Profeta Jeremias

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PROFETA JEREMIAS: COMPLETAMENTE ASSUMIDO POR DEUS A SEU SERVIO


O livro de Jeremias uma excelente introduo ao AT. Nele chegaram a um primeiro amadurecimento
vrios temas bblicos-teolgicos verdadeiramente centrais, e isto numa forma literria que muitas vezes
surpreende e arrebata. Jeremias viveu num momento histrico decisivo: os anos que precederam a queda
de Jerusalm e o comeo do Exlio, isto , o fim e o incio de dois perdios. Nenhum outro personagem
bblico- excetuado Paulo se nos apresenta de um modo to impressionante e concreto como ele:
Jeremias foi o primeiro a introduzir na profecia a contraposio entre conscincia e sentimentos, entre a
voz de Deus e o impulso do corao. Ele no reprime suas emoes, mas as extravasa. 1 O livro de
Jeremias no apenas ensina verdades religiosas, como tambm apresenta uma personalidade religiosa. A
profecia j havia ensinado suas verdades; seu ltimo esforo foi o de revelar-se numa vida!. 2 Um livro
sobre o profetismo ser sempre, em larga escala, um livro sobre Jeremias3.
1- A REDAO DA PALAVRA DO PROFETA
Diante da evidente desordem em que se sucedem no livro de Jeremias, trechos de prosa e poesia,
discursos e narraes, elementos autobiogrficos, foroso conclui que o livro atual no foi projetado por
um s autor, mas o resultado de um longo processo de formao que com auxlio da moderna crtica
exegtica literria, pode ser articulado em 3 etapas principais:
a) A data de 605, oferecida pelo cap. 36,2, para ns um precioso ponto de partida. Nessa data Jeremias
recebeu a ordem de redigir os seus orculos, desde a sua vocao proftica em 627. O profeta serviu-se de
Baruc como secretrio e, tambm, como seu porta-voz. Baruc l, no trio do Templo, os orculos "recmredigidos (36,5-10), a palavra-escrita prolongando o anncio oral. E isto no s para o presente mas
tambm para o futuro: queimado o volume pelo rei, Jeremias prov composio de um outro, que tivesse
o valor de testemunho (36,28; Is 30,8)4.
b) Esse volume original constitui s uma parte do livro de Jeremias, provavelmente s os caps. 1-6. H
porem, toda uma srie de outros textos originais do profeta, em geral mais breves, entre os quais as
Confisses. Espalhadas entre os cap. 1 e 20 (11,18-21; 12,1-6; 15,10-11.15-21; 17,12-18; 18,18-23;
20,7-18) chamados textos A. h os textos narrativos, atribudos a Baruc, especialmente os caps. 36-45,
chamados textos B e finalmente os textos deuteronomsticos, constitudos de narraes e discursos de
Jeremias em reelaborao deuteronomsitca, do tempo do Exlio, chamados textos C. Portanto, podemos
distinguir:
1- Textos A: orculos originais (tambm as confisses);
2- Textos B: biogrficos, narrativos de Baruc (especialmente caps. 36-45);
3- Textos C: textos deuteronomsticos, exlicos ou ps-exlicos, cerca de 1/10 do livro, a maioria nos
caps. 7-25.
c) O modo estranho como esses diversos grupos de textos se justapem se deve a um reiterado sucederse de intervenes redatoriais, as quais em todo caso nos preservaram vastssimo material referente
pregao do profeta. Assim como est o livro de Jeremias costuma ser dividida em 4 partes, entre o ttulo
(1,1-3) e o eplogo histrico do cap. 52 (reproduzido de 2Rs 24,1825,30)
- orculos contra Jud e Jerusalm: 1,4-25,13;
- orculos contra as naes: 25,13-38 e os caps 46-51;
- textos nos quais ocorrem orculos de salvao: caps. 26-35;
- narraes sobre a paixo de Jeremias: caps. 36-45.
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Cf. TESTA, Emanuele. Il Messaggio Della Salvezza. Profetismo, Profeti e Apocalittica. Roma: Elle Di
Ci, 1985, p. 321.
Cf. MESTERS, Carlos. O profeta Jeremias. So Paulo: Paulus, 1992, p. 25.
SCOTT, R.B.Y. Os profetas de Israel, nossos contemporneos. So Leopoldo: ASTE, 1968. p. 55.
Cf. MESTERS, Carlos. O profeta Jeremias. So Paulo: Paulus, 1992, p. 48.

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Outra distribuio do material do livro:
-a) ditos profticos: 1) palavras de juzo contra Jud: caps. 1-24 e 25,1-13;
2) palavras de juzo contra outros povos: 25,13-38 e caps. 46-51;
3) palavras de salvao para Jud: caps. 30-33.
-b) narraes, relato de Baruc, paixo de Jeremias.
1) incio em 19,1-20,6;
2) continuao nos caps. 26-29;
3) principalmente nos caps. 34-45.
Note-se que a palavra do profeta no se fixou de imediato numa forma imutvel. O prprio Jeremias ao
redigir em 604 os seus orculos anteriores, proferidos at 609, no territrio de Efraim, j teve de adaptlos s novas circunstancias... e assim procederam tambm os redatores deuterononsticos de vrios dos
seus orculos durante e aps o Exlio.
2- A VIDA E PAIXO DE JEREMIAS
Examinando os dados do ttulo, as narraes de Baruc, e as Confisses do prprio profeta, revela-nos
a figura de Jeremias sob 3 aspectos, complementares e concntricos:
a) o ttulo redacional (1,1-3): nos fornece, como que de fora, as coordenadas histricas e geogrficas
mais importantes da vida de Jeremias: originrio de uma famlia sacerdotal de Anatot, no territrio de
Benjamim, seu ministrio se desenvolveu, a partir de 627 aC, no tempo dos ltimos os 3 reis de Jud,
distribuindo-se igualmente em 3 fases distintas:
1) a do excelente rei Josias (640-609), que praticava o direito e a justia (22, 15-16), e em cujo reinado,
Jeremias desenvolveu seu ministrio provavelmente no antigo territrio da Samaria, conclamado
converso e anunciando a salvao (caps. 2-3 e 30-31).
2) a do injusto e prepotente rei Joachim (609-598), entronizado pelo fara Necao aps o trgico fim de
Josias, e cujas atitudes provocam imediatamente a segunda fase do ministrio de Jeremias, fase de
ameaas contra Jud e Jerusalm (caps. 4-6), iniciada com o desafiante discurso contra o Templo (7,1-15;
cap. 26), fase tambm do tormento interior expresso nas confisses conservadas nos caps. 11; 15; 17; 18
e 20).
3) a do indeciso rei Sedecias (597-586), entronizado por Nabucodonosor de Babilnia, aps a primeira
ocupao de Jerusalm, e cujo trgico fim mais vezes anunciado pelo profeta (cap. 21; caps. 27-28; cap.
34; caps. 37-38).
b) As narraes de Baruc: referem-nos como no s a palavra, mas a prpria pessoa do profeta se
inseriu na histria contempornea, o profeta aceitando as consequncias, crescentemente dolorosas, do
servio a essa Palavra.
Essas narraes constituem a chamada histria da paixo de Jeremias que se estende desde o comeo
do reinado de Jerusalm, at seu sequestro e envio involuntrio para o Egito: as suspeitas aps o discurso
contra o Templo (7,1-15; 26,1-19); os aoites e a noite passada no pelourinho (20,1-6); a queima do
volume dos orculos e o banimento do profeta, em 604, tempo de Joachim (35,1-32); priso durante o
cerco de 587 (37,11-21); angstia mortal na cisterna de lama (38,1-13); sequestro e envio para o Egito
(42,1-43,7); enfim, desprezo tambm no Egito (33,15-16).
Note-se o tom objetivo de Baruc, que renuncia a qualquer glorificao do profeta, relatando pelo
contrrio suas angstias, desespero, medo da morte (37,20; 38,14-16), ausncia de milagres ou
consolaes divinas, incerteza de qualquer soluo. De fato, enquanto Elias, depois das perseguies
sofridas, sobe ao cu, e as provaes de J so no fim absolutamente recompensadas, a narrativa de Baruc
no conhece um final feliz: Jeremias sucumbe aparentemente submerso, na obscuridade do seu
insucesso5.
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Cf. TESTA, Emanuele. Il Messaggio Della Salvezza. Profetismo, Profeti e Apocalittica. Roma: Elle Di
Ci, 1985, p. 323.

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c) Mas temos ainda, alm dos textos B, preciosas confisses pessoais de Jeremias, as suas confisses,
que aprofundam ainda mais o aspecto dolorosamente humano desta hagiografia sem fundo dourado nem
lampejos de glria.... Atravs delas ficamos sabendo de compls at dos seus familiares de Anatot (11,18;
12,6; 11,19-23) ou de outros adversrios (18,18; 15,10; 20,7-8; 20,10) e, mais ainda e isto novo na
literatura bblica at ento- seus sofrimentos vieram no s de fora, dos adversrios, mas tambm de
dentro, do prprio Deus.
3- O TORMENTO INTERIOR
a) As confisses (11, 18-12,6; 15,10-11.15-21; 17,14-18; 18,19-23; 20, 7-18) segundo
SCHKEL, devem datar do primeiro perodo do tempo de Joachim, anos 609-604, expressam o choque
interior ante a oposio cerrada em Jerusalm, aps a fase mais tranquila do ministrio em Efraim6.
Trata-se de lamentaes nas quais, como em vrios salmos, o profeta clama, queixa-se, discute com
Deus, brada por socorro. So monlogos que, s vezes, mas raramente, expandem-se em dilogo, quando
Deus parece responder (11,22-23; 15,19-21) So confisses que ainda hoje nos comovem porque
nesses temores e dvidas e tentaes, to intensamente expressos, reconhecemos os temores e
perplexidades da nossa prpria vocao. De fato, embora no na mesma medida como um homem da
Antiga Aliana- que nada sabia do Cristo crucificado e ressuscitado- tambm ns tateamos no escuro da
f, enquanto aguardamos a plenitude da Revelao.
b) Homem de litgio (15,10): o primeiro dos motivos do tormento interior de Jeremias, chamado
mesmo contra a sua inclinao, a levar a espada, antes que a paz, a seus irmos. Homem de litgio (sh
rb) porque encarregado de conduzir o processo, ou litgio (rb) de Jav contra seu povo (2,9), tendo de
usar de franqueza contra as lideranas acomodadas que, por isso mesmo, passam a sentir-se incomodadas
pelas suas denncias (20,8). Homem de litgio: tambm com o prprio Deus, cujos caminhos mesmo ao
profeta no so acessveis, ao contrrio da confiana expressa na glosa de Am 3,7 O Senhor Jav nada
faz sem revelar o segredo aos profetas seus servos.... despertando-lhe no corao perguntas como as de
12,1
* Trs perguntas sem resposta exprimem bem todo o alcance deste litgio entre o profeta e Deus: por qu prosperam os maus e sofrem os bons? (12,1); - por qu no cessa a minha dor e no se cura a
minha ferida? (15,18); - por qu nasci, para s ver misrias e consumir meus dias na vergonha? (20,1418).
Nenhuma resposta de Deus, nem mesmo a terceira pergunta sobre o prprio sentido da vida- que
as respostas parciais ao problema da retribuio (12,5) e ao do sofrimento atual do profeta (15,19-21),
sempre lhe do a entender que o sofrimento pertence prpria natureza da misso proftica. E se Deus
repetidamente o salva dos perigos para faz-lo em seguida precipitar em sofrimentos ainda mais
profundos.
c) Incerteza constante a parte do profeta, embora tenha ele, ao contrrio dos falsos profetas, algum
acesso deliberao do Senhor (23,18-22); cf, texto j lembrado de Am 3,7). Esse acesso, porem no
arbitrrio: no o profeta que dispem da Palavra em circunstncias em que dela precisaria, mas e a
Palavra que dispe, livre e imprevisivelmente, do seu profeta. Por isso, chega Jeremias, s vezes a
confessar-se abandonado, desiludido, enganado (15,18, onde ele retorce contra Deus o orculo de 2,13;
20,7, onde o verbo seduzir e o mesmo de Ex 22,15). No entanto, ele sente-se irresistivelmente preso a
Jav, incapaz de conter o fogo que devora por dentro (20,9), de resistir Palavra que o inebria: 23,9.
4- O OUTRO MOISS
Apesar da evidncia do elemento trgico na personalidade e no ministrio de Jeremias, esse
elemento no , evidentemente, o nico. Os relatos da sua vocao, bem como o seu relacionamento com
Deus e com seu povo, revelam-nos vrios traos que o aproximam do grande Moiss.
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Cf. ALONSO SCHKEL, L. SICRE , J. L. Profetas I (Grande Comentrio Bblico) So Paulo: Paulus,
1988, p. 490

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a) O relato da vocao (1,4-10.17-19): importante, como em Isaas e Ezequiel, para a compreenso
da personalidade do profeta. Notem-se os 3 momentos desses relatos: irrupo do divino na vida do eleito,
(muito discreta, em Jeremias 1,4.9); a vocao como tal, constatado de eleio (1,5), rito de iniciao
(1,9), misso (1,7.10), encorajamento (1,8.17); e de permeio, a reao do eleito (1,6).
Salta aos olhos a diferena de reao entre Isaias 6,8 e Jeremias 1,6, o qual sem cerimnias, exprime
o pretexto de no saber falar e de ser ainda uma criana.... Ora esse pretexto de no saber falar foi o
mesmo que Moiss, na sua vocao. Aduziu a Jav (Ex 4,10-17; 6,12.30).
Ora, como no caso de Moiss, tambm no de Jeremias o pretexto no aceito: Jav insiste em servirse dessa criana como seu porta-voz (Jr 1,7.9). Esse detalhe faz recordar a promessa de Dt 18,18, de
um profeta como Moiss; isto , Jeremias, relatando assim a sua vocao, se reconhece um deles.
b) O relacionamento com Deus: como Moiss, Jav desde o incio conheceu a Jeremias e o
santificou - 1,5 e est sempre com ele (1,8.19; 15,20). De sua parte, Jeremias trazia sempre o nome de
Jav (15,16), era seu servo e porta-voz (15,19), com ele mantinha perene contato (as confisses).
c) O relacionamento com o seu povo: como a Jav, tambm, a seu povo o profeta sente-se
profundamente ligado. E isso que o dilacera, ao sentir que sua Palavra a chama e seu povo ser a
lenha... 5,14; 23,29. Dilacera-o assim a sua misso de instrumento do Senhor que vai arrancar e demolir
tanta coisa qual o profeta est apegado (8,18.21.23), onde ele exprime a sua dor pela desolao da filha
do meu povo.
Esse duplo relacionamento com Deus e com seu povo faz dele um intercessor, como Samuel
(1Sm 12,19) e, sobretudo, como Moiss (Ex 32,9-14; Dt 9,18-20.25-29; Sl 106,23). Em Jr 18,20, e
tambm os pedidos que lhe fazem para que interceda: 37,3 e 42,1-4, to poderosa essa intercesso que o
prprio Deus, para efetuar o julgamento sobre seu povo, adverte por vrias vezes o profeta para que no
interceda: 7,16; 11,14; como em Ex 32,10: Deus pede que Moiss o deixe aniquilar o povo.
5- CONVERSO E NOVA ALIANA
Tambm a pregao de Jeremias apresenta caractersticas mosaicas:
a) a converso: correspondendo metania do NT, a palavra de ordem de Jeremias shub voltar,
arrepender-se, converter-se. E isto em 3 fases ou aspectos que se compenetram: 1) voltar atrs ao
primeiro amor (Ap 2,4), s origens, Aliana... como a adltera a quem o esposo, contra toda
expectativa, convidasse a voltar a casa: 2,2; 13,; 4,1; 2) dirigir-se a Jav de todo o corao- como em
3,10.22; 3) afastar-se de tudo o que afasta de Jav, deixando o caminho perverso (36,3), a idolatria e a
maldade que so a causa nica do julgamento que o profeta deve anunciar.
b) No bastam documentos e reformas: Jeremias teve de constatar que seu povo tinha a cabea mais
dura que a rocha, recusando voltar (5,3). E que a reforma de Josias em Jud, culminando com a solene
renovao da Aliana, aps a descoberta do livro da Lei (em 622, cf. 2Rs 22-23), no tinha sido
profunda: Era apenas hipocrisia (3,10), apesar de serem rejeitado a pedra e a madeira, isto , proscrito
ao menos por um tempo e oficialmente: a idolatria....
Assim constatou Jeremias que s a Lei no era suficiente para efetuar a converso: 5,5. E o prprio
Templo, com o seu aparato cultual, podia at desviar o povo desse objetivo essencial: 7,1-15.21-24; 6,20;
11,15. Diante dessa dureza e insensibilidade de corao (6,10.28 paradoxo dos circuncidados que
conservam os seus prepcios: 9,24, Jeremias teve de concluir que as foras humanas no bastam para
curar a radical malcia do corao humano. Chegou ento intuio, 600 anos antes de Paulo, tambm a
partir da prpria experincia, que s a graa divina pode realizar esse impossvel: cura-me, Senhor, e
ficarei curado (17,14); faze-me voltar para que eu possa voltar... (orao que o profeta pe na boca de
Efraim, o filho prdigo arrependido: 31,18)7.

Cf. ALONSO SCHKEL, L. SICRE , J. L. Profetas I (Grande Comentrio Bblico) So Paulo: Paulus,
1988, p. 586.

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A propsito, veja o que escreve TESTA:8 No perodo de desiluso que se segui reforma de Josias,
Jeremias chegou concluso to comprovada no decorrer da histria, de que no se faz bom um povo s
por Atos de Parlamento. No bastava escrever leis boas nos cdigos. Era preciso escrev-las no corao.
Em outras palavras, a nica base adequada para as relaes devidas entre os homens e Deus uma
compreenso interna e pessoal de seus mandamentos, uma resposta interior e pessoal a Ele. No
poderamos dizer, verdade, que Jeremias foi o primeiro a descobrir a importncia da religio individual,
porque ela est implcita em toda a tradio proftica. Mas sua clara nfase neste ponto, no momento em
que todo o aparato da religio pblica institucional havia sido aniquilado, foi de uma importncia
excepcional para todo o desenrolar subsequente da revelao
c) A nova Aliana: a reposta divina, expressa no famoso orculo de 31,31-34 (a mais longa
citao do AT no Novo: Hb 8,8-12), no qual Jav se compromete a intervir pessoalmente, no mais apenas
de fora, nos acontecimentos e na Lei, mas de dentro, renovando e transformando o corao humano,
tornando-o capaz de conhecer o seu Deus (24,7), isto , de am-lo com aquela plenitude que o Dt 6,5
apontava como exigncia altssima.
Era a promessa da Nova Aliana, afinal realizada- supremo tributo ao ministrio proftico de
Jeremias no ltimo gesto de Jesus antes da sua paixo: Este clice a nova Aliana no meu sangue (Lc
22,20). OB: poucos anos antes de Jeremias, Ezequiel relacionar definitivamente a transformao dos
coraes com o dom do Esprito, ao proferir o seu orculo sobre a nova Aliana: Ez 36,25-28 (Sl 51,12).
6- OS ANTEPASSADOS DE JEREMIAS E SUA PRTICA ESPIRITUAL
A conscincia proftica de tipo mosaico, que caracterizava Jeremias, bem como o seu ideal de
salvao escatolgica, que tanto se distingue do ideal messinico de Isaas (NB: referencias ao Messias
davdico, em Jeremias, s em 23,5-6, considerando-se que 30,9 acrscimo posterior e 33,15-16 a
reiterao, tambm posterior, de 23, 5-6) radica-se nas tradies peculiares do reino do Norte, ao qual o
profeta por ser benjaminita, estava instintamente ligado.
a) Anatot e o sacerdote Helcias (1,1): apesar de distante apenas 6 Km de Jerusalm, Anatot ficava na
terra de Benjamim, tribo que, embora politicamente ligada a Jud, sentia-se irm das tribos de Efraim e
Manasses, filhos de Jos, filho, como Benjamim, de Raquel (Sl 80,3).
Alem disso, Jeremias era membro de uma famlia sacerdotal, cuja origem remontava, a Abiatar, o
sacerdote proscrito por Salomo por ter apoiado as pretenses dinsticas de Adonias (1Rs 2,26); e, por
Abiatar, a Eli o sacerdcio de Silo, no territrio de Efraim, onde antes se conservava a Arca (1Sm 4-6),
depois transferida para Jerusalm.
b) Tradies do Norte (= do xodo e da Aliana, condicional): so mais evidentes em Jeremias que
em Isaias, o qual como jerosolimita, d muito mais realce s tradies de Sio e de Davi (promessa
incondicional): Jeremias. Sendo benjaminita, no esconde a sua simpatia pelas tribos do Norte, em cuja
converso trabalhou na primeira fase do seu ministrio, isto , durante o reinado de Josias: cf. orculos dos
caps. 2-3 e 30-31, originalmente dirigidos a Israel- Efraim ver Tb. 31,33-34; caps 35-37).
c) Dependncia de Osias nico do Norte cujos orculos foram conservados por escrito. Notar a
semelhana do momento histrico em que ambos desenvolveram sua atividade: Osias antes da queda de
Samaria (722-720); Jeremias antes da queda de Jerusalm (597-586). Semelhana, tambm na
sensibilidade que aproxima os dois profetas e no prprio contedo e formulao literria de ambos... o que
supe que Jeremias no seu primeiro ministrio entre as tribos do Norte, deve ter-se ocupado intensamente
do legado espiritual do seu predecessor.
De fato, o conhecimento de Deus, o relacionamento entre Jav e Israel, como esposo-esposa e paifilho, tpicos de Osias (Os 1-3; 11,1-9). Retornam e se identificam em Jeremias 3,1-5.19-25 e 4,1-2;
31,18-20. E como Oseias relacionava o futuro escatolgico de Israel com os primeiros tempos do
deserto, marcados por um profundo conhecimento e amor de Jav (2,16-22), assim Jeremias prenuncia
a Nova Aliana caracterizada tambm por semelhante conhecimento e amor (31,33-34).
8

Cf. TESTA, Emanuele. Il Messaggio Della Salvezza. Profetismo, Profeti e Apocalittica. Roma: Elle Di
Ci, 1985, p. 349.

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7- A PREGAO EXISTENCIAL
Outra caracterstica comum a Oseias e Jeremias o fato de a prpria vida de ambos ter-se de tal
modo empenhado na sua pregao que ela mesma foi transformando-se em mensagem.
a) Aes simblicas dos profetas: pouco antes do Cisma que, aps a morte de Salomo (931),
separou Israel de Jud, o profeta Aias dividiu o seu manto em 12 pedaos dos quais entregou 10 a
Jeroboo (1Rs 11,26-40), tambm Isaas advertindo contra o desastroso fim da aliana com o Egito, andou
por 3 anos descalo e malvestido como escravo (Is 20,1-6). Assim Jeremias, aparecendo em pblico com
uma canga ao pescoo, advertia aos jerosolimitas que se submetessem a Nabucodonosor (caps. 27-28),
especialmente 27,1-11 e 28,1-14): quebrando uma bilha publicamente, anunciava a destruio do povo e
da cidade (19,1-2.10-11.14-15); comprando um campo durante o assdio, ele insinuava que a destruio
da cidade no era a ltima palavra de Jav (32, 1-15.24-25.42-44) tambm 43,8-13, no Egito e, 51,59-64,
orculo contra Babilnia lanado no Eufrates.
b) Matrimonio de Osias e celibato de Jeremias: em vez do relato explcito da vocao, que se
encontra no comeo de vrios livros profticos) Is 6; Jr 1; Ez 1-3), Osias 1,2 assinala como incio do seu
ministrio proftico a ordem divina de casar-se com uma prostituta e gerar filhos com ela... e, em 3,1,
ainda a injuno de aceitar novamente o amor da esposa adltera. Era a ordem de vivenciar diante de todo
o povo, na prpria vida, a experincia do amor de Jav-esposo, amor trado mas invencvel.
Tambm Jeremias chamado a ser um sinal vivo, em toda a sua vida, da solido que se apoderar de
Jerusalm culpada: por isso, no dever casar-se em gerar filho (16,2), permanecendo, contra todos os
hbitos ento vigentes, celibatrio, por ordem do Senhor... (Esta a verdadeira solido do profeta 15,17),
martrio que prenuncia a renncia que S Paulo aconselha, na 1Cor 7,26-31, em vista da transitoriedade da
figura deste mundo... De outro lado, esta renncia famlia prpria deixava o profeta inteiramente livre
para participar, sem reservas, do destino do seu povo, naquela fase histrica, de certo modo escatolgica.
c) Totalmente assumido por Deus: A atividade de mediador e intercessor, por ele exercida durante a
vida (18,20 e 37,3; 7,16 e 11,14), reconhecida aps sua morte como algo que continua: Este o amigo
dos irmos... o que intercede pelo povo e pela cidade (2Mc 15,14).
Tambm o seu sofrimento foi reconhecido como salvfico e, muito provavelmente, insinuou ao
Dutero-Isaas, cerca de 40 anos depois, os famosos 4 poemas sobre o Servo Sofredor (Is 42,1-7; 49, 1-6;
50, 4-9; 52,13-5312), nos quais h vrios detalhes que parecem retratar Jeremias (Is 49,1 e Jr 1,5; Is 53,7 e
Jr 11,19). Neles parece ler-se a resposta, afinal, s angustiadas perguntas do profeta sobre o porqu e o
para qu do seu martrio: Por nossos crimes foi castigado.... Por suas chagas fomos curados... (Is 53,5).
Mas a sua grandeza no termina a: esse novo Moiss, anunciador da nova Aliana, intercessor e sofredor
por seus irmos, certamente a prefigurao mais notvel, no AT, do definitivo mediador e redentor,
Jesus, o Cristo (cf. MT 16,14, uma das opinies sobre Jesus: seria ele Jeremias?).

BIBLIOGRAFIA
ALONSO SCHKEL, L. SICRE , J. L. Profetas I (Grande Comentrio Bblico)
So Paulo: Paulus, 1988 .
BROWN, Raymond. (et all) NOVO COMENTRIO BBLICO SO JERNIMO.
SP. Paulus/ Academia Crist, 2007.
TESTA, Emanuele. Il Messaggio Della Salvezza. Profetismo, Profeti e
Apocalittica. Roma: Elle Di Ci, 1985,
MESTERS, Carlos. O profeta Jeremias. So Paulo: Paulus, 1992

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