Síndrome de Legg-Calve-Perthes
Síndrome de Legg-Calve-Perthes
Síndrome de Legg-Calve-Perthes
Um osso longo composto por duas epfises (extremidades, recobertas por cartilagem) e uma difise (corpo
do osso). A metfise a regio de transio entre epfises e difise.
Nos ossos longos a ossificao endocondral comea na difise (centro de ossificao primrio, que vai se
expandindo em direo s epfises). Este processo de ossificao endocondral constitui na calcificao do tecido
cartilaginoso ali existente, provocando morte dos condrcitos, seguida de invaso por tecido mesenquimal (rico em
vasos sanguneos e osteoblastos que so as clulas responsveis pela formao do tecido sseo mineralizado). O
centro de ossificao primrio vai se expandindo at as extremidades e, ao nascimento a difise j est totalmente
ossificada.
Logo antes ou ao nascimento inicia um novo processo de ossificao (desta vez nas epfises). Vo surgindo
mais centros de ossificao epifisrios, que vo se expandindo e deixando uma placa cartilaginosa entre epfise e
metfise ossificada a PLACA EPIFISRIA = PLACA DE CRESCIMENTO.
Embora difise e metfise sejam bem vascularizadas, a nutrio arterial das epfises precria (pois a placa
epifisria uma barreira natural que impede que o sangue metafisrio alcance as epfises). Sendo assim as epfises
necessitam receber irrigao de pequenas artrias que penetram na capsula articular.
A cabea do fmur uma epfise totalmente intracapsular e, portanto, irrigada por artrias chamadas
retinaculares (ou artrias cervicais ascendentes), ramos das artrias circunflexas lateral e medial do fmur (que so
ramos das artrias femorais). Estes vasos perfuram a capsula articular e correm marginando o colo femoral at
penetrarem na cabea do fmur.
A doena de Legg-Calv-Perthes (DLCP) comeou a ser estudada h 100 anos (1910) graas ao advento da
possibilidade dos estudos clnicos por imagem radiogrfica (1895). Em 1910, trs estudos foram publicados
respectivamente por A. Legg, J. Calv e G. Perthes; estes estudos descreviam uma nova afeco do quadril da
criana, diferente da tuberculose articular que era a doena mais comumente encontrada naquela poca.
EPIDEMIOLOGIA
A incidncia da DLCP de, aproximadamente, 15 por 100.000, sendo mais comum nos meninos do que nas
meninas na proporo de 4:1. Afeta crianas entre 2 e 12 anos, com pico aos 6 anos, ocorrendo bilateralmente em
10 a 20% dos casos. A doena muito rara nos indivduos afrodescendentes e nos chineses. Maior incidncia nos
indivduos de classe social mais pobre (Classe 5: 26/100.000) sendo na denominada Classe 1, de 4/100.000.
ETIOLOGIA
Ocorre basicamente uma interrupo do suprimento sanguneo que leva isquemia na cabea do fmur.
No h uma teoria nica sobre a causa que leva parada transitria da circulao na cabea femoral. Dentre as
especulaes encontram-se: Trombofilias, aumento de viscosidade sangunea, infarto de repetio, aumento da
presso hidrosttica intracapsular (sinovite transitria) e alteraes lipdicas.
Trueta (1949) atribui a causa de necrose ao fechamento dos vasos epifisrios localizados na regio
posterossuperior do quadril, demonstrando que nas crianas na faixa etria dos quatro aos sete anos a nica fonte
de suprimento sanguneo para a epfise femoral proximal so os vasos epifisrios laterais, os quais por traumatismos
ou processo inflamatrio, com consequente obstruo, poderiam levar DLCP.
Camargo et al (1984) e Godoy Jr. (1988) demonstram com estudos angiogrficos seletivos da artria
profunda, que os pacientes com DLCP apresentam ocluso parcial ou total da artria circunflexa medial dos quadris
acometidos, o que poderia tornar a epfise femoral proximal susceptvel isquemia na faixa etria dos quatro aos
oito anos.
No h razo para questionar a hiptese de que a DLCP causada por uma isquemia da epfise. Pode
ocorrer tambm um dficit na drenagem venosa do quadril. Ento, a etiopatogenia da molstia seria assim
explicada:
1) Ao nascer, a criana traz consigo alteraes vasculares provavelmente de origem gentica;
2) Com o passar do tempo, alteraes no crescimento esqueltico e na maturao ssea da criana ocorrem;
3) Na faixa etria dos quatro aos oito anos, quando a epfise mais susceptvel isquemia, pelo padro vascular
desta faixa etria, o processo seria desencadeado por um fator capaz de romper o precrio equilbrio circulatrio
mantido at ento.
Este fator desencadeante seria: um traumatismo articulao provocando a obstruo arterial e/ou venosa;
um episdio de sinovite, traumtica ou inflamatria (por foco infeccioso distncia) produzindo tamponamento e
obstruo arterial e/ou venosa; uma fratura por estresse ou patolgica da epfise, interrompendo a irrigao
sangunea em maior ou menor grau.
As alteraes vasculares evidentes na DLCP so: diminuio da vascularizao no lado afetado, ausncia da
artria circunflexa medial ou, ento, a presena de artria circunflexa medial atrfica ou com obstruo de seus
ramos distais.
FISIOPATOLOGIA
A doena caracterizada por necrose avascular do ncleo de ossificao da epfise proximal do fmur,
seguida por fratura subcondral, revascularizao e a remodelao do osso morto durante o desenvolvimento da
criana. A sinovite a primeira reao clnica a ocorrer no quadril, em resposta necrosa da cabea femoral j
instalada. Sinovites recorrentes ou de durao prolongada devem levantar a hiptese de DLCP.
O processo de reparao inflamatrio, provocando edema articular com distenso capsular, o que resulta
em dor. A necrose leva parada de crescimento da epfise, porm a cartilagem articular (banhada pelo lquido
sinovial) continua a proliferar, resultando no seu espessamento e aumento do dimetro da cabea femoral.
A fase de fragmentao (dura 1 ano) caracteriza-se por amolecimento tecidual, sendo esse perodo o de
vulnerabilidade mecnica da cabea femoral, que pode ser deformada em decorrncia do colapso da epfise. Uma
vez restabelecida a circulao, o tecido de granulao vascular invade a epfise e substitui o tecido sseo necrtico.
Inicialmente, ocorre reabsoro de parte do trabeculado sseo, e novo tecido de aposio produz espessamento das
trabculas, o que se manifesta na radiografia pelo aumento da densidade da epfise. A cartilagem articular
espessada sofre moldagem pela posio e pelo movimento da cabea femoral.
Simultaneamente, vrias reas esto sendo reparadas (fase de reparao) pela substituio de osso
necrtico por tecido no mineralizado com deposio e fixao de clcio, recuperando sua resistncia ssea natural
e concluindo a fase de reossificao, com conformao esfrica ou no, de acordo com a evoluo.
QUADRO CLNICO
Dor referida no quadril, joelho ou na regio medial da coxa, claudicao e perda do movimento articular do
quadril, sendo esses sintomas variveis em intensidade para cada paciente. Ocorre diminuio da abduo, flexo e
rotao interna. Ter em mente os principais DD: sinovite transitria do quadril; anemia falciforme; hemofilia
(hemartrose); displasia epifisria mltipla.
Embora o diagnstico precoce no tenha grande importncia com relao ao tratamento, o uso da imagem
permite diferenciar a DLCP de outras afeces que requerem tratamento mais imediato. A radiografia o exame
clssico para confirmar o diagnstico, embora falhe em mostrar a fase inicial da doena. A cintilografia evidencia
precocemente a rea isqumica, sendo til quando: nos casos de sinovite aguda, na qual os sintomas perduram por
2 a 3 semanas; para demonstrar o grau de envolvimento da epfise e sua revascularizao.
RADIOGRAFIAS: diagnstico, prognstico e orientar a conduta. Incidncias: AP e Lauenstein (em posio de r).
Sinais mais precoces:
Diminuio altura do ncleo epifisrio, com consequente aumento indireto do espao articular (s
vezes o NICO SINAL).
Hiperdensidade
Fratura subcondral (sinal do crescente).
Sinais intermedirios/tardios:
Fragmentao epifisria
Deformidade epifisria
Cistos metafisrios (no colo do fmur).
A RNM tambm til para evidenciar precocemente a necrose e sua extenso, no entanto, possui muitos
resultados falso-negativos. A artrografia tem sido o exame mais utilizado no manuseio da doena, sendo til para
avaliar o grau de deformidade da cabea femoral e para determinar, no pr-operatrio, a posio do quadril em que
ocorre melhor congruncia articular quando a cabea estiver subluxada.
CLASSIFICAO RADIOGRFICA
O diagnstico feito pelo quadro clnico e confirmado com exames complementares. Catterall classifica os
estgios da DLCP de acordo com os achados radiogrficos em 4 grupos.
Grupo I: Pacientes apresentam acometimento de at um quarto da cabea femoral, sendo este apenas da
poro anterior da cabea do fmur. No h colapso ou sequestro da rea necrtica e nem envolvimento da
metfise.
Grupo II: Processo envolve a metade anterior da cabea femoral, podendo haver colapso da epfise e fratura
subcondral nessa regio.
Grupo III: Dois teros do ncleo sseo estariam afetados, denominados como cabea dentro da cabea
(fratura subcondral no domo da epfise). Somente o tero posterior da epfise no est comprometido.
Colapso da epfise est presente.
Grupo IV: A epfise est totalmente acometida. O colapso acentuado, ocorrendo perda precoce da altura
entre a placa de crescimento e o teto do acetbulo, indicando achatamento da cabea femoral.
Salter e Thompson criaram uma classificao baseada num sinal radiogrfico de lise subcondral, divida em
dois grupos: A Quadris com extenso da leso at metade da cabea; B Comprometimento da lise subcondral de
mais da metade da cabea femoral. Essa classificao s pode ser utilizada nas fases iniciais da doena, quando a
fratura subcondral visvel.
Classificao de Hering (reabsoro do pilar lateral epifisrio):
O pilar lateral da cabea do fmur o principal responsvel pela sustentao do peso nas crianas com DLCP.
Sua preservao evita a subluxao da epfise e previne deformidades graves. Aps 2 anos da doena o resultado
final da epfise femoral pode ser observado e avaliado quanto ao grau de deformidade residual (quanto mais
acentuado, maior a probabilidade de osteoartrose precoce).
Destaque para 2 deformidades de mau prognstico: Coxa magna (aumento da cabea femoral em relao ao
acetbulo) & Coxa plana (cabea e colo femoral achatados, em forma de cogumelo).
A centralizao deve ser realizada quando a cabea ainda estiver com a esfericidade preservada,
demonstrada por artrografia ou ressonncia magntica. Tipos de cirurgia mais usados so a osteotomia de Salter, a
osteotomia proximal varizante do fmur e a artrodiastase.
Para as formas de tratamento conservador, quanto mais cedo for iniciado, melhor o prognstico. As rteses
nessa doena tm como objetivo manter o quadril em abduo e centralizar a cabea do fmur, para diminuir a
deformidade e deix-la mais esfrica. A abduo fora a cabea femoral para se acoplar ao acetbulo. Existem vrias
rteses descritas para o tratamento, mas nenhuma com resultado satisfatrio. As principais so: imobilizao
engessada de Petri e rtese de Atlanta.
A cirurgia indicada quando houver risco de uma incongruncia articular no futuro ou em casos refratrios a
terapia conservadora. Neste caso indica osteotomia plvica ou femoral visando acoplar melhor a cabea femoral
ao acetbulo. Faz-se um corte transversal no osso, interpondo uma placa de forma a modificar sua angulao.
A varizante alivia o estresse sobre a articulao, facilitando a remodelagem da cabea, mas pode provocar
encurtamento (quando realizada antes dos 8 anos). A osteotomia de Salter est indicada em crianas acima dos 6
anos, quando no houver comprometimento da mobilidade e a forma da cabea femoral estiver preservada. Porm,
produz rigidez do quadril por aumentar a presso sobre a cabea femoral. A fixao da osteotomia com placa
angulada o mtodo ideal.
A artrodiastase com fixador externo monolateral, articulado ou no, aplicado no quadril, promove a
acelerao da reossificao da cabea femoral, induz a melhora do grau de mobilidade articular, estando o
procedimento indicado nas fases de necrose e de fragmentao na DLCP. Ele minimiza o estresse entre as
superfcies articulares entre as superfcies articulares e evita o colapso da cabea femoral. Est indicada tambm nos
casos de doena identificada tardiamente, com inpicio acima dos 8 anos, nos quais a mobilidade estpa limitada e a
cabea no apresenta deformidade importante.
DIAGNSTICO DIFERENCIAL DAS PRINCIPAIS DORES NOS MEMBROS EM CRIANA
OSTEOCONDRITES: So alteraes que podem acometer epfises, apfises ou ossos curtos. Apresentam
caractersticas radiolgicas semelhantes: Fase inicial com vascularizao local reduzida, levando a reas de esclerose.
Segue-se uma fase de revascularizao, em que a radiologia evidencia fragmentao ssea. Por ltimo,
ocorre regenerao ssea.
Doena de Sever: o acometimento da apfise do calcneo e apresenta claudicao por dor espontnea
ou palpao nessa localizao, melhorando com uso de palmilhas.
Doena de Khler: cursa com dor na face superior dos ps (tarso) por acometimento do osso navicular.
Doena de Osgood-Schlatter: a mais comum na adolescncia e acomete a tuberosidade anterior da tbia
(TAT), que o local de insero dos tendes patelares e do quadrceps. mais frequente no sexo
masculino e muito associada prtica de esportes.
Diagnstico: deve ser precoce. Ate 3 meses: Manobras de Ortolani e Barlow. 3 a 18 meses: limitao da
abduo e Sinal de Galeazzi: altura inferior do joelho do lado afetado quando a criana esta em decbito dorsal com
flexo de coxa e joelho. Aps 18 meses: alterao da marcha e Sinal de Trendelenburg: ao ficar de p no m.i.
afetado, o quadril cai para o lado oposto e o tronco desvia-se para o lado afetado. Exames de imagens: Raio-X e USG
Dor de crescimento: Afeta crianas e adolescentes na faixa etria de 4 a 12 anos, mais frequentemente at os 8 ou
10 anos, portanto no comum na adolescncia. Seu nome indevido, pois surge em fase da vida que no a do
estiro de crescimento.
Caracteriza-se pela presena de dores nas pernas simultnea ou alternadamente, em especial noite
(muitas vezes acordam as crianas), quase sempre associada a exerccios extenuantes e/ou hipermobilidade
articular, com durao superior a trs meses. Cede com massagens. A localizao das queixas no articular, sendo
referida dor em regio inguinal, coxas, oco poplteo e pernas, de forma vaga. Os exames laboratoriais e radiolgicos
esto normais nesses casos.
Sndrome da Hipermobilidade articular: frequente na infncia, a hipermobilidade articular tende a diminuir
medida que a criana cresce. No entanto, mantm se hipermveis. Pode levar ao surgimento de dores locais aps
esforo, devido ao impacto frequente sobre articulaes com grande amplitude de movimentos e nem sempre
preparadas para receber tal sobrecarga. a causa mais frequente de dores nos membros na infncia e comum no
incio da adolescncia.
A existncia de sinais adiante relacionados (apenas um aferido unilateralmente) caracteriza essa
hipermobilidade e a coexistncia de sinais e sintomas associados conhecida como sndrome da hipermobilidade
articular benigna (SHAB). Os sinais a serem pesquisados so: aposio passiva do polegar na fase anterior do
antebrao; hiperextenso dos dedos das mos, de forma que fiquem paralelos superfcie extensora dos
antebraos; hiperextenso dos cotovelos acima de 10 graus; hiperextenso dos joelhos acima de 10 graus e
conseguir colocar as palmas das mos no cho sem fletir os joelhos.
Doena Falciforme: cursa com vrios tipos de manifestaes osteoarticulares, dependendo da faixa etria. A
sndrome mo-p (dactilite) mais comum nas crianas menores. As crianas maiores e adolescentes podem sofrer
dor intensa na coluna vertebral, ossos e articulaes por conta de crises vaso-oclusivas, com infartos sseos e da
membrana sinovial.
Leucemias na infncia e na adolescncia: podem se iniciar com quadros articulares, oligo ou poliarticulares,
migratrios ou cumulativos. A leucemia usualmente se apresenta com linfonodo e hepatoesplenomegalia, dor ssea
importante (tibial e esternal), palidez cutaneomucosa e desproporo entre sinais inflamatrios e dor, isto , a dor
muito intensa para poucos sinais inflamatrios. Claudicao tambm uma queixa frequente na leucemia, mas, via
de regra, o exame da articulao dolorosa mostra-se normal. Alm das alteraes hematolgicas sugestivas do
quadro (leucopenia ou leucocitose com linfocitose, anemia e trombocitopenia), o achado da tarja leucmica (rea de
hipertransparncia metafisria) no exame radiolgico dos ossos longos ajuda no diagnstico dessa enfermidade.
LER/DORT: vm crescendo em importncia junto aos pediatras pelo uso cada vez mais frequente de computadores e
jogos do tipo videogames por crianas, desde os pr-escolares at os adolescentes. Podem manifestar- se em
qualquer parte do corpo, ocorrendo mais frequentemente em membros superiores, colunas cervical e lombar.
Decorrem da realizao de movimentos contnuos, posturas inadequadas e estresse emocional mantidos por
perodos de tempo variados. Os sintomas mais precoces so sensao localizada de desconforto ou peso na regio
afetada, formigamento e dor, inicialmente aos movimentos, passando a dor persistente e, nos estgios mais
avanados, podem aparecer sinais inflamatrios
Artrite reumtica: Nesse caso o comprometimento mais localizado na interface articular, e no no ncleo sseo da
cabea femoral. Se caracterizam radiologicamente por osteopenia regional e irregularidades nos contornos das
superfcies articulares.
ROTINA LABORATORIAL MNIMA NA INVESTIGAO DAS DORES NOS MEMBROS NA ADOLESCNCIA
Hemograma completo;
VHS e protenas de fase aguda;
EAS;
Exame parasitolgico de fezes.