebeu as visitas de Marcos Menezes
Prochet (presidente da UDR estadual), Tarcisio Barbosa dos Santos (dirigente da FAEP) e Francisco C. Gomes,
entre outros.
14 - O objetivo central das acusaes e "investigaes" da Bancada Ruralista - explicitando em vrios discursos - era demonstrar que o MST usa recursos pblicos para organizar e financiar "invases" de terras e ameaar
a propriedade, o que no ficou demonstrado pelas investigaes da CPMI da Terra.

ABRA - REFORMA AGRRIA

54

Desconsidera ainda que as normas internas do TCU estabelecem que os


procedimentos de auditorias devem atender a vrias etapas e que os relatrios enviados CPMI no superaram a primeira etapa. Faz vistas grossas,
por exemplo, a ofcios subscritos pelo prprio Presidente do TCU, Ministro
Adylson Motta, que, ao encaminhar os relatrios Comisso, assevera: "por
oportuno, ressalto que, por tratar-se de informaes preliminares, ainda no
apreciadas conclusivamente por esta corte, so de carter reservado".
Ignorando a recomendao explcita do Ministro do TCU, ou mesmo a fragilidade das "concluses" das investigaes da CPMI da Terra, o relatrio
refora a acusao de desvios e recomenda a suspenso imediata de todos
os convnios - e a conseqente suspenso de novos repasses - alm da
devoluo dos recursos pblicos alocados nos trabalhos das entidades
agrrias. A recomendao de cancelamento indiscriminado inviabilizaria vrios programas sociais como, por exemplo, o PRONERA, voltado alfabetizao de jovens e adultos. Alm da ttica de desacreditar as entidades dos
trabalhadores junto opinio pblica, essa recomendao visa inviabilizar
financeiramente qualquer ao voltada para a melhoria das condies de
vida da populao pobre do campo.
Outro fato grave que o voto em separado s faz meno aos convnios das
entidades de trabalhadores. No faz qualquer aluso aos convnios firmados
pela Sociedade Rural Brasileira (SRB) e Organizao das Cooperativas Brasileiras (OCB), nos quais o TCU tambm constatou vrias irregularidades, muitas
delas idnticas quelas que apareceram nos convnios das entidades de trabalhadores. O documento aprovado possui um peso e duas medidas: condena
aodadamente as entidades de trabalhadores e finge que no sabe, no viu,
no conhece os mesmos problemas que envolvem as entidades patronais. Esse
mais um elemento que revela o objetivo de apenas criminalizar as entidades
de trabalhadores e no "identificar caminhos para a soluo dos problemas" no
campo, conforme estabeleceu o requerimento que criou a CPMI.
A terceira parte do texto aprovado trata das recomendaes e encaminhamentos. Reproduz algumas das recomendaes contidas no relatrio do Deputado Joo Alfredo, acrescentando outras visando criminalizar o MST e os
defensores de direitos humanos ligados reforma agrria. Isso acontece, por
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

exemplo, quando o documento recomenda o indiciamento de um dirigente


(Pedro Christfolli) e de um ex-dirigente da ANCA (Jos Trevisol) e do Presidente da CONCRAB (Francisco Dalchiavon, o Chico).

Segurana Nacional (Lei n 7.170, de 1983), pois, de forma


equivalente, afeta a ordem constitucional estabelecida, a integridade territorial, o regime representativo e democrtico e o
Estado de Direito (art. 1, I e II, da Lei de Segurana Nacional).
Enfim, tais aes fragi-lizam o Estado (p 370).

O relatrio aprovado chega ao cmulo do reacionarismo ao recomendar


a aprovao de dois projetos de lei que tipificam as condutas de quem
"invade" propriedade alheia para "pressionar o governo a fazer ou deixar de
fazer" alguma coisa como crime hediondo e ato terrorista. O texto do
Deputado Lupion, ao classificar a ocupao de terras nesses termos, torna-se
o primeiro documento oficial do Parlamento brasileiro que incorpora a "doutrina Bush de guerra contra o terror".
Merece destaque os termos que justificam os referidos projetos de lei tipificando as ocupaes de terras como crime hediondo. Aps se referir equivocadamente a diversas motivaes de atos de terrorismo no Oriente Mdio e
nos Blcs, os termos da justificao do projeto so:

O terrorismo, que , eminentemente, um movimento poltico, se


adapta realidade social, econmica e cultural do local onde
se exterioriza. No Brasil, tem se manifestado na forma do inclusionismo scio-econmico, por meio do qual associaes de
trabalhadores rurais sem-terra, por exemplo, reclamam a falta
de participao social e econmica em razo de uma suposta
negao estatal de direitos garantidos constitucionalmente, e,
por meio da violncia, buscam pressionar o governo a transformar tais direitos abstratos em realidade concreta (pp. 369s destaques nossos).
Estabelecer uma relao direta entre as reivindicaes e lutas de movimentos populares legtimos por incluso social e econmica com terrorismo de
um reacionarismo inaceitvel. Representa, na verdade, a defesa, simples e
explcita, da excluso social, uma chaga da realidade brasileira, em nome do
direito supremo de propriedade.
Classificando as aes do MST como atos terroristas que assustam os proprietrios e reforando a defesa incondicional da propriedade, o texto de justificao do projeto ainda afirma:

Esse tipo de terrorismo, prprio da realidade brasileira, no


deve ser aceito e deve ser punido com o mesmo rigor que as
outras formas de atos terroristas previstas em nossa Lei de
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Sem sombras de dvidas, a evocao da Lei de Segurana Nacional explicita o verdadeiro esprito do referido relatrio. Materializando as concepes
da Bancada Ruralista, o documento uma elegia ao autoritarismo social e
econmico, desconhecendo qualquer direito humano dos pobres do campo
em nome do direito sagrado de propriedade.
O relatrio afirma ainda que ANCA, CONCRAB e ITERRA so "a face jurdica do MST", razo pela qual recomenda que sejam acionadas judicialmente
para reparao de danos causados por aes do movimento. Alm disso,
reduz toda a problemtica do campo brasileiro a possvel "mau uso e desvio"
de recursos da Unio repassados para entidades que possuem ligaes com
o MST (ANCA, CONCRAB e ITERRA). Alm de no reconhecer problemas na
estrutura fundiria e na existncia de violncia, trabalho escravo ou milcias
privadas no campo, no faz qualquer recomendao voltada para a melhoria das condies de vida da populao rural.
A concepo autoritria e preconceituosa albergada pelo relatrio vencedor envergonha o Congresso Nacional brasileiro. Alm de criminalizar os
movimentos sociais de luta pela terra e os defensores de direitos humanos que
atuam no meio rural, o relatrio representa uma ode violncia. um verdadeiro manifesto do dio dos ruralistas aos trabalhadores sem terra, representando mais um obstculo no caminho da implementao da reforma
agrria e da justia social no campo brasileiro.
4. A B ANCADA R URALISTA

E A CRIMINALIZAO

DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO

O modus operandi dos ruralistas na CPMI da Terra um bom exemplo da


forma de atuao da Bancada Ruralista no Congresso Nacional. O voto em
separado que se sagrou vitorioso no expressa apenas as opinies do
Deputado Abelardo Lupion. Reflete a viso que o conjunto dos parlamentares
ruralistas possui sobre a questo agrria brasileira.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

Em estudo sobre o carter, o perfil e a composio da Bancada Ruralista na


Legislatura 1999/2002, Edlcio Vigna sustenta que os ruralistas integram um
dos mais eficientes grupos de presso no interior da Cmara dos Deputados.15 Segundo o assessor tcnico do Instituto de Estudos Scioeconmicos
(INESC), os ruralistas representavam a terceira maior bancada de interesse,
com 89 deputados (17,3%), atrs apenas dos empresrios (143 deputados) e
advogados (92 deputados).16

Cmara dos Deputados e Bancada Ruralista


100
82,7%
Cmara
dos
Deputados
17,3%
Bancada
Ruralista

80
60
40
20
0

Fonte: VIGNA, 2001, p.15.

Edlcio Vigna afirma que os parlamentares que compunham a bancada ruralista pertenciam, majoritariamente, aos partidos que formavam a base de apoio
do ento governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (19-95-2002).
Bancada Ruralista e Partidos Polticos

20
15
10
5
0
PFL

PPB

PMDB

PSDB

PTB

PL

PST

PDT

PPS

15 - A declarao das fontes de renda dos deputados foi utilizada para classificar os parlamentares como
"ruralistas". "O critrio utilizado neste trabalho para classificar os parlamentares como ruralistas foi baseado na
declarao dos deputados sobre suas fontes de renda, conforme expresso no Repertrio Bibliogrfico da
Cmara dos Deputados. Foi considerado como componente potencial da Bancada Ruralista o deputado que
declarou, entre as suas fontes de renda, alguma forma de renda agrcola" (Vigna, 2001, p. 9).
16 - Estes dados so da legislatura passada, pois infelizmente no h estudos atualizados sobre a atual composio e perfil desta Bancada no Congresso Nacional.

ABRA - REFORMA AGRRIA

58

a bancada ruralista no se caracteriza constantemente como


um grupo de interesse, de presso ou de lobby, mas circula por
esses estgios conforme intensifica ou no as suas aes.
notria, porm, a predominncia do aspecto de "interesse".
Para Vigna (2001, p. 13-14), o conceito "grupo de interesse" o que melhor se amolda Bancada Ruralista, uma vez que "mais amplo que o de
grupo de presso ou de lobby". "Os grupos de interesse, ao desencadearem
uma ao, se transformam em grupos de presso. E o lobby a operacionalidade da ao."
Edlcio Vigna (2001, p. 14) acredita que os ruralistas constituem-se como
um conjunto suprapartidrio de parlamentares que se articulam em defesa
de interesses localizados, sujeitos s flutuaes conjunturais, formando uma
verdadeira "bancada".

O grupo ruralista no se submete, necessariamente, a nenhuma regra, seno a da fidelidade aos seus interesses. Vota unificada somente nas proposies que possam afetar seus negcios no mercado. Nas votaes que no envolvem seus interesses, cada deputado "liberado" para seguir ou no as indicaes das lideranas partidrias, invertendo a lgica do processo legislativo.
O assessor do INESC prossegue a caracterizao da Bancada Ruralista
nos seguintes termos:

30
25

Fonte: VIGNA, 2001, p.18.

O assessor do INESC afirma que:

Como uma bancada suprapartidria, os ruralistas formam um


grupo de interesse atpico, que atua dentro do Estado, sendo
parte do aparelho de Estado, mas com objetivos idnticos aos
de qualquer outro grupo social: atuar em favor de interesses
setoriais. Todavia, como essa Bancada participa diretamente
do processo decisrio, torna-se, assim, um grupo de presso.
E, como esse grupo de interesse e de presso agressivo nas
suas reivindicaes, manifesta-se, tambm, como uma bancada de lobby.
Em resumo, a Bancada Ruralista condensa vrias especificidades que encontramos compartimentadas nas organizaes
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

sociais. Ao conceitu-la a partir da sua atuao, importante


compreender que os ruralistas no compem uma bancada
partidria, mas um grupo de parlamentares suprapartidrios.
Uma bancada uma forma de organizao superior a de um
grupo. Ela respeita certos regulamentos, tem uma instncia
burocrtica e, nas votaes, independente do contedo, segue
majoritariamente a indicao do lder.

que um dos mais influentes grupos de interesse do Poder Legislativo


brasileiro. Alm de ter sido criada por iniciativa do ruralistas, em associao
com a oposio ao governo Lula, no j mencionado episdio do uso do
bon do MST pelo Presidente da Repblica, a maioria dos integrantes da
Comisso era composta por ruralistas ou por parlamentares que seguiam
sua orientao.

Na apresentao do estudo realizado por Edlcio Vigna, o ento


Secretrio Geral do INESC, Bizeh Jaime, asseverou:

No h grupo de presso mais eficiente, atuando no interior do


Parlamento brasileiro, do que a bancada ruralista. Desde a Assemblia Nacional Constituinte, os ruralistas utilizam armas de
convencimento tpicas da elite agrria para negociar com o
Executivo e o prprio Congresso.
Bizeh Jaime lembra que no processo Constituinte, os ruralistas apoiaram
as propostas mais conservadoras e o mandato ampliado de cinco anos para
o ento presidente Sarney (1985-1989), em troca de um texto que dificultasse a desapropriao de terras para a reforma agrria. Desde o fim da
dcada de 1980, a ao organizada dessa bancada volta-se para dois objetivos fundamentais: dificultar a tramitao de projetos de lei que visem facilitar a realizao da reforma agrria e pressionar os governos para que perdoem as dvidas dos grandes fazendeiros. Prossegue o ex-Secretrio Geral
do INESC:

Os ruralistas tm conseguido exercer seu poder de influncia


para obter vitrias. So eles que patrocinam as indicaes para
o Ministrio da Agricultura e elegem, a cada ano, o presidente
da Comisso de Agricultura e Poltica Rural da Cmara dos
Deputados. Com redutos estabelecidos, exercem a presso
com mais facilidade.
A atuao dos ruralistas e os acordos polticos que eles vm obtendo
acabam por favorecer setores j amplamente beneficiados, sem levar em
conta questes ambientais e sociais, como as necessidades de milhares de
produtores familiares e de trabalhadores rurais sem terra.
A CPMI da Terra pode ser tomada como um caso exemplar da atuao da
Bancada Ruralista. Retrata com grande fidedignidade a forma de ao desse
ABRA - REFORMA AGRRIA

60

Um dos parlamentares mais influentes da Bancada Ruralista no Congresso


Nacional o Deputado Ronaldo Caiado (PFL/GO). Fundador da Unio
Democrtica Ruralista (UDR), em 1985, Caiado foi muito influente durante a
Assemblia Nacional Constituinte. Em 1989, disputou a presidncia da
Repblica pelo PDC, mas obteve votao inexpressiva. Em 1990, elegeu-se
Deputado Federal pelo PFL, sendo reeleito em 1998 e 2002.
Caiado integrou a CPMI da Terra at fevereiro de 2005, quando a deixou
para presidir a Comisso de Agricultura, Pecuria, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Cmara dos Deputados. Este desligamento formal no
representou abandono de fato da atuao na CPMI. Ao contrrio, da presidncia da Comisso de Agricultura, Caiado monitorou os trabalhos e foi um
dos principais articuladores da estratgia ruralista, estando presente na reunio que aprovou o voto em separado apresentado pelo Deputado Lupion.
A atuao de Ronaldo Caiado nos bastidores e no plenrio da CPMI revela que o Deputado Abelardo Lupion foi apenas o porta-voz da Bancada Ruralista. possvel afirmar que o voto em separado que, ao final, restou aprovado, expressa a opinio do conjunto dos parlamentares ruralistas.
preciso compreender ainda que os propsitos dos ruralistas coincidiam
com os objetivos da oposio conservadora ao governo federal. Os primeiros
buscavam deslegitimar a reforma agrria e criminalizar o MST; os segundos
pretendiam atacar a gesto do Presidente Lula. A juno desses dois interesses forjou a lgica de atuao dos ruralistas e da oposio na CPMI: fazer
oposio ao Executivo por meio da defesa das teses ruralistas, especialmente
as que questionavam a viabilidade, necessidade e eficcia da aplicao de
recursos pblicos na reforma agrria, bem como as que atacavam o MST.
Assim, mesmo os parlamentares do PSDB e PFL que no so membros
orgnicos da Bancada Ruralista, ora funcionavam como "franja" dessa - ou
seja, como coadjuvantes - ora lideravam os ataques ao MST e ao governo.
Em ambos os cenrios, os ruralistas e a oposio conservadora eram aliados
de primeira hora.
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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

Tanto assim que o Presidente da CPMI, Senador lvaro Dias, integrante


da Executiva Nacional do PSDB, colocou a assessoria direta de sua Presidncia a servio dos interesses dos ruralistas. Esses assessores formulavam as perguntas que os parlamentares ruralistas faziam aos representares de entidades
e movimentos sociais ligados aos trabalhadores. Foram eles tambm que que
elaboraram o voto em separado apresentado pelo Deputado Abelardo Lupion
e aprovado na ltima sesso da CPMI.

entidades de trabalhadores em diversas reas, tais como cooperao agrcola, educao, sade, cincia e tecnologia, cultura e direitos humanos, irritou
os ruralistas. Isso tudo levou a Bancada Ruralista a usar o Legislativo e seus
instrumentos de atuao como ferramenta de oposio aberta ao dilogo
entre movimentos sociais organizados e o Executivo Federal e contra a implementao de qualquer tipo de poltica agrria. Em outras palavras, a ao
organizada da Bancada Ruralista voltou-se para fazer do Parlamento
Brasileiro mais um espao de criminalizao da luta pela terra.

A criao e desfecho da CPMI da Terra no representam atos isolados da


Bancada Ruralista em sua constante luta por impedir qualquer avano da reforma agrria. Inicialmente instalada como um mecanismo para bloquear a
implantao de qualquer poltica governamental que respondesse, minimamente, s aspiraes histricas das organizaes agrrias, os dois anos de
funcionamento da CPMI da Terra materializam a ideologia conservadora e
reacionria desse segmento do Congresso Nacional.
Ao aprovar o relatrio apresentado pelo Deputado Abelardo Lupion, com
tal carga de reacionarismo, a Bancada Ruralista colocou o Parlamento brasileiro a servio da criminalizao da luta pela terra. A CPMI da Terra no foi
a primeira comisso de inqurito instalada pela Cmara dos Deputados ou
pelo Senado Federal para investigar os problemas fundirios brasileiros. Nos
ltimos 30 anos, quatro CPIs pautaram esse tema na Cmara dos Deputados.
Em 1976, uma CPI analisou a violncia no campo. Em 1993, a CPI da Pistolagem investigou o extermnio de trabalhadores rurais na regio do Bico do
Papagaio. Em 2000, uma outra CPI foi criada para investigar a atuao da
FUNAI e, em 2001, a CPI da Grilagem investigou a ocupao de terras pblicas na Regio Amaznica.
Todas essas CPIs visaram apontar causas dos problemas fundirios e conflitos no meio rural. O diferencial da CPMI da Terra que, pela primeira vez,
o produto da Comisso - o relatrio final - voltou-se exclusivamente para a
investigao e responsabilizao das vtimas. Vale dizer que as CPIs anteriores
buscavam apontar causas da violncia no campo para proteger as vtimas;
na CPMI da Terra, as vtimas so apontadas como causa da violncia.
No entanto, o fato do Presidente Lula ter recebido lideranas do MST, ter
participado do Grito da Terra (organizado pela CONTAG), da assemblia da
Federao de Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF) e de vrios
eventos promovidos por organizaes de trabalhadores se transformou em
uma "ameaa" aos interesses da Bancada Ruralista. Tambm o fato do MDA
e do INCRA celebrar convnios (prtica adotadas j no governo anterior) com
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Durante a gesto FHC, por exemplo, o processo de criminalizao era promovido pelo prprio Poder Executivo, especialmente pelos rgos encarregados de executar a reforma agrria. Ao perceber que o governo Lula, malgrado suas contradies, no assumiria uma postura autoritria para com os protagonistas da luta pela terra, os ruralistas engendraram o deslocamento do
processo de criminalizao do Executivo para o Legislativo. Com a CPMI da
Terra, a perseguio aos trabalhadores sem-terra, antes promovida por setores
dos Poderes Executivo e Judicirio, alcana tambm o Congresso Nacional.
Outro desiderato da Bancada Ruralista foi o de reforar a tese de criminalizao da esquerda, que vem sendo amplamente sustentada por diversos parlamentares do bloco de oposio ao Executivo. Nesse sentido, asseverou
Marcos Rogrio de Souza (2005, p. 2):

Qualquer semelhana com o movimento de criminalizao da


esquerda, em especial do PT, que vem sendo realizada pela
direita brasileira por meio das CPIs dos Correios e dos Bingos e
dos meios de comunicao, no mera coincidncia. O
relatrio deixa explcito seu propsito de exterminar o MST, a
esquerda e os socialistas. Ignora completamente que a
Constituio Federal assegura a democracia, o pluralismo
poltico e a livre manifestao do pensamento, razo pela qual
no constitui nenhum crime ser socialista ou possuir ideologia
de esquerda.
Cumpre consignar ainda que a CPMI da Terra no foi o nica nem a mais importante exemplo da atuao da Bancada Ruralista no Congresso Nacional. Esse
seguimento parlamentar marcou os trabalhos da Assemblia Nacional Constituinte, em 1988, especialmente por interditar toda e qualquer proposta mais avanada de modificao na estrutura fundiria brasileira. Cite-se como exemplo a encarniada oposio dos ruralistas emenda popular que reivindicava a incluso
da reforma agrria na Carta Magna, com quase 1,5 milhes de assinaturas.
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Ensaios e Debates

O Parlamento e a criminalizao dos movimentos de luta pela terra

O que a CPMI da Terra teve de diferente foi que ela marca uma inflexo no
sentido de usar um instrumento de investigao parlamentar (um instrumento
da minoria) para atacar a sociedade civil organizada. Mais que isso, por meio
dela a Bancada Ruralista produziu um relatrio final, no qual consta a explcita criminalizao dos movimentos sociais. Por mais desqualificado que seja,
o relatrio que no deixa de ser um documento do Parlamento brasileiro, que
certamente ser utilizado pelos ruralistas em sua guerra ideolgica contra os
trabalhadores em luta pela terra.

O cientista poltico Emir Sader (2005, p.1) respondeu em forma de texto


potico a proposta de Lupion de tipificar como crime hediondo ao de quem
ocupa terra:

C ONCLUSO
A CPMI da Terra se configurou em espao aberto de uma luta ideolgica,
explicitando claramente a lgica e as intenes conservadoras que dominam
o cenrio do Congresso Nacional. Apesar de ter perdido, ao longo dos dois
anos, o seu lugar como ferramenta privilegiada de crtica e disputa poltica da
oposio com o atual governo, os representantes do agronegcio mantiveram uma atuao acirrada e reacionria a qualquer proposta voltada para a
soluo dos conflitos agrrios.
Ao rejeitar um parecer substancioso, consentneo com a realidade fundiria e que apresenta propostas para agilizar a reforma agrria, a maioria dos
integrantes da CPMI da Terra fez opo por no contribuir para a garantia
dos direitos humanos dos trabalhadores em luta pela terra no campo e na cidade. Por outro lado, ao aprovar o relatrio paralelo, essa mesma maioria
escolheu o caminho da absolutizao do direito de propriedade e da responsabilizao das vtimas pela violncia no campo. A aprovao de um relatrio
com tal carga de reacionarismo comprova que a Bancada Ruralista continua
sendo um dos grupos de interesses com maior fora no Congresso Nacional.
Os movimentos sociais, entidades e organizaes da sociedade civil ligadas
ao tema da reforma agrria manifestaram seu repdio ao relatrio aprovado
pela CPMI da Terra, de autoria do Deputado Abelardo Lupion. O MST, a CPT,
o Sindicado Nacional dos Docentes em Ensino Superior (ANDES) e a ONG
Terra de Direitos divulgaram notas em que afirmam que o relatrio aprovado
criminaliza as vtimas da violncia no campo. O Centro de Direitos Humanos
do Memorial Robert Kennedy, com sede nos Estados Unidos da Amrica, ofereceu-se para divulgar internacionalmente o diagnstico e as propostas
rejeitadas pelos ruralistas, constantes do relatrio do Deputado Joo Alfredo.

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Hedionda a UDR, antro de donos de terras improdutivas, que


brecam a democratizao no campo brasileiro e impem os
seus direitos mediante a morte e a violncia. Hedionda a CPMI
da Terra, que se colocou a servio dos massacres de trabalhadores rurais, ao invs de apurar e dizer para toda a sociedade
brasileira por que no se fez reforma agrria ate hoje no Brasil.
(...) Hediondos os deputados da CPI que aprovaram esse hediondo relatrio, que merece processos por falta de decoro parlamentar contra o povo brasileiro. Hedionda, hedionda, hedionda toda a direita brasileira e os que no se levantam para
defender os trabalhadores sem-terra.
O relatrio aprovado a expresso fidedigna da atuao da Bancada
Ruralista. , ele sim, hediondo. Em vez de contribuir com a soluo da problemtica agrria, mais um obstculo no caminho da implementao da reforma agrria e da justia social no campo brasileiro.
R EFERNCIAS

BIBLIOGRFICAS

LUPION, Deputado Abelardo. Voto em separado - CPMI da


terra (substitutivo aprovado). Braslia, Congresso Nacional,
novembro de 2005.
MELO, Deputado Joo Alfredo Telles (relator). Relatrio final da
CPMI da terra (voto vencido). Braslia, Congresso Nacional,
novembro de 2005.
MELO, Joo Alfredo Telles (ed.). Reforma agrria quando? CPI
mostra as causas da luta pela terra no Brasil. Braslia, Senado
Federal, 2006 (no prelo).
SOUZA, Marcos Rogrio de. Hediondos so o latifndio e seus
defensores. In.: Correio Caros Amigos. So Paulo, editora Casa
Amarela, 230 edio, 6 de dezembro 2005, Disponvel em:
www.carosamigos.com.br. Acesso em 6/12/2005.
SADER, Emir. Ruralistas merecem processo por quebra de decoro. Disponvel em: www.agnciacartamaior.com.br. Acesso em
10/04/2006.
VIGNA, Edlcio. Bancada ruralista: um grupo de interesse.
Argumento n 8. Braslia, INESC, 2001.
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CPMI da Terra e a luta de


classes no Congresso Nacional*
Joo Alfredo Telles Melo**

Um desafio do tamanho do nosso Pas e com o tempo de nossa histria.


Assim se anunciava a CPMI da Terra, da qual fui Relator. Afinal, parafraseando Alberto Passos Guimares, so mais de cinco sculos de latifndio. Alm
disso, a prpria ementa do requerimento para criao da Comisso Parlamentar Mista de Inqurito j descortinava o palco para a ferrenha luta de
classes que marcaria o desenrolar dos trabalhos, ao definir seu objetivo: "realizar amplo diagnstico sobre a estrutura fundiria brasileira, os processos de
reforma agrria e urbana, os movimentos sociais de trabalhadores (que tm
promovido ocupaes de terra em reas e edifcios privados e pblicos, por
vezes com violncia), assim como os movimentos de proprietrios de terras
(que, segundo se divulga, tm se organizado para impedir as ocupaes por
vezes com violncia)".
O corte ideolgico ficava claro quando, ao tratar da violncia, o requerimento diferenciava as entidades de trabalhadores das entidades ruralistas: os
movimentos sociais promoveriam ocupaes "por vezes com violncia". As
entidades ruralistas, "segundo se divulga".
Nos dois anos de durao dos trabalhos da Comisso, se desenvolveram
paralelamente duas CPMI's. A dos ruralistas, cuja finalidade era atingir os
movimentos sociais de trabalhadores rurais, em especial o MST, procurando
desmoraliz-los publicamente e criminalizar suas principais lideranas. E a
nossa, que abraou a imensa tarefa de fazer o diagnstico da situao
fundiria e levantar as causas da violncia que tem ceifado a vida de dezenas
de trabalhadores e lutadores do povo no campo.
Enquanto eles reduziam o objeto da CPMI ao exame das contas de convnios entre governo e cooperativas de trabalhadores, fomos literalmente a
campo. Visitamos nove estados - sendo que, o Par, duas vezes -, realizamos
* Este texto parte da introduo do deputado Joo Alfredo ao livro que apresenta, de forma resumida, o
relatrio vencido da Comisso Parlamentar Mista de Inqurito da Reforma Agrria e Urbana (CPMI da Terra).
** Deputado Federal (PSOL/CE), Relator da CPMI da Terra

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Ensaios e Debates

CPMI da Terra e a luta de classes no Congresso Nacional

43 audincias pblicas e ouvimos 125 pessoas, entre trabalhadores rurais,


proprietrios de terras e respectivas entidades, pesquisadores, representantes
do governo e da sociedade civil; e nos debruamos sobre 75 mil pginas de
documentos, distribudos em mais de 500 pastas, entre relatrios, inquritos
policiais e processos judiciais, sem deixar de tambm analisar os convnios.
Foram quebrados sigilos bancrio, fiscal e telefnico de 21 pessoas e entidades e examinados dezenas de convnios do governo com entidades ruralistas e de trabalhadores.

pblica que a CPMI da Terra realizou em Braslia. Outro captulo foi dedicado ao exame da questo fundiria urbana, especialmente o despejo violento
de mais de 14 mil famlias da ocupao Sonho Real, ocorrido em fevereiro
de 2005, em Goinia.

Ao final dos trabalhos da CPMI, foi aprovado, por 13 votos a oito, um relatrio paralelo ao nosso, em tensa sesso no dia 29 de novembro de 2005.
A Comisso era composta, em sua maioria, por defensores dos interesses dos
ruralistas que, embora ausentes da maior parte dos trabalhos, compareceram
em peso votao final e aprovaram um texto reacionrio, que premia o latifndio improdutivo e inverte a lgica da histria, transformando as vtimas em
responsveis pela violncia no campo. Suas principais "contribuies" legislativas so dois projetos de lei que tipificam como "atividade terrorista" e "crime
hediondo" as aes de quem ocupa terras como meio legtimo de presso pela realizao da reforma agrria.
O relatrio paralelo, assinado pelo deputado Abelardo Lupion (PFL/PR), ,
infelizmente, o resultado oficial da CPMI, que nem de longe reflete o trabalho incansvel de parlamentares, assessores e colaboradores na construo
do que se convencionou chamar "relatrio vencido" daquela CPI Mista, formada por senadores e deputados federais.
Nosso relatrio buscou atender aos objetivos a que se propunha a Comisso. Procurou sistematizar o debate que vem se dando ao longo de nossa histria em torno da questo agrria brasileira, fazendo um apanhado inclusive
da legislao existente sobre o tema e apresentando propostas para o seu
aperfeioamento. Alm de analisar a estrutura fundiria e apontar as causas
da violncia no campo, aborda o trabalho escravo e a questo indgena; historia o desenvolvimento dos movimentos sociais no campo e revela a estrutura de organizao e os princpios ideolgicos que regem as entidades de proprietrios rurais; compara os programas governamentais de reforma agrria;
rene informaes sobre a demanda por terra e o estoque existente no territrio nacional.
Um captulo extenso, de mais de 300 pginas, retrata os conflitos e as
peculiaridades regionais da questo agrria nos nove estados percorridos. O
Amap no foi visitado mas teve seus problemas analisados em audincia
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A principal concluso a que chegamos com a CPMI da Terra de muito


conhecida dos que lutam pela reforma agrria: a concentrao fundiria est
na raiz da violncia no campo. Dados oficiais revelam que 1,6% dos proprietrios com imveis acima de mil hectares detm 46,8% do total da rea
cadastrada pelo INCRA no Pas. Por outro lado, mais de trs milhes de
famlias de trabalhadores rurais no dispem de terra para viver e trabalhar.
A alta concentrao da propriedade da terra d origem a relaes econmicas, sociais, polticas e culturais cristalizadas em uma estrutura agrria inibidora do desenvolvimento, entendido como crescimento econmico, justia
social, sustentabilidade ambiental, relaes igualitrias de gnero, raa e
etnia e extenso da cidadania democrtica populao do campo.
Resultado de mais de 500 anos de histria, essa estrutura gera pobreza e
excluso no meio rural. A modernizao conservadora da agricultura das ltimas dcadas aprofundou a desigualdade, razo pela qual a maior parte das
famlias que habitam o campo situa-se abaixo da linha de pobreza.
A violncia outra marca da estrutura fundiria brasileira, estimulada pela
impunidade dos assassinos. Dados da CPT revelam que, nas duas ltimas
dcadas, 1.349 pessoas foram assassinadas em decorrncia da luta por terra,
em 1003 ocorrncias registradas. Apenas 75 dessas ocorrncias resultaram
em julgamentos; 64 executores foram condenados e 44 absolvidos. No caso
dos mandantes, apenas 15 foram condenados.
A forma como a propriedade da terra foi distribuda ao longo da histria estimula o conflito e chancela a violncia. O regime de sesmarias, implantado
no Sculo XVI, e os outros que o sucederam, como o regime de propriedade
inaugurado pela Lei de Terras, de 1850, privilegiaram a concentrao e impediram que os trabalhadores pobres e negros tivessem acesso terra.
Herdeiros de outras experincias de mobilizao de lavradores, e legatrios
da resistncia indgena e negra, os movimentos sociais e as organizaes sindicais de trabalhadores rurais pressionam os poderes pblicos pela realizao
da reforma agrria. A presso se concretiza em marchas, acampamentos
beira de rodovias e, principalmente, ocupaes de imveis rurais improdutivos.
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Ensaios e Debates

CPMI da Terra e a luta de classes no Congresso Nacional

Os proprietrios rurais buscam proteger seus interesses por meio de medidas muitas vezes ilegais, como a adoo de armas de fogo, inclusive as de
uso restrito, a pistolagem e a formao de milcias privadas. Enquanto isso se
organizam politicamente, de forma sistemtica, para combater os projetos de
reforma agrria. Nosso relatrio demonstra, tambm, como os ruralistas utilizam suas entidades para financiar - em grande parte com recursos pblicos
- seus interesses de classe. Na ltima dcada (1995-2005), essas organizaes receberam R$ 1,052 bilho dos cofres pblicos, seja por meio de convnios ou mediante contribuio compulsria fixada em lei.

Os conflitos agrrios esto enraizados na forma como a terra foi distribuda ao longo de nossa histria, questo que s pode ser solucionada por uma
reforma agrria ampla e massiva. Cerca de 170 mil famlias vivem em acampamentos beira de rodovias ou em reas ocupadas, espera de um pedao
de cho, enquanto aproximadamente 840 mil esto cadastradas pelo INCRA
como possveis beneficirias da reforma.

No mesmo perodo, foram transferidos R$ 41,7 milhes Associao


Nacional de Cooperao Agrcola (ANCA), Confederao Nacional das
Cooperativas do Brasil (Concrab) e Instituto Tcnico de Capacitao e
Pesquisa da Reforma Agrria (Iterra). Esses dados revelam que as organizaes ruralistas receberam 25 vezes mais recursos do governo do que as entidades ligadas aos trabalhadores.
O Estado brasileiro tem se mostrado incompetente para resolver o problema fundirio. Ao invs de identificar as causas da violncia e enfrent-las com
polticas pblicas adequadas, judicializa os conflitos agrrios e trata a
questo, eminentemente social, como caso de polcia.
A atuao dos trs poderes da Repblica contribui para agravar a situao
em que se encontra o campo brasileiro. A responsabilidade do Poder Executivo evidente. Desde a promulgao do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), o
poder pblico est expressamente autorizado a realizar a reforma agrria, porm essa poltica pblica s implementada pontualmente, para responder
ao conflito social j instalado.

Essa imensa demanda compatvel com a disponibilidade de terra que o


Brasil possui. As grandes propriedades declaradamente improdutivas totalizam cerca de 133 milhes de hectares, ao passo que a estimativa de terras
devolutas chega ao nmero aproximado de 172 milhes. As terras pblicas
cadastradas por diferentes rgos federais, e que poderiam ser destinadas ao
assentamento de trabalhadores, somam 4,3 milhes de hectares. So, portanto, 311 milhes de hectares que poderiam ser disponibilizadas reforma
agrria. Assim, a meta de assentar 400 mil famlias, prevista no II Plano
Nacional de Reforma Agrria, compatvel com o estoque de terras disponvel. No entanto, tal meta tornou-se invivel diante da poltica econmica neoliberal que o governo Lula herdou da gesto FHC e lhe deu continuidade, que
drena os recursos oramentrios para o pagamento dos servios da dvida
pblica federal.
O relatrio vencido da CPMI da Terra, resumido em livro a ser impresso pela
grfica do Senado, permanece atual e constitui mais um instrumento na luta
em favor da democratizao da terra no Brasil, demonstrando a atualidade e
a necessidade da realizao da reforma agrria - nica possibilidade de se garantir a paz, a justia e a cidadania para milhes de camponeses brasileiros.

O Poder Legislativo no conseguiu remover os entraves legais aos processos de desapropriao e arrecadao de terras para fins de reforma agrria.
Ao longo da histria, a correlao de foras vem sendo favorvel aos grandes
proprietrios, o que resulta na aprovao de leis e documentos que dificultam alteraes na estrutura agrria, a exemplo do relatrio do deputado
Abelardo Lupion.
Pesa sobre o Poder Judicirio a morosidade para decidir sobre as aes de desapropriao e de arrecadao de imveis para fins de reforma agrria, que se
contrape celeridade nos processos de interesse dos grandes proprietrios e
grileiros. Alm disso, os setores conservadores do Judicirio tm sido coniventes
com a impunidade de executores e mandantes de assassinatos de sem-terra.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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ABRA - REFORMA AGRRIA

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Estado penal e criminalizao


do MST ou de como o
Judicirio e mdia fabricam
as novas bruxas de Salm
UMA ANLISE SOBRE A AO DAS MULHERES DA

VIA CAMPESINA

NAS TERRAS DA

ARACRUZ
Fernanda Maria da Costa Vieira**

" preciso lembrar que a finalidade mais importante do processo e da condenao morte no
salvar a alma do acusado, mas buscar o bem
comum e aterrorizar os outros (ut alii terreantur)"
(Manual dos Inquisidores de Nicolau Eymerich)

No dia 8 de Maro, cerca de duas mil mulheres integrantes da Via


Campesina ocuparam uma rea pertencente Aracruz Celulose, em Porto
Alegre, e destruram as mudas de eucalipto e as pesquisas que se realizavam
na busca da acelerao desse plantio.
Objetivavam denunciar a silenciosa luta que vem sendo travada por quilombolas, tribos indgenas, pescadores, ambientalistas e agricultores familiares contra o avano indiscriminado da Aracruz Celulose sobre as suas terras1. No so poucas as denncias que pesam sobre essa empresa no que se
refere aos impactos ambientais e sociais.
Imediatamente a mdia se prontificou em condenar o ato como vandalismo, exerccio de baderna, exigindo a rpida condenao das mulheres,
* Mestre em Direito e Sociologia pela UFF. Professora da UFRJ e advogada da RENAP;
1 - Com relao s terras dos ndios capixabas, por exemplo, a Fundao Nacional do ndio - FUNAI, que vem
realizando estudos sobre a invaso nas terras indgenas, aponta que a ARACRUZ CELULOSE se apropriou de
18.070 hectares de terras dos ndios, no que pese terem recuperado parte das terras apropriadas ilegalmente
pela ARACRUZ, lutam pela demarcao oficial.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

como uma fiel porta-voz da Aracruz. Afinal, os prejuzos econmicos foram


enormes, muito embora os prejuzos humanos produzidos pela Aracruz sejam
de dimenso maior e ignorados pela imprensa e por grande parcela da
sociedade.
Seria o ato das mulheres de fato exerccio criminoso ou ato compreendido
sob a tica da desobedincia civil2?
Para o nosso Judicirio no h outra leitura que no seja a de enquadrar
tal conduta como crime. Razo pela qual o Ministrio Pblico ofereceu a denncia, tipificando os denunciados em crime de formao de quadrilha, dano
qualificado, furto, tendo sido recebida pelo Judicirio.
O que se percebe por parte do nosso Judicirio uma assimilao dos discursos miditicos em nome da lei e da ordem, que constroem um imaginrio
de caos e desordem social justificador da persecuo penal.
Assim, em nome de uma poltica persecutria desenfreada, os processos
criminais, que a cada dia crescem no Judicirio, mais nos lembram o perodo inquisitorial, onde o direito ampla defesa no era um estatuto perquirido, tal qual a presuno de inocncia, dois princpios constitudos a partir de
uma noo que ir impor o primado da racionalidade no processo criminal.
No entanto, o crescimento do processo de criminalizao da pobreza, produto do esfacelamento do chamado Estado de Bem estar Social pela hegemonia neoliberal, ir impor novas condutas no plano processual penal: no
mais a presuno de inocncia, nem as garantias constitucionais do devido
processo legal, nossos processos criminais invertem a ordem, partem da presuno da culpa e constroem um terreno propcio para os esteretipos criminais. Trata-se de Punir os pobres 3.

2 - O direito de resistncia uma garantia prevista na Declarao Universal dos Direitos do Homem e vem
sendo compreendida como um primado na construo de uma sociedade democrtica, marcada pela noo
de justia social. Nossa carta Constitucional tambm garante o direito de resistncia como um exerccio de
cidadania na efetivao do principio fundamental organizador do nosso Estado Democrtico e de Direito, previsto em no artigo 1, III, qual seja: a dignidade da pessoa humana. Ver sobre o tema GARCIA, Jos Carlos.
O MST entre desobedincia e democracia. Em: STROZAKE, Juvelino Jos. (org.). A questo Agrria e a Justia.
SP: Revista dos Tribunais, 2000.
3 - WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gesto da misria nos Estados Unidos. RJ, Instituto Carioca de
Criminologia, Freitas Bastos, 2001.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Estado penal e criminalizao do MST ou de


como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

Tal processo de criminalizao4 e controle social vm se dando de forma


mais agressiva com relao ao MST (e Via Campesina) cujas aes de ocupao coletiva de terras vm sendo tipificadas como formao de quadrilha,
o que revela uma reorientao no sentido de se retirar da visibilidade pblica o debate sobre a predatria estrutura fundiria de nosso pas, marcada por
um vergonhoso ndice de concentrao de terras; o direito legtimo ao trabalho; a ruptura com o sagrado direito propriedade privada imposto pela
Carta Constitucional de 1988; e a garantia da dignidade da pessoa humana.
nossa inteno, nesse breve texto, analisar, em particular, o papel que o
Judicirio desempenha, sob a gide do Estado Penal, na sustentao dessa
hegemonia conservadora, que aponta para um recrudescimento dos discursos da lei e da ordem como forma de conteno das massas empobrecidas.
Entendemos que a recente denncia promovida pelo Ministrio Pblico de
Barra do Ribeiro, na qual figuram 37 integrantes da Via Campesina, em razo
da ocupao na rea da Aracruz Celulose no dia 8 de maro, insere-se nesse
processo de criminalizao dos movimentos organizados, que ir se sustentar
numa lgica criminal do espetculo, rompendo com a herana iluminista do
processo penal acusatrio, em nome de uma "caa s bruxas" desenfreada.
I - A I NDIFERENA

SOCIAL E O ENDURECIMENTO PENAL :

A DUPLA FACE DA MOEDA NEOLIBERAL

O iderio neoliberal se firmou num mundo cada vez mais sem fronteiras,
apresentando-se como nica alternativa vivel (seja no mbito poltico,
econmico, social, ideolgico e mesmo em termos de uma nova tica) crise
do capital vivida nas ltimas dcadas.
Apostando no mercado como nica fora de regulao do social, essa
nova ordem dissemina por toda a sociedade sua lgica mercantil, onde tudo
e todos tm um preo, transformados em mercadorias prontas ao consumo.
Nessa nova ordem tudo que (ou no) slido, no se desmancha, e sim, se
4 - Tal tema foi objeto de pesquisa desenvolvida pela autora na dissertao de mestrado Presos em nome da
lei? Estado penal e criminalizao do MST, defendida no programa de ps-graduao em Direito e Sociologia
da Universidade Federal Fluminense em 2004. Na dissertao analisamos os processos do Pontal do
Paranapanema e verificamos uma reorientao por parte do Judicirio, que tipificar as aes de ocupao
de terra no mais como esbulho possessrio. A partir da reunio num mesmo processo de diversas ocupaes
coletivas, num lapso temporal, tais aes sero tipificadas como formao de quadrilha, gerando um terreno
mais propcio criminalizao do MST e, especialmente, seus coordenadores, que em muitos casos tero a
decretao da priso provisria.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

compra, mesmo no ar. A regra geral competir, num jogo permanente, onde
"vale-tudo", pois o importante "vencer ou vencer".
Os indicadores econmicos nos do a dimenso da explorao humana
que o capitalismo neoliberal vem sedimentando. Os ndices apontam para
um processo selvagem de concentrao de renda.
Para o historiador Hobsbawm, esse engessamento do papel do Estado, promovido pela ideologia neoliberal, representa "a tragdia histrica das
Dcadas de Crise", pois "a produo agora dispensava visivelmente seres
humanos mais rapidamente do que a economia de mercado gerava novos
empregos para eles", tal quadro se agrava se tivermos em mente que:

"esse processo foi acelerado pela competio global, pelo aperto financeiro dos governos, que - direta ou indiretamente - eram
os maiores empregadores individuais, e no menos, aps 1980,
pela predominante teologia de livre mercado que pressionava
em favor da transferncia de emprego para formas empresariais de maximizao e lucros, sobretudo para empresas privadas que, por definio, no pensavam em outro interesse
alm do seu prprio pecunirio" 5
A deteriorao dos servios prestados pelo Estado, como sade, habitao,
educao; o crescente nmero de desempregados; a reduo de postos de
trabalho; a massa de excludos sociais: os sem-teto, os sem-emprego, resumindo, os sem-nada que se avolumam nas praas, nos viadutos dos grandes
centros urbanos.
Em 1870, os 20% mais ricos do mundo possuam renda 7 vezes superior
dos 20% mais pobres. Em 1960, a diferena aumentou de 30 para 1. Em
1990 dobrou de 60 para 1. E em 1994, atingiu de 74 para 1. Isso significa
que, para cada 1 dlar produzido pelos 20% mais pobres, os 20% mais ricos
geram US$ 74! Basta dizer que a fortuna dos trs mais ricos do mundo - Bill
Gates, Warren Buffett e Paul Allen - supera a soma do PIB de 41 pases subdesenvolvidos (incluindo o Brasil) e de seus 600 milhes de habitantes! Em
1998, a fortuna das 200 pessoas mais ricas do mundo somava US$ 1,042
trilho - mais que o PIB do Brasil e equivalente renda de 41% da populao
do planeta (2 bilhes e 460 milhes de pessoas)6.
5 - HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve sculo XX: 1914-1991. So Paulo, Companhia das Letras,
1995, p. 404.
6 - Dados obtidos no texto de BETTO, Frei, A avareza. Em: SADER, Emir (org.). Sete pecados do capital. Rio
de Janeiro, Record, 1999, p. 18/19.

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como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

No Brasil, tais dados no so diferentes e demonstram um paulatino


processo de concentrao de renda. Em 1999, o Programa das Naes
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apresentou seu relatrio na qual registrava que:

"os 20% mais pobres - cerca de 32 milhes de brasileiros - dividem entre si 2,5% da renda nacional (...). J os 20% mais ricos
abocanham 63,4% da renda nacional (...) Nossa elite 32
vezes mais rica que aqueles que se encontram no andar trreo
da escala social."7
No final de 2003, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)
lanou seu relatrio: Estatsticas do sculo XX, no qual relata que a diferena
entre o ganho dos mais ricos e os mais pobres em 2001 era de 47 vezes.
Revela ainda que o ndice GINI8 em 1960 era de 0,5, tendo subido a cada
dcada: em 1970 o ndice era de 0,56; em 1980 o ndice foi para 0,59 e
na dcada de 1990, o ndice registra 0,639. No sem razo o Brasil ir figurar na lista dos campes em desigualdade social.
O alto grau de desigualdade social, em especial a partir da dcada de
1990, produto direto da adoo de polticas de gesto neoliberal, pode ser
expressa com extrema clareza nas palavras do Secretrio de Trabalho da
Inglaterra, Robert Reich, ao analisar os ndices de desigualdade em seu pas,
em discurso para o Conselho de Liderana Democrtica, em 22 de
Novembro de 1994, mas que revela uma situao cada vez mais global, na
qual estaramos caminhando "para nos tornar uma sociedade de duas
camadas, composta de uns poucos vencedores e um grande grupo deixado
para trs"10.
No sem razo, nos alerta Boaventura de Souza Santos, que tal modelo
o mais voraz, pois

o mais refratrio a qualquer interveno democrtica (...) Os


mercados financeiros so uma das zonas selvagens do sistema
mundial, talvez a mais selvagem. A discricionariedade no exer7 - BETTO, Frei, A avareza. Em: SADER, Emir (org.). Sete pecados do capital. Rio de Janeiro, Record, 1999, p.18.
8 - ndice Gini foi criado para medir o grau de desigualdades existente nos pases. Sua escala vai de 0 (zero) a 1,0
(hum). Quanto mais prximo for o ndice apurado do zero, menor o grau de concentrao de renda.
9 - Fonte: IBGE, publicado no jornal O Globo, 30 de setembro de 2003, caderno economia, p. 19.
10 - Ver SENNET, Richard. A corroso do carter: as conseqncias pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio
de Janeiro, Record, 2003, p.62/63.

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Ensaios e Debates

ccio do poder financeiro total e as conseqncias para os que


so vitimas dele - por vezes, povos inteiros - podem ser arrasadoras11.
Esse quadro de excluso social, onde o espao pblico marcado por
relaes desiguais, de valores individualistas exacerbados, pelo rompimento
dos laos de solidariedade, acaba por gerar "um comportamento cotidiano
que envolve a desconsiderao do outro. Esse padro de mentalidade e de
ao que apodrece o espao pblico e solapa a democracia pode ser
chamado de 'cognio bandida'"12.
Este terreno apresenta-se "frtil" no agravamento das contradies, no
somente entre pases ricos e pobres, mas tambm nos cenrios nacionais. O
acirramento da luta de classes, em termos nacionais, produz como resposta
da elite poltica-econmica discursos sobre o aumento da violncia e, portanto, a necessidade de se promover o endurecimento das polticas de segurana. Para os excludos no h Estado Democrtico de Direito e sim polticas de "Lei e Ordem".
a partir desse ponto que Jock Young ver tanto no crescimento da violncia
e da criminalidade, quanto nas reaes punitivas, uma mesma raiz. Para ele,

"tanto as causas da violncia quanto a resposta punitiva a ela dirigida procedem da mesma fonte. A violncia obsessiva das gangues de rua e a obsesso punitiva dos cidados respeitveis so
semelhantes no s em sua natureza, mas em sua origem. Ambas derivam de deslocamentos no mercado de trabalho: uma de
um mercado que exclui a participao como trabalhador mas estimula a voracidade como consumidor; a outra, de um mercado
que inclui, mas s de maneira precria. Vale dizer, ambas derivam do tormento da excluso e da incluso precria" 13

11 - SANTOS, Boaventura de S. Reinventar a democracia: entre o pr-contratualismo e o ps-contratualismo. In SANTOS et alii. A Crise dos paradigmas em cincias sociais e os desafios para o sculo XXI. RJ/
Contraponto - CORECON.
12 - "Por cognio bandida pode-se entender a afinidade entre a prtica tica cotidiana e a eroso de
padres institucionais de legalidade democrtica, ou seja, um universo de representaes e aes desprovidas do sentido de reconhecimento da existncia e do direito de interpelao do outro como fonte de convivncia social" in FRIDMAN, L. C. Cognio Bandida. Proposta, Rio de Janeiro, FASE, Dez./Fev. de
2001/02, n 91, p. 41.
13 - YOUNG, Jock. A sociedade excludente. Excluso social, criminalidade e diferena na modernidade
recente. Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 26

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como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

A perda dos laos de solidariedade, em especial pelo crescimento do individualismo fbico14; a viso do outro como um inimigo sempre muito prximo, principalmente pelo crescimento da massa de miserveis nas grandes
cidades; a sensao de instabilidade cotidiana; a sensao de efemeridade
das relaes, estabelecem o que Young chamar de insegurana ontolgica

"que se d quando a auto-identidade no est embasada no


nosso sentido de continuidade biogrfica, quando o casulo protetor que filtra as objees e riscos ao nosso sentido de certeza
se torna fraco e quando o sentido absoluto de normalidade se
desorienta pelo relativismo dos valores circundantes. Com sua
nfase na escolha existencial e na auto-criao, o individualismo contribui significativamente para esta insegurana" 15
Como forma de se conter essa insegurana ontolgica, o medo, que percorre toda a sociedade, reafirma-se as polticas de controle social, particularmente as do campo penal, que passaro por "reafirmar valores como absolutos morais, declarar que outros grupos no tm valores, estabelecer limites
distintos do que virtude ou vcio, ser rgido em vez de flexvel ao julgar, ser
punitivo e excludente em vez de permevel e assimilativo. Isso pode ser visto
sob vrias roupagens em diferentes partes da estrutura social"16.
O medo, que hoje se apresenta riqueza, no possui face determinada,
mas ela produto direto de um modelo altamente concentrador de riqueza
e, portanto, gerador de um enorme contingente de miserveis. O medo se
transferiu pobreza, indistintamente. A massa humana que no ser mais
incorporada mesmo que precariamente no mercado de trabalho.
Para esses indesejveis, maltrapilhos, obstculos humanos beleza da
cidade, que mal conseguem equilibrar o peso do prprio corpo nas esquinas
dos centros urbanos, volta-se o olhar impiedoso da lgica de segurana,
transformando em um axioma a norma: (h) pobreza, (h) a priso.
O horror causado diante de to prxima presena da misria, que cresce
visivelmente, o medo potencializado pela mdia, sempre arguta em explorar
14 - Para Gislio Cerqueira Filho, a marca dessa nova ordem de globalizao neoliberal a de vivermos sob
o domnio de um "individualismo fbico", que se traduz no s na ausncia de "solidariedade social, mas um
estranhamento da ordem da fobia com relao ao outro, ao diferente (...) na prtica poltica acentuando-se
uma cultura cnica mas tambm narcsica e auto-centrada". CERQUEIRA FILHO, Gislio: dipo e excesso.
Reflexes sobre lei e poltica. Porto Alegre: Fabris ed. 2002, p.32.
15 - YOUNG, Jock. A sociedade excludente. Excluso social, criminalidade e diferena na modernidade
recente. Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 34.
16 - Ibidem, p.34/35.

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como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

Ensaios e Debates

ndices de criminalidade, aponta como sada a privatizao dos espaos pblicos, a forma que a riqueza encontrou para construir seu templo de segurana:

"os novos apartheids sociais so constitudos em nome da paz e


das ilhas de tranqilidade. A segurana dos 'de dentro' ameaada pela magnitude das mudanas supostamente restituda em
condomnios fechados, na contratao de pequenos exrcitos
particulares e na utilizao de cmeras de televiso que monitoram residncias, ruas, bairros e locais de aglomerao pblica.
Esse processo de vigilncia parece no ter fim porque sempre h
um novo invasor/estranho a ser combatido. Busca-se febrilmente
a segurana e diminui a solidariedade social. As novas formas de
perverso social combinam tecnologias de armamentos e de
comunicao, reordenamento dos espaos urbanos, privatizao
da sociabilidade e uma cultura de redefinio permanente do
'outro' ameaador cujo limite a negao cognitiva dos contingentes 'imprestveis'.
Mas at o sonho dos shopping centers como ilhas de tranqilidade e templos do consumo tem sido sacudido pela presena da
violncia dos consumidores inaptos. A diviso da sociedade em
parques temticos relativos experincia diferenciada dos grupos e comunidades pode ser uma imagem literria. Mas, pelo
exagero, ela permite perceber limites tenebrosos da ordem psmoderna e favorecer a reflexo acerca das chances de reconstituio da solidariedade social" 17
A lgica da apartao, que v no outro um invasor, penetra em todas as
camadas sociais, as "barreiras, excluindo e filtrando, (...) no so apenas
imposio de poderosos; sistemas de excluso, visveis e invisveis, so criados tanto pelos ricos como pelos despossudos"18.
Assim, no capitalismo neoliberal, cujas polticas de excluso promoveram
uma desagregao social, a lgica da segurana - sinnimo do medo e do
preconceito - produz uma intolerncia social, na qual a soluo para os conflitos dirios, para qualquer pequena transgresso, ser dada pelo enquadramento penal.

17 - FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens ps-modernas: configuraes institucionais contemporneas. Rio de


Janeiro, Relume Dumar, 2000, p. 20/21.
18 - YOUNG, op. cit., p. 38.

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2- O

OLHAR INQUISIDOR DO

E STADO P ENAL -

A MODERNA CAA S BRUXAS

O crescimento do sentimento de insegurana, que se potencializou com a


reduo das polticas de proteo social, com o rebaixamento salarial e com
o aumento das taxas de desemprego, gerou um terreno propcio para as
polticas de criminalizao da misria, com o conseqente encarceramento
dos miserveis.
A hegemonia neoliberal ser resguardada pela presena massiva do
Estado, no mais no campo social, e sim em termos penais, trata-se agora do
Estado Penitencirio de que nos alerta Lic Wacquant.
Assim, incapaz de dar respostas no plano econmico-social, o EstadoNao se apresenta como um Leviat no quesito segurana

"desenha-se a figura de um novo tipo de formao poltica,


espcie de `Estado-centauro`, dotado de uma cabea liberal
que aplica a doutrina do `laissez-faire, laissez-passer` em
relao s causas das desigualdades sociais, e de um corpo
autoritrio que se revela brutalmente paternalista e punitivo
quando se trata de assumir as conseqncias dessas desigualdades" 19
Wacquant ir detectar na poltica estatal de criminalizao das conseqncias da misria de Estado, dois movimentos no processo de penalizao. O
primeiro movimento "consiste em transformar os servios sociais em instrumento de vigilncia e de controle das novas 'classes perigosas'." 20(...) o
segundo componente da poltica de 'conteno repressiva' dos pobres o
recurso macio e sistemtico ao encarceramento"21.
Importa mencionar que o crescimento da populao carcerria no representa, na mesma proporo, um aumento da criminalidade. Isto apenas o
indicativo desse processo de intolerncia ao pequeno delito, que ir, nessas
duas ltimas dcadas de gesto neoliberal, lotar as carceragens.
19 - WACQUANT, Loc. A ascenso do Estado penal nos EUA. Em: Discursos, Sediciosos, crime, direito e
sociedade, ano 7, n 11, RJ: Editora Revan/ICC, 2002, p. 13.
20 - Vera Malaguti, em sua dissertao de mestrado Drogas e criminalizao da juventude pobre no Rio de
Janeiro, analisa o papel das agncias de assistncia, no caso voltadas para o menor infrator, no mecanismo
de controle e de reproduo de prticas estigmatizadas, fortalecendo dessa forma as prticas persecutria
penais sobre a juventude negra e pobre.
21 - WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gesto da misria nos Estados Unidos. RJ, Instituto Carioca de
Criminologia, Freitas Bastos, 2001, p. 27/28.

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Ensaios e Debates

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como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

"como prova temos o aumento rpido e contnuo do nmero de


prisioneiros a um ano relacionado com o volume de crimes
cometidos durante o ano correspondente: este indicador de
'punibilidade' passa de 21 detentos em 1 mil infraes entre
1975 para 37 em 1 mil em meados dos anos 90 (...). O fato de
o crescimento deste indicador ser nitidamente mais forte que o
ndice de aprisionamento relacionado com o nmero dos crimes
violentos (275% contra 150%) confirma que a maior punibilidade do Estado americano visa primeiramente os pequenos
delinqentes de direito comum. O que mudou neste perodo
no foi a criminalidade, mas a atitude dos poderes pblicos em
relao s classes pobres, consideradas como o centro irradiador do crime"22

"uma pequena infrao, quando tolerada, pode levar a um


clima de anomia que gerar as condies propcias para que
crimes mais graves vicejem. A metfora das janelas quebradas
funcionaria assim: se as janelas quebradas em um edifcio no
so consertadas, as pessoas que gostam de quebrar janelas
assumiro que ningum se importa com seus atos de incivilidade e continuaro a quebrar as janelas. O resultado seria um
sentimento geral de decadncia e desamparo em que a desordem social encontraria terreno frtil para enraizar-se e gerar
seus frutos malficos. Ou seja, a violncia urbana e os crimes
graves seriam o ltimo elo de uma cadeia causal em que
pequenas infraes levam a formas mais acerbadas de delinqncia"25.

Como demonstrativo desse endurecimento com relao aos pequenos delitos, ou s incivilidades, Wacquant chama a ateno para uma srie de prticas persecutrias no cotidiano dos pobres, negros e jovens, como "os decretos municipais limitando ou proibindo a mendicncia, as batidas policiais
contra os sem-teto, a instaurao do toque de recolher para os adolescentes,
aplicados de maneira discriminatria nos bairros marginalizados (s vezes de
maneira totalmente ilegal, como na Frana), e a popularidade de que goza
por antecipao a vigilncia eletrnica, quando tudo indica que ela tende,
no a substituir, mas a somar-se ao aprisionamento."23.

Ao mesmo tempo, essas polticas desvelam uma mesma matriz naturalizadora da pobreza e criminalidade, como um eterno retorno s teorias biologistas de que a maldade, o germe da violncia, se encontra no cdigo gentico. Estas polticas demonstram que Lombroso vive.

Esse exerccio de controle autoritrio, discriminatrio sobre as camadas


pobres da sociedade tambm foi perquirido por Gizlene Neder ao analisar o
cotidiano de apartao nas favelas e as tticas inibidoras-repressivas, resqucios dos perodos de represso militar, assimiladas pelo aparato policial,
demonstrando dessa forma, que para a pobreza de feio jovem e negra de
nosso pas, "Tnatos impe-se sobre Eros"24.

Os pequenos conflitos dirios, que poderiam ser solucionados pelo consenso conquistado, via dilogo, na percepo de que o outro um interlocutor,
portador de direitos, iro ser sanados por meio de uma rede institucional marcada pelo discurso penal: ou na justia ou na delegacia de polcia.

Trata-se da punio preventiva, uma garantia de que ao penalizar os


pequenos delitos, obtm-se a segurana de que os grandes ilcitos sero evitados. a teoria da janela quebrada, que se expressa atravs do argumento
de que:
22 - WACQUANT, L. A ascenso do Estado penal nos EUA. Em: Discursos, Sediciosos, crime, direito e
sociedade, ano 7, n 11, RJ: Editora Revan/ICC, 2002, p. 19/20
23 - WACQUANT, L. A tentao Penal na Europa. Em: Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, RJ,
ano 7, n 11, 2002, p. 9. Ver tambm NEDER, Gizlene. Violncia e cidadania. Porto Alegre, Sergio Antonio
Fabris Editor, 1994.
24 - NEDER, Gizlene. Violncia e cidadania. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 32.

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As polticas de tolerncia zero, promovidas pelo Estado, encontram sua correspondente no cotidiano. Dissemina-se pela sociedade como um todo, que
ir apresentar a mesma intolerncia s pequenas desordens urbanas, s
incivilidades das relaes pessoais e sociais.

Os discursos que envolvem a legitimao do sistema penal iro se valer de


uma ampliao do sentimento de insegurana como forma de justificativa
para uma crescente "caa s bruxas": os sem teto, os sem terra, os sem
emprego (todos os refugos humanos), aqueles que trazem estampado no
rosto a imagem do fracasso, diante de um modelo que se volta para os bemsucedidos.
Esse processo de criminalizao de determinado segmento social ser, via
discurso jurdico-penal, legitimado e "naturalizado", a tal ponto que
25 - BELLI, Benoni. Polcia, "tolerncia zero" e excluso social. Em: Novos Estudos Cebrap, n 58, nov., 2000,
p.160.

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Ensaios e Debates

"leva concluso pblica de que a delinqncia se restringe aos


segmentos subalternos da sociedade, e este conceito acaba
sendo assumido por equivocados pensamentos humanistas que
afirmam serem a pobreza, a educao deficiente etc., as causas
do delito, quando na realidade, so estas, junto ao prprio sistema penal, fatores condicionantes dos ilcitos desses segmentos
sociais, mas, sobretudo, de sua criminalizao, ao lado da qual
se espalha, impune, todo o imenso oceano de ilcitos dos outros segmentos, que os cometem com menor rudeza ou mesmo
com refinamento"26.
Por essa razo, por exemplo, as aes de ocupao coletiva de terras, que
o MST realiza como forma de tornar pblico o conflito fundirio e o processo de concentrao de terras, bem como a morosidade da reforma agrria,
so vistas como um atentado ordem social e legal, um atentado ao prprio
Estado, cuja reao de oposio s aes de ocupao de terras se manifesta na mdia, no judicirio, etc, sempre exigindo uma poltica repressiva ao
movimento.
A introjeo da noo de ordem, disciplina, normal, desvio, obedincia,
autoridade; a submisso a que as classes subalternas (grupos vulnerveis)
esto expostas por um poder que atua de forma militarizada e violenta; os
meios de comunicao massificando/homogeneizando esteretipos, gestando um cenrio de medo e caos; o crescimento vertiginoso da misria criaram
um cenrio perfeito para o exerccio de criao de bodes expiatrios e da necessidade de se combater tais grupos.
A resposta apresentada ser, no plano dos discursos jurdicos-penais, uma
ampliao do papel do direito penal27, como uma alternativa ao cenrio de
caos e desordem, promovido especialmente pelo crescimento de uma massa
humana, que apenas ser disciplinada, seletivamente, pelo sistema penal.
Entendemos que esse cenrio de endurecimento penal, que a hegemonia
neoliberal globaliza, tornou possvel a criminalizao de amplos setores da sociedade, dentre esses o MST, que ser visto como um movimento de desordeiro,
que ameaa o Estado de Direito, requerendo dos rgos do sistema penal me26 - ZAFFARONI, E. R.; BATISTA,N.; ALAGIA, A.; SLOKAR, A. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume - Teoria
geral do direito penal. Rio de Janeiro, Revan, 2003, p. 48.
27 - Um interessante trabalho nesse sentido, sobre a "esclerose" do discurso penal o trabalho de CARVALHO, Salo de. A ferida Narcsica do Direito Penal (primeiras observaes sobre as (dis)funes do controle
penal na sociedade contempornea) in GAUER, Ruth M.C. (org.). A qualidade do tempo: para alm das
aperncias histricas. RJ, Lmen Jris, 2004.

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Estado penal e criminalizao do MST ou de


como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

didas mais ofensivas, dentre elas est a tipificao das ocupaes coletivas como crime de formao de quadrilha, possibilitando assim ao Judicirio o "direito" de decretar a recluso, a priso dos integrantes do movimento.
Dentre os rgos que compem o sistema penal, analisamos os discursos
adotados pelo Judicirio, entendendo a importncia que esse poder possui na
hegemonia conservadora28, na sedimentao de prticas de controle, seletivas, sobre os extratos subalternos.
Para Alessandro Baratta, "tambm o insuficiente conhecimento e capacidade de penetrao no mundo do acusado, por parte do juiz, desfavorvel aos indivduos provenientes dos extratos inferiores da populao. Isto no
s pela ao exercida por esteretipos e por preconceitos, mas tambm pela
exercida por uma srie das chamadas 'teorias de todos os dias', que o juiz
tende a aplicar na reconstruo da verdade judicial"29.
Isso significa dizer que devemos levar em considerao nesse processo de
criminalizao desempenhado pelo poder judicirio, o papel dos valores, a
atitude emotiva, a ideologia por trs de cada deciso de um juiz. O alerta de
Baratta para o fato de que ainda que inconscientemente, a sedimentao
dos esteretipos criminais associados aos extratos inferiores (seletividade e
vulnerabilidade) ir gerar decises por parte dos juzes tambm seletivas.
Trata-se para Baratta da sedimentao no discurso judicial das "teorias de
todos os dias", uma assimilao dos esteretipos contra as classes dos
extratos inferiores, gestando no imaginrio do Juiz um sentido de periculosidade para os indivduos que integram esses extratos

"pesquisas empricas tm colocado em relevo as diferenas de


atitude emotiva e valorativa dos juzes, em face de indivduos
pertencentes a diversas classes sociais. Isto leva os juzes, inconscientemente, a tendncias de juzos diversificados conforme a posio social dos acusados, e relacionados tanto
apreciao do elemento subjetivo do delito (dolo, culpa) quanto ao carter sintomtico do delito em face da personalidade
(prognose sobre a conduta futura do acusado) e, pois, individualizao e mensurao da pena destes pontos de vista. A
28 - Ver, nesse sentido, NEDER, G. Discurso Jurdico e ordem burguesa no Brasil. Porto Alegre: Srgio Antnio
Fabris Editor, 1995.
29 - BARATTA, Alessandro. Criminologia crtica e crtica do direito penal: introduo sociologia do direito
penal. Rio de Janeiro, Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 177.

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Ensaios e Debates

distribuio das definies criminais se ressente, por isso mesmo, de modo particular, da diferenciao social. Em geral, pode-se afirmar que existe uma tendncia por parte dos juzes de
esperar um comportamento conforme lei dos indivduos pertencentes aos extratos mdios e superiores; o inverso ocorre
com os indivduos provenientes dos extratos inferiores"30.
Nesse sentido, acreditamos ser de grande valia analisar o processo de criminalizao vivenciado pelo MST, a partir dos discursos dos agentes jurdicos,
pois podemos captar a partir das formulaes desses agentes a construo de
uma ordem social, que busca impor rdeas, ou melhor, cercas jurdicas aos
conflitos entre as classes sociais, impondo um controle sobre os extratos inferiores da sociedade, buscando dessa forma judicializar/normatizar as
relaes sociais31.
3 - A

PENA COMO ESPETCULO : A REPRODUO DO ENDURECIMENTO

PENAL NOS DISCURSOS DO

J UDICIRIO E M INISTRIO P BLICO


MST E V IA C AMPESINA

COM RELAO S AES DO

Vamos analisar a denncia promovida pelo Ministrio Pblico a partir do


mtodo indicirio, proposto por Carlo Ginzburg, buscando nas falas seu contedo metafrico, os esteretipos produzidos, os silncios de determinados
pontos, aspectos que, num primeiro olhar, parecem sem significado ou
importncia, enfim os sinais que revelam a ideologia por trs de cada narrativa, ou seja, "o que caracteriza esse saber a capacidade de, a partir de
dados aparentemente negligenciveis, remontar uma realidade complexa no
experimentvel diretamente"32.
Por esse mtodo possvel se extrair a totalidade do real a partir da anlise
de uma nica denncia. Optamos por esse mtodo embora a denncia em
face dos integrantes da Via Campesina, apresente uma linha discursiva semelhante analisada nos autos do Pontal do Paranapanema durante o perodo
de 1992 a 2002, o que nos possibilitaria cotejar os discursos.

30 - Ibidem, p. 177/178.
31 - Gizlene Neder ir analisar esse processo, entre o final do sculo XIX e dcadas iniciais do sculo XX, buscando desvelar o papel do pensamento jurdico na sedimentao da ordem burguesa no Brasil. NEDER, G.
Discurso Jurdico e ordem burguesa no Brasil. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 1995.
32 - GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e histria. So Paulo, Companhia das letras,
1989, p. 152.

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Estado penal e criminalizao do MST ou de


como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

Para que compreendamos o papel que o nosso judicirio se impe no combate ao MST, no podemos perder de vista o papel fundante que a mdia ir
exercer na construo desse imaginrio de periculosidade do movimento, justificando, e mesmo, cobrando aes ofensivas aos seus integrantes.
Para Nilo Batista "o discurso criminolgico miditico pretende constituir-se
em instrumento de anlise dos conflitos sociais e das instituies pblicas, e
procura fundamentar-se numa tica simplista (a "tica da paz") e numa
histria ficcional (um passado urbano cordial; saudades do que nunca existiu, aquilo que Gizlene Neder chamou de "utopias urbanas retrgradas"). O
maior ganho ttico de tal discurso est em poder exercer-se como discurso de
lei e ordem com sabor "politicamente correto". (...) Os conflitos sociais podem
dessa forma ser lidos apenas pela chave infracional: a tragdia fundiria
brasileira reduzida dogmtica do esbulho possessrio (...)"33.
Nesse sentido, a mdia ser um potencializador para os discursos de
endurecimento penal sobre o MST, via proliferao de imagens impostas ao
movimento, de que este representa um movimento de desordeiros, ao mesmo
tempo em que ir massificar as noes de lei, ordem, caos, nao, ressaltando a inoperncia da autoridade no controle efetivo sobre o movimento,
requerendo dessa forma um endurecimento penal sobre seus integrantes34.

"Para quem conhece os "mtodos" do MST e se lembra da


recente invaso e destruio feita pela Via Campesina em Porto
Alegre e as invases e destruies que o movimento promove
pas afora, fica evidente que est sendo organizada a exploso
urbana do Pas. Para quem v saques em instalaes, ocupao
dos prdios pblicos e destruio do patrimnio idem, para
quem assiste a transgresso, a ilegalidade, o crime, dar cobertura a aes ditas "sociais", fica claro imaginar o que significa o
maior movimento de massa nas ruas do Brasil, conforme a evidente declarao de guerra do integrante do MST.
Tanto esse "lder", quanto o outro, o Sr. Stdile, e os que formam
a direo do MST, so useiros provocadores, ameaadores e
executores de aes cominadas como criminosas na legislao
brasileira, sob a tolerncia, o beneplcito , a lenincia e at
33 - BATISTA, Nilo. Mdia e sistema penal no capitalismo tardio. Em: Discursos Sediciosos: Crime, Direito e
Sociedade, RJ, ano 7, n 12, 2002, p. 276.
34 - Para um trabalho sobre o papel da mdia na construo do imaginrio social ver LERRER, Dbora F. De
como a mdia fabrica e impe uma imagem. "A degola" do PM pelos sem-terra em Porto Alegre. RJ, Revan,
2005.

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Ensaios e Debates

mesmo o apoio de autoridades pblicas, a comear do presidente da Repblica. Sob o silncio do Legislativo e a omisso
do Judicirio.
Em nome do social patrulham, anestesiam, infringem, cometem
crimes comuns e so tratados com normalidade. Caso os "mtodos" de "luta" do MST fossem empregados pelos demais segmentos da sociedade que desejam melhores condies sociais,
estouraria nas ruas do pas uma brutal guerra civil onde todos
se matariam. H muito o MST deixou de ser movimento social
para se tornar um partido poltico que prega a ditadura do proletariado. No havendo espao para revolues ao gosto vermelho, "no bastam as eleies" que legitimam a chegada ao
poder. preciso o crime, a arruao, a instabilidade institucional, para prevalecer a "verdade" social dos zumbis de Lnin.
A sociedade brasileira est anestesiada pelo discurso "social" de
quem vem se utilizando das liberdades democrticas, que permitem coexistir diferentes posies polticas, econmicas, para
conspirar e derrubar essa liberdade. A imposio de qualquer
regime de fora impede que haja divergncia, oposio e, principalmente, luta armada, como a j praticada pelo MST contra
a sociedade pacfica e desarmada, em nome da justia social.
Fosse em Cuba, um movimento como esse teria sido dizimado
por Fidel no paredo. Em pases cujo regime defendido pelo
MST no existem movimentos de luta social. O que querem
para o Brasil?" (O crime anunciado Paulo Saab/ Dirio do
Comrcio/SP).
No obstante a construo miditica de que se trata de um movimento
propagador da violncia, a realidade se mostra divergente. Em recente relatrio sobre a violncia no campo, a Comisso Pastoral da Terra revela que em
2005 houve um crescimento de 106% de mortes de trabalhadores rurais sem
terra em conflitos possessrios.
Dado que j se revelava no relatrio divulgado em 2003, na qual se
apurou que

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"(...) Entre janeiro e agosto de 2003, a Comisso Pastoral da


Terra registrou 44 assassinatos de trabalhadores rurais. Dados
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Estado penal e criminalizao do MST ou de


como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

da CPT revelam que, de 1985 a 2002, foram registrados 1.280


assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, tcnicos, lideranas sindicais e religiosas ligados luta pela terra. Destes
1.280 assassinatos, apenas 121 foram levados a julgamento.
Entre os mandantes dos crimes, somente 14 foram julgados,
sendo sete condenados. Foram levados a julgamento quatro
intermedirios, sendo dois condenados. Entre os 96 executores
julgados, 58 foram condenados.

Entre 1985 e 2002, 6.330 trabalhadores rurais foram presos


em funo de suas atividades polticas ligadas luta pela reforma agrria. Em 2001, ocorreram 254 prises arbitrrias de trabalhadores rurais e, em 2002, 158 camponeses foram presos.
Em 2002, houve 43 assassinatos, 20 tentativas de assassinato e
73 ameaas de morte contra trabalhadores rurais, alm de 44
agredidos fisicamente e 20 torturados. Estes dados revelam que,
historicamente, a violncia no campo ocorre contra os trabalhadores sem terra"35.

Nessa perspectiva, o que se percebe um processo violento de controle


social, na qual, a pobreza, ao romper com a domesticao dos corpos de
que nos fala Michel Foucault, ao romper com a disciplina que "fabrica assim
corpos submissos e exercitados, corpos 'dceis'", cuja funo garantir um
aumento das "foras do corpo (em termos econmicos de utilidade)" e, paralelamente, reduzir "essas mesmas foras (em termos polticos de obedincia"36,
ser mais brutalmente penalizada e combatida.

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A rebeldia dos integrantes do MST em se recusar a aceitar passivamente


que algum dia haja a reforma agrria servir de elemento para uma contraofensiva por parte do Estado, do Judicirio, dos rgos de segurana, da
mdia sempre pronta a reproduzir discursos intolerantes ao movimento, gerando um horror ao MST, cuja raiz se encontra no fato de que, como nos diz
Marilena Chau, o "Movimento dos sem-terra que se recusam a ocupar o
lugar da vtima sofredora, passiva, muda e inerte, que recusam a compaixo
e por isso mesmo, numa tpica inverso ideolgica, so considerados no
sujeitos ticos e sim agentes da violncia"37.

35 - Relatrio da Rede Social de Justia e Direitos Humanos em Colaborao com Global Exchange.
Direitos Humanos no Brasil 2003, p.31.
36 - FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da priso. Petrpolis, Vozes, 1987, p. 119.
37 - CHAU, M. tica e violncia. Revista Teoria e Debate, n 39, out/nov/dez de 1998, So Paulo,
Fundao Perseu Abramo, p. 35.

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Tal leitura nos permite entender a reao violenta da mdia ao das mulheres da Via Campesina, especialmente a RBS, ligada a Rede Globo, e o
total silncio com relao Aracruz Celulose e s freqentes denncias de
ataques aos direitos humanos perpetrados por essa empresa no seu processo
de expanso territorial, com relao aos quilombolas, povos indgenas, comunidades tradicionais como pescadores e pequenos agricultores familiares
e a degradao ambiental provocada pelo plantio do eucalipto.
Assim, figura-se uma simetria discursiva entre JUIZ - PROMOTOR - DELEGADO DE POLCIA E MDIA no que se refere tentativa de impor um imaginrio penal. Logo, em nome da lei e da ordem justifica-se a operao policial (Polcia Civil/RS) que no dia 21 de maro de 2006, com a presena da
autoridade policial, invadiu a sede da Associao Nacional de Mulheres
Camponesas (ANMC), apreendendo computadores, danificando o patrimnio da entidade, no obstante o mandado judicial determinar apenas a
busca e apreenso na Associao de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio
Grande do Sul - AMTR-RS.
Tal operao no produziu indignao na mdia e se legitimou pelo
Judicirio a partir do recebimento da denncia da promotoria, que diante
dessas operaes sobre organizaes entendidas como "perigosas", seja qual
for o parmetro definidor da periculosidade, se guiar pela sedimentao do
papel simblico do direito penal38, marcado em grande medida pelo iderio
persecutrio penal irracional.
Nessa perspectiva que se torna concebvel o convencimento apontado
pelo Ministrio Pblico para o oferecimento da denncia em face dos trinta e
sete integrantes da Via Campesina. Mais grave ainda quando se sabe que tal
denncia, desprovida de justa causa para o seu oferecimento, foi recebida
pelo Judicirio.
No texto da denncia, h uma tentativa de criminalizao dos que so compreendidos como lideranas:
"O domnio do fato foi exercido pelos denunciados (...), os quais
planejaram e organizaram a empreitada criminosa, valendo-se
de suas condies de representantes das entidades conhecidas
como Via Campesina, Associao das Mulheres Trabalhadoras
38 - Ver CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal de emergncia. RJ, Lmen Jris, 2002; e ANDRADE, Vera R.
P. de. A Iluso de segurana jurdica. Do controle da violncia violncia do controle penal. RS, Livraria do
Advogado, 2003.

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Estado penal e criminalizao do MST ou de


como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

Rurais da Regio Sul do Brasil, Associao Nacional das Mulheres Camponesas e Associao das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul e Movimento dos Trabalhadores SemTerra. Alm disso, exceo do denunciado JOO PEDRO
STDILE, todos os demais estiveram presentes ao local dos fatos
e participaram da execuo do crime em anlise, exercendo
funo de liderana e coordenao sobre os demais manifestantes, bem como exercendo atos tpicos de dano.
O denunciado JOO PEDRO STDILE, em que pese no ter
sido comprovada sua presena no local dos fatos, exerceu
funo decisiva no planejamento e na execuo do crime, na
medida em que estimulou os demais denunciados prtica do
delito (participao moral), alm de concorrer materialmente
para a sua consecuo, seja ao colaborar com a sua concepo, seja ao oferecer subsdios tericos para sua execuo,
ou mesmo ao promover a adeso de centenas de simpatizantes
de seu Movimento ao ato que culminou em resultado criminoso"
(denncia do Ministrio Pblico de Barra do Ribeiro/RS - proc.
n 20600001785 - grifo nosso).
Da mesma forma que se torna impossvel saber quem de fato estava na
ao realizada pelas mulheres da Via Campesina, posto que participaram
cerca de duas mil mulheres vendadas, impossvel se estabelecer a participao moral. Tal presuno, que sustenta a denncia, s se valida numa
prtica que visa, de forma emblemtica, criminalizar a liderana dos movimentos sociais, como forma de criar um consenso de que se trata de uma
organizao criminosa, portanto com mtodos organizacionais e hierarquias.

"(...) Assim, lograram articular a quadrilha, organizando eficiente mecanismo de transporte para centenas de manifestantes,
conduzindo-os, em sua maioria armados de foices, faces,
pedaos de madeira e varas de taquara com facas amarradas
extremidade (fotografias das fls. 286, 299, 301 e 313), at o
Municpio de Barra do Ribeiro, onde desencadeou-se o processo de cometimento de crimes de dano qualificado, furto, seqestro e crcere privado, entre outros.
Os documentos apreendidos em poder dos denunciados (e juntados ao inqurito policial) do conta de estrutura funcional
extremamente organizada, constituda e mantida de forma
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Afinal, como nos lembra Gizlene Neder, "o discurso jurdico, ao erigir normas e constituir (i)legalidades, coloca-nos diante de um Direito que no
esttico, nem mesmo 'positivo'. Ao normatizar, disciplinar e/ou confinar (e
exterminar), apresenta-se como resultante de uma correlao de foras sociais e polticas em formaes sociais historicamente estabelecidas"39.

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como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

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39 - NEDER, Gizlene. Discurso Jurdico e ordem burguesa no Brasil. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor,
1995, p. 98.

"A luta pela terra caracteriza-se pelo ato de posse da terra, fato
de profundo sentido conceitual e que, como ocorrncia histrica, antecede figura da propriedade, mero efeito jurdico construdo pelo direito, para garantir na lenta passagem da formao scio-econmica feudal para a formao capitalista, a
propriedade da terra a quem no estivesse em sua posse efeti-

Razo pela qual se tentar criminalizar as ocupaes coletivas, retirando o


contedo poltico e social das aes do MST:

Seja nas aes cveis (possessrias), seja nas aes criminais, h uma preocupao com a garantia do status quo do direito de propriedade. O simples
ato de ocupar coletivamente a terra j produz uma fissura nesse direito, no
que pese o conceito de funo social criar mecanismos utilitrios para terra,
entendido ainda como absoluto.

Essas estratgias processuais de endurecimento penal sobre o MST, que


expressam a ampliao do Estado Penal descrito por Wacquant, tambm revelam um redimensionamento do direito de propriedade.

Num pas sem tradio democrtica como o nosso, onde nossa elite governante sempre atuou com enormes desconfianas para qualquer organizao
social de trabalhadores, a possibilidade de criminalizao por meio da tipificao em formao de quadrilha ou bando se amplia, em especial para um
movimento, que questionar o cerne do direito burgus, que a prpria propriedade.

A reorientao para crime de formao de quadrilha ou bando ir requerer um processo de 'demonizao' da liderana, isto porque o elemento subjetivo do tipo penal "formao de quadrilha ou bando" o fim de associar-se
para o cometimento de ilcito. Assim, no necessrio que haja a concretizao bem sucedida do crime em si, bastando o simples fato de se associar.

estvel, de modo a possibilitar, tanto quanto fosse vontade dos


acusados, a realizao de novas empreitadas criminosas em
outros municpios ou regies.(...)"
(denncia do Ministrio Pblico de Barra do Ribeiro/RS - proc.
n 20600001785 - grifo nosso).
A tentativa de criminalizao das chamadas lideranas visa justificar a
imputao do crime de bando ou quadrilha, e, de forma mais grave, aponta
para uma construo no concreto processual da responsabilidade penal objetiva. Tal perspectiva fere de forma mortal os princpios comezinhos do devido
processo legal, no mesmo sentido em que se confronta com a nossa Carta
Constitucional, que preceitua como regra processualista no campo penal, o
processo acusatrio.

"Na ocasio, os denunciados acima nominados, representantes


das entidades sociais conhecidas como Via Campesina,
Associao das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Regio Sul
do Brasil, Associao Nacional das Mulheres Camponesas e
Associao das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande
do Sul e Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, algumas
regularmente constitudas sob a lei brasileira, reuniram-se sob o
pretexto de realizarem manifestaes de cunho ideolgico e
reivindicatrio, mas com o real propsito de agregarem simpatizantes e, de forma organizada e estvel, cometerem atos criminosos em flagrante excesso de suas prerrogativas de protesto e
reivindicao. (...)
A forma de constituio do grupo responsvel pelos crimes ora
denunciados, bem como o fato de que as associaes de trabalhadores rurais representadas pelos denunciados ocupavam
sede comum, de existncia e localizao revestidas de segredo
e clandestinidade, so elementos que corroboram a pretenso
de continuidade e estabilidade das aes criminosas inauguradas neste municpio."
(denncia do Ministrio Pblico de Barra do Ribeiro/RS - proc.
n 20600001785 - grifo nosso).

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No a lei que define ser formao de quadrilha ou bando as ocupaes


reivindicatrias do MST ou de outras organizaes que lutam pelo acesso
terra. Tal definio parte de uma interpretao do juzo, portanto, ideologia.
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va. Construiu-se assim o conceito de propriedade como relao


ou vnculo jurdico independente da posse (...) nas circunstncias de fato da ocupao pode dizer-se que a posse na prtica
concreta das ocupaes, o mais forte mecanismo de correo
da propriedade. Direito em construo, a ocupao coletiva
infirma, ou nega, concomitantemente, os fundamentos essenciais do direito burgus: o subjetivismo jurdico individual (...)" 40.
Podemos ento compreender porque um movimento social, como o MST,
que rompe com a construo de uma cidadania regulada41, uma cidadania
"outorgada" pelo Estado, ou como nos fala Jos Murilo de Carvalho42 uma
estadania, reconstruindo sua agenda de direitos em conflito com o Estado,
rompendo com a lgica da obedincia, imposta pelo ente estatal s classes
populares, torna-se um inimigo a ser vencido:
Essa insurgncia do MST entra em choque com o judicirio, que busca
arrefecer a luta pela terra, impondo uma prtica mais submissa ao movimento. Torna-se elucidador para compreenso do papel desempenhado por
nossa magistratura no perder de vista que "o juiz construdo no Brasil sob
inspirao externa e interna do fascismo e do nazismo ir representar, quando aguam os conflitos de terra, importante papel repressivo em benefcio das
classes possuidoras"43.
A pratica persecutria, ento, fundamenta-se por si s. Trata-se de uma
cruzada contra a desordem e a impunidade. Tal construo ideolgica penetra em nosso Judicirio que acaba por recepcionar denncias marcadas pela
inpcia, como o caso da presente denncia, especialmente com relao a
imputao de furto:

"Nas mesmas circunstncias de tempo e local referentes ao fato


descrito no item anterior, simultaneamente ao cometimento do
crime de dano antes definido, os denunciados (...) conjugando
esforos e vontades entre si e com mais aproximadamente 1000
(mil) pessoas no identificadas no inqurito policial, subtraram,
40 - BALDEZ, M. L. A luta pela terra urbana. Mimeo, S/D.
41 - "Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas as razes encontram-se, no em um cdigo de valores polticos, mas em um sistema de estratificao ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificao ocupacional definido por norma legal. Em outras palavras, so cidados todos aqueles membros
da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupaes reconhecidas e definidas em
lei". SANTOS, W.G. Cidadania e Justia. RJ, Campus, 1979, p. 75, grifos no original.
42 - CARVALHO, J.C. Cidadania no Brasil. O longo caminho. RJ: Civilizao Brasileira, 2001
43 - BALDEZ, Miguel L. Sobre o papel do direito na sociedade capitalista. Ocupaes coletivas: direito insurgente. RJ, Centro de Defesa dos Direitos Humanos, 1989, p. 7.

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como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

para si ou para outrem, um disco rgido de memria para microcomputador, tipo winchester, preenchido com arquivos e informaes pertinentes atividade industrial realizada no estabelecimento atacado, objeto que pertencia empresa Aracruz Celulose
S/A, e que estava nas dependncias do laboratrio de pesquisas
genticas mantido junto ao Horto Florestal Barba Negra.
Na ocasio, os denunciados, aproveitando-se da ao de
depredao que executavam no local, subtraram o equipamento
acima descrito, conforme planejamento anteriormente definido.
O domnio do fato foi exercido pelos denunciados (...), os quais
planejaram e organizaram a empreitada criminosa, determinando aos co-denunciados, expressamente, o objetivo de furtar o
disco rgido de memria computadorizada.
O denunciado JOO PEDRO STDILE, em que pese no ter
sido comprovada sua presena no local dos fatos, exerceu
funo decisiva no planejamento e na execuo do crime, na
medida em que colaborou para a difuso do animus furandi
entre os demais denunciados, instigando-os a subtrair esse
equipamento especfico, decerto por lhe interessar o contedo
arquivado no disco rgido"
(denncia do Ministrio Pblico de Barra do Ribeiro/RS - proc.
n 20600001785 - grifo nosso e no original).
Mais uma vez o que se observa na construo discursiva do Ministrio
Pblico a tentativa de criminalizao de forma abstrata. Para garantir a
criminalizao das lideranas dos movimentos que integram a Via
Campesina, sustenta a promotoria a partir do elemento subjetivo do tipo
furto, o animus furandi, que vislumbra o desejo de ter para si a coisa alheia.
Dessa forma, a promotoria compe sua denncia com os nomes das lideranas partindo de uma presuno, de um pr-julgamento de que haveria um
interesse a priori para obteno da coisa, sem nenhuma comprovao concreta. Tal imputao no poderia em nome do devido processo legal ter sido
recebida pelo Judicirio.
No que pese a denncia se calcar em indcios, pois se trata de uma tese a
ser verificada ao longo da instruo criminal em contradita com a tese defensiva, tais indcios devem ser fortes no que se refere autoria e materialidade
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do crime, gestando a base para a promoo da denncia, ou, em outros termos, a justa causa para o oferecimento da denncia.
Porm, na denncia analisada no h constrangimento por parte da promotoria em oferec-la por furto sem o menos indcio de autoria e mesmo da
materialidade, pois como o prprio promotor esclarece no seu texto:

"(...) ainda que no tenham participado da ideao do crime de


furto, foram instrudos pelos demais acusados (acima referidos)
a comet-lo, sendo que o fizeram, retirando a res da esfera de
vigilncia da empresa vtima, sem que se possa ter identificado
o agente diretamente encarregado da subtrao.
A res furtiva no foi recuperada, tampouco avaliada."
(denncia do Ministrio Pblico de Barra do Ribeiro/RS - proc.
n 20600001785 - grifo nosso e no original).
4 - C ONCLUSO
Essa criminalizao vivenciada pelo MST, se insere num processo mais
amplo de criminalizao da misria. Wacquant aponta para o fato de que o
capitalismo neoliberal, ao promover a reduo da ao estatal em termos de
polticas sociais, requerer, em especial pelo progressivo aumento da misria,
uma ampliao da ao estatal em termos de polticas de segurana - o Estado Penal.
Assim, uma das caractersticas desse Estado Penal uma intolerncia com
relao ao pequeno delito, mnima transgresso. Nesse sentido, esse Estado Penitencirio, necessitar ampliar o rol de categorias entendidas como
perigosas. Trata-se agora de exercer uma presso mxima (o outro lado da
lgica da tolerncia zero) sobre os consumidores falhos de que nos fala
Bauman e de certa forma expressa uma banalizao da vida, onde o outro,
os refugos humanos, no visto mais como um semelhante.
Tornou-se um brbaro e como tal pode ser eliminado, ou um quase
humano como narra de forma brilhante Eduardo Galeano atravs da fala de
um gerente de empresa de transporte mexicana ao declarar para imprensa
sobre os meninos de rua que surfavam em cima do nibus: "No desejamos
que os meninos morram, pois de algum modo so humanos"44.
44 - GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre, L&PM, 1999, p. 15.

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como o Judicirio e mdia fabricam as novas bruxas de Salm

Razo que faz o historiador Hobsbawm, ao analisar a perspectiva futura do


socialismo, a reafirmar o projeto socialista como contraponto ao capitalismo,
pois "(...) A sua defesa assenta-se no fato de que o capitalismo ainda cria contradies e problemas que no consegue resolver e que gera tanto a desigualdade (que pode ser atenuada atravs de reformas moderadas) como
desumanidade (que no pode ser atenuada)"45.
Assim, entendemos que o grau de barbarizao da vida que o capitalismo
neoliberal vem produzindo, revela a verdadeira face do capitalismo, sem nenhum atenuante. O capitalismo neoliberal o capitalismo sem maquiagem, o
mundo ao avesso, um mundo do mal-estar social, como nos lembra Galeano.
Essa marca do atual cenrio, na qual o outro quase humano ou no
humano. Esse olhar desumanizador do outro, essa indiferena com relao
vida humana a principal ferramenta para a legitimao dos discursos de
endurecimento penal, que como vimos, no limite, adota o extermnio da
massa empobrecida sem nenhum constrangimento, afinal trata-se de uma
guerra contra os brbaros.
Desvelar as construes ideolgicas, os valores sedimentados, as idias
reificadas pelo neoliberalismo ponto central para a superao desse processo de barbarizao da vida. Pois nos fazem ter a dimenso concreta dos discursos de endurecimento penal.
Entendemos que a criminalizao ao MST expressa essa conjuntura global
de fortalecimento do Estado Penal, que necessita impor freios, "cercas" aos
que lhe so avessos, embora no tenhamos perdido de vista que h um agravante no que se refere ao MST, pois este provoca na raiz, um direito intocvel, absoluto, na tica burguesa: a propriedade.
Essa demonizao, sofrida pelo MST e tambm pela Via Campesina, integra a lgica seletiva do sistema penal. As anlises dos discursos dos operadores jurdicos nos permitem perquirir o papel que o judicirio vem desempenhando no exerccio de controle das camadas empobrecidas da sociedade
e como o direito vem sendo o instrumento pela qual essas cercas esto sendo
sedimentadas.
O desafio que se impe ao nosso Judicirio romper com essa sedutora
cerca jurdica, que provoca o 'engessamento' do direito, romper com uma
45 - HOBSBAWM, Eric. Renascendo das cinzas. In BLACKBURN, Robin (org). Depois da Queda, Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1992. p. 268/70.

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construo ideolgica de um direito formal, que expressa uma noo de


'ordem social', hierarquizada e 'imutvel'.
Estar nosso Judicirio a altura dos desafios que o mundo da vida lhe
impe? Essa uma resposta que no pode ser dada por agora, embora no
que se refira luta pela terra, para os milhes de trabalhadores rurais sem
terra o portal do Judicirio apresenta a mesma resposta que o portal do
Inferno de Dante Alighieri: "Renunciai s esperanas, vs que entrais".

Campanha Internacional
Contra a Violncia no Campo:
instrumento de luta pela
reforma agrria e contra a
violao dos direitos humanos
Paulo de Tarso Caralo1

O 9 Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais CNTTR, realizado pela Confederao Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura - CONTAG em fevereiro de 2005, aprovou a realizao de uma
Campanha Internacional contra a violncia no Campo no Brasil, a partir de
uma proposta apresentada, naquela oportunidade, pela UITA - Unio
Internacional de Trabalhadores da Alimentao e Agricultura. Ao tomarem
esta deciso, os delegados e delegadas do 9 CNTTR avaliaram a grave situao de violncia, impunidade e violao dos direitos humanos que permanece no campo e compreenderam a campanha como um importante instrumento de combate a esta insustentvel realidade e de reforo luta pela
Reforma Agrria ampla e massiva.
Com o slogan - "Chega de Violncia no Campo - Corte este mal pela raiz",
a campanha foi lanada no dia 07 de maro, de 2006, em Porto Alegre,
como uma das atividades simultneas Conferncia Internacional de
Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural, coordenada pela FAO. Alm do
ato de Porto Alegre, esto previstos outros eventos nos demais estados
brasileiros e em alguns pases da Europa e Amrica Latina para apresentao
da proposta e busca de adeso dos diversos setores, numa perspectiva de
ampliao das aes e das parcerias, com o envolvimento daqueles que concordarem com os termos e objetivos da campanha.

1 - Paulo de Tarso Carlo Secretrio de Poltica Agrria e Meio Ambiente da CONTAG

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O principal objetivo denunciar o modelo de desenvolvimento agrrio concentrador de terra e renda que promove a excluso social e produtiva, a
degradao do meio ambiente e gerador da violncia no campo.
Buscaremos sensibilizar e obter a solidariedade e o apoio da sociedade civil,
nacional e internacional e o comprometimento dos rgos do Estado para
implantao de polticas contra a violncia e a impunidade e pela realizao
da Reforma Agrria.
O fundamental que a campanha propicie a soma de esforos das entidades, organizaes e personalidades nacionais e internacionais s lutas
cotidianas que os trabalhadores e trabalhadoras rurais desenvolvem em todo
o Brasil. Para tanto, preciso ampliar a compreenso quanto s causas, caractersticas e conseqncias da violncia no campo, assegurando medidas
que possam ir alm da denncia, garantindo aes concretas que levem
erradicao da violncia e ponham fim impunidade.
Com este trabalho e, sem nenhuma pretenso de esgotar o tema, por
demais vasto, trazemos elementos e reflexes sobre alguns aspectos da violncia no campo, procurando demonstrar nossas razes para esta luta.
Esperamos que, com esta campanha, possamos ter uma ampla adeso de
parceiros, pois s uma grande aliana, solidariedade e envolvimento de todos
e todas, seremos capazes de romper com os laos que unem o latifndio e o
agronegcio degradao ambiental, grilagem, excluso, fome enfim,
todas as formas de violncia no campo.
1. As Principais Razes Da Violncia No Campo:
a) A concentrao da terra:
A violncia no campo est diretamente vinculada concentrao da terra
e do poder e ao modelo predador e excludente de desenvolvimento rural, historicamente, implantado no Brasil. A concentrao fundiria no Brasil uma
das maiores do mundo. O Cadastro declaratrio do INCRA - Instituto
Nacional de Colonizao e Reforma Agrria, demonstra que os imveis rurais
com mais de 1.000 hectares representam 1,6% dos imveis cadastrados e
46% da rea total. Segundo, ainda, os dados do INCRA, existem mais de 100
milhes de hectares de terras ociosas no Brasil, ao mesmo tempo que mais
de seis milhes de famlias vivem sem terra e em estado de pobreza extrema,
no campo ou nas periferias das cidades, lutando pela reforma agrria como
alternativa de vida, produo e cidadania.
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Campanha Internacional Contra a Violncia no Campo: instrumento de


luta pela reforma agrria e contra a violao dos direitos humanos

A concentrao da terra est diretamente relacionada concentrao do


poder. Os poucos donos das terras, que sempre receberam privilgios e
exerceram influncia sobre as instncias do Estado brasileiro, alm de se sentirem donos da natureza para explor-la at exausto, tambm se comportam como se fossem donos das pessoas, especialmente as mais pobres. Em
nome de seus interesses pessoais, financeiros e polticos, os latifundirios
exploram, escravizam, ameaam, torturam e matam aqueles e aquelas que
ousam lutar contra seus privilgios.
A concentrao fundiria brasileira, que tem sua origem na colonizao
feita pelos Portugueses, foi aprimorada ao longo dos sculos, apoiada pelas
polticas governamentais que sempre privilegiaram o latifndio em detrimento da realizao da reforma agrria ou da agricultura familiar. Atualmente, o
modelo agrcola embasado no agronegcio monocultor e voltado para a
exportao se expande rapidamente. Grileiros, fazendeiros, madeireiros,
grandes plantadores da soja, de algodo, cana de acar, pecuaristas criadores de grandes reas de pastos, em nome da modernidade e da produtividade, avanam sobre terras pblicas, reas indgenas, reas ocupados por
populaes tradicionais e posseiros, ribeirinhos e outros. No af de ampliar
suas terras, acirram os conflitos no campo e produzem a violncia das mais
variadas formas, como a super explorao no trabalho e o trabalho escravo,
a grilagem das terras, os crimes ambientais, os espancamentos, despejos,
seqestros, ameaas e assassinatos.
b) A grilagem de terras e a expanso da fronteira agrcola:
Para exemplificar esta razo de acirramento da violncia, abordaremos a situao da regio Amaznica, em especial o Estado do Par, reconhecida nacional e
internacionalmente como uma das regies de maiores ndices de violao dos
direitos humanos do Pas. A origem destes conflitos est no processo de ocupao da terra na regio, inicialmente impulsionada pelas polticas dos governos militares de estmulo explorao de suas riquezas minerais e naturais pelos grandes
grupos econmicos e pecuaristas do sul e sudeste do Brasil. Para incentivar este
processo, o governo projetou a expanso da fronteira agrcola por meio das licitaes de grandes reas pblicas, com a formao de grandes fazendas financiadas com recursos do Estado. Alm destes projetos incentivou, implementou e financiou vrias outras aes estratgicas para a ocupao da regio, a exemplo
da rodovia Transamaznica, da hidreltrica de Tucuru e do Projeto Ferro Carajs.
O outro lado da ocupao da regio Amaznica se deu pela migrao de
um contingente de trabalhadores sem terra, incentivados por uma ampla
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campanha nacional que prometia terra para morada e produo. Com isso,
uma considervel populao pobre migrou para a regio. Entretanto, se
depararam com a concentrao de terras pelos grandes grupos econmicos
e pecuaristas, com a falta de infra-estrutura e de atendimento bsico, desemprego, malria e muitas outras mazelas. Como alternativas de sobrevivncia
e de produo esta populao partiu para a ocupao de terras pblicas ou
de latifndios improdutivos ou para os garimpos. Muitos foram levados para
o interior das grandes fazendas onde foram submetidos ao trabalho escravo.
Atualmente, a situao se agravou com o avano do agronegcio, especialmente o da produo de soja e pecuria de corte. A regio, considerada
a maior fronteira de ocupao agropecuria e extrativista do pas, padece
com a tradicional grilagem de reas pblicas, a ao dos madeireiros e dos
pecuaristas e plantadores de soja que alteram drasticamente a paisagem e a
vida do povo.
A relao entre a expanso da fronteira agrcola e ampliao do agronegcio com a violncia est confirmada por vrios estudos. Como exemplo,
encontram-se as afirmaes presentes no release imprensa elaborado pela
CPT, por ocasio da apresentao do Relatrio de 2005 sobre os Conflitos
no Campo no Brasil, dizendo que "Relacionando o nmero de conflitos e de
violncia com os dados da populao rural, estes nmeros so significativamente maiores nos estados onde mais cresce e se expande o agronegcio,
regies Centro-Oeste e Norte. O Mato Grosso aparece com o maior ndice,
6,71, seguido pelo Par, 5,15, e depois por Gois, 2,92, Tocantins, 2,82,
Mato Grosso do Sul, 1,89, Roraima, 1,70, Rondnia 1,48 e Amap, 0,87."
Alm destes estados, a monocultura, principalmente, da soja, eucalipto e
cana de acar se expande rapidamente sobre o territrio de vrios outros
como, por exemplo, Maranho, Piau e Rio Grande do Sul, com forte presso
dos grandes produtores sobre as populaes tradicionais, acirrando as situaes de violncia e os despejos forados.
c) A impunidade:
A outra grande razo para a violncia no campo no Brasil , sem dvida,
a impunidade. Ela uma importante cmplice da violncia e traz para a cena,
alm da no penalizao dos responsveis pelos crimes, uma situao de
atemorizao da populao e demonstrao de impotncia das autoridades.
Para se ter uma idia da gravidade da situao de impunidade no campo,
basta que se analise os dados registrados pela CPT - Comisso Pastoral da
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Campanha Internacional Contra a Violncia no Campo: instrumento de


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Terra. Durante os ltimos 20 anos foram assassinados mais de 1.385 trabalhadores rurais, lideranas e ativistas ligados aos movimentos sociais de luta
pela terra e pela reforma agrria no Brasil. Destes casos, somente 77 foram
julgados, com a condenao de apenas 15 mandantes e 65 executores. 523
destes assassinatos aconteceram no estado do Par e apenas 10 casos foram
a julgamento, com a condenao de 5 mandantes e 8 executores. Mesmo
assim, todos os executores condenados fugiram da cadeia. Trs fazendeiros
condenados como mandantes de assassinatos de sindicalistas esto em liberdade-um cumpre sua pena em priso domiciliar e os outros dois aguardam
julgamento de recursos em liberdade h dois anos-, devido parcialidade e
morosidade da Justia.
O massacre de Eldorado de Carajs-onde 17 trabalhadores sem terra
foram assassinados pela polcia- um exemplo de como a Justia age no
tratamento dos crimes contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Nenhum dos 144 soldados envolvidos no caso foi punido. Os dois comandantes responsveis pela operao, coronel Mrio Colares Pantoja e major
Jos Maria Pereira de Oliveira, apesar de condenados a 264 anos pelo jri
popular, aguardam em liberdade o julgamento de recursos no Superior
Tribunal de Justia
Outro caso emblemtico da impunidade o do assassinato de Margarida
Maria Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa
Grande, no Estado do Paraba. Ela foi assassinada por defender os direitos
dos trabalhadores e trabalhadoras das plantaes de cana de acar da
regio. Aps mais de 20 anos, com o julgamento adiado por 06 vezes, o tribunal absolveu o fazendeiro Zito Buarque, acusado pelo assassinato.
Ainda como reflexo da situao de impunidade, existem atualmente 266
pessoas ameaadas de morte, segundo dados parciais da CPT. So trabalhadores rurais sem terra, acampados, assentados e agricultores familiares,
dirigentes sindicais, funcionrios pblicos, agentes pastorais, religiosos,
ndios, quilombolas, entre outros. No estado do Par, h uma "Lista dos marcados para morrer", elaborada pelos fazendeiros da regio, na qual constam
nomes de dirigentes sindicais, polticos e lideranas locais que devem ser
eliminados pelos jagunos. O mais triste que, apesar das inmeras denncias feitas s autoridades municipais, estaduais e federais, as ameaas so
cumpridas e a lista, s no diminui porque no lugar dos assassinados, novas
vtimas em potencial so includas na relao, sem que os culpados sejam
punidos pelos seus crimes.
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2. As Principais Caractersticas Da Violncia No Campo:


a) A violncia seletiva: Apesar da violncia dos latifundirios vitimar qualquer um que se oponha a seus interesses, ela atinge, principalmente, as pessoas que tenham poder de influncia e de formao de opinio sobre as
comunidades. Por isso, dizemos que ela seletiva, pois suas principais vtimas
so os dirigentes sindicais, lideranas sociais, agentes pastorais e comunitrios, religiosos, parlamentares, advogados, etc.
importante destacar que a organizao para os crimes envolve uma
tabela de preos para as vtimas. Quanto mais influente for a liderana a ser
eliminada, mais alto o valor a ser pago pelo seu assassinato, mesmo que
estes sejam irrisrios.
b) A violncia Institucional: Uma outra caracterstica da violncia no
campo a sua institucionalidade. Quase sempre, as aes de represso s
lutas que geram as agresses e desrespeito aos direitos humanos so
apoiadas pelos organismos do Estado, em especial os rgos de segurana
pblica. A interpretao das leis e as determinaes do poder judicirio, colocando o direito propriedade acima do direito vida e sobrevivncia, na
maioria das vezes, corrobora e sustenta as aes dos demais poderes, que
no exitam em colocar o aparato pblico a favor dos latifundirios e contra
os trabalhadores e trabalhadoras rurais. Para exemplificar, registra-se que em
2005 mais 25 mil famlias de sem terra foram vtimas de despejos, em operaes quase sempre ordenadas pelo Poder Judicirio e executadas violentamente pela polcia militar. Estas famlias se somam s mais de 70 mil outras,
tambm despejadas nas mesmas condies nos anos de 2003 e 2004.
A relao tendenciosa existente entre autoridades pblicas e os latifundirios gera uma escandalosa desigualdade no tratamento dos fatos e denncias decorrentes da violncia contra trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Enquanto os pistoleiros e mandantes dificilmente tm seus crimes apurados e
gozam da impunidade, h impressionante agilidade, eficincia e dispndio de
recursos humanos e financeiros para condenar, prender ou despejar trabalhadores que lutam pelo direito terra.
c) A violncia organizada: Apesar da ocorrncia de fatos isolados, a violncia no campo est ligada s organizaes formais ou informais dos latifundirios.
So criados consrcios, associaes, unio de ruralistas, etc., como formas de
se estabelecer "redes" de financiamento para os assassinatos e de proteo para
as propriedades rurais contra a ao dos trabalhadores e trabalhadoras rurais,
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especialmente os sem terra. Estas organizaes se valem da contratao e


manuteno de milcias privadas e de advogados e promovem a compra de
armas, dentre outras aes ilegais. comum, tambm, a criao de "empresas
de seguranas", que na verdade so empresas de fachada para dar um carter
de legalidade contratao de pistoleiros para as fazendas.
d) A violncia generalizada: Apesar de se destacar, principalmente no
estado do Par, a violncia no campo est presente em todos os estados do
Pas. Mesmo que no se registrem assassinatos, a forma mais divulgada de
violncia, os trabalhadores e trabalhadoras rurais sofrem permanentemente
com os despejos, ameaas, prises ilegais, exposio aos agrotxicos, trabalho escravo, superexplorao do trabalho, dentre outras. Este fato nega, inclusive, o discurso de muitos fazendeiros, intelectuais, parlamentares e seus
aliados, que alegam que s os atrasados latifundirios dos rinces do pas
permanecem com prticas violentas, no aceitas pela maioria dos modernos
empregadores rurais e dos defensores do agronegcio. A existncia de trabalho escravo no Rio Grande do Sul, inclusive com a utilizao de crianas e a
morte, por excesso de trabalho, de 13 trabalhadores cortadores de cana nas
usinas de acar e lcool do estado de So Paulo, so exemplos que demonstram esta generalidade e que caracteriza, enquanto classe, os exploradores e
violadores dos direitos humanos no campo.
3. O Trabalho Escravo
Uma das formas cruis, graves e persistentes de violao dos direitos
humanos diz respeito existncia do trabalho escravo. Muitos trabalhadores
rurais, oriundos de vrios estados do Brasil, principalmente dos estados do
Maranho, Tocantins, Piau e Par, so levados para o interior de fazendas,
na maioria das vezes para fazer servio de derrubada de florestas para abertura de novas fazendas, manuteno de pastos e construo de cercas.
Tentando fugir das responsabilidades trabalhistas, os fazendeiros utilizam-se
dos "gatos", que so representantes dos fazendeiros para contratao de trabalhadores para os servios de empreitadas nas fazendas. Estas contrataes
quase sempre acontecem em estados diferentes do local do servio, para
onde se dirigem os gatos em busca de pessoas desempregadas ou em situao de vulnerabilidades, sujeitas mais facilmente s falsas promessas de vantagens econmicas e trabalhistas que apresentam. Levados para reas
geograficamente isoladas, os trabalhadores j saem endividados pelo pagamento da hospedagem e de algum dinheiro deixado para seus familiares pelo
gato. Esta dvida se avoluma com o tempo, pelas compras nas cantinas ou
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barraces mantidos pelos mesmos gatos e so umas das razes para impedirem a sada dos trabalhadores dos locais de trabalho. Alm destas dvidas
foradas, o isolamento e a vigilncia armada de pistoleiros transformam milhares de trabalhadores em escravos. Se tentarem fugir, so torturados e, em
muitos casos, assassinados.

arrastam h muitos anos, com forte resistncia da bancada ruralista, que tem
se valido de vrias manobras para impedir a votao. E, como se trata de
uma PEC, a aprovao depende da maioria dos votos dos parlamentares, o
que torna mais difcil a concluso do processo, dado ao expressivo nmero
de parlamentares com perfil conservador e contrrio aos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras.

O nmero real de trabalhadores submetidos escravido no conhecido, pois s possvel o registro daqueles que obtm sucesso na fuga e conseguem oferecer denncia. Estima-se que o trabalho escravo atinge cerca de
25 mil trabalhadores de forma mais ou menos permanente no Brasil. Em
2005, o Grupo Especial de Fiscalizao Mvel do MTE - Ministrio do
Trabalho e Emprego, realizou 81 operaes de combate ao trabalho escravo,
com fiscalizao em 183 fazendas e a libertao de 4.585 trabalhadores.
A maior incidncia do trabalho escravo est nos estados onde h uma forte
expanso da fronteira agrcola sobre a floresta nativa. Esta realidade confirmada pelas operaes realizadas pelo Grupo Especial Mvel de Fiscalizao, que promoveu a libertao de trabalhadores principalmente nestas reas
dos Estados do Par, Mato Grosso, Tocantins, Bahia e Gois. O Par foi o
Estado com o maior nmero de trabalhadores libertos, 1.128 ao todo.
A ao do trabalho do Grupo Especial Mvel de Fiscalizao tem, tambm,
sofrido com a violncia dos fazendeiros. Os exemplos mais marcantes desta
violncia so os assassinatos dos auditores fiscais do trabalho em Una - MG,
ocorrido em 28 de janeiro de 2004 e o ataque a tiros sofrido por um grupo
de fiscalizao no dia 08 de fevereiro de 2006, em uma fazenda no municpio de Nova Lacerda, Mato Grosso.
Apesar de ainda insuficientes e distantes da promessa do governo de
erradicar o trabalho escravo, as aes pblicas de combate ao trabalho
escravo comearam a surtir alguns resultados, com prises temporrias de
fazendeiros; condenaes pecunirias pela justia do trabalho; publicao da
"lista suja" de fazendas flagradas com prtica de trabalho escravo, as quais
sero proibidas de receber financiamento pblico. Entretanto, a impunidade
em relao aos infratores ainda a regra geral. Alm da punio, o esforo
do governo deve se voltar para a implementao de polticas pblicas
amplas, em especial a reforma agrria.
Encontra-se tramitando na Cmara dos Deputados uma Proposta de
Emenda Constituio- PEC - 438-A/2001, que prev o confisco de terras
onde for encontrado trabalho escravo. As negociaes no Congresso se
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4. Principais Reivindicaes:
O Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais - MSTTR,
coordenado pela CONTAG, com a execuo da Campanha Internacional
Contra a Violncia no Campo, tem reforado suas reivindicaes pela implementao de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentvel e
Solidrio para o Brasil. Para tanto, fundamental que seja implementada a
Reforma Agrria ampla e massiva e asseguradas as condies para a ampliao e o fortalecimento da agricultura familiar. Como medida de urgncia, exigimos as medidas abaixo, fundamentais para que se construa uma situao
de paz e dignidade no campo:
Cumprimento de todas as metas do PNRA, assegurando o
assentamento imediato e com qualidade de todas as famlias
assentadas;
Colocar em pauta e aprovar imediatamente a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) n 438, de 2001, que altera o
artigo 243 da CF e pune a prtica do trabalho escravo;
Publicar imediatamente a Portaria Interministerial de atualizao dos ndices de produtividade agropecuria
Concluir com rapidez os inquritos de todos os processos judiciais
pendentes, assegurando o julgamento e a priso de todos os culpados pela violncia cometidas contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais defensores dos direitos humanos no Brasil.
Tomar medidas efetivas para impedir os despejos ilegais e
arbitrrios;
Promover a retomada das terras pblicas griladas, destinando-as aos projetos de assentamento;
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Qualificar os procedimentos e ampliar os recursos para a


erradicao do trabalho escravo e a manuteno do Cadastro
de Empregadores, conhecido como "Lista Suja";

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administrativos para assegurar a agilidade e eficincia das aes. S com a


democratizao da terra ser possvel democratizar o poder e por um fim
truculncia, intolerncia e ganncia dos latifundirios que colocam o direito
terra acima do direito vida e cidadania.

Revogar os planos irregulares de manejo florestal.


Constituir um grupo interministerial (Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio, Meio Ambiente, Justia, Integrao
Nacional, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministrio
da Defesa, Ouvidoria Agrria Nacional e Polcia Federal) para
atuar nos estados, intervindo nas diversas faces do problema
agrrio e ambiental no pas, especialmente no Estado do Par,
ampliando recursos e efetivo policial para proceder s prises,
atuar na investigao dos crimes, na fiscalizao ambiental e de
violao de direitos humanos, dentre outras aes;
Proceder a classificao dos imveis (geo-referenciamento),
especialmente da regio norte, garantindo a discriminao e
arrecadao de terras griladas e de todas as terras pblicas,
destinando-as ao programa federal de reforma agrria;
Adotar medidas urgentes para proteger todos os defensores e
defensoras de direitos humanos com risco de morte, especialmente
os listados como "marcados para morrer" no Estado do Par.
Desmantelar as redes criminosas e reprimir as milcias particulares, muitas mascaradas pela fachada de "empresas de seguranas".
Reviso, pelos Tribunais de Justia, dos critrios para a emisso, por juzes, de medidas liminares determinando desocupaes foradas, determinando a oitiva do Ministrio Pblico e
organizaes da sociedade civil que conhecem os problemas
agrrios regionais.
Concluso
A principal exigncia para se conter a violao aos direitos humanos no
campo a realizao de uma Reforma Agrria ampla e massiva. Esta poltica precisa ser, efetivamente, uma ao prioritria do governo, garantindo
recursos humanos e financeiros e qualificando a legislao e os instrumentos
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preciso que, de imediato, sejam tomadas medidas efetivas como a concluso dos processos de desapropriao, o impedimento dos despejos ilegais
e arbitrrios, a retomada das terras pblicas invadidas por grileiros destinando-as aos projetos de assentamento, a ampliao dos recursos para a erradicao do trabalho escravo e a manuteno do Cadastro de Empregadores,
conhecido como "Lista Suja", alm da suspenso dos planos irregulares de
manejo florestal. Tambm indispensvel que o Congresso Nacional cumpra
o artigo 51 das Disposies Constitucionais Transitrias determinando a reviso das doaes, vendas e concesses de terras pblicas no pas e que coloque em pauta para aprovao imediata a proposta de Emenda Constitucional
que confisca as terras onde se explora o trabalho escravo.
A soluo dos problemas e da violncia contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais exige aes permanentes dos Governos, pela realizao da
Reforma Agrria e contra a impunidade e o crime organizado. Devem envolver as instituies do Estado, as polcias, os governos estaduais e o judicirio contra todos aqueles que insistem em desafiar e enfrentar as leis, o Estado de direito e as autoridades constitudas.
urgente que o poder judicirio priorize o julgamento dos crimes contra os
trabalhadores e trabalhadoras rurais e de outras lideranas no campo. Para
por um fim impunidade fundamental concluir com rapidez os inquritos
de todos os casos pendentes, levar a julgamento e manter presos todos os
culpados pelas atrocidades cometidas contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o Brasil.
Sabemos que, mesmo com estas medidas, ainda ser necessrio um grande
esforo para erradicar a violncia no campo no Brasil. Mas acreditamos, tambm, que s a luta ser capaz de alterar os padres atuais de violao de
direitos e de impunidade. Neste sentido, esta campanha internacional contra
a violncia no Campo pretende ser mais um importante instrumento nesta
luta. Esperamos que ela tenha ampla adeso e parcerias com organizaes,
movimentos e personalidades que, assim como ns, acreditam e lutam por
um Brasil Sustentvel e Solidrio, com Reforma Agrria e paz.

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A morte ronda os
canaviais paulistas
Maria Aparecida de Moraes Silva*

Menina-criana, rf da cana, cujo pai lhe prometera uma bicicleta no


final da safra de 2005. Ele morreu antes. Ela, todavia, no entendeu o
significado da morte. Continuou sonhando e esperando a volta do pai
(que fora para o cu, segundo sua me), para lhe mostrar que havia
aprendido a pedalar.
Mulheres quebradeiras-de-coco que, na terra dos babaus, cantam ao
ritmo do som da casca quebrada;
Mulheres quebradeiras-de-coco que, na terra dos canaviais paulistas,
desfiam sonhos, sentadas nos corredores feios das penses das cidadesdormitrios, enquanto seus maridos trabalham no corte da cana.
Mulheres rendeiras, mulheres tecels nas terras do Vale do Jequitinhonha,
fiando o algodo, tecendo cobertas e sonhos, enquanto cantam e esperam os maridos que partiram;
Homens maranhenses que sonham com bons, culos escuros, motos e
tambm em construir casa de alvenaria, deixando de lado, a choa de
adobe, coberta de folhas de babau;
Crianas de Timbiras/MA, cidade onde a data do dia dos pais foi retirada do calendrio escolar, em razo da migrao;
Meninos do Vale que sonham em vir para So Paulo, quando inteirarem
idade;
Homens dos canaviais paulistas, enegrecidos pela fuligem da cana, cujo
carvo penetra corpos e almas, tingindo seus olhares de profunda tristeza.
Mulher, menina-criana, menino, homem, todos movidos pela mesma
engrenagem; todos movidos pelos mesmos sonhos e pelas mesmas buscas, pela esperana mida de serem algum neste mundo.
Este texto dedicado a vocs.

Desde o sculo passado, a macro-regio de Ribeiro Preto conhecida


como uma das mais desenvolvidas do pas. Primeiramente, o caf foi o
responsvel pela produo de enormes riquezas. No incio dos anos de
1960, surgem as usinas de cana-de-acar e lcool, cuja expanso da produo, ao longo destas ltimas dcadas, coloca esta regio (alm de outras)
* livre-docente da UNESP; pesquisadora visitante da USP e pesquisadora do CNPq

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Ensaios e Debates

A morte ronda os canaviais paulistas

no mais alto ranking da economia brasileira, sem contar a capacidade de


competio adquirida no mercado externo, algo comprovado pelas recentes
conquistas na OMC, por meio das futuras vendas de acar para os pases
da Unio Europia. Ademais, nesses ltimos meses, o etanol ( lcool) tem
sido visto como a alternativa para a soluo dos problemas energticos futuros em razo do esgotamento das reservas petrolferas mundiais. Grandes
empresas como Microsoft e Google j se mostraram interessadas em investir
neste negcio, que coloca o Brasil como um dos mais competitivos do
mundo. Segundo a UNICA (Unio dos Canavieiros do estado de So Paulo),
neste ano de 2006 sero instaladas mais 19 usinas e destilarias em todo o
estado, o que corresponder ocupao de milhares de hectares em cana.

fuligem da cana queimada so: o carbnico, os nitrosos ( sobretudo o monxido e o dixido de nitrognio), e os sulforosos (como o monxido e o dixido
de enxofre). Alguns desses gases vo para a atmosfera e podem reagir com a
gua, gerando cidos nitrosos e sulforosos que, com grande acumulao,
podem gerar chuva cida, prejudicial ao meio ambiente. Alm desses gases,
h a formao de vrios hidrocarbonetos ou aromticos contendo benzeno e
similares, muito prejudiciais sade. (Zampernini, 1997; Allen et al., 2004;
Rocha &Franco, 2003; Oppenheimer et al., 2004).

Por sua vez, a maior processadora mundial de acar - a COSAN S. A.


Indstria e Comrcio - investir US$ 400 milhes no setor sucroalcooleiro nos
prximos anos, atingindo a cifra gigantesca de moagem de 50 milhes de
toneladas de cana por ano! Esta empresa, que rene capital nacional e
estrangeiro, obteve altos lucros em 2005, em virtude da subida de suas aes
no mercado financeiro em torno de 132%. (Folha de S. Paulo, Dinheiro, B10,
24 de maro de 2006).
Para o viajante que percorre as rodovias paulistas, aps a cidade de
Campinas, indo em qualquer direo, a impresso que ter que estar no
meio de um gigantesco canavial. A histria objetivada desta regio - caracterizada pelas marcas das antigas fazendas de caf, das moradias dos colonos e
sitiantes, do multicolorido de plantaes de milho, algodo, amendoim, feijo,
alm de pastagens, das estradas vicinais, das reservas de matas, de pequenos
crregos - est em vias de desaparecimento, cedendo lugar ao monocromtico dos canaviais, exceto as reas ocupadas pelos laranjais. Durante os meses
de abril a novembro, at mesmo o firmamento aparece enegrecido pelas
gigantescas nuvens de fumaa, advindas das queimadas da cana, prtica predatria ao meio ambiente e sade das populaes rurais e urbanas que a
vivem. Segundo recente reportagem, os focos de queimada aumentam em
mais de 1000%durante a safra na regio de Ribeiro Preto.Este fato provoca
vrios danos sade das pessoas da cidade1, sem contar que h o crescimento de at 50% no nmero de pacientes com problemas respiratrios (Folha de
S. Paulo, Folha Ribeiro, C1, 28 de maro de 2006). Os gases expelidos pela
1 - Em recente declarao durante a realizao da Audincia Pblica, realizada em Ribeiro Preto em 22 de
maro de 2005, um vereador de Araraquara afirmou que, durante o perodo da safra, os gastos da Secretaria
de Sade aumentam em R$ 500 mil ao ms, em virtude dos problemas das doenas respiratrias que atingem,
principalmente, as crianas e idosos. Em 2003, houve 3885 pedidos de queimada encaminhados a Cetesb,
na regio de Ribeiro Preto. Em 2006, este nmero passou para 4585, o que representa no o fim progressivo das queimadas, mas seu aumento (Folha de S. Paulo, Folha Ribeiro, C3, 11/04/06).

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Apesar de inmeras denncias, inclusive do Ministrio Pblico, as queimadas


continuam, amparadas na Lei Estadual N. 11.241/2002, contrariando lei anterior, que previa o fim desta prtica predatria do meio ambiente e da sade das
pessoas, que estabeleceu um percentual crescente de eliminao da queimada
de cana do primeiro ao vigsimo ano, para reas mecanizveis. Para aquelas
no mecanizveis, com declividade superior a 12% e rea me-nor de 150 hectares, o prazo final para a eliminao da queima o ano de 2031. Segundo
esta lei, a rea mecanizvel dessa regio deveria estar em torno de 30%.
Nos ltimos anos, a riqueza, advinda do agronegcio do acar e lcool
vem sendo exposta nas vitrines das agrishows, feiras realizadas em Ribeiro
Preto com o intuito de revelar o Brasil moderno, avanado tecnologicamente
e cuja agricultura movida to-somente por mquinas. No entanto, h uma
outra realidade situada atrs do palco deste show. Um mundo invisvel,
escondido no meio dos canaviais e laranjais que compem a gigantesca produo desta regio: o trabalho e os trabalhadores.
O objetivo deste texto dar visibilidade s condies de trabalho impostas
pelas usinas, cujos resultados tm sido o enorme desgaste fsico, responsvel
por 13 mortes no perodo de 2004-2005, sem contar a legio de verdadeiros
mutilados, aps 10 ou 15 anos de trabalho.
OS

TRABALHADORES DOS CANAVIAIS PAULISTAS

Grande parte destes trabalhadores proveniente das reas mais


pobres do pas: nordeste e Vale do Jequitinhonha/MG. Segundo estimativas
do Pastoral do Migrante, so em nmero de 50 mil migrantes nesta regio,
enquanto para o conjunto do estado ultrapassam a casa dos 200 mil. Na sua
maioria so jovens, que se deslocam todos os anos a partir do ms de maro
e aqui permanecem em alojamentos construdos pelas usinas ou nas penses
das cidades-dormitrios, at o incio do ms de dezembro. So os chamados
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

A morte ronda os canaviais paulistas

migrantes temporrios, embora esta migrao seja permanentemente temporria, pois esta situao existe desde o incio da dcada de 1960 (Silva,
1999). A partir do ano 2000, no entanto, assiste-se ao processo de mudana
da cartografia migratria. Muitos dos migrantes atuais so provenientes do
Maranho e Piau, estados que, no passado, tinham pouca participao neste
processo. Uma das explicaes dada para a mudana da cartografia
migratria reside no fato de que houve uma enorme intensificao do ritmo
do trabalho, traduzida em termos da mdia de cana cortada, em torno de 12
toneladas dirias. Este fato est diretamente relacionado capacidade fsica,
portanto, idade, na medida em que acima de trinta anos de idade, os trabalhadores j encontram mais dificuldades para serem empregados. Desta
sorte, a vinda destes outros migrantes cumpre a funo de repor, por meio do
fornecimento de maior fora de trabalho, o consumo exigido pelos capitais
cuja composio orgnica maior.

O relatrio de recente pesquisa da Pastoral do Migrante, em parceria com


a Comisso Pastoral da Terra do Estado do Piau, obteve informaes de 367
domiclios familiares de trabalhadores que saem para trabalhar em outros
estados, nos municpios considerados como os que possuem os maiores
ndices de trabalhadores migrantes: Barras, Miguel, So Raimundo Nonato,
Unio Esperantina e Uruu. Das famlias entrevistadas (74,1%) so formadas
por 5 membros ou mais; 82,7% dos membros das famlias realizam trabalhos
nas atividades agrcolas.

Por outro lado, muitos desses migrantes so camponeses com terra,


enquanto outros so rendeiros e outros j vivem nas periferias das cidades,
na condio de proletrios A mudana da cartografia migratria para os
canaviais paulistas, por meio da presena de maranhenses e piauienses vem
ocorrendo em razo do avano do agronegcio da sojicultura e pecuria,
responsveis pelo processo de expropriao do campesinato dessa regio, de
um lado, e, do outro, do sucroalcooleiro paulista, demandante de grandes
contingentes de fora de trabalho. Esta migrao essencialmente masculina. Enquanto os homens partem, as mulheres ficam. Elas cuidam da roa ou
se empregam enquanto quebradeiras de coco. Algumas delas partem com os
maridos, e, s vezes, at com os filhos, para lhes preparar a comida e lavar
suas roupas. Nas periferias das cidades-dormitrios paulistas vivem em
minsculos quartos alugados nos fundos-de-quintais, de onde geralmente
saem, espera dos maridos que trabalham no corte da cana (Vetorassi,
2006; Silva et al., 2006).

A renda familiar dos entrevistados segundo essa fonte : 71,8% dos entrevistados obtm com o trabalho realizado na prpria regio declaram que a
renda da famlia no atinge um salrio mnimo e das famlias que declaram
renda maior que um salrio, e 86,9% possuem aposentados entre seus membros. Estes dados revelam que 93% dos que saem para trabalhar so homens que se distribuem nas diferentes faixas etrias, sendo que 65,3% se concentram na faixa entre 18 e 35 anos, idade em que o trabalhador possui
maior fora fsica para trabalhos pesados. Os nveis de escolaridade so
baixos: 16% so analfabetos e 45% no atingiram sequer a quarta srie do
ensino fundamental.
Em torno de 40% das famlias tm pelo menos duas pessoas que viajam
todos os anos para trabalhar fora; em 90,8% dos deslocamentos a migrao
no definitiva: os trabalhadores vo e voltam demorando entre cinco a sete
meses e mais da metade constituda de chefes de famlia; 76,6% dos trabalhadores saram mais do que duas vezes para trabalharem nos ltimos 5
anos. Apenas 11,5% dispem de dinheiro para viajar, 56,6% pedem dinheiro
emprestado para familiares ou amigos e 31,9% recebem adiantamento do
gato. A dvida contrada com o gato pode representar o incio da submisso
escravido ou ao trabalho degradante, segundo esse levantamento.
Quanto maneira de aliciamento desses trabalhadores, o relatrio aponta:

Defende-se aqui a tese de que os altos ndices de explorao nos canaviais


paulistas, resultando nas 13 mortes de trabalhadores no perodo de 20042005, so assentados no processo migratrio, cuja anlise ser aprofundada
mais adiante. Para isso, sero apresentados alguns dados de investigaes
nas regies de origem desses migrantes, a fim de se aprofundar a concreticidade das relaes de trabalho existentes, sob a tica do sujeito do trabalho,
enquanto dotado de fora, de energia para o trabalho pesado e tambm
enquanto sujeito portador de valores culturais associados viso de mundo
campons da realidade social de origem.
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114

(...)15,6% dos trabalhadores saem ss quando vo trabalhar


em outro local; 48,4% migram em pequenos grupos com parentes ou colegas e 56,0% saem em grupos grandes que so
aliciados por gatos. O primeiro contato do gato feito nos lugarejos, geralmente nos bares "boteco", entre um gole e outro
de cachaa, ou com alto falante em cima do carro at o anncio nas rdios locais. Prometendo bons salrios, que variam
entre R$ 800.00 e R$ 1.200.00 por ms, alojamentos bons com
comida, lavadeira de roupa de graa e que no final da safra a
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Ensaios e Debates

A morte ronda os canaviais paulistas

usina dar o seguro desemprego. O segundo passo o transporte que, na maioria das vezes, feito por empresas clandestinas, que na sada, o "gato" oferece ao trabalhador, cachaa,
muitas mulheres em volta do nibus e outras coisas e partem do
municpio geralmente de madrugada, utilizam as estradas vicinais ou at estradas de terra, no trafegando pelas BRs, devido
a fiscalizao da Policia Rodoviria Federal. (Comisso Estadual
de Preveno e Combate ao Trabalho Escravo (CPTE); CPT/PI;
PETAG/PI - PASTARAL DO MIGRANTE/PI e DRT/PI. APOIO:
OIT-Brasil.

destacando-se, nesse caso, o municpio de Campestre do Maranho, no qual


se localiza uma usina de produo de lcool, a Destilaria Cayman.

Tabela 1
Nmero estimado de trabalhadores
migrantes do MA e PI para S. Paulo

Tabela 2

Safras

Nmero estimado de Trabalhadores


Imigrantes dos Estados do MA e PI

Diferena

2000/2001
2001/2002
2002/2003
2003/2004
2004/2005
2005/2006

100
300
1.000
3.000
5.000
6.000

------+ 200
+ 700
+ 2.000
+ 2.000
+ 1.000

Fonte: Pastoral do Migrante, rel atrio de atividades, 2005.

Os dados acima revelam um crescimento expressivo do nmero de


migrantes destes dois estados para os canaviais paulistas, no intervalo de
apenas seis anos: 6.000%, ou seja, 60 vezes!
Um outro levantamento recente foi feito no municpio de Timbiras/MA,
onde 54% dos chefes de famlia entrevistados nos bairros perifricos possuam
terras arrendadas, 16% terras prprias e 15% posses. A forma de pagamento no sistema de arrendamento uma saca de arroz em palha para cada
linha de roa, que corresponde a 0,3ha de terra (Carneiro, 2005).
Das 114 famlias entrevistas, 71 (63%) possuem algum membro trabalhando fora do municpio de Timbiras. Os locais de destino desses trabalhadores
so bastante variados, mas, concentram-se principalmente nos estados de
Gois (31,18%), So Paulo (30%) e Par (6,45%). O deslocamento para outras regies no interior do estado do Maranho (19,35%) foi tambm citado,
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Quanto ao trabalho realizado nas regies de destino, a ocupao mais


mencionada foi a da cana-de-acar, com 54% das respostas, com menor
importncia apareceram as atividades da construo civil e do trabalho domstico. No que tange faixa etria, situao civil e ao sexo dos migrantes,
60,78% possuem entre 20-29 anos, 54,36% so casados (ou esto juntos) e
83,65% so do sexo masculino.Este dado confirma a situao levantada no
Piau, na qual os trabalhadores migrantes so muito jovens, so do sexo masculino e so dotados de fora para o trabalho duro requerido pelas usinas
sucroalcooleiras.

Distribuio dos trabalhadores


que migraram segundo a faixa etria .
Faixa Etria
15 a 19 anos
20 a 24 anos
25 a 29 anos
30 a 34 anos
35 a 39 anos
40 a 44 anos
45 a 49 anos
50 a 54 anos
Total

N
6
34
28
11
15
3
3
2
102

Em %
4,6
26,3
21,7
8,52
11,62
2,3
2,3
1,5
100 %

Fonte: Carneiro (2005, p.3).

Segundo ainda esse autor, a maioria, cerca de 45,06%, informou que o


processo de migrao ocorreu atravs do contato com familiares e amigos.
Somente 8,5% informaram terem sido mobilizados atravs de gatos (ou empreiteiros), enquanto 35,21% responderam que viajaram por conta prpria.
No que concerne forma de deslocamento, os dados coligidos revelam:
cerca de 40% dos trabalhadores viajaram em nibus clandestinos; 19,7% viajaram em nibus ditos de "empresa" e de "turismo" e somente 28,16% informaram que o deslocamento foi realizado em nibus de linha.
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A morte ronda os canaviais paulistas

Quanto ao quesito da ocupao, 53,5% dos entrevistados responderam


que o chefe da famlia tem por ocupao principal a agricultura, enquanto
20% sobrevivem principalmente com os rendimentos oriundos da aposentadoria rural. Do total dos ocupados na agricultura, 54% dos entrevistados trabalham em terras arrendadas, 16,4% em terras prprias e 15% em posses. A
forma de pagamento pelo arrendamento corresponde a um saco de 60 kg de
arroz (em palha) por cada linha de roa plantada, ou seja 0,33 hectares.

mil pessoas migraram definitivamente desta regio. A grande maioria dos que
ficaram engrossou as fileiras dos migrantes temporrios, principalmente para
a regio de Ribeiro Preto/SP, para o trabalho assalariado do corte da cana
e da colheita do caf (Silva, 1999).

Quanto ao tempo de moradia, na periferia de Timbiras, esta pesquisa revela


que, para 20,2% das famlias entrevistadas, o tempo de residncia na moradia
atual entre 0 a 2 anos; para 12,3% de 3 a 5 anos, para 22,8% de 6 a 10
anos, enquanto 42,1% responderam estar l residindo h mais de 10 anos.
Baseando-se em dados do IBGE, sobre a estrutura agrria do municpio, o
autor conclui que o processo de expropriao do campesinato maranhense
tem ocorrido graas ao de grandes empresas, com apoio da SUDENE,
SUDAM e fundos setoriais como o FISET, responsveis pelo incremento do reflorestamento e pela reduo incessante da rea da produo camponesa,
que, apesar de representarem em torno de 92% do nmero de estabelecimentos com at 50 hectares, ocupam apenas 6,8% da rea total. Este fato contribui para o empobrecimento dos membros da famlia camponesa, obrigando-os a migrarem em busca de meios de sobrevivncia. No municpio de Timbiras, 44,7% das famlias entrevistadas so assistidas pelos recursos dos programas do governo federal, como Bolsa-escola, Bolsa-famlia, PETI e Vale-gs.

Esta populao foi com o passar do tempo, desenvolvendo um modo de


vida bastante peculiar, caracterizado pela apropriao particular das terras
baixas - as veredas e grotas - e a apropriao comum das terras altas - as chapadas. Esta forma de apropriao permitiu a satisfao das necessidades de
sobrevivncia desse campesinato por muito tempo. As moradias eram construdas nas grotas, nas partes baixas, prximas aos crregos, rios ou minas
d'gua. Havia uma unidade entre grotas e chapada. A chapada era de todos,
conforme mostra o depoimento de um campons.

No que tange s outras reas de origem de migrantes, vale a pena citar o


exemplo do Vale do Jequitinhonha/MG. No incio da dcada de 1970,
grandes projetos de reflorestamento de empresas estatais e privadas foram
implantados no Vale do Jequitinhonha, especificamente nas chapadas. A
ao do Estado, por meio dos governos militares, foi decisiva para a efetivao do plantio em torno de quinhentos mil hectares de terras com eucaliptos. Um total de catorze grandes empresas passou a dominar mais de 90%
da rea reflorestada. (Silva, 1989).

A chapada tinha de tudo; tinha madeira, pouca, mas tinha;


tinha vrios pedaos de chapada, mas ningum era dono...
Ningum vendia...A criao gostava muito da chapada. No
tinha cerca na chapada. A chapada servia para tirar a madeira,
para a lenha da casa. Tinha muita fruta... A jaca, o piqui tinha
demais, o jenipapo, tinha uma futinha chamada gabiroba, o
papari, a pitanga... Do piqui, se faz o leo, o leo amarelo,
usado na comida, a gente coloca em cima em cima do prato.
Na chapada no tinha erva brava para o gado no, de tal
modo que o gado podia pastar vontade. A gente no tinha
fora de cuidar da chapada, mas l saa mandiocal... O pessoal era fraco, no podia fechar de arames a chapada. Na chapada havia muito mato pequeno, o angiquinho, ns todos aqui
conhecemos este mato. Agora, tinha uns paus maiores, que era
o pau-terra, o piquizeiro, muita sucupira. Assim o pessoal usava
esta madeira para fazer coisas para casa: banco, mesa,
cadeira, o cati (catre, cama), chiqueiro para porco, curral, olha
senhora, para tudo a chapada servia... (Sr Joaquim, negro, 50
anos) (Silva, 2001, p. 104-105).

A modificao do sistema de apropriao das terras foi feita graas interveno do Estado, com a criao da Rural Minas, que classificou as terras de
chapadas como reas devolutas, isto , desocupadas, e, portanto pblicas.
Este instrumento jurdico foi o meio pelo qual os governos militares lograram
o desmantelamento da unidade grotas-chapadas, e, conseqentemente, do
mundo campons. As terras foram cedidas ou arrendadas s grandes empresas ou vendidas a preos simblicos. Na dcada de 1970, mais de duzentas

Portanto, essas pesquisas revelam que estes trabalhadores so produzidos


pelo processo de expropriao do campesinato em diferentes espaos e
momentos histricos. Esses ltimos durante a fase da ditadura militar, e os
primeiros em decorrncia da expanso do agronegcio nos cerrados
brasileiros, por meio da plantao de soja e extensas reas de reflorestamento de eucalipto. As pequenas roas de feijo, arroz, milho e mandioca desaparecem para ceder espaos a essas culturas, enquanto seus antigos donos

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118

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119

so expulsos, passando a residir nas periferias urbanas da regio. Os dados


do relatrio da Pastoral do Migrante em recente visita ao Maranho e Piau
confirma o processo de expropriao do campesinato e sua transformao
em proletrios.

Ensaios e Debates

prprio municpio milhares de pessoas. Duas emissoras de


rdio locais cederam espaos muito significativos para entrevistas conosco em programas de grande audincia e alcance
regional, inclusive Estados vizinhos.

A morte ronda os canaviais paulistas

SERTO PIAUIENSE

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Vimos uma realidade muito carente e sofrida de um povo forado a acostumar-se e a saber conviver com longas e freqentes
estiagens. Reunimo-nos durante uma manh chuvosa com o
bispo diocesano e diversos agentes pastorais locais, representantes de comunidades, sindicatos e associaes da regio. Em
companhia de Dom Pedro, que muito amigavelmente nos acolheu e hospedou em sua residncia, visitamos comunidades no
interior dos municpios de So Raimundo Nonato e So Braz,
onde nos encontramos com um grande nmero de trabalhadores j prestes a tomar o rumo de costume, ou seja, regies
distantes pelo pas a fora onde h trabalho e ganho para ao
menos minorar a situao de carncia de suas famlias.
A seca o fenmeno que no explica totalmente a razo desse
xodo anual de piauienses em direo s frentes de oportunidades de trabalho temporrio localizadas em algumas privilegiadas zonas geogrficas do pas; a falta de polticas pblicas
constitui-se num entrave que impede um convvio satisfatrio do
povo nordestino com o semi-rido, forando-o a sair. Em So
Raimundo Nonato, tambm fomos convidados a manter uma
longa entrevista num programa noticioso de rdio igualmente
de audincia e alcance muito significativos. Ouvimos relatos de
atividades de uma Igreja igualmente comprometida e empenhada com a realidade carente e sofrida de seu povo; as pastorais
sociais da diocese desempenham um papel muito relevante na
formao, informao e organizao do povo das comunidades
interioranas; os recursos humanos e materiais oferecidos pela
Igreja diocesana atravs da Critas local em favor da campanha existente no Nordeste brasileiro pela construo de cisternas domiciliares para coletar gua da chuva, um dos grandes exemplos que visibilizam e ao mesmo tempo tornam a Igreja
um sinal de Cristo amoroso e misericordioso para com seu povo (Relatrio Pastoral do Migrante, Guariba, maro de 2006).

120

H um crescimento populacional recente de muitas cidades


maranhenses devido emigrao de famlias do meio rural,
enxotadas pelo contexto agressivo da concentrao fundiria; a
pobreza extrema levou-as a buscarem abrigo nas cercanias
urbanas onde construram suas habitaes de adobe cobertas
de palha de babau ou construdas totalmente com materiais
dessa palmeira muito comum naquele Estado. Tais migrantes h
muitos anos moravam e sobreviviam em pequenos arrendamentos de terra localizados em reas pertencentes a latifundirios,
mas alteraes das polticas de interesses por parte desses
grandes proprietrios expropriaram compulsoriamente o sonho
dessas famlias de continuar arrendando seu pequeno roado
(cerca de 1/3 de um alqueire paulista de 24 mil metros quadrados) apenas a fim de plantar, colher e sobreviver; atualmente, a
absoluta falta de alternativas de sobrevivncia local est provocando um xodo massivo de trabalhadores em direo s
regies do pas onde esto instalados os complexos agroindustriais sustentados pela produo da cana de acar, laranja,
caf, dentre outros produtos agrcolas. Num largo ao lado do
terminal rodovirio de Timbiras, acompanhamos o embarque
de migrantes que lotaram 6 nibus clandestinos que partiram
para o interior de So Paulo, Mato Grosso e Gois. Uma semana antes outros 12 nibus tambm clandestinos tomaram os
mesmos rumos, sendo que a maioria tinha como destino a
regio de Ribeiro Preto. Vimos uma Igreja local corajosa, criativa e testemunhal que segue investindo bastante na construo
de uma infra-estrutura em favor da formao, organizao e
promoo humana das comunidades sofridas e enfraquecidas
pela pobreza crnica; as pastorais sociais so instrumentos
encarregados de toda essa dinamicidade eclesial.
Estando em Cod, reunimo-nos com os vereadores da cidade
na Cmara Municipal, ocasio em que pudemos fazer-lhes uma
ampla exposio sobre a realidade migratria que a Pastoral
vem acompanhando h anos. Para surpresa nossa, aqueles parlamentares demonstraram total desinformao a respeito do
fenmeno da emigrao massiva que empurra para longe do
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Ensaios e Debates

Feitas essas consideraes, a proposta seguinte a anlise da ocorrncia


das mortes no contexto da explorao da fora de trabalhadores nus - segundo a expresso marxiana -, desprovidos de suas condies objetivas, impostas
pelas empresas do chamado agronegcio do acar e lcool no interior do
estado de So Paulo.
V IDA

E TRABALHO NO

" INFERNO

VERDE "

Segundo os relatos de trabalhadores, quando migram, em geral, so trazidos pelos gatos, viajam em nibus clandestinos, e, em alguns momentos so
submetidos s condies anlogas s de escravo, segundo denncias da
Promotoria Pblica, do Ministrio do Trabalho e da Pastoral do Migrante, veiculadas pela imprensa local e regional, nacional e at mesmo internacional.
De 2004 a 2005, a Pastoral do Migrante, por meio do agente, Jadir Ribeiro,
registrou 13 mortes, ocorridas supostamente em funo do desgaste excessivo da fora de trabalho. Segundo depoimentos de mdicos, a sudorose,
provocada pela perda de potssio pode conduzir parada cardiorrespiratria. Outros casos se referem ocorrncia provocada por aneurisma, em
funo de rompimento de veias cerebrais. Em alguns lugares, os trabalhadores denominam por birola, a morte provocada pelo excesso de esforo
no trabalho. Para este trabalho, o piso salarial de R$ 410,00, sendo que o
ganho medido pelos nveis de produtividade.
Os nomes dos mortos so os seguintes:
Jos Everaldo Galvo, 38 anos, natural de Araua/MG, falecido em abril
de 2004, no hospital de Macatuba/SP. A causa da morte foi parada cardiorespiratria;
Moiss Alves dos Santos, 33 anos, natural de Araua/MG, falecido no
hospital de Valparaso/SP, devido a uma parada cardiorespiratria;
Em maio de 2004, o trabalhador Manoel Neto Pina, 34 anos, natural de
Caturama/BA, faleceu aps uma parada cardiorespiratria no hospital de
Catanduva/SP.
Lindomar Rodrigues Pinto, 27 anos, natural de Mutans/BA, falecido em
maro de 2005, em Terra Roxa/SP;
Ivanilde Verssimo dos Santos, 33 anos, natural de Cod/MA, teve morte
sbita; trabalhava para a usina So Martinho, faleceu em Pradpolis/SP;
Valdecy de Paiva Lima, 38 anos, natural de Cod/MA, falecido no hospital So Francisco de Ribeiro Preto/SP, em julho de 2005, devido a um acidente cerebral hemorrgico;
Natalino Gomes Sales, 50 anos, natural de Berilo/MG, falecido em agosABRA - REFORMA AGRRIA

122

A morte ronda os canaviais paulistas

to de 2005, por parada cardiorespiratria, num hospital em Batatais/SP;


Domcio Diniz, 55 anos, natural de Santana dos Garrotes/PB, falecido em
setembro de 2005 no trajeto para o hospital em Borborema/SP; teve morte
sbita;
Em 04 de outubro de 2005, faleceu o trabalhador Valdir Alves de Souza,
43 anos; a causa da morte foi enfarte.
Ainda no ms de outubro, dia 21, faleceu o trabalhador Jos Mrio Alves
Gomes, 47 anos, natural de Araua/MG; a causa da morte foi enfarte,
aps cortar 25 toneladas de cana; morava no alojamento Jibia, mantido
pela Usina Santa Helena, do Grupo Cosan., no municpio de Rio das
Pedras/SP.
No dia 21 de novembro faleceu Antnio Ribeiro Lopes, 55 anos, natural
de Berilo/MG, residente h 20 anos em Guariba, durante o trabalho na
usina Engenho Moreno no municpio de Luiz Antnio.
Duas outras mortes esto sendo averiguadas, pois as denncias ocorreram
aps os corpos terem sido enterrados em seus locais de origem, no Vale do
Jequitinhonha/MG.
As notcias dessas mortes ganharam espaos nos principais meios de comunicao locais, regionais e, at mesmo, internacionais2. Estas denncias, inicialmente encaminhadas ao Ministrio Pblico, chamaram a ateno da
Procuradoria Geral da Repblica de So Paulo, da Plataforma DHESC Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econmicos, Sociais e Culturais DHESC Brasil, com apoio institucional do Programa de Voluntrios das Naes
Unidas (UNV/PNUD) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado PGR/MPF - as quais organizaram duas audincias pblicas na cidade de
Ribeiro Preto durante o ms de outubro de 2005, e tambm da Assemblia
Legislativa do Estado de So Paulo, representada pela Comisso de Agricultura
e Pecuria, que se responsabilizou pela organizao da terceira audincia
pblica, na cidade de So Paulo, em dezembro de 2005. No ano de 2006, o
Ministrio Pblico do Trabalho realizou vrias audincias com o intuito de discutir o fim do trabalho por produo e o cumprimento da NR313; houve tambm uma audincia pblica em Ribeiro Preto, chamada pela Comisso dos
Direitos Humanos do Trabalho da Assemblia Legislativa de So Paulo.
2 - Inmeras reportagens forma veiculadas pelas imprensas local e regional, alm de jornais de grande circulao como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, alm de programas televisivos, valendo destacar uma
reportagem de sete minutos no Programa, Fantstico, da Rede Globo, no horrio nobre de domingo noite.
Quanto s notcias veiculadas no exterior, destacam-se: entrevista concedida pela autora desse texto Rdio
Alem, Deutschland radio, Deutsche Welle de Berlim, no ms de maro de 2006, ao jornal francs La Terre,
de Paris, no perodo de 28 de fevereiro a 06 de maro de 2006, na seo, Actualit . As mortes tambm foram
objeto de referncia na Espanha no Boletim Trabajador Azucarero (V. V, N. 11, nov/05).

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Ensaios e Debates

A morte ronda os canaviais paulistas

As mortes so na verdade a ponta do iceberg de um processo gigantesco de


explorao, no qual no somente a fora de trabalho consumida, como tambm a prpria vida do trabalhador. Historicamente, este sistema de explorao
guarda fortes semelhanas aos fatos ocorridos na Inglaterra no incio do sculo XIX, quando nas fbricas e manufaturas, em virtude da extrao da mais
valia absoluta, as jornadas de trabalho se estendiam at 18 horas, levando
muitos operrios morte. Marx (1977), ao analisar estes fatos, afirma que tal
sistema fora estancado em virtude da ao do estado, por meio de uma legislao capaz de conter os apetites vorazes dos capitalistas em busca de lucros
crescentes, a fim de garantir a reproduo da classe trabalhadora.

aumentos dos ndices de criminalidade durante a safra, supostamente, provocados por eles, evitando as possveis fugas dos criminosos. Atitudes como
essa se repetem todos os anos, apesar de protestos de vrios setores da
sociedade civil, sobretudo da Pastoral do Migrante, sediada em Guariba. A
ideologia discriminatria, que camufla o preconceito racial, dado que a
maioria dos migrantes no branca, se estende aos residentes, ex-migrantes
nas cidades dormitrios da regio, tornados verdadeiros "outsiders" (negros,
mineiros, nordestinos) em contraposio aos "estabelecidos" (originrios das
cidades, brancos e descendentes de antigos colonos italianos). (Vetorassi,
2006; Silva, 1999, Silva et al., 2006).

Silva (1999), em estudo sobre trabalhadores e trabalhadoras rurais na regio de Ribeiro Preto, aponta que este fenmeno da explorao sempre esteve associado grande oferta de fora de trabalho, proveniente dessas reas
mais pobres do pas e tambm em razo dos condicionantes histricos que definem estes trabalhadores como desqualificados, desvalorizados, valores que
entram na determinao do valor do preo da fora de trabalho. Este fenmeno tem acompanhado o processo de acumulao capitalista em vrios tempos
histricos e em vrios pases. Atualmente, a chamada imigrao ilegal de trabalhadores das reas pobres para as ricas nada mais do que a outra face
desta medalha. Na verdade, a ilegalidade uma forma de rebaixar o valor
desta fora de trabalho, na medida em que os imigrantes no tm acesso aos
direitos sociais trabalhistas e so considerados no cidados, 'indocumentados', obrigados a viver escondidos, podendo ser deportados, presos como criminosos, segundo atestam vrias pesquisas sobre a temtica das migraes internacionais no mundo atual (Servio Pastoral dos Migrantes, 2005).

O paralelo com os imigrantes ilegais nos pases ricos assenta-se no processo de desenraizamento social que atinge tanto estes ltimos quanto os nacionais, temporrios. O desenraizamento inicia-se com a perda das condies objetivas do trabalho, nos locais de origem. O deslocamento espacial
tambm deslocamento cultural e de valores. O universo social destes
espaos diferenciado. Nos locais de origem ainda h muitos traos dos valores de uso, das relaes primrias de sociabilidade, do tempo cclico, da
natureza e no do tempo linear da produo de mercadorias capitalistas.

No que tange aos migrantes temporrios, eles so considerados


"estrangeiros", "gente de fora", "gente que vem para tomar os empregos dos
paulistas", portanto, recai sobre eles, a marca do preconceito, dos estigmas,
valores que direcionam aes de rgos policiais em vrias cidades. Apenas
para citar um exemplo, no ano de 2005 e tambm em 2006, a delegacia de
Santa Rosa de Viterbo exigiu que todos os migrantes se cadastrassem assim
que chegassem ao municpio, cujas justificativas baseavam-se nos supostos
3 - A NR 31- Norma Regulamentadora de Segurana e Sade no Trabalho, na Agricultura, Pecuria Silvicultura,
Explorao Florestal e Aqicultura -, estabelecida pela Portaria n 86, de 03/03/05 (Dirio Oficial da Unio de
04/03/05), regulamenta os direitos e deveres inerentes aos empregadores e empregados rurais. Dentre as medidas de segurana que no vm sendo cumpridas pelas usinas da regio de Ribeiro Preto, esto a obrigatoriedade de abrigos nas frentes de trabalho, as instalaes sanitrias (um conjunto para cada 40 trabalhadores),
guas potvel e fresca, materiais de primeiros socorros, remoo adequada dos acidentados, pausas regulares
e remuneradas para descanso e interrupo remunerada da jornada de trabalho por fatores climticos (RELATORIA NACIONAL PARA O DIREITO HUMANO AO TRABALHO, 2005).

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Estes elementos constituem a ontologia do ser social destes camponeses,


transformados, de um momento para o outro, em mercadoria, fora de trabalho barata, cujo dispndio deve obedecer s regras impostas pelas empresas. No eito dos canaviais, devem se portar como "profissionais do podo".
Para isso, devem aprender o "jogo do corpo", com movimentos cada vez mais
rpidos, para ser um verdadeiro "atleta", um "jogador de futebol" (segundo a
expresso de um subdelegado do trabalho), capaz de jogar durante oito ou
nove horas, sob sol forte e temperaturas acima de 350 A fim de oferecer ao
leitor a idia mais prxima possvel da realidade dos chamados "profissionais
do podo", far-se- uma breve descrio de seu cotidiano, durante sete ou
oito meses, com apenas uma folga por semana.
Logo pela madrugada, comeam a preparar a comida, pois h apenas um
fogo para muitas marmitas. Por voltas da 6:00hs, os nibus partem em
direo aos canaviais, numa viagem que pode durar mais de uma hora.
Chegando ao eito, as tarefas so distribudas: cada trabalhador recebe as
instrues do corte de cinco ruas. A cana deve ser abraada e cortada o rsdo-cho para facilitar a rebrota. Esta atividade exige total curvatura do corpo.
Aps o corte, a cana lanada nas leiras (montes); antes devem ser aparados os ponteiros, cujo teor de sacarose pouco no compensando o transporte para a moagem. Segundo dados agronmicos da ESALQ, para cortar
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Ensaios e Debates

A morte ronda os canaviais paulistas

10 toneladas de cana, o trabalhador desfere quase 10 mil golpes. A elevao


continuada da mdia induz ao sofrimento, dor, doenas e at mesmo morte.
Acredita-se que este fato seja um dos principais pontos de reflexo. H ainda,
segundo a pesquisa de Andrade (2003), registros do uso de drogas, como
maconha e crack, para o aumento da capacidade de trabalho durante o corte
da cana. A frase, No d para acompanhar o campo de cara limpa, reflete
a crueza e a brutalidade destas relaes de trabalho. A maconha, segundo
depoimento de um trabalhador, alivia as dores nos braos. Quanto ao crack,
trata-se de uma droga estimulante, portanto, o seu uso possibilita maiores
ganhos de produtividade. Este fato, alm de invisvel, proibido, pois, numa
sociedade permeada pela violncia como a brasileira, o silncio, muitas
vezes, uma estratgia de sobrevivncia.

prprio trabalhador. As usinas, na busca do aumento desenfreado de lucros,


fornecem podes com cabos menores, a fim de diminuir os custos com os
instrumentos de trabalho. Esta medida exige maior curvatura do corpo no
momento do corte, mais um agravante do sofrimento no trabalho. Para contrapor a isso, alguns trabalhadores trocam os cabos menores por maiores.

As condies de trabalho so marcadas pela altssima intensidade de produtividade exigida. Na dcada de 1980, a mdia (produtividade) exigida era
de 5 a 8 toneladas de cana cortada/dia; em 1990, passa para 8 a 9; em
2000 para 10 e em 2004 para 12 a 15 toneladas! No entanto, em razo dos
critrios impostos, vrios depoimentos demonstram que este montante muito
maior, pois o clculo da produtividade feito a partir da transformao do
metro em toneladas. Ou seja, a partir de clculos aleatrios, a paridade
estabelecida em, por exemplo, X metros = X toneladas. Este sistema chamado "campeo", que consiste no seguinte: antes do corte, um tcnico da usina
recolhe trs amostras de cana de cada talho (rea plantada). Estas canas
so levadas para a usina e pesadas. A partir da so fixados os valores correspondentes de metros e toneladas, segundo estimativas baseadas nas
amostras colhidas. Entretanto, apesar dos critrios cientficos e tcnicos terem
aperfeioado as variedades de cana - cada vez mais visando ao aumento do
teor de sacarose -, as canas no possuem o mesmo peso, nem se encontram
da mesma forma no momento do corte. H canas deitadas, em p,
tranadas, as quais exigem diferentes esforos dos trabalhadores. Assim
sendo, o Sindicato de Cosmpolis desenvolveu um mtodo capaz de diminuir
um pouco o desgaste no tocante: o uso do gancho. O gancho um instrumento de madeira, feito pelos prprios trabalhadores, que substitui, na verdade, os movimentos com as pernas para alinhar a cana para o corte dos
ponteiros, caso estes no sejam retirados antes de serem lanados nas leiras.
A experincia adquirida durante o tempo de trabalho leva criao de
estratgias que visam diminuio do sofrimento no trabalho. Assim sendo,
o gancho, como inveno resultante da experincia laboral, acaba sendo um
mecanismo de resistncia do trabalhador. Este instrumento ameniza as dores
nos braos e nas costas e evita o agravamento das dores nas pernas. Outra
forma de resistncia produzida no eito a troca de cabos do podo pelo

Para evitar o roubo no momento da pesagem, o Sindicato de Trabalhadores


Rurais de Cosmpolis desenvolveu um mtodo que contraria aquele adotado
pelas usinas. Trata-se da quadra fechada, cuja descrio a seguinte. De
posse dos cadernos de metragem, obrigatoriamente oferecidos pela usina,
tem-se o controle sobre o eito igualado, isto , de todo o eito, e no apenas
de algumas partes, segundo o processo de amostragem descrito anteriormente. Ademais, foi desenvolvido um software para computador - colocado
na usina -capaz de controlar o peso da cana proveniente de todos as quadras
(talhes), sob a fiscalizao do sindicato. Segundo a sindicalista, os clculos,
advindos deste mtodo, apontam para cifras muito superiores daquelas oferecidas pela usina. Em alguns casos, a partir de seus exemplos, 12 toneladas
(segundo o campeo), na realidade, correspondem a 20, 25 ou at 30
toneladas (segundo a quadra fechada)! Em suma, alm do sobre-valor captado pela relao de trabalho que fixa em R$ 2,20 a tonelada cortada, h o
roubo no momento da pesagem da cana na usina4.

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Por outro lado, algumas usinas exigem a cana amontoada e no enleirada


(em leiras), para facilitar a ao dos guinchos no momento da recolha e
depsito nos caminhes. Todas estas imposies no so contabilizadas nos
clculos dos tcnicos, segundo o modelo campeo. Ainda mais. A cana
pesada na usina, portanto, o controle desta operao escapa ao trabalhador,
que, em muitos casos, se sente lesado.

A metragem feita pelo "campeo" uma amostragem de determinada rea do eito - a escolha ficava a critrio da usina, que
escolhia os piores locais, ou seja, aqueles em que o metro da
cana tinha uma pesagem menor. Alm disso, os fiscais e empreiteiros "roubavam metros" dos cortadores de cana, pois a quantidade de cana no era conhecida por quadra.
A partir de 1988, o Sindicato de Cosmpolis consegue colocar
a quadra fechada na Usina ster. A idia partiu de um dos trabalhadores, que sugeriu que a metragem fosse feita em cada
4 - Todas estas informaes foram oferecidas pela representante do STR de Cosmpolis, durante a primeira
Audincia Pblica, chamada pela Procuradoria Geral da Repblica de So Paulo e pela Plataforma DHESC
(Direitos Econmicos, Sociais e Culturais), sob o patrocnio da ONU, realizada em Ribeiro Preto, no dia 27 de
outubro de 2005, com o fim de apurar as ocorrncias das mortes nos canaviais paulistas.

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A morte ronda os canaviais paulistas

quadra, para que no houvesse injustia, corrigindo, assim, as


imperfeies do terreno e estabelecendo um controle maior da
produo de cada trabalhador. Para dar andamento ao processo, o Sindicato exigiu que a Usina fornecesse o mapa agronmico da fazenda. Assim, antes de iniciar a safra, o Sindicato j
sabia quantos metros de cana tinha cada quadra, impedindo
que os metros de cana fossem "roubados" pelos fiscais ou
empreiteiros. Um dos trabalhadores entrevistados disse que, em
comparao ao caminho campeo, a quadra fechada aumenta de 30 a 40% o que os trabalhadores recebem pela produo
(Dirio de campo de Juliana Dourado aps ter assistido ao
Vdeo, Quadra fechada, de autoria de Jos Roberto Novaes e
do Sindicato de trabalhadores de Cosmpolis, abril de 2006).

balhadores que, agachados ou ajoelhados, vo colocando e cortando as


mudas nos sulcos. Estes ltimos so obrigados a desempenhar a tarefa no
ritmo do caminho e tambm do trator, que vem em seguida tapando os sulcos com terra. Os motoristas destes caminhes so terceirizados e recebem
segundo o sistema de fretes. Logo, quanto mais cana transportarem maiores
sero seus ganhos. Segundo relato de sindicalistas, os trabalhadores no descansam e no tem tempo sequer para suas necessidades fisiolgicas.

No obstante este controle, os relatos apontam para a continuidade das


cibras, vmitos, tonturas, feridas no corpo, provocadas pelo suor mesclado
fuligem, dores de cabea etc. A principal caracterstica desse trabalho a
de ser extremamente rduo e estafante, pois exige um dispndio de fora e
energia, que, muitas vezes, o trabalhador no possui, tendo em vista o fato
de serem extremamente pobres, seno doentes e subnutridos, alm de serem
submetidos a uma disciplina rgida, cujo controle no incide apenas sobre o
tempo de trabalho, como tambm sobre os movimentos do corpo e o grau
de competio estabelecido entre os cortadores. Quanto mais competitivos,
mais rpidos sero os golpes de podo, capazes de lhes darem o ttulo de
"podo de ouro". Os portadores desse prmio tero no final da safra, poupado o suficiente para a compra da moto, mercadoria desejada, cujo fetiche
redefinir o papel de seu possuidor na comunidade de origem. Caso seja
jovem, solteiro, ser visto como vitorioso, forte, destemido, valores sancionados positivamente e responsveis pelas conquistas amorosas das jovens, cujos
olhares tambm permanecem embaados pelo brilho do fetiche. Caso sejam
casados, o dinheiro poupado poder ser empregado na construo da casa
em alvenaria, deixando de lado a choa de adobe, coberta com folhas de
babau (Maranho) ou a casinha, cujas paredes so cobertas pela tabatinga
(Vale do Jequitinhonha).
No que tange atividade do plantio, o dispndio de energia tambm
muito grande. Esta tarefa combina o emprego de fora de trabalho e meios
mecnicos. Aps o corte das mudas, as mesmas so transportadas aos locais
de plantio em caminhes. Em cima da carga de cana, que chega a atingir a
altura de 3 metros, ficam os trabalhadores que vo lanando as mudas nos
sulcos, j abertos para o plantio. Esta tarefa se combina quela de outros traABRA - REFORMA AGRRIA

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A carncia nutricional, agravada pelo esforo excessivo, contribui para o


aumento de acidentes de trabalho, alm de doenas das vias respiratrias,
dores na coluna, tendinites, cibras, produzidas pela perda de potssio em
razo dos suores. A fuligem da cana queimada contm gases com venenos,
pois, tambm segundo o que est sendo apurado pela Promotoria Pblica, as
usinas distribuem agrotxicos que apressam a maturao da cana, apenas trs
semanas antes do corte. Estes produtos so altamente prejudiciais sade5.
Durante as Audincias Pblicas, muitos relatos de trabalhadores confirmaram o sofrimento durante o trabalho, as cibras em todo o corpo, nsias
de vmito, que levam a desmaios e, at mesmo morte, como nos 13 casos
citados. Alguns chegaram a mencionar as jornadas de trabalho que chegam
18 horas dirias, sobretudo nas atividades referentes troca de turnos,
como o engate dos tratores com a cana colhida pelas mquinas, cujas "gaiolas" so, em seguida acopladas aos caminhes, que conduzem a cana s usinas para a moagem.
A imposio da mdia de 12 toneladas de cana colhidas por dia uma
forma de selecionar os trabalhadores, pois aqueles que no atingem o nvel
de 10 toneladas so dispensados. Os nveis de esforos exigidos para o corte
da cana, somados no reposio adequada dos nutrientes e calorias perdidos no eito, e o no esclarecimento sobre o volume da produo diria do
trabalhador, so o comprovante dos ndices de superexplorao e tambm do
desrespeito aos direitos humanos do trabalho.
O grande exrcito de trabalhadores migrantes representa no somente o
resultado do desenraizamento social e econmico, provocado pelo processo
de expropriao em seus locais de origem, como tambm, um conjunto de
5 - Notcias veiculadas pela internet revelam que esta situao no ocorre apenas no Brasil. Em
Chichigalpa, regio canavieira da Nicargua, onde est situada a empresa Nicargua Sugar State y
Compaa Licorera de Nicargua, 1383 trabalhadores morreram nos ltimos anos, vtimas de insuficincia
renal crnica (IRC), enfermidade provocada pela creatinina, em razo dos agrotxicos maturadores da
cana, que causam coceiras, e srios danos sade, como a IRC. (CCOO/CONFIA/Nicargua, 2006),
acessado em 21 de maro de 2006.

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Ensaios e Debates

A morte ronda os canaviais paulistas

seres, cuja condio humana negada (Silva, 1993). Trata-se de um fenmeno, cuja face a negao do sujeito enquanto ser, e sua transformao
em no portador de direitos, algo que causa srias rupturas em sua identidade. Neste contexto, vrios processos contribuem para a progresso do trabalho em direo a simples labor, isto , simples reposio das necessidades fsicas e orgnicas, sem contar que a capacidade de ao, ou seja, da
poltica, suprimida (Arendt 2005).

so disciplinados no cotidiano do lugar, sendo estigmatizados em seus corpos


e em seus bens simblicos7.

Neste sentido, a reduo desse trabalho a labor baseado em mltiplas


prticas, sendo que as mais comuns so: listas negras, proibindo a desobedincia de normas; ganchos, suspendendo trabalhadores por suposta desobedincia aos feitores; sentimento de medo e vergonha em pedir atestados
mdicos, em virtude do fato de que a declarao da doena e da dor um
sinal de fraqueza, que no corresponde aos padres de virilidade existentes e
competio imposta pelos responsveis pela disciplina do trabalho; renascimento do sistema de barraco, da economia de escambo, de tal sorte que o
trabalhador no possui direito sequer ao status de consumidor livre.
A ocorrncia destes processos coercitivos na regio foi reiterada nos relatrios feitos aps as Audincias Pblicas. Segundo o relatrio da plataforma DHESC, as iniciativas destes trabalhadores para levar a pblico este contexto de explorao so seguidas de ameaas e retaliaes por parte das
empresas. O contato destes trabalhadores com sindicatos ou rgos pblicos
competentes para fiscalizao das condies de trabalho evitado pelas
empresas, dificultando sobremaneira no apenas a defesa dos direitos
envolvidos nas relaes de trabalho no campo, mas tambm o esclarecimento acerca do real contedo das relaes que sustentam o corte manual da
cana-de-acar no estado6. Alm de propositalmente distanciados dos sindicatos e dos rgos de fiscalizao, estes trabalhadores tambm so afastados dos contextos rotineiros de sociabilidade das cidades onde residem
durante a safra. Uma hierarquia espacial define no apenas fronteiras territoriais, mas tambm limites aos ambientes passveis de exerccios das trocas
simblicas nos municpios. Abrigados em favelas ou cortios afastados,
muitos deles situados no interior dos canaviais, estes trabalhadores migrantes
6 - A este respeito, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho destaca que, em visita ao alojamento de uma usina controlada por capital multinacional no municpio de Araraquara, a pessoa responsvel
pela administrao do alojamento apresentou resistncia ao acesso da Comisso formada pela Relatoria
Nacional para o Direito Humano ao Trabalho, Ministrio Pblico do Trabalho, Delegacia Regional do Trabalho
e Federao dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de So Paulo s instalaes do alojamento. O
acesso foi permitindo aps a informao, pelo Ministrio Pblico do Trabalho, de que a empresa seria submetida aos procedimentos legais vigentes por dificultar a realizao do trabalho das autoridades pblicas, tal
como aponta trecho do referido relatrio (RELATORIA NACIONAL PARA O DIREITO HUMANO AO TRABALHO, 2005).

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Este conjunto de violncias decisivo na desconstruo do universo da


ao destes trabalhadores. As dificuldades do dia-a-dia so reiteradamente
silenciadas e os valores, as lembranas da experincia cotidiana, so
foradas ao apagamento. Como bem destaca Arendt sobre a tangibilidade
dos acontecimentos no plano da ao,

(...) sem a lembrana e sem a reificao de que a lembrana


necessita para sua prpria realizao - e que realmente a tornam, como afirmavam os gregos, a mo de todas as artes - as
atitudes vivas da ao, do discurso e do pensamento desapareceriam como se nunca houvessem existido (p. 107)
No sentido geral, tal como sugere Antunes (1997) em relao ao trabalho
industrial no capitalismo avanado, este trabalho torna-se estranhado,
impondo-se, contraditoriamente, como barreira social ante o desenvolvimento da personalidade humana. No sentido especfico, desfigurado, o trabalho,
ao invs de caminho para a ao, reduz-se ao labor, como foi dito acima.
Ou seja, para os trabalhadores do corte da cana, o eito despe seu universo
de representaes e revela sua dimenso eminentemente orgnica, que
sobrevive s exigncias fsicas do dia de trabalho.
Este confinamento na dimenso do labor integra, em sentido mais amplo,
a perda de referncias deste segmento de trabalhadores rurais. Isto porque o
que permite ao portador da fora de trabalho (trabalho-mercadoria) no se
tornar tambm abstrato so justamente suas prticas polticas de defesa dos
direitos sociais caractersticos das relaes trabalhistas em sociedade modernas. Contudo, na medida em que para esta categoria de trabalhadores estes
direitos ou no existem ou so efetivamente ignorados no cotidiano da
relao de trabalhos - vide exemplo da Norma Rural 31, que dispe sobre
segurana no trabalho e no tem suas clusulas respeitadas pelas usinas e
empreiteiros da regio -, h tambm a emergncia de trabalhadores
abstratos, cuja face individual e sua personalidade so descartveis nas
relaes de trabalho vigentes. Assim, a identidade deste trabalhador, sua face
7 - Emprega-se aqui o termo disciplina tal como concebida na noo de espao disciplinador em Foucault
(1983). No disciplinamento deste espao, importa aos grupos sociais saber sobre as presenas e as ausncias,
instaurar comunicaes teis, interromper outras, poder apreciar ou sancionar comportamentos. Ou seja, neste
espao disciplinado, grupos e agentes procedem para reconhecer, dominar e utilizar os recursos nele
disponveis. Nestes termos, a disciplina manifesta-se no apenas nas formas institucionais mais evidentes, mas
tambm nas dimenses "microfsicas" que operam nas relaes de poder.

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DO

Ensaios e Debates

" INFERNO " ( QUE

NO VERDE )

poltica e suas trocas simblicas so subsumidas em um contexto onde ele


mesmo reduzido esfera do labor, ou, nos termos de Marx, no-identidade do trabalho abstrato; isto , reduzido exclusivamente ao "quantum
nele contido da substncia constituidora do valor" (Marx, 1983, p. 47), a
saber, a energia para o trabalho. Ou seja, nesta lgica do capital agroindustrial, trata-se da reduo do indivduo a msculos e movimentos, a simples
energia. (SILVA, et al, 2006).
R ELATOS
Neste item sero apresentados alguns excertos dos relatrios da Promotoria
Pblica e da Plataforma DHESC produzidos aps visitas aos trabalhadores e
realizao das Audincias Pblicas.

Durante a visita ao alojamento de trabalhadores migrantes,


dentro da propriedade da Usina Bonfim, foram obtidas as
seguintes informaes e constatados os seguintes fatos:
Foram encontrados no alojamento os trabalhadores (cerca de
40) que se encontravam de folga no dia 04, segundo o rodzio
5 por 1.
As condies do alojamento se aproximam a de uma priso. Em
cada quarto existem 3 ou 4 camas. Os cmodos no tm
janelas e as portas se abrem todas para um corredor interno. A
rea onde feita a lavagem dos utenslios de trabalho a
mesma onde se lavam as marmitas e onde se obtm gua para
consumo individual. A presena de funcionrios da empresa,
durante todo o tempo em que estivemos no alojamento foi
intensa, tentando impedir o acesso livre aos trabalhadores. A
Relatoria Nacional para os Direitos Humanos Alimentao
Adequada, gua e Terra Rural, com base em anlise preliminar de documentos, resultados e informaes obtidas em
misso para investigao de denncia de mortes de cortadores
de cana de acar, no Estado de So Paulo, por possvel sobrecarga de trabalho e alimentao insuficiente (...).

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A referida Relatoria Nacional faz parte do projeto "Relatores


Nacionais em Direitos Humanos Econmicos, Sociais e
Culturais (DHESC)", coordenado pela Plataforma Brasileira
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A morte ronda os canaviais paulistas

DHESC, com apoio do Programa de Voluntrios das Naes


Unidas (UNV/PNUD/ONU) e da Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidado, do Ministrio Pblico Federal.

Foram apresentados os relatrios que tratam de ambos os


casos. Em outubro de 2005, a Relatoria Nacional para o Direito
Humano ao Trabalho realizou misso na Regio de Ribeiro
Preto/SP para investigar as causas das mortes de dez trabalhadores rurais do setor canavieiro. O Relatrio enfoca alguns
itens, tais como: trabalhadores migrantes, oriundos dos estados
de Pernambuco, Piau, Paraba, Maranho, Bahia e Minas
Gerais; aliciamento de trabalhadores por "gatos"; no-fornecimento de Equipamentos de Proteo Individual - EPI por parte
do empregador; exausto dos trabalhadores por jornada de trabalho excessiva, sendo esta a maior causa das mortes. Um
outro detalhe que todos os trabalhadores encontrados eram
negros ou pardos.

A realidade vivida pelos trabalhadores rurais da regio de


Ribeiro Preto levou a concluir que o conjunto das condies a
que os trabalhadores esto submetidos concorre para que tanto
as mortes quanto a mutilao dos trabalhadores sejam recorrentes. As condies a que nos referimos so: a) superexplorao dos trabalhadores, ocasionada por pagamento por produo, que leva os trabalhadores a produzir alm de seus limites, pela jornada de trabalho de 10 horas/dia, pelas metas de
produo fixadas em 10/12 toneladas por dia; pelos baixos
salrios, pela terceirizao das atividades e pela no pesagem
da produo, o que leva os trabalhadores a no ter controle da
real produo do seu trabalho e da justeza do salrio recebido;
b) deficincia na intermediao e fiscalizao das relaes de
trabalho, expresso na permanncia de condies insalubres e
periculosas no ambiente de trabalho (ausncia de condies
para armazenamento da alimentao, gua inadequada,
equipamentos de proteo individual em nmero insuficiente ou
em condies inadequadas, ausncia de ambulncia e equipamentos de primeiros socorros) e no desrespeito legislao
nacional e aos tratados internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil signatrio (aliciamento de trabalhadores por
'gatos', intimidao aos trabalhadores, no emisso de
Comunicao de Acidente de Trabalho - CAT, no pagamento

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133

integral das verbas rescisrias); c) prticas anti-sindicais, expressas na poltica da empresa de ameaas aos trabalhadores que
denunciam irregularidades e na recusa em contratar ex-dirigentes sindicais (Relatoria Nacional para o Direito Humano ao
TrabalhoProjeto Relatores Nacionais em DhESCPlataforma
Brasileira de Direitos Humanos Econmicos, Sociais e
CulturaisApoio: Organizao das Naes Unidas - ONUPNUD/UNVProcuradoria Federal dos Direitos do Cidado PGR/MPF).

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No dia 09.03.2006, conforme demanda feita pela Coordenao do projeto dos relatores da Plataforma DHESC e da Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho, foi realizada audincia com o Ministro do Trabalho e Emprego, Sr. Luiz
Marinho, para tratar da situao vivida pelos trabalhadores do
setor canavieiro no interior de So Paulo, bem como a existncia de trabalho escravo no interior de Pernambuco.
Geralmente ficam hospedados em alojamentos mantidos pelas
usinas, ou em casas alugadas por eles prprios ou pelo empreiteiro ou pelo gato. O aluguel pago por esses trabalhadores fica
em torno de R$50,00 e R$100,00 pago por pessoa, por casas
na maior parte das vezes, localizadas em favelas ou cortios da
regio, as quais tm entre dois e quatro cmodos, e chega a ser
dividida por um nmero de quatro a nove pessoas.
Durante a visita realizada ao alojamento Jibia, mantido pela
Usina Santa Helena, do Grupo COSAN, foram constatadas as
seguintes ocorrncias:

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lhadores, somando-se o total de 120 trabalhadores alojados.


Todos eram provenientes do estado de Minas Gerais, majoritariamente trabalhadores negros e pardos.
c. As condies de alojamento so precrias, em cada quarto
existem quatro camas, e quatro armrios de ao, nos quais os
trabalhadores guardam seus pertences, e como o espao insuficiente, expem-nos tambm no cho, sobre as camas, e suspendendo-os pelas paredes. Cada quarto conta apenas com
uma janela pequena, as portas de todos os quartos apontam
para uma mesma porta, estreita, que em caso de emergncia
(incndio, por exemplo) impossibilitaria a fuga dos trabalhadores, colocando todos em risco. Os banheiros localizados prximos ao quarto no contam com chuveiro, contam apenas com
uma pia pequena e um vaso sanitrio com descarga, os banhos
so realizados em uma rea coletiva com vrios chuveiros.
d. As refeies so realizadas em um refeitrio existente no
local, prximo cozinha, em horrio fixo, entretanto, os trabalhadores organizam-se para fazer as refeies sem interferncia
da administrao local. Contam com uma nutricionista que freqenta o local em dias alternados verificando se a dieta alimentar recomendada para os trabalhadores tem sido cumprida corretamente, embora alguns trabalhadores afirmem que a qualidade da comida no seja muito satisfatria. H uma espcie de
lavatrio para os copos, onde eles retiram a gua da torneira
para beber, pois a usina no disponibiliza gua filtrada para os
trabalhadores;
e. O local onde lavam as roupas e utenslios usados no trabalho fica localizado na parte traseira de cada quarto, um pequeno lavatrio composto por uma pia com torneira, em precrias
condies de higiene. Prximo a cada lavatrio h uma fossa
sanitria, algumas com a tampa danificada ou at cobertas com
pedras, o que no proporciona o isolamento completo dos
dejetos. prximo a essas fossas sanitrias que se encontram os
varais para colocao das roupas lavadas para secar ao sol;
f. Os gneros alimentcios ficam estocados em duas despensas,
separados e em condies adequadas de higiene, todos com
data de validade e indicao de data para consumo. Os alimentos provenientes de frigorficos ficam armazenados em
refrigeradores para conservao at o perodo previsto para
consumo. O material de limpeza armazenado em uma outra
despensa em separado dos gneros alimentcios.
134

a. A pessoa responsvel pela administrao do alojamento


apresentou resistncia ao acesso da Comisso formada pela
Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho,
Ministrio Pblico do Trabalho, Delegacia Regional do Trabalho
e Federao dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de
So Paulo ao alojamento, permitindo o acesso apenas quando
foi informado pelo Ministrio Pblico do Trabalho de que seria
submetido aos procedimentos legais vigentes por dificultar a
realizao do trabalho das autoridades presentes;
b. Foram encontrados diversos trabalhadores migrantes, os
quais informaram haver naquele local quatro turmas de trabaABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

recebeu o diagnstico de enxaqueca, tomou os remdios indicados pela mdica, mas continuou apresentando o quadro de
dores-de-cabea. A mdica disse que deveria continuar tomando os remdios e que no poderia fornecer-lhe um atestado s
por causa de dor-de-cabea. Tomou os remdios e continuou
trabalhando na Central Energtica Moreno, no municpio de
Luiz Antnio/SP. No dia 07 de julho, aps a refeio, cortou
duas bandeiras de cana e imediatamente sentiu-se mal, quando foi amparado pelo sobrinho, que tambm trabalha no
mesmo engenho. Foi levado ao hospital de Ribeiro Preto, no
nibus da Usina, passou por uma cirurgia cerebral, ficou internado durante quatro dias, mas no resistiu e faleceu. O corpo
foi sepultado em Cod, no Maranho, sendo que a Usina
assumiu todas as despesas funerrias. Saa de casa para trabalhar no corte da cana s 05h20 da manh, voltava para casa
por volta das 17h. Cortava doze toneladas de cana por dia,
tinha 38 anos, de cor parda, analfabeto, oriundo do municpio
de Cod, era casado e tinha uma filha. A nica fonte de renda
da famlia era o salrio do trabalhador, a empresa pagou a
resciso do contrato de trabalho e est providenciando o seguro
de vida, mas no pagou indenizao famlia, que est morando com familiares numa casa de dois cmodos juntamente com
oito pessoas, e que tm sobrevivido da ajuda de parentes. O
trabalhador levava comida de casa. Segundo o sobrinho do trabalhador, no local de trabalho no h ambulncia nem meios
de primeiros socorros, quando algum trabalhador adoece ou se
acidenta socorrido pelo nibus da Usina8. (Plataforma
DHESC/RELATORIA NACIONAL PARA O DIREITO HUMANO
AO TRABALHO, 2005).

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8 - A viva deste trabalhador e a filha voltaram para a terra de origem, aps o recebimento da indenizao,
seguro de vida e a penso do marido, segundo informaes da Pastoral do Migrante. Assim que o marido faleceu, a Usina providenciou o traslado do corpo at Cod/MA, cuja viagem durou trs dias, numa distncia de
3000 Km. A esposa e a filha foram na mesma ambulncia que transportava o corpo do trabalhador morto.Em
razo de no entender o significado da morte, a menina perguntava a me sobre as razes do "pai ficar fechado naquele caixo", segundo depoimento colhido por mim, assim que elas regressaram a Guariba, a fim de
receber seus direitos.

g. H um cmodo no local onde funciona uma espcie de bar,


no qual realizada a venda de bebidas alcolicas aos trabalhadores. Esse bar j foi fechado uma vez por determinao da
Sub-Delegacia Regional do Trabalho de Piracicaba/SP, entretanto, permanece com freezers, e barris para armazenamento
de bebidas alcolicas, alm de alimentos usados como petiscos,
amendoim, por exemplo. perceptvel a existncia de um
caderno que funciona como uma espcie de caderneta para
anotao dos dbitos de trabalhadores. Foi encontrada, ainda
durante a visita, uma garrafa vazia de cerveja e diversas tampinhas de garrafas de cachaa ao lado do bar, o que refora os
indcios de que o consumo e venda de lcool no alojamento
permanece, alm de o bar encontrar-se fechado no momento
da visita e no ter havido a disponibilizao da chave para abrilo. Os indcios de consumo e venda de bebida alcolica no alojamento mantido pela usina expem os trabalhadores ao risco
freqente de dano, devido aos efeitos que o consumo do lcool
provoca no organismo humano. Uma vez que as atividades
desenvolvidas pelos trabalhadores requerem o uso de objetos
cortantes, os trabalhadores ficam, aps a ingesto de lcool,
vulnerveis a um risco maior de provocar danos a si prprios e
a outrem, acarretando assim, no aumento do grau de periculosidade das atividades laborativas em virtude do consumo de
tal substncia.
h. H ainda uma espcie de galpo com bancos, televiso,
mesa de sinuca com tacos e bebedouro, onde os trabalhadores
passam parte de seu tempo livre sentados assistindo programao da televiso ou jogando sinuca;
Visita famlia do trabalhador Valdecy Paiva de Lima

136

5- No perodo da noite do dia 25 de outubro de 2005, a


Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho esteve
no municpio de Guariba para ouvir a famlia do trabalhador
Valdecir Paiva de Lima, que faleceu no dia 11 de julho de 2005.
O trabalhador queixava-se de estar sentindo dores-de-cabea,
quando aproveitou o seu dia de folga e, no dia 21 de junho de
2005, procurou tratamento mdico no Pronto Socorro da
Sociplan de Guariba. Foi atendido pela Doutora Maria Ivani,
que o encaminhou para exames de eletroencefalograma e raios
X. No dia 22 de junho retornou para apresentar os exames,
ABRA - REFORMA AGRRIA

Ensaios e Debates

C ONSIDERAES

FINAIS

Desde o incio deste ano de 2006, vrios Encontros, Audincias Pblicas,


Debates vm sendo realizados com representantes dos Sindicatos, Empresas,
MPT, DRT/SP, SDTs, Pastoral do Migrante, Universidades, Assemblia
Legislativa de So Paulo, ONGs, com o intuito de discutirem propostas para
a soluo das mortes e tambm para coibir a precarizao e as prticas abusivas de explorao dos trabalhadores pelas usinas. At o momento, o MPT e
a DRT/SP adotaram como imposio o cumprimento da NR31. Para o ano de
2007, haver a imposio do fim do trabalho por produo, segundo determinao do MPT.
Estes atos comprovam a interveno do Estado, como agente disciplinador
das relaes de trabalho, dado que, a partir de meados da dcada de 1990,
com a extino do IAA (Instituto do Acar e lcool), houve a implantao do
processo de desregulao dessas relaes imposta pelo neoliberalismo.
Algumas das medidas, que esto sendo e sero impostas pela DRT/SP, visam
a reparao do desrespeito no somente das leis trabalhistas, como tambm
dos direitos humanos do trabalho. Os principais itens do documento produzido pela DRT/SP so9:
Fim da terceirizao, com a eliminao dos intermedirios (gatos) no
mercado de trabalho10;
Exames mdicos pr-admissionais e demissionais com nfase na avaliao cardaca e osteomuscular, exigindo-se os seguintes exames: hemograma completo; imunologia para a doena de chagas; protopasitolgico,
alm de outros exames peridicos de avaliao de peso (os cortadores perdem mais de 5kgs de peso durante a safra), presso arterial e cardiopulmonar; notificao de doenas e acidentes de trabalho, disponibilizao de
ambulncias e pessoas treinado nas frentes de trabalho etc.
Proposta de que a alimentao dever ser fornecida pelo empregador,
incluindo caf da manh e almoo, segundo os costumes alimentares
regionais; fornecimento de re-hidratante oral de acordo com a anlise
nutricional;
As moradias dos migrantes sero consideradas alojamentos e devero
cumprir a NR3111;
9 - DRT/SP. Diagnstico e propostas de soluo sobre a precarizao do trabalho no setor sucroalcooleiro no
Estado de So Paulo. Agradeo a gentileza do subdelegado do trabalho de Araraquara, Dr. Milton F. B. Bonili,
pela disponibilidade deste material.
10 - Alm da Procuradoria do Trabalho, o Ministrio do Trabalho e vrias prefeituras esto empenhadas no
combate presena dos aliciadores de mo-de-obra migrante (os gatos), bem como nas moradias precrias
destes. Folha de S. Paulo, B10, 15/02/06.

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138

A morte ronda os canaviais paulistas

Quanto jornada de trabalho, dever haver controle, com abolio de


horas extras, do sistema "coruja", que se constituem nas sobras de talhes
que so cortadas aps a jornada, sem pagamento de horas extraordinrias;
uma das propostas a diminuio da jornada para 6 hs dirias;
Quanto aferio e remunerao por produo, a proposta a adoo
do sistema da quadra fechada da Usina ster, criado pelo sindicato de
Cosmpolis; eliminar o critrio da cana amontoada e adotando o da cana
enleirada, com corte da ponta no cho (e no antes da cana ser lanada
ao cho); elevao do piso da categoria;
Quanto ao sistema de transporte de trabalhadores, dever haver o
cumprimento da NR31, que leva em conta a segurana;
Quanto ao carregamento de cana, proibio da jornada de 12 hs, qualificao dos operadores de mquinas e inspeo peridica dos veculos;
Quanto NR31, imposio do cumprimento imediato dos seguintes itens:
- Fornecimento de EPIs e ferramentas
- Fornecimento de pelo menos 2 pares de calados;
- Instalao sanitria;
- Fornecimento de gua para higiene e gua fresca potvel;
- Abrigo para alimentao, protegido de intempries com mesas e
assentos;
- Exigncia do cumprimento de pausas para descanso (pelo menos duas);
- Fornecimento de vestimentas12.
Todavia, a grande polmica que envolve neste momento, de um lado, a
Promotoria Pblica e do outro lado, os usineiros e representantes sindicais,
o trabalho por produo, cuja abolio defendida pelos promotores, os
quais acreditam que a imposio da alta produtividade a responsvel pelas
mortes. Tal medida no aceita nem pelos usineiros, que alegam que seriam
lesados e nem pelos representantes sindicais, cujas afirmaes so as de que
os trabalhadores no aceitariam trabalhar na diria (pagos por dia), porque
o piso salarial baixo, aqum de suas reais necessidades de reproduo da
fora de trabalho e do sustento de suas famlias. Segundo uma sindicalista,
os trabalhadores no aceitam diminuir o ritmo de trabalho porque no conseguiriam cortar cana devagar, pois correriam riscos de ser acidentados!
11 - Uma fora-tarefa envolvendo a Subdelagacia do trabalho, o Ministrio Pblico do trabalho, a Polcia
Federal, a Polcia Militar de Ibat, acabou com um alojamento na periferia desta cidade, onde mais de 100
trabalhadores, provenientes do Maranho estavam vivendo em condies sub-humanas. Jornal primeira
Pgina, , B3, So Carlos, 08/04/06.
12 - O subdelegado regional do trabalho/So Carlos, Dr. Antnio Valrio Morillas Jr., conseguiu implantar a
obrigatoriedade da distribuio de kits de proteo dos trabalhadores da laranja, medida qus era estendida
a todo estado de So Paulo. Os kits contm: culos, marmita trmica, bon rabe (com proteo para o
pescoo), botina, perneira, avental, luvas, roupa teflonada (para diminuir o calor). Jornal Primeira Pgina, A
10, So Carlos, 02/04/06.

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139

Ensaios e Debates

A morte ronda os canaviais paulistas

O leitor poderia se perguntar sobre razes que levam as pessoas a aceitar


esta situao. Segundo Amartya Sem, a liberdade somente existe quando,
diante de no mnimo duas alternativas, a pessoa pode escolher uma delas. Se
houver, apenas uma nica alternativa, no se pode falar em liberdade, mas em
imposio, j que a possibilidade de escolha inexistente. Esta a situao
dos migrantes que se destinam a este trabalho nos canaviais e laranjais paulistas e tambm dos chamados bias-frias locais. So pessoas que no possuem
outra alternativa de sobrevivncia, seno esta. Quanto ao ritmo acelerado de
trabalho, ele foi sendo imposto e, ao mesmo tempo, incorporado pelos trabalhadores, durante estas ltimas dcadas. Ainda que sujeitos morte e s mutilaes - a vida til de um cortador de cana de 15 anos e a do escravo no
Brasil era de 10 anos -, os trabalhadores, ao "preferirem" este ritmo, consideram-no natural, sem questionar as conseqncias para suas prprias vidas.

ANDRADE, A . F. Cana e crack: Sintoma ou problema? Um estudo sobre os trabalhadores no corte de cana e consumo do crack.
Dissertao de Mestrado. PPG/Psicologia Social/PUC/SP, 2003.
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mundializado Revista Nera ( Ncleo de estudos , pesquisa e projeto de reforma agrria). Edio n. 7, 2006. Revista eletrnica do
PPG/Geografia e dep. De Geografia da UNESP/PP, 2006 (prelo).
VETTORASSI, A. Espaos divididos e silenciados. Um estudo sobre
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Sociais/UFSCar, 2006.
ZAMPERLINI, G. C. M. Investigao da fuligem proveniente da
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policclicos aromticos (HPAs). Dissertao de mestrado.
PPG/Instituto de Qumica de Araraquara, 1997.

Portanto, a migrao, assim como este trabalho, resultante do sistema


econmico-social vigente, que se traduz pela imposio, pelo atrelamento de
milhares de pessoas a um processo de trabalho, que no pode ser definido
como livre, que possui as caractersticas da escravido, porm com novas
correntes, invisveis, sob a capa do salrio em dinheiro, do contrato e do
chamado direito de ir e vir. Qualquer forma de recusa, de resistncia, individual ou coletiva, traduzida em ameaas, dispensas, medo e perseguies.
O capataz dos confins deste pas substitudo pelos feitores, fiscais e gatos.
As armas so substitudas pelas listas negras e rescises de contratos.
Enquanto esta barbrie ocorre no mundo do trabalho, o mundo do mercado internacional coloca este mesmo pas no patamar do sucesso absoluto do
agribusiness. Este o paradoxo dos dois mundos da sociedade contempornea. O trabalho que produz esta enorme riqueza o mesmo que mutila
e pode matar os "Severinos", que deixam suas terras em busca da sobrevivncia individual e familiar.
O verdadeiro significado da histria libertadora quando os sujeitos a
escovam a contrapelo, segundo a definio de W. Benjamin. Este texto teve
esta inteno.
R EFERNCIAS B IBLIOGRFICAS
ALLEN, A. G. Et al. Influence of sugar cane burning on aerosol soluble ion composition in Southeastern Brazil. Atmospheric
Environment. V. 38, 2004, p. 5025-5038.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ministrio Pblico, Meio


Ambiente e Questo Agrria
Marcelo Pedroso Goulart*

1. J USTIFICATIVA

DO TEMA

Este breve ensaio, nos seus estreitos limites, tem por objetivo apresentar as
noes bsicas que devem informar a ao do promotor de justia no combate s prticas rurais antiambientais, hoje generalizadamente disseminadas
na agricultura de nosso pas, bem como propor a atuao efetiva do Ministrio Pblico na poltica agrria. Pretende tambm revelar as determinaes
histricas e sociopolticas do padro de produo agrcola hoje hegemnico,
demonstrar seu contedo antiambiental, apontar, luz da Constituio da
Repblica e da legislao ambiental, o papel que cabe aos promotores de
justia na promoo da agricultura sustentvel e da reforma agrria.
Sem a contextualizao histrico-social das prticas rurais antiambientais e
sem o balizamento das premissas jurdico-polticas que devem nortear a atuao do operador do direito nessa rea, qualquer trabalho ser incuo, pois
alienado, e no atingir os objetivos postos pela sociedade na Constituio
da Repblica.
2. A

AGRICULTURA MODERNA

2.1 As Revolues
Revolues Agrcolas
Os estudiosos do desenvolvimento agrcola apontam os sculos XVIII e XIX
como o perodo de surgimento da agricultura moderna. A primeira fase desse
novo modelo de produo, chamada de Primeira Revoluo Agrcola, foi
construda durante a transio do feudalismo para o capitalismo na Europa
Ocidental e representou a superao - indita na histria da humanidade da escassez crnica de alimentos.1
* Promotor de Justia no Estado de So Paulo
1 - Cf. VEIGA, O desenvolvimento agrcola: uma viso histrica, pg. 21.

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Ensaios e Debates

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

O padro de produo resultante da Primeira Revoluo Agrcola apresentava as seguintes caractersticas:

Esse padro intensificou-se a partir de meados deste sculo e difundiu-se


pelo mundo, tornando-se hegemnico na dcada de 70. Fala-se, ento, em
Revoluo Verde e num modelo agrcola qumico-mecnico-gentico. H
maior separao da produo animal e vegetal. Os avanos do setor industrial e das pesquisas na rea qumica, mecnica e gentica propiciam a
homogeneizao dos insumos e das prticas agrcolas, levando internacionalizao do processo de apropriacionismo e imposio pelos pases
centrais aos pases perifricos de um pacote tecnolgico agrcola de utilizao em larga escala nos sistemas monoculturais.3

agricultura e pecuria como atividades complementares;


aumento da diversidade de culturas em vrias propriedades;
a adoo de sistemas de rotao de culturas;
a criao de animais para alimentao, fora de trao e produo de
esterco.
Como acentua Ehlers:

O principal alicerce desse processo de fuso entre as prticas


agrcolas e a pecuria foi a implantao paulatina de sistemas
de rotao de culturas com plantas forrageiras leguminosas. A
adoo de diferentes mtodos de 'alternncia de cultivos' permitiu aumentar a lotao de cabeas de gado nas propriedades,
beneficiando a fertilidade dos solos, principalmente os solos fracos. Outra conseqncia foi o aumento da diversidade de culturas em vrias propriedades.2
Os avanos cientficos e tecnolgicos ocorridos a partir de meados do sculo XIX possibilitaram aos agricultores a utilizao de fertilizantes qumicos e de
implementos motomecanizados, proporcionando, desta maneira, a superao de dificuldades que passaram a enfrentar com a insuficincia de esterco
para a adubao do solo e com a manuteno dos animais. Inicia-se a
segunda fase da agricultura moderna, conhecida como Segunda Revoluo
Agrcola, com as seguintes caractersticas:
distanciamento da produo vegetal da produo animal;
substituio dos sistemas rotacionais diversificados e consorciados por sistemas simplificados (monoculturas);
quimismo ou agroqumica - desprezo pelo papel da matria orgnica na
nutrio das plantas e intensiva utilizao de fertilizantes qumicos;
apropriacionismo - processo pelo qual certos componentes da produo
agrcola passam a ser realizados pelo setor industrial (insumos qumicos,
implementos motomecanizados, variedades genticas selecionadas para
alta produtividade, rao para alimentao animal);
reduo da utilizao da mo-de-obra.

2 - Agricultura sustentvel: origens e perspectivas de um novo paradigma, pp. 20-21.

ABRA - REFORMA AGRRIA

144

2.2 A agricultura moderna e os impactos socioambientais


A degradao socioambiental um dos produtos da agricultura moderna.
O padro produtivo estabelecido a partir da Segunda Revoluo Agrcola,
baseado na monocultura, na explorao extenuante da terra, no uso intensivo
de fertilizantes qumicos e de agrotxicos com alto poder biocida, tem provocado grandes impactos ambientais. Eis alguns dos custos socioambientais:
eroso, "impactao" e perda da fertilidade dos solos;
destruio florestal;
dilapidao do patrimnio gentico e da biodiversidade,
dilapidao dos recursos naturais no renovveis;
contaminao dos solos, das guas, dos animais silvestres, do homem do
campo e dos alimentos;
surgimento de pragas mais resistentes;
aumento da presena de hormnios nos alimentos;
altssimas concentraes de efluentes orgnicos originrios dos confinamentos intensivos;
aumento dos custos de produo;
concentrao da propriedade e da riqueza;
migrao, urbanizao catica e excluso social.4
3. A GRICULTURA

SUSTENTVEL : OBJETIVOS

A agricultura moderna est em xeque. O padro de produo agrcola hoje


hegemnico insustentvel do ponto de vista socioambiental. Seus funda3 - Cf. EHLERS, Agricultura sustentvel: origem e perspectivas de um novo paradigma, passim. GUIVANT, A
agricultura sustentvel na perspectiva das cincias sociais, p. 101.
4 - Cf. GUIVANT, A agricultura sustentvel na perspectiva das cincias sociais, p. 101. MARTINE, A trajetria
da modernizao agrcola: a quem beneficia?, p. 10. EHLERS, Agricultura sustentvel: origens e perspectivas
de um novo paradigma, passim.

ABRA - REFORMA AGRRIA

145

Ensaios e Debates

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

mentos esto sendo revistos e j se fala em um novo padro. Impe-se, com


urgncia, um novo modelo que concilie a produo, a conservao ambiental e a viabilidade econmica da agricultura.5

mulgada em 5 de outubro de 1988, que delineia um projeto de sociedade e


de Estado democrticos (democracia participativa, econmica e social) a ser
construdo pela cidadania e pelos agentes do Estado.

Os objetivos que compem as propostas para uma agricultura sustentvel


foram assim sintetizadas por Guivant:

Esse projeto perpassa toda a Constituio e sua essncia est sintetizada


nos trs primeiros artigos. Neles, encontramos os chamados princpios-essncia, ou seja, "as prescries normativas constitucionais, destinadas a traduzir
valores sobre os quais se forma uma sociedade".8 Os princpios-essncia consagram valores que devem necessariamente orientar a prtica social, a ao
do Estado e a interpretao das normas jurdicas.

promoo da sade de agricultores e consumidores;


manuteno da estabilidade do meio ambiente, mediante incorporao
dos processos naturais, como os ciclos de nutrientes, a fixao de
nitrognio, o controle de pragas pelos predadores naturais;
assegurao dos lucros dos agricultores a longo prazo;
produo agrcola para responder s necessidades atuais da sociedade,
levando-se em conta as geraes futuras.6
Enfim, a agricultura sustentvel deve ser ecologicamente equilibrada, economicamente vivel, socialmente justa e culturalmente apropriada:
o equilbrio ecolgico assegura a manuteno a longo prazo dos recursos naturais, a produo mnima de impactos adversos ao ambiente e a
diversificao de culturas;
a viabilidade econmica se d quando h retornos adequados aos produtores e otimiza-se a produo das culturas com o mnimo de insumos
qumicos;
a agricultura promove a justia social quando satisfaz as necessidades
humanas de alimentos e de renda, atende s necessidades sociais das
famlias e das comunidades rurais, dirige-se erradicao da fome, da misria e da pobreza e possibilita a organizao democrtica da propriedade;
a produo agrcola deve, ainda, atender s caractersticas geogrficas,
histricas e culturais de determinado povo.7
4. O

PADRO DE PRODUO AGRCOLA HEGEMNICO EM

FACE DOS MODELOS DE SOCIEDADE E DE PRODUO


DELINEADOS NA

C ONSTITUIO

DE

1988

Ao refundar a Repblica, aps o perodo de ditadura militar, o povo


brasileiro firmou novo pacto poltico, consubstanciado na Constituio pro5 - Cf. EHLERS, Agricultura sustentvel: origens e perspectivas de um novo paradigma, p. 106
6 - Cf. GUIVANT, A agricultura sustentvel na perspectiva das cincias sociais, p. 104.
7 - Cf. EHLERS, Agricultura sustentvel: origens e perspectivas de um novo paradigma, pp. 111-118.

ABRA - REFORMA AGRRIA

146

Dentre os princpios-essncia, encontramos os princpios impositivos, que


impem aos agentes polticos que integram os rgos de Estado e cidadania, como um todo, a realizao de fins e a execuo de tarefas.9 No artigo
3 da Constituio encontramos os objetivos da Repblica brasileira (construo da sociedade livre justa e solidria; garantia do desenvolvimento nacional; erradicao da pobreza e da marginalizao; reduo das desigualdades sociais e regionais; promoo do bem de todos, sem preconceitos).
Os princpios-essncia permeiam toda a Constituio. A ordem econmica
constitucionalmente definida tem por fim "assegurar a todos existncia digna,
conforme os ditames da justia social" (art. 170, caput). A ordem social constitucionalmente estabelecida tem como objetivo "o bem-estar e a justia sociais" (art. 193). Assim, a assegurao da dignidade da existncia, a promoo da justia social, a realizao do bem-estar social e a promoo da
justia social so princpios-essncia impositivos.
Alm dos princpios-essncia, a Constituio tambm contempla os princpios-base, as "prescries destinadas a estruturar a organizao da sociedade
ou de determinada atividade que a integra".10 No que diz respeito ordem
econmica constitucionalmente definida, a soberania nacional, a propriedade privada, a funo social da propriedade, a livre concorrncia, a
defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a reduo das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constitudas sob as leis brasileiras e
que tenham sua sede e administrao no Pas so princpios-base que devem
estruturar a organizao das atividades econmicas (art. 170, incs. I a IX).

8 - Cf. DERANI, Direito ambiental econmico, p. 246.


9 - Cf. CANOTILHO, Direito constitucional, p. 122. DERANI, Direito ambiental econmico, p. 246.
10 - Cf. DERANI, Direito ambiental econmico, p. 248.

ABRA - REFORMA AGRRIA

147

Ensaios e Debates

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

O meio ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado como direito


fundamental,11 princpio-base da ordem econmica12 e requisito essencial
para a caracterizao da funo social do imvel rural.13

e) princpio da promoo do bem comum - impe aos agentes polticos que


integram os rgos de Estado e cidadania, como um todo, o dever de criar
todas as condies da vida social que permitam e favoream o desenvolvimento integral de todas as pessoas, sem distino e sem preconceito, garantindo, desse modo, existncia digna a todos, sem exceo.

A sadia qualidade de vida, que pressupe o respeito ao direito ao meio


ambiente ecologicamente equilibrado, compe a dignidade da existncia objetivo da ordem econmica14 - e o bem-estar de todos - objetivo da ordem
social.15 Por ser assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado representa faceta importante para a formao e garantia da dignidade
humana - fundamento do Estado Democrtico de Direito.16
Dentre os princpios que informam o projeto democrtico brasileiro, devem
ser destacados os seguintes:

O padro de produo agrcola adotado em nosso pas, derivado da


Segunda Revoluo Agrcola e fundado na monocultura, no latifndio, na
agroqumica e na reduo da mo-de-obra, concentrador. Ao concentrar
propriedade, riqueza, renda e poder, esse padro de produo caminha na
contramo do projeto constitucional de desenvolvimento, pois s faz aumentar a pobreza, a marginalizao e as desigualdades sociais, alm de provocar a degradao ambiental, inviabilizando a promoo do bem comum.

a) princpio da transformao social - como macro-princpio impositivo,


obriga o cidado, a sociedade (por meio dos sujeitos polticos coletivos e dos
sujeitos econmicos) e as instituies estatais (por meio de seus diversos
rgos de direo poltica) a implementar aes e polticas pblicas voltadas
para a transformao democrtica das estruturas sociais e econmicas.17

O imvel rural que adota esse padro descumpre a funo socioambiental, fere a ordem econmica e social e frustra o cumprimento dos objetivos
fundamentais da Repblica brasileira. Nega, portanto, o projeto de sociedade
democrtica delineado na Constituio. antidemocrtico, do ponto-de-vista
poltico, e inconstitucional, do ponto-de-vista jurdico.18

b) princpio do desenvolvimento socioeconmico - o desenvolvimento


condio para a transformao social, implicando implementao de polticas pblicas que promovam mudanas de carter socioeconmico-cultural e
distribuio eqitativa de seus benefcios;
c) princpio da igualdade material - ao partir da igualdade jurdica e passar
pela igualdade de oportunidades, esse princpio vai alm, pois visa garantir o
pleno desenvolvimento da pessoa humana e a sua capacidade de autodeterminao, bem como a efetiva participao de todos na formao da vontade
poltica do Estado, no gozo dos bens culturais e na partilha eqitativa da
riqueza socialmente produzida;
d) princpio da supremacia do interesse pblico sobre o privado - subordina a livre iniciativa e a propriedade privada ao interesse social;
11 - Constituio da Repblica, art. 225.
12 - Constituio da Repblica, art. 170, inciso VI.
13 - Constituio da Repblica, art. 186, incisos I, II e IV.
14 - Constituio da Repblica, art. 170.
15 - Constituio da Repblica, art. 193.
16 - Constituio da Repblica, art. 1, inciso III. Sobre o tratamento constitucional do meio ambiente, ver
DERANI, Direito ambiental econmico, pp. 253-256.
17 - xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ABRA - REFORMA AGRRIA

148

5. O

PADRO DE PRODUO AGRCOLA HEGEMNICO

EM FACE DA LEGISLAO INFRACONSTITUCIONAL

Essa padro produtivo tambm fere normas e princpios consagrados na


legislao ambiental, agrcola e agrria.
A Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente e a Lei da Poltica Estadual
Paulista do Meio Ambiente, alm de definirem meio ambiente, degradao da
qualidade ambiental, poluio, poluidor e recursos ambientais,19 do as diretrizes e normatizam a poltica ambiental, objetivando a compatibilizao do
desenvolvimento socioeconmico com a preservao da qualidade do meio
ambiente e do equilbrio ecolgico.20
A Lei da Poltica Agrcola subordina a atividade agrcola s normas e princpios de interesse pblico, de forma que seja cumprida a funo social da propriedade21. Define a proteo do meio ambiente como objetivo e instrumento da poltica agrcola.22
18
19
20
21
22

Cf. GOULART, Ministrio Pblico e democracia: teoria e prxis, pp. 127-128.


Lei Federal n 6938/81, art. 3, incisos I a V, e Lei Estadual Paulista n 9509/97, art. 3, incisos I a V.
Lei Federal n 6938/81, art. 4, inciso I, e Lei Estadual Paulista n 9509/97, art. 4, inciso I.
Lei Federal n 8171/91, art. 2, inciso I.
Lei Federal n 8171/91, art. 3, inciso IV, e art. 4, inciso IV.

ABRA - REFORMA AGRRIA

149

Ensaios e Debates

E a Lei da Reforma Agrria considera preservao do meio ambiente, como


requisito do cumprimento da funo social da propriedade rural, a manuteno das caractersticas do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada manuteno do equilbrio ecolgico e da
sade e qualidade de vida das comunidades vizinhas.23
Para a efetivao da poltica ambiental, a legislao impe ao poluidor e
ao predador a obrigao de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao
meio ambiente,24 bem como o sujeita restrio de incentivos e benefcios fiscais, perda ou suspenso de financiamento em estabelecimentos oficiais de
crdito e restrio participao em licitaes.25
A reparao do dano ambiental implica, alm de indenizao, obrigao
de fazer ou de no-fazer.26 Em regra, a obrigao de fazer consiste na implantao de tcnicas, sistemas e equipamentos de controle antipoluio, na sua
manuteno e no seu adequado funcionamento, e a de no-fazer, na cessao das prticas antiambientais.
O legislador consagrou a teoria do risco integral, pela qual o dever de
reparar o dano surge independentemente da culpa do agente e da licitude da
sua conduta, bastando a demonstrao da existncia de dano oriundo de
uma determinada atividade (nexo de causalidade: atividade/dano). Rompe-se
com o sistema clssico da responsabilidade civil, que tem na culpa o fundamento do dever de indenizar, adotando-se a responsabilidade objetiva na sua
maior extenso27. Assim o , porque em matria ambiental vige o princpio da
supremacia do interesse pblico sobre o privado. O titular de uma atividade
privada, da qual obtm vantagens (lucro), deve assumir todos os riscos dela
decorrentes. Isso implica:
prescindibilidade da culpa para o dever de reparar;
irrelevncia da licitude da atividade;
irrelevncia do caso fortuito e da fora maior como causas excludentes
da responsabilidade.

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

6. I NSTRUMENTOS

JURDICO - PROCESSUAIS PARA

A PROMOO DA AGRICULTURA SUSTENTVEL

A promoo da agricultura sustentvel pelos operadores do direito, em


especial pelos promotores de Justia do Meio Ambiente, passa pelo questionamento do padro produtivo hoje hegemnico atravs dos instrumentos
administrativos e processuais criados para a defesa de interesses difusos,
ressaltando-se, nesse passo, o inqurito civil, o compromisso de ajustamento
de conduta e a ao civil pblica.28
Atravs desses instrumentos, os promotores de Justia - defensores do
regime democrtico e do meio ambiente -, devem exigir o cumprimento da
Constituio da Repblica, em especial naquilo que diz respeito funo
social da propriedade rural e de toda legislao infraconstitucional aplicvel,
como v.g., o Cdigo Florestal, a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente,
a Lei da Reforma Agrria, a Lei da Poltica Agrcola, a Lei de Agrotxicos.
7. O M INISTRIO P BLICO

E A PROMOO DA REFORMA AGRRIA

7.1 A funo social do imvel rural


No ordenamento jurdico brasileiro, desde a Constituio democrtica de
1946, a propriedade perdeu o carter de direito absoluto de uso gozo e disposio pelo seu titular. A partir de ento, a funo social passou a figurar
como elemento constitutivo do conceito jurdico de propriedade. Como bem
sintetiza Silveira:

Importa dizer que a funo social no um elemento externo,


um mero adereo do direito de propriedade, mas elemento
interno sem o qual no se perfectibiliza o suporte ftico do direito de propriedade...29
Grau, com acerto, chega a afirmar que:

23
24
25
26
27

Lei
Lei
Lei
Lei
Lei

Federal n 8629/93, art. 9, 3.


Federal n 6938/81, art. 4, inciso VII, e Lei Estadual Paulista n 9509/97, art. 4, inciso V.
Federal n 6938/91, art. 14, incisos II e III, e Lei Estadual Paulista n 9509/97, art. 2, inciso XVIII.
n 6938/81, art. 14, 1, Lei Federal n 7347/85, art. 3.
Federal n 6938/81, art. 14, 1, e Lei Estadual Paulista n 9509/97, art. 32.

ABRA - REFORMA AGRRIA

150

a propriedade dotada de funo social, que no esteja a


cumpri-la, j no ser mais objeto de proteo jurdica. Ou
seja, j no haver mais fundamento jurdico a atribuir direito
de propriedade ao titular do bem (propriedade) que no est a
28 - Tais instrumentos esto disciplinados na Lei Federal n 7347/85.
29 - Cf. A propriedade agrria e suas funes sociais, p. 13.

ABRA - REFORMA AGRRIA

151

Ensaios e Debates

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

cumprir sua funo social. Em outros termos: j no h mais, no


caso, bem que possa, juridicamente, ser objeto de direito de
propriedade.30

demais (aqueles correspondentes aos elementos ambientais e sociais), no


poderia ser desapropriado para fins de reforma agrria.

Na Constituio vigente, a funo social do imvel rural est assim definida:

Art. 186. A funo social cumprida quando a propriedade


rural atende, simultaneamente, segundo critrios e graus de
exigncia estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I- aproveitamento racional e adequado;
II- utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e
preservao do meio ambiente;
III- observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho;
IV- explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos
trabalhadores.
Da anlise do citado artigo, verifica-se que a funo social do imvel rural
constituda por um elemento econmico (aproveitamento racional e adequado), um elemento ambiental (utilizao adequada dos recursos naturais e
preservao do meio ambiente) e um elemento social (observncia das normas que regulam as relaes de trabalho e explorao que favorea o bemestar dos proprietrios e trabalhadores).
Basta a inobservncia de um dos requisitos para a caracterizao do descumprimento da funo social.
7.2 Funo
Funo social do imvel rural e reforma agrria
O imvel rural que no cumpra a funo social susceptvel de desapropriao por interesse social, para fins de reforma agrria (Const. art. 184, caput).
A Constituio diz, todavia, que so insusceptveis de desapropriao para
fins de reforma agrria: (i) o pequeno e mdio imvel rural; (ii) o imvel rural
produtivo (art. 185, incs. I e II).
A interpretao isolada e apressada do art. 185, inciso II, da Constituio,
poderia levar concluso de que o imvel rural que atendesse to-somente
ao requisito econmico da funo social (produtividade), desprezando os
30 - Cf. A ordem econmica na constituio de 1988: interpretao e crtica, p. 316.

ABRA - REFORMA AGRRIA

152

A interpretao sistemtica das normas constitucionais no autoriza tal concluso. Como observa Borges:

a propriedade cuja explorao no respeita a vocao natural


da terra, degradando o seu potencial produtivo, que no mantm as caractersticas prprias do meio natural, que agride a
qualidade dos recursos ambientais, no contribuindo para a
manuteno do equilbrio ecolgico da propriedade, nem
adequada sade e qualidade de vida das comunidades vizinhas est sujeita a sofrer desapropriao ... O simples fato de
ser a propriedade produtiva no garante sua proteo contra a
desapropriao por interesse pblico para fins de reforma
agrria. Se tal propriedade se mantm produtiva em discordncia com as normas ambientais que sobre ela incidem, no se
verifica, a, o cumprimento de sua funo social, conforme preceitua o art. 186 da Constituio. A explorao econmica no
intocvel quando proporciona degradao ambiental.31
A degradao ambiental - seja ela provocada pela utilizao inadequada
dos recursos naturais ou pela no preservao do meio ambiente - produz
evidentes prejuzos ao aproveitamento racional e adequado da terra. H, portanto, vinculao entre os elementos econmico e ambiental da funo
social, sendo impossvel dissoci-los.
O mesmo raciocnio vale para a impossibilidade de dissociao do elemento econmico do elemento social. Ora, no pode ser considerada produtiva
a atividade que necessite desrespeitar as disposies que regulam as relaes
de trabalho para alcanar o grau de eficincia na explorao da terra. Ou
que, para atingir esse grau de eficincia, venha prejudicar o bem-estar dos
proprietrios e dos trabalhadores.
Ainda que a produtividade, do ponto de vista estritamente econmico, esteja presente, o imvel rural poder ser desapropriado para fins de reforma
agrria se descumprido um dos demais requisitos caracterizadores da funo
social (elemento ambiental ou social).
31 - Cf. Funo ambiental da propriedade e reforma agrria, pp. 308-309. No mesmo sentido, VARELLA,
Introduo ao direito reforma agrria, pp. 251-256; SILVEIRA, A propriedade agrria e suas funes sociais, pp. 21-22.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

7.3 O Ministrio Pblico e a promoo da reforma agrria


A Constituio de 1988 confere ao Ministrio Pblico a tarefa de defender
a ordem jurdica, o regime democrtico e os interesses sociais e individuais
indisponveis (art. 127, caput). A defesa da ordem jurdica e a defesa dos
interesses sociais e individuais indisponveis so atribuies tradicionais do
Ministrio Pblico. A defesa do regime democrtico passou a integrar esse rol
a partir da promulgao da Constituio. Diante dessa nova incumbncia,
resta indagar qual democracia deve o Ministrio Pblico defender.
A resposta no difcil. Cabe ao Ministrio Pblico defender o projeto de
democracia participativa, econmica e social delineado na Constituio. No
atual momento histrico, necessrio frisar que, mais do que defender, o
Ministrio Pblico deve colocar-se como parceiro privilegiado das foras sociais comprometidas com a construo da democracia de massas, difundindo e representando os valores democrticos, fazendo atuar os direitos sociais, coletivos e difusos.
A construo da democracia substancial no Brasil passa necessariamente
pela profunda transformao da sua estrutura fundiria, o que implica implementao de uma poltica de reforma agrria agressiva, poltica essa prevista
em captulo prprio da Constituio da Repblica (arts. 184 a 191). No
haver democracia em nosso pas, tampouco desenvolvimento econmico,
sem a realizao da reforma agrria.
A implementao da Poltica Constitucional de Reforma Agrria no dispensa a atuao do Ministrio Pblico, que se d de trs formas:
defesa do interesse difuso reforma agrria;
fiscalizao do cumprimento dos Planos de Desenvolvimento dos
Assentamentos (PDAs) e dos Planos de Desenvolvimento Sustentvel dos
Assentamentos (PDSs);
interveno como custos legis nos processos que versam sobre litgios
coletivos pela posse da terra rural.
Na defesa do interesse difuso reforma agrria, o Ministrio Pblico deve
instaurar inqurito civil nos casos (i) de manifesta omisso da Unio no dever
de desapropriar o grande imvel rural que no cumpre a funo social ou (ii)
de verificao, em determinado caso concreto, desse descumprimento pelo
titular do domnio ou da posse. Num ou noutro caso, cabe ao membro do
Ministrio Pblico que preside o inqurito recomendar ao INCRA a abertura
ABRA - REFORMA AGRRIA

154

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

do processo administrativo de desapropriao, marcando prazo para isso. No


caso de no atendimento da recomendao, dever pleitear, perante a
Justia Comum Federal, por meio de ao civil pblica, a condenao da
Unio na obrigao de fazer a desapropriao e o assentamento de trabalhadores sem-terra nessas reas.
No acompanhamento e fiscalizao dos Planos de Desenvolvimento dos
Assentamentos, o Ministrio Pblico deve instaurar inqurito civil nos casos de
descumprimento das clusulas desses planos, mormente no que diz respeito
ao apoio tcnico e financeiro do Poder Pblico aos assentados e s prticas
antiambientais. Cabe ao membro do Ministrio Pblico que preside o inqurito recomendar ao rgo pblico implementador e/ou representao dos
assentados a observncia dos termos do plano e de prticas consentneas
com padres de produo social e ambientalmente sustentveis, compatveis
com os princpios que informam uma poltica democrtica de reforma
agrria. No caso de no atendimento da recomendao, poder pleitear,
perante o Poder Judicirio, por meio de ao civil pblica, a condenao dos
interessados em obrigaes de fazer ou de no-fazer que garantam o cumprimento do plano.
A atuao do Ministrio Pblico como custos legis nos processos que versam sobre litgios coletivos pela posse da terra rural merece uma abordagem
mais aprofundada, o que se far a partir dos prximos itens deste ensaio.
8. Os litgios coletivos pela posse da terra rural
e o acesso ordem jurdica justa
8.1 O processo como instrumento de acesso ordem jurdica justa
As mudanas sociopolticas que marcaram a transio do Estado liberal
para o Estado social refletem-se no fenmeno processual. As lutas protagonizadas inicialmente pelo movimento operrio, com ntido teor classista,
somadas s lutas de outros grupos e segmentos sociais (negros, mulheres,
estudantes, pacifistas, ambientalistas, consumidores, minorias, etc.), consubstanciadas em demandas por igualdade e melhor qualidade de vida, resultaram no reconhecimento constitucional e legal de novos direitos econmicos, sociais, coletivos e difusos, cuja concretizao passou a depender, precipuamente, da "atuao positiva do Estado",32 seja para criar as condies
32 - Cf. CAPPELLETTI e GARTH, Acesso justia, pp. 10-11. SANTOS, A sociologia dos tribunais e a democratizao da justia, p. 165.

ABRA - REFORMA AGRRIA

155

Ensaios e Debates

da vida social que viabilizem o gozo dos direitos proclamados - a demandar


ao governamental -, seja para superar os conflitos jurdicos decorrentes da
sua inobservncia e violao - a demandar a interveno do Sistema de
Administrao da Justia.
Esse contexto histrico favoreceu a exploso da litigiosidade e o surgimento dos conflitos de massa, que acabam por desaguar no Sistema de
Administrao da Justia, a exigir a mudana de postura dos operadores do
direito, em especial do juiz, que, de mero espectador do duelo das partes,
passa a perseguir, no processo, o objetivo pblico de fazer valer o direito e
realizar justia.
No ltimo sculo, ocorreu intensa publicizao do processo. De mero
instrumento de satisfao de direitos subjetivos, o processo transforma-se em
instrumento do Estado para a realizao do bem comum.
Nessa perspectiva, o grau de efetividade do sistema processual medido
pela capacidade do Estado-jurisdio cumprir seus escopos, garantindo a
todos e atravs do processo a concretizao dos direitos e a realizao da
justia social. A efetividade do processo est diretamente relacionada com a
garantia do acesso justia.
O acesso justia considerado por Cappelletti e Garth como "o ponto
central da moderna processualstica"33 e por Dinamarco como "o plo metodolgico mais importante do sistema processual na atualidade".34 necessrio aprofundar o sentido da expresso acesso justia, que, evidncia, no deve estar limitada idia de livre trnsito nas instituies da Administrao da Justia. Como acentuam Cappelletti e Garth, o sistema "deve
produzir resultados que sejam individual e socialmente justos". 35 Ou como
co-locado por Watanabe, o sistema deve "viabilizar o acesso ordem jurdica justa".36
Assim, o acesso justia deve ser compreendido no seu duplo aspecto: (i)
como universalizao do acesso s instituies que compem o Sistema de
Administrao da Justia; (ii) como acesso ordem jurdica justa.

33
34
35
36

Cf.
Cf.
Cf.
Cf.

CAPPELLETTI e GARTH, Acesso justia, pp. 31-73.


A instrumentalidade do processo, p. 304.
Acesso justia, p. 8.
Acesso justia e sociedade moderna, p. 128.

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Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

No segundo aspecto e levando em conta a realidade brasileira, almeja-se:


a) garantir, pelas instituies do Sistema de Administrao da Justia, o
cumprimento dos objetivos da Repblica, definidos constitucionalmente e
informados pelos princpios da transformao social, do desenvolvimento, da
liberdade, da igualdade, da solidariedade, da supremacia do interesse pblico e da promoo do bem comum;37
b) garantir, pelos membros dessas instituies, a utilizao do direito como
instrumento de transformao social.
8.2 Os litgios coletivos pela posse da terra rural
Os litgios coletivos pela posse da terra rural so trabalhados, em regra,
pelos operadores do direito luz de princpios, normas e doutrinas jurdicas
historicamente superadas. A viso setecentista dessa problemtica ainda prepondera, transformando os tribunais brasileiros em espaos de negao da
efetividade dos direitos sociais constitucionalmente previstos.
Os operadores do direito, de forma geral, e os membros do Judicirio, em
especial, no podem postar-se como instrumentos a servio da manuteno
de uma estrutura agrria perversa, engessando o pas, inibindo o avano do
projeto democrtico constitucionalmente delineado.
A mudana do tratamento dos conflitos coletivos pela posse da terra rural
implica, primeiramente, o reconhecimento, pelo operador do direito, da complexidade social, poltica e jurdica da questo, o que afasta a viso privatstica do tema e impe a utilizao dos princpios constitucionais como critrio
diretivo das opes interpretativas. Desse modo, algumas premissas postas
pelo direito material e processual contemporneos e j consagradas no ordenamento jurdico brasileiro devem ser observadas:
publicizao do regime jurdico da propriedade e da posse da terra;
reforma agrria como instrumento fundamental de concretizao da
democracia econmica e social consagrada na Constituio da Repblica;
publicizao do processo;
Sistema de Administrao da Justia como espao de acesso ordem
jurdica justa.

37 - Sobre os objetivos da Repblica brasileira ver retro, n. 4.

ABRA - REFORMA AGRRIA

157

Ensaios e Debates

Observadas essas premissas, podemos concluir, com Garrido de Paula, que:


a posse que merece proteo jurdica aquela que, nos termos do
Cdigo Civil, seja justa e de boa f, e aquela que, em razo da
Constituio da Repblica e das leis que regulamentam a matria, recaia
sobre terras que cumpram a funo social, em todos os seus elementos
(econmico, ambiental e social), escapando da possibilidade de servir
reforma agrria;
o nus de provar que a posse carente de proteo judicial recai sobre
terra que cumpra com sua funo social do autor.38
8.3 A interveno do Ministrio Pblico nos processos
que envolvam litgios coletivos pela posse da terra rural
O Ministrio Pblico, enquanto ator do processo, ora atua como rgo
agente (autor das aes civis pblicas), ora como rgo interveniente (chamado tradicionalmente de custos legis). Nas hipteses previstas no art. 82 do
Cdigo de Processo Civil, o Ministrio Pblico atua como rgo interveniente,
sempre na defesa de valores que, transcendendo a esfera jurdica individual,
interessam sociedade. Assim, os valores relacionados com a natureza da
relao jurdica material posta em juzo ou relacionados com a condio
peculiar da pessoa que figura como parte no processo.39
A interveno do Ministrio Pblico, como custos legis, s se justifica quando presente na relao jurdica de direito material objeto do processo um
interesse pblico qualificado, compatvel com a relevncia das incumbncias
constitucionais do Parquet - defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis.40
No se pode perder de vista que, ainda como rgo interveniente, o
Ministrio Pblico no deixa de ser parte, pois, como ensina Dinamarco:
a qualidade de parte reside na titularidade dos deveres, nus,
poderes, faculdades, que caracterizam a relao processual:
38 - Concluses da tese de GARRIDO DE PAULA, A interveno do Ministrio Pblico nas aes possessrias
envolvendo conflitos coletivos pela posse da terra rural, aprovadas durante o 2 Congresso do Ministrio
Pblico do Estado de So Paulo (maio de 1997) e incorporadas Carta de Ribeiro Preto pela Reforma Agrria
e em Defesa do Meio Ambiente, elaborada durante o Seminrio "Meio Ambiente e Reforma Agrria", promovido pela Procuradoria-Geral de Justia do Estado de So Paulo, em Ribeiro Preto, em 13 de dezembro de
1999.
39 - Cf. DINAMARCO, Fundamentos do processo civil moderno, p. 322.
40 - Nesse sentido a lio de GUIMARES JNIOR, Ministrio Pblico: proposta para uma nova postura no
processo civil, p. 155.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

partes so os sujeitos do contraditrio institudos perante o juiz


(...) Ora, o rgo do Ministrio Pblico, uma vez no processo,
titular dessas posies jurdicas processuais inerentes relao
jurdica que se estabelece no processo, seja fiscal da lei ou no
(...) O que caracteriza a figura do custos legis (ao contrrio do
que sucede na caracterizao do conceito de parte) uma circunstncia completamente alheia ao direito processual: ele no
vinculado a nenhum dos interesses em causa. No plano do direito material, o fiscal da lei no se prende ao interesse de nenhuma das partes conflitantes: ele quer que a vontade estatal manifestada atravs da lei seja observada (mas, para buscar esse
objetivo, a lei impe que ele atue no processo como parte).41
Com a alterao da redao do art. 82, inc. III, do CPC, dada pela Lei n
9415/96, ficou expressamente prevista a interveno do Ministrio Pblico
nos processos que versam sobre conflitos fundirios. O que justificaria a interveno do Ministrio Pblico nesse tipo de processo?
Enfrentando essa questo com rigor, Garrido de Paula conclui que:
o Ministrio Pblico, nas aes que envolvam litgios coletivos pela posse
da terra rural, tem a qualidade de interveniente em razo da natureza da lide,
reveladora do interesse pblico primrio da Repblica Federativa do Brasil de
incrementar, em conformidade com a Constituio e com as leis, a reforma
agrria.42
do interesse de toda a sociedade brasileira, a consecuo dos objetivos
fundamentais da Repblica, dirigidos construo da sociedade livre, justa e
solidria, na qual o desenvolvimento econmico deve estar voltado necessariamente para a erradicao da pobreza e da marginalizao, para a diminuio
das desigualdades sociais e para a promoo do bem de todos (CR, art. 3,
incs. I a IV). Trata-se do projeto constitucional de democracia econmica e social, que no se compatibiliza com a estrutura agrria e com o padro de produo agrcola concentrador e excludente hoje existentes no pas.
Os conflitos coletivos pela posse da terra, que desguam nos tribunais atravs das aes possessrias, tm como pano de fundo a contradio entre o
projeto constitucional de democracia econmica e social e a cruel realidade
41 - Cf. Fundamentos do processo civil moderno, pp. 326-327.
42 - Cf. A interveno do Ministrio Pblico nas aes possessrias envolvendo conflitos coletivos pela posse
da terra rural, p. 410.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

fundiria brasileira. O processo, enquanto um dos instrumentos de acesso


ordem jurdica justa, pode e deve ser o espao de superao dessa contradio, impondo-se a interveno do Ministrio Pblico, enquanto instituio incumbida de defender o projeto democrtico da Constituio. Esse projeto tem
como meta a justia social no campo, com a mudana da estrutura fundiria
atravs da implementao do plano de reforma agrria (CR, 170, 184 a 191).

e da propriedade rurais, os interesses das partes, mais do que em qualquer outra causa, esto subordinados ao interesse social. O interesse pblico manifesta-se "eloqentemente" e deve preponderar e orientar as decises judiciais.

Vislumbrando o alcance que a participao do Ministrio Pblico nessas


causas pode ter, o juiz Castilhos Bertoluci, do Tribunal de Alada do Rio
Grande do Sul, em deciso liminar proferida em sede de agravo de instrumento, assim se manifestou:

Nesse contexto, a presena e a participao do Ministrio


Pblico em demandas dessa natureza so imperiosas, na medida em que a viso dimanada desse rgo oportunizar no feito
a defesa de direitos e interesses outros, no apenas aqueles contidos na estrita relao processual que vincula possuidores e proprietrios. A Constituio Federal, alis, dotou o Ministrio
Pblico de funes maiores e de alta relevncia na proteo do
interesse pblico. Esse interesse est, como em poucos casos,
eloqentemente presente na espcie. To imperiosa e valiosa
a presena do Ministrio Pblico que deve ela ser convocada
desde o incio da demanda, para que, desde logo, esteja ela lide
impregnada da viso publicista e eqidistante das paixes que
envolvem o caso, assim fornecendo ao magistrado melhores e
mais amplos elementos de convico para decidir. (grifo nosso)
Aqui, o juiz inova, ao acentuar que a participao do Ministrio Pblico
deve ocorrer desde o incio do processo, mesmo antes da apreciao de
eventual pedido liminar ou da apresentao da contestao. E assim deve ser,
em razo, como j visto, das complexas questes sociopoltico-jurdicas que
envolvem o conflito coletivo fundirio.
O conflito coletivo pela posse da terra rural tem peculiaridades que no podem ser desprezadas. O tratamento processual desse tipo de causa no pode
seguir rigidamente o modelo proposto pelo individualista Cdigo de Processo
Civil, projetado para compor conflitos de natureza interindividual.
Deve ser ressaltado o fato de que, nesse tipo de processo, o interesse pblico a ser tutelado no figura como mero adorno dos interesses privados das
partes em litgio. Em decorrncia da publicizao do regime jurdico da posse
ABRA - REFORMA AGRRIA

160

Vimos que a posse merecedora de proteo jurdica aquela que, alm de


ser justa e de boa f, recai sobre terras que cumpram a funo social, nos
seus elementos econmico, ambiental e social.43 Esse ltimo requisito demonstrao do cumprimento da funo social - decorre do regime constitucional da posse e da propriedade rural. Cabe ao autor demonstr-lo e ao
juiz lev-lo em considerao quando da apreciao da existncia do fumus
boni iuris em pedido liminar e no julgamento do mrito. Como imperativo
constitucional, o cumprimento da funo social do interesse de toda a
sociedade e est acima dos interesses das partes em litgio. A tutela desse
interesse social, no processo possessrio, cabe ao Ministrio Pblico, que, na
condio de custos legis e defensor do regime democrtico, no mero
coadjuvante, mas, sim, sujeito do contraditrio e parte interessada na
prevalncia desse imperativo constitucional. Portanto, sua participao deve
dar-se desde o incio, para que apresente, antes de cada deciso (antes,
sobretudo, da deciso que aprecie pedido liminar), os argumentos jurdicoconstitucionais, de natureza pblica, que permeiam a causa e devem formar
a convico do juiz.
No podemos perder de vista que o processo est a servio da realizao
do direito material e o instrumento que o Estado-juiz dispe para pacificar
os conflitos, fazendo justia.44
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43 - Retro, n. 8.2
44 - Nesse sentido, DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, passim.

ABRA - REFORMA AGRRIA

161

Ensaios e Debates

Ministrio Pblico, Meio Ambiente e Questo Agrria

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GRINOVER, Ada Pellegrini e outros (coord.). Participao e
processo. So Paulo, RT, 1988.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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M ARCELO P EDROSO G OULART

Graduado pela USP, o Autor Promotor de Justia no Estado


de So Paulo, Mestre em Direito pela UNESP e Docente da
Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo. membrofundador e ex-Coordenador Nacional (1995/1996) do
Movimento do Ministrio Pblico Democrtico. Alm de colaborar como articulista em peridicos e revistas especializadas,
publicou os livros Ministrio Pblico e democracia: teoria e
prxis, pela LED-Editora de Direito, e Ministrio Pblico e direito
alternativo, este em co-autoria, pela Editora Acadmica.

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A "No Reforma Agrria" do


MDA/INCRA no governo Lula1
Ariovaldo Umbelino de Oliveira1

"O que que h meu pas


O que que h ...
T faltando conscincia
T sobrando pacincia
T faltando algum gritar ..."3

1. Um pouco da Histria...
A experincia da participao na equipe de Plnio de Arruda Sampaio no
segundo semestre de 2003, para elaborar o primeiro documento que deveria ser o II PNRA, foi muito importante para que se pudesse reforar a conscincia de que em poltica vale tudo, menos tica e moral. No governo de
FHC do PSDB no foi diferente, no governo Sarney do I PNRA tambm no
foi diferente. Alis, na ditadura militar, tambm no foi diferente. Mas, os intelectuais sempre acham que chegar um dia do primado da tica e da moral
tambm na poltica.
O intelectual Jos Juliano de Carvalho Filho da FEA - USP e da ABRA em
um feliz artigo publicado em "O Globo" de 20/01/2006, foi brilhante na crtica aos dados de 2005 divulgados pelo MDA/INCRA sobre a reforma agrria
no governo LULA:

"Controvrsia sobre nmeros no novidade quando se trata


de reforma agrria. Quem acompanha a poltica agrria no
Brasil deve se lembrar de vrias situaes em que este fato ocorreu. Chegou a vez do governo Lula.
1 - Trabalho apresentado na reunio paralela realizada pela Via Campesina durante a Conferncia
Internacional sobre Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural - CIRADR-FAO, Porto Alegre-RS entre 7 e
10/03/2006.
2 - Professor Titular do Departamento de Geografia - FFLCH - USP, membro da ABRA e do Instituto IAND.
3 - "Meu pas" - Zez Di Camargo & Luciano, CD Pra no pensar em voc- 1998, msica utilizada na campanha de Lula em 2002.
4 - Tambm membro da equipe de Plnio de Arruda Sampaio do II PNRA.

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

No governo Figueiredo final do perodo ditatorial houve controvrsia sobre os nmeros da reforma. Naquela poca, final de
1984, foi oficialmente anunciada a emisso do milionsimo
documento de titulao de terra. O governo de ento apontava
este fato como evidncia de que estava em curso no pas o
maior programa de reforma agrria do mundo.

"Em dezembro de 1995, primeiro ano do governo FHC, o presidente da Repblica afirmava na imprensa ter conseguido
cumprir a meta de campanha, assentando mais de 40 mil
famlias. O MST questionava os nmeros oficiais, apresentando
o nmero de famlias assentadas em 1995, como inferior a 15
mil. De acordo com o MST, a diferena se devia ao fato de que
FHC, para chegar meta de 40 mil famlias assentadas naquele ano, somara ttulos de regularizao fundiria de processos
que vinham de governos anteriores e, ainda, de ttulos de posseiros. Para o MST, a meta anunciada pelo governo se referia a
40 mil novas famlias que seriam assentadas.

Os jornais publicaram vrias anlises. Manifestei-me a respeito


em artigo publicado pela Folha de S. Paulo poca: O milho
de ttulos anunciados refere-se a uma srie de documentos,
entre os quais se incluem ttulos de propriedade definitivos para
agricultores sem terra, para posseiros que j ocupavam a terra
e ttulos com direito a ocupao provisria. Evidentemente, a
dita maior reforma agrria do mundo, e dos militares, no ocorreu. Cabe tambm relembrar o bvio, ou seja, os movimentos
sociais foram perseguidos e reprimidos nesse perodo negro da
nossa histria."
Assim, como a msica de Raul Seixas, "E anos 80" e seu verso certeiro: "E
anos 80, a charrete que perdeu o condutor"5 mostrou simbolicamente, ocorreram muitas derrotas/vitrias na luta pela reforma agrria no pas. O Brasil
dos militares no fez a reforma agrria do Estatuto da terra, mas a sociedade
civil ganhou o MST que reforou a luta que a CPT j fazia desde a dcada de
70. Ganhou-se o I PNRA, no governo Sarney, mas o Brasil perdeu Marcos
Freire, ministro da Reforma Agrria. Veio a Constituio "cidad" de 1988,
mas, a reforma agrria perdeu a possibilidade histrica de desapropriar terras produtivas concedida pelo Estatuto da Terra de 1964.
Certamente, possvel pensar que o PT tenha comeado a perder seu norte
na eleio de 1989, e todos que o ajudaram em sua construo, perderam
o partido que poderia comear a revolucionar a sociedade brasileira. Quem
sabe a, pode ter desaparecido na histria poltica do Brasil, a possibilidade
de um partido transformar este pas. possvel tambm, pensar que sucumbiu
a, mais uma das teses ortodoxas de um determinado tipo de marxismo. Mas,
tambm possvel pensar que neste momento, uma nova alternativa estava
nascendo no campo brasileiro, o cada vez mais forte movimento campons
moderno. Alis, contrariando intelectuais, polticos de esquerda e quem sabe,
parte de seus prprios dirigentes.
Feita a digresso, preciso voltar ao texto de CARVALHO FILHO:
5 - Raul SEIXAS, "E anos 80" - BRILHANTES, Columbia, (Ed. Especial).

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Durante a campanha pela reeleio, sempre a inflar seus supostos feitos, o ento candidato FHC afirmava pelo site do Incra: O
Brasil est realizando a maior reforma agrria em curso no
mundo. Na televiso, na propaganda oficial, ator famoso anunciava: Uma famlia assentada a cada cinco minutos.
O segundo mandato, marcado pela chamada reforma agrria
de mercado de FHC, desmontou conceitos e condies para
uma distribuio fundiria efetiva. Duas linhas de atuao
norteavam o governo. De um lado, agressividade na implementao da poltica fundiria, anncio de medidas e nmeros,
sempre, com razo, contestados. De outro, com a conivncia da
mdia, crtica contnua aos movimentos sociais, sobretudo o
MST com os objetivos de desqualific-los, enfraquec-los e
criminaliz-los. Essa outra maior reforma agrria em curso no
mundo tambm no ocorreu."
CARVALHO FILHO certamente h de concordar que preciso continuar
registrando para a histria, que no interior do segundo mandato de FHC,
existiu tambm, pela primeira vez na histria da humanidade, a "Reforma
Agrria Virtual dos Correios". Ou seja, aquela que s ocorreu na televiso
para iludir os camponeses sem terra. Quem sabe, FHC ou o PSDB, ou o
prprio ministro Raul Jungmann, um dia podero dar notcia da mesma, para
o registro da histria. A midia brasileira foi to conivente com este falso programa de reforma agrria, que nunca mais, ele foi objeto de uma reportagem
sequer. O que permite entender que a grande midia s defende a propriedade privada da terra, e mais, que uma parte dos reprteres, no tem a
mnima conscincia sobre o que escrevem e/ou falam sobre a propriedade
privada da terra na sociedade capitalista.
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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

Quando foram realizadas as reunies para formular o II PNRA, encontrouse no INCRA, um cadastro de mais de 1,2 milhes de brasileiros que tinham
sido iludidos pelo PSDB do ento presidente FHC. Este partido tem muita
conta para prestar sociedade brasileira. Alis, ele tem sido um partido do
"faz de conta", "faz de conta que sabe fazer", "faz de conta que fez", "faz de
conta que ir fazer", etc, etc, etc.

Tenho dito, ao governo atual, aos movimentos sociais e a mdia quando


procurado, que o estado do Par a "bola da vez da grilagem". Nada tem
adiantado. Nos INCRAs do Par, pasmem, l tinha dois e o atual governo
criou o terceiro (um que deveria ser do Par todo com sede em Belm, outro
em Marab como "herana" do combate guerrilha do Araguaia, onde estava a sede do GETAT - Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins da
ditadura militar, e agora, o MDA/INCRA criou a SR-30 - Superintendncia de
Santarm. Esta unidade est no centro de uma das possveis maiores grilagem
de terra pblica do Sculo XXI. Esta ao veio articulada com a "beno" da
ministra Marina Silva do Meio Ambiente. A Ministra acreditou/acredita que os
madeireiros da Amaznia e os "agentes" do novo Sistema Florestal Brasileiro,
vo cumprir os planos de manejo dos PDSs e dos PAFs6. Trata-se da predominncia do que o excelente jornalista Washington Novaes escreveu em sua
coluna quinzenal no jornal O Estado de So Paulo sob o tambm certeiro ttulo "O fato consumado como regra do jogo":

Mas, agora so os camponeses que novamente esto sendo iludidos. Iludidos


pelo MDA/INCRA. A pergunta a ser feita : o Presidente LULA sabia/sabe que o
MDA/INCRA est fazendo um "quarto da reforma agrria" prevista na Meta 1 do
II PNRA? Ou seja, aquela que interessa diretamente aos movimentos socioterritoriais que formam a Via Campesina e o Frum da Reforma Agrria?
CARVALHO FILHO j deixou registrado para a histria:

"Chegamos ao governo Lula... Entre outras afirmativas, (o


MDA/INCRA) diz que o Brasil superou a meta de assentamentos
prevista no II PNRA... o melhor desempenho da reforma agrria
em toda a nossa histria."
Certamente, CARVALHO FILHO gostaria de ter escrito que:
Essa outra maior reforma agrria do mundo do MDA/INCRA do governo
LULA tambm no ocorreu.
Parece at, uma doena congnita. Certos "tcnicos do Cadastro do INCRA"
parecem ser mgicos, pois enfeitiam todos os dirigentes que por l passam.
Com o atual governo no est sendo diferente, ou seja, tambm foi iludido ou
pediu ajuda para, tentar iludir a todos que lutam pela reforma agrria. Alis, o
que estranho que o atual presidente do INCRA, ajudou durante o governo
FHC, a desmistificar "os dados falsos da maior reforma agrria do mundo do
PSDB". Aqui cabe tambm, uma digresso sobre o INCRA e seus "tcnicos do
Cadastro". Se h uma caixa preta das terras do Brasil e da reforma agrria, ela
est no Cadastro daquela instituio. Por l passaram alguns dos maiores
"agentes da grilagem de terra do pas", se que eles ainda no esto por l.
Basta uma pergunta para incriminar uma parte dos que j passaram por este
setor do INCRA: nas mos de quem esto a maior parte das terras pblicas discriminadas e/ou arrecadadas da Amaznia Legal? Como os que se dizem proprietrios conseguiram estas terras? Ser que o cadastro resiste a uma auditoria sria de quem sabe das "grilagens legalizadas" que so feitas atravs de certos "tcnicos do Cadastro" desde, pelo menos, os governos militares?
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H duas semanas, quando da aprovao no Congresso do projeto de lei


sobre concesso de florestas pblicas na Amaznia, comentou-se aqui a
prevalncia, na mal chamada rea ambiental, da 'teoria do j que' - querendo dizer que j que no se consegue fazer o melhor, j que no se consegue
fazer prevalecer o mais racional, j que no se consegue vencer resistncias
poltico-econmicas, j que no se consegue estabelecer as regras mais adequadas, capazes de realmente levar ao uso sustentvel dos servios e recursos naturais, aceita-se, como mal menor, uma legislao questionvel pela
cincia e/ou pelo bom senso, que se dobra diante de fatos ou situaes que
considera consumados, irreversveis.
As ltimas semanas foram fartas em episdios dessa natureza. Pode-se
comear pela resoluo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
que alterou as regras para ocupao e utilizao de reas de Preservao
Permanente (APPs), como beiras de rios, nascentes, veredas, reservatrios,
reas indgenas, manguezais, dunas e topos de morros. Embora as novas
regras s prevaleam para ocupaes consumadas at julho de 2001, 'so
um retrocesso', como definiu o procurador Antnio Herman Benjamin, com
longa e competente experincia na rea ... Mas os riscos no terminam a."7
No Par ( e na Amaznia toda), em qualquer dos trs INCRAs a corrupo
e a grilagem comea em certos "funcionrios dos Protocolos", passa, bvio
pelo Cadastro, tudo via madeireiros e grileiros e seus agentes internos (do
INCRA), e termina na mesa dos superintendentes e/ou Brasilia.
6 - PDS - Projeto de desenvolvimento sustentvel e PAF - Projeto Agro-florestal.
7 - NOVAES, W "O fato consumado como regra do jogo" in O Estado de So Paulo, 03/03/2006, p. A2.

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

A SR-Santarm, desde o incio de 2006, vem fazendo reunies com as


madeireiras para viabilizar os PDS que vai implantar em sua jurisdio. Ou,
como um alto funcionrio deste rgo diz nas reunies com os madeireiros:
"Vocs do a terra", uma ironia, pois a terra pblica, portanto do INCRA, e
os assentados "permitiro que a madeira seja explorada atravs de planos de
manejo". Quase cem por cento das terras desta jurisdio so terras do
INCRA ou devolutas, o que pela Constituio de 1988, deveriam ser destinadas para a reforma agrria. Entretanto, esto sendo "griladas" por alguns
"funcionrios do INCRA" para aos proprietrios de terra (do Mato Grosso, do
Paran, etc.) que queiram "compr-las". A mdia tem denunciado esta nova
forma de grilagem nos municpios da margem esquerda do Rio Amazonas8.
(FIGURA 01)

Foi em decorrncia em parte de tudo isso que os dados relativos aos assentamentos de reforma agrria do INCRA continuaram no atual governo, "contaminados" por informaes que no se referem a assentamentos de reforma
agrria propriamente dita. Esta "contaminao" dos dados interessa a "certos
funcionrios" do INCRA que so corruptos, pois, encobrem suas aes frente
a seus dirigentes. Mas, parece que est interessando tambm concepo de
reforma agrria do MDA/INCRA. Parece que todos que tm que fazer a reforma agrria no governo LULA, esqueceram-se do que reforma agrria. Por
isso, no demais lembrar o texto original do Estatuto da Terra de 1964, afinal, o primeiro dever de qualquer funcionrio pblico o cumprimento do
ordenamento legal:

Figura 01

"Artigo 1 ...
1 Considera-se Reforma Agrria o conjunto de medidas que
visem a promover melhor distribuio da terra, mediante modificaes no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos
princpios de justia social e ao aumento de produtividade."
Em publicao recente escrevi sobre esta questo, trazendo luz posies
de eminentes estudiosos da reforma agrria:

"A reforma agrria constitui-se, portanto, em um conjunto de


aes governamentais realizadas pelos pases capitalistas visando modificar a estrutura fundiria de uma regio ou de um pas
todo. Ela feita atravs de mudanas na distribuio da propriedade e ou posse da terra e da renda com vista a assegurar
melhorias nos ganhos sociais, polticos, culturais, tcnicos,
econmicos (crescimento da produo agrcola) e de reordenao do territrio. Este conjunto de atos de governo deriva de
aes coordenadas, resultantes de um programa mais ou
menos elaborado e que geralmente, exprime um conjunto de
decises governamentais ou a doutrina de um texto legal...
Do ponto de vista etimolgico, a palavra reforma deriva do prefixo re e da palavra formare. A palavra formare a forma de
existncia de uma coisa ou de um sentido. Por sua vez, o prefixo re contm o significado de mudana, de renovao. Logo,
a palavra reforma contm o significado de mudana de uma
estrutura pr-existente, em um outro sentido determinado. A
Fonte: Folha de So Paulo, 07/03/2005.

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8 - Folha de So Paulo, 07/03/2005.


9 - Artigo 1 da Lei n 4.504 de 30/11/1964.

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

reforma agrria implica, portanto, na idia de renovao da


estrutura fundiria vigente. Por conseguinte, as leis de reforma
agrria constituem-se em instrumentos opostos estrutura
agrria existente, a qual ela objetiva modificar.

duo e melhorar a forma de distribuio dos benefcios obtidos dela, a fim


de conseguir melhores condies de vida e de trabalho, em benefcio da comunidade rural" e acrescenta que "no conceito enunciado necessrio distinguir vrios aspectos importantes: (1)- poltico: que consiste na participao do
governo na ao que visa planejar e realizar a reforma agrria; (2)- jurdico:
que est arraigado nica e exclusivamente na reforma institucional e nos contedos dos atos de governo de origem legislativa ou de regulamentao necessrias para instrument-la; (3)- econmico: que compreende o conjunto
de medidas que so adotadas para melhorar os ndices de produtividade, para obter uma melhor distribuio da riqueza, para promover a conservao
das fontes naturais da produo, para dividir os latifndios, para concentrar
e reagrupar os minifndios, etc.; (4)- tcnico: que se refere especialmente s
modificaes nas formas de trabalho e a seus aperfeioamentos, mecanizao agrcola, ao uso de fertilizantes, ao sistema de transporte, etc.; (5)- social:
que abarca um cem nmeros de mudanas afim de lograr um estado sanitrio melhor da populao, melhorar o nvel alimentar, evitar as enfermidades, repartir ensinamentos adequados, capacitar os trabalhadores, induzi-los
a adaptar-se s mudanas necessrias para viver e trabalhar em condies
mais favorveis."

Nas sociedades capitalistas a reforma agrria tem sido feita com


o objetivo de mudar a propriedade privada da terra concentrada nas mos dos latifundirios, dividindo-a e a distribuindo para
os camponeses e demais trabalhadores.
Segundo a literatura jurdica citada pelo professor Pinto FERREIRA 10, reforma agrria "a reviso, por diversos processos
de execuo, das relaes jurdicas e econmicas dos que detm e trabalham a propriedade rural, com o objetivo de modificar determinada situao atual do domnio e posse da terra e
a distribuio da renda agrcola" como afirma Nestor DUARTE.
Ou ento, reforma agrria "...segundo o moderno conceito,
uma reestruturao da sociedade agrria tendo como finalidade avolumar a quota-parte da renda social agrcola que vai ficar em poder dos setores at ento menos favorecidos dessa
sociedade; pequenos proprietrios, rendeiros, parceiros, trabalhadores, assalariados, etc." como escreveu Henrique de BARROS. J segundo Coutinho CAVALCANTI, "reforma agrria a
reviso e o reajustamento das normas jurdico-sociais e econmico-financeiras que regem a estrutura agrria do Pas, visando valorizao do trabalhador do campo e ao incremento da
produo, mediante a distribuio, utilizao e explorao sociais e racionais da propriedade agrcola, melhor organizao e extenso do crdito agrcola e ao melhoramento das
condies de vida da populao rural."
Rafael Augusto de MENDONA LIMA11 defende a idia de que foi o professor Antonino C. VIVANCO quem melhor conceituou a reforma agrria,
afirmando que ela "consiste na modificao da estrutura agrria de uma regio ou de um pas determinado, mediante a execuo de mudanas fundamentais nas instituies jurdicas agrrias, no regime de propriedade da terra
e na diviso da mesma. Alm de tudo isso, pressupe a construo de obras
e prestao de servios de diferentes naturezas tendentes a incrementar a pro10 - FEREIRA, Pinto "A reforma agrria", Ed. Livraria Freitas Bastos, So Paulo, 1970.
11 - MENDONA LIMA, Rafael Augusto de "Direito agrrio, reforma agrria e colonizao", Livraria Francisco
Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Assim, a reforma agrria compreendida como um amplo conjunto de


mudanas profundas em todos os aspectos da estrutura agrria de uma
regio ou de um pas, visando alcanar melhorias nas condies sociais,
econmicas e polticas das comunidades rurais. Por isso, Antonio GARCIA discutindo o conceito de reforma agrria, concluiu que ele deve ser "um processo massivo, rpido e drstico de redistribuio dos direitos sobre as terras e
sobre as guas", "dialeticamente, uma operao conflitiva de mudanas na
qual se modificam, com freqncia, os ncleos dinmicos do processo (passando o centro poltico de gravidade de uma fora outra) e na qual, por
suposto, removem-se e se substituem as ideologias". Sinteticamente e de
forma objetiva, tambm Raymundo LARANJEIRA12 escreveu que a "reforma
agrria o processo pelo qual o Estado modifica os direitos sobre a propriedade e posse dos bens agrcolas, a partir da transformao fundiria e da
reformulao das medidas de assistncia em todo o pas, com vista a obter
maior oferta de gneros e a eliminar as desigualdades sociais no campo."
As condies fundamentais para a realizao da reforma agrria, baseando-se em parte na concepo de Pompeu ACCIOLY BORGES13, so:
12 - LARANJEIRA, Raymundo "Colonizao e reforma agrria no Brasil", Civilizao Brasileira, Rio de
Janeiro, 1983.
13 - ACCIOLY BORGES, Pompeu "Os donos da terra e a luta pela Reforma Agrria" - CODECRI - IBASE,
Rio de Janeiro, 1984.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

(1)- a reforma agrria deve ser um processo amplo, geral e


macivo de redistribuio dos direitos sobre as terras e as guas;
deve ser amplo para poder atingir com suas metas em um curto
prazo (no mximo dez anos) toda uma regio ou todo o pas;
precisa tambm ser geral para poder eliminar a estrutura latifundiria e desenvolver em seu lugar um plano de democratizao de acesso a terra e a gua, tendo por base a produo
camponesa; e ser macivo para poder beneficiar a totalidade dos
camponeses sem terra, dos que possuem pouca terra e dos
demais trabalhadores que desejarem ter acesso a terra;

va conceituao do que seja o 'justo valor'; deve fixar de forma


progressiva, prazos mais longos para o resgate dos ttulos da
dvida agrria, quanto mais baixos os ndices de produtividade;
e suprimir a clusula de garantia contra eventual desvalorizao
da moeda;

(2) a reforma agrria deve ser parte de um programa de desenvolvimento agrrio e de um plano geral de desenvolvimento
econmico e social nos quais, tenha previamente assegurada
sua cota-parte no total dos. investimentos programados;
(3) a reforma agrria deve ser planejada, coordenada e executada em todos os seus aspectos por um rgo ou entidade
pblica com poderes, prestgio poltico e dotada recursos financeiros e humanos suficientes, com uma estratgia de execuo
participativa e descentralizada;
(4) a reforma agrria deve mobilizar todas as foras polticas existentes - movimentos sociais, centrais sindicais, sindicatos de trabalhadores, instituies, entidades e organizaes populares - que representam a massa dos camponeses e demais trabalhadores interessados, para participarem direta e intensamente da elaborao,
implantao e gesto dos seus planos, programas e projetos;
(5) a reforma agrria deve ser executada em cada rea prioritria (territrio reformado) tendo como princpio fundamental os
fatores sociais, polticos, econmicos, tcnicos e institucionais
especficos; garantindo-se a ao integrada de todos os rgos
e entidades pblicas na rea reformada;
(6) a reforma agrria deve incidir preferencialmente sobre as
grandes propriedades que no cumprem a funo social da
terra e nas quais existam condies favorveis de explorao;
(7) a reforma agrria deve limitar ao mnimo o pagamento das
indenizaes pela desapropriao da terra, atravs de uma noABRA - REFORMA AGRRIA

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(8) a reforma agrria deve criar uma nova estrutura da propriedade fundiria, apoiada exclusivamente (I) na pequena propriedade familiar camponesa integrada ou no em cooperativa
ou outra forma associativa de produo agrcola; e (II) em
unidades de produo de camponeses baseadas no direito real
de uso da terra de propriedade da Unio; face existncia da
empresa agrcola capitalista (pequena, mdia ou grande) assim
qualificada segundo o grau de utilizao dos recursos da terra,
o uso da tecnologia moderna, o capital investido por unidade
de rea, e do emprego de mo-de-obra assalariada;
(9) a reforma agrria deve modificar as relaes de trabalho
existentes no campo, de sorte assegurar (I) mais justa distribuio de renda agrcola; (II) cumprimento integral da legislao pertinente; e (III) defesa dos direitos e garantias do trabalhador assalariado;
(10) a reforma agrria deve adotar um sistema econmico de
investimento que priorize a utilizao dos camponeses e demais
trabalhadores beneficirios da mesma;
(11) a reforma agrria deve conservar e ampliar as reas de proteo ambiental, bem como desenvolver um agricultura saudvel
que no comprometa o uso sustentvel dos recursos naturais.
Para a implantao da reforma agrria h a necessidade de duas polticas
fundamentais: a poltica fundiria e a poltica agrcola.
A poltica fundiria refere-se ao conjunto de princpios que as diferentes sociedades definiram com aceitvel e ou justo para o processo de apropriao
privada da terra ... Na poltica fundiria, est includo tambm, o conjunto de
legislaes que estipulam os tributos incidentes sobre a propriedade privada
da terra; as legislaes especiais que regulam seus usos e jurisdies de exerccio de poder; e programas de financiamentos para a aquisio da terra.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

A poltica agrcola por sua vez, refere-se ao conjunto de aes de governo


que visam implantar nos assentamentos de reforma agrria a assistncia
social, tcnica, de fomento e de estmulo produo, comercializao, beneficiamento e industrializao dos produtos agropecurios. Esto incluidos nestas aes: educao e sade pblicas, assistncia tcnica, financeira, creditcia e de seguros, programas de garantia de preos mnimos e demais subsdios, eletrificao rural e outras obras de infra-estrutura, contruo de moradias e demais instalaes necessrias, etc."14

aqueles que foram objeto de atos desapropriatrios ou compra em regio


onde estes atos desapropriatrios no podem ser realizados.

Dessa forma, preciso discernir os atos governamentais interessando o


conjunto das aes relativas reforma agrria. Para contribuir ao debate
sugiro a seguinte diviso dos atos praticados pelo INCRA e que redundam em
estatsticas da reforma agrria, em quatro classificaes:
1. Reordenao Fundiria: refere-se aos casos de substituio
e/ou reconhecimento de famlias presentes nos assentamentos j
existentes, e/ou para garantir seus acessos s polticas pblicas;
2. Regularizao Fundiria: refere-se ao reconhecimento do
direito das famlias (populaes tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) j existentes nas reas objeto
da ao (flonas, resex, agroextrativistas, desenvolvimento social,
fundo de pastos, etc.);
3. Reassentamentos Fundirios de famlias Atingidas por
Barragens: referente aos proprietrios ou com direitos adquiridos em decorrncia de grandes obras de barragens e linhas de
transmisso de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas
concessionrias e/ou privadas;
4. Reforma Agrria: refere-se somente aos assentamentos decorrentes de aes desapropriatrias de grandes propriedades improdutivas, compra de terra e retomada de terras pblicas griladas.
bvio que o ideal seria depurar ainda mais a ltima categoria, retirando
os assentamentos em terras pblicas griladas ou no na Amaznia Legal, e
que fossem ocupadas por famlias que nunca as ocuparam anteriormente,
passando-os para a classe da colonizao. O INCRA possui todas as
condies para distinguir como assentamentos de reforma agrria somente
14 - OLIVEIRA, A.U. "Reforma Agrria" in Dicionrio da Terra, org. Mrcia Mota, Civilizao Brasileira, Rio
de Janeiro, p. 385/391.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Outro ponto que precisa ser reforado aquele referente aos termos do II
PNRA. No documento oficial presente no site15 do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio pgina 38 est a relao das onze METAS do II PNRA 2003/2006:

"META 1 - 400.000 novas famlias assentadas;


META 2 - 500.000 famlias com posses regularizadas;
META 3 - 150.000 famlias beneficiadas pelo Crdito Fundirio;
META 4 - Recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade
econmica dos atuais assentamentos;
META 5 - Criar 2.075.000 novos postos permanentes de trabalho no setor reformado;
META 6 - Implementar cadastramento georreferenciado do territrio nacional e regularizao de 2,2 milhes de imveis rurais;
META 7 - Reconhecer, demarcar e titular reas de comunidades
quilombolas;
META 8 - Garantir o reassentamento dos ocupantes no ndios
de reas indgenas;
META 9 - Promover a igualdade de gnero na Reforma Agrria;
META 10 - Garantir assistncia tcnica e extenso rural, capacitao, crdito e polticas de comercializao a todas as famlias
das reas reformadas;
META 11 - Universalizar o direito educao, cultura e
seguridade social nas reas reformadas."
Pode-se afirmar ento, que ocorreu uma clara e intencional confuso na
divulgao dos dados. Se o II PNRA que o documento oficial da reforma
15 - www.mda.gov.br/aquivos/PNRA_2004.pdf, consultado em 02/03/2006 s 16:24hs.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

agrria brasileira separou as metas, por que o MDA/INCRA as juntou na


divulgao das cifras? Porque a atitude de somar tudo como se fossem dados
dos novos assentamentos da reforma agrria da Meta 1? possvel pensar
neste momento, apenas uma explicao: mais um ano de fracasso no cumprimento da Meta 1 do II PNRA, de assentar em 2005, um total de 115 mil
famlias. Como o MDA/INCRA no cumpriu novamente a meta do ano passado, como j no havia cumprido as metas de 2003 e 2004, o caminho foi
instaurar a confuso "liqefazendo" tambm, os dados de 2005. E mais, o
que preocupante do ponto de vista poltico, reagindo energicamente ao
MST quando este movimento scioterritorial acertadamente criticara os dados
de 2005 divulgados, atravs da seguinte nota:

Militar, do que qualquer coisa que pudesse ser chamada de Reforma Agrria.
4. Por outro lado, espervamos que o Governo explicasse porque quase 200 mil
famlias, de pobres do campo, ainda vivem nos acampamentos em beiras de estrada e em latifndios improdutivos. E que esperam as meras estatsticas organizadas
por eles. Enquanto isso, vivem sob condies precrias debaixo de barracos de lona
e sem qualquer assistncia para produo.
5. Finalmente, achamos que o Ministro Miguel Rossetto deva acatar a sugesto que
o Presidente do INCRA, Rolf Hackbart, defendia quando era assessor da Cmara dos
Deputados: que seja formada uma comisso de auditoria dos assentamentos, formada pela CNBB, OAB, jornalistas e servidores do Incra (CNASI) para ir visitar in loco
esses assentamentos, e atestar as condies em que estas famlias se encontram.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA MST


SCS Qd. 06 Ed. Carioca, salas 708/709 - 70.032-000 Braslia/DF
FONE: (61) 3322 - 5035 FAX: (61) 225 1026
Escritrio Nacional em Braslia - DF
Reforma Agrria: Por um Brasil sem Latifndio !

Braslia, 22 de dezembro de 2005


NOTA IMPRENSA E SOCIEDADE
Em relao aos dados anunciados nesta quinta-feira (22) pelo Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
sente-se na obrigao de esclarecer a sociedade que:
1. Assim como a poltica econmica do Governo Lula, a poltica de Reforma
Agrria nada tem de original e repete os mesmos passos do Governo FHC: inflaciona os verdadeiros nmeros de assentamentos utilizando a prtica de contabilizar
a reposio de lotes em assentamentos antigos como novos assentamentos; em
deixar famlias vivendo em assentamentos precrios no norte do pas em terras
pblicas, que beneficiam principalmente grileiros. No intuito de provar que estaria
fazendo a reforma agrria. Reforma agrria desconcentrar a propriedade da terra
e resolver os problemas dos pobres do campo.
2. A falta de originalidade repete-se na submisso s polticas do Banco Mundial
para rea agrcola, mantendo a fracassada poltica do Banco da Terra, rebatizado de
Crdito Fundirio, uma premiao aos latifundirios improdutivos que tm suas terras compradas vista, enquanto milhares de agricultores iludidos endividam-se
para pag-las. Hoje, mais de 40 mil famlias encontram-se em situao de inadimplncia em Estados como Cear, Pernambuco e Bahia, em projetos antigos com o
mesmo receiturio.
3. Lamentavelmente, o que o Ministro comemora hoje uma poltica que no
desconcentra a propriedade da terra e no distribui renda, premiando o latifndio e
que assemelha-se mais aos projetos de colonizao da Amaznia do Regime
ABRA - REFORMA AGRRIA

178

COORDENAO NACIONAL DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA16


Alm da nota oficial do MST, seu site divulgou tambm comentrios sobre
o fato e a nota:
"MST contesta nmeros da Reforma Agrria do governo
22/12/2005
A Coordenao Nacional do MST contesta os dados da Reforma Agrria apresentados pelo governo Lula e afirma que o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio
(MDA) repete mtodos do governo Fernando Henrique Cardoso [1995-2002].
O MDA anuncia nesta quinta-feira que foram assentadas mais de 115 mil famlias
em 2005, nmero que ultrapassa a meta anual. O Plano Nacional de Reforma Agrria do governo Lula prev o assentamento de 400 mil famlias at o final de 2006.
De acordo com nota do MST ... o governo Lula inclui nos nmeros da Reforma
Agrria famlias que receberam terras de assentamentos antigos. Na maioria dos
casos, as terras foram reutilizadas depois da desistncia de outros trabalhadores por
causa da falta de condies de vida, produo e terras agricultveis.
Foram aumentados tambm os dados de assentamentos na regio amaznica, que
tm estrutura precria e esto em terras pblicas, preservando os grileiros da regio.
O MST pede formao de uma comisso, com a participao de movimentos
sociais, da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), dos servidores do Instituto Nacional de Colonizao
e Reforma Agrria (Incra) e jornalistas para visitar os assentamentos anunciados e
fazer uma auditoria nos dados apresentados.
O governo sustenta que foram assentadas 36 mil famlias, em 2003, e 81 mil, em
2004. Estudo do pesquisador e professor titular da Universidade de So Paulo
(USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, calcula que foram assentadas 9 mil
famlias, em 2003, e 35 mil, em 2004."17
16 - http://www.mst.org.br/informativos/minforma/ultimas1441, acessado no dia 02/03/2006 s 17:50hs.
17 - Idem

ABRA - REFORMA AGRRIA

179

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A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

As crticas acertadas desencadearam uma nota spera do MDA/INCRA crtica, revelando, mesmo sem uma anlise criteriosa e profunda dos dados, o fracasso governamental no cumprimento das metas do II PNRA. Parece que
prevaleceu o ditado popular de que a "melhor defesa o ataque". Foram os
seguintes os termos da crtica do MDA/INCRA como resposta critica do MST:

terras foram destinadas para a Reforma Agrria e 240 mil agricultoras e agricultores
sem terra foram assentados.
7. O MST acusa o Governo de submisso s polticas do Banco Mundial por
manter um programa de crdito fundirio. Neste caso, trata-se de desinformao ou
m f. O Programa de Crdito Fundirio um programa distinto do programa de
Reforma Agrria, destinado a um outro pblico, que tem condies de financiar a
compra de terra. So agricultores familiares, minifundirios, que querem ter um
pedao a mais de terra e pagar por ela, ou jovens que no pretendem abandonar o
campo e necessitam de terra para plantar. Este programa uma reivindicao de
movimentos como a Contag, a Fetraf, e diversos outros. Suas terras, por Lei, no
podem ser objeto da reforma agrria uma vez que so inferiores a 15 mdulos fiscais e, por isto mesmo, no passveis de desapropriao.
7. O Brasil persiste como um dos pases com maior concentrao fundiria do
mundo. A Reforma Agrria uma tarefa histrica, de carter civilizatrio, que este
pas no foi capaz de resolver a contento. Esta situao, no entanto, est mudando.
A Reforma Agrria comeou a caminhar a passos largos. Ainda h muito a ser feito.
Muito trabalho pela frente. Um trabalho a ser realizado em conjunto pelo Governo
e pela sociedade. Um trabalho que no pode ser interrompido nem dificultado pelo
debate maniquesta, pobre e marcado por interesses particulares ou de grupos."18

"NOTA OFICIAL MDA/INCRA


(22/12/2005 - 18:12)
1. O Ministro do Desenvolvimento Agrrio, Miguel Rossetto, e o Presidente do
INCRA, Rolf Hackbart, anunciaram hoje que o Brasil superou a meta de assentamentos prevista no Segundo Plano Nacional de Reforma Agrria. Trata-se do melhor desempenho da Reforma Agrria em toda a nossa histria. , acima de tudo,
uma vitria do pas, que comea a superar uma longa histria de concentrao
fundiria e pobreza no campo.
2. Em Nota Imprensa e Sociedade, a Coordenao Nacional do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tenta confundir a opinio pblica negando as
informaes prestadas pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio e o INCRA.
Alheio ao que realmente est acontecendo no campo brasileiro, o MST discorda dos
nmeros sem fundamentar sua discordncia, faz uma crtica leviana sobre os
critrios de contabilizao de assentados e procura estabelecer com o Governo um
debate sem nenhuma seriedade, baseado em slogans vazios de contedo, informaes e argumentos falsificados.
3. Como bem sabe o MST, a crtica que era feita ao processo de contabilizao do
governo anterior era a de que os nmeros anunciados no se referiam as famlias efetivamente assentadas e sim a uma pretensa "capacidade" das reas destinadas reforma agrria. Este procedimento foi afastado com a revogao da portaria 80 do Incra,
no primeiro ano deste governo. Desde ento, os nmeros contabilizados referem-se
a famlias na terra, em projeto de assentamento promulgado, em rea de propriedade
definitiva do Incra, com todos os direitos de assentado garantidos. O que na linguagem tcnica do rgo chama-se "RB" homologada (relao de beneficirios).
4. Este um tipo de debate que no ajuda a Reforma Agrria. De fato, em 2005,
a meta de 115 mil famlias assentadas prevista no PNRA foi superada. So mais de
115 mil mulheres e homens, com nome, sobrenome e CPF, que passaram a ter seu
lote de terra para viver e produzir com dignidade. Gente real que no possua terra
e agora possui; que no produzia e agora produz. Se o MST no v, ou no sabe,
porque est longe destas terras e desta gente.
5. O MST critica genericamente o assentamento em terras pblicas na Regio
Norte do pas. Estamos assentando sim, em terras pblicas no norte do pas. E
podemos fazer isto porque estamos combatendo a grilagem nestas terras.
Recuperando terras que estavam ilegalmente nas mos de grileiros e destinando-as
para a Reforma Agrria. Sim, fizemos projetos de assentamento, no norte do pas,
no Par, na terra pblica que estava grilada e pela qual deu a vida a Irm Dorothy.
uma pena que o MST no compreenda a importncia desta luta e deste trabalho.
6. O MST afirma que a Reforma Agrria que estamos fazendo no desconcentra
a propriedade da terra. No fundamenta esta afirmao. No pode faz-lo. Vamos
aos fatos, eles falam por si: em trs anos de governo, 16,3 milhes de hectares de
ABRA - REFORMA AGRRIA

180

Em ato continuo, o INCRA divulgou em seu site a listagem por superintendncia, com nome dos municpios, nomes dos projetos e ano de implantao, nomes dos beneficirios das RBs (Relao de Beneficirios) homologadas. Esta relao estava no site do INCRA no dia 23/01/2006 s 23:25hs,
quando a baixei em meu computador. Desta primeira listagem partem agora
minhas crticas aos dados do MDA/INCRA. Entretanto, para meu espanto e
certamente de muitas outras pessoas que acessam as pginas do governo na
Internet, quando, no Instituto Iand, baixei novamente o citado arquivo que
estava disponvel no site do INCRA, no dia 13/02/2006 s 13:27hs, fui alertado por Camila Salles de Faria e Maira Bueno Pinheiros, que a nova listagem
baixada no continha mais os anos dos assentamentos. Portanto, MDA/INCRA
agiu efetivamente, de forma intencional em tentar esconder qualquer possibilidade de descoberta das irregularidades com os dados. Por sorte, tenho gravado como prova com o registro da Internet as duas tabelas. Atualmente, j foi
retirada do site do INCRA, tambm a segunda verso da listagem.
A pergunta que pode ser feita neste momento aquela simples: porque este
ato? bvio, foi porque que , atravs dos anos dos assentamentos, que se
pode descobrir que os assentamentos no eram de 2005. Parece que neste
caso tambm, prevaleceu outro ditado popular: "a mentira tem perna curta".
Assim, a alegao do MDA/INCRA no item 3 da crtica ao MST, de que o
nmero de assentados deriva das RBs homologadas, igualmente continuam
18 - http://www.mda.gov.br/index.php?ctuid=8071&sccid=134, acessado dia 02/03/2006 s 17:33hs.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

escondendo outra verdade. Quando o INCRA faz o reconhecimento de assentamento antigo, ou de posses, ou de reassentamento de atingidos por barragens, ou de famlias que "compram" ou no vagas de famlias j assentadas, "tecnicamente para o Cadastro do INCRA" elas entram atravs das RBs
homologadas. Dessa forma, a rotina tcnica contm um equvoco conceitual
propositado que visa reunir em uma mesma classificao, assentamentos que
que so conceitualmente diferenciados.

Intencionalmente do ponto de vista poltico a crtica do MDA/INCRA tentou


indispor o MST (denominado de "grupo") contra os movimentos pela terra do
plo sindical e dos posseiros em geral. A acusao principal aquela de que o
MST est "alheio ao que realmente est acontecendo no campo brasileiro, o
MST discorda dos nmeros sem fundamentar...". O MDA/INCRA sabe muito
bem que se h movimento scioterritorial que tem conscincia plena do que
est acontecendo no campo brasileiro o MST. Portanto, fomentar a diviso dos
camponeses e trabalhadores interessados na reforma agrria, no mnimo tergiversao do mundo da poltica onde todos apreenderam que "a melhor forma
de combater o opositor tentar dividi-lo, atacando-o e desqualificando-o", pois
assim, ele tem que ficar se defendendo. Como se v, o governo FHC fez escola at para muitos daqueles que se dizem petistas no governo LULA.

No h nada de errado em o MDA/INCRA afirmar que realizou a regularizao fundiria, ou o reassentamento, ou mesmo, a reordenao fundiria
de um determinado nmero de famlias, pois estas aes fazem parte das rubricas das diversas metas do II PNRA. O problema tentar dizer que o MDA/
INCRA cumpriu a meta de 2005, de assentar 115.000 famlias em assentamentos da reforma agrria, ou seja, teria cumprido a Meta 1 do II PNRA. Isto
efetivamente no ocorreu em 2005 e muito menos em 2003 e 2004. O que
ocorreu provavelmente, foi que "compraram", conscientes ou no, a "idia"
que um "certo ex-funcionrio" do INCRA (que trabalhou durante o governo
FHC) vendia por ocasio da preparao do II PNRA: considerar regularizao fundiria como reforma agrria.
Outro ponto equivocado da crtica do MDA/INCRA refere-se ao fato de que
"no h fundamento" nas mesmas. A crtica do MST acertou em cheio no alvo
da "manobra" dos dados feito pelo governo, pois, referia-se Meta 1 do II
PNRA. O governo no fez os 115.000 assentamentos porque no mnimo, se
tivesse feito o nmero de acampados no pas, tinha em tese, diminudo bruscamente, fato que no ocorreu, mesmo porque, no h notcias nos relatrios
da Ouvidoria Agrria do MDA, ou mesmo nos levantamentos da CPT, de
existncia de um nmero massivo de famlias em novos acampamentos. Feitos
os "expurgos" e a reclassificao possvel com as informaes divulgadas,
como se ver mais adiante neste trabalho, o MDA/INCRA assentou em projetos de reforma Agrria da Meta 1 do II PNRA no ano de 2005, pouco mais
de 45 mil famlias includos neste total os assentamentos em terras desapropriadas, compradas e em terras pblicas. No caso dos dados disponveis, no
foi possvel separar os assentamentos nas terras pblicas particularmente na
Amaznia Legal, pois permitiria discutir a possibilidade de classific-los como
colonizao. Entretanto, dados divulgados extra oficialmente na Internet, permitem dizer que 54,3% (69.182 famlias) das RBs homologadas (127.506 no
total), foram em terras pblicas. Destas RBs em terras pblicas, conforme se
ver pelas tabelas mais adiante no trabalho, um total de 58.886 famlias
esto na Amaznia Legal19, ou se preferirem 45.504 famlias esto na Regio
Norte do pas.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Quanto aluso s aes do governo na Amaznia, parece que o


MDA/INCRA continua se portando como "ouvido de mercador". Participei
durante o ano de 2004/5 de uma equipe de pesquisadores que fizeram um
estudo a pedido do CNPQ, sobre o eixo da BR-163 - rodovia CuiabSantarm. O resultado sobre a "grilagem legalizada" de terras est publicado
no livro "Amaznia revelada - Os descaminhos ao longo da BR-163"20. Neste
livro h muitas provas de que as aes que MDA/INCRA e MMA fazem na
Amaznia, e particularmente no Par. Est muito longe do que os dirigentes
de Braslia pensam, o que uma parte dos funcionrios pblicos destes rgos
esto fazendo de fato na regio. Por isso, insisto na tecla de que o estado do
Par a "bola da vez" da grilagem de terras na Amaznia. Alis, pude presenciar e fotografar a entrada de uma vasta rea cercada na BR-163, que
diziam pertencer a um grupo do qual participaria tambm, um apresentador
de programa de TV que tem negcios na rea rural. E mais, na placa na
entrada da rea grilada havia a indicao de que l, no interior da floresta
Amaznica, felizmente do ponto de vista ambiental bastante despovoada, iria,
pasmem, ser construdo um frigorfico avcola.(FOTO 01)
Sobre as aes do MDA/INCRA e do MMA no eixo da Cuib-Santarm,
novos estudos que esto sendo realizados revelaro ainda mais os casos de
grilagem de terras e apropriao indbita de madeira nas terras pblicas da
Unio na regio. O mapa do INCRA a seguir (MAPA 01) testemunha de que
toda a terra na faixa da BR-163 pertence Unio, e no pode ser destinado
a outro fim que no seja a reforma agrria.
19 - Nos dados da Amaznia Legal esto includos os dados da Regio Norte mais os estados de Mato
Grosso e Maranho, embora uma pequena parte deste ltimo estado no faa parte da Amaznia Legal.
Este procedimento foi adotado porque a divulgao dos dados no foi feita por municpio o que permitiria
a agregao rigorosa da informao.
20 - TORRES, M. (Org.) "Amaznia revelada - Os descaminhos ao longo da BR-163", Braslia, CNPQ, 2005, (496p.).

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

Foto 1

sobre seus prprios funcionrios corruptos envolvidos com a grilagem legalizada21. Basta uma vistoria no protocolo do Incra do Par para ver que j h
interessados particulares distribudos devidamente pelo prprio INCRA em
glebas, com pedido protocolado para se apropriarem de todas estas terras.
O mapa a seguir (MAPA 02) testemunha destes fatos:

Foto OLIVEIRA, A.U. Rodovia Cuiab-Santarm - BR-163

Dessa forma, pode-se verificar que as questes que envolvem o Par,


podem estar encobrindo uma das maiores grilagens legalizadas de terras
pblicas da histria do Brasil, por isso, as notas oficiais precisam ser mais
realistas.
Voltando questo sobre os dados relativos ao nmero de assentamentos
em 2005, necessrio tambm, que o MDA/INCRA divulguem os dados das
RBs Homologadas segundo a forma de obteno das terras separando regularizao, reconhecimento, aquisio, desapropriao etc. e a todos podero ver se possvel chegar ao nmero divulgado como se fosse tudo da Meta 1 do II PNRA? Para qualquer pessoa de bom senso, inconcebvel admitir
que algum que ocupa cargo pblico possa no estar dizendo a verdade.
Alis, ningum ainda se esqueceu o episdio da Operao Faroeste da
Policia Federal que em fins de 2004, prendeu nove funcionrios do INCRA
(entre eles um superintendente) e cujo final ainda continua desconhecido.
Portanto, est longe o momento a partir do qual o governo tenha controle
ABRA - REFORMA AGRRIA

184

Por isso, as discusses a seguir, sobre os dados dos trs anos do governo
LULA pretendem revelar os abusos cometidos pelo MDA/INCRA na divulgao
dos nmeros da reforma agrria e o que lastimvel para todos petistas, con21 - http://www.dpf.gov.br/DCS/noticias/2004/dezembro/07122004_faroeste.htm

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

cluir que o MDA/INCRA no est cumprindo as metas do II PNRA, portanto


no est fazendo nem a reforma agrria anunciada pelo Presidente LULA em
novembro de 2003. Trata-se, pois da vitria da no reforma agrria defendida inclusive, por muitos membros do prprio governo LULA. Alis, vrios deles,
at escreveram sobre a no necessidade atual da reforma agrria.

Grfico 01

Penso que chegou a hora de abrir a crtica profunda a aqueles que em nome
do governo LULA, no esto fazendo a reforma agrria. Por isso, preciso "auditar os dados do Cadastro do INCRA", pois l est a fonte das manobras com as
cifras estatsticas. Torna-se assim, urgente que o MDA/INCRA reveja os termos da
nota oficial e reconhea publicamente, a realidade dos nmeros.

2 2 .2 4 0

2 5 .0 0 0

2 0 .0 0 0

9 .2 3 3

1 5 .0 0 0

4 .8 2 8

1 0 .0 0 0

5 .0 0 0

Talvez, a melhor resposta a ser dada ao MDA/INCRA neste episdio, a


sempre necessria crtica profunda aos dados disponveis referentes a 2003,
2004 e 2005 sobre a no reforma agrria do MDA/INCRA.

A s s e n ta m e n to s e m P A s
C r ia d o s a t 2 0 0 2

A s s e n ta m e n to s e m P A s
C r ia d o s e m 2 0 0 3

36.301

100%

NORTE

16.004

44%

NORDESTE

13.256

37%

SUDESTE

1.566

4%

SUL

1.038

3%

CENTRO-OESTE

4.437

12%

Grfico 02
F A M L IA S

(%)
1 8 .0 0 0

TOTAL

36.301

100,00%

Assentamentos em PAs Criados at 2002

22.240

61,3%

Assentamentos em PAs Criados em 2003

9.233

25,4%

Reconhecimento (*)

4.828

13,30%

(%)

BRASIL

Tabela 01
ASSENTAMENTOS / RECONHECIMENTO - 2003
Realizado

Famlias
Assentadas

REGIO

O debate em torno do nmero de famlias assentadas nos trs anos do governo foi de certo modo dificultado pelo prprio MDA/INCRA, que deixou de
divulgar os dados precisos sobre o que efetivamente Reforma Agrria, ou
seja, aes desapropriatrias baseadas na legislao em vigor, de terras
improdutivas, portanto, aquelas que no cumprem a funo social. Ou
mesmo, a aquisio de terra em regies onde no havia disponibilidade de
terras improdutivas, devolutas ou pblicas. Somente os dados referentes a
2003 foram disponibilizados publicamente, com alguns detalhes efetivos das
aes segundos suas rubricas originais em tabelas e grficos em
20/01/2004. (TABELAS 01, 02, 03 E 04 E GRFICOS 01 E 02)

1 6 .0 0 4

1 6 .0 0 0

1 3 .2 5 6

1 4 .0 0 0
1 2 .0 0 0
1 0 .0 0 0
8 .0 0 0

4 .4 3 7

6 .0 0 0

1 .5 6 6

4 .0 0 0

(*) Do total de 36.301 famlias so em Projetos originrios dos Estados e


Municpios, as quais passaram a ser beneficirios do Programa de RA, atravs do
reconhecimento feito pelo INCRA.

ABRA - REFORMA AGRRIA

186

(*)

Tabela 02
ASSENTAMENTOS / RECONHECIMENTO - 2003

2. Os dados de 2003,
a no reforma agrria
do primeiro ano do II PNRA

SITUAO

R e c o n h e c im e n to

1 .0 3 8

2 .0 0 0
-

N O R TE

N O R D ESTE

SU D ESTE

SU L

C EN TR O O ESTE

ABRA - REFORMA AGRRIA

187

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A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

Tabela 03

No ano de 2003, foram efetivamente assentadas em projetos implantados


pelo novo governo 9.233 famlias, sendo que a rea efetivamente desapropriada (409.008ha) tinha capacidade para assentar apenas 12.176 famlias.
Alis, a rea comprada ou em processo de compra, ou seja, o recurso ao
mercado imobilirio foi de pouco mais de 170 mil hectares, 30% do total do
esforo de obteno de terras.

ASSENTAMENTO / RECONHECIMENTO por SR/UF - 2003


REGIO/
SR/UF

Assentamentos

Reconhecimento

TOTAL

SR 01/PA

3.786

60

3.846

SR 14/AC

1.203

111

1.314

SR 15/AM

1.237

167

1.404

SR 17/RO

2.130

20

2.150

SR 21/AP

466

27

493

SR 25/RR

1.356

SR 28/DF

505

506

SR 04/GO

419

421

SR 13/MT

2.980

150

3.130

SR 16/MS

365

15

380

4.269

168

4.437

1.356

CENTRO-OESTE

SR 26/TO

1.573

1.573

SR 06/MG

SR 27/MB

427

31

458

3.867

3.868

SR 07/RJ

NORTE

122

108

230

15.618

386

16.004

SR 08/SP

994

19

1.013

226

380

606

SR 20/ES

272

SUDESTE

1.047

SR 09/PR

317

317

SR 10/SC

322

322

SR 11/RS

296

103

399

SR 02/CE
SR 03/PE

955

955

SR 05/BA

2.584

2.584

SR 12/MA

1.785

3.081

4.866

SR 18/PB

435

435

SR 19/RN

1.026

1.026

SR 22/AL

246

SR 23/SE

62

63

SR 24/PI

848

551

1.399

SR 29/MF

669

NORDESTE

9.604

246

SUL

TOTAL

272

519

1.566

935

103

1.038

31.473

4.828

36.301

669

3.652

13.256

Tabela 04
ASSENTAMENTO / RECONHECIMENTO por SR/UF - 2003

DESAPROPRIAO / COMPRA E VENDA 2003


DESAPROPRIAO - 2003
Unidade

FAMLIAS (Capacidade)

em
Andam ento

Qtde
(A)

TOTAL

Concretizada

(A+C)

(C)

192

87

18

210

409.008

161.268

16.519

425.527

12.176

9.197

679

12.855

IMVEIS
REA / Ha

COMPRA

Fonte: MDA/INCRA/SD Aes finTABELA 03alsticas 2003, data: 20/01/2004,


referncia 31/12/2003, www.incra.gov.br acessado em 25/03/2004 s 13:27hs.

ABRA - REFORMA AGRRIA

188

Entre as 36.301 famlias assentadas, h tambm a soma dos assentamentos


de reforma agrria, de regularizao fundiria e de reordenamento dos assentamentos j existentes, onde na maioria dos casos reconhecia-se a situao j
existente de substituio de antigos assentados. Tambm, entre os assentados
daquele ano, esto 22.240 famlias que foram contabilizadas em assentamentos antigos. Mas, para se ter a idia de certo descontrole das estatsticas do
INCRA, h uma listagem do SIPRA, de 01/01/2003 a 31/12/2003 disponvel, indicando o assentamento de apenas 35.643 famlias.
A anlise dos dados pode gerar a impresso de que j na divulgao dos
dados de 2003, o MDA/INCRA estava discernindo entre assentamento efetivo de reforma agrria e reconhecimento e regularizao fundiria. Mas um
olhar mais atento s listagens obtidas pode-se verificar que entre os dados
sobre assentamentos antigos, esto tambm dados referentes substituio
de famlias nestes assentamentos. Esta concluso possvel, pois na nota
explicativa sobre o que foi computado como reconhecimento, refere-se apenas aos assentamentos estaduais e/ou municipais reconhecidos.
O Relatrio Preliminar de 2004 do DATALUTA - Banco de dados da Luta
pela Terra do NERA - Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma
Agrria do Departamento de Geografia da UNESP de Presidente Prudente22,
coordenado por FERNANDES, B.M., e que faz ano a ano o expurgo dos
dados divulgados pelo INCRA desde o governo FHC, indica que o nmero
exato de assentamentos realizados em 2003 foi de 24.020 famlias, ou seja,
9.233 famlias de assentamentos efetivos de 2003, e outras 14.787 famlias
assentadas em assentamentos anteriores a este ano.
Portanto, pode-se concluir que no ano de 2003, o MDA/INCRA de fato
assentou como ao j efetiva do novo governo, um total de 9.233 famlias.
Com muito boa vontade, pode-se dizer que completou em assentamentos de
governos anteriores um total de 14.787 famlias, chegando assim a um total
de 24.020 famlias. As 12.281 famlias restantes so nmeros da reordenao, reconhecimento e regularizao fundiria em 2003.
22 - http://www2.prudente.unesp.br/dgeo/nera/telas/projetos.htm acessado em 03/03/2006 s 0,51hs.

ABRA - REFORMA AGRRIA

189

Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

Partindo-se dos dados obtidos pelo NERA, a diferena entre o nmero de


famlias assentadas e a meta de 2003 (30 mil famlias), seria negativa em
5.980 famlias. Porm, tomando-se os assentamentos efetivamente implantados no novo governo, a diferena negativa seria de 20.767 famlias. Assim,
em uma primeira concluso pode-se afirmar que o MDA/INCRA fez de fato
no primeiro ano de governo, menos de um tero (30,8%) da reforma agrria
prevista no II PNRA.

dados de 2004, relativos a 2003, existiram casos que no se enquadravam na


classificao dos assentamentos da reforma agrria.

3. 2004, conscincia e frustrao


no segundo ano da no reforma agrria do II PNRA
Em 2004, as cifras do INCRA/MDA indicaram 81.184 famlias em uma tabela divulgada (TABELA 05) e 81.160 na listagem SIPRA. Do total, 25.735 famlias
(44%) referem-se a assentamentos realizados em 2004, e 9.705 famlias em assentamentos iniciados de 2003. Mas, 45.744 famlias tiveram suas RBs homologadas em assentamentos anteriores a 2003, ou seja, 56% do total.
Tabela 05
BRASIL - 2.004 - GOVERNO LULA - Projetos de Reforma Agrria
Nmero de Famlias Assentadas
(por Trimestre, segundo o perodo/ano de criao)
1 Trim.

2 Trim.

3 Trim.

4 Trim.

At 1984
1985 a 1994
1995 a 2002
Subtotal (1)

91
629
5.740
6.460

116
1.238
6.438
7.792

666
2.567
9.420
12.653

684
2.847
15.308
18.839

1.557
7.281
35.906
45.744

1,92
8,97
45,46
56,35

2003
2004
Subtotal (2)

1.276
567
1.843

3.637
1.987
5.624

3.496
4.559
8.055

1.296
18.622
19.918

9.705
25.735
35.440

11,95
31,7
43,65

8.303 13.416 20.708 38.757

81.184

100

2004TOTAL

Fonte.- SDM. Sistema SIPRA. Relatrio: Rel 0229. Data. 3110112005.

Mas quando, introduzido o necessrio "expurgo" dos dados feitos pelo


NERA, o nmero efetivo ficou em 34.185 famlias23. Assumindo-se os dados relativos s famlias nos assentamentos efetivos do governo LULA nos dois
primeiros anos, seriam no mximo 43,4 mil famlias, pois certamente, entre os

Quanto aos dados de 2005, o MDA/INCRA anunciou 127.506 famlias


assentadas e mais, logo somou a eles os nmeros dos anos anteriores chegando cifra de 245.061 famlias (a soma divulgada a cada ano no batem
com a cifra acumulada) nos trs anos do governo LULA. Alis, o cadastro do
INCRA uma verdadeira caixa preta para a sociedade, menos para "alguns
funcionrios". Mas, qual foi ento a "matemagia" que o INCRA/MDA fez?
Como afirmei anteriormente, somaram todos os dados das diferentes Metas
do II PNRA, como se fossem assentamentos novos relativos Meta 1.
Portanto, porque a atitude de somar tudo ?
Em minha modesta opinio, depois de longa trajetria de pesquisador
sobre a questo agrria, s h uma explicao para essa postura: esconder
o essencial. E qual o essencial? No tenho mais dvida nenhuma de que o
MDA/INCRA, no cumpriu as metas dos assentamentos novos, e isso foi feito
intencionalmente, ou seja, no queriam (desde 2003) fazer a reforma agrria
e por isso no a fizeram, era a continuidade da no reforma agrria.
Por isso, os dados de 2005 divulgados tambm, tiveram que ser reclassificados estatisticamente. Como os pesquisadores do NERA ainda no concluram seu trabalho de expurgo dos dados de 2005, eu mesmo, fiz uma nova
classificao, com os limites da forma como os dados foram divulgados,
segundo as seguintes classes e os seguintes resultados:
- Reordenao Fundiria - um total de 47,6 mil famlias.

23 - Idem.

ABRA - REFORMA AGRRIA

4. Os nmeros de 2005:
aparece claramente a no reforma agrria do MDA/INCRA

2004

Perodo de criao

TOTAL (3)

Como tambm, em 2004 o MDA/INCRA no cumpriu as metas do ano (115


mil famlias) a diferena, segundo os dados do NERA seria negativa em 80.815
famlias, que por sua vez, somadas diferena negativa de 2003, tambm apurada pelo NERA, acumularia uma diferena negativa de 86.795 famlias.
Porm, se for considerado apenas, os assentamentos efetivados no governo
LULA, este nmero ficaria em 101.582 famlias. A segunda concluso que
pode-se afirmar que no segundo ano do governo LULA o MDA/INCRA fez
menos de um tero (29,7%) da reforma agrria prevista no II PNRA.

190

ABRA - REFORMA AGRRIA

191

Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

- Regularizao Fundiria - um total de 32,8 mil famlias.

Tabela 06

- Reassentamentos Fundirios de famlias Atingidas por


Barragens - um total de 1,6 mil famlias.

Brasil Governo Lula - Assentamentos realizados pelo INCRA/MDA 2005

- Reforma Agrria - um total de 45,5 mil famlias.

Unidades da
Federao/Regies
Superintendncias
Regionais-INCRA

Assim, das 127,5 mil famlias 82 mil no se referem reforma agrria de


fato, ou seja, ao cumprimento da Meta 1 do II PNRA. Quem que tem razo
MDA/INCRA ou o MST? evidente que o governo tentou confundir a todos,
mas, caiu na armadilha que armou. A continuidade da no reforma agrria,
ou se preferirem, a reforma agrria de um pouco mais de um tero da meta,
pois, no total foi atingido foi to somente de 39,6% da Meta 1 de 2005.
Os dados reclassificados esto expostos na TABELA 06 a seguir. Nela
encontra-se de forma detalhada, a distribuio por SR e por regies os novos
nmeros obtidos. Assim, do total divulgado pelo MDA/INCRA, tem-se: 1,2%
(1.606 famlias) relativas reassentamentos de atingidos por barragens;
37,3% (47.571 famlias) includas em aes de reordenao fundiria; 25,8%
(32.835 famlias) produto de aes de regularizao fundiria; e apenas
37,7% (45.509 famlias) em assentamentos novos da reforma agrria da
Meta 1 do II PNRA.
Do ponto de vista territorial a distribuio regional das diferentes classes de
assentamentos, obedeceu aos nmeros presentes na TABELA 07 a seguir.
Quanto aos assentamentos novos relativos Meta 1 do II PNRA, verificou-se
que 8,18% deles ficou a regio Norte; 17,30% como o Nordeste, destaque
para os estados do Maranho e Piau com mais de 11 mil famlias assentadas;.7,46% com o Centro Oeste, perfazendo as trs regies um total de
mais de 92% dos assentamentos da Meta 1 realizados. Para as regies
Sudeste e Sul ficaram os percentuais nfimos de 2,26% e 0,49% respectivamente. Como se v pela distribuio territorial, nada de se fazer reforma
agrria onde domina o agronegcio.
Quando se procede a comparao entre os assentamentos efetivamente
realizados e a distribuio pelas SR das metas previstas para o cumprimento
da Meta 1 do II PNRA, o resultado revela mais discriminao territorial. Na
regio Sul, menos de 12% da meta foi atingida. Na regio Sudeste e na regio Centro Oeste os percentuais foram parecidos de 35% e 34%. Na regio
Nordeste por sua vez, o percentual ficou em 55% e na regio Norte em 30%.
ABRA - REFORMA AGRRIA

192

BRASIL
NORTE
SR/14 Acre
SR/17 Rondnia
SR/25 Roraima
SR/21 Amap
SR/15 Amazonas
SR/01 Par
SR/27 Marab
SR/30 Santarm
PAR Total (1)
SR/26 Tocantins
NORDESTE
SR/12 Maranho
SR/24 Piau
SR/02 Cear
SR/19 Rio Grande do Norte
SR/18 Paraba
SR/03 Pernambuco
PERNAMBUCO Total (2)
SR/22 Alagoas
SR/23 Sergipe
SR/05 Bahia
SR/29 Petrolina
CENTRO-OESTE
SR/13 Mato Grosso
SR/16 Mato Grosso do Sul
SR/04 Gois
SR/28 Distrito Federal
SUDESTE
SR/06 Minas Gerais
SR/20 Esprito Sant o
SR/07 Rio de Janeiro
SR/08 So Paulo
SUL
SR/09 Paran
SR/10 Santa Catarina
SR/11 Rio Grande do Sul

TOTAL
GERAL

127.511
58.349
4.025
1.741
1.433
1.854
5.167
14.838
8.196
18.000
41.034
3.095
39.735
16.438
4.982
1.432
1.904
1.376
3.725
5.783
1.300
1.400
5.120
2.058
19.898
10.301
6.032
2.494
1.071
6.541
3.368
507
657
2.009
2.988
1.938
402
648

ReAssentamentos
Fundirios

(1,2%) 1.606
220
0
0
0
0
0
0
0
0
0
220
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
806
806
0
0
0
580
580
0
0

Reordenao
Fundiria

Regularizao
Fundiria

(37,3%) 47.561
(25,8%) 32.835
18.070
29.628
2.635
983
1.693
40
925
0
1.457
397
1.999
2.953
564
13.528
5.167
0
2.621
11.727
8.352
25.255
1.009
0
14.613
3.057
7.353
428
791
1.191
641
26
915
0
504
0
2.363
0
2.940
0
387
0
210
30
872
1.382
577
0
10.393
0
8.135
0
835
0
1.029
0
394
0
2.703
150
1.256
0
335
0
222
0
890
150
1.782
0
1.024
0
334
0
424
0

REFORMA
AGRRIA

(37,7%)

45.509
10.431
407
8
508
0
215
746
3.029
3.652
7.427
1.866
22.065
8.657
3.000
765
989
872
1.362
2.843
913
1.160
2.866
1.481
9.505
2.166
5.197
1.465
677
2.882
1.306
172
435
969
626
334
68
224

Fonte: www.incra.gov.br/relgeren_127511
(*) Inclui SR/01 Par, SR/27 Marab e SR/30 Santarm
Organizao e conceituao: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IAND, 2006.
(1) Reassentamentos Fundirios de famlias Atingida s por Barragens , proprietrias ou com direitos adquiridos em decorrncia
de grandes obras de barragens e linhas de transmisso de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionrias e ou privadas.
(2) Reordenao Fundiria - Substituio e/ou r econhecimento de famlias presentes nos assentamentos j existentes.
(3) Regularizao Fundiria - Reconhecimento do direito das famlias (populaes tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores,
posseiros, etc.) j existentes nas reas objeto d a ao (flonas, resex, agroextrativista, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc.
(4) Reforma Agrria - Assentamentos decorrentes de aes desapropriatrias de grandes propriedades improdutivas, compras de terra e
retomada de terras pblicas grilada s.
Observao : Os dados divulgados na listagem no permitem discernir entre desapriao ou compra e terras pblicas.

ABRA - REFORMA AGRRIA

193

Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

Como se pode verificar, a distribuio das aes efetivas de reforma agrria


est coerente com a concepo da no reforma agrria do MDA/INCRA que
por sua vez bate integralmente com a concepo dos principais assessores do
governo LULA.

Tabela 08

Portanto, a reao forte do MDA/INCRA contra o MST, deveu-se nica e


exclusivamente ao fato de que, a crtica feita atingira totalmente o ponto frgil
da gesto do MDA/INCRA: o no cumprimento das metas do II PNRA.
Assim, o governo LULA fechou o terceiro ano do mandato, acumulando uma
diferena negativa na relao nmeros alcanados e metas estipuladas de
69.491 famlias em 2005, que somadas s outras diferenas negativas dos
anos anteriores deu uma cifra de 156.286 famlias pelos indicadores do NERA
em 2003 e 2004, e de 171.073 famlias pelos meus clculos. Isto quer dizer
que o MDA/INCRA assentou referente Meta 1 do II PNRA, apenas e to somente 89.927 famlias, ou 34,2% das metas estabelecidas para os trs primeiros anos de governo. Pode-se concluir, portanto, que a teoria do um tero
das metas se manteve constante, e com ele a tese da no reforma agrria.
Tabela 07
BRASIL - GOVERNO LULA - ASSENTAMENTOS REALIZADOS
PELO INCRA/MDA 2005
Regies

TOTAL GERAL
Reassentame ntos Fundirios (1)
Reordenao Fundiria (2)
Regularizao Fundiria (3)
REFORMA AGRRIA (4)

BRASIL

Norte

Nordeste

CentroOeste

Sudeste

Sul

127.511

58.349

39.735

19.898

6.541

2.988

100%

45,76%

31,16%

15,61%

5,13%

2,34%

1.606
1,25%
47.561
37,30%
32.835
25,76%
45.509
35,69%

220
0,17%
18.070
14,17%
29.628
23,24%
10.431
8,18%

0
0%
14.613
11,46%
3.057
2,40%
22.065
17,30%

0
0%
10.393
8,15%
0
0%
9.505
7,46%

806
0,63%
2.703
2,12%
150
0,12%
2.882
2,26%

580
0,45%
1.782
1,40%
0
0%
626
0,49%

Organizao e conceituao: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IAND,


Fonte: www.incra.gov.br/relgeren_127511
2006.
(1) Reassentamentos Fundirio s de famlias Atingidas por Barragens , proprietrias ou com direitos adquiridos em decorrncia
de grandes obras de barragens e linhas de transmisso de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionrias e/ou privadas.
(2) Reordenao Fundiria - Substituio e/ou reconhecimento de famlias presentes nos assentamentos j existentes.
(3) Regularizao Fundiria - Reconhecimento do direito das famlias (populaes tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores,
posseiros, etc.) j existen tes nas reas objeto da ao (flonas, resex, agroextrativista, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc.
(4) Reforma Agrria - Assentamentos decorrentes de aes desapropriatrias de grandes propriedades improdutivas, compras de
terra e retomada de terras pblicas griladas.
Observao : Os dados divulgados na listagem no permitem discernir entre desapriao ou compra e terras pblicas.

ABRA - REFORMA AGRRIA

194

BRASIL GOVERNO LULA - ASSENTAMENTOS


REALIZADOS PELO INCRA/MDA - 2005
UF
Regies
SR
INCRA

TOTAL
GERAL

Reassentamentos
Reordenao e
Regularizao
Fundiria

BRASIL

127.511

NORTE
SR/14 AC
SR/17 RO
SR/25 RR
SR/21 AP
SR/15 AM
SR/01 PA
SR/27 MB
SR/30 SM
PA Total (1)
SR/26 TO

58.349
4.025
1.741
1.433
1.854
5.167
14.838
8.196
18.000
41.034
3.095

NORDESTE
SR/12 MA
SR/24 PI
SR/02 CE
SR/19 RN
SR/18 PB
SR/03 PE
PE Total (2)
SR/22 AL
SR/23 SE
SR/05 BA
SR/29 MF

REFORMA
AGRRIA

82.002

64,31%

45.509

47.918
3.618
1.733
925
1.854
4.952
14.092
5.157
14.348
33.607
1.229

82,12%
89,89%
99,54%
64,55%
100,00%
95,84%
94,97%
62,92%
79,71%
81,90%
39,71%

10.431
407
8
508
0
215
746
3.029
3.652
7.427
1.866

39.735
16.438
4.982
1.432
1.904
1.376
3.725
5.783
1.300
1.400
5.120
2.058

17.670
7.781
1.982
667
915
504
2.363
2.940
387
240
2.254
577

44,47%
47,34%
39,78%
46,58%
48,06%
36,63%
63,44%
50,84%
29,77%
17,14%
44,02%
28,04%

C. OESTE
SR/13 MT
SR/16 MS
SR/04 GO
SR/28 DF

19.898
10.301
6.032
2.494
1.071

10.393
8.135
835
1.029
394

SUDESTE
SR/06 MG
SR/20 ES
SR/07 RJ
SR/08 SP

6.541
3.368
507
657
2.009

SUL
SR/09 PR
SR/10 SC
SR/11 RSl

2.988
1.938
402
648

META

Diferena
RA/
META

35,69% 115.000

-69.491

-60,43%

17,88%
10,11%
0,46%
35,45%
0,00%
4,16%
5,03%
36,96%
20,29%
18,10%
60,29%

34.350
3.000
2.000
2.800
1.150
3.000
6.400
12.000
0
18.400
4.000

-23.919
-2.593
-1.992
-2.292
-1.150
-2.785
-5.654
-8.971
3.652
-10.973
-2.134

-69,63%
-86,43%
-99,60%
-81,86%
-100,00%
-92,83%
-88,34%
-74,76%
0,00%
-59,64%
-53,35%

22.065
8.657
3.000
765
989
872
1.362
2.843
913
1.160
2.866
1.481

55,53%
52,66%
60,22%
53,42%
51,94%
63,37%
36,56%
49,16%
70,23%
82,86%
55,98%
71,96%

39.900
10.400
3.500
2.000
2.500
1.100
6.800
8.800
3.000
2.500
6.100
2.000

-17.835
-1.743
-500
-1.235
-1.511
-228
-5.438
-5.957
-2.087
-1.340
-3.234
-519

-44,70%
-16,76%
-14,29%
-61,75%
-60,44%
-20,73%
-79,97%
-67,69%
-69,57%
-53,60%
-53,02%
-25,95%

52,23%
78,97%
13,84%
41,26%
36,79%

9.505
2.166
5.197
1.465
677

47,77%
21,03%
86,16%
58,74%
63,21%

27.400
13.500
9.100
3.000
1.800

-17.895
-11.334
-3.903
-1.535
-1.123

-65,31%
-83,96%
-42,89%
-51,17%
-62,39%

3.659
2.062
335
222
1.040

55,94%
61,22%
66,07%
33,79%
51,77%

2.882
1.306
172
435
969

44,06%
38,78%
33,93%
66,21%
48,23%

8.090
3.360
930
800
3.000

-5.208
-2.054
-758
-365
-2.031

-64,38%
-61,13%
-81,51%
-45,63%
-67,70%

2.362
1.604
334
424

79,05%
82,77%
83,08%
65,43%

626
334
68
224

20,95%
17,23%
16,92%
34,57%

5.260
3.000
600
1.660

-4.634
-2.666
-532
-1.436

-88,10%
-88,87%
-88,67%
-86,51%

Fonte: www.incra.gov.br/relgeren_127511
Organizao e conceituao: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, INDE, 2006.
(1) Reassentamentos Fundirios de famlias Atingidas por Barragens , proprietrias ou com direitos adquiridos
em decorrncia de grandes obras de barragens e linhas de transmisso de energia realizadas pelo Estado e/ou
empresas concessionrias e ou privadas.
(2) Reordenao Fundiria - Substituio e/ou reconhecimento de famlias presentes nos assentamentos j
existentes.
(3) Regularizao Fundiria - Reconhecimento do direito das famlias (populaes tradicionais, extrativistas,
ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) j existentes nas reas objeto da ao (flonas, resex, agroextrativista,
desenvolvimento social, fundo de pa stos, etc.
(4) Reforma Agrria - Assentamentos decorrentes de aes desapropriatrias de grandes propriedades improdutivas,
compras de terra e retomada de terras pblicas griladas.
Observao : Os dados divulgados na listagem no permitem discer nir entre desapriao ou compra e terras pblicas.

ABRA - REFORMA AGRRIA

195

Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

5. Quem ganha e quem perde?


praticamente impossvel hoje calcular-se o nmero total de assentados da
reforma Agrria, pois no governo FHC, os adeptos da "matemagia" do
"Cadastro do INCRA alteraram a base cadastral dos dados do SIPRA. Isto quer
dizer o seguinte: somente um novo censo nacional dos assentamentos de colonizao, reforma agrria e regularizao fundiria permitiria restaurar a base estatstica dos dados do INCRA. Repito mais uma vez, no INCRA o Cadastro , em minha modesta opinio, a "caixa preta" de muitas "operaes escusas". Por exemplo, ningum l, exceto o "homem do cadastro" sabe das coisas. Alis, j hora dos movimentos sociais comear a cobrar a transparncia, visibilidade nas operaes do INCRA. O INCRA parte do Estado brasileiro e no propriedade de governo ou de "alguns funcionrios". At arriscaria dizer que o MDA/INCRA est "enganando at o Presidente da Repblica"
com esses nmeros e acha que poderiam enganar tambm os movimentos
sociais e a sociedade civil inteira.

Mas quando, por dever de ofcio, aprofunda-se na anlise dos resultados


efetivos alcanados pelo governo LULA no campo da reforma agrria a situao outra. O grfico a seguir procura fazer essa comparao entre nmeros
oficiais, nmeros expurgados e metas.
Como se pode ver, praticamente impossvel o governo em seu quarto ano,
cumprir a Meta 1 do II PNRA, pois o dficit j maior do que a meta deste ano
de 2006. Este o quadro com o qual os movimentos sociais tero que trabalhar
para construir suas estratgias e tticas de aes. No h mais como alimentar
iluses, LULA fechar este governo tambm, sem ter feito a reforma agrria.

Grfico 04

Curiosamente, quando se compara os nmeros inflados de FHC com os de


LULA, verifica-se que a capacidade de inflar dados da reforma agrria do
MDA/INCRA foi aperfeioada, pois o "balo" est mais alto. O grfico a
seguir d a dimenso desse fato comparativamente.

BRASIL - ASSENTAMENTOS DE REFORMA ABRRIA - GOVERNO LULA


160.000

155.286

Grfico 03

Fonte: INCRA

Org.: OLIVEIRA, A.U., USP, ABRA E IAND

127.511
120.000
98740

99201

100.000
81254
80.000

69929

66837

73754

60.000
43486

41717
40.000

36308

30.716

Org.: OLIVEIRA, A.U. - USP, ABRA e IAND

140.000

140.000

Fonte: INCRA

140.000

BRASIL - REFORMA AGRRIA - N DE FAMLIAS ASSENTADAS

40.000

127.496
115.000

115.000

120.000

100.000
85.795
81.254

79.815

80.000

69.491

60.000
45.509
36.308

35.185
30.000
24.020

20.000
5.980
0
2003

2003

2003

2003

2004

2004

2004

2004

2004

2005

2005

2005

2005

2005

2006

20.000

Assentamentos oficiais

Metas II PNRA

Reforma Agrria

Diferena no Ano

Diferena Acumulada

0
1995

1996

1997

1998

1 Governo FHC

ABRA - REFORMA AGRRIA

196

1999

2000

2Governo FHC

2001

2002

2003

2004

2005

Governo LULA

ABRA - REFORMA AGRRIA

197

Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

Nem mesmo a Marcha realizada no ano de 2005, foi suficiente para sensibilizar o MDA/INCRA.

Tabela 09

BRASIL - GOVERNO LULA - RELAO NMERO DE ASSENTADOS


E ACAMPADOS EM 2003

Mas, o que mais crtico, o quadro das famlias desesperanadas nos acampamentos. Para reforar ainda mais a tese da no reforma agrria do MDA/
INCRA, apresento a seguir TABELAS 09 E 10, resultados comparativos entre o
nmero de famlias assentadas e de famlias acampadas em 2003 e 2004.
A derrota dos acampados muito cara. No h como explicar que em
2003, apenas 19% deles foram assentados em termos gerais para o pas.
Porm, quando se toma os dados regionais, nas regies do agronegcio,
mais de 90% das famlias tiveram quer permanecer acamapadas.
A situao em 2004, no mudou muito, pois apenas 32% das famlias
chegaram aos assentamentos. Mas nas regies Centro Oeste, Sudeste e Sul,
mais de 80% da famlias tiveram que permanecer debaixo das lonas pretas dos
acampamentos. Apenas o estado do Maranho e da Paraba tiveram um
nmero de assentados superior ao nmero de acampados, o que no quer
dizer que os acampamentos tornaram-se assentamentos. Segundo os dados da
Ouvidoria Agrria do MDA, no ano de 2005 at no ms de novembro o estado da Paraba tinha conhecido uma nica ocupao de terra, e o Maranho
ABRA - REFORMA AGRRIA

198

UF/
ASSENTADOS
ACAMPADOS
SAL DO
Regies
EM 2003
EM 2003
POSITIVO
NEGATIVO
%
171.288
BRASIL
36.301
3.831
-138.818
-81,04
22.489
NORTE
16.004
3.784
-10.269
-45,66
437
SR-14/AC
1.314
877
4.234
SR-17/RO
2.150
-2.084
-49,22
346
SR-25/RR
1.356
1.010
0
SR-21/AP
493
493
0
SR-15/AM
1.404
1.404
14.645
SR-01/PA
3.846
-6.931
-47,33
SR-27/MB
3.868
(*)
(*)
SR-30/SM
0
(*)
(*)
PA Total (1)
7.714
14.645
-6.931
-47,33
2.827
SR-26/TO
1.573
-1.254
-44,36
68.172
NORDESTE
13.256
47
-54.963
-80,62
6.328
SR-12/MA
4.866
-1.462
-23,10
2.586
SR-24/PI
1.399
-1.187
-45,9
966
SR-02/CE
1.013
47
4.397
SR-19/RN
1.026
-3.371
-76,67
1.028
SR-18/PB
435
-593
-57,68
22.107
SR-03/PE
955
-20.818
-94,17
22.107
PE Total (2)
1.624
-20.483
-92,65
7.325
SR-22/AL
246
-7.079
-96,23
6.138
SR-23/SE
63
-6.075
-98,97
17.297
SR-05/BA
2.584
-14.378
-83,12
SR-29/MF
669
(**)
(**)
(**)
46.319
C. OESTE
4.437
-41.882
94,42
19.307
SR-13/MT
3.130
-16.177
-83,79
14.474
SR-16/MS
380
-14.094
-97,37
7.031
SR-04/GO
421
-6.610
-94,01
5.507
SR-28/DF
506
-5.001
-90,81
22.810
SUDESTE
1.566
-21.244
-93,13
9.236
SR-06/MG
458
-8.778
-95,04
1.791
SR-20/ES
272
-1.519
-84,81
1.507
SR-07/RJ
230
-1.277
-84,74
10.276
SR-08/SP
606
-9.670
-94,10
11.498
SUL
1.038
-10.460
-90,97
8.709
SR-09/PR
317
-8.392
-96,36
1.066
SR-10/SC
322
-744
-69,79
1.723
SR-11/RS
399
-1.324
-76,84
Fonte: INCRA
Organizao: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IAND, 2006
(*) Includos no total do Estado do Par
(**) Includo no total do Estado de Pernambuco

ABRA - REFORMA AGRRIA

199

Ensaios e Debates

A "No Reforma Agrria" do MDA/INCRA no governo Lula

Tabela 10

nenhuma. Mas, por sua vez pelos dados da CPT de 2005, o Maranho conheceu trs ocupaes de terras, enquanto que a Paraba conheceu dez.

BRASIL - GOVERNO LULA - RELAO NMERO DE


ASSENTADOS E ACAMPADOS EM 2004
UF/
Regies
BRASIL
NORTE
SR-14/AC
SR-17/RO
SR-25/RR
SR-21/AP
SR-15/AM
SR-01/PA
SR-27/MB
SR-30/SM
PA Total
SR-26/TO
NORDESTE
SR-12/MA
SR-24/PI
SR-02/CE
SR-19/RN
SR-18/PB
SR-03/PE
PE Total
SR-22/AL
SR-23/SE
SR-05/BA
BA Total
SR-29/MF
C. OESTE
SR-13/MT
SR-16/MS
SR-04/GO
SR-28/DF
SUDESTE
SR-06/MG
SR-20/ES
SR-07/RJ
SR-08/SP
SUL
SR-09/PR
SR-10/SC
SR-11/RS

ASSENTADOS ACAMPADOS
SAL DO
EM 2004
EM 2004
POSITIVO
NEGATIVO
%
81.254
189.865
-129.571 -68,2%
31.846
17.408
18.341
-3.903 -22,4%
4.191
126
4.065
2.052
2.860
-808 -28,3%
2.828
0
2.828
1.221
0
1.221
3.172
0
3.172
7.421
9.541
(*)
(*)
9.175
(*)
(*)
(*)
0
(*)
(*)
(*)
16.596
9.541
7.055
1.786
4.881
-3.095 -63,4%
28.453
83.128
2.711
-57.386 -69,0%
11.454
8.881
2.573
2.266
2.482
-216
-8,7%
1.158
1.263
-105
-8,3%
2.479
4.590
-2.111 -46,0%
1.748
1.610
138
736
21.517
-19.741 -91,7%
2.741
21.517
-18.776 -87,3%
827
8.891
-8.064 -90,7%
521
11.750
-11.229 -95,6%
5.183
22.144
-15.920 -71,9%
5.259
22.144
-16.885 -76,3%
2.081
(**)
(**)
(**)
14.858
46.057
-31.199 -67,7%
10.213
18.242
-8.029 -44,0%
3.511
17.769
-14.258 -80,2%
377
7.186
-6.809 -94,8%
757
2.860
-2.103 -73,5%
2.453
23.167
-20.714 -89,4%
1.168
9.790
-8.622 -88,1%
399
2.229
-1.830 -82,1%
160
2.007
-1.847 -92,0%
726
9.141
-8.415 -92,1%
3.644
20.013
-16.369 -81,8%
2.726
16.497
-13.771 -83,5%
389
1.016
-627 -61,7%
529
2.500
-1.971 -78,8%
Organizao: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IAND,
2006
Fonte: INCRA
(*) Includos no total do Estado do Par
(**) Includo nos totais dos Estados de Pernambuco (50%) e Bahia (50%)

ABRA - REFORMA AGRRIA

200

No conjunto, o ano de 2005 foi marcado segundo a CPT por 433 ocupaes de terras envolvendo cerca de 50 mil famlias. Quanto aos acampamentos, foram mais 89 concentrando mais de 17 mil famlias ainda segundo
a CPT. Logo, o crescimento da luta pela terra continua sua marcha.
Diante esta realidade: quem ganhou e quem perdeu?
O MDA/INCRA acha que ganhou, pois tentaram transformar uma derrota
em vitria a qualquer custo.
Os latifundirios certamente ganharam, pois no foram molestados pela
no reforma agrria do governo atual.
O agronegcio ganhou, porque pode continuar "escondendo" a terra
improdutiva debaixo dos ndices tcnicos da dcada de 70, utilizados pelo
INCRA na definio da produtividade.
Quem perdeu foram os movimentos sociais, pois foram ludibriados nas
reunies de acompanhamento onde sempre ouviram o discurso de que a
reforma agrria seria feita. Mas, perdeu parte da sociedade brasileira, que
permanece na esperana de que um dia, a dvida social da reforma agrria
seja verdadeiramente paga.
No h outro caminho para os que sempre lutaram pela reforma agrria,
continuar seguindo a palavra de ordem talvez mais antiga: "a luta continua".
Mas, agora, com a certeza de que h inimigos da reforma agrria tambm,
no interior do Partido dos Trabalhadores. O caminho talvez seja, reforar
ainda mais o rubor da vergonha e, encontrar no vermelho das marchas, as
retomadas das ocupaes e da luta, porque como escreveu Chico da Silva
em seu tema para o Boi Garantido de Parintins-AM:
O brilho do meu canto tem o tom
E a expresso da minha cor "vermelho"24
(no quente vero de maro do quarto ano da decepo com a reforma agrria do
governo LULA, mas, com a alegria com uma retomada do despertar na Amrica Latina)
24 - "Vermelho" Chico da Silva, Ed. Mercury, do CD de Faf de Belm "Pssaro sonhador" 1996.

ABRA - REFORMA AGRRIA

201

Assentamentos e Assentados
no Estado de So Paulo:
dos primeiros debates
as atuais reflexes
Sonia Maria P. P. Bergamasco1
Luiz Antonio Cabello Norder2

O Estado de So Paulo abriga a maior parte da produo industrial e


agroindustrial e os maiores ndices de urbanizao do pas. Um aspecto relevante a concentrao das atividades industriais na regio metropolitana de
So Paulo e em algumas capitais regionais no interior. Ao mesmo tempo,
grande parte dos pequenos municpios passaram por um forte decrscimo
populacional e econmico, sobretudo a partir das ltimas dcadas do sculo passado, aps terem conhecido uma trajetria de crescimento ao longo da
primeira metade do sculo XX.
A modernizao da agricultura, particularmente com a produo de canade-acar, milho e laranja, levou a formao de uma classe de trabalhadores
assalariados temporrios, ao mesmo tempo em que a simultnea expanso
da pecuria ultra-extensiva deixou parte das propriedades rurais bastante
prximas da situao formal de improdutividade, de acordo com a legislao
agrria em vigor. Tal cenrio fez emergir uma srie de conflitos sociais, contestaes polticas e disputas pela posse da terra - e, com isso, as organizaes populares em defesa da reforma agrria foram fortalecidas e, consequentemente, assentamentos rurais com diferentes caractersticas polticas e
administrativa foram sendo implementados.
Este texto discute a importncia dos assentamentos para a melhoria das
condies de vida e de trabalho das populaes rurais e para a transformao da dinmica scio-econmica e demogrfica de seus municpios e
1 - Professora Titular da Faculdade de Engenharia Agrcola da Universidade Estadual de Campinas
(Feagri/Unicamp). Email: [email protected]
2 - Professor Adjunto do Departamento de Cincias Sociais da Universidade Estadual de Londrina (CLCH/UEL).
Email: [email protected].

ABRA - REFORMA AGRRIA

203

Ensaios e Debates

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

regies. Para isso, h uma anlise histrica dos principais aspectos da organizao poltica dos movimentos sociais rurais, principalmente do MST, e da
implementao de programas de assentamentos rurais no Estado de So
Paulo, com nfase para seu diferenciado impacto nas dinmicas scioeconmicas, polticas e demogrficas locais e regionais. A base de dados
resulta de pesquisa realizada em assentamentos localizados em quatro
municpios de distintas regies do Estado de So Paulo3.

foi submetida a um rpido processo de proletarizao e migrao em direo


aos principais centros urbanos e a algumas capitais regionais em expanso.

1. C ONFLITOS S OCIAIS

P OLTICAS F UNDIRIAS

Nos anos 50, os debates sobre a reforma agrria resultaram, no Estado de


So Paulo, na elaborao do programa de Reviso Agrria de 1960, que
chegou a entusiasmar parte dos setores urbanos interessados em uma ampliao da oferta de alimentos, bem como na neutralizao ideolgica do "avano
comunista" no campo. A meta era o assentamento anual de algo entre 500 e
1.000 famlias em todo o Estado. No mbito desse programa, o governo estadual avaliava a utilizao de terras pblicas para fins distributivistas. Alm
disso, divulgava a proposta de descentralizar o processo de distribuio de
terras atravs da desapropriao de reas por utilidade pblica - justamente
em um contexto nacional de redefinio dos mecanismos jurdicos de
desapropriao para fins de reforma agrria. A fora poltica e ideolgica da
oposio e o elevado custo das indenizaes prvias e em dinheiro, previstas
na legislao estadual em vigor para os casos de desapropriao por utilidade pblica, esto entre os fatores que inviabilizaram sua execuo; apenas
dois projetos foram iniciados, num total de 175 famlias assentadas4.
Com a instaurao do regime militar, a reforma agrria foi substituda pela
colonizao em reas de fronteira agrcola, sobretudo na Regio CentroOeste e Norte do pas. Ao mesmo tempo, no mbito da modernizao agrcola, ocorreram significativas modificaes nas relaes sociais; na antiga
zona cafeeira, que compreende basicamente os Estados de So Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Paran, o colonato e outras relaes de trabalho
no-assalariado foram desestruturados - e grande parte da populao rural
3 - Pesquisa Os impactos regionais dos assentamentos rurais: dimenses econmicas, polticas e sociais, que
contou com a participao no Estado de So Paulo de Leonardo de Barros Pinto, Luiz Antonio C. Norder e de
Rosngela Ap. Pereira de Oliveira e que foi tambm realizada em outros cinco Estados, sob a coordenao de
Leonilde Medeiros e Srgio Pereira Leite, do CPDA/UFRRJ (Medeiros e Leite, 2004); o plano amostral de
aproximadamente 10% do total de famlias em cada assentamento.
4 - Um assentamento foi em Campinas, com 72 famlias, em uma rea desapropriada mediante negociao
amigvel do governo estadual; e outro em Marlia, com 103 famlias, em uma rea publica. Esta ultima experincia rapidamente acabou resultando na venda das parcelas e sua transformao em chcaras para a populao urbana (Tolentino, 1990; Bergamasco et al., 1991).

ABRA - REFORMA AGRRIA

204

No final dos anos 70 e incio dos anos 80, diversos movimentos sociais,
partidrios e sindicais comearam a ser reorganizados e a recolocar a reforma agrria na pauta das reivindicaes pr-democracia. No Estado de So
Paulo, eclodem os conflitos em torno das barragens de usinas hidreltricas
Porto Primavera, Taquaruu e Rosana, na regio do Pontal do Paranapanema,
o que exigiu uma resposta do Estado no sentido de reassentar a populao
atingida pelos alagamentos. Antigas disputas agrrias comeavam a ganhar
um novo significado, com destaque para a luta dos posseiros da Fazenda
Primavera, em Andradina, com apoio da igreja catlica, por meio das Comisses Eclesiais de Base (CEBs) e da Comisso Pastoral da Terra (CPT), da
Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de So Paulo (Fetaesp)
e de partidos polticos, especialmente o Partido dos Trabalhadores (PT) e o
Partido do Movimento Democrtico Brasileiro (PMDB). A desapropriao da
Fazenda Primavera em 1980 passou a informar o debate sobre reforma agrria e a ao de outros diferentes grupos de trabalhadores rurais sem-terra no
Estado de So Paulo, alguns ligados CPT, outros s organizaes sindicais.
no bojo deste diversificado processo de organizao dos movimentos
sociais, sindicais e partidrios que o MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra) foi fundado no Estado de So Paulo, ao longo de 1984. Isso
contribuiu para a construo de uma articulao nacional da demanda popular pela reforma agrria, especialmente a partir do Primeiro Congresso do
MST, realizado no ano seguinte, em Curitiba. No entanto, o surgimento e
difuso do MST ao longo dos anos 80 representou no somente uma continuidade e mesmo o aprofundamento de certas caractersticas presentes nas
demais organizaes, mas tambm o estabelecimento de novas diretrizes de
ao, principalmente no plano organizativo.
O mais importante elemento nesta redefinio programtica promovida
pelo MST foi a adeso a uma concepo massiva da luta poltica, com implicaes tanto para a mobilizao local dos trabalhadores como para a
definio de alianas polticas nacionais. A tomada de decises na organizao dos acampamentos do MST passou a ser pautada por uma segmentao entre as famlias acampadas e os coordenadores, entre liderados e lideranas. Comeam ento a surgir "dissidncias" com as mais diversas motivaes administrativas, polticas e ideolgicas e passa a ser acirrado um
ambiente de tenso e disputa com outras organizaes, como a CPT, grupos
independentes, sindicatos e suas federaes5.
ABRA - REFORMA AGRRIA

205

Ensaios e Debates

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

A expanso do MST representou, por um lado, um aumento da eficcia na


conquista de terras e no reconhecimento pblico da demanda e, por outro, a
criao de uma estrutura organizativa mais centralizada e com menor poder
decisrio por parte dos prprios trabalhadores. No plano discursivo, as
demais organizaes que reivindicavam a reforma agrria passaram a ser
desqualificadas. Esse contexto histrico foi analisado por Bernardo Manano
Fernandes da seguinte forma:

poltica em diversas instituies nos assentamentos de Sumar I e II e entre o


grupo de famlias proveniente da mesma regio metropolitana que formou a
Agrovila Campinas, no Assentamento Fazenda Reunidas. Com relao vinculao aos principais mediadores (MST, CPT, sindicatos, etc.), nota-se que
h grande disparidade seja de um assentamento para outro, como no interior de um mesmo assentamento. O mesmo pode ser dito sobre a participao em associaes e cooperativas.

"O dimensionamento do espao de socializao poltica, essencial na trajetria histrica da formao do MST e na espacializao e territorializao da luta pela terra, havia sido preterido
nesse processo organizativo... A massificao da luta desenvolveu-se com o aumento do nmero de famlias nas ocupaes
de terra, e tambm com a alienao da grande maioria dos trabalhadores que se tornaram passivos no processo de luta" *.
A articulao poltica regional e nacional da demanda pela reforma agrria
promovida pelo MST e a ao localizada de diversos movimentos sociais e
sindicais implusionaram a formulao e implementao de diferentes polticas fundirias governamentais, tais como: a) assentamentos em reas
desapropriadas pelo governo federal; b) reassentamentos de populaes
atingidas por barragens de usinas hidreltricas; c) assentamentos em reas
pblicas pertencentes ao governo estadual, geralmente em posse de grandes
fazendeiros6.
H uma diversidade de mediadores e formas de atuao nos acampamentos
e assentamentos. Em alguns casos, h a predominncia do MST; em outros, da
CPT, da CUT/Rural ou ainda das federaes sindicais, alm de grupos com atuao de menor abrangncia populacional e territorial. Isso tambm ocorre no
interior de um assentamento, onde muitas vezes h a atuao simultnea - e
no raro antagnica - de mais de uma organizao. A constituio dos assentamentos rurais no Estado de So Paulo resulta, portanto, de uma pluralidade
de conflitos pela posse da terra e de formas de mobilizao poltica.
Um panorama da organizao poltica e social nos assentamentos pode ser
observado na Tabela 1, que apresenta informaes obtidas em pesquisas por
amostragem em trs regies do Estado. Nota-se que h maior participao
5 - Fernandes, 1996: 170-171; 1998.
6 - As polticas fundirias governamentais incluem ainda os programas de regularizao na distribuio de terras em reas de conflito social (especialmente no Vale do Ribeira, regio com a maior preservao ambiental
no Estado) e a demarcao de terras indgenas e de populaes remanescentes de quilombos.
* - Fernandes, 1996: 170-171.

ABRA - REFORMA AGRRIA

206

Tabela 1. Participao Poltica dos Assentados em reas Selecionadas no Estado de So Paulo


Municpio
Assentamento/
Agrovila

Araraquara

Sumar

Monte

Monte

Alegre I

Alegre IV

Sumar I

Sumar II

Agrovila J.

Agrovila

Campinas

Bonifcio

Penpolis

CUT Rural (2)

CUT Rural (2)

MST

14

22

30

50

16

Cooperativa

18

33

60

Feraesp

Feraesp

(1)

Promisso
Agrovila

Associao

Origem Poltica

(1)

- % (*)

Sindicato (3) Sindicato (3)

42

27

77

40

10

33

MST

33

20

50

CPT

11

10

40

ONGs/outras

22

30

10

16

No participa

57

54

33

60

58

75

Sindicato

Fonte: Relatrio da Pesquisa A dinmica dos assentamentos de trabalhadores rurais e seus efeitos sobre o espao social e fsico
Campinas, Feagri/Unicamp; Paris, CRBC/EHESS, 2002. (1) Feraesp:

Federao dos Assalariados rurais do Estado de So Paulo, que

reunia principalmente sindicatos de trabalhadores com atuao na regio canavieira do Estado de So Paulo; tambm com participao
da Comisso Pastoral da Terra; (2) Tambm com participao do

MST; (3) Tambm com participao das prefeituras das cidades de

origem dos assentados. (*) Pesquisa por amostragem; respostas mltiplas.

Muitas so as trajetrias profissionais, familiares, polticas e culturais que levaram formao dos acampamentos - do MST, da CPT ou de outras organizaes - e dali aos vrios programas estatais de criao de assentamentos rurais. Trata-se da luta de posseiros, arrendatrios, parceiros e sitiantes atingidos
por barragens, ou seja, trabalhadores inseridos em certas relaes sociais estabelecidas historicamente e que disputaram as reas rurais por eles j ocupadas. Em outros casos, os assentamentos originaram-se da organizao sindical de trabalhadores rurais assalariados do setor canavieiro que, vivendo sob
pssimas condies de vida urbana, resolveram fazer do acesso terra uma
alternativa sua condio econmica e social. H ainda a luta de trabalhadores rurais sem-terra que migravam pelas vrias regies do pas e que, a partir de meados dos anos 80, passaram a procurar nos movimentos sociais politicamente organizados um novo caminho para alcanar seu retorno ao campo.
A mobilizao poltica dos trabalhadores rurais para a conduo da luta
pela reforma agrria, a partir da dcada de 80, inicia-se com a identificao
das reas a serem disputadas, levando em conta os atores governamentais e
ABRA - REFORMA AGRRIA

207

Ensaios e Debates

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

privados envolvidos na disputa e uma estimativa da capacidade estratgica


de cada grupo de trabalhadores para constituio de assentamentos. Essas
iniciativas locais pressupem sua insero nas esferas pblicas de debate
poltico. Da a importncia de mediadores: movimentos sociais, sindicatos,
partidos, igrejas, etc. - que, no entanto, disputam entre si a representao
poltica dos trabalhadores.

famlias (cerca de 60% do total) foram assentadas no Pontal do


Paranapanema (e dentre estas, 38% o foram entre 1995 e 1999).

Assim, esse conjunto de disputas fundirias levou no apenas conquista


de reas isoladas para a criao de assentamentos rurais, mas tambm formao e expanso de movimentos sociais que protagonizaram a re-insero
da reivindicao de reforma agrria na agenda de debates polticos
nacionais. Aos diversos movimentos sociais, mas com crescente ateno para
as aes do MST, passou a ser atribudo o protagonismo inicial para a criao, em geral emergencial e improvisada, de determinados projetos de assentamento.
A "redescoberta" do Pontal do Paranapanema pelo MST e a implementao
de assentamentos na regio, j na segunda metade dos anos 90, teve uma
relevncia no apenas local ou regional, mas um significativo alcance poltico nacional. Neste processo de recuperao de reas pblicas pelo governo
do Estado, parte das fazendas em disputa entre grileiros e sem-terra passou a
ser destinada aos acampados, aps indenizao prvia e em dinheiro pelas
benfeitorias realizadas na rea. A regio do Pontal do Paranapanema, dada
sua importncia poltica e abrangncia territorial - cerca de um milho de
hectares -, transformou-se em uma das principais frentes de disputas fundirias no Estado de So Paulo - e alcanou grande repercusso nacional7.
Os dados disponveis sobre os projetos de assentamentos implementados
no Estado de So Paulo a partir de 1980 indicam que algo em torno de 9,6
mil unidades familiares de produo agropecuria, distribudas em 141
assentamentos8, foram criadas nas dcadas de 80 e 90. Deste total, 5.716
7 - Os conflitos sociais nesta regio so constantes desde os primrdios de seu povoamento. Nos primeiros
anos do sculo XX, um longo processo judicial j envolvia vrios fazendeiros e grileiros (que divergiam entre
si), em confrontao com trabalhadores rurais e com o Estado. Alguns destes litgios permanecem ainda hoje
sem resoluo. Parte das fazendas criadas irregularmente, no entanto, chegou a ser legalizada e transformada
em propriedades privadas, atravs de operaes jurdicas sobre as quais recaem suspeitas as mais diversas.
Os programas de redistribuio fundiria na regio do Pontal comearam a ser implementados a partir de
1990, quando cerca de 800 famlias ligadas ao MST decidiram ocupar uma rea de 387 hectares da Fazenda
Nova Pontal, em Teodoro Sampaio, com o objetivo de reverter sua situao jurdica. Iniciava-se ali a efetivao
de uma srie de estratgias polticas visando a conquista destas reas pelos trabalhadores. Em meados de
1995, uma rea de 17.694 hectares de doze fazendas j havia sido ocupada por acampados do MST no
Pontal. Uma seqncia de acordos e desacordos entre Estado, grileiros e sem-terra, permeados por diversas
aes jurdicas e policiais, ocupaes e desocupaes, acabaram por dar visibilidade questo da reforma
agrria, justamente naquele perodo em que a opinio pblica brasileira ficara estarrecida com o massacre de
19 trabalhadores rurais por foras policiais no Norte do pas (Fernandes, 1996: 101-113).

ABRA - REFORMA AGRRIA

208

O impacto demogrfico dos assentamentos no Pontal tem importante


relevncia regional no Estado de So Paulo. Ademais, a regio tornou-se
palco dos principais conflitos agrrios no Estado, onde, de acordo com informaes do Movimento Sem-Terra (MST), mais de cinco mil famlias estavam
acampadas reivindicando seu assentamento em 19979. Paralelamente, os
programas implementados pelo governo federal no Estado de So Paulo com
base na legislao sobre reforma agrria permitiram o assentamento de
3.114 famlias, distribudas em 33 projetos nos anos 80 e 90. Os dois mais
populosos foram os de Promisso e Andradina, com 629 famlias e 343,
respectivamente, e representavam cerca de 31% do total de famlias assentadas pelo INCRA no Estado. Cinco projetos reuniam de 120 a 175 famlias
cada; treze projetos abrigavam menos de 100 famlias e onze assentamentos
tinham capacidade para menos que 50 famlias.
Todavia, frente aos limites polticos e institucionais para a realizao de
medidas de distribuio de terras com base na legislao sobre reforma
agrria, parte dos assentamentos rurais no Brasil e no Estado de So Paulo
acabaram por ser criados em terras pblicas por governos estaduais. No final
de 1985, o Governo do Estado de So Paulo criara duas leis reguladoras de
sua atuao fundiria: o Plano de Valorizao de Terras Pblicas (PVTP) e o
Plano de Regularizao Fundiria. Esta legislao posterior aos projetos de
assentamentos em Itapeva, Casa Branca, Araraquara, Araras e Sumar - o
primeiro em uma rea pblica em negociao desde os anos 60, e os demais
em hortos florestais pertencentes a uma empresa ferroviria estatal, a Fepasa
(Ferrovias Paulistas SA), que veio a ser privatizada em 1998. Na segunda
metade dos anos 80, com base no PVTP, foram criados outros assentamentos
em reas pblicas estaduais nos municpios de Araraquara, Andradina,
Itapetininga, Porto Feliz e Euclides da Cunha10. Um resumo das informaes
sobre o nmero de assentamentos e famlias assentadas em So Paulo at o
final dos anos 90 apresentada a seguir.
8 - Esse nmero inclui os reassentamentos populacionais decorrentes dos alagamentos provocados pela construo de usinas hidreltricas. As reivindicaes sociais em tais reassentamentos comportam evidentes peculiaridades polticas e administrativas, mas foram encaminhadas, principalmente na primeira metade dos anos
80, de forma articulada com as demais manifestaes de luta pela terra e pela reforma agrria. So cinco projetos de reassentamento na regio do Pontal do Paranapanema e dois na regio de Andradina, envolvendo um
total de 1.501 famlias, o que corresponde a aproximadamente 15% do total de famlias assentadas e reassentadas no Estado.
9 - Houve desde 1995 uma multiplicao de movimentos sociais organizados no Pontal do Paranapanema,
disputando a representao poltica dos interessados em sua integrao aos projetos de assentamento
(Fernandes, 1998).
10 - Barbosa e Leite, 1990.

ABRA - REFORMA AGRRIA

209

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

Ensaios e Debates

Tabela 2. Nmero de famlias assentadas em So Paulo, de acordo com origem


administrativa e ano de implementao (1979 -1999)
Ano de Implementao
Total

At 1983

1984-1988

1989-1994

1995-1999

Total

Federal

164

1.108

578

1.264

3.114

Estadual

663

509

3.837

5.009

Barragens

523

978

1.501

Total

687

2.749

1.087

5.101

9.624

Fonte: INCRA, ITESP (Instituto de Terras do Estado de So Paulo Jos Gomes da Silva), MST.

Como as polticas estaduais de assentamento eram respostas improvisadas


s situaes de conflito, temos a criao de assentamentos de pequeno porte
ou geograficamente dispersos, com a exceo da regio do Pontal do Paranapanema. Assim, no perodo de 1984 a 1994, as sucessivas administraes do
governo estadual promoveram o assentamento de aproximadamente 1.675
famlias em 24 projetos, em reas estaduais pertencentes a dez municpios. Em
seguida, entre 1995 e 1999, o governo estadual assentou ou iniciou o assentamento de mais 3.837 famlias, das quais 86% no Pontal do Paranapanema.
Em outra frente de disputas sociais, os hortos florestais da Fepasa, em geral
voltados para a produo de dormentes para as ferrovias, foram assentadas
715 famlias at 1998, em uma rea total de quatorze mil hectares.
Destas consideraes sobre o processo poltico de implementao dos
assentamentos rurais criados no Estado de So Paulo at o final dos anos 90
destacam-se os seguintes aspectos: a) a instabilidade e descontinuidade nas
polticas fundirias governamentais; b) a presena de conflitos sociais, mobilizaes, criao de acampamentos, manifestaes, ocupaes de reas em
disputa, etc. precedendo a implementao dos assentamentos, c) o atendimento de apenas uma reduzida parcela dos trabalhadores, ou seja, com
pouca modificao na constituio do mercado de trabalho, com exceo,
relativamente, de algumas regies ou localidades especficas11.

11 - No Estado de So Paulo, existiam cerca de 135 mil estabelecimentos rurais em meados dos anos 90. Entre
1970 a 1995, houve uma reduo de 1.357.113 para 914.954 pessoas ocupadas em atividades
agropecurias. Deste total, boa parte era empregada apenas sazonalmente. O trabalho temporrio atinge seu
pico nos meses de junho e julho, quando eram empregados no mais que 240 mil trabalhadores. Em janeiro
e fevereiro, este nmero caa para at 95 mil trabalhadores.

ABRA - REFORMA AGRRIA

210

2. C ONDIES

SOCIAIS NOS

A SSENTAMENTOS

Esta seo apresenta a evoluo recente de alguns dos principais indicadores demogrficos, sociais e econmicos regionais - e avalia as trajetrias
migratrias e profissionais, a composio da renda das famlias assentadas e
as particularidades da infra-estrutura social em sete assentamentos situados
em quatro municpios no Estado de So Paulo. Trata-se de pesquisa sobre
assentamentos criados em pocas distintas, com diferentes perfis populacionais e econmicos e situados em municpios das principais distintas regies
do Estado: Araraquara, Mirante do Paranapanema, Promisso e Sumar12.
Tabela 3. Origem dos Assentamentos Pesquisados no Estado de So Paulo
Inicio

Famlias

Bela Vista do Chibarro

Assentamento

Araraquara

Municpio

1989

167

Implementao
Federal

Santa Clara

Mirante do Paranapanema

1994

46

Estadual

So Bento

Mirante do Paran apanema

1994

185

Estadual

Estrela DAlva

Mirante do Paranapanema

1995

31

Estadual

Fazenda Reunidas

Promisso

1987

629

Federal

Sumar I

Sumar

1984

26

Estadual

Sumar II

Sumar

1986

28

Estadual

a) Transformaes
Transformaes Demogrficas e Econmicas
Embora o nmero de famlias assentadas ainda possa ser considerado
pequeno quando comparado ao da populao ocupada em atividades
agropecurias no Estado de So Paulo - e a despeito da reduzida rea destinada aos assentamentos -, a implementao de assentamentos rurais, em
vrios casos, levou a uma significativa alterao das condies locais de produo e a uma redistribuio populacional com elevado impacto econmico
e poltico local e regional.
importante ressaltar que a urbanizao em diversas regies do Brasil ocorreu de forma a concentrar enormes contingentes populacionais em grandes
centros metropolitanos, geralmente capitais estaduais, mas tambm em algumas cidades de porte regional. A contrapartida disso foi um notvel refluxo demogrfico e econmico nos pequenos municpios13. A concentrao fundiria,
a dinmica de modernizao agrcola e a ausncia de polticas pblicas ade12 - Pesquisa Os impactos regionais dos assentamentos rurais: dimenses econmicas, polticas e sociais
(Medeiros e Leite, 2004).
13 - Faria, 1991.

ABRA - REFORMA AGRRIA

211

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

Ensaios e Debates

quadas agricultura familiar podem ser mencionadas como fatores que vieram a enfraquecer a insero de pequenos municpios nas redes urbanas, ou
seja, a conexo scio-econmica entre os pequenos municpios, os ncleos urbanos de importncia regional e os grandes centros metropolitanos14.
A constituio dos assentamentos tem revitalizado a dinmica econmica
de pequenos municpios e revertido esta trajetria - que comum a muitos
dos pequenos municpios no Estado de So Paulo. Em Promisso e Mirante
do Paranapanema, a populao rural, que declinara entre 1970 e 1980, voltou a expandir-se nas dcadas seguintes, o que est relacionado, em grande
medida, implementao de programas de assentamento no meio rural.
A Tabela 4 mostra que os municpios pesquisados apresentam uma diferenciada dinmica demogrfica ao longo do perodo 1970-2000. Enquanto
Araraquara e Sumar passaram por um acentuado crescimento de sua populao urbana, transformando-se em importantes plos econmicos regionais,
Mirante do Paranapanema e Promisso passaram por um processo inverso,
qual seja, o de reduo de sua populao rural e total. Foi somente aps a
implementao dos assentamentos (Promisso no final dos anos 80 e Mirante
em meados dos 90) que este cenrio foi modificado. A populao rural, que
declinara nos quatro municpios entre 1970 e 1980, voltou, nas dcadas
seguintes, a expandir-se nos quatro municpios.
Tabela 4: Evoluo da populao rural e urbana dos municpios de Araraquara,

b) Fluxos Migratrios e
Condies de Trabalho
Trabalho antes do Assentamento
Muitos dos assentados no Estado de So Paulo so migrantes provenientes
da regio de Estados vizinhos, principalmente Minas Gerais e Paran, e da
Regio Nordeste; agregaram-se aos paulistas, que somam pouco mais que a
metade das famlias entrevistadas. A disputa pelas terras do Pontal atraiu a
uma parcela de migrantes de vrios pontos do pas. No entanto, h um intervalo entre estes dois atos: os trabalhadores sem-terra entrevistados migraram
para o Estado de So Paulo, onde permaneceram habitando e trabalhando
em ocupaes diversas, antes de entrarem na luta pela terra. Em outros termos, a atrao exercida pelo mercado de trabalho estadual parece preceder
a atrao exercida pela luta pela terra. Alm da migrao interestadual, h
uma notvel migrao intra-estadual. Migrar e lutar pela terra parece ter sido
a disposio de muitos dos assentados do Estado de So Paulo.
A grande maioria dos assentados estava empregada antes do assentamento, o que sugere que a luta pela reforma agrria tem um significado mais
amplo que apenas a busca de emprego. Uma em cada trs famlias teve ocupao urbana no perodo anterior ao assentamento; os que atuavam como
assalariados urbanos correspondem a 25% do total. interessante destacar
que nos assentamentos no Pontal do Paranapanema h uma incidncia maior
de trabalhadores rurais temporrios (entre 40 a 50% dos entrevistados), alm
de um menor contingente de trabalhadores com ocupao urbana anterior a
seu assentamento.

Mirante do Paranapanema, Promisso e Sumar, 1970 -2000.


Populao

1970

1980

1991

2000

Urbana

84.459

118.781

156.465

173.569

Rural

15.979

9.341

10.266

8.902

Urbana

7.175

8.538

10.545

9.833

Rural

14.734

6.921

4.634

6.380

Urbana

15.609

15.877

22.093

25.635

4.935

4.345

5.888

5.470

15.335

95.825

225.528

193.937

7.739

6.026

1.342

2.786

Rural
Urbana
Rural

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Os dados desta srie histrica no incluem a populao que habitava as
reas que vieram a formar outros municpios ao longo deste perodo.

14 - Santos, 1988.

ABRA - REFORMA AGRRIA

212

Em todos os assentamentos pesquisados, no entanto, h uma substancial


transformao das condies de vida e de trabalho, uma vez que, em sua
vasta maioria, essa populao, antes do assentamento, no contava com o
acesso a terra. Apenas uma pequena parte dos assentados (11%) no havia
desenvolvido qualquer produo agropecuria antes do assentamento: cerca
de 90% dos titulares de lote tiveram alguma experincia anterior de produo
agropecuria, mas a grande maioria na condio de parceiros e arrendatrios; poucos foram posseiros.
Os assentados vivenciaram as transformaes scio-econmicas ocorridas
a partir dos anos 60 em toda a zona cafeeira, na qual a erradicao dos
cafezais (e sua substituio pela cana-de-acar, laranja e pecuria de corte)
implicou na substituio de relaes de trabalho no-assalariados (arrendamento, colonato e parceria) pelo trabalho assalariado temporrio (bia-fria
ou trabalhador volante). Essas mudanas coincidem historicamente com a
ABRA - REFORMA AGRRIA

213

Ensaios e Debates

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

expanso na demanda por mo-de-obra nos centros urbano-industriais.


Assim, aps um hiato representado pelo trabalho assalariado rural ou
urbano, os trabalhadores rurais, a partir dos anos 80, decidem entrar na luta
pela terra para resgatar o projeto familiar ou a condio anterior de produtores agropecurios, agora no mais como colonos, parceiros e arrendatrios, subordinados ao latifndio, mas como assentados em terra prpria.

Habitao: As condies habitacionais tem sido arroladas entre os critrios


para uma anlise das condies sociais de vida e identificao da situao de
pobreza no Brasil16. Alm disso, no obstante suas particularidades tcnicas,
organizacionais e sociais, a construo civil nos assentamentos pressupe uma
integrao comercial com o municpio e a regio. Em geral, h uma ligeira
modificao das condies habitacionais quando comparamos a situao
atual dos assentados com a que dispunham antes do assentamento. Houve um
aumento na construo de casas de alvenaria e uma reduo na construo
de casas de madeira; por outro lado, nota-se um aumento (de 6% para 11%)
na permanncia de residncias com pisos de terra, fator de insalubridade, no
interior das construes habitacionais. O esgoto dos assentamentos em geral
depositado em fossas individuais no-asspticas (79%), mas h tambm um
considervel despejo em locais abertos, como rios e valetas (13%).

c) Perfil
Perfil das Famlias
Famlias e Condies de Vida
Esta seo apresenta uma sntese de informaes sobre distribuio etria,
educao, habitao, composio das famlias, sade e alimentao, obtidas
a partir de pesquisas de campo nos assentamentos mencionados anteriormente.
Idade dos Titulares: Um breve perfil dos titulares de lotes no Estado de So
Paulo pode ser delineado atravs da figura de um homem com idade entre
45 a 60 anos, com menos de quatro anos de ensino formal. Os titulares de
lote entrevistados abrangem todas as faixas etrias, com destaque para a
faixa de 50 a 60 anos, que comporta a maior freqncia relativa. Tambm a
faixa dos titulares com mais de 60 anos apresentou percentual expressivo
(17%), havendo casos, como os de Sumar e da Fazenda So Bento, em que
mais de um tero dos assentados j havia passado de 60 anos. Nestas situaes, comum encontrar mais de uma famlia nuclear, ou seja, os filhos se
casam e permanecem no lote.
Educao: Em nosso plano amostral, efetuado entre fevereiro e maio de
1998, encontramos um total de 23% dos titulares de lote em situao de
analfabetismo. Os analfabetos e os que possuem menos que quatro anos de
estudo formal chegam a quase 90% das famlias pesquisadas; menos de 10%
possuem oito anos ou mais de ensino formal - e o percentual dos que chegam
ao ensino superior raramente ultrapassa a 1%, em mdia15.
A escolarizao de jovens e crianas d-se geralmente em duas etapas: os
primeiros quatro anos so cursados em escolas no interior do assentamento
e os quatros seguintes em escolas do municpio. Mesmo em assentamentos
de grande porte, como o Fazenda Reunidas, no h escolas aps a 4a srie:
os estudantes precisam deslocar-se para o ncleo urbano. O transporte escolar oferecido pelas prefeituras e objeto de constantes negociaes polticas.
15 - Esses dados so similares ao panorama traado pelo Censo dos Assentamentos de Reforma Agrria no
Brasil (Schmidt, Marinho e Rosa, 1998); em alguns Estados do Nordeste, o analfabetismo compreendia algo
entre 40 a 50% dos beneficirios titulares de lote. As estatsticas sobre a escolarizao dos cnjuges, em todo
o pas, no diferem substancialmente das que se apresentam para os titulares.

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214

Quase 80% das famlias consideravam que a habitao no assentamento


era melhor que a que dispunham anteriormente; para pouco mais de 10%
dos entrevistados, no houve melhoria significativa e para 5% chegou mesmo
a ocorrer uma reduo na qualidade de sua habitao. Nos assentamentos
mais recentes, a percepo das condies habitacionais mais desfavorvel
que nos mais antigos. O fato dos assentamentos permitirem o acesso casa
prpria, ainda que precria, rompendo com as situaes anteriores de dependncia de alugueis ou concesses, contribui para esta avaliao positiva.
Famlia: Apesar da importncia do trabalho agrcola para a constituio da
renda familiar, os assentamentos abrigam apenas uma parte da famlia dos
assentados. H, no entanto, uma variao na evaso de filhos e filhas;
mesmo assim, aproximadamente metade das famlias entrevistadas reunia
toda a famlia no lote. Por outro lado, h uma boa proporo de famlias com
muitos moradores. Em Promisso, a mdia de moradores no assentamento
mostrou-se superior media de moradores por domiclio no municpio17;
quase metade das famlias assentadas abrigam seis moradores ou mais,
havendo, em mdia, seis moradores por lote.
Esses dados mostram que o acesso a terra constitui-se simultaneamente em
um eventual acesso habitao para os filhos que se casam. O assentamento torna-se, em muitos casos, local de moradia para os filhos de assentados
que se empregam em diversas atividades, sejam elas rurais ou urbanas, dentro ou fora do assentamento, no lote ou fora dele; predomina o assalariamen16 - Brando Lopes, 1995; Leone, 1994.
17 Em 1991, conforme dados do IBGE, a mdia no Estado de So Paulo era a de 4,21 pessoas por domiclio
na zona rural; na zona urbana era de 3,87. No Brasil, a mdia era de 4,69 na zona rural e 4,06 na zona
urbana.

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215

Ensaios e Debates

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

to temporrio, instvel e eventual para os homens, e o emprego em servios


domsticos para as mulheres. O lote transforma-se, assim, em um refgio
para os filhos j em idade economicamente ativa, sobretudo pela disponibilidade de habitao, alimentao, cultura e sociabilidade.

atuando como assalariados, sendo que em vrios assentamentos isso aparece


de forma bastante eventual e espordica.

Sade: Alguns assentamentos contam com postos de sade em seu interior,


como ocorre no Bela Vista do Chibarro e no So Bento. Outros, como o Estrela
DAlva e o Santa Clara, utilizavam o posto de sade de assentamentos vizinhos
(o da Fazenda So Bento). Em Sumar, os assentados contam apenas com
servios pblicos de sade no centro urbano. Na mesma situao encontravase o Assentamento Fazenda Reunidas, onde os assentados precisavam se deslocar para o municpio para receber atendimento mdico (com exceo de uma
de suas agrovilas, que conta com um atendimento parcial e intermitente).
H uma ntida precariedade no atendimento mdico-hospitalar na maioria
dos assentamentos. Alm da elevada concentrao demogrfica em alguns
assentamentos, h ainda uma grande incidncia de doenas crnicas, o que
refora a necessidade dos postos de sade nos assentamentos. No entanto,
mesmo em assentamentos com grandes contingentes populacionais, essa
demanda no atendida.
Alimentao: A percepo dos assentados das reas estudadas em 1998
com relao alimentao, em comparao com sua situao anterior, era
de melhoria na maior parte dos casos (72%), contra um pequeno grupo de
famlias (2,5%) que estimam ter piorado sua alimentao no assentamento;
cerca de 20% das famlias consideram que no houve modificaes substanciais em sua alimentao. A manuteno e recriao de tradicionais prticas
produtivas visando a obteno de alimentos para consumo familiar continua
apresentando grande importncia e ajudam a explicar essa percepo predominantemente favorvel em relao a alimentao em assentamentos no
Estado de So Paulo18.
d) Composio da Renda
Renda Familiar
Familiar e Integrao Econmica
A produo agropecuria constitua a principal atividade econmica realizada pelos assentados; poucos titulares de lote atuavam como assalariados
permanentes fora dos lotes. Assim, os assentamentos tm permitido a retirada de trabalhadores rurais do mercado de trabalho, sobretudo dos titulares
de lote. Na mdia estadual, apenas 1,6% dos titulares entrevistados vinham
18 - Para uma anlise do debate sobre segurana alimentar e desenvolvimento rural, com dados nutricionais
coletados em pesquisa de campo no Assentamento Fazenda Reunidas, ver Norder(1998, 2004).

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216

Vimos que os assentados no eram necessariamente desempregados antes


de entrar na luta pela terra: ao contrrio, tinham emprego, muitas vezes urbano, de baixa remunerao. Ao comparar a renda obtida antes do assentamento com a obtida na situao atual, os assentados entrevistados expressam a
seguinte estimativa: cerca de 58% afirmaram que houve uma melhoria em seu
poder de compra, contra apenas 16% que acreditavam ter ocorrido o contrrio; 26% acreditavam que permaneceram com o mesmo poder aquisitivo.
Uma anlise dos dados da pesquisa sobre a composio da renda monetria nos assentamentos pesquisados indica que, em termos mdios, os
rendimentos auferidos no interior dos lotes eram bem superiores aos obtidos
fora dele. As fontes de renda oriundas do lote foram mais de cinco vezes
superior s fontes de renda geradas fora dele. A renda por lote atingiu a
mdia ponderada (conforme a densidade populacional de cada assentamento) de US$ 228 mensais por famlia, enquanto a renda fora do lote ficou em
US$ 38, totalizando US$ 26619.
Dados sobre a renda monetria obtida a partir de atividades realizadas no
interior do lote mostram que especificamente a produo agrcola que tem
maior importncia para as famlias assentadas; no entanto, a renda agrcola
mensal mdia de US$ 167 por lote inclui variaes expressivas, tendo como
piso o Assentamento Estrela DAlva, com renda agrcola lquida de US$ 180,
em mdia; e, como teto, o Assentamento de Sumar, cuja renda agrcola
chegou mdia de US$ 246 por lote.
As fontes de renda monetria obtidas fora do lote tm importncia menor
que as fontes de renda no interior do lote. A renda previdenciria atingiu a
cifra mdia de US$ 15, seguida de perto pelos salrios recebidos por atividades exercidas fora do lote, cuja mdia ficou em US$ 14. Observou-se ainda que o trabalho remunerado fora do assentamento tem maior importncia
relativa tanto entre as famlias com menor montante total de rendimentos monetrios como entre as famlias em situao oposta, com maior rendimento.
Esse conjunto de informaes sobre a gerao e distribuio de renda no
interior dos assentamentos ganha importncia diante do contexto de desemprego e subemprego em todo o Estado e que, em algumas regies, como a
19 - Para fazer a converso dos valores em reais para dlar, utilizamos nesta seo a cotao de US$ 1,00
para R$ 1,20, vigente durante a realizao da pesquisa, em 1998.

ABRA - REFORMA AGRRIA

217

Ensaios e Debates

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

que se insere Teodoro Sampaio, manifesta-se de forma ainda mais intensa.


Mais de 35% das famlias obtiveram uma produo agropecuria cuja comercializao foi superior a dois salrios-mnimos mensais. No entanto, para
30% das famlias, a produo agropecuria no foi suficiente para atingir
uma renda monetria familiar superior a meio salrio-mnimo mensal, permanecendo, assim, em situao de dependncia em relao obteno de
recursos externos (a aposentadoria ou o trabalho assalariado fora do lote,
principalmente). H, mais uma vez, uma importante diversidade entre os
assentamentos, com destaque para a Fazenda Estrela DAlva, com um elevado percentual de famlias com renda agropecuria de no mximo meio
salrio-mnimo mensal.

Nos trs assentamentos pesquisados no Pontal do Paranapanema, as


aquisies voltadas para a produo agropecuria e para o consumo familiar no se realizam exclusivamente no municpio, mas se espalham pela
regio e pelo Estado. Ainda assim, cerca de 30 a 50% do consumo das
famlias assentadas era efetuado no comrcio do municpio. Nos demais
assentamentos pesquisados no Estado, as relaes com o comrcio local so
bastante intensas. Sumar e Araraquara so municpios de porte mdio, de
importncia regional, que oferecem uma ampla rede comercial e de
prestaes de servio, na qual os assentamentos se inserem e se diluem. J
em Promisso, municpio de pequeno porte e que tem no assentamento
Fazenda Reunidas cerca de 10% da populao local, as relaes de troca
entre o assentamento e o comrcio local so de considervel importncia
econmica.

A integrao das famlias assentadas ao mercado de trabalho ir variar


conforme as caractersticas do mercado de trabalho local e regional. Assim,
a equao pluriatividade-proletarizao no Assentamento de Sumar, situado
em uma regio metropolitana com mais de dois milhes de habitantes, bastante distinta daquela observada no Pontal do Paranapanema, onde as atividades agrcolas no interior do lote so comparativamente mais importantes
para o conjunto familiar. Os jovens de 10 a 16 anos com dedicao de at
24 horas semanais ao trabalho alcanam um percentual de 10 a 15% do trabalho agrcola realizado no lote, enquanto em Sumar esse ndice no chega
a 5%. Por outro lado, os jovens com idade entre 17 a 25 anos em Sumar
apresentam maior dedicao em tempo integral no interior do lote, ou seja,
mesmo em reas metropolitanas, a atividade agrcola permanece como fonte
de renda e absoro de trabalho entre as famlias assentadas.
A maior parte dos produtos adquiridos pelas famlias comercializada no
prprio municpio, o que refora a avaliao de um impacto favorvel dos
assentamentos na dinmica econmica regional, principalmente dos
pequenos municpios. Isso reconhecido por atores sociais de vrios pontos
do Estado. Alm da formao de novos grupos de consumidores na economia local, h ainda o reconhecimento por agentes econmicos presentes no
Pontal do Paranapanema, por exemplo, de que os desdobramentos do assentamento na dinamizao econmica so significativos. Segundo o Presidente
da Associao Comercial de Teodoro Sampaio,

Ns consideramos que a reforma agrria no Pontal foi a indstria que nunca chegou aqui... Hoje a gente analisa que foi bom,
est sendo bom e a gente espera que continue a desenvolver...
informalmente, entre os comerciantes, achamos que 40% do
novo movimento econmico gira em torno da reforma agrria20.
ABRA - REFORMA AGRRIA

218

Um aspecto que chama a ateno a ausncia ou reduzida difuso de


atividades comerciais no interior dos assentamentos. Vrios fatores esto na
origem de fenmeno, que no ser analisado aqui; de qualquer forma, vale
registrar que nos anos 80 e 90 o INCRA proibia e reprimia a realizao de
algumas atividades comerciais no interior dos assentamentos, contrariando as
perspectivas de fortalecimento da agricultura familiar atravs de atividades
no-agrcolas e ocupaes pluriativas. Assim, parte das oportunidades comerciais ou de prestao de servios acabou sendo absorvida por outros segmentos da populao local. A interdio estatal de atividades no-agrcolas
foi amplamente criticada por assentados e mesmo por tcnicos do governo
que atuavam nos assentamentos.
3. C ONSIDERAES F INAIS
As vrias frentes de disputas agrrias abertas pelos movimentos populares MST, CPT, sindicatos, grupos independentes - no Estado de So Paulo a partir do incio dos anos 80 levaram implementao de programas de assentamento que repercutiram tanto na uma modificao dos indicadores
fundirios, sociais e econmicos de algumas localidades (Pontal do
Paranapanema e Promisso) como no aparecimento de novos atores polticos
e culturais em outras (Araraquara e Sumar); tm levado tambm a uma
diversificao da atividade agrcola, tanto no que se refere ao tipo de produto como ao tipo de produtor.
20 - Entrevista concedida em 1998 por Antonio Celestino dos Santos Neto, Presidente da Associao
Comercial de Teodoro Sampaio -favor de facilitar o no me da pessoa que fez a entrevista, a data e a localidade onde ela foi feita.

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Ensaios e Debates

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

Trata-se, portanto, da gerao de diversidade social, tcnica, poltica,


econmica e cultural de grande significado para uma regio do pas marcada por uma forte padronizao agroindustrial do meio rural. Os assentamentos se constituem, igualmente, de acordo com os dados sobre a percepo
dos prprios assentados, como uma fonte de melhoria das condies alimentares, habitacionais e culturais. Assim, como vimos, cerca de 80% afirmaram ter melhores condies habitacionais no assentamento do que anteriormente; 72% estimam ter melhor alimentao e 58% avaliam que passaram a ter maior poder aquisitivo - dados que ganham especial relevo se
levarmos em conta a idade avanada e a baixa escolarizao que predomina entre os titulares de lotes.

O municpio de Promisso possua em 1991um populao de pouco menos que 30 mil pessoas, das quais mais de 10% viviam no assentamento. Ali
o impacto do assentamento de 629 famlias foi, primeiramente, demogrfico.
Os resultados na economia local no poderiam deixar de ser percebidos pela
populao e pelos agentes econmicos e polticos locais. Entretanto, foi somente em 2004 que um assentado foi, pela primeira vez, eleito vereador no
municpio, pelo Partido dos Trabalhadores. At ento, os assentados no tiveram qualquer participao direta na administrao municipal, como vinha
ocorrendo em Sumar.

Todavia, se, por um lado, os assentamentos contribuem para a modificao


das regies e localidades nas quais se inserem, por outro, so tambm permeados pelas suas caractersticas e condies. H diferentes formas de integrao dos assentamentos nas dinmicas regionais. Os estudos de caso em
quatro regies do Estado de So Paulo, apresentados acima, nos permitem
conhecer algumas das caractersticas deste diferenciado processo.
Nos Assentamentos de Sumar, ligado a diversas organizaes (PT,
CUT/Rural, MST e outras), h uma atuao poltica bastante ampla e intensa
de uma parte dos assentados. H uma notvel criao de vinculaes dos
assentados com sindicatos, movimentos sociais, organizaes no-governamentais, universidades, escolas de primeiro e segundo graus, alm da participao direta na administrao de um municpio com mais de 200 mil habitantes, em uma das maiores regies metropolitanas do pas. Alm disso, a insero de inmeras reportagens jornalistas, na imprensa escrita, falada e televisiva sobre os assentamentos de Sumar, desde a poca dos acampamentos, na primeira metade dos anos 80, at os dias atuais, permitiram difundir
a proposta de reforma agrria no apenas na regio metropolitana de Campinas, mas tambm, em vrias ocasies, em todo o pas.
Um segundo caso do Assentamento Fazenda Reunidas, cuja origem poltica est ligada a um grupo organizado pela CPT que passou a reivindicar a
rea; posteriormente, houve a chegada de um grupo do MST, vindo da regio
de Campinas/Sumar, mas a falta de articulao entre as lideranas dos
acampamentos fez surgir uma forte rivalidade entre os dois grupos. Aps o
estabelecimento dos dois acampamentos e a desapropriao da rea, sindicatos de trabalhadores rurais de vrios municpios da regio, com o apoio de
suas respectivas prefeituras, passam a convocar os interessados no processo
de seleo das famlias para o assentamento, em 1987.
ABRA - REFORMA AGRRIA

220

Em Araraquara, no Assentamento Bela Vista do Chibarro, predomina um


outro cenrio: as famlias assentadas no apresentam a mesma abrangncia
de ao poltica que aquela experimentada em Sumar, nem o impacto
demogrfico ocorrido em Promisso. A vinculao histrica da maioria dos
assentados ao sindicalismo co-existe com uma parte das famlias ligadas ao
MST vindas de Campinas, Sumar e Promisso, onde no haviam sido assentadas devido aos critrios de seleo utilizados.
A presena de um assentamento envolvendo centenas de famlias no interior do principal plo sucro-alcooleiro do Estado de So Paulo, no qual so
empregados milhares de trabalhadores rurais assalariados, tornou-se um importante cone de resistncia ao modelo de agricultura patronal e agroindustrial vigente na regio - e de importante significado para o movimento sindical. Esta experincia mostrava que o sindicalismo tambm se constitua como
um ator poltico na defesa da reforma agrria e que, alm da cana-de-acar e da laranja, era possvel praticar uma produo agropecuria diversificada atravs do fortalecimento da agricultura familiar.
Um dos mais relevantes embates neste assentamento gira em torno da adeso
dos assentados produo de cana-de-acar, efetuado notadamente com
base no arrendamento da terra s usinas da regio. As opinies dos assentados, tcnicos e especialistas no assunto so divergentes com relao a isso.
Alguns argumentam que os assentados no podem prescindir do aproveitamento das oportunidades econmicas e produtivas constitudas em seu entorno,
ainda que de forma dependente dos circuitos agroindustriais. Outros insistem
na necessidade de construo de formas alternativas de agricultura, ou seja, de
uma diversificao tcnica e social da agricultura, visando seja o aproveitamento do potencial agroecolgico de cada parcela de terra e das oportunidades
econmicas e culturais de cada localidade, seja na integrao a circuitos mais
intensivos em trabalho, como a olericultura e a fruticultura, por exemplo.
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221

Ensaios e Debates

No Pontal do Paranapanema, onde predomina a pecuria de corte ultra-extensiva e um dos menores ndices de modernizao da agropecuria no Estado, os assentados, preponderantemente ligados ao MST, encontram reas
ambientalmente degradadas, com baixa fertilidade do solo e maior distncia
com relao aos canais de distribuio de produtos. Em comparao com as
outras trs regies pesquisadas, h menor gerao de renda e as condies
sociais so mais precrias. Mesmo assim, o elevado nmero de assentados
faz com que as polticas governamentais, notadamente durante a fase de implementao dos projetos, tenha contribudo para reverter a situao de estagnao econmica da regio.
As polticas publicas (principalmente aquelas voltadas para habitao, sade, educao, transporte e eletrificao) constituem-se em elementos-chave
para uma anlise dos impactos dos assentamentos sobre as localidades e regies em que se inserem, j que representam no apenas a efetivao de direitos que ampliam qualidade de vida dos assentados, mas permitem, indiretamente, a ocupao, no setor pblico, de profissionais com formaes tcnicas
diversas (tcnicos agrcolas, agrnomos, agentes de sade, professores, etc.).
Vale salientar que a produo agropecuria a atividade econmica de
maior importncia para as famlias assentadas nas quatro regies pesquisadas - e que, por isso, as polticas creditcias adquirem importncia central
para o desenvolvimento dos assentamentos e das regies onde se inserem.
A produo agropecuria desenvolvida em cada assentamento pode ser realizada atravs de diversas matrizes tecnolgicas, o que leva a uma grande
oscilao na composio da renda, na gerao de empregos (diretos e indiretos) e nas estratgias de reproduo social. Alm disso, leva tambm ao
estabelecimento de diferentes relaes com agentes econmicos e rgos
governamentais.
As medidas estatais voltadas para o fortalecimento da agropecuria em
vrios assentamentos foram em grande medida direcionadas para os produtos bsicos da modernizao agrcola predominante no Estado: milho, canade-acar e algodo. Temos com isso a produo de mercadorias em grande
escala, com forte utilizao de insumos de origem agroindustrial e elevado
custo financeiro, alm de pequena absoro de trabalho por unidade de rea
e de produto. Ademais, diante dos precrios arranjos institucionais formulados para viabilizar essa integrao especfica com os atores e canais de modernizao agrcola, muitas famlias acabaram por entrar em situao de inadimplncia, em um modelo produtivo que requer ampla mobilizao de recursos financeiros e comerciais21.
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222

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

Assim, preciso reavaliar em que medida o sistema de produo


agropecuria que vem sendo priorizado para o sistema de crditos permite
que esse impacto possa ser reproduzido, ampliado e renovado no longo
prazo. Diante das condies institucionais vigentes, possvel afirmar que,
ainda os impactos (internos e externos) dos assentamentos j possam favorecer o desenvolvimento scio-econmico local e regional, h um enorme
potencial por ser aproveitado. Esse potencial j vem sendo desenvolvido pelos
assentados apesar do limitado apoio tecnolgico e financeiro das agncias
estatais. As polticas de financiamento da diversificao da produo, os programas de crdito de custeio e as polticas sociais (sobretudo as de habitao)
demonstram muita lentido, ineficcia, instabilidade, descontinuidade e,
sobretudo, pouca proximidade com os projetos produtivos formulados pelos
prprios assentados.
A anlise das linhas de crdito um tema de grande relevncia governamental para a compreenso dos impactos dos assentamentos nas regies em
que se inserem. Em Promisso e no Pontal do Paranapanema, a liberao de
crditos de financiamento representou o ingresso de um volume de recursos
claramente perceptvel de recursos financeiros nos municpios na fase de
implementao, quando h um maior aporte de investimentos pblicos nos
assentamentos. Os assentamentos, ao receberem financiamentos para o
custeio da safra, financiamentos para a aquisio de mquinas, equipamentos e instalaes produtivas, crditos para habitao e apoio de diversos
profissionais da agricultura, educao, sade, transporte, contribuem para
que toda a economia local ganhe um novo impulso.
Alm disso, boa parcela dos assentados transforma-se, mediante diferenciadas estratgias, em agricultores bem estabelecidos, com elevada produo,eficincia tcnica e rentabilidade. Isso nos faz colocar algumas
questes com relao ao teor e ao papel das polticas governamentais. Notase que diversificao produtiva, a mltipla utilizao do solo e a criao de
novas redes scio-tcnicas e comerciais alternativas, visando um aprofundamento da conexo entre os assentados e suas localidades, foram esboadas
e experimentadas nos assentamentos. Com isso, emergem relaes sociais,
arranjos institucionais e processos de inovao econmica e tecnolgica que
ampliam a diversidade de atores sociais e processos produtivos - e, desta
forma, demonstram a abrangncia da contribuio dos movimentos sociais e
assentamentos para a redefinio da dinmica scio-econmica local e
regional em um Estado marcado por uma elevada concentrao geogrfica
e social em seu processo de transformao industrial e agropecurio.
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223

Ensaios e Debates

R EFERNCIAS B IBLIOGRFICAS
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ABRA - REFORMA AGRRIA

224

Assentamentos e Assentados no Estado de So Paulo:


dos primeiros debates as atuais reflexes

e Localidade: os desafios da reconstituio do trabalho rural no


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Janeiro; Curso de Ps-Graduao em Desenvolvimento
Agrcola, Dissertao de Mestrado.

ABRA - REFORMA AGRRIA

225

Olhos de Papel:
A cobertura do jornal O Globo
sobre a luta pela terra no
Serto Carioca (1951-1964)
Leonardo Soares dos Santos*

O tema deste artigo consiste na forma com que um jornal de grande


vendagem e de considervel peso poltico no cenrio carioca procurou tematizar os conflitos de terra e a luta dos pequenos lavradores do Serto
Carioca durante os anos 50 e 60. Partindo de uma anlise das contribuies
de Antonio Gramsci sobre a questo do jornalismo, nossa principal preocupao se voltou para o esclarecimento das seguintes questes: a caracterizao poltica e social do jornal O Globo, a maneira como os agentes envolvidos em tais disputas so enquadrados, as consideraes a respeito da legitimidade de suas reivindicaes, e, a tentativa do jornal em exercer certa forma de controle sobre o movimento daqueles pequenos lavradores.
G RAMSCI

E A PROBLEMTICA DO

J ORNALISMO

Para Carlos Nelson Coutinho, Antnio Gramsci teria "ampliado" a teoria marxista clssica do Estado, ao afirmar - baseando-se na experincia histrica do
mundo ocidental - que o processo de desenvolvimento capitalista teria engendrado a criao no interior do Estado, de uma esfera social nova, dotada de
leis e de funes relativamente autnomas e especficas e de uma dimenso
material prpria. Essa esfera seria a "sociedade civil".1 Sua constituio apontaria conseqentemente para o desenvolvimento de um processo de ocidentalizao, pelo qual uma sociedade de formao "ocidental" se diferenciaria da de
formao "oriental". Nesta h uma relao extremamente desproporcional em
favor de um Estado "que tudo" em detrimento de uma sociedade civil "primitiva" e "gelatinosa".2 Neste tipo de formao social, o exerccio de dominao
* Doutorando em Histria pela Universidade Federal Fluminense
1 - COUTINHO, Carlos. Nelson. Cultura e sociedade no Brasil. ensaios sobre idias e formas. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000. pp. 15-6.
2 - GRAMSCI, Antonio. Cadernos do crcere - volume 2. So Paulo: Civilizao Brasileira, 2000. p. 262.

ABRA - REFORMA AGRRIA

227

Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo


sobre a luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

Ensaios e Debates

por meio do Estado tenderia a privilegiar mecanismos de coero apoiados no


recurso extensivo da fora. Realidade bem diferente o que encontraramos nas
sociedades "ocidentais", nas quais haveria uma justa relao entre o Estado, que
se apresentaria como uma espcie de "trincheira avanada", e a sociedade civil,
que se constitui neste momento como uma "robusta cadeia de casamatas e fortalezas".3 No que nesta forma social os mecanismos de coero direta deixem
de existir, que as classes dominantes no mais se sirvam da aplicao da fora
para fazer valer seus interesses; s que a dominao teria que se dar tambm
e fundamentalmente por meio de relaes sociais de carter poltico-ideolgico: necessrio que no exerccio da dominao a classe dominante seja capaz
de consolidar a hegemonia que, completando os efeitos da coero direta,
assegure o consenso dos dominados.4
Numa sociedade "ocidental", isto , numa sociedade civil complexificada, a
construo desse consenso se d por meio daquilo que Gramsci denomina
de "aparelhos 'privados' de hegemonia". Eles constituem, neste momento especfico, a "sociedade civil", que o espao intermedirio entre o Estado que
diz representar o interesse pblico e os indivduos atomizados do mundo da
produo. Verdadeiros portadores materiais de cultura e de ideologias, tais
"aparelhos" se corporificariam num conjunto de organizaes e instituies
como sindicatos, partidos polticos, jornais, revistas, TVs, rdios, escolas, fundaes, sociedades literrias, grupos teatrais, etc. A "organizao da cultura"
seria esse sistema de instituies, cuja funo primordial seria concretizar o
papel da cultura na reproduo ou transformao da sociedade como um todo. A luta de classes atravessaria tanto o Estado quanto este sistema de "organizao da cultura", este "complexo formidvel de trincheiras e fortificaes",
que ele prprio um campo de lutas entre vrias concepes de mundo.5 O
estabelecimento do controle sobre os meios de produo econmica no pode mais ser pensado e vivido sem que se leve em considerao a necessidade
da imposio de uma hegemonia sobre aquele sistema cultural.
Em suma: numa sociedade "ocidental" o poder de uma classe no pode se
dar apenas pelo domnio - baseado puramente na fora - dos meios de produo econmica. Seu domnio sobre a ordem social s possvel se ao
mesmo tempo consegue estabelecer as bases de uma direo ideolgico-cultural que apresente e realize aquela dominao, fundamentalmente histrica
e mutvel, como algo natural e inquestionvel.

3 - Ibidem.
4 - COUTINHO, Carlos Nelson. op. cit., p.16.
5 - GRAMSCI, Antnio. Op. cit., 79.

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228

De todas essas "trincheiras e fortificaes" mencionadas, a escolhida por


ns como objeto de estudo a ser desenvolvido neste trabalho diz respeito
atividade mais singular que um jornal pode desenvolver - o jornalismo.
Gramsci entende que, ao se estudar o jornalismo, devemos necessariamente
partir do pressuposto de que ele , em linhas gerais, a apresentao de

"um agrupamento cultural (em sentido lato) mais ou menos


homogneo, de um certo tipo, de um certo nvel e, particularmente, com uma certa orientao geral; e que se pretenda tomar
tal agrupamento como base para construir um edifcio cultural
completo, autrquico, comeando precisamente pela...lngua,
isto , pelo meio de expresso e de contato recproco."6
Teramos portanto um jornal ou um "centro homogneo" que procura difundir um modo de agir e de pensar homogneos - ou, segundo o prprio
Gramsci, uma "conscincia coletiva homognea" - conforme uma certa "orientao geral". Essa "orientao", quando referida atividade publicstica de
um jornal, refletiria a "concepo integral de mundo" que um dado grupo pretende difundir. preciso ainda dizer que, ao se lanar na construo daquele "edifcio", o jornal visa em primeiro lugar, satisfazer uma certa categoria de
seu pblico e, em segundo, criar e desenvolver esta necessidade e gerar seu
pblico e ampliar progressivamente sua rea de atuao.
Nota Gramsci que tradicionalmente os jornais eram divididos em dois tipos
de gnero: o de informao e o de opinio. O primeiro, caracterizaria a
funo cumprida por um jornal sem nenhum vnculo partidrio, ou seja, por
um jornal "sem partido". O segundo, ao contrrio, seria sempre realizado pelo
rgo oficial de partido.7
No entanto, tendo em conta alguns casos concretos, Gramsci nos leva a
questionar se tal distino realmente eficaz. Na Itlia por exemplo, os jornais cumpriam as duas funes - informao e direo poltica, alm de cultura poltica, literria, cientfica etc. Ressaltando que os jornais cumpriam essas funes principalmente em razo da inexistncia de partido polticos centralizados na Itlia.8 Mas o caso francs parece no deixar dvidas. Gramsci
comenta que l as funes de opinio dependiam diretamente de partidos
que tinham uma "aparncia" de imparcialidade.9 Nenhuma informao jorna6
7
8
9

idem, p.197.
idem, p.199.
idem, p.218.
ibidem

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229

Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo


sobre a luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

Ensaios e Debates

lstica, fosse de qual fosse o jornal, era dada de forma inocente ou desinteressada. A forma como se veiculava uma informao sempre respondia aos princpios ou expectativas de determinado grupo scio-poltico.
H tambm a possibilidade de diferenciarmos os jornais como sendo de
tipo "comercial" de um lado, e "doutrinrio" do outro. O que parece distinguir
um do outro a relao de proporo entre dois elementos que constituem
a atividade publicstica de todo jornal: a)difuso de uma concepo de
mundo ou de princpios poltico-ideolgicos, e b)busca por sucessivos lucros
econmicos. No primeiro tipo, busca-se predispor o leitor a aplicar as doutrinas partidrias divulgadas pelo jornal. No segundo, visa-se a incutir no leitor
de que o jornal artigo de primeira necessidade, a ser consumido incessantemente. Num jornal "doutrinrio" o primeiro elemento seria o fim de sua atividade. No jornal "comercial" o que prevalece o segundo. Mas na prtica, a
nfase ideolgica de um jornal "comercial" tambm se evidencia na medida
em que o jornal se posiciona em favor dos princpios da ordem social vigente,
pelo simples fato de que a conquista do lucro econmico, ao qual toda sua
atividade voltada, s encontra possibilidade de realizao nos limites e possibilidades fornecidos por esta mesma ordem.
Mas se continuarmos caminhando mais um pouco, encontraremos nas consideraes de Gramsci outros pontos em comum entre esses dois tipos de jornal nos levam a concluir que tal distino no pode ser tratada de forma to
rgida: em primeiro lugar, todo jornal tem de ter um plano comercial, at porque
o problema de qualquer jornal, sendo ele "doutrinrio" ou "comercial", " o de
assegurar uma venda estvel (se possvel em contnuo incremento)".10 Em segundo, seja o jornal que ambiciona capital poltico seja aquele que tenha como
suprema ambio angariar capital econmico, todos eles tm como elemento
fundamental para seu xito ou fracasso o seu perfil ideolgico, "isto , o fato de
que satisfaa ou no determinadas necessidades poltico-intelectuais".11
Em suma: sendo um jornal "doutrinrio" ou "comercial", preciso que nunca
se esquea que ele sempre e necessariamente, no quadro de uma
sociedade capitalista moderna, um "aparelho privado de hegemonia",12 ou
10 - idem, p.249.
11 - ibidem.
12 - H tambm um terceiro tipo de jornal ao qual Gramsci se refere e que englobaria os jornais locais, cuja
tnica seria a inexistncia de interesse pela vida internacional e quase nenhum pela vida nacional, "salvo
enquanto ligada aos interesses locais, sobretudo eleitorais", porm, tendo "todo o interesse pela vida local,
mesmo pelos mexericos e pelas miudezas". Alm de conceder grande "importncia para a polmica pessoal
(de carter galhofeiro e provinciano: fazer o adversrio parecer estpido, ridculo, desonesto, etc". Estas observaes so muito importantes na medida em que o perfil acima desenhado, que a priori seria exclusivo dos
pequenos jornais locais do interior, se manteve em muitos jornais urbanos, principalmente aqueles tidos
como"jornais populares", durante as dcadas de 1940 e 1950.

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230

em outras palavras, ele sempre atua como um partido poltico.


Mas se todo jornal busca consolidar uma determinada "concepo integral
de mundo" criando e expandindo uma opinio pblica, certo tambm que
eles no o fazem de igual maneira. Pois como o prprio Gramsci diz, tal iniciativa feita em funo de uma determinada "orientao geral".
Cada tipo de jornal se voltar para camadas sociais especficas, ou para
certa categoria no interior de cada uma dessas camadas. A diferena entre
cada tipo de jornal tambm se expressa na atitude que mantm com seu
pblico. Gramsci menciona como "atitudes" possveis de serem adotadas por
um jornal a "demaggico-comercial" e a "educativo-didtica".13 Podemos
incluir aquela atitude que combina elementos comerciais e tico-polticos,
que a que geralmente encontramos nos jornais da "grande imprensa". De
acordo com a atitude junto ao pblico, o jornal desenvolve sua posio em
relao ao "senso comum" ou "bom senso". O tipo geral de imprensa, aponta Gramsci, expressa uma adeso completa com a reproduo do "senso
comum", "j que sua finalidade modificar a opinio mdia de uma determinada sociedade, criticando, sugerindo, ironizando, corrigindo, renovando e,
em ltima instncia, introduzindo 'novos lugares-comuns'".14 Neste ponto
posto prova a capacidade que um jornal tem de criar uma linguagem
prpria, de participar do

"desenvolvimento geral de uma determinada lngua nacional,


introduzindo termos novos, enriquecendo de contedo novos
termos j em uso, criando metforas, servindo-se de nomes
histricos para facilitar a compreenso e o julgamento de determinadas situaes atuais, etc..."15
A pesquisa que desenvolvemos sobre a luta pela terra no Serto Carioca
durante os anos de 1945 e 1964, se apoiou em informaes presentes nos
registros realizados por jornais de "pequena" e "grande" imprensa sobre aqueles eventos. Importante frisar que a pesquisa sobre esses jornais se fez com o
apoio em algumas precaues metodolgicas e critrios de interpretao. Por
trs ou pelas manchetes e reportagens sobre os conflitos de terra no Serto
Carioca tem-se a configurao de conflitos e disputas polticas em torno de
projetos e concepes de mundo. Dependendo da forma como se veiculava
e dependendo do tipo de leitor a quem se dirigia, uma notcia dando conta
13 - idem, p.243.
14 - idem, p.209.
15 - idem, p. 202.

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231

Ensaios e Debates

dos conflitos pela terra no Serto Carioca era transmitida de forma a mostrar
uma "ocupao" como uma "invaso", um "protesto" como uma "agitao",
um simples ato de contestao como a expresso da "revoluo anti-feudal e
antiimperialista", um clima de insatisfao e revolta como um "prato esplndido para os comunistas", ou simplesmente ignorava-se qualquer um desses
eventos, o que no deixava de ser uma forma de se posicionar politicamente
frente a eles. A tematizao da luta pela terra no Serto Carioca no era apenas a elaborao de fatos brutos da vida cotidiana em fato jornalstico, pois
que este mesmo processo de elaborao era a expresso do compromisso de
seus protagonistas (os jornais) com grupos, correntes ou tendncias polticas
e suas respectivas doutrinas, concepes e esquemas ideolgicos. Sendo o
jornal um "aparelho privado de hegemonia", cada uma dos manchetes, textos e imagens que veicula eram instrumentos voltados, simultaneamente,
defesa de uma determinada concepo de mundo e ao combate de outras.
Gramsci nos permite enxergar as pginas do jornal como um espao de
manifestao da luta de classes que permeia a sociedade civil, sob a forma
da luta de idias. Ao sumariar os principais aspectos da anlise de Gramsci
sobre o jornalismo, pensamos que um estudo que se apie em jornais deva
ter como ponto de partida esclarecer os seguintes pontos: 1)o tipo sciopoltico do jornal; 2) alinhamento com grupos polticos; 3) o pblico ao qual
ele se dirige; 4) a leitura e a linguagem que ele elabora com relao aos
problemas e conflitos do mundo social.
o que procuraremos fazer a seguir tomando como estudo de caso a
cobertura realizada pelo jornal O Globo sobre a luta pela terra na zona rural
da cidade do Rio de Janeiro no perodo 1951-1964.
O G LOBO :

NOTCIA , HEGEMONIA E CONTROLE

Jornal voltado para a classe mdia carioca, principalmente aquela que


residia na Zona Sul, era - e ainda - uma autntica empresa, um jornal moderno, aquele em que poderamos dizer que o verdadeiro diretor era o diretor administrativo e no o diretor da redao. Mas o fato de funcionar como
uma empresa no significa que no pudesse ter uma atuao, frente s questes ideolgicas e polticas da conjuntura em que estava inserida, igual ou at
maior que um jornal-partido. O prprio Gramsci destaca que uma empresa
jornalstica editorial tem necessidade de uma organizao particular, estreitamente ligada orientao ideolgica da "mercadoria" vendida.16 E a merca16 - GRAMSCI, Antonio. op. cit., p. 247.

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Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo


sobre a luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

doria posta venda pelo Globo era um produto composto por notcias e informaes de um lado, e de propaganda comercial de outro. E do sucesso
deste ltimo componente, ou seja, a execuo de um plano de venda de seu
espao publicitrio, dependia a realizao do primeiro, a atividade jornalstica propriamente dita. E quanto maior a dependncia do Globo frente aos circuitos empresariais, mais tenaz se tornava a sua defesa dos princpios e
relaes que sustentavam o sistema capitalista. N. Werneck Sodr informa
que em 1953 o total de publicidade paga e distribuda por Cias Americanas
de Petrleo foi de 3 bilhes 506 milhes e 200 mil cruzeiros. Desse total, 1
bilho e 197 milhes foram dados aos jornais.17 Dentre os laureados estava
O Globo, no por acaso, como se pde ver, um dos principais inimigos do
movimento em prol da nacionalizao do petrleo brasileiro e um dos portavozes da campanha contra Getlio Vargas.
Alm da defesa da entrega do direito de explorao do petrleo brasileiro
s Cias norte-americanas, o Globo tinha outras bandeiras e campanhas de
carter nem um pouco popular. Era, por exemplo, contra o direito de greve
dos trabalhadores, que a seu ver no passava de uma "agitao perigosa
sobrevivncia das instituies". Assim se pronunciava o jornal em 1953,
diante das grandes greves que comeavam a irromper em So Paulo:
"Sucedem-se as greves e as ameaas harmonia entre as classes".18
Tambm era contra a reforma agrria, especialmente o ponto referente
desapropriao das terras. Mas o jornal no era s do contra, era tambm
a favor do alinhamento incondicional aos americanos, cuja relao com o
Brasil seria marcada por uma "fraternidade Continental e indissolvel
amizade", cujos "laos tradicionais e inalterveis de afeto e de apreo
mtuo" eram incontestveis.19
O jornal era tambm um dos principais porta-vozes do anti-comunismo no
Brasil. Nesta e noutras campanhas O Globo exercitava o seu talento tpico de
"organismo de polcia poltica, de carter investigativo e preventivo", publicando denncias, suspeitas, pistas e "provas" de supostos planos e aes criminosas
intentadas pelos "asseclas de Prestes".20 No incio dos anos 50, o jornal teria descoberto, por exemplo, que os "adeptos do credo vermelho" teriam, entre tantos
"planos sangrentos e iconoclastas", planejado incendiar a cidade do Rio de Janeiro.21 Mas se este foi evitado, o mesmo no pareceu ter se dado em outros
17 - SODR, Neson Werneck. A Histria da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1966. p.463.
18 - O Globo, 27/08/53, p.1.
19 - O Globo, 30/05/1949.
20 - GRAMSCI, Antnio. Op. Cit., p.78. Como forma de reconhecimento desse papel, a imprensa comunista
daria ao O Globo a alcunha de "Boletim da Rua da Relao". (Nessa rua do centro do Rio localizava-se a sede
da antiga Policia Poltica).
21 O Globo, 13/09/1951.

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Ensaios e Debates

Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo


sobre a luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

lugares e momentos segundo o atento jornal. Alm das greves nas cidades, o
jornal entendia que o partido e seus "agitadores" estavam "por trs" dos inmeros conflitos armados e greves que comeavam a se intensificar no campo no
incio da dcada de 50: Canpolis(Minas Gerais), Sul da Bahia, Fernandpolis (So Paulo), "tringulo mineiro", regio do Vale do Rio Doce e, principalmente, Porecatu(Paran), foram para O Globo os mais "inquietantes" exemplos.

resultado do trabalho de "agitao" dos comunistas. Era comum que as


manchetes designassem tais aes como "rebelio vermelha", "ensaio de tcnicas de guerrilha", "revoluo comunista", etc.24 Ao mesmo tempo o jornal
frisava que os "posseiros" s cometiam tais atos porque eram a bem da verdade, "vtimas da propaganda vermelha e [da] coao armada" dos "agitadores". Vejamos o que dizia o jornal no calor dos acontecimentos:

Tanto nesses como em outros movimentos reivindicatrios de carter popular O Globo encontraria no argumento anti-comunista a base de articulao
e justificao de suas posies contra esses mesmos movimentos. Movimentos
reivindicatrios e "agitao comunista" no eram mais do que faces de uma
mesma moeda para o jornal. No caso da campanha contra a nacionalizao
do petrleo:

"os comunistas continuam fazendo com que Lavradores troquem


a terra pela cadeia, (...) arrastaram pobres lavradores a uma
luta com os fazendeiros. Induziram-nos a apossar-se das propriedades rurais. E, assim, de simples e pacatos trabalhadores,
transformaram-se em perigosos intrusos, em choque com as leis
e dispostos a enfrentar as autoridades".25

"Tratava-se de demonstrar que os defensores da soluo estatal


eram comunistas e, sendo os comunistas bandidos depravados
no deviam ter direito a exteriorizar suas opinies, antes deviam
ser rigorosamente punidos por isso. Assim, o patriotismo mobilizado para a defesa da riqueza nacional, em caso concreto,
passava a ser encarado como crime".22

Acreditava o jornal que alguns fatores favoreciam tal situao: uma delas
era o "problema econmico-social em torno ao posseiro", que o tornava uma
"gente desajustada", "espoliada", obrigada a viver como "pria". Da os insistentes apelos do jornal por medidas do Governo de modo a solucionar tal
situao, de modo que ela no pudesse mais ser "explorada" pelos comunistas.26 Um outra fator apontado dizia respeito a alguns hbitos de vida que
seriam tpicos dos "posseiros" e que certamente os impulsionavam a cometer
"atos afoitos": um desses hbitos seria o consumo de cachaa. Um dos
reprteres d'O Globo que estiveram no local, destaca na sua reportagem que
era comum a "bebericagem de cachaa" por parte dos "intrusos" armados,
deixando-os mais "possessos e obstinados". Um "vendeiro" teria contado que
tinha servido cachaa a trs "intrusos" num dia, "todos eles estavam armados
e depois de sarem fizeram alguns disparos".27

Nos movimentos ocorridos no interior do pas o quadro idntico.


Vejamos alguns exemplos da cobertura do jornal sobre conflitos entre "posseiros" e "grileiros" em Porecatu. A descrio dos acontecimentos era feita em
funo de dois objetivos bsicos: o primeiro era caracterizar os "posseiros"
como "intrusos" ou "invasores". O curioso que no caso de Porecatu, os
pequenos lavradores seriam "intrusos" pelo fato de terem "tomado posse" de
"terras pertencentes a pessoas documentadamente legitimadas". Mas, ao
mesmo tempo, o jornal reconhecia que havia "bastante mata virgem" naquela regio;23 O segundo visava caracterizar a ao desses "intrusos" como
22 - SODR, Nlson Werneck, op. cit., p. 457.
23 - O Globo, 21/06/1951. p. 8.
24 - Cabe observar que no foi s O Globo que construiu esse tipo de imagem sobre os conflitos de Porecatu - e
no Brasil como um todo -, mas toda a imprensa no-comunista. Um rpido acompanhamento da cobertura feita
sobre Porecatu pelos "getulistas" Correio da Noite, Dirio do Povo, Dirio Trabalhistas, A Noite e ltima Hora, pelo
"udenista-lacerdista" Tribuna da Imprensa e pelos "liberais-conservadores" como O Mundo, Correio da Manh,
Dirio da Noite, O Jornal e Dirio Carioca, permitiu-nos colher as seguintes manchetes: "Uma certeza: os comunistas no desistem", "Porecatu, onde os comunistas experimentam as foras", "Ponta de lana comunista no Brasil!",
"Chegou ao Paran um lugar-tenente de Prestes", "Nova ttica comunista", "Munidos [os "posseiros"] de armas
automticas, insuflados e dirigidos por comunistas", "Prestes, na fronteira da Bolvia, prepara a Revoluo Sul-americana", "Prestes organiza a nova coluna", "Moscou comanda a agitao comunista no Brasil", "Norte do Paran Foco de agitao comunista", "Guerrilhas vermelhas agitam o Pas", "Infiltrao Vermelha no seio dos colonos, com
agitao e desordem", "Crime inominvel dos agentes de Stlin!", "Comunistas atiram 'posseiros' contra fazendeiros
no Paran", "O comunismo ensangenta o interior do Brasil". APERJ. Fundo DOPS. Srie Comunismo: "Relatrio do
inqurito relativo aos acontecimentos de Porecatu"(anexo).

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Mas no eram apenas as grandes questes da poltica nacional o objeto


das "reportagens investigativas" d'O Globo. Tendo como exemplo o caso da
cidade do Rio de Janeiro, vemos o esforo do jornal em exercer influncia
sobre uma srie de aspectos do cotidiano da populao carioca, buscando
impor critrios e padres de julgamento sobre o certo e o errado, o elogivel e o condenvel etc. Pretendendo desse modo educar a sociedade, civilizla segundo suas concepes de mundo.28 E era nesse tipo de domnio que O
25 - O Globo, 25/06/1951. p. 8.
26 - O Globo, 28/06/1951. p. 4.
27 - O Globo, 25/06/1951. p. 8.
28 - Muito embora no fosse um devoto de Gramsci, Dom Hlder Cmara, ao parabenizar O Globo pelo seu
aniversrio, comentava com extrema argcia que: " Os educadores, e eu s sei encarar os jornalistas deste ngulo, tm responsabilidade tanto maior quanto mais grave e mais confusa a hora que passa. Todos os dias peo a
Deus que a nossa imprensa esteja cada vez mais altura de colaborar na orientao das conscincias dos
brasileiros. Essa prece eu a fao de modo especial, na sua data to cara, pelo O GLOBO, que um dos meus jornais cotidianos", O Globo, 01/08/53 (grifos meus).

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Ensaios e Debates

Globo promovia as suas clebres "campanhas" ou "Guerras", que iam desde


a "Guerra contra a violncia no trnsito", a "Guerra aos casais que atentam
contra a moral pblica",29 a "campanha" pelo fim das atividades dos
"camels",30 at a campanha pelo cooperativismo, destinada a eliminar a atuao dos "intermedirios" na venda de gneros alimentcios de primeira
necessidade aos consumidores cariocas.31 Era seguindo essa mesma linha
que o jornal concebia as suas reportagens especiais e editoriais, por meio da
qual promovia o diagnstico e a soluo para alguns dos males que
assolavam a sociedade e que oferecia parmetros de ao s "campanhas"
citadas acima. Um dos "males" que mais receberam a ateno do jornal foi a
grande "crise moral" da cidade, que estaria levando "a sobrepor-se aos princpios da concrdia e da solidariedade humana toda a espcie de interesses e
de desgnios". Exemplo desse "estado de coisas" teria sido o carnaval carioca
de 1953, no qual

"A fantasia predominante foi o short, o biquni disfarado, envergado por mulheres de todas as idades e, infelizmente, at por
adolescentes. E no nos esqueamos dos flagrantes escandalosos das expanses amorosas em pblico, das mulheres que
danavam sobre as mesas ou cavalgavam os ombros dos
homens, coisas que, h poucos anos, eram consideradas excessos privativos das piores orgias".32
Entretanto, o jornal no terminaria o texto de sua matria sem antes nos dar
uma mensagem de esperana: "Felizmente para ns, acreditamos que as
foras ss da nossa sociedade so suficientemente fortes para reagir a tais
abusos sem o recurso final de termos de combater o carnaval".33

29 - A esta "campanha", "um imperativo de moralizao social, correspondia outras, tais como: a "campanha
contra as publicaes obscenas" que impunha "severas penalidades queles que lanarem no mercado a imunda literatura do bas-fonds, de efeitos to perniciosos quanto o trfico de entorpecentes"; e a maior "fiscalizao dos banhistas" das praias da zona sul, principalmente os indivduos que se dirigiam s suas casas apenas
de "calo de banho" e "moas tambm audaciosas [que] j no se envergonha[va]m de transitar pelos bairros (...) com seus trajes sumrios de praia, quando no o fazem envergando mais imorais". O Globo,
31/03/1954, p.2.
30 - Segundo a definio do jornal, "camels" eram "elementos desviados do trabalho construtivo" por "uma
forma ilegal de comrcio" que obtinham mercadorias para suas "vendas clandestinas". O Globo, 27/11/1954.
31 - "Ou procuramos na cooperativa a soluo do problema econmico-social, ou as massas sero levadas
ao Comunismo", dizia o presidente da Caixa de Crdito Cooperativo ao apontar para o principal mrito da
iniciativa do jornal, O Globo, 26/04/51, p.1.
32 - O Globo, 28/02/1953.
33 - idem.

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Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo


sobre a luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

Outro "grande mal" a despertar as atenes do jornal se relacionava com


o elevado nmero de crimes que ocorriam na cidade. Vrias eram as propostas ventiladas para a resoluo de tal fenmeno, que iam desde a construo de um presdio na floresta amaznica at a proibio de toda sorte de
"jogos de azar". O certo que O Globo acreditava que podia contribuir com
suas reportagens para a "preveno" e "melhor represso" das aes dos
"malfeitores". Em funo disso havia uma seo do jornal dedicada especificamente a esta tarefa e que sob o ttulo "Com vistas ao Chefe de Polcia", veiculava notcias sobre os locais mais perigosos da cidade. O principal deles e que para O Globo seria a principal causa, entre outras coisas, da existncia de 1500 "delinqentes ou transviados" na cidade - era as Favelas. Desde
meados de 1951, o jornal afirmava que era preciso "limpar os morros",
lugares por excelncia de "alguns habitante noturnos da cidade, de ladres,
batedores de carteira e outras categorias de vadios".34 Tamanha preocupao
fez com que o jornal "enviasse" um reprter - que j tinha feito reportagens
sobre as penitencirias cariocas para a srie "Eu voltei do inferno" - aos morros cariocas para cobrir de perto a "misria" e as "privaes" de seus
moradores. O resultado desse trabalho foi publicado na srie "Fui a outro
inferno". No texto de apresentao dessa sria o reprter afirmava que

"a priso e o morro so realmente dois crculos do mesmo inferno e, s vzes, um s, porque suas fronteiras quase sempre se
confundem. Sob muitos aspectos, at, morro e priso se completam e conjugam na mesma sndrome de patologia social. No
morro e na sua misria sem lei e sem po, o crime via e prospera como num caldo de cultura timo. E ele que servia de
ponto de referncia, de refgio e de asilo maior parte dos
criminosos da cidade".35
Mas quais elementos constituiriam o "caldo de cultura" que fazia do morro e
seus moradores um autntico caso de "patologia social"? Naqueles anos 50
trs pareciam ser os fatores que faziam com que nas favelas imperasse a "vadiagem durante o dia, [e o] crime noite". A propsito, uma coisa que nos
salta aos olhos as semelhanas entre os "diagnsticos" sobre os "problemas"
das favelas e aqueles sobre o campo. O primeiro fator seria s "degradantes"
condies scio-econmicos representadas pelos "barracos [que] se acorcovam em verdadeiros prodgios de equilbrio instvel entre a lama, os porcos e
os homens"; condies estas semelhantes ao perodo "pouco alm do sculo
da Descoberta [do Brasil]."36 O segundo fator apontado seria o alto consumo
34 - O Globo, 22/06/1951. p. 1.
35 - O Globo, 27/12/1951. p. 1.
36 - idem.

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Ensaios e Debates

de cachaa. E esse fator era comumente identificado no momento em que


eram realizadas as "batidas" contra a "malandragem" desses morros. Numa
dessas ocasies, no morro do Cantagalo, o reprter afirmava categoricamente: "Nas 'biroscas', encontramos a inspirao para os crimes: cachaa".37
O terceiro fator - que estava estreitamente relacionado a uma conjuntura onde
as "naturais imperfeies da sociedade humana" eram "exploradas" para o
estabelecimento de um "clima de subverso e insurreio da ordem" - dizia
respeito a "campanha de agitao" empreendida por quem fazia parte da categoria dos grandes "criminosos da cidade": os comunistas. Estes estariam "agitando as Favelas", como fizeram no Morro do Simo, com a distribuio de
panfletos e jornais, instigando a populao a reivindicarem desa-propriao
dos morros e, "o mais grave", "desacreditar" e "atacar" a "administrao governamental".38 Para O Globo, enquanto este primeiro fator deveria ser alvo de
aes dos "governos"- por meio de seus rgos administrativos, e de associaes civis, como a Fundao Leo XIII -,os outros dois fatores se-riam da alada das "autoridades policiais", levando-o a propor uma dupla poltica para os
morros: uma de "recuperao" e outra de "Campanha contra o crime".
E era com este mesmo "sentimento de colaborao" que o jornal acompanhava atentamente o desenrolar da luta pela terra no Serto Carioca. Preocupado com a possvel interferncia de comunistas, O Globo produziu reportagens especiais e minuciosas de modo a alertar as autoridades competentes para o perigo que os conflitos de terra podiam acarretar para a "harmonia social". Exemplo foi a resistncia armada que os lavradores de Pedra
de Guaratiba ameaaram irromper contra a tentativa de despejo intentada
por Pedro Moacir Barbosa. O jornal declarava: "Os posseiros de Pedra de
Guaratiba esto resistindo ao Loteamento. Os engenheiros das Companhias
imobilirias ainda no conseguiram fazer o levantamento das terras".
Assim como os "posseiros" de Porecatu, os de Pedra de Guaratiba teriam uma
liderana. Seu nome era Cal, com "ares de chefe, chapu de abas largas, voz
grossa dominando tudo", ele orientava os "posseiros" a resistirem. E ainda

"Fala[va] com raiva, a mesma raiva que fomos encontrar em


outros 'posseiros' (...)
- Quem entrar na minha fazenda morre - grita o Cal.
Precisamos agentar a mo com a nossa espingarda.
O grito de Cal ecoa[va] em todo o 'Serto Carioca'."39
37 - O Globo, 22/06/1951. p. 1.
38 - Como no poderia deixar de ser, a ligao dos "moradores dos morros" com os "agentes de Stlin" tambm suscitava grande preocupao por parte da Polcia Poltica, conforme podemos testemunhar no "Boletim
Reservado n 68"(17/04/1951). APERJ. Fundo DPS. Srie Dossis: "Protestos", pasta 298c, fls. 1-2.

ABRA - REFORMA AGRRIA

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Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo


sobre a luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

No decorrer da reportagem, o jornal apresentaria quais seriam - alm das


aes de resistncia e da presena de um "lder" entre os lavradores - os outros aspectos que tornavam a situao de Pedra de Guaratiba muito semelhante a de Porecatu: um era o fato do evento envolver a tentativa de despejo contra "posseiros" por parte de um sujeito acusado de ser um "grileiro"; o
outro era indiretamente apontado como uma das causas de todo aquele
clima "explosivo" e de "raiva" entre os lavradores: o consumo de cachaa.
Assim os reprteres descreveriam o "ambiente" encontrado logo que chegaram ao lugar: "O cheiro de bebida forte, o gosto salgado de mar e o odor de
peixe fresco dava ao bar as cores de local tpico. Os quatros homens bebericavam cachaa." Mais tarde o prprio Cal, o "lder" daqueles "posseiros" "raivosos" lhes teria oferecido cachaa, o que foi prontamente aceito. Vejamos
seus efeitos:

"Depois que entornamos o copo, mudou o ambiente. ramos


como os outros, sabamos agentar a bebida, havamos conquistado o direito a um visto no Passaporte que nos levaria aos
segredos das misrias de Guaratiba."40
Note-se que esse aspecto era o mesmo apontado pelo jornal como uma
das causas da proliferao de crimes nos morros cariocas. Mas era possvel
que houvesse um outro aspecto que tornasse o caso de Pedra de Guaratiba
mais semelhante ainda com o de Porecatu e, pode-se dizer, com a dos morros da cidade. E esse aspecto era o que efetivamente preocupava o jornal e
que tornava o caso de Pedra de Guaratiba como um "problema" muito parecido com o que acontecia em outras reas um tanto "agitadas":

"O problema de Pedra de Guaratiba existe e os 'posseiros' esto


dispostos a resistir de qualquer maneira. A situao explosiva,
um prato esplndido para os comunistas (...) Os comunistas
apenas aguardam a oportunidade para agitar ainda mais aqueles que vivem da regio. Se o governo no tomar providncias
urgentes, ter um outro Porecat as portas do Rio. a advertncia desta reportagem".41
Ou seja, O Globo estava mais preocupado com a possibilidade dos "posseiros" servirem aos "desgnios" dos comunistas do que com a sua situao em
si. bem verdade que esse mesmo jornal, ao mesmo tempo que levava ao
conhecimento da opinio pblica os conflitos de terra do Serto Carioca,
39 - O Globo, 07/07/1951. p. 1.
40 - idem.
41 - O Globo, 07/07/51, p. 1.

ABRA - REFORMA AGRRIA

239

Ensaios e Debates

denunciava muitas vezes as prticas violentas realizadas por "grileiros". Por


outro lado, ele cobria de silncio as iniciativas dos lavradores e de suas organizaes representativas em resposta ao processo de expulso de suas terras.
O Globo no dedicaria nenhuma linha de suas pginas para informao de
"eventos camponeses" como o I Congresso dos Lavradores do Distrito
Federal(1953), a I Conferncia dos Lavradores do DF, a II Conferncia dos
Lavradores da Guanabara(1963), as manifestaes em frente a cmara
municipal e, posteriormente, em frente Assemblia Legislativa da
Guanabara nos anos de 1954, 1955, 1956, 1957 e 1963.
A forma como o jornal tematizava os conflitos de terra no Serto Carioca
estava intimamente ligada aos princpios ideolgicos que orientavam a sua
atuao de autntico e importante aparelho de hegemonia privada que era.
Os problemas decorrentes do processo de loteamento e urbanizao do cinturo verde do ento Distrito Federal, com a expulso e precarizao das
condies de vida e trabalho dos lavradores cariocas, existiam e no eram
desmentidos pelo jornal. Mas o caminho que este definia e legitimava para a
soluo de tais problemas, incluindo-se as aes criminosas de grileiros, era
de atribuio nica e exclusiva das "autoridades". O fato dos prprios
lavradores se organizarem e resistirem ativamente contra tal processo s indicava, para o Globo, a presena da influncia de "agitadores". Se os grileiros
cometiam atrocidades contra os lavradores, cabia s autoridades policiais, e
s a elas, det-los e puni-los; mas se os lavradores buscavam, de forma
democrtica, lutar por direitos elementares de cidadania, tais "agitaes
perigosas" em nada ficavam a dever aos atos criminosos dos grileiros, cabendo ento a polcia tomar alguma providncia. Pelo menos esta era a
"advertncia" daquele jornal - como se estivesse sempre "positivo e operante"
- sobre este e muitos outros movimentos de luta dos trabalhadores por todo
o Brasil daquela poca.

Olhos de Papel: A cobertura do jornal O Globo


sobre a luta pela terra no Serto Carioca (1951-1964)

COUTINHO, Carlos. Nelson. Cultura e sociedade no Brasil.


ensaios sobre idias e formas. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do crcere - volume 2. So
Paulo: Civilizao Brasileira, 2000. p. 262.
O GLOBO, 1951-1964.
MARTINS, Jos de Souza. Os camponeses e a poltica no Brasil.
Petrpolis:Vozes,1983
_________. Expropriao e violncia: a questo poltica no
campo. So Paulo: Hucitec, 1982.
MEDEIROS, Leonilde Srvolo de. "Dimenses polticas da violncia no campo". In Tempo, Rio de Janeiro, vol.1, abril de 1996.
___________. Histria dos movimentos sociais no campo.Rio de
Janeiro:FASE,1989.
___________. "Os trabalhadores rurais na poltica: o papel da
imprensa partidria na constituio de uma linguagem de
classe". In Estudos Sociedade e Agricultura, n4, julho-1995.
SODR, Nelson Werneck. A Histria da imprensa no Brasil. Rio
de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1966.

B IBLIOGRAFIA
BARBOSA, Marialva. Imprensa, poder e pblico (os dirios do
Rio de Janeiro - 1880-1920). Tese de doutorado, Histria, UFF.
Niteri, 1996.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim. O cotidiano dos
trabalhadores no Rio de Janeiro da belle poque. So Paulo:
brasiliense, 1986.
COSTA, Luiz Flvio Carvalho. Sindicalismo rural brasileiro em
construo. Rio de Janeiro: Forense/ UFRRJ, 1996.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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ABRA - REFORMA AGRRIA

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Documentos

Por que Reforma Agrria?1


Ana Maria Arajo Freire2

Diz a histria oficial, que em 1500, os portugueses descobriram o Brasil, e


que eles foram melhores colonizadores do que os outros colonizadores
europeus. Que eram mais fraternos e amigos e que se misturaram com as
negras determinando uma sociedade mais alegre e mais tolerante.
Na verdade, os portugueses invadiram as terras novas da Amrica procura de metais e pedras preciosas. No as encontrando entenderam ento que
nada tinha aqui que os interessasse e que assim deveriam abandonar as terras do Novo Mundo. O territrio conquistado s comeou a ser povoado
pelos portugueses quando os chamados "piratas" -os que procuravam
riquezas pelo mundo todo --- franceses, ingleses, espanhis e holandeses --aqui aportavam levando, inicialmente, o Pau-Brasil, para utilizar sua tinta na
colorao dos tecidos. Os franceses e os holandeses chegaram a se fixar nas
"terras portuguesas". Os nossos colonizadores, preciso enfatizar, no foram
melhores do que os outros europeus que dominaram partes da frica e das
Amricas, foram diferentes. Foram to malvados quanto exige a natureza
mesma do colonialismo.
Por causa das invases a Coroa Portuguesa resolveu criar as Capitanias
Hereditrias, que eram imensas pores de terras dadas nobreza portuguesa para que viessem para c com homens povoando essa imensido de terras e produzisse para o enriquecimento dos dominantes. Poucas Capitanias
prosperaram, mas a marca da grande poro de terra para um s homem
permaneceu, malvadamente, viva entre ns. Mesmo que nesses 500 anos
essas terras tenham vindo sendo divididas e dividas, ainda hoje so "lotes"
absurdamente gigantescos: so os latifndios!
1 - Texto escrito a pedido para publicao no Boletim do Incra.
2 - Doutora em Educao pela PUC-SP, viva e sucessora legal da obra do educador Paulo Freire. Tem um
livro publicado sobre a temtica deste artigo: Analfabetismo no Brasil: da ideologia da interdio do corpo
ideologia nacionalista, ou de como deixar sem ler e escrever desde as Catarinas (Paraguau), Filipas,
Madalenas, Anas, Genebras, Apolnias e Gracias at os Severinos. So Paulo, Cortez, Braslia, DF: INEP,
1989; 2 reimpresso, revista e ampliada, 1993; 2 edio, 1995; 3a edio, 2001. Este livro resultou da
dissertao defendida em 1988, sob a orientao de Paulo Freire e publicada pelo INEP como trabalho representativo do Ano Nacional e Internacional da Alfabetizao, iniciativa da UNESCO, em 1990.

ABRA - REFORMA AGRRIA

245

Documentos

Por que Reforma Agrria?

O que plantar nessas terras? O acar era nesse tempo (sc. XVI) uma
especiaria muito cara (como a pimenta, a noz-moscada, o cravo, a canela,
etc.), que servia para conservar os alimentos. Resolveram os colonizadores
portugueses, ento, plantar a cana de acar os massaps do Nordeste.
Encomendaram os "engenhos" para a moagem aos holandeses.

A Coroa portuguesa enviou para c as meninas rfs dos conventos para se


casarem com os donos das terras e dos escravos, os "senhores de engenho".

Mas, quem faria a plantao, a limpeza, a colheita e a moagem da cana?


Que homens trabalhariam tanta terra? Quantos homens seriam necessrios
para trabalho to rduo, to duro? Resolveram roubar os negros, as negras
e seus filhos da frica. Encostavam os navios nos portos africanos e convidavam toda a gente do lugar para uma grande festa. Vinham reis e rainhas,
nobreza e povo. A, com o navio cheio de gente, zarpavam para o nordeste
brasileiro. Ao chegarem as famlias africanas eram separadas e cada um/a
vendidos como "peas" para o trabalho escravo.
Como tudo aqui era controlado pelo governo portugus toda a produo
do acar era comprada por ele e vendida por ele no mundo. Portanto havia
nos tempos coloniais, at a chegada da Famlia Real ao Brasil, em 1808, um
nico comprador e nico vendedor. Isso se chama monoplio comercial. O
lucro do colonizador foi se tornando cada vez mais diminuto para que fosse
maior o dos que viviam em Portugal. Com o monoplio comercial as proibies de se produzir qualquer artigo para o consumo e venda interna na Colnia chegaram ao limite dos portugueses determinarem que a nossa cachaa --- bebida resultante da produo do acar --- fosse jogada fora para
ser comprada a fabricada em Portugal, a partir de suas frutas.
Derrubaram a Mata Atlntica do Nordeste para servir de combustvel para
os fornos que cozinhavam a calda para fazer o acar. A poltica dos portugueses dizimou tambm os ndios, quer escravizando-os, quer matando-os
para vender suas cabeas como "coisa extica dos trpicos" na Europa. Os
Jesutas "cumpriram com o seu dever" catequizando outros tantos ndios, na
verdade os desaculturando.
A sobrevivncia dos brancos e dos negros ficava limitada a se alimentarem
quase to somente do acar (que era fornecido apenas para consumo imediato); de carnes de animais de pequeno porte; das frutas, entre outras das
jacas, das mangas e das bananeiras, cujas mudas tinham sido trazidas da
ndia e da frica pelos padres jesutas e aqui plantadas com grande sucesso;
da lavoura do milho e da mandioca, tradio de nossos ndios. Estes dessas
lavouras, da pesca e da caa. A populao brasileira, portanto no tinha
excedente de mercadoria, no tinha o menor poder de troca.
ABRA - REFORMA AGRRIA

246

Estes eram o todo-poderoso: mandavam em tudo e em todos e todas.


Detinham a autoridade suprema: ordenavam os casamentos de seus filhos,
resolviam as discrdias de todos os nveis de dentro de sua "Casa Grande",
mandavam surrar e torturar seus escravos ao limite mximo possvel com o
cuidado apenas de no os matar (os escravos custavam muito caro, mais
caros do que os engenhos fabricados e trazidos da Holanda). Havia que
poup-los, mas humilh-los ao extremo, afinal isso era legal e "legtimo", pois
os negros e as negras tinham sido comprados por ele, ademais no tinham
alma, como asseverava, na poca, a Igreja Catlica. Abusavam como queriam das mulheres negras, subjugavam suas prprias esposas brancas, tudo
com a conivncia do clero, sobretudo do jesuta.
Disso decorreu uma sociedade patriarcal na qual o mandonismo, o abuso
e falta de respeito dignidade do outro e da outra, a intolerncia, a indiferena aos direitos das mulheres, e dos negros e das negras, era a regra.
O "senhor de terras e de escravos" no pagava salrio, no deixava que "os
moradores" de suas terras aprendessem a ler e a escrever, criaram uma raa
de ces ferozes para evitar que os escravos fugissem, dava-lhes pouca comida e os confinavam nas senzalas para dormirem amontoados na promiscuidade. Proibiam quase todas as manifestaes da cultura negra: das religiosas s danas e cantos profanos. Permitiam as cantigas de ninar e as comidas africanas. "Cercados", confinados nos latifndios poucos puderam fugir a
esse "destino" imposto pelos senhores de escravos e de terras. No havia comunicao e assim se produziu o analfabetismo generalizado no Brasil.
Assim, vocs podem verificar que a colonizao brasileira foi realizada a
partir de trs pilares: o latifndio, o trabalho escravo e o monoplio comercial (ademais com um nico produto para exportao). Esse estado de coisas
determinou, portanto, uma sociedade que intolerante e opressora, diferencia e hierarquiza humilhando a quase todos e todas. Nos construmos na violncia. Na banalizao da vida.
Estas coisas, infelizmente so fceis de serem constatadas na sociedade
brasileira de hoje, elas permanecem vivas entre ns mesmo que, ao mesmo
tempo, tenhamos mudado tanto. Hoje somos uma sociedade moderna,
industrial, com grandes e importantes centros de servios e de cultura.
Caminhando para uma democracia. Mas, tambm somos o pas onde h a
ABRA - REFORMA AGRRIA

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Por que Reforma Agrria?

maior diferena de qualidade de vida entre os mais ricos e os mais pobres.


Somos um dos pases do mundo com a pior distribuio da renda.

Sem a Reforma Agrria podemos ter a certeza de que permaneceremos


uma sociedade marcada pela malvadez instaurada pelo colonialismo: o analfabetismo generalizado, a fome, a falta de moradia, o desemprego e a explorao do trabalho, o menosprezo pelos direitos humanos mais fundamentais
das camadas subalternas, sobretudo de suas mulheres e menores.
Permaneceremos numa sociedade na qual a violncia no deixa que crianas
brinquem, que as meninas no sejam molestadas sexualmente pelo machismo desenfreado, que no precisem estas meninas de se prostituir para garantir sua sobrevivncia e tantas vezes a de sua famlia tambm, que os pobres
sejam respeitados.

Somos uma sociedade autoritria, na qual o rico diz sem cerimnia: "Sabe
com quem est falando?". Continuamos sendo uma sociedade discriminatria
em vrias de suas facetas prejudicando os/as ndias, e sobretudo os negros e
as negras por que continuamos os/as excluindo dos espaos mais privilegiados/valorizados da sociedade. Mesmo com relao mulher branca continua a haver tambm discriminao, pois apesar de dedicarem mais tempo na
sua escolarizao/profissionalizao continuam percebendo salrios menores
do que os homens. Continuamos ainda a ser uma sociedade altamente elitista, na qual a elite manda e usufrui da quase totalidade dos bens materiais e
culturais produzidos socialmente, em detrimento da maioria.
Todas essas so mazelas que decorrem do modo como construmos a nossa
histria, em como nos organizamos enquanto nao. So os fortes resqucios
de nossa origem colonialista que ainda pesam enormemente sobre ns. So
as mazelas que tm como natureza a violncia.
Podemos concluir, sem medo de errarmos que um dos grandes males do
Brasil , pois, o latifndio, que permanece desafiando todos e todas que o
entendem como o que determinou uma sociedade injusta. Uma sociedade
pautada pela violncia e a antieticidade.
Em pleno sculo XXI inconcebvel que o nosso pas no tenha feito a diviso
de suas terras. Diviso justa e necessria. preciso que essa Reforma Agrria
seja feita, urgentemente, sem mortes e sem violncia. Que ela seja feita dentro
da legalidade, pois ela legtima e benfica para o pas e para todas e todos.

Construmos uma sociedade que por sua natureza contraditria precisa dos
condomnios fechados e dos carros blindados para fugir dos horrores que criamos. Dos homens e das mulheres que sofreram (sofrem) o inferno dos presdios e das "Febens" e ou que sobrevivem nas favelas desumanas sentindo e
percebendo que seu futuro e o do de seus filhos e filhas no ser diferente:
sero como a sua e a de seu pai e av e de todos os seus ancestrais: marcada pela desesperana e pautada pela violncia.
Faamos a Reforma Agrria em processo permanente de seu aperfeioamento: ela certamente nos garantir dias melhores e de mais Paz para todas
e todos os brasileiros e brasileiras.
preciso buscar a cultura da Paz e aniquilarmos a arraigada e tradicional
cultura da violncia: a Reforma Agrria o caminho primeiro nessa busca de
nossa humanizao.
A Reforma Agrria , pois, imperativo nacional!

No falamos de uma Reforma Agrria qualquer, falamos da que venha


acompanhada dos recursos financeiros e estratgicos, e da formao dos homens e das mulheres no sentido de terem conscincia que seu trabalho tem
que respeitar os ciclos da vida. Que o uso da terra deve se pautar pelo desenvolvimento sustentvel.
Se mesmo uma Reforma Agrria pensada "politicamente correta" no garante em si mesma a soluo dos nossos problemas mais cruciais --- quem
garante somos ns humanos assegurando as condies para que ela traga a
justia social, da a sociedade mais justa, temos que saber que a Reforma
Agrria que devemos viabilizar no nasce pronta e terminada, ela deve de dar
num processo ininterrupto no qual vamos construindo um mundo melhor.
ABRA - REFORMA AGRRIA

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ABRA - REFORMA AGRRIA

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CORREIO DA ALADA

Associao Latinoamericana de Direito Agrrio


Asociacin Latinoamericana de Derecho Agrario
1 Semestre de 1972 - 1

EL DERECHO AGRARIO DEBE ORIENTAR


EL CAMBIO DE LA ESTRUCTURA AGRARIA
EN AMERICA LATINA

M ENSAJE DEL P ROF . R ODOLFO R ICARDO C ARRERA ,


P RESIDENTE DE LA ALADA
La segunda etapa en la vida de ALADA no poda iniciarse con mayores auspicios. El marco que le prest el PRIMER CONGRESO INTERAMERICANO DE
DERECHO AGRARIO, realizado en Porto Alegre (Brasil) en los das 24/29 de
octubre ltimo, fue realmente trascendente: en el da de su clausura, los delegados y representantes de las Facultades de Derecho de la mayora de los
pases de Latinoamrica efectuaron la renovacin de sus autoridades. La
primera etapa, iniciada en Alcal de Henares (Espaa) en 1968, vino as a
concluir en Porto Alegre (Brasil), y de la presidencia acordada entonces a
Espaa (Ballarn Marcial) se pasa ahora a la presidencia de Argentina. Para
nosotros es doblemente honrosa la asuncin de esta presidencia - por ser la
anterior de Espaa y por haber sido el presidente Ballarn - pero tambin
doblemente comprometida por las mismas razones.
Nuestras primeras palabras para Correo de ALADA deben ser dedicadas al
Congreso de Porto Alegre, que ha sido sin duda la reunin interamericana de
especialistas en Derecho Agrario, ms importante que se ha realizado hasta
ahora, por la cantidad de representantes de los pases hermanos all presentes y por la seriedad de la labor realizada, as como por su PRONUNCIAMIENTO DE PORTO ALEGRE. Nuestro mandato emana de la voluntad de
los profesores all reunidos: y el PRONUNCIAMIENTO, expresa en su punto
5 : " - Se requiere el fortalecimiento de los organismos internacionales destinados a impulsar la actividad agraria. Instase a esas entidades que promueABRA - REFORMA AGRRIA

251

Documentos

Correio da ALADA

van estudios y proyectos para la elaboracin y el perfeccionamiento de las


instituciones jurdicas agrarias". En consecuencia, nuestras tareas no podan
iniciarse en circunstancias ms auspiciosas.

ma agraria tropezarn con el rgimen jurdico comn que las oligarquas


nacionales mantienen intacto para defenderse de estas innovaciones. Por ello,
siempre debe recordarse que la reforma agraria comienza con profundo cambio en el rgimen jurdico de la tierra y de la actividad agraria.

La funcin coordinadora de ALADA est contenida en la Recomendacin


aprobada por el Congreso - iniciativa de los ilustres juristas brasileos Dres.
Jaime Soares de Albuquerque, Marcos Heusi Netto e Igor Tenrio - que dice
en su prrafo segundo: "Recomiendase que la ALADA promueva contactos
con las Universidades Latinoamericanas, en el sentido de establecerse Cursos
de Derecho Agrario comparado a nivel de especialistas o de post-graduados
con nfasis en el estudio de la legislacin agraria latinoamericana".
Trataremos de dar cumplimiento cuanto antes a esta Recomendacin, a cuyo
fin hemos iniciado ya los contactos correspondientes.
Para nosotros, como lo expusimos en la sesin de Clausura del Congreso, el
Derecho Agrario puede ser encarado como una tcnica jurdica; como una
Ctedra de Derecho en las Facultades respectivas, como un instrumento transformador de estructuras agrarias injustas, para convertirlas en nuevas formas
en las que la distribucin de la riqueza generada sea ms equitativa: o, finalmente, como una herramienta insustituible para realizar el desarrollo. Este ultimo enfoque es el que ms nos atrae ahora, luego de bregar durante ms de
tres dcadas, ininterrumpidamente, por todas las otras formas de encarar el
Derecho Agrario. Entendemos que el desafo de hoy es que el Derecho Agrario
sirva de desarrollo; que es la consigna de los pueblos subdesarrollados.
El desarrollo exige cambios de estructuras y en Amrica Latina ese cambio
debe comenzar en el agro, de lo contrario ese sector quedar rezagado y
estancado. El cambio de estructuras agraria, producir - por el contrario - un
efecto multiplicador de riqueza, porque transformando los latifundios improductivos o dedicados a ganadera extensiva, en empresas agrarias de tamao
mediano y diversificada produccin, se multiplicar el numero de productores
y con ello se elevar el poder de compra del sector, y por onde el consumo
de productos industriales. A su vez, la industria con ese impulso inicial, dado
por el mayor consumo de la poblacin rural, encontrar un mercado nacional
en crecimiento constante, lo que le asegurar inversiones redituables. As ha
ocurrido en Japn, Australia, Mejico, y otros pases en los cuales el cambio
comenz en el agro.
El Derecho Agrario debe orientar el cambio de la estructura agraria, introduciendo profundas reformas en las Constituciones y luego en las leyes especiales, antes de encararse - por los pases - las polticas de reformas agrarias.
En nuestro trabajo presentado al Congreso hemos explicitado esas reformas
jurdicas fundamentales y demostrado que, de lo contrario, las leyes de reforABRA - REFORMA AGRRIA

252

De all, la importancia del Derecho Agrario y de su contenido finalistico,


segn nuestra concepcin: - "El Derecho Agrario es la ciencia jurdica que
contiene los principios y las normas que reglan las relaciones emergentes de
la actividad agraria, a fin de que la tierra sea objeto de una eficiente
explotacin que redunde en una mayor y mejor produccin, as como en una
ms justa distribucin de la riqueza en ella generada, en beneficio de quienes
la trabajan y de la comunidad.
Las nuevas generaciones estn comprendiendo el contenido revolucionario
de esta disciplina jurdica que busca el cambio dentro de la ley y por la ley.
Los jvenes son los llamados a convertir en realidad los sueos de quienes los
precedieron, luchando durante aos por ese cambio. Ellos ansan una
sociedad nueva, ms justa y ms libre, su lucha no debe agotarse en la sola
supresin de la injusticia y de la sumisin del hombre, sino que deben estudiar y proyectar las nuevas formas de esa sociedad.
El Derecho Agrario ejerze enorme atraccin en los jvenes porque no solo
penetra en la entraa de la injusta regulacin jurdica del uso y usufructo y
propiedad de la tierra y de la actividad agraria sino que, adems, propone
concretas frmulas jurdicas para sustituir a las que han cado en el anacronismo. Esa es la misin de los agraristas. Como lo expresara Ballarn en el n
1 de la Revista ALADA, en su hermoso artculo, "el agrarista presta su principal auxilio al legislador que ha de cambiar la ley para adaptarla a las nuevas
exigencias de la sociedad".
Es esa nuestra misin. La hemos cumplido siempre. Ahora la cumpliremos
desde la presidencia de ALADA.
CORREIO DA ALADA
Esta publicao, destinada circulao no Brasil, em todos os pases da
Amrica Latina, na Europa e nos Estados Unidos, atravs, principalmente de
entidades dedicadas ao estudo do Direito Agrrio e da Sociologia Rural, da
responsabilidade de Octvio Mello Alvarenga, Diretor Executivo e de J. Motta
Maia, Secretrio-Geral da ALADA.
Endereo para qualquer correspondncia: Rua Joaquim Nabuco, 244, 1
andar - Copacabana, Rio de Janeiro, GB.
ABRA - REFORMA AGRRIA

253

CPMI DA
TERRA
Quadro comparativo das recomendaes
dos relatrio vencido e vencedor

CPMI DA TERRA

Quadro comparativo das recomendaes dos relatrio vencido e vencedor

CPMI DA TERRA - Quadro comparativo das


recomendaes dos relatrio vencido e vencedor
1. Cumprir as metas previstas no II Plano Nacional de Reforma
Agrria.

2. Efetivar o Cadastro Nacional de Imveis Rurais (CNIR), criado


pela Lei n. 10.267/2001, utilizando -se dos cadastros j existentes
no mbito da administrao pblica da Unio (INCRA, Receita
Federal, IBAMA) e complementados com a tecnologia do
georreferenciamento, de modo a l egalizar o territrio, coibir as
prticas fraudulentas envolvendo terras pblicas (tais como a
grilagem) e aumentar o estoque de terras disponvel para reforma
agrria.
3. Constituir secretaria no INCRA com atribuies exclusivas de
implementar e gerenciar o CNIR.
4. Agilizar o programa de legitimao de posses de famlias
ocupantes de terras pblicas com rea de at 100 hectares,
reduzindo uma das causas da violncia no meio rural, beneficiando
as que tenham tornado as terras produtivas com trabalho familiar;
que no sejam proprietrias de outro imvel rural e comprovem
morada permanente e cultura efetiva pelo prazo mnimo de um ano.
5. Determinar as medidas cabveis para a retomada das reas
pblicas ocupadas irregularmente.
6. Agilizar a destinao, para a reforma agrria, das terras da Unio
j arrecadadas.
7. Determinar Presidncia do INCRA que constitua fora -tarefa
com o objetivo de promover a regularizao fundiria no Estado do
Amap
8. Edio de portaria con junta pelos Ministrios competentes,
atualizando os ndices de produtividade, em atendimento ao art. 11
da Lei n 8.629/93 e determinao constitucional de realizao da
reforma agrria.
9. Revogao dos arts. 4, 1, e art. 8 do Decreto n
n 578/92,
578/92, de 24
de junho de 1992, que, ao disciplinar a clusula de preservao do
valor real da terra, fez incidir juros compensatrios e correo
monetria plena sobre os Ttulos da Dvida Agrria, o que
representa manifesta inconstitucionalidade, na medida em que
transforma a propriedade que no cumpre a funo social em ativo
financeiro altamente rentvel no mercado imobilirio.
10. Editar novo decreto, de sorte a corrigir as distores atualmente
existentes, aplicando -se ndices especficos que permitam auferir o
valor de mercado do imvel.
11. Criao de Ouvidorias Agrrias Federais nos Estados da
Federao, dotadas de oramento e estrutura, a fim de maximizar o
trabalho de preveno extrajudicial e descentralizada dos conflitos
no campo.

12. Regulamentao das Ouvidorias Agrrias, com definio


especfica sobre o papel dos ouvidores.
13. Prestao de assistncia tcnica, jurdica e social permanente s
famlias beneficirias da reforma agrria, atravs da coordenao
articulada entre o MDA, o INCRA e as diferentes esferas
governamentais e no -governamentais, atendendo aos acampados,
assentados, agricultores familiares, comunidades in dgenas,
quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, garimpeiros e trabalhadores
atingidos por barragens, minimizando o impacto das dificuldades
enfrentadas, contribuindo para a garantia dos direitos humanos e
iniciando um processo de informao e formao pa ra incluso
social e produtiva dessas famlias.
14. Nos casos especficos de Rondnia e Par, fornecer assistncia
tcnica e capacitao para as famlias beneficirias dos programas
de reforma agrria, promovendo atividades agro -florestais,
permitidas no Zoneamento Scio -Econmico e Ecolgico do
Estado, como forma de viabilizar assentamentos em Projetos de
Desenvolvimento Sustentvel (PDS) e de produo florestal

1. Recomendar a reestruturao do Banco da Terra, em nvel


nacional, que uma alternativa eficiente de reforma agrria,
possibilita a aquisio de terras por negociao, evitando -se os
conflitos fundirios, abitrariedades e violncias. Ponto fundamental
da proposta do Banco da Terra o fato de se obter financiamento
para aquisio de imveis rurais para pessoas que possuem real
vocao e vontade de trabalha -las.

IDEM
IDEM

IDEM

IDEM
IDEM
IDEM

NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA

NO CONSTA

IDEM

Regulamentao das Ouvidorias Agrrias, atravs de projeto de lei


a ser elaborado p elo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, com
definio especfica sobre o papel dos ouvidores, estrutura e
competncia do rgo, a fim de evitar as condutas abusivas que
vem sendo verificadas atualmente.
Alterar a forma pela qual vem sendo prestada assistncia tcnica,
jurdica e social aos assentados e aos proprietrios rurais de
pequeno porte, de modo a favorecer um melhor controle sobre
efetiva prestao. O mecanismo que hoje vem sendo aplicado, de
celebrao de convnios com a ANCA para terceirizao de tais
servios, vem sendo alvo de pesadas crticas tanto por seus
supostos beneficirios diretos quanto pelos tcnicos do TCU.

IDEM

NO CONSTA

15. Determinar ao Ministrio d a Justia que promova as diligncias


necessrias para garantir a integridade fsica de todas as pessoas
ameaadas de morte em decorrncia de conflitos por terra.
16. Com a celeridade que a situao recomenda, incluir as pessoas
ameaadas de morte que constam da lista abaixo*, elaborada pela
Comisso Pastoral da Terra, no Programa de Proteo aos
Defensores de Direitos Humanos ou outros congn eres ligadas
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidncia da
Repblica ou ao Ministrio da Justia.
(*)lista no original com 44 nomes.
17. Determinar Polcia Federal que organize operaes especiais
para capturar os 29 mandantes e pistoleiros com prises preventivas
decretadas, mas que se encontram foragidos, conforme relao**
abaixo.
(**) No original consta relao de 21 foragidos da justia.
18. Determinar Polcia Federal para que reforce a segurana da
Superintendente Regional do INCRA -AP, Maria Cristina do
Rosrio Almeida
19. Determinar Polcia Federal que organize fora tarefa para
investigar a constituio de organizaes que incentivam e
promovem a violncia no campo, inclusive com a contratao de
milcias privadas e o trfico internacional de armas, patrocinadas
por proprietrios rurais, bem como as relaes que mantm entre si
nos diversos Estados (os chamados consrcios de entidades).
20. Aumentar o efetivo da Polcia Federal e fortalecer o INCRA, o
IBAMA e a FUNAI nas regies onde os conflitos agrrios so mai s
intensos.
21. Criar escritrio do INCRA e novos postos da Polcia Federal
Fed eralnana
regio de Confresa (MT), para agilizar a soluo dos conflitos
existentes.
22. Determinar Polcia Federal que fornea proteo aos
funcionrios do INCRA, FUNAI e IBAMA que se encon tram
ameaados no exerccio de suas funes
23. Garantir recursos oramentrios necessrios implantao e
manuteno dos programas e metas de reforma agrria, bem como
s aes de combate a violncia no campo promovidas pela Polcia
Federal, INCRA, IBAMA e FUNAI.
24. Dotar as Superintendncias Regionais do INCRA,
especialmente a do Amap, de infra -estrutura e recursos humanos e
financeiros, para que possam concluir os processos de sindicncia
sobre envolvimento de funcionrios em irregularidades, bem como
executar as demais tarefas que so de sua atribuio especfica.
25. Incluir representantes da CPT do Amap e do Ministrio
Pblico Federal daquele Estado na Comisso, coordenada pela Casa
Civil da Presidncia da Repblic a, que estuda o repasse de terras da
Unio para o Amap.
26. Demarcar as terras de Marinha em toda a zona costeira
brasileira.
27. Agilizar as aes vinculadas ao Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro, em especial o seu Zoneamento Eco nmico
Ecolgico ZEE).

NO CONSTA
28. Determinar que INCRA identifique as famlias que ocupam a
terra indgena Mariwatsede, Estado do Mato Grosso, reassentando as em outras reas.
29. Promover a definit iva desintruso daquela terra indgena.
30. Determinar a criao de um grupo de trabalho, coordenado pela
FUNAI e com a participao de representantes das populaes
indgenas, para realizar levantamento das terras de Marinha e
devolutas, bem como a verificao da cadeia dominial das terras
ditas particulares nessas reas, para solucionar os conflitos
demarcando e homologando as terras indgenas, especialmente no
Estado do Cear e em todo o Nordeste brasileiro.

Recomendar a suspenso imediata do repasse de recursos federais


aos convnios firmados com a ANCA, CONCRAB E ITERRA, em
virtude das graves irregularidades detectadas pelos tcnicos do
TCU. (RECOMENDAO REJEITADA)
Determinar ao Ministrio da Justia que promova as diligncias
necessrias para garantir a in tegridade fsica de todas as pessoas
ameaadas de morte em decorrncia de conflitos por terra, sejam
fazendeiros ou trabalhadores rurais, intensificando as buscas por
armamento irregular tambm nos assentamentos e acampamentos
sem terra, focos sabidos d e violncia no campo.

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA
19. Determinar Polcia Federal que organize fora tare fa para
investigar a constituio de organizaes que incentivam e
promovem a violncia no campo, especialmente aquelas ligadas ao
contrabando de armas e sua utilizao na invaso de propriedades
privadas. Aprovada com a seguinte: Determinar Polcia Fed eral
que organize fora tarefa para investigar a constituio de
organizaes que incentivam e promovem a violncia no campo.
20. Aumentar o efetivo da Polcia Federal e fortalecer o INCRA, o
IBAMA e a FUNAI nas regies onde os conflitos agrrios so mais
intensos, a fim de garantir o direito de propriedade.
IDEM
NO CONSTA

NO CONSTA

IDEM

NO CONSTA
IDEM
IDEM
Recomendar Polcia Federal e ABIN que investigue ou retome
as investigaes sobre as denncias de treinamento de guerrilha e
de interferncia das FARC colombianos de uma forma geral em
centros de treinamento do MST, especialmente no assentamento da
Fazenda Normandia, em Pernambuco.
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA

CPMI DA TERRA

31. Constituir comisso, coordenada pela Secretaria Nacional de


Segurana Pblica, do Ministrio da Justia, e composta pela
Polcia Federal, Secretaria Nacional de Direitos Humanos,
Ministrios Pblicos Federal e Estaduais e Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio, a fim de realizar diagnstico sobre a
atuao das empresas de segurana privada e encaminhar soluo
para os problemas atuais, inclusive com proposta de legislao
especfica para a atuao na rea rural.
32. Executar as metas do Plan o Nacional de Erradicao do
Trabalho Escravo.
33. Fortalecer, com recursos financeiros e humanos, os Grupos
Mveis de Fiscalizao, revendo a base de clculo para o
pagamento de dirias entre outros ajustes ao bom desempenho
desses grupos.
34. Desenvolver aes repressivas e preventivas nas localidades que
concentram o aliciamento e o alojamento de trabalhadores rurais
para o trabalho escravo, como Redeno, Aailndia, Marab,
Santana do Araguaia e Sapucaia, no Par.
35. Incentivar a participao dos Estados, estimulando a elaborao
de Planos Estaduais de Erradicao do Trabalho Escravo
36. Celebrar convnios de cooperao tcnica com os Estados para
combater o trabalho escravo nas regies com maior incidn cia,
identificando origem (locais de aliciamento), rotas e destino (locais
de uso do trabalho forado) dessa prtica.
37. Criar no mbito do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio
(MDA), comisso especial interna para investigar os casos de
irregularidades de conduta de funcionrios do INCRA, sem prejuzo
de investigao por parte da Controladoria Geral da Unio.
38. Determinar que a Presidncia Nacional do INCRA instaure, em
carter de urgncia, processos de sindicncia para apurao de
responsabilidades dos servidores da Superintendncia da autarquia
em Rondnia, suspeitos de integrarem esquema de grilagem, com a s
devidas punies administrativas, civil e penal.
39. Determinar que os diferentes rgos da administrao direta e
indireta da Unio arrematem ou adjudiquem em aes de execuo,
ou recebam, em dao de pagamento de crditos de qualquer
natureza, imveis rurais suscetveis de destinao reforma agrria,
sob condio de prvia manifestao do INCRA, ao qual devero,
concomitantemente ou subseqentemente, ser tais imveis
repassados autarquia, gratuitamente ou mediante contrapartida em
Ttulos da Dvida Agrria.
40. Criar grupo de trabalho no mbito da Secretaria do Tesouro
Nacional do Ministrio da Fazenda, para estudar alteraes na
Instruo Normativa 01/1997, prevendo mecanismos que possam
compatibilizar o interesse da administra o no controle da aplicao
dos recursos pblicos e s especificidades dos beneficirios de
convnios que, em funo das limitaes impostas pela realidade,
estejam impossibilitados de cumprir a norma tal como est redigida
atualmente.

41. Determinar que o INCRA celebre contratos de comodato com as


entidades, legalmente constitudas para representar as famlias
assentadas, tendo por objeto as reas dos assentamentos em que
forem (ou onde estejam sendo) instaladas escolas, centros de
capacitao e outras e struturas de uso comunitrio.
42. Criar fora -tarefa, no mbito da Secretaria de Segurana
Pblica, com a presena do Ministrio Pblico Federal e Estadual,
da Polcia Federal e Rodoviria Federal, de sorte a agilizar a
investigao dos crimes decorrentes dos conflitos agrrios,
sobretudo nos casos em que ocorreram mortes, a fim de identificar
os executores e os mandantes.
43. Determinar a investigao de eventuais responsabilidades do
Delegado Jamil Casseb na operao policial que resultou na morte
do agricultor Jos Orland o de Souza, ocorrida em Santarm, em 3
de maio de 2003, nos termos da denncia realizada pela Federao
dos Trabalhadores na Agricultura dos Estado do Par e Amap.

Quadro comparativo das recomendaes dos relatrio vencido e vencedor

NO CONSTA

NO CONSTA
NO CONSTA

NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA

IDEM

IDEM

NO CONSTA

Criar grupo de trabal ho no mbito da Secretaria do Tesouro


Nacional do Ministrio da Fazenda, para estudar mecanismos que
tornem mais rigorosa a fiscalizao da execuo dos convnios
firmados para assistncia aos beneficirios por programas de
reforma agrria. Deve ser verifi cado o fiel cumprimento da
Instruo Normativa 01/1997, a fim de evitar uma prestao de
contas meramente formal, com as fraudes, vcios e omisses
verificadas pelos tcnicos do TCU nos convnios executados com a
ANCA, CONCRAB e ITERRA.
Determinar que o INCRA exija adequada contrapartida sempre que
celebrar contratos com as entidades, legalmente constitudas para
representar as famlias assentadas, tendo por objeto as reas de
assentamentos em que forem (ou o nde esto sendo) instaladas
escolas, centros de capacitao e outras estruturas de uso
comunitrio. Exigir ainda que as atividades a praticadas sejam
fiscalizadas, a fim de evitar que cursos de tcnicas de guerrilha e
preparao para atos violentos sejam ministrados nessas
dependncias.

NO CONSTA

NO CONSTA

44. Determinar as diligncias necessrias para esclarecimento dos


fatos e priso dos responsveis pela morte de Jos Dutra da Costa, o
Dezinho, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais em
Rondon do Par, ocorrida em 21 de novembro de 2000, e do
Tesoureiro do Sindicato, Sr. Ribamar Francisco dos Santos,
assassinado em 7 de fevereiro de 2004.
45. Promover as diligncias necessrias para apurar denncia de que
na fazenda de Jos Leite Barros, localizada no Municpio de
Rondon do Par, exis tira cemitrio clandestino;
46. Determinar Corregedoria da Polcia Militar que investigue a
participao de policiais em operaes ilegais de despejo, atuao
junto a pistoleiros e milcias privadas, assim como a instalao de
posto e seguran a em uma rea (denominada Fazenda Rio Curu)
sob o controle privado da empresa Indstria, Comrcio, Exportao
e Navegao do Xingu Ltda (INCENXIL), localizada na Regio de
Terra do Meio.
47. Determinar diligncias para apurar eventuais respon sabilidades
na operao da Polcia Militar, comandada pelo Tenente PM
Guimares e pelo Sargento Ronaldo, em que policiais teriam
adentrado, sem ordem judicial, acampamento na Fazenda Oriente,
Municpio de Concrdia do Par, e teriam destrudo casas de
agricultores, nos termos da denncia realizada pela Federao dos
Trabalhadores na Agricultura dos Estado do Par e Amap
48. Determinar diligncias para apurar eventuais responsabilidades
de policiais que, em cumprimento de ordem judicial de reint egrao
de posse, teriam queimado mais de 60 barracos e 290 redes e outros
pertences dos agricultores que ocupavam a fazenda no Municpio de
Acar, fato que ocorreu no dia 26 de maio de 2004.
49. Ajuizar, em carter de urgncia, todas as aes discriminatrias
e reivindicatrias pertinentes a serem promovidas na regio do
Pontal do Paranapanema, visando aquisio de reas para a reforma
agrria.
50. Agilizar a arrecadao das terras devolutas j discriminadas,
priorizando as glebas j negociadas, com o assentamento imediato
das famlias de trabalhadores rurais sem -terra da regio
51. Apurar, de forma sistemtica, a formao de milcias por parte
de fazendeiros na regio do Pontal do Paranapanema, promovendo o
desarmamento e a investigao do trfico de armas.
52. Fortalecer e apoiar a atuao da Comisso de Mediao de
Conflitos Agrrios, na preveno violncia no campo.
53. Promover campanhas, divulgando as reas de conservao
permanente e as reservas biolgicas e indgenas, sua utilidade e as
limitaes de seu uso, informando as penas previstas em lei q ueles
que violarem a legislao.
54. Determinar que rgos competentes promovam o desarmamento
nas reas de conflitos e o combate s milcias armadas.
55. Revisar e aprimorar o Zoneamento Scio Econmico
Ecolgico, efetivando sua im plementao em todo o Estado de
Rondnia.
56. Aprofundar as investigaes envolvendo a formao de milcias
privadas e grupos de extermnio, patrocinadas por proprietrios
rurais.
57. Promover o desarmamento das pessoas envolvidas n os conflitos
agrrios.
58. Aumentar o efetivo das Polcias Militar e Civil e fortalecer a
presena do Instituto de Terras (ITER) nas regies onde os conflitos
agrrios so mais intensos
59. Realizar operaes de desarmamento nas re as de maior
intensidade de conflitos fundirios.
60. Apurar, com rigor e celeridade, as denncias de formao de
milcias armadas, garantindo a punio dos responsveis.
61. Promover o ajuizamento, em carter de urgncia, de todas a s
aes discriminatrias e reivindicatrias pertinentes relativas
terras devolutas e/ou griladas em Minas Gerais.
62. Agilizar a arrecadao das terras devolutas j discriminadas,
priorizando as glebas j negociadas, com o assentamento imediato
das famlias de trabalhadores rurais sem -terra da regio.
63. Aumentar o efetivo das Polcias Militar e Civil nas regies onde
os conflitos agrrios so mais intensos
64. Realizar operaes de desarmamento nas reas de maior
intensidade de conflitos fundirios.
65. Apurar, com rigor e celeridade, as denncias de formao de
milcias armadas, g arantindo a punio dos responsveis.
66. Criar comisso de mediao de conflitos agrrios, envolvendo
rgos governamentais e representantes dos setores envolvidos.

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA

CPMI DA TERRA

67. Realizar operaes de desarmamento nas reas de maior


intensidade de conflitos fundirios.
68. Desenvolver ao conjunta entre as Polcias Estaduais e Federal,
Ministrios Pblicos Estaduais e Federal, possibilitando a
fiscalizao das fals as empresas de segurana e a punio dos
responsveis pela violncia no campo.
69. Rever a poltica de apoio carcinicultura, suspendendo os
empreendimentos sem licenciamento e modificando a resoluo do
Conselho Estadual do Meio Ambiente (CO EMA) que permite a
instalao de viveiros em reas do ecossistema manguezal
(salgados, apicuns e carnaubais).
70. Criao de unidades de conservao e de uso sustentvel nas
comunidades litorneas.
71. Criao de fora tarefa, coord enada pelo Instituto do
Desenvolvimento Agrrio (IDACE), para aes de discriminao
das terras pblicas devolutas, em especial na zona costeira.
72. Determinar ao Instituto de Terras do Amap (TERRAP) que
promova trabalho conjunto com o INCRA, a fim de regularizar as
posses de milhares de pequenos posseiros.
73. Garantir, na Lei Oramentria de 2006, os recursos necessrios
para o cumprimento das metas previstas no II Plano Nacional de
Reforma Agrria, incluindo recursos suficientes para contemplar as
metas dos anos anteriores no cumpridas por falta de verbas.
74. Discutir, votar e aprovar a PEC n 281/2000, de autoria da Dep.
Luci Choinacki e outros, que estabelece o limite da propriedade
rural no Brasil em 35 mdulos fiscais, em tramitao na Cmara dos
Deputados.
75. Discutir, votar e aprovar a PEC 438/2001, j aprovada em
primeiro turno pela Cmara dos Deputados, que d nova redao ao
art. 243 da Constituio Federal e estabelece a expropriao de
reas onde for constada a explorao de trabalho escravo.
76. Criar comisso para apresentar projetos de lei aprimorando a
legislao civil no que diz respeito s indenizaes s pessoas
lesadas pelo trabalho escravo, bem como no que concerne
competncia da Justia Federal para processar e julgar as aes
penais decorrentes da prtica do trabalho escravo, como leso aos
direitos humanos e organizao do trabalho.
77. Discutir, votar e aprovar a PEC n 374/2005, de autoria do
Deputado Federal Dr. Rosinha e outros, em tramitao na Cmara
dos Deputados, que dispe sobre a estatizao dos cartrios.
78. Promover alterao no pargrafo nico do art. 185 da
Constituio Federal, compatibilizando o conceito de propriedade
produtiva com os preceitos constitucionais que condicionam o
direito de propriedade ao atendimento dos requ isitos inerentes
funo social, nos termos da PEC apresentada no anexo I deste
Relatrio.
79. Discutir, votar e aprovar imediatamente o PL n 5.946/2005, em
tramitao na Cmara dos Deputados, de autoria do Deputado Ado
Pretto, que modifica o art. 11 da Lei n 8.629, de 25 de fevereiro de
1993, ajustando os parmetros, ndices e indicadores de
produtividade das propriedades em perodos no superiores a 5
(cinco) anos.
80. Promover alteraes na Lei Complementar 76/93, de sorte a
agilizar o processo judicial de desapropriao para fins de reforma
agrria, nos termos do Projeto de Lei Complementar apresentado no
anexo I deste Relatrio .
81. Discutir, votar e aprovar o PLS 566/1999, de autoria do Senador
Antnio Carlos Mag alhes, em tramitao no Senado Federal, que
altera dispositivos da Lei Complementar n 76, de 06 de julho de
1993, com as ressalvas constantes do Projeto de Lei Complementar
apresentado no anexo I deste Relatrio .
82. Promover alteraes na Lei 8.629/93, nos tpicos relativos
vistoria e avaliao preliminar do imvel, ao atendimento das
funes trabalhista e ambiental pela propriedade, entre outros,
tornando a lei agrria mais consentnea com os dispositivos
constitucionais que tratam da reforma agrria, nos termos do Projeto
de Lei apresentado no anexo I deste Relatrio .
83. Promover alterao na Lei n. 6.383/76 conferindo tambm aos
processos discriminatrios estaduais o carter preferencial e
prejudicial em relao s aes em andamento, referentes a domnio
ou posse de imveis situados, no todo ou em parte, na rea
discriminada, nos termos do Projeto de Lei apresentado no anexo I
deste Relatrio .

Quadro comparativo das recomendaes dos relatrio vencido e vencedor

NO CONSTA
NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
Garantir, na Lei Oramentria de 2006, os recursos necessrios
para a infra -estrutura dos assentamentos j realizados, priorizando a
fixao do assentado e sua adequada subsis tncia, antes de partir
para a realizao de novas desapropriaes.
NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

Constituir comisso especial destinada a discutir as novas diretrizes


que devem guiar o funcionamento dos cartrios de imveis,
adaptando-os s modernas tecnologias e a novos mecanismos de
controle con tra grilagem de terras.

NO CONSTA

NO CONSTA

84. Inserir novo inciso ao art. 927 do Cdigo de Processo Civil, para
que a petio inicial nas aes possessrias comprove o
cumprimento dos elementos da funo social da propriedade
(ambiental, trabalhista e produtividade), sob pena de indeferimento,
nos termos do Projeto de Lei apresentado no anexo I deste Relatrio
85. Alterar o art. 928 do CPC, de sorte a exigir a prvia oitiva do
representante do Ministrio Pblico e dos rgos agrrios federal e
estadual, antes da concesso da liminar, no s termos do Projeto de
Lei apresentado no anexo I deste Relatrio .
86. Discutir, votar e aprovar o PLS 64/2005, de autoria do Senador
lvaro Dias, em tramitao no Senado Federal, que altera o art. 928
do CPC, tornando obrigatria a inspeo ju dicial nas aes de
reintegrao de posse de reas objetos de conflitos coletivos.
87. Criar comisso para apresentar projeto de lei que estabelea
procedimentos mnimos para os casos de cumprimentos de
mandados expedidos em aes possessrias, respe itando o princpio
da dignidade humana, os Tratados Internacionais e Convenes de
Direitos Humanos que o Brasil signatrio.
88. Discutir, votar e aprovar a Proposta de Emenda Constitucional
apresentada pelo Conselho da Justia Federal, que t rata da criao
das varas agrrias federais.
89. Criar comisso para promover ampla discusso com os
parlamentares e a sociedade civil, em torno das propostas de
emendas Constituio que instituem a Justia Agrria.
90. Discutir, votar e aprovar o PL n 5.222/2005, de autoria do
Deputado Anselmo, em tramitao na Cmara dos Deputados, que
inclui no Grupo das Unidades de Uso Sustentvel a Reserva Legal
em Bloco, previsto na Lei n 9.985/2000.
91. Apreciar a MP n 2.168 -39, de 26 de julho de 2001,
conformando a estrutura e funcionamento do Servio Nacional de
Aprendizagem Cooperativista (SESCOOP) ao texto constitucional,
com modificaes que visem impedir que uma entidade
representativa dos interesses do patronato rural p romova a
administrao direta de recursos pblicos arrecadados mediante
cobrana de contribuies previdencirias.
92. Editar nova lei em substituio Lei n 8.315, de 23 de
dezembro de 1991, que cria o SENAR, impedindo que uma entidade
representativa dos interesses do patronato rural promova a
administrao direta de recursos pblicos arrecadados mediante
cobrana de contribuies previdencirias.
93. Encaminhar este Relatrio, as notas taquigrficas da 31 e 32
reunies desta CPMI e cpia dos documentos autuados pela
Secretria sobre trfico de armas, Comisso Parlamentar de
Inqurito destinada a inve stigar as organizaes criminosas e o
trfico de armas, em funcionamento na Cmara dos Deputados.
94. Encaminhar cpia dos documentos autuados pela Secretria,
referentes questo indgena, s comisses especficas existentes no
Congresso Naci onal.
95. Encaminhar cpia dos documentos autuados pela Secretria,
referentes aos remanescentes de quilombos, s comisses
especficas existentes no Congresso Nacional. 0
96. Criar uma Comisso Permanecente de Reforma Agrria e
Justia no Campo da Cmara dos Deputados, com competncia para
conhecer e encaminhar questes atinentes esse campo temtico.

NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

97. Concluir as auditorias nos convnios celebrados entre a


administrao direta e indireta da Unio e a ANCA, CONCRAB e
ITERRA, e, aps garantido o contraditrio e a ampla defesa, nos
casos de comprovao de irregularidades, aplicar as sanes
cabveis.
NO CONSTA
NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

IDEM

NO CONSTA

NO CONSTA
NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA
NO CONSTA
NO CONSTA
Encaminhar cpia dos documentos autuados pela Secretaria,
referentes atuao, organizao e funcionamento do s movimentos
sociais no campo, Comisso Parlamentar de Inqurito especfica
que aguarda instalao na Cmara dos Deputados, fazendo -se
acompanhar de nota de confidencialidade sempre que se tratar de
documento protegido por sigilo . (RECOMENDAO
REJEITADA)
Concluir as auditorias nos convnios celebrados entre a
administrao direta e indireta da Unio e a ANCA, CONCRAB e
ITERRA, e, aps garantido o contraditrio e a ampla defesa, nos
casos de comprovao de irregularidades, aplicar as sanes
cabveis. Par a tanto, encaminhem -se cpias da documentao
sigilosa obtida por esta CPMI envolvendo a movimentao
financeira e fiscal das citadas entidades, a fim de que sirvam como
subsdio s investigaes daquela Corte de Contas, devendo tal
documentao ser acompa nhada de nota de confidencialidade.
Determinar que o TCU fiscalize, anualmente, os convnios com
organizaes no governamentais, especialmente aquelas ligadas
reforma agrria, e envie relatrio consolidado Comisso Mista de
Oramento e Finanas do Congresso Nacional.

CPMI DA TERRA

NO CONSTA
98. Concluir as auditorias nos convnios celebrados entre a
administrao direta e indireta da Unio e a OCB e SRB, e, aps
garantido o contraditrio e a ampla defesa, nos casos de
comprovao de irregularidades, aplicar as sanes cab veis.
99. Promover auditoria na aplicao dos recursos pblicos
arrecadados mediante contribuies previdencirias e repassados ao
Sistema Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e ao Servio
Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP), no
perodo compreendido entre 1998 a 2005. As auditorias devem ser
realizadas tanto no SENAR e SESCOOP nacionais, quanto nos
SENARs e SESCOOPs estaduais.
100. Considerando a ausncia de informaes precisas sobre a
morosidade dos processos jud iciais de desapropriao e de
arrecadao, recomenda -se a realizao de estudo sobre a aferio
do tempo mdio de tramitao das aes de desapropriao,
discriminao e arrecadao.
101. Recomendar, a todos a juizes e tribunais que integram o Poder
Judicirio, o julgamento em carter preferencial das aes e
recursos judiciais que envolvam desapropriao, discriminao de
terras devolutas e a retomada de terras pblicas, de modo a agilizar
a implementao da reforma agrria e viabilizar a justi a no campo.
102. Realizar seminrio entre juizes federais, desembargadores de
Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justia, ministros
do Superior Tribunal de Justia e representantes do Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio, do Cong resso Nacional e de
organizaes da sociedade civil ligadas questo agrria, para
discutir o papel do Poder Judicirio na realizao da reforma
agrria, tendo como eixo o II Plano Nacional de Reforma Agrria.
103. Realizar correio em todos os cartrios envolvidos em
irregularidades, criando mecanismos e procedimentos para sanar,
efetivamente, as mesmas e punir os responsveis.
104. Estudar e efetivar alteraes nos procedimentos de correio
dos cartrios, tornando mais rgido a fiscalizao e garantindo a
eficcia das recomendaes e punies dos rgos corregedores.
105. TJ PARAN: Determinar a concluso dos inquritos polic iais
e promover o julgamento de todos os envolvidos na morte de
trabalhadores rurais em conflitos coletivos pela terra, especialmente
os acusados da morte de Sebastio Camargo, Paulo Srgio Brasil,
Anarolino Viau e Elias de Moura.
106. Impetrar Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) em face
dos arts. 4, 1, e art. 8 do Decreto n 578, de 24 de junho de 1992,
por violao do art. 184 da Constituio Federal, bem como
manifestao nas aes de desapropriao, no sentido de garantir o
valor real da coisa e no a transformao da propriedade
improdutiva em ativo financeiro.
107. Encaminhar este Relatrio ao Procurador Geral da Repblica
para que verifique a possibilidade do ajuizamento de Ao Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN s), com o objetivo de declarar a
inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei n 8.315, de 23 de
dezembro de 1991, e da MP n 2.168 -39, de 26 de julho de 2001,
que permitem a cobrana de contribuies previdencirias e seu
repasse para o SENAR e o SESCOOP , respectivamente.
108. Reativar o Grupo de Trabalho sobre Trabalho Escravo no
mbito da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado da
Procuradoria da Repblica.

NO CONSTA

NO CONSTA

Quadro comparativo das recomendaes dos relatrio vencido e vencedor

Determinar que o TCU fiscalize, anualmente, as despesas dos


programas de reforma agrria, especialmente os gastos com
obteno de terras e consolidao de assentamentos, e envie
relatrio consolidado Comisso Mista de Oramento e Finanas
do Congresso Nacional.

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

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NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA

NO CONSTA
Recomendar ao Ministrio Pblico o indiciamento e a adequ ada
persecuo cvel e criminal dos responsveis por desvios de verbas
pblicas e prestao de contas fraudulentas em convnios firmados
entre a Unio e os braos jurdicos do MST, especialmente: Jos
Trevisol (ex -dirigente da ANCA Associao Nacional de
Cooperao Agrcola); Pedro Christffoli (dirigente da ANCA
Associao Nacional de Cooperao Agrcola); Francisco Dal
Chiavon (dirigente da CONCRAB Confederao das
Cooperativas de Reforma Agrria do Brasil)
Recomendar ao Ministrio Pbli co o indiciamento e a adequada
persecuo cvel e criminal dos responsveis pelos crimes de
formao de quadrilha, extorso e demais delitos ligados s prticas

109. Encaminhar este Relatrio, as notas taquigrficas da 22, 23 e


29 reunies desta CPMI e cpia da Fita VHS e de documentos
autuados pela Secretria sob os n 315, 342, 365, 417, ao Ministrio
Pblico Federal para que indicie Luiz Antnio Nabhan Garcia e os
demais homens que participaram das imagens exibidas pelo Jornal
Nacional (Rede Globo de Televiso), no dia 02 de julho de 2 003,
pelos crimes de porte ilegal de armas de fogo de uso restrito (Lei
Federal 9.437/97) e contrabando (arts. 334).
110. Encaminhar este Relatrio, as notas taquigrficas da 22, 23 e
29 reunies desta CPMI e cpia dos documentos autuados pe
pelala
Secretria sob o n 220, para que o Ministrio Pblico Federal no
Estado de So Paulo promova o indiciamento de Manoel
Domingues Paes Neto, por crime de falso testemunho, conforme
previsto no art. 342 do Cdigo Penal Brasileiro.
111. Encaminhar este Relatrio e cpia dos documentos autuados
pela Secretria contendo as informaes bancrias, fiscais e
telefnicas, ao M inistrio Pblico Federal no Par, sob a garantia do
sigilo, para que determine a instaurao de procedimento criminal
contra Laudelino Dlio Fernandes Neto, Regivaldo Pereira Galvo,
Danny Gutzeit, tendo em vista que no apresentaram declaraes de
imposto de renda em alguns perodos, entre 1998 a 2004.
112. Encaminhar este Relatrio e cpia dos documentos autuados
pela Secretria contendo as informaes bancrios, fiscais e
telefnicos, ao Ministrio Pblico Federal no Par, sob a garantia do
sigilo, para instruo dos inquritos e processos criminais nos quais
Laudelino Dlio Fernandes Neto, Francisco Alberto de Castro,
Lzaro de Deus Vieira Neto, Regivaldo Pereira Galvo, Danny
Gutzeit, Jos Francisco Vitoriano, Vitalmiro Gonalves de Moura,
Luiz Ungaratti, Yoakim Petrola de Melo Jorge figurem como
investigados ou processados.
113. Encaminhar este Relatrio e cpia dos documentos autuados
pela Secretria contendo as informaes bancrias, fiscais e
telefnicas, Receita Federal do Par, sob a garantia do sigilo, para
que instaure procedimento de fiscalizao contra Laudelino Dlio
Fernandes Neto, Regivaldo Pereira Galvo, Danny Gutzeit, tendo
em vista que no apresentaram declaraes de imposto de renda em
alguns perodos, entre 19 98 a 2004.
114. Encaminhar este Relatrio, as notas taquigrficas da 36
reunio desta CPMI e cpia dos documentos autuados pela
Secretria sob os n 356, 357, 358, 369, 383, ao Ministrio Pblico
in stauraodede
Federal no Mato Grosso para que determine a instaurao
procedimento de
procedimento
de investigao
investigao acerca
acerca das
das aes
aes de
de Gilberto
Gilberto Luiz
Luiz de
de
Resende, conhecido como Gilberto, no que tange a fraude em
ttulos relativos a terras pblicas da Unio na regio de
Confresa/MT.
115. Encaminhar este Relatrio e cpia dos documentos au tuados
pela Secretria contendo as informaes bancrias do SENAR/RS,
sob a garantia do sigilo, para que o Ministrio Pblico Federal no
Rio Grande do Sul possa instruir o Procedimento Administrativo n
1.29.000.000683/2001 -11.
116. Recomenda a o Ministrio Pblico de Pernambuco Promover
diligncias para apurar denncias de que a Polcia Militar associou se a jagunos, pagos pelos proprietrios da Usina Aliana, no
municpio de Aliana, a fim de promover desocupao ilegal de
rea ocupada por tra balhadores rurais

Recomendar ao Ministrio Pblico o indiciamento e a adequada


persecuo cvel e criminal dos responsveis pelos crimes de
formao de quadrilha, extorso e demais delitos ligados s prticas
da direo do Movimentos dos Sem Terra (MST), especi almente:
Joo Pedro Stdile Coordenador Nacional do MST; Gilmar
Mauro Coordenador Nacional do MST; Joo Paulo Rodrigues
Diretor Nacional do MST; Jos Rainha Jnior Coordenador do
MST do Pontal do Paranapanema, Estado de So Paulo; Jaime
Amorim Coordenador do MST de Pernambuco .
(RECOMENDAO REJEITADA)
Recomendar ao Ministrio Pblico, que por ocasio do ajuizamento
de aes cveis visando a indenizao por danos causados a
patrimnios pblico, privado e ambiental por membros do
Movimento dos Sem Terra (MST), passe a incluir, na qualidade
de litisconsortes passivos a Associao Nacional de Cooperao
Agrcola ANCA, a Confederao das Cooperativas de Reforma
Agrria do Brasil CONCRAB e o Instituto Tcnico de
Capacitao e Pesquisa d a Reforma Agrria ITERRA, conjunta
ou separadamente, em virtude de haver restado configurado que
constituem a figura jurdica de grupo econmico.
Envio dos autos ao Ministrio Pblico para que avalie a atuao do
Ouvidor Agrrio Nacional e, c aso entenda devido, convoque -o para
celebrar Termo de Ajustamento de Conduta a fim de evitar novos
excessos em sua atuao.

NO CONSTA

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CPMI DA TERRA

115. Encaminhar este Relatrio e cpia dos documentos autuados


pela Secretria contendo as informaes bancrias do SENAR/RS,
sob a garantia do sigilo, para que o Ministrio Pblico Federal no
Rio Grande do Sul possa instruir o Procedimento Administrativo n
1.29.000.000683/2001 -11.
116. Recomenda ao Ministrio Pblico de Pernambuco Promover
diligncias para apurar denncias de que a Polcia Militar associou se a jagunos, pagos pelos proprietrios da Usina Aliana, no
municpio de Aliana, a fi m de promover desocupao ilegal de
rea ocupada por trabalhadores rurais
117. Encaminhar ao Ministrio Pblico do Par este Relatrio e
cpia dos documentos autuados pela Secretria contendo as
informaes bancrios, fiscais e telefnicos, ao Ministrio Pblico
do Estado do Par, sob a garantia do sigilo, para instruo dos
inquritos e processos criminais nos quais Laudelino Dlio
Fernandes Neto, Francisco Alberto de Castro, Lzaro de Deus
Vieira Neto, Regivaldo Pereira Galvo, Danny Gutzeit, Jos
Francisco Vitoriano, Vitalmiro Gonalves de Moura, Luiz
Ungaratti, Yoakim Petrola de Melo Jorge figurem como
investigados ou processados.
118. Encaminhar este Relatrio e cpia dos documentos autuados
pela Secretria sob o n 375, ao Minis trio Pblico do Estado do
Par, para que indicie Dcio Jos Barroso Nunes (Delso), pelos
crimes de falsidade ideolgica (art. 299 do CPB) e apropriao
ilegal de terra pblica, alm de outros que os representantes do
parquet entenderem cabveis.
119. Ao Ministrio Pblico do Estado do Par para promover
diligncias para apurar denncias do envolvimento do Delegado de
Polcia Civil, Pedro Monteiro, com fazendeiros e jagunos da regio
de Anap, apontados como responsveis por prticas violentas
contra trabalhadores rurais.
120. Ao Ministrio Pblico do Estado do Par: Criar fora -tarefa
com o objetivo de fiscalizar a atuao das Polcias Civil e Militar do
Estado do Par, nos diversos Inquritos Policiais no concludos,
envolvendo crimes decorren tes de conflitos no campo.
121. Ao Ministrio Pblico do Estado do Par: Promover
diligncias para verificar a participao de tabelies e registradores
na prtica de delitos como a grilagem de terras e fraudes nos
registros de imveis.
122. Ministrio Pblico de So Paulo: Encaminhar este Relatrio e
cpia dos documentos autuados pela Secretria que tratam das
transferncias dos sigilos bancrios, fiscais e telefnicos de Manoel
Domingues Paes Neto, ao Ministrio Pblico do Estado d e So
Paulo, sob a garantia do sigilo, para instruo dos inquritos e
processos criminais que apuram contrabando e porte ilegal de
armas.
123. Ministrio Pblico de So Paulo: Encaminhar este Relatrio, as
notas taquigrficas da 22, 23 e 29 reunies desta CPMI e cpia de
Fita VHS e de documentos autuados pela Secretria sob os n 315,
342, 365, 417, ao Ministrio Pblico do Estado de So Paulo para
que determine a instaurao de procedimento de investigao acerca
das relaes existentes en tre Luiz Antnio Nabhan Garcia, a UDR
Nacional e a UDR de Presidente Prudente, com a formao das
milcias privadas no Pontal do Paranapanema, Estado de So Paulo.
124. Ministrio Pblico do Paran: Encaminhar este Relatrio e
cpia dos documen tos autuados pela Secretria sob os n 397, 409,
410, 415, 416, 420, 421, 422 e 453, que tratam de transferncias dos
sigilos bancrios, fiscais e telefnicos, ao Ministrio Pblico do
Estado do Paran, sob a garantia do sigilo, para instruo dos
inquritos e processos criminais nos quais Joo Della Torres Neto,
Waldir Copetti Neves e Adair Joo Sbardella figurem como
investigados ou processados.
125. Ministrio Pblico do Mato Grosso: Encaminhar este
Relatrio, as notas taquigrficas da 36 reunio desta CPMI e cpia
dos documentos autuados pela Secretria sob os n 356, 357, 358,
369, 383, para que o Ministrio Pblico do Estado de Mato Grosso
promova o indiciamento de Gilberto Luiz de Resende, conhecido
como Gilberto, pelos crimes de constrangimento ilegal e ameaa,
previsto nos artigos 146 e 147 do Cdigo Penal Brasileiro, alm de
outros que os representantes do parquet entenderem cabveis.
126. Implantao imediata pelos rgos municipais competentes
(Prefeituras e Cmaras de Vereadores), especialmente em Goinia,
das diretrizes e instrumentos previstos no Estatuto das Cidades,
sobretudo no que tange elaborao e implantao dos planos
diretores, garantindo -se

Quadro comparativo das recomendaes dos relatrio vencido e vencedor

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127. Garantir a efetiva participao popular na elaborao dos


planos diretores municipais, na definio e implementao de uma
poltica habitacional de interesse social e na gesto democrtica das
cidades;
128. Priorizar a implantao das zona s especiais de interesse social,
com vistas regularizao das ocupaes de baixa renda.
129. Implantao urgente de uma poltica habitacional de forma
descentralizada e participativa, integrada poltica urbana,
envolvendo os movimentos soci ais de luta pela moradia, estados e
municpios.
130. Previso de recursos, no Oramento Geral da Unio, para
viabilizar os programas de acesso ao crdito e financiamentos
habitacionais, principalmente para a populao de baixa renda.
131. Implementao imediata da Lei no 11.124/05, especialmente
do Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social.
132. Regularizao fundiria das ocupaes e assentamentos
irregulares de baixa renda, conforme prev o Estatuto das Cidades.
133. Cumprimento imediato das determinaes previstas na Medida
Provisria n 2.220, de 2001, que estabeleceu a concesso especial
de uso para fins de moradia em terras pblicas.
134. Incentivo s cooperativas habitacionais e os muti res para a
produo de habitao de interesse social, com garantia de
assistncia tcnica e material.
135. Reviso da legislao de parcelamento do solo e de registro de
imveis, com vistas simplificao de procedimentos de
regularizao fun diria e reduo de custos.
136. Aprovao imediata do Projeto de Lei n 3.057, de 2000, que
inclui 2 no art. 41, da Lei n 6.766, de 19 de dezembro de 1979,
numerando-se como pargrafo 1 o atual pargrafo nico, na forma
de Substitutiv o que promove ampla reviso e atualizao da referida
lei, luz do Estatuto da Cidade.
137. Elaborao e aprovao de lei complementar, prevista no art.
23, pargrafo nico, da Constituio Federal, que fixar normas
diversosestados
estadosfederados,
federados,tendo
tendoem
em
para a cooperao entre os diversos
vista o equilbrio do desenvolvimento e do bem -estar em mbito
nacional, em especial no que tange promoo de programas de
construo de moradias e melhoria das condies habitacionais e
de saneamento bsico.
138. A imediata aquisio da rea definitiva pelo Estado de Gois e
Municpio de Goinia para o assentamento das famlias desalojados
do Parque Oeste Industrial, conforme compromisso do Termo de
Ajustamento de Conduta firmado em maio de 2005, entre o
Ministrio Pblico do Estado de Gois, o Governo do Estado de
Gois e a Prefeitura Municipal de Go inia.
139. Implantar infra -estrutura bsica e servios pblicos
indispensvel garantia do direito moradia adequada na rea de
assentamento.
140. Indenizar as famlias pelos danos materiais e morais ocorridos
ao longo de todo o processo e que ainda persistem.
141. Realizar as melhorias necessrias para transformar as atuais
moradias do acampamento provisrio (Setor Graja) em moradias
dignas e seguras e interveno fsica de urbanizao, tais como
ampliao signific ativa do nmero de banheiros, aumento dos
pontos de abastecimento de gua etc., at o assentamento definitivo
das famlias.
142. Garantir o atendimento sade e educao no acampamento
provisrio (Setor Graja), bem como provimento do direito humano
alimentao adequada atravs da distribuio de cestas bsicas
quando esta medida se fizer necessria.
143. Incluir as famlias despejadas em polticas pblicas municipais,
estaduais e federais, de transferncia de renda, de forma arti culada
com programas de gerao de emprego e renda e qualificao
profissional das famlias.
144. Aprovar o Plano Diretor participativo de Goinia, prevendo os
instrumentos do Estatuto da Cidade regularizao fundiria e
induo do cumprimento da funo social e respeitando as
Resolues do Conselho Nacional das Cidades.
145. Demarcao da rea definitiva de assentamento das famlias da
Ocupao Sonho Real como Zona Especial de Interesse Social para
a realizao de regularizao fundiria que garanta adequada
urbanizao e titulao.
146. Apresentao do Incide nte de Deslocamento de Competncia
perante o STJ, conforme previsto no 5 do art. 109 da Constituio
Federal, com a redao dada pela Emenda Constitucional n
45/20004, visando federalizao das investigaes e do
julgamento dos crimes contra os direi tos humanos ocorridos durante
o despejo forado, de sorte a garantir punio justa e exemplar dos
responsveis.

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CPMI DA TERRA

147. Concluso dos inquritos criminais e apresentao de denncia


envolvendo os crimes eleitorais e os de improbidade administrativa
cometidos por candidatos e agentes durante as eleies municipais
de 2004, mediante falsas promessas de consolidao da oc upao da
rea do Parque Oeste Industrial que induziu o adensamento da
ocupao, a resistncia da famlia na rea e o agravamento do
conflito.
148. Devoluo dos autos do Inqurito Civil Pblico ao Ministrio
Pblico Estadual para que conclua a s investigaes e apurao da
adequao do encaminhamento Polcia, uma vez que foram
colhidos depoimentos de vtimas e de policiais envolvidos na ao
de despejo, com garantia de sigilo autoridades policiais para
garantia da integridade pessoal dos dep oentes.
149. Concluso dos inquritos civil e criminal que visam a apurao
da responsabilidade das autoridades pblicas pelas violaes de
direitos humanos ocorridas durante o despejo da Ocupao Sonho
Real.
150. Envio da documenta o, relacionada ao episdio de Goinia e
reforma urbana no Brasil, sejam encaminhadas s Comisses de
Desenvolvimento Urbano da Cmara dos Deputados e do Senado
Federal, para que acompanhem a investigao e as aes
governamentais para a soluo definit iva das famlias envolvidas.

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APOIO:

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